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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA ANÁLISE AMBIENTAL E REGIONAL
SÉRGIO GONÇALVES
O MST EM QUERÊNCIA DO NORTE – PR: DA LUTA PELA TERRA
À LUTA NA TERRA
Maringá 2004
SÉRGIO GONÇALVES
O MST EM QUERÊNCIA DO NORTE – PR: DA LUTA PELA TERRA
À LUTA NA TERRA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Maringá para obtenção do Título de Mestre em Geografia. Área de Concentração: Análise Regional Orientador: Prof. Dr. Elpídio Serra
Maringá 2004
RESUMO
Entendendo a questão agrária enquanto o rebatimento socioeconômico do
desenvolvimento do capitalismo no campo, o presente trabalho aborda o processo
histórico de formação do campesinato, verticalizando a discussão para o caso
brasileiro que, desigual e contraditoriamente, apresenta especificidades nacionais,
estaduais e intra-regionais. Estudando a região Noroeste paranaense, identificou-se
os principais agentes (Estado e classes sociais) e suas ações na organização dos
espaços regional e local (municípios). No contexto da luta de classes, enfatizou-se o
avanço das lutas camponesas, sobretudo sob a égide de movimentos sociais, com
destaque para o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, visando a
pressão sobre o Estado e a “abertura” dos territórios dominados pelo capital e a
reconstrução de sua existência. Através de dois processos seminais – a luta pela
terra e a luta na terra, elaborou-se uma discussão teórica sobre os processo de
espacialização e territorialização do MST. Contribuindo para a discussão sobre a
reforma agrária, a presente pesquisa apresenta os dados sobre a realidade dos
assentamentos rurais de Querência do Norte e a importância dos camponeses do
MST para o redimensionamento do desenvolvimento local com inclusão social,
qualidade de vida, educação e trabalho.
Palavras-chave: questão agrária; assentamentos rurais; Noroeste paranaense; MST,
Querência do Norte.
RESUMEN
Entendiendo la cuestión agraria en cuanto rebatimiento socioeconómico de lo
desarrollo del capitalismo en el campo, el trabajo aborda el proceso histórico de
formación del campesinato, sobretodo o brasileño qué, desigual y
contradictoriamente, presenta especificidades nacionales, estaduales y intra-
regionales. Estudiando la región Noroeste del Estado del Paraná, se identificó los
principales agentes (Estado y clases sociales), así como sus acciones que resultaran
en la organización de los espacios regional y local (ayuntamiento). No contexto de la
lucha de clases, hemos enfatizado el avanzo de las luchas campesinas, impulsada a
partir de la creación de los movimientos sociales, con destaque para el MST –
Movimiento de los Trabajadores Rurales Sin Tierra, visando la presión sobre el
Estado y “abertura” de los territorios dominados por el capital, buscando la
reconstrucción de su existencia. Por medio de dos procesos seminales – a lucha por
la tierra y lucha en la tierra, hemos elaborado una discusión teórica sobre los
procesos de especialización y territorialización del MST. Contribuyendo para la
discusión sobre la reforma agraria, esta pesquisa presenta los datos sobre la realidad
de los asentamientos rurales del ayuntamiento de Querencia del Norte, así como la
importancia de los campesinos del MST para el redimensionamiento del desarrollo
local con inclusión social, cualidad de vida, educación y trabajo.
Palabras-clave: cuestión agraria; asentamientos rurales; región Noroeste
paranaense; MST, Querencia do Norte.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Elpídio Serra, pelo desafio de ter me acompanhado nesta trajetória,
compartilhando um pouco de seu conhecimento.
Ao Jorge Montenegro e à Fernanda Ikuta, pelo esforço em ajudar a encaminhar o
projeto inicial que resultou nesta Dissertação, colaborando muitas vezes com o
empréstimo de livros, um bom papo, sem contar a alegria da Marininha, cuja
presença nos faz compreender a cada dia o sentido da vida.
Aos colegas da UEM, sobretudo o Zé Roberto, o Terra, a Márcia, a Adélia Haracenko
e os alunos da graduação em Geografia (turma do atual 4º ano), com os quais pude
discutir a questão agrária e contribuir na sua formação durante o Estágio de Docência
de 2002, na disciplina Geografia Agrária.
Aos colegas da FCT/UNESP de Presidente Prudente: Manelão, Thiago, Sérgio
“Mezenga”, Sônia, Maria, Lima, Renata, Túlio, Fabrício, Luizão, Rones, Robison,
Tonhão, Santo, Evandro, Fernando, etc, etc, pela acolhida em vossas casas e no B3,
pela ajuda financeira comprando as mercadorias (doces, pães, cucas) minha e dos
assentamentos, e pelo apoio moral na dura caminhada que foi minha graduação e
luta para chegar à pós-graduação.
Aos estimados amigos João e Míriam da Secretaria do Departamento de Geografia e
Cida, do Departamento de Pós-Graduação, pela ajuda nos encaminhamentos com as
burocracias e as senhas que tanto emperram nossas vidas...
Ao Prof. Aldevino Ribeiro da Silva, pelos dois anos de convívio e seu exemplo de
caráter, ação social, fortaleza e perseverança. Agradeço também a todos aqueles que
compartilharam da estada em sua casa e da alegria do dia-a-dia: Henrique, Dona
Eva, Lucas, Fábio, Thiago, Abdala, etc, etc, etc.
à CAPES, pelo apoio financeiro que possibilitou os trabalhos de campo, os contatos
com o povo sem-terra, a ida a eventos e congressos, permitindo a dinamização do
meu conhecimento acerca da realidade, além da discussão teórica, metodológica e
política.
Aos companheiros e companheiras do MST, tanto da Secretaria Estadual em Curitiba,
quanto da Secretarias Regional de Querência do Norte pelo fornecimento de
informações, apoio logístico. Pátria livre: venceremos!
Aos Prof.es Dalton Moro e Lúcio Tadeu Motta, pelas discussões teórico-metodológicas
durante a fase de Qualificação. Ao Prof. Bernardo Mançano Fernandes pelos
apontamentos conceituais na fase de defesa.
à minha mãe, Josefa. Sem seu apoio financeiro, nunca chegaria tão longe. Ao meu
pai, Manoel. Vocês são exemplos de camponeses, migrantes nordestinos,
trabalhadores em terras de outrem, pequenos proprietários, desterreados por
hidrelétrica, trabalhadores urbanos, depois sem-terra, e por fim, assentados. Suas
vidas de luta são uma pequena mostra do desafio de entender porquê tanta teimosia
em resistir para permanecer – ou conquistar, a terra de trabalho.
Ao grande amor da minha vida. SOLANGE, EU TE AMO.
Á família Engelmann: senhor Mirton, dona Adelaide, Sandra, Cléderson e Sula. Que
as alegrias da vida suplantem os desafios do dia-a-dia no assentamento e que
continuemos mostrando para a sociedade que a reforma agrária é uma das saídas
possíveis e necessárias para o desenvolvimento deste nosso Brasil.
Não adianta olhar pro céu
com muita fé e pouca luta
levanta aí que você tem
muito protesto pra fazer
e muita greve, você pode,
você deve, pode crer...
...muda! que quando a gente muda
o mundo muda com a gente
a gente muda o mundo
na mudança da mente
e quando a mente muda
a gente anda pra frente
e quando a gente muda
ninguém manda na gente!
na mudança de atitude
não há mal que não se mude
nem doença sem cura
na mudança de postura
a gente fica mais seguro
na mudança do presente
a gente molda o futuro!
(Gabriel, o Pensador)
SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS................... 10 LISTA DE FIGURAS...................................................................... 13 LISTA DE QUADROS.................................................................... 16 LISTA DE TABELAS...................................................................... 17 INTRODUÇÃO................................................................................ 211 QUESTÃO AGRÁRIA E AS ESPECIFICIDADES DO
CAMPESINATO BRASILEIRO...................................................... 271.1 Contraponto: questão agrária e desenvolvimento...................... 291.2 Questão agrária clássica: o lugar do campesinato ou o
campesinato fora do lugar?......................................................... 311.3 Formação, as lutas e a resistência do campesinato no
processo histórico e geográfico de estruturação da questão agrária brasileira............................................................ 52
2 QUERÊNCIA DO NORTE: UM ESPAÇO DE CONFLITOS NO
NOROESTE PARANAENSE......................................................... 812.1 O processo de ocupação regional e a questão
fundiária........................................................................................ 832.2 Concentração da terra agrícola, (re) estruturação das
atividades agropecuárias e exclusão social no Noroeste paranaense................................................................................... 100
2.3 A formação do município de Querência do Norte....................... 1152.4 Problemas fundiários e violência no
campo............................................................................................. 1232.5 O projeto Adecon: a mutação de bóias-frias em camponeses
a serviço do capital....................................................................... 1282.6 Exclusão social e a afirmação do latifúndio............................... 143
3 FORMAÇÃO, ESPACIALIZAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO DO MST EM QUERÊNCIA DO NORTE E NO NOROESTE PARANAENSE...............................................................................
153
3.1 Movimentos sociais no campo brasileiro................................... 1553.2 Gênese dos movimentos de luta pela terra no Paraná e sua
contribuição para o desenvolvimento do MST no Brasil.............................................................................................. 161
3.3 A luta pela terra em Querência do Norte: diferenciação política e social entre os sem-terra............................................. 166
3.3.1 Formação do MST............................................................................ 1753.3.2 Espacialização e territorialização do MST no município e
região............................................................................................. 1794 A LUTA NA TERRA....................................................................... 2064.1 Assentamentos rurais, (re)ordenamento espacial e novas
territorialidades............................................................................. 2084.2 Impactos políticos e socioeconômicos dos assentamentos
rurais em Querência do Norte...................................................... 2194.2.1 As propostas de cooperação e desenvolvimento agrícola
gestadas pelo MST........................................................................ 2204.2.2 A produção agropecuária................................................................ 2384.2.3 Educação e cultura......................................................................... 2624.2.4 Renda.............................................................................................. 2754.2.5 A luta pela terra hoje....................................................................... 2874.3 4.3 O papel dos assentamentos rurais para o
desenvolvimento rural e a crítica ao agronegócio enquanto potencializador deste processo.................................................. 300
4.4 MST, organicidade, diferenciação e (des) territorialização....... 312 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................ 317 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................. 325 ANEXOS......................................................................................... 339
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS.
ACARPA Associação de Crédito Rural do Paraná
ADECON Associação de Desenvolvimento Comunitário de Querência do Norte
BRAPAR Brasil Paraná Loteamentos
BRAVIACO Empresa Brasileira de Viação e Comércio
CAPES Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior
CCA-PR
Confederação das Cooperativas dos Assentados de Reforma Agrária do
Paraná
CEFSPRG Companhia Estradas de Ferro São Paulo Rio Grande
COANA Cooperativa Agropecuária Avante
COCAMAR Cooperativa Agroindustrial de Maringá
CONFEPAR Confederação das Cooperativas do Paraná
CONTAG Confederação dos Trabalhadores na Agricultura
COPACO Cooperativa de Produção Agropecuária Conquista
COPAVI Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória
CPT Comissão Pastoral da Terra
DERAL Departamento de Economia Rural
DGTC Departamento de Geografia, Terras e Cartografia
EMATER Empresa de Assistência Técnica Rural
FAEP Federação dos Agricultores do Estado do Paraná
FCT - UNESP
Faculdade de Ciência e Tecnologia – Universidade Estadual Paulista
(Presidente Prudente – SP)
FETAEP Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Paraná
FUNDEC Fundo de Desenvolvimento Comunitário para Programas Cooperativos
ou Comunitários de Infra-Estruturas RuraisIBGE Instituto Brasileira de Geografia e Estatística
IBRA Instituto Brasileiro de Reforma Agrária
ICMS Imposto Sobra a Circulação de Mercadorias e Serviços
IDH-M Índice de Desenvolvimento Humano - Municipal
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
ITR Imposto Territorial Rural
MASTEL Movimento Sem Terra do Litoral do Estado do Paraná
MASTEN Movimento Sem Terra do Norte do Estado do Paraná
MASTES Movimento Sem Terra do Sudoeste do Estado do Paraná
MASTRECO Movimento Sem Terra do Centro-Oeste do Estado do Paraná
MASTRO Movimento Sem Terra do Oeste do Estado do Paraná
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NERA Núcleo de Ensino, Pesquisa, Projetos e Reforma Agrária
ORTNs Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional
PCC Primeiro Comando da Capital
PCR Primeiro Comando Rural
PDA Plano de Desenvolvimento dos Assentamentos Rurais
PNRA Plano Nacional de Reforma Agrária
PM Polícia Militar do Paraná
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PROCERA Programa de Crédito Especial da Reforma Agrária
PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
PT Partido dos Trabalhadores
RENAP Rede Nacional de Advogados Populares
SENAR Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
STR Sindicato dos Trabalhadores Rurais
SUPRA Superintendência de Política Agrária
UDR União Democrática Ruralista
UEM Universidade Estadual de Maringá
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
ULTAB União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Concessões de terras no Noroeste do Estado do Paraná,
1925.................................................................................................... 91
FIGURA 2 Grandes grilos de terra no Paraná..................................................... 95
FIGURA 3 Divisão de terras na Colônia Paranavaí, 1944.................................. 98
FIGURA 4 Dinâmica de uso do solo na Microrregião Norte Novíssimo de
Paranavaí 1970, 1975, 1980, 1995/96 e 2000.................................. 108
FIGURA 5 Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí – área cultivada com
pastagens, lavouras anuais e café 1970, 1975, 1980, 1990 e
1995/96............................................................................................... 111
FIGURA 6 Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: mão-de-obra ocupada
nos estabelecimentos rurais segundo a origem 1970, 1975, 1980,
1985, 1995/1996................................................................................ 112
FIGURA 7 Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: população total,
urbana e rural 1960, 1970, 1980, 1990 e 2000................................. 114
FIGURA 8 Colônia Paranavaí. Loteamento das glebas 27-a, 28 e 29,
1948.................................................................................................... 118
FIGURA 9 Querência do Norte. Perímetro municipal –
2003.................................................................................................... 122
FIGURA 10 Querência do Norte – área ocupada com as principais culturas
anuais e perenes...............................................................................
129
FIGURA 11 Planta da fazenda 29 Pontal do
Tigre...................................................................................................
135
FIGURA 12 Adecon: loteamento da fazenda 29 Pontal do Tigre.......................... 136
FIGURA 13 Família camponesa “assentada” na fazenda 29 Pontal do Tigrhe...................................................................................................
137
FIGURA 14 Casebre de um “assentado” em meio a uma viçosa plantação de algodão, cuja produtividade ultrapassava as 700 arrobas por alqueire............................................................................................... 138
FIGURA 15 Pátio situado atrás da sede da Adecon onde se vê máquinas e implementos estacionados................................................................
141
FIGURA 16 Os agricultores capitalistas foram os grandes beneficiários do projeto Adecon..................................................................................
141
FIGURA 17 Área média dos estabelecimentos de proprietários, arrendatários, parceiros e ocupantes do municio de Querência do Norte...............
147
FIGURA 18 Querência do Norte: população total, urbana e rural....................................................................................................
149
FIGURA 19 Área ocupada pelos diferentes usos da terra em Querência do Norte...................................................................................................
151
FIGURA 20 Sem-terra cuja perna teve de ser amputada após receber um tiro disparado pela PM durante despejo da fazenda Saudade.................
184
FIGURA 21 Noroeste paranaense. Ocupações de terra 1995 a 2000....................................................................................................
186
FIGURA 22 Noroeste paranaense. Conflitos fundiários 1995 a 2001.................................................................................................... 188
FIGURA 23 Mário Sérgio Zachesky, delegado de Querência do Norte, vestido a caráter para uma diligência contra os sem-terra, o eu lhe assegurou o codinome de “Bradock”, em alusão ao personagem do filme americano.................................................................................. 192
FIGURA 24 Chegada da marcha do MST em Curitiba.......................................... 194
199FIGURA 25 Acampamento do MST na praça da matriz em Querência do Norte...................................................................................................
FIGURA 26 Noroeste paranaense. Assentamentos rurais e territorialidade do MST – 2003........................................................................................ 201
FIGURA 27 Querência do Norte – Assentamentos Rurais e Ocupação................ 204
FIGURA 28 Protesto do MST em frente à agência do Banestado, 1998.................................................................................................... 235
FIGURA 29 Querência do Norte – Valor da produção agropecuária (milhões de Reais) segundo a produção total e os principais produtos no período 1984 – 2003..............................................................................................................
243
FIGURA 30 COANA – Posto de Resfriamento de Leite....................................... 246
FIGURA 31 Fabricação de queijo orgânico........................................................... 254
FIGURA 32 Queijo orgânico em processo de defumação..................................... 254
FIGURA 33 Figura 32: Colégio Estadual “Centrão”e Escola Rural municipal
“Chico Mendes”, conquistas do MST na área da
Educação......................................................................................... 266
FIGURA 34 Estúdio da rádio Transformação FM – acampamento Luiz Carlos
Prestes............................................................................................... 274
FIGURA 35 Renda das famílias assentadas segundo a origem,
2002.................................................................................................... 281
FIGURA 36 Acampamento Luiz Carlos Prestes.................................................... 289
FIGURA 37 Acampamento Sebastião da Maia (fazenda Água da Prata)............ 292
FIGURA 38 Acampamento Sebastião da Maia – mobilização contra o
despejo..............................................................................................
297
FIGURA 39 Querência do Norte: População total, urbana e rural, 1960 a
2000.................................................................................................... 301
FIGURA 40 Querência do Norte: valor anual (milhares de Reais) do repasse do
FPM, 1995 a 2004 ............................................................................. 305
FIGURA 41 Taxa de crescimento dos repasses do FPM, 1995 a 2004................ 306
FIGURA 42 Rede de Gestão Territorial do MST em Querência do Norte ............ 317
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 Noroeste paranaense – ocupações de terra segundo o município e
o ano no período 1995 a 2001..........................................................
185
QUADRO 2 Noroeste paranaense – conflitos fundiários segundo o município e
o ano, no período 1995 a 2001......................................................... 189
QUADRO 3 Noroeste paranaense – número de famílias envolvidas em
ocupações de terra no período 1995 a 2001...................................... 201
QUADRO 4 Noroeste paranaense – assentamentos rurais implantados,
segundo o município, o número de famílias e a área em
hectares.............................................................................................. 203
QUADRO 5 Querência do Norte - projetos de assentamentos rurais
(P.A.).................................................................................................. 214
QUADRO 6 Grupos e produtores financiáveis pelo
PRONAF............................................................................................. 232
QUADRO 7 Querência do Norte – área plantada com lavouras anuais no
período 1984 a 2003......................................................................... 240
QUADRO 8 Querência do Norte – produção agropecuária 1984 a
2003.................................................................................................... 240
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Projetos de colonização e assentamentos rurais. Brasil e regiões,
1946 – 1964........................................................................................ 73
TABELA 2 Projetos de colonização e assentamentos rurais. Brasil e regiões,
1954 – 1984........................................................................................ 76
TABELA 3 Grandes grilos de terra no Paraná..................................................... 95
TABELA 4 Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: número de
estabelecimentos rurais por classes de área................................... 101
TABELA 5 Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: área ocupada pelos
estabelecimentos rurais, segundo as classes de área....................... 101
TABELA 6 Norte Novíssimo de Paranavaí: número de estabelecimentos
agropecuários segundo a condição do produtor................................ 103
TABELA 7 Norte Novíssimo de Paranavaí: área ocupada pelos
estabelecimentos agropecuários segundo a condição do
produtor.............................................................................................. 103
TABELA 8 Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: evolução no uso do
solo agrícola (1960, 1970, 1975, 1980, 1985, 1998/1996,
2000).................................................................................................. 108
TABELA 9 Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: mão-de-obra ocupada
nos estabelecimentos rurais segundo a origem 1970, 1975, 1980,
1985, 1995/1996................................................................................ 112
TABELA 10 Famílias beneficiadas com lotes destacados das glebas 27-a, 28 e
29 da Colônia Paranavaí................................................................... 117
TABELA 11 Querência do Norte - utilização de mão-de-obra temporária
segundo os meses de trabalho nos anos de 1975, 1980 e 1985....... 130
TABELA 12 Querência do Norte: número de estabelecimentos rurais segundo
as classes de área............................................................................. 145
TABELA 13 Querência do Norte: área ocupada pelos estabelecimentos rurais,
segundo as classes de área............................................................... 145
TABELA 14 Querência do Norte: número de estabelecimentos agropecuários
segundo a condição do produtor....................................................... 146
TABELA 15 Querência do Norte: área ocupada pelos estabelecimentos rurais
segundo a condição do produtor...................................................... 146
TABELA 16 Querência do Norte - diferentes usos do solo agrícola segundo o
percentual da área ocupada e o ano censitário................................. 150
TABELA 17 Valor percentual da produção agropecuária do município de
Querência do Norte........................................................................... 151
TABELA 18 Querência do Norte – número de propriedades rurais segundo as
classes de área................................................................................. 212
TABELA 19 Querência do Norte – área das propriedades rurais segundo as
classes de área.................................................................................. 212
TABELA 20 Querência do Norte – índice de cooperação agrícola nos
assentamentos rurais........................................................................ 230
TABELA 21 Soma dos créditos destinados a famílias assentadas de Querência
do Norte............................................................................................ 234
TABELA 22 Classificação dos créditos obtidos pelas famílias assentadas de
Querência do Norte, em mil reais (R$)............................................. 236
TABELA 23 Atividades agropecuárias que os assentados querem dinamizar ou
inserir no lote..................................................................................... 256
TABELA 24 Que fator(es) impede(m) o desenvolvimento das atividades
produtivas no lote?............................................................................ 258
TABELA 25 Querência do Norte - destino da produção agropecuária dos
assentados......................................................................................... 259
TABELA 26 Querência do Norte – distribuição dos morados dos assentamentos
rurais, segundo a faixa etária, anos de estudo e sexo, em
dezembro de 2000............................................................................. 267
TABELA 27 Querência do Norte – renda das famílias assentadas em salários
mínimos.............................................................................................. 278
TABELA 28 Querência do Norte – acesso a energia elétrica e posse de bens de
consumo duráveis nos assentamentos rurais, 2002......................... 285
TABELA 29 Querência do norte – condição de moradia nos assentamentos
rurais, 2002......................................................................................... 285
TABELA 30 Acampamento Água da Prata – profissão do chefe da família
anterior ao acampamento.................................................................. 293
TABELA 31 Acampamento Água da Prata – trajetória da família na luta pela
terra.................................................................................................... 294
TABELA 32 Acampamento Água da Prata – renda do chefe da
família................................................................................................. 294
TABELA 33 Acampamento Água da Prata – origem da família segundo o
Estado/País e o local de moradia..................................................... 295
TABELA 34 Querência do Norte - forma de acesso a terra pelos
assentados......................................................................................... 296
TABELA 35 Querência do Norte - População total, urbana e rural, 1960 a
2000................................................................................................. 301
TABELA 36 População total projetada para os municípios paranaenses - 2000-
2010.................................................................................................. 302
TABELA 37 Querência do Norte: dados sobre o Índice de Desenvolvimento
Humano Municipal (IDH-M) 1980, 1991 e 2000............................... 309
TABELA 38 Vínculos políticos das famílias assentadas com o
MST.................................................................................................... 316
21
INTRODUÇÃO
22
INTRODUÇÃO. Esta Dissertação de Mestrado apresenta uma análise aprofundada sobre o MST
(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e suas ações no município de
Querência do Norte, situado na região Noroeste paranaense, tendo por objetivos
principais a abordagem sobre os processos de luta pela terra e de luta na terra,
pontos de partida para a discussão da dinâmica dos impactos sociais, econômicos,
territoriais e políticos dos assentamentos rurais.
As hipóteses que sustentam o presente trabalho têm como ponto de partida os
elementos da questão agrária brasileira e sua contestação pelos movimentos
sociais, que remodelam o processo através da conquista dos assentamentos rurais,
lócus de re-inserção do campesinato, apontando um outro modelo de
desenvolvimento para o campo, negando as transformações políticas, fundiárias,
econômicas, técnicas e sociais que historicamente tem determinando a estruturação
do espaço agrário brasileiro.
No caso do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), as ações táticas
e estratégicas de seus militantes redefinem e criam diferentes formas de luta pela
terra (acampamentos, marchas) e, a partir da conquista dos espaços de cidadania -
os assentamentos rurais (trunfos da luta e lugar de reprodução da família
campesina) - tornam-se também agentes no desenvolvimento de meios necessários
para ampliar a luta pela terra em luta por outros direitos (educação, política agrícola,
saúde, etc), construindo as condições para conquistá-los, elementos que no
conjunto compõe o que priorizamos chamar como a luta na terra.
Organizando a base, o MST discute e implementa formas de organização dos
assentados visando garantir sua viabilização socioeconômica nas áreas reformadas,
elabora ações para organizar as famílias no sentido de minimizar o efeito das
imediações que geram a expropriação da renda e até a expulsão dos pequenos
produtores rurais do campo, pelo e para o capital. Assim, a luta pela terra e a luta na
terra constituem ações do campesinato que desarticulam alguns elementos questão
23
agrária, sobretudo aqueles vinculados à questão agrícola (preço dos produtos,
política de crédito, cadeias produtivas, base técnica da produção, revolução verde, a
grande propriedade) e à questão fundiária (forma de acesso a terra – parceiro,
meeiro, arrendatário, posseiro, e tamanho do estabelecimento rural).
Avançando nesta questão, procurou-se demonstrar que a questão agrária é inerente
ao modo de produção, que o Estado possui os meios políticos para amenizá-la,
apesar de responder aos interesses da burguesia e, fora do pacto político, somente
pela luta e resistência os camponeses conseguem se opor a essas forças
hegemônicas e conquistar a cidadania.
Neste contexto, a luta pela terra e a luta na terra são resultados deste processo,
geram transformações importantes nos espaços onde ocorrem, pois permitem a
abertura do território para o campesinato, impulsionando a geração de diferenciados
fixos e fluxos. A reboque do movimento social, e em certos momentos se
contrapondo violentamente a ele, o Estado ameniza os problemas desenvolvendo
uma incipiente política de assentamentos nos locais onde a crise agrária é mais
severa.
Para conceber a diversidade de elementos da realidade local transformados e/ou
dinamizados pelos sem-terra, realizou-se entrevistas com agentes econômicos
(comerciantes, gerente de banco, proprietários de agroindústrias, atravessadores,
etc), políticos (secretários municipais, presidentes do Sindicato Patronal e Sindicato
dos Trabalhadores Rurais) e técnicos (Emater) discutindo ações políticas, técnicas e
econômicas direcionadas aos assentamentos, além de versar sobre temas como a
história e a agropecuária local/regional.
Quanto ao MST, realizou-se entrevistas semi-estruturadas com suas lideranças,
visando conhecer a importância de agentes mediadores na fase de acampamento,
as discussões para formação dos grupos de famílias e ocupação de fazendas, as
formas de espacialização da luta utilizadas (marchas, passeatas, discussões com a
população, jornais informativos, etc), as dificuldades havidas no acontecer dos
acampamentos (fome, despejos, desistências, violência física e psicológica,
24
perseguição política, assassinatos, etc), as negociações com o Estado, a
estruturação dos Projetos de Assentamentos, a discussão sobre as formas de
trabalho (individual e coletivas) presentes em alguns assentamentos, bem como a
fase atual de luta pela terra e as ações visando a organização da produção, a
discussão sobre educação, a saúde, entre outros temas.
Trabalhando estas questões junto ao MST, surgiu a oportunidade de desenvolver
uma forma de pesquisa participante. Nesta relação, desenvolvemos alguns projetos,
entre eles palestra sobre agroecologia, implementação da Rádio Transformação,
participação em discussões nos encontros estadual e nacional do MST, além da
organização de um encontro de jovens do campo e da cidade em Londrina.
Em novembro de 2002, o contato com o MST permitiu um importante avanço para a
pesquisa. Neste mês, a organização iniciou as discussões em torno do Mutirão do
MST, um projeto nacional de levantamento de dados realizados nos assentamentos
ligados ao Movimento. Participando nestas discussões, colaborando nos trabalhos
de base com militantes regionais, efetuamos o treinamento para a atividade de
pesquisa e discussão política com as famílias acampadas e assentadas,
capacitando-nos para a tarefa de passar de casa em casa e aplicar um questionário
socioeconômico para conhecer a realidade destes espaços de luta e resistência.
Ao lado de um militante do MST, durante 21 dias permanecemos no pré-projeto de
assentamento Porangaba II. De casa em casa, além das entrevistas, fizemos um
trabalho de conscientização política. Após conversa com lideranças regionais e
estaduais, tivemos acesso a esse importantíssimo material de pesquisa. Por conta
das especificidades da coleta e do acesso às informações, tal fonte pode ser
considerada primária e secundária ao mesmo tempo. Devido à qualidade e ao nível
de abrangência, os dados do Mutirão configuram-se como um raio-X dos
assentamentos rurais.
25
Colocadas estas questões iniciais, a presente Dissertação está estruturada em
quatro capítulos. No primeiro capítulo foram analisados os aspectos teóricos,
metodológicos, políticos e históricos da questão agrária, a partir da análise da
produção científica de autores clássicos europeus. Considerando que em alguns
aspectos os métodos e as teorias européias não dão conta de contribuir para
explicitar a realidade brasileira, procedeu-se a uma análise pormenorizada dos
elementos históricos da questão agrária, bem como uma discussão em torno do
pensamento de autores nacionais.
No segundo capítulo, sustentado por uma discussão teórica e metodológica sobre o
conceito de Estado e Região, salutares para se entender os pactos políticos e o
conflito entre as classes, analisamos como ocorreu o processo de ocupação regional
e local via favorecimento do capital no acesso a terra durante meados do século 20,
bem como as ações deste capital na colonização, expulsão dos camponeses
posseiros via grilagem e inserção do campesinato na terra de trabalho durante um
curto período de tempo (1950 – 1970), a partir do qual um forte processo de
concentração fundiária se instaurou e excluiu o campesinato proprietário de terras,
que passou a ser incluído na terra de trabalho de maneira subordinada
(arrendatários, parceiros, meeiros, etc) somente quando a conjuntura agrícola era
favorável ao capitalista que, por alguns anos, cedia temporariamente o usufruto do
território visando com esta ação amealhar a renda da terra.
No terceiro capítulo foi abordado o processo de espacialização e territorialização dos
movimentos de luta pela terra no Paraná, cuja articulação nacional com outros
movimentos do País resultaram na fundação do MST, fatos estes também
observados no município. A partir da ação dos sem-terra, Querência do Norte passa
a se constituir num pólo de lutas no ano de 1988 e, com a conquista de um
assentamento rural em 1995, dezenas de ações de luta pela terra e luta na terra
foram organizadas em fazendas da região coordenadas a partir deste município.
26
No quarto capítulo, procurou-se compreender de que maneira o MST vem se
inserindo no espaço agrário de Querência do Norte, renovando a dinâmica local a
partir dos assentamentos e acampamentos, cuja presença contribui para modificar
os fixos territorializados nas grandes fazendas e seus respectivos fluxos (créditos
bancários concentrados, animais de cria destinados a frigoríficos e consumidores
situados fora do espaço local e da região, lavouras capitalistas participando destes
circuitos produtivos externos) em novos tipos de fixos (o pequeno estabelecimento,
infra-estruturas no campo, aparelhos públicos como escola, posto de saúde, etc) e
fluxos (créditos bancários pulverizados, máquinas, implementos, peças, mão-de-
obra, sementes e insumos, produtos de primeira necessidade, bens de consumo
duráveis, serviços sociais e comerciais, produção de leite, mandioca, produtos da
lavoura branca, seda, arroz, animais de pequeno, médio e grande porte direcionados
ao comércio local, etc), contribuindo para uma renovação no processo de
desenvolvimento local.
Fechando o quarto capítulo, priorizou-se uma discussão aprofundada sobre a real
expressão do conceito de territorialização do MST, discussão esta tão cara à
Geografia e que vem sendo trabalhada sem muito esforço metodológico por um sem
número de autores influenciados pelo método exposto por Fernandes (1996).
27
QUESTÃO AGRÁRIA E AS ESPECIFICIDADES DO CAMPESINATO BRASILEIRO
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1 QUESTÃO AGRÁRIA E AS ESPECIFICIDADES DO CAMPESINATO
BRASILEIRO. O entendimento sobre o que é a questão agrária e sua gênese enquanto
desdobramento do modo de produção capitalista são primordiais para a discussão
atual sobre as políticas agrárias – entre elas, a reforma agrária, os financiamentos
rurais, a política de preços mínimos, etc – além da importância do campesinato e da
unidade capitalista de produção para o desenvolvimento rural, a geração de
alimentos, trabalho e renda.
No decorrer do tempo histórico, os espaços da academia e dos partidos políticos
contiveram calorosos debates entre cientistas e militantes que através da exposição
de suas obras e pontos de vista, propuseram saídas radicais (mudança no modo de
produção, reforma agrária massiva, coletivização da terra), profundas (reforma
agrária sem a mudança no modo de produção) ou paliativas (políticas de crédito
subsidiado, patrulhas rurais, infra-estrutura rural, etc) para resolver ou amenizar a
questão agrária.
Vinculado ao entendimento desta realidade, este capítulo inicial expões os
fundamentos teóricos e metodológicos da questão agrária e questão camponesa
com base em autores clássicos, discorrendo sobre o contexto histórico que lhes
permitiu a leitura da realidade e a formulação de sua contribuição científica.
De maneira geral, os principais expoentes da economia política condicionaram o
entendimento sobre a questão agrária ao mito do fim do campesinato, entendimento
teórico que resistiu ao tempo e impactou decisivamente na formulação e na prática
política de partidos de esquerda em vários países, inclusive no Brasil.
29
Num segundo momento, explicitando os papéis desempenhados pelo Estado, pelo
capital e o campesinato no processo histórico, percebe-se que o desenvolvimento do
capitalismo no campo brasileiro ocorre de maneira desigual e contraditória,
desvinculado, portanto, da tendência unilateral exposta pelas teorias clássicas do fim
do campesinato.
No caso brasileiro, a existência, a destruição e a recriação do campesinato estão
vinculadas tanto às necessidades de reprodução ampliada do capital, quanto à
negação de um elemento central para a sua existência: a propriedade da terra. Aliás,
visando a conquista da terra, os camponeses têm se articulado e colocado enquanto
sujeitos políticos ativos na reconstrução de sua existência neste País.
1.1 Contraponto: questão agrária e desenvolvimento O processo de desenvolvimento de uma dada sociedade ocorre através de avanços
estruturais e conjunturais nas relações socioeconômicas mediadas pelo modo de
produção. É da magnitude dialética dessa realidade que surgem problemas cuja
permanência pode configuram as chamadas “questões”, atrapalhando ou mesmo
barrando o desenvolvimento social. No caso brasileiro, diversas dimensões da
realidade nacional têm se desdobrado em questões1, denotando a profunda
desigualdade que marca a nossa sociedade, corroborando estas premissas.
Gerada no processo histórico de formação econômico social do Brasil, diversos
cientistas percebem na questão agrária o elemento central que impacta
negativamente na dinamização de outras questões2. Isto é fato quando se analisam
temas como a escravidão negra no Brasil e a nossa matriz sociocultural racista e
economicamente excludente; a Lei de Terras de 1850 e o pacto latifundiário
1 No caso brasileiro, configuram importantes questões a urbana, a racial, a previdenciária, a política, a dos menores abandonados etc. 2 Isto é fato quando analisamos, por exemplo, o êxodo rural que influencia no aumento populacional das cidades, no rebaixamento do salário pela presença de maior exército de reserva, a carestia de alimentos da cesta básica ou o desabastecimento.
30
concentrador da terra; os ciclos econômicos centrados nos chamados “complexos
rurais” e a modernização “dolorosa” da agricultura; o acirramento do êxodo rural e a
urbanização brasileira; a luta pela terra levada a cabo em diferentes momentos
históricos sob uma diversidade de bandeiras de luta (Ligas Camponesas, posseiros,
atingidos por barragens, o MST, etc), bem como os impactos dos assentamentos
rurais no processo de desenvolvimento local em áreas onde a estrutura fundiária é
concentrada.
A permanência da questão agrária, as resistências quanto a sua superação, o
dimensionamento e até o seu reconhecimento (há, verdadeiramente uma questão
agrária?) estão diretamente ligados aos elementos que a compõe e o fracionamento
das análises que, apesar de serem partes de um todo – a questão agrária enquanto
um processo, em muitos aspectos não são consideradas como tal, quais sejam:
• Questão Fundiária: realidade da distribuição da terra agrícola em relação à
quantidade (área), qualidade (fertilidade) e a condição de acesso do homem
do campo a esse recurso natural. No Brasil, historicamente, verificam-se as
seguintes variações: capitania hereditária e sesmaria (período colonial);
posse, propriedade (a partir de 1850, com o advento da Lei de Terras),
parceria, percentagem, grilo, arrendamento, assentamento, morador de
condição.
• Questão Agrícola: diz respeito ao que se produz na terra (qual produto?) e
quais as estruturas de trabalho, comercialização, transporte, renda, etc, que
afetam o setor agropecuário (onde se cultiva? Como se cultiva? Quanto se
cultiva ou colhe? Qual as garantias do produtor? Qual o circuito de
comercialização? A que mercado se destina? Qual o preço? Qual o padrão
tecnológico? Quais políticas públicas? A que custos sociais?).
Na análise, comparecem também os fatores políticos e econômicos, além de
estarem envolvidos uma gama enorme de agentes mediadores e sujeitos, como os
bancos, o Estado, a Igreja, as agroindústrias, os Movimentos Sociais, ONGs, as
universidades, políticos, proprietários fundiários, o campesinato, que interagem entre
31
si criando e redimensionando a todo o momento um e outro elemento da questão
agrária, contribuindo para alguns avanços, muitos retrocessos e a sua permanência
histórica.
Considerando estes elementos, a superação da questão agrária está circunscrita a
duas vias: a revolucionária, através da mudança estrutural do modo de produção
capitalista para o socialista e que, talvez, sepultaria o problema, em que pese as
frustradas experiências dos ditos – e quase extintos – países socialistas; e a
reformista, que pode se dar de forma conservadora preservando os interesses do
capital, ou radical, reordenando de forma ampla a estrutura fundiária, garantindo
uma maior participação do campesinato, a estas duas acompanhadas de ações nos
elementos da questão agrícola, através de políticas de desenvolvimento rural,
preços mínimos, eletrificação, qualidade de vida no campo, enfim.
1.2 Questão agrária clássica: o lugar do campesinato ou o campesinato fora do lugar?
O aprofundamento sobre o que é a questão agrária remonta ao período situado
entre a segunda metade do século XIX e começo do século XX, momento em que o
desenvolvimento do capitalismo velozmente rompeu as bases estruturais do modo
de produção feudal, alimentando os debates teóricos e políticos que aconteciam no
interior dos partidos socialistas, comunistas e social-democratas da Europa.
Um elemento central nas contendas ocorria em torno da discussão sobre as
profundas modificações nas relações de trabalho e produção no campo que
afetavam sobremaneira o campesinato, que gerava o questionamento sobre qual o
papel a ser desempenhado pelos camponeses na transformação da sociedade
feudal e/ou capitalista rumo ao socialismo, num contexto social, econômico e político
em que este grupo social era entendido enquanto agente de uma forma de produção
pré-capitalista, transitória entre o proletariado e a burguesia, portando características
de um modo de produção diferenciado, onde nas unidades familiares o camponês
assalariava a si e a família, possuindo a especificidade de garantir a auto-
32
sustentação da sua reprodução social, coordenando os elementos terra, capital e a
sua força de trabalho sem elaborar a reprodução ampliada desse capital, ou seja,
realizando a simples circulação da mercadoria, contrastando com os trabalhadores
assalariados que ser reproduziam através de uma situação de exploração social, via
salário.
Neste contexto, os principais pensadores demonstravam que a propriedade da terra
garantida aos camponeses desde a abolição da servidão nas glebas feudais3 era um
nó estrutural que necessitava ser rompido para se avançar rumo a nova sociedade.
[...] Nos acusam, aos comunistas, de suprimir o que foi adquirido pessoalmente, a propriedade conquistada através do próprio trabalho; a propriedade que se declara ser o fundamento de toda liberdade, de toda atividade e de toda autonomia individuais. Propriedade adquirida do próprio trabalho! Vocês se referem à propriedade pequeno-burguesa? Essa não precisamos abolir: o desenvolvimento da indústria já a aboliu e continua abolindo diariamente. (MARX e ENGELS, 1998, p.21).
Como um objetivo a ser alcançado, o “Manifesto Comunista” publicado em 1848 por
MARX E ENGELS (1998) preconizava uma ampla re-estruturação agrária,
transformando as grandes propriedades rurais em propriedade do Estado, a
renúncia ao pequeno parcelamento do solo, cujo reordenamento criaria grandes
explorações baseadas numa gestão racional, econômica e de ganho de escala, o
que transformaria o camponês num operário rural, priorizando o re-arranjo da
organização, gestão e produtividade do trabalho para atender o mercado de massas
urbano-industrial.
Uma segunda altercação era a reconhecida falta de participação política dos
camponeses a quem Marx acusava de isolados, sujeitos de relações sociais pobres,
massa de manobra na mão dos seus próprios inimigos – a burguesia latifundiária,
constituindo um verdadeiro “saco de batatas”. Em seu entendimento, como não
3 Após a Revolução Francesa, ocorreu a expansão da propriedade feudal em prol da propriedade camponesa.
33
constituíam uma força revolucionária autônoma, cabia ao operariado o papel de guia
dos camponeses rumo à Revolução4.
À medida que milhões de famílias vivem sob condições existenciais-econômicas que separam o seu modo de vida, seus interesses e sua formação cultural dos das outras classes e os antepõem hostilmente, elas constituem uma classe. À medida que entre os pequenos camponeses existe apenas uma conexão local e a mesmidade de seus interesses não cria entre eles nenhuma comunidade, nenhuma ligação nacional, nenhuma organização política, eles não constituem uma classe. São, por isso, incapazes de impor o seu interesse de classe em seu próprio nome, seja através de um Parlamento, seja através de uma convenção. Eles não conseguem representar-se, precisam ser representados (MARX, 1983, p. 284).
Na década de 1850, a contribuição científica de Marx migra da questão política do
campesinato para a análise da teoria econômica, visando o entendimento das leis
que regiam o movimento e o desenvolvimento do capitalismo. Foram seus estudos
sobre como o agro da Europa Ocidental estava sendo impactado no processo, tanto
ao liberar a mão-de-obra (desterreamento dos camponeses) cujo destino era o
trabalho nas manufaturas urbanas e a formação do “exército industrial de reserva”,
paralelamente com os camponeses cujo destino foi a subordinação ao mercado, que
balizaram discussões políticas nos partidos e trabalhos de autores subseqüentes.
Ao discorrer sobre as categorias de análise “relações de produção capitalista,
trabalho, mais-valia, renda da terra e concentração do capital”, suas “Críticas à
Economia Política” expressas em “O Capital“ romperam com as bases teóricas do
Pensamento Fisiocrata5 e da Economia Clássica 6 que compunham a linha dorsal do
4 Aliás, em março de 1850, Marx (1983) declarou que a única classe decididamente revolucionária era o proletariado. Ver: Prática subversiva e consciência Revolucionária, Marx e Engels, in: FERNANDES, Florestan (org.). Karl Marx, Fiedrich Engels: história. São Paulo: Ática, 1983. 5 Baseados nos trabalhos de François Quesnay, principal expoente dessa corrente teórica, os fisiocratas entendiam que a agricultura era o principal ramo produtivo de onde emanava toda a riqueza, estando o comércio e a manufatura como dependentes ou subsidiárias desta, e que caberia aos soberanos garantir a sua reprodução. (QUESNAY, 1978, p. 159, 160 - 164). Neste ínterim, os camponeses se comportavam como um grupo atrasado, pois a sua baixa geração de excedentes impedia o desenvolvimento econômico pleno pelo simples fato de as riquezas produzidas serem consumidas pelos próprios produtores não ativando o comércio e a manufatura, portanto. (QUESNAY, apud NAPOLEONI, 1978, p. 30). 6 Smith, um dos autores dessa corrente, discorria que toda riqueza emana do trabalho. A agricultura, apesar da sua importância na geração de produtos, não poderia ser considerada a principal fonte da riqueza porque a industria, devido à divisão do trabalho, era muito mais dinâmica por produzir
34
pensamento econômico e no método de análise da realidade agrária que até então
imperavam.
A tese central do pensamento de MARX (1983) é que a geração da riqueza nas
sociedades emana do trabalho: a ação racional do homem sobre os elementos da
natureza. Desde os primórdios da civilização, o processo do trabalho se destina a
um fim: a criação de valores de uso, a propriedade que os objetos contém que
satisfaz as necessidades humanas de qualquer natureza (física, psíquica,
emocional, orgânica, etc). Trabalho concreto, portanto.
No caso dos camponeses, sua relação com a terra e com o artesanato rural7 lhes
permitia um rol de possibilidades de transformação da natureza em produtos
destinados, em primeiro lugar, ao consumo da unidade familiar de produção
(homens, mulheres, crianças, agregados e animais). Na hipótese da necessidade de
algo mais que não podia ser produzido na unidade familiar, pela troca ou mesmo
pela venda obter-se-ia o bem necessário junto a outros camponeses ou mesmo nas
vilas, preservando o caráter de saciar necessidades.
Nestas relações, é certo que ocorria a existência de valores de uso expressos nos
produtos que eram trocados (para os sujeitos trocarem entre si um saco de trigo por
um sapato e um frango, mesmo que haja um mediador comum, no caso o dinheiro, a
ação visa obter valores de uso). Assim, “Como valores de uso, as mercadorias são,
antes de mais nada, de diferentes qualidades, como valores de troca só podem ser
de quantidade diferente, não contendo, portanto, nenhum átomo de valor de uso”
(MARX, 1983, p. 47). Mesmo no caso da circulação do produto, trocava-se trabalho
excedentes superiores aos custos. (SMITH, 1983). Num outro sentido, “O produto da terra [...] se divide entre as três classes da sociedade, a saber: o proprietário da terra, o dono do capital necessário para seu cultivo e os trabalhadores, cujos esforços são empregados no seu cultivo. Em diferentes estágios da sociedade, no entanto, as proporções do produto total da terra destinadas a cada uma dessas classes, sob o nome de renda, lucro e salário, serão essencialmente diferentes, o que dependerá principalmente da fertilidade do solo, da acumulação de capital e da população, e da habilidade, a engenhosidade e dos instrumentos empregados na agricultura. Determinar as leis que regulam essa distribuição é a principal questão da Economia Política” (RICARDO, 1982, p. 39). 7 A arte tradicional que alguns camponeses dominam, que lhes permite criar produtos outros para além da agricultura, muitas fezes tomando parte de sua produção como matéria-prima, o que lhes dá a condição de produzir calçados, roupas, pães, cordas, teares, máquinas de mecânica elementar, etc, destinados a satisfazer, em parte, as necessidades do grupo familiar ou da unidade de produção.
35
concreto por trabalho concreto, pois o trabalho era entendido como um fim em si
mesmo.
ANTONELLO (2001), discorrendo sobre as especificidades do método de Marx,
evidencia que o principal impacto do avanço das relações capitalistas de produção
no campo e sobre o campesinato foi a mutação do trabalho concreto do camponês em trabalho abstrato8, transformação que cristalizou “...a deformação
da atividade humana como trabalho concreto e prescreve a satisfação básica do
homem, a partir da venda da única mercadoria que lhe pertence: a sua força de
trabalho” (ANTONELLO, 2001, p. 24).
Reproduzindo de forma ampliada este mecanismo, o capital se difundiu como um
sistema de acumulação da riqueza extraída do trabalho abstrato (trabalho
assalariado), cujo fim visa a produção de valores de uso (mercadorias) que são
portadores de valores de troca (valor monetário, cobrindo o gasto com as matérias-
primas, com a força de trabalho e permitindo a acumulação do sobre-trabalho
expresso na mais-valia, direcionado à acumulação e reprodução ampliada do
capital).
Dinamicamente, a aceleração do processo de mutação do campesinato demandou
uma maior inserção dos camponeses no mercado. Fora do circuito simples de
circulação de mercadoria representado pela vizinhança das glebas e da aldeia, duas
novas forças se impuseram sobre o campesinato: a concorrência da produção da
grande propriedade capitalista, que organizada em torno dos elementos anteriores
rebaixou o preço médio dos produtos agrícolas, e as relações de dependência para
com o capital comercial, cuja existência cada vez mais presente monopolizou os
circuitos de comercialização, ditando os preços pagos aos produtores.
Paulatinamente, a resistência histórica do camponês se desestruturou, acelerando a
proletarização via desterreamento. Àqueles que resistiram ao processo, a alternativa
possível consistiu na especialização produtiva em um ramo da produção
36
agropecuária, portanto não mais ligada somente à satisfação das necessidades da
unidade familiar de produção, ou a submissão à lógica de compra e venda do capital
comercial para colocar os produtos no mercado, relações que contribuíram para
expandir a miséria no campo através da diminuição da renda familiar.
Desta maneira, há dezenas de anos o campesinato tem encontrado na
especialização produtiva voltada ao mercado a possibilidade de existência e
resistência ao avanço do capital, realidade esta que rompe com o pensamento
conservador de que o camponês é um sujeito cuja produção é voltada
primordialmente para o consumo da família e da unidade de produção.
Cabe aqui uma outra discussão: produzir somente para o mercado, longe de ter o
sentido de uma transformação radical que demonstra o fim do campesinato via
imposição do “mercado” - esta espécie de entidade que subjuga nações e pessoas -
sobre sujeitos que se transformam em “agricultores familiares” altamente
especializados, é um processo que deve ser compreendido nas dimensões cultural,
social, organizativa e não somente econômica.
Ora, qualquer cientista que se dedique ao estudo das especificidades da
agropecuária deve (ou pelo menos, deveria) entender que o camponês é um sujeito
dotado e uma racionalidade que lhe permite optar por uma produção voltada para o
autoconsumo, o mercado ou mesmo uma mescla entre mercado e autoconsumo.
Dependendo dos elementos objetivos e subjetivos da realidade, onde são cotados o
tamanho da família, o conhecimento técnico sobre o tipo de cultivo ou ramo
agropecuário, o acesso e o uso de tecnologias, a própria força de trabalho, a cultura
dos sujeitos e sua forma de organizar a unidade familiar de produção, produzir para
o mercado e não mais realizar o autoconsumo pode ser a forma mais racional de
acessar os produtos que irão sustentar a unidade familiar na forma de insumos, bens
duráveis, móveis, imóveis (aumento da unidade familiar, por exemplo) e até mesmo
alimentos.
8 Trabalho abstrato é o trabalho efetuado pelo assalariado ou até mesmo pelo campesinato subsumido, no qual ele produz algo que não lhe satisfaz as necessidades de sobrevivência, não
37
O que não se pode negar é que o processo de desenvolvimento capitalista tende a
se sobrepor aos indivíduos, ditando-lhes através de um domínio social, econômico e
cultural, novas formas de produzir, de comercializar, reestruturando as formas de
relacionamento do homem com a terra e dos homens entre si. Neste sentido, é
revelador entender como se processa um dos pilares de sustentação do modo de
produção capitalista: o circuito de geração, extração e acumulação da renda da
terra.
Segundo MARX (1985), a agricultura é um setor específico da economia, possui
particularidades no circuito de geração de riqueza e complementa o processo de
estruturação do capitalismo. Neste sentido, a extração da renda da terra é o
elemento diferencial para se entender o capitalismo neste espaço produtivo. Se por
um lado o camponês proprietário transfere renda da terra ao capitalista na circulação
da mercadoria, o camponês sem-terra - incorporado ao processo produtivo na forma
de arrendatário, parceiro, meeiro, etc - o faz no início do processo de produção.
Detendo a propriedade privada do solo, o capitalista processa a extração da renda
da terra concedendo o uso de terrenos ao camponês. Nas suas variações, a renda
da terra surge a partir da renda em trabalho, na qual o produtor para ter acesso a
uma gleba de terras trabalha uma parte da semana com instrumentos de trabalho
(arado, bois, etc.) que lhe pertencem de fato ou de direito, cultivando o solo do
proprietário fundiário sem nenhuma remuneração9 por isso; renda em produtos,
quando o acesso a terra é mediado pelo repasse de uma parte da produção ao
proprietário fundiário; renda em dinheiro, quando o acesso a terra é feito com o
pagamento de um valor em dinheiro; e a parceria, quando há uma divisão dos
custos (insumos, capital de giro, etc) entre o proprietário do solo e o indivíduo que
vai cultivá-lo, fazendo com que
reconhecendo o seu trabalho no produto gerado. 9 Neste caso, a renda é a mais-valia, pois se configura como trabalho não pago.
38
Por um lado, o rendeiro, quer ele empregue trabalho próprio ou alheio, tem direito a uma parte do produto, não em sua qualidade de trabalhador, mas como possuidor de uma parte dos instrumentos de trabalho, como seu próprio capitalista, Por outro lado, o proprietário de terra reivindica sua parte não exclusivamente devido a sua propriedade do solo, mas também como prestamista de capital. (MARX, 1985, p. 259).
Em seu modelo teórico, MARX (1985) apontou que a tendência geral é a
propriedade camponesa ser eliminada (desaparecer), pois a concentração do capital
se processa numa constante e, nesta conjuntura, somente a grande propriedade
pode existir, uma vez que o grande proprietário possui maior possibilidade de
investimento de capitais e conduz de maneira mais racional o processo produtivo,
fatores que condicionam mecanismos de controle e garantia de retorno da renda da
terra. Aos camponeses a opção de sobreviver com dignidade no modo de produção
capitalista está situada fora da agricultura (na cidade, talvez como operário), pois a
unidade familiar de produção é uma barbárie, onde a contenção do nível de
consumo e o trabalho excedente são – em ritmo crescente – a tônica.
Ao estudar as especificidades da industria e da agricultura inglesa, onde se difundiu
o arrendamento de terras, MARX (1985) aponta que para se entender as leis gerais
de um dado fenômeno, o cientista deve estudá-lo onde ele se manifesta de forma
superior e complexa. O paradoxo desta metodologia é que no período histórico em
que produziu sua análise político-econômica contribuindo para o entendimento da
questão agrária e camponesa, o objeto de estudo apresentava especificidades
ímpares nas diversas regiões e até países da Europa, pois
Na França, dominava a parcelarização da propriedade; na Alemanha, nas regiões industriais, prevaleciam as propriedades camponesas, que se transformaram cada vez mais em produtoras para o mercado, ao passo que a Prússia era caracterizada pela presença dos Junker, os proprietários de média grandeza; nas vastas extensões de terreno cultivável da Espanha e da monarquia austro-húngara, reinavam os latifúndios semifeudais; a mesma situação existia na Rússia, onde, porém, subsistiam ainda, vitais, as comunidades de aldeia (miry e obsciny). Acrescente-se a isto que, naquela época, a estatística agrícola se achava ainda em condições lamentáveis e era
39
particularmente difícil o trabalho para o estudioso que, em tal situação, quisesse indicar uma tendência universalmente válida. (HEGEDÜS, 1984, P. 154, grifos do autor).
Apesar dos limites do método de Marx em relação à questão agrária, o
reconhecimento de sua militância política e o vasto referencial teórico por ele
produzido contribuiu sobremaneira para o debate e a prática de vários partidos da
esquerda européia em relação à elaboração de programas para solucionar e/ou
amenizar os problemas agrários, vislumbrando o desenvolvimento rural.
Por ocasião da Conferência de Londres da Primeira Internacional, do I Congresso da
Internacional Comunista (Genebra, 1866) e do II Congresso da Internacional
Comunista (Lausanne, 1867), quando entrou na pauta do dia a discussão sobre a
questão agrária, ocorreu um confronto entre o referencial marxista10 e o
proudhoniano11, cristalizando os pontos de vista dos partidos sobre os aspectos
econômicos e os valores sociais do modo de produção camponês
No Congresso de Bruxelas (1868), o documento final titulado “A Proclamação de
Genebra12” selou os acirramentos, condenando o modo de produção dos
camponeses, apontando que a solução dos problemas agrários aconteceria com
formação de cooperativas de produção agrícola e, nos casos onde os camponeses
não estivessem dispostos a fazê-las, os trabalhadores agrícolas a fariam via
desapropriação das terras de comunas, do Estado, da Igreja bem como dos
latifúndios, realizando uma gestão econômica com base em organizações
democráticas.
Nos Congressos de Stuttgart (1870) e de Gotha (1875), a Social-Democracia da
Alemanha, o maior e mais importante Partido operário do mundo à época, adotou a
linha dura votada em Genebra, mas incluiu pequenas modificações através das
10 Seus principais representantes eram Eccarius, Lessner e Stumpf, apoiados pelas delegações inglesa, alemã e belga. Defendiam a nacionalização da terra e a formação de grandes unidades produtivas, indo de encontro ao que reivindicava o Partido Comunista da Alemanha. 11 Apoiados pelas delegações da França e da Itália, eram destaques Longuet e Tolain. Para estes, a propriedade privada da terra dos camponeses era intocável. 12 Publicado em dezembro de 1869 em Der Vorbot, que teve Becker como autor e redator. Ver: HEGEDUS, 1984, p. 156
40
contribuições de Wilhelm Liebknecht que, sem abandonar os princípios expressos
por Marx em relação ao campesinato e das deliberações anteriores, fundamentou
duas doutrinas para reger o processo de transição e transformações sociais do
campesinato, principalmente para a Europa Oriental, quais sejam:
1) a administração local, por ser a forma natural de associação da aldeia, deve conduzir gradualmente a propriedade camponesa individual para a gestão organizada em vasta escala; 2) os latifúndios estatais devem ser organizados como fazendas-modelo em que se cristaliza a sociedade agrícola do futuro (LIEBKNECHT, 1876, apud HEGEDÜS, p. 83).
A expansão do voto livre e a possibilidade de eleger representantes socialistas para
os Parlamentos da Europa Ocidental nos anos 1890 criaram um importante
contraponto histórico-político. Representando a maior parcela do eleitorado, os
camponeses não mais poderiam receber a pecha de sujeitos alienados da
sociedade, pois o voto lhes garantia o poder de participação nos rumos da
sociedade. Visando vencer as eleições, os partidos de esquerda se viram obrigados
a rever os programas agrários sob o risco de não receber votos com a ortodoxia de
suas análises sobre o papel do campesinato na sociedade comunista.
Apesar da massificação do voto, o programa agrário do Congresso da Social-
Democracia da Alemanha realizado em Erfurt (1891) defendeu as teses da ortodoxia
marxista em relação aos camponeses. Elaborado a partir das contribuições de Karl
Kaustsky, para quem o desenvolvimento da sociedade burguesa conduz
necessariamente à ruína da pequena propriedade, o documento considerou os
trabalhadores camponeses iguais aos inimigos pertencentes ao grupo antagônico à
classe trabalhadora, ou seja, a burguesia.
Nos debates que aconteceram no Congresso de Frankfurt de 1894, pesaram os
interesses de participação política do partido, o que forçou a se tratar da questão
agrária em separado e se discutir o alcance das teses defendidas por Eccarius13,
13 Alfaiate alemão, amigo de Marx, vivia na Inglaterra neste período. Segundo ele, “A pequena propriedade camponesa é a agricultura do passado. Ela pertence a uma formação social e está de acordo com um estágio da sociedade em que as necessidades dos homens de cada província, de cada aldeia, quase que cada família, são satisfeitas pelos próprios produtos da terra...A agricultura em vasta escala produz víveres e matérias-primas para uma população industrial, a pequena
41
Liebknecht e Kaustsky. A continuidade na discussão sobre a necessidade de
transformar os camponeses em operários esbarrou na defesa destes enquanto
cidadãos votantes, reforçando que em muitos latifúndios prussianos ocorria
endividamento maior das grandes propriedades do que o verificado nas pequenas
unidades, ficando patente a superioridade da propriedade camponesa em
determinados ramos da produção, como o hortigranjeiro.
A proposta de reforma agrária através do parcelamento dos grandes
estabelecimentos em favor dos que dispunham de pouca terra, foi veementemente
combatida pelo grupo liderado por Kautsky, pois entendiam esta iniciativa como a
promoção da propriedade privada.
No Congresso de Marselha de 1892, o Partido Trabalhista Francês formalizou o seu
programa agrário explicitando ações práticas para acalmar a agitação dos
camponeses. Neste documento, as ações projetadas incluíam elementos de projetos
burgueses que há tempos vinham sendo planejados e praticados, como a formação
de consórcios municipais, favorecimento do Estado para criação de patrulhas de
máquinas agrícolas, garantia de salário mínimo aos trabalhadores do campo,
formação de cooperativas de produção em terras municipais, não pagamento de
renda aos grandes proprietários pelos camponeses arrendatários. Estas e outras
políticas garantiram o êxito eleitoral do Partido nas eleições de 1893. Em 1894, no
Congresso de Nantes, a política agrária do Partido seguiu mesclando a teoria
marxista anti-camponesa no discurso e, na pratica, implementando ações populistas
pró-camponesas.
Em um texto publicado na revista Neue Zeit, FRIEDRICH ENGELS (1981) teceu
severas críticas ao ecletismo da concepção teórica e da prática política utilizada
pelos Partidos Comunistas da França e da Alemanha na proposição de seus
programas agrários, criticando o desvirtuamento dos ideais marxistas-comunistas.
propriedade camponesa os produz para os próprios camponeses” (ECARIUS, 1869, p. 48. In MILLS, apud HEGEDUS p. 157).
42
Distinguindo as especificidades do pequeno camponês em relação aos médios e
grandes proprietários, bem como os diferentes contextos sócioterritoriais onde
ocorriam variações internas e externas na organização da propriedade, ENGELS
(1981) destacou neste trabalho alguns parágrafos do texto final do Programa Agrário
do Partido Operário Francês, atacando a displicência com que os congressistas
trataram da questão camponesa, sobretudo em relação ao rol de concessões
garantidas por lei aos mesmos.
Na sua concepção, o conjunto das ações colocadas em prática constituía formas de
proteção que não freavam o processo de exploração e exclusão no campo. Ao
discorrer sobre a função do socialismo em apressar ou não o fim da propriedade da
terra e estender este direito aos camponeses, reforçou que um dos objetivos centrais
do socialismo é atingir a propriedade coletiva de todos os bens de produção e da
terra. Desta forma, qualquer ação que não visasse este fim seria grave erro, ferindo
as deliberações e os princípios socialistas defendido nas Internacionais. A
transformação rumo ao socialismo de forma alguma poderia esperar o pleno
desenvolvimento do capitalismo, mas sim ocorrer no estado de transitoriedade em
que as sociedades se encontravam.
Em 1889, baseado em estatísticas mais confiáveis sobre a situação agrária da
Alemanha e de outros países, inspirado pelas discussões que se seguiram em torno
do debate sobre o programa agrário do Partido da Social Democracia alemão
realizado em 1894 na cidade de Frankfurt, Karl Kautsky lançou a obra “A Questão
Agrária”, redimensionando as análises de como o capitalismo se estruturava e
dominava o campo naquele final de século XIX, desestruturando o modo feudal de
produção, afirmando que “É o modo capitalista que domina a sociedade atual”
(KAUTSKY, 1980, p. 25).
Utilizando um quadro conceitual amplo, KAUTSKY (1980) discutiu temas como a
agricultura moderna (divisão do trabalho, mudanças na base técnica); analisou
cadeias produtivas dinâmicas e seus impactos em áreas de agricultura tradicional;
valor e mais valia; direito consuetudinário; renda diferencial e absoluta;
agroindustrialização e a relação campo-cidade, inserindo nestas discussões o papel
do campesinato, demonstrando como o capital engendrou a transformação do
43
camponês de um grupo social auto-sustentável para produtores em vias de
diferenciação dentro da comuna feudal, cada vez mais dependente de um conjunto
de elementos externos à pequena propriedade, onde secularmente resistiu
praticando a agropecuária de subsistência, com baixa geração de excedentes e
complementada pela indústria doméstica.
Segundo este autor, a insustentabilidade existencial do campesinato ocorreu
mediante o avanço das relações capitalistas de produção que determinaram a
importância da produção de excedentes (trabalho abstrato) voltada para o mercado,
lugar onde o camponês, comparecendo enquanto um concorrente da grande
propriedade - esta sim apta a resistir e crescer, pois contava com melhores recursos
técnicos (sementes e animais melhorados, maquinaria, divisão do trabalho, rotação
de culturas, escala de produção, etc), e acima de tudo operários bem alimentados e
melhor instruídos – tendia a desterritorialização.
Nesta luta entre desiguais, Kautsky percebia que a única perspectiva possível ao
campesinato era a superexploração do trabalho da família ou o trabalho acessório
na função de operário urbano ou rural. Neste caminho, enfatizava que “Com efeito,
as outras vantagens da pequena sobre a grande exploração (e essas vantagens são
o trabalho intenso, a alimentação insuficiente, a ignorância) tornam o esforço mais
penoso” (KAUTSKY, 1980, p. 133).
Em ritmo crescente, a dependência dos camponeses em relação ao trabalho
acessório para sobreviver tenderia a criar uma força centrípeta cujo resultado
minaria a possibilidade de sua reprodução, processo que os levaria definitivamente à
proletarização.
O trabalho acessório mais a alcance do pequeno camponês é o trabalho agrícola assalariado. Já o encontramos na época feudal, logo que a diferenciação na aldeia se aprofundou de tal modo que umas explorações se tornaram muito pequenas para o sustento dos respectivos donos, e as outras muito grandes, de maneira a exigir braços com que não contavam o proprietário e sua família. (KAUTSKY, 1980, p.198).
44
Contrapondo-se às teses dos teóricos partidários da superioridade da produção
camponesa em relação à grande propriedade, cujas análises dos números das
estatísticas censitárias acusavam um aumento no número de pequenos
estabelecimentos, Kautsky apontava que esta realidade estava diretamente ligada
ao subconsumo, à avareza, à subalimentação, bem como a superexploração do
trabalho familiar, somando-se a isto o fato de que as médias e pequenas
propriedades eram afetadas de tal forma pelo processo de empobrecimento, que
abandonavam suas funções de produzir um mínimo que fosse para o mercado e
cada vez mais se tornavam lugares de moradia de uma mão-de-obra assalariada
das empresas rurais e urbanas.
No seu modelo teórico, demonstrou que a expansão numérica da exploração
camponesa não ocorria por conta do empreendedorismo ou da superioridade destas
unidades, mas que este fenômeno se inseria na lógica de domínio territorial do
capital que recriava as unidades camponesas através de incentivos à expansão da
indústria caseira, fornecendo matérias-primas e comprando a produção para
posteriormente revender, recriação do campesinato observada também na ação dos
grandes estabelecimentos agropecuários quando estimulavam o aumento ou ainda a
manutenção do campesinato marginal, geralmente localizado cerca das grandes
propriedades, visando uma reserva de mão-de-obra agrícola permanente e acessível
ao capital.
Ao discorrer sobre as formas de renda da terra, recuperou todo o arcabouço teórico
de Marx, demonstrando como a cidade rapidamente ocupou o centro dinâmico do
capitalismo e o campo, num ritmo crescente, perdeu função e população, impactos
dinamizados com o uso cada vez mais intensivo da maquinaria nas diversas fases
dos cultivos, aliado à emergência da agroindústria que se justapunha entre o
produtor rural e o comércio urbano, transformando seus produtos e lhes retirando
uma parte considerável da renda.
No seu entendimento, o proletariado industrial deveria se libertar e libertar ao mesmo
tempo a população agrícola para a transformação revolucionária da realidade do
modo de produção capitalista para o socialismo. Partindo da premissa de que a
45
evolução da industria moderna conduziria a este fim, desqualificava o campesinato
como classe revolucionária, cabendo ao operariado arrastá-los “[...] para essa
transformação, adaptando-as às suas finalidades, igualmente as esferas incapazes
de proporcionar a si mesmas as condições preliminares do advento revolucionário”
(KAUTSKY, 1980, p. 324).
Enquanto na Europa Ocidental o debate nos partidos da esquerda operária
acontecia discutindo a realidade de consolidação do capitalismo e a sua superação,
no contexto sócioterritorial da Europa Oriental, em especial na Rússia, o capitalismo
não tinha esse mesmo vigor transformador. Pelo contrário: a presença das
comunidades de aldeias (o mir e a abscina) naquele vasto país eram salutares e as
raízes do modo de produção feudal no seio da organização social, muito mais
profundas, impedindo o capitalismo de se estruturar e desenvolver.
O sistema fundiário sui generis da Rússia permitiu a formação de uma ideologia e de
um movimento político que via na comuna um elemento positivo para a evolução da
sociedade. Denominado de “Movimento Populista”, este grupo colocou-se na defesa
dos interesses dos camponeses, exigindo desde o fim dos impostos à autonomia
das comunidades locais com sua conservação enquanto unidades econômicas,
partição das terras dos latifundiários em favor dos camponeses, produzindo estudos
e gerando discussões onde atestavam a importância do campesinato e a
necessidade de sua manutenção, mesmo após a implantação do socialismo que,
aliás, só seria alcançado pelo poder da ação revolucionária dos camponeses, e não
na ação do operariado.
Na contraposição ao “Movimento Populista” surgiu o movimento denominado
“Marxistas Revolucionários”, inferindo o fim da propriedade da terra, não importando
o tamanho, reproduzindo as premissas da ortodoxia marxista.
Participando deste debate, em 1899 LÊNIN (1985) lançou a obra “O
desenvolvimento do capitalismo na Rússia”, respondendo às argüições dos
populistas de que o desenvolvimento capitalista tenderia a prejudicar o mercado
interno. Segundo este autor, para se chegar ao comunismo haveria sim a
46
necessidade do pleno desenvolvimento do capitalismo, o que exigiria a derrocada
dos latifúndios senhoriais, das propriedades camponesas, bem como a comunidades
de aldeias.
Amparado em dados estatísticos, o autor cunhou a tese da “desintegração do
campesinato”, processo que ocorre através da ampla inserção da economia
mercantil nas relações de produção no campo, por meio da influência da
concorrência, via concentração da terra e através da dificuldade dos camponeses
em acessar os avanços do progresso técnico. Evidenciando que não se trata pura e
simplesmente de um processo diferenciação do campesinato, apontou que
É claro que o surgimento de desigualdades entre os patrimônios é o ponto de partida de todo o processo, que em hipótese alguma se esgota nessa “diferenciação”. O campesinato antigo não se “diferencia” apenas: ele deixa de existir, se destrói, é inteiramente substituído por novos tipos de população rural, que constituem a base de uma nova sociedade denominada pela economia mercantil e pela produção capitalista. Esses novos tipos são a burguesia rural (sobretudo a pequena burguesia) e o proletariado rural – a classe dos produtores de mercadorias na agricultura e a classe dos operários agrícolas assalariados. (LÊNIN, 1985, p. 114).
Para LÊNIN (1985), em ritmo crescente não se sustentaria mais no campo a forma
tradicional de produção camponesa, mas sim o sistema pequeno burguês, que
transforma os camponeses no:
• Campesinato médio, produtores que gravitam entre a ascensão (burguesia
rural) e o descenso (proletariado). Sua existência estava circunscrita a boas
colheitas e ao trabalho assessório. A descamponização deste grupo, através
de vários aspectos contraditórios e antagônicos no seio do próprio
campesinato, gera os camponeses ricos, pobres e o proletariado;
• Campesinato rico (burguesia rural), que a agricultura mercantil especializada
em produtos de alto valor comercial cultivados sobre uma base técnica
agrícola avançada. Faz grande investimento de capitais, fator que permite
até mesmo dominar o processo de industrialização da produção em certos
ramos (aguardente, açúcar de beterraba, fécula de batata, óleos comestíveis
e o tabaco). Utiliza amplamente o trabalho assalariado (diarista e
47
mensalista), obtendo alta produtividade, podendo também se integrar a
empresas comerciais e industriais. Pelo alto retorno do capital investido,
possui elevada renda que garante o reinvestimento em condições mais
favoráveis, seja nas atividades agropecuárias, em mais terras, mais
equipamentos, etc. É esta burguesia rural quem desempenha melhor os
papéis de produção agrícola e exerce maior poder político;
• Proletariado rural, geralmente formado por assalariados sem-terras ou
aqueles que a possuem em pequena extensão. Por terem vendidos suas
terras, acessá-la de maneira marginal ou pela ínfima dimensão, encontram-
se em decadência social.
Apesar de a lógica do capitalismo no campo ser a expropriação definitiva da terra,
transformando o camponês em assalariado, LÊNIN (1985) explicitava que
[...] a tese segundo o qual o capitalismo necessita de operários livres e sem-terra é freqüentemente compreendida de forma demasiadamente trivial. Isso é perfeitamente verdadeiro enquanto tendência básica, mas o capitalismo penetra na agricultura de maneira particularmente lenta e toma formas muito variadas. Aos operários rurais muito amiúde interessa que terras sejam distribuídas aos operários agrícolas; aliás, o operariado agrícola dotado de um pedaço de terra é um tipo próprio a todos os países capitalistas, variando conforme as condições nacionais [...]. (LÊNIN, 1985, p. 116).
Analisando as especificidades do arrendamento de terras efetivado pelos capitalistas
aos camponeses, LÊNIN (1985) demonstra que esta recriação do campesinato é
uma fórmula usual dos capitalistas para abater o alto custo dos salários e dos juros
nas atividades agrárias. Garantindo a existência do homem no campo “gravitando”
próximos às suas propriedades, o capitalista utilizava o arrendamento para acessar
a mercadoria mais importante do circuito produtivo: a mão-de-obra.
Por representar um dos limites14 ao avanço contínuo da grande propriedade
capitalista, a reprodução da propriedade camponesa efetuada pelo capital é um
14 O segundo limite é a existência de outras propriedades capitalistas que acabam concorrendo entre si ou impedindo uma expansão contínua da propriedade, condicionando a uma expansão fracionada (varias propriedades, em diferentes lugares, sob o poder de um mesmo capitalista).
48
processo contraditório, pois o capital recria o que destrói como forma de garantir sua
reprodução ampliada.
Em seu entendimento, a existência dos estabelecimentos dirigidos por camponeses
de forma alguma embasava a propalada tese da superioridade destas unidades
produtivas e a necessidade de sua manutenção. Ao contrário: a destruição - cujo
resultado é migração populacional para as cidades, ou a permanência enquanto
camponeses – estavam vinculadas às necessidades do capital que dita os ritmos do
[...] processo bilateral de abandono da agricultura pela indústria (industrialização da população) e de desenvolvimento de uma agricultura capitalista industrial e comercial (industrialização da agricultura). [...]. O mercado interno para o capitalismo é criado justamente pelo desenvolvimento paralelo do capitalismo na agricultura e na indústria, pela formação de uma classe de empresários rurais e industriais. (LÊNIN, 1985, p. 369).
Expoente da “Escola de Organização da Produção” ligada aos populistas russos,
Alexander V. CHAYANOV (1974) contrapôs-se veementemente aos postulados
teóricos e metodológicos propalados pelos marxistas ortodoxos, rebatendo as
críticas de que qualquer outra forma de organizar a produção que não visasse
superar o capitalismo e ascender ao comunismo deveria ser abandonada, não
merecendo, portanto, receber atenção política e até científica.
Na moderna teoria da economia nacional tornou-se costume pensar todos os fenômenos econômicos exclusivamente em termos de economia capitalista. Todos os princípios de nossa teoria – renda da terra, capital, preço e outras categorias – formaram-se dentro do marco de uma economia baseada no trabalho assalariado, que busca maximizar lucros (ou seja, a quantidade máxima da parcela de renda bruta que resta, após se deduzirem os custos materiais de produção e os salários). Todos os demais tipos (não capitalistas) de vida econômica são vistas como insignificantes, ou em extinção; no mínimo considera-se que não tem influência sobre as questões básicas da economia moderna e não apresentam, portanto, interesse teórico (CHAYANOV, 1981, p. 133, grifos do autor).
Reconhecendo a expansão e domínio do capital e as teses que explicam os seus
avanços, em seu entendimento as relações capitalistas de produção não tenderiam
a dominar de forma total e absoluta o campo, pois o campesinato, no momento
49
histórico em que ocorria sua análise, detinha uma importante função socioeconômica
nas economias de vários países, realidade que garantia a tendência de permanência
e não somente de exclusão do camponês na terra.
Criticando a metodologia proposta pelos marxistas ortodoxos, CHAYANOV (1981)
apontava que a unidade de produção familiar não podia ser posta a prova através de
modelos analíticos onde categorias econômicas inerentes ao capitalismo como
salário, renda e juros não existiam, o que dilua a aplicabilidade desses conceitos
como instrumentos de análise da realidade do campesinato.
Apontando que na economia natural a atividade econômica humana é dominada
pela exigência de satisfazer as necessidades de cada unidade de produção, que se
constitui ao mesmo tempo enquanto uma unidade de consumo, CHAYANOV (1981)
corroborava que era este o caráter diferencial que permite ao campesinato existir e
atravessar qualquer sistema econômico, seja ele capitalista ou feudal, adaptando-se
à lógica da formação econômica e social do país onde ocorria.
Por lo tanto, si queremos tener un simple concepto organizativo de la unidad de explotación doméstica campesina independiente del sistema económico en el cual está insertada, inevitablemente deberemos basar la comprensión de su esencia organizativa en el trabajo familiar. (CHAYANOV, 1974, p. 34).
Por sua vez, o trabalho familiar na unidade de produção era entendido por ele dentro
de uma lógica específica determinada por “la manera de combinar cuantitativamente
y cualitativamente la tierra, la fuerza de trabajo y el capital “(CHAYANOV, 1974, p.
96). Na sua teoria, há um ponto de equilíbrio econômico que o camponês não
ultrapassa porque excedê-lo significa trabalhar mais sem obter retorno que pague o
sofrimento do trabalho.
CHAYANOV (1974) teceu considerações sobre os fatores internos (incapacidade
laboral de algum dos membros, faixa etária dos membros, fertilidade do solo, etc) e
externos (preço dos produtos agrícolas no mercado, etc) que afetavam a unidade
familiar de produção forçando o reordenamento interno dos fatores de produção. Em
seu entendimento, ao manter o domínio sobre a gestão da força de trabalho e dos
50
bens de produção (animais, insumos, implementos, ferramentas, etc), muitas vezes
realizando cultivos, criação de animais e culturas as quais não teriam valor ou a
importância comercial daqueles praticados nas unidades capitalistas de produção, a
coexistência do campesinato junto a estas unidades complementava a produção
necessária para o consumo da sociedade. Neste caso, o capital se reproduzia não
no sentido somente da proletarização do camponês, mas preservando a sua
existência ou até o recriando através da apropriação econômica dos resultados do
trabalho familiar na esfera da circulação.
[...] para que la agricultura ingrese en el sistema capitalista general no es necesaria la creación de unidades de producción muy grandes, organizadas al modo capitalista sobre la base de la fuerza de trabajo asalariada. La agricultura, repitiendo las etapas del desarrollo del capitalismo industrial, sale de una existencia seminatural y se somete al capitalismo comercial que, a veces, bajo la forma de empresas comerciales en gran escala, conduce masas dispersas de unidades económicas campesinas hacia su esfera de influencia y vincula con el mercado a estos productores de mercancías en pequeña escala para subordinarlos económicamente a su influencia. (CHAYANOV, 1974, p. 306).
Participando do mercado, as unidades camponesas eram impactadas, o que
modifica sua lógica interna, mas afirmava que “se ha estudiado muy poco el sistema
de feria rural local, en la que el campesinato vende su cosecha y compra lo que
necesita, y a cuyo alrededor cristalizan todas las relaciones económicas del campo
(CHAYANOV, 1974, p. 306). Neste sentido, a produção visando o mercado e através
dele a busca pela satisfação da unidade familiar nada igualava a unidade
camponesa à unidade capitalista de produção, sobretudo porque inexiste nestas a
exploração do trabalho assalariado, não se consuma a busca pelo lucro do capital
empregado nos negócios e apesar de produzirem principalmente para o consumo, o
camponês podia levar seus produtos ao mercado e ali satisfazer as necessidades
daqueles produtos que se absteve ou não pode produzir.
Quanto a proletarização parcial do camponês, Chayanov entendia esta realidade
como parte da estratégia de resistência a proletarização total (perda da terra ou do
acesso a ela), servindo tanto para ocupar a mão-de-obra no período de tempo em
que a mesma encontrava-se ociosa, quanto para prover de recursos externos o sítio
51
em momentos de colheitas ruins ou outra condição negativa, capitalizando a unidade
familiar de um montante de recursos que em ritmo normal de trabalho e produção
dificilmente poderiam ser conquistados.
Contrapondo-se ao projeto político de concentração vertical das unidades
camponesas em grandes explorações vinculadas à agroindústria como forma
superior de cooperação agrícola a ser atingida no socialismo, CHAYANOV (1974)
evidenciava que estes eram idealismos elaborados por teóricos de gabinete que não
sabiam analisar a realidade e entender que a cooperação agrícola nascera no seio
comunidades camponesas.
Este modo de concebir la cooperación agrícola quizá sea el único método para incorporar nuestra agricultura al sistema de capitalismo de estado, que es nuestra principal tarea en este momento. Nuestra cooperación agrícola se originó mucho antes de la Revolución. La cooperación existía y existe en muchos países capitalistas. Por lo tanto entre nosotros antes de la Revolución como en todos los países capitalistas, no fue más que la adaptación de los pequeños productores de mercancías a las condiciones de la sociedad capitalista, no fue mas que una arma en la lucha por la sobrevivencia. (CHAYANOV, 1974, p. 317).
Como propostas, CHAYANOV (1974) propunha que a cooperação agrícola deveria
ocorrer visando o abastecimento do mercado urbano industrial, mas de forma
alguma poderia ser erigida somente na base da grande unidade fundiária. Para
tanto, a união de vários pequenos produtores, o apoio efetivo do Estado através de
investimentos de capital (créditos cooperativos) e de infra-estrutura (energia elétrica,
acesso a tecnologias de produção, irrigação, drenagem, presença da estrutura
política do Estado, estradas, etc), seriam saídas para se gerar a socialização destas
unidades, garantindo o desenvolvimento do campesinato e sua contribuição
produtiva para o todo social15.
52
1.3 Formação, as lutas e a resistência do campesinato no processo histórico e geográfico de estruturação da questão agrária brasileira.
A criação, a destruição e até a recriação do campesinato no Brasil decorre do
metabolismo do capital no processo de ocupação/produção do espaço brasileiro. O
entendimento de como ocorre este processo contribui para o debate sobre a
pertinência contemporânea do uso desta categoria de análise, demarcando também
o rol de relações que historicamente geram a questão agrária brasileira, bem como
os avanços e retrocessos para a sua superação, na qual os camponeses
fundamentalmente comparecem como agentes políticos importantes na luta por uma
Reforma Agrária que sele ou amenize o problema.
Nos primórdios de nossa colonização, os portugueses engendraram a ocupação
territorial garantindo a acumulação primitiva do capital através do comércio
ultramarino. O salto quantitativo na rentabilidade dos negócios ocorreu com a
passagem da fase exploratória do pau-brasil para a da produção do açúcar na
década de 1530, mercadoria que teve função complementar e desvinculada
daquelas produzidas na metrópole, atendendo aos seguintes princípios:
1) produzisse a economia colonial um excedente que se transforma em lucro ao se comercializar a produção no mercado internacional; 2) a criação de mercados coloniais à produção metropolitana; 3) que o lucro gerado na colônia fosse apropriado quase que integralmente pela burguesia metropolitana. (MELLO, 1995, p. 39).
Os núcleos centrais da ação territorial portuguesa foram as capitanias hereditárias,
cujos donatários as desdobraram em latifúndios (sesmarias) em favor de colonos,
que se dedicavam a cultivar e beneficiar cana-de-açúcar nos engenhos financiados
por capitalistas holandeses. Discorrendo sobre a organicidade das unidades
produtoras, PRADO JÚNIOR (1974) aponta que
15 Ver CHAYANOV, 1974, p. 320.
53
Mas seja com escravos africanos, escravos ou semi-escravos indígenas, a organização das grandes propriedades açucareiras da colônia foi sempre, desde o início, mais ou menos a mesma. É ela a da grande unidade produtora que reúne num mesmo conjunto de trabalho produtivo, um número mais ou menos avultado de indivíduos sob a direção imediata do proprietário ou do feitor. É a exploração em larga escala, que conjugando áreas extensas e numerosos trabalhadores, constitui-se como uma única organização coletiva do trabalho e da produção. (PRADO JÚNIOR, 1974, p. 37).
O entendimento do surgimento e da expansão do trabalho escravo no Brasil deve
passar pela compreensão que o capital, no movimento de ampliação das riquezas,
pode criar, moldar, destruir e recriar formas pré-capitalistas de produção ou relações
de trabalho totalmente dissociadas do assalariamento. Enquanto mercadorias, os
escravos adquiridos através da compra eram convertiam em capital fixo aos
senhores de terras, um investimento que se depreciava ao longo do processo
produtivo, e a renda obtida no seu comércio era revertida para a metrópole, gerando
altos lucros para os traficantes.
A condição servil e a forma de acesso a terra garantiu o desenvolvimento do modo
de produção capitalista, forjando ao mesmo tempo uma sociedade desigual onde
conviviam os escravos, seus senhores e alguns europeus livres que dominavam a
marcenaria e outros ofícios complementares e pertinentes aos engenhos, gerando
uma rigidez na pirâmide social onde “[...] abaixo da classe reduzida de senhores de
engenho ou grandes proprietários de terras, nenhum homem livre lograva alcançar
uma expressão social” (FURTADO, 1998, p. 75).
A gênese do campesinato brasileiro está vinculada aos ciclos de expansão e
retração da atividade açucareira que, por conta das flutuações dos preços no
mercado externo, imputaram sensíveis reordenamentos no processo de trabalho do
complexo rural do açúcar para sustentar os lucros, principalmente quando se
54
conjugavam baixa nos preços do produto no mercado externo e aumento no preço
dos cativos.
A economia açucareira do Nordeste, com efeito, resistiu mais de três séculos às mais prolongadas depressões, logrando recuperar-se sempre que o permitiam as condições do mercado externo, sem sofrer nenhuma modificação estrutural significativa. Na segunda metade do século XVII, quando se desorganizou o mercado de açúcar e teve início a forte concorrência antilhana, os preços se reduziram à metade. O sistema entrou, em conseqüência, numa letargia secular (FURTADO, 1998, p. 53)
A gênese do campesinato brasileiro ocorreu mediante a expansão do trabalho livre,
onde os mestiços (mulatos, cafusos e mamelucos) e os brancos pobres
paulatinamente foram autorizados a acessar a terra, cobrindo a necessidade dos
latifundiários em produzir os alimentos utilizados na manutenção das unidades
açucareiras, recebendo parcelas fundiárias na condição de foreiros16.
Nos períodos de crise profunda, estes trabalhadores compareciam como mão-de-
obra acessória alternativa para compensar o alto custo dos escravos. Assim, para
conquistar o direito de usufruto de um pedaço de terra os foreiros aceitavam
trabalhar alguns dias da semana na lavoura canavieira, substituindo com boa
produção e sem adiantamento de capital (compra de escravos) a mão-de-obra
cativa, garantindo bons resultados econômicos aos senhores de engenho que cada
vez mais optaram por organizar nestas bases de relações socioeconômicas a
empresa açucareira.
Um outro contexto importante para a gênese do campesinato foram os povoados.
Apesar do fraco desenvolvimento urbano do Brasil nos primeiros dois séculos de
nossa história, a população localizada nas vilas da colônia onde se realizava o
comércio, os serviços de administração e, sobretudo no caso da Província de Minas
16 Direito real alienável e transmissível aos herdeiros, e que confere a alguém o pleno usufruto de uma área de terras mediante a obrigação de não deteriorá-lo e de pagar um foro anual, geralmente em trabalho não remunerado, nos períodos de plantio e colheita, ao dono que lhe concedeu morar em suas terras.
55
Gerais, a extração aurífera, influenciaram na ocupação produtiva e no
desenvolvimento agrícola de áreas do entorno destes núcleos, desempenhando a
função de “cinturão verde” voltado para o cultivo de alimentos e o abastecimento
destes centros.
Num ritmo crescente, parcela da população pobre e mestiça destas localidades -
mais forte ainda quando ocorria a decadência das minas, encontrou nas áreas
inóspitas dos sertões a sua sobrevivência por meio da ocupação da terra na forma
de posses, garantindo uma certa autonomia ao organizar pequenos sítios voltados
para a produção de subsistência, constituindo “[...] o que mais tarde se chamou de
‘caboclos’, e formarão o embrião de uma classe média entre os grandes
proprietários e os escravos” (PRADO JÚNIOR, 1974, p. 42), processo que permitiu a
criação e a expansão do número de camponeses livres fora do circuito açucareiro.
Com o tempo, as áreas isoladas onde se reproduziam os camponeses livres
acabavam ”alcançadas” pela civilização, tornando atraente sua ocupação pelos
grupos dominantes, imputando a estes trabalhadores duas alternativas: a migração
para áreas inóspitas onde poderiam abrir nova posse, ou sua subordinação a um
latifundiário enquanto morador de condição, repassando ao fidalgo todo o trabalho
dependido na derrubada da mata, na abertura de um poço d’água, cultivo de
lavoura, construção de moradia, etc.
A expansão do poder dominial dos aristocratas sobre novas áreas de terras,
inclusive as ocupadas, era facilitada por conta de seu poder político e econômico,
que lhes favorecia conquistar as áreas desejadas via títulos de sesmaria,
inacessíveis para cidadãos comuns (os não fidalgos).
A posse do fazendeiro conduzia à legitimação através do título de sesmaria; o mesmo não se dava com a posse do camponês, do mestiço, cujos direitos se efetivavam em nome do fazendeiro. Basicamente, tais situações configuravam a desigualdade dos direitos entre o fazendeiro e o camponês – desigualdade essa que definia os que tinham e os que não tinham direitos, os incluídos e os excluídos. (MARTINS, 1995, p. 34).
56
Afora estas questões, uma outra forma de constituição do campesinato ocorria
através das relações estabelecidas entre os donos das sesmarias que concediam
terras a pessoas que, por meio desta relação, recebiam a incumbência de cuidar de
seu patrimônio. Neste contexto, MARTINS (1995) aponta que pouco a pouco o
“favor” foi instituído como uma norma social usual mediando a relação
fazendeiro/morador de condição.
No decorrer do tempo, estas interação entre sujeitos desiguais extrapolaram as
relações socioeconômicas e passaram a repercutir nos arranjos políticos, na
conquista de proteção junto ao senhor de terras, no vínculo moral em ter de
defendê-lo frente a um inimigo. Neste contexto, a relação explorador/explorado
lentamente se modificou, resultando em variações do tipo
[...] terra em troca de renda em trabalho (como é o caso do cambão no Nordeste), em espécie (como é o caso da parceria em todas as regiões do país) e em dinheiro (como é o caso particularmente do arrendamento de terras no sul e sudeste). Mas essa evolução será diferente para o fazendeiro e para o agregado (MARTINS, 1995, p. 36).
O fim do sistema de concessão de sesmarias ocorreu em 1822 e a partir de então o
espaço agrário brasileiro foi reorganizado sob uma lógica diferente, mas igualmente
viciada e excludente. Analisando esta conjuntura, GUIMARÃES (1978) afirma que o
número de posseiros se multiplicou rapidamente.
Houve uma mudança na natureza da posse da terra. Durante o período de vigência
das sesmarias a apropriação pela posse caracteriza basicamente por ser típica
daquele morador desprovido de riquezas e que não participava da economia
comercial exportadora. Era o camponês que ocupava terras conforme suas
necessidade “Com a extinção das sesmarias e a falta de uma regulamentação, a
posse torna-se generalizada. Agora, também o proprietário de engenhos de açúcar
acumula grandes extensões de terra através da posse” (JAHANEL, 1978, p. 109).
No Sudeste brasileiro, o circuito produtivo do café, inicialmente organizado em torno
do trabalho escravo, também foi impactado pela conjuntura econômica e política que
encarecia a mercadoria. A valorização do produto no mercado externo impulsionou a
57
expansão horizontal das lavouras, inicialmente cultivadas no Rio de Janeiro, rumo ao
Vale do Paraíba e desta região para o interior paulista.
Esta dinâmica exigiu dos capitalistas latifundiários (os “Barões do Café”) a buscar de
alternativas para abastecer a demanda crescente por de mão-de-obra, mas com um
custo semelhante ou inferior ao escravo. Apesar das resistências econômicas e
culturais, a saída possível era o trabalho livre, sobretudo o de imigrantes, pois pouco
a pouco crescia a resistência contra o trabalho escravo e a pressão política para a
sua extinção definitiva.
A primeira experiência vinculando o trabalho livre de migrantes europeus na
cafeicultura ocorreu pela ação do Senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro17,
que em 1840, por iniciativa e risco financeiros próprios, tentou alocar, sem sucesso,
trabalhadores europeus em suas terras no interior paulista.
Em 1847, momento em que ocupava a pasta do Ministério da Justiça do Império,
Vergueiro fundou a empresa Vergueiro & Cia. e, após obter subvenções do
Governo, conseguiu definitivamente trazer colonos da Alemanha e Suíça para sua
fazenda em Ibiacaba-SP.
Apesar da existência de uma Lei proibindo o tráfico de escravos promulgada desde
7 de novembro de 1831, atendendo a um Tratado acordado com a Grã-Bretanha em
1826, pelo qual o Brasil aceitava extinguir o tráfico negreiro em 15 anos, sob pena
de severas ações por parte da potência européia, na costa brasileira o comércio
ultramarino de escravos fluía normalmente.
Somente em agosto de 1845, quando a Inglaterra sancionou a Lei “Bill Aberdeen”, a
ação dos traficantes arrefeceu. Através deste instrumento, a Coroa Inglesa
concedeu às suas fragatas o poder de vistoriar navios suspeitos e aprisionar
qualquer embarcação que realizasse o tráfico internacional de escravos africanos.
Assim, a Grã-Bretanha - que durante séculos foi responsável por cerca da metade
58
dos escravos africanos traficados de suas zonas de origem para outros países –
passou a coibir o trafico internacional, fazendo valer suas pretensões geopolíticas de
comércio ultramarino de bens manufaturados e industrializados. .
Em 4 de setembro de 1850, foi editada a Lei Euzébio de Queirós, que finalmente
proibiu o tráfico de escravos em direção ao Brasil. O impacto direto desta Lei e a
ação das fragatas inglesas contra a pirataria de escravos ultramarinos influenciaram
decisivamente para o colapso no fornecimento e para o encarecimento do preço dos
escravos, obrigando os agentes do capital agrário-exportador a encontrar outras
saídas para re-ordenar o mercado de trabalho. No conjunto, estes foram os
principais elementos objetivos para uma mudança profunda nas relações de trabalho
na agricultura brasileira: a lenta e gradual passagem da mão-de-obra cativa para o
trabalho livre.
A percepção de que seria insustentável continuar com a escravatura no Brasil levou
a burguesia agrária a exercitar o seu poder político e encontrar uma saída para
condicionar os futuros homens livres a permanecerem ligados às fazendas como
mão-de-obra, sustentando a normalidade no processo produtivo, o que só
aconteceria se lhes fossem criados amarras jurídicas para conquistar a posse de
terras na vastidão do interior do país, onde se descortinava um sertão ocupado por
grupos indígenas.
O instrumento legal encontrado e aprovado pelas elites foi a Lei de Terras editada
em 18 de setembro de 1850, ou seja, duas semanas após o fim do Tráfico negreiro.
Através desta Lei, a burguesia agrária fundou o mercado fundiário transformando a
terra em mercadoria, resguardando ao Estado o domínio sobre as áreas devolutas e
a quem tivesse dinheiro para comprar o direito de propriedade sobre as terras
ocupadas e a ocupar, conforme o documento ANEXO – 1.
Num contexto de baixa circulação de moedas, com a riqueza concentrada nas mãos
da burguesia agrária, o preço atribuído ao alqueire de terras e regulamentado
17 Em 1931, Nicolau Pereira de Campos Vergueiro (1778 – Portugal 1859) era um influente político, o que lhe permitiu integrar a Regência Trina Provisória após a renúncia do Imperador D. Pedro I em
59
inicialmente pela Coroa e depois pelas províncias ficaram num patamar elevado para
o poder aquisitivo das camadas pobres de sem-terra, posseiros (que deveriam
registrar e pagar suas terras), foreiros, bem como um reduzido número de imigrantes
então existentes.
Assim, a Lei no 601 preservou a estrutura fundiária do País no contexto iminente do
desmoronamento da sociedade escravista e seu eixo dinâmico, o sudeste cafeeiro.
É importante frisar que esta Lei retardou por dezenas de anos o surgimento de um
campesinato moderno no País, pois o que se observou nos anos subseqüentes foi a
crescente expansão dos camponeses livres não proprietários (parceiros, meeiros,
arrendatários) em detrimento de poucos que realmente conquistaram a propriedade
fundiária. No caso dos posseiros e ocupantes, não só os grandes latifundiários
passaram a tomar suas terras: desta vez o Estado passou a executar esta tarefa.
Num contexto em que a mão-de-obra cativa não podia reproduzir a si própria e
abastecer o mercado, haja visto que em média um escravo africano resistia menos
de 10 anos aos trabalhos forçados e o comércio de escravos intraprovincial não
garantia o abastecimento da mão-de-obra demandada pelo circuito cafeeiro, o êxito
obtido por Vergueiro com a imigração instigou novos fazendeiros a arriscar e investir
na tomada de empréstimos governamentais subsidiados para garantir a imigração
de trabalhadores para suas fazendas.
No contexto do Nordeste açucareiro, seja pela maior quantidade de escravos nesta
região, seja pela crise do açúcar e a expansão do trabalho dos foreiros, os senhores
de engenho não compartilharam desta iniciativa.
A transição do trabalho escravo para o trabalho abstrato (assalariado) cultivou uma situação de escassez de força de trabalho, favorecendo a manutenção e ampliação de relações sociais de produção não especificamente capitalistas no interior da grande propriedade, típica do período anterior e materializado no protocampesinato. Esse foi o mecanismo encontrado pelos latifundiários nordestinos para assegurar sua mão-de-obra. Contudo, para os cafeicultores tornou-se um problema, principalmente, com a
detrimento de seu filho, D. Pedro II, impossibilitado de assumir a função devido à menoridade.
60
expansão da economia cafeeira. Assim, buscam na imigração estrangeira a solução. (ANTONELLO, 2001, p.110)
A imigração de trabalhadores para as áreas cafeicultoras do Rio de Janeiro, Espírito
Santo, São Paulo e Minas Gerais permitiu a expansão do campesinato brasileiro, só
que de forma adversa daquelas até então existentes, processo que passou pela
articulação de um conjunto de ações e o estabelecimento de uma série de normas
de conduta para regulamentar a relação camponês-fazendeiro, formalizados nos
contratos de parceria.
COSTA (1966) detalha que os parceiros eram contratados diretamente na Europa e
encaminhados para as fazendas de café, tendo viagem e transporte pagos pelos
contratantes, recebendo ainda um adiantamento em dinheiro até que pudessem
sustentar-se com o trabalho na lavoura. Alocadas nas fazendas, cada uma das
famílias recebia uma dada quantidade de pés de café para cultivar, colher e
beneficiar, podendo ainda praticar a agricultura de subsistência nas entrelinhas das
plantas novas ou, na impossibilidade deste cultivo paralelo, o proprietário podia
indicar uma gleba de terras à parte na fazenda para os imigrantes realizarem esta
atividade agrícola complementar.
Ainda segundo a autora, a alimentação e o acesso a bens de primeira necessidade
se complementavam nos armazéns da fazenda, onde se comprava as mercadorias a
preços mais altos que os praticados no comércio local, sendo o consumo anotado
em fichas contabilizadas e pagas à época dos acertos de contas. Quando estes
aconteciam, descontando-se despesas com beneficiamento, transporte, comissão de
venda, impostos, etc, o parceiro recebia metade do lucro líquido da renda obtida com
o café colhido e vendido, valor direcionado a amortizar os débitos alimentícios, os
adiantamentos em dinheiro recebidos na chegada ao país, bem como juros e demais
despesas pagas inicialmente pelos fazendeiros.
Contratualmente, o parceiro estava obrigado a cultivar e manter o cafezal no limpo,
efetivar diferentes tratos culturais, replantar as falhas (plantas que morreram), até a
chegada do produto ao mercado. Não podia sair da fazenda sem previamente
61
comunicar ao fazendeiro, sob pena de multa, devia saldar todos os compromissos
assumidos, sendo os casos conflitantes resolvidos pelas autoridades judiciais das
comarcas.
Essas normas sofriam às vezes pequenas alterações que não modificavam
substancialmente seu conteúdo, mas tendenciosamente favoreciam aos fazendeiros.
Havia aqueles que cobravam 12% de juros em vez de 6%, outros incluíam no
contrato cláusula obrigando os parceiros a realizarem trabalhos adversos à lavoura
cafeeira (construção e consertos de cercas e casas, abertura de estradas), cobrança
de taxas para permitir os parceiros criarem animais (cavalos, vacas, carneiros) nas
terras da fazenda, cobrança de 50% de renda em produto da lavoura cultivada
conjuntamente ao cafezal, entre outros quesitos.
Na verdade, o ordenamento da relação contratual estava atravessado pelo ranço
das relações sociais escravistas que cultural e economicamente apareciam na
relação fazendeiro/parceiro e que, guardadas as diferenças e distintas proporções,
levavam ao primeiro sujeito entender o segundo como algo seu, que ele poderia
mandar, um escravo diferenciado, onde a exploração capitalista deveria acontecer
ao máximo através das peias contratuais, cuja tônica era sempre a existência do
mínimo de direitos e liberdades para o parceiro visando a garantia do máximo de
lucros para o fazendeiro.
Na metade do século XIX, a insatisfação dos imigrantes em relação aos contratos
evoluiu negativamente, desembocando em uma série de conflitos espalhados por
várias fazendas, demonstrando as fissuras do sistema de parceria e sua
insustentabilidade tanto como instrumento rentável aos cafeicultores para substituir a
mão-de-obra escrava, como opção de sobrevivência dos imigrantes através do
trabalho na terra.
COSTA (1966) aponta que os fazendeiros, trabalhando somente com parceria ou
mesclando o trabalho destes com o trabalho escravo, sofriam prejuízos por conta do
baixo rendimento do trabalho dos imigrantes. Isto ocorria porque os escravos
cuidavam de duas a três vezes mais plantas que os parceiros que, dispensando
62
menores cuidados às lavouras e às colheitas, causavam a quebra de safra ou
colhiam sacas de café de baixa qualidade e preço. Havia ainda imigrantes com
sérios vícios de bebida, alguns se tornavam muito agressivos ao elaborar serviços
não especificados no contrato, outros descumpriam clausulas, ocorrendo também o
abandono ou mesmo a fuga das fazendas por parte dos parceiros, chegando até à
perda total das safras.
Por seu lado, a autora aponta em sua obra que os imigrantes reclamavam da
exploração sofrida através da obrigação de comprar produtos a preços mais caros
nos empórios das fazendas, das diversas taxas que diminuíam a renda da família e
os marginalizavam a trabalhar sem perspectiva de se libertar através da compra de
um pedaço de terra, objetivo que os levou a migrar para o Brasil, a indicação de
cafezais velhos ou muito novos com baixa produção para desempenharem seu
trabalho, os problemas político e religiosos, pois muitos não eram católicos e não
lhes era concedido o direito de casar no Brasil nem mesmo o de registrar ou batizar
os filhos em nosso País, os resultados do julgamento de litígios judiciais muitas
vezes favoráveis aos fazendeiros, o desconforto dos locais de moradia que, apesar
de ser antigas senzalas ou barracos de pau-a-pique, tinham uma taxa paga pelo
parceiro, elementos da condição de semi-escravidão que humilhava os parceiros e
levou países como a Alemanha e a Suíça a proibirem a emigração de seus cidadãos
para o Brasil.
Entre as décadas de 1870 e 1880 as condições para a expansão do trabalho livre
mudaram consubstancialmente, pois
Os altos preços atingidos pelo café no mercado internacional, a melhoria das vias de circulação, o aperfeiçoamento dos meios de transporte, a possibilidade de empregar, cada vez em maior escala, processos mecanizados para o beneficiamento do café, o fenômeno da urbanização característico da segunda metade do século, o crescimento da população, modificavam as condições econômicas das áreas cafeeiras, criando novas perspectivas para o trabalho livre. (COSTA, 1966, p.188).
Acelerando o desenvolvimento do capitalismo no campo, o Governo brasileiro baixou
uma série de Leis garantindo financiamentos e subsídios mais atrativos para
63
pluralizar a imigração, principalmente de europeus da região do Mar Mediterrâneo,
como os italianos.
Firmando-se como o principal pólo produtivo do café no Brasil, o que garantiu altos
dividendos em impostos, através da Lei Provincial no 36, de 21 de fevereiro de 1881,
a Província de São Paulo passou a complementar os incentivos concedidos pelo
Império aos fazendeiros paulistas garantindo, entre outros favores, o pagamento de
passagens dos imigrantes, sua hospedagem durante oito dias em alojamentos a
cerca das ferrovias na Capital, bem como os custos de deslocamentos das famílias
até as fazendas situadas no interior, livrando os cafeicultores e, por conseguinte, os
imigrantes, de arcar com os altos custos das despesas dessa empreitada.
A retomada no fluxo imigratório e a expansão da participação do trabalho livre
ocorreram no contexto do abandono do sistema de parceria e a ascensão do sistema de colonato, onde o assalariamento, a locação de serviços e os contratos
mistos de trabalho permitiram conquistas substanciais que favoreceram, em parte,
as demandas dos imigrantes.
O fim da cobrança de transporte, impostos e outras custas de comercialização que
recaíam sobre o produto do trabalho dos imigrantes, pouco a pouco se tornou
prática comum, desonerando fazendeiros e trabalhadores destes custos, que no
conjunto era a base de conflitos que pouco a pouco ruiu com o sistema de parceria.
A emergência dos contratos de colonato fez desaparecer as taxas usurárias
(pagamento do usufruto das casas e pastagens das fazendas, entre outras), numa
constante reciclagem e avanços que desembocou na conquista de contratos de
trabalho mais flexíveis, que tinham entre suas cláusulas
[...] uma referente ao tratamento do cafezal propriamente dito, e outra relativa à colheita. A primeira parte da remuneração era fixada no início do contrato e dependia do número de pés de café de que se encarregava cada família de trabalhadores; a segunda parte era variável, já que dependia da quantidade de café colhido, apesar do pagamento por unidade (saco em alqueire) de café colhido ser estabelecida de antemão. (SALUM JÚNIOR, 1982, p. 83).
64
A manobra de classe sobre a questão fundiária iniciada em 1850 se efetivou com o
decreto da Lei Áurea de 1888, quando definitivamente ocorreu a passagem do
regime de trabalho cativo ao regime de trabalho livre. A mão-de-obra, não mais o
homem, tornou-se mercadoria. MARTINS (1990) evidencia que no “[...] regime de
terras livres, o trabalhador tinha que ser cativo, num regime de trabalho livre, a terra
tinha de ser cativa”. (MARTINS, 1990, p.32).
Esta série de instrumentos permitiu ao capital garantir a oferta constante de mão-de-
obra para a lavoura, transformando lentamente a relação de domínio físico (trabalho
cativo) para a relação de domínio ideológico (liberdade do assalariado).
Após a Proclamação da República em 1889, o poder político e econômico
conquistado pelos cafeicultores, sobretudo os paulistas, permitiram o ordenamento
de políticas públicas que resguardaram os sujeitos da classe latifundiária dos
prejuízos com os gastos realizados na obtenção dos escravos que a Lei Áurea
libertou. “A intervenção do Estado na formação do contingente de mão-de-obra para
as fazendas de café representou, de fato, o fornecimento de subsídios para a
formação de capital e empreendimento cafeeiro” (MARTINS, 1979, p. 66-67). Assim,
não ocorreu uma intentona latifundiária porque conseguiram “socializar” seus
prejuízos, valendo-se de seu poder político e dos proventos federais e estaduais
retirados dos bolsos dos contribuintes.
Com o passar do tempo, os fazendeiros perceberam que a vinda de migrantes
subvencionados pelo Estado para suas terras representava uma interessante
economia de recursos, pois não mais necessitavam investir capital na compra de
escravos. Garantida a mão-de-obra na figura do imigrante, o dinheiro economizado
na compra de escravos era revertido para a compra de terras e formação de novas
fazendas de café, pressionando para cima os preços do mercado de terras, através
do qual sobrevivem os grileiros acumulando o capital sob a forma de renda da terra,
impulsionando a ocupação do interior paulista do sentido oeste, atingindo também o
norte paranaense na região do alto Paranapanema (MONBEIG, 1984).
65
Durante o regime do colonato, os fazendeiros priorizavam contratar famílias
extensas, deixando de lado os imigrantes solteiros ou casais sem filhos. Ao
assinarem os contratos para o ano agrícola, os colonos recebiam aos seus cuidados
uma quantidade delimitada de pés de café, devendo realizar todos os tratos culturais
(carpir, desbastar, arruar, repor os pés mortos), pelos quais recebiam pagamento na
forma de salários em escalas de tempo com variações de um a três meses. A
colheita, a limpeza e a secagem do café eram remuneradas à parte e quanto mais
sacas do café eram colhidas, maior o pagamento recebido pelos colonos, o que
favorecia sobremaneira as famílias com maior número de membros, pois colhiam
mais sacas de café por dia.
À parte destes vínculos contratuais, disseminou-se o trabalho remunerado por meio de diárias de serviço e empreitada, vinculados a tarefas esporádicas como o
concerto de cercas e estradas, o plantio de alguma área, a confecção de um aceiro,
a derrubada de uma extensão de mata, dentre outros serviços. Em todos estes
casos, dependendo das articulações entre colonos, tarefeiros e fazendeiros, os
pagamentos poderiam ser efetuados em dinheiro ou em sacas de café.
O camponês colono garantia parte de sua existência nos cultivos intercalares e, com
a remuneração obtida nas fases de colheita, adquiria os instrumentos de trabalho
necessários ao desempenho de suas atividades. Dependendo da intensidade do
trabalho, da composição numérica e faixa etária da família, alguns amealhavam uma
poupança que permitia a compra de um sítio, tornando-se camponês proprietário.
Neste caso, a média era de
[...] uns 12 anos de trabalho familiar para que o colono se tornasse proprietário de terra. Mesmo assim, nada impedia que isso fosse fácil. No censo realizado em 1904 e 1905 constatou-se que apenas 14,8% das propriedades rurais pertenciam a imigrantes estrangeiros, às quais correspondiam somente 9,5% da área. De mais de um milhão e duzentos mil imigrantes entrados em São Paulo até então, 8.392 haviam se tornado proprietário de terras. (MARTINS, 1979, p. 91).
A expansão no processo de incorporação de novas terras gerou, na primeira década
do século XX, a evolução geométrica na produção de café que desembocou num
66
estágio de superprodução da cafeicultura nacional, cuja conseqüência principal foi a
queda dos preços do produto no mercado. A crise do café causou perdas
significativas aos fazendeiros, que se voltaram contra os interesses e direitos
conquistados pelos colonos para preservar os seus próprios interesses.
Esta realidade desandou na retomada de práticas lesivas aos camponeses, como a
criação de multas, redução das lavouras de subsistência, rebaixamento do valor dos
salários, atraso nos pagamentos, disseminando uma insatisfação coletiva que
paulatinamente desagregou o sistema de colonato, onde a opção para muitas
famílias foi o abandono das fazendas de café e a migração para as cidades.
Segundo MARTINS (1979) “O imigrante encontrou, desde o começo de sua vida no
novo país, condições de trabalho que convergiam para o seu desejo de preservar
um estilo camponês de vida, embora não completamente autônomo” (MARTINS,
1979, p. 132). A expansão dos camponeses proprietários de terras ocorre a partir da
crise mundial de 1929 que rebaixou ainda mais o preço da saca de café, atingindo o
mercado de terras.
Esta realidade ocorreu devido à desvalorização do preço das fazendas e a retração
na atividade cafeeira. Insatisfeitos com o preço do produto, muitos fazendeiros
optaram por parcelar e vender suas terras, notadamente as localizadas em área de
solos degradados ou com cafezais velhos, portanto, menos produtivos, direcionando
as receitas obtidas tanto para o pagamento de dívidas como para o investimento de
capital em setores mais rentáveis da atividade econômica (industria, comércio e
especulação imobiliária urbana), mediando a participação do campesinato na
condição de proprietários da terra. “Quando a grande exploração decai, a
propriedade agrária tende a se subdividir. Inversamente, a prosperidade da grande
exploração é importante fator de reagrupamento e constituição da grande
propriedade” (PRADO JÚNIOR, 1981, p.54).
Analisando a gênese e o processo de desenvolvimento do campesinato no espaço
brasileiro, CARVALHO (1978) aponta que
67
[...] O camponês, aqui no Brasil, foi e ainda é agente de relações sociais de produção pré-capitalista. [...] funcionou como “amortecedor” de prováveis choques entre categorias de níveis sociais opostos, de grande diferença econômica e social. [...] a posição ocupada pelos camponeses [...] tende a se modificar e a se degradar, pois a estrutura social se torna cada vez mais complexa. O surgimento do empresário familiar, do arrendatário capitalista e de outras categorias, ocupando posições sócio-econômicas mais elevadas, faz com que os camponeses sejam empurrados para baixo, na escala social. (CARVALHO, 1978, p. 94 - 95).
Na contraposição às correntes que entendem o campesinato enquanto elemento
transitório no processo de expansão do capitalismo no campo, que se complementa
com o apartamento definitivo entre a propriedade ou acesso aos meios de produção
do trabalhador, que passa a garantir sua sobrevivência por intermédio do salário
pago por um capitalista, e que esse é o sentido geral do processo, OLIVEIRA (2001)
demonstra que “[...] ao contrário, ele, o capital, o cria e recria para que sua produção
seja possível e com ela possa haver a criação de novos capitalistas” (OLIVEIRA,
2001, p. 20).
Quando a exploração do trabalhador do campo pelo capitalista é maximizada
através do aviltamento das relações de trabalho mediadas pelo salário ou outra
relação social de contrato ou costume (renda em produto, dinheiro, etc), quando a
remuneração paga pela agroindústria processadora ou companhia de
comercialização ficam aquém da expectativa, ou ainda no processo de expansão do
monopólio da terra o capital avança sobre as frentes de expansão, onde estão os
camponeses posseiros, transformando a terra de trabalho em terra de negócio
(MARTINS, 1991), os camponeses e os trabalhadores não demonstram passividade
frente às articulações do capital: ao contrário, eles estruturam formas de luta e
resistência para acessar a terra e reproduzir a sua condição social ou, no caso dos
sem-terras, para ascender à condição de camponeses (FERNANDES, 2003).
Ao contrário do que prega o pensamento marxista ortodoxo, os camponeses são
capazes sim de se organizar politicamente para requerer seus direitos. A
insubmissão do campesinato brasileiro frente ao capital é histórica e ocorreu
68
[...] primeiramente, contra a dominação pessoal dos fazendeiros e “coronéis”; depois conta a expropriação territorial efetuada por grandes proprietários, grileiros e empresários; e já agora, também, contra a exploração econômica que se concretiza na ação da grande empresa capitalista, que subjuga o fruto do seu trabalho, e na política econômica do Estado, que cria e garante as condições dessa sujeição” (MARTINS, 1995, p. 9 – 10).
Desencadeadas no período de transição do Império para a República, as revoltas
camponesas de Canudos no sertão baiano (1893 a 1897) e da região do Contestado
entre os Estados de Santa Catarina e Paraná (1912 a 1916) mesclaram motivação
sócioterritorial com o caráter de fundamentalismo religioso.
A presença do arraial de Canudos desagregou o fornecimento de mão-de-obra às
fazendas da região, que encontravam na comunidade à margem do rio Vaza Barris a
liberdade aos mandos dos fazendeiros. No Contestado, as terras tradicionalmente
ocupadas por gerações de posseiros foram criminosamente repassadas à
Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, na forma de concessão, que
a tal Companhia tratou de tomar posse contratando “cowboys” americanos para
“limpar” a área, garantindo o território doado à empresa livre de “intrusos”. Nos dois
casos, a burguesia encontrou no poder do Exército e das polícias estaduais
destacados pelos Governos da Nação e dos estados o apoio para fazer frente à
resistência camponesa e garantir para si a posse da terra e o fluxo de mão-de-obra.
No Brasil, a classe latifundiária é responsável ao mesmo tempo pelo atraso e pelo
desenvolvimento social, econômico e político da nação. Isto ocorre porque a mesma
resguarda para si – excluindo, portanto, a classe trabalhadora - o comando e a
velocidade das transformações sociais, conduzindo os ajustes necessários para
reforçar o seu poder hegemônico, muitas vezes comandando a estrutura do Estado.
A partir da década de 1940, este quadro foi profundamente alterado quando
pipocaram em várias regiões do país movimentos reivindicatórios nos quais
participavam os camponeses. Externalizando sua ânsia por justiça social, atuando
com vontade e força política própria, sob a mediação da Igreja e dos partidos
69
políticos, pegando em armas ou irrompendo em greves, organizando sindicatos
combativos ao invés de recorrer à justiça, enfim, atuando como sujeitos políticos da
sua história contra as situações de exclusão vivenciadas, os camponeses brasileiros
vêm demonstrando ao longo dos anos e em variados episódios de ação, ainda que
de forma rudimentar, que possuem uma consciência de classe.
Os levantes no campo, afora os casos que a historiografia não registra, estão
vinculados aos inúmeros casos envolvendo pequenos posseiros contra os grileiros
de terras (Teófilo Otoni e Governador Valadares no Estado de Minas Gerais;
Trombas e Formoso em Goiás; Porecatú, Jaguapitã e vários municípios do Sudoeste
paranaense; Nova Iguaçu, Cachoeiras do Macacu e Duque de Caxias, no Rio de
Janeiro; região do Bico do Papagaio, no Maranhão; vale dos rios Mucuri e Doce no
Espírito Santo), arrendatários contra fazendeiros (Santa Fé do Sul, no interior
paulista18).
Por conta das circunstâncias de luta, que se desdobraram em sérios conflitos,
inclusive armados, envolvendo jagunços, polícia e exército, gerando mortes e
despejos, além de toda a sorte de violência (espancamentos, prisões arbitrárias,
assassinatos, destruição de lavouras e casas), percebe-se que no caso brasileiro
[...] o campesinato é uma classe, e não um estamento. É um campesinato que quer entrar na terra, que, ao ser expulso, com freqüência à terra retorna, mesmo que seja terra distante daquela de onde saiu. O nosso campesinato é constituído com a expansão capitalista, como produto das contradições dessa expansão. Por isso, todas as ações e lutas camponesas recebem do capital, de imediato, reações de classe: agressões e violências, ou tentativas de aliciamento, de acomodação, de subordinação. (MARTINS, 1995, p. 16)
O avanço da luta pela terra como instrumento de manutenção, acesso ou mesmo
reprodução do campesinato teve projeção política quando as lutas isoladas dos
trabalhadores foram institucionalizadas. A principal entidade desta fase foi a Ligas
Camponesas surgida na zona canavieira do Nordeste, primeiro em Pernambuco
(Engenho Galiléia, 1955), depois disseminada para outros Estados do País,
18 Conforme MARTINS 1995 ( p. 66 – 76) e FERNANDES 2000 (p. 35 – 41).
70
sobretudo o Nordeste brasileiro, constituindo importante instrumento de participação
do campesinato na retomada da democracia do período pós-Getúlio Vargas19,
tutelada pela igreja católica e o Partido Comunista.
A fundação da Ligas Camponesas está vinculada à expansão dos canaviais via ação
dos fazendeiros nordestinos interessados em auferir maiores lucros com o açúcar,
num momento em que a mercadoria encontrava-se altamente valorizado no mercado
externo. Abandonando a prática secular do aforamento, os fazendeiros provocavam
o avanço do cultivo de cana-de-açúcar nas terras ocupadas pelos camponeses, re-
criando extensas lavouras de cana-de-açúcar baseadas no trabalho assalariado e,
conseqüentemente, provocando a expulsão do homem do campo nas áreas
densamente ocupadas com uma pluralidade de explorações agropastoris.
Impedida de cultivar suas lavouras de subsistência, a população expulsa do campo
encontrava como única alternativa reproduzir-se enquanto assalariada rural.
Expulsos da terra de trabalho e em face da inexistência de sindicatos rurais, os
trabalhadores não obtinham as mínimas condições de dignidade enquanto mão-de-
obra agrícola no que toca a salários dignos e direitos trabalhistas, garantias que o
Estado Novo não estendeu aos operários do campo.
É significativo que o mesmo Getúlio Vargas que propôs e viabilizou a consolidação das Leis do Trabalho, em 1942, para regular a questão trabalhista nas fábricas e nas cidades, não tenha estendido aos trabalhadores rurais direitos legais que dariam forma contratual a relações de trabalho ainda fortemente baseadas em critérios de dependência pessoal e de verdadeira servidão. (MARTINS, 1994, p. 72).
Um outro capítulo na história da participação ativa do campesinato brasileiro
estruturou-se no Estado do Rio Grande do Sul, no final da década de 1950, quando
cerca de 300 famílias de posseiros do município de Encruzilhada do Sul entraram
em conflito com fazendeiros da região, fundando o MASTER – Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra, organização que passou a organizar lutas em outras
localidades gaúchas, agremiando assalariados rurais, parceiros, peões, pequenos
19 Governou o país de forma ditatorial entre 1930 e 1945.
71
proprietários e agregados, forçando o Governo estadual a assentar as famílias em
projetos financiados pelo dinheiro público.
Em 1962, os sem-terra começaram a organização de acampamentos. Esta era uma singularidade do MASTER, que, ao se aproximar das cercas do latifúndio, tornava-se uma ameaça concreta. Estes trabalhadores não estavam resistindo para não sair da terra, como era o caso dos foreiros das Ligas Camponesas. Eles estavam pelejando para entrar na terra. (FERNANDES, 2001, p. 34).
Em 1955 os comunistas fundam na capital paulista a União dos Lavradores e
Trabalhadores Agrícolas do Brasil, a ULTAB. Apesar de no ato da fundação desta
entidade estarem presentes representantes da Ligas Camponesas, a divergência em
elementos da prática militante não permitiu o alinhamento entre as duas instituições.
As discordâncias iam desde o oferecimento de participação nas páginas e
divulgação do jornal Terra Livre editado pela ULTAB, oferta que a Ligas
Camponesas desdenhou por que não via este como um instrumento de politização
mais forte que o trabalho tête-à-tête e as animações com violeiros e músicas de
protesto junto aos trabalhadores analfabetos, passando pelo entendimento de que a
estrutura da entidade formalizava a imposição de cima para baixo do Partido
Comunista, com um caráter meramente formal, circunvizinho ao eixo Centro-Sul do
País, coalhado de dirigentes retirados do operariado e não do campesinato
(MORAIS, 2002).
Representado através de diversas entidades, a “[...] história política do campesinato
brasileiro não pode ser reconstituída separadamente da história das lutas pela tutela
política do campesinato” (MARTINS, 1995, p. 81). Enquanto os sem-terra se
organizaram em torno do apoio do PTB gaúcho de Leonel Brizola, a ULTAB e a
Ligas Camponesas ficaram na esfera de influência do Partido Comunista e, num
segundo plano, da Igreja.
Em 17 de novembro de 1962, na cidade de Belo Horizonte – MG, com apoio
financeiro do Governo Federal, realizou-se o I Congresso de Lavradores e
Trabalhadores Agrícolas do Brasil, com a presença de 2.400 delegados, sendo 215
da Ligas Camponesas, 38 do MASTER e 2.147 da ULTAB. Empossado a menos de
72
dois meses no cargo e presente neste evento, o Presidente João Goulart
vislumbrava garantir um pacto político dos agricultores para a efetivar o movimento
sindical e o desenvolvimento no campo através de projetos organizados pelo seu
partido, o PTB - Partido Trabalhista Brasileiro.
Nos debates, a ULTAB e a Ligas Camponesas bateram de frente, com a segunda
travando a pauta de discussões coordenadas pela primeira, sobrando severas
críticas aos encaminhamentos de pressão política sobre o Governo Federal frente à
questão agrária (MARTINS, 1995).
Nos primeiros dias de Congresso, a ULTAB viu derrotadas suas modernas teses de reforma de leis de arrendamento rural e de extensão da política salarial e de Segurança Social Urbana às massas rurais. O grito de ordem da reforma agrária radical “na lei ou na marra”, proferida pelos camponeses das Ligas, contagiou todos os delegados. O Congresso, a partir desse momento, não passou de uma série de ruidosas e agitadas manifestações e comícios políticos, quando já havia se iniciado, no interior da própria catedral, de onde se aplaudiu com ‘vivas à Reforma Agrária Radical’ e ‘morte aos latifundiários’, o sermão de missa inaugural do I Congresso Nacional dos Camponeses (MORAIS, 2002, p. 40).
As propaladas Reformas de Base defendidas pelo Governo Federal tinham capítulo
específico dedicado à resolução da Questão Agrária. Neste, a ação principal era o
desencadeamento de uma reforma agrária, indo de encontro aos interesses das
organizações do campo. O problema é que o instrumento executor, o Estatuto da
Terra, esbarrou nas ações políticas dos contra-reformistas assentados no Congresso
Nacional que não aprovaram o projeto, demonstrando a insatisfação e, novamente,
o poder político dos latifundiários.
Perdida a contenda sobre o Estatuto da Terra, no dia 11 de outubro de 1962 Goulart
sancionou a Lei Delegada no 11, criando a Superintendência de Política Agrária
(SUPRA) com a atribuição de colaborar no desenvolvimento de uma política agrária
para o país, planejar, promover, executar a reforma agrária, além de coordenar
73
projetos de desenvolvimento rural através de ações como a assistência técnica,
financeira e educacional no campo (PINTO, 1995, p. 62-65).
Em 1963, agrupando dezenas de sindicatos e federações estaduais espraiadas pelo
país e negociando com a ULTAB, o Partido Comunista e a Igreja Católica, Goulart
realizou a manobra política que resultou na fundação da Confederação dos
Trabalhadores na Agricultura, a CONTAG.
Neste ano, o Congresso Nacional promulgou o Estatuto do Trabalhador Rural (Lei
4.212), recebendo a aprovação dos sindicatos de trabalhadores urbanos. Com estes
mecanismos, Jango lançou as bases para cooptar institucionalmente os movimentos
populares do campo. De fato, tal ação pouco a pouco “esvaziou” a Ligas
Camponesas, pois, “A rigor, o Estatuto foi uma vitória dos que davam prioridade e
importância ao trabalhador assalariado rural em relação aos camponeses”
(MARTINS, 1995, p. 90), referendando no território brasileiro as orientações da
ortodoxia marxista defendidas há anos nos partidos operários, socialistas e
comunistas da Europa.
As propostas de profundas transformações estruturais no campo e os avanços
sociais empreendidos por Jango no período de renovação democrática,
desagradaram soberbamente à burguesia agrária que, apesar de não possuir o
poder econômico alcançado pela burguesia urbano-industrial – o “motor” do
desenvolvimento capitalista no Brasil à época, possuía cacife político e até
econômico para se contrapor a qualquer projeto que representasse mudanças na
estrutura fundiária do país.
Tabela 1 – Projetos de Colonização e Assentamentos Rurais. Brasil e Regiões, 1946 -
1964 Regiões Programas Área Famílias Centro-Oeste 25 1.098.107 8.693 Norte 3 51.105 571 Nordeste 26 1.188.437 5.547 Sul 15 27.468 1.157 Sudeste 16 352.137 1.187 BRASIL 85 2.717.254 17.155 Fonte: PINTO, 1995.
74
Conforme os dados da Tabela – 1, desde a década de 1940 os Governos
desenvolveram políticas de reordenamento fundiário20. Jango inovou ao editar um
Decreto Lei que preconizou a desapropriação de 10 km das terras situadas de cada
lado ao longo das rodovias federais e, incontinenti, encaminhou ao Congresso
Nacional uma proposta de emenda constitucional para desonerar o Governo de
pagar as terras desapropriadas em dinheiro e à vista, tentando com esta iniciativa
massificar o assentamento de trabalhadores, em resposta à negativa de
implementação do Estatuto da Terra.
A burguesia agrária fechou questão com os grupos conservadores urbano-industriais
da classe dominante para barrar o projeto de reformas de base proposto por Jango.
Quando este realizou o comício de 13 de março de 1964, em praça pública na
Capital Federal (à época, situada no Rio de Janeiro), aproveitou a ocasião para
desapropriar áreas para fins de reforma agrária, além de estatizar empresas
estrangeiras e regulamentar a presença do capital externo no País, entre outras
ações progressistas.
Incontinenti, dias depois as elites conservadoras organizaram a Marcha da Família,
com Deus e Pela Liberdade nas ruas de São Paulo mostrando o seu desagravo em
relação às ações políticas do Governo, declarando o resguardo do patrimônio
econômico e exercitando seu inquebrantável poder político frente ao avanço
organizativo dos movimentos sociais.
Em 1964, os militares tomaram o poder, destituindo o presidente João Goulart, numa aliança política em que participaram diferentes setores da burguesia: latifundiários, empresários, banqueiros etc. O golpe acabou com a democracia no País e, por conseguinte, reprimiu violentamente a luta dos trabalhadores. Os movimentos camponeses foram aniquilados, os trabalhadores foram perseguidos, humilhados, assassinados, exilados. Todo o progresso de formação das organizações dos camponeses e assalariados rurais foi destruído. Igualmente significou a impossibilidade dos camponeses ocuparem seu espaço político, para promoverem a luta por seus direitos, participando das transformações fundamentais da organização do Estado brasileiro. (FERNANDES, 2000, p. 41).
20 Vargas foi responsável por metade das famílias assentadas; Kubitschek e Jango dividiam a outra metade.
75
Após o Golpe, o aparelho público de Estado foi re-organizado em torno de uma
tecnocracia sobre a qual os militares exercitaram seu poder, impingindo um novo
ritmo ao trato com os elementos da questão agrária.
No plano das ações, ainda em 1964, o presidente militar empossado (General
Castelo Branco) federalizou a competência de gestão do Estado sobre as terras
devolutas e removeu a questão do pagamento em dinheiro das terras
desapropriadas previstas na Constituição de 1946. Na Emenda Constitucional no 10,
de 10 de novembro de 1964, o artigo 141 garantiu o direito de propriedade, salvo
nos casos de desapropriação por interesse público ou social, ação que a União
ficava obrigada a efetuar o pagamento da terra de forma prévia, justa, por meio de
títulos públicos com garantia da sua correção monetária.
Apesar de desenvolver uma gama de instrumentos políticos para realizar a Reforma
Agrária no Brasil, como a Lei no 4.504 de 30 de novembro de 1964 (o Estatuto da
Terra) e o Ato Institucional no 9 do Gen. Costa e Silva (criou o instrumento
desapropriatório do Rito Sumário21), os Governos Militares optaram por desenvolver
políticas pragmáticas que priorizaram os elementos da questão agrícola, sobretudo
em relação ao beneficiamento explícito da agricultura capitalista, deixando de lado
qualquer ação no sentido da resolução da questão fundiária e leis que
beneficiassem o campesinato.
É interessante esclarecer que neste período as políticas fundiárias planejadas e
executadas pelos Militares, mesmo aquelas que em certa medida tendiam no sentido
de expansão do campesinato, alicerçaram ainda mais o desenvolvimento do
capitalismo no campo e a exclusão dos camponeses.
O próprio Estatuto da Terra foi elaborado de tal forma que se orienta para estimular e privilegiar o desenvolvimento e a proliferação da
21 Neste instrumento, levantada as áreas para fins de Reforma Agrária, o Judiciário teria 24 horas para deferir o processo, outras 24 horas para imitir a posse e 3 dias para transmitir a propriedade fundiária para o IBRA – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, com pagamento fixado entre as partes ou baseado no valor declarado para o Fisco referente à taxação do ITR – Imposto Territorial Rural.
76
empresa rural. O destinatário do Estatuto não é o camponês, o pequeno lavrador apoiado no trabalho da família. O destinatário do Estatuto é o empresário, o produtor dotado de espírito capitalista, que organiza a sua atividade econômica segundo os critérios da racionalidade do capital. (MARTINS, 1984, p. 33).
Em relação aos trabalhadores rurais assalariados, o Estatuto do Trabalhador Rural
(ETR) de 1963, outro instrumento de política pública nascido ainda no governo
Goulart, mostrou ser um revés que em nada beneficiou aos trabalhadores. Pelo
contrário, semeou em solo fértil o desprezo do capital agropecuário no que toca à
valorização da mão-de-obra, reproduzindo relações de trabalho que feriam os
direitos trabalhistas, acaçapando o valor dos salários e das diárias pagas,
desvinculando a causa trabalhista dos outros elementos da questão agrária.
O ETR veio de fato acelerar a tendência, que já se verificava antes, de substituir o trabalhador permanente pelo trabalhador temporário, geralmente contratado de um intermediário, empreiteiro, ou gato, como forma de burlar a legislação e não assumir qualquer encargo trabalhista. (MINC, 1985, p.16).
A ação do Estado para modernizar as relações de trabalho no campo acelerou a
tendência de expropriação completa do campesinato marginal, transformando-o em
operário rural, em um ritmo superior ao processo de criação do campesinato que o
Estatuto da Terra regulamentou através de uma indefectível política que priorizou a
colonização de extensas áreas do Centro-Oeste e Norte do País e alguns
assentamentos rurais nas demais regiões (Tabela 2).
Tabela 2 – Projetos de Colonização e Assentamentos Rurais. Brasil e Regiões, 1954 –
1984. Regiões Programas Área Famílias Centro-Oeste 129 3.724.164 27.271 Norte 46 18.579.512 107.079 Nordeste 38 1.155.718 17.081 Sul 35 181.570 7.335 Sudeste 16 79.431 3.702 BRASIL 264 23.720.395 162.468 Fonte: PINTO, 1995.
A política trabalhista adotada para o campo acelerou o processo clássico de
extração da mais-valia via apartamento do campesinato do seu principal meio de
produção-reprodução: a terra,
77
[...] no derradeiro ponto de culminação do desenvolvimento da propriedade privada é que se revela o seu segredo, a saber, por um lado, que ela é o produto do trabalho alienado e, por outro, que ela é o meio através do qual o trabalho se aliena, a realização da alienação. (MARX, 1964, p.169).
Como assevera MELLO (1975), o mercado de trabalho no campo priorizou,
sobretudo, o operário rural volante (o “bóia-fria”). A expansão do trabalho
assalariado no campo brasileiro liga-se ao processo geral de concentração da
propriedade fundiária e o abandono de relações tradicionais de trabalho, como a
parceria e o arrendamento, contribuindo – principalmente em regiões onde se
expandiram monoculturas como algodão, laranja, café, cana-de-açúcar e pastagens
– para a formação de um exército de reserva da mão-de-obra rural, que se localiza
não mais no campo, como as famílias do colonato do café ou os foreiros
Nordestinos, por exemplo, mas sim miseravelmente nos pequenos e médios
municípios do interior do País, situação que lhes condiciona estar disponível à época
das safras mesmo que as condições de salário, trabalho, transporte, distâncias
geográficas (muitos viajam para outros Estados para trabalhar, ficando alojados em
galpões sem as mínimas condições de higiene) e sindicalização sejam as piores.
Um dos pilares da política agrária foi o desenvolvimento de projetos de ocupação da
fronteira Norte do País, sobre o signo do PIN – Programa de Integração Nacional.
Mesclando obras de infra-estrutura, colonização e grandes projetos agropecuários
subsidiados, o Estado garantiu a ocupação dessa região por latifundiários
tradicionais e por empresas industriais, comerciais e bancárias que se inseriram
neste programa como forma de garantir a reserva de valor para posterior
especulação imobiliária, além de efetuar desvio dos recursos averbados.
Destruindo o processo tradicional de ocupação das terras da Região Norte onde
grassam os povos da floresta22
[...] O capital privado, através da venda de terras dos camponeses procura, por um lado, realizar, extrair a renda da terra e, por outro lado, simultaneamente, ir formando os “viveiros de mão-de-obra”
22 Por extensão, povos da floresta são os habitantes tradicionais da Amazônia legal: grupos indígenas diversos, seringueiros e posseiros.
78
para seus projetos de exploração capitalista da terra. O Estado, por sua vez, tem ficado com a tarefa de buscar conter as tensões sociais e nesse processo, tem feito dos projetos de colonização uma “válvula de escape” das áreas de tensão social. Assim, tem sido historicamente a “Marcha para Oeste” e a colonização na fronteira. (OLIVEIRA, 2001, p.143).
Sobre o mote dos projetos voltados à agropecuária, BUAINAIN (1997) esclarece que
estes foram elaborados e executados por meio de intervenções planejadas para
garantir mudanças estruturais tanto na base técnica quanto na base econômica e
social identificados nos diagnósticos efetuados pelo Estado.
Em função destes objetivos, as intervenções planejadas mobilizam e tentam utilizar forma consistente um conjunto de instrumentos de regulação dos fluxos de produção corrente (instrumentos de curto prazo) e de ação de longo prazo, buscando ainda dar consistência às reivindicações e pressões dos agentes sociais, as quais são quase sempre particulares e não necessariamente conducentes aos objetivos propostos. O principal instrumento da política era o crédito subsidiado, especialmente o de investimento, mas foram também relevantes os investimentos em pesquisa agronômica, extensão rural, apoio à comercialização e os programas de desenvolvimento rural integrado nas regiões mais atrasadas. (BUAINAIN, 1997, p. 5).
As políticas implementadas resultaram em um processo de desenvolvimento
conservador que, apesar de inserir a agricultura brasileira no contexto de
mundialização de nossa economia, implicou na sazonalidade do trabalho, expansão
dos complexos agroindustriais, além da exclusão da agricultura camponesa
enquanto atividade produtiva ou mesmo enquanto reserva da mão-de-obra para a
grande propriedade capitalista, pois
[...] esse processo foi profundamente desigual, eu diria até mesmo parcial; seja por região, produto, tipo de lavoura, tipo de cultura, tipo de produtor, principalmente; ou seja, aqueles produtores menos favorecidos tiveram menos acesso às facilidades de crédito,
79
aquisição de insumos, máquinas, equipamentos, etc. e apresentaram graus menores de evolução, principalmente da sua produtividade. [...] Uma segunda característica é que ele foi excludente [...] ele atingiu uns poucos e fez com que alguns poucos chegassem ao final do processo. (GRAZIANO DA SILVA, 1994, p. 138 – 139).
Discorrendo sobre esta temática, OLIVEIRA (1994) esclarece que o Estado garantiu
a expansão do capital por meio da compra de grandes propriedades vinculando-as à
agroindústria processadora, valendo-se do trabalho assalariado dos bóias-frias,
fundindo capitalista industrial e dono de terra em uma mesma figura, através do
processo de territorialização do capital. Em relação à expansão da capacidade de
ação do capital agroindustrial e comercial, cuja presença recria e/ou preserva o
campesinato, mas lhe extrai a renda da terra através das cadeias de integração e
comercialização da produção, “esse processo contraditório revela que o capital
monopoliza o território sem entretanto se territorializar. Estamos, pois, diante do
processo de monopolização do território pelo capital monopolista” (OLIVEIRA, 2001,
p. 24 – 25).
O capitalista enquanto proprietário fundiário extrai a mais valia relativa através da
submissão real do trabalhador, ou seja: assalariando. Na forma comercial ou como
industria processadora, o capital exerce a submissão formal do trabalho: apesar de
ser proprietário dos meios de produção, até certo ponto manter o controle sobre o
ritmo do trabalho, liberdade que pode não existir caso seja formalizado contratos de
integração, o camponês produz mercadorias na quantidade e qualidade que o
capital requer, muitas vezes depende de adiantamentos, tecnologia, assistência
técnica e até financiamento por este concedido, numa relação através da qual
exerce um sobretrabalho transferindo para o capital a mais valia absoluta (TAVARES
DOS SANTOS, 1978).
Contestando esta análise teórica, MARTINS (1995) entende que
Na medida em que o produtor preserva a propriedade da terra e nela trabalha sem o recurso do trabalho assalariado, utilizando unicamente o seu trabalho e o da sua família, ao mesmo tempo que cresce sua dependência em relação ao capital, o que temos não é a sujeição formal do trabalho ao capital. O que essa relação nos indica é outra coisa, bem distinta: estamos diante da sujeição da renda da
80
terra ao capital. Esse é o processo que se observa hoje claramente em nosso país, tanto em relação à grande propriedade, quanto em relação à propriedade familiar, de tipo camponês. (MARTINS, 1995, p. 175, grifos do autor).
Os apontamentos históricos, políticos e os mecanismos expressos no quadro teórico
efetivam uma realidade socioeconômica de exclusão e subordinação crescente do
campesinato brasileiro. A ainda na década de 1970 e apesar da repressão do
regime militar que prendeu, expulsou ou mesmo assassinou as lideranças das lutas
no campo da primeira metade da década de 1960, os indígenas, trabalhadores
rurais e os camponeses organizam frentes de luta e as espacializaram em vários
pontos do território nacional, demonstrando a insatisfação para com a realidade
vivenciada, co-participando na luta geral pela redemocratização do país, expressa
também na luta dos trabalhadores e entidades urbanas, que por razão da alienação
do pragmatismo doutrinário marxista ortodoxo que impregnava sua direção e a dos
partidos políticos, não conseguiam perceber a força política e organizativa dessas
lutas, pois compreendiam o campesinato como um grupo alienado dentro da classe
trabalhadora.
Apesar dos complicados meandros políticos, a expansão do campesinato é um dos
elementos centrais da estruturação do capitalismo no campo brasileiro, pois o capital
mantém, subordina, destrói e ao mesmo tempo recria o campesinato na suas
variadas formas: pequeno agricultor, posseiro, parceiro, meeiro, arrendatário, foreiro.
Contraditoriamente, este processo redunda na geração do tanto do trabalhador
assalariado quanto numa massa de trabalhadores sem-terra, sem emprego, sem
coisa alguma, que encontra na luta pela terra a possibilidade de se inserir, via
pressão política, novamente como produtor rural.
O mecanismo mais intenso da reterritorialização do campesinato é a
desterritorialização do capital engendrada nas ações de desobediência civil das
ocupações de terra (FERNANDES, 2000) que, desde a década de 1970 até a
atualidade (2004), tem resultado em políticas de assentamentos rurais que
recolocam os camponeses e suas entidades de luta enquanto importantes agentes
políticos e sócioterritoriais na discussão e busca de resolução da questão agrária via
Reforma Agrária.
81
Partícipe desta dinâmica, o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
destaca-se enquanto uma das entidades mais ativas, realidade que se deve pela
articulação nacional alcançada pelo Movimento ao longo dos últimos 20 anos
quando surgiu, estando hoje organizado em 25 Estados, e as suas ações que tem
apontando novas perspectivas de organização social, gestão do trabalho,
sustentabilidade agrícola, condicionando um outro patamar no desenvolvimento local
e novos embates na relação capital X trabalho e, dentro desta, da questão
camponesa.
Sendo assim, nos capítulos subseqüentes prevalecerá a análise do estudo de caso
do município de Querência do Norte – PR, numa perspectiva histórico geográfica,
buscando o entendimento de como a questão agrária brasileira, grosso modo,
repercute diferencialmente nos Estados, nas regiões e nos municípios e como o
MST coloca-se como agente de contraposição ao processo, levando os camponeses
à resistência contra o capital lutando pela terra e na terra.
QUERÊNCIA DO NORTE: UM ESPAÇO DE CONFLITOS NO NOROESTE PARANAENSE
82
2 QUERÊNCIA DO NORTE: UM ESPAÇO DE CONFLITOS NO NOROESTE PARANAENSE.
O processo de ocupação da poção norte do território do Estado do Paraná entre as
décadas de 1930 a 1960 ocorreu vinculado à ação hegemônica de empresas
colonizadoras que, adquirindo terras públicas, mediaram o acesso à terra agrícola
para os camponeses, oferecendo facilidades para o pagamento e infra-estruturas
básicas, como estradas e pontos de apoio para a comercialização, que mais tarde
assumiram funções urbanas, transformando-se em cidades.
Esta espécie de “reforma agrária liberal” ocorreu vinculada aos interesses do capital
fundiário. As levas de migrantes que acorreram a região eram compostas,
sobretudo, por descendentes da segunda e terceira gerações de imigrantes
europeus que trabalharam como colonos e/ou parceiros nos Estados de São Paulo e
Minas Gerais, diferentemente de seus pais e avós, através da colonização
realizaram o sonho da propriedade da terra.
83
Os pontos chave para a criação de novos proprietários de terra foram os baixos
preços da mercadoria, negócio facilitado pelo sistema de prestações “a perder de
vista”, a qualidade das terras (o que garantia altas produções) e o tipo de cultura
implantada, notadamente o café (apesar dos problemas relativos a preço e clima). A
partir da década de 1960, tanto a queda abrupta dos preços relativos a
megaprodução de café, como graves problemas climáticos, principalmente as
geadas, geraram uma crise no setor, abatendo a possibilidade de resistência (e
existência) destes produtores e de outros trabalhadores, neste caso, os parceiros e
meeiros envolvidos na produção
Isto posto, é importante destacar que a história e a formação do espaço geográfico
do Noroeste paranaense contém elementos (colonização, pequenas propriedades,
desenvolvimento da cafeicultura, crise do café, êxodo rural, mudanças profundas na
agropecuária, com destaque para a pecuária extensiva) que a aproximam da
realidade de desenvolvimento da agricultura capitalista no Norte paranaense, mas
com características impares.
Neste segundo capítulo, analisando documentos históricos, trabalhos científicos,
dados diversos, procura-se esclarecer como a região foi incorporada ao circuito
produtivo do café, demonstrando as contradições e as fraturas no processo de
desenvolvimento regional, inserindo nesta análise as especificidade do município de
Querência do Norte.
2.1 O processo de ocupação regional e a questão fundiária.
Inicialmente, destaca-se que a região é uma categoria chave para a Geografia.
Neste trabalho, utilizamos o referencial teórico-metodológico proposto por OLIVEIRA
(1977), para quem a região é uma forma delimitável no espaço geográfico, um
campo de forças onde os agentes do capital, nas suas relações com o Estado e a
sociedade, elabora o processo geral de divisão do trabalho, fundamentando a
produção e reprodução ampliada do capital.
84
O que preside o possesso de constituição das “regiões” é o modo de produção capitalista, e dentro dele, as “regiões” são apenas espaços sócio-econômicos onde uma das formas de capital se sobrepões às demais, homogeneizando a “região” exatamente pela sua predominância e pela conseqüente constituição de classes sociais cuja hierarquia e poder são determinados pelo lugar e forma em que são personas do capital e de sua contradição básica. (OLIVEIRA, 1977, p. 30).
No desafio de conceber cientificamente a região enquanto objeto de análise
aproveitou-se as indagações expressas por CASTRO (1992).
Mas como delimitá-la? O espaço geográfico incorpora os tempos da natureza e os tempos das sociedades, não há cortes bruscos em seu interior, e as diferenças vão se delineando progressivamente. Esta é então uma questão sem solução empírica [...] a delimitação da região jamais poderá ser rígida, pela própria dinâmica do espaço e pela dificuldade de segmentar linearmente sua complexidade. (CASTRO, 1992, p. 33).
Complementando o entendimento destes autores, aproveitamos o pensamento
elaborado por SANTOS (1985), para quem a região é o lócus estruturado pela
sociedade no decorrer do tempo histórico, a partir da inserção territorial de
instrumentos de trabalho fixos, ligados as etapas do processo produtivo, ordenando
por sua vez o trabalho e a produção. Assim, a região pode ser definida “[...] como o
resultado das possibilidades ligadas a uma certa presença, nela, de capitais fixos
exercendo determinado papel ou determinadas funções técnicas e das condições de
seu funcionamento econômico” (SANTOS, 1985, p. 67).
Através de relações econômicas, políticas, sociais, geográficas, a sociedade cria,
destrói, molda e transforma os objetos socialmente construídos, e neste processo,
as regiões. Neste sentido,
Compreender uma região passa pelo entendimento do funcionamento da economia ao nível mundial e seu rebatimento no território de um país, com a intermediação do Estado, das demais instituições e do conjunto de agentes da economia, a começar pelos seus atores hegemônicos. Estudar uma região significa penetrar num mar de relações, formas, funções, estruturas etc., com seus mais distintos níveis de interação e contradição. (SANTOS, 1996, p. 46).
85
Utilizando as categorias de análise expressas por estes autores, exploraremos o
processo de formação e estruturação do Noroeste paranaense no decorrer do tempo
histórico, tendo como parâmetro o método expresso por José Ferrari Leite na
consecução da obra “A ocupação do Pontal do Paranapanema”. Como aquele,
procuramos identificar processos políticos, contradições, agentes hegemônicos,
visando demonstrar como o capital processa a incorporação e gestão territorial à sua
lógica, criando, destruindo e recriando o campesinato, através das suas
necessidades de mão-de-obra, consumidores e extração/acumulação da renda da
terra, processos e interações que ocorrem de maneira desigual e contraditória,
sobretudo por conta dos graves conflitos (grilagem de terras, posse e luta pela terra)
inerentes à esta lógica.
Durante centenas de anos, a grande região Norte do Paraná, que se estende do rio
Paranapanema, na divisa com o Estado de São Paulo, até o rio Piquiri, apesar da
presença de tribos dos índios Caiuá e Caigang, foi caracterizada enquanto um
sertão despovoado, ideário criado e transmitido oralmente por aventureiros e
desbravadores dos seus rios, além de militares e viajantes que cruzaram a região
rumo à Província do Mato Grosso do Sul. Porém é importante relembrar que os
territórios entre os rios Tibagi, Ivaí e Piquiri [...] nunca estiveram vazios, desde a sua humanização – chegada dos primeiros homens – há mais de dez mil anos. Também não eram “sertões desconhecidos” como quer fazer acreditar certa historiografia. Desde o século XVI existem relatos sobre a região e seus habitantes indígenas. Nos séculos seguintes, várias expedições de exploração percorreram o interior e produziram relatos de vários de seus aspectos. Lendo esses relatos, verifica-se que as invasões e a conquista das terras indígenas sempre foram intencionadas pela violência, em contraste com a idéia que se quer passar ao grande público sobre sua “colonização pacífica e harmoniosa” (MOTA e NOELLI, 1999, p. 50).
Envolvidos com as atividades extrativas da erva-mate, da araucária e participando
nas rotas tropeiras interligando as zonas de charque do Sul do Rio Grande do Sul a
feira de Sorocaba, na Província de São Paulo, aos habitantes e agentes econômicos
dos campos gerais e do litoral paranaense pouco lhes interessava colonizar a
porção norte da Província, pois não vislumbravam ali qualquer atividade econômica
que compensasse a empreitada.
86
Este quadro de estagnação socioeconômica foi rompido por volta da década de
1836, quando levas de posseiros mineiros e paulistas, ávidos por terras virgens tanto
para o cultivo, quanto para o domínio territorial, cruzaram o alto Paranapanema e
incorporaram a região ao complexo rural do café, fluxo de posseiros que aumentou
enormemente após a edição da Lei no 601 de 1850 (Lei de Terras), que proibiu a
concessão de sesmarias e estatuiu o mercado de terras.
Num anúncio público do fim do acesso a terra por meio de concessões pelo Estado, a Lei de Terras estabelece o mercado com regra do caminho. Doravante, só se adquire terra mediante compra. Por conseguinte, só a quem a pode comprar fica ela assim franqueada, excluindo-se desse acesso quem não tem recurso, o que quer dizer a quase totalidade da população. Dessa forma, embora seja um instrumento de regulação mercantil da circulação da terra, a Lei de Terras se combina com a lei da regulação do mercado de trabalho, uma vez que exclui automaticamente do acesso á terra a quase totalidade da população colonial, à qual só resta oferecer-se em trabalho aos proprietários fundiários. A um só tempo, a Lei de Terras preserva o latifúndio e organiza a nova relação de trabalho. (MOREIRA, 1990, p. 36)
O fluxo migratório iniciado por mineiros e paulistas redundou na formação de
núcleos urbanos (Tomazina, Ibaiti, Santo Antônio da Platina, Jacarezinho, Cambará,
Bandeirantes, Cornélio Procópio, etc), na organização de um espaço agrário
estruturado em torno dos médios e grandes estabelecimentos agropecuário voltados
para a cultura do café, utilizando o trabalho livre. Conforme aponta CANCIÁN (1977),
as especificidades desta área configurou o que se conhece hoje por Norte Velho ou
Norte Pioneiro.
Seguindo as orientações presentes no texto definitivo da Lei de Terras, o Império
repassou às Províncias o poder de regular a questão fundiária em seus territórios.
Para garantir a propriedade da terra ocupada por suas famílias os posseiros foram
obrigados a iniciar processos de registro fundiário junto a paróquias e cartórios civis
localizados em vilas e cidades. Para tanto, os requerentes deveriam atestar morada
87
habitual e o cultivo das terras por eles ocupadas, anexando o título de sesmaria se
este fosse o caso.
As áreas não tituladas, mesmo que houvessem famílias morando e produzindo,
foram alienadas ao patrimônio público das Províncias, que por sua vez estipularam
preço ao hectare de terras para a venda, medidas estas que passariam por leis
criadas e regulamentadas pelas respectivas assembléias legislativas provinciais. Na
medida em que nasceu e se aprimorou o mercado de terras, pouco a pouco se
desestruturou o processo de territorialização dos pequenos posseiros, sobretudo
pelo cerceamento das terras livres (não tituladas).
Aproveitando as brechas na legislação vigente, durante o período de transição entre
a fase de terras livres e a fase de terra mercadoria (1850 – 1856), grileiros passaram
a agir em vários pontos do território nacional garantindo para si, de forma
fraudulenta, extensões de terras devolutas, processo que se asseverou nos anos
posteriores a 1856, como veremos adiante.
Falsificando títulos de propriedade (documentos paroquiais) ou mesmo usando de
má fé, muitos posseiros requeriam e obtinham titulo de propriedade sobre uma
determinada área de terras e, de maneira ilícita, expandiam as cercas das fazendas
para além dos limites legalmente titulados, não se interessando se tais atos
afetavam pequenos posseiros, outros fazendeiros e até mesmo outros grileiros.
Estes fatos acabaram gerando disputas de limites muitas vezes sangrentos, além de
casos recorrentes de vendas de terras sobre as quais repousavam documentos de
propriedade falsos, atestando para mais de um dono a propriedade sobre tal área.
No Paraná, o primeiro Presidente da Província, Zacarias de Góes e Vasconcellos, declarava, em 1854, haver encontrado confuso e desordenado o estado da propriedade territorial, freqüentes os conflitos pelas questões de posses e limites. Os relatórios dos demais Presidentes de Província, quasi todos, contém observações relativas às questões de terras. (WESTPHALEN, M.C; MACHADO, B. P; BALHANA, A. P, 1968, p. 11).
Reconhecendo a gravidade de situação fundiária da Província do Paraná, durante
varias gestões o Poder Público Provincial impetrou processos para analisar a trama
88
dominial das terras paranaenses, conseguindo, com este instrumento, discriminar,
dimensionar e localizar os grilos, o que facilitou a formalização de processos de
desapropriação das áreas ilicitamente adquiridas, revertendo ao patrimônio público
milhares de hectares de terras.
Apesar da representatividade histórica destes atos, as ações não foram direcionadas
somente para a correção nas fraudes no acesso a terra, mas sim dotar a Província
de um poder regulador sobre um produto – a própria terra, altamente valorizado por
grupos nacionais (oligarquias) e internacionais ligados à economia e a política.
A conjugação da questão fundiária erigiu outras questões (política e econômica),
rebatendo por sua vez na configuração regional paranaense, sobretudo após a
retomada de terras para o poder público e as concessões de terras a empresas
construtoras e operadoras de linhas férreas. Uma das várias ações que
exemplificam esta realidade ocorreu em 09 de novembro de 1889 quando, através
do Decreto Imperial no 10.432, o engenheiro João Teixeira Soares obteve
autorização para construir uma estrada de ferro ligando a cidade paranaense de
Sengés, na divisa com a Província de São Paulo, a Marcelino Ramos, no Rio
Grande do Sul, obra que contaria com uma série de ramais nas províncias
entrecortadas por sua rota.
Sem dinheiro para efetivar a consecução desta infra-estrutura, ALCÂNTARA (1987)
aponta que ao empreendedor o Império ofereceu e garantiu três formas de
pagamento: a concessão econômica da ferrovia por um período de 90 anos, a
exploração de uma faixa contínua de 10 km de terras no entorno e por toda a
extensão da ferrovia, além de uma área de terras devolutas em qualquer região da
Província do Paraná, na obrigação de colonizá-la no prazo máximo de 50 anos, sob
pena de perder a concessão fundiária da área.
No inicio do período de governo Republicano, reconhecendo a importância
geopolítica dos contratos lavrados pelo Império, em 07 de abril de 1890 o Governo
Provisório aprovou o Decreto no 305, declarando válida a concessão feita a João
Teixeira Soares. Garantida a obra e confirmando como ocorreria o ressarcimento
pela execução da mesma, o titular vendeu a concessão contratada à companhia
89
francesa Chemins de Fer Sud Ouest Brésiliens que, por sua vez, autorizada pelo
Decreto no 397 de 20 de junho de 1891, repassou a empreita à Companhia Industrial
dos Estados Unidos do Brasil. Autorizado pelo Decreto no 1386 de 06 de maio de
1893, nova negociata ocorreu quando a Companhia Estrada de Ferro São Paulo –
Rio Grande (CEFSPRG), que era subsidiária da empresa inglesa Brazil Raiway
Company, assumiu as obras e o patrimônio das empresas antecessoras
(ALCÂNTARA, 1987).
Em 10 de abril de 1913 foi promulgada na Assembléia Legislativa paranaense a Lei
no 1340, cujo texto, entre outras prerrogativas, permitia ao Poder Executivo o poder
de aceitar ou não qualquer concessão sobre ferrovias a serem implantadas no
território do Estado do Paraná.
Somente em 04 de setembro de 1917 foram efetivados os acordos iniciados em
novembro de 1889 para regulamentar qual a dimensão da concessão de terras
empenhada para cobrir as despejas da CEFSPRG. Assinado pelo Governador
Affonso Alves de Camargo, o Decreto no 613 garantiu 2.100.000 hectares de terras a
esta Companhia, permitindo o direito da empresa organizar filiada ou contratar
subsidiaria para demarcar e colonizar, no prazo máximo de 2 anos, as terras
devolutas recebidas, reservando ao Estado o poder de revogar os contratos e
retomar o direito de propriedade se a CEFSPRG, ou qualquer outra empresa por ela
autorizada, não realizasse o aproveitamento social e econômico das terras.
O impasse entre a efetiva ação da companhia ferroviária e o poder regulador do
Estado se arrasta até o ano de 1920, quando em 18 de fevereiro, através da Lei no
1909, ocorreu a prorrogação por mais dois anos no contrato anterior. Em 23 de
agosto, a CEFSPRG recebeu nova concessão para construção de dois ramais, o
primeiro ligando Curitiba a Foz do Iguaçu, com o prazo de usufruto estabelecido em
80 anos de todas as rendas de frete e transporte, e o segundo a partir da cidade de
Guarapuava, garantindo à empresa 09 quilômetros de terras devolutas de cada lado
por toda a extensão linear das referidas obras.
90
Como no seu trajeto as ferrovias cruzavam predominantemente a zona dos campos
gerais onde estava consolidada uma ocupação tradicional, a concessão fundiária
negociada pelo Governo priorizou os espaços desabitados do território do Estado.
Discorrendo sobre os contratos de concessão, WALCHOWICZ (1985) aponta que o
Poder Público concedeu terras nas áreas desabitadas do grande Norte, Oeste e
Sudoeste, visando, respectivamente, a ocupação socioeconômica, a integração
regional e o desenvolvimento dessas regiões.
No dia 05 de outubro de 1920 a CEFSPRG transferiu à “Companhia Brasileira de
Viação e Commércio” (BRAVIACO) a concessão contratada junto ao Governo aos
23 de agosto daquele ano, relativo ao ramal Guarapuava - Foz do Iguaçu. Em 22 de
novembro, procuradores destacados pelas duas empresas encontraram-se com o
Secretário Geral do Estado na cidade de Curitiba, assinando o termo de
transferência do contrato, momento em que a BRAVIACO assumiu a
responsabilidade sobre a obra e os 2.500.000 hectares de terras devolutas a serem
colonizados. [...] porém ficaram excluídas as terras já tituladas à CEFSPRG, ou seja as seguintes áreas: Santa Maria, com 11.327 ha e 6.500 m2; Silva Jardim, com 76.746 ha, Riosinho, com 551 ha e 5.189 m2; e Missões, com 425.731 ha, num total de 614.355 ha e 5.189 m2. (ALCÂNTARA, 1987, p. 35).
Entre 1919 e 1921, o Governo do Paraná autorizou uma série de concessões por
todo o Norte paranaense, conforme apontam os trabalhos de SERRA (1991) e
WESTPHALEN et all, (1968). Em 1922, o Estado alterou a legislação fundiária,
priorizando a venda de terras a agentes do capital, sobretudo empresas
colonizadoras cuja função era efetivamente acelerar o processo de ocupação no
interior do Estado.
Desta data até 1930, novas concessões foram realizadas. Porém, o foram através de vendas, em transações diretas entre o Estado e as Empresas, que se tornaram revendedoras de terras devolutas, e não mais com o pagamento dos colonos, Deste novo sistema de concessões nasce a Companhia de Terras Norte do Paraná. (LIMA, 1993, p. 57).
91
A ação reguladora do Estado resultou na entrada do capital fundiário na parte central
da porção norte do território do Paraná. Através da ação da Companhia de Terras
Norte do Paraná (CTNP), configurou-se uma nova frente de ocupação, voltada à
pequena propriedade ligada à dinâmica produtiva do café. Através do
desenvolvimento rural e urbano de municípios como Londrina, Apucarana,
Arapongas, Mandaguari, Maringá, etc, estruturou-se uma segunda região, contígua
e diferencial do Norte Velho: o chamado Norte Novo.
Assim, a fronteira ainda desabitada e sem nenhuma iniciativa econômica ficou
delimitada à porção oriental do norte do território do Paraná, sobretudo pela
morosidade do Poder Público e das companhias em chegar a acordos concretos
para sua ocupação efetiva. Quando o processo de incorporação territorial atingiu
esta área, iniciou-se o processo de formação da chamada região Noroeste23, mas
com elementos constitutivos dissociados das regiões anteriormente retratadas.
A emergência da região Noroeste paranaense iniciou-se no dia 20 de março de 1925
quando, cumprindo com os deveres e os direitos assumidos junto à CEFSPRG e o
Estado, a BRAVIACO tentou delimitar dentre as terras devolutas dessa área uma
gleba de terras circunscrita ao médio e baixo leito dos rios Paranapanema e Ivaí,
visando o estabelecimento de rotas comerciais com o Paraguai e a Argentina, tendo
suas intenções frustradas pela ação do empresário Coronel Alfredo Soares
Marcondes e sua empresa, a “Companhia Marcondes de Colonização, Indústria e
Commércio24”, que anos antes titulou uma gleba de terras na região, abrangendo
grande parte da área visada pela BRAVIACO, conforme Figura 1.
23 Em alusão ao Norte Velho e ao Norte Novo, cuja ocupação precedeu a do Noroeste, esta região também é conhecida como Norte Novíssimo de Paranavaí, expressão adotada pelo IBGE para caracterizar a microrregião capitaneada por esta cidade, definição esta exposta nas publicações desta entidade pública. 24 Sediada na cidade paulista de Presidente Prudente, esta empresa detinha títulos fundiários no Pontal do Paranapanema paulista e na região Norte Velho do Paraná (municípios de São Jerônimo da Serra e Tibagi).
92
Figura 1: Concessões de terras no Noroeste do Estado do Paraná, 1925. Fonte: Mapa das Concessões de Terras a Empresas colonizadoras e Ferroviárias –
Governo do Paraná, 1925 (sem escala). Organização e desenho: Sérgio Gonçalves.
Segundo MARX (1985), um dos limites25 que restringe o domínio pleno de um
capitalista sobre o território é a presença de outros capitalistas fundiários que
também disputam este território, fraturando o processo através da cobrança do
pagamento da renda absoluta da terra do capitalista que deseja a propriedade
territorial.
Para garantir a propriedade plena e efetiva das terras, os administradores da
BRAVIACO fizeram uma série de negociações com o Coronel Marcondes. Através
25 O segundo limite é o fracionamento da terra em favor dos camponeses para que o processo de acumulação avance, o que revela a contradição no desenvolvimento do capital.
BRAVIACOColonizadora Marcondes C.E.F.S.P.R.G
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de um acordo entre as partes, a Companhia paulista cedeu 500.000 hectares de
terra localizados no Noroeste paranaense à BRAVIACO, recebendo em troca
250.000 hectares de terras localizados em outras regiões do Estado.
Para complementar a diferença territorial, em 02 de maio de 1925 a BRAVIACO
recebeu do Secretário Geral do Estado do Paraná dois títulos de terras da gleba
Cantú, sendo que o primeiro, com área de 42.400 hectares foi repassado à
Colonizadora Marcondes e o outro, de 193.600 hectares, destinou-se à empresa
inglesa Brasil Plantations Syndicate Limited, que os revendeu à Colonizadora
Marcondes.
Deste momento em diante, ficou livre o caminho para a BRAVIACO dominar as
desejadas terras do Noroeste paranaense, ato que a empresa consumou em 31 de
julho de 1925, com o registro definitivo de parte das terras devolutas da gleba
Pirapó26 e das terras adquiridas junto à colonizadora Marcondes ao patrimônio da
empresa.
Garantida a concessão, a segunda tarefa da empresa foi a de expulsar os grileiros e
posseiros que ocupavam a mesma e processar a ocupação produtiva da área. Sob a
denominação de Colônia Paranavaí, nos idos de 1928 a empresa fundou a fazenda
Brasileira, dando início às ações de plantio de dois mil e quatrocentos hectares de
café, além de quinhentos hectares de pastagens para a criação de gado bovino.
Inicialmente, a BRAVIACO abriu uma estrada de rodagem ligando a fazenda até o
rio Paranapanema, estabelecendo uma rota para Presidente Prudente, e outro
caminho rumo ao rio Paraná, para escoar a futura produção cafeeira de barco para a
26 [...] está situado no município de Tibagy, é limitado ao norte pelo Rio Paranapanema, do sul pelo rio Yvahy, a leste por uma linha recta que partindo da origem da Corredeira do Estreito no Rio Paranapanema ao rio Ivahy, confrontando com terras do Estado, reservadas a Companhia Marcondes de Colonização, Indústria e Commércio e a oeste por linha entre os rios Paranapanema e Ivahy em dois rumos sucessivos, cujos extremos são indicados por marcos, confrontando com terras reservadas para a Companhia Brasileira de Viação e Commércio. (ALCANTARA, jornal diário do Noroeste).
94
República Argentina e o Porto Epitácio – SP, de onde a carga seria deslocada de
trem até São Paulo.
Mediante a inexistência de vilas e patrimônios na região para dotar de mão-de-obra
o empreendimento, seus administradores27 encontraram na migração de
trabalhadores da região do semi-árido nordestino e mineiro a fonte de abastecimento
desta mercadoria. Em 1927, cerca de 600 famílias – algo em torno de 1.200
pessoas, arregimentadas no Pernambuco, Piauí, Ceará, Alagoas, Sergipe, Bahia e
do Vale do Jequitinhonha (Minas Gerais) fizeram o trajeto de seus Estados, onde
eram selecionadas, até Pirapora – MG. Desta cidade viajaram em trem fretado até
São Paulo, fazendo a baldeação para nova composição no sentido Capital –
Presidente Prudente, cidade onde pernoitaram e de onde foram deslocadas de
caminhão até a fazenda Brasileira.
Alojadas em casas de pau-a-pique, as famílias eram inseridas nos serviços de
derrubada da mata para cultivo do café e da pastagem. Quando a BRAVIACO
instalou uma serraria na fazenda, direcionou parte das madeiras à construção de
casas, organizando colônias em determinados pontos da propriedade, melhorando
assim o padrão de moradia dos empregados e racionalizando a lida com o cafezal.
Em 1929, povoada por algo em torno de 1.400 famílias alojadas, segundo
ALCÂNTARA (1987), a Brasileira chegou ao auge de seu desenvolvimento, sendo o
único ponto na região que contava com aparelhos públicos importantes, como o
Cartório de Paz e uma junta policial, através dos quais o Estado garantia a
segurança do núcleo populacional, a celebração de casamento civil e o registro do
contrato de trabalho dos colonos com a empresa, configurando uma espécie de
patrimônio.
Na década de 1930, o Brasil vivenciou um conturbado período político-institucional,
cujas especificidades repercutiram fortemente na região. Grupos políticos
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descontentes com os resultados do pleito eleitoral para a presidência da República
desencadearam uma Revolução a partir do Rio Grande do Sul, permitindo a
chegada de Getúlio Vargas – um dos candidatos derrotados, ao Poder Federal.
Visando expurgar do quadro público os dirigentes políticos que se contrapuseram à
emergência do novo regime, Getúlio instituiu a nomeação de interventores para
comandar o Governo nos estados da Federação, designando para tal cargo no
Paraná o senhor Mario Tourinho Neto28.
Este, por sua vez, feriu os interesses da oligarquia agrária que dominava econômica
e politicamente o Estado. Afora o embate e a diversidade de problemas que
envolviam a gestão pública, na questão agrária estadual a principal ação
desencadeada pelo Interventor foi a revisão total da política fundiária que
historicamente vinha sendo praticada no Estado. Auditando as concessões de terras
públicas e revisando a situação dominial das mesmas, a gestão de Tourinho Neto
tornou pública a dimensão da grilagem de terras no Paraná, conforme tabela e figura
a seguir.
Tabela 3: Grandes grilos de terra no Paraná
Código Grilos Alqueires 1 Reconquista 446.280 2 Guaviriva 171.000 3 São Manuel 71.000 4 Boa Ventura 5.000 5 Laranjeiras 38.000 6 Ubá 100.000 7 Corumbataí 216.300 8 Bandeirantes 403.740 9 São João do Rio Claro 30.000
10 Colônia de Baixo 5.887 11 Boa Esperança 255.980
27 Os proprietários da BRAVIACO eram os senhores Geraldo Rocha, do jornal “A Noite” carioca; o alagoano Lindolfo Collor, avô do ex-presidente Fernando Collor de Mello; além do baiano Landulfo Alves. 28 Á época, governava o Paraná Affonso Alves de Camargo. Mário Tourinho Neto comandou o cargo até 1932, ano em que foi afastado das funções. No seu posto assumiu Manoel Ribas, cujo governo durou até o fim da Ditadura Vargas no ano de 1945.
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12 Pirapó 369.570 13 Ribeirão Vermelho 45.000 14 Barra do Tibagi 148.290 15 Tigre 17.660 16 Barra Bonita 16.270 17 Pontal do Rio Cinzas 13.590 18 São João do Rio Pardo 38.000 19 Ipiranguinha 21.000 20 Flores Conceição 22.000
Total 2.434.567 Fonte: WESTPHALEN, M.C; MACHADO, B. P; BALHANA, A. P. (1968, p.25).
Figura 2: Grandes grilos de terra no Paraná. Fonte: WESTPHALEN, M.C; MACHADO, B. P; BALHANA, A. P. (1968, p.25). Organização e desenho: Sérgio Gonçalves (Nota: sem escala). Conforme dados presentes na Tabela 3 e os elementos da Figura 2, os grileiros de
terras agiam principalmente na porção norte do Estado do Paraná. De posse destas
informações, o Interventor desencadeou um amplo processo de desapropriação
tanto dos grilos como das concessões que não haviam atingido os seus objetivos,
utilizando para tanto o Decreto no 300, editado em 30 de novembro de 1930. Sobre a
situação das terras da BRAVIACO, o art. 2o desta Lei referendava que:
97
São declarados nulos e de nenhum efeito, todos os títulos de domínio expendidos em razão dos contratos rescindidos e dos anteriores por eles alterados em favor da Companhia Brasileira de Viação e Commércio e da Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, devendo ser responsabilizadas as mesmas companhias pelas aéreas de terras, porventura alienadas ou que, por sua autorização, constarem de títulos diretamente expedidos pelo governo em nome de terceiros (WALCHOWICZ, 1985, p. 179 – 180).
Para limitar a formação de latifúndios nas terras recuperadas, garantir a exploração
socioeconômica, incrementar a colonização e mediar a partição da terra agrícola no
Estado, em 08 de agosto de 1931 o Interventor promulgou o Decreto no 800,
estabelecendo entre outras providências que as terras devolutas só poderiam ser
adquiridas por meio de compra, ficando obrigados os adquirentes a morar e
desenvolver atividades agropecuárias nas mesmas (art. 1o), fixando em 200
hectares a área máxima a ser loteada, além de um preço máximo de 18$000
(dezoito mil réis), com variação para menos dependendo da localização da gleba
(art. 5o), conforme aponta SERRA (1991).
Nesta conturbada conjuntura, os diretores da Brasileira abandonaram o imóvel,
deixando sem receber salários e obrigações trabalhistas os colonos residentes no
imóvel. Com o tempo, pouco a pouco estes migraram, restando na fazenda somente
lavouras tomadas pelo mato e a degradação das casas depredadas e desabitadas
(ALCANTARA, 1987).
Em 1932, devido a pressão política da oligarquia agrária, Tourinho Neto foi afastado,
assumindo a interventoria estadual o senhor Manoel Ribas que, apesar das criticas e
da pressão sofrida pelo seu antecessor, deu continuidade à política fundiária
desenvolvida por este.
Preocupado com o avanço da Revolução Constitucionalista desencadeada no
Estado de São Paulo para retirar do poder Getúlio Vargas, Ribas ordenou a abertura
de uma estrada boiadeira ligando a antiga sede da fazenda Brasileira ao município
de Arapongas, impedindo o fluxo de mercadorias do Noroeste paranaense pelas
antigas ligações com Porto Euclides da Cunha Paulista, nas margens do rio
Paranapanema, cujo destino final era a cidade de Presidente Prudente.
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Ao publicar a Lei no 46 de 10 de dezembro de 1935, o Estado reordenou a
participação da iniciativa privada enquanto parceira na colonização de terras
devolutas, estipulando uma série de “blindagens” para garantir os interesses do
Estado em relação ao desenvolvimento social e econômico dessas áreas, bem como
a efetiva realização dos contratos estabelecidos, evitando as fraudes e desvios
ocorridos nos contratos até então praticados.
[...] ao mesmo tempo em que procurava manter um pé no freio das distorções, o Estado procurava colocar o pé no acelerador dos estímulos, oferecendo vantagens que viessem a despertar o interesse das empresas colonizadoras. O principal estímulo se constituía no preço e nas condições facilitadas em que as terras devolutas eram oferecidas à iniciativa privada. (SERRA, 1991, p. 78).
O re-ordenamento do processo de colonização no espaço agrário do Noroeste
paranaense ocorreu com a fundação, em 1942, do Departamento de Geografia,
Terras e Colonização (DGTC), que centralizou a política fundiária do Estado do
Paraná, promovendo discriminações de títulos dominiais, levantamentos
cartográficos e topográficos, colonizando novas áreas e fiscalizando aquelas
repassadas às colonizadoras privadas.
Na região Noroeste, a fase de relativo abandono por parte do poder público e de
falta de dinamismo no processo de ocupação humana foi encerrada no ano de 1943,
quando o Governo deu ordens para o DGTC elaborar um plano de colonização
regional. Sob o codinome de “Colônia Paranavaí”, um grupo de agrimensores do
órgão planejou a divisão das terras arrecadadas da BRAVIACO em 30 grandes
glebas, com cerca de 15.000 alqueires cada uma, traçando a rede viária e definindo
um mosaico de localizações onde seriam organizados os núcleos de colonização
que centralizariam as funções urbanas de comercialização da produção, venda de
produtos manufaturados e industrializados, além de atividades bancárias e de
administração pública, conforme Figura 3.
99
Figura 3: Divisão de Terras na Colônia Paranavaí, 1944. Fonte: Croqui da Colônia Paranavaí. INCRA, 2003 (sem escala).
Em 1944 foi demarcada a primeira área de terras, denominada Gleba - 1A, no
entorno da sede da antiga fazenda Brasileira. Mediante a venda de lotes rurais e
urbanos, levas de colonos plantadores de café deslocaram-se de várias partes do
país. A melhoria nas condições das estradas viabilizou uma linha de ônibus ligando
a administração central da colônia à cidade de Londrina, facilitando o deslocamento
(fluxo) de compradores de terras, influenciando o desenvolvimento local e o
surgimento da cidade de Paranavaí.
Porém, nos rincões da colônia grassava a ação de aventureiros e grileiros que
aproveitavam a falta de controle territorial desde a derrocada da BRAVIACO para
conquistar áreas de terra, envolvendo-se em freqüentes conflitos fundiários e todo o
tipo de violência, inclusive mortes, castigando principalmente os pequenos
posseiros, que por conta da ação de jagunços - os famosos “quebra-milho”,
acabavam perdendo as áreas desmatadas para os grandes latifundiários, desordens
100
que obrigaram o Estado a criar destacamentos policiais para controlar os conflitos,
enquanto o lento processo de colonização era desenvolvido para (re) mediar o
acesso a terra.
A partir de 1946, o Estado permitiu a organização de empresas particulares que se
dedicaram de forma paralela e complementar, a organizar e desenvolver projetos de
colonização no Noroeste, a exemplo do que ocorria no circuito Norte Novo, Norte
Velho. Neste movimento, empreendedores como Enio Pipino e Antônio Franchello
receberam autorização para colonizar milhares de hectares de terras no Noroeste,
fundando, respectivamente, os municípios de Terra Rica e Querência do Norte.
Apesar de possuir poder político, estrutura técnica e administrativa (os funcionários e
equipamentos do DGTC) e milhares de hectares de terras devolutas para
desencadear o acesso à terra dos camponeses através de uma ampla reforma
agrária, o Estado pouco a pouco repassou à iniciativa privada o domínio sobre este
processo.
Ao autorizar a participação de empresas particulares no processo de colonização
regional, o Estado permitiu o desenvolvimento da reforma agrária liberal, cuja base
contém duas lógicas distintas e até certo ponto, contraditórias: a fragmentação da
terra e a expansão da propriedade privada no sentido da ocupação socioeconômica,
e a fragmentação da terra visando a extração/acumulação da renda fundiária.
2.2 Concentração da terra agrícola, (re) estruturação das atividades agropecuárias e exclusão social no noroeste paranaense.
101
Coordenando o dimensionando de lotes rurais e urbanos de tamanhos variados,
facilitando o credito, garantindo o pagamento das terras com prazos de três a cinco
anos, organizando o espaço rural intra-regional, as ações coordenadas pelo Estado
e empresas colonizadoras foram muito importantes para garantir o boom
populacional e econômico no Noroeste paranaense, que na década de 1950 perdia
em população somente para a região Norte Novo de Londrina, suplantando áreas
core importantes, como era o caso de Maringá (ALCANTARA, 1987).
Mediante a inserção de novos agentes territoriais, entre eles outros capitalistas
fundiários, os médios e os grandes proprietários, os camponeses proprietários, e nas
relações de trabalho estabelecidas no interior das propriedades agropecuárias, os
estabelecimentos rurais administrados por camponeses desterreados (meeiros,
parceiros e arrendatários), os pequenos posseiros pouco a pouco perderam a
possibilidade de reprodução e existência, pois em meados da década de 1960 a
fronteira agrícola estava ocupada e fechada.
A partir da década de 1960, o desenvolvimento regional entra em declínio,
impactado, sobretudo, pela crise do café, cultura que na fase inicial da colonização
garantiu às famílias proprietárias a fonte de renda para pagar os lotes comprados a
prazo, além de demandar um contingente considerável de mão-de-obra durante o
ano todo nos tratos culturais e nas colheitas, principalmente dos parceiros,
arrendatários e meeiros.
Tabela 4 - Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: Número
de Estabelecimentos Rurais por Classes de Área. Ano Grupo de Área em hectares
102
– de 100 ha
100 a – de 500 ha
500 a + de 14.000 ha
Total
No % No % No % No % 1960 15.102 92,94% 980 6,03% 169 1,03% 16.251 100%1970 21.082 93,40% 1.199 5,31% 290 1,29% 22.571 100%1975 23.190 93,97% 1.199 4,86% 290 1,17% 24.679 100%1980 12.076 86,63% 1.474 10,57% 390 2,80% 13.940 100%1985 14.750 88,73% 1.490 8,96% 384 2,31% 16.624 100%1995/ 1996 9.774 84,02% 1.478 12,7% 382 3,28% 11.634 100%
Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995/1996.
Tabela 5 - Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: Área Ocupada pelos
Estabelecimentos Rurais, segundo as Classes de Área. Classes de Área em hectares
– de 100 ha
100 a – de 500 ha
500 a + de 14.000 ha
Total Ano
Área % Área % Área % Área % 1960 383.375 44,20% 214.461 24,72% 269.694 31,08% 867.530 100%1970 263.126 29,71% 263.714 29,77% 358.863 40,52% 885.703 100%1975 340.247 35,34% 263.714 27,39% 358.863 37,27% 962.824 100%1980 248.294 24,78% 320.885 32,02% 432.873 43,20% 1.002.052 100%1985 155.078 17,40% 324.570 36,42% 411.653 46,18% 891.301 100%1995/ 1996 206.534 21,66% 326.905 34,29% 419.971 44,05% 953.410 100%Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985 e
1995/1996.
Territorialmente, a região Norte Novíssimo de Paranavaí adotada pelo IBGE é a área
ocupada pela região Noroeste paranaense até então analisada no presente trabalho.
Colocadas as devidas considerações, segundo os dados expostos na Tabela 4 e na
Tabela 5, os estabelecimentos com área inferior a 100 ha, no ano de 1960,
representavam 92,94% do total de unidades produtivas recenseadas, ou 15.102
estabelecimentos, ocupando 44,20% da área total, ou 383.375 ha.
Afora o aumento ou a diminuição significativa dos valores relativos e absolutos tanto
da área ocupada, quanto do número de estabelecimentos nos valores coletados
junto aos censos de 1970, 1975, 1980, 1985, para o Censo de 1995/1996, apesar de
participar com 84,02% do total de estabelecimentos, neste ano base os pequenos
estabelecimentos somaram somente 9.774 unidades, em 21,66% da área total, ou
206.534 ha terras.
103
Para as unidades médias (100 a menos de 500 ha), enquanto em 1960 somavam
apenas 980 estabelecimentos, ou 6,03% do total recenseado, desfrutando 214.461
hectares, ou 24,72% do total de terras, ainda que os dados absolutos e relativos dos
Censos de 1970, 1975, 1980 e 1995 revelassem aumento ou diminuição relativa e
absoluta em relação à área ocupada e ao número de estabelecimentos, o Censo de
1995/1996 aponta uma situação na qual o número de unidades é de 1.478, ou
12.7% do total recenseado, ocupando a área de 326.905 hectares, ou 34,29% do
total.
Já os grandes estabelecimentos, para o ano de 1960 os dados censitários
demonstravam existir somente 169 unidades, representando cerca de 1,03% dos
estabelecimentos, mas ocupando uma área de 269.694 ha, ou 31,08% do total das
terras recenseadas. Apontando uma tendência cíclica de crescimento nos números
relativos e percentuais tanto no número de estabelecimentos quanto na área
ocupada, conforme o balanço dos dados censitários de 1970, 1975, 1980, 1985, o
Censo de 1995/1996 confirma esta tendência, pois o número de unidades dessa
classe foi de 382, ou 3,28% do total recenseado, ocupando a área de 419.971
hectares, ou a incrível soma de 44,05% do total de terras ocupadas.
Os números revelam, sem margem de dúvidas, o surgimento e a consolidação de
um processo crescente de exclusão dos estabelecimentos com área inferior a 100
hectares, confirmando a lógica de exclusão e a impossibilidade de incorporação do
campesinato à terra de trabalho. Por outro lado, os médios (área situada entre 100 e
menos de 500 ha) e grandes (área de 500 a mais de 14.000 hectares)
estabelecimentos despontam como os grandes beneficiados por esta situação, pois
a soma da área ocupada por estes extratos de 55,80% das terras ocupadas chegou
a tingir 82,60% da área explorada no ano de 1985.
Vinculado ao processo de expansão do capitalismo no campo, que causa o
apartamento entre o trabalhador e os meios de produção, criando novos capitalistas
104
e o trabalho assalariado, o capital pode recriar o campesinato (OLIVEIRA, 2001),
subordinando-o por meio da lógica de extração da renda capitalizada da terra
(MARTINS, 1995). Esta contradição fica evidente quando se analisam os dados
presentes na Tabela 6 e na Tabela 7, onde se verifica um descompasso entre a
expansão no número e na área ocupada pelos estabelecimentos rurais
administrados por proprietários, parceiros, ocupantes e arrendatários.
Tabela 6 – Norte Novíssimo de Paranavaí: Número de Estabelecimentos
Agropecuários segundo a Condição do Produtor. Condição de acesso a terra
Proprietário Arrendatário Parceiro Ocupante Total
Ano
No % No % No % No % No % 1960 12.650 57,78% 1.256 5,74% 4.905 22,40% 3.084 14,08% 21.895 100%1970 12.031 50,75% 2.837 11,50% 7.907 30,04% 1.903 7,71% 24.678 100%1975 11.681 72,01% 470 2,90% 3.274 20,18% 797 4,91% 16.222 100%1980 11.387 78,08% 534 3,66% 1.984 13,60% 684 4,69% 14.589 100%1985 10.448 62,82% 1.573 9,46% 3.522 21,18% 1.088 6,54 % 16.631 100%1995/ 1996 9.076 77,94% 848 7,28% 1.079 9,26% 643 5,52% 11.646 100%
Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995/1996.
Tabela 7 – Norte Novíssimo de Paranavaí: Área Ocupada pelos Estabelecimentos
Agropecuários segundo a Condição do Produtor. Proprietário Arrendatário Parceiro Ocupante Total Ano
no % no % no % no % no % 1960 691.693 79,45% 16.198 1,86% 70.857 8,13% 91.919 10,56% 870.667 100%1970 827.496 85,94% 34.710 3,61% 81.260 8,44% 19.358 2,01% 962.824 100%1975 964.765 95,21% 8.725 3,12% 31.629 3,12% 8.218 0,81% 1.013.337 100%1980 965.506 95,41% 13.509 2,20% 22.765 2,20% 9.223 1,00% 1.011.003 100%
1985 892.057 89,99% 40.568 3,97% 39.385 3,97% 19.298 1,95% 991.308 100%1995/ 1996
879.107 96,11% 43.904 0,76% 14.586 0,76% 15.814 0,83% 953.411 100%
Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995/1996.
Para se compreender a dinâmica dos números, é necessário entender que a
realidade da inclusão ou da exclusão do campesinato marginal (parceiros, meeiros,
arrendatários e ocupantes) insere-se na lógica estrutural e conjuntural da questão
agrária, sobretudo naqueles aspectos ligados à manutenção da propriedade da terra
105
pelo capital, a valorização ou desvalorização de determinadas culturas, bem como a
condução de uma política agrícola e fundiária por parte do Estado.
Quando o capital fundiário exerce o domínio territorial aproveitando plenamente da
conjuntura econômica, o resultado é o abatimento das formas camponesas de
trabalho, desde os camponeses proprietários, passando pelos parceiros, meeiros,
posseiros e os arrendatários, podendo deixar a terra sem produção (realizando a
especulação imobiliária) ou utilizando largamente do trabalho assalariado nas
atividades agropecuárias implementadas.
Por outro lado, quando se verifica a expansão do campesinato, tal processo está
amplamente condicionado às exigências do capital, que para manter a hegemonia,
condiciona a “abertura territorial” aos camponeses através de relações precárias e
marginais de trabalho, ou seja: o retorno do camponês expropriado a terra é
dificultado, restando-lhe trabalhar enquanto arrendatário, parceiro ou meeiro por
alguns anos até novamente ser excluído no processo e se tornar um assalariado
rural.
Esse movimento de inclusão/exclusão é mediado pela conjuntura agrícola do país
que influencia na expansão/retração de determinadas atividades – como a
mandiocultura, a cafeicultura, a bovinocultura, a cotonicultura, etc -, momentos em
que é de interesse do capital a presença do camponês na terra através das formas
supracitadas.
Analisando a complexa realidade inerente ao campesinato e suas formas,
destacando a diferenciação existente entre os mesmos. Assim, como parceiro
entende-se aquele produtor rural desterreado ou com terra em dimensão diminuta
que obtém o direito de explorar uma área agrícola cedida por um proprietário.
Dominando as técnicas de plantio, cultivo e colheita, paga uma quantidade pré-
estabelecida de renda em produto ao dono da área tomada em parceria.
Nesta região, historicamente ocorrem importantes variações nos contratos de
parceria, indo do contrato informal, através da relação de confiança ou de costume,
106
ao formal, com o contrato lavrado em cartório. Geralmente, a relação de parceria
ocorre em períodos variáveis de 3 a 5 anos. Há casos onde o proprietário tem uma
lavoura formada (café, por exemplo) e a repassa ao parceiro; noutros o proprietário
retira financiamento bancário em seu nome e repassa o dinheiro ao parceiro, que o
investe na realização do cultivo e tratos culturais.
Apesar das variações, o traço fundamental da parceria é que o camponês parceiro
detém as ferramentas e equipamentos necessários ao cultivo e tratos culturais,
utiliza a força de trabalho de sua família e, ao realizar a colheita, paga uma
determinada renda em produto (vinte, trinta, quarenta e até cinqüenta por cento da
produção) ao dono da terra. Desta forma, quanto mais valorizado estiver o produto
no mercado, maior o montante de dinheiro repartido e amealhado por cada sujeito
envolvido na parceria.
Noutra conjuntura, quando o preço da mercadoria no mercado está baixo, quando
ocorre uma quebra de safa ou mesmo nenhuma produção devido à ocorrência de
pragas, granizo ou geada, a parceria condiciona a divisão dos prejuízos. Estas
especificidades fazem com que o parceiro não tenha muita independência em
escolher o que plantar na área obtida, pois geralmente são contratados produtos de
maior valor agregado, sobretudo o café.
Por sua vez, arrendatário é aquele camponês que detém os equipamentos (tratores,
colheitadeiras, arados) para o cultivo e colheita de lavouras, além de disponibilidade
de mão-de-obra da família ou até de alguns assalariados para fazê-lo. Alguns
possuem pequenas propriedades de terras e arrendam parcelas de outros
proprietários para obter uma renda extra ou aproveitar os períodos de ociosidade de
seus equipamentos agrícolas, mas é muito comum encontrar arrendatários sem-terra
que se valem dos seus bens e conhecimentos agrícolas para garantir o sustento da
família.
Difere do parceiro porque a relação sempre é mediada por um contrato lavrado em
cartório, com clausula específica onde consta um valor fixo (renda em dinheiro)
107
previamente estipulado que deve ser pago ao dono da terra. Assim, se ocorrer um
problema climático ou mesmo o preço do produto colhido for muito baixo, o
arrendatário fica obrigado a ressarcir o proprietário fundiário mesmo que esse
pagamento não cubra os custos de produção empenhados no início da atividade
agrícola. Assim, ao ficar a seu encargo os riscos da atividade agropecuária, o
arrendatário preserva o dono da terra de sofrer os impactos negativos dos possíveis
prejuízos agrícolas.
Dependendo do tipo de produto cultivado e das relações de trabalho inerentes ao
estabelecimento agropecuário, constata-se no Noroeste paranaense uma
diferenciação entre os arrendatários. Arrendatário camponês é aquele que explora
áreas situadas de 1 a 20 ha e que efetua todas as atividades com a mão-de-obra
familiar, nos moldes expostos anteriormente. Geralmente, sua ação está ligada ao
cultivo da mandioca, do algodão e de produtos da chamada lavoura branca, como o
arroz, o milho e o feijão.
Já o chamado arrendatário capitalista trabalha no modelo empresarial; em muitos
casos está vinculado a programas estaduais de arrendamento de terras29, possui
empregados assalariados para fazer as tarefas de plantio, tratos culturais e colheita,
explora de dezenas a milhares de hectares de terra, podendo ser uma empresa,
como as destilarias de álcool e usinas de açúcar, por exemplo. De maneira geral,
trabalha com as lavouras de cana-de-açúcar, desenvolve a orizicultura nas áreas de
várzea do baixo Ivaí, cultiva o trigo, o soja, o milho safrinha ou efetua a criação de
gado bovino.
Por sua vez, o posseiro é aquele camponês que se reproduz em terras não tituladas.
No avanço da colonização, grande parte destes foram mortos ou expulsos para
29 Implantando no ano 2000, um destes programas é o do Arenito Caiuá Nova Fronteira, onde o Governo do Paraná e a EMATER tem incentivado a prática do arrendamento de terras dedicadas a pastagens para agricultores que, recebendo orientação agronômica e tecnologias específicas, estão introduzindo e expandindo cultivos anuais como o soja, o milho safrinha, a aveia. Em cinco anos, período médio da duração dos contratos, a expectativa dos fazendeiros é a de receber um valor X em dinheiro pelo usufruto da terra concedida em parceria e receber suas terras fertilizadas e novamente cultivadas com forrageiras, elementos que certamente irão garantir uma maior produtividade de massa verde, e conseqüentemente, de carne, por hectare, sem, no entanto, adiantar nenhum tostão de capital próprio para que tal realidade se configure.
108
outras frentes de expansão, notadamente Mato Grosso do Sul (década de 1970 –
1980).
Sobretudo no final da década de 1980, período em que o processo de exclusão
camponesa foi maior que o de inclusão, os trabalhadores encontraram nos
movimentos de luta pela terra o elemento político mais eficaz de pressão ao Estado
e de insurgência contra o capital no sentido de reverter sua lógica de
exclusão/subordinação.
Através da ocupação de terras, os movimentos sociais do campo colocaram o
Noroeste paranaense como um dos principais focos de conflitos fundiários do País.
Como não possuem o título de propriedade das terras ocupadas ou mesmo
daquelas onde já estava regulamentado o assentamento, os assentados e os sem-
terra foram recenseados como ocupantes, impactando nos dados referentes ao
número de posseiros do Censo Agropecuário 1995/1996.
Pari passu aos processos de concentração fundiária e ordenamento da propriedade
ou formas precárias no acesso a terra, verifica-se uma mudança profunda no perfil
produtivo regional. No período de 1940 a 1970 rapidamente as matas foram postas
abaixo para o plantio do café, que foi ocupou cerca de 50% da área cultivada, e das
lavouras de subsistência intercalares, culturas que sustentaram a ocupação de
várias formas de mão-de-obra e o desenvolvimento socioeconômico desta zona
pioneira.
Tabela 8 - Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: Evolução no Uso do Solo
Agrícola (1960, 1970, 1975, 1980, 1985, 1998/1996, 2000). Uso do solo 1960 1970 1975 1980 1985 1995/96 1998/99
109
Lavouras perenes 278.149 168.485 146.549 120.870 78.715 25.045 50.610Lavouras anuais 86.517 87.045 47.331 60.574 113.907 111.064 95.243Pastagens naturais 21.083 21.727 6.724 33.700 27.886 38.706 11.309Pastagens plantadas 106.843 703.268 549.169 713.905 709.285 690.755
762.579
Vegetação nativa 341.582 45.874 102.226 38.010 33.175 42.118 29.919Reflorestamento 5.506 2.089 1.400 3.717 7.169 7.775 12.936Terras produtivas em descanso
14.959
20.371 23.401 13.042 8.474
3.846 s. i.
Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995/1996; EMATER-PR 2000.
s.i = sem informação
0
50.000
100.000
150.000
200.000
250.000
300.000
350.000
400.000
450.000
500.000
550.000
600.000
650.000
700.000
750.000
800.000
1960 1970 1975 1980 1985 1995/96 1998/1999*
área
em
hec
tare
s
Lavouras perenes Lavouras anuais Pastagens Vegetação nativa Reflorestamento
Figura 4: Dinâmica de uso do solo na Microrregião Norte Novíssimo de
Paranavaí 1970, 1975, 1980, 1995/96 e 2000. Fonte: IBGE: Censo Agrícola 1960; Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985, 1995/96. EMATER 2000.
Conforme os dados da Tabela 8 e da Figura 4, observa-se que no ano de 1960 as
culturas perenes, onde o café se destacava, ocupavam 278.149 ha plantados,
ficando em segundo lugar as pastagens (naturais e plantadas) com 127.926 ha, e
em terceiro as lavouras anuais, cultivadas em 86.517 ha.
O Censo de 1970, porém, revelou uma profunda alteração nesta dinâmica, pois a
área plantada com culturas permanentes diminui para 168.485 ha, a de lavouras
anuais foi acrescida em pouco mais de 500 ha e as pastagens atingiram o patamar
110
de 724.995 ha. Isto ocorreu vinculado à baixa dos preços do café no mercado, às
fortes geadas que afetaram a cultura na década de 1960, causando a “quebra” da
safra, elementos que resultaram em baixa produtividade e prejuízos, impactando
negativamente sobre a categoria dos pequenos estabelecimentos administrados por
proprietários e parceiros cafeicultores, que dependiam destas culturas para pagar
seus financiamentos e sustentar as famílias.
Mais resistentes às crises devido à capitalização monetária ou mesmo favorecidos
por programas de crédito agrícola governamental e privado, os médios e grandes
estabelecimentos atravessaram a crise abandonando a agricultura em geral,
sobretudo a cafeicultura, incorporando as terras dos proprietários rurais que não
resistiram às dificuldades financeiras. A ocupação (in) produtiva mais difundida e que
passou a marcar a atividade agropecuária na região é a pecuária extensiva.
Devido o pisoteio constante dos animais, a inexistência de curvas de nível para
conter a erosão laminar, a nula incorporação de adubos, no decorrer dos anos
verifica-se uma progressiva degradação dos solos, afetando a produtividade das
pastagens no que toca à taxa de lotação animal (bovinos por hectare). Em raros
casos, sobretudo pelo pensamento retrógrado dos pecuaristas para os quais depois
de “formado” o pasto e o solo não necessitam nenhum investimento em adubação e
tratos culturais, ocorrem ações concretas dos pecuaristas no sentido de buscar
melhorar a condição produtiva e a lucratividade da bovinocultura.
Mesmo sendo uma pequena parcela em relação ao todo, os fazendeiros agem de
duas maneiras: ou investem capitais próprios ou financiados para reformar as
pastagens, ou cedem terras a arrendatários e parceiros que, cultivando o algodão, o
milho, a mandioca e o soja (os dois últimos os principais produtos) durante alguns
anos, devolvem a terra plantada com o capim e ainda asseguram ao proprietário da
terra uma renda no fim do ciclo, contribuindo para o aumento ou a diminuição destes
sujeitos no rol dos estabelecimentos agropecuários, conforme os números
apresentados na Tabela 6 e na Tabela 7 expressas anteriormente.
111
A questão que se coloca é que a mandiocultura, por conta do elevado número de
fecularias e farinheiras que industrializam a matéria-prima, colocam o Noroeste e o
Estado do Paraná como os principais pólos de produção da cultura no País.
Desenvolvida sobretudo em estabelecimentos de pequenos e médios arrendatários
(área até 20 hectares), demanda muita mão-de-obra nas fases de tratos culturais e
colheita, representando um importante fator de geração de emprego e renda nos
municípios onde é cultivada. Apesar dos elementos favoráveis, nos últimos 10 anos
a atividade tem sido impactada pos períodos alternados de alta e baixa nos preços
pagos aos produtores, conjuntura agrícola que favorece a efetivação de contratos de
parceria para um ano agrícola, determinando uma maior rotatividade no processo de
recriação/destruição do campesinato.
Já o soja vem sendo cultivado basicamente por grandes arrendatários, demanda alta
tecnologia no plantio (tratores, implementos sofisticados), nos tratos culturais (uso de
herbicidas e avião) e na colheita. Sendo assim, incorpora pouca mão-de-obra
durante seu ciclo de produção, além de ser um produto altamente valorizado no
mercado externo.
Os fazendeiros que mantém a atividade pecuária nos moldes tradicionais
reconhecem que esta, apesar da menor geração de riqueza por hectare em relação
às lavouras temporárias e permanentes30, demanda menor adiantamento de capital
(máquinas, implementos, peças de reposição, insumos, financiamentos bancários,
etc), incorpora menos trabalho (mão-de-obra permanente e temporária) e encargos
trabalhistas, elementos o que no conjunto requerem uma administração rural mais
tranqüila por parte do proprietário fundiário e total falta de riscos nos investimentos
feitos.
30 Informações obtidas no Escritório Regional da Emater em Paranavaí.
112
0
50000
100000
150000
200000
250000
300000
350000
400000
450000
500000
550000
600000
650000
700000
750000
800000
1970 1975 1980 1985
Figura 5: Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí – área cultivada com pastagens,
lavouras anuais e café 1970, 1975, 1980 e 1985. Fonte: IBGE: Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980 e 1985.
Analisando a Figura 5, constata-se que no ano de 1970 ocorreu uma brusca
diminuição na área cultivada com o café, despontando culturas como o amendoim, o
arroz, o feijão, e, principalmente, o algodão e o milho.
Apesar disso, a cafeicultura voltou a ocupar posição de destaque na área ocupada
no censo 1975, devido principalmente a recuperação das plantas, mas com uma
tendência de baixa na área ocupada nos anos subseqüentes, o que se confirma até
o ano de 1985. Em relação às demais culturas, não se verificam a sustentação da
sua participação, pois também ocorrem ciclos de crescimento e retração nas áreas
cultivadas.
Nesta conjuntura agrária e agrícola, o campo do Noroeste paranaense tem perdido a
função de contribuir no desenvolvimento socioeconômico regional e local, sobretudo
porque as principais atividades agropecuárias desenvolvidas (bovinocultura,
113
sobretudo) são poupadoras de mão-de-obra, não gerando emprego e renda
permanente para parte da população dos municípios onde as propriedades rurais se
localizam
Tabela 9: Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí:: Mão de obra ocupada nos
estabelecimentos rurais segundo a origem 1970, 1975, 1980, 1985, 1995/1996.
Mão-de-obra 1970 1975 1980 1985 1995/1996 Familiar 64.951 48.353 36.736 39.247 17.284Empregado permanente 8.959 16.669 17.453 11.169 6.752Empregado temporário 9.928 8.234 8.912 9.309 5.376Parceiro 539 5.358 6.855 4.665 1.172Total geral 84.377 78.614 69.956 64.390 30.584 Total de famílias residentes nos estabelecimentos rurais
sem informação 57.923 49.412 38.717 21.470
Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995/1996.
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
35000
40000
45000
50000
55000
60000
65000
70000
75000
80000
85000
90000
Total Própria Família Permanente Temporário Parceiros Residente
núm
ero
de p
esso
as tr
abal
halh
ando
1960 1970 1975 1980 1985 1995/1996
Figura 6 – Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: Mão de obra ocupada nos estabelecimentos rurais segundo a origem 1970, 1975, 1980, 1985, 1995/1996.
114
Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995/1996. Analisando as informações apresentadas na Tabela 9 e na Figura 6, nota-se que o
total da mão-de-obra ocupada nas atividades agropecuárias no Noroeste
paranaense diminuiu consubstancialmente em cada período representado. No ano
de 1970, enquanto foram declarados 84.377 postos de trabalho, lentamente estes
números decaíram nos censos seguintes, atingindo seu menor patamar no Censo de
1995/1996, onde se constata somente 30.584 pessoas ocupadas nos
estabelecimentos rurais.
Realizado principalmente nas unidades camponesas de produção, a mão-de-obra
familiar também apresenta decréscimo abrupto nos dados recenseados, pois de
64.951 pessoas que trabalhavam no campo em 1970, no ano agrícola de 1995/1996
foram recenseadas somente 17.284 trabalhadores familiares, o que confirma a
tendência geral de exclusão dos estabelecimentos organizados em bases familiares.
Outra informação importante verificada é a inconstante participação da mão-de-obra
dos empregados permanentes (representa os assalariados mensalistas), dos
parceiros e dos empregados temporários, o que evidencia que além da precarização
nas relações de trabalho, que tende a valorizar o trabalhador sazonal (bóia-fria) em
detrimento dos contratados por períodos mais longos (empregados permanentes,
mensalistas), todos estes postos de trabalho estão em retração na região.
115
0
25.000
50.000
75.000
100.000
125.000
150.000
175.000
200.000
225.000
250.000
275.000
300.000
325.000
350.000
375.000
1960 1970 1980 1991 2.000
Urbana Rural
Figura 7 – Microrregião Norte Novíssimo de Paranavaí: População total, urbana e rural 1960, 1970, 1980, 1990 e 2000.
Fonte: Censos Populacionais 1960, 1970, 1980, 1990 e 2000.
Conforme as informações da Figura 6, a população urbana intra-regional apresenta
um crescimento sustentado no período situado entre os anos 1960 e 2.000. A
população rural, ao contrário, sofreu uma diminuição lenta entre a década 1960 e
1970, a partir da qual sofreu brusca diminuição, tendência que se manteve até o
censo do ano de 2000.
O resultado deste quadro é o aumento populacional verificado no período 1960 –
1970. Entre 1970 e 1990 ocorreu uma diminuição da população regional, cuja
alteração positiva (aumento populacional) ocorreu entre os anos 1990 e 2000.
Assim, pode-se inferir que a conjugação dos elementos da realidade agrária
(concentração da terra), da realidade agrícola (atividades agropecuárias
desenvolvidas) e da realidade social (ocupação da mão-de-obra) anteriormente
expostos, tornaram o espaço agrário do Noroeste paranaense um espaço de
exclusão e a região um pólo de migração populacional.
116
2.3 A formação do município de Querência do Norte.
No ano de 1947, assumiu o Governo do Estado do Paraná o Sr. Moisés Lupion.
Aproveitando as facilidades do poder, este dirigente utilizou amplamente o aparelho
de Estado para distribuir benesses para representantes da oligarquia agrária e
urbano-industrial que lhe apoiaram durante a vitoriosa campanha eleitoral de 1946.
Desvirtualizando as tendências da política fundiária praticada no Estado desde a
década de 1930 com Tourinho Neto e Manoel Ribas, na qual o Estado
freou/remodelou a farra com o patrimônio público nas negociatas com terras
devolutas e coordenou a colonização oficial e particular (empresas privadas de
capital nacional e internacional), em sua administração Lupion asseverou a maneira
lesiva de tratar o Patrimônio Público Fundiário, pois assinou várias concessões de
terras no Sudoeste, Oeste, Norte e Noroeste paranaense, transferindo milhares de
hectares de terras a correligionários ligados à indústria, ao comércio, às companhias
colonizadoras e madeireiras.
O grande problema é que em frações destas regiões, pequenos sitiantes que
adquiram terras junto a colonizadoras ilegalmente constituídas, portanto, que não
tinham o direito de propriedade para lotear tais terras, além de vários posseiros, que
há anos viviam a expectativa de que o Estado regulamentasse a situação fundiária
das terras por eles ocupadas, passaram a sofrer a ação territorial destes agentes
territoriais.
A sobreposição entre os interesses das centenas de habitantes desses espaços e os
interesses das empresas que vislumbravam obter lucros com o comércio de terras e
de madeira gerou uma série de conflitos fundiários no interior do Estado31.
31 Em 1950, camponeses revoltados desencadearam a Guerrilha de Porecatú, na região Norte do Estado (MARTINS, 1995).
117
A história começa na década de 50 quando o governador do Estado do Paraná, Moisés Lupion, avô do atual líder da bancada ruralista, deputado federal Abelardo Lupion, que resolveu distribuir fartos títulos de terra na faixa de fronteira do Estado do Paraná, em terras de domínio da União. Além de titular terras que não eram de domínio do Estado do Paraná, o senhor Lupion as titulou para pessoas inexistentes (“fantasmas” anteriores aos “fantasmas” do corrupto período collorido) que, incrivelmente, as venderam para terceiros que não ocupavam as terras adquiridas, já que as mesmas estavam sendo cultivadas por agricultores familiares posseiros que, legitimamente, as reivindicavam para si e suas famílias. (RUSSO, < http://www.pt.org.br/san/oincraeagrilagemnoparana.doc > Acesso: 20 out. 2001)
No Noroeste paranaense, adotando a política do clientelismo, Lupion interferiu na
ação do DGTC e garantiu a pessoas correligionários lotes destacados da colônia
Paranavaí. No caso das Glebas 29, 27-A e 28, em cujo espaço assenta-se
atualmente o território do município de Querência do Norte, segundo análises
efetuadas por nós em documentos cartorários e levantamentos cartográficos das
plantas elaboradas pelo DGTC, até 1948 foram dimensionados 214 lotes rurais, em
33.676,93 hectares de terras, contabilizando cerca de 65% da área total destas
glebas.
Em relação à dimensão dos lotes envolvidos em negociatas, 118 possuíam área
situada na faixa de 5 a 50 hectares, somando 3.435,8 hectares; 3 lotes possuíam
área situada entre 50 a 100 hectares, ocupando a dimensão de 273 hectares e
outros 93 lotes com áreas situadas no intervalo de 100 a 454 hectares, ocupando
juntos 29.968,13 hectares, ou 88,98% da área total destas glebas.
Apesar de organizar alguns lotes de dimensão reduzida, o Governo desconsiderou o
Decreto no 800 promulgado em 08 de agosto de 1931 pelo Interventor tourinho Neto,
que regulava em 200 hectares a porção máxima de terra a ser repassada para a
iniciativa privada, obrigando ainda o adquirente a habitar e colocar em produção o
lote adquirido. Em relação aos beneficiários que receberam terras públicas, tal
repasse priorizou empresários influentes da cidade de Londrina e Curitiba, com
destaque descendentes de Sírios e Libaneses que, no afã de obter mais de uma
118
concessão, colocavam áreas em nome de familiares, aproveitando-se do baixo
preço das terras e até de doações efetuadas pelo Estado.
Tabela 10: Famílias beneficiadas com lotes destacados
das Glebas 27-A, 28 e 29 da Colônia Paranavaí.
Família NO de Lotes
Área (ha)
Aburad 1 394 Burica 1 205,25 Postar 1 237,25 Camargo 1 245,2 Hoffmann 1 250 Rosa 1 317,25 Hordochinski 1 319,28 Fonseca 1 325,25 Grabowski 1 337,25 Lopes 1 337,25 Boer 1 349,25 Matioski 1 350,25 Sahyum 1 357,25 Abraham 1 358,25 Boer 1 361,25 Agge 1 379 Abib 1 400,6 Dipp 1 403,25 Salum 1 437 Dacca 1 448,8 Calixto 1 454 Miranda 2 504 Barbosa dos Santos 2 520 Costa 2 661,25 Azevedo 2 694,5 Macul 2 740,8 Aborian 2 805 Lopes da Silva 2 805,4 Carvalho 2 857,6 Sayão 4 1525,4 Sahão 12 4.950,6 Total 53 19.331,43 Fonte: Plantas das Glebas 27-A, 28 e 29. DGTC, 1948.
Como não é objetivo deste tranalho analisar a situação dominial relativa às outras
glebas onde se assentam hoje os demais municípios da região, podemos informar
que a realização de uma pesquisa aprofundada nestas áreas revelaria, com certeza,
os desmandos da pratica política do grupo que controlava o poder no Estado a
época.
119
Figura 8 LOTEAMENTO QNE
120
Analisando os dados expostos na Tabela 10 e estabelecendo uma relação com as
informações presentes no cartograma da Figura 8, percebe-se que afora a questão
de algumas famílias possuírem mais de um lote de terras, e apesar da existência de
um planejamento visando criar pequenas propriedades, o processo de partição da
terra agrícola priorizou a grande propriedade.
Interessados na valorização futura da terra, ou seja, na especulação imobiliária, os
empresários priorizaram, sobretudo, a compra (ou recebimento) dos lotes maiores,
desinteressando-se pelos de menor dimensão. No ano de 1952, quando Carlos
Antônio Franchello, João Cândido Monteiro de Andrade, Ângelo José Bertóglio,
Jayme Pereira Borba e Waldomiro Elias fundam na cidade de Londrina a BRAPAR -
Brasil Paraná Loteamentos e Colonização, o elemento motivador - a realização da
renda da terra - para a compra ou a escolha de terras no Nororeste paranaense se
confirmou, só que desta vez foi redimensionado.
Em 1953, mediante autorização do Estado, o grupo adquiriu as terras das glebas 27-
A e 28 da colônia Paranavaí que estavam distribuídos entre vários proprietários.
Após a compra destas terras, a empresa (re)estruturou o projeto de colonização,
fundando um novo município no Noroeste paranaense: Querência do Norte,
ordenando na base da pequena propriedade a colonização das glebas, atraindo
sobretudo migrantes sulistas, visando atender às demandas de reprodução dos
descendentes de imigrantes.
Segundo consta, os camponeses de origem alemã e italiana das regiões Oeste e
Sudoeste dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina possuíam famílias
numerosas, algumas atingindo em torno de 6 a 8 membros. Quando casavam os
filhos homem, por tradição regional os pais doavam um lote de terras partilhado
dentro da propriedade da família ou adquiriam uma área no município, garantindo a
formação de uma nova unidade familiar de produção.
Acontece que esta prática gerava uma situação sui generis: em primeiro lugar, com
o passar dos anos e o casamento de outros rapazes, a partição da terra paterna
gerava minifúndios pequenos e insustentáveis; em segundo lugar, a generalização
121
da prática produzia uma demanda crescente que projetava para cima o preço do
hectare de terra, impedindo as famílias pobres de adquiri-la ou de inserir a nova
família num minifúndio. A opção possível para a sobrevivência das novas famílias
cada vez mais tendia à migração para as cidades ou para outros estados.
Conhecendo esta realidade e demonstrando um bom tino comercial, os
administradores da BRAPAR organizaram uma rede de corretores encarregados de
distribuir material de propaganda (encartes e folhetos) nas zonas gaúchas e
catarinenses colonizadas por italianos e germânicos, no intuito de estimular a vinda
desses camponeses para seu projeto de colonização. A mercadoria oferecida era a
terra fértil do norte paranaense, onde o café enriquecera rapidamente os
agricultores, ao preço do hectare muito mais barato do que aqueles praticados nas
suas regiões de origem, o que permitiria a conquista de sítios maiores, além de
financiamento facilitado pela própria empresa, gama de fatores que atraiu levas de
colonos.
Abordando este processo de colonização, HARACENKO (2002) evidencia que o
sucesso da BRAPAR foi balizado nos seguintes pilares: o nome do projeto, pois
Querência na cultura gauchesca é o “lugar querido, terra querida”, signo de
prosperidade para os migrantes sulistas; a propaganda utilizada, ainda que de forma
muitas vezes enganosa, pois nos encartes apareciam informações de uma colônia
bem urbanizada, com água encanada, hotel e pontos de apoio para comercialização
da safra, infra-estruturas que em muitos casos não se configuravam como
verdadeiras, ou seja, eram inexistentes; o discurso do desenvolvimento e da riqueza
do “Norte do Paraná”, da terra roxa e da cultura do café, onde tais elementos
perpetravam a riqueza e o desenvolvimento pessoal daqueles que nesta região
viviam, apesar de as terras do município serem arenosas (arenito Caiuá) e não
suportarem cultura tão agressiva o café; além das facilidades de compra da terra
garantidas pela própria empresa, como o financiamento a juros baixos e o
pagamento facilitado em até 36 parcelas.
Em três anos, Querência do Norte despontou como uma colônia pioneira do
Noroeste paranaense, para cujo destino convergiram cerca de 3.000 famílias.
122
Estruturada a partir das pequenas propriedades (cerca de 10 alqueires cada)
voltadas ao cultivo do café, no dia 5 de agosto de 1953 a colônia foi elevada à
condição de Distrito do município de Paranavaí, através da Lei Municipal no 13. Em
26 de novembro de 1954, a Lei Estadual no 253 elevou o Distrito à condição de
município, data de seu desmembramento do município de Paranavaí.
Com área total de 914,76 km quadrados, Querência do Norte limita-se a Norte com o
município de Porto Rico, a Leste com o município de Santa Cruz do Monte Castelo.
Margeando o rio Ivaí até sua foz, confronta-se a Sudeste com Umuarama e ao Sul
com Icaraíma. A Oeste faz fronteira com o Estado do Mato Grosso do Sul, cujo limite
é o rio Paraná, onde existem dezenas de ilhas, conforme Figura 9.
123
Figura 9- perímetro municipal de querência do norte
124
2.4 Problemas fundiários e violência no campo.
Apesar da ação do Estado partilhando a terra agrícola em favor de pessoas físicas e
jurídicas e da ascensão da BRAPAR coordenando o processo, o território da Gleba-
29 e as áreas não loteadas (figura 8), foram alvos de um lento processo de
intrusagem (final da década de 1940 e início da década de 1950), resultando na
presença efetiva de centenas de posseiros.
Preocupados com esta situação, os administradores da BRAPAR divulgavam entre
os compradores a lisura e idoneidade quanto à propriedade das terras e o
planejamento territorial desenvolvido para garantir a incorporação dos pequenos
produtores. Assim, a empresa demonstrava não ser de seu interesse o repasse da
informação da grilagem e intrusagem em Querência do Norte, impedindo a fuga dos
compradores pelo risco de compra de terras griladas, realidade que “não acontecia”
nas terras apropriadas pela empresa.
Por outro lado, impedindo a disseminação da informação dos graves problemas
fundiários que ocorriam ao sul do município (terras devolutas), a BRAPAR fechava a
possibilidade de vinda de mais aventureiros interessados em abrir uma posse.
Assim, o capital impedia a concorrência dos camponeses que acessando
gratuitamente um pedaço de chão, poderiam fraturar o processo local de extração da
renda absoluta da terra.
Segundo MARX (1985), a renda absoluta da terra é a renda do monopólio do capital
sobre uma fração territorial. Sua existência está ligada a demanda social de áreas
para produção agropecuária e moradia, por exemplo, e se realiza a partir do
momento em que a terra é comercializada. Assim, exercendo o monopólio da terra e
da informação sobre a terra livre, a empresa preservava seus interesses.
125
A questão da grilagem de terras no município tem inicio no ano de 1958, quando
Tuffy Felício Jorge, um descendente de migrantes Síros cuja atividade era o
comércio na cidade de Paranavaí, procedeu a ocupação efetiva das terras da Gleba-
29 declarando ter recebido a concessão dos cerca de 9.000 alqueires32 da área do
Governador Moisés Lupion.
Para “abrir” sua fazenda, inicialmente Felício Jorge utilizou a mão-de-obra de alguns
parceiros para os trabalhos de desmatamento, construção da casa sede e formação
de pastagem, reservando a estes o direito de cultivo das terras com lavouras
comerciais e de subsistência por três anos, período após o qual ficavam obrigados a
devolver a terra cultivada com o capim. Com estas ações, Felício Jorge entrou em
confronto direto com dezenas de posseiros que há anos ocupavam a área.
Apesar do conflito de interesses, os anos passaram e na ocasião da renovação dos
contratos dos parceiros com o fazendeiro, os trabalhadores recebiam novas áreas
cobertas pela mata, relação cíclica que garantia a sustentação dos camponeses e
permita ao fazendeiro estruturar uma fazenda pronta para o apascentamento do
gado bovino sem adiantar um centavo de capital próprio, o que em muito valorizava
“suas” terras através do trabalho dos camponeses.
Ao incorporar construções e lavouras (trabalho, portanto), o fazendeiro atendia aos
requisitos assumidos junto ao Estado de produzir na terra, além de promover um
avanço contínuo sobre as terras inabitadas, estendendo pouco a pouco os limites de
sua exploração em direção à área ocupada pelos posseiros que “ilegalmente” viviam
em “sua” fazenda.
Apesar do sigilo que envolvia a situação fundiária das terras do município, levas e
levas de trabalhadores assalariados e parceiros, sobretudo os nordestinos pobres
que chegavam a Querência do Norte a procura de trabalho, animaram-se a realizar a
intrusagem e abrir uma posse no interior da Gleba-29, frustrando as expectativas do
fazendeiros e da BRAPAR, que a cada ano viam mais e mais camponeses
avançarem sobre as terras livres.
32 Exatos 21.980 hectares.
126
Desmatando alguns alqueires de terra, construindo ranchos de pau-a-pique e
cultivando produtos alimentares e comerciais em parcas roças de mamona, feijão,
arroz e frutíferas, os novos (e os antigos) posseiros vivenciaram a miséria e as
incertezas da disputa territorial em suas
[...] casas simples e tristes, marcas de pobreza e de sobrevivência. Em alguns clarões são algumas casas reunidas, em outras são habitações solitárias e cinzentas. [...] Nos olhos e nos rostos curtidos e rudes “homens da terra” atestam-se medo do despejo e valentia na luta de vida, que prossegue cotidianamente, adiando o pior (que virá, inevitavelmente). “Sou o habitante mais velho da Gleba 29” - é a primeira informação de Orlando, de 69 anos. [...] Orlando afirma estar em situação regular: “Em 1955 eu comprei uma Ordem de Procuração. Naquela época 486 lotes foram entregues assim, regularmente. Era o tempo do governador Bento Munhoz da Rocha. Depois o Moisés Lupion assumiu o governo e vendeu a fazenda toda, com todos nós dentro ao ‘turco’. Daí ele ameaçava um, assustava outro com despejo. E estou aguardando até hoje”. (MENESES, 1973).
A luta pelas terras da Gleba-29 ocorreu opondo sujeitos com forças e ações
diferenciadas. De um lado os posseiros, cuja iniciativa foi a de ocupar o chão,
cultivar roças e questionar a propriedade da terra, mesclando maioridade numérica e
desorganização. Contra eles, o fazendeiro Tuffy Felício Jorge, cujo poder econômico
sustentava o uso da violência dos jagunços contratados para assassinar lideranças,
destruir roças, raptar a produção e as madeiras vendidas pelos camponeses às
serrarias e cerealistas localizados na cidade, alimentando o mito e a realidade pela
qual ficou conhecido o município – “Querência da Morte”.
Preocupado com a possibilidade de um grupo de parceiros, contratados anos antes,
não abandonarem as terras da fazenda e assim engrossar o contingente de
posseiros “ilegais”, em 1969 Tuffy Felício Jorge impetrou várias ações de despejo
contra as famílias, tanto dos posseiros quanto a dos parceiros, exercendo o poder
de posse sobre a área, mas não obteve sucesso.
127
O desfecho da contenta ocorreu quando Felício Jorge repartiu as terras da Gleba-29
criando as fazendas Florão, que ficou sob a sua administração, e a 29 Pontal do
Tigre, cujos 10.896 hectares ele vendeu ao megalatifundiários Jorge Wolney Atalla33
e Jorge Rudney Atalla, que exigiram para a consecução da negociação a retirada
imediata dos posseiros da área.
Para não perder o negócio, Felício Jorge acionou novamente a justiça. Com pessoas
influentes envolvidas na questão fundiária local, neste ínterim o INCRA – Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária e a FETAEP – Federação dos
Trabalhadores na Agricultura do Estado do Paraná, deslocaram equipes para a
região a fim de intermediar o conflito. Como medida cautelar, propôs-se ao grupo de
posseiros que sofreu ação de despejo a oportunidade de assentamento em áreas de
colonização federal na Amazônia Legal (MENESES, 1973).
Interessado na saída imediata dos camponeses, Tuffy Felício Jorge garantiu a uma
parte dos trabalhadores indenização para o imediato abandono das terras, mas
poucos aceitaram a proposta. Na contenda, a FETAEP apontou aos posseiros que,
no rigor da lei, todos seriam expulsos da fazenda.
Depois de várias discussões, foi referendado um acordo que garantiu a uma parte
das famílias o assentamento definitivo em projetos de colonização situados em
Altamira (Pará), no Mato Grosso e em Rondônia, reforçando as práticas de
desmobilização dos movimentos sociais no campo praticado pelo Governo Militar,
ações que contavam com a participação de técnicos do INCRA, sindicalistas
pelegos, políticos locais/regionais ou mesmo a polícia, cuja função principal era
forçar os “revoltosos” a aceitarem a migração projetos de colonização situados no
norte do País, preservando os interesses do capital nos lugares onde a luta pela
terra surgia como uma forma de contestação do status quo.
33 Integrantes da família Atalla, cujo grupo possui cerca de 150 fazendas no interior do Brasil destinadas à criação de gado de corte, nelore mocho, café, e cana-de-açúcar, envolvido também na agroindustrialização do açúcar e do álcool no Norte do Paraná (Porecatú) e no interior paulista (Brotas) i, proprietários de transportadoras e também de uma industria de cimento portland em Brasília, segundo informações coletadas pelo autor.
128
A colonização de novas terras pode ser analisada como uma técnica social que utiliza mecanismos de controle do espaço e de controle dos homens, para se reproduzir enquanto forma de dominação exercida pelas classes sociais no poder, componentes do bloco-industrial-agrário, sobre as classes subalternas da sociedade brasileira. (TAVARES DOS SANTOS, 1989, p.106).
Garantida a saída “pacífica” para o conflito, os irmãos Atalla efetivaram a compra da
fazenda, tomando posse efetiva da área após a saída de todos os posseiros. Ato
contínuo, os vestígios (roças, casas de pau-a-pique, pomares, etc) foram destruídos.
Como as medidas do INCRA não “beneficiaram” a todos os trabalhadores, sobretudo
aqueles que há poucos anos ocuparam a fazenda, os posseiros que não foram
inseridos nos projetos de colonização viram-se obrigados a moldar outras formas de
trabalho para garantir a sobrevivência de suas famílias.
Negando o processo de exclusão definitivo da terra de trabalho, uma parte das
famílias ocupou “as diversas ilhas existentes no rio Paraná, onde continuaram
produzindo gêneros alimentícios até as enchentes de 1982 e 1983. As que
permaneceram na sede municipal ocuparam lotes urbanos em litígio e tornaram-se
bóias-frias”. (ROSA, 1996, p. 29).
129
2.5 O projeto Adecon: a mutação de bóia-frias em camponeses a serviço do capital.
A conjuntura agrária do município de Querência do Norte no início da década de
1980 era de incertezas e dificuldades para os pequenos produtores rurais, sobretudo
os parceiros, arrendatários e ocupantes, que pouco a pouco eram expulsos de suas
terras, contribuindo para esta situação dois elementos: o alagamento das ilhas
devido o avanço das águas do rio Paraná, além do vencimento ou a negação da
renovação dos contratos de parceria e arrendamento.
Em relação ao segundo caso, o reordenamento nas atividades agropecuárias
implementado pelos fazendeiros na década de 1970 priorizou a expansão da
pecuária de corte e o trabalho com médios e grandes arrendatários que, possuindo
capital para investir em maquinaria e insumos mais modernos, mudaram o perfil
produtivo local das lavouras tradicionais como o café, o amendoim, a mandioca, a
mamona e o milho crioulo e, em parte, o algodão, para lavouras ligadas a circuitos
comerciais e agroindustriais, como o trigo, a soja, o milho, em parte o algodão e,
principalmente, o arroz irrigado na várzea, lavouras cujo desenvolvimento técnico,
financeiro e comercial (insumos, estrutura de comercialização, armazenagem e
comercialização) foram sustentados a partir da ação COPAGRA - Cooperativa
Agrária dos Cafeicultores de Nova Londrina, criada em 1979.
130
0100020003000400050006000700080009000
10000110001200013000140001500016000
Área de
lavo
uras
Café
Algodã
o
Amendo
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caMilh
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Mamon
a
área
em
hec
ates
1977/78 1978/79 1979/80 1980/81 1981/82
Figura 10: Querência do Norte – área ocupada com as principais culturas anuais e perenes.
Fonte: Secretaria de Agricultura do Estado do Paraná. Perfil Regional, Paranavaí 1977 a 1982.
Nesta conjuntura, verificou-se uma aceleração no processo de subsunção real dos
camponeses ao capital, ou seja, perdendo a terra, tornaram-se proletários, mas de
uma forma totalmente precarizada, tendo em vista a tendência de geração de postos
de trabalho temporário em detrimento do trabalho permanente.
131
Tabela 11: Querência do Norte - Utilização de mão-de-obra temporária segundo os meses de trabalho nos anos de 1975, 1980 e 1985.
Mês 1975 1980 1985 Janeiro 143 430 1155 Fevereiro 296 778 3482 Março 477 964 6066 Abril 382 879 2986 Maio 190 383 1070 Junho 128 410 1047 Julho 181 415 1005 Agosto 138 425 993 Setembro 158 512 1353 outubro 129 627 1662 Novembro 105 688 2465 Dezembro 84 912 2167 Número de Informantes 146 168 494
Fonte: IBGE – Censos Agropecuários 1975, 1980 e 1985.
No contexto de crise social, coube ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais do
município pressionar as autoridades locais e estaduais visando a elaboração de
projetos que concretamente gerassem postos de trabalho e renda para os
trabalhadores, priorizando o trabalho permanente, quebrando assim a sazonalidade
do trabalho e o processo de expulsão populacional.
Nas discussões com órgãos públicos, entidades patronais e trabalhistas, produtores
e empresários, fechou-se acordo em torno da proposta de organização de uma
bolsa de arrendamento de terras enquanto alternativa para viabilizar o
desenvolvimento local. Apesar das discussões, os grandes proprietários de terra
pouco fizeram para expandir a presença dos arrendatários camponeses: ao
contrário, preferiam estabelecer relações contratuais com arrendatários capitalistas.
Em 1980 o Banco do Brasil criou o FUNDEC – Fundo de Desenvolvimento
Comunitário para Programas Cooperativos ou Comunitários de Infra-Estruturas
Rurais, no objetivo maior de estimular ações locais para conter o êxodo rural em
municípios com núcleos urbanos situados entre 500 e 5.000 habitantes. No conjunto
das ações passíveis de financiamento, citam-se estímulos às atividades artesanais;
industria caseira rural; obras de infra-estrutura (açudes, estradas rurais, serviços de
132
água, energia, armazenagem); construção, reforma e ampliação de escolas, postos
de saúde e centros comunitários.
Para receber o financiamento, as comunidades interessadas deveriam organizar
uma associação formalmente constituída, sem fins lucrativos, com um quadro social
e administrativo representativo da região ou do município, recaindo uma carga anual
de 5% de juros sobre o empréstimo concedido, além de uma correção monetária de
80% da variação do índice das ORTNs (Obrigações Reajustáveis do Tesouro
Nacional). Na contrapartida, o Governo do Estado se obrigava a incorporar o valor
concedido pelo banco na forma de assistência técnica e os trabalhadores, por sua
vez, o mesmo valor na forma de horas de trabalho na execução das obras
projetadas.
Em 1982, interessados nos recursos do FUNDEC que possivelmente viabilizaria os
projetos discutidos no município para estimular a expansão do mercado de trabalho,
várias reuniões foram feitas envolvendo assessoria da EMATER – Empresa
Assistência Técnica e Extensão Rural, representantes do Banco do Brasil, Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Querência do Norte (STR-QNE), COPAGRA,
proprietários e produtores rurais, cerealistas, comerciantes e políticos
locais/regionais. A partir das discussões desses agentes, redigiu-se um amplo
projeto de desenvolvimento composto por três programas setoriais.
1 - Programa de Apoio à produção e Comercialização, envolvendo:
• Aproveitamento de várzeas;
• Construção de rede elétrica para irrigação de arroz em Porto Jundiá;
• Incorporação de novas áreas ao processo produtivo (5.300 ha de capoeiras)
e instalação de 300 famílias;
• Melhoria do nível técnico das explorações agrícolas;
• Construção de unidades de beneficiamento e armazenagem da produção
agrícola;
• Assistência técnica aos produtores;
• Diversificação de culturas;
• Melhoria na produtividade do rebanho bovino;
133
• Extensão da rede elética na sede do núcleo e distrito de Porto Brasílio.
2 – Programa de Melhoria da Infra-Estrutura Econômica-Social:
• Recuperação de estradas que ligam as comunidades à sede;
• Construção do matadouro municipal;
• Melhoria do equipamento do posto de saúde de Icatú e do hospital da sede,
além da construção de posto de saúde em Porto Brasílio;
• Ampliação e reforma de escolas rurais, aquisição de mobílias e treinamento
de professores leigos;
• Melhoria do sistema de saneamento nos distritos de Icatú e Porto Brasílio;
• Construção do mercado municipal;
• Construção de biblioteca municipal.
3 – Programa de Aperfeiçoamento comunitário e Institucional:
• Implantação de hortas comunitárias e caseiras;
• Construção da Sede da Associação de Desenvolvimento Comunitário;
• Melhoramento da praça municipal;
• Apoio ao artesanato e confecção de bordados;
• Construção de creche, asilo e albergue.
Em 1983, reconhecendo a importância das propostas para o desenvolvimento local,
o Banco do Brasil aprovou recursos do FUNDEC, destinando-os a implementar na
íntegra o projeto supracitado.
Para gestar as verbas destinadas ao projeto e responder pela administração dos
Programas e das ações, foi constituída a Adecon (Associação de Desenvolvimento
Comunitário de Querência do Norte), composta por uma Diretoria, um Conselho
Consultivo e Conselho Fiscal, contanto ainda de um Gerente e dez trabalhadores
assalariados fixos, podendo ainda incluir trabalhadores temporários na época de
safra.
134
Discutindo o “assentamento” produtivo de bóias-frias (terceiro ponto da parte 1 do
projeto), Jorge R. Atalla, a COPAGRA e a Adecon firmaram uma parceria agrícola
abrangendo 484,71 alqueires em parte das terras da fazenda 29 Pontal do Tigre.
Para reger a relação entre o fazendeiro e os futuros camponeses arrendatários, as
partes envolvidas na negociação fundamentaram as seguintes obrigações
contratuais:
• Cada lote tem dimensão de 2 a 2,5 alqueires paulistas;
• A terra destinava-se aos cultivos de milho, soja e algodão;
• A quantia correspondente à renda, fixada na mesma proporção do primeiro
contrato, deverias ser entregue no entreposto da COPAGRA em Querência
do Norte, sem ônus para a Cooperativa no transporte até a usina situada em
Nova Londrina;
• A Adecon podia assinar carta de anuência aos seus
subarrendatários/parceiros, sendo obrigatória a elaboração de projeto
técnico para a viabilidade da lavoura financiada;
• A Associação caucionou nota promissória de sua emissão como garantia do
pagamento da renda;
• Deveria, obrigatoriamente, cultivar a área sob contrato na totalidade, em
qualquer dos anos agrícolas dentro do prazo contratual;
• A Adecon deveria associar-se à COPAGRA, comprometendo-se a associar
seus subarrendatários/parceiros. Somente da COPAGRA os arrendat’arios
poderiam adquirir insumos e entregar a produção agrícola em depósito no
aguardo do preço compensador.
A Adecon divulgou as informações contratuais e organizou uma lista de inscrição
para cadastrar famílias interessadas em participar do projeto. Neste processo, cerca
de 300 famílias preencheram as fichas, respondendo a um questionário
socioeconômico amplo que versava sobre questões como o número de pessoas na
família, seus conhecimentos agrícolas, a posse de ferramentas agrícolas (arado,
pulverizador, semeadeira, além de animais), qual era a experiência de trabalho no
campo (bóia-fria, arrendatário, posseiro, parceiro), além de indicar três pessoas
como referência para confirmar as informações.
135
Para escolher as famílias beneficiadas, constitui-se uma comissão de seleção
municipal, em cuja composição constava membro da Diretoria da Adecon,
representante do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Querência do Norte, dois
representantes das maiores cerealistas do município, representante do Banco do
Brasil e um técnico da ACARPA (Associação de Crédito Rural do Paraná).
No decorrer de seus trabalhos, a comissão priorizou as famílias que contavam com
maior número de componentes, que não possuíam vínculo de propriedade com a
terra e dominavam o cultivo do algodão, além de critérios subjetivos “[...] como bons
antecedentes, aspiração de melhoria na condição de vida, dedicação ao trabalho,
bom comportamento, etc” (ROSA, 1996, p. 97).
Após a seleção inicial e os trâmites legais (associação a Adecon, registro dos
contratos, etc), 78 famílias receberam os lotes prometidos, ocupando juntas 178,46
alqueires de terra dos 484,71 alqueires cedidos por Jorge R. Atalla.
Analisando a origem das famílias beneficiadas, ROSA (1996, p. 99) demonstra que
58% dos novos arrendatários eram bóias-frias, 1% parceiros e 14% posseiros
expulsos das ilhas após as enchentes no rio Paraná. Entre 1983 e 1987, 22 famílias
desistiram ou foram substituídas, chegando o projeto a contar com 89 lotes
ocupados, conforme Figura 11 e Figura 12.
136
Figura 11 – fazenda 29
137
Figura 12- Parte da fazenda 29 pontal do tigre e lotes da Adecon.
138
De maneira geral, o acesso a terra trouxe dignidade para as famílias “assentadas”,
pois até então as mesmas vivenciavam um processo de exclusão e miséria na
periferia da cidade, devido a sazonalidade com que acessavam trabalho e renda.
Nos primeiros anos, após preparar o solo e realizar a colheita do algodão, os
produtores da Adecon contribuíram para a expansão do assalariamento no campo
(ver Tabela 11), colaborando com a geração de renda para bóias-frias do município,
ativando a circulação de mercadorias no comércio local.
Todavia, as peias contratuais impediam um maior desenvolvimento dos
trabalhadores no que toca à gestão do lote e as condições de desenvolvimento e
qualidade de vida no campo (moradia, acesso à escola, água, energia elétrica, etc),
conforme elementos da Figura 13 e Figura 14.
F
igura 12: Família
Figura 13: Família camponesa “assentada” na fazenda 29 Pontal do Tigre. Fonte: Arquivo de fotos da Adecon.
139
Figura 13:
C
a
s Figura 14: Casebre de um “assentado” em meio a uma viçosa plantação de
algodão, cuja produtividade ultrapassava as 700 arrobas por alqueire.
Fonte: Arquivo de fotos da Adecon.
Na esteira do processo de formação da Adecon e dos financiamentos do FUNDEC,
a COPAGRA arrendou dos irmãos Atalla, por um período de desfrute de 5 anos,
outros 1.500 alqueires de terras, sendo 800 alqueires de várzea e 700 alqueires de
vertente, destinados, respectivamente, ao cultivo do arroz, soja algodão, milho, feijão
e trigo.
Através deste contrato, os irmãos Atalla garantiram à cooperativa o direito de sub-
arrendar a qualquer pessoa de seu interesse partes da área arrendada, desde que a
mesma honrasse o pagamento de renda em produto ao fazendeiro, renda esta
estipulada em 15 sacas por alqueire nas áreas cultivadas com soja, milho e arroz,
além de 45 arrobas nas áreas cultivadas com algodão, ficando livres de renda os
cultivos de inverno como o feijão e o trigo.
140
Ademais, os sub-arrendatários ficavam obrigados a preservar as benfeitorias
(cercas, casas, estábulos, etc) encontradas na fazenda, sendo que todo bem imóvel
construído pelos arrendatários, excetuando-se galpões e barracos, não poderiam ser
retirados, ficando o fazendeiro livre de ressarcimento dos mesmos, conforme
explicitou ROSA (1996, p. 94 -95).
Intermediando os processos de arrendamento, a Cooperativa registrou os
interessados na Adecon e deu um grande passo para garantir a seus associados, na
verdade médios e grandes arrendatários, o acesso a terras até então incultas da
fazenda 29 Pontal do Tigre que, a partir da dotação das infra-estruturas planejadas
no projeto Adecon (represas para acúmulo de água, expansão da rede de canais de
irrigação, drenos de várzeas alagadas, estradas de acesso), estariam aptas ao
cultivo do arroz irrigado, beneficiando tanto os arrendatários quanto a própria
cooperativa.
Entre os beneficiados dos arrendamento, destacava-se à época a presença de
comerciantes e proprietários rurais do município de Querência do Norte e Santa
Cruz do Monte Castelo que, ao contrário do ocorrido com os camponeses da
Adecon, não tiveram que passar por nenhuma triagem para serem incluídos no
“esquema”34.
Do processo de formulação até a consecução da Adecon, pode-se afirmar que o
elemento norteador do projeto – o “desenvolvimento” socioeconômico do município e
a inserção produtiva dos bóias-frias, apesar dos impactos inegáveis para a
população envolvida (77 famílias anteriormente excluídas, além da melhoria nos
aparelhos públicos urbanos35), serviu para encobrir os interesses políticos e
financeiros de cidadãos e grupos cuja condição de vida era superior à camada
média da população local alardeada como público alvo do projeto.
34 Informações coletadas em março de 2003 com produtores que participaram como arrendatários na fazenda 29 Pontal do Tigre à época (1986). 35 As estradas, biblioteca, praça pública, posto de saúde no distrito, asilo, albergue.
141
Isto ocorreu porque um dos idealizadores do Projeto, que mais tarde tornou-se
Presidente da Adecon, o senhor José Edegar, aproveitou o impacto do projeto,
consolidou seu nome, candidatou-se e acabou eleito Prefeito municipal.
Noutra ponta do processo, a COPAGRA e as empresas cerealistas36 de Querência
do Norte e Santa Cruz do Monte Castelo, aproveitando o crescimento vertiginoso da
produção agropecuária, investiram na ampliação das unidades processadoras,
novos silos, armazéns, contratando mais funcionários, o que lhes garantiu o
aumento de receitas e sua consolidação no mercado local.
Outra questão importante a ser destacada diz respeito ao impacto das infra-
estruturas implantadas com dinheiro público nas terras de fazendas particulares do
município, possibilitando aos seus proprietários uma supervalorização da
propriedade, além de garantir os meios técnicos para entrar no processo de
produção do arroz irrigado.
Assim, conforme a Figura 15, representando o pátio da sede administrativa da
Adecon, e a Figura 16, focando a colheita do arroz nas várzeas irrigadas, o mote dos
projetos não foi o desenvolvimento sustentado dos camponeses, mas sim dos
agricultores capitalistas.37
36 A expansão da rede de drenagem e de irrigação permitiu que solos incultos de outras fazendas fossem incorporados ao processo produtivo. Não estando obrigados por contrato a comercializar a produção com a COPAGRA, estes produtores direcionaram a produção obtida para as cerealisatas locais e regionais. 37 Visitando a sede da Adecon, várias fotos demonstrando os canais e dutos de irrigação, máquinas colhendo arroz, reuniões entre fazendeiros enfeitam até hoje a sala principal. Escondido num depósito, encontrou-se um book de fotos onde aparecem os camponeses e a miserabilidade de sua
142
Figura 15: Pátio situado atrás da Sede da Adecon onde se vêem
máquinas e implementos estacionados. Fonte: Arquivo de fotos da Adecon.
condição de moradia, ou seja: da “porta pra fora” alardeavam o quadro social do projeto, mas da “porta pra dentro” explicitavam os grandes beneficiados: os agricultores capitalistas.
143
Figura 16: Os agricultores capitalistas foram os grandes beneficiários do Projeto Adecon.
Fonte: Arquivo de fotos da Adecon. Entre todos os agentes envolvidos, sem margem de dúvidas, os maiores
beneficiados foram os irmãos Atalla que, em poucos anos, viram sua fazenda
improdutiva ser altamente valorizada38 pela inserção das infra-estruturas de
irrigação, estradas e melhorias nas condições de solo voltadas para a produção
agrícola.
Dessa forma, durante a vigência dos contratos de arrendamento, os donos da área
amealhariam uma renda anual de cerca de 18.00039 arrobas de algodão dos
pequenos e médios arrendatários, além de 16.50040 sacas da soma da produção de
arroz, soja e milho dos médios e grandes arrendatários, valores superiores ao que
possivelmente seria recebido se continuassem desenvolvendo a criação de gado
bovino, levando-se nesta perspectiva a condição das pastagens e o baixo índice de
investimentos praticado pelos fazendeiros.
Além destes elementos, após o vencimento dos contratos de arrendamento, os
fazendeiros receberiam de volta uma terra “amansada” (destocada e livre de ervas
daninhas) apropriada para o desenvolvimento da agricultura, contrastando – em
muito - com a situação de abandono (presença de tocos, capoeiras, etc) verificada
antes de os arrendatários capitalistas e camponeses trabalharem na área, conforme
a Figura 11, onde estão representados os levantamentos topográficos e geodésicos
elaborados pelos fazendeiros para reconhecer a situação da fazenda e medir os
lotes destinado aos arrendatários, tanto os camponeses como os capitalistas.
38 Desde o ano em que adquiram a área de Tuffy Felício Felício Jorge, os irmão Atalla não haviam realizado nenhum investimento significativo. Antes do projeto da Adecon, a mesma encontrava-se recoberta pelo capim rabo-de-burro, um tipo de pastagem natural de baixa qualidade que mal sustenta 0,3 cabeça de gado por hectare/ano, conforme informações da Emater. 39 Ao preço de 29 de julho de 2003, 9.000 arrobas de algodão representam, a R$ 19,00 reais a arroba, R$ 171.000,00 Reais de renda anual. 40 Ao preço de R$ 22,00 a saca de milho, R$ 30,00 reais a saca do arroz e R$ 35,00 a saca de soja, o fazendeiro poderia amealhar hoje renda situada em torno de R$ 480.000,00 Reais/ano.
144
2.6 Exclusão social e a afirmação do latifúndio.
A colonização e o discurso do desenvolvimento territorial que esta permitiu no
espaço agrário do Norte e Noroeste paranaense encobre tanto a cadeia dominial
ilícita que traduz parte da realidade da posse da terra nestas regiões e em seus
municípios, quanto o jogo de influências motivado pelo capital para viabilizar, através
da intermediação do acesso a terra aos camponeses, a extração da renda fundiária,
base de sua reprodução ampliada.
Nestes empreendimentos, a relação estabelecida entre o agente econômico
(colonizadora) e o colono foi efetivamente comercial: uma aplicando dinheiro na
compra de terras e o outro realizando a extração da renda absoluta da terra. O
grande problema é que nas zonas pioneiras a massa de migrantes traduziu-se tanto
nas pessoas com poder aquisitivo que lhes permitiu ascender à condição de
proprietários rurais quanto àquelas que nada possuíam, o que lhes obrigou a
participar como mão-de-obra, ou ainda, de forma marginal, buscar outras
possibilidades para efetivar o acesso a terra, dentre elas o arrendamento, a parceria,
e a posse, multiplicidade de relações que num mesmo espaço resultou na realidade
da inclusão e da exclusão social dos camponeses.
Atraindo pessoas de áreas tradicionais de expulsão da população camponesa, como
os sulinos e os nordestinos, fatores como origem, condição socioeconômica e a
trajetória dos sujeitos que se instalaram em Querência do Norte nos primórdios da
colonização implicaram numa diferenciação social gritante entre os habitantes, pois,
“[...] enquanto o gaúcho e o catarinense chegavam na expectativa de conquistar o
acesso a terra, na condição de proprietário, o nordestino visava mais ao mercado de
trabalho, procurando emprego junto aos proprietários sulistas. (HARACENKO, 2002,
p. 83).
No final da década de 1950, a colonização de Querência do Norte enquanto
processo de inserção do campesinato entrou em falência. Grande parte dos
145
proprietários que adquiriram terras da BRAPAR, apesar de terem estruturado
propriedades rurais onde desenvolviam a cultura do café mesclada com lavouras de
subsistência, encontraram-se em situação financeira precária para saldar suas
dívidas e para garantir a sobrevivência familiar.
Problemas como a dificuldade de escoar a produção por conta das precárias
condições das estradas, baixa nos preços do café e principalmente as fortes geadas
que destruíam as plantações em 1955 resultaram em sérios prejuízos,
desestruturando a perspectiva de muitos colonos que visavam através da colheita do
café gerar uma renda tal que permitisse o pagamento do financiamento contratado
junto a BRAPAR. Este quadro elementar implicou na venda de muitas propriedades
em um curto período de tempo, fundamentando um acelerado processo de
concentração fundiária, êxodo rural e expulsão populacional para o espaço urbano
local e/ou centros urbanos maiores.
A ascensão das médias e das grandes propriedades, em detrimento das pequenas,
foi acompanhada por uma efetiva reorganização do espaço agrário local para
atividades mais lucrativas e menos dependentes de braços (mão-de-obra) na
realização dos tratos culturais, destacando-se a presença das pastagens, do milho, o
soja e o arroz irrigado. Num segundo plano, a existência (e resistência) de pequenos
proprietários e arrendatários esteve condicionado ao cultivo de lavouras menos
intensivas em insumos e maquinaria, como o algodão, o amendoim, acompanhando
a tendência regional de expansão ou retração dessas culturas.
No final da década de 1960 e começo de 1970, a conjuntura que (se) abateu (sobre)
os pequenos camponeses mudou. Contrariando a lógica capitalista da terra
mercadoria, muitos encontraram na posse a saída para o processo de exclusão,
principalmente aqueles grupos de migrantes nordestinos que vieram para Querência
do Norte no intuito de trabalhar em terras alheias.
O problema é que a reação do capital, conforme o exemplo de Tuffy Felício Jorge,
não tardou em acontecer, freou o processo e desterrou os posseiros. Em outra
frente, a mudança do perfil produtivo demandou mudanças profundas nas relações
146
de trabalho, resultando na expansão dos arrendatários para garantir a exploração da
terra nas grandes propriedades e a lucratividade aos proprietários das mesmas. Tabela - 12: Querência do Norte: Número de estabelecimentos rurais segundo as classes de área.
Estabelecimentos, segundo os Grupos de Área De - 1 a
– de 50 ha De 50 a
- de 500 ha De 500 a
- 10.500 ha
Total
Ano
no % no % no % no % 1960 281 89 % 23 7,3 % 12 3,7 % 316 100 %1970 1.110 94% 48 4 % 29 2,5 % 1.187 100 %1975 531 85 % 53 8,5 % 38 6,1 % 622 100 %1980 419 81% 66 13 % 35 6,7 % 520 100 %1985 754 87 % 80 9,2 % 36 4,2 % 870 100 %1995/96 532 82 % 86 13 % 35 5,3 % 653 100 %Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980,
1985 e 1995/1996.
Tabela – 13: Querência do Norte: Área Ocupada pelos Estabelecimentos Rurais, segundo as Classes de Área.
Área Ocupada pelos Estabelecimentos Rurais De – 1 a
– de 100 ha De 100 a
- de 500 ha De 500 a
- 25.000 ha
Total
Ano no % no % no % no %
1960 6629 8,8 % 5.695 7,5 % 63.327 84 % 75.561 100 %1970 12.503 16 % 12.577 16 % 54.869 69 % 79.949 100 %1975 8.026 9,3 % 12.650 15 % 65.178 76 % 85.854 100 %1980 8.009 11 % 15.005 21 % 49.195 68 % 72.209 100 %1985 13.011 17 % 19.200 34 % 46.335 59 % 78.546 100 %1995/96 10.716 82 % 20.222 28 % 42.550 58 % 73.488 100 %Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980,
1985 e 1995/1996.
Analisando os dados da tabela 12 e tabela 13, percebe-se que em 1960, 12
estabelecimentos recenseados, apesar de representar somente 3,7% do total de
unidades produtivas, dominavam juntos 63.327 hectares, ou 84% das terras
exploradas no município. Assim, podemos inferir que em menos de 5 anos a
colonização de Querência do Norte perdera o seu atributo principal - possibilitar o
acesso dos camponeses a terra agrícola através da pequena propriedade.
Variando entre 2,5% e 6,7% do número de unidades produtivas, na breve historia de
Querência do Norte é o grande estabelecimento agropecuário quem domina a maior
parcela do espaço rural deste município, ocupando - segundo os Censos analisados
- de 58% e 84% das terras do total da área explorada.
147
Subjugado ao potentado territorial dos grandes estabelecimentos, o campesinato
local, sobretudo nos anos 80, valeu-se do arrendamento e da parceria para acessar
a terra agrícola. No caso dos posseiros, o avanço da apropriação comercial cerceou
as terras livres até a década de 1970, mas a resistência praticada no final da década
de 1980 pelos sem-terra, como veremos no Capítulo 3, projetou uma maior
participação deste grupo nos anos 1990, como se pode analisar na Tabelas 14 e
Tabela 15.
Tabela 14 - Querência do Norte: Número de estabelecimentos agropecuários segundo a condição do produtor.
Proprietário Arrendatário Parceiro Ocupante Total Ano No % No % No % No % No %
1960 273 86,4% 6 1,9% 7 2,2% 30 9,5% 316 100%1970 300 25,3% 231 19,5% 9 0,8% 647 54,5% 1.187 100%1975 419 67,4% 20 3,2% 67 10,8% 116 18,6% 622 100%1980 305 58,7% 10 2% 76 14,6% 129 24,8% 520 100%1985 359 41,3% 374 43% 20 2,3% 117 13,4% 870 100%1995/96 311 47,5% 11 1,7% 5 0,8% 326 50% 653 100%
Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995/1996.
Tabela 15 - Querência do Norte: Área pelos estabelecimentos ocupada segundo a
condição do produtor Proprietário Arrendatário Parceiro Ocupante Total Ano No % No % No % No % No %
1960 73.733 97,5% 41 0,05% 124 0,16% 1.753 2,3% 75.561 100%1970 70.543 88,2% 3.049 3,8% 78 0,1% 6.280 7,9% 79.950 100%1975 83.901 97,7% 489 0,6% 986 1,2% 478 0,5% 85.854 100%1980 65.151 90,2% 885 1,20% 4.736 6,6% 1.441 2% 72.213 100%1985 67.545 83,4% 8.227 10,1% 275 3,4% 2.501 3,1% 78.548 100%1995/96 65.293 83,4% 1.497 2% 228 0,3% 6.470 8,9% 73.488 100%Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985 e
1995/1996.
Aprofundando a análise da Tabela 14 e Tabela 15, pode-se afirmar que as relações
estabelecidas entre quem possui a propriedade da terra e quem realiza a
produção apresenta inconstâncias, pois há anos em que o número de
estabelecimentos agropecuários, bem como a área explorada pelos proprietários
aumenta e outros em que ocorre uma retração.
148
Esta dinâmica está relacionada diretamente à maior ou menor participação dos
parceiros e arrendatários (ver o repique do Projeto Adecon nos dados de
arrendatários para o ano de 1985) e, conforme os dados para 1980 e 1995/1996,
dos posseiros na produção e organização de estabelecimentos agropecuários. Nos
dois primeiros casos, afirma-se a relação de recriação camponesa através da
dinâmica gestada pelo capital. Em relação aos posseiros e sem-terras (ocupantes e
assentados foram relacionados no censo 1995/96 como Ocupante), sua existência
enquanto produtores rurais afronta a lógica da terra mercadoria e da propriedade
territorial.
0102030405060708090
100110120130140150160170180190200210220230240250260270280290
1960 1970 1975 1980 1985 1995/96
área
em
hec
tare
s
Proprietário Arrendatário Parceiro Ocupante
Figura 17 – Área média dos estabelecimentos de proprietários, arrendatários, parceiros e ocupantes do municio de Querência do Norte.
Fonte: IBGE - Censo Agrícola 1960 e Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985 e 1995/1996.
Analisando a Figura 17, percebe-se a mudança no perfil do arrendamento e da
parceria. Enquanto nos censos 1960, 1970 e 1975 a área média trabalhada por
arrendatários e parceiros esteve situada entre 3 e 25 hectares, o censo 1980
149
confirma a diminuição dos pequenos arrendatários e o aumento da área explorada
por estes produtores, respectivamente 88,5 ha e 62,32 ha.
Em 1995/96 verifica-se um aumento considerável na área média trabalhada pelos
arrendatários (136,1 ha), realidade relacionada ao menor número de unidades
arrendadas (11) e a presença territorial dos arrendatários capitalistas, envolvidos
principalmente na produção do arroz irrigado, da soja, do trigo e do milho safrinha.
No balanço histórico do acesso a terra, variando de 30 a 647 o número de
estabelecimentos explorados por proprietários, confirma-se a tendência de ser este o
grupo que possui a melhor condição de acesso e explora a maior área média,
situada entre 188,15 ha a 270,08 ha, dependendo do ano censitário analisado,
Ao longo do processo histórico de formação do município de Querência do Norte,
verifica-se que o desenvolvimento de sua economia está atrelado basicamente à
dinâmica do espaço agrário. Mas, enquanto a agricultura camponesa vivencia uma
forte crise, cujos resultados sociais são consideráveis, a agricultura capitalista capital
intensiva dos grãos (soja, trigo, milho e arroz irrigado) e a pecuária extensiva têm
avançado, concentrando a riqueza socialmente produzida. Esta dinâmica provoca
profundas alterações na organização do espaço produtivo e nas relações de
trabalho, desestruturando social e economicamente parcela considerável da
população local, forçando a sua migração para outros espaços.
150
0500
100015002000250030003500400045005000550060006500700075008000850090009500
1000010500110001150012000125001300013500140001450015000
1960 1970 1.980 1.990
Urbana Rural
Figura 18 – Querência do Norte: População total, urbana e rural. Fonte: IBGE – Censo Populacional 1960, 1970, 1980.
Conforme os dados da Figura 18, no período 1960 – 1970 ocorreu aumento
considerável da população rural, pois o número total de habitantes do campo
aumentou de 6.094 para 11.890 habitantes, ou seja, crescimento de 95,1%. Neste
período, a população urbana também apresentou crescimento, passando de 1.432
para 2.342 habitantes, ou 63,64%. A grande diferença é que enquanto o espaço
urbano foi povoado por 910 habitantes, o espaço agrário apresentou aumento
absoluto de 5.796 habitantes.
Ente 1970 e 1980, a população total apresentou decréscimo de 36,31%, baixando
de 14.232 para 9.064 habitantes (menos 5.168 habitantes). Como a população
residente no sítio urbano aumentou de 2.342 para 5.551 habitantes (crescimento de
36,31% ou 3.209 pessoas), a dinâmica verificada no campo pressionou os números
para baixo, com um decréscimo percentual de 70,45% no número de habitantes
(menos 8.377 pessoas).
151
Se no período 1960-1970 a população total (soma da urbana com a rural) cresceu
de 7.512 para 14.232 habitantes, ou seja 89% (6.720 habitantes), no período 1970-
1980 verifica-se uma involução populacional, pois de 14.232 habitantes, restaram no
município somente 9.064 pessoas, um decréscimo de 36% (menos 5.168
habitantes).
Pari passu ao processo de concentração da terra agrícola, ocorreu uma mudança
importante na gestão e na organização do espaço agrário local, sobretudo a partir da
década de 1970, com a espacialização e desenvolvimento da pecuária extensiva,
segundos dados censitários apresentados na Tabela 16.
Tabela 16: Querência do Norte - Diferentes usos do solo agrícola segundo o
percentual da área ocupada e o ano censitário. Percentagem/Ano Usos do Solo
Agrícola 1960 1970 1975 1980 1985 1995/96 Lavouras perenes 7,62 % 4,20 % 1,81 % 1,61 % 0,97 % 0,17 %Lavouras anuais 2,64 % 18,31 % 4,17 % 11,91 % 16,40 % 19,34 %Pastagem 15,82 % 81,69 % 83,84 % 78,56 % 77,78 % 72,56 %Vegetação nativa 73,92 % 1,34 % 10,18 % 7,85 % 4,76 % 7,49 %Reflorestamento 0% 0,007 % 0% 0,07 % 0,09 % 0,44 %Total 100% 100% 1005 100% 1005 100%Fonte: IBGE – Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985, 1995/96.
Complementando esta analise com as informações da Figura 19, percebe-se a
diminuição da área plantada com as lavouras perenes e a tendência de aumento na
área cultivada com lavouras anuais a partir de 1975, além da expressividade da
pastagem enquanto cultura principal, voltada notadamente para a criação de
bovinos.
152
02.5005.0007.500
10.00012.50015.00017.50020.00022.50025.00027.50030.00032.50035.00037.50040.00042.50045.00047.50050.00052.50055.00057.50060.00062.50065.00067.50070.000
1960 1970 1975 1980 1985 1995/1996
área
em
hec
tes
Lavouras perenes Lavouras anuais Pastagem Vegetação nativa Reflorestamento
Figura 19 – Área ocupada pelos diferentes usos da terra em Querência do Norte.
Fonte: IBGE – Censo Agrícola 1960, Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1985.
Apesar da dinâmica de aumento e diminuição da área plantada com lavouras e
pastagens, somente após análise dos dados referentes ao valor da produção
agropecuária constantes na Tabela 17 é que podemos inferir tendências gerais no
desenvolvimento da agricultura no espaço agrário deste município.
Tabela 17: Valor percentual da produção agropecuária do município de
Querência do Norte. Porcentagem /Ano Tipo de Produção
1970 1975 1980 1995/96 Animais de grande porte 39,27% 66,76% 71,39% 44,92%Animais de médio porte 2,72% 1,54% 0,5% 0,38%Animais de pequeno porte 2,65% 1,135 0,49% 1,04%Lavoura perene 0,88% 12,475 10% 0,77%Lavoura temporária 54,47% 18,055 17,38% 52,03%Silvicultura 0% 0% 0,17% 0,01%Horticultura 0% 0,01% 0,01% 0%Extração vegetal 0,01% 0,04% 0,06% 0,82%Fonte: IBGE – Censos Agropecuários 1970, 1975, 1980, 1995/96.
153
Conforme a Tabela 17, o percentual no valor da produção de grandes animais, onde
se destaca a bovinocultura, que representou 39,27% da riqueza produzida no ano de
1970, correspondeu a 66,76% em 1975, 71,39% em 1980 e decaiu para 44,92% no
ano agrícola de 1995/96.
Entremeios, as lavouras temporárias que representaram 54,47 da riqueza produzida
em 1970 decaiu nos períodos seguinte, atingindo 18,05% em 1975, decaiu para
17,38% em 1980 e teve aumento relativo considerável no censo seguinte, chegando
a 52,03% da riqueza agropecuária local, valor puxado, sobretudo, pelo alto valor
comercial da soja, do milho e do arroz irrigado, praticado nas áreas de várzea
beneficiadas pelo Projeto Adecon.
Apesar de recente, como veremos com mais ênfase no Capítulo 4, no período
censitário 1995/96 o aumento da área plantada é um impacto direto da incorporação
de 336 famílias assentadas, cujo processo de organização e luta pela terra serão
explorados no próximo capítulo.
154
FORMAÇÃO, ESPACIALIZAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO DO MST EM QUERÊNCIA DO NORTE E NO
NOROESTE PARANAENSE
155
3 FORMAÇÃO, ESPACIALIZAÇÃO E TERRITORIALIZAÇÃO DO MST EM QUERÊNCIA DO NORTE E NO NOROESTE PARANAENSE.
No período da Ditadura Militar (1964 -1985), os governantes militares que se
alternaram no poder priorizaram o desenvolvimento do capitalismo no campo,
acirrando a questão agrária brasileira a partir de mudanças estruturais na questão
agrícola (mudança na base técnica da produção, desenvolvimento da agricultura
capitalista - amparada em políticas de crédito, retração da agricultura camponesa, o
avanço das agroindústrias processadoras, o cultivo de produtos voltados à
exportação, etc) e fundiária (políticas de colonização em áreas de fronteira agrícola
vinculada a capitais urbano-industriais nacionais e internacionais, aceleração do
processo de concentração da terra).
Apesar da desestruturação provocada pela repressão coordenada pelo regime,
durante as décadas de 1960 e 1980, os trabalhadores rurais tornaram a se organizar
e, participando em movimentos sociais apoiados por partidos e instituições
(destaque para a igreja católica e luterana), tornaram-se importante força política
visando a reforma agrária e a retomada na democracia política no País.
A gênese da luta pela terra em Querência do Norte deriva deste contexto de
ebulição social, quando grupos (des)organizados de sem-terra estruturados em
outros contextos sócioterritoriais, sobretudo do Oeste e Sudoeste paranaense -
berço de formação do MASTRO (Movimento Sem Terra do Oeste) e tantos outros
movimentos que, unidos, fundaram o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra), deslocaram para este município em busca da realização do sonho da
terra.
Inicialmente (1988), o foco de tensão foi a fazenda 29 Pontal do Tigre, cuja história
de grilagem, expulsão de camponeses e projetos contraditórios de desenvolvimento
abordamos nos capítulos anteriores. Após vincularem-se ao MST, no ano de 1995
336 famílias conquistaram assentamento nesta área e, conjugando esforços, vem
desde então coordenando o processo de espacialização do MST em fazendas do
município e da região.
156
Apesar da reação do capital (perseguição a lideranças, assassinatos, despejos
violentos, etc), que muitas vezes interage com o aparelho de Estado (violência
policial, atos jurídicos contestáveis, grampos telefônicos, etc), o MST vem
conquistando sua territorialização em vários projetos de assentamento, contribuindo
para a reinserção do campesinato definitivamente na terra de trabalho. Através de
discussões teóricas, entrevistas, documentos, artigos de jornal e material
cartográfico, o presente capítulo aborda estas e outras questões.
3.1 Movimentos sociais no campo brasileiro. Após o Golpe Militar de 1964, o novo regime atuou para frear as lutas no campo.
Praticando o assassinato de lideranças (GRZYBOWSKI, 1987), o cerceamento de
direitos fundamentais como o trabalhista, o de propriedade, o de ir e vir, a liberdade
de expressão, enfim, “direitos civis que são lugares-comuns em outras sociedades”
(MARTINS, 1984, p. 88), em menos de 10 anos os militares destruíram as
experiências de lutas do campesinato e dos assalariados rurais41, no momento
histórico em estas se encontravam no auge do seu desenvolvimento político e social,
proibindo a participação ativa do conjunto de trabalhadores na tomada de decisões
sobre o contexto político, econômico e social.
Em seu projeto para o campo brasileiro, os militares primaram pela expansão de um
modelo de exploração agrícola e padrão de acumulação renovado em relação
àqueles verificados nas décadas anteriores, re-estruturando os elementos fundiários
e agrícolas que compunha a questão agrária brasileira até o início da década de
196042.
Modernizando a agricultura brasileira (GRAZIANO DA SILVA, 1982), desenvolvendo
circuitos produtivos ligados a agroindústrias processadoras (KAGEYAMA et al, 1990)
e acelerando a expansão da fronteira agrícola para os cerrados e Amazônia Legal
41 Sobretudo as ULTABs e as Ligas Camponesas, em cujo lugar o Estado condicionou o surgimento de centenas de sindicatos “pelegos”. 42 Para se compreender as especificidades do agro brasileiro neste período, é salutar a análise dos trabalhos de PRADO JÚNIOR (1979) e GUIMARÃES (1977).
157
(OLIVEIRA, 1991; MARTINS, 1988; MARTINS, 1988) – neste caso, favorecendo
grupos urbanos industriais mais interessados na especulação fundiária do que
propriamente a produção agropecuária - o Estado impactou negativamente na
possibilidade de sustentação e inserção social de parcela considerável do
campesinato brasileiro, acelerando a expropriação da terra de trabalho,
subordinando o processo de trabalho à ação do capital comercial, financeiro e
industrial, o que impulsionou o crescimento da população urbana pelo
“assentamento” dos sem-terra nas periferias das cidades (BENJAMIN, 1998, p. 84).
Desse modo, o desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro priorizou o
aumento da área plantada e/ou da produtividade de alguns produtos (soja, cana-de-
açúcar, laranja, etc), a integração entre os capitais industrial-agrário-comercial-
financeiro e a expansão das grandes propriedades, em detrimento do
desenvolvimento socioeconômico de parcela considerável da população do campo e
da cidade envolvidos nas atividades agro-produtivas.
Desafiando a repressão, a partir da segunda metade da década de 1970
“pipocaram” em vários pontos do território nacional uma variedade de manifestações
de insubordinação (greves de bóias-frias, ocupação de terras, manifestações de
atingidos por barragens, contestações dos preços recebidos pelos produtores
integrados, conflitos envolvendo posseiros, etc) contra o regime militar e contra os
processos anteriormente descritos, demonstrando a insatisfação social frente à
realidade vivida.
Trazendo em seu seio o caráter anárquico, anti-institucional e contestador do status
quo, as manifestações sociais (re)surgidas no campo enfrentaram o aparelho de
coerção do Estado (polícia, Poder Judiciário, Exército) e do capital (jagunços),
lutaram contra a subordinação econômica (preço dos produtos), física (tempo de
trabalho), territorial (grilagem) e trabalhista (valor dos salários, diárias, condições
contratuais de parceria e arrendamento), exercido pelas industrias processadoras,
pelos fazendeiros e grileiros.
158
Contra as várias faces da exploração social, os trabalhadores dinamizaram a sua
consciência crítica acerca dos problemas inerentes à realidade, lutando para a sua
transformação. Neste processo, os trabalhadores do campo moldaram agentes
mediadores, pautaram a negociação política com o Estado, patrões e empresas
processadores, enfim, retomaram, criaram e projetaram diferenciadas experiências
de luta, colocando-se na berlinda sóciopolítica enquanto sujeitos de suas histórias,
criticando a situação de exclusão e fortalecendo a perspectiva da re-inserção social
e da cidadania através da participação ativa.
É justamente aí que está o núcleo da questão popular, da participação democrática, suas possibilidades e limites. Se, de um lado, as classes dominantes têm demonstrado uma ampla capacidade de se aliarem e de estabelecer o cerco político das classes trabalhadoras, a possibilidade de que este cerco continue está no limite. É que o cerco se tornou anacrônico e incompetente porque é, justamente, no espaço político da falta de legitimidade de governos e alianças por ele mesmo criada, que os excluídos e marginalizados do processo político organizaram e fazem crescer os movimentos populares. Esse desencontro nem é circunstancial nem conjuntural – ele é estrutural. (MARTINS, 1988, p. 38).
Ao teorizar sobre a gênese e “metamorfose” dos movimentos sociais, GHON (1997)
evidencia que esta forma de organização da sociedade civil nasce a partir da
situação de carências; seus participantes possuem um conjunto de idéias, metas e
valores a atingir; possuem um número reduzido de pessoas (lideranças e
assessorias) que formulam as demandas através das quais são aglutinadas mais e
mais participantes que, no conjunto, as transforma em reivindicações; formulam
estratégias de pressão e luta; utilizam amplamente as práticas coletivas
(assembléias, reuniões e atos públicos), apoiados ou não por meios de difusão
massiva, como jornais, teatro, rádios comunitárias; encaminham as reivindicações e
negociam com intermediários e interlocutores. Considerando que estes elementos
podem estar ou não presentes e ocorrem não necessariamente nesta ordem,
dependendo da organicidade e os objetivos do grupo social ativo, pode ocorrer sua
consolidação, institucionalização, a aglutinação de dois ou mais movimentos em um
só, e até mesmo o fim dos movimentos sociais pela conquista ou não de suas
reivindicações.
159
Participando desta discussão, GRZYBOWSKI (1987) aponta que, através de um
amplo processo de socialização política em movimento, onde se vivencia uma
espécie de pedagogia político-educativa, os trabalhadores almejam a cidadania
colocando-se enquanto classe e cidadãos nas relações com a sociedade, o poder
econômico e o Estado.
Enquanto espaços de socialização política, os movimentos permitem aos trabalhadores, em primeiro lugar, o aprendizado prático de como se unir, organizar, participar, negociar e lutar; em segundo lugar, a elaboração da identidade social, a consciência de seus interesses, direitos e reivindicações; finalmente a apreensão crítica de seu mundo, de suas práticas e representações, sociais e culturais. (GRZYBOWSK, 1987, p. 59 – 60)
Reconhecendo que a situação de miséria no campo de per si não gera o
reconhecimento do direito dos excluídos, SCHERER-WARREN (1993) acrescenta
ao pensamento de GRZYBOWSKI (1987) outras duas categorias: o reconhecimento
coletivo de um direito e a formação de identidades.
A primeira trata da importância da ação coletiva para a discussão, a geração e a luta
por demandas, bem como as instituições responsáveis pela sua ausência, sobretudo
o Estado. A segunda está ligada ao nível de discussão política e a participação ativa
das pessoas, bem como a importância de agentes externos – os mediadores, que
assessoram os movimentos sociais, com destaque histórico para os agentes
pastorais influenciados pela Teoria da Libertação43, que pregavam não só a
consciência do direito a ter direito, mas o direito e o dever de lutar e de participar no
seu próprio destino, além da importância da construção de um projeto de
transformação pleno da sociedade, visando uma heterotopia onde as relações
43 Discutida inicialmente na II Conferência Episcopal Latino-Americana de Medelím, Colômbia (1968) e formalizada em 1979 na Conferência ocorrida em Puebla (México), a Teologia da Libertação incorporou em sua raiz doutrinária elementos do marxismo (categorias histórico-científicas) conjugando-o com as práticas metafísicas teológicas da Igreja para responder de forma crítica e participativa aos problemas da realidade político sociais vivenciados pelas pastorais em suas comunidades, condenando o capitalismo enquanto sistema pela geração crescente da miséria e concentrada da riqueza. No acontecer destas mudanças, difundiram-se as CEBs – Comunidades Eclesiais de Base, onde se realizavam as discussões sociais, surgindo também importantes pastorais voltadas para as causas operárias, da juventude rural e para a discussão da questão agrária, como a CPT – Comissão Pastoral da Terra, criada em 1975 na cidade de Goiânia – GO.
160
comunitárias e societárias ocorram de forma totalmente diferenciadas das
vivenciadas no cotidiano de exclusão, onde a conquista da cidadania fosse integral,
abordando as relações políticas, de gênero, a diversidade cultural, etc.
Em seu entendimento, SCHERER-WARREN (1993), esclarece ainda que quando
estas categorias não estão presentes ou o movimento social conquistou as
reivindicações que norteou o processo de luta, há a tendência de se encerrar a luta
e o próprio movimento social.
Devido à ebulição social processada pela emergência dos movimentos sociais e, de
certa forma, dos partidos, o comportamento de setores da classe dominante, desde
então, tem sido o de pressionar o Estado para frear as lutas ou mesmo resolver o
problema a partir da sua ação política e econômica. Colocando para a sociedade o
“perigo” das organizações populares, tais agentes têm usado e abusado dos
recursos da mídia, a violência dos jagunços, milícias armadas, a organização de
movimentos reacionários de extrema direita (UDR44 – União Democrática Ruralista e
PCR45 – Primeiro Comando Rural; esquadrões da morte que assassinam meninos
de rua nas cidades), a pressão sobre os Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo,
entre outras ações, articulando a contraposição de forças no sentido de frear as
práticas populares.
Em relação aos movimentos camponeses, a reboque da dinâmica social age o
Estado, institucionalizando os conflitos, mas sua ação tem ocorrido de maneira
ambígua, pois os instrumentos políticos gestados (criação de Leis, órgãos públicos,
projetos e um conjunto de ações) tem servido tanto para massacrar os movimentos
sociais quanto para atenuar as situações-problema por eles invocadas.
44 Em 1986, o Presidente José Sarney promulgou o PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária, um dos compromissos assumidos pelo seu antecessor (Tancredo Neves - morreu antes de tomar posse) junto aos movimentos sociais e entidades do campo. Preocupados, os fazendeiros criaram a UDR e passaram a fazer doações e leilões para levantar dinheiro para financiar políticos voltados aos seus interesses durante os pleitos eleitorais que redundaria na Assembléia Constituinte de 1988. Nesta, o grupo de apoio unido pelo lobbie dos fazendeiros ficou conhecido como “Bancada Ruralista”, famoso pela defesa dos interesses das classes patronais e oligárquicas do campo brasileiro. 45 O PCR surgiu em 2003 no sul do estado do Paraná, em alusão ao chamado PCC – Primeiro Comando da Capital, uma organização criminosa capitaneada por bandidos paulistanos. Atualmente,
161
No campo, é este o viés político por traz das ações do Estado contra os
trabalhadores, bem como “a favor” deles (projetos de assentamentos rurais
implementados nos municípios onde ocorrem ocupações de terras, os programas de
crédito e de educação muitas vezes ineficientes, as Secretarias, autarquias e
Institutos voltados para o trato com os problemas fundiários).
No geral, por mais que as respostas do Estado beneficiem de maneira imediata os
trabalhadores, garantindo a terra de trabalho, por exemplo, estas ações não atacam
a questão agrária na sua estrutura basilar, ou seja, a questão fundiária e agrícola.
Na verdade, grande parte das políticas voltadas pra o que erroneamente se nomeia
“reforma agrária brasileira” tem condicionado o arrefecimento e a criminalização das
lutas, sobretudo via expansão de projetos de assentamentos em terras com falta de
infra-estrutura, inférteis, distantes do mercado consumidor e que sem a perspectiva
de desenvolvimento asseveram ainda mais a crise social, o Banco da Terra que
desloca para os terratenentes mediar o acesso a terra através da “reforma agrária
liberal”, o sucateamento e a desorganização dos Institutos de Terra e do INCRA ou
mesmo as Medida Provisória 1.577/97 que impede vistorias em área ocupadas e
emperra a desapropriação fundiária.
com representações em todas as regiões do Paraná, o PCR coordenou vários conflitos contra sem-terra e assassinato de lideranças, colocando o Estado na berlinda da violência no campo.
162
3.2 Gênese dos movimentos de luta pela terra no Paraná e sua contribuição para o desenvolvimento do MST no Brasil.
A partir das análises dos Censos Agropecuários do IBGE para o ano de 1970 e
1980, MARTINE E GARCIA (1987) apontam que neste período o processo de
concentração fundiária, a mudança do perfil produtivo agropecuário com a
introdução do binômio soja/trigo, a diminuição da área cultivada com o café e o
avanço da modernização agrícola via introdução da maquinaria, influenciaram para
que no espaço agrário paranaense 110.290 estabelecimentos agropecuários
desaparecessem. Destes, 109.600 possuíam área inferior a 50 hectares, sendo
15.250 administrados por proprietários, 26.798 por arrendatários, 59.969 por
parceiros e 7.583 por ocupantes, números que dimensionam a desagregação do
campesinato no espaço agrário paranaense.
Analisando esta questão, GRAZIANO DA SILVA (1982) afirma que devemos
entender a modernização da agricultura como parcial, conservadora, e dolorosa.
Parcial porque se limitou a algumas regiões do país, a alguns produtos específicos e
a certas fases da organização da produção. Conservadora porque não rompeu com
a tradicional concentração fundiária da posse da terra. Dolorosa porque concorreu
para espoliar no campo milhares de pessoas ligadas às atividades agropecuárias,
acentuando o êxodo rural e a miséria.
A crise social no campo paranaense, afora a questão da concentração fundiária,
redundou na expulsão de um contingente 1.258.857 habitantes da zona rural para os
centros urbanos paranaenses (MARTINE e GARCIA, 1987), onde passaram a se
proletarizar, e para outros estados da Federação, especialmente Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul e Rondônia, onde os trabalhadores emigrados procuraram reconstruir
a condição de camponês, ocupando terras livres ou participando em projetos de
colonização nas áreas de fronteira agrícola destes estados, sobretudo porque no
Paraná esta possibilidade já não era possível.
163
Afora o desencadeamento de amplos processos configurando a crise social no agro
paranaense, neste mesmo período, as iniciativas pontuais de trabalhadores rurais
que conheciam sobre si a realidade da exclusão da terra permitiram elementos
centrais para aglutiná-los politicamente visando criar ações políticas para
contraposição de forças contra a situação problema e, a partir de suas experiências
e de seu exemplo, outras foram formuladas, redimensionadas, massificadas e
projetadas no tempo histórico até a atualidade através de movimentos sociais
complexos como o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Os primeiros movimentos de luta pela terra organizados no Paraná surgiram
vinculados à crise provocada pela construção de hidrelétricas no território do Estado
no final dos anos 1970. Uma destas obras de infra-estrutura - a usina de Salto
Santiago, demandou a formação de um lago que desalojou 170 famílias ribeirinhas
dos municípios de Laranjeiras do Sul, Coronel Vivida, Mangueirinha e Chopinzinho.
Devido à falta de organização dos produtores rurais, a Eletrosul, empresa estatal
responsável pelas obras, negociou as indenizações de terras em valores abaixo
daqueles praticados no mercado regional, impedindo ou dificultando a possibilidade
dos produtores comprarem propriedade com área à que seria atingida.
Temendo no futuro serem impactados com a mesma violência e autoritarismo que
desterreou as famílias do entorno do lago de Salto Santiago, os ribeirinhos dos rios
Paraná e Iguaçu, prioritários para implantação de novas centrais hidrelétricas na
época, passaram a discutir o que fazer para se contrapor à iminente exclusão
territorial e para frear a construção de novas centrais energéticas, sobretudo a Itaipu,
mega-hidrelétrica que atingiria cerca de 3.000 famílias.
Inicialmente, as comissões organizadas pelos ribeirinhos tentaram negociar com a
Eletrosul a melhoria no valor nas indenizações, o que lhes garantiria o retorno à terra
de trabalho enquanto proprietários. Respaldados no poder centralizador e autoritário
do Governo Federal, os administradores da Empresa negaram-se a aceitar as
reivindicações dos trabalhadores, fechando os canais de negociações.
164
Inconformados com a atitude do Estado, os ribeirinhos organizaram o movimento
“Justiça e Terra”, acrescentando ao processo de negociação o ato político dos
acampamentos de lona preta, escancarando para a sociedade a previsível situação
de exclusão.
Entre 14 e 31 de julho de 1980 (SERRA, 1991) mil famílias organizaram
acampamento defronte o escritório da Itaipú situado no município de Santa Helena.
Um ano após, o dobro de famílias participou no acampamento de 57 dias no trevo
de acesso ao Centro Executivo da Itaipu binacional em Foz do Iguaçu.
Em suas assembléias, que contavam com a participação de agentes da CPT, de
partidos de esquerda, da Federação de Trabalhadores na Agricultura do Paraná
(FETAP), os agricultores decidiram que a luta englobaria indenizações mais justas,
reassentamento das famílias expulsas pelas águas da barragem no Estado do
Paraná e nas regiões de origem, terra para parceiros, agregados e posseiros,
indenização das estruturas comerciais, entre outros aspectos.
Somente em 1981 a Diretoria da Itaipu cedeu às pressões dos agricultores e aceitou
aumentar o valor das indenizações por hectare, com um gatilho para evitar a
desvalorização durante o processo de tramitação do desalojo, garantindo ainda o
pagamento de metade do valor das terras aos não proprietários (posseiros,
arrendatários e meeiros), bem como das benfeitorias construídas. “Além disso, os
agricultores conseguiram dois assentamentos no Paraná – em Arapoti (para 40
famílias) e Toledo (para 20 famílias)” (FERREIRA, 1987, p. 22).
Discorrendo sobre a experiência dessas lutas, cujas mobilizações e negociações se
estenderam por cerca de quatro anos, SERRA (1991) aponta que “[...] pode-se dizer
sem medo de errar que Itaipu foi o laboratório para as primeiras aulas práticas que
levaram ao aprendizado da mobilização camponesa, nos períodos mais recentes”
(SERRA, 1991, p. 297).
165
De fato, levas de posseiros, arrendatários, bóias-frias e outros trabalhadores rurais
paranaenses excluídos ou em situação de miséria se uniram a militantes
progressistas das Igrejas Católica, Luterana e Sindicatos Rurais, bem como agentes
mediadores como políticos de direita e esquerda, líderes populares carismáticos e,
conscientes das conquistas dos atingidos pela hidrelétrica de Itaipu, tais
trabalhadores organizaram novos movimentos vislumbrando a conquista da terra,
tornando-se agentes políticos ativos, o que lhes permitiu pesar e interferir
politicamente na dinâmica da sociedade.
Em 1981 foi organizado o MASTRO (Movimento Sem-Terra do Oeste do Paraná),
que utilizou as mesmas estratégias dos ribeirinhos de Salto Santiago para pressionar
os gestores da Itaipu. Cadastrando cerca de seis mil famílias em vários municípios
do Oeste, os Sem Terra abriram frentes de negociação com o INCRA exigindo o
assentamento imediato de seus militantes. Na contrapartida, o Instituto ofereceu a
transferência de parte das famílias para os projetos de colonização situados na
Amazônia Legal.
Como vários camponeses que anos antes haviam se inserido nestes projetos
desistiram e estavam voltando para o Paraná ainda mais pobres do que quando
emigraram, a organização refutou as propostas do INCRA, exigindo assentamentos
no território do Estado do Paraná. Um ano após o reconhecimento político de suas
reivindicações junto aos órgãos do Estado, os camponeses do MASTRO
conseguiram a criação dos primeiros assentamentos rurais no Paraná.
Como conseqüência surgem, neste mesmo ano de 1982 os seguintes novos movimentos de sem-terra: MASTES – Movimento dos Agricultores Sem Terra do Sudoeste do Paraná; MASTEL - Movimento dos Agricultores Sem Terra do Litoral do Paraná; MASTEN – Movimento dos Agricultores Sem Terra do Norte do Paraná; MASTRECO – Movimento dos Agricultores Sem Terra do Centro-Oeste do Paraná”. (SERRA, 1991, p. 299).
Em junho de 1982, lideranças provenientes de várias localidades do País se
reuniram em Medianeira, Sudoeste paranaense, para discutir temas políticos, a
realidade da luta nas localidades de origem e trocar experiências. Um ano depois,
166
novo encontro aconteceu na cidade catarinense de Chapecó. Em 1984, na cidade
de Cascavel, como diretriz fundamental os movimentos participantes interligaram
suas discussões e ações a um comando central, redimensionado a dinâmica de
lutas que se consolidava em vários rincões pelo País.
Compreendendo a necessidade de amalgamar as variadas frentes de luta
organizadas sob uma só bandeira de lutas e uma coordenação nacional, nasceu a
principal organização da luta camponesa estruturada no Brasil: o MST – Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Apesar do avanço na constituição desta
organização, espalhados pelo território paranaense contabilizavam-se à época
(1984) uma série de movimentos sociais circunscritos a dezenas de municípios no
interior do Estado, possuindo as mais variadas tendências políticas e organizativas.
Ao formular o MST, os camponeses definiram as melhores táticas e estratégias para
a ação, não mais vinculada somente à conquista de assentamentos rurais, mas
visando a realização da Reforma Agrária. Organizados nacionalmente, os
camponeses do MST redefiniram e criaram diferentes formas de luta pela terra
(acampamentos, marchas, discussões em grupos, etc) e, a partir da conquista dos
espaços de cidadania - os assentamentos rurais (trunfos da luta e lugar de
reprodução da família campesina), tornaram-se também agentes no
desenvolvimento de meios necessários para ampliar a luta pela terra em luta por
outros direitos: educação, política agrícola, saúde, etc, construindo as condições
para conquistá-los nos municípios e regiões onde o Movimento atua.
167
3.3 A luta pela terra em Querência do Norte: diferenciação política e social entre os sem-terra.
Em 1984, vislumbrando as conquistas dos atingidos por barragens, o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de São Miguel do Iguaçu (co-participante da estruturação do
MASTRO) iniciou uma série de trabalhos de base nos municípios da região Oeste e
Sudoeste paranaense.
O público alvo destas ações foram os (ex) arrendatários, (ex) posseiros, filhos de
pequenos proprietários que moravam como agregados nas terras dos pais sem
perspectiva de possuir a sua propriedade através de compra ou herança, ex-
proprietários rurais, famílias que seriam desalojadas pelas barragens (ribeirinhos e
ilhéus), bóias-frias e até trabalhadores urbanos, para ingressar na luta pela terra,
conscientização política que resultou em cerca de 100 famílias organizadas, cujo
primeiro desafio foi o acampamento nas areias que margeiam o lago da hidrelétrica
de Itaipu na cidade de São Miguel do Iguaçu.
As reuniões realizadas nos trabalhos de base são espaços geradores de sujeitos construindo suas próprias existências. Essas reuniões podem durar um, três, seis meses ou até anos, dependendo da conjuntura. Podem envolver um município, vários municípios de uma microrregião, vários municípios de várias microrregiões, ou até mais de um estado em áreas de fronteira. Nos anos da ditadura, essas reuniões precisava ser feitas com bastante sigilo por causa da repressão. Com a territorialização da luta e o aumento da participação das famílias, estas reuniões se multiplicaram, deixando de ser reuniões com dezenas para contar com centenas de famílias. (Fernandes, 2000 p. 284).
Paralelamente, no decorrer de seis meses de acampamento na “praia” de Itaipu,
novos grupos de sem-terra foram organizados nos municípios de Matelândia, São
Miguel do Iguaçu, Catanduva, Guaraniaçú, Santa Tereza, Foz do Iguaçu,
Medianeira, entre outras localidades, socialização política feita por militantes do
MASTRO, políticos locais, Sindicatos Rurais e pessoas dessas comunidades,
resultando em vários acampamentos localizados em beiras das estradas e áreas
públicas cedidas pelas prefeituras municipais.
168
Expondo sua participação num destes movimentos, o agricultor Delfino José Becker
aponta que o seu grupo de sem-terra
[...] era um movimento espontâneo [...]. Fazia umas conversas com o Mastro, mas [...] uma espécie de “chefe”, Fredolino. [...] Juntou 800 família numa vilinha lá, chamada Vila Góes. Então ele ganhava dinheiro fácil, porque ele estabelecia uma mensalidade, o pessoal trabalhava durante o dia colhendo feijão e pagava, tipo hoje, um terço da diária, né? Uns três real. Se ganhasse dez, pagava três pro acampamento. E isso era dinheiro pra ele. [...] Vinha até Cascavel, dava umas telefonada pra Curitiba, e a noite, final de semana enrolava nóis. Falava “Não, nóis não tamo no Movimento, mas vamo fazer a coisa mais bonita, já conversei com o Bispo, e tal. Vamo fazer tipo uma romaria, então ele fazia uma oratória muito bonita, mas na verdade não assentou nem uma família[...] (Entrevista concedida em novembro de 2002).
Nesta fala, percebe-se o caráter centralizador do agente mediador (Fredolino), as
influências da Igreja católica na montagem do discurso e da prática política, além da
insistência da liderança em preservar o “seu” movimento das influências do
MASTRO, o que lhe retiraria poder político e, até certo ponto, econômico.
Possuindo a informação da localização e quais as fazendas o INCRA havia
vistoriado e impetrado ações de desapropriação nos municípios de Guarapuava,
Mangueirinha, São Miguel do Iguaçu, Laranjeiras do Sul, Morretes e Medianeira para
assentar os futuros atingidos pela barragem de Itaipu, os movimentos sociais se
mobilizaram para ocupar tais fazendas e incluir no processo de assentamentos
aquelas famílias que encontravam-se em estado de exclusão parcial ou total,
vinculadas ou não ao problema das barragens. (SERRA, 1990, p. 302).
Mesclando famílias destas frentes de luta, em 1985 ocorreu a ocupação de duas
fazendas declaradas áreas de interesse para desapropriação fundiária: a fazenda
Mineira46 (1.032 hectares) situada entre São Miguel do Iguaçu e Medianeira, e a
Fazenda Padroeira (1.019 hectares) localizada em Matelândia, onde
respectivamente, os sem-terra organizaram dois grandes acampamentos com cerca
de 1.000 famílias cada um.
169
Expondo as táticas e estratégias de luta nas terras da fazenda Padroeira, o
agricultor Alexandre Anghinoni esclarece que
[...] a fazenda Padroeira, nós ficamos lá por um ano quase dois anos. Aí por várias vezes tivemos que fazer [...] mudanças dentro da própria área, por que a área era distribuída em arrendamentos né, e eram vários os donos desses arrendamentos, e aí a gente ocupava um latifúndio, um arrendamento, e entrava na justiça, conseguia a reintegração de posse, e nós mudamos pro Trento I, depois [...] mudamos pro arrendatário Trento II, e em terceiro último [...]nós [...] mudamos pruma área que era considerada do Estado né, os 1.019. (Entrevista concedida em novembro de 2002).
Em 1985, no extremo Sudoeste paranaense, influenciados pelo discurso de
personalidades políticas locais/regionais como o Deputado Caíto Quintana e o
prefeito Edgar Paulo, cerca de 400 famílias participaram na formação da Associação
dos Sem Terra no município de Capanema, cuja liderança era o agente mediador
Francisco da Silva, popularmente conhecido como “Chiquinho”.
Em sua estratégia de ação, os políticos e o coordenador deste grupo de sem terra
atraíam participantes informando que para conquistar a terra não seria necessário
ocupar fazendas, mas sim participar de uma série de reuniões com o Instituto de
Terras Cartografia e Florestas do Paraná e o INCRA e, após aguardar a
desapropriação de fazendas, as famílias participantes da Associação seriam
“pacificamente” assentadas. Nestes termos, este grupo entendia a propriedade da
terra como um direito intocável, colocando-se ideológica e politicamente contra as
ações do MST e de outros movimentos sociais que utilizavam o expediente da
ocupação de fazendas para conquistar o assentamento de seus militantes.
Neste mesmo ano, no contexto da região Noroeste paranaense, cerca de 80 famílias
de trabalhadores rurais (bóias-frias) de Amaporã, influenciados pela ação do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais, organizaram-se e montaram acampamento no
trevo rodoviário entre Piracema e Mandiocaba, distritos de Paranavaí.
46 Segundo BECKER (2003) e GOMES (2002), na fazenda Padroeira encontravam-se acampadas famílias provenientes de 22 municípios das regiões Oeste e Sudoeste do Paraná, além de brasiguaios.
170
Num contexto de lutas em que as principais ações e organizações estavam
massificadas no Oeste e Sudoeste do Estado, de início este grupo sofreu um
desgaste no apoio político recebido pelo STR e uma negativa do MST em dar-lhe o
apoio político requisitado. Discorrendo sobre estes contratempos, BRANDÃO (2003)
aponta que
Os presidentes dos sindicatos entendiam que o fato de os bóias-frias acamparem na beira da estrada resultaria em assentamento. Como não aconteceu o assentamento na forma esperada, os sem-terra começaram a cobrá-los e o resultado foi a ruptura com os presidentes dos sindicatos. [...] na época, tentaram integrar-se ao MST do Paraná, mas a coordenação estadual não acreditou no grupo. (BRANDÃO, 2003, p. 75).
Recebendo o apoio da CPT e outros agentes mediadores ligados à Igreja que
intercederam no processo de luta, estes sem-terra alcançaram uma unidade de
grupo, uma consistência ideológica e uma prática política47 que lhes permitiu resistir
às adversidades e desenvolver suas práticas de luta.
A ebulição social desencadeada no campo paranaense exigiu articulação cada vez
maior dos mediadores e assessores. Nesta perspectiva, os Sindicatos dos
Trabalhadores Rurais localizados em vários municípios do Paraná desempenharam
um papel fundamental tanto no processo de luta quanto na pressão institucional
junto ao Poder Público.
Em 1985, apesar de ter co-participado no contraditório projeto da Adecon48, o STR
de Querência do Norte enviou ofícios ao Secretário da Agricultura do Paraná,
declarando os notórios problemas fundiários que recaíam sobre parte das
“propriedades” localizadas neste município, vislumbrando, a partir de orientações
recebidas da Confederação paranaense, a realização de assentamentos no
47 Entre 1985 e 1987, as famílias acamparam duas outras vezes no entorno das rodovias da região e ocuparam uma área pública, de onde foram despejadas. 48 Vide o Capítulo II do presente trabalho.
171
município. Segundo o Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Querência do Norte, senhor Eufrásio Soares de Souza, naquela época
[...] nós do Sindicato levantamos, fizemos um expediente para o Secretário de Agricultura da época [...] e ele achou viável e enviou um pessoal do Incra para fazer inspeção das áreas [...]. E fizeram inspeção da Pontal, da, daquela outra que está dentro da área da 29 também, que é do Tuffy Felício Jorge, né, era na época que hoje já não é mais, a Florão, e aqui do outro lado na gleba 27 e 27-A, foi levantado também a fazenda Todos os Santos e a Porangaba II [...] (Entrevista concedida em março de 2003).
Entre 1985 e 1986, o INCRA efetivou desapropriações de fazendas nos municípios
de Castro, Reserva, Chopinzinho, Telêmaco Borba, Mangueirinha para assentar
parte das famílias ocupantes das fazendas Padroeira e Mineira. Deslocadas para as
áreas, muitas famílias desistiram de aceitar a proposta de assentamento coordenada
pelo INCRA, sobretudo porque o Estado fazia a negociação garantindo
assentamento para as famílias em terras férteis e próprias para a agricultura familiar,
mas na verdade, quando visitaram as fazendas desapropriadas, os sem-terra
percebiam que as mesmas eram isoladas, com problemas de acesso (estradas
ruins), falta d’água (lençol freático profundo), solo impróprio para o cultivo, com
problemas de fertilidade e declividade acentuada.
Discorrendo sobre a situação dos remanejados para assentamento e que estavam
acampados na Padroeira, Alexandre Anghinoni declara que
[...] ou nós partiríamos pruma área que o próprio Governo da época determinou pra assentamento aqui no município de Reserva, então a gente não tinha, não tivemos opção senão sairmos da Padroeira [...] pra Reserva. Chegando nessa [...] fazenda Criciuma, [...] deparamo com uma realidade totalmente ao contrário, onde que a área não tinha condições pra ser um assentamento, não. Aí a gente procurou conhecer melhor a área que nós não tinha de conhecimento. Não tinha água pro sustento de todas as família né, e a área mesmo era inviável pra assentamento por causa de muito, a região e a própria fazenda muito dobrada49 né. Então não tinha condições da área pra agricultura, e aí brigamos, fomos pra, já reunimo a coordenação do acampamento, o pessoal viajou pra Curitiba, por várias vezes
49 “Dobrada” é uma expressão popular utilizada no Sudoeste paranaense para descrever áreas de planalto com relevo com alta declividade.
172
negociamos, negociamos a saída de lá, inclusive o próprio Governo do Estado e o INCRA não queria que, não permitia o deslocamento nosso pra outra área, e aí com insistência a gente conseguimo faze com que o Estado mesmo permitisse a saída nossa de lá [...] (Entrevista concedida em novembro de 2002).
Em 1988, após fazer as vistorias nas fazendas Porangaba II, Florão, Todos os
Santos e 29 Pontal do Tigre, o INCRA indicou a última como área prioritária para
desapropriação e Reforma Agrária, ação confirmada através do Decreto Presidencial
no 95.784 de 4 de março daquele ano.
Pressionados pelos movimentos sociais, os técnicos do INCRA e do ITCF que
integravam as comissões de negociação com as lideranças de vários
acampamentos no interior do Estado apontaram que uma alternativa possível de
assentamento em terras férteis era tentar a sorte em Querência do Norte, tendo em
vista que os fazendeiros do Oeste, Sul, Sudoeste e Sudeste só facilitavam a
desapropriação de áreas desvalorizadas e com problemas como os apontados pelos
sem-terra.
Após tomarem conhecimento das informações até então sigilosas da situação
jurídico-fundiária da fazenda 29 Pontal do Tigre, onde havia a possibilidade concreta
de assentamento imediato de cerca de 500 famílias, os coordenados de
acampamentos e grupos de sem-terra retornaram as suas áreas e municípios de
origem e, cada qual à sua maneira, iniciaram o trabalho de convencimento,
discussão política e preparação para optar ou não pela viajem a Querência do Norte,
onde reiniciariam a luta pela terra.
Mais cautelosos, os grupos acampados nas fazendas Padroeira e Mineira, que se
frustraram ao receber terras para assentamento em outra oportunidade, deslocaram
primeiramente os coordenadores do acampamento para analisar a qualidade do
solo, o acesso à água e o relevo, ou seja, os fatores primordiais para se ter um
assentamento de qualidade. Feito este trabalho, quando retornaram à suas bases
referendaram em reunião o que viram, encaminhando a migração e o translado do
acampamento para a fazenda 29 Pontal do Tigre.
173
Devido à miserabilidade das famílias acampadas e a distância entre as áreas onde
se encontravam organizadas/acampadas e o município de Querência do Norte, para
financiar o translado e a migração, os sem-terra organizaram arrecadações de
dinheiro junto às famílias50, negociaram com prefeituras locais para colaborar com
ônibus e caminhões no transporte dos acampados, o que, aliás, era de interesse dos
políticos locais, sobretudo para expulsar para longe os sem-terra situados nas
cercanias das cidades.
Em períodos diferentes, cerca de 30 famílias provenientes do município de Castro,
45 de Amaporã, 70 famílias de Reserva51 e 65 famílias de Capanema migraram e
ocuparam a fazenda 29 Pontal do Tigre.
Em 26 de junho de 1988 ocorreu a chegada das primeiras dezenas de carros,
ônibus e caminhões trazendo as famílias sem-terras organizadas nestes grupos,
fixando os barracos de lona em terras da 29 Pontal do Tigre, no mesmo ano em que
as 86 famílias do projeto Adecon seriam expulsas das terras arrendadas, pois aquele
era o ano de vencimento dos contratos de arrendamento.
No acontecer do processo de luta pela terra ficou patente a riqueza estrutural dos
grupos de Reserva e Castro, que vivenciaram a organicidade do MASTRO, e de
Amaporã, ligado à CPT. Há anos acampados, os militantes destes grupos
conheciam a dureza da vida nos barracos de lona preta, a indiferença da sociedade
em relação aos sem-terra, a incompetência do Estado em atender as reivindicações,
as incontáveis reuniões que resultavam em nenhuma ação concreta por parte dos
órgãos públicos vinculados à Reforma Agrária.
Politicamente, estes grupos possuíam uma coordenação participativa, onde as
famílias escolhiam coordenadores responsáveis por 10 a 15 famílias, dividiam
tarefas e responsabilidades acerca da saúde (promovendo cuidados básicos com
50 Segundo informações colhidas junto aos assentados oriundos de Capanema, só veio para o acampamento em Querência do Norte aquelas famílias “escolhidas” pelo mediador, escolha esta que demandava a doação para o mesmo de bens, valores em dinheiro, espécies de “caixinha” para ingressar na luta, excluindo os mais pobres e denotando os vícios organizativos do agente mediador. 51 As famílias de Amaporã e Reserva participaram na ocupação da Fazenda Mineira.
174
mulheres gestantes, idosos e crianças), da segurança do acampamento, da
educação (coordenando grupos de estudo com jovens e adultos, além de reforçar a
educação das crianças onde as prefeituras negavam-se a inserir salas de aula ou
transporte para as sedes municipais), da mística e religião (cultos e invocação da
subjetividade), organizanvam comissões de negociação, grupos de trabalho para
angariar renda, enfim, elementos que no conjunto permitiam o controle de todas as
situações problema pelo coletivo, garantiam a organicidade e a resistência.
Já o grupo de Capanema, cujas famílias no início da trajetória participaram da
Associação dos Sem Terra de Capanema e optaram por não ocupar terras e
enfrentar a vida nos barracos de lona para serem assentadas, desconheciam a
realidade da luta na qual os grupos de Reserva, Amaporã e Castro já tinham plena
experiência.
Ademais, as famílias provenientes de Capanema estavam a mercê de uma liderança
centralizadora de informações (o famoso “Chiquinho”). Segundo relatos coletados
em trabalhos de campo, o agente mediador participava sozinho ou acompanhado
por políticos nas reuniões com o INCRA e técnicos do Estado, repassando as
informações que lhe interessava aos companheiros.
Uma das exigências mais comuns criadas por esta liderança era a cobrança de
taxas das famílias por ele coordenadas, cujo montante e destino não eram
especificados. Valendo-se de seu poder, Chiquinho expulsava as pessoas que não
se submetiam às suas ordens.
Pressionadas pelas agruras do acampamento, as dificuldades relativas à fome, a
miséria e a demora no assentamento (muitas famílias acreditaram piamente que em
poucos meses seriam assentadas), o aprendizado durante a convivência com os
outros grupos de acampados permitiu um crescimento da consciência política dos
acampados de Capanema e, no ano 1990, as famílias expulsaram o agente
mediador e passaram a compartilhar os exemplos e a organicidade dos grupos de
Castro e Reserva.
175
Já os camponeses da Adecon, apesar de um certo estranhamento com os
acampados, mas cientes de que o futuro próximo era a expulsão da terra e o retorno
à condição de bóias-frias, depois de algumas reuniões entre si e com os acampados,
resolveram que juntas iriam participar na luta e esta seria a única alternativa possível
para conquistar definitivamente a fazenda e o assentamento para todas as famílias
presentes.
Entre desistências de algumas famílias, reorganização de lideranças, criação de
uma unidade de lutas, chegada de novas famílias vindas de Capanema e de Tibagi
no ano de 1992, as influências e as práticas políticas do MASTRO e da CPT, pouco
a pouco as diferenças político-ideológicas foram vencidas e as famílias se
organizaram através de uma “coordenação geral” do acampamento, responsável
pelo encaminhamento no processo de lutas.
Devido à importância política do acampamento no Estado, o MST passou a
influenciar os sem-terra de Querência do Norte que, absorvendo os princípios
políticos e organizativos do Movimento, acabaram incorporados, co-participando no
processo geral de espacialização e territorialização do MST no município, na região,
no Estado e no País.
Colocadas as considerações sobre o processo de luta dos sem-terra ocupantes da
fazenda 29 Pontal do Tigre levando-se em conta sua diferenciação a sua vinculação
ao MST, no próximo item apresentamos o processo geral de espacialização do MST
em Querência do Norte e no Noroeste paranaense, destacando a centralidade das
ações, a violência dos agentes do capital e do Estado frente as ocupações de terra,
bem como a conquista dos assentamentos rurais, história que baliza as ações
políticas estruturadas pelo MST, demandando constante dimensionamento da
socialização política para mediar a ação e a resistência contra o capital.
176
3.3.1 Formação do MST.
A presença dos sem-terra causou um forte impacto na opinião pública municipal e
regional, sobretudo porque a área ocupada feria os interesses políticos do prefeito52
e vereadores locais, além dos interesses econômicos dos irmãos Atalla, dos grandes
e médios arrendatários que cultivavam extensões de várzea nas terras da 29 Pontal
do Tigre, e dos fazendeiros da região que viam na organização dos sem-terra e na
ocupação de fazendas um risco para sua integridade patrimonial, sobretudo porque
o Noroeste, segundo análises presentes no Capítulo 2, é uma região de alta
concentração fundiária, possui problemas históricos de titularidade duvidosa da
propriedade da terra, além de baixos índices de produtividade, portanto, áreas
passíveis de desapropriação e reforma agrária.
Visando expulsar os acampados e reverter o Decreto de desapropriação, os irmãos
Atalla impetraram ações na Justiça e, devido à morosidade no trâmite dos
processos, ganharam tempo para reverter o processo, apesar de que pesava sobre
sua família, organizada em torno do Grupo Atalla uma dívida com o Banco do
Estado do Paraná (Banestado), tornando de interesse do Governo do Estado a
desapropriação da fazenda 29 Pontal do Tigre para que parte dos débitos com o
erário fossem quitados, amenizando no mesmo processo a questão de parte dos
milhares de sem-terra acampados no Paraná.
Paralelamente à ação legal na justiça, os Atalla deslocaram jagunços provenientes
de Porecatú53 para fazer a segurança da fazenda, na tentativa de impedir que os
grupos de sem-terra ocupassem áreas cada vez maiores no interior da mesma.
52 Não se pode esquecer que o Prefeito à época era o senhor José Edegar e que o mesmo fora eleito sob os impactos socioeconômicos da criação da Adecon, entidade que ele dirigiu como Presidente antes de ser eleito. 53 Situado no Norte do Estado, a cerca de 80 KM de Londrina, em Porecatú o grupo Atalla possui a maior usina de açúcar do Paraná, com canaviais cultivados nos territórios de 8 municípios, empregando cerca de 10.000 trabalhadores na época de safra (informações do autor).
177
Frustrando as expectativas, os trabalhadores organizaram-se e um a um expulsaram
todos os 235 arrendatários que estavam produzindo nas terras da fazenda 29 Pontal
do Tigre (analisar Figura 11, página 135, onde se distingue as áreas ocupadas por
arrendatários no interior da fazenda 29 Pontal do Tigre), o que causou um impacto
muito forte na opinião pública local. Esta ação foi importante para os sem-terra
porque as áreas desocupadas foram divididas entre os acampados e destinadas à
produção agropecuária (leite, algodão, milho, etc) e gêneros alimentícios.
Procurando demonstrar para a população que a sua luta era justa, todos eram
trabalhadores e que a conquista do assentamento traria dignidade para as famílias,
além de riquezas e trabalho para a população, elementos que sabidamente o
latifúndio não dava conta de favorecer, contrapondo a desinformação veiculada
através da imprensa e agentes locais, os sem-terra organizaram passeatas, reuniões
e informativos.
Neste processo, um veículo importante foi o informativo “A Voz dos Trabalhadores”,
(ANEXO – 2) distribuído em abril de 1990, onde os acampados rebateram às críticas
e manobras políticas do Prefeito José Edegar, apresentando um balanço da
produção alcançada no interior da fazenda, apesar da falta de recursos e
equipamentos.
Para frear a ação dos sem-terra, arrefecer o ânimo das famílias acampadas e minar
sua resistência econômica, os irmãos Atalla ordenaram a seus funcionários o
deslocamento de levas e levas de bovinos trazidas de outras fazendas do Grupo,
resultando, segundo depoimentos, em mais de 3.000 animais que, avançado sobre
as lavouras comerciais e de subsistência cultivadas pelos acampados, da noite para
o dia destruíam as lavouras, desestruturando a fonte de renda e alimentação das
famílias, além de amedrontar mulheres e crianças.
178
Pressionados, sofrendo ameaça de despejo54, problemas de saúde, isolacionismo,
(os acampados habitavam núcleos que distavam de 15 a 30 15 km da sede
municipal), a questão das roças destruídas impedindo-as de auferir renda, muitas
famílias conheceram a fome e o medo, elementos que causaram a desistência de
muitos acampados. Demonstrando a dimensão dos problemas vivenciados neste
período, Delfino José Becker afirma que
Aí ficou um período de uns trinta a sessenta dias, foi assim uma situação de fome mesmo. E aí o povo começou a buscar alternativa. Tinha muito maxixe então o pessoal cozinhava. Muitas família inteira passou assim quinze dia, um mês comendo praticamente só maxixe, né. Alguns tentava ir trabalhar não conseguia, teve problemas de desmaio, por desnutrição mesmo, e aí começou a achar outras alternativa, que nos dreno aí tem lambari, tal. [...] o pessoal pegava um lambari mas não tinha banha pra fritar, só passava um sal e sapecava na chapa. (Entrevista concedida em novembro de 2002).
Para reverter a situação-problema e frear o processo de intimidação iniciado pelo
fazendeiro, em uma assembléia com a presença de todas as famílias acampadas, a
coordenação do MST encaminhou que cabia ao Estado o dever de obrigar o
fazendeiro a conter o gado para os mesmos não avançassem mais sobre as áreas
ocupadas, impedindo assim a destruição das lavouras e o amedrontamento das
famílias.
[...] chegou um momento em que as famílias pressionaram o Estado e foi numa audiência com o Osmar Dias falou “Ó, se não resolver nós vamos começar a comer este gado”. A partir que o pessoal perceber que boi dá de comer também, que é bom de comer, foi matando pra comer, né? E aí, mesmo assim eles não retiraram o gado. Então deu uma situação difícil também porque era muito gado, mesmo o pessoal abatendo estes animal pra comer, ficava aquele jogo mole nem o Estado assumia e nem eles também assumia. Daí, né, numa data que eu não me lembro agora, a Coordenação toda da área decidiu reunir este gado na sede principal da fazenda [...].(Delfino José Becker, entrevista concedida em novembro de 2002).
54 Os sem-terra cultivavam cerca de 950 alqueires de terras e no dia 11 de abril de 1991 o juiz Shiroshi Yendo, da 2a Vara Criminal de Maringá determinou o desalojo das famílias e a reintegração de posse em favor de Jorge W. Atalla. Pressionando o Estado, os sem-terra conseguiram que o Governador Roberto Requião impetrasse ação de anulação dos despejo, alegando a alta produtividade dos sem-terra nas áreas cultivadas, o trâmite do processo de desapropriação na Justiça e que o Grupo Atalla devia US$ 170 milhões de dólares ao Estado, segundo LIMA E GUERRA VILLALOBOS (2001, p. 61 – 63).
179
É importante esclarecer que o abate dos animais teve o caráter político de luta e
resistência contra o capital, destinando-se a alimentar as famílias, tendo em vista a
situação famélica e de miserabilidade em que estas se encontravam. A decisão de
reunir as cerca de 3.000 cabeças de gado em um pasto ao redor da sede da
fazenda, impedindo assim que os animais andassem livremente sobre as suas
roças, foi a única alternativa possível encontrada para amenizar a situação e
pressionar o Estado a tomar providências efetivas para reverter as ações
desencadeadas pelos fazendeiros.
Dia após dia, o pasto onde os animais foram fechados se degradou. Famintas,
dezenas de cabeças de gado morriam de inanição. Mesmo sofrendo prejuízos em
seu patrimônio, os fazendeiros optaram por não retirar os animais.
Acompanhando a “violência” dos sem-terra contra o gado e os fazendeiros, a mídia
fez uma ampla cobertura jornalística, impactando a opinião pública do Estado em
relação àquela situação. Pressionado, o Secretário de Agricultura do Estado do
Paraná à época (Osmar Dias), decretou a ida de um grupo de funcionários públicos
da Secretaria de Agricultura para medicar e alimentar os animais, onerando os
cofres públicos com uma medida paliativa e contraditória, pois enquanto as famílias
acampadas não recebiam nenhuma cesta básica e medicamentos para seu
sustento, os animais foram “agraciados” com a “assistência social-bovina” !!!
Passados 30 dias, como o fazendeiro não retirou o gado, o Estado determinou o
seqüestro dos animais e os comercializou em leilão. Com o dinheiro arrecadado,
cobriu as despejas o erário público teve durante a manutenção dos animais e o valor
excedente depositou em juízo para posterior alienação por parte dos irmãos Atalla.
No longo processo de lutas, somente em 22 de outubro de 1995 foi decretada a
imissão da posse da fazenda 29 Pontal do Tigre em favor do INCRA. Segundo
informações, técnicos do INCRA chegaram a propor assentamento para 800 famílias
na fazenda, que na época contava com cerca de 287 famílias acampadas.
Politicamente, tendo em vista o tamanho da fazenda 29 pontal do Tigre e o total de
acampados no Paraná, era de interesse do Governo Estadual assentar o máximo de
180
famílias, sem se importar se os estabelecimentos rurais assim criados poderiam
permitir o sustento e o desenvolvimento socioeconômico das famílias.
Apoiados pelo Setor Estadual de Produção do MST, os acampados negaram-se a
acatar tal proposta, sobretudo porque de maneira contraditória o INCRA queria
incluir na área desapropriada pessoas que não participaram da ocupação, ação que
certamente excluiria do processo de assentamento os agregados (filhos adultos e
parentes dependentes) e casais que se formaram entre as famílias acampadas.
Nesta refrega final, em 19 de dezembro de 1995, regulamentado pela Portaria 79, o
INCRA garantiu o acesso a terra para 336 famílias e a constituição formal do
assentamento Pontal do Tigre.
3.3.2 Espacialização e territorialização do MST no município e região.
Para entendermos o processo de espacialização e territorialização, faz-se
necessário discutir as especificidades organizativas que diferenciam o MST de
outros movimentos sociais do campo e que lhe permite se inserir enquanto um
agente na produção de demandas sóciopolíticas e mudanças espaciais.
FERNANDES (1996) aponta que o MST avança na organização dos trabalhadores a
partir do espaço de socialização política, cuja estruturação ocorre vinculada à
presença dinâmica de três categorias de análises complementares: o espaço
comunicativo, o espaço interativo e o espaço de luta e resistência.
Discorrendo sobre estas categorias, FERNANDES (1996) aponta que o espaço comunicativo surge a partir do momento em que o(s) indivíduo(s) passa (m) a
conhecer a realidade e os aspectos coletivos de luta.
Até este momento, os únicos espaços comunicativos que os indivíduos acessam são
a escola, a família, o partido que – quase sempre – não permitem o conhecimento
das contradições da realidade. O MST valoriza a comunicação enquanto um
importante espaço para aglutinar pessoas, ouvir estórias de vida, desenvolvendo
181
com estas ações dinâmicas uma pedagogia humanista onde os militantes do MST
repassam à população o lado oculto da realidade, os porquês dos problemas e a
importância de lutar para reverter a situação de exclusão.
Já o espaço interativo ocorre em um momento posterior e a partir de um nível de
consciência maior. Configura-se quando os trabalhadores passam a fazer a leitura
crítica da realidade, principalmente através da leitura de sua trajetória de vida,
reconhecendo que elementos como miséria, exclusão da terra são situações comuns
a todos e que alguma coisa na realidade está errada.
Neste momento, códigos, normas sociais e conceitos da cultura dominante são re-
trabalhados e o sujeito começa a entender que a exclusão social decorre do
processo de desenvolvimento do sistema capitalista. Por outro lado, se este espaço
interativo for mal trabalhado, podem surgir lideranças populistas ou aquelas que
destroem internamente o avanço do movimento social.
Já o espaço de luta e resistência se efetiva quando o MST parte para a luta
concreta, seja nos barracos de lona, seja ocupando fazendas, demonstrando para a
sociedade, de forma nua e crua, a realidade da exclusão social e a necessidade do
Estado agir para reverter tal o processo.
No acampamento e na ocupação (o primeiro são os barracos de lonas situados em
beiras de estradas, o segundo ocorre no interior de fazendas), os espaços
comunicativo, interativo e de luta e resistência são permanentemente criados e
retrabalhados, pois o MST organiza dinâmica de grupos, divide as tarefas entre os
acampados que administram questões relativas à saúde, alimentação, coordenação
da área, mística, finanças, etc. Àquelas pessoas que se destacam entre os
militantes, seja pela facilidade em se comunicar, de discutir os problemas, ou mesmo
pelo esforço e dedicação aos estudos, o MST lhes oferece tarefas políticas como
coordenar o grupo, por exemplo, oferecendo num segundo momento o
aperfeiçoamento em cursos de formação política, retroalimentando a luta com novos
quadros, o que dinamiza o processo como um todo.
182
Desta maneira, a ocupação e o acampamento tornam-se espaços de
multidimensionamento da socialização política para os sem-terra envolvidos e para a
sociedade. De maneira geral, são locais onde são geradas lideranças, cujas tarefas
principais são organizar reuniões, atrair mais sem-terras, levando a luta adiante
através de novos acampamentos e ocupações.
Para FERNANDES (1996), teoricamente pode-se conceber o conjunto de ações
desencadeadas pelo MST no espaço geográfico (acampamentos, marchas,
reuniões, ocupações de bancos e prédios públicos, distribuição de informativos e
jornais, etc) visando o multidimensionamento dos espaços de socialização política
enquanto um processo de espacialização. Quando o MST conquista frações do
território do capital, efetiva a sua territorialização.
O MST, esse sujeito coletivo, se espacializa pela sua práxis, por meio da (re)produção das suas experiências de luta. Este processo é desenvolvido pelo trabalho, pela ação criativa, reconstruindo os espaços de socialização política. Espacializar, portanto, é conquistar novos espaços, novos lugares, novas experiências, desenvolver novas formas de luta e, conseqüentemente, novas conquistas, transformando a realidade, lutando pelo futuro. Espacializar é registrar no espaço social um processo de luta. É o multidimensionamento do espaço de socialização política. É “escrever” no espaço por intermédio de ações concretas como manifestações, passeatas, caminhadas, ocupações de prédios públicos, negociações, ocupações e reocupações de terras, etc. É na espacialização da luta pela terra que os trabalhadores organizados no MST conquistam a fração do território e, dessa forma, desenvolvem o processo de territorialização do MST. (FERNANDES, 1996, p. 136).
Quando os sem-terra localizados em Querência do Norte integraram-se ao MST,
novas perspectivas no processo de socialização política se abriram. Reforçando a
unidade dos grupos (base de sustentação) através de apoio político-pedagógico,
acompanhamento político, trabalho de formação, o MST lançou em solo fértil a
semente que possibilitou a espacialização de suas ações e, conseqüentemente, sua
territorialização, não só neste, mas em vários municípios da região Noroeste
paranaense.
183
Para planejar e executar ações de luta pela terra no Noroeste paranaense, o MST
fundou uma secretaria regional em Querência do Norte e outra em Paranacity55.
Reconhecendo que a política de assentamentos só avança mediante a organização
e a ação dos trabalhadores, o MST estruturou o setor de frente de massas nestas
secretarias, visando acelerar os trabalhos de base em municípios da região,
trazendo também famílias do Oeste e Sudoeste paranaense para participar nos
acampamentos situados nas beiras das estradas e nas ocupações de terras.
O acampamento é na sua concretude o espaço de luta e resistência, é quando os trabalhadores partem para o enfrentamento direto com o Estado e com os latifundiários. O acampamento é a ocupação do latifúndio, cujas conseqüências são (im)previsíveis. Neste espaço está colocada em questão a luta e, portanto, o enfrentamento com o Estado, por intermédio da negociação política, e com os latifundiários, pelo conflito direto. Dependendo da forma do encaminhamento e da relação de poder entre as forças políticas vão se dar diferentes situações de luta. Com relação ao Estado acontece o despejo, freqüentemente, por meio do uso de violência pela força policial. Com relação aos latifundiários o enfrentamento violento contra jagunços contratados para fazer o serviço. [...] mas o despejo não significa o fim. O Acampamento é removido para a beira de uma rodovia, de onde se reiniciam as negociações no plano político, jurídico e social. (FERNANDES, 1996, p. 238-239).
Massificando a luta e realizando ocupações, os sem-terra têm forçado o Estado a
tomar a iniciativa de coordenar novas vistorias através do INCRA, cumprindo com
suas atribuições de fiscalizar se as fazendas cumprem a sua função social em
relação à preservação do meio ambiente, a garantia dos direitos trabalhistas e a
manutenção de determinados índices de produtividade, elementos que a
Constituição Federal obriga estarem presentes para garantir a propriedade da terra
em favor do proprietário, conforme assevera STROZAKE (2000).
A primeira ocupação de terras após a territorialização do MST na fazenda Pontal do
Tigre ocorreu na madrugada do dia 13 de agosto de 1995, quando cerca de 200
famílias ocuparam a fazenda Porangaba II, uma área de 2.700 hectares situada ao
norte do Município de Querência do Norte, às margens do rio Paraná, que 1985
55 Ocupando a fazenda Santa Maria em 30 de janeiro de 1993 com 26 famílias, provenientes de Ibema e Cascavel , após um ano de lutas o MST conquistou o assentamento definitivo para estas famílias que fundaram a COPAVI – Cooperativa Agropecuária Vitória.
184
havia sido vistoriada e declarada para fins de reforma agrária conjuntamente com as
fazendas Florão, Todos os Santos e a 29 Pontal do Tigre.
Devido à morosidade nas negociações com o INCRA em relação à desapropriação
de áreas para assentamento e seguindo os princípios da organização, na
madrugada do dia 6 de novembro de 1995 os sem-terra ocuparam a fazenda
Saudade, espacializando a luta pela terra para o município de Santa Izabel do Ivaí,
gerando uma série de críticas por parte dos fazendeiros organizados pela Federação
dos Agricultores do Estado do Paraná (FAEP) ao Governo do Estado (Jaime Lerner)
exigindo a intervenção da Justiça contra o esbulho possessório, a garantia do direito
de propriedade e a expulsão dos “invasores”.
Pressionado, a proprietária da área acionou a justiça e obteve uma liminar de
reintegração de posse. No dia 8 de novembro, um destacamento de 90 soldados da
Polícia Militar do Paraná foi deslocado para cumprir a ação de despejo.
Utilizando cassetes, armas de fogo, bombas de gás lacrimogêneo, os policiais
avançaram sobre os sem-terra e, no confronto, seis policiais e 17 trabalhadores
ficaram feridos56. Entre os sem-terra, quatro tiveram ferimentos à bala pelo corpo, o
que resultou na amputação de uma das pernas do acampado Pedro Lopes dos
Santos (Figura 20).
56 MASCHIO, José; SANTANA, Mônica. Conflito deixa pelo menos 21 feridos no PR. Acusada de jogar bombas de gás e atirar nas pernas dos sem-terra, polícia diz que apenas reagiu às agressões Folha de São Paulo, São Paulo, 10 nov. 1995. Brasil, p. 1 – 12.
185
Figura 20: Sem-terra cuja perna foi amputada após
receber um tiro disparado pela PM durante despejo da fazenda Saudade.
Fonte: Arquivo da COANA, 1995.
Após expulsar os sem-terra, os policiais atearam fogo nos barracos de lona,
destruindo colchões, roupas, documentos e demais pertences das famílias, fato que
ficou gravado como o primeiro da série de conflitos violentos entre a polícia do
Estado e o MST. Reconhecendo a gravidade da situação, o Secretário de Justiça,
Cândido Martins de Carvalho, admitiu publicamente que a PM se excedeu,
assumindo o ônus da culpa pelo evento ocorrida na fazenda, declarando "Se tem um
pecador nessa história, o pecador sou eu” 57.
57 MASCHIO, José; SANTANA, Mônica. Governo manda investigar. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 nov. 1995. Brasil, p. 1- 14.
186
Apesar das dificuldades iniciais, o MST intensificou os levantamentos jurídicos e a
análise da situação produtiva de médias e grandes fazendas da região. No período
1995 -2001, os trabalhos de base realizados em municípios do Noroeste paranaense
possibilitaram um crescimento vertiginoso da organização e de suas formas de luta
(acampamentos, marchas, protestos, etc), com destaque para as ocupações de
terra, expressa ano a ano no Quadro 1 e em seu conjunto na Figura 21.
Fonte: CPT 2002.
Quadro 1: Noroeste Paranaense – Ocupações de terra segundo o município e o ano no período 1995 a 2001.
Município 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 TotalDiamante do Norte
- - - - 1 - - 1
Nova Londrina - - - - 1 - - 1 Santa Mônica - - - 1 - - - 1 São João do Caiuá
- - - 1 - - - 1
Paranacity - - - - 2 - - 2 Planaltina do Paraná
- - 1 - 1 - - 2
São Pedro do Paraná
- - - 2 - - - 2
Cruzeiro do Sul - 2 1 - - - - 3 Guairaçá - - - 1 1 1 - 3 Itaúna do Sul - - - - 3 - - 3 Sta. Izabel do Ivaí
1 1 1 - - - - 3
Jardim Olinda - - 2 2 - - - 4 Marilena - - 2 1 2 - - 5 Mirador - - - - 6 - - 6 Terra Rica - - - 5 2 - - 7 Sta. Cruz do Monte Castelo
- 1 2 1 6 - - 10
Querência do Norte
1 4 8 11 7 3 - 34
Total 2 8 17 25 32 4 0 88
187
Figura 21 . noroeste paranaense. Ocupações de terra 1995 a 2000.
188
Analisando as informações presentes no Quadro 1 e na Figura 21, pode-se perceber
que somente em 12 dos 29 municípios existentes na região Noroeste do Paraná
(Alto Paraná, Amaporã, Inajá, Loanda, Nova Aliança do Ivaí, Paraíso do Norte,
Paranapoema, Paranavaí, Porto Rico, Santo Antônio do Caiuá, São Carlos do Ivaí e
São Pedro do Paraná) não se registraram ocupações de terras no período 1995 –
2001, considerando que estão excetuados nesta base de dados os acampamentos
em beiras de rodovias.
Outra informação importante diz respeito à polarização da luta pela terra praticada
pela secretaria do MST situada em Querência do Norte, tanto pelo número de
ocupações (34) no território deste município, quanto pelo raio de ação, coordenando
outras 44 ocupações em 13 municípios diferentes, enquanto o Pólo de Paranacity
coordenou 10 ocupações em 4 municípios.
Esta força na gestão espacial se deve, em grande medida, à capacidade
organizativa e o rol de lideranças que militam nesta secretaria, cuja história de lutas
é anterior ao próprio MST no Brasil, conforme ficou demostrado no início deste
Capítulo 3.
Ao se espacializar, o MST pouco a pouco tem se colocado como uma nova força no
pacto político regional. Provocando a contraposição de forças, as elites municipais e
regional também tem se organizado, utilizando para tanto uma série de medidas,
como o arrendamento de terras visando aumentar os índices de produtividade das
fazendas, dissociação de grandes áreas em duas ou três fazendas em nomes de
familiares, maquiando os latifúndios extensos enquanto médias propriedades.
Mas, dentre as iniciativas, as que “melhor” tem respondido aos anseios da oligarquia
agrária é a violência praticada contra os trabalhadores rurais organizados pelo MST,
violência desencadeada tanto por jagunços a soldo dos fazendeiros, quando pelo
Estado, sobretudo durante o segundo mandato do Governador Jaime Lerner (1999 –
2002), em resposta aos anseios e pressões da UDR e da bancada ruralista
assentada na Assembléia Legislativa paranaense. Espacialmente, no cartograma da
Figura 22 estão relacionados os municípios onde tais conflitos ocorreram.
189
Figura 22 . noroeste paranaense. Conflitos fundiários 1995 a 2001.
190
Antes de discutir a espacialidade e a natureza dos conflitos, faz-se necessário
observar o Quadro 2, cruzar suas informações com o Quadro 1 e cartograma da
Figura 22 anteriormente expostos.
Fonte: CPT 2002
Espacialmente, podemos inferir que a violência contra os sem-terra cresceu na
mesma proporção em se intensificaram anualmente as ocupações de terra, com
destaque para o período 1997 e 2000, quando ocorreu o maior número de
ocupações pelo MST e aconteceram os principais embates com jagunços e a polícia.
A escalada na violência contra os sem-terra acampados, ocupantes, assentados e
lideranças foi processada na forma de espancamentos, assassinatos, prisões,
representando uma efetiva criminalização dos movimentos de luta pela terra.
Quadro 2: Noroeste Paranaense – Conflitos fundiários segundo o município e o ano, no período 1995 a 2001.
Município 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 TotalCruzeiro do Sul - 1 - - - - - 1 Diamante do Norte
- - - - 1 1 - 2
Guairaçá - - - 1 1 1 - 3 Itaúna do Sul - - - - 3 - - 3 Jardim Olinda - - - 9 - - 9 Loanda - - - - 1 - - 1 Marilena - - 2 1 1 1 - 5 Mirador - - - - 5 2 - 7 Paranacity - - - - 1 - 1 Planaltina do Paraná
- - 1 - 2 - - 3
Querência do Norte
- 4 12 - 7 3 -- 26
Santa Mônica - - - 1 - - - 1 São João do Caiuá
- - - - -
São Pedro do Paraná
- - - 2 - - - 2
Sta. Cruz do Monte Castelo
- 1 2 1 5 - - 9
Sta. Izabel do Ivaí
1 1 1 1 1 - -- 5
Terra Rica - - 1 5 4 1 1 12 Total 1 7 19 21 31 10 1 90
191
Em entrevista concedida a um jornalista da Folha de São Paulo58, em 28 de agosto
de 1997 o presidente da UDR do Noroeste do Paraná, Marcos Prochet, declarou que
os fazendeiros estavam se organizando para cumprir, por conta própria, as
reintegrações de posse de fazendas ocupadas na região.
Agravando a situação de conflito, fazendeiros contrabandeavam armas de grosso
calibre do Paraguai para armar funcionários e constituir milícias próprias e coletivas,
visando “proteger” as fazendas contra ocupações. Infiltrando pessoas de confiança
nos acampamentos e ocupações, os fazendeiros recebiam, através de telefones
celulares e recados informações sobre quem eram as lideranças, como era a
organização da segurança nos acampamentos, além de informações colhidas nas
reuniões de quais as próximas áreas seriam ocupadas. Com este trabalho, os
fazendeiros podiam movimentar previamente o grupo de seguranças para proteger
as áreas ameaçadas ou acionar a polícia.
Nesta “guerra de nervos”, organizou-se em Paranavaí várias empresas de
segurança, entre elas a “Lopes Serviços de Segurança59”, oferecendo como produto
a proteção às fazendas de clientes localizadas em áreas de conflitos como
Querência do Norte, Santa Izabel do Ivaí, Santa Cruz do Monte Castelo, Loanda e
até no Pontal do Paranapanema (Estado de São Paulo).
No campo, estas milícias armadas causaram uma série de atentados contra os sem-
terra. No dia 12 de setembro de 1997, oito homens encapuzados atiraram contra 40
famílias acampadas à margem da Rodovia PR-!80, no bairro Itapoã, em Terra Rica,
ateando fogo ao carro de uma família acampada. Após a ocorrência, a Polícia Militar
encontrou vários cartuchos de revólver calibre 38 e escopeta calibre 12, mas
ninguém se feriu. Pressionados, os sem-terra montaram novo acampamento em
outro ponto da rodovia, defronte a fazenda Videira60.
58 MASCHIO, José. UDR ameaça desocupar áreas invadidas. Folha de São Paulo, São Paulo, 28 ago. 1997. Brasil, p. 1 – 14. 59 TARDE, Jornal da. PR: Milícia contra sem-terra. Disponível em: < http://www.jt.estadao.com.br/notici97/97-09-28/po3.htm.>. Acesso em: 8 out. de 2002. 60 FADEL, Evandro. Encapuzados atiram em acampamento de sem-terra. O Estado de São Paulo, p. 1-6. São Paulo, 12 set. 1997.
192
Na madrugada do dia 16 de setembro, na fazenda Saudade, município de Santa
Izabel do Ivaí, cerca de 80 homens encapuzados61e fortemente armados, portando
coletes à prova de balas e sem mandado judicial ou qualquer identificação, iniciaram
uma ação de despejo contra 150 famílias ocupantes desta fazenda
Os sem-terra foram colocados à força em caminhões e despachados para fora da
fazenda, alguns recebendo agressões verbais e físicas. Quando conseguiram
expulsar as famílias, um trator foi utilizado para destruir os barracos e os agressores
atearam fogo no acampamento, destruindo o que sobrara da ocupação, bem como
os pertences das famílias62. Acompanhando o despejo, uma equipe de reportagem
da Rede Globo de televisão gravou as cenas que foram ao ar em cadeia nacional
pela emissora. Ao prestarem queixas na delegacia de Santa Izabel do Ivaí, o
Delegado negou-se a preencher o boletim de ocorrência em favor do sem-terra.
No dia 18 de setembro de 1997, a Juíza de Loanda63, Elizabeth Khater, decretou a
prisão preventiva de cinco lideranças regionais do MST. Cumprindo com a
determinação da justiça, a Polícia Militar destacou um grupo de soldados para
Querência do Norte. Nesta ação, foram presas as lideranças Delfino José Becker e
Celso Anghinoni, encaminhados à Delegacia local. Os demais mediadores (Pedro
Alves Cabral, Arlei Escher e Juscelino Antônio Gonçalves) conseguiram escapar de
um cerco organizando pela PM64, que fechou as rodovias de acesso à cidade.
61 ARANTES, Flávio; MENDONÇA, Fernando. Grupo de proprietários entra em fazenda e expulsa 40 famílias que havia invadido terra há dois anos. Folha de São Paulo, São Paulo, 17 set. 1997. Brasil, p. 1 – 14. 62 MENDONÇA, Fernando. Ruralistas tiram sem-terra de área no PR. Folha de São Paulo, São Paulo, 17 set. 1997. Brasil, p. 1 – 14. 63 O município de Querência do Norte compõe, juntamente com Santa Cruz do Monte Castelo a Comarca de Loanda. Desta forma, todo problema jurídico é protocolado e resolvido no fórum de Loanda. 64 FOLHA, Agência. PM bloqueia acesso a cidade. Folha de São Paulo, São Paulo, 19 set. 1997. Brasil, p. 1 – 12.
193
Ao tomar conhecimento das prisões preventivas decretadas e realizadas, cerca de
400 sem-terra acorreram para a sede da COANA65 (Cooperativa Agropecuária
Avante) visando organizar protestos na delegacia e soltar as lideranças detidas.
Temendo a revolta social, a polícia transferiu os presos para a Paranavaí e 150
soldados da PM deram guarida ao Delegado Mário Sérgio “Bradock”, responsável
pelas prisões.
Figura 23: Mário Sérgio Zachesky, Delegado de
Querência do Norte, vestido a caráter para uma diligência contra os sem-terra, o eu lhe assegurou o codinome de “Bradock”, em alusão ao personagem do filme americano.
Fonte: MORISSAWA,Mitssue, 2001, p. 177.
65 RABINOVICI, Moisés. Encapuzados aumentam a violência no campo. O Estado de São Paulo, p. 1-6. São Paulo, 21 set. 1997.
194
Em entrevista concedida no dia 19 de setembro ao jornal O Globo, do Rio de
Janeiro, o delegado de Querência do Norte, que trabalhou no DOI-CODI, DOPS, SNI
e Polícia Federal, declarou ter sido convidado pelo secretário de Segurança do
Paraná, Cândido Martins, a pedido do governador Jaime Lerner, para "acabar com o
controle total que o MST tinha da cidade". O delegado disse ainda: "podem vir me
pegar; eu estou ligando pouco se morrer, mas eu encho eles de tiro primeiro"66.
Em resposta à ação política do Governo contra as lideranças, a violência praticada
contra os acampados e a pressão exercida por Bradock, o MST organizou uma
marcha que partiu dia 23 de setembro de 1997 rumo a Curitiba, exigindo entre
outros aspectos a aceleração no processo de assentamentos, a demissão do
Secretário de Segurança Pública e a libertação das 24 lideranças presas no Estado.
Na tarde daquele dia, enquanto o destacamento da polícia militar que acompanhava
o grupo, de carro, se distraiu, ao passar defronte a fazenda Saudade, em Santa
Izabel do Ivaí, os cerca de 600 marchantes pularam as cercas da fazenda e
realizaram uma ocupação67. No dia seguinte, um grupo de 40 famílias ergueu
novamente os barracos de lona no local, re-iniciando a luta pela terra na região.
Cedendo à pressão dos sem-terra, nesta mesma data o Governador do Paraná
exonerou do cargo o Delegado Bradock68, mas preservou o Secretário de
Segurança.
Andando de 15 a 30 quilômetros por dia, os sem-terra receberam apoio de várias
entidades na sua trajetória rumo a Curitiba. Espacializando a luta pela terra através
da marcha, em cada município onde atravessaram e acamparam os sem-terra
redimensionaram o espaço de socialização política através da distribuição de
panfletos, palestras para a população, entrevistas, enfim, levando às comunidades o
66 PT, Página Agrária do. Ofensiva contra o MST. Boletim Semanal da Secretaria Agrária Nacional do PT. São Paulo ano 1 – no 23, 20 a 29 set. 1997. Disponível em: http://www.pt.org.br/san/san23.htm. Acesso: 13 out. de 2002. 67 FOLHA, Agência. Marcha começa com invasão no Paraná. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 set. 1997. Colunão, p. 1 – 11. 68 FOLHA, Agência. Delegado de Querência do Norte é exonerado. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 set. 1997. Colunão, p. 1 – 11.
195
conhecimento da realidade vivida na luta pela terra que instigava as formas de luta
do MST.
Neste processo, no dia 3 de outubro a marcha apresentou vitórias para o MST, pois
16 lideranças foram libertar através de hábeas corpus obtidos pelos advogados do
Movimento69.
Em 23 de outubro a marcha chegou à Curitiba. Na frente do Palácio Iguaçu, sede do
Governo, os sem-terra almoçaram e receberam apoio de sindicalistas, pastorais
sociais, movimentos populares, professores, estudantes, punks, além do apoio
político dos senadores Roberto Requião (PMDB), Eduardo Suplicy (PT), o presidente
do PT (José Dirceu), além de deputados estaduais e vereadores de partidos de
esquerda.
Figura 24: Chegada da Marcha do MST em Curitiba. Fonte: Arquivo da COANA, set. 1997.
69 MASCHIO, José. Justiça do Paraná liberta 16 lideranças do MST em 3 dias. Folha de São Paulo, São Paulo, 04 out. 1997. Brasil, p. 1 – 14.
196
À tarde, contabilizando cerca de dez mil pessoas, a marcha se dirigiu à Boca
Maldita, onde os sem-terra continuaram a manifestação. Neste dia, a juíza de
Loanda, Elizabeth Khater, após colher os depoimentos dos líderes Delfino J. Becker
e Celso Anghinoni, determinou que eles respondessem aos processos em liberdade,
depois de mais de um mês presos na delegacia de Paranavaí, acusados de
formação de quadrilha e não cumprimento de ordem judicial. Quando souberam da
libertação dos companheiros presos, os sem-terra comemoraram a vitória política da
marcha70.
No segundo dia em Curitiba, lideranças do MST, representantes do INCRA e o
Governador do Estado se reuniram para discutir a pauta proposta pelo MST,
resultando em um acordo para acelerar as vistorias em fazendas, a desapropriação
de novas áreas, além da imissão de posse e a criação de novos assentamentos.
Outra questão importante inerente à violência diz respeito aos assassinatos contra
integrantes do MST, ações que já resultaram em 4 mortes na região Noroeste:
Sebastião Camargo Filho71, morto no dia 7 de fevereiro de 1998, durante despejo
efetuado por jagunços na fazenda Santo Ângelo, município de Marilena; em
Querência do Norte, morreram Sétimo Garibaldi (dia 27 de novembro de 1998),
durante despejo praticado por jagunços contra os acampados da fazenda São
Francisco; Eduardo Anghinoni72, (dia 31 de março de 1999), assassinado dentro da
casa de seu irmão73; além de Sebastião da Maia74, durante uma tentativa de re-
ocupação da fazenda Água da Prata, no dia 21 de novembro de 2000.
70 FADEL, Evandro. Depois de caminhar 650 km, sem-terra conseguem a libertação de dois líderes. Jornal da Tarde, São Paulo, 07 out. 1997. Disponível em: < http://www.jt.estadao.com.br/notici97/97-10-23/po5.htm >. Acesso em: 15 set. 2002. 71 NOTICIAS, Agência. Sem-terra morto em confronto. Conflito aconteceu em fazenda no Noroeste do Paraná.. Disponível em: <http://www.an.com.br/1998/fev/08/0pai.htm>. Acesso em: 16 set. 2002. 72 FADEL, Evandro; MENDES, Carlos; TALENTO, Biaggio. Irmão de líder do MST é assassinado no PR. Moviemnto Relaciona crime a nota publicada nos meios de comunicação pela UDR. Jornal O Estado de São Paulo, São Paulo, 31 mar. 1999. Disponível em: <http://www.estado.estadao.com.br/edicao/pano/99/03/30/ger644.html>. Acesso em: 16 set. 2002. 73 Assentado no projeto Pontal do Tigre, Celso Anghinoni tem uma história de lutas que se iniciou antes do MST, pois foi um dos fundadores do MASTRO. Na noite deste dia, enquanto ele e seu irmão dialogavam e assistiam a programação da TV, cinco tiros disparados do quintal da propriedade atingiram Eduardo. Segundo relatos, por engano o atirador errou a pessoa a quem deveria matar: no caso, Celso Anghinoni.
197
O cerco final contra o processo de espacialização do MST na região e no Estado foi
desencadeado no dia 6 de maio de 1999, quando o Governador Jaime Lerner deu
ordens75 para a Secretaria de Segurança Pública cumprir com todas as 44
reintegrações de posse ajuizadas até aquele momento, visando com estes atos a
“pacificação do campo”.
Para cumprir as determinações, uma megaoperação da polícia militar foi organizada,
contando com a presença articulada de 8.000 soldados da PM deslocados de
batalhões situados na capital e no interior. Segundo o Secretário de Segurança do
Estado76, os critérios para reintegrar a posse aos fazendeiros eram a existência de
ordem judicial, a declaração de produtividade da área e a decisão do proprietário de
não negociá-la com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Em Querência do Norte, considerado o principal pólo de lutas no Estado à época,
um efetivo de 2.00077 policiais composto por integrantes de grupos anti-sequestro,
anti-guerilha e da tropa de choque da polícia militar organizou barreiras para impedir
o acesso da imprensa e de qualquer cidadão que desejasse entrar ou sair da cidade.
Utilizando helicóptero, 30 ônibus, cães treinados e mais de 100 viaturas, os policiais
desalojaram 6 fazendas. Nestas ações, ao cercar os acampamentos os policiais
agrediram homens, mulheres e crianças com xingamentos e pontapés, obrigado-os
a se deitar, de bruços, com o rosto virado para o chão por até três horas. Coagidos a
revelar a região de origem, os sem-terra passavam por uma triagem, sendo
obrigados a entrar em ônibus especialmente destinados a transportá-los de volta aos
74 FADEL, Evandro. Invasão de fazenda acaba em morte no PR. Polícia suspeita que assentado tenha sido mortp com um tiro disparado por seguranças. Jornal do Estado de São Paulo, São Paulo, 22 nov. 2000. 75 COMMERCIO, Jornal do. Sem-terra. PM do Paraná fará megaoperação para desocupar 45 áreas invadidas. Jornal do Commércio, Recife,7 mai. 1999. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/JC/_1999/0705/br0705d.htm>. Acesso em: 16 set. 2002. 76 FADEL, Evandro. PM desocupa seis fazendas e prende 18 no PR. Operação, na madrugada de ontem, contou com cerca de 700 policiais de vários batalhões do Estado. Jornal do Estado de São Paulo, São Paulo, 8 mai. 1999. Disponível em: <http://www.estado.estadao.com.br/edicao/pano/99/05/07/ger839.html>. Acesso em: 16 set. 2002. 77 Segundo informações obtidas na Secretaria Estadual do MST em Curitiba e Secretaria Regional do MST em Querência do Norte.
198
lugares donde emigraram78. Por fim, todos os barracos e pertences era queimados.
Somente na noite do dia 7 de maio o acesso à cidade foi liberado.
Na noite do primeiro dia de operação, fazendeiros promoveram uma festa na cidade
de Loanda para comemorar as ações de despejo na região Noroeste. No meio da
animação, um fato pitoresco envolvendo a juíza Elizabeth Kather aconteceu, pois:
Cobrindo a recente desocupação de fazendas, o jornalista José Maschio, correspondente da Folha de São Paulo, circulou bastante pela central de operações e pelo Fórum de Loanda em meio a integrantes, todos à paisana, do GOE (Grupo de Operações Especiais da PM). À noite, chegando para jantar no restaurante "Balaio de Frango", Maschio foi saudado efusivamente pela juíza Elizabeth Kather, que dividia a mesa com alguns casais. - Parabéns! Parabéns pelo excelente trabalho. E o major, como é que está? Estava comentando aqui para os meus amigos fazendeiros o sucesso da operação. O repórter se aproximou da juíza, curvou-se e sussurrou: - Doutora, eu não sou policial, sou jornalista da Folha de São Paulo. Maschio conta que a cobertura da ação policial foi fácil. Difícil foi conseguir jantar, depois, com a juíza o tempo todo insistindo em tentar explicar a ele as contingências que levam uma magistrada, em uma cidade pequena, a se tornar amiga de fazendeiros. (http://www.correiocidadania.com.br/ed143/politica2.htm)
Segundo declarações prestadas a imprensa, o Secretário de Segurança Pública
afirmou que "A operação de desocupação faz parte de um plano global de
segurança pública do Estado, que é o desarmamento" (Jornal o Estado de São
Paulo, 8/05/1999). Elogiando a ação do Poder Público, o Coordenador da UDR no
Noroeste paranaense, Tarcísio de Souza afirmou: “Temos que parabenizar o
governo pela maneira eficaz e sem conflito, que é o que queremos. Estamos
confiantes que a reforma agrária seja feita de acordo com a Justiça, trazendo paz ao
campo”. (Jornal o Estado de São Paulo, 8/05/1999).
Durante dois dias, a presença ostensiva de policiais em Querência do Norte proibiu
qualquer forma de manifestação pública. Ao final da operação, mesmo com
ameaças de prisão e lideranças detidas, no dia 14 de maio de 2000 o MST
78 Neste período, sem-terras do Oeste e sudoeste paranaense compunham cerca de 30% do número de acampados, mas havia também brasiguaios e migrantes de outros estados, como Mato Grosso do Sul.
199
organizou um ato público (participaram mais de 5.000 pessoas) para denunciar a
situação de violência contra os sem-terra no Paraná.
Em junho deste ano de 1999, motivada pelo conteúdo de 150 fitas gravadas por
meio de grampos efetuados em telefones da COANA e da Adecon79, a Juíza
Elizabeth Kather requereu proteção policial para si e para o Fórum de Loanda, haja
visto que em alguns diálogos os sem-terra afirmavam o desejo de “incendiar o prédio
da justiça e/ou degolar a Juíza”.
Acionado o Setor de Direitos Humanos e a RENAP - Rede Nacional de Advogados
Populares, o MST entrou com um pedido de exoneração da Juíza e do Secretário de
Segurança Pública do Estado, Cândido Martins de Carvalho, acusando que os
grampos foram feitos de forma ilícita, sem autorização judicial, utilizando métodos
que remetem ao período da Ditadura Militar80.
Segundo Coordenadores do MST na região, no período em que o grampo foi feito
(10 a 25 de maio de 199981), havia a desconfiança de que os telefones estavam
grampeados. Assim, algumas conversas com frases de efeito, como o da morte da
Juíza e sua degola, foram efetuadas para testar se realmente acontecia o grampo.
Após tornar público o caso, as lideranças do MST confirmaram as suspeitas e
descobriram a rede de manobras ilegais feitas para cercear a luta pela terra.
Protestando contra a violência praticada pelo Estado contra acampados durante
novas ações de despejo na região, no dia 28 de junho de 1999, envolvendo famílias
assentadas e acampadas, o MST montou um acampamento na praça da Matriz em
Querência do Norte (Figura 25) , pressionando as autoridades locais e fazendo um
trabalho de socialização política com a população.
79 Após o assentamento na fazenda Pontal do Tigre e a obtenção de créditos pelos assentados, o MST organizou a COANA e, como parte dos investimentos, comprou o espólio da Adecon incorporando escritórios, galpões e máquina de beneficiamento à cooperativa. 80 FOLHA, Agência. Lerner diz que não foi informado sobre escuta: MST quer exoneração de Secretário do PR. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 junho 1999. Brasil, p. 1 – 6. 81 CALDAS, Andressa. De volta para o futuro IV. Associação Direito e Cidadania, UFPR, Curitiba. Disponível em: < http://www.cahs.org.br/publicacoes/fa126/center20.html>. Acesso: 16 set. 2002.
200
Figura 25: Acampamento do MST na praça da Matriz em Querência do Norte. Fonte: Arquivo da COANA, jun.1999.
À violência praticada pela polícia e milícias armadas dos fazendeiros no período
1996-2000, somou-se em março de 2001 as portarias número 62 e 101 (assinadas
pelo Ministro do Desenvolvimento Agrário, Raúl Jungmann), proibindo,
respectivamente, o INCRA de elaborar, no prazo de dois anos, vistorias em fazendas
com ação de esbulho possessório (ocupação) de movimentos sociais e excluindo do
processo de assentamento todas famílias que participassem em ações dessa
natureza.
Por conta destas medidas, durante os anos de 2.001 e 2.002, nenhuma ocupação
de terras foi organizada no Noroeste paranaense, quiçá, o mesmo retrocesso da luta
pela terra aconteceu em todo território Nacional.
Os impactos negativos da conjuntura política sobre a luta pela terra desmobilizou as
famílias sem-terra acampadas e desestruturou a possibilidade de ação/reação do
MST, sobretudo porque novas famílias dos municípios, por medo da violência,
201
passaram não mais responder aos trabalhos de base, negando-se a participar de
novas ocupações de terras. Assim, fechou-se o território para a espacialização do
MST e as ocupações deixaram de acontecer por conta da conjuntura política.
Quadro 3 Noroeste Paranaense – Número de famílias envolvidas em ocupações
de terra no período 1995 a 2001 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Total Cruzeiro do Sul - 160 - - - - - 160 Diamante do Norte
- - 110 - 24 - - 134
Guairaçá - - - 300 30 90 - 420 Itaúna do Sul - - - - 120 - - 120 Marilena - - 110 150 100 - - 360 Mirador - - - - 386 - - 386 Nova Londrina - - - - 110 - - 110 Paranacity - - - - 120 - - 120 Planaltina do Paraná
- - 50 - 60 - - 110
Querência do Norte
200 660 790 580 931 140 - 3301
Sta. Cruz do Monte Castelo
- 350 130 30 230 - - 740
Santa Izabel do Ivaí
60 100 40 - - - - 200
Santa Mônica - - - 60 - - - 60 São João do Caiuá
- - - 46 - - - 46
São Pedro do Paraná
- - - 200 - - - 200
Terra Rica - - - 370 200 - - 570 Total 260 1270 1230 1736 2311 230 0 7037 Fonte: CPT 2002
Segundo FERNANDES (2001), na história brasileira os movimentos sociais criaram
a possibilidade de inserção dos camponeses a partir da ocupação de terra,
ampliando o rol de possibilidades até então circunscritos à compra, herança ou
posse.
Negando-se a resolver a questão fundiária na sua raiz, cujo ponto fundamental é a
realização de um amplo processo de reforma agrária, o Estado permanece a
reboque dos movimentos sociais do campo, desenvolvendo uma incipiente política
de criação de projetos de assentamentos rurais nos municípios e regiões onde a
202
crise agrária é mais crítica, como ocorre no Noroeste paranaense (cartograma da
Figura 26), onde as ações do MST redundaram na sua territorialização..
Figura 26: noroeste paranaense. Assentamentos rurais e territorialidade do MST – 2003.
203
Fonte: INCRA e MST, 2003.
Impossibilitado de organizar novas ocupações, o MST re-estruturou seu projeto de
gestão política e territorial, vinculando sua organicidade no contexto regional à luta
na terra, ou seja, a participação produtiva e busca de qualidade de vida no campo
pelos 1.392 (Quadro 4) “neocamponeses” que lutaram, sofreram e hoje são
produtores rurais assentados, somando, neste caso, as 75 famílias que desde 1996
ocupam a fazenda Porangaba II em Querência do Norte e outras 35 famílias que
ocupam a fazenda Jofram desde 1997, cujo trabalho na terra lhes garante, via MST,
a condição de acesso à terra, cujo patrimônio o Estado ainda não teve capacidade
de lhes garantir.
Devido à importância política do seu quadro de militantes, o MST reestruturou sua
territorialidade. Como resultado, em 2001 Terra Rica despontou como um pólo
Quadro 4: Noroeste Paranaense – Assentamentos Rurais implantados, segundo o município, o número de famílias e a área em hectares.
Município
No de assentamentos
No de famílias
assentadas
No de áreas loteadas pelo MST
No de famílias
ocupantes
Soma das áreas (hectares) dos assentamentos
e ocupações Amaporã 2 65 - 1.749 Jardim Olinda 1 53 - 1.258 Cruzeiro do Sul
- - 1 35 700
Marilena 3 106 - - 2.530 Mirador 1 29 - - 617 Nova Londrina
1 27 - - 685
Paranacity 1 20 - - 256 Querência do Norte
8 671 1 75 19.210
Santa Mônica 1 37 - - 1.256 São João do Caiuá
1 34 - - 726
Santa Cruz do Monte Castelo
4 154 - - 3.930
Terra Rica 5 196 - - 4.110 Total 28 1.392 2 110 37.027
204
regional, coordenando 13 projetos de assentamentos, Paranacity 3 assentamentos e
1 ocupação, e Querência do Norte 12 assentamentos e 1 ocupação.
A presença do MST no município de Querência do Norte, sobretudo construindo a
história abordada nos capítulos anteriores, permitiu a implantação de oito projetos de
assentamentos (Pontal do Tigre, Chico Mendes, Che Guevara, Margarida Alves,
Zumbi dos Palmares, Luiz Carlos Prestes, Unidos pela Terra e Antônio Tavares
Pereira) e a manutenção de 75 famílias na ocupação Porangaba II, conforme Figura
27.
205
FIGURA 27 – TODOS OS ASSENTA JUNTOS
206
No Capítulo 4, abordaremos as especificidades da dinâmica social, organizativa e
produtiva dessas frações de território conquistadas pelos sem-terra, destacando um
conjunto de ações (cooperação, projetos de desenvolvimento, lutas por educação,
etc) gestadas pelo MST na busca de melhoria da condição de existência, trabalho e
renda dos assentados no campo, ou seja, a luta na terra...
207
A LUTA NA TERRA
208
4 A LUTA NA TERRA
Fruto da luta pela terra, a luta na terra é o ponto de convergência (e divergência)
entre os interesses e ações territoriais do MST e dos camponeses que compõem (ou
não) sua base (des) organizada. Em nosso modelo teórico, é na luta na terra e não
na luta pela terra que se pode confirmar a territorialização do MST.
Num contexto sócioterritorial onde os elementos estruturais da questão agrária
permanecem inalterados, salvo aqueles que se referem ao acesso à terra de
trabalho, a condição de assentados demanda novas articulações do MST e seus
militantes para continuar exercendo a contraposição ao capital, ao Estado e aos
processos inerentes à questão agrária, cujas ações e interações produzem a
diferenciação e exclusão do campesinato, controlam a política de preços e
financiamentos agrícolas, influenciam no padrão tecnológico adotado no campo, etc.
No acontecer da luta na terra, o MST de Querência do Norte tem construído um
amplo processo de gestão territorial que vai do setor de frente de massas82, passa
pelo setor de produção e chega ao de educação. O resultado são avanços salutares
nos assentamentos e acampamentos no que diz respeito à renda, às experiências
cooperativas, ao embate com o capital agro-comercial, o trato com a saúde das
famílias acampadas e assentadas, a reformulação na base produtiva da
agropecuária local, via experiências agroecológicas.
Devido à centralidade de ações dos sem-terras, além de um reordenamento
espacial, o município vivencia um renovado processo de desenvolvimento local a
partir do campo. O grande desafio deste capítulo é dimensionar este rol de
questões, contribuir para o seu entendimento e para a ampla discussão sobre a
política de assentamentos rurais, as experiências construídas pelos trabalhadores
rurais em movimento e a necessidade de uma reforma agrária no País.
209
4.1 Assentamentos rurais, (re)ordenamento espacial e novas
territorialidades.
Antes de discutir os assentamentos de trabalhadores rurais, faz-se necessário tecer
algumas considerações sobre as especificidades do Estado no contexto da questão
agrária brasileira e a relação de apropriação do território no conflito capitalismo X
campesinato, bem como as categorias forma, fixos e fluxos.
Em relação à discussão sobre o Estado, destacamos LÊNIN (1986) quando este
autor afirma que
O Estado é o produto e a manifestação do antagonismo inconciliável das classes. O Estado aparece onde e na medida em que os antagonismos de classe não podem objetivamente ser conciliados. E reciprocamente a existência do Estado prova que as contradições de classe são inconciliáveis. (LÊNIN, 1986, p. 9).
Participando nesta discussão, ENGELS (1960) conclui que o papel do Estado é
mediar os conflitos no interior da sociedade visando manter a ordem e o
desenvolvimento econômico e social. Com base nestes autores, pode-se afirmar que
o Estado é ao mesmo tempo produtor e produto da dinâmica social, mas está
diretamente vinculado aos interesses da burguesia.
Cruzando estas premissas com os elementos históricos, político, econômicos e
sociais presentes nos Capítulos I, Capítulo II e Capítulo III desta dissertação, pode-
se concluir que no espaço agrário brasileiro, seja na escala do País, dos Estados,
das regiões e dos municípios, politicamente há um favorecimento político e
econômico do capital em detrimento da classe trabalhadora, sobretudo do
campesinato.
82Responsável por organizar a luta pela terra.
210
Nesta perspectiva, quando os movimentos camponeses se organizam e lutam pela
terra e pela reforma agrária, colocam em xeque o lócus de sustentação e reprodução
ampliada do capitalismo no campo (a propriedade fundiária, onde se assenta a
territorialidade do capital), colocando na pauta política a questão agrária e a questão
camponesa, exigindo, portanto, uma nova forma de estruturação do agro brasileiro.
Por sua magnitude, este caráter dinâmico impele os agentes do capital a acirrar a
luta de classes contra os trabalhadores na disputa pelo território, entrando aí toda a
ação paramilitar dos jagunços ou a intercessão institucional do Estado a seu favor.
Assim, a luta pela terra é, antes de mais nada, uma luta contra o capital, e acima de
tudo, uma luta que visa a conquista de frações do território83 dominadas pelo capital,
na tentativa de transformar estes território em lócus de reprodução da agricultura
camponesa84, produzindo assim, uma nova configuração espacial.
(Des)ordenando o processo social, o Estado age “resolvendo” os conflitos através de
duas medidas centrais: a violência, cujo resultado direto é a desmobilização dos
acampados/ocupantes, ou aplicando uma incipiente política de assentamentos
rurais.
Na sua origem e magnitude, as ações do Estado são paliativas e pragmáticas,
sobretudo porque estão circunscritas aos municípios e regiões onde a luta pela terra
ocorre (FERNANDES, 2001), maquiando um processo de reforma agrária que só
poderia ser assim chamado se ocorresse na amplitude do território brasileiro.
Contudo, apesar das deficiências e no tipo de resposta do aparelho público
atendendo aos interesses dos movimentos sociais do campo, a presença dos
assentamentos rurais de maneira concentrada nos municípios e nas regiões permite
83 O domínio do capitalismo no campo ocorre a partir do controle físico-institucional assentado na propriedade privada da terra e/ou grilagem, e se complementa através das redes que fazem o encadeamento dos circuitos produtivos estruturadas pelo capital comercial, “atravessando” o território e drenando a renda da terra dos produtores, sejam eles outros capitalistas ou camponeses83. 84 Sobre a questão das territorialidades do capital no espaço geográfico, ver SOUZA (1995). Em relação à ação do capital no agro brasileiro, uma importante contribuição encontra-se em MARTINS (2001).
211
uma nova dinâmica na configuração espacial, gerando impactos importantes, como
asseveram os trabalhos de BERGAMASCO & NORDER (1999), MEDEIROS &
LEITE (2000) analisando o nível escalar da região, além de RAMALHO (2002)
discorrendo sobre tais mudanças sócioespaciais na escala municipal.
No intuito de co-participar no debate sobre a realidade dos assentamentos e seus
impactos locais/regionais, apontamos que a presença dos assentamentos permite
uma (re)estruturação espacial, sobretudo porque os assentamentos se comportam
enquanto fixos diferenciados em relação aos existentes, que por sua vez
(re)estruturam novos fluxos no espaço geográfico.
Discorrendo sobre o conceito de espaço, SANTOS (1991) entende que o espaço
geográfico é formado pelos fixos (os instrumentos de trabalho, os objetos
construídos e as forças produtivas em geral, possuindo características técnicas e
organizacionais) e os fluxos (movimento e circulação de mercadorias, matérias-
primas, dinheiro, pessoas, informações, poder, etc, dependendo da presença ou da
dinâmica de um, ou mais, fixo-s correspondente-s), cuja existência, crescimento e
destruição estão ligados ao “[...] poder econômico, político ou social, poder que por
isso é maior ou menor segundo as firmas, as instituições e os homens em ação
(SANTOS, 1996, p. 78).
Com base neste método e, sobretudo, com os elementos apresentados no decorrer
do Capítulo III, podemos identificar, tanto no município de Querência do Norte,
quanto na região Noroeste paranaense, a interação entre o Estado (instituição -
coordenou o processo de colonização, detém o poder de ação e controle sobre as
políticas públicas), o capital (firma – pode ser tanto as empresas colonizadoras, as
agroindústrias existentes ou as figuras físicas detentoras de terras) e os homens
(fazendeiros, pequenos proprietários, arrendatários) que interagiram/interagem para
a efetivação da grande propriedade (um fixo regional) voltada para a bovinocultura
extensiva de corte e/ou as lavouras capitalistas da laranja, da soja, do milho
safrinha, do trigo e da cana-de-açúcar.
212
Identificando estes agentes e os respectivos produtos de suas ações políticas,
sociais e econômicas, pode-se afirmar que Querência do Norte e a região Noroeste
paranaense estão inseridos no contexto da divisão regional do trabalho e da
produção, dentro da lógica intra-regional, nacional e global dos circuitos de
comercialização (fluxos de mercadorias), cuja mercadoria de destaque é, em grande
medida, o gado de corte e, em parte, os grãos e a mandioca.
Ao dominar os fixos (fazendas = propriedade da terra), receber as benesses das
políticas públicas, os principais agentes econômicos locais/regionais ditam o ritmo do
processo de acumulação de riquezas e “fecham” o território a ação de outro (s)
agente (s), de fora ou de dentro da região, que tenha interesse diferenciado,
pretenda modificar tal estrutura econômica ou se negue a participar no processo de
produção de maneira subordinanda (por exemplo, pagando a renda capitalizada
para ter acesso a terra) aos interesses do grupo dominante. Assim
O “fechamento” de uma região pelas suas classes dominantes requer, exige e somente se dá, portanto, enquanto essas classes dominantes conseguem reproduzir a relação social de dominação ou, mais claramente, as relações de produção. E nessa reprodução obstaculizam e bloqueiam a penetração de formas diferenciadas de geração de valor e de novas relações de produção. (OLIVEIRA, 1977, p. 31).
Apesar da centralidade de ação e o domínio político-econômico das elites regionais
e locais, respaldadas no Estado, contraditoriamente, o sistema capitalista cria e se
recria a partir do conflito entre as força sociais. Assim, podem emergir outros
agentes sociais, novas experiências organizativas, governos com propostas de
desenvolvimento e participação renovados, etc, gerando um embate entre as forças
econômicas, sociais e o Estado, reorientando o modelo vigente, ou seja,
(re)estruturando as formas, gerando novos fixos e fluxos, o que, conseqüentemente,
dinamiza a produção do espaço, haja visto que
[...] o espaço, num primeiro momento, se mostra como um lugar de encontro, um lugar onde podem se desenvolver ações sociais dos mais diversos tipos; no entanto, fazendo uma análise um pouco mais aprofundada, se percebe que o espaço, longe de estar aberto a todas as possibilidades, se encontra “fechado” em função de ser considerado como uma mercadoria e como um espaço normatizado
213
pelo vetor poder; o conflito social “reabre” o território, propondo usos alternativos. (LÓPEZ SÁNCHEZ, 1997 apud MONTENEGRO GÓMEZ, 2002, p. 36)
De posse destas categorias, pode-se afirmar que a presença do MST no Noroeste
paranaense, e de maneira mais concentrada e combativa em Querência do Norte,
desenvolvendo seu movimento de espacialização, configura para a burguesia
local/regional/nacional um risco eminente, daí as ações de classe e do Estado para
frear o processo de lutas através da violência ou fazer “concessões” (assentamentos
rurais) aos trabalhadores.
Ao dominar frações do território, o MST territorializa o campesinato, permitindo uma
reetruturação espacial importante, transformando grandes fazendas em minifúndios,
rompendo a concentrada estrutura fundiária.
Tabela 18: Querência do Norte – Número de Propriedades Rurais
segundo as Classes de Área. Número de Propriedades
De - 1 a
- 100 De 100 a - de 500
De 500 a + 14.000
Total Ano
no % no % no % no % 1998 324 72,97 93 20,95 27 6,08 444 100% 1999 638 89,23 54 7,55 23 3,22 715 100% Fonte: Cadastro do Imposto Territorial Rural, INCRA – 1998 e 1999. Tabela 19: Querência do Norte – Área das Propriedades Rurais
segundo as Classes de Área. Área em hectares
De - 1 a
- 100 De 100 a - de 500
De 500 a + 14.000
Total Ano
no % no % no % no % 1998 9.084,9 15,17 20.925,8 34,94 29.874,4 49,89 59.885,1 100%1999 15.294,7 26,93 11.988,1 21,11 29.514,1 51,96 56.796,9 100%
Fonte: Cadastro do Imposto Territorial Rural, INCRA – 1998 e 1999.
Segundo os dados do Cadastro do Imposto Territorial Rural (ITR) elaborado pelo
INCRA em 1998 e em 1999, em número e em área as pequenas propriedades tem
ampliado sua participação no espaço agrário local, passando do número de 324
(9.084,9 hectares) para 638 propriedades (15.294,7 hectares).
214
Apesar de diminuir em número, passando de 27 para 23, as grandes propriedades
praticamente mantiveram a área total ocupada, passando de 29.874,4 hectares para
29.514,1 hectares, com área média passando de 1.106,45 hectares em 1998, para
1.283,22 hectares em 1999.
No período verificado, as médias propriedades rurais com área situada entre 100 e
500 hectares foram as mais afetadas, apresentando diminuição em número (93
propriedades para 54) e área (de 20.925,8 hectares para 11.988,1 hectares).
Como os dados estão defasados, o INCRA iniciou no ano de 2003 um
recadastramento dos proprietários rurais, dados que estarão disponíveis a partir de
agosto de 2004, segundo informações da Secretaria do INCRA em Curitiba. Apesar
das dificuldades representadas pela base estatística do INCRA e do IBGE, o
processo de luta pela terra atingiu dezenas de fazendas em Querência do Norte,
inserindo centenas de novas pequenas propriedades neste espaço, conforme
informações presentes no Quadro 5. O cômputo dos novos assentamentos no banco
de dados do INCRA certamente modificará os número até então analisados,
permitindo uma outra leitura sobre a realidade agrária do município.
215
Quadro 5: Querência do Norte - Projetos de Assentamentos Rurais (P.A.) Nome do P. A.
Situação No de famílias
Área (ha)
Decreto De Desapropriação
Imissão de posse
Portaria de Criação
Pontal do Tigre
Definitivo 336 8.096 04.03.1995 22.10.1995 Port. 79 19.12.1995
Chico Mendes
Definitivo 79 2.297 25.03. 1995 14.12. 1995 Port. 80 De 18.12. 1995
Che Guevara
Definitivo 70 2.4534 15.01. 1997 26.06. 1997 Port. 23 14.10. 1997
Margarida Alves
Definitivo 20 557 24.03. 1995 24.09. 1997 Port. 44 04.12. 1997
Zumbi dos Palmares
Definitivo 22 802 24.01. 1998 s.i. Port. 90 07.09.1998
Luiz Carlos Prestes
Definitivo 50 1.256 04.11.1998 11.02.99 Port. 510 07.10.98
Unidos Pela Terra
Definitivo 21 549 s.i. s.i. Port. 42 07.11.2000
Antonio Tavares Pereira
Definitivo 73 1.000 s.i. s.i. 2001
Porangaba II
Em fase De Criação
75 2.200 s.i. s.i. s.i.
Total 09 746 40.035 Fonte: INCRA, 2003
No contexto da implementação dos assentamentos rurais, a presença dos militantes
assentados e acampados do MST transforma os fixos territorializados nas grandes
fazendas e seus respectivos fluxos (créditos bancários concentrados, animais de cria
destinados a frigoríficos e consumidores situados fora do espaço local e da região,
arrendatários capitalistas ativando circuitos produtivos externos à região)
historicamente constituídos, em novos tipos de fixos (o pequeno estabelecimento,
infra-estruturas no campo, aparelhos públicos como escola, posto de saúde, etc) e
fluxos (créditos bancários pulverizados, máquinas, implementos, peças, mão-de-
obra, sementes e insumos, produtos de primeira necessidade, bens de consumo
duráveis, serviços sociais e comerciais, produção de leite, mandioca, produtos da
216
lavoura branca, seda, arroz, animais de pequeno, médio e grande porte direcionados
ao comércio querenciano, etc), contribuindo para o desenvolvimento rural local.
Todavia, as transformações políticas, econômicas e territoriais não estão restritas
somente aos assentamentos. No período 1998 e 2001, a presença dos sem-terra
favoreceu a entrada de médios proprietários, pois o preço do alqueire de terras caiu
em relação ao valor histórico, além de ser de interesse dos grandes proprietários
venderem as suas terras no espaço local, por conta do “risco iminente” da ocupação.
Fazendo negócios o quanto antes, conseguiam evitar a desvalorização das fazendas
e podiam adquirir área de dimensões parecidas em regiões de outros Estados, como
o Mato Grosso, elementos que denotam um rearranjo territorial importante.
No período 2002-2004, pari passu à questão das medidas provisórias que coibiram
as ações dos sem-terra, verifica-se uma expansão vertiginosa dos contratos de
arrendamento de terras envolvendo arrendatários capitalistas e grandes fazendeiros
ligados à pecuária extensiva, vinculados sobretudo ao programa Arenito Caiuá –
Nova Fronteira, representando em seu conjunto as manobras políticas e econômicas
do Estado para afastar o risco representado pelo MST, favorecer um processo de
modernização da agricultura intra-regional e, na ponta do processo, dinamizar a
acumulação capitalista.
Abordando esta realidade, MONTENEGRO GÓMES (2002) destaca que o Convênio
Arenito Caiuá – Nova Fronteira foi assinado em 2001 pela COCAMAR85
(Cooperativa Agroindustrial de Maringá) e o Governo do Paraná, visando a troca de
tecnologias de produção entre a empresa, universidades públicas e Emater, maior
articulação entre entidades públicas (Secretaria Estadual de Abastecimento, além de
secretarias municipais), financeiras (Banco do Brasil) e privadas (Federação dos
Agricultores do Estado do Paraná, que congrega os sindicatos patronais) no sentido
85 Em 1963, a COCAMAR tinha como razão social Cooperativa dos Cafeicultores de Maringá. Em 1970, a entrada da cooperativa em amplos setores produtivos requereu a mudança no nome da empresa, que passou a se denominar Cooperativa dos Agropecuaristas de Maringá. Já o nome atual passou a vigorar no ano de 2000 (nota do autor).
217
de expandir o cultivo se soja no Noroeste paranaense, onde grassam milhares de
hectares de pastagens degradadas. Assim
A articulação institucional em torno do Convênio Arenito Caiuá – Nova Fronteira se apresenta como um exemplo paradigmático das novas políticas públicas de desenvolvimento rural. Convênio entre o público e o privado, alarde de representação social limitada a instituições e agentes sociais não críticos, e participação como espectadores de um projeto com um direcionamento muito concreto: maior eficácia nos instrumentos de reprodução do capital paralela à maior submissão do trabalho. (MONTENEGRO GÓMES, 2002, p. 123).
Segundo o Presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Querência do Norte86,
no contexto da expansão da soja e do milho safrinha, sobretudo no período 2001-
2004, o alqueire de terras voltou a se valorizar. Isto se deve, em grande medida, à
combinação de preço, clima e tecnologia que permitem um ganho de produtividade
crescente na sojicultura, além de elementos conjunturais como a expansão dos
créditos destinados ao financiamento dos plantios elaborados por médios e grandes
produtores, geralmente arrendatários, o impacto do Programa do Arenito Caiuá –
Nova Fronteira, além da ação da COCAMAR e da COPAGRA, adquirindo a
produção e prestando assistência técnica a estes agentes.
Por outro lado, a expansão da soja e do milho safrinha serviu para mudar
profundamente o caráter nos negócios com terra pois, a alguns anos, o preço de
terras era cotado em reais e, segundo o Departamento de Economia Rural
(DERAL), em janeiro de 2001 os negócios com terra no município tiveram o valor do
hectare variando de R$ 1.415,00 a R$ 1.727,00 Reais, algo em torno de 50 sacas de
soja por hectare, em valores da época.
Na atualidade o mercado de terras tem se valorizado e a saca de soja se
transformou em valor de troca, servindo como valor de referência para o mercado
218
imobiliário intra-regional. Essas circunstâncias tem favorecido negócios com terra em
valores que variam de 300 a 400 sacas de soja por hectare de terra.
Ao lado da especulação imobiliária, verifica-se um aumento no valor dos contratos
de arrendamento e parceria. Segundo produtores de Querência do Norte,
fazendeiros que cobravam pouco menos de 20% do total produzido com soja para
os parceiros ou estipulavam 15 sacas de soja por alqueire para os arrendatários,
estão requerendo de 30 a 35% da produção dos parceiros e fala-se até em 30 sacas
de soja por alqueire arrendado, valores que inviabilizariam tanto os arrendatário
quanto os parceiros que, enquanto capitalistas, requerem uma alta taxa de retorno
pelo capital investido (máquinas, equipamentos, créditos bancários e insumos) para
assumir os riscos climáticos e de mercado inerentes á atividade agrícola.
Na verdade, em relação à expansão e/ou retração da parceria e do arrendamento,
os fatos verificados na atualidade têm uma correspondência histórica com os fatos
analisados no Capítulo II. Apesar de se comportarem enquanto capitalistas usurários
(arrendantes de terras) os fazendeiros não abandonam de todo sua condição social,
econômica e cultural de conduzir tradicionalmente a propriedade rural.
Quando percebem que o soja, as demais culturas e a terra se valorizam no mercado,
os pecuaristas tendem a aumentar os valores pela permissão de usufruto de seus
imóveis. Conforme MARX (1986), isto ocorre porque a valorização no preço do
hectare de terra demanda para o capital um aumento na taxa média da renda da
terra.
É importante destacar que a “abertura” do território pelos capitalistas fundiários
mediante a incorporação de outros sujeitos sociais (arrendatários e parceiros)
nada mais é do que um movimento concreto, porém passageiro, de preservar
86 Este sindicato reúne a classe de proprietários patronais que, para ser sindicalizado, deve possuir, no mínimo, dois funcionários assalariados (permanentes ou temporários) e deter 60 hectares de terras, conforme declarações do Secretário da entidade.
219
sua base de reprodução (a terra) de agentes territoriais indesejáveis (os sem-terra,
principalmente).
Quando a relação arrendante/arrendatário permite uma valorização da terra através
da incorporação de trabalho e verificam-se melhorias substanciais nas qualidades
físico-químicas do solo, materializam uma importante condição sócioterritoriai,
econômica e política que garante a preservação da propriedade da terra: o aumento
da produtividade do solo. Colocadas tais circunstâncias, os fazendeiros retornam à
sua atividade tradicional, replantando pastagens e apascentando bovinos com uma
condição de produtividade superior àquela verificada quando temporariamente
abandonaram a atividade.
Frisa-se ainda, que na sua dinâmica de expansão o Convênio Arenito Caiuá Nova –
Fronteira tem impactado na elevação do preço venal das terras, outro fator que
certamente vai dificultar a desapropriação de fazendas pelo INCRA. Assim, reforça-
se a presença da propriedade e dos capitalistas e dificulta-se a ascensão do
campesinato.
220
4.2 Impactos políticos e socioeconômicos dos assentamentos rurais em Querência do Norte.
Nos últimos 16 anos de lutas, o MST conquistou 8 assentamentos, sustenta uma
área de ocupação e (re) inseriu 746 famílias de camponeses em 40.035 hectares de
terra. Por meio da luta na terra, políticas como linhas de crédito para investimento,
estradas, escolas, postos de saúde e energia elétrica vem sendo obtidas junto ao
Estado.
Como não é prioridade das instituições públicas, a política de assentamentos
esbarra em uma série de problemas estruturais, entre eles a falta de assistência
técnica aos (novos) produtores (a Emater e o próprio INCRA não tem recursos e
quadro técnico para fazer o acompanhamento junto ás famílias, uma política de
garantia dos preços mínimos que favoreça os agricultores ligados ao circuito de
lavouras brancas (milho, arroz, mandioca) e comerciais (algodão), financiamentos
que supram as necessidades de crédito, incentivo técnicos, fiscais e creditícios para
as experiências associativas, os problemas em relação à alocação/expansão dos
serviços saúde e educação no campo, entre outros aspectos.
Vencendo os contratempos, o MST trabalha na organização de sua base de
militantes (acampados e assentados), elabora discussões, coordena projetos e tece
uma teia de relações que em muitos casos suprem as falhas e necessidades acima
expostas e ajudam a alavancar o desenvolvimento tanto das famílias assentadas
quanto do município, pois os grupos de indivíduos anteriormente excluídos têm a
oportunidade de se inserir enquanto produtores rurais.
221
No contexto de uma economia local que até meados dos anos 1990 encontrava-se
estagnada, cuja população urbana é pobre, comércio pouco desenvolvido, indústria
praticamente inexistente e vida econômica dependente da riqueza gerada no campo,
a ascensão econômica dos camponeses assentados tem produzido uma série de
impactos (aumento da população local, sobretudo a rural, aumento da arrecadação
de impostos, crescimento do número de pessoas com dinheiro para consumir no
comércio local, etc) e reordenado as demandas econômicas, sociais e territoriais por
terra, trabalho, saúde, escola, cultura, dentre outras, elementos que tentaremos
qualificar e discutir nos itens a seguir.
4.2.1 As propostas de cooperação e desenvolvimento agrícola gestadas pelo MST.
Compreendendo a matiz estrutural da questão agrária e, sobretudo, do viés político-
institucional inerente ao conjunto de forças hegemônicas na sociedade brasileira, o
qual, em grande medida, abordamos no decorrer do Capítulo I, o MST, além de lutar
pela terra, tem a preocupação de elaborar projetos que contribuam na resistência
dos assentados na terra de trabalho num contexto onde as bases para a sua
exclusão continuam presente e, politicamente, se asseverando ainda mais.
No processo de luta pela reforma agrária ideal, o MST co-participa na efetivação da
reforma agrária possível, ou seja, a política de assentamentos rurais, mas com a
preocupação de ter a primeira como uma realidade a ser construída. Nesta
dinâmica, os sem-terra dimensionam duas ações concretas distintas e
complementares: a luta pela terra e a luta na terra.
A primeira está vinculada à constituição do espaço de socialização política amplo
(contendo os espaço comunicativo, interativo e de luta e resistência) que possibilita a
construção da identidade coletiva, visando a conquista do direito a terra, lócus de
(re) criação do campesinato, consolidando a cidadania plena ou num estágio
superior àquele de exclusão onde os indivíduos se encontravam quando entraram
no processo.
222
O segundo acontece nas frações conquistadas do território do capital fundiário: os
assentamentos rurais, onde o MST redimensiona o processo de luta visando a
conquista de elementos infra-estruturais (estradas, escola, energia elétrica,
abastecimento de água, etc), econômicos (financiamentos para construção de
moradia, plantio, compra de máquinas e animais, constituição de cooperativas, etc) e
participativos (núcleos de base, centros de formação, grupos de jovens, grupo de
mulheres, instâncias organizativas do MST – setores de produção, comunicação,
frente de massas, educação, cultura, etc), cuja dinâmica sustenta o desenvolvimento
econômico, político-ideológico e a participação ativa dos neo-camponeses
assentados na terra conquistada, retro-alimentando a luta e pesando no pacto
político-institucional através do acúmulo de forças.
Devemos entender como acúmulo de forças, a conquista do espaço, social e geográfico, e sua manutenção através da intervenção organizada das pessoas ou de um movimento de massas, elevando o nível de consciência através da perseguição de objetivos que se queiram alcançar a curto, médio e longo prazo. [...] Nos assentamentos, o acúmulo de forças está relacionado com o desenvolvimento das diferentes dimensões da vida do assentado. (BOGO, 1999, p. 138).
Inserindo novos agentes no processo e gestando suas formas de luta, o MST
difunde um conceito amplo de reforma agrária que abarca todas as categorias de
agricultores excluídos ou com pouca terra, e que se complementa com uma
reconstrução da sociedade e do campo brasileiro, conforme salienta Alentejano
(1996).
Através de ações concentradas, o MST possui uma unidade de discurso, um
conjunto de ações e uma prática política que, na dinâmica da luta pela terra,
permitem a conquista de frações do território do capital fundiário, inserindo aí o
campesinato.
Mas, na mediação com o Estado, os agentes de mercado e os próprios assentados,
ocorre uma diferenciação regional dentro do MST na fase de proposição e gestação
223
de estratégias de luta na terra87, que limita, extingue ou projeta sua territorialização
em outro domínio: o mercado, onde o capital monopolista exerce seu poder
cobrando da sociedade e do camponês a renda capitalizada da terra.
Assim, friza-se que nos lugares (municípios e regiões) onde o MST não consegue
reproduzir suas instâncias organizativas, a territorialização do MST é parcial, pois
não dá contra de alçar política e economicamente os trabalhadores no sentido de
projetá-los para fora das redes de domínio estabelecidas e coordenadas pelo capital.
Desde a década 1970, a construção de experiências de luta pela terra, sobretudo
vinculada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, tem colocado novos
desafios aos camponeses: a discussão sobre a questão agrária, quais os elementos
que forjam a exclusão e a exploração da riqueza produzida pelo camponês, e quais
as alternativas possíveis de serem construídas para desterritorializar o capital agro-
comercial e agroindustrial e reverter o processo de drenagem da renda da terra.
Nacionalmente, é o Setor de Produção do MST, apoiado na contribuição de
trabalhos de teóricos militantes e acadêmicos (CARVALHO, 2002; MST 1999; MST,
1998: MST, 1997; MST, 1993: ZAMBERLAM, 1990; MORAIS, 1986), quem estrutura
as macro-propostas que são discutidas pelos mediadores na base, junto às famílias
assentadas e acampadas.
Demonstrando que a conquista de um lote de terra é um grande avanço social, mas
ainda muito tímida frente aos desafios da classe trabalhadora de
contraposição/resistência ao capital e de ascensão ao socialismo, é mostrado aos
camponeses que, apesar de no processo de territorialização da luta pela terra o MST
excluir o latifundiário, a falta de uma reforma agrária plena, que re-estruture a
agricultura brasileira, faz com que os novos produtores rurais assentados sofram os
impactos do processo paulatino de empobrecimento e de exclusão social que (se)
abate (sobre) o campesinato, pois continuam atrelados à estrutura viciada de
domínio do capital agro-comercial e agroindustrial no campo – responsáveis pela
87 Aqui compreendida num sentido amplo, passando pela produção até a circulação das mercadorias, incluindo elementos de desenvolvimento sociocultural dos assentados, como saúde, cultura, lazer, educação, conscientização política, dentre outros elementos que o MST, enquanto uma entidade Nacional, propõe enquanto plano de ações.
224
drenagem da renda da terra – além de um Estado que se nega a praticar políticas
que beneficiem estes produtores, como acesso ao crédito agrícola, tecnologia,
educação no/do campo, cultura, assistência técnica, saúde, etc.
A conquista do assentamento rural impacta positivamente na criação/ demanda de
unidades familiares de produção, cooperativas, armazéns, silos, agroindústrias
processadoras, reordenando os fluxos de dinheiro, riquezas, pessoas, mercadorias,
impostos, capitais, renda, etc.
No atual estágio de desenvolvimento do capitalismo no campo brasileiro, a
cooperação agrícola comparece para o MST como uma das alternativas viáveis,
desde um ponto de vista teórico e prático, para mediar os conflitos entre o
campesinato, o Estado e os agentes de mercado em sua luta na terra.
Entretanto, esta cooperação não é pensada visando resolver os aspectos
econômicos que envolvem o produtor (aumento do capital constante, produtividade
do trabalho, divisão do trabalho e especialização, racionalização da produção e do
desfrute dos recursos naturais, uso da tecnologia, preço dos produtos no mercado,
incorporação da agroindústria e eliminação do atravessador garantindo maior renda)
como acontece nas cooperativas tradicionais.
Enquanto experiências, os 23 estados onde está organizado o Movimento possuem
400 associações, 32 cooperativas de prestação de serviços, 49 cooperativas de
produção agropecuária baseadas no trabalho coletivo, 2 cooperativas regionais de
comercialização, 2 cooperativas de crédito, além de dezenas de ações menores,
mas muito importantes, como os mutirões coletivos de trabalho; associações de
trabalhadores para compra de maquinas e insumos; organização de semi coletivos
de trabalho para compra/desfrute de máquinas e equipamentos; o tradicional modo
familiar de gestão da terra, da produção e do trabalho (lotes individuais), além de
propostas diversas que incluem a montagem unidades processadoras, cursos
técnicos para requalificar o produtor e dinamizar a produção, uso de tecnologias
alternativas para baratear o custo de produção (energia solar, medicina alternativa),
difusão do conceito de produção e dos produtos orgânicos, criação de estruturas
225
funcionais e alocação de técnicos para fomentar a pesquisa e a extensão (corpo de
técnicos agropecuários, engenheiros agrônomos, zootecnistas, campos
experimentais e centros de excelência, hortas medicinais), dentre outros, que se
complementam na forma de uma rede agro-estrutural voltada para o crescimento
econômico em bases locais/regionais.
O enriquecimento do conceito de cooperação ocorre com a agregação dos
elementos sociais (melhoria nas condições de moradia, bens coletivos como energia
elétrica, postos de saúde, escolas, rádios comunitárias, centros culturais, salões de
festas, além de ações sócioeducativas e culturais, como a alfabetização de jovens e
adultos, os teatros, as cirandas infantis, os grupos de mulheres, jogos, a religião, o
folclore) e políticos (ampliar a resistência ao capitalismo, efetivar as propostas
políticas do Movimento para a reforma agrária, garantir a formação de militante e
dirigentes, desenvolvimento da consciência política dos camponeses, promover
articulações políticas e acumular forças para alcançar a transformação social).
Desse modo, a proposta de desenvolvimento rural proposta e que lentamente vem
sendo executada pelo MST fomenta uma ruralidade onde o espaço agrário é
(re)estruturado, tornando-se lócus de realização plena da socialização humana,
recolocando o camponês enquanto um importante contribuinte na geração da
riqueza, na produção de alimentos e principalmente, com voz e vez nos pactos
políticos.
No seu conjunto, as conquistas e propostas do MST “quebram” as bases que
sustentam o pensamento marxista ortodoxo, com destaque para a ideologia da
superioridade da grande propriedade em detrimento da pequena exploração familiar,
da importância do mercado e da grande unidade processadora em relação às
pequenas e médias agroindústrias e da produção de auto-consumo, entre outros
aspectos.
226
Recebendo as influências políticas e ideológicas das discussões e formação
realizadas no seio de sua organização, os militantes o MST em Querência do Norte
tem por prática fazer a discussão da luta na terra ainda na fase de acampamento,
trabalhando os conceitos e a diversidade de formas de cooperação agrícola, a
acessibilidade ao crédito bancário, a necessidade da presença dos grupos de família
organizados nos assentamentos, a discussão política sobre temas como venda de
lotes, organização produtiva, coordenação do assentamento, etc.
Historicamente, esta forma de articulação do MST local surgiu a partir das
influências da Secretaria Estadual do MST durante a fase do acampamento na
fazenda Pontal do Tigre, quando técnicos, agrônomos e militantes faziam os
trabalhos de base mesclando a assistência técnica com a orientação das famílias
visando a produção e sua organização.
Um marco político e territorial do MST na fazenda 29 Pontal do Tigre foi a questão
da expulsão dos arrendatários do interior da fazenda, cujo impacto imediato foi o
forte apelo da opinião pública local questionando os sem-terra do MST sobre a
perspectiva de “abandono” das terras cultivadas pelos arrendatários. Sem crédito
para investir, falta de tecnologia (sobretudo máquinas), sementes, mas com o
desafio de “tocar” uma área de 5.000 hectares de várzeas somada com outros 5.000
hectares de terras altas, a saída encontrada ocorreu mediante a soma das forças em
grupos, marcando o início da cooperação agrícola.
Neste trabalho de alavancar a produção, em 1990 passou a se destacar um grupo
de 4 famílias proveniente de Reserva passou a organizar a gestão das terras
ocupada de maneira cooperativa visando, num estágio avançado, estabelecer a
coletivização total da terra.
Na fase de gestação do coletivo (1990 -1993), as famílias optaram por morar
próximas umas às outras. Isso facilitava fazer reuniões, se precaver dos despejos
acionados pelo fazendeiro, trocar serviços nas tarefas de plantio e construção de
moradias, adquirir um trator para cultivar a terra, entre outras ações.
227
Aos poucos, as famílias que moravam em barracos de lona evoluíram da situação de
miséria e fome, tendo somente vontade, força de trabalho e um pedaço de terra para
plantar, para uma situação um estável de sobrevivência, pois a renda da produção
permitiu a melhoria nas condições de alimentação e moradia e renda.
Neste espaço de tempo, a socialização política efetuada por técnicos do MST,
trabalhando com questões relativas a depreciação de bens de capital (máquinas e
implementos), representando um custo alto para uma família sozinha ter de arcar na
compra e manutenção desses bens, o uso racional dos recursos terra, capital e
trabalho, além das vantagens em adquirir e dispor dos recursos bancários após o
assentamento definitivo, instigou estas famílias a montar um grupo coletivo
(COPACO – Cooperativa Agropecuária Conquista) e um outro grupo de pessoas a
organizar um grupo semi-coletivo, denominado “Grupo União”.
Segundo entrevistas realizadas junto a famílias assentadas na COPACO, em 20 de
maio de 1993, 17 famílias decidiram participar na fundação da Cooperativa, reunindo
todos os bens destinados à produção que possuíam: 4 cabeças de gado, alguns
porcos e galinhas, ferramentas e um cavalo.
Durante o primeiro ano, a opção feita nas reuniões foi a de cultivar gêneros
alimentícios (batata, mandioca, arroz, frutas, animais de pequeno porte, gado de
leite) para garantir a subsistência. Apesar de sua condição legal não permitir
naquele momento acessar linhas de crédito bancário, a cooperativa ocupava uma
ampla área de várzea a ser explorada com arroz irrigado. Como não possuíam
máquinas e equipamentos para explorar a várzea mas sabiam que daquelas terras
poderiam obter alta produção e renda, os cooperados adquiriam crédito junto ao
comércio e compraram um trator com o prazo de pagamento para três anos. Desta
maneira, no primeiro ano foram cultivados 13 alqueires de arroz.
No segundo ano, a situação financeira melhorou. Acessando créditos bancários, os
assentados da COPACO ampliaram a área de lavoura, adquiriram alguns animais e
dinamizaram as fontes de alimentação.
228
Apesar dos avanços, entre o segundo e o terceiro anos abandonaram o coletivo
duas famílias, mas as que restaram continuaram estruturando a cooperativa, um fixo
diferenciado dentro do assentamento, sobretudo em relação à diferença de gestão
de trabalho entre a COPACO e os lotes individuais dos camponeses que ocupam a
fazenda Pontal do Tigre.
Conforme os dados do Quadro 5, no ano de 1995 a territorialização definitiva do
MST no assentamento Pontal do Tigre e no assentamento Chico Mendes, permitiu a
inserção de 415 camponeses no espaço agrário local.
Vinculado a esta conjuntura, o MST deslocou militantes do Setor de Produção
localizando em outras regionais para Querência do Norte a fim de elaborar
discussões mais amplas com os assentados. Fruto deste trabalho, os assentados
passaram a entender que cada família, ao receber o lote de terras, tinha direito a
receber três formas básicas de crédito do INCRA, ligado ao PROCERA – Programa
de Crédito Especial da Reforma Agrária88, nas seguintes rubricas:
• Crédito Fomento: destinado basicamente à alimentação durante a fase de
transição do acampamento para o assentamento. Segundo consta, cada família
tinha direito de receber R$ 1.000,00 para auxiliar no seu sustento nos 3 a 4
primeiros meses no assentamento. Sobre este crédito não recaia nenhuma taxa
de juros;
• Crédito Habitação: com valor de R$ 2.500, 00, destinava-se à compra de
materiais de construção para construção de moradia. Devido ao baixo valor, não
permitia a compra de todos os materiais para a construção da casa, haja visto o
tamanho médio das famílias assentadas (4 a 6 pessoas);
• PROCERA Investimento: popularmente conhecido como “Procerão”. Com valor
de R$ 7.500,00, destinava-se a compra de bens de produção como gado de leite,
cerca, ferramentas, maquinas, insumos, etc. Mas, para receber tal quantia, o
88 Criado em 1986, durante o Governo de José Sarney, o PROCERA foi uma das principais conquistas econômicas do MST para viabilizar os assentamentos rurais e o desenvolvimento da cooperação agrícola.
229
assentado recebia a orientação de um técnico (agrônomo, veterinário e/ou
técnico agrícola) para examinar a pertinência da linha de produção que o
produtor planejava desenvolver. Além disso, ficava a cargo da assistência técnica
atestar a sanidade dos animais adquiridos, preservando as famílias do risco de
obterem animais doentes. Para saldar os financiamentos obtidos, o montante de
capital era dividido em 8 parcelas anuais, com prazo de carência de 5 anos para
o pagamento da primeira parcela. Como forma de subsídio, ao saldar em dia seu
débito anual, o assentado receberia desconto de 50% calculado sobre o valor da
parcela;
• PROCERA Teto Dois: com o dobro do valor do PROCERA Investimento e a
mesma carga de juros e subsídio, este financiamento tinha duplo destino: metade
do valor era recebido pelo assentado, nos moldes do PROCERA Investimento, e
a outra metade era repassado a uma cooperativa existente ou a ser constituída.
Desta forma, esta modalidade de crédito incentivava a formação de novas
experiências cooperativas, que para iniciar suas atividades obrigatoriamente
deveriam contar, no mínimo, com 20 famílias;
• PROCERA Custeio: com valor de R$ 2.000.00, destinava-se ao financiamento
das safras, como a compra de sementes, insumos, ferramentas e animais.
Afora a questão da produção, outras linhas de crédito ofertadas aos assentados são
os programas Estadual e Federal de energia elétrica rural, o primeiro administrado
pela Copel (Companhia Paranaense de Energia Elétrica) e o segundo pelo INCRA,
através do programa Luz da Terra.
No ano de 1995, as 415 famílias assentadas acessaram os financiamentos do
PROCERA, fato que permitiu incrementar a capacidade de investimento daqueles
que já cultivavam suas terras e inserir produtivamente as famílias pobres cuja
situação de sobrevivência era precária.
Fruto do trabalho de base desenvolvido pelo MST visando a cooperação agrícola,
em 05 de dezembro de 1995, 330 famílias fundaram a COANA – Cooperativa
230
Agropecuária Avante. A partir de então, R$ 2.475.000,00 (dois milhões e
quatrocentos e setenta e cinco Reais) relativos ao PROCERA Teto Dois foram
investidos na construção de um prédio no município de Querência do Norte, na
compra de equipamentos, veículos, máquinas agrícolas e caminhão.
Contando em seu quadro militantes do MST e técnicos contratados pelos sem-terra,
a COANA é um fixo territorial tático e estratégico tanto para a luta pela terra
(organização de acampamentos, ocupações, trabalhos de base, ações junto à
sociedade civil e partidos políticos, etc) quanto para a luta na terra (coordenação de
projetos de financiamento entre os assentados e o Banco do Brasil, serviços de
acompanhamento e assistência técnica às famílias, elaboração de planos de
desenvolvimento e novos projetos para os assentamentos, prestação de serviços
com equipamentos e máquinas agrícolas da cooperativa - tratores, valetadeiras,
máquina de beneficiamento de arroz - para auxiliar no desenvolvimento agrícola,
sobretudo nos 5.000 hectares de várzea89 situados no assentamento Pontal do
Tigre, coordenação dos trabalhos de base dentro dos assentamentos através dos
grupos de famílias, oferta de insumos aos produtores com preços mais em conta que
aqueles praticados no comércio local, etc).
Aliás, no episódio descrito no capítulo anterior, relativo aos grampos telefônicos em
aparelhos da cooperativa, ficou clara a importância da cooperativa nas ações de
pressão sóciopolítica contra o Estado e o capital.
Devido à conquista dos assentamentos Che Guevara (70 famílias) e Margarida Alves
(20 famílias) em 1997 e Zumbi dos Palmares (22 famílias) em 1998, afora a
intensificação da luta pela terra neste período, o raio de atuação da COANA
aumentou90, exigindo uma maior articulação para colocar em prática os
89 A aquisição destas máquinas permitiu ampliar os canais de irrigação e canais de drenagem, construção de taipas e nivelamento de terrenos, regulando a inundação das várzeas alagáveis e incorporando terras secas à área agriculturável com arroz. 90 Devido à proximidades de 4 assentamentos rurais do município de Santa Cruz do Monte Castelo, a COANA presta assistência às 188 famílias assentadas, raio de atuação que permite na atualidade contar com 615 famílias cooperadas. Apesar de não ser assentamento definitivo, desde 1996, ano em que foi ocupada a fazenda Porangaba II, as 75 famílias deste pré-projeto também recebem assistência técnica da COANA, de maneira paralela aos trabalhos de base do MST.
231
planejamentos de assistência técnica, cooperação agrícola e coordenação da luta
pela terra.
Tabela 20: Querência do Norte – Índice de Cooperação Agrícola nos assentamentos
rurais. Assenta- mento
No Ques- tioná- rios
COANA
%
COANA/COPA- GRA
%
COPA-GRA
%
COCA- MAR
%
Nenhum
%
Pontal do Tigre
286 197 68,88 38 13,29 19 6,64 0 0 32 11,19
Chico Mendes
79 58 73,42 3 3,80 0 0 0 0 18 22,78
Che Guevara
59 46 71,74 3 6,52 0 0 0 0 10 21,74
Margarida Alves
20 14 70 1 5 1 5 0 0 4 20
Zumbi dos Palmares
22 9 40,91 3 13,64 2 9,09 0 0 8 36,36
Luiz Carlos Prestes
46 1 2,17 0 0 0 0 0 0 45 97,83
Unidos pela Terra
21 0 0 0 0 2 9,52 0 0 19 90,48
Antonio Tavares Pereira
38 1 2,63 0 0 0 0 2 5,26 35 92,11
Total 571 326 57,10 48 8,40 24 4,20 2 0,35 171 29,95Fonte: Mutirão do MST, dezembro de 2002. Tabulação e organização: Sérgio Gonçalves.
Segundo as informações apresentadas na Tabela 20, 57,10% das 571 famílias
entrevistadas estão filiadas a COANA, 4,20% são filiadas somente a COPAGRA,
8,40% mantém filiação tanto com a COANA quanto com a COPAGRA. Afora a
presença insignificante da COCAMAR com 0,35% de assentados filiados desde o
ano de 2002 quando montou uma unidade de beneficiamento de soja em Querência
do Norte, 70,05% das famílias entrevistadas mantém vínculos cooperativos,
enquanto 29,95% delas não possuem.
232
Há que se destacar que o número de assentados não cooperados tem íntima
relação com do fim dos créditos do PROCERA Teto Dois e a ascensão do PRONAF,
que não tem rubrica destinada a criação de experiências cooperativas, o que
desestimula a participação das famílias neste tipo de estrutura. Como basicamente
os assentados dos projetos Luiz Carlos Prestes, Unidos pela Terra e Antonio
Tavares não receberam créditos do PROCERA, este elemento de ordem política e
econômica explica o alto índice de não-filiação observado nestes assentamentos.
Apesar disso, a COANA atua junto a estas famílias, seja através da compra da
produção de leite, prestação de serviços ou participação de técnicos/militantes
executando a assistência técnica rural e o trabalho de base.
As mudanças no financiamento agrícola cujos impactos atrofiaram o processo de
organização de cooperativas pelos assentados remontam ao ano de 1999, quando o
Governo Federal extinguiu o PROCERA e criou o PRONAF91 – Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura Familiar, cujas rubricas estão presentes no Quadro
6.
91 Em 1995, o Governo Federal criou o PLANAF – Plano Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Em 1996, o programa passou a ser chamado PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, seguindo as orientações do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA, de coordenar sob um novo patamar a implementação de políticas públicas para os pequenos produtores. Sobre estas políticas, ver Carneiro (1997), Mattei (2001) e Montenegro Gómes (2002).
233
Quadro 6: Grupos e Produtores Financiáveis pelo PRONAF.
Grupos Mão-de-obra Renda Familiar. Público Alvo
A Exclusiva-mente familiar
Não determina percentual de renda mínima dentro do estabelecimento.
Agricultores familiares assentados, excluídos os que se beneficiaram pelo PROCERA Investimento.
B Exclusiva-mente familiar
Não determina percentual de renda dentro do estabelecimento; Renda até R$ 1.500,00, excluída a aposentadoria rural.
Agricultores familiares descapitalizados, trabalhadores rurais descapitalizados com atividades não agropecuárias em estabelecimento rural.
C Familiar com possibilidade de contratação eventual de terceiros
Renda situada entre R$ 1.500,00 e R$ 8.000,00, sendo 80% no mínimo, proveniente da exploração agrícola e não-agrícola do estabelecimento, podendo atingir até R$ 16.000,00 para as atividades de avicultura, bovinocultura de leite, aqüicultura, caprinocultura, ovinocultura, fruticultrura, olericultura, sericicultura e suinocultura.
Agricultores familiares ou trabalhadores rurais descapitalizados, com atividades não agropecuárias em estabelecimento rural
D Familiar e/ou até 2 empregados permanentes
80% da renda familiar deve provir do estabelecimento de exploração agropecuária ou não agropecuária; Renda bruta anual entre R$ 8.000 e R$ 27.500.
Agricultores familiares e trabalhadores rurais com maior nível de capitalização que exerçam atividades agropecuárias ou não agropecuárias em estabelecimento rural.
Fonte: DESER (1999) Organização: Sérgio Gonçalves, 2000.
O fim do PROCERA gerou uma série de críticas dos sem-terra de várias
organizações existentes no Brasil em relação ao Governo Federal, pois a mudança
na forma de financiamento passou a ser um empecilho a mais para o
desenvolvimento de cooperativas, representava um custo muito alto no dinheiro
repassado aos assentados, tendo em vista o nível de subsídio que existia nesta
234
modalidade de financiamento e o possibilidade de desenvolvimento para famílias
assentadas.
Isso foi do governo passado, do FHC e quem operacionalizou isso foi o Jungmann que era o ministro do MDA, ele entendia e entende até hoje, de que o agricultor assentado tinha que se enquadrar nas mesmas normas, nas mesmas formas que um pequeno agricultor, sem privilégio como dizia ele. Ele entendia que o PROCERA era um privilégio. E ai foi isso, extinguiu simplesmente o PROCERA e estendeu, ficou no lugar o PRONAF. (COELHO, 2003).
Na verdade, as preocupações que instigam o MST a criticar o PRONAF ocorrem
pela não inclusão de facilidades para uniões cooperativas e porque o assentado é
um produtor diferenciado, sua trajetória de vida é de exclusão, quando acessa a
terra não possui nenhum bem, deve organizar uma nova unidade produtiva e crescer
a partir da estaca zero.
No PRONAF, os assentados têm de disputar créditos com produtores consolidados,
o que é uma concorrência absurda, pois qualifica enquanto iguais sujeitos sociais
que na sua condição de existência são extremamente diferentes. Desta forma, sem
um projeto diferenciado de financiamento aos neocamponeses assentados, o Estado
dificulta a ascensão social e produtiva destes trabalhadores, abandonando uma
política creditícia (o PROCERA) que por todo o Brasil permitiu o desenvolvimento
econômico e social consolidado de experiências cooperativas e individuais.
Críticas à parte, entre 1999 e 2000 foram imitidos na posse os assentamentos Luiz
Carlos Prestes (50 famílias) e Unidos Pela Terra (21 famílias). Após a mudança no
sistema de financiamento, estas famílias foram as primeiras a acessarem os créditos
do PRONAF.
Devido à conflituosa conjuntura de luta pela terra desenvolvida pelo MST no
Noroeste e no Estado do Paraná, entre 1999 e 2001 a COANA foi impedida de
elaborar os projetos de financiamento destes assentamentos, ocorrendo o
descredenciamento da cooperativa junto ao INCRA. Através dessa manobra, o
Estado tentou cortar as fontes de financiamento do MST, cujo eixo principal era a
cooperativa. Desestruturando as instâncias do MST para o trabalho de base e
235
orientação técnica, em seu lugar a EMATER local assumiu as atividades técnicas e
operacionais junto aos assentados.
Após esta decisão, o INCRA passou a exigir nacionalmente a elaboração de Planos
de Desenvolvimento Agropecuário (conhecido como “PDA”) para conhecer as
especificidades socioeconômicas das famílias assentadas e delimitar as
potencialidades estruturais (solo, clima, relevo, mercado consumidor, produção
agropecuária, escolas, etc) para o desenvolvimento econômico das mesmas,
documentos que foram elaborados pela EMATER local.92
Afora a questão de qual entidade (COANA ou EMATER) coordenaria a elaboração
dos projetos direcionados aos assentados, até dezembro de 2002, de 645 famílias
entrevistadas em 9 assentamentos, 498 famílias de 6 projetos declararam, juntas, ter
acessado a quantia de R$ 6.982.433,00 (seis milhões, novecentos e oitenta e dois
mil, quatrocentos e trinta e três mil Reais), conforme dados da Tabela 21.
Tabela 21: Soma dos Créditos Destinados às Famílias Assentadas de Querência do
Norte. Assentamento No
Famílias No
Famílias Entrevistadas
% de Entrevistas em Relação
ao No de Famílias
No Questionários sem resposta
Soma dos Créditos
(R$)
Média de Crédito
por Família (R$)
Pontal do Tigre 336 286 85,11% 8 4.352.341,00 15.656,00Chico Mendes 79 79 100% 4 900.550,00 12.008,00Che Guevara 70 59 82,28% 0 613.312,00 10.396,00Margarida Alves 20 20 100% 0 262.930,00 13.147,00Zumbi dos Palmares
22 22 100% 0 231.800,00 10.537,00
Luiz Carlos Prestes
50 46 92% 2 621.500,00 14.125,00
Unidos Pela Terra
21 21 100% 0 0 0
Antonio Tavares Pereira
73 38 52,05% 0 0 0
Porangaba II 75 74 98,67% 0 0 0Total 746 645 86,46% 14 6.982.433,00 11.066,00
Fonte: Mutirão do MST - Querência do Norte, dezembro de 2002. Tabulação e organização: Sérgio Gonçalves.
92 O resultado destes trabalhos são os Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Assentamentos Santana e Luiz Carlos Prestes, conforme EMATER (2000), citado na bibliografia.
236
Analisando as informações expostas na Tabela 21, 571 famílias assentadas (77,34%
do total) tiveram acesso a diferentes linhas de crédito93, o que lhes permitiu, na
média, acessar valores em torno de R$ 11.066,00 (onze mil e sessenta e seis Reais)
com a menor média de crédito bancário para o assentamento Che Guevara (R$
10.396,00) e a maior para o assentamento Pontal do Tigre (R$ 15.656,00).
Na luta na terra o MST orienta os assentados a defender seus direitos na busca por
crédito agrícola. Para tanto, uma das saídas encontradas é a pressão frente aos o
Estado, na tentativa de acesso ou mesmo liberalização de créditos (custeio ou
investimento), salutares para alçar em bases mais sólidas o desenvolvimento
econômico das famílias.
Figura 28: Protesto do MST em frente à agência do Banestado, 1998. Fonte: Arquivo da Coana, 1998.
93 Neste ano de 2003, as 73 famílias assentadas no P.A. Antonio Tavares Pereira acessaram cada uma R$ 12.000,00 (doze mil Reais) do PRONAF para investimento e outras 550 famílias receberam R$ 2.000,00 (dois mil Reais) de custeio. Juntos, tais financiamentos representam a injeção de R$ 1.976.000,00 (um milhão, novecentos e setenta e seis mil Reais) na economia local.
237
Apesar da ação consolidada dos sem-terra, o MST acusa o Governo Federal (sob a
tutela de Fernando Henrique Cardoso) de executar uma política de liberalização de
recursos a conta-gotas, pois há anos em que há dotação de recursos (geralmente,
fora das épocas de plantio, situação que acarreta sérias dificuldades aos
produtores), e há anos em que estes créditos são prometidos e não vem.
Por outro lado, um dos pontos de descontentamento e acirramento de conflitos diz
respeito ao descontrole dos órgãos públicos no trato com as famílias assentadas,
pois enquanto há assentamentos que acessaram diferentes linhas de crédito
(eletrificação, investimento, habitação, dois ou três custeios) há outros em que o
acesso se deu em uma (eletrificação, custeio ou investimento) ou nenhuma destas
políticas públicas, retardando seu processo de desenvolvimento.
Estas distorções em relação às verbas direcionadas aos assentamentos podem ser
percebidas nas informações presentes na Tabela 22, frisando que os assentados
que possuem dívidas maiores acessaram mais de uma linha de crédito94.
Tabela 22: Classificação dos Créditos Obtidos pelas Famílias Assentadas de Querência do Norte, em Mil Reais (R$).
Classes de Crédito – Mil Reais
Assentamento 1 a 5
5 a 9
9 a 13
13 a 17
17 a 21
21 a 24
24 a 37
Famílias Entrevistadas
Pontal do Tigre 10 28 39 81 49 64 7 278 Chico Mendes 3 15 21 31 4 0 1 75 Che Guevara 3 14 29 11 1 0 1 59 Margarida Alves 0 0 15 3 1 0 1 20 Zumbi dos Palmares 1 0 13 8 0 0 0 22
Luiz Carlos Prestes 0 0 5 35 4 0 0 44
Total 17 57 122 169 59 64 10 498 Fonte: Mutirão do MST - Querência do Norte, dezembro de 2002. Tabulação e organização: Sérgio Gonçalves.
94 Por exemplo, um crédito de investimento e dois créditos de custeio da safra.
238
De modo geral, o maior ou menor valor de créditos acessados pelas famílias
assentadas está ligado, entre outros fatores, ao tipo de financiamento, ao número de
vezes que a família acessou os créditos de custeio, a condição de geração de renda
da família, que a livra de fontes de investimento externo, e à própria adimplência ou
inadimplência das famílias, abrindo ou fechando a possibilidade de acesso a novos
créditos pelos assentados.
Apesar dos avanços e retrocessos, o crédito bancário é uma política pública salutar
para alavancar tanto o desenvolvimento socioeconômico das famílias assentadas e
do município de Querência do Norte como um todo, pois, antes de acessar os
créditos bancários, os assentados encontram-se em precárias condições de
sobrevivência: dificuldades para cultivar a terra, comprar animais de produção
(vacas leiteiras) e trabalho (cavalo), ferramentas e equipamentos (enxadas,
carroças, implementos de tração animal).
Nos primeiros meses no lote, as famílias moram em precários barracos de lona e
madeira, dependem de trabalho externo á unidade produtiva (na maioria dos casos,
na condição de bóia-fria) para garantir alimentos, roupas e remédios para a família.
Uma situação comum encontrada é a falta de água e energia elétrica para higiene,
trabalho e qualidade de vida, realidade que no início do processo de lutas levava a
população em geral a desacreditar nas famílias sem-terra, chamando os
assentamentos de favelas rurais, depredadores de fazendas que não as punha para
produzir, etc.
Além disso, a presença no município de acampamentos e assentamentos recém
criados fazia com que uma massa de população pobre que não produzia um nível de
renda capaz de garantir o sustento dos integrantes dessas famílias, pressionando os
precários serviços públicos de saúde, educação (neste quesito, incluso merenda e
transporte) e assistência social prestados pela Prefeitura, contribuindo para degradar
os níveis de qualidade de vida.
239
Apesar das criticas, o MST permaneceu organizando a base e, a cada conquista de
créditos, novos assentamentos e infra-estruturas (estradas, eletrificação, posto de
saúde, etc), participou ativamente no processo de consolidação do assentados
enquanto produtores rurais independentes.
De uma situação problemática de existência e participação social, hoje as famílias
que vivem e trabalham nos assentamentos do MST vivenciam uma revolução
econômica e social, pois desempenham relevante função econômica no município
de Querência do Norte, respondendo por uma parcela importante na circulação de
mercadorias e serviços no comércio local, impactos estes que são permanentes,
mas cuja percepção ocorre com mais ênfase após a capitalização dos assentados
quando do recebimento da venda da produção (grãos, animais, leite, etc) e após o
recebimento de linhas de crédito para a compra de insumos, implementos,
máquinas, materiais de construção, animais de produção e trabalho.
Enquanto produtores rurais consolidados ou em processo de consolidação, os
assentados do MST são responsáveis por importantes mudanças estruturais e
produtivas no espaço agrário local, realidade abordada com maior ênfase no
próximo ítem.
4.2.2 A produção agropecuária
Quando falamos em reestruturação produtiva, queremos tratar não somente do fato
relacionado à presença da pequena propriedade em Querência do Norte, que per si,
social, territorial e economicamente, já configura uma mudança profunda no espaço
agrário local, mas sim, acrescentar que, através da organização, os militantes do
MST desvendam o rol de questões inerentes à questão agrária, construindo (no caso
240
dos assentamentos rurais) e influenciando (no caso dos demais produtores), as
bases de uma nova dinâmica de desenvolvimento rural local.
Um dos elementos estruturais desta realidade diz respeito às transformações
observadas na produção agrícola nos últimos 16 anos. Antes de fazer qualquer
consideração, é necessário analisar os dados do Quadro 8, onde estão expostos
informações relacionadas à área cultivada nos últimos vinte anos, além das
informações presentes no Quadro 9, contendo dados da produção agropecuária
neste período de tempo.
Nestes quadros, percebe-se que no período 1984-1989, tanto em área plantada
como em quantidade produzida, Querência do Norte apresentava um padrão de
agricultura consolidado em relação ao cultivo/colheita do arroz, do algodão, do milho
e da carne, reflexos das fazendas ligadas à bovinocultura e aos contratos da
ADECON e demais arrendatários.
Mediante a chegada dos sem-terra em 1988 e suas ações de expulsão das centenas
de arrendatários que exploravam as terras da fazenda 29 Pontal do Tigre, a
estruturação da agropecuária local muda substancialmente.
Sem capital, animais e máquinas para investir, os sem-terra transformaram-se num
fator de atraso para a agropecuária local, estagnando e até diminuindo o balanço
agrícola das principais atividades produtivas (bovinos para carne, arroz, soja, milho,
etc) cultivadas e colhidas nas safras do período que vai de 1988 a 1996, quando
estes produtos agropecuários apresentaram redução na quantidade colhida ou
produzida. No seu conjunto, estes elementos favoreceram a criação de um clima de
animosidade dos fazendeiros, comerciantes locais e população em geral contra os
sem-terras.
241
Quadro 7: Querência do Norte – Área Plantada com
lavouras anuais no período 1984 a 2003. Ano
Arroz
irrigado Algodão
Soja
Mandioca
Milho
Área total
1984 5.848 2.400 1.600 0 1.910 11.758 1985 4.912 4.400 525 0 848 10.685 1986 5.100 3.968 36 0 1.076 10.180 1987 5.000 3.500 560 0 2.800 11.860 1988 4.400 4.200 1.182 0 4.834 14.616 1989 3.300 3.000 1.200 0 2.000 9.500 1990 2.090 3.715 660 100 1.900 8.465 1991 1.300 5.604 820 50 2.150 9.924 1992 1.450 7.742 413 50 1.832 11.487 1993 1.150 3.250 1.430 100 1.832 7.762 1994 1.050 3.142 900 800 800 6.692 1995 2.050 3.700 1.000 800 550 8.100 1996 2.550 2.500 1.800 700 1.000 8.550 1997 1.830 300 2.500 1.600 1.500 7.730 1998 1.960 1.500 2.500 1.850 1.000 8.810 1999 4.915 300 1.200 3.700 2.400 12.515 2000 4.900 500 1.800 4.000 1.300 12.500 2001 4.100 500 1.895 4.400 1.000 11.895 2002 4.000 240 3.000 2.400 3.000 12.640 2003 4.000 240 3.000 2.408 3.000 12.648
Fonte: EMATER Querência do Norte, 2003.
Quadro 8: Querência do Norte – Produção Agropecuária 1984 a 2003 Produtos e Quantidade Produzida
Ano
Arroz Irrigado (mil kg)
Algodão (mil kg)
Soja (mil kg)
Mandioca(mil kg)
Milho (mil kg)
Carne (mil kg)
Leite (mil litros)
1.984 12.322 4.760 1.984 0 4.327 3.720 9501.985 13.395 9.680 1.050 0 2.499 2.772 1.7331.986 15.940 8.606 63 0 1.867 1.620 1.3001.987 15.480 7.600 1.179 0 9.716 2.167 1.2301.988 10.300 9.100 2.490 0 1.300 1.444 4.0501.989 11.250 6.600 2.640 0 7.000 1.831 2.0001.990 6.278 10.000 1.990 2.500 6.650 1.974 2.0001.991 4.270 14.700 1.230 1.250 4.278 1.810 2.0001.992 4.470 9.906 512 1.200 3.632 1.411 4.131
242
1.993 3.737 7.250 2.126 2.400 3.632 3.616 4.6801.994 3.575 7.009 1.784 16.800 2.975 2.207 4.7001.995 6.075 6.882 2.230 14.400 926 2.243 5.5081.996 10.100 3.870 4.014 12.950 3.200 6.030 5.4001.997 6.220 558 5.250 32.000 4.650 6.000 7.0561.998 6.982 2.790 4.500 46.250 3.100 6.000 7.2541.999 14.550 540 2.500 77.700 8.120 6.000 7.5002.000 15.560 950 3.420 72.000 3.640 6.000 8.8202.001 14.400 950 5.120 74.800 3.700 6.000 9.4602.002 18.000 456 8.850 56.400 11.100 6.000 9.0002.003 24.000 456 8.850 56.588 11.100 6.000 9.000
Fonte: EMATER Querência do Norte, 2003. Por outro lado, culturas menos intensivas em créditos (mandioca e milho crioulo) ou
financiadas pela COPAGRA (algodão), lentamente apresentaram aumento na área
ocupada e nas quantidades produzidas no período analisado.
A partir de dezembro de 1995, a conquista do assentamento na fazenda 29 Pontal
do Tigre, bem como os créditos do PROCERA destinados aos assentados, somado-
se nos anos posteriores o acesso de novas famílias à terra de trabalho, bem como a
atribuição de financiamentos para custeio de safras e toda a questão da aceleração
do arrendamento de terras pelos fazendeiros, ligados sobretudo ao Programa
Arenito Caiuá – Nova Fronteira, são elementos da realidade local que se somam e
acabam por configurar uma nova tendência nos anos subseqüentes.
Entre estas tendências, está o aumento, tanto em área cultivada como em
quantidade produzida, de milho e soja por arrendatários e assentados; de arroz
irrigado, ligado aos sem-terra e arrendatários; da produção de mandioca e de leite,
com destaque para os assentados; e da produção de carne.
Em relação à carne, esta situação é reflexo secundário de duas situações paralelas
e complementares: o aumento na produtividade de gado de corte nas fazendas
voltadas a esta atividade, devido à melhoria na condição das pastagens (resulta no
aumento da lotação animais/hectare), além da entrada dos assentados no circuito
produtivo de animais de grande porte, repassando bezerros, novilhas e animais
adultos para recria e abate. Segundo a Secretaria de Abastecimento, onde constam
as informações relativas à vacinação de animais contra a febre aftosa e todos os
produtores e animais estão cadastrados, os sem-terra controlam cerca de 30% do
243
rebanho bovino do município. Como anos atrás não possuíam uma única cabeça, ao
alçarem-se enquanto criadores os assentados passaram a contribuir no aumento do
número de cabeças e nos resultados econômicos da atividade.
Por conta desta dinâmica, nos anos posteriores a 1996, o aumento na área plantada
e/ou o aumento na produção de arroz irrigado, algodão, soja, mandioca, milho, carne
e leite refletiram no aumento anual sustentado do valor total da produção
agropecuária no município de Querência do Norte.
Para compreender esta realidade, no dia 02 de outubro de 2.002 realizou-se uma
pesquisa de preços dos principais produtos agrícolas do município junto ao DERAL
(Departamento de Economia Rural) para saber o valor da tonelada de raiz de
mandioca, da saca de 60 quilos de soja e milho, saca de 50 quilos de arroz, além
dos valores da arroba do algodão, da arroba do boi gordo e do litro de leite.
Dividindo o total da produção presente no Quadro 8 pelo equivalente de mercado
(litro, arroba, tonelada, saca), e multiplicando o total dessa produção pelos preços
atualizados destes produtos, foi possível saber qual a dimensão econômica das
mudanças no espaço agrário local em relação ao total da produção agropecuária e à
cota correspondente de cada produto nesta dinâmica, conforme informações
expostas na Figura 29.
244
R$ 0,00R$ 2.500.000,00R$ 5.000.000,00R$ 7.500.000,00
R$ 10.000.000,00R$ 12.500.000,00R$ 15.000.000,00R$ 17.500.000,00R$ 20.000.000,00R$ 22.500.000,00R$ 25.000.000,00R$ 27.500.000,00R$ 30.000.000,00R$ 32.500.000,00R$ 35.000.000,00R$ 37.500.000,00R$ 40.000.000,00R$ 42.500.000,00R$ 45.000.000,00R$ 47.500.000,00R$ 50.000.000,00R$ 52.500.000,00R$ 55.000.000,00R$ 57.500.000,00R$ 60.000.000,00
1.984 1.985 1.986 1.987 1.988 1.989 1.990 1.991 1.992 1.993 1.994 1.995 1.996 1.997 1.998 1.999 2.000 2.001 2.002 2.003
Carne algodão Arroz Irrigado Milho Soja Mandioca Leite
Figura 29: Querência do Norte – Valor da produção agropecuária (milhões de Reais) segundo a produção total e os principais produtos no período 1984 – 2003.
245
Analisando-se os dados presentes na figura anterior, percebe-se a tendência de
baixa geral no nível de geração de riquezas na agropecuária local no período 1988-
1995, em sintonia direta com a diminuição da área plantada, as quantidades
colhidas e a falta de capacidade produtiva dos sem-terra para os produtos capital
intensivo como arroz e carne, atividades que demandavam altos investimentos.
Como destaque, no período ocorre uma presença marcante da lavoura de algodão,
capitaneada, sobretudo, a partir dos esforços da COPAGRA através da oferta de
créditos, insumos, sementes e compra da produção.
Por outro lado, a partir de 1996, quando os sem-terra conquistam a condição de
assentados, o algodão deixa de ser a única alternativa viável, perdendo espaço para
culturas mais rentáveis. Assim, arroz, gado (de corte e leiteiro) e mandioca
despontam como os principais produtos que compõe cerca de 80% do total da
riqueza produzida no campo.
Ao se inserir nos circuitos produtivos existentes (carne, leite, arroz, soja, milho) e
fundar outros (mandioca e, em menor escala, portanto, não contanto nas fontes,
bicho-da-seda), os assentados tem contribuído decisivamente para sua
dinamização. Apesar dos esforços, vivenciar a condição de produtores rurais lhes
imputa as contradições inerentes à questão agrícola, como a falta de política de
preços mínimos, os problemas relativos ao acesso e quantidade de crédito agrícola,
a ação dos conglomerados agroindustriais, etc.
Dentre as linhas de produção apresentadas, o leite se consolidou como a atividade
principal de geração de renda para os assentados, pois em todos os projetos 50% a
80% dos financiamentos obtidos foram direcionados à compra de vacas leiteiras.
Esta preferência pela pecuária leiteira ocorre por conta de elementos como a
garantia de uma renda mensal, a obtenção de animais de descarte ano a ano
possibilitando investimentos no lote, o baixo risco na atividade (se descontado,
evidentemente, os períodos de seca e geadas) em relação à lavoura.
246
Apesar de acreditar na rentabilidade da atividade, entre 1996-1997 os assentados
vivenciaram uma severa crise de preços, decorrente da ação dos laticínios situados
em Querência do Norte e Santa Cruz do Monte Castelo que se uniram e passaram a
praticar uma política conjunta de arrocho no preço pago pelo litro de leite
proveniente dos assentamentos.
Segundo entrevistas com coordenadores da cooperativa e assentados, enquanto
produtores não assentados recebiam R$ 0,18 (dezoito centavos) por litro de leite, os
laticínios pagavam aos assentados somente R$ 0,08 (oito centavos) por litro de leite,
forçando por este instrumento uma absurda drenagem de renda da terra para as
agroindústrias do setor leiteiro.
Preocupado com a situação, a COANA-MST iniciou um amplo trabalho de orientação
junto às famílias no sentido de encontrar soluções para se contrapor ao capital
comercial e reverter a crise envolvendo os produtores de leite e agroindústrias
processadoras. Nestas reuniões, ficou decidido que a única possibilidade de os
trabalhadores escaparem do poder hegemônico do capital era se contrapor a ele.
Elaborando estudos, procurando agências de financiamento, reuniões com o INCRA
e os assentados, a COANA-MST decidiu montar um laticínio. Como não havia verba
suficiente para construir a agroindústria ou mesmo comprar uma unidade
processadora no município, a coordenação do MST decidiu colocar em prática um
projeto menor (um posto de resfriamento de leite), mas com uma plataforma que
num futuro possa ser reorientada, tornando-se parte de um laticínio.
Em 2002, foi aberta uma linha de crédito para a COANA implementar o posto de
resfriamento. Após conversa com proprietários rurais simpáticos ao MST, a COANA
adquiriu um terreno localizado na rodovia que liga a sede municipal ao
assentamento Pontal do Tigre e ali montou a unidade de recepção e resfriamento de
leite (Figura 30).
247
Para bancar a infra-estrutura e entrar no mercado comprador de leite, a cooperativa
fez acordos com a CONFEPAR (Confederação das Cooperativas do Paraná),
adquiriu dois caminhões tanque, organizou as famílias, passou a transportar leite
dos assentados para o posto de resfriamento do MST e deste para a unidade da
CONFEPAR situado em Nova Londrina.
Figura 30: COANA – Posto de resfriamento de Leite. Fonte: Nájia Furlan, 2003.
Praticando uma política de preços acima da média local, a COANA forçou os
laticínios a equipararem o preço pago aos produtores por seu leite. Assim, forçando
a concorrência comercial, a cooperativa beneficia os assentados e demais
produtores, estimulando-os a investir ainda mais na atividade.
Preocupado comas as leis sanitárias que a partir de 2005 proibirão o beneficiamento
de leite transportado em latões do campo para as agroindústrias processadoras,
norma que exigirá total higiene no trato com a matéria-prima respeitando padrões
internacionais, a cooperativa financiou centenas de equipamentos de resfriamento
248
de leite destinados aos assentados, adquiriu dois caminhões tanque refrigerados
para fazer a coleta e orientou as famílias a ter total higiene na hora da ordenha.
O resultado destes investimentos em equipamentos e orientação técnica é a coleta e
armazenamento diário de 10.000 litros de leite com qualidade superior àquele
recolhido pelos demais laticínios que, devido aos problemas de acidez e baixa
qualidade, só conseguem industrializar o leite de seus fornecedores como matéria-
prima para a fabricação de queijo. Por ser uma matéria-prima de qualidade, o leite
obtido pela COANA é muito valorizado no mercado industrial, pois se destina ao
beneficiamento na forma de leite longa vida e/ou iogurte, comercializado pela
CONFEPAR sob a marca Cativa.
Devido ao menor custo na fase de coleta e melhor preço na revenda, a COANA
consegue cobrir os custos operacionais, manter uma equipe responsável pelo setor
de produção (técnicos de laboratório, técnicos de campo, operadores do resfriador,
dois caminhões e seus motoristas, uma zootecnista e uma veterinária), e, acima de
tudo, se inserir e competir no mercado.
Num primeiro momento, a ação da cooperativa gerou um impacto positivo do ponto
de vista dos produtores, pois o preço do leite voltou a ser praticado em níveis
aceitáveis mediante a concorrência, inclusive em alguns meses a cooperativa paga
alguns centavos a mais pelo litro do produto, contribuindo para o aumento na renda
das famílias assentadas.
Mas, preocupados com a concorrência da COANA, no decorrer dos últimos meses
os laticínios, de uma maneira totalmente diferenciada, têm elaborado uma espécie
de trabalho de base oferecendo para as famílias assentadas alguns centavos a mais
pelo litro de leite, competindo para conquistar o leite de fornecedores da cooperativa.
Por conta das articulações do capital, durante um certo período o preço do leite pago
ao produtor pelos laticínios particulares foi superior ao preço praticado pela COANA
que, não conseguindo igualar o preço, perdeu fornecedores nos assentamentos.
Praticando preços elevados, a taxa média de retorno do capital caiu a tal ponto que
249
um dos laticínios que atraiu as famílias com este tipo de política de mercado faliu,
não pagando aos assentados os milhares de litros de leite coletados, gerando sérios
prejuízos para as famílias enganadas.
Em relação às famílias que migraram da COANA para outros laticínios, estes fatos
revelam a dificuldade que as organizações do campo tem de trabalhar com os
camponeses, pois sua visão imediatista a procura de um preço melhor pela sua
mercadoria lhes imputa perder o contexto de luta contra o capital, esquecendo ou
renegando o trabalho de base, onde aprenderam que somente a união e a
cooperação podem garantir maior renda e resistência à expropriação da renda e da
própria terra.
Apesar dos embates que fragilizam sua base de coleta, a COANA tem cumprido seu
papel de melhorar a produção leiteira e a renda dos produtores de leite assentados,
recebendo também leite de produtores não assentados que contribuem para reforçar
a importância da cooperativa no contexto local. Em relação á briga comercial, se
num mês um laticínio paga um valor maior, a Cooperativa complementa o valor e no
mês seguinte paga um percentual a mais, criando uma constante briga comercial.
Há que se destacar que a ação da COANA não fica presa somente à questão do
preço, pois oferece a seus fornecedores assistência técnica veterinária e zootécnica,
insumos com preços reduzidos em relação ao comércio e cooperativa local,
elementos importantíssimos para que os custos dos produtores diminuam e para que
a sanidade do rebanho e a produção aumentem, especificidades que os laticínios
particulares não possuem, sobretudo por não ser de interesse de seus proprietários
o que acontece “da porteira do lote para dentro”. Desta forma, a COANA age no
sentido de garantir uma sustentabilidade aos assentados, mesmo que em um
determinado mês eles recebam um ou dois centavos a menos pelo leite direcionado
à cooperativa.
250
Segundo técnicos da COANA-MST, uma prática que os proprietários dos laticínios
privados têm feito nos bastidores é oferecer aos administradores da COANA
participar em reuniões de monopólio95, com o firme propósito de tabelar o preço do
leite a um só nível, para que todos possam subsistir no mercado. Negando-se a
participar nas negociatas, a direção da COANA gera um descontentamento geral
das empresas privadas do setor, concorre no mercado e consegue sustentar um
preço razoável nesta linha de produção.
Apesar das adversidades e em alguns casos, da dificuldade de fazer a coleta de
leite junto aos assentados localizados em projetos mais distantes, o que força a
cooperativa a não poder atuar em todos os assentamentos de Querência do Norte e
Santa Cruz do Monte Castelo, sobretudo por conta das enormes distâncias e
estradas ruins, a COANA recebe uma boa quantidade do produto, absorvendo cerca
de 30% da produção diária de leite produzido no município96. Discorrendo sobre o
resfriador e a produção diária recebida pela unidade, o coordenador do tanque de
resfriamento, Cláudio Roberto de Souza Pereira, evidencia que
Aqui nós resfriamos o leite, industrializamos e vendemos para a CONFEPAR. Esses produtos vêm dos assentados, 215 produtores hoje, com uma faixa de 8 mil litros que nós mandamos para fora, um dia sim, um dia não. Uma faixa de 120 mil litros no mês, 125. Isso varia muito, no verão chega a 10 mil litros no dia. Nós recebemos ele quente e resfriamos. No outro dia mandamos para Nova Londrina, na CONFEPAR. Lá, eles resfriam e mandam para Londrina, local onde é industrializado, feito iogurte e longa vida. (Entrevista concedida em 6 de setembro de 2003).
A segunda linha de produção mais importante realizada pelos assentados é o arroz.
Desde 1995, visando agregar valor ao produto, o MST acionou a CCA –PR (Central
de Cooperativas dos Assentados do Paraná), situada em Curitiba, adquiriu uma
máquina de beneficiamento de arroz no município de Querência do Norte e passou a
95 Na forma de monopsônio, ou seja: as poucas agroindústrias existentes, no caso a COANA e o laticínio Querência, neste município, e o laticínio Castelão, em Santa Cruz do Monte Castelo, sentariam, discutiriam e combinariam um preço tal que mantivesse a margem de lucro a um nível que otimizasse investimentos e retorno de capital, ou seja: enquanto as agroindústrias geram lucros, os produtores têm o preço da matéria-prima reduzido, transferindo renda da terra para sustentar a falta de dinamismo das empresas. 96 Esta porcentagem não é maior porque a COANA não tem recursos suficientes para acessar todos os assentamentos rurais. Parte do leite coletado vem do município de Santa Cruz do Monte Castelo.
251
fazer o processo de secagem, beneficiamento, classificação e empacotamento do
produto, colocando uma marca de arroz agulhinha no mercado.
Após a conquista dos assentamentos definitivos e créditos, em 1998 a COANA
comprou o espólio da ADECON e suas infra-estruturas (silos, secador de arroz,
armazém), dinamizando o processamento e a armazenagem do arroz, contribuindo
para elevar a margem de renda dos produtores envolvidos com a cultura.
Apesar dos avanços, a iniciativa de controlar a produção, o beneficiamento, a
industrialização e a venda do arroz empacotado demonstrou ser inviável ao longo
dos anos, pois, em grande medida, as empresas do setor orrizícola têm grande
poder de ação no mercado de massas e a COANA não conseguiu fazer a
contraposição ao capital com a mesma performance verificada na atividade leiteira.
Em parte, isto se deve à sonegação fiscal praticada pelas empresas do setor, pois
mesmo tendo um custo maior para obter matéria-prima, encarecida pela compra do
produto nas regiões produtoras do Paraná, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Rio
Grande do Sul e importada do Uruguai, o que imputa em custos de transportes e
armazenagem muito maiores, estas empresas conseguem colocar o arroz no
mercado com um preço bem menor que o praticado pela COANA que, por ser uma
entidade cooperativa, sofre uma rígida fiscalização.
Na atualidade, a COANA vem desenvolvendo uma série de ações no sentido de
desenvolver experiências agroecológicas vinculadas tanto à produção leiteira,
quanto orrizícola, co-participando no processo geral de mudança no padrão de
desenvolvimento tecnológico da agropecuária em Querência do Norte.
No caso do arroz, a Coana organizou visitas técnicas em áreas de produção desta
cultura situadas no Rio Grande do Sul, demonstrando aos assentados as inovações
técnicas e o manejo destes produtores com o arroz orgânico e a orrizipiscicultura.
252
A primeira prática agrícola (arroz orgânico) diz respeito ao cultivo de arroz sem o uso
de agro-químicos para controle de pragas e adubação. A segunda (orrizipiscicultura)
é uma técnica especial onde alevinos de peixes são soltos no alagado onde se
cultivou o arroz, logo após a colheita, fazendo com que os animais comam as pragas
e sementes que ficaram no campo, permitindo a retirada de algumas toneladas de
peixe nos seis meses do inverno, período no qual a várzea está ociosa, pois a
cultura do arroz traz rentabilidade somente nos 4 meses do verão.
Assim, no verão vende-se arroz e no inverno, peixe, que além de adubar a terra,
permite uma rentabilidade extra ao produtor. Segundo os técnicos da COANA, no
Rio Grande do Sul há uma grande procura pelo arroz agroecológico por parte das
agroindústrias e uma dificuldade de venda do arroz convencional por parte dos
produtores que operam nos moldes da “revolução verde” americana e sua base
agro-química.
Em relação ao leite, a COANA firmou um convênio de extensão com a Universidade
Federal de Santa Catarina (UFESC) de Florianópolis, para desenvolver o projeto de
leite orgânico, cuja base é a alimentação de gado de leite somente a pasto (sistema
voison97 ), mesclado com o uso de ervas medicinais para tratamento fito-sanitário
dos animais.
Mediante a aplicação destas técnicas, os animais diminuem o ritmo de degradação
das pastagens, acessando as fontes de alimentação em condições ideais para o
consumo, o que lhes garante melhor ganho de peso e produtividade leiteira. Outras
vantagens verificadas com esta prática são o aumento na lotação animal
(cabeças/hectare/ano) e a recuperação do capim sem a necessidade de se investir
em máquinas para preparar a terra, sementes melhoradas de pastagens para o
cultivo ou mesmo adubação.
97 Técnica de manejo cuja base é a divisão dos lote em uma série de piquetes (pequenos pastos) com cerca de 60 m2, mediante o uso de cerca elétrica. Nestas condições, o manejo exige a introdução dos animais de maneira diferenciada nas pastagens: durante um dia, acessam o pasto as vacas de produção, no segundo, com o pasto já na parte menos tenra, as vacas secas e novilhas, e no terceiro dia, os bezerros. Desta forma, em uma área degradada ou não, pode-se elevar a lotação de 2 animais/hectare para 10 animais/hectare, gerando a independência do produtor em relação a rações adquiridas no mercado.
253
Os elementos que diferenciam o cultivo do arroz e a produção de leite agroecológico
diz respeito à não incorporação de agroquímicos: no caso do arroz, os produtores
são orientados a usar a urina de gado ao invés de uréia comercial, o esterco de
curral e o “super-magro” no lugar de fertilizantes químicos, as resinas de plantas
com propriedades alopáticas e inseticidas no lugar de defensivos agrícolas tóxicos,
entre outras possibilidades.
Para municiar de matérias-primas os assentados envolvidos nestes projetos, a
COANA implantou algumas hortas medicinais e pequenos laboratórios de
processamento, onde famílias administram o cultivo, colheita, beneficiamento
(seleção e secagem) das matérias-primas, desenvolvendo pomadas, extratos
concentrados, tinturas ou mesmo pequenos saches com própolis, alfavaca, arruda,
etc, que posteriormente são usados no tratamento de enfermidades humanas e dos
animais.
Seguindo orientações técnicas, estes produtos são administrados aos animais
doentes ou acometidos de verminoses em substituição aos antibióticos, vermífugos
e carrapaticidas químicos, contribuindo para manter a sanidade humana e animal
com recursos e matérias-primas disponíveis no próprio lote.
O desenvolvimento da agroecologia nos assentamentos rurais se configura como
uma aposta de futuro da COANA/MST Apesar de estar em fase de gestação, os
produtores envolvidos nos projetos têm conseguindo aumentar a renda
redimensionando conhecimentos que fazem parte da cultura camponesa esquecidos
ao longo dos anos, quebrando com a lógica presente no pacote tecnológico da
chamada Revolução Verde, ou seja, tecnologias caras (máquinas, venenos, adubos
químicos), portanto excludentes, nocivas ao homem e ao meio ambiente, ligadas às
empresas multinacionais.
254
Assim, pouco a pouco o MST desenvolve uma série de alternativas viáveis para a
manutenção e a resistência dos camponeses na terra de trabalho. É certo que não
atinge (ainda) todos os produtores, mas o rebaixamento dos custos e a produção de
matérias-primas altamente valorizadas no mercado, bem como a inserção do MST
gestando o processo de compra destas mercadorias, certamente contribui para uma
melhoria na renda das famílias assentadas e, através de seu sucesso, novos
produtores têm aderido ás práticas agrícolas agroecológicas.
Apesar da condição financeira da cooperativa não permitir a construção de um
laticínio, o que garantiria o fechamento da cadeia produtiva do leite através de sua
agroindustrialização, no ano de 2001 o MST deu um passo importante na
consecução deste projeto.
Aproveitando parte da produção de leite orgânico já produzido nos assentamentos, o
MST montou uma pequena queijaria e está produzindo, em escala comercial, cerca
de 200 quilos de queijo provolone e mussarela por dia. Desta maneira, enquanto o
projeto de produção de leite orgânico não atinge a todas as famílias assentadas e a
COANA não constrói um laticínio para beneficiar sua produção, o MST forma
quadros capacitados para assumir uma queijaria (orgânica) no futuro.
255
Figura 31: Fabricação de Queijo Orgânico. Fonte: Trabalho de campo, Set. 2003.
Figura 32: Queijo Orgânico em processo de defumação. Fonte: Trabalho de campo, Set. 2003.
256
Os produtos principais na atividade agropecuária desempenhada pelos assentados
são o leite, o arroz irrigado, o algodão, a mandioca e o milho. Mas, devido às
influências da COANA, das agroindústrias locais/regionais (fecularia, laticínios,
avícolas, empresas sericículas como a BRATAC ), da EMATER (atua oferecendo
cursos através do SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) e da
conjuntura do mercado ao preço dos produtos agrícolas, há uma crescente
tendência de retração e/ou expansão destas atividades tradicionais e
desenvolvimento de novas atividades agrícolas, todavia, de maneira paralela e
complementar, diversificando a produção no lote com duas ou três linhas de
produção ao mesmo tempo.
Conforme informações da Tabela 23, as atividades de interesse dos assentados que
diferem das tradicionais são o frango de corte, a piscicultura, o suíno de corte, o
café, a fruticultura, o bicho-da-seda e o ginseng, diversidade que demonstra a
preocupação que famílias têm em acessar circuitos produtivos múltiplos que lhes
permita a conquista de uma maior renda nas atividades agropecuárias, mesmo que
para tanto haja a necessidade de aceitar regras (controle do tempo de trabalho, do
processo produtivo, preço controlado, dificuldade de escoamento da produção,
financiamento com altas taxas de juros) impostas pelas empresas processadoras e
os atravessadores que vão adquirir tais matérias-primas, ou mesmo que tal opção
seja tomada sob o impacto dos preços praticados no mercado num dado período de
tempo.
257
Tabela 23: Atividades agropecuárias que os assentados querem dinamizar ou inserir no lote.
Assenta-mento
L e i t e
F r a n g o
P e i x e
A r r o z
S u í n o
M i l h o
C a f é
S o j a
M a n d i o c a
F r u t a s
B i c h o d a s e d a
G i n s e n g
O v o s
T r i g o
Pontal do Tigre 143 25 33 63 15 19 - 8 6 1 6 11 1 2Chico Mendes 58 5 3 - 5 1 2 2 - 1 3 - 3 - Che Guevara 34 - 4 9 1 5 2 - 3 1 - - - - Margarida Alves 10 6 2 - 1 3 3 - 3 - - - - - Zumbi dos Palmares 12 3 5 4 1 - - - - - - - - - Unidos pela Terra 9 3 1 1 - 2 2 - 1 2 - - - - Luiz Carlos Prestes 20 31 19 5 21 5 15 6 1 3 3 - 1 5Antonio Tavares Pereira 23 6 5 - 8 7 6 3 5 5 2 - 4 -Total 309 79 72 82 52 42 30 19 19 13 14 11 9 7
Fonte: Mutirão do MST - Querência do Norte, dezembro de 2002. Base de dados: 571 entrevistas. Tabulação e organização: Sérgio Gonçalves.
Esta última premissa é confirmada pelo descrédito das famílias com a mandioca,
cultura que durante o período 1999-2000 teve preço de venda atrativo aos
assentados, mas que sofreram sérios prejuízos quando o preço da tonelada caiu a
irrisórios R$ 20,00 (vinte reais) a tonelada nas safras 2001 e 2002. Neste fevereiro
de 2004, com a tonelada da raiz de mandioca cotada a R$ 280,00 (duzentos e
oitenta Reais) e a soja mantendo-se a um preço atrativo (cerca de R$ 38,00 a saca),
muitos assentados têm abandonado determinadas culturas e atividades, como o
milho e a própria bovinocultura leiteira, e se aventurado ao cultivo de mandioca e
soja, expondo-se aos riscos do preço flutuante destas culturas.
258
Por outro lado, é importante destacar a importância que as famílias dão à
bovinocultura leiteira, tanto aqueles que não possuem o leite como atividade
principal (assentados que não tiveram crédito e possuem poucas cabeças de gado),
como aqueles que já possuem animais e querem aumentar a produção, adquirindo
matrizes ou investindo em pastagens.
Com 309 respostas num universo de 571 entrevistas, ou seja, 54,2% dos
assentados, a criação de gado leiteiro mostra-se altamente viável para as famílias
devido ao fato de ser esta uma atividade de baixo risco em relação ao clima, permite
uma renda mensal e proporcional muito boa em relação ao tamanho do lote e as
ações da cooperativa organizando a produção e trabalhando para a manutenção do
preço do leite funcionam como fatores atrativos para que tal linha de produção se
dinamize ainda mais.
Um outro ponto diz respeito à produção de arroz, sobretudo porque nos
assentamentos Pontal do Tigre, Che Guevara e Zumbi dos Palmares há extensas
áreas de várzea que para sua exploração demandam um investimento altíssimo por
hectares, situado em torno de R$ 1.200,00 reais em gastos com horas/máquina,
sementes, adubos e defensivos químicos, o que impede grande parte de famílias
assentadas de produzir, pois o crédito de custeio do PRONAF é ínfimo (R$ 2.000,00)
perto do nível de demanda por crédito presente tanto para esta como para as
demais culturas.
Projetos como a produção e leite e do arroz orgânicos configuram apostas de futuro
da COANA para cobrir as lacunas técnica e produtiva que envolve os produtores
engajados nestas atividades produtivas, barateando-lhe custos, permitindo uma
menor dependência de créditos e insumos, o que redunda em maior geração de
renda.
259
Tabela 24: Que fator(es) impede(m) o desenvolvimento das atividades produtivas no lote?
Assentamento Recursos Preços Irrigação Assistência Técnica
Pontal do Tigre 104 - 21 - Chico Mendes 49 - 1 - Che Guevara 34 - 8 - Margarida Alves 19 - - -
Zumbi dos Palmares 15 - 3 -
Luiz Carlos Prestes 38 30 - 4
Unidos pela Terra 10 - - -
Antonio Tavares Pereira 38 - - -
Total 307 30 33 4 Fonte: Mutirão do MST - Querência do Norte, dezembro de
2002. Base de dados: 571 entrevistas. Tabulação e organização: Sérgio Gonçalves.
Como atesta a tabela 24, a questão relativa ao crédito rural aflige 53,8% das 645
famílias entrevistadas, em segundo lugar a necessidade de ampliação da rede de
canais de drenagem e irrigação com 5,8%, em terceiro a garantia de preços mínimos
com 5,3%, e em menor escala, a necessidade de assistência técnica, com 0,7%,
dado este que revela a qualidade da COANA em prestar a assistência aos
assentados, complementando a nula prestação de serviços executada pelo INCRA e
a deficiente presença da Emater desempenhando esta função.
Apesar das dificuldades vivenciadas pelo MST na captação de recursos para
manutenção de veículos, equipamentos e quadros técnicos, bem como gestar
concomitantemente a luta na terra e a luta pela terra, tais barreiras vem sendo
vencidas através da organização de núcleos de famílias, assunto que abordaremos
com mais rigor no decorrer deste capítulo.
260
Tabela 25: Querência do Norte - Destino da produção agropecuária dos assentados.
Assentamento
Cooperativa
Agroindústria
Comércio
Atravessador
Direta ao
Consumidor Pontal do Tigre 124 107 28 168 1
Chico Mendes 21 56 14 25 2 Che Guevara 5 24 5 48 - Margarida Alves 9 16 10 - - Zumbi dos Palmares 5 22 6 12 1 Luiz Carlos Prestes 12 46 18 14 - Unidos pela Terra 11 11 1 6 - Antonio Tavares Pereira 24 17 3 7 - Total 211 299 85 280 4 Percentagem (base = 645 famílias) 32,71% 46,36% 13,18% 43,41% 0.62%
Fonte: Mutirão do MST - Querência do Norte, dezembro de 2002. Tabulação e organização: Sérgio Gonçalves.
Antes de tecer considerações sobre a Tabela 25, é necessário explicitar algumas
informações pertinentes. Em primeiro lugar, muitos assentados vendem seus
produtos a um ou mais agentes presentes no mercado ou aos consumidores98, o
que favorece a duplicidade de respostas quanto a este tipo de informação.
A segunda informação pertinente é que como cooperativa considerou-se a COANA,
a COPAGRA e a COCAMAR; agroindústria foram agrupadas as respostas relativas
às farinheiras, fecularias, laticínios e indústrias da seda (BRATAC); comércio refere-
se a cerealistas, mercearias e supermercados e os atravessadores todos os agentes
que atuam no mercado de compra e venda de produtos agropecuários e que não
possuem nenhum vínculo jurídico ou empresa constituída, entrando aí os
98 Em um dos questionários aparece uma família que vende leite para a COANA, arroz para um atravessador, mandioca para a agroindústria e leite para o consumidor na cidade.
261
compradores de gado e produtos agrícolas que revendem a produção dos
assentados, obtendo um lucro nesta intermediação (os famosos “picaretas”).
Considerado o universo de 645 famílias e as diferentes possibilidades de venda de
produtos agropecuários pelas famílias assentadas, afora os 46,35% de famílias que
vendem diretamente para as agroindústrias e 32,71% de famílias que repassam
produtos para as cooperativas, é alarmante a dependência dos produtores em
relação aos atravessadores que, trabalhando família a família, atingem 43,41% dos
produtores assentados, não pagam nenhuma taxa de impostos, não geram
empregos na cidade e extraem uma parte da renda da terra dos homens do campo.
A presença dos atravessadores decorre de uma situação complexa que envolve
praticamente todos os circuitos produtivos agropecuários. Sua origem se prende ao
fato de muitos produtores possuírem uma determinada quantia de cabeças de gado,
sacas de grãos (feijão, milho, soja, gergelim, etc) ou arrobas de algodão para vender
cujo volume não preenche a carga total de um caminhão ou mesmo necessitaria
uma ida à cidade para agenciar um caminhão para posteriormente fazer o transporte
até a agroindústria que, no caso dos bezerros e vacas de descarte, não compra tais
animais.
No seu conjunto, estas ações são percebidas pelo camponês como um gasto de
tempo e dinheiro. Desta forma, no momento em que os compradores passam de lote
em lote oferecendo um valor X pela produção, mesmo que seja um valor abaixo do
praticado no mercado regional e na cooperativa, os elementos anteriormente
expostos contribuem para que o camponês faça sua leitura da realidade e concretize
o negócio, mesmo percebendo que pode – e na maioria dos casos, esta premissa é
verdadeira – perder dinheiro.
É importante considerar que nem a COPAGRA muito menos a COANA tem força
suficiente para gerenciar todos os circuitos produtivos existentes no espaço agrário
local e competir com uma articulada rede de pequenos e médios capitalistas que nas
épocas de safra e entressafra aglutinam, de dezena de quilos em dezena de quilos,
cargas e mais cargas de animais, fibras, grãos e raízes.
262
Para contornar tal situação, o MST poderia arriscar uma organização das famílias
visando a venda de mercadorias em condomínio, estruturando armazéns
comunitário. Com dezenas de produtores reunidos em seus respectivos núcleos de
famílias, cada um colocaria uma quantidade X de tal produto – uma saca de milho ou
quinhentas delas, até que se completasse uma carga num caminhão, com os custos
de frete divididos proporcionalmente pela quantidade de mercadoria
transportada/alocada. Um outro aspecto a ser trabalhado diz respeito à fidelidade
cooperativa, ou seja: cada produtor teria sua plantação monitorada, do plantio à
colheita, cuja produção só poderia ser comercializada com o condomínio ou
cooperativa.
Como os produtores estão pulverizados em centenas de lotes, não existem
financiamentos para a construção de silos e armazéns nos assentamentos, a
organização dos núcleos de base propostos pelo MST ainda não estão voltados a
estas questões, as articulações para desestruturar os atravessadores estão longe de
se concretizar e, certamente, no decorrer de muitos anos a renda drenada por estes
agentes de mercado vai continuar saindo do bolso das famílias assentadas.
Sem dúvida, as informações referentes à forma de inserção da produção no
mercado revela as saídas e opções (ou falta de) dos sem-terra na busca pelo melhor
preço, e por outro lado, a dificuldade em alavancar e sustentar propostas de
cooperação que dinamizem a rentabilidade dos assentados.
É esta dependência dos produtores em relação aos agentes do mercado que precisa
ser quebrada para garantir um aumento na renda dos trabalhadores assentados. É
aqui que se situa o maior desafio do MST: avançar na questão agrícola, pois
enquanto os assentados não construírem alternativas para fechar a cadeia produtiva
(produção, industrialização, comercialização), continuarão com preços aviltados e a
possibilidade de desenvolvimento econômico cada vez mais longe de se configurar
como realidade para muitos dos assentados.
263
Para tanto, o Estado é um importante agente para favorecer, via políticas públicas e
projetos de investimento, um conjunto de ações que alavanque o desenvolvimento
das experiências que vem dando certo, como no caso do leite e arroz orgânicos, e
permita a estruturação de novos fixos (silos, armazéns, etc), da cooperação intra-
assentamentos (condomínio de produtores), bem como a presença de pequenas
agroindústrias nestes territórios.
4.2.3 Educação e cultura
É impossível discutir a educação sem vincular tal realidade ao histórico da luta pela
terra, pois a preocupação com esta questão surgiu no acontecer dos primeiros
acampamentos e é uma das frentes de ação mais importantes para o campesinato e
o MST na atualidade.
No final da década de 1970, um dos desafios estruturais para as cerca de 1.000
famílias de sem-terras acampadas na região Sudoeste paranaense, vinculadas ao
MASTRO ou a outros grupos, girava em torno de como intervir para educar as
crianças em idade escolar que moravam nestes espaços de luta e resistência.
Seguindo as orientações tanto da CPT como da Pastoral Luterana, paralelamente às
equipes responsáveis pela negociação, pela saúde e segurança, foram estruturadas
equipes responsáveis pela educação. Enquanto função, estas equipes negociavam
com prefeituras o transporte escolar dos acampamentos para a cidade ou exigiam a
montagem de salas e a oferta de aulas no acampamento, evitando assim prejudicar
as crianças. Como muitas vezes as prefeituras se negavam a colaborar cedendo
ônibus e/ou professores, os sem-terra e as assessorias perceberam que aquilo que
se buscava fora do acampamento poderia ser encontrado e formado ali
mesmo:pessoas dispostas a trabalhar a educação popular.
264
A partir dessa conjectura, o desafio passou a ser a formação de educadores e
educadoras utilizando as próprias famílias acampadas, além da construção de salas
de aula com paredes feitas de pau-a-pique, cobertas de sapê ou lona preta. Ao lado
do trabalho com as crianças, as equipes desenvolveram ações com os jovens e
adultos analfabetos, re-socializando homens e mulheres cujas trajetórias de vida não
lhes permitiu acessar a educação formal.
Per si, tal atividade produziu conhecimentos mais dinâmicos em relação ao
aprendizado da luta pela terra, permitindo avanços em outros campos das relações e
das atividades humana, como gênero, saúde preventiva, socialização política,
mística, entre outros.
Nos trabalhos com as crianças, os jovens e os adultos, o método utilizado era
baseado nos ensinamentos do mestre Paulo Freire, cujo eixo norteador são os
temas geradores (historias de vida, dia-a-dia no acampamento, por exemplo)
propostos pelos educandos, aos quais, pouco a pouco, são aglutinadas novas
palavras e temas geradores que fundamentam o rol de atividades educativas
(escrita, leitura, cálculo, discussão política, etc).
No decorrer do processo de lutas que redundou na gestação do MST, as discussões
em torno da educação avançaram muito e, ao lado de educadores orgânicos e
assessorias, o movimento recebeu a colaboração de extensionistas e intelectuais
militantes.
Unindo esforços, pesquisando as áreas de assentamentos e acampamentos,
fazendo discussões na base, os militantes do MST fundaram dois anos depois do 1o
Congresso Nacional do MST o Setor de Educação, responsável por articular uma
proposta de educação a partir da realidade do campo, com conteúdos e elementos
alternativos e diferenciados daqueles ofertados nas escolas tradicionais.
De modo geral, o questionamento da realidade educacional do País e as práticas
coletivas organizadas no campo evidenciaram que algo estava errado e que a
organização poderia avançar em relação à educação e, reconstruindo as práticas
265
educativas, contribuir para o avanço da organização (MST, Setor de Educação,
1990).
Quando as primeiras levas de sem-terra ocuparam a fazenda 29 Pontal do Tigre, em
Querência do Norte, a bagagem trazida pelos grupos de Reserva, Castro e Nova
Medianeira foi salutar para mediar o debate sobre educação com as outras famílias
e, através da formação de educadores e da organização de salas de aula e
educandos, concretizar conquistas para todos os acampados.
O processo de seleção dos educadores foi realizado pelos pais e pela comunidade local. Os educadores não precisavam ir em busca de educandos, pois os mesmo já havia sido matriculados anteriormente na área onde moravam. [...] As pessoas que tinha boa vontade pra enfrentar a realidade foi os voluntários. Então chamou-se as pessoas que queriam enfrentar os desafios e possuía algum grau de formação (na época era a formação primária) para realizar o trabalho de educação com as crianças e adolescentes. (LIMA e GUERRA VILLALOBOS, 2001, p. 87).
Nos primeiros meses da ocupação na fazenda 29 Pontal do Tigre, o trabalho da
equipe de educação permitiu a construção de cinco unidades escolares voltadas
para atender a demanda por educação, cada qual organizada no interior de um
grupo de famílias: a Escola de Emergência I do Grupo Capanema, Escola de
Emergência II do Grupo de Castro, Escola de Emergência III do Grupo Reserva,
Escola de Emergência IV do Grupo Amaporâ e Escola de Emergência Cinco de
Dezembro do Grupo Adecon.
Nestas escolas emergenciais eram trabalhadas a educação formal e a educação
religiosa, realizavam-se reuniões com a Pastoral da Criança, haviam cursos sobre
plantas medicinais (cultivo e uso), aconteciam ações culturais junto aos jovens,
trabalhos de base, educação e socialização política com os adultos.
Quando ocorreu a conquista do assentamento Pontal do Tigre, uma das primeiras
reivindicações feitas pelos sem-terra ao INCRA, à prefeitura e ao Governo do
Estado foi a urgência na construção de uma escola e posto de saúde no
assentamento.
266
Devido à fragilidade do erário público em atender a demanda por educação de
crianças em idade escolar primária e secundária, a luta por escola no campo
necessitou a pressão sobre o Governo do Estado que, de início, não destinou verbas
para a construção destas infra-estruturas no campo, pois a política na época era
concentrar a educação no espaço urbano, com o deslocamento da população
estudantil para as cidades, fato que também ocorreu aos jovens do ciclo secundário.
No acontecer de acaloradas discussões, em 1996 a Secretaria Estadual de
Educação autorizou a implantação e o funcionamento de uma unidade escolar neste
assentamento. Devido a um desarranjo entre Estado e Prefeitura, o primeiro
assumiu o ensino médio e a segunda o ensino fundamental. Destinando cada qual
sua verba, deste contraponto fundou-se num espaço cedido pela comunidade a
“Escola Estadual Centrão”, destinada ao ensino médio, e a ”Escola Municipal Chico
Mendes”, onde ocorre o ensino fundamental.
Após a conquista dos colégios, uma norma que gerou descontentamentos para os
assentados foi a obrigatoriedade de concurso para contratação de professores, o
que acabou excluindo grande parte das professoras acampadas e que há anos
desempenhavam a função de educar as crianças, permitindo que somente três
dessas pessoas obtivessem a vaga definitiva no espaço conquistado pelos próprios
sem-terra.
Segundo registros, no início de suas atividades a Escola recebeu “[...] a matrícula de
159 educandos no Ensino Fundamental (E.F.), sendo 3 turmas de 5a séries e 2
turmas de 6 a séries, com 5 professores ministrando disciplinas do E.F.[...]. (LIMA e
GUERRA VILLALOBOS, 2001, p. 90). Atualmente, os colégios atendem a demanda
tanto das famílias do assentamento Pontal do Tigre como do assentamento Che
Guevara, bem como de fazendas situada no entorno destas áreas. Enquanto área
social do assentamento Pontal do Tigre, o Centrão é referência para as atividades
político-educativas do MST e das comunidades do assentamento.
267
Figura 33: Colégio Estadual “Centrão” e Escola Rural Municipal “Chico Mendes”,
conquistas do MST na área da Educação.
No assentamento Chico Mendes, a antiga sede da fazenda Porangaba I, cujas terras
deram origem ao P.A., tornou-se uma escola municipal em 1998. Nos
assentamentos Margarida Alves, pré-projeto Porangaba II, Zumbi dos Palmares, Luis
Carlos Prestes, Unidos pela Terra e Antonio Tavares Pereira não existem escolas e,
para atender a demanda da população local, a Prefeitura disponibiliza ônibus que
percorrem cerca de 900 km nas estradas rurais entre o período da manhã e da noite,
transportando os alunos destes assentamentos e da zona rural como um todo para a
sede municipal. É certo que isto causa um impacto negativo sobre os educandos,
devido às distâncias, mas por enquanto não há a perspectiva de serem construídos
novos prédios escolares nestes assentamentos.
268
Tabela 26: Querência do Norte – Distribuição dos Morados dos Assentamentos Rurais, segundo a faixa etária, anos de
estudo e sexo, em dezembro de 2000.
Fonte: Mutirão do MST - Querência do Norte, dezembro de 2002. Tabulação e organização: Sérgio Gonçalves.
Distribuição dos Moradores %
Condição e Anos de Estudos Abaixo da
Idade Escolar
Analfabeto
Menos 1 ano
Menos 1 ano
3 a 4 anos
5 a 6 anos
7 a 8 anos
9 a 11 anos
Superior
APAE
Faixa Etária Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem. Masc. Fem.
Total Faixa Etária
% - de 9 anos 7,54 6,23 - - 0,71 0,56 2,31 1,87 0,97 0,82 - - - - - - - - - - 21,01 10 a 14 anos - - - - - - 0,52 0,15 2,16 1,72 2,35 2,39 1,38 1,38 0,04 0,07 - - - 0,04 12,2 15 a 19 anos - - - - - - 0,22 0,22 0,41 0,3 0,86 0,78 1,68 1,57 3,62 2,21 - - - 0,04 11,91 20 a 24 anos - - 0,04 0,07 - - 0,41 0,11 0,45 0,82 0,56 0,45 0,82 0,93 2,58 1,49 0,04 0,04 - - 8,81 25 a 29 anos - - 0,11 0,11 - - 0,41 0,26 0,37 1,34 0,6 0,82 0,49 0,56 1,23 0,41 - 0,07 0,04 - 6,82 30 a 34 anos - - 0,07 0,15 - - 0,49 0,49 1,42 1,05 1,05 0,82 0,52 0,26 0,45 0,34 - 0,04 - - 7,15 35 a 39 anos - - 0,26 0,6 - 0,04 0,6 0,45 1,6 1,46 0,63 0,71 0,15 0,41 0,22 0,45 0,04 - - - 7,62 40 a 44 anos - - 0,34 0,52 - 0,04 0,67 0,22 1,16 0,97 0,67 0,26 0,37 0,52 0,15 0,11 - - - - 6 45 a 49 anos - - 0,52 0,63 - 0,07 0,75 0,6 0,78 0,86 0,34 0,11 0,26 0,15 0,22 0,11 - - - - 5,4 50 a 54 anos - - 0,34 0,86 - 0,04 0,49 0,56 0,82 0,6 0,22 0,07 0,07 - 0,19 0,04 - - - - 4,3 55 a 59 anos - - 0,49 0,6 - 0,04 0,63 0,49 0,41 0,41 0,04 0,07 0,07 - 0,04 - - - - - 3,29 60 a 64 anos - - 0,6 0,56 - 0,04 0,63 0,3 0,45 0,19 0,07 0,04 0,04 - - - - - - - 2,92 65 a 69 anos - - 0,26 0,3 - 0,04 0,19 - 0,22 0,11 - - - - 0,04 - - - - - 1,16 70 a 74 anos - - 0,15 0,3 - - 0,22 0,07 0,11 - - - - - - - - - - - 0,85 75 ou mais - - 0,22 0,3 - - - 0,04 - - - - - - - - - - - - 0,56
7,54 6,23 3,4 5 0,71 0,87 8,54 5,83 11,33 10,65 7,39 6,52 5,85 5,78 8,78 5,23 0,08 0,15 0,04 0,08 Total dos Anos de Estudos 13,77% 8,4% 1,58% 14,37% 21,98% 13,91% 11,63% 23,19% 0,23% 0,125
100
269
Base de dados: 645 famílias entrevistadas = 2.679 pessoas.
270
Segundo a Tabela 26, 33,3% dos moradores nos assentamentos rurais tem idade
inferior a 14 anos. Entre a faixa etária considerada ativa (15 a 59 anos) estão 61,3%
das pessoas, e na faixa etária passível de aposentadoria, somente 5,40%. Na
população total há 46,34% de mulheres e outros 53,66% de homens.
Em relação ao acesso à educação e aos anos de estudo, afora no quesito educação
superior, em todas as classes de anos de estudo os homens se destacam em
relação às mulheres, fato que talvez tenha ligação direta com o maior número de
homens ou maior predisposição desse grupo em encarar as dificuldades inerentes à
busca por educação no assentamento ou fora dele, que em ambos os casos,
demanda viajar até uma hora de ônibus, após uma cansativa jornada de trabalho.
Há que se destacar que cerca de um quarto da população assentada possui mais de
9 anos de estudos e que o número de analfabetos é baixo, se comparado à situação
da situação da população do Estado como um todo. Enquanto no Paraná a taxa de
analfabetismo para a população com 10 anos a mais de idade gira em torno de 8,6%
e Querência do Norte contabiliza 18,7%, segundo estatísticas do Censo
Populacional do IBGE – 2000.
Nos assentamentos rurais, com todas as dificuldades já retratadas, o índice
encontrado foi de 8,4%. Isto se deve, em grande medida, à conquista da escola nas
áreas de assentamento e ao trabalho de educação popular desenvolvido pelo Setor
de Educação do MST. Por outro lado, estando esta população compondo a base de
pesquisa do Censo Populacional do IBGE, pode-se inferir que a situação
educacional no centro urbano é crítica, sobretudo pela falta de programas voltados
para a alfabetização de jovens e adultos.
Mesmo quando o MST não tinha verbas ou as facilidades de programas públicos
como o PRONERA para auxiliar no desenvolvimento de ações de Educação de
Jovens e Adultos (EJA), esta tarefa nunca foi abandonada.
271
Nos últimos 3 anos, o MST tem desenvolvido um importante trabalho com as
crianças assentadas, os sem-terrinhas. Utilizando o espaço da escola situada no
assentamento Pontal do Tigre (Centrão), as crianças de vários assentamentos
participam anualmente de encontros onde brincam e recebem uma formação inicial
da prática militante e dos símbolos da Organização, formando no presente um grupo
de pessoas que no futuro irão redimensionar a luta pela terra/na terra.
Em relação à escola, à presença do MST e aos sem-terrinha, MAIA (2002) aponta
que com estas ações e nestes espaços educativos
Existe a presença dos símbolos do MST, crianças identificados com camisetas, bonés, a Bandeira hasteada, em algumas salas de aulas cartazes, frases produzidas na luta, cartazes. As publicações dos cadernos dos diferentes setores do MST o jornal e revista Sem Terra, são procurados para realizar pesquisa, estudo, elaboração e preparação das aulas. As crianças, educandos e Educadoras e Educadores cantam o hino de sua organização, gritam seus gritos de ordem da luta e, mobilizando os Sem Terrinhas, aos poucos vem sendo construído e cultivado as raízes da lutas dos pais Sem Terra. A maioria das crianças se identifica e chama uns aos outros de Sem Terrinha, transparecendo em seus sorrisos e olhares e o orgulho de poder se identificar com o MST, assumir postura crítica e disciplinas quando constroem os espaços de socialização e cultivos e revivem as místicas em momentos organizados com a escola e presença da comunidade. (MAIA, 2002, p.48).
É interessante registrar que nas escolas urbanas, em toda e qualquer atividade que
envolva crianças, jovens e adultos dos assentamentos, a bandeira e o boné do MST
estão sempre presentes. Aliás, nas ruas da cidade é possível ver os assentados
espacializando o MST através de um dos principais símbolos da organização: o
boné. Assim, educação, ação e pertença criaram uma integração comunitária que
destruiu totalmente o preconceito que a população em geral tinha dos sem-terras.
Outro avanço considerável do MST no campo da educação começou a ser gestado
em 1997. Preocupado com a formação de quadros, o MST decidiu envolver as
famílias até então assentadas em um projeto amplo: a construção de um centro de
formação, cujo objetivo inicial era formar quadro de militantes e técnicos para fazer
estes trabalhos em assentamentos e acampamentos da região e no Paraná.
272
Em 1998, mediante doações (animais, tijolos, pedra, cimento, etc) e trabalho
voluntário das famílias, construiu-se no assentamento Oziel Alves, no município de
Santa Cruz do Monte Castelo, o CEPAG – Centro de Formação e Pesquisa Ernesto
Che Guevara.
Dotado com uma infra-estrutura de alojamento, cozinha, biblioteca, horta, vários
cursos foram organizados. No contexto da luta pela terra, chegou-se a anunciar na
imprensa que este era um local de treinamento de guerrilheiros, deturpando para a
opinião pública seus objetivos. Até o ano de 2000, ocorreram vários cursos de
formação (ANEXO – 2), mas pouco a pouco estas atividades cessaram. Em
princípio, as dificuldades em angariar recursos através de projetos e colaboradores,
a própria dinâmica da luta pela terra que cerceou a ação da coordenação regional,
bem como a dificuldade dos jovens camponeses em permanecer num sistema de
internato, levaram o MST a abandonar o Centro de Formação para estas atividades,
destacando jovens militantes para outros locais situados no Rio Grande do Sul e do
Paraná.
Nos últimos doís anos, o CEPAG está passando por uma reestruturação em seus
objetivos e nas suas infra-estruturas: servir como um local de cursos menos
extensos para os novos militantes, receber reuniões da militância regional e ser um
núcleo de produção e repasse de tecnologia, sobretudo em relação ao sistema
voison99 e leite orgânico, para os assentados.
No processo de luta pela terra e processo de luta na terra, afora os exemplos
apresentados, utilizando os espaços da COANA, do CEPAG, das escolas e os
núcleos comunitários dos assentamentos, o MST promoveu no decorrer de 17 anos
dezenas de cursos de formação, discussão de gênero, leite orgânico, extensão rural,
plantio, café, mecanização, produção agrícola, saúde, administração rural, ervas
medicinais, tratorista, inseminação artificial, entre outros, segundo demonstram os
dados do Mutirão que questionou qual tipo de cursos os assentados fizeram junto ao
MST. .
99 Técnica de repartição da pastagem em piquetes, visando aumentar a lotação animal/hectare sem demandar maiores investimentos em melhoria das pastagens.
273
Estas ações têm permitido a formação, a renovação e o crescimento político do
quadro de militantes envolvidos nos trabalhos de base, na administração cooperativa
e nos núcleos familiares.
Articulado numa rede estadual e nacional, por sua vez o MST local envia estes
militantes para fazer o acompanhamento de programas como o PRONERA
(Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária), realizado em parceria com a
Universidade Estadual de Maringá no período 1999 a 2001, participar nos encontros
e congressos regionais, estadual e nacional, fazer cursos promovidos pela
Secretaria Nacional do MST (Escola Nacional, Escola Sindical, Realidade Brasileira),
etc, dinamizando a capacidade dos militantes em analisar a conjuntura, fazer lutas e
avançar na organização.
Outra preocupação constante no campo da educação tem sido a articulação para a
inserção de militantes nas universidades regionais. Mediante a conquista de vagas
em cursinhos pré-vestibulares, desde 1999 oito estudantes do MST em Querência
do Norte conseguiram o acesso a cursos em universidades pública (Universidade
Estadual de Maringá) ou privada (Centro Superior de Ensino de Maringá –
CESUMAR), através de parceria e concessão de bolsas. Apesar das dificuldades em
se sustentar, o que forçou a desistência de quase todos os estudantes, uma
assentada logrou o grau de jornalista e neste ano de 2004 vai assumir tarefas no
Setor de Comunicação da Secretaria Estadual do MST em Curitiba, e um jovem
inicia este ano o curso de Direito.
Em 2002, através de uma parceria com a Prefeitura do município de Maringá
(administrada pelo Partido dos Trabalhadores – PT), o MST recebeu a concessão de
uso de uma propriedade municipal situada na zona rural para implantar um centro de
formação. O local, que durante anos foi utilizado por uma empresa concessionária
que construiu galpões e trabalhava no setor oleiro, estava bem degradado, com as
paredes das construções parcialmente destruídas, sem cobertura, recebendo o
apelido de “ruínas” pelos sem-terras.
274
Deste então, o local tem passado por uma série de transformações, pois o MST tem
mobilizado um grande número de militantes com a tarefa de transformar as infra-
estruturas existentes na “Escola Milton Santos”, através da reconstrução dos
prédios, reboque e pintura das paredes, construção de divisórias e instalações
sanitárias, enfim. Através de doações e parcerias, a escola tem uma grade de ensino
voltada ao curso de Técnico Em Agropecuária com ênfase na Agroecologia e recebe
jovens militantes provenientes das regiões Norte e Noroeste do Paraná.
Reconhecido pela Secretaria Estadual de Educação do Paraná, através da Escola
Milton Santos o MST pretende fechar a lacuna que existe em relação à assistência
técnica que, para os assentados, é cara de se obter (o custo do salário de um
agrônomo ou veterinário é muito alto para ser bancado pela cooperativa ou mesmo
as famílias), é débil (a assistência oferecida pelo INCRA e a Emater não atende as
necessidades das famílias assentadas por falta de quadros e investimento do setor
público) e não atende as respostas políticas que a organização demanda.
Percebe-se, assim, a busca incessante do MST em formar quadros que atuem como
técnicos militantes nos assentamentos, pois somente desta forma as ações de
implementação, condução e dinamização de propostas de produção orgânica,
cooperação agrícola e trabalho de base podem ser fortalecidas e ampliadas nos
assentamentos.
Desde 2003, o MST vem desenvolvendo um trabalho de reestruturação da militância
nos assentamentos rurais, buscando com esta tarefa melhorar a participação da
organização junto aos assentados e dos assentados com a organização, fazendo o
trabalho de base com maior ênfase em quatro frentes de ação: a educação, a
coordenação do assentamento, a saúde e a educação.
275
Um avanço considerável do MST neste ano de 2003 ocorreu com a criação de uma
estação de rádio no município dentro de um acampamento100. Com a potência de
transmissão para um raio de 50 km, a “Rádio Transformação FM“ acrescenta uma
nova ferramenta tanto para a luta pela terra quanto a luta na terra: repassar as
informações e os ideais do MST com maior fluidez, rompendo as barreiras
geográficas e econômicas inerentes ao processo de luta.
Não tendo o registro comercial e não se enquadrando no perfil de rádio comunitária
(alcance de até 9 km de raio, segundo as leis de radiodifusão) a Rádio
Transformação FM é uma rádio livre. Nos cinco meses em que está no ar,
conquistou o gosto da população de Querência do Norte, que assiduamente
sintoniza a emissora, e até de empresas do comércio local, que lhe concedem apoio
cultural como forma de obter inserções diárias em sua programação, visando
aumentar as vendas.
Uma outra ação importante da rádio é a transmissão de notícias, mas com uma
leitura diferenciada efetuada pela coordenação do MST. Há inserção de músicas de
viola tocada ao vivo nas manhãs de domingo, ação que visa resgatar a cultura
camponesa. Além disso, bailes em assentamentos e atividades da luta são
veiculados, aumentando a presença de pessoas da região nestas atividades.
Desta forma, o trabalho de base e a conscientização política junto tanto à população
em geral como aos assentados e acampados ocorre diariamente, sem o gasto com
transporte e mobilização de um grande número de pessoas, mas num rádio de ação
territorial nunca antes alcançado com tal qualidade e dimensão.
100 Atualmente, devido à conjuntura, a rádio é itinerante, acompanha o acampamento e já se deslocou duas vezes desde que foi implantada.
276
Figura 34: Estúdio da Rádio Transformação FM – Acampamento Luiz Carlos
Prestes. Fonte: Trabalho de campo, março de 2003.
De maneira geral, a presença da Rádio Transformação FM, a ação da COANA e a
reestruturação do MST nos assentamentos rurais dinamiza os canais de
socialização política para quem está vinculado à luta na terra, à luta pela terra, bem
como fora dela. Articulado em rede, a gestão territorial fomentada pelo MST permite
avanços políticos e econômicos na luta contra o capital, colocando os camponeses –
ainda que a um preço muito caro (sofrimento, mortes, por exemplo) e de maneira
fracionada (política de assentamentos e de crédito aquém das necessidades) –
como público-alvo da ação do Estado.
277
4.2.4 Renda
Entende-se por renda o valor econômico gerado por um grupo familiar101, cujo
destino é o sustento material e fisiológico (alimentação, saúde, educação, transporte,
etc), do (s) indivíduo (s) que a compõe, bem como a reposição dos elementos
necessários para a realização do trabalho e da manutenção da moradia. No caso do
campesinato, esta segunda função da renda está intimamente ligada ao
investimento na atividade agropecuária (compra de insumos, sementes, ferramentas,
peças e máquinas) que no conjunto garantem a manutenção e reprodução das
atividades produtivas na terra de trabalho.
No Brasil, a discussão sobre renda presente em pesquisas que abordam a realidade
dos assentamentos tende a seguir os parâmetros teórico-metodológicos
pioneiramente propostos e executados pela FAO (Fundo das Nações Unidas para a
Agricultura e a Fome), instituição que no início da década de 1990 conduziu um
importante levantamento das condições socioeconômicas das famílias assentadas
(FAO, 1992).
Em suas análises, a FAO utilizou um amplo conceito de renda, composto por
categorias intermediárias e complementares, entre elas a renda agrícola, ligada à
produção de grãos, a renda animal, relacionada a venda de animais e seus produtos
(leite, peles, etc), a renda de autoconsumo (produção agrícola ou animal voltada à
manutenção da família e animais), a renda de outros trabalhos (remuneração como
empregado temporário ou permanente obtida por membros da família fora da
unidade produtiva) e a renda de outras receitas, cuja base são produtos da industria
rural e/ou extrativismo comercializados, conforme GUANZIROLI (1994).
101 Composto, basicamente, pelo pai, a mãe e os filhos (família nuclear), podendo agregar outros elementos em relação ao chefe da família: avós, irmãos, parentes distantes, afilhados, ou mesmo moradores de condição que desempenham trabalho no lote (família extensa), sem no entanto pagar um valor monetário, mas todos com uma característica de dependência, solidariedade e afetividade. No caso de pessoas solteiras que não possuem cônjuge ou agregados, a mesma é contada como uma família.
278
Entre 1996 e 1997, um projeto importante para a análise da realidade dos
assentamentos rurais no Brasil ocorreu mediante a divulgação dos dados do I Censo
da Reforma Agrária, trazendo novas informações para a discussão sobre a política
de assentamentos e seus resultados.
Paralelamente, centenas de pesquisas elaboradas por todo o País, abordando um
assentamento rural, vários assentamentos em um município, uma região ou um
Estado, têm compartilhado as metodologias propostas pela FAO, ou se lançado a
criação de propostas renovadas, como os RISTs (Relatórios de Impactos
Sócioterritoriais), metodologia proposta pela equipe do NERA – Núcleo de
Pesquisas, Estudos e Projetos de Reforma Agrária, da FCT/Unesp de Presidente
Prudente. No seu conjunto e a partir de métodos particulares, os pesquisadores vêm
revelando em suas análises a importância dos assentamentos rurais para a
recriação do campesinato, para a renovação no patamar de desenvolvimento rural
local/regional, entre outras questões.
Apesar dos avanços no campo da pesquisa, cujos resultados permitem (re)pensar a
questão dos assentamentos e propor projetos e ações para resolução dos
problemas levantados, severas são as críticas propostas por pesquisadores
contrários à política de assentamento e à reforma agrária, sobretudo em relação à
metodologia utilizada para levantar a renda das famílias assentadas.
Na pesquisa realizada pela equipe da FAO em 1994, a renda familiar média dos assentados foi calculada em 3,7 salários mínimos por mês. O valor tornou-se motivo de controvérsias, pois 37% daquela renda era definido como “renda de autoconsumo”, enquanto outros 26% representavam rendimento de atividades “não agrícolas”. Monetariamente, portanto, as famílias assentadas apresentavam baixo rendimento advindo da produção rural. (GRAZIANO NETO, 1998, p. 167).
Em dezembro de 2002, visando o planejamento territorial, o MST elaborou e
desenvolveu nacionalmente um processo intensivo de formação política em todos os
assentamentos rurais e, paralelamente, família a família, colocou em prática uma
279
metodologia de pesquisa para levantar a realidade política, econômica e social dos
assentados.
De maneira geral, os dados obtidos neste “Mutirão do MST”, como ficou conhecido,
serviriam para obter um “raio X” dos assentamentos rurais. Posteriormente, ações
políticas junto ao INCRA, Governo Federal e à militância, seriam elaboradas para se
resolver os problemas levantados. Assim, pesquisa, planejamento e ação se
configuravam enquanto uma aposta do MST para avançar na resolução das
questões inerentes aos assentamentos rurais e acampamentos.
No questionário socioeconômico, o MST optou por fazer o levantamento de renda
das famílias assentadas tomando como referência o ciclo produtivo do ano civil (12
meses de 2002), anotando todas as informações referentes à venda de produtos
agrícolas efetuada no período (renda agrícola - proveniente da venda de arroz, soja,
milho, feijão, algodão, etc), bem como a renda de origem animal (obtida pela venda
do leite, carne, animais), renda proveniente de aposentadorias e pensões, a renda
de trabalho fora do lote (assalariamento temporário e permanente) e a renda
proveniente de programas de auxílio social promovidas pelo Estado (Bolsa Escola).
Participando junto à militância nos cursos de preparação e formação para o Mutirão,
onde se discutiu a metodologia para o correto preenchimento dos questionários e
divisão de equipe (duas pessoas) e tarefas, bem como os elementos imprescindíveis
para o trabalho de base e a formação política junto às famílias pesquisadas,
ingressamos no processo, fizemos a discussão com todos cerca de 50 militnates e,
durante 21 dias, assumimos, juntamente com um companheiro da regional, a tarefa
de desenvolver o trabalho no pré-assentamento Porangaba II, compartindo o
trabalho de base e a pesquisa com suas 75 famílias.
Durante o mês de dezembro, praticamente todas as famílias foram visitadas e os
questionários foram enviados a Curitiba para catalogação e digitação em um banco
de dados. Mediante uma discussão com a Secretaria Regional do MST em
Querência do Norte e Secretaria Estadual do MST em Curitiba, em reconhecimento
ao trabalho de pesquisa e ação política, foi-nos autorizado acessar os questionários
referentes às famílias assentadas em Querência do Norte, o que nos forçou pensar
280
uma metodologia específica para o tratamento e a representação das informações
presentes no material analisado.
Em relação à renda, os dados por hora apresentados têm conexão com a
metodologia de coleta, mas enquanto representação, nos preocupamos em agregá-
los de forma a pensar uma metodologia que quebrasse o clássico agrupamento
simples elaborado por quase todos os pesquisadores voltados à temática (Tabela
27) que, na rigidez do método, impede uma discussão mais aprofundada sobre o
caráter da renda dos assentados, cujo elemento central é a realidade de cada
família e não seu agrupamento ou conjunto, o que abre brecha toda a sorte de
críticas por parte de pesquisadores contrários á reforma agrária. Além disso,
dependendo da maneira como se organizam e são representados os dados, fica
difícil o diagnóstico que permita o planejamento de políticas para reverter as
situações-problema em relação às famílias que possuem baixa renda em suas
atividades cotidianas, sobretudo porque as médias tendem a mitigar a dimensão dos
problemas..
Tabela 27: Querência do Norte – Renda das Famílias assentadas em salários mínimos.
Classes de Renda (Salários Mínimos por Mês SM/M )
Pontal do Tigre
Chico Mendes
Che Gue-vara
Marga-rida
Alves
Zumbi dos
Palmares
Luiz C. Prestes
Unidos pela Terra
Antonio Tavares
Poran- gaba II
%
- de 1 1,71 1,41 0,93 0,32 - 0,62 - 1,4 2,64 9,03%1 a –2 15,97 5,58 3,42 0,62 - 3,88 0,93 3,26 4,34 38,00%2 a – 3 11,35 2,48 2,02 0,48 0,48 1,55 0,93 0,32 2,03 21,64%3 a – 4 8,68 1,71 0,47 1,41 0,76 0,62 0,31 0,32 1,09 15,37%4 a – 5 3,72 0,76 0,93 - 0,76 0,32 0,62 0,48 0,32 7,91%5 a – 6 1,24 0,32 0,62 - 0,32 - 0,31 0,16 - 2,97%6 a – 7 0,48 - 0,33 0,16 0,76 0,16 - - 0,47 2,36%7 a – 8 0,48 - 0,16 0,16 0,16 - 0,16 - 0,32 1,44%8 a – 10 - - - - 0,16 - - - - 0,16%10 a – 12 0,16 - - - - - - - 0,16 0,32%12 a – 14 0,16 - - - - - - - - 0,16%19 - - - - - - - 0,16 0,16%22 0,16 - - - - - - - - 0,16%35 - - 0,16 - - - - - - 0,16%42 - - 0,16 - - - - - - 0,16%Total 44,11 12,26 9,2 3,15 3,4 7,15 3,26 5,94 11,53 100%
Fonte: Mutirão do MST - Querência do Norte, dezembro de 2002. Tabulação e organização: Sérgio Gonçalves.
281
Base de dados: 645 famílias. Valor do Salário Mínimo - R$ 200,00
Segundo estas informações, 9,3% da população assentada tem dificuldades
financeiras, pois sua renda é inferior a um salário mínimo. Por outro lado, 38% das
famílias assentadas alcançam renda na faixa de um a dois salários mínimos por
mês, um grupo que se pode classificar enquanto de transição entre um nível de
renda satisfatório e um nível de renda ruim. Apesar dessas famílias estarem em
situação financeira compatível com a renda do trabalhador urbano deste
município102, este nível de renda dificulta elaborar investimentos na unidade
produtiva familiar.
Em situação regular de renda (2 a 3 salários mínimos) estão 21,64% dos
assentados. Por outro lado, 31,33% das famílias assentadas possuem renda situada
na faixa que vai dos 3 aos 42 salários mínimos.
Se por um lado esta disparidade nos números demonstra um forte processo de
diferenciação entre os assentados, sua base não é meramente econômica e social,
como reza a teoria clássica.
Na verdade, não existem problemas sociais cuja existência não esteja vinculado à
questão política. No caso dos assentamentos, a diferenciação ocorre a partir da
conjugação dos elementos da questão agrária e do destrato do Estado na gestação
da política de financiamento à agricultura camponesa, a quantidade de anos em que
o P.A. foi regularizado, a presença de infra-infraestruturas sociais (energia, elétrica,
água, escola, etc), o tamanho dos lotes em hectares, presença de agroindústrias, a
distância e o poder de compra do mercado consumidor, a relação com as redes de
comercialização, a fertilidade do solo (renda diferencial), se a família se dedica a
uma atividade agropecuária valorizada (arroz, leite) ou não (milho, mandioca, etc) e
em que escala é feita esta produção, o direito à seguridade social (aposentadoria e
pensão), etc.
102 Segundo informações da Associação Comercial e Industrial de Querência do Norte – ACIQUEN.
282
A conjunção destes elementos concorre para que haja diferentes níveis de
consolidação socioeconômica das famílias assentadas. A questão central é que esta
metodologia permite o reconhecimento do perfil macroeconômico do (s)
assentamento (s) rural (is), mas uma série de questões pertinentes, como o perfil
produtivo das famílias, a história do lugar e o aceso a créditos, por exemplo, não são
contemplados. Desta forma, os números têm mais valor que os fatos.
Organizando de uma forma particular os dados de renda referentes a cada família
assentada e expondo sua relação com os elementos políticos, sociais e econômicos
dos assentamentos pesquisados, podemos avançar em relação à apreensão do
maior nível possível de informações sobre a realidade econômica e o perfil produtivo
dessas famílias.
Priorizando a apresentação das informações sobre as atividades econômicas
desenvolvidas no lote (agricultura, leite), além de seus complementos, como as
rendas externas (programas sociais para populações carentes como o bolsa-escola,
aposentadorias, venda da força de trabalho e o recebimento de salários e diárias
fora do lote, via assalariamento permanente e/ou temporário), pode-se chegar ao
nível de conhecer tanto a realidade macro dos assentamentos rurais, como caso a
caso a organização produtiva da unidade familiar de produção.
Neste sentido, a Figura 35 possui quadros que correspondem a um assentamento
rural, cada traço horizontal destes quadros demarcam o valor monetário de um
salário mínimo de renda numa escala de 0 a 10, cada barra vertical representa a
renda obtida por uma família nestes assentamentos, observando-se ainda as
especificidades da origem dessa renda (leite, agricultura, bolsa escola, renda obtida
fora do lote, aposentadoria, pensão). Para as famílias que possuem renda mensal
acima de 10 salários mínimos, fez-se necessário criar um quadro à parte com
valores até 42 salários mínimos por mês.
283
FIGURA 35: RENDA DAS FAMÍLIAS ASSENTADAS SEGUNDO A ORIGEM, 2002.
284
Trabalhando as informações sobre renda, organização do lote, bem como as
discussões presentes neste texto em relação a créditos obtidos, tempo de
assentamento das famílias (há quantos anos estão na terra?), podemos enfim,
discutir qual não só o perfil produtivo das famílias e qual o nível de consolidação econômica das mesmas, mas também porquê elas estão nesta situação e o que se pode fazer para contorná-la. Neste exercício, inferimos que:
• Assentamentos novos como os projetos Antônio Tavares Pereira, Luis Carlos
Prestes e o pré-projeto Porangaba II apresentam níveis de renda variando
entre valores baixos (2 SM/M - Salários Mínimos por Mês) e baixos (menos de
1 SM/M).
• Nos extratos que superam esta faixa de renda, ou mesmo nestes extratos de
renda, sobretudo no P.A. Antonio Tavares Pereira e na Porangaba II, é muito
alta a participação de renda proveniente de trabalhos fora do lote, sobretudo
na condição de bóia-fria.
• Entre os fatores que condicionam a existência de rendas baixas e a
dependência ao trabalho externo ao lote estão o não acesso aos créditos
bancários para investimentos por estas famílias (rever as tabelas 21, 22 e 24)
e a imobilidade do INCRA em arrecadar a fazenda Porangaba II e assentar
definitivamente as famílias ocupantes e que desde 1996 estão produzindo na
área. Por outro lado, com uma base produtiva excessivamente agrícola –
salvo o P.A. Luiz Carlos Prestes, onde a renda proveniente da venda de leite
é expressiva, estes produtores rurais desenvolvem uma agricultura de baixa
produtividade, pois é caro investir em insumos e equipamentos, produzem
lavoura de baixo valor comercial, com destaque para o milho, o feijão e o
algodão. É certo que há aqueles que investem em soja e até na mandioca,
285
mas os dissabores do mercado, sobretudo em relação aos preços obtidos
pelos produtores 103, impactam de maneira mais consistente agricultores
pouco consolidados economicamente.
• Em relação aos assentamentos Chico Mendes, Che Guevara, Margarida
Alves, Zumbi dos Palmares, Unidos pela Terra e, em parte, Pontal do Tigre, o
acesso aos créditos e a condição de assentamento conquistada a mais tempo
permitiram a inserção produtiva dos assentados e a conquista de um nível de
renda satisfatório (2 SM/M e acima desse patamar), atestando a consolidação
das famílias via inserção em um ou mais circuitos produtivos.
• É claro que há problemas, pois é expressivo o número de pessoas com
rendas inferiores a 2 SM/M no assentamento Pontal do Tigre, e ainda, nesta
área, naqueles extratos superiores a este valor, é grande o número de
famílias cuja renda depende da injeção de dinheiro externo ao lote ao lote,
sobretudo aposentadoria. Mas é importante notar que as famílias com menor
renda geralmente se dedicam a uma linha de produção e, no caso do leite, as
ações do MST certamente vão contribuir para modificar e dinamizar tais
unidades produtivas. Em relação à questão das aposentadorias, apesar de
sua importância em relação ao total da renda familiar, este é um direito
conquistado pelos assentados e muitas vezes a falta de jovens para
desempenhar as atividades produtivas fazem com que o assentado idoso se
insira em atividades menos intensivas em trabalho, como a coleta do leite.
• Há que se destacar a importância do leite na geração de riquezas nos
assentamentos Margarida Alves, Unidos pela Terra, Chico Mendes, Pontal do
103 Apesar das condições de solo permitirem uma alta produtividade desta cultura, nos último anos o preço da mandioca esteve situado em patamares muito elevados. Para se ter uma idéia, em 2001 a raiz chegou a valer R$ 170,00 a tonelada. Em dezembro de 2002, quando foi realizado Mutirão do MST, a tonelada da raiz estava cotada em pouco mais de R$ 30,00, causando uma série crise no setor e prejuízos aos produtores. Com o preço em recuperação, no final de 2003 esteve cotada a R$ 200,00 a tonelada e neste início de 2004, R$ 280,00. Esta dinâmica de preços prejudica as famílias assentadas e os demais produtores. Por falta de planejamento, quando um produto X está valorizado, centenas de famílias se inserem naquele circuito produtivo. O conseqüente aumento do total produzido faz com que as agroindústrias paguem preços irrisórios aos produtores. Sem acesso ao seguro agrícola, os prejuízos dos camponeses tendem a causar um impacto negativo que atrasa por meses e até anos a possibilidade de recuperação da renda das famílias afetadas.
286
Tigre e Luis Carlos Prestes, sobretudo pela expressividade do número de
SM/M obtidos por alguns assentados.
• Em relação à agricultura, há que se destacar que produtores assentados nos
projetos Pontal do Tigre, Che Guevara e Zumbi dos Palmares, cujas rendas
ultrapassam os 5 SM/M, ocorrem geralmente nos lotes situados na várzea,
favorável ao desenvolvimento da valorizada cultura do arroz. Por outro lado,
muitos assentados também situados na várzea não possuem capital e
maquinaria específica para explorar produtivamente sua terra. Como
pastagens e outras lavouras não se desenvolvem satisfatoriamente neste tipo
de solo, criam-se as condições para o subdesenvolvimento de famílias que
através de linhas de créditos específicos poderiam constar no rol das mais
consolidadas, e não no patamar de subdesenvolvimento onde se encontram.
• De maneira geral, a dinâmica de organização do lote, o acesso a recursos
financeiros, a inserção em circuitos produtivos valorizados (arroz, soja, leite,
etc) ou flutuantes entre a crise e a expansão (mandioca), voltados para a
subsistência ou pouco valorizados (algodão, milho, etc), bem como a
dinâmica inerente ao mercado (preços recebidos pelos produtores, a ação
dos atravessadores e a própria cooperação agrícola), contribuem para um
processo de diferenciação dos camponeses dentro e entre os assentamentos
rurais.
Apesar dos limites estruturais e políticos do processo de assentamento e da própria
questão agrícola brasileira no que toca a garantia de preços mínimos para produtos
da agricultura camponesa, de maneira geral e apesar das dificuldades, os
trabalhadores assentados possuem emprego, moradia e acesso a bens de consumo
duráveis que, a priori, denotam o sucesso do processo de assentamento rural
enquanto política de inclusão social.
287
Tabela 28: Querência do Norte – Acesso a energia elétrica e posse de bens de
consumo duráveis nos assentamentos rurais, 2002.
Assentamento
Energia Elétrica
TV
Geladeira
Freezer
Fogãoa Gás
Moto
Carro
Nenhum destes Bens
Pontal do Tigre 286 265 232 184 277 7 95 1Chico Mendes 79 61 55 18 74 2 33 3Che Guevara 59 53 52 17 59 - 11 - Margarida Alves 20 16 17 7 19 - 2 - Zumbi dos Palmares 22 21 15 14 22 2 13 - Luiz Carlos Prestes 46 39 36 19 45 2 10 - Unidos pela Terra 21 17 19 9 21 - 3 - Antonio Tavares Pereira 2 13 13 7 34 - 4 2Total 535 485 439 275 551 13 171 6Percentual 93,7% 85% 76,9% 48,2% 96,5% 2,3% 30% 1,1%Fonte: Mutirão do MST, dezembro de 2002. Organização: Sérgio Gonçalves. Base de cálculo: 571 questionários. Tabela 29: Querência do Norte – Condição de moradia nos assentamentos
rurais, 2002. Assentamento
Madeira
Madeira e Alvenaria
Alvenaria
Lona
N. A.
Tábua e Lona
Total
Pontal do Tigre 35 12 238 - 1 - 286Chico Mendes 1 78 - - - - 79Che Guevara 1 - 58 - - - 59Margarida Alves 1 - 19 - - - 20Zumbi dos Palmares 1 - 20 1 - - 22Luiz Carlos Prestes 6 1 39 - - - 46Unidos pela Terra 1 2 18 - - - 21Antonio Tavares Pereira 17 2 8 8 2 1 38Total 63 95 400 9 3 1 571Percentual 11% 16,6% 70,1% 1,6% 0,5% 0,2% 100
288
%Fonte: Mutirão do MST, dezembro de 2002. Organização: Sérgio Gonçalves. Base de cálculo: 571 questionários.
Reconhecendo o rol de questões que envolvem as famílias assentadas, a luta na
terra processada pelo MST agrega pouco a pouco os trabalhadores no sentido de
alavancar seu desenvolvimento social, econômico e político. Analisando os dados
por hora apresentados, muitos cientistas diriam que o MST não tem atingido 100%
seu objetivo, que a reforma agrária não dá certo, que as famílias possuem um nível
de renda baixo, etc. Ora, a questão dos assentamentos rurais não pode ser
compreendida somente através das informações econômicas. Não devemos
esquecer que entre 1998 e 2002, em meio a todo tipo de perseguição política e
policial, dezenas de projetos foram negados ao MST, mas mesmo assim os sem-
terras conseguiram criar condições objetivas (cooperativas, resfriador, projetos, ação
educativa, etc) para avançar em seu projeto.
Há que se destacar que este é um trabalho lento e que a própria reminiscência do
que é a questão agrária e seus elementos norteadores contribuem para que haja um
avanço salutar na condição de vida dos trabalhadores antes excluídos, mas que, a
cada dia, o desenvolvimento do capitalismo no campo e a omissão do Estado em
relação à agricultura camponesa forçam a continuidade do processo de
diferenciação e exclusão social no campo.
Assim, o desafio de organizar a base, de gestar experiências coletivas e associativas
mais consolidadas, de fechar ou participar das cadeias produtivas, oferecendo
melhor preço aos produtos do campo, a luta por crédito e assistência técnica, as
ações visando mudar a base técnica da produção agropecuária, entre outras
questões, são elementos da realidade que o MST tenta mediar e, entre sucessos e
insucessos, dá a sua contribuição no sentido de apontar uma nova e diversificada
forma de tratar a questão da agricultura camponesa neste País.
289
Neste mês de fevereiro de 2004, o MST está envolvido negociações que poderão
melhorar a renda das famílias assentadas e consolidar a produção de leite: a compra
de um laticínio situado no município ou a construção de uma unidade produtiva. A
principio, já existe uma linha de crédito disponível, mas as articulações do capital
exigem uma análise profunda da situação para que a sustentabilidade do negócio
ocorre sem problemas, isto porque o laticínio em voga custaria ao MST
R$ 600.000,00 (seiscentos mil Reais), possui uma estrutura um pouco defasada e
dívidas a pagar.
Apesar de a construção de um laticínio moderno demandar o mesmo valor,
investimento que seria mais prático de ser elaborado pelas condições técnicas, a
rede de laticínios Líder104 também está tentando comprar o laticínio Querência, mas
a COANA tem preferência no negócio. Assim, a confirmação da compra resultaria no
investimento em uma planta defasada, mas a não consecução do negócio levará à
presença de um concorrente de peso no mercado local, podendo frustrar as
expectativas da cooperativa.
4.2.5 A luta pela terra hoje
Durante a campanha para Presidente da República e Governador de Estado
transcorrida no ano de 2002, o MST apoiou os candidatos do PT (Partido dos
Trabalhadores). No caso do Paraná, o candidato do partido não chegou ao segundo
turno. Apesar da frustração, o MST e o PT apoiaram o candidato Roberto Requião,
ligado ao PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro).
Nesta fase da campanha, PT e PMDB uniram forças. Apoiando a coligação política,
o MST destacou centenas de sem-terras para fazer a militância nos principais
centros urbanos do Estado (Londrina, Maringá, Ponta Grossa, etc) e na Capital.
Após a vitória de Roberto Requião, o Estado criou uma Secretaria de Assuntos
104 Mega-empresa que está em terceiro lugar no ranking de envasamento de leite no Brasil, perdendo somente para as companhias Nestlé e Parmalat.
290
Fundiários para mediar os conflitos, coordenada pelo candidato derrotado do PT,
Padre Roque Zimermann.
Enquanto transcorria o pleito político, todas as regionais do MST aceleraram os
trabalhos de base. Em Querência do Norte, o Setor de Frente de Massas conseguiu
coordenar uma série de reuniões no município e em localidades vizinhas. Essa
retomada da força organizativa do MST esteve vinculada às perspectivas de
ascensão de Luis Inácio Lula da Silva a Presidente da República.
Na sede da COANA, o MST organizou reuniões massivas contando com mais de
500 famílias. Neste espaço, as lideranças discutiam a luta pela terra na região, as
perspectivas da conjuntura política em relação à reforma agrária, além das
possibilidades de retrocesso (ações de contra-reforma agrária) desenvolvida pelo
capital contra os sem-terra.
Em 2003, já definida a questão política nacional e estadual, cresceu a preocupação
do MST em relação ao risco iminente de conflitos, haja visto que neste ano no
Estado do Paraná, membros da UDR e outros grupos, sobretudo o chamado PCR –
Primeiro Comando Rural105, divulgavam amplamente na mídia sua discórdia contra
as organizações de luta por terra, declarando veementemente a possibilidade de
novos atritos, inclusive armados, para a defesa da propriedade rural.
Cientes de que o avanço da luta pela terra demanda organização, formação política
e ações concretas e que a contra-reforma agrária encontra-se na pauta política das
classes reacionárias (latifúndio), o MST desenvolveu uma nova forma de ação
territorial para contornar a situação: montar acampamentos em assentamentos
rurais, em não mais em beiras de estradas e fazendas para evitar conflitos.
Em fevereiro de 2003, o MST realizou reuniões com a coordenação e as famílias
assentadas do projeto Luiz Carlos Prestes, que aceitaram a organização de um
acampamento de sem-terras na área social do assentamento.
105 Em alusão ao PCC – Primeiro Comando da Capital, uma organização criminosa organizada no interior de presídios estaduais que criou uma rede criminosa no Estado de São Paulo.
291
Em menos de um mês, 628 famílias foram reunidas e montaram um grande
acampamento no assentamento, sendo batizado de “Luiz Carlos Prestes”. Apoiando
ainda mais a luta, as famílias assentadas permitiram o uso da água de um poço
artesiano, acesso à rede de energia elétrica (todos os barracos possuíam luz, alguns
contavam até com geladeira e máquina de lavar roupas, garantidos através do rateio
da energia elétrica consumida), construíram um parque para as crianças brincar e
uma família cedeu a casa onde estava morando para funcionar no imóvel um posto
de saúde106 e rádio.
Figura 36: Acampamento Luiz Carlos Prestes. Fonte: Trabalho de Campo, março de 2003
No espaço coletivo do acampamento, o MST dividiu as tarefas organizativas em uma
Coordenação, composta por coordenadores eleitos entre as pessoas organizadas
em núcleos de 10 a 20 famílias. Além disso, cada núcleo familiar recebeu a
incumbência de indicar pessoas responsáveis para assumir as coordenadorias de
saúde, educação, limpeza, mística, segurança e finanças.
106 No mesmo imóvel passou a funcionar tempos depois a Rádio Transformação FM. A família que cedeu a casa foi morar num barraco de lona com os demais acampados.
292
Desta forma, todo e qualquer problema ocorrido no interior dos grupos poderia ser
contornado e as informações discutidas nas assembléias realizadas pelos
coodenadores chegariam à base. Além disso, durante as manhãs de domingo
aconteciam grandes assembléias, contando com a participação massiva das
famílias.
Em relação à educação, o assentamento Luiz C. Prestes não contava com unidade
escolar. Para contornar a situação, a coordenação do acampamento levantou o
número de alunos, organizou reuniões com a Secretaria Municipal de Educação e,
aproveitando um barracão do assentamento, ali organizou uma escola rural, com
seriação de 1a a 4a série do ensino fundamental, com professores deslocados da
cidade e pagos pela Prefeitura.
Para os demais estudantes, a Prefeitura disponibilizou ônibus para fazer o transporte
até o centro urbano. Preocupado com o alto índice de analfabetos, o MST articulou o
Setor de Educação, trouxe militantes de outras regionais (Pólo de Terra Rica),
preparou educadores no acampamento e montou turmas de alfabetização de jovens
e adultos.
Promovendo festas e bailes, um dos quais contou com cerca de 4.000 pessoas
provenientes de municípios da região, os acampados montaram uma rádio
comunitária (Rádio Transformação FM) com alcance de 50 km de raio, dinamizando
a socialização política. Para fazer o abastecimento interno, organizaram um barraco
que funcionava como mercado, oferecendo uma diversidade de produtos (arroz,
feijão, embutidos, carne, etc) com preços mais acessíveis que os da cidade. Além
disso, o acampamento contava com um posto de saúde, onde os acampados
assumiram as tarefas de cuidar da unidade de saúde e da diversidade de problemas
relativos a esta questão, como curativos, primeiros socorros, inalação, aplicação de
injeções, medição de pressão arterial, etc.
Durante as assembléias, o tema ocupação de fazendas era recorrente. Inclusive, um
grupo de 80 famílias provenientes de Santa Izabel do Ivaí, descontentes com a
293
aparente inércia do MST, rompeu com a organização e, por conta própria,
abandonou o acampamento e realizou uma ocupação neste município.
A impaciência das demais famílias chegou ao fim no dia 06 de agosto de 2003,
quando 490 famílias 107ocuparam as terras da fazenda Água da Prata, que nos
últimos 07 anos foi ocupada outras três vezes108, redundando na morte de um sem-
terra. Em homenagem a sua memória, o acampamento foi denominado “Sebastião
da Maia”, conforme Figura 37.
107 As 58 famílias restantes ficaram guardando a rádio Transformação no acampamento Luis Carlos Prestes. Somente em 31 de agosto as famílias, bem como os equipamentos da rádio foram deslocados para a ocupação da fazenda Água da Prata. 108 Na última das três ocupações anteriores, o INCRA proibiu a área de vistoria por dois anos. Neste ínterim, o fazendeiro arrendou a fazenda para grandes agricultores da região, visando aumentar os índices de produtividade da área. No dia da ocupação, o acampamento foi organizado em meio uma ampla plantação de milho e aveia.
294
295
Figura 37: Acampamento Sebastião da Maia (fazenda Água da Prata). Fonte: Trabalho de Campo, 22 de agosto de 2003.
296
297
Uma grande diferença do contexto atual da luta pela terra em relação ao processo
de lutas desencadeadas pelo MST nos últimos anos é a presença massiva de bóias-
frias e habitantes de Querência do Norte nesta ocupação. No município, o
proletariado rural (bóias-frias, assalariados) e os pequenos arrendatários, devido a
sua condição de reprodução e trabalho, dificilmente se inseriam nos acampamentos
e ocupações, pois lutando contra os fazendeiros estes lhes negavam trabalho em
suas propriedades rurais.
Tabela 30: Acampamento Água da Prata – profissão do chefe da
família anterior ao acampamento. Profissão No de Informantes % Serviços Gerais 1 2,2%Arrendatário 1 2,2%Servente de Pedreiro 1 2,2%Marceneiro 1 2,2%Motorista 1 2,2%Tratorista 2 4,4%Pedreiro 2 4,4%Filho de Pequeno Proprietário 6 13%Bóia-fria 31 67,2%Total 46 100%
Fonte: Trabalho de campo, agosto de 2003.
Outra característica é que a pobreza das famílias fazia com que as dificuldades do
dia-a-dia no acampamento se multiplicassem. Somada a esta situação, a violência
praticada por jagunços e polícia forçavam a desistência dos acampados. Sem
alternativas, muitos ainda retornavam quando a situação de violência melhorava ou
havia notícias de novos assentamentos, mas quando as dificuldades cresciam,
novamente se concretizavam as desistências.
298
Tabela 31: Acampamento Água da Prata – Trajetória da família na luta pela terra.
Na ocupação, passou por quantas fazendas? Havia acampado anteriormente?
Primeira Vez
Uma Fazenda
Duas Fazendas
De Três a Cinco
Fazendas
Total
Não acampou 22 22Sim: menos de 1 mês 1 1Sim: de 1 a 2 meses 1 1Sim: de 3 a 5 meses 9 1 10Sim: de 6 meses a 3 anos
3 1 8 12
Total 22 14 2 8 46Fonte: Trabalho de campo, agosto de 2003.
Na atualidade, a presença de bóias-frias e trabalhadores temporários em geral no
acampamento representa uma aposta destes trabalhadores em um outro caminho
para vencer as dificuldades representadas pela sazonalidade e baixa remuneração
da sua mão-de-obra no mercado de trabalho, haja visto que 73,9% dos chefes de
família entrevistados não tinham renda, ou ganhavam até R$ 250,00 (duzentos e
cinqüenta reais) por mês, ou seja: pouco mais de 1,2 salários mínimos por mês
(valor de referência – R$ 200,00)
Tabela 32: Acampamento Água da Prata – renda do chefe da
família. Faixa de Renda No de Informantes % Acumulado Sem renda 2 4,4% 4,4% Menos de R$ 150,00 11 23,8% 28,2% R$ 151,00 a R$ 200,00 13 28,3% 56,5% R$ 201,00 a R$ 250,00 8 17,4% 73,9% R$ 251,00 a R$ 300,00 6 13% 86,9% R$ 301,00 a R$ 350,00 2 4,4% 91,3% R$ 500,00 a R$ 600,00 4 8,7% 100% Total 46 100%
Fonte: Trabalho de campo, agosto de 2003.
Outra informação pertinente diz respeito a origem dos acampados. Apesar de 50%
dos trabalhadores serem provenientes de Querência do Norte, a outra metade das
famílias conta com pessoas das regiões Noroeste, Sul e Oeste do Paraná, além de
trabalhadores do Rio Grande do Sul e brasiguaios (brasileiros que viveram no
Paraguay e estão retornando para o Brasil).
299
Tabela 33: Acampamento Água da Prata – origem da família segundo o Estado/País e o local de moradia.
Município Estado/País Urbano Rural Total % Laranjal Paraguai 0 1 1 2,17% Caxias do Sul RS 1 0 1 2,17% Douradina PR 1 0 1 2,17% Icaraíma PR 1 0 1 2,17% Loanda PR 1 0 1 2,17% Maripá PR 1 0 1 2,17% Monte Alegre PR 1 0 1 2,17% Planalto PR 0 1 1 2,17% Sta. Izabel do Ivaí
PR 1 0 1 2,17%
Sta. Mônica PR 0 1 1 2,17% Tamboara PR 0 1 1 2,17% Tuneiras do Oeste
PR 1 0 1 2,17%
Porto Rico PR 1 1 2 4,36% Santa C. M. Castelo
PR 6 3 9 19,6%
Querência do Norte
PR 14 9 23 50%
Total 16 29 16 45 100% Fonte: Trabalho de campo, agosto de 2003.
Apesar das críticas da mídia e dos fazendeiros, nos últimos 15 anos a luta pela terra
configura-se como o único instrumento político capaz de conter o êxodo rural,
recriar o campesinato e permitir a existência e reprodução social de centenas de
pessoas com dignidade, trabalho diário, renda e qualidade de vida. Assim, 95,81%
das famílias assentadas no município tiveram que acampar para conquistar
definitivamente109 a terra de trabalho.
109 Apesar de 1,86% dos assentados terem comprado os lotes rurais onde vivem, simplesmente ocorre a saída de um produtor e a entrada de outro em seu lugar. Como uma pessoa não pode possuir mais de um lote, a contradição da propriedade da terra não avança no sentido da concentração fundiária que é uma das bases da exclusão camponesa.
300
Tabela 34: Querência do Norte - forma de acesso a terra pelos assentados. Assentamento Acampamento Ex-funcionário Compra Troca N.A. Posse Total
Pontal do Tigre
268 1 9 - 6 2 286
Chico Mendes 74 - 3 2 - - 79Che Guevara 59 - - - - - 59Margarida Alves
19 - 1 - 20
Zumbi dos Palmares
22 - - - - - 22
Luiz Carlos Prestes
43 3 - - - - 46
Unidos pela Terra
21 - - - - - 21
Antonio Tavares Pereira
38 - - - - - 38
Porangaba II 74 - - - - 74Total 618 4 12 3 6 2 645Percentual 95,81% 0,62% 1,86% 0,47% 0,93% 0,31% 100%
Fonte: Mutirão do MST, dezembro de 2002. Organização: Sérgio Gonçalves. Base de cálculo:645 questionários
Por conta das articulações políticas entre o MST, o INCRA e principalmente, o
Governo do Estado, sobretudo através da Secretaria de Assuntos Fundiários, a luta
pela terra não está recebendo um tratamento diferenciado, pois as instâncias do
poder público vem agindo no sentido de arrefecer os ânimos das partes envolvidas
(fazendeiros e sem-terras), organizando ações de desarmamento de grupos
paramilitares, estabelecendo visitas pacíficas da polícia nos acampamentos, enfim,
entendendo a luta pela terra como uma ação de desobediência civil, e não como
caso de polícia.
A relação amistosa entre o MST e o Estado quase foi quebrada no dia 6 de
novembro de 2003, data em que a Justiça, através de um despacho da Juíza de
Loanda, determinou o despejo das famílias acampadas e a imediata reintegração de
posse da fazenda Água da Prata em favor de seus proprietários.
301
Ao tomar conhecimento por telefone do deslocamento da polícia, rapidamente a
coordenação do MST acionou a rádio Transformação, colocando no ar a notícia do
despejo. Conclamando assentados, militantes e citadinos a se deslocarem rumo ao
acampamento (dista 10 km da cidade) para uma ação de reforço, quando os cerca
de 600 policiais da tropa de choque chegaram ao local, encontraram duas pontes
totalmente destruídas e somente uma estrada de acesso totalmente bloqueada,
além de milhares de pessoas em círculo obstruindo a possibilidade de ação da
polícia na área.
Figura 38: Acampamento Sebastião da Maia – mobilização de acampados contra o despejo. Fonte: Acervo de Fotos da COANA, novembro de 2003
Percebendo o risco iminente de conflito, já que os acampados portavam suas
ferramentas de trabalho, fizeram várias barricadas, queimaram algumas fogueiras,
fizeram várias armadilhas nos arredores da fazenda e seus negociadores se
negavam a organizar a saída pacífica da área, a polícia teve de recuar e desistir de
sua ação, o que significou uma grande vitória para o MST e confirmou a importância
tática e estratégica da rádio a favor da luta pela terra e pela reforma agrária.
302
Durante duas semanas, o clima de medo marcou profundamente as famílias,
sobretudo porquê quebrou a idéia de que conflitos nunca mais ocorreriam no
município. Muitos passaram a temer ações como a ida à cidade, imaginado o risco
de serem presas. Contornando a situação, a Secretaria Estadual do MST (sede em
Curitiba) firmou um acordo com o Governo Requião para que até finais de março de
2004 nenhuma reintegração de posse seja desencadeada.
Em dezembro, as fortes chuvas e ventanias de verão destruíram dezenas de
barracos. A conjugação entre o desconforto da moradia, dificuldade de obter
trabalho e renda, a questão do despejo, entre outros elementos, geraram um clima
de abatimento e desesperança entre os acampados, forçando sua desistência do
processo de luta.
Em entrevista realizada em fevereiro de 2004, esta questão é vista pelos
coordenadores do Setor de Frente de Massas e pelos acampados mais experientes
como uma espécie de “vestibular do acampamento”, onde as famílias menos
resistentes abandonam as áreas pelo fato de que o assentamento vai demorar em
ocorrer, apesar de saber que há fazendas onde as lutas demoraram mais de 5 anos
para resultar em assentamento.
Atualmente, 260 famílias estão acampadas, organizadas em 26 grupos. Desde finais
de dezembro de 2003, cerca de 130 hectares de terra foram preparados para o
cultivo de milho, algodão, mandioca, abóbora, hortaliças e em fevereiro outros 50
hectares serão preparados com feijão. Além disso, encontra-se na área mais de 50
vacas leiteiras produzindo para o comércio e abastecimento das crianças
acampadas.
Desta forma, configura-se uma situação de trabalho no acampamento que
certamente, ao acontecerem as primeiras colheitas (mês de abril), permitirá a
sustentação econômica e a alimentação das famílias. Por outro lado, como em abril
o prazo acordado com o Governo estará vencido, a presença das lavouras será um
elemento reforçador da unidade de lutas para resistir a novas ações da polícia.
303
É importante destacar que ainda neste mês o Estado desocupou as famílias que
racharam com o MST durante a fase de acampamento no assentamento Luiz Carlos
Prestes e ocupavam uma fazenda em Santa Izabel do Ivaí, bem como outros 37
acampamentos no interior do Estado, todos sem vínculo político com o MST.
Apoiados pela igreja católica deste município, os sem-terras despejados estão
acampados numa área ao lado da igreja matriz, no centro da cidade.
De certa forma, o Governador Roberto Requião demonstra concretamente que o
MST é o único movimento social reconhecido pelo Estado nas negociações visando
a reforma agrária. Resta saber até quando este encantamento mútuo, que teve início
durante a campanha política e se solidificou com uma série de ações contra os
pedágios no Paraná, uma das bandeiras de luta do Governador, vai continuar.
304
4.3 O papel dos assentamentos rurais para o desenvolvimento rural e a crítica ao agronegócio enquanto potencializador deste processo.
Em que pese os problemas atinentes ao conflito entre movimentos sociais e Estado
tanto na luta pela implantação dos assentamentos rurais quanto nas lutas
posteriores visando a consolidação dos produtores e projetos, via repasse de
créditos bancários, elaboração de obras de infra-estrutura, etc, a pressão exercida
pelos trabalhadores sem-terra tem contribuído para amenizar os efeitos do
excludente processo de estruturação do espaço agrário de Querência do Norte –
cuja eixo norteador é a questão agrária brasileira - assentando em renovadas bases
(o pequeno estabelecimento rural e a agricultura familiar) o desenvolvimento local.
Ao conquistar o lote, os trabalhadores assentados têm a possibilidade de enveredar
pelo longo e dificultoso caminho da ressocialização cidadã, cujos elementos iniciais
são a conquista de trabalho, moradia, alimentação, renda e bens de consumo
duráveis. Na sua plenitude, essa ressocialização se configura através da
consolidação política e socioeconômica, a conquista de infra-estruturas (estradas,
escolas, posto de saúde, energia elétrica, água, entre outros), ou seja, todas as
dimensões que permitem a qualidade de vida no campo.
A centralidade de ações do MST permite um constante criar e recriar processos de
luta neste município. Por conta destas especificidades, muitos trabalhadores em
processo de exclusão social têm encontrado nos acampamentos de sem-terra a
possibilidade de inserção social e conquista da dignidade. A mescla dos elementos
da ação política e da renovação produtiva faz com que o município de Querência do
Norte apresente profundas mudanças em seu perfil populacional (Figura 39),
partindo de uma situação de êxodo rural e decréscimo populacional para outra, com
crescimento da população rural e total.
305
0500
100015002000250030003500400045005000550060006500700075008000850090009500
1000010500110001150012000125001300013500140001450015000
1960 1970 1.980 1.990 1.996 2.000
núm
ero
de h
abita
ntes
Urbana Rural
Figura 39 – Querência do Norte: População total, urbana e rural, 1960 a 2000. Fonte: IBGE – Censos Populacionais 1960, 1970, 1980, 1990 e 2000. Contagem da População 1996.
Tabela 35: Querência do Norte - População total, urbana e rural, 1960 a 2000.
Ano Urbana Rural Total
1960 1423 6094 7512
1970 2.342 11.890 14.232
1.980 5.551 3.513 9.064
1.990 6.820 3.564 10.384
1.996 7.022 3.426 10.448
2.000 7.005 4.434 11.439 Fonte: IBGE – Censos Populacionais 1960, 1970, 1980, 1990 e 2000. Contagem da População 1996.
306
Desta forma, pouco a pouco o processo de êxodo rural e de declínio populacional
vem sendo desestruturado, contrariando as tendências apontadas nos estudos
efetuados pelo IPARDES110 (Tabela 35), que apontavam uma estimativa de apenas
10.329 habitantes para o município de Querência do Norte no ano 2000, quando na
realidade a dinâmica da luta pela terra fomentou um aumento populacional
considerável, pois o Censo de 2.000 elaborado pelo IBGE contabilizou 11.439
habitantes.
Tabela 36 - População total projetada para os municípios paranaenses - 2000-2010.
Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Querência do Norte
10.329 10.283 10.233 10.173 10.110 10.045 9.970 9.879 9.799 9.707 9.603
Fonte: IPARDES, 2000.
Desde o período 1970/1980, contrariando as previsões futuras dos demógrafos do
IPARDES, Querência do Norte apresenta um crescimento da população total, com
destaque para a população rural, enquanto que o número de habitante na cidade
encontra-se estagnado.
No contexto atual, certamente a ação de luta pela terra e a conquista de novos
assentamentos vai dinamizar ainda mais o processo de crescimento populacional do
município. Aliás, o crescimento da população rural tem demandado um maior
planejamento do poder Público Municipal em atender as necessidades de saúde e
educação. Dentre os assentamentos rurais, o único que possui posto de saúde é o
assentamento Pontal do Tigre. Os demais assentados dependem de transporte
privado para acessar a infra-estrutura, nos bairros rurais111 ou na cidade.
110 Conforme o relatório Paraná – projeções das populações municipais por sexo e idade 2000 – 2010 editado pelo IPARDES (2000), cuja metodologia é a comparação entre os resultados do Censo Demográfico 1991 e Contagem da População de 1996. 111 No caso do pré-projeto Porangaba II e Chico Mendes, o posto de saúde mais próximo é aquele situado no distrito de Porto Brasílio. Mesmo assim, fica a mais de 20 km das casas dos assentados.
307
Segundo a enfermeira Maria Gatti, responsável pelo programa municipal de saúde
da família, na tentativa de garantir a assistência médica preventiva aos assentados,
foram constituídas 3 equipes, cuja alocação são os postos de saúde do Pontal do
Tigre, além dos distritos de Porto Brasílio e Icatú e, recentemente, no acampamento
Sebastião da Maia.
A pé ou de bicicleta, os agentes de saúde se deslocam dos postos para atender as
famílias da zona rural, mas a ação é incipiente devido às distâncias e a grande
quantidade de casas. Após percorrer os postos de saúde em trabalhos de campo,
pode-se afirmar como grave a situação da saúde pública nos três postos de saúde
acima descritos. Falta de medicamentos básicos doados pelo Ministério da Saúde,
ausência de médicos permanentemente nestas unidades112, poucas guias de
atendimento quando estes ocorrem, frustrando pacientes que se deslocaram para as
unidades de saúde e não são atendidos, distância entre as casas e os postos
agravada pela dificuldade de acesso, etc.
Apesar da presença dos postos de saúde no campo, a descentralização do
atendimento é precária e, infelizmente, o acesso ao serviço com um mínimo de
qualidade só ocorre na cidade, no hospital municipal.
No contexto em que o MST trabalha para articular nos assentamentos e
acampamentos o setor de saúde, desenvolve trabalhos com ervas medicinais,
elabora discussões sobre saúde preventiva e higiene, entre outras questões,
certamente os problemas relativos ao planejamento e levantamento sobre a situação
da saúde dos acampados e assentados tenderá a melhorar.
Apesar da falta de parcerias ente os Governos Estadual e Federal para a atribuição
de verbas e tentativa de solução dos problemas ligados à saúde, estradas rurais,
assistência social, educação, transporte escolar, dentre outros, não só uma maior
pressão aos serviços públicos acompanham a presença dos sem-terras neste
112 Apesar de o programa saúde da família preconizar a permanência diária de um médico para o atendimento à população perto do seu local de moradia nas unidades básicas de saúde (posto médico), o médico atende uma ou duas vezes por semana nos postos de saúde rurais, isto é, quando vem, pois há semanas em que este atendimento não é prestado.
308
município. Há que se destacar que as profundas mudanças no que toca a produção
agropecuária e a inserção dos sem-terra enquanto produtores rurais e consumidores
fomentam o aumento na arrecadação de impostos, sobretudo o ICMS – Imposto
Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, cujo repasse é dado pelo Fundo de
Participação dos Municípios, o FPM.
Segundo a Secretaria de Fazenda Estadual, durante o ano civil, os municípios têm
direito a receber 25% do total de ICMS arrecadado. Só que para ter direito ao
repasse, foi criado um índice – o FPM (Fundo de Participação dos Municípios), que
na sua base de cálculo premia os municípios com maior atividade agropecuária,
comercial e industrial, incentivando-os com mais verbas, e pune aqueles onde a
economia está estagnada.
A base de cálculo para o FPM é a seguinte: 75% do Valor Adicionado113, 08%
Produção Agropecuária, 06% Número de Habitantes Rurais, 05% Fator Ambiental
(cobertura vegetal), 02% Número de Propriedades Rurais, 02% Área Territorial 02%
(fator fixo).
Em relação a esta base de cálculo, Querência do Norte apresenta crescimento no
valor adicionado, na produção agropecuária, no número de habitantes e
propriedades rurais. Desta forma, há um aumento crescente no valor de ICMS
arrecadado e no total de verbas do FPM repassados ao município, situação que
contrasta com os demais municípios da região, cujas atividades agrícolas estão
estagnadas e a arrecadação de ICMS e do FPM encontra-se em queda.
113 Para efetuar o cálculo do Valor Adicionado, são utilizadas 3 fontes de informação: o no de estabelecimentos Industriais, Comerciais e Prestadores de Serviços de Transportes e de Comunicações, que apresentam a Declaração Fisco-Contábil – DFC; o no de Produtores Rurais que apresentam a Nota Fiscal do Produtor; as Agências de Rendas e Prefeituras, que informam os valores da comercialização de produtos primários em sua primeira etapa, quando a venda é efetuada entre não inscritos.
309
Figura 40: Querência do Norte: valor anual (milhares de Reais) do repasse do FPM, 1995 a 2004.
Fonte: Secretaria da Fazenda do Paraná, 2004.
Pari passu ao crescimento sustentado na arrecadação anual de ICMS, o aumento no
número de propriedades e população rurais contabilizados pelo IBGE (Censos
Agropecuário e Contagem da População 1995/96 e Populacional 2000), a injeção de
milhões de reais na economia local, o aumento nas atividades econômicas no
campo e na cidade, a injeção de créditos fundiários provenientes dos assentados, o
município apresentou repiques no total de FPM arrecadado, particularmente para os
períodos 1995/1996 e 1999/2000, conforme Figura 41 e Tabela 36.
R$ 0,00
R$ 250.000,00
R$ 500.000,00
R$ 750.000,00
R$ 1.000.000,00
R$ 1.250.000,00
R$ 1.500.000,00
R$ 1.750.000,00
R$ 2.000.000,00
R$ 2.250.000,00
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
310
0,00%2,50%5,00%7,50%
10,00%12,50%15,00%17,50%20,00%22,50%25,00%27,50%30,00%32,50%35,00%37,50%40,00%42,50%45,00%47,50%50,00%52,50%55,00%
95/96 96/97 97/98 98/99 99/2000 2000/01 2001/02 2002/03 2003/04
Figura 41: Taxa de crescimento dos repasses do FPM, 1995 a 2004. Fonte: Secretaria da Fazenda do Paraná, 2004.
Além dos impactos relativos à injeção de créditos agropecuários, os assentados são
responsáveis por grande parte do movimento do comércio local no que toca a
alimentação, bens de consumo, insumos, implementos, peças de reposição,
combustíveis, serviços de mecânica, roupas, calçados, etc.
Segundo o Presidente da Associação Comercial e Industrial de Querência do Norte
(ACIQUEN), Amaury Spósito, o poder aquisitivo dos assentados contrasta em muito
com o poder aquisitivo de grande parcela da população urbana do município.
[...] em Querência a gente tem de classe média a classe mais pobre que você pode imaginar. Nos arrebaldes da cidade a gente vê coisas assim que é coisa de chegar dar dó. O poder aquisitivo do pessoal é muito pequeno, por não ter emprego, não têm uma renda suficiente, o município não tem vida própria (Entrevista concedida em março de 2003).
Esta situação de miséria acontece porque o comércio e a industria locais não
oferecem maiores oportunidades de emprego e porque, infelizmente, boa parte da
população urbana depende das safras colhidas por fazendeiros e assentados para
311
sobreviver. Apesar de em muitos casos terem os assentados uma renda
relativamente baixa (cerca de um terço das famílias, segundo dados da Tabela 27,
página 273) esta ainda é superior àquela auferida por considerável parcela da
população local, sendo igualada ou suplantada somente pela renda dos profissionais
liberais, empregados do setor público, comerciantes, fazendeiros e pequenos
industriais. Em relação aos demais trabalhadores, os assentados estão em melhor
situação.
Atentos para esta situação, é praxe o comércio, sobretudo os donos de
supermercado, bancar transporte aos assentados, principalmente entre os dias 20 e
25 de cada mês, quando as famílias recebem o pagamento dos laticínios e da
COANA. Praticando esta forma de concorrência, os comerciantes procuram cativar
as famílias e garantir que o seu estabelecimento seja favorecido com os gastos
mensais da família e, inclusive, esta prática tem sido feita por comerciantes de Santa
Cruz do Monte Castelo.
Apesar da questão concorrencial, o comércio local tem uma visão muito boa dos
impactos econômicos causados pelos assentamentos rurais e pelo MST em
Querência do Norte. Para Amaury Spósito,
Depois de feito o assentamento, pra nós, no município é uma coisa que melhora bastante, eles começam a ter uma renda, ter uma vida própria de um consumo melhor no município. [...] muda totalmente a questão de uma fazenda assentada com uma fazenda que é de um único dono, vamos dizer assim. Eles acabam produzindo, eles acabam vendendo, eles acabam gastando no município, e isto pro município é muito bom. A Associação sempre teve pra aquilo que fosse melhor. Nós, a questão de se manifestar a favor ou contra, nós sempre ficamos naquilo que fosse melhor para o município. Nós, se a gente puder dar a opinião, a Associação e o comércio em geral, nós sempre estivemos lá pra sentar. Porque, se a gente for dar uma abalizada, o fazendeiro quase não gasta, o levantamento que foi feito, o fazendeiro praticamente traz muita coisa de fora. O assentado não: ele gasta no município. Por isso o comerciante, não só eu que sou presidente da Associação, mas eu represento a classe, e a classe vê desse lado, que pra ele, pra nós comerciantes, é melhor a gente ficar sempre do lado do Movimento, por ele ter um número maior de consumidores. (Entrevista concedida em março de 2003).
312
Este entendimento da realidade local também é partilhado pelo Presidente do
Sindicato Patronal, Denílson Aita, que mantém paralelamente à atividade
agropecuária uma loja de peças para tratores e máquinas agrícolas.
Em entrevista in off, Denílson revela que os grandes fazendeiros, particularmente os
dedicados à atividade da pecuária extensiva, pouco representam para o comércio
local, pois grande parte dos insumos e animais utilizados nestas fazendas vem de
outros municípios. Quando comercializam suas boiadas, os fazendeiros geralmente
falsificam guias de transporte, aferindo que estão levando gado de suas fazendas de
Querência do Norte para outros municípios, quando na verdade estão levando ao
frigorífico, burlando o fisco e sonegando impostos, atestando seu descompromisso
com o desenvolvimento local.
Em relação à sua loja, o dinheiro proveniente dos assentados representa 30% do
faturamento mensal, enquanto pequenos e médios proprietários e arrendatários os
70% restante. No seu ponto de vista, a reforma agrária tem sim um papel primordial
para o desenvolvimento, mas deveria ser feita em todos os municípios da região,
utilizando parte das terras de grandes fazendas, com infra-estruturas básicas
(estradas, energia-elétrica, água, etc), financiamentos e a população beneficiada ser
proveniente dos próprios municípios.
Apesar do descompasso que marca a implementação dos assentamentos na região
e, sobretudo, em Querência do Norte, Denílson entende que economicamente esta
tem sido uma política válida, pois amplia o mercado de trabalho e gera uma massa
de riqueza que é repassada ao município via comércio, indústria e cooperativa local.
Segundo informações colhidas no comércio local, em meados da década de 1980 a
crise social vivenciada na cidade expulsou grande parte da população e com ela
muitos comerciantes abandonaram suas atividades e procuraram outros municípios
da região ou fora dela para trabalhar. Desde a chegada dos sem-terra e a conquista
dos primeiros assentamentos rurais, o quadro de estagnação vem sendo quebrado.
Desta forma, apesar das críticas ainda reinantes sobre as práticas do MST na luta
pela terra, os assentamentos rurais e as benesses da reforma agrária são
313
analisadas como necessárias para redimensionar o desenvolvimento local. A esse
respeito, Amaury Spósito reintera que
Eu acho que o MST invadia, antes invadia porque é...não tinha outro meio de fazer se não fosse por ocupação, né? Mas eu acho que a reforma agrária tem que ser feita. Hoje a turma vê que é uma necessidade, antes achavam que era uma bagunça de algumas pessoas, de algum grupo. Hoje não: todo mundo vê, até o Presidente vê, que é necessário fazer, e para o município é muito bom isso aí. É coisa necessária assentar e eu não vejo uma outra forma a não ser trazer o homem que tá lá na cidade sem emprego, trazer pro campo de volta pra produzir grãos. Então acho que pra um município pequeno a saída que existe é a questão do assentamento. (Entrevista concedida em março de 2003).
Analisando os índices de desenvolvimento humano para os anos de 1980 e 1991,
percebe-se que os indicadores sociais, devido a conjuntura conturbada, sofreram
baixa considerável (Tabela 37). Tabela 37: Querência do Norte: Dados sobre o Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) 1980, 1991 e 2000.
Índice 1980 1991 2000
IDH-M Longevidade 0,621 0,665 0,704
IDH-M Educação 0,461 0,531 0,789
IDH-M Renda 0,784 0,566 0,622 Taxa de Alfabetização de Adultos - 70,99% 78,67% Esperança de Vida ao Nascer - 64,76 67,26
IDH-M 0,622 0,587 0,705 Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 1980, 1991 e 2000.
No período 1991 – 2000, todos os índices relativos à população de Querência do
Norte apresentaram melhorias, redundando na elevação da qualidade de vida
medida pelo Indice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M).
314
Levando-se em conta que nos últimos 15 anos a população total cresceu sustentada
pela presença massiva de migrantes pobres, sobretudo os sem-terras, e que as
principais mudanças econômicas verificadas no município referem-se aos
assentamentos rurais, podemos inferir que é o MST o agente territorial motivador
destas transformações, cujo alcance é, efetivamente, um renovado patamar de
desenvolvimento político, social, cultural, econômico no espaço local.
Esta compreensão da realidade também é partilhada pelo técnico da Emater, Jadir
Francisco dos Santos, pois segundo ele, somente a pequena e a média propriedade
contribuem efetivamente para o desenvolvimento local, pois ativam um fluxo
circulatório da cidade para o campo (insumos, créditos, mão-de-obra, serviços
públicos e privados, combustíveis, etc), do campo para a cidade (venda da
produção, depósitos bancários, matérias-primas para as agroindústrias locais, e da
cidade para a região-Estado-País-Mercado externo (impostos, mercadorias, etc). Em
todos os momentos, a acumulação de capital acaba, no todo ou na parte, reinvestida
no espaço local.
Na contra partida, as grandes propriedades, sobretudo as bovinocultoras e as
envolvidas no circuito soja, pouco impactam na demanda de mão-de-obra, mas
absorvem boa parte do crédito e dominam a maior área territorial. Quando
comercializam sua produção, no máximo a mesma é estocada no município, indo
diretamente para grandes centros fora da região (Maringá) e do Estado (Mato
Grosso do Sul) onde ocorre seu beneficiamento, industrialização. Controladas por
pessoas físicas e jurídicas estabelecidas em cidades médias fora do município e da
região, os lucros retirados do espaço agrário local são investidos em outros lugares.
Assim, contribuem de maneira tímida para a arrecadação de impostos no espaço
local e exercem uma poderosa drenagem da renda da terra para fora do município.
De maneira geral, somente a expansão do campesinato pode consolidar moradores
do campo e da cidade com trabalho, renda, serviços públicos de qualidade, enfim,
com um nível de vida digna.
315
No presente estudo, fica demonstrado que enquanto as grandes unidades
produtivas voltadas ao agronegócio da carne e dos grãos ascenderam territorial e
economicamente, a população urbana e rural sofreu impacto negativo e que,
mediante a expansão territorial, econômica, política e social do campesinato, pouco
a pouco o quadro de exclusão tem se revertido para um a situação de inclusão
social
Em nosso ponto de vista, esta (re)-estruturação sócio-espacial tem haver com a
passagem de um modo de organizar o campo visando o desenvolvimento
econômico conjugado com a concentração da riqueza e exclusão social (baixa oferta
de trabalho, êxodo rural, etc) para um modelo de desenvolvimento sócio-econômico,
com inclusão e justiça social tanto para os camponeses como para os demais
trabalhadores que se beneficiam de sua presença.
316
4.4 MST, organicidade, diferenciação e (des) territorialização
No processo de luta pela terra, as frentes organizadas pelo MST em vários
municípios e regiões do País demonstram, num primeiro momento, a capacidade de
articulação e o considerável alcance geográfico deste movimento social. Apesar das
distâncias e das diferenças de ponto de vista dos militantes, os mesmos signos (a
bandeira, as cantorias, os acampamentos, as ocupações, as marchas, a forma de
conduzir uma reunião, etc), organicidade na divisão de tarefas (lideranças,
coordenadores, militantes), as mesmas práticas desenvolvidas por militantes do sul
do Pará são utilizadas por militantes situados no oeste do Rio Grande do Sul, por
exemplo.
Mas, mantendo uma rede articulada de ações, uma unidade no acontecer da luta
pela terra, a partir do momento em que o MST se territorializa, territorializando
consigo o campesinato, o acontecer da luta na terra descortina uma série de fatores
conjunturais e estruturais que, contraditoriamente, podem desterritorializar o MST,
fechando sua ação nos assentamentos rurais, o lócus que dá sua dimensão
territorial.
Quando a desterritorialização acontece, as famílias que durante anos ficaram
acampadas, compondo a base organizada do MST, não mais participam de suas
instâncias representativas (setor de produção, setor de educação, setor de cultura,
setor de saúde, etc), fechando a possibilidade de avançar na luta contra o capital,
não mais o fundiário, mas sim o capital agro-comercial.
Em grande medida, a desterritorialização do MST acontece quando o movimento
não consegue pluralizar e multidimensionar o espaço de socialização
política114(espaço comunicativo, espaço interativo, espaço de luta e resistência)
durante os trabalhos de base nos acampamentos, cujo reflexo negativo configura-se
após o assentamento das famílias.
114 FERNANDES, 1996.
317
Ao estudar a realidade dos assentamentos rurais e das propostas de cooperação do
MST no Pontal do Paranapanema, região situada no extremo Oeste paulista,
ALMEIDA (1996), RAMALHO (2002) e RIBAS (2001)115 apontam as dificuldades que
o movimento encontra para aglutinar os trabalhadores assentados em torno das
propostas de cooperação agrícola gestadas nacional e regionalmente pela
organização.
Abordando as especificidades da cooperação agrícola nos assentamentos rurais da
região Centro-Oeste paranaense, FABRINI (2002) aponta a resistência dos
camponeses em se inserir nas propostas elaboradas e gestadas pelo MST,
trabalhando como conceito chave às especificidades do campesinato que tem uma
ação política importante, mas sempre procura reproduzir seu modo de vida e se
nega a participar de tudo aquilo que configure um controle externo à unidade
camponesa.
No debate relativo aos caminhos e descaminhos da luta na terra coordenadas pelo
MST, deve-se considerar que há uma série de fatores externos (ação do Estado e do
capital) e internos (dificuldades de gestão do próprio MST, inexperiência
administrativa, participação militante dos assentados, a conquista de um lote pelos
camponeses e seu afastamento político-ideológico do MST, entre outros) que
dificultam a inserção e a possibilidade de avanço do campesinato n’outro domínio
territorial do capital - o mercado, esta espécie de “lugar comum” – na verdade, uma
série de relações - onde se configura o empobrecimento e a exclusão do camponês.
Percebe-se, também, que os avanços organizativos do MST na luta contra o capital
mescla um elemento conjuntural e um elemento estrutural. O primeiro diz respeito
aos recursos, que dinamizam a possibilidade de desenvolvimento dos assentado e
de todas as formas de cooperação, assistência técnica, agroindustrialização, etc. O
segundo elemento diz respeito à própria organicidade do MST.
115 Almeida (1996) trabalhou as diferentes especificidades dos assentamentos rurais no Pontal do Paranapanema, Ramalho (2002) abordou o processo de formação e desenvolvimento dos assentamentos rurais do município de Mirante do Paranapanema e Ribas (2001) estudou a cooperativa regional implantada pelo MST naquela região.
318
Mesmo inserido numa conjuntura política e econômica desfavorável, o MST pode
continuar territorializado num assentamento. Contudo, a partir do momento em que
as famílias assentadas não mantém nenhum vínculo político ideológico com a
organização, não co-participam nas instâncias representativas do MST, não se
vinculam e comercializam produtos com a cooperativa do Movimento, não há
participação nos coletivos e setores ligados à saúde, educação, etc, cada território
(assentamento) destes não mais se configura enquanto lócus da territorialização do
MST. São, portanto, somente lócus de reprodução da existência camponesa.
Estas especificidades são perceptíveis no Pontal do Paranapanema, onde o
processo de luta pela terra coordenado pelo MST foi massivo na re-inserção
camponesa, mas contraditório, pois os camponeses não mais se relacionam com o
MST, o que impede o movimento social de organizar e coordenar a luta na terra.
Sem gerar militantes que coordenem e sustentem setores e coletivos, o MST se
desterritorializa e não dá conta de contribuir para que as amarras da questão
agrária, do capital e da própria ação política do Estado se desfaçam e permitam o
desenvolvimento do campesinato.
Feitas as considerações iniciais, em Querência do Norte, o relativo sucesso do MST
em coordenar o processo de luta contra o capital agro-comercial, de colocar em
prática formas de cooperação agrícola, desenvolver projetos de renovação do
processo produtivo, os fortes vínculos organizativos que ligam acampamentos-
assentamento-cooperativa, os trabalhos voltados á busca de soluções para as
questões ligadas à saúde, educação, o trabalho com a cultura, enfim, são exemplos
de uma rede de articulação e gestão territorial que per si configuram – de fato, a
territorialização do MST.
A priori, o MST de Querência do Norte é particular. É um exemplo de organização
camponesa que contrasta e se diferencia com qualquer outro grupo de sem-terras
organizado nos municípios e regiões do País.
319
Colocadas estas premissas, a territorialização do MST, conceito cunhado por
FERNANDES (1996) e amplamente utilizado na geografia, em nosso ponto se vista
não só se configura quando o Movimento conquista o assentamento e territorializa o
campesinato, conceito este que se transformou numa teoria para explicar o MST e
outros movimentos sociais.
Em nosso ponto de vista, a territorialização do MST só se configura como tal quando
o Movimento exerce uma ação coletiva integrada e dinâmica, conduz um processo
de gestão territorial das frações conquistadas do capital fundiário (os assentamentos
rurais), fomentando ações de contraposição ao capital agro-comercial,
desenvolvendo e realmente fazendo funcionar a amplitude de setores e coletivos
internos ao MST (gênero, saúde, educação, produção, frente de massas, etc), nos
acampamentos, nos assentamentos, no campo e na cidade.
Quando estes elementos não estão presentes, ou seja, não ocorre a presença
organizativa do MST nos assentamentos rurais, via núcleos de famílias, apesar de
ter territorializado o campesinato, o MST apresenta-se em um processo de
desterritorialização, cuja dimensão, prioritariamente, é perceptível quando ocorre a
luta na terra. Desta forma, a conquista de um assentamento rural nem sempre é a
territorialização do MST.
Ao contrário da realidade presente em regiões importantes como no Pontal do
Paranapanema, onde sou assentado e iniciei minhas pesquisas, em Querência no
Norte a territorialização do MST é um fato concreto, e não meramente uma
abstração. Esta realidade é perceptível quando se questiona os
acampados/assentados querencianos sobre sua vinculação político/ideológica com o
MST, além de suas práticas militantes, o que em parte podemos perceber na Tabela
– 38.
320
Tabela 38: Vínculos políticos das famílias assentadas com o MST.
Assentamento Membro % Neutro % Simapa- tizante
% Total %
Pontal do Tigre
276 96,5% 7 2,46% 3 1,04% 286 100%
Chico Mendes 76 96,2% 3 3,8% - 0% 79 100%Che Guevara 56 94,92% - 0% 3 5,08% 59 100%Margarida Alves
15 75% 1 5% 4 20% 20 100%
Zumbi dos Palmares
20 90,9% 1 4,555 1 4,55% 22 100%
Luiz Carlos Prestes
37 80,44% 1 2,17% 8 17,39% 46 100%
Unidos pela Terra
21 100% - 0% - 0% 21 100%
Antonio Tavares Pereira
37 97,37% - 0% 1 2,63% 38 100%
Total 538 94,22% 13 2,28% 20 3,5% 571 100%Fonte: Mutirão do MST, dezembro de 2002. Organização: Sérgio Gonçalves.
Colocados estes elementos para o debate, entendo que a territorialização do MST
se faz a partir da ação e controle da organização num dado raio de ação no espaço
geográfico – o assentamento rural, através de uma articulada rede de relações
orgânicas (organicidade, pertença, distribuição de tarefas) que envolve todos os
militantes (acampados, técnicos, assentados, direção em seus diversos níveis).
Na tentativa de cartografar o “desenho” da rede de gestão fundamentado pelo MST
em Querência do Norte, que a priori dimensiona e explicita o padrão territorial do
MST, produziu-se o cartograma da Figura 42, onde estão representados os
assentamentos rurais, a centralidade da COANA-MST, bem como os fluxos
territoriais que tem como ponto final os coordenadores (produção, saúde, educação,
coordenador e coordenadora de área) dos núcleos de famílias situados nos
assentamentos, além do acampamento Sebastião da Maia onde funciona a Rádio
Transformação FM e seu respectivo raio de difusão.
321
Figura 42 - TERRITORILIDADE
322
CONSIDERAÇÕES FINAIS
323
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
A questão agrária é um processo estrutural do desenvolvimento do capitalismo no
campo que, conseqüentemente, afeta o desenvolvimento social. Em suas bases (o
que priorizou-se chamar por questão agrícola e fundiária), estão colocados uma
série de elementos que desencadeiam a diferenciação e exclusão do campesinato
bem como amplos processos (concentração da solo agrícola e outras questões
sociais, por exemplo).
Apesar de no pensamento dos expoentes da teoria clássica sobre a questão agrária
ser apontado a mudança no sistema capitalista como a única alternativa para
resolvê-la ou minorá-la, vários pensadores e partidos políticos pensaram políticas
públicas de desenvolvimento rural para amenizá-la, apontando saídas dentro do
modo de produção capitalista. É neste contexto que as teses da social democracia
ganharam fôlego, nasceram um conjunto de ações (subsídios agrícolas, expansão
do crédito, criação de patrulhas mecanizadas, garantia de preços mínimos para os
produtos do campo, para os camponeses, etc), sustentando um pacto político com o
campesinato.
Colocando em análise a questão agrária brasileira desde uma perspectiva histórica,
política, econômica e social, percebe-se claramente que o desenvolvimento do
capitalismo não de dá de maneira unilinear, ou seja, desestruturando, desintegrando
e/ou destruindo o campesinato somente. Ao contrário: este desenvolvimento é
desigual, contraditório e, motivado pelo conflito de classes e a ação política e
sócioterritorial dos camponeses, a cada dia, em vários lugares neste País, o
campesinato teima em resistir e, por meio da luta ou da alienação do trabalho, vê ser
produzida ou produz ele próprio a sua existência, que pode ocorrer através de
relações dependentes do capital (arrendatário, parceiro, meeiro, etc) ou
contraproducente a ele (ocupante, posseiro, sem-terra, assentado).
324
Apesar de a reforma agrária (radical ou não) ou mesmo políticas de desenvolvimento
rural serem apontadas como essenciais, no caso brasileiro este tipo de ação
estrutural desenvolvida pelo Estado nunca foram implementadas visando atender as
demandas do campesinato. O que se tem são ações pontuais nas zonas de conflito,
no caso da política de assentamentos. De maneira geral, as políticas pensadas para
o campo sempre priorizaram o desenvolvimento da agricultura capitalista e de seus
agentes: os grandes proprietários de terras, as agroindústrias e os capitalistas
urbano- industriais que estenderam seus tentáculos econômicos no campo.
Verticalizando o entendimento da questão agrária para seu rebatimento sobre o
território do Estado do Paraná, quando se analisa a realidade de suas regiões e
municípios, percebe-se que em dados momentos da história deste Estado as bases
territoriais para a implementação de uma reforma agrária estavam colocadas
(existência de milhares de hectares de terras públicas com baixa ocupação humana,
grande quantidade de mão-de-obra camponesa em condições precárias de acesso à
terra, possibilidade de introdução de migrantes, etc), mas o Estado – respondendo
às elites que o controlam - negou-se a fazê-la e, no caso das regiões Oeste,
Sudoeste, Norte e Noroeste paranaenses, priorizou os agentes do capital para
conduzir um processo de partilhamento do solo totalmente voltado para extração da
renda fundiária – a colonização.
As contradições da questão agrária, da ação do Estado, do capital e a própria
dinâmica social produzem interações e possibilidades de avanços e recuos.
Inseridas neste contexto, as organizações de luta pela terra vem rompendo o ranço
político que existiria em relação à capacidade de organização e tutela dos
camponeses. Enquanto sujeitos ativos, no interior dos movimentos sociais o
campesinato brasileiro vêm redimensionando positivamente seu processo de
recriação em alguns níveis escalares (região e município), ainda que o processo
geral, no caso brasileiro, seja sua exclusão definitiva da terra de trabalho.
Isto posto, analisando o rebatimento da questão agrária brasileira na região
Noroeste paranaense e em particular no município de Querência do Norte, conclui-
se que no período situado entre a década de 1950 a 1960, tais áreas apresentaram
325
um período de desenvolvimento rural, sob a égide dos processos de colonização,
cuja base sócioprodutiva eram as pequenas propriedades e a agricultura
camponesa.
Nas décadas de 1970 a 1980, rapidamente desenvolve-se uma crise no espaço
agrário da região, acelera-se a exclusão do campesinato em sua diversidade de
formas de reprodução social (parceiros, meeiros, arrendatários, pequenos
proprietários, posseiros). Na contrapartida, o espaço agrário é organizado sob o
comando da grande propriedade, envolvida basicamente na criação de bovinos de
corte de maneira extensiva e pouco produtiva.
A partir da década de 1990, timidamente outros circuitos produtivos começam a ser
organizados na região (soja, laranja, milho, etc), irrigados pelos recursos técnicos e
financeiros do Estado, presença de agroindústria processadora (COCAMAR,
sobretudo), inserindo a região num renovado rol de relações produtivas - o
agronegócio.
Neste contexto, a recriação do campesinato ficou subjulgada aos interesses do
capital que em alguns períodos “abriu” o território para estes sujeitos, envolvidos na
produção na condição de meeiros, parceiros e arrendatários. Mas, no período atual,
o nível de relações mudou e não mais o capital aceita o campesinato como agente
da produção, mas sim outros capitalistas (médios e grandes arrendatários, parceiros
e meeiros, que trabalham 100, 500 e até mais de 1000 hectares), que colaboram
para dinamizar cada vez mais o valorizado bem que lhes é repassado: a terra.
No início da década de 1980, as contradições do desenvolvimento rural se
asseveram a tal ponto, que o município de Querência do Norte, de uma zona de
atração, transformou-se em zona de expulsão populacional. Tentando contornar a
situação, Estado, Sindicato dos Trabalhadores Rurais e capitalistas se uniram para
encontrar saídas para a crise social, e por assim dizer, do capital, pois sem
trabalhadores a explorar, não há geração de mais-valia. O resultado foi a
constituição do projeto ADECON, que renovou o processo de desenvolvimento da
agricultura capitalista e, em certa medida, a camponesa.
326
Gestadas inicialmente nas regiões Oeste e Sudoeste do Paraná, dezenas de
organizações de luta pela terra passam a cobrar medidas do Estado visando a
reforma agrária. Provenientes deste lócus e organizações, centenas de famílias
sem-terras vieram a Querência do Norte e, através de sua luta, inserção no MST e
conseqüente conquista da fazenda 29 Pontal do Tigre, passam a organizar novas
famílias, acelerar a luta contra o capital e contribuir para a recriação do campesinato
tanto no município, quanto na região.
Desde então, a centralidade de ações políticas, sociais, econômicas e territoriais do
MST de Querência do Norte giram em torno da coordenação tanto da luta pela terra
quanto da luta na terra, dimensões onde se inserem os militantes do MST
sustentando um projeto de gestão que corrobora nosso entendimento sobre a
territorialidade e a territorialização deste movimento social. Em ambos os casos,
dão-se os embates contra o capital (fundiário e agro-comercial), pressão sobre o
Estado em suas diversas instâncias representativas (federal, estadual e municipal),
preservando os interesses dos trabalhadores e gerando importantes impactos locais.
Dentre os impactos, estão a desconcentração da propriedade fundiária, a inclusão
de trabalhadores que viviam em estado de pobreza via inclusão social e melhoria
nas suas condições de consumo e renda, mudanças expressivas no espaço agrário
local, atestados pelo aumento da produção de riqueza, emprego, impostos,
alimentos, melhoria nas condições de vida, etc.
Em sua matriz organizativa, o MST contribui para a renovação do modelo de
agricultura familiar no país, desenvolve um outro projeto de associação e
cooperativismo, voltado para a questão econômica, para a ação política e,
sobretudo, visando a resolução da gama de inerentes à população brasileira, como
saúde, educação, formação política, cultura, etc.
Participando no processo político local de maneira ativa, os sem-terra possuem um
vereador ligado ao PT, contabilizando três legislaturas na Câmara Municipal de
Querência do Norte, e o apoio político da organização é salutar para os partidos
elegerem prefeito e vereadores.
327
Apesar dos reveses, o MST redimensiona a importância e a necessidade da reforma
agrária para o desenvolvimento local, conquistando o apoio da sociedade para o seu
desencadeamento.
No momento, podemos confirmar a premissa de que a política de assentamentos
rurais redunda em impactos positivos e permanentes de melhoria da qualidade de
vida que, dentro de uma política maior de investimentos e novos assentamentos,
pode alavancar o desenvolvimento local de municípios pobres que vivenciavam uma
forte exclusão social de sua população e cuja economia encontrava-se estagnada,
realidade esta que o agronegócio não tem condição de oferecer.
A priori, os resultados da pesquisa também demonstram problemas internos aos
assentamentos (algumas famílias possuem com renda baixa, dificuldades
organizativas para a venda da produção e conquista de melhor preço) e fora dele (a
ação dos agentes que compram produtos dos assentados, dificuldades de resposta
dos poderes públicos em atender as demandas dos assentados em relação a
serviços básicos de saúde, escolas, transporte, créditos, etc).
Enquanto informações pormenorizadas, há a possibilidade de se pensar e executar
planos de desenvolvimento, ações coletivas, projetos e novas pesquisas que dêem
respostas aos problemas aqui elencados, contribuindo para o desenvolvimento
consolidado de todas as famílias assentadas e acampadas. Neste sentido, Estado,
MST, cooperativas e agentes locais necessitam maior articulação.
Ainda que muitos tentem desqualificar as ações do MST, dizendo que os
assentamentos rurais são favelas rurais, nossa pesquisa se soma àquelas que
demonstram o contrário: os assentamentos são uma alternativa viável para
promover a eqüidade social e o desenvolvimento local, ampliando a capacidade de
oferta de trabalho, oferta de alimentos, geração de impostos, tanto no campo quanto
na cidade.
328
Assim, luta pela terra e luta na terra configuram-se como ações afirmativas dos
trabalhadores do MST na sua busca pelas transformações sociais neste País,
demonstrando na prática, que reforma agrária dá certo e, contrariando as teorias,
que o campesinato desempenha sim um papel fundamental para os avanços
políticos e socioeconômicos em nossa sociedade.
329
REFERÊNCIAS
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