o movimento como metáfora

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Pesquisa - publicada Terapia Pela Dança e Movimento Supervisão: Varda Dascal - Tel Aviv. Trabalho de Mestrado em Psicologia PUC-Campinas, atualizado.Corrigir endereço eletronico de publicação: http://tesseract.sites.uol.com.brInformações para aulas e cursos: [email protected]

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Revista Tesseract ISSN 1519-2415 www.tesseract.psc.br Edio 5 - julho 2001

O MOVIMENTO COMO METFORA NOELIZA LIMA

...Aquele que tem olhos para ver e ouvidos para ouvir, pode se convencer de que nenhum mortal capaz de guardar um segredo. Se seus lbios se calam, ele tagarela com as pontas de seus dedos, a revelao goteja de cada um de seus poros. E, portanto, a tarefa de fazer consciente os mais escondidos recessos da mente, trabalho perfeitamente possvel de realizar. (Freud apud. Vilete, 1997)

O sujeito traz para a anlise todo o seu ser no mundo. Mesmo que se reporte a coisas aparentemente banais, ou a uma dificuldade que est enfrentando, ou a uma necessidade de auto conhecimento existe um ser que se mostra. Este revelar-se feito verbal e no verbalmente. So sons, gestos, expresses que trazem um universo de significados disposio do clnico. Universo no objetivo que necessita ser acolhido, acarinhado, desvendado e apresentado ao paciente na dimenso do real. O objetivo deste trabalho comunicar como a arte, em especial o movimento e a dana so excelentes ferramentas para o desenvolvimento do indivduo. Os pressupostos tericos e a tcnica necessitam ser melhor fundamentados em um contexto analtico, a fim de dar subsdios consistentes para outros terapeutas que se interessem pelo assunto. Pretendo mostrar de que forma o movimento constitui uma via de acesso ao inconsciente, como o analista lida com este material, o processo de formao de novas cognies e conseqentes transformaes no sistema de crenas da pessoa. Este tema ser desenvolvido a partir de reflexes e exemplos, colocando o movimento como metfora em terapia individual e de grupo. H alguns anos o corpo tem sido utilizado na psicoterapia como forma de tratamento, Conceituao e prtica introduzidas por Reich. Atualmente as formas mais conhecidas so a Bioenergtica e a Biodana, cada qual com um referencial diferente. No incio dos anos 50 Julien Beck criou o Living Thetre que utilizava a expresso teatral como forma de sensibilizao das pessoas a alternativas de vida. Um pouco depois psiclogos se interessaram em estudar a dana no Laban Art of Movement Center Trust (Surrey, Inglaterra) com o objetivo de vivenciar e desenvolver a expresso corporal como forma de auto conhecimento e de terapia.

Este tema surgiu em minha experincia como terapeuta em 1974, quando tive a oportunidade de ser parte de um grupo de Movimento e Dana conduzido por Varda Dascal, psicloga de nacionalidade uruguaia, que desde o incio da dcada de 70 se dedica a este estudo, com grupos em vrios pases e atualmente na Universidade de Tel-Aviv.

Corpo, Movimento, Expresso, Metfora

A estrutura, organizao e funcionamento do corpo humano possibilitam imensa gama de movimentos. Cada mnima transferncia de peso, cada virar de cabea, um simples toque de dedos revelam aspectos da memria arquivados em conexes neuronais complexas, organizaes de cognies e comportamento estruturados que so aspectos de nossa vida interior e de nossa relao com o mundo. (Laban, Ullmann, 1978) Quando a pessoa realiza um movimento ela est trabalhando a partir de impresses gravadas no crebro de tal modo que a qualquer mudana efetuada no movimento corresponde uma mudana na memria associativa, nas sensaes, sentimentos e quadro de referncia. A partir de novas formas de nos movimentarmos estamos automaticamente acionando novas conexes, estabelecendo assim um sentir, um pensar e um agir diferentes dos ocorridos at ento. Se bem trabalhada esta situao, o desequilbrio momentneo que poderia se seguir a tal mudana substitudo pela sensao de se sentir a vontade em seu prprio corpo . Cada movimento contem os seguintes elementos a serem decompostos, trabalhados e analisados a fim de auxiliar no processo psicoterpico: *Esquema corporal *Cinestesia : Respirao, Relaxamento, Tenso, Sensao, Toque. *Dimenso: comprimento, largura, altura, profundidade *Tempo: ritmo (rpido/vagaroso) *Espao: tamanho (grande/pequeno, aberto/fechado) *Peso , fora (pesado/leve, forte/fraco), gravidade *Forma *Fluncia *Esforo O nosso corpo funciona como uma orquestra em que cada instrumento pode se unir a outros sem perder sua identidade. As partes podem se combinar, como os violinos na execuo de alguns compassos de uma valsa, assim como o prato em um tempo do compasso, ou se congregarem todos a um s tempo. Assim tambm o ato de "andar" efetuado a partir de classes de movimentos com sua prpria identidade. Muitas combinaes podem ser utilizadas na expresso corporal, levando em conta o pressuposto de que a cada nova combinao gestual corresponde uma nova

configurao no sentir, pensar e fazer. Isto tem sido amplamente utilizado em treinamento de atores e grupos de desenvolvimento pessoal pela dana e expresso. "Neruda: Bem, quando voc diz que o cu est chorando o que voc quer dizer com isto? Mrio: Ora, fcil! Que est chovendo, u! Neruda: Bem, isto uma metfora." ( Skarmeta, A ) Quando falamos em metfora estamos designando uma construo literria atravs da qual uma idia substituda por /ou acrescentada de uma expresso que confira maior beleza descrio, conforme observamos no exemplo acima ( Flor do Lcio). Metfora: Tropo em que a significao natural de uma palavra substituda por outra com que tem relao de semelhana (Ferreira, 1993). Em psicoterapia a metfora a manifestao no real do material inconsciente, atravs de uma construo simblica. Os sonhos so metforas. Quando a adolescente diz, esperando a nota escolar: "Estou ardendo de impacincia..."- coloca seu sentimento de forma metafrica, esclarecendo ainda mais seu discurso. Se a pessoa manifesta seu desagrado atravs de um gesto, este gesto uma metfora. Segundo Dascal (1992): "As teorias tradicionais de metforas verbais distinguem o tema do veculo da metfora." Quando o movimento utilizado como forma de auto conhecimento pela expresso corporal o veculo da metfora. Exemplo: os membros do grupo ao realizarem a tarefa "andar no mel", refletem em sua postura peso, gravidade, esforo e limitao de movimentos . O movimento a o veculo da metfora, pois leva o participante a contatar psiquicamente contedos inconscientes que tenham algo a ver com a experincia corporal. O terapeuta pode aprofundar o trabalho investigando o significado simblico de difcil, pesado, restrito para as pessoas, e retornando este significado para o grupo. Neste refletir o movimento se torna no s o veculo, mas tambm o tema da metfora. Uma das formas de se pesquisar pedir ao grupo que relate sua experincia interna ao "andar no mel". Uma a uma as pessoas se manifestam verbalmente. Ou ento se pergunta: "Quem quer falar sobre sua experincia?" Vamos imaginar que um homem (a quem daremos o nome de Cid ) diga que se sentiu restringido em sua expresso devido ao "mel". A terapeuta (a quem chamaremos Dra. ) ter mais de uma interveno a sua disposio. Dra. pode perguntar o que isto tem a ver com a vida de Cid. Ele responde que se sente tolhido em sua vida profissional e afetiva. Se seguirmos este caminho ocorrer o seguinte. Dra. pede a Cid que escolha pessoas do grupo e faa uma esttua desta restrio. Cid escolhe as pessoas e as coloca conforme a solicitao. Dra. pede a Cid que olhe a esttua e diga o que sente. Este responde: "Triste".(Neste instante ele se confronta com sua necessidade interna de espao). A Dra. diz para Cid transformar a esttua de forma a adquirir maior liberdade, o que ele faz. Novamente questionado sobre seus sentimentos. Cid pode neste momento ter maiores percepes ou no. Se notamos que o paciente esgota seu material, perguntamos: "Est bem para voc pararmos por aqui?" Com a aquiescncia do paciente podemos passar para outra pessoa, para outro tpico, ou no, conforme a disponibilidade das pessoas, do terapeuta e do tempo da sesso . O tipo de movimento feito reflete as defesas, a transferencia e o dilogo intra psquico que o paciente est elaborando. So dados que auxiliam o terapeuta a

refletir qual ser sua prxima interveno, o contedo desta interveno e como ser feita. O contrato antes das sesses de movimento explicita a no ser permitido agresses de qualquer espcie, que no se forar o participante em nenhum momento e que cada um ir segundo seu ritmo. Esta permisso de ir segundo sua deciso possibilita que a pessoa se expresse livremente. Exemplo: Uma moa em um grupo relatou que criar a partir do som estava difcil. Devido a esta permisso e ao seu prprio processo interno ela tentou a experincia de joelhos, conseguindo aumentar seu espao. Neste "voltar ao engatinhar" houve a possibilidade de uma retomada no desenvolvimento e de uma expanso de conscincia. Relato de Um Trabalho Individual Rico (nome fantasia) tem 12 anos e uma histria de perdas. Foi primeiramente entregue para adoo. Aos 3 anos sua me adotiva teve uma recidiva de cncer e faleceu em dois anos, quando Rico tinha 5 anos. Quatro anos aps o pai se casa novamente, apresentando ao garoto a tarefa de se relacionar com a terceira me. Rico veio para a psicoterapia com a queixa de dificuldades escolares. O que se observa a nvel familiar que ele no se sente aceito pela nova me, sendo o relacionamento mutuamente difcil . Rico chega sesso e lhe proposta uma tarefa que ele aceita: a partir de um som fazer movimentos ou inventar uma dana. No incio apresenta certa inibio. A questo, quando uma pessoa apresenta dificuldade em criar um movimento , se vou me deter na dificuldade em realizar de pronto a tarefa ou se prossigo (porque a postura retrada ou outros elementos que aparecem podem ser trabalhados e eventualmente o que fao). No caso em questo decido prosseguir, propondo a brincadeira da marcha. Logo o menino "se solta". uma expresso idiomtica que significa "estar livre e leve". Estamos portanto frente a uma metfora da linguagem e uma metfora do movimento. A forma solta de se relacionar com o corpo, espao e msica nos remete ao universo do sujeito. Os significados etimolgico e psicolgico semelhantes. Naquele momento o movimento proporciona a sintonia entre manifesto e latente. Continuando a sesso peo que Rico efetue um movimento ou dana ao som de uma musica de compasso longo. Ele executa movimentos circulares de braos e pernas, dentro de um espao de cerca de metro e meio, movimentos estes que parecem uma busca no chega a ser uma elaborao completa. Fica neste processo cerca de 5. Parece no conseguir criar alm disto. Pergunto com o que se parece esta dana. Rico diz que se parece com medo. Peo para ele criar algum outro movimento ou brincadeira que parea com o que ele sente. Rico constri uma cama com as almofadas, deita-se nela e pede um cobertor. O interessante que a cama tem bordas, como um bero. Pergunto se a d para ele criar um movimento. ento que ele consegue se exprimir de uma forma total. O movimento tem comeo, meio e fim. Depois de uns minutos diz que est cansado. E relaxa. comum em momentos de dificuldade em se exprimir pelo movimento que descubramos que executar o movimento em um estgio anterior de desenvolvimento mais fcil. Rico foi ao colo materno para criar. Atravs desta regresso conseguiu atravessar uma

barreira. O caso de Rico nos fornece algumas reflexes a respeito da utilizao do movimento como metfora: - O tipo de movimento descrito como "livre e leve" se refere a alteraes do movimento em espao, fluidez e peso. Primeiramente o menino estava fechado , e depois se mostrou aberto. Uma pessoa que tem uma histria de perdas pode se fechar a diverso e carinho. O movimento fechado do incio cedeu lugar ao movimento aberto no final. Uma conexo neurolgica no utilizada ou pouco utilizada foi colocada em ao. Isto proporciona um acesso mais fcil no futuro a este processo cognitivo. o Se definirmos um sistema de crenas como um conjunto de sensaes, sentimentos, pensamentos e aes, podemos dizer que o garoto em questo est comeando a mudar o seu sistema de crenas, do qual faz parte a ruptura na expresso de emoes relacionada a perda e a demanda pelo encontro de algum que lhe confira identidade atravs da relao afetiva. A anlise est lhe fornecendo o continente para esta busca.

A anlise do movimento como mediador do discurso necessita por parte do terapeuta o desenvolvimento de algumas habilidades, tais como: conhecimento de expresso corporal e formas de dana, disposio fsica para tal trabalho, curiosidade e intuio para relacionar os vrios elementos que surgem no processo e contedo do paciente e finalmente uma base terica na qual se fundamentar. uma abordagem criativa que a todo momento oferece novos conhecimentos acerca do ser humano, pois so vrias as possibilidades de intervenes teraputicas no decorrer do processo, verbais ou no verbais. O que mais me tem chamado a ateno neste trabalho de quanto necessitamos de tato e delicadeza ao lidar com o corpo e os movimentos de uma pessoa, e de quanto os membros do grupo aprendem a lidar com os mesmos elementos de acolhida uns com os outros. Como mtodo de terapia em grupo favorece a integrao grupal, aumenta a receptividade do paciente a seus prprios contedos psquicos e consequentemente aos dos colegas. Como abordagem individual fornece um "setting" de acolhimento e sustentao ao paciente e uma forma diferente de lidar com problemas. Como se trabalha verbal e no verbalmente h riqueza de contedo, aberto a reflexo e pesquisa.

REFERENCIAS BIBLIOGRFICAS DASCAL,V, (1992), Movement Metaphors:Linking Theory and Therapeutic Practice, In Stamenon M., Current Advances in Semantic Theory, Amsterdan, John Benjaming. FAGES, J.B. (1975), Para Compreender Lacan, Rio de Janeiro, editora Rio. FERREIRA, B. Holanda, (1993), Mini Dicionrio Aurlio da Lngua Portuguesa, Rio de Janeiro, editora Nova Fronteira. LABAN, Rudolf, (1978), Domnio do Movimento, So Paulo, editora Summus, Org. Ullmann, L..

SKARMETA, A,(1996), O Carteiro e o Poeta, Rio de Janeiro, editora Record,1996, pp.20. VILETE, Edna, (1997), Observao da Relao Me-Beb, Mtodo Esther Bick in : Coletnea de Artigos, 1 Simpsio Brasileiro, Unimarco Editora. NOTAS NOELIZA LIMA psicloga, psicoterapeuta, professora universitria. Mestre em Psicologia (PUC-Campinas 2000) e Especialista em desenvolvimento de pessoas e grupos (IPPEM B. Aires 1982). Contato para workshops: [email protected]

Revista Tesseract ISSN 1519-2415 www.tesseract.psc.br Edio 5 - julho 2001 [email protected]