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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE ADALBERTO BASTOS NETO O MODO DE PRESENÇA DA REDE SOCIAL: INTERAÇÃO E VISIBILIDADE NO FACEBOOK São Paulo 2018

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

ADALBERTO BASTOS NETO

O MODO DE PRESENÇA DA REDE SOCIAL:

INTERAÇÃO E VISIBILIDADE NO FACEBOOK

São Paulo

2018

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ADALBERTO BASTOS NETO

O MODO DE PRESENÇA DA REDE SOCIAL:

INTERAÇÃO E VISIBILIDADE NO FACEBOOK

Tese apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Letras da Universidade

Presbiteriana Mackenzie, como requisito

parcial à obtenção do título de Doutor em

Letras.

ORIENTADOR: Prof. Dr. José Gaston Hilgert

São Paulo

2018

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ADALBERTO BASTOS NETO

O MODO DE PRESENÇA DA REDE SOCIAL:

INTERAÇÃO E VISIBILIDADE NO FACEBOOK

Tese apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Letras da Universidade

Presbiteriana Mackenzie, como requisito

parcial à obtenção do título de Doutor em

Letras.

Aprovado em 25 de abril de 2018.

BANCA EXAMINADORA

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Para Ana, por toda solidariedade e amor.

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. José Gaston Hilgert, meu agradecimento por ter partilhado comigo os seus

conhecimentos desde a graduação. Obrigado pela confiança, pelas recomenadações, pelos

conselhos, por toda gentileza, apoio e amizade.

À Prof.ª Dr.ª Diana Luz Pessoa de Barros e ao Prof. Dr. Ivã Carlos Lopes, pela cuidadosa

e precisa leitura feita no exame de qualificação e por todas as disciplinas que ministraram,

oferecendo-me clareza e direcionamento.

À Universidade Presbiteriana Mackenzie, pela concessão da bolsa de estudos,

proporcionando-me a oportunidade e o privilégio de realizar o trabalho.

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Whatever code we hack, be it

programming language, poetic language,

math or music, curves or colourings, we

create the possibility of new things

entering the world.

McKenzie Wark

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RESUMO

Tomando por base os pressupostos teóricos da semiótica francesa, o trabalho tem por objetivo

analisar a maneira pela qual os regimes de visibilidade e interação dos discursos veiculados no

Facebook instituem um determinado modo de presença daquilo que entendemos, na

contemporaneidade, por rede social da internet. Essa rede possibilita a troca de informação

instantânea durante 24 horas, sem obstáculos ou distâncias. Existe, com os recursos do universo

online, uma ampliação espaço-temporal do corpo perceptivo do sujeito. Nos discursos

veiculados na rede social, a visibilidade passa a ser um valor eufórico buscado a todo custo,

mesmo quando moralizada negativamente pela sociedade. Na rede, ser visível significa, antes

de tudo, existir, e, quanto mais visualizações ocorrerem, mais positivamente os discursos serão

sancionados. Não são poucos, por exemplo, os casos de publicações não autorizadas de arquivos

que expõem a intimidade de pessoas famosas ou não. Por outro lado, por se tornarem cada vez

mais visíveis, discursos provenientes das chamadas minorias sociais têm aumentado sua

densidade de presença e ampliado seu alcance. Esse regime da máxima visibilidade e interação,

ao agregar-se a elementos semióticos provenientes da plataforma online de veiculação, leva os

discursos da rede a produzirem novas formas de significação, a estabelecerem novas maneiras

de contrato entre enunciador e enunciatário, a (re)orientarem os valores e o modo de circulação

desses valores, e, por fim, a instituírem o modo de presença da rede social.

PALAVRAS-CHAVE: Facebook; redes sociais; visibilidade; interação; modo de presença.

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ABSTRACT

Drawing upon the French Semiotic theory, this thesis aims at analyzing the way in which the

regimes of visibility and interaction of the discourses propagated in Facebook establish a certain

kind of presence of what we understand in contemporary times by social network of the internet.

This network enables the exchange of instant information for 24 hours without obstacles or

distances. There is, with the resources of the online universe, a space-time extension of the

subject's perceptual body. In the discourses conveyed in the social network, visibility becomes

an euphoric value sought at all costs, even when negatively moralized by society. In the

network, being visible means, first of all, to exist, and the more visualizations occur, the more

positively the speeches will be sanctioned. For example, there are many cases of unauthorized

publishing of files that expose the intimacy of famous people or not. On the other hand, as they

become increasingly visible, discourses from so-called social minorities have increased their

density of presence and expanded their reach. This regime of maximum visibility and

interaction, when added to semiotic elements from the online platform, leads the network's

discourses to produce new forms of meaning, to establish new ways of contract between

enunciator and enunciatee, to (re) orient values and mode of circulation of these values, and,

finally, to establish the kind of presence of the social network.

KEYWORDS: Facebook; social networks; visibility; interaction; kind of presence.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 11

CONTEXTO: A EMERGÊNCIA DE UMA SOCIEDADE CONECTADA ........................................... 12

PROPOSTA DA TESE: O MODO DE PRESENÇA DA REDE SOCIAL ............................................. 17

PERCURSO METODOLÓGICO E ESTRUTURA DA TESE ............................................................ 20

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................................................ 24

1.1. TEORIA SEMIÓTICA DE LINHA FRANCESA ......................................................................... 25

1.1.1. PERCURSO GERATIVO DO SENTIDO ....................................................................... 26

1.1.2. ENUNCIAÇÃO ....................................................................................................... 30

1.1.3. VERIDICÇÃO ........................................................................................................ 34

1.2. ÉTHOS ............................................................................................................................. 36

1.3. REARRANJOS DA TEORIA ................................................................................................. 41

1.4. O MODELO TENSIVO ........................................................................................................ 44

2. ANÁLISE ................................................................................................................................ 49

2.1. OBJETO DE ESTUDO: A REDE SOCIAL FACEBOOK .......................................................... 50

2.1.1. O PROTOFASCISMO ............................................................................................... 54

2.1.2. A MASSA .............................................................................................................. 69

2.1.3. O PÚBLICO E O PRIVADO ....................................................................................... 81

2.1.4. A PÓS-VERDADE ................................................................................................... 99

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 108

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................ 113

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INTRODUÇÃO

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Contexto: a emergência de uma sociedade conectada

A popularização da internet não foi isenta de transformações na vida das pessoas. A

possibilidade de conexão por meio de dispositivos cada vez mais sofisticados provocou

mudanças no funcionamento de inúmeras práticas sociais: locomover-se pelas cidades, mesmo

que desconhecidas, não oferece mais o risco de se perder, quando smartphones levam à palma

da mão não só os mapas, mas também os melhores caminhos, as informações sobre o trânsito,

a localização exata dos transportes públicos e dos pontos de referência, o tempo estimado das

viagens, etc.; não é mais necessário esperar o horário de programas para assisti-los na TV, pois

as pessoas têm acesso a uma infinidade de vídeos que podem ser acessados onde e quando

preferirem; ouvir música não demanda mais os obstáculos da aquisição e do uso de uma mídia

física (ida até uma loja, importação, deterioração), uma vez que praticamente todo o acervo

musical da humanidade pode ser encontrado para download (legal ou ilegal) ou acessado em

serviços de streaming1; não é necessário folhear um jornal para saber a respeito do mundo (local

ou global), já que a atualização das notícias se dá nos sites jornalísticos, nos grandes portais e,

principalmente, na linha do tempo de redes sociais.

Vivemos seguramente o período das mais rápidas transformações tecnológicas da história.

Enquanto foram necessários séculos para que o acesso às mídias impressas alcançasse um

número considerável de pessoas, não precisou mais do que duas décadas para a adoção das

tecnologias digitais por bilhões de usuários em todo o mundo. Para estudiosos como Castells

(1999, p. 68), o poder de penetrabilidade das tecnologias de conexão é tão grande, que é possível

1 Streaming é uma tecnologia capaz de enviar informações multimídia (vídeos, músicas, jogos, etc.) por meio de

transferência de dados, utilizando redes de computadores, especialmente a internet, e foi criada para tornar as

conexões mais rápidas. [...] O streaming possibilita que um usuário reproduza mídias protegidas por direitos

autorais, de modo a não violar nenhum desses direitos, tornando-se bastante parecido com o rádio ou a televisão

aberta. A tecnologia é também muito usada em jogos online, em sites e aplicativos de armazenamento de arquivos,

ou em qualquer outro serviço em que o carregamento de arquivos seja bastante rápido. Adaptado de:

https://www.significados.com.br/streaming/ – acesso em 05/01/2018.

Les machines sont sociales avant d’être techniques.

Gilles Deleuze

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estarmos vivendo hoje uma “Revolução Tecnológica” de impactos semelhantes aos da

Revolução Industrial.

De fato, num mundo conectado, as tecnologias digitais impelem os sujeitos a uma

reestruturação de suas relações, principalmente, com o tempo e com o espaço, motivando,

assim, novas maneiras de se perceber e de se pensar o mundo. O tempo torna-se o do

imediatismo e da rapidez, o espaço o da desterritorialização e da ubiquidade, e, além disso, as

relações humanas face a face realizam-se substancialmente mediadas por máquinas. A

ocupação do espaço virtual passa a ser, por fim, tão concreta quanto a do próprio espaço físico.

Dentre os diferentes domínios de uso da internet, um considerável destaque incide sobre as

redes sociais. Ainda que, em sua constituição original, redes sociais como Facebook, Twitter,

Google+, Youtube, etc., não tenham sido pensadas como mecanismos de divulgação e produção

jornalística stricto sensu, ao conectar milhares de pessoas produtoras de conteúdo, essas redes

assumiram uma forma de disseminação viral de informação e notícia, em que as mensagens são

compartilhadas a milhares de outros emissores num tempo muito rápido e numa ampla

abrangência espacial.

As redes sociais da internet possibilitam a troca de informação instantânea, durante 24

horas. Nessas redes, embora predomine o imediatismo e tudo se passe no aqui e agora, não há

obstáculos ou distâncias, tampouco diferenças geográficas, distinção entre dia e noite, hoje e

amanhã. Além disso, o recurso da conexão em rede é capaz de unificar em um único espaço

digital não só elementos diversos de expressão, como o verbal, o visual e o sonoro, mas também,

manifestações discursivas distintas, diferentes por sua origem (classes sociais, nacionalidades,

etnias, religiões, estados, centros de pesquisa, etc.), diversas por seu conteúdo e por sua

finalidade (informação, educação, entretenimento, política, artes, religião), dando origem a uma

cultura virtual (CHAUÍ, 2006, p.71).

De acordo com Castells, no universo online,

todas as mensagens de todos os tipos são incluídas no meio porque este fica tão

abrangente, tão diversificado, tão maleável, que absorve no mesmo texto de

multimídia toda a experiência humana, passado, presente e futuro (1999, p. 457).

Num primeiro contato com esse objeto, as redes sociais da internet, percebemos um

ambiente aberto à mistura de diferentes elementos, uma vez que oferece mecanismos que

valorizam a pluralidade, a expansão e a participação. As possibilidades de “longo alcance”,

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“rapidez”, “conexão”, “fácil acesso”, “propagação ilimitada” e “descentralização da produção”,

conferem aos discursos que circulam na rede uma força de arrebatamento muito grande e uma

abrangência, praticamente, onipresente.

Esse regime da participação operado pela mistura e da ubiquidade operado pela expansão

leva os discursos veiculados nas redes sociais a produzir novas formas de significação, bem

como a estabelecer novas maneiras de contrato entre enunciador e enunciatário. Construindo

uma sociedade interconectada e promovendo a sensação de que qualquer indivíduo pode

facilmente ver, ser visto e interferir nas diferentes demandas sociais, essas redes possuem, para

além da sua natureza tecnológica, um caráter muito forte de penetrabilidade e influência. Seus

discursos são, com efeito, capazes de fazer com que valores sejam questionados, e paradigmas,

até então, aparentemente estáveis, sejam subvertidos.

O número de pessoas conectadas às redes sociais só aumenta a cada dia. No Brasil, o

número de usuários ativos no Facebook passou de 92 milhões em 2014, para 130 milhões em

20182. Computadores e dispositivos móveis, como smartphones e tablets estão por todo o lado,

fazendo parte do dia a dia das pessoas e integrando-se de maneira bastante orgânica ao próprio

funcionamento da sociedade contemporânea. Estar online ou off-line, cada vez mais, não pode

ser pensado como posicionamentos estanques, pois as experiências do mundo virtual e as do

mundo real já estão profundamente imbricadas. Dessa forma, a experiência obtida em qualquer

uma dessas realidades é capaz de invadir e rearranjar o funcionamento axiológico que orienta a

outra.

Os textos veiculados nas redes sociais, em geral, não passam por nenhum tipo de controle

de seu conteúdo ou refreamento de sua distribuição compartilhada. A ampla abertura da

plataforma concede também acesso irrestrito às publicações, que, sejam quais forem, podem

ser enviadas e reenviadas a um número ilimitado de receptores. Na internet, tudo pode ser visto

por todos. Aliás, na rede, ser visível significa, de fato, existir, e quanto mais forem as

visualizações, mais positivamente os discursos serão sancionados.

Quando estão online, as pessoas dizem tudo o que querem dizer. Elas também podem

mostrar tudo o que quiserem por fotos, vídeos, etc. A rede social é, a princípio, um espaço

democrático, pois é dada a mesma amplitude de voz a todos os sujeitos. Mas, a rede é, na mesma

2Segundo relatório produzido pelo próprio Facebook, disponíveis em:

https://www.facebook.com/business/news/BR-45-da-populacao-brasileira-acessa-o-Facebook-pelo-menos-uma-

vez-ao-mes, e relatório do portal de estatísticas Statista, disponível em:

https://www.statista.com/statistics/268136/top-15-countries-based-on-number-of-facebook-users/ – ambos os

acessos em 10/02/2018.

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medida, um espaço sempre mediado pela individualidade. Existe, com os recursos do universo

online, uma ampliação espaço-temporal do corpo perceptivo desse sujeito complexo (ao mesmo

tempo individual e coletivo), e, dessa forma, surge uma instabilidade na lógica de

funcionamento dos limites que convencionalmente definem o que pertence ao público e o que

pertence ao privado, o que deve ser considerado verdade e o que deve ser considerado mentira,

e até que ponto há liberdade de expressão ou censura.

Em número incontavelmente superior a qualquer outro meio midiático de comunicação,

vemos nas redes sociais casos de vazamentos e escândalos que alcançam grande destaque, por

vezes, até internacional; vemos casos em que boatos, descaradamente irreais, são tomados como

verdadeiros, e orientam decisões baseadas muito mais em um apelo à emoção e a crenças

pessoais do que em qualquer tentativa de exatidão ou fidelidade na interpretação dos fatos; e

vemos, ainda, casos em que as pessoas reivindicam a liberdade de expressar seus racismos ou

seus desejos de aniquilação de grupos mais fragilizados socialmente.

Público e privado, verdade e mentira, liberdade de expressão e censura tornam-se, na rede,

posições com valores vagos, pois passam a existir sempre no limiar. Na aparência, as fronteiras

tornam-se inexistentes, mas na essência, a demarcação ainda resiste, mesmo havendo muitos

discursos empenhados em reatualizar a moralização social atribuída a esses diferentes

posicionamentos. Embora a mediação da máquina rompa com os limites físicos e virtuais do

público e do privado, dê ampla abertura a vozes intolerantes, e facilite a disseminação de boatos,

os valores que orientam essas colocações ainda são definidos como eufóricos ou disfóricos na

práxis enunciativa.

Cria-se, com esse funcionamento particular, uma perturbação no modo de presença dos

discursos, transformando o que existia como exercício em acontecimento, produzindo uma

tonicidade muito forte, extrapolando os limites da tela do computador e deflagrando ações

imprevisíveis, desde linchamentos a sucessos relâmpagos, por exemplo.

São muitos os estudos que se debruçam sobre o poder de penetrabilidade das tecnologias

de conexão, o impacto das novas mídias e o funcionamento da internet. É inegável a presença

dessas tecnologias nos mais diversos setores das atividades humanas. Com o seu caráter de

novidade, entretanto, devemos tomar cuidado para não atribuir à internet em si características

que, antes de qualquer coisa, são propriedades dos textos que nela circulam, características que

a condição de texto lhes permite seja qual for a plataforma de veiculação. Na verdade, podemos

dizer que a internet, ao ampliar a visão e o alcance do sujeito da enunciação, alargando seu

campo de presença e misturando elementos discursivos diversos, mais do que possibilitar a

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presença de recursos textuais novos, concedeu um novo tipo de alcance e consistência àqueles

já existentes.

Defendemos, portanto, a tese de que a linguagem vem recebendo os efeitos dessa

Revolução Tecnológica. As mudanças no estatuto semiótico da interação e da visibilidade

ensejadas pelo aparato tecnológico da internet vêm imprimindo marcas no modo como os

discursos são percebidos, instituindo-se, assim, um determinado modo de presença da rede

social digital. Podemos dizer que, numa instância mais profunda da geração do sentido,

elementos provenientes do modo de funcionamento da rede operam nos discursos uma

influência de natureza axiológica que, por sua vez, é capaz de alterar o quadro de valores sociais.

Retomando a citação que escolhemos para abrir as considerações introdutórias deste

trabalho, concordamos com o filósofo Deleuze (1986, p. 47), que, ao se debruçar criticamente

sobre a obra de Foucault, em especial Vigiar e Punir (1975), diz que, antes de ser técnica pura

e simplesmente, a tecnologia é social. Amparados na célebre reflexão de Hjelmslev, escrita no

primeiro capítulo de seu Prolegômenos, ousamos, ainda, dizer, que a tecnologia só pode ser

social, pois se permite apreender como linguagem:

a linguagem [...] é uma inesgotável riqueza de múltiplos valores. A linguagem é

inseparável do homem e segue-o em todos os seus atos. A linguagem é o instrumento

graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções,

seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é

influenciado, a base última e mais profunda da sociedade humana [...] (1975, p. 1).

É olhando para o atual contexto social, que brevemente descrevemos e de onde emerge uma

sociedade conectada, e concebendo os recursos tecnológicos como linguagem, logo, como

semiose capaz de impregnar os discursos das mais diversas esferas, que apresentamos, agora,

as propostas desta tese de doutorado.

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Proposta da tese: o modo de presença da rede social

O continuum em que se inscreve a história da humanidade não deixa dúvidas de que a

sociedade muda, quando novas tecnologias de comunicação são desenvolvidas. Antes de se

integrar por completo e tornar-se praticamente imperceptíveis no cotidiano social, essas

tecnologias causam impactos, em sua maioria, imprevisíveis. Foi o que ocorreu, por exemplo,

com a invenção da imprensa, do rádio, da televisão e, agora, da conexão via internet.

As redes sociais da internet têm transformado a maneira pela qual percebemos o mundo.

Suplantando os limites espaço-temporais e ampliando a visibilidade e a participação, elas

cobrem uma diversidade ilimitada de práticas sociais. Ao mesmo tempo em que refletem o

corpo social de onde surgem, as redes fazem também com que se manifeste uma realidade

diferente daquela que as concebe, alterando profundamente diversos aspectos epistemológicos.

De acordo com McLuhan, “toda tecnologia ao mesmo tempo rearranja padrões de

associação humana e cria efetivamente um novo ambiente [...]” (2005, p.90). Para o teórico

canadense, as tecnologias funcionam como extensões do próprio corpo, amplificando as

capacidades humanas e, assim, alterando o padrão de sentidos (1974, p. 147). Ao ampliar a

capacidade de ver, sentir e fazer, novas tecnologias alteram o modo de captação dos fatos do

mundo pelos sentidos, instituindo uma recomposição da percepão do sujeito, um novo regime

sensorial. Dessa forma, ao propor o aforismo “o meio é a mensagem” (1974, p.21-37),

McLuhan evidencia o poder de influência que o meio de comunicação tem sobre a percepção

das pessoas, constituindo-se numa “mensagem” em si mesmo. A rede social, como meio, então,

não constitui mero suporte técnico, ou canal de transmissão, mas sim uma presença que afeta,

tensiona e significa.

Toda essa força transformadora, com efeito, não se deixa reduzir exclusivamente a

elementos da materialidade tecnológica. Os fenômenos advindos da emergência de uma

sociedade conectada compreendem, fundamentalmente, como já dissemos, um fator discursivo.

Em nossa dissertação de mestrado (BASTOS NETO, 2014), investigamos, à luz da teoria

semiótica francesa, de que maneira características provenientes dos discursos da internet são

capazes de infundir mudanças discursivas ao jornalismo impresso, reconfigurando, dessa

forma, o modo de presença da mídia jornalística impressa. Mais precisamente, investigamos,

numa perspectiva diacrônica: a apropriação que o discurso jornalístico impresso da Folha de S.

Paulo e do Estado de S. Paulo fez dos valores de mistura que emanam da página do Facebook

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“Churrascão da gente diferenciada”; a maneira como os discursos do Twitter e do Facebook

veiculados ao longo dos protestos de 2013 foram capazes de influenciar uma mudança radical

no tom dos jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo; e o modo como o discurso do

WikiLeaks foi capaz de influenciar o jornal a buscar ampliar o valor da divulgação.

Naquele trabalho, foi possível constatar um pouco do poder que as redes sociais têm de

impregnar e influenciar diferentes demandas. Vimos surgir um novo modo de presença do

discurso jornalístico ocasionado essencialmente sob a égide dos avanços tecnológicos. As

mudanças discursivas que, inicialmente, se deram no universo online, foram impulsionadas e

acabaram por envolver o discurso jornalístico impresso.

Ao fazer um balanço dos dados que obtivemos naquela pesquisa, dentre os diversos pontos

a respeito dos discursos da internet que mostraram ainda demandar maior aprofundamento, uma

questão em particular nos chamou a atenção: qual a natureza semiótica do paradoxo que existe

na rede, considerando que a internet abriga um discurso democrático, ao mesmo tempo em que

abriga um discurso radical e, por que não, altamente marcado por características constituintes

de um protofascismo?

As redes sociais, embora abriguem um discurso que, pela própria constituição e natureza

colaborativa do meio, é da ordem da concessão, da mistura, democrático, que valoriza a

tolerância ou combate a intolerância, é, também, um espaço altamente tonificador de valores de

triagem, da individualidade, um espaço intolerante.

Ao nos preparamos para o desenvolvimento da tese que ora apresentamos, à medida que

começamos a cogitar algumas respostas que pudessem lançar luz sobre esse modo de

funcionamento paradoxal, instável e limiar da rede, fomos percebendo não só que a influência

da internet vai muito além dos discursos da esfera jornalística, como também que o modo de

ser do ambiente de uma rede social digital está intimamente ligado aos efeitos de sentido que

emanam dos regimes de visibilidade e interação bastante específicos da internet.

Nas análises empreendidas em nosso mestrado, ainda que tenhamos investigado elementos

semióticos que configuram o discurso das redes sociais, o olhar estava mais voltado para o

discurso do jornalismo impresso. Por isso, neste trabalho, retomamos o estudo do modo de

presença das redes sociais para o investigar com maior foco e profundidade. Assim, o objetivo

geral desta tese é depreender, dentro da base teórica da semiótica desenvolvida por Greimas e

seus seguidores, o modo de presença de uma rede social da internet.

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Elegemos como objeto de análise a rede social Facebook, considerando que essa rede, por

ser a mais acessada3 tanto em escala nacional quanto mundial, não só proporciona a maior

repercussão de seus discursos, como também tem um funcionamento catalisador daquilo que

reverbera nas demais redes.

De acordo com Zilberberg e Fontanille, a presença é “o primeiro modo de existência da

significação” (FONTANILLE; ZILBERBERG, 2001, p. 123). Ela encontra-se no início de toda

a geração do sentido e é durante essas primeiras mobilizações que o sujeito da enunciação

desperta para que signifique o mundo de acordo com uma escala de valores que reside no escopo

de sua percepção.

Perceber a rede social é, antes de qualquer coisa, perceber uma presença, algo que, de um

lado, ocupa determinada posição numa extensidade espaço-temporal, e, de outro lado, afeta o

sujeito da percepção com certa intensidade afetiva. Investigar o modo de presença de uma rede

social, significa, por conseguinte, analisar como se dá o processo de percepção do mundo, e

que valores emergem a partir da disposição do sujeito da enunciação.

Para que possamos orientar a pesquisa em direção a esse objetivo geral e, por fim, à tese

que o trabalho defende, estabelecemos os seguintes objetivos específicos:

• analisar o estatuto semiótico de elementos provenientes dos recursos tecnológicos

da internet, e identificar os efeitos de sentido que decorrem da pregnância desses

elementos aos discursos veiculados no Facebook;

• identificar e descrever os mecanismos semióticos que estabelecem o funcionamento

paradoxal da rede social Facebook;

• verificar de que modo os regimes de visibilidade e de interação do Facebook são

capazes de (re)orientar valores e o modo de circulação desses valores.

3 Em janeiro de 2018, as redes sociais com o maior número de usuários ativos no Brasil são:

1- Facebook: 130 milhões

2- YouTube: 98 milhões

3- Instagram: 57 milhões

4- Twitter: 30 milhões

https://www.statista.com/statistics/268136/top-15-countries-based-on-number-of-facebook-users/;

https://www.thinkwithgoogle.com/intl/pt-br/youtubeinsights/2017/introducao/;

https://www.statista.com/statistics/578364/countries-with-most-instagram-users/;

https://www.statista.com/statistics/303931/twitter-users-latin-american-countries/ - todos os acessos em

10/02/2018.

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Percurso metodológico e estrutura da tese

Para que seja possível depreender o modo de presença da rede social e investigar as

implicações semióticas que decorrem desse modo de presença, examinaremos o sentido do

texto online para além da aparência, ou seja, observaremos as relações entre enunciado e

enunciação. Esperamos, dessa maneira, recuperar não só o que o texto diz, mas também, por

que e como ele diz. Para isso contribui a semiótica francesa que, através da análise dos textos

na relação do plano da expressão com o plano do conteúdo, observa o sentido como uma

construção e um processo, isto é, considera o enunciado em relação à enunciação.

A presença4, para a semiótica francesa, assenta-se na compreensão de que a relação entre

sujeito e objeto é a base perceptiva da apreensão da significação. Fontanille (2007, p. 97), ao

estender o axioma fenomenológico de Merleau-Ponty – “perceber é tornar algo presente a si

com a ajuda do corpo” – a um axioma semiótico – “enunciar é tornar algo presente a si com a

ajuda da linguagem” –, explica que a percepção em si já é uma linguagem, pois é significante.

O primeiro ato de linguagem configura-se, com efeito, numa tomada de posição sensível, ao

mesmo tempo em que é também uma tomada de posição sobre a intensidade e a extensidade,

as grandes dimensões da sensibilidade perceptiva.

Ao analisarmos o processo de produção do sentido em textos veiculados na rede social,

seremos capazes de depreender, pois, uma dada percepção discursivizada, marcas de uma

experiência sentida revelada nas escolhas enunciativas de cada enunciado. Ao recuperarmos

essas escolhas enunciativas numa totalidade, reconstruiremos o modo de presença próprio da

rede social. Nesse caminho, na avaliação dos investimentos temáticos e figurativos dos

enunciados em análise, passamos pelo exame do éthos do enunciador.

Identificar o éthos significa buscar o ator da enunciação. O enunciador tomado como ator

da enunciação “se define pela totalidade de sua obra” (GREIMAS & COURTÉS, 1983, p. 8).

Ao ler um texto como uma unidade, o leitor entraria em contato, então, apenas com o éthos do

narrador. Entretanto, de acordo com Norma Discini (2004), a totalidade (totus) em que se busca

o caráter do enunciador é diferencial e construída de acordo com os propósitos da análise.

4 “Presença” pertence à metalinguagem da teoria semiótica francesa desde o final dos anos 1960. Contudo, é a

partir das reflexões desenvolvidas em De l’imperfection (1987), que o interesse por esse conceito alcança maiores

proporções. Hoje, o estudo da presença desenvolve-se, principalmente, nos trabalhos de Landowski, que

problematiza as situações do discurso em ato, do contato, da união e da interação, e nos trabalhos de Jacques

Fontanille e Claude Zilberberg, que situam a presença no espaço tensivo, como o início do processo de

significação. Para esta pesquisa, adotamos o conceito de presença tal como desenvolvido por estes últimos.

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Discini também diz que podemos recuperar o todo na parte, o que nos permite afirmar que o

éthos também se encontra como elemento constitutivo de uma unidade (unus), ou seja, de um

único texto.

O unus pressupõe o totus, o “bloco inteiro”, a totalidade integral, a qual “destaca a

absorção dos indivíduos isolados numa massa indivisível”. Estilo é, então, totalidade,

enquanto unidade integral (unus) e enquanto totalidade integral (totus), sendo que um

termo pressupõe outro, numa relação de interdependência. É o recorte do leitor que

decide o que é considerado unus ou totus (2004, p. 34).

Dessa forma o totus da nossa pesquisa será constituído pela totalidade integral dos

enunciados analisados, considerando o que eles têm em comum.

Com a finalidade de reconstruir as condições de produção e apreensão do sentido que se

desenrolam num continuum, nessa dimensão da sensibilidade perceptiva, recorreremos, além

do instrumental teórico da semiótica em sua base dita padrão, aos seus desenvolvimentos mais

recentes, no caso, os estudos dos níveis mais profundos do sentido, desenvolvidos por

Zilberberg e demais estudiosos da tensividade.

Depois destas considerações introdutórias, no primeiro capítulo, sobre os fundamentos

teóricos, apresentaremos, assim, em primeiro lugar, uma síntese geral da teoria semiótica, com

foco no percurso gerativo do sentido, aparato metodológico essencial a essa teoria.

Explicaremos, em seguida, o que entendemos por enunciação, a instância pressuposta a todo

texto, que compreende o sujeito do dizer, que por sua vez se biparte entre enunciador, projeção

do autor, e enunciatário, projeção do leitor. Examinaremos também o conceito retórico de éthos,

primeiramente, do modo como foi formulado por Aristóteles e, em seguida, da forma como foi

incorporado à semiótica. Para concluir esse capítulo, traremos para nossa discussão

pressupostos teóricos do ponto de vista tensivo, expondo, dessa forma, alguns princípios que

fundamentam essa vertente da semiótica.

Esperamos, com esse capítulo, preparar a fundamentação inicial para nos aprofundarmos

no estudo do discurso da rede social Facebook, que será realizado durante o capítulo

subsequente.

No segundo capítulo, procederemos à análise dos textos que constituirão nosso corpus. Na

impossibilidade de tratarmos, nos limites deste estudo, de todas as redes sociais, ou ao menos

das mais acessadas, optamos, como já apontamos anteriormente, por concentrar a análise

naquela de maior destaque. O primeiro recorte que fizemos, pois, foi eleger o Facebook como

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objeto de análise, tomando como critério para tal sua maior pregnância entre os usuários

brasileiros, bem como sua predominância sobre as demais redes, tanto em quantidade de

usuários ativos quanto em sua capacidade de funcionar como ponto de confluência para outras

mídias e outras redes sociais. Justifica-se esse recorte também, pelo fato de o Facebook ser a

rede social na qual se pode observar os mais diversificados e consolidados elementos

constituintes entre as redes sociais digitais: o YouTube é voltado primordialmente a conteúdo

de vídeos, com uma experiência mais passiva pela maior parte dos usuários; o Instagram é

voltado para a divulgação de conteúdos fotográficos; o Twitter é um servidor para

microblogging, voltado ao envio e recebimento de atualizações pessoais, em textos de até 280

caracteres. O Facebook, por sua vez, oferece a possibilidade de trocas de conteúdos de vídeos,

fotos e viabiliza uma ampla experiência de interação com um número grande de pessoas,

especialmente, amigos e familiares.

Para que pudéssemos definir os enunciados veiculados no Facebook a serem analisados,

operamos um segundo recorte. No estabelecimento de critérios para esse novo recorte,

primeiramente iniciamos uma observação exploratória dessa rede social. Fizemos a inscrição

de nosso perfil e, ao longo dos anos 2014, 2015, 2016, 2017 e início de 2018, vivenciamos a

plataforma in loco, interagimos e mapeamos os assuntos que se sobressaíram. Convém destacar

que, nessa etapa, estivemos diante de um objeto de estudo bastante “escorregadio”, em rápida

e constante formação, evolução e transformação. Nosso trabalho parte do pressuposto de que

os recursos técnicos oferecidos pelas redes sociais digitais impregnam os discursos, os quais,

por fim, são capazes de influenciar diferentes demandas sociais. Por carregar em si a trama da

mudança social, estivemos no percalço de um corpus em constante mutação5.

Nesse período de observação exploratória, contudo, percebemos que a polêmica, entendida

como “uma reação a uma tomada de posição, sobre a qual existe um desacordo, num contexto

passional e através de propósitos hiperbólicos” (AMOSSY, 2017, p. 45), assume o papel de

impulsionadora de interação e visibilidade nos discursos do Facebook. Sendo a rede social

espaço do ver e ser visto, a polêmica convoca e atrai a interação do grande público, pois permite

5 Bastante pertinente é a colocação de Possenti (2016, p.221-222) a respeito da questão do corpus em Análise do

Discurso, hoje: “Atualmente, em decorrência da velocidade das informações, uma seleção de dados para um

trabalho pode ser constantemente reformulada, porque fatos novos podem tentar o pesquisador a substituir os

antigos a todo o momento. Por exemplo: se alguém projeta um trabalho sobre racismo ou machismo e seleciona

um corpus, pode abandoná-lo pelo fato de, na véspera da entrega, deparar-se com fatos como os seguintes,

ocorridos no mesmo dia: 1. uma jornalista escreve em sua página no Facebook, depois de ver imagens das médicas

cubanas, que elas pareciam empregadas domésticas; 2. uma estudante teve um pequeno problema no trânsito,

envolvendo um carro ocupado por um casal de negros. Postou sua versão do acidente no Facebook e acrescentou

que o carro provavelmente era roubado.

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que cada um mostre-se, posicione-se e “aniquile” a imagem do outro, trazendo para si o

quantum de visibilidade.

Tomamos, dessa maneira, a polêmica como fio condutor para a seleção dos enunciados a

serem analisados. Selecionamos, a partir daí, textos que tratassem de acontecimentos que

receberam grande evidência na sociedade, alcançando destaque, seja na grande mídia

tradicional, seja na própria web, e que tivessem também sido caracterizados, a partir da

polêmica que suscitaram, por um fator de ambiguidade em seu tratamento pelo público.

Com o corpus, enfim, selecionado, a partir de suas características muito próprias,

empregamos, para a organização das análises, uma subdivisão em quatro categorias: enunciados

que evidenciam uma tendência da rede social ao Protofascismo; enunciados que evidenciam

reações provenientes da irrupção de uma Massa; enunciados que evidenciam a tensão entre os

limites do Público e do privado; e enunciados que evidenciam uma tendência à

supervalorização do emocional e da vontade de sustentar crenças pessoais em detrimento da

busca por um debate mais objetivo e racional, enunciados, enfim, que evidenciam a banalização

daquilo que se consideraria verdade, dando início a um fenômeno tratado como Pós-verdade.

No decorrer das análises, buscamos trazer, em contribuição e enriquecimento ao nosso

olhar analítico, estudos de outras áreas, que já versaram sobre as categorias que elencamos.

Segundo Fontanille,

ao propor um corpo de conceitos e de métodos para questionar as práticas, os textos,

os objetos, as interações sociais, as formas de vida e os modos de existência coletivos

e da coletividade, a semiótica tem condições de construir esses sentidos,

especialmente se trabalhar em colaboração com as outras ciências humanas e sociais

que contribuem para edificar, cada uma de seu próprio ponto de vista, essa arquitetura

das significações humanas (2016, p. 1).

Por fim, após as análises, faremos um levantamento das características discursivas

provenientes dos discursos online que analisamos. Sintetizaremos, assim, todos os resultados

obtidos em nosso estudo, buscando descrever como se configura o modo de presença de uma

rede sociail.

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1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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1.1 Teoria semiótica de linha francesa

Apresentaremos, neste capítulo, um breve panorama da teoria semiótica de linha francesa,

buscando pontuar os pressupostos teóricos que sustentarão nossas análises. Não é nossa

pretensão, tampouco seria possível dentro dos limites deste trabalho, realizar uma exploração

minuciosa dessa teoria. Pretendemos, na verdade, expor aspectos essenciais que embasam as

reflexões no decorrer desta tese.

A semiótica francesa, também conhecida como semiótica da escola de Paris, ou

greimasiana, em homenagem a seu fundador, Algirdas Julien Greimas (1917-1992), tem como

projeto científico o estudo do sentido. Nas palavras de Greimas e Courtés, no Dicionário de

Semiótica, o verbete “semiótica”, como teoria, explica que o objetivo primeiro da semiótica é

“explicitar, sob forma de construção conceptual, as condições da apreensão e da produção do

sentido” (1983, p. 415).

A semiótica propõe-se, com efeito, a ultrapassar modelos de classificação, de esquemas de

reconhecimento ou grades interpretativas, que atribuem aos objetos em estudo sentidos já

fixados, para buscar, sim, construir um quadro conceitual e metodológico, o mais capaz possível

de analisar seus objetos, recuperando os efeitos de sentido a partir da própria organização

estrutural desses.

Não sendo nada mais do que uma certa iluminação, a modelização semiótica,

enquanto tal, não nos diz nada de substancial sobre o mundo, nem sobre nós mesmos;

em compensação, ela nos ajuda a ver, e por isso mesmo, nos permite fazer certas

Em suma, a linguagem é aquilo pelo qual

damos ao mundo a aparência que o mundo

reveste para nós: o parecer de um mundo

significante. Como esse ‘milagre’ é possível e

por quais vias ele se realiza? Isso é

precisamente o que a semiótica

‘greimasiana’, enquanto teoria geral da

significação, esforça-se para conceber e

descrever.

Eric Landowski

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coisas sobre, ou com certas coisas, sem desnaturá-las demasiadamente ao fazê-las

(LANDOWSKI, 2001, p. 24).

A semiótica oferece ao analista um dispositivo que, ao lançar luz sobre as características

observáveis da manifestação textual, possibilita um exame mais apurado dos mecanismos de

geração e apreensão do sentido. Trata-se de uma teoria geral, que examina a significação da

totalidade discursiva manifestada nos textos. A semiótica, portanto, tem como objeto de estudo

o discurso veiculado pelos textos, nas suas mais diversas manifestações, procurando descrever

e explicar o que o texto diz e como faz para dizê-lo.

A partir da proposta teórico metodológica de um percurso gerativo da significação, a

semiótica faz a distinção entre o texto e o discurso. De acordo com Barros,

o discurso é a última etapa da construção dos sentidos no percurso gerativo, ou seja,

o resultado do enriquecimento e da concretização semântica dos níveis fundamental e

narrativo. O discurso pertence, portanto, ao plano do conteúdo dos textos. O texto, por

sua vez, distingue-se do discurso por ter conteúdo (o do discurso) e expressão, e estar

além do percurso gerativo (BARROS, 2016, p. 73).

Considerando-se, então, que o discurso é textualizado por meio da relação com o plano da

expressão, a semiótica procura analisar os sentidos do texto pelo exame dos procedimentos da

organização textual e, ao mesmo tempo, dos mecanismos enunciativos de produção e de

recepção do texto. Abstrai-se, num primeiro momento da análise, a manifestação, para que se

realize uma análise do plano do conteúdo, que é concebido sob a hipótese metodológica de um

percurso gerativo.

1.1.1. Percurso gerativo do sentido

De acordo com Fiorin, o percurso gerativo

vê o texto como um conjunto de níveis de invariância crescente, cada um dos quais

suscetível de uma representação metalinguística adequada. O percurso gerativo de

sentido não tem um estatuto ontológico, ou seja, não se afirma que o falante na

produção do texto passe de um patamar ao outro num processo de complexificação

semântica. Constitui ele um simulacro metodológico, para explicar o processo de

entendimento, em que o leitor precisa fazer abstrações, a partir da superfície do texto,

para poder entendê-lo (1999b, p. 3).

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O percurso gerativo é uma construção teórica, que, partindo das estruturas profundas para

as estruturas de superfície, simula a “geração” da significação. É constituído por três níveis, e

o sentido do texto depende da relação entre esses níveis.

O primeiro nível é o das estruturas fundamentais. Esse nível é o mais simples e abstrato e,

é nele que se encontram as categorias semânticas mínimas sobre as quais se constrói o texto em

suas relações fundamentais.

O segundo nível é o das estruturas narrativas. Esse nível é onde a narrativa é organizada do

ponto de vista de um sujeito. É o momento em que se conhece o sujeito responsável por realizar

o que é descrito no nível fundamental. É nesse nível que acontecem as transformações de estado

que sustentam a narrativa.

O terceiro nível é o das estruturas discursivas. É o nível mais concreto do percurso. Nesse

nível o texto é examinado como resultado da enunciação, como discurso. A narrativa é,

portanto, assumida pelo sujeito da enunciação.

O percurso gerativo do sentido simula o modo de produção do objeto-semiótico, seguindo

uma sequência ordenada de estruturas semióticas que organizam a significação do texto. Essas

estruturas funcionam como uma sintaxe textual, pois regulam a ordem entre os elementos da

significação. Por sua vez, essas estruturas sintáticas devem ser preenchidas com elementos

semânticos. Desse modo, podemos dizer que cada um dos níveis do percurso gerativo é

organizado de acordo com uma sintaxe, ou seja, relação entre os elementos, e de acordo com

uma semântica, ou seja, carga de sentidos dos elementos e de suas relações. Temos então, a

sintaxe e a semântica fundamental, a sintaxe e a semântica narrativa, e a sintaxe e a semântica

discursiva.

No primeiro nível do percurso encontram-se a sintaxe fundamental e a semântica

fundamental. A sintaxe fundamental é o elemento sobre o qual se fundamenta o percurso

gerativo do sentido, pois é responsável pela produção, funcionamento e apreensão das

organizações sintagmáticas. Os termos de sua classificação se definem como intersecções de

relações, enquanto que as operações são apenas atos que estabelecem relações, por conseguinte,

é puramente relacional, simultaneamente conceptual e lógica. As operações sintáxicas

fundamentais, chamadas de transformações, podem ser de dois tipos: a negação e a asserção.

Surge daí uma oposição semântica mínima: a semântica fundamental. A Semântica

fundamental define-se por seu caráter abstrato, e é a partir de uma oposição semântica que se

constrói o sentido do texto.

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Neste nível, é proposta uma organização lógica da estrutura que articula a oposição

semântica mínima. Essa organização é feita dentro do chamado “quadrado semiótico”.

O quadrado semiótico é um modelo de representação da estrutura elementar, que a torna

operatória. É uma ferramenta que organiza os termos em oposição. Tomemos como exemplo a

oposição quente vs. frio. No quadrado semiótico teremos a seguinte representação:

Nesse caso, com quente vs. frio, temos que quente se opõe a frio no eixo da relação entre

contrários. Não-quente vs. não-frio, opõem-se no eixo dos subcontrários. Nos esquemas dos

contraditórios, há uma relação de negação entre os termos não-quente vs. quente, e entre os

termos não-frio vs. frio. Além disso, são previstos um termo neutro, que coloca em relação os

subcontrários, nem quente, nem frio, e um termo complexo, tratado por Greimas, num primeiro

momento, como uma relação de dominância de acentuação entre os termos contrários: ou

quente, ou frio, e retomado depois por Zilberberg como uma relação de concessão: embora

quente, entretanto frio (ZILBERBERG, 2004, p. 79-83).

No segundo nível do percurso encontram-se a sintaxe narrativa e a semântica narrativa.

Segundo Barros, a semiótica propõe duas concepções complementares de narrativa:

[...] narrativa como mudança de estados, operada pelo fazer transformador de um

sujeito que age no e sobre o mundo em busca de valores investidos nos objetos;

narrativa como sucessão de estabelecimentos e de rupturas de contratos entre um

destinador e um destinatário, de que decorrem a comunicação e os conflitos entre

sujeitos e a circulação de objetos. As estruturas narrativas simulam, por conseguinte,

tanto a história do homem em busca de valores ou a procura de sentido, quanto a dos

contratos e conflitos que marcam os relacionamentos humanos (1990, p. 20).

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No nível narrativo, as oposições do nível fundamental são assumidas como valores que

circulam entre os sujeitos. A sintaxe narrativa é apresentada no esquema narrativo que se

organiza em três percursos: da manipulação, da ação e da sanção.

A Semântica narrativa é entendida como o momento em que os elementos semânticos são

selecionados e relacionados com os sujeitos. Para isso, esses elementos inscrevem-se como

valores nos objetos, no interior dos enunciados. São examinadas questões de modalização e de

paixões.

No terceiro nível encontram-se a sintaxe discursiva e a semântica discursiva. A sintaxe

discursiva, por ser o patamar mais próximo da manifestação textual, apresenta estruturas mais

específicas, mais complexas e com maior carga semântica. No nível discursivo, as relações

entre enunciação e enunciado e entre enunciador e enunciatário são examinadas e, além disso,

os valores narrativos são tematizados e figurativizados. É na sintaxe discursiva que as estruturas

do nível narrativo se convertem em estruturas discursivas, pois são assumidas pelo sujeito da

enunciação. O sujeito da enunciação, no percurso de geração de sentidos, faz uma série de

escolhas de pessoa, de tempo, de espaço, de figuras, de temas e modos de dizer e transforma a

narrativa em discurso.

A análise discursiva opera sobre aspectos como, projeções da enunciação no enunciado,

recursos de persuasão utilizados pelo enunciador para manipular o enunciatário e a cobertura

figurativa dos conteúdos narrativos abstratos.

A semântica discursiva se constitui na disseminação de temas e figuras no discurso pelo

sujeito da enunciação. Assim procedendo, o sujeito da enunciação assegura, graças aos

percursos temáticos, a coerência semântica do discurso e cria, com a concretização figurativa

do conteúdo, efeitos de sentido, sobretudo de realidade. Com a intenção de simular a realidade,

existe o efeito de realidade ou de referente, que consiste nas marcas deixadas no texto para

sugerir que os fatos contados são acontecimentos ocorridos, que seus seres são de “carne e

osso”, ou seja, que o discurso é uma cópia exata do concreto, do real.

Existem dois procedimentos básicos para a criação desse efeito de realidade: a ancoragem

e a debreagem interna. A ancoragem é um procedimento que consiste em atar o discurso às

pessoas, espaços e datas que o enunciatário reconhece como reais ou existentes, preenchendo

os atores, espaços e tempo do discurso com traços sensoriais que os iconizam, fingindo, assim,

serem cópias da realidade.

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O outro procedimento, a debreagem interna, consiste no fato de o narrador ceder a palavra

a uma das pessoas do enunciado, através do discurso direto. A debreagem interna proporciona

ao enunciatário a ilusão de estar ouvindo o outro, ou seja, suas verdadeiras palavras.

Já à sintaxe do discurso cabe explicar as relações entre os sujeitos da enunciação, bem como

os efeitos de sentido que emanam dessas relações. Para melhor entendermos como se faz a

análise da sintaxe discursiva, explicaremos agora o que entendemos por enunciação.

1.1.2. Enunciação

A enunciação é uma instância pressuposta por todo enunciado. De acordo com Fiorin,

(1999a), a enunciação é um ato singular realizado pelo “eu” (pessoa), “aqui” (espaço) e “agora”

(tempo). O enunciado, por sua vez, é a materialização da enunciação, e esta depende da

interação de sujeitos (enunciador e enunciatário) em contextos de espaço e tempo precisos. Por

se tratar de um processo, a enunciação somente pode ser descrita pelas marcas que deixa em

seu produto, o enunciado. É na enunciação que se produz o discurso e, ao mesmo tempo, se

instauram os sujeitos da enunciação. Segundo Greimas, quando o sujeito da enunciação põe a

linguagem em funcionamento, ele “constrói o mundo enquanto objeto ao mesmo tempo em que

se constrói a si mesmo” (1983, p. 127).

Embora seja nas estruturas discursivas, o patamar mais próximo da manifestação, que a

enunciação se revela mais fortemente, o processo de enunciação abrange toda a extensão do

percurso gerativo de sentido, de modo que, desde o nível mais profundo, iniciam-se as escolhas

dos valores pelo enunciador.

O linguista francês Benveniste foi quem trouxe os estudos da enunciação para o campo da

linguística. Benveniste define enunciação como “a colocação em funcionamento da língua por

um ato individual de utilização” (2005, p. 82). Nesse ato, gera-se o enunciado, que pressupõe,

então, um sujeito da enunciação. Alguém enuncia, alguém produz o discurso. Enunciar

pressupõe um “eu” que realiza o ato de dizer num determinado tempo e num dado espaço. Esse

ato de dizer, a enunciação, pressupõe então, um “eu”, no espaço “aqui” e no tempo “agora”.

Nesse sentido, Fiorin mostra que,

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como a pessoa enuncia num dado espaço e num determinado tempo, todo tempo e

todo espaço organizam-se em torno do 'sujeito', tomado como ponto de referência.

Assim, espaço e tempo estão na dependência do eu, que neles se enuncia. O aqui é o

espaço do eu e o presente é o tempo em que coincidem o momento do evento descrito

e o ato de enunciação que o descreve. A partir desses dois elementos, organizam-se

todas as relações espaciais e temporais (1999a, p. 42).

A enunciação é da ordem do acontecimento e não há acontecimento fora de um quadro de

pessoa, tempo e espaço. A enunciação pressupõe um sujeito que enuncia em um local e num

determinado momento. Cabe dizer, entretanto, que esse “eu” que enuncia, o enunciador, não

está sozinho. O enunciado é constituído numa relação verbal entre dois sujeitos. Enunciar

pressupõe um “eu” que diz alguma coisa a um “tu”, dentro de uma competência linguística e

discursiva. O discurso se constitui, assim, numa relação verbal entre enunciador e enunciatário.

O “eu” e o “tu” são os chamados actantes da enunciação, constituem o sujeito da enunciação

e são os participantes pressupostos de todos os enunciados. Ambos são o sujeito da enunciação,

porque o “eu” produz o enunciado e o “tu” é levado em consideração pelo “eu”, funcionando

como um “filtro”. O enunciador produz o texto para a imagem de um leitor ideal, que determina

as diferentes escolhas enunciativas manifestadas no enunciado, enfim, o enunciatário é um

coautor do texto. Nesse sentido, Greimas e Courtés explicam que,

[...] o enunciatário não é apenas o destinatário da comunicação, mas também sujeito

produtor do discurso, por ser a ‘leitura’ um ato de linguagem (um ato de significar)

da mesma maneira que a produção do discurso propriamente dito. O termo ‘sujeito da

enunciação’, empregado frequentemente como sinônimo de enunciador, cobre de fato

as duas posições actanciais de enunciador e de enunciatário (1983, p. 150).

O enunciador e o enunciatário são o autor e o leitor do texto, o produtor e seu receptor.

Porém, é importante ressaltar que, não são o autor e nem o leitor reais, de carne e osso, mas o

autor e o leitor implícitos, ou seja, uma imagem do autor e do leitor construída pelo texto. Nas

palavras de Benveniste, é “na e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito” (2005,

p. 286). Podemos assim, afirmar que é através dos elementos encontrados no próprio texto,

como marcas da enunciação, que podemos depreender esse autor e esse leitor.

Ao construir o enunciado, o enunciador, prevendo a perfórmance do enunciatário, faz uma

série de escolhas que propõem um contrato, o qual determina a maneira como esse leitor

pressuposto deve interpretar a verdade do discurso. Para que se estabeleça esse contrato, é

importante que haja uma compactuação entre enunciador e enunciatário, em que ambos devam

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compartilhar do mesmo universo de valores. Sobre essa questão, Fiorin afirma que, quando se

produz um enunciado, “estabelece-se uma 'convenção fiduciária' entre enunciador e

enunciatário, a qual determina o estatuto veridictório do texto” (1999a, p. 35).

O enunciador constrói o enunciado com o objetivo de persuadir o enunciatário, é

responsável pelos valores do discurso e leva o enunciatário a crer e a agir. Assim, é estabelecida

uma relação de manipulação entre enunciador e enunciatário. Essa manipulação prevê que o

enunciador propõe um contrato com o enunciatário, que estabelece como a verdade do discurso

deve ser interpretada. A interpretação depende da aceitação deste contrato e da persuasão

exercida pelo enunciador, para que o enunciatário encontre as marcas de veridicção do discurso

e as compare com seus conhecimentos de mundo. Não se trata, logo, de discursos verdadeiros

ou falsos, mas sim da construção de efeitos de sentido de verdade ou de falsidade, como

mostraremos mais detidamente adiante.

Esses efeitos de sentido de verdade ou de falsidade, com claro objetivo persuasivo, podem

ser encontrados no enunciado como marcas da enunciação. Como já vimos, a teoria semiótica

entende a enunciação como uma instância pressuposta pelo enunciado, no qual deixa suas

marcas explícitas ou implícitas. Fiorin, retomando o estudo de Kerbrat-Orecchioni, explica que

o linguista, “impossibilitado de estudar diretamente o ato da enunciação, busca ‘identificar e

descrever os traços do ato no produto’”, ou seja, buscar no enunciado as marcas da enunciação

(1999a, p.31).

Nesse sentido, o procedimento básico de projeção da enunciação no enunciado é a

debreagem, que pode ser enunciativa ou enunciva. A debreagem enunciativa ocorre quando o

enunciador se projeta de alguma forma no enunciado, o que ocasiona uma impressão de

proximidade da enunciação. A debreagem enunciativa projeta no enunciado a instância

pressuposta da enunciação, ou seja, o “eu”, o “aqui” e o “agora” da enunciação. Essa projeção

produz um efeito de subjetividade, impregnado, assim, de parcialidade. Já a debreagem

enunciva consiste em manter a enunciação afastada do enunciado, como se fosse apenas uma

fotografia dos fatos, garantindo uma ilusão de objetividade e imparcialidade. Para fingir essa

objetividade e imparcialidade, fabricando um efeito de distanciamento, mesmo o enunciado

estando lá, como produto de um enunciador “eu”, que com certeza tem uma perspectiva acerca

dos fatos que narra, existe como principal procedimento produzir o discurso em terceira pessoa,

no tempo do “então” e no espaço do “lá”. Sobre a manifestação dos sujeitos da enunciação no

enunciado, Fiorin exemplifica:

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um enunciado como A terra gira em torno do sol pressupõe um Eu digo (A terra

gira em torno do sol). Essa afirmação parece um truísmo já que, se existe um dito,

há um dizer que o produziu. No entanto, é prenhe de consequências teóricas. Quando

se projeta um eu no interior do enunciado, de tal forma que se diga Eu digo que a

terra gira em torno do sol, haverá ainda assim uma instância pressuposta que terá

produzido esse enunciado: Eu digo (Eu digo que a Terra gira em torno do sol. Isso

implica que é preciso distinguir duas instâncias: o eu pressuposto e o eu projetado no

interior do enunciado. Teoricamente, essas duas instâncias não se confundem: a do eu

pressuposto é a do enunciador e a do eu projetado no interior do enunciado é a do

narrador. Como a cada eu corresponde um tu, há um tu pressuposto, o enunciatário,

e um tu projetado no interior do enunciado, o narratário (2004a, p. 118-119. O grifo

é do autor).

É importante, então, distinguir duas instâncias no procedimento enunciativo: o “eu”

pressuposto e o “eu” projetado no enunciado e, respectivamente, um “tu” pressuposto e um “tu”

projetado no enunciado. Estes “eu” e “tu” pressupostos à enunciação são denominados,

respectivamente de enunciador e enunciatário. Da mesma forma que a instância da enunciação,

o enunciador e o enunciatário são também elementos conceituais, papéis passíveis de

figurativização apenas no nível mais concreto do enunciado. Quando manifestados no

enunciado, instauram-se simulacros do enunciador e do enunciatário: o narrador e o narratário.

De acordo com Fiorin,

não é indiferente o narrador projetar-se no enunciado ou alhear-se dele; simular uma

concomitância dos fatos narrados com o momento da enunciação ou apresentá-los

como anteriores ou posteriores a ele; presentificar o pretérito; enunciar um “eu” sob a

forma de um “ele”, etc. (FIORIN, 1998, p.54).

O nível discursivo é o patamar mais superficial e concreto do percurso gerativo do sentido.

Quando pretendemos analisar o fazer persuasivo do enunciador e o interpretativo do

enunciatário, precisamos recorrer à análise do texto em todas as instâncias do percurso de

significação. Contudo, é certamente no nível das estruturas discursivas que as relações entre

enunciador e enunciatário mais se evidenciam.

O enunciador e enunciatário são os desdobramentos do sujeito da enunciação que cumprem

os papéis actanciais de destinador e de destinatário do objeto-discurso. O enunciador coloca-se,

nesse sentido, como destinador-manipulador, responsável pelos valores do discurso e capaz de

levar o enunciatário, seu destinatário, a crer e a fazer. O fazer manipulador realiza-se no e pelo

discurso, como um fazer persuasivo. Essa manipulação, como já dissemos, prevê um contrato

fiduciário, em que são decididos os valores dos objetos a serem comunicados ou trocados. O

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contrato fiduciário entre enunciador e enunciatário é um contrato de veridicção, que determina

o estatuto veridictório do discurso.

Cabe, agora, então, fazermos uma breve descrição do esquema de veridicção proposto pela

semiótica.

1.1.3. Veridicção

Para a semiótica, a questão da veridicção diz respeito à enunciação, interna ao texto e que

independe de autor, leitor ou referencial reais. De acordo com Lopes e Beividas,

Greimas defende a ideia forte de que o mundo natural se deixa ver como

macrossemiótica, suscetível, como tal, de ter sua existência aquilatada não como uma

verdade positiva, dada, mas, assim como qualquer outra semiótica (verbal ou não),

como uma verdade construída, operada pelas estratégias discursivas justamente

destinadas a fazer parecer verdadeiro (2007, p. 34).

Nessa perspectiva, o mundo natural não é visto como um referente a ser pacificamente

aceito como tal. Não há, então, verdade no mundo, mas sim um embate oscilante de discursos

veridictórios que constroem seus efeitos de verdade. A verdade é, por conseguinte, entendida

como um efeito de sentido, em que o enunciador não busca necessariamente a adequação ao

referente, mas a adesão do enunciatário. O discurso, mobilizado por sua instância de

enunciação, vai elaborar uma série de estratégias para estabelecer um fazer parecer verdadeiro

que se pode chamar de fazer persuasivo.

Greimas e Courtés (1983) explicam que a categoria da veridicção é constituída pela

colocação em relação de dois esquemas: o esquema parecer/não-parecer, chamado de

manifestação, e o esquema do ser/não-ser, chamado de imanência. É entre essas duas

dimensões da existência que atua o "jogo da verdade", conforme o diagrama das modalidades

veridictórias:

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Como podemos ver, a constituição do diagrama das modalidades veridictórias se dá a partir

da combinação dos valores de ser e parecer, e de suas negações. Essas combinações dão origem

a uma segunda geração de termos complexos que demonstram que um critério de verdade

depende de algumas trajetórias que conjugam também as noções de mentira, segredo e

falsidade. Assim, temos:

• o segredo como um efeito de sentido do que é e não parece;

• a mentira como o que parece mas não é;

• a verdade como o que é e parece;

• a falsidade como o que não é nem parece.

O contrato de veridicção determina as condições para o discurso ser considerado

verdadeiro, falso, mentiroso ou secreto. Esse contrato estabelece os parâmetros a partir dos

quais o enunciatário pode reconhecer as marcas da veridicção que, como um dispositivo

veridictório, permeiam o discurso. Nesse sentido, para que o contrato veridictório tenha êxito,

é fundamental que o enunciatário partilhe dos valores apresentados pelo enunciador. Somente

a partir do momento em que se instaurar um crer comum, partilhado por enunciador e

enunciatário, que defina tanto o valor do objeto em discussão quanto o que cada sujeito

considera valor, é que a relação fiduciária entre as partes se estabelecerá (GREIMAS;

COURTÉS, 2012, p. 509). Assim, apresentar-se como um sujeito crível e digno de confiança é

essencial para que o sujeito do fazer persuasivo obtenha a adesão do enunciatário. Quando

falamos da maneira como o enunciador se apresenta, da imagem que esse sujeito constrói de si,

falamos de éthos.

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1.2. Éthos

Como já dissemos anteriormente, a enunciação é uma instância linguística pressuposta a

todo enunciado. Toda enunciação pressupõe um sujeito “eu”, no espaço “aqui”, no tempo

“agora” que se dirige a um “tu”. O “eu” e o “tu” pressupostos pelo enunciado são os actantes

da enunciação, simulacros do autor e do leitor construídos no e pelo texto. Nos diferentes textos,

os actantes tornam-se atores da enunciação, na medida em que são concretizados nos

enunciados. Os atores tematizam e figurativizam os actantes da enunciação, mostrando uma

imagem de quem é o enunciador, e, de quem é seu enunciatário. Dessa forma, dizer que os

actantes do discurso criam uma imagem de si através do texto, significa também afirmar que o

texto carrega as marcas do enunciador e do coenunciador no ato da enunciação. A imagem que

corresponde ao enunciador depreendido do enunciado é o que entendemos por éthos.

Todo discurso pressupõe a construção de uma imagem, da personalidade daquele que fala.

“Por meio da enunciação revela-se a personalidade do enunciador” (MAINGUENEAU, 2001,

p. 97). Para que o enunciador construa sua imagem, não é necessário que ele fale sobre si mesmo

ou apresente suas características, suas qualidades e seus defeitos, pois o éthos é, na verdade,

uma concretização do “eu” pela enunciação. De acordo com Fiorin, “o éthos explicita-se na

enunciação enunciada, ou seja, nas marcas da enunciação deixadas no enunciado” (2004a, p.

120). Com isso, analisar o éthos do enunciador não significa buscar o autor real, de “carne e

ossos”, mas sim, apreender um autor construído pelo discurso. É no momento da enunciação

que são deixadas pistas acerca da imagem do sujeito que enuncia: seu estilo, sua visão de

mundo, seu conhecimento acerca de determinados assuntos, sua capacidade linguística, seus

valores, etc. São essas pistas que permitirão ao enunciatário realizar a reconstrução da imagem

do enunciador, do seu éthos.

Para melhor discorrermos sobre o conceito de éthos, devemos retomar os estudos sobre a

retórica feitos pelo filósofo grego Aristóteles, que sistematizou a retórica como a arte da

persuasão. A retórica aristotélica é centrada no sujeito, no orador e na sua relação com o

auditório. É, portanto, voltada à interlocução, à produção e à recepção de discursos orais. São

as habilidades do orador em selecionar os meios para persuadir o seu interlocutor que estão em

jogo, sendo a língua seu instrumento.

Para que o orador obtenha eficácia persuasiva em seu discurso, Aristóteles demonstrou os

três pilares sobre os quais se constroem o discurso e a argumentação: o éthos, que consiste em

agradar pela imagem de si projetada através da maneira de dizer. Designa o caráter do orador

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que empresta credibilidade ao discurso; o logos, que consiste em informar e convencer pela

lógica de seus argumentos. É o conjunto de enunciados que conduzem à legitimação da

conclusão da tese, são as provas derivadas da razão; e o páthos, que consiste em convencer pela

criação de emoções, paixões e afetos na plateia, são as emoções do auditório suscitadas pelo

orador.

Dentre essas três bases para a argumentação do discurso, o éthos tem valor fundamental

para a persuasão. Para Aristóteles, ao realizar seu discurso, o orador institui uma representação

de sua pessoa, comunica uma mensagem sobre quem ele é para sua plateia, a qual aderirá ao

seu discurso, caso se simpatize com tal imagem. Essa imagem é o éthos, e é construída pelo

orador por meio de sua competência linguística, seu conhecimento de mundo e de sua própria

apresentação.

Aristóteles demonstra que o éthos do orador é fundamental para o exercício de persuasão.

O éthos leva à persuasão, quando o discurso é organizado de tal maneira que o orador inspira

confiança em seu público.

A plateia confia sem dificuldade e mais prontamente nos homens de bem, em todas

as questões [...] No entanto, é preciso que essa confiança seja resultado da força do

discurso e não de uma prevenção favorável a respeito do orador (ARISTÓTELES,

1946, 1356a).

Nesse sentido, o éthos está relacionado ao aspecto moral que o orador, com intenção

persuasiva, deixa transparecer em seu discurso. Aristóteles defende a tendência natural do ser

humano para o bem, para o verdadeiro e para o justo, de tal forma que tendem a ser eficientes

os discursos em que o orador deixa transparecer sua verdadeira moralidade, sua benevolência e

honestidade.

O éthos precisa ser uma boa imagem do orador, precisa também ter um valor moral, se

mostrando justo, objetivo e estratégico. O filósofo grego demonstra que aconselhar ou falar

sobre algo verdadeiro e justo atrai mais facilmente a confiança e a adesão do público. Aristóteles

considera que são muito importantes as virtudes positivas da ética porque o verdadeiro e o justo

são naturalmente mais fortes do que os mentirosos e injustos. Quando um orador constrói um

éthos de verdade, justiça, ponderação, virtuosidade e benevolência, está sendo íntegro no seu

discurso, conseguindo assim a conquista mais fácil do seu público.

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Em síntese, na retórica aristotélica, éthos é entendido como o conjunto de características de

si mesmo que o orador busca construir em seu discurso. Éthos é o caráter que o orador deve

assumir na interação com seus interlocutores para parecer sincero e suscitar a adesão. A sua

credibilidade assenta-se no seu caráter, na sua honorabilidade, na sua virtude, isto é, na

confiança que nele é depositada. Para Aristóteles, o éthos é a imagem que o orador deve

apresentar a fim de inspirar confiança no auditório, e constitui, talvez, a mais importante das

provas.

Trazendo agora o éthos aristotélico para dentro dos estudos semióticos, podemos dizer que

o éthos não se explicita no enunciado, mas sim, na enunciação. Para que o público confie no

orador, este precisa ser digno de fé e confiança. Como o éthos está ligado à enunciação, essa

confiança deve ser conquistada por meio do discurso que o orador constrói, e não por meio de

uma previsão favorável a respeito do orador, tampouco por autoafirmações. Dessa forma, não

importa sua sinceridade ou sua real posição no mundo físico para poder causar uma boa

impressão. O orador enuncia e mostra quem ele é.

De acordo com Maingueneau, o éthos liga-se diretamente ao tom que o discurso assume.

Esse tom, por sua vez, estaria ligado a uma representação corporal e a um determinado caráter

do enunciador. A Retórica aristotélica focava-se no discurso oral, refletia sobre os aspectos

físicos do orador, seus gestos, bem como sua entonação. Maingueneau explica que em

enunciados escritos não existe uma representação direta dos aspectos físicos do orador.

Contudo, existem marcas que indicam determinado tom e levam o coenunciador a atribuir uma

corporalidade e um caráter ao enunciador.

Todo texto escrito, mesmo que o negue, tem uma “vocalidade” que pode se manifestar

numa multiplicidade de “tons”, estando eles, por sua vez, associados a uma caracterização do

corpo do enunciador (e, bem entendido, não do corpo do locutor extradiscursivo), a um “fiador”,

construído pelo destinatário a partir de índices liberados na enunciação (MAINGUENEAU,

2008, p. 18).

Entendemos, a partir daí, que o éthos está relacionado não só a uma determinação cognitiva

do enunciador, ou seja, a um caráter, que corresponde a um conjunto de traços psicológicos,

mas também a uma corporalidade, atribuída ao enunciador por intermédio de um tom imprimido

no enunciado no momento da enunciação. O tom permitirá ao coenunciador identificar, no texto

escrito, uma representação do caráter e do corpo do enunciador, fundamentada em estereótipos

sociais. É daí que emerge uma instância subjetiva que desempenha o papel de fiador do que é

dito, uma autoridade que assegura a incorporação do enunciatário ao enunciado.

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O caráter e a corporalidade do fiador provêm de um conjunto difuso de representações

sociais valorizadas ou desvalorizadas, sobre as quais se apoia a enunciação que, por

sua vez, pode confirmá-las. Esses estereótipos culturais circulam nos domínios mais

diversos: literatura, fotos, cinema, publicidade etc. (MAINGUENEAU, 2001, p.99).

O conceito de éthos extrapola aquele concebido pela Retórica de Aristóteles, pois o

enunciador passa a ser visto não mais como dono do discurso, mas sim como um sujeito inserido

numa formação ideológico-discursiva6, além de ser apenas parte do desdobramento do sujeito

da enunciação (enunciador e coenunciador).

O texto não se destina a ser contemplado, configurando-se como enunciação dirigida

a um coenunciador que é preciso mobilizar, fazê-lo aderir “fisicamente” a um

determinado universo de sentido. O poder de persuasão de um discurso consiste em

parte em levar o leitor a se identificar com a movimentação de um corpo investido de

valores socialmente especificados. A qualidade do éthos remete, com efeito, à imagem

desse “fiador” que, por meio de sua fala, confere a si próprio uma identidade

compatível com o mundo que ele deverá construir no seu enunciado. Paradoxo

constitutivo: é por meio de seu próprio enunciado que o fiador deve legitimar sua

maneira de dizer (MAINGUENEAU, 2001, p. 99).

A imagem desse fiador é formada a partir de representações sociais estereotipadas. O fiador

é uma imagem construída pelo coenunciador com base em indícios textuais de diversas ordens.

A imagem do enunciador é associada pelo enunciatário a uma cenografia, a um “mundo ético”

ao qual o fiador pertence e ao mesmo tempo dá acesso. Maingueneau chamou de mundo ético,

essa cenografia, esse conjunto de situações estereotípicas associadas a comportamentos

ativados pela leitura. É essa cenografia a responsável por instaurar no processo enunciativo a

incorporação da imagem do coenunciador no discurso.

O éthos é, para Maingueneau, um conceito fortemente relacionado ao diálogo entre

enunciador e enunciatário (coenunciador). Constrói-se enquanto situação de enunciação e no

processo de incorporação pelo enunciatário. A incorporação diz respeito ao modo pelo qual o

enunciatário apropria-se da imagem do enunciador. Nesse processo, o enunciatário constrói

6 Por formação discursiva entendemos o conjunto de enunciados, que dizem respeito àquilo que pode ser dito em

determinada época e a partir de uma formação ideológica, ou seja, de uma perspectiva sócio histórica definida. De

acordo com Fiorin, “uma formação ideológica deve ser entendida como a visão de mundo de uma determinada

classe social, isto é, um conjunto de representações, de ideias que revelam a compreensão que uma dada classe

tem do mundo. [...] essa visão de mundo não existe desvinculada da linguagem. Por isso, a cada formação

ideológica corresponde uma formação discursiva, que é o conjunto de temas e de figuras que materializa uma dada

visão de mundo. [...] assim como uma formação ideológica impõe o que pensar, uma formação discursiva

determina o que dizer (1998, p. 32).

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imagens a partir de representações sociais suscitadas pelo éthos do enunciador. De acordo com

Maingueneau,

incorporação é a maneira como o intérprete – audiência ou leitor – se apropria do

éthos [...] podemos fazer render essa “incorporação sob três registros:

- a enunciação da obra confere uma “corporalidade” ao fiador, ela lhe dá o corpo;

- o destinatário incorpora, assimila um conjunto de esquemas que correspondem a

uma maneira especifica de se remeter ao mundo habitando seu próprio corpo;

- essas duas primeiras incorporações permitem a constituição de um corpo da

comunidade imaginaria dos que aderem ao mesmo discurso (2008, p. 18. O grifo é do

autor).

No processo de incorporação, a adesão do enunciatário ao éthos do enunciador é importante

para a eficácia persuasiva. Para Fiorin,

o enunciatário não adere ao discurso apenas porque ele é apresentado como um

conjunto de ideias que expressam seus possíveis interesses, mas, sim, porque se

identifica com um dado sujeito da enunciação, com um caráter, com um corpo, com

um tom (2004a, p. 134).

O éthos é depreendido no processo de interação, na enunciação, e é um fenômeno ligado às

paixões do enunciatário, por isso, nem sempre o locutor do mundo real e o éthos do seu discurso

são análogos. Nesse sentido, Maingueneau retoma a concepção de éthos da retórica clássica,

mostrando que o éthos é instituído no ato discursivo, ou seja, na enunciação. Porém, não

descarta a possibilidade da existência de um éthos pré-discursivo. Maingueneau explica que, “o

éthos está crucialmente ligado ao ato de enunciação, mas não se pode ignorar que o público

constrói também representações do éthos do enunciador antes mesmo que ele fale” (2008, p.

15). A partir dessa ideia, Maingueneau faz uma distinção entre o éthos pré-discursivo e o éthos

discursivo. O éthos pré-discursivo é uma imagem prévia que o coenunciador faz do enunciador

antes mesmo que ele enuncie. Já o éthos discursivo é aquele apreendido no e pelo discurso. O

éthos discursivo subdivide-se em éthos dito, que consiste em o enunciador falar diretamente de

suas características; e em éthos mostrado, que não é explícito, mas sim a imagem construída

através de marcas da enunciação no enunciado. O éthos dito e o éthos mostrado relacionam-se

mutuamente, já que “é impossível definir uma fronteira nítida entre o ‘dito’ sugerido e o

puramente ‘mostrado’ pela enunciação (MAINGUENEAU, 2008, p. 18).

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É pela interação de todos esses fatores (éthos pré-discursivo, éthos discursivo mostrado e

éthos discursivo dito) que resulta o éthos efetivo. Em síntese, Maingueneau compreende o éthos

como:

- o éthos é uma noção discursiva, ele se constrói através do discurso, não é uma

“imagem” do locutor exterior a sua fala;

- o éthos é fundamentalmente um processo interativo de influência sobre o outro;

- é uma noção fundamentalmente híbrida (sócio discursiva), um comportamento

socialmente avaliado, que não pode ser compreendido fora de uma situação de

comunicação precisa, integrada ela mesma numa determinada conjuntura sócio

histórica determinada (2008, p. 17).

Podemos concluir que o éthos exerce uma função determinante na eficácia persuasiva de

todo tipo de enunciado. Porém, a persuasão, bem como a construção do éthos, está associada à

incorporação do enunciatário. A persuasão só se realiza efetivamente em função do

coenunciador, que determina a forma como o discurso é construído. Em outras palavras, o

enunciatário só reage (tanto positiva quanto negativamente) a um enunciador que desperta suas

paixões.

1.3. Rearranjos da teoria

A semiótica de Greimas constrói-se a partir da herança dos princípios da linguística

estrutural lançados por Saussure e depois desenvolvidos por Louis Hjelmslev, da versão

binarista do estruturalismo formulada por Roman Jakobson, da complexificação das estruturas

elementares proposta por Viggo Brøndal, dos modelos antropológicos de Claude Lévi-Strauss,

do estudo sistemático das estruturas narrativas desenvolvido por Vladimir Propp, da teoria dos

actantes lançada por Lucien Tesnière e, num estágio mais atual da teoria, reagregaram-se ao

seu arcabouço teórico, de modo mais explícito, os estudos da fenomenologia na versão de

Maurice Merleau-Ponty7.

7 Para um maior aprofundamento sobre os fundamentos que compõem as bases do projeto semiótico desenvolvido

por Greimas, ver: Zilberberg, Claude. Greimas e o paradigma semiótico. In.: Razão e poética do sentido. Edusp,

2006, p. 91-126. Nesse capítulo, Zilberberg descreve como Greimas, num esforço de “arquivista” das “grandes

autoridades”, compôs heranças que tendiam à autossuficiência. Enquanto fundava a semiótica, homogeneizou

algumas das mais notáveis aquisições contemporâneas e instalou um patamar conceptual, enriquecido e expandido

ao longo dos anos, com um centro organizador. Ao solidificar as bases do seu projeto cientifico, Greimas assegurou

uma continuidade epistemológica para a seleção e garantia das aquisições posteriores.

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Temos aqui as bases do modelo tradicional da semiótica, conforme a apresentamos em seus

princípios fundamentais, chamada hoje, por muitos autores, de semiótica padrão.

O percurso gerativo do sentido, como toda proposta metodológica, abre-se para constantes

aprimoramentos e reformulações. Num primeiro estágio de desenvolvimento da teoria, o nível

narrativo foi o mais bem explorado. Em seus primórdios, a semiótica debruçou-se sobre os

estudos dos simulacros da ação do homem no mundo presentes nas narrativas, elaborando,

dessa forma, uma teoria da perfórmance.

No exame das estruturas narrativas, a teoria partiu da ação, ou seja, da relação de produção

e transformação do sujeito com o objeto, e chegou à manipulação, que é a relação entre os

sujeitos. Essa mudança de abordagem se deve ao fato de que havia uma limitação em relação à

aplicabilidade da teoria narrativa, pois ela analisava textos em que existia fundamentalmente

uma ação. No entanto, as estruturas narrativas da ação não esgotam a organização discursiva

do sentido. Ao lado do “inteligível”, há o “sensível”, um sujeito que vivencia. A semiótica passa

então por certa reformulação teórica para tornar-se capaz de descrever os conteúdos passionais,

que movem a ação humana e estão, por conseguinte, presentes na base de qualquer texto.

Ao compreender a limitação do alcance das aplicações, ao considerar que o estudo das

dimensões pragmática e cognitiva dos discursos deixava de lado a dimensão dos sentimentos,

das emoções e das paixões, a semiótica inicia uma investigação das modalizações do sujeito.

Passa, então, a se interessar pela paixão, vista como uma dimensão importante do discurso,

como um arranjo de elementos discursivos.

A teoria passou, consequentemente, a examinar questões relacionadas aos afetos, às

paixões. Com o desenvolvimento do estudo das paixões, foi apontada a existência de uma etapa

anterior ao nível fundamental no percurso gerativo: a etapa da percepção, das pré-condições do

sentido. A partir da publicação da obra Semiótica das paixões, em 1991, podemos perceber

uma mirada da semiótica em direção à fenomenologia, introduzindo o corpo perceptivo no

processo da semiose. Nesse livro, Greimas, em colaboração com Fontanille, inaugura a pesquisa

sistemática do domínio do ser e postula uma instância profunda contendo, como pré-condições

do sentido, modulações tensivas, isto é, ligadas à percepção.

[...] É pela mediação do corpo que percebe que o mundo transforma-se em sentido –

em língua –, que as figuras exteroceptivas interiorizam-se e que a figuratividade pode

então ser concebida como modo de pensamento do sujeito.

A mediação do corpo, de que o próprio e o eficaz são o sentir, está longe de ser

inocente: ela acrescenta, por ocasião da homogeneização da existência semiótica,

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categorias proprioceptivas que constituem de algum modo seu “perfume” tímico, e

até sensibiliza – dir-se-á ulteriormente “patemiza” – cá e lá o universo de formas

cognitivas que aí se delineiam. [...] (GREIMAS; FONTANILLE, 1993, p. 13).

Percebemos que há uma mudança de perspectiva em relação à estrutura do percurso

gerativo clássico. A noção de percepção, embora já central nas bases da teoria, entendida

“como lugar não-linguístico onde se situa a apreensão da significação” (GREIMAS, 1976,

p.15), passa a receber maior atenção através da dimensão do sensível. O sujeito da enunciação

é posto, logo de saída, no plano mais abstrato do percurso gerativo. Consequentemente, já no

nível profundo, iniciam-se as escolhas dos valores pelo enunciador.

A semiótica passa, por conseguinte, a examinar as pré-condições do aparecimento do

sentido, os elementos tensivos que desencadeiam o discurso. Passa, então, a ser preciso

considerar que o sentido opera sobre um continuum, introduzindo-se a instabilidade e o

deslizamento sob a, até então assegurada, estabilidade do discurso. A linguagem passa a ser

entendida como uma tensão permanente entre estabilidade e instabilidade, como uma relação

de equilíbrio precário derivado de forças em constante oscilação.

Com o avanço da teoria, muitos estudos têm sido feitos nesse âmbito nos últimos anos,

menos com a finalidade de substituir a semiótica padrão, do que de propor novos modelos,

novas maneiras de se abordar o sentido. Dentre eles, destacam-se os trabalhos de Claude

Zilberberg, principalmente em relação à descrição e categorização do nível mais profundo da

geração do sentido. Com uma metodologia menos fenomenológica e mais formal, Zilberberg

traz novas formulações ao projeto semiótico de Greimas sob um ponto de vista tensivo,

atribuindo não apenas mais consistência ao modelo original, como também buscando preencher

algumas das lacunas deixadas pelo percurso gerativo greimasiano.

O aprofundamento no estudo da tensividade possibilita tratar de maneira sólida e coerente

as questões relativas às paixões, ao sensível e à percepção. Ao apresentar uma ferramenta

analítica capaz de operar sobre a tensividade do discurso, a vertente tensiva da semiótica

permite que se estude a instabilidade da semiose, na medida em que instaura no continuum do

sentido as noções de intensidade/extensidade, enquanto nível pré-fundamental.

O esquematismo tensivo trouxe para a teoria conceitos que se mostram bastante

operacionais para a nossa proposta de pesquisa. Apresentaremos agora, então, um resumo

desses conceitos, dos quais utilizaremos alguns no transcorrer das análises.

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1.4. O modelo tensivo

O modelo tensivo, apresentado principalmente na obra de Fontanille e Zilberberg, Tensão

e Significação (2001), e, posteriormente, desenvolvido de forma mais aprofundada por

Zilberberg em Elementos de semiótica tensiva (2011), propõe uma categorização do nível

profundo.

De acordo com Fontanille,

a estrutura tensiva é um modelo que procura responder às questões deixadas em

suspenso pelos modelos clássicos. Na verdade, ela situa a representação das estruturas

elementares na perspectiva de uma semântica do contínuo. Além disso, articulando

um espaço tensivo das valências e um espaço categorial dos valores, a estrutura

tensiva conjuga as duas dimensões da significação: o sensível e o inteligível (2007, p.

58).

Na abordagem do modelo tradicional, o sentido, organizado em uma rede de relações

semióticas, em que cada um dos termos simples que compõem a categoria de base encontra sua

definição em relação ao outro, era abordado de um ponto de vista que insistia nos termos

simples, enfocando os elementos descontínuos que formam a relação (PIETROFORTE, 2008,

p. 62). O quadrado semiótico reúne diferentes tipos de oposição, para delas fazer um esquema

coerente. Todavia, ele apresenta as categorias de base como um todo acabado, que não está

mais sob o controle de uma enunciação viva. Ademais, em sua versão clássica, o quadrado

semiótico transforma a categoria em um esquema formal que não mantém mais relação alguma

com a percepção e a abordagem sensível dos fenômenos.

O ponto de vista tensivo, por outro lado, vai se interessar por descrever as nuances, as

complexidades e as oscilações ocorridas no discurso. Dessa forma, a principal característica da

semiótica tensiva é introduzir o continuum à teoria. A significação é, assim, apreensível pela

discretização operada sobre um continuum, que já num nível pré-fundamental constitui uma

potencialidade de sentido. Levando em conta o estudo da continuidade, torna-se possível

compreender determinados fenômenos linguísticos e textos, nos quais o contínuo e o gradual

são tematizados.

No modelo tradicional, no primeiro nível de geração do sentido, a semiótica define a

categoria semântica mínima capaz de organizar a totalidade do discurso realizado, como

pudemos ver no exemplo quente em oposição a frio que apresentamos anteriormente. Sendo o

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sentido formado em uma rede de relações semióticas, cada um dos termos simples que

compõem a categoria encontra sua definição em relação ao outro. Essa relação, por sua vez,

pode ser abordada de um ponto de vista que insiste nos termos simples, enfocando os elementos

descontínuos que formam a relação, ou de um ponto de vista que insiste na relação propriamente

dita, enfocando a tensão que a constitui. Com efeito, seguindo nosso exemplo, quente e frio não

são grandezas absolutas. Assim, o modelo tensivo enfoca as relações que se dão no continuum,

prevendo posições intermediárias, termos gradativos, como, por exemplo, quente / morno /

fresco / frio / glacial.

O ponto de vista tensivo da semiótica é, nesse sentido, um modelo que analisa as gradações

do sentido, um instrumental teórico capaz de medir a tensão a partir da qual todo discurso é

produzido. Dessa forma, podemos dizer que o estudo da tensividade dos discursos busca a

edificação de uma teoria sobre a natureza do sensível. Se, num primeiro momento, as bases

estruturalistas da teoria levaram-na a negligenciar a “elasticidade” inerente ao discurso,

priorizando a ação e a cognição, o modelo tensivo busca conjugar as relações da estrutura,

levando em conta os diferentes graus de intensidade e extensidade, ou seja, os estados de alma

e os estados de coisa, a emoção e a razão.

O ponto de vista tensivo, então, para tratar da continuidade, que se estabelece por meio das

tensões, propõe que a estrutura fundamental da significação possa ser descrita no espaço

tensivo, formado entre dois eixos, o de intensidade e o de extensidade. De acordo com

Zilberberg, a tensividade é um espaço imaginário em que a intensidade – ou seja, os estados de

alma, o sensível – e a extensidade – isto é, os estados de coisas, o inteligível – unem-se uma à

outra (2011, p. 169).

Levando em consideração a herança dos estudos de Hjelmslev para a edificação das bases

da teoria semiótica, Zilberberg postula que “entre as categorias hjelmslevianas e as categorias

tensivas, surge um quiasmo, já que as categorias extensas são diretoras para Hjelmslev, quando,

na perspectiva tensiva, a intensidade, ou seja, a afetividade, rege a extensidade” (2011, p. 18).

Nessa perspectiva, então, não é o inteligível que prevalece sobre o sensível, contrariando o

caminho da proposta anterior. O que ocorre, na verdade, é o inverso: a dimensão da intensidade

rege a dimensão da extensidade, os estados de alma regem os estados de coisas. Há, logo, a

sobredeterminação do afeto em relação à cognição.

As determinações intensivas e extensivas recebem o nome de valências. A associação de

uma valência da dimensão da intensidade com uma valência da dimensão da extensidade produz

o valor. Como as modulações tensivas estão no âmbito do afeto e da percepção do sujeito, o

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espaço da tensividade é anterior ao momento da enunciação. A enunciação parte da intersecção

entre as valências para constituir os valores que serão projetados ao longo de todos os níveis do

discurso.

Na geração do sentido, embora o inteligível pareça predominar, ele é, na realidade, regido

pelo sensível, pelo aparato perceptivo do sujeito. É nesse sentido que a intensidade e a

extensidade são dispostas como funções graduais, sendo que a intensidade apresenta como

funtivos básicos a tensão entre impactante e tênue, enquanto a extensidade, a tensão entre

concentrado e difuso (ZILBERBERG, 2011, p. 67). A intensidade opera, portanto, por

aumentos e diminuições. A extensidade, por sua vez, opera por triagens e misturas.

As dimensões da intensidade e da extensidade articulam-se cada uma em duas

subdimensões. A intensidade subdivide-se em andamento e tonicidade. O andamento diz

respeito à velocidade pela qual um determinado objeto penetra no campo de presença de um

sujeito. A tonicidade, por sua vez, diz respeito à força com a qual esse objeto entra nesse campo.

A extensidade subdivide-se em temporalidade e espacialidade. A temporalidade diz respeito à

duração de uma determinada presença sensível. A espacialidade refere-se ao

aumento/diminuição do campo de presença do sujeito que percebe (ZILBERBERG, 2006a,

p.4).

Podemos perceber, mais claramente, que a intensidade, da ordem do sensível, diz respeito

à força, à energia presente numa grandeza, uma medida afetiva. Já a extensidade, da ordem do

inteligível, concerne ao alcance no tempo e no espaço do campo controlado pela intensidade,

uma quantidade.

A articulação entre a intensidade e a extensidade é chamada de correlação. A correlação é

estabelecida, então, a partir de uma certa qualidade e de uma certa quantidade da presença

sensível antes mesmo que algum sentido seja efetivamente definido. De acordo com Fontanille,

quando se adota o ponto de vista do discurso, se é conduzido a buscar primeiramente

– antes de se perguntar se os termos de uma categoria têm um valor universal qualquer

– as qualidades sensíveis que determinam e orientam a manifestação da categoria.

Todavia, é só na correlação entre duas dimensões sensíveis que as figuras se formam

e se estabilizam (2007, p. 76).

Tomando-se então a dimensão da intensidade em correlação com a dimensão da

extensidade, consideradas dimensões graduais, sua representação pode ser disposta no seguinte

gráfico:

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No espaço interno entre os dois eixos, que é o espaço tensivo formado pelas duas

profundidades, todas as combinações entre intensidade e extensidade são possíveis. Existem,

por sua vez, dois tipos de correlação: a conversa e a inversa. Se a intensidade diminui à medida

que a extensidade aumenta, ou vice-versa, forma-se a correlação inversa entre a distribuição

dos valores (quanto mais... menos; quanto menos... mais). Por outro lado, se ao aumento da

intensidade corresponde o aumento da extensidade e, à diminuição de uma a diminuição da

outra, temos uma correlação conversa, (quanto mais... mais; quanto menos... menos).

No caso das subdimensões, para aquelas pertencentes a uma mesma dimensão, a correlação

é conversa. Assim, no eixo da intensidade, quanto maior a tonicidade, mais forte o andamento,

e quanto menor a tonicidade, mais lento o andamento. Da mesma forma, no eixo da extensidade,

quanto maior a espacialidade, maior a duração e quanto menor a espacialidade, menor será a

duração.

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Entre as subdimensões pertencentes a dimensões distintas temos o seguinte esquema: o

andamento rege a duração por uma correlação inversa: quanto mais elevada é a velocidade,

menos longa é a duração e quanto menos elevada a velocidade, mais longa a duração, sendo

“ser” um efeito de lentidão extrema. Por seu turno, a tonicidade rege a espacialidade por uma

correlação conversa: quanto mais forte é a tonicidade, mais vasto é seu campo de

desdobramento (ZILBERBERG, 2006a, p.4).

***

Como dissemos, apresentamos aqui apenas um panorama geral da teoria semiótica

francesa, que nos servirá de embasamento teórico para a condução do nosso trabalho. Na

medida em que efetuarmos as análises detalharemos um pouco mais algumas categorias que se

fizerem operantes.

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2. ANÁLISE

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2.1. Objeto de estudo: a rede social Facebook

Antes de darmos início às análises, julgamos necessário fazer uma breve descrição do

Facebook, visando a uma melhor contextualização e entendimento sobre o seu funcionamento.

Lançado em 2004, o Facebook, originalmente thefacebook, é uma plataforma virtual de

relacionamentos criada pelo americano Mark Zuckerberg, enquanto era aluno de Harvard. A

ideia da plataforma, a princípio, era oferecer uma rede de contatos entre alunos que estavam

saindo do ensino médio e alunos que estavam entrando na universidade.

Embora em seu projeto inicial o foco do Facebook fosse promover a interação e a criação

de uma rede de contatos, o site, nas diversas atualizações que sofreu em sua interface e

algoritmo, caminhou cada vez mais na direção de consolidar-se como uma ferramenta de

divulgação de notícias8. O Facebook é hoje uma plataforma que, mais do que promover a

interação e a formação de um networking, dissemina notícias, tanto de cunho pessoal, quanto

de cunho público, de uma maneira muito rápida e abrangente.

O usuário do Facebook interage dentro de sua rede de contatos, partilhando informações e

conhecimentos, com publicações escritas, fotos, vídeos, músicas, etc. A interação se dá

essencialmente por meio do feed de notícias, das curtidas e reações, dos comentários, dos perfis,

8 Em evento promovido para divulgar a, até então, última atualização na interface do Facebook, o próprio fundador

e chefe executivo, Mark Zuckerberg, disse ter como objetivo oferecer a seus usuários o “melhor jornal

personalizado do mundo”, conforme relata o jornal New York Times: “Mark Zuckerberg said at a news conference

that he wanted Facebook to be ‘the best personalized newspaper in the world.’ And like a newspaper editor, he

wants the front page of Facebook to be more engaging — in particular on the smaller screens of mobile devices.”

– em http://www.nytimes.com/2013/03/08/technology/facebook-shows-off-redesign.html?_r=0 – acesso em

10/08/2015.

We are building Facebook to make the world more

open and transparent, which we believe will create

greater understanding and connection.

Princípios do Facebook

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da participação em grupos de discussão ou do uso de aplicativos e jogos. Vejamos um exemplo

de publicação:

1

2

4

3

5

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Há nesse exemplo as cinco modalidades técnicas fundamentais de interação no Facebook:

1. A publicação;

2. As reações;

3. Os compartilhamentos;

4. Os comentários;

5. Os comentários de comentários.

No Facebook, é possível controlar o acesso a informações e publicações, que podem ser:

públicas (qualquer pessoa conectada ao Facebook pode ver); amigos (apenas os amigos podem

ver); e apenas eu (só quem publicou pode ver). Vale ressaltar que, quanto mais alcance tiver a

publicação, maior a possibilidade de interação.

O Facebook pode ser acessado tanto por computadores pessoais quanto por dispositivos

móveis, como smartphones. A seguir, a página inicial do Facebook para computador:

Na estrutura da página estão disponíveis:

1. Menu de informações;

2. Menu de compartilhamento do feed de notícias;

3. Feed de notícias;

4. Barra de notificações;

1 2

3

4

5

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5. Menu de histórias e sugestões de contatos.

O feed de notícias é constantemente atualizado. Por meio da barra de rolagem ou do

mecanismo de busca é possível verificar notícias antigas ou específicas por assunto, local,

página, pessoa, etc. O responsável pelo fluxo de conteúdo no feed de notícias ou na classificação

de comentários é o algoritmo que, com base em diferentes variáveis, como quantidade de

reações e respostas, classifica como “mais relevantes” e concede destaque de visualização.

Feita essa rápida apresentação da rede social, passemos, então, para as análises.

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2.1.1. O Protofascismo

Nos últimos anos, no Brasil, o termo “fascismo” passou a ecoar por todos os lados. Seja

pelos corredores dos trabalhos ou das faculdades, seja pelo vasto universo online, tornou-se um

termo usado, principalmente, para desqualificar um adversário ou desclassificar qualquer ponto

de vista diferente. No Facebook, “fascismo” tornou-se, em especial após as movimentações que

levaram a presidente eleita Dilma Rousseff ao impeachment, em 20169, um termo bastante

recorrente:

9 O impeachment de Dilma Rousseff consistiu em uma questão processual com vistas ao impedimento da

continuidade do seu mandato como presidente do Brasil. O processo iniciou-se com a aceitação, em 2 de dezembro

de 2015, pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, de uma denúncia por crime de

responsabilidade, e se encerrou no dia 31 de agosto de 2016, resultando na cassação do mandato de Dilma. No

desenrolar do processo, ocorreram incontáveis manifestações populares, tanto a favor do impeachment, quanto

contra. Em linhas gerais, as manifestações favoráveis à saída da presidente eram caracterizadas por um crescente

antipetismo/antilulismo, enquanto que as contrárias tinham como características a denúncia de um golpe contra a

democracia (adaptado de https://pt.wikipedia.org/wiki/Processo_de_impeachment_de_Dilma_Rousseff - acesso

em 20/10/2017).

Spesso il passo tra visione estatica e frenesia di

peccato è mínimo.

Il nome della rosa

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Nesses exemplos, o termo “fascismo” é empregado para caracterizar de maneira pejorativa

ideais contrários aos do autor da postagem: “fascismo do movimento negro”, ou para

desqualificar atitudes ou oponentes: “como combater o fascismo nas redes sociais”, “(turma da

Lava Jato) agridem o direito e cortejam o fascismo”, “a falta de argumento, de incapacidade de

autoanálise, a ignorância política faz o fascismo crescer”.

Embora nesse tipo de uso ainda se preserve alguns traços semânticos despertados pelo

termo, há, na verdade, um esvaziamento de seu real sentido. De acordo com Eco, o arquétipo

do fascismo ocorreu num tempo e num local determinado:

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Pode-se afirmar que o fascismo italiano foi a primeira ditadura de direita a controlar

um país europeu, e que todos os movimentos semelhantes que estavam por vir

encontraram um arquétipo comum no regime de Mussolini. O fascismo italiano foi o

primeiro a estabelecer uma liturgia militar, um folclore e mesmo um modo de vestir

– que chegou a ser mais influente no exterior que Armani, Benetton ou Versace (1995,

p. 6).

Ainda segundo o pesquisador, no decorrer da história o termo fascismo passou a ser

equivocadamente empregado como sinônimo de regimes totalitários. Contudo, o fascismo foi,

na verdade, um totalitarismo bastante “difuso” (1995, p. 6). O fascismo consiste, nesse sentido,

em uma colagem de diferentes ideias políticas e filosóficas, não existindo propriamente uma

teoria fascista, mas sim um conjunto de traços identificadores, que não precisam

necessariamente coexistir ao mesmo tempo.

Esses traços não podem ser acomodados dentro de um sistema; muitos deles são

contraditórios entre si, além de ocorrerem em outros tipos de despotismo ou

fanatismo. Mas basta que um deles ocorra para que se coagule a nebulosa fascista

(ECO, 1995, p. 6).

Dessa natureza difusa da “nebulosa fascista” decorre, diante desses traços de que trata Eco,

ser mais adequado o uso do termo protofascismo, um fascismo embrionário, no lugar de

fascismo. Conforme Fiorin e Savioli (2001, p. 138), os traços caracterizadores do protofascismo

expostos por Eco podem ser resumidos da seguinte forma:

1. culto à tradição, sincretismo;

2. recusa da modernidade: irracionalismo;

3. culto à ação pela ação;

4. visão do desacordo como traição;

5. racismo;

6. apelo a uma classe média frustrada;

7. nacionalismo, obsessão da conspiração e xenofobia;

8. avaliação não objetiva do inimigo;

9. visão da vida como guerra permanente;

10. elitismo popular;

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11. culto ao heroísmo e à morte;

12. machismo;

13. populismo qualitativo;

14. discurso com léxico pobre e sintaxe elementar.

São justamente essas características que se encontram disseminadas em muitos dos

discursos veiculados no Facebook. Vejamos, agora, então, como ideias protofascistas

encontram nessa rede social um ambiente ideal para que sejam produzidas, disseminadas e

fortalecidas.

Comecemos a análise observando alguns enunciados veiculados no Facebook na ocasião

da reeleição da presidente Dilma Rousseff, em 26 de outubro de 2014.

Na eleição presidencial mais acirrada desde a redemocratização do país, a então candidata

à reeleição presidencial, Dilma Rousseff (PT), venceu o candidato Aécio Neves (PSDB) com

uma margem de diferença bastante pequena: ela teve 51,64% dos votos válidos contra 48,36%

do candidato da oposição. Considerando essa divisão do país mostrada nas urnas e que, ainda,

esse seria o quarto mandato regido pelo Partido dos Trabalhadores, imediatamente após a

divulgação do resultado, diversas manifestações de hostilidade aos moradores da região

nordeste, “culpados” pelo resultado, começaram a aparecer nas redes sociais.

A seguir um desses comentários publicados no Facebook e seu posterior desdobramento:

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Esse texto é a atualização de um status. Encorajados a responder à pergunta “No que você

está pensando?”, os usuários da rede social Facebook atualizam seu status, compartilhando com

seus amigos e seguidores manifestações de temas os mais diversos, num alto grau de abertura

extensiva, alcançando tantos sujeitos quanto for o número de amigos, e de mistura de valores,

tão diversos quanto as pessoas.

Contudo, embora a plataforma possibilite a mistura, vemos nessa postagem um discurso

que defende valores da ordem da triagem. De acordo com Zilberberg, “toda operação de mistura

pressupõe alguma operação de triagem anterior” (2004, p. 13). Dessa forma, podemos já supor,

que o Facebook cria uma ilusão de mistura, uma vez que, na verdade, agrega diferentes

enunciados individuais.

No enunciado em análise, há um narrador, projeção do enunciador no enunciado, que não

só manifesta sua indignação com a reeleição da candidata do PT, como também um narrador

que deposita sobre o eleitor nordestino a responsabilidade por essa reeleição. O voto nesse

partido, por sua vez, é visto por esse narrador como a ação de pessoas “conformadas com

migalhas, esmolas” e que “merecem” viver em situação de miséria e assistencialismo. Essa

isotopia, ou seja, essa reiteração de temas e figuras, inspira-se e é tonificada e tonificadora do

discurso construído nos diversos virais e memes10, com os quais dialoga, e que também

circularam nessa ocasião:

10 O termo meme, que vem da palavra grega mimema (algo que é imitado), refere-se ao fenômeno de viralização de

um dado enunciado, seja ele um vídeo, uma imagem, uma frase, uma música, etc. Um enunciado é considerado

meme, quando é copiado ou imitado, espalhando-se entre vários usuários rapidamente e alcançando

enorme popularidade. O conceito de meme foi cunhado pelo etólogo Richard Dawkins, no livro O Gene Egoísta,

publicado em 1976. Dawkins compara a evolução cultural com a evolução genética, sendo o meme, o “gene” da

cultura, aquilo que se preserva por meio de seus replicadores. Viral e meme, embora sejam muitas vezes usados

como sinônimos, pois possuem a mesma lógica da difusão, diferem-se pelo fato de que, enquanto os virais tendem

a ser reproduzidos milhares de vezes em sua forma original, os memes são modificados de inúmeras formas no

processo de replicação.

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As figuras empregadas nesse enunciado são escolhidas por um enunciador de modo a

rebaixar e hostilizar os moradores do Nordeste: a palavra “bando”, um substantivo coletivo

usado para designar grupos de animais, e de indivíduos de maneira pejorativa; a própria palavra

“nordestino” carregada de uma carga pejorativa e estigmatizada; e as figuras das “migalhas” e

“esmolas” associadas à miséria.

Percebemos no enunciado da publicação a imagem de um enunciador que enuncia no furor

do momento, pois há, além da alta passionalidade, uma velocidade acelerada, que podemos

perceber: pelo recorrente uso das exclamações; pelo encadeamento das sentenças parecido com

o ritmo da fala, como no uso de uma pergunta retórica, na pausa das reticências, na expressão

“Inconformada”, ao final. Além disso, no momento em que escolhemos nosso corpus para

análise, o enunciado em questão já havia sido editado. Em sua publicação original, foram

empregados para qualificar os “nordestinos” termos como “lixo” e “vagabundos”, os quais

endossavam ainda mais a carga passional do enunciado:

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O apelo à xenofobia é uma das características do protofascismo. Assim, nesse enunciado,

constrói-se um inimigo externo, o “nordestino”, que por sua vez é genericamente classificado

como petista. Eco (1995, p.6) explica que há na psicologia protofascista uma obsessão pelo

nacionalismo e pela imagem da conspiração, uma vez que “os únicos que podem dar identidade

a uma nação são seus inimigos”. Nesse sentido, vemos no enunciado em análise a construção

da ideia de que existe uma espécie de conspiração do povo do Nordeste com o petismo. Há

nessa publicação a instituição de um nacionalismo “encarnado” num regionalismo, ou seja, na

lógica desse discurso, os nordestinos seriam petistas, logo, não carregariam os traços que

caracterizariam um brasileiro ideal. Nesse tipo de discurso não se acomoda ao mesmo tempo a

exaltação nacionalista da pátria com os valores mais voltados às camadas populares apregoados

pelo petismo. Há, por conseguinte, uma oposição semântica acidental: nacionalismo vs.

petismo.

Essa narrativa irá se desdobrar nos anos seguintes à eleição de Dilma Rousseff, e o

subsequente processo de impeachment, nas diversas manifestações discursivas da rede social

Facebook. Veremos nesses discursos a divisão do país em duas grandes classes, uma construída

sob temas e figuras com tendências nacionalistas e outra construída sob temas e figuras com

tendências ligadas ao “lulopetismo”, como verificadas nos exemplos a seguir, publicados em

2016:

Vemos aqui, nas manifestações pró impeachment, a figurativização do nacionalismo por

meio das cores verde e amarelo, das bandeiras e do uso da camiseta da seleção brasileira.

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Já nas manifestações contra o impeachment, vemos marcadamente a cor vermelha ligada

ao PT.

Essa divisão social, caracterizada, evidentemente, pela ocupação das ruas, carrega por

detrás de toda a potencialização desse fenômeno que se desenvolve já há mais de uma década

e que, no Brasil, teve, até agora, seus maiores expoentes a partir de junho de 2013, uma

ocupação simultânea do espaço virtual das redes sociais da internet, como nos exemplos acima.

A rede oferece uma dilatação espaço-temporal sem limites, conferindo um alargamento e uma

densidade de presença aos seus discursos.

Voltando ao texto inicial da análise que ora efetuamos, toda a articulação que compõe esse

enunciado não é usada normalmente para compor opiniões públicas. Salvo manifestações

públicas de intolerância, esse tipo de tema, figuras e forma de expressão compõem discursos de

círculos mais restritos, do nível do espaço privado. Nesse sentido, Barros explica que,

o domínio do público é regulamentado pela lei, pela regra, o do privado é o das

variações e preferências individuais. Na internet, preferências individuais, próprias da

privacidade do sujeito, são expostas e submetidas às leis públicas ou se tornam regras

públicas (2014, p.6).

Vemos que se inicia uma tensão entre os limites do público e do privado.

Chama a atenção também a quantia de 135 curtidas e 4 compartilhamentos num espaço de

tempo bastante curto. Essas curtidas, além de denotarem o alto alcance e a ampla visualização

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desse texto, agregam-se ao enunciado, funcionando tanto como um elemento que confere maior

densidade afetiva quanto que valida a verdade do discurso.

Alguns minutos após a publicação, com o recurso do botão “comentar”, surge a seguinte

resposta à publicação:

Na análise do conteúdo desse enunciado, vemos delinear-se um narrador que rompe com a

direção assumida pelo enunciado anterior, introduzindo uma parada. Se concebermos a

publicação como o ponto de partida para que se inicie um fluxo discursivo ilimitado, uma vez

que o Facebook oferece as opções de comentar e compartilhar, podemos pensar em

continuidades e descontinuidades. A continuidade para onde caminhava a postagem é

interrompida, é descontinuada e assume-se nesse comentário uma outra direção. Temos aqui

um antiprograma, ao qual corresponde um fazer remissivo, como valores de inibição, stase e

parada (ZILBERBERG, 2006b, p. 134).

Ao possibilitar a instituição de antiprogramas, a rede social confere aos seus discursos a

possibilidade de se aumentar sobremaneira a passionalidade, uma vez que sem uma

descontinuidade, a continuação tende ao relaxamento, é fadada à atonia.

Nesse comentário, palavras como “desculpa”, “acho”, “livre arbítrio”, “respeitar”,

“escolhas” criam uma isotopia contrária àquela da intolerância. Há, nesse enunciado, um

discurso que apela não contra à expressão de uma opinião contrária, mas sim contra o que

classifica como “agressões verbais”.

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Interferindo no andamento desse grande enunciado em construção, o texto abaixo apresenta

uma réplica ao comentário:

O mesmo narrador da postagem busca retomar a direção do discurso que vinha produzindo,

instalando a parada da parada, instituindo valores de ardor e arroubo (ZILBERBERG, 2006b,

p. 134) e retomando o discurso de hostilização, embora tenha nesse momento editado a

postagem e não mais dirija a carga passional ao povo do Nordeste diretamente. Há nesse

enunciado, na verdade, uma justificativa do narrador da validade do primeiro enunciado: “Eu

não agredi ninguém”, “as pessoas infelizmente se contentam com pouco”, “postei algo no meu

perfil”, “os comentários estão no meu perfil”, “não entramos no perfil de ninguém”, “política

não se discute”, “cada um com a sua opinião”. Esse narrador afirma agora a ideia de que por

publicar algo no seu próprio perfil e por ser um tema político, não há necessidade de qualquer

discussão.

Vemos aqui a ampliação do limite entre o que é e o que não é ofensivo, bem como uma

instabilidade para a demarcação do que é privado e do que é público. Esse narrador afirma que

sua publicação figura num espaço privado, muito embora esteja compartilhada com seus amigos

e seguidores.

Chama a atenção nesse enunciado também a concepção de que “política não se discute”.

De acordo com Eco (1995, p. 6), “nenhum sincretista é capaz de suportar a crítica”. Aceitar a

discussão sobre a política seria para o autor dessa postagem abrir-se a uma possibilidade de

diversidade. Contudo, na lógica protofascista existe o “medo natural da diferença”. Esse

fechamento, essa exclusão de qualquer debate, carrega, então, um traço protofascista.

Na sequência desse enunciado, o texto a seguir apresenta a tréplica:

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Esse texto vai reivindicar uma “ética”, insistindo que, embora haja validade da revolta, não

se justificam as ofensas. Acima de tudo, esse narrador vai estabelecer um limite distinto para o

público e o privado, defendendo a ideia de que numa rede social as opiniões são divulgadas

publicamente.

Vemos que nessa sequência de enunciados, os quais figuram na timeline do Facebook como

uma única composição, o debate converge, ao final, aos limites do público e do privado. De um

lado temos o posicionamento de um narrador que defende uma maior amplitude do que é

público, justificando a publicação de opiniões e ideias mesmo que com características de

discursos da ordem do privado. Do outro lado, há um narrador que defende um funcionamento

dito ético, definindo-se limites mais restritos para aquilo que vai a público.

Vemos nesses enunciados também, tomados como um todo, um discurso que, ao misturar

diferentes vozes, programas e antiprogramas, parece misturar ideias, afirmar os valores de

universo, mas que na verdade opera triagens em seus enunciados tomados isoladamente. Há no

Facebook pseudomecanismos de democratização.

De acordo com Barros, o sujeito dos discursos na internet é,

colocado na posição de homem público a ele são atribuídos o poder e o saber que

caracterizam a internet. Somam-se a esses atributos a intensificação da interação e seu

alargamento e alcance. O resultado são discursos em que a expressão do preconceito

tão ou mais do que no discurso político, incita e justifica, com seu saber e poder, as

ações intolerantes contra o “diferente” (2014, p. 11).

Os recursos da internet conferiram a esses enunciados a possibilidade de se divulgar

opiniões, mesmo que hostis, de se procurar um “culpado” a ser atacado, mesmo que

incoerentemente, além de se alcançar uma grande visualização e validação, e ainda encontrar

justificativa para que sejam transmitidas. A rede configura-se, assim, como tonificadora de

características protofascistas.

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Outra caraterística do protofascismo apontada por Eco, diz respeito ao culto ao heroísmo e

à morte:

todos são educados para se tornarem Heróis. Em todas as mitologias, Herói é um ser

excepcional, mas na ideologia protofascista o heroísmo é a norma. Esse culto ao

heroísmo está estreitamente ligado a um culto da morte. Não é por acaso que uma das

palavras de ordem dos falangistas era viva la muerte. (...) O herói protofascista deseja

a morte anunciada como a melhor recompensa de uma vida heroica (1995, p. 8).

Considerando-se, então, um contexto em que há um enfraquecimento das estruturas

políticas, expresso no processo de cassação da presidente da república, bem como um contexto

marcado por uma bipolaridade, a figura do herói tem terreno fértil para ser produzida. Dessa

forma, muitos políticos vão buscar construir esse éthos heroico, mas nenhum outro vai alcançar

tanto destaque no Facebook quanto o candidato Jair Bolsonaro11. Em sua página oficial no

Facebook, Bolsonaro tem 5,2 milhões de curtidas; Lula 3,1 milhões; Marina Silva 2,3 milhões

e Geraldo Alckmin 914 mil.

Vejamos uma das postagens de Bolsonaro no Facebook:

Nessa publicação de Bolsonaro, vemos o candidato ao lado dos quadros dos ex-presidentes

João Figueiredo e Emílio Garrastazu Médici. Evoca-se, por meio dessas figuras, o tema da

ditadura militar. Na construção desse enunciado, Bolsonaro coloca-se num efeito de

11 Jair Messias Bolsonaro é um militar da reserva e político brasileiro. Cumpre em 2018 o sétimo mandato na

Câmara dos Deputados do Brasil, eleito pelo Partido Progressista (PP). Em janeiro de 2018, anunciou sua filiação

ao Partido Social Liberal (PSL). (https://pt.wikipedia.org/wiki/Jair_Bolsonaro- acesso em 01/01/2018)

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similaridade aos ex-presidentes, apontando não só as construções ideológicas que defende,

como também a possibilidade de ser presidente.

O que acontece, na rede, é que o tema da ditadura militar, e, por conseguinte, da repressão

e do estado de exceção, evocado por esse enunciado, presentifica-se e adensa-se por meio da

quantidade de curtidas e, principalmente, dos comentários:

Nessa montagem feita por um seguidor de Bolsonaro, vemos a construção do éthos do herói

denotado pelas medalhas e pelo uniforme. Vemos que o éthos de Bolsonaro é construído na

rede de maneira colaborativa com seus seguidores.

Outro comentário que reforça os traços protofascistas evocados pelo tema da ditadura

militar é o seguinte:

Esse comentário carrega as marcas do primeiro traço do protofascismo elencado por Eco:

“o culto à tradição”. Ao defender valores da “moral e bons costumes”, esse sujeito defende

valores de pureza, de triagem.

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Um dos elementos recorrentes nas publicações de Bolsonaro no Facebook é a polêmica.

Num espaço como a rede social, a polêmica adquire importância enquanto elemento incitador

da interação e da visibilidade, uma vez que, ao colocar em conflito o choque de opiniões, a

polêmica agrega vozes permitindo os excessos sem a necessidade da violência física.

Além da apologia à ditadura militar, outro assunto polêmico em que Bolsonaro está envolto

é a questão do desarmamento. Vejamos uma postagem a esse respeito:

Nessa postagem, além do claro culto à morte evocado pela arma de fogo, Bolsonaro cita

frases proferidas pelo cantor Gustavo Lima numa entrevista ao programa de televisão

Fantástico. Essas frases citadas por Bolsonaro lembram palavras de ordem, pela simplicidade

de suas construções e pouca reflexão em seus argumentos. Esse tipo de enunciado condiz com

outra característica do protofascismo postulada por Eco:

Todos os textos escolares nazistas, ou fascistas, tinham base num léxico empobrecido

e numa sintaxe elementar, de modo a limitar o desenvolvimento dos instrumentos do

raciocínio complexo e crítico (1995 p. 6).

O protofascismo tem como uma de suas principais características o fechamento ao discurso

do outro. Ao discursivizar a triagem, existe no discurso protofascista veiculado no Facebook,

por meio de uma correlação inversa, a elevação de sua valência intensiva na mesma medida em

que se diminui sua valência extensiva. Se levantarmos a hipótese de que “o quantum de afeto

‘disponível’ seria constante e divisível, de tal maneira que, se a operação de triagem se tornou

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impraticável, o quantum de afeto atribuído a uma única grandeza é máximo ou, por outras

palavras, sublime” (ZILBERBERG, 2004, p.3).

Assim, há nesse discurso uma grande quantidade de carga afetiva e uma extensidade

mínima. Ao constituir valores de absoluto, caminhar para a unidade, há uma melhor

concentração da carga afetiva.

A esse respeito, Fiorin explica que,

quando se discursiviza a triagem da triagem, com vistas à pureza, afirma-se a

superioridade da triagem sobre a mistura, preconizando os valores do absoluto, como

fazem os discursos racistas [...] (2011b, p. 32).

É possível afirmar então que esse tipo de discurso endossa a construção de valores da

segregação, classicista, autoritário, próximo ao discurso racista. Além disso, esse discurso não

permite uma reflexão mais pausada e agregadora de pontos de vista. Nesse sentido, é um tipo

de discurso que favorece um “frenesi histérico”, a criação de massas bastante passionais e pouco

dadas à reflexão. Dessas massas trataremos nas análises seguintes.

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2.1.2. A massa

Como já dissemos anteriormente, a constituição da rede social Facebook remete, num

primeiro olhar, a uma presença mais orientada ao acolhimento de valores de universo. Há nessa

rede uma mistura de enunciados, de vozes, de materialidades e de valores. Contudo, temos visto

que essa rede, na verdade, possui um funcionamento paradoxal e, portanto, há, ao mesmo tempo

núcleos altamente tonificadores de valores de absoluto, como os discursos protofascistas, por

exemplo.

Quando se concentra elementos de uma mesma natureza, marcados por uma alta

intensidade, num único ponto, temos a presença do que aqui chamamos de massa. De acordo

com Canetti, o homem, por natureza, teme o contato com aquilo que desconhece e evita o

contato com aquilo que lhe é estranho. Há nesse temor do contato a busca por conhecer ou ao

menos classificar qualquer presença desconhecida. Contudo, na formação de uma massa é

possível ao homem libertar-se desse temor do contato:

Tão logo nos entregamos à massa não tememos o seu contato. Na massa ideal, todos

são iguais. Nenhuma diversidade conta [...]. Quem quer que nos comprima é igual a

nós. Sentimo-lo como sentimos a nós mesmos. Subitamente, tudo se passa então como

que no interior de um único corpo. Talvez essa seja uma das razões pelas quais a

massa busca concentrar-se de maneira tão densa: ela deseja libertar-se tão

completamente quanto possível do temor individual do contato. Quanto mais

energicamente os homens se apertarem uns contra os outros, tanto mais seguros eles

se sentirão de não se temerem mutuamente (1995, p. 14).

O prazer de estar nas multidões é uma expressão

misteriosa do desfrute da multiplicação do

número.

Fontanille e Zilberberg

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Na massa instituída emerge um sentimento de unidade muito forte, os corpos se

comprimem uns contra os outros e todos tornam-se iguais a ponto de as identidades se fundirem

“num único corpo”. Ora, é essa mesma lógica que vemos em muitos discursos veiculados no

Facebook. Há, a princípio um individualismo exacerbado e a busca por defender-se e aniquilar

o outro. Entretanto, na formação de uma massa de comentários, as diferenças entre aqueles que

se juntam são abandonadas e o temor do outro transforma-se no seu oposto, o desejo de união.

Temos a triagem da triagem. Essa operação, ao atingir esse limite, é capaz de desencadear uma

intensidade altamente elevada. Vejamos.

Comecemos a análise a partir da seguinte notícia publicada na página do G1 no Facebook:

No dia 29 de setembro de 2017, em ação comandada pela prefeitura de São Paulo, a Guarda

Civil Metropolitana retirou usuários de droga do espaço que ocupavam na esquina da Rua

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Helvetia com a Alameda Cleveland, a Cracolância. No relato da ação noticiada pelo G1,

testemunhas dizem que as mulheres foram obrigadas a ficar nuas para revista íntima.

Essa publicação do G1 traz uma notícia divulgada primeiramente na televisão. Publicá-la

no Facebook é uma maneira de conceder maior abrangência à visualização da notícia. Essa

ampliação da visualização, contudo, não é isenta de consequências, uma vez que há diferenças

bastante significativas na maneira como a mesma notícia é recebida pelo público nas diferentes

plataformas.

No Facebook o recurso aos comentários dos receptores da notícia irá orientar as isotopias

e conceder maior carga afetiva à notícia:

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A primeira observação a fazermos é a de que no funcionamento do Facebook há a tendência

de os comentários serem impulsionados uns pelos outros. Quanto maior o número de

comentários e curtidas, mais bem valorizada é a postagem, ou seja, a visibilidade é elemento

definidor do sucesso da publicação. Dessa forma, sendo desejo dos usuários do Facebook serem

vistos, pois essa é a condição mínima para suas existências na rede, todos são impulsionados a

interagir com a publicação. É assim que se junta uma multidão, na qual todos se influenciam e

se comovem mutuamente, gerando uma massa bastante densa.

Na massa de comentários em análise, vemos a construção do antissujeito: os usuários de

droga. Esses antissujeitos impedem a obtenção do objetos-valor “ordem”, “família”, “limpeza”.

São, por isso, sancionados por esse julgador massivo. Nesse julgamento, é recorrente a isotopia

da aniquilação, principalmente por meio do fuzilamento.

Ao tratar do comportamento da massa, enquanto erupção de um grupo de pessoas, Canetti

expõe que,

[...] a massa destrói preferencialmente edifícios e objetos. Como frequentemente se

trata de coisas quebradiças – como vidraças, espelhos, vasos, quadros, louça –,

inclinamo-nos a acreditar que é justamente esse caráter quebradiço dos objetos que

estimula a massa à destruição. Seguramente o ruído da destruição – o espatifar-se da

louça, o tinir das vidraças contribui de modo considerável para o prazer que se tem

nela [...]. O fato de ser tão fácil provocá-los intensifica-lhes a popularidade: todos

gritam em uníssono, e o tinir é o aplauso dos objetos. [...] O barulho promete o

fortalecimento pelo qual se espera, constituindo ainda um feliz presságio dos feitos

que estão por vir (1995, p. 18).

Da mesma maneira como a massa que caminha por espaços físicos é estimulada a atacar

elementos quebradiços para seu fortalecimento, vemos que o querer-aniquilar pessoas usuárias

de drogas, advém desse desejo de ataque a elementos que carregam a semântica do ser

quebradiço.

Ora, a imagem das usuárias de drogas, vivendo em situação de rua, no mais precário nível

de saúde física, emocional e financeira, carrega o traço da fragilidade, o qual impede qualquer

tipo de defesa de si, tanto do ponto de vista físico, quanto axiológico, uma vez que são

subjugadas pelo vício.

Essas usuárias de drogas carregam as diferenças que provocam medo e ódio, e contra as

quais busca-se demarcar fronteiras. Elas são consideradas como aquelas que podem causar

danos, por não terem cumprido os pactos sociais e terem desrespeitado os valores instituídos.

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Uma vez instituídos esses antissujeitos, emerge contra eles, por meio dos recursos

oferecidos pela plataforma online do Facebook, uma massa altamente passional que buscará

aniquilar esse antissujeito. Destruir portas e janelas é destruir obstáculos, elementos que

impedem o avanço da massa. Semelhantemente, o aniquilamento das usuárias de droga é para

a massa a destruição de um obstáculo. Além disso, essas mulheres são constituídas como um

referente, são objetos de “julgamento” e não sujeitos, pois não podem falar. Atacar elementos

quebradiços é uma maneira da massa elevar sua força e adensar seu espírito de coesão.

A mediação do celular ou do computador, ainda, coloca o falante numa posição de

segurança e conforto. Não se manifestam os atores sociais propriamente ditos, carregados de

maior intensidade de responsabilidade sobre o dito, mas sim avatares, dotados de um

esvaziamento da responsabilidade. Além da depuração da subjetividade na massa, a

manifestação por meio de um avatar permite, ainda, aos usuários do Facebook, atuarem sob

uma “despersonalização”, que autoriza manifestações de ódio e violência verbal sem o risco de

sanções.

Vejamos outro exemplo de publicação que desencadeou um comportamento de massa:

No dia 16 de julho de 2017, o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior, fez a

seguinte publicação em seu perfil no Facebook:

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Nessa época, ocorria, ao mesmo tempo, dois acontecimentos sem ligação imediata

nenhuma entre si, mas juntados num todo significativo pelo prefeito: a chegada do inverno e a

estreia da sétima temporada de Game Of Thrones12.

Na postagem, o prefeito aproxima todos os sentidos despertados pela chegada do inverno à

isotopia do frio presente na série Game Of Thrones, figurativizada por um White Walker, um

vilão da série, espécie de zumbi de gelo.

12 Game of Thrones é uma série de televisão norte-americana criada por David Benioff e D. B. Weiss, e baseada

na série de livros A Song of Ice and Fire, de George R. R. Martin. A primeira temporada da série estreou em 17

de abril de 2011, na HBO, nos Estados Unidos. Até agora, sete temporadas já foram exibidas e a oitava e última

temporada estreia em 2019. Muito aguardada desde seus primeiros estágios de desenvolvimento, Game of Thrones

foi muito bem recebida pela crítica especializada. Conquistou o Emmy de melhor projeto de créditos principais, e

possui uma das melhores notas entre os telespectadores para séries em exibição no site IMDb. Game of Thrones

ganhou 38 Emmys, mais do que qualquer outra série de televisão. A série entrou para o Livro de Recordes como

a série dramática com a maior transmissão simultânea ao redor do mundo

(https://pt.wikipedia.org/wiki/Game_of_Thrones - acesso em 15/06/2017).

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Percebemos nesse enunciado a construção de valores ligados ao humor, à jovialidade, à

brincadeira. A imagem de um prefeito que conhece das novidades do mundo do entretenimento,

um prefeito contemporâneo. Institui-se o éthos de um enunciador “descolado”, alegre, bem-

humorado, empático, sem a sisudez habitual do papel temático do político. Cria-se ao mesmo

tempo uma proximidade com o público, afinal, trata-se de uma brincadeira, algo pertencente ao

espaço da vida privada, endereçado diretamente para seus “amigos” de rede social.

Quando verificamos outras publicações desse prefeito, percebemos que é exatamente essa

a imagem que ele busca construir junto ao seu público, de um sujeito divertido e descolado:

A leitura do enunciado do White Walker feita pelo público, revelada por meio de seus

comentários, que realmente a isotopia do humor e da brincadeira com a série Game Of Thrones

foi depreendida e sancionada positivamente:

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Na sequência, contudo, uma nova isotopia é trazida à postagem, conferindo outra leitura

ao enunciado:

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Nessa nova leitura, a figura do viaduto, cenário do “aparecimento” do White Walker é

reconhecida como local de abrigo para moradores em situação de rua. Essa nova leitura

desencadeia outra isotopia e reatualiza os valores da publicação. Agora, o prefeito é alguém que

não leva seu trabalho a sério e desdenha dos moradores de rua.

O gatilho para essa nova leitura vem de um discurso externo: na manhã seguinte à

postagem, um morador de rua foi encontrado morto por hipotermia, no mesmo local retratado

pela imagem (https://www.revistaforum.com.br/enquanto-morador-de-rua-de-porto-alegre-

morre-de-frio-prefeito-faz-piada-com-zumbi/ - acesso em 15/15/2017).

Estamos diante de um enunciado inacabado, dinâmico e interativo. Além de recursos

técnicos que permitem que sejam feitas adaptações e reedições, os enunciados veiculados no

Facebook carregam características de um texto falado em ato, materializando nos enunciados a

participação efetiva do leitor como coenunciador. No Facebook, as mais diversas focalizações,

por coexistirem juntas e sem uma ordenação pressuposta, concedem aos enunciados uma maior

intensidade perceptiva numa maior abrangência extensiva, operando, então, sob o modo de

existência da apreensão. Quando, em qualquer postagem, há o espaço aberto para o debate, o

modo de existência da apreensão faz-se bastante evidente, ligando-se ao sobrevir, pois qualquer

informação pode irromper subitamente e agregar novos pontos de vista (ZILBERBERG, 2007,

p. 18).

Nesse sentido, a nova isotopia estabelecida pelos comentários instaura uma parada. Rompe

com a direção assumida pelo discurso anterior, produz a retenção do tempo e do espaço e

estabelece um antiprograma. Esse antiprograma é carregado de surpresa e assomo, altamente

passional numa velocidade acelerada:

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Vemos que, da mesma forma como nos comentários que defendiam o aniquilamento das

usuárias de droga, há aqui a formação de uma massa que caminha em direção ao aniquilamento

do prefeito. De maneira rápida, um comentário se une ao outro, em tons carregados de paixão

de ódio e raiva, indo desde xingamentos até ameaças de morte. Barros, ao tratar de discursos

intolerantes da internet, que se caracterizam como discursos do excesso, explica que:

o argumento do excesso serve-se, [...] de “palavrões” ou de termos considerados

vulgares, em xingamentos e ofensas próprios do discurso da descortesia, que ameaça

romper a interação como uma forma de reforçá-la (2016, p.18).

Não há nesses comentários reflexões que analisem de forma ponderada e argumentativa.

Há, na verdade, um predomínio da emoção, que leva o sujeito a agir impulsiva e

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exageradamente. A interação é, no Facebook, o meio pelo qual os sujeitos podem ser vistos.

Dessa forma, atores excessivos, fundamentados no exagero de pontos de vista, intensificam sua

presença. Ao agregarem-se, ainda, a outros sujeitos também excessivos, elevam a multiplicação

do número ao mais mais, ao prazer de uma presença extremamente hiperbólica.

No gráfico tensivo, podemos representar essa massa da seguinte maneira:

Quanto mais se concentram os elementos que compõem a massa, maior é o denodo, ou seja,

a ousadia, a afoiteza, a agitação, a turbulência, a violência. Tem-se, dessa maneira, um

sentimento de unidade muito forte, ao contrário da dispersão que, quanto maior, maior é o

sentimento de medo.

Essa massa é também um julgador social. Um corpo que de maneira muito rápida e

abrangente tudo vê, vigia e ataca o que considera hostil. Com o recurso da expansão espaço-

temporal oferecido pela internet, e a valorização dessa expansão, vemos alteradas as maneiras

de se perceber o andamento, que se torna acelerado. No momento em que esse andamento

acelerado rege a espacialidade, surge a ubiquidade como modalidade de difusão. Tocado pelo

impulso do deslocamento, o ubíquo dá, então, a impressão de estar presente por toda parte. Essa

máxima visibilidade leva, em última instância, às tensões entre os limites do público e do

privado, que trataremos a seguir.

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2.1.3. O público e o privado

No dia 22 de abril de 2015, uma frase dita, no contexto de uma aula, pelo professor de

Direito da PUC-RS, Fábio Azambuja, e divulgada por um aluno no Facebook alcançou uma

grande repercussão, dividindo opiniões.

Esse enunciado é a postagem feita pelo aluno no mesmo momento em que assistia à aula.

Essa concomitância entre a postagem e o fato narrado intensifica o efeito de verdade da

publicação, uma vez que é acrescido ao enunciado um caráter testemunhal. As aspas colocadas

pelo narrador também criam um efeito de verdade, uma vez que simulam a voz do próprio

professor, por meio de uma desembreagem de segundo grau. Apesar de não haver um dizer

explícito da intencionalidade do narrador dessa postagem, chama a atenção também o uso das

reticências ao final do enunciado, indicando uma suspensão de pensamento, sugerindo uma

continuidade, um silêncio significativo, impondo que a conclusão do pensamento seja feita pelo

narratário pressuposto.

Tratando de uma temática bastante em discussão na atualidade, os embates de gêneros, a

postagem rapidamente atrai a atenção de inúmeros usuários da rede, alcançando 256 curtidas e

The new electronic interdependence recreates the

world in the image of a global village.

Marshall McLuhan

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158 compartilhamentos. Há, dessa forma, uma grande potencialização da sua força de

arrebatamento.

Ao pensarmos que essa frase foi retirada de um contexto de aula, um espaço que funciona

mais na ordem do privado, por ter um acesso mais restrito, e foi publicada numa rede de

divulgação pública, percebemos que a internet possibilitou uma alta densidade e uma máxima

expansão da presença desse enunciado. Há uma invasão do que, até então, era considerado

privado, no público. Certamente, esse funcionamento não é isento de consequências.

Podemos, a princípio, caso não pensássemos que a frase é retirada de seu contexto, supor

que o professor de Direito rompe completamente com seu papel temático. Por outro lado,

podemos pensar que o próprio aluno também rompeu com o seu papel temático, uma vez que

estava manuseando o dispositivo móvel e dialogando externamente, em vez de questionar,

criticar ou se posicionar dentro da própria aula. Contudo, o papel temático do aluno não é

questionado num primeiro momento e a postagem, imediatamente, adquire um impacto muito

grande:

Nesses comentários, observamos a reação dos efetivos leitores da publicação em questão.

Vemos que as primeiras reações denotam o espanto, a face de um sujeito frente a um

acontecimento que irrompe seu campo de presença.

O acontecimento é um sincretismo compreensível como interseção dos três modos

seguintes: o sobrevir para o modo de eficiência; a apreensão para o modo de

existência; a concessão para o modo de junção (ZILBERBERG, 2007, p. 24).

O acontecimento, para o sujeito perceptivo, é aquela presença que se impõe de forma

bastante abrupta e imprevista, desestabilizando esse sujeito e fazendo com que tenha que lidar

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com um índice muito alto de surpresa e assomo. Possui um caráter extremamente intenso e

hiperbólico, causando impacto, ao invadir o campo de presença do sujeito.

Nesses comentários, então, o sujeito desestabilizado busca, por mais inconsequente que

seja, organizar sua percepção, tentando, para isso, qualificar, pejorativamente, o professor

(“babaca”) e a ação (“apologia ao estupro”). O mesmo ocorre no comentário abaixo:

Esse enunciado evidencia um sujeito arrebatado, que busca atenuar a força do

acontecimento ancorando-se em papéis temáticos estereotipados (“O Azambuja é muito idoso,

não me espanta ele ter falado”, “Coisa mais triste tu ter que ouvir isso vindo de um advogado”).

Começamos a ver uma diversidade de vozes dando sequência à publicação inicial,

parecendo ser uma abertura da mistura, mas que na verdade é um fechamento operado por

pequenos núcleos de triagem.

Nesses comentários, forma-se um outro núcleo: o da militância por uma reação. Esse

enunciado é o do sujeito diante de um contrato quebrado, diante de uma falta instaurada pelo

outro. Essa falta então deve ser reestabelecida, e, nesse caso, “fazer alguma coisa” é a maneira

para isso.

É, contudo, nos textos a seguir que a busca por supressão da falta vai encontrar a força

máxima:

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Há aqui a ampliação dessa busca por reação, pois o narrador não só valida a ideia de uma

punição ao professor, como também constrói uma narrativa que já efetua a sanção.

Depois, outro comentário traz a ideia de ampliar a divulgação por meio da imprensa, que

assume aqui um papel de validação oficial – fato que realmente aconteceu, sendo publicado em

diversos jornais, como o Zero hora, de 24 de abril de 2015, por exemplo.

No texto abaixo, por fim, alcança-se a força máxima da sanção, pois cria-se a isotopia da

ação criminal (“estupro”, “vítima”, “crime”), elevando a ação do professor à categoria de crime:

Vejamos agora a seguinte postagem:

Nesse texto, por sua vez, instaura-se uma parada no contínuo em que vem se desenvolvendo

o discurso. Esse é um discurso em defesa do professor, que, por meio de um tom mais ameno,

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o narrador diz que houve, na verdade, uma ressignificação do sentido originalmente buscado

pelo professor em sala de aula, uma vez que a frase foi colocada em um contexto diferente do

original.

Em resposta ao conteúdo desse enunciado, que também foi produzido em outras postagens,

há enunciados que retomam o fluxo passional da crítica ao professor e defendem a opinião de

não haver uma piada na frase:

Podemos dizer que há na verdade, nesses três últimos enunciados, um embate entre

argumentos com dados em exercício em raciocínios preferíveis. Não necessariamente uma

resposta correta, mas sim a procura por um argumento mais adequado para a situação. Nesse

sentido, Fiorin explica que,

os raciocínios preferíveis são aqueles cuja conclusão é possível, provável, plausível,

mas não necessariamente verdadeira. [...] Destinam-se a persuadir alguém de que uma

determinada tese deve ser aceita, porque ela é mais justa, mais adequada, mais

benéfica, mais conveniente e assim por diante (2015, p. 18).

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No texto abaixo, há a representação da fala de uma testemunha que estava em sala de aula:

Esse enunciado produz um efeito de verdade e de concomitância com o momento do fato

em questão, simulando a fala de uma mulher, a qual, dentro do seu papel temático, diz que os

alunos acataram a piada. Esta, por sua vez, não tinha a intenção de ofender, mas pelo contrário,

de criticar as situações de violação das mulheres e da lei. O texto abaixo segue essa mesma

lógica e traz um discurso da confiança em “quem estava na sala de aula”:

Por fim, os textos a seguir chamam a atenção por explicitarem o entrave entre os limites do

público e do privado:

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O primeiro deles afirma ser a aula um espaço público, em que o aluno, então, ao divulgar a

frase do professor, não fez nada além de divulgar aquilo que já é da égide da divulgação. No

segundo, o narrador agradece o fato de o aluno ter publicado algo que deve ser discutido.

Ao observarmos todo o desenrolar que a publicação feita pelo aluno desencadeou13, vemos

que os recursos da internet, embora possibilitem o efeito de mistura e levem o espaço privado

para o domínio do público, não possibilitam que os interlocutores envolvidos estejam

fisicamente presentes no lugar de produção da frase inicial. O professor, como produtor da

mensagem, tampouco, seria capaz de monitorar a ampla gama de respostas para ajustar o seu

desempenho a elas. Dessa forma, há um jogo de pontos de vista que impele ao debate

extremista.

A possibilidade de conexão, principalmente com a mobilidade do celular, mostrou-se nesse

caso um potencial mecanismo de ressignificação dos espaços. O discurso na internet mostrou-

se um elo entre o funcionamento privado (sala de aula) e o público (rede social).

As características técnicas do suporte da internet, como a velocidade e a amplitude de sua

divulgação, o seu caráter responsivo e a sua facilidade de criação e divulgação dos enunciados

são fatores que amplificam os traços tensivos dos seus discursos, instituindo um modo de

presença em que o ver e o ser visto exercem papeis fundamentais.

Na rede, ser visível é condição primordial para a existência, tornando-se um valor a ser

buscado, mesmo que obstinadamente. Não são poucos, por exemplo, os casos de publicações

não autorizadas de arquivos que expõem a intimidade de pessoas famosas ou não.

Se a visibilidade é, por um lado, vivida como uma espécie de obrigação que pode levar a

expor de maneira violenta aquilo que se quereria invisível, por outro, por tornarem-se cada vez

mais visíveis, discursos provenientes das chamadas minorias sociais têm aumentado sua

densidade de presença e ampliado seu alcance e significação social.

13 Em contato com a Secretária da Faculdade de Direito da PUC-RS, obtivemos a informação de que o caso foi

levado a instâncias superiores e não há mais detalhes de como se deu a resolução entre os envolvidos. Contudo, o

professor mantém-se no quadro de docentes, não havendo nenhuma alteração do vínculo do professor e a

instituição.

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Tem-se, dessa forma, uma verdadeira contradição: a visibilidade, ao mesmo tempo em que

é imposta, é também indispensável para a existência e reconhecimento. Demanda desse modo

de funcionamento, um estilo enunciativo da divulgação, em oposição ao estilo enunciativo da

retenção, conforme a proposta de Zilberberg:

para o estilo retensivo é a intensidade que é pertinente, exatamente pelo fato de evitar

sua decadência, ao passo que, para o estilo da divulgação, é a extensidade, cuja

ampliação é favorecida no atual momento pela instantaneidade e pela gratuidade da

informação, que detém a “acentuação de sentido” (2007, p. 15).

Vejamos alguns exemplos que demonstram essa primazia da divulgação:

No dia 21 de setembro de 2016, um grupo de alunos da escola estadual Antonio Engracio

da Silva, na Serra-ES, flagrou cozinheiras da escola jogando a merenda no lixo. Uma das alunas

gravou a cena em seu smartphone, imediatamente postou o vídeo no YouTube e o compartilhou

em seu perfil na rede social Facebook. O vídeo rapidamente viralizou, recebendo milhares de

visualizações e sendo divulgado em grandes mídias de notícia, como o G1-ES e a Folha de

Vitória, de 22 de setembro de 2016, por exemplo.

No vídeo de aproximadamente 40 segundos, duas merendeiras, sob vaias e protestos dos

estudantes, jogam, com o auxílio de um prato, todo conteúdo da panela em um saco de lixo.

Na publicação, vemos claramente a instituição de um efeito de sentido de denúncia, uma

vez que no enunciado, num jogo entre as modalidades veridctórias, vemos um sujeito fazer-

parecer-verdadeiro aquilo que existiria de modo secreto, pois é, mas não iria parecer. Além

disso, instala-se um observador social que julga negativamente, uma vez que a ação dos atores

“merendeiras” é inadequada ao seu papel temático, além de se tratar, em conformidade com os

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valores sociais de uma sociedade que tem alto número de pessoas que passam fome, de

desperdício de alimentos.

Com a publicação do vídeo numa rede social, amplia-se aquela narrativa a uma máxima

extensão, para além do espaço da cozinha da escola. Da mesma forma como aumenta a

densidade de presença do olhar observador social que sanciona negativamente a ação ali

apresentada. Essa imagem de um enunciador que sabe, pois viu, divulgando uma denúncia de

interesse social, alinha-se à imagem de um enunciatário do querer saber e é valorizado

positivamente, uma vez que “a divulgação de um conteúdo precioso é significativa e

experimentada como partilha altruísta” (ZILBERBERG, 2007, p.15). Incorpora-se ao vídeo

uma validação positiva da divulgação: divulgar esse tipo de ato é importante e necessário.

Ao ser divulgado pela grande imprensa, esse texto tem sua força de arrebatamento também

tonificada, aumentando seu impacto sensível. A divulgação da imprensa, as curtidas e os

compartilhamentos, ou seja, tudo o que leva ao mais mais do olhar, ao mesmo tempo em que

fortalece o estatuto de verdade do enunciado, enfraquece a barreira do público e do privado.

Nas horas que se sucederam à postagem do vídeo, começou a surgir uma narrativa que

explicava a ação das merendeiras. Explicava-se que, por ter havido muita bagunça na fila da

merenda, a pedagoga da escola ordenou que, caso a fila não se organizasse, a comida deveria

ser jogada fora. Como não houve uma organização, a comida, de fato, foi destinada ao lixo.

Nessa narrativa surge o destinador “pedagoga”, que modaliza as merendeiras, com o dever

fazer.

Contudo, no vídeo divulgado não havia a pedagoga. Logo, o efeito de verdade estava

enfraquecido. Não tardou, pois, a ser divulgado um novo vídeo em que se ouve nitidamente a

pedagoga dizer: “meninas, se der o horário, vocês podem jogar a comida fora, porque eles não

vão comer hoje”.

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Ora, esse último era um vídeo gravado por outro aluno e que, muito provavelmente, não o

iria divulgar, uma vez que não o havia feito, até então. Entretanto, por força da sanção positiva

que o primeiro vídeo recebeu, o segundo aparece, fortalecendo um ao outro a verdade

construída em seus discursos.

Vamos observando que a visualização e a interação oferecidas pela rede orientam ações e,

paralelamente, o andamento dos discursos. Essa orientação que se dá não só pelo recorte que

se faz do fato, mas principalmente pelo viés da densidade da repercussão dos fatos, pode ser

claramente vista quando, após o afastamento da pedagoga por má conduta pelas autoridades

responsáveis, os mesmos alunos iniciaram manifestações para que a pedagoga voltasse para a

escola, pois consideraram a punição muito severa para o erro que ela cometeu, como disse o

aluno Fabiano de Lucas à página do G1-ES: “Da forma como foi exposto o vídeo na mídia, foi

mostrado que ela é uma pessoa completamente diferente do que ela é. Quem vê o vídeo, acha

que ela é uma pessoa ruim. Mas é completamente o contrário”.

Vemos no desenrolar desse enunciado, a instabilidade que a máxima visibilidade traz aos

valores instituídos: ao mesmo tempo em que se valoriza a ampla divulgação e denúncia,

desvalorizam-se as sanções que essa divulgação implica. Tudo isso ligado ao modo de presença

das redes sociais.

Vejamos outra postagem em que é possível verificar a maneira pela qual os regimes de

visibilidade e de interação das redes sociais (re)orientam os valores e o modo de circulação

desses valores.

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No início de agosto de 2016, a seguinte imagem começou a circular nas redes sociais,

gerando uma enorme polêmica e dividindo a opinião dos internautas:

Nesse enunciado, vemos, num saguão de aeroporto, uma possível mãe, sentada em um

banco, usando o celular, enquanto seu possível bebê, está deitado em um pano, sobre o chão.

Ao lado há uma moça, cujo olhar pode ser interpretado como de quem desclassifica a cena que

vê. Na composição desse enunciado acrescentou-se a legenda “Quem deixa o bebê no chão

desse jeito?” (tradução nossa).

Há nesse enunciado, assim como no anterior, um caráter de denúncia. Alguém flagrou uma

cena, a qual considerou inaceitável, e decidiu capturá-la em seu celular e divulgá-la numa rede

social. No momento de apreensão da foto e na subsequente inserção da legenda, é construída

uma narrativa, na qual o ator mãe é o antissujeito e ator bebê é quem está sob o jugo desse

antissujeito. O ator “moça que olha com perplexidade” é a representação/modelo do olhar

inquisidor do enunciatário, no enunciado.

Na construção temático-figurativa desse enunciado, vemos, então: o bebê indefeso, o olhar

perplexo/condenatório de uma moça, o descaso da mãe, o uso indiscriminado do celular, a

contaminação, etc. Ao se formar um todo de sentido juntamente com a legenda, vemos nesse

enunciado uma passionalidade tônica e uma velocidade acelerada. A própria repetição da letra

“y”, na legenda, denota essa aceleração.

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Esse enunciado, na timeline das redes sociais, torna-se um acontecimento, que sobrevém

repentinamente ao campo de presença do sujeito da enunciação, operando uma concessão:

embora seja esperado de uma mãe o maior cuidado com seu filho, entretanto estamos diante de

uma mãe que larga seu filho no chão de um aeroporto e mexe inadvertidamente no celular.

Num tempo muito curto, esse enunciado é compartilhado pelo mundo inteiro, alcançando

milhões de curtidas, compartilhamentos e repostagens, como esta abaixo, que alcançou um

grande número de visualizações, ao direcionar a leitura e endossar a narrativa da postagem

original:

Grandes mídias de notícia também compartilharam a imagem, ampliando o alcance e a

densidade afetiva e validando a verdade ali construída:

Ao enunciado original agrega-se a cifra tensiva da ubiquidade. Há, nele, uma modalidade

de difusão que surge a partir de um andamento acelerado que rege a espacialidade. Tocado pelo

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impulso do deslocamento, então, a ubiquidade nesse enunciado dá a impressão de que ele pode

estar por toda parte.

Escolhemos o compartilhamento da imagem feito pela página de notícias do Uol no

Facebook para acompanhar o desenrolar do discurso construído na imagem. A maioria dos

comentários revelam um olhar que julga negativamente a ação do ator mãe:

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Nesses dois enunciados, além da sanção negativa à perfórmance do ator mãe, vemos que

os argumentos usados para defender o posicionamento assumido nos textos são exemplos da

vida pessoal dessas pessoas. Há uma instabilidade entre preferências individuais vs. leis e regras

coletivas, como se as preferências pessoais devessem valer como modelo para as ações

desenvolvidas nos espaços de uso coletivo. No mesmo sentido, os temas, as figuras e forma de

expressão desses enunciados, normalmente, compõem discursos de círculos mais restritos, da

ordem do espaço privado.

Os discursos abaixo instituem uma parada ao percurso narrativo desenvolvido até aqui:

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A possibilidade de paradas e de paradas da parada conferem um ritmo próprio aos discursos

que circulam nas redes sociais, além de criarem a ilusão de mistura.

Nesses dois enunciados, os argumentos caminham para a direção de se estabelecer uma

preservação da ética da privacidade.

Abaixo, vemos um enunciado que institui uma parada da parada, endossando a verdade do

primeiro enunciado e construindo seus argumentos em três grandes direções distintas: a mãe

tem dinheiro para comprar celular, logo teria dinheiro para comprar um carrinho; há a

possibilidade de alguém pisar no bebê e se isso acontecer, quem pisou não deve ser

culpabilizado; as pessoas que defendem a mãe são as mesmas que defendem animais e

maltratam humanos:

Ora, vemos que na internet, a abertura é máxima e a pluralidade de vozes coexiste, criando

um alto efeito de mistura. Contudo, ao olharmos detidamente para esse último enunciado,

vemos que existe uma alta carga passional concentrada numa extensidade mínima, sem o

distanciamento necessário para uma reflexão mais detida.

Outro tipo de discurso que nos chama a atenção é aquele presente em enunciados que

reclamam uma ética da visibilidade:

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Esses enunciados revelam de maneira explícita a instabilidade entre o visível e o invisível,

o público e o privado. Além disso, eles colocam em questão o tratamento da visibilidade e da

divulgação como valores eufóricos a serem buscados.

Uma semana depois da publicação da imagem da mãe com o bebê no aeroporto, uma nova

narrativa a respeito da foto foi construída na rede. A mãe agora tornou-se Molly Lensing, uma

norte-americana que fora visitar o irmão no Colorado, com a filha de 2 meses. Na volta, após

falhas no sistema da companhia aérea, Molly perdeu sua conexão, e, por não ter recebido

vouchers para que pudesse ficar em algum hotel, foi obrigada a pernoitar por alguns dias no

Aeroporto Internacional Hartsfield-Jackson, em Atlanta. No momento da foto, ela ligava para

que seus pais a buscassem.

Instantaneamente, a mídia e os usuários das redes sociais reescrevem a narrativa da primeira

postagem, sob o viés dessa nova narrativa:

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Há nesse discurso um inacabamento. Cria-se, dessa forma, uma dilatação, um alongamento

do discurso, que se expande no tempo e no espaço.

Ao vermos o caminho que esse discurso percorre desde a postagem inicial, notamos que,

na rede, o observador social assume um caráter múltiplo e aleatório, tanto quanto o são seus

usuários. Não só os discursos, mas também as práticas sociais sofrem influência desse novo

tipo de observador. A fotografia da mãe, cujo bebê dormia no chão do aeroporto, enquanto ela

estava ao celular, deixa de retratar uma atividade possível do cotidiano de quem viaja em

aeroportos, uma leve transgressão do funcionamento daquele espaço, marcada pela

despreocupação com os possíveis sentidos que lhe poderiam ser atribuídos, uma vez que os

viajantes em aeroportos estariam protegidos sob um certo anonimato, uma cena em que há um

esvaziamento da instância do observador, para transformar-se, ao ser publicada na rede, num

fazer-ver espetacularizado, dirigido ao internauta/observador social moralizante. Há um enorme

aumento na densidade de presença do observador.

Cria-se também um ideal de vigilância, pois demonstra que qualquer um pode ser visto,

mesmo em ações corriqueiras, que são desnaturalizadas ao serem amplamente divulgadas. Há,

nesse modo de presença da rede social, uma tensão entre o mais e o menos espetacular em

correlação conversa com o mais e o menos visível. No seu contexto de origem, dentro dos

limites de visibilidade de um aeroporto, a espetacularização da cena pende mais para a atonia.

No momento em que é divulgada a cena numa rede social, a visibilidade atinge proporções

infindáveis, o observador se adensa, e a espetacularização da cena se torna altamente tônica.

Poderíamos pensar que outras mídias como o jornal ou a televisão já operam esse

adensamento do observador social. Contudo, as proporções de espetacularização alcançadas

pela rede social são seguramente muito maiores do que as de quaisquer outras mídias.

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2.1.4 A pós-verdade

Em 2016, o Dicionário Oxford elegeu "pós-verdade" (post-truth) como a palavra do ano.

Todos os anos, a editora de dicionários da instituição britânica divulga a palavra que, naqueles

meses, atraiu um grande interesse. De acordo com o site do dicionário, a frequência de uso da

palavra "pós-verdade" em 2016 aumentou 2.000% em comparação com 2015

(https://en.oxforddictionaries.com/word-of-the-year/word-of-the-year-2016- acesso em

20/08/2017).

Em sua definição, de acordo com o Dicionário Oxford, pós-verdade traz a ideia de que

“fatos objetivos são menos influenciadores na formação da opinião pública que apelos à emoção

ou à crença pessoal”. Ainda de acordo com o site dicionário, o prefixo “pós” não se refere

apenas ao tempo seguinte a alguma situação – como pós-traumático, por exemplo –, mas sim a

“pertencer a um momento em que o conceito específico se tornou irrelevante ou não é mais

importante”.

A escolha de pós-verdade como palavra do ano de 2016 evidencia um fenômeno em

ascensão, um panorama político e social em que a verdade se desfaz como valor a ser buscado.

Com o avanço da tecnologia de conexão, principalmente as redes sociais, contar um fato, hoje,

não basta em si mesmo. Sabemos que ao buscar a adesão do interlocutor à verdade narrada, um

fazer-crer, o enunciador opera estratégias discursivas que produzem um fazer-parecer-

verdadeiro a ser interpretado, consequentemente, como verdade. Contudo, na rede, a interação

e a visibilidade se sobrepõem ao valor do ser e parecer-verdade. Um boato com muitas curtidas

é mais bem avaliado do que uma ponderação fundamentada numa ética de busca por exatidão

e fidelidade, mas sem curtida.

Os devotos do ocultismo creem somente no que

já sabem e lhes confirma aquilo que já

conheciam.

Umberto Eco

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Nesse contexto, a relevância da emoção, crenças e ideias preconcebidas torna-se muito

maior, esvaziando o valor da verdade. Os sujeitos interagem com as informações de modo a

principalmente reforçarem seus próprios hábitos, interesses e opiniões. A exposição a ideias

contrárias é mínima, inexistente, ou tratada de forma hostil.

É certo que a pós-verdade não é um fenômeno novo, pois a construção veridctória é inerente

ao discurso. A propaganda e o próprio jornalismo tradicional, ao tratar as notícias, por exemplo,

sempre operaram a construção da realidade com efeitos mais ou menos emocionais. A grande

diferença em relação a outras épocas reside no fato de que temos hoje ferramentas de conexão

que permitem que qualquer pessoa produza notícias e manipule fatos numa escala imensurável.

Acrescenta-se a isso a velocidade com que as notícias se desenrolam na rede social. Há na

rede a busca por se transmitir tudo no menor tempo possível, para que se possa angariar a maior

quantidade de respostas e interações. Isso, evidentemente, diminui o tempo a ser investido numa

consistência argumentativa e numa qualidade de pesquisa e checagem de fatos.

Em 2016, por exemplo, nas eleições presidenciais nos Estados Unidos, as notícias falsas

foram de grande relevância para a vitória de Donald Trump. Segundo Zarzalejos,

Desde agosto de 2016, antes que os debates presidenciais avançassem durante a

campanha norte-americana, até a véspera da jornada eleitoral, as plataformas de

verificação atualmente em uso – chamadas de fact-checking – contabilizaram até 217

falsidades nos discursos e intervenções dos candidatos, 79% delas atribuídas a Donald

Trump e 21%, a Hilary Clinton. A Unidade de Dados da Univision Notícias, em

Miami, descobriu, uma semana antes da eleição presidencial, que para cada mentira

da candidata democrata, o republicano divulgou quatro (2017 p. 11).

Um exemplo de notícia falsa pró-Trump era a de que o Papa Francisco havia apoiado sua

candidatura:

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Por meio de ancoradores da realidade, como as figuras de Trump e do Papa e de toda uma

construção enunciva, simulando efeitos de verdade, essa notícia foi compartilhada mais de 961

mil vezes (http://uk.businessinsider.com/fake-presidential-election-news-viral-facebook-

trump-clinton-2016-11/#3-pope-francis-endorses-trump-for-president-9. – acesso em

20/05/2017).

O trabalho de produção de efeitos de verdade e de realidade em conjunto com o recurso da

expansão espaço-temporal oferecido pela internet, e a valorização dessa expansão, permitem

que o Facebook seja percebido como uma voz da divulgação de fatos, mesmo que estes sejam

irreais. As curtidas e o compartilhamento, por sua vez, validam a realidade construída nesses

discursos.

No Brasil, durante o processo de impeachment da presidente Dilma, a disputa entre aqueles

que gritaram “é golpe” e aqueles que gritaram “é constitucional”, evidenciou as características

de um mundo em que as decisões são muito mais movidas por meio de paixões e crenças, do

que do raciocínio lógico e da reflexão. Vejamos um exemplo de publicação nesse contexto:

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Nesse período circulou amplamente uma reprodução do que seria a ficha criminal de Dilma

Roussef. Há nesse enunciado um grande efeito de referencialidade, uma vez que reproduz um

fac-símile. Sugere-se, dessa forma, uma cópia exata de um documento real, aumenta

significativamente a intensidade do parecer-ser. Essa estratégia faz com que o referente torne-

se perceptível aos olhos do leitor.

Nesse fac-símile são citados diversos crimes como assalto, envolvimento com terrorismo e

planejamento de assassinato. Trata-se, contudo, de uma simulação apenas, uma montagem

gráfica, pois os dados ali são falsos. Na verdade, a circulação dessa “ficha criminal” em 2016,

retoma um material que já havia sido colocado em circulação em 2009 pelo jornal Folha de S.

Paulo:

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Na ocasião, no dia seguinte à publicação, o jornal divulgou uma errata:

A Folha cometeu dois erros na edição do dia 5 de abril, ao publicar a reprodução de

uma ficha criminal relatando a participação da hoje ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) no

planejamento ou na execução de ações armadas contra a ditadura militar (1964-85).

O primeiro erro foi afirmar na Primeira Página que a origem da ficha era o "arquivo

[do] Dops". Na verdade, o jornal recebeu a imagem por e-mail. O segundo erro foi tratar como

autêntica uma ficha cuja autenticidade, pelas informações hoje disponíveis, não pode ser

assegurada -bem como não pode ser descartada (25/04/2009).

Vemos que a tendência à reprodução de notícias falsas realmente não é algo novo. Fica

evidente nessa errata que o jornal mentiu na época da publicação da ficha: “O primeiro erro foi

afirmar na Primeira Página que a origem da ficha era o ‘arquivo [do] Dops’. Na verdade, o

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jornal recebeu a imagem por e-mail”. A existência da errata, contudo, sugere o diálogo com um

público que valoriza a verdade. Trata-se da construção da imagem de um enunciatário que busca

a verdade dos fatos e de um enunciador que busca recuperar sua imagem de verdadeiro, mesmo

que tenha que articular uma história não crível. No Facebook, por outro lado, a construção de

um discurso verdadeiro não se faz necessária para a eficácia persuasiva. Mesmo que se

interprete uma postagem como falsa, ou seja, não parece e não é, ou como mentirosa, ou seja,

parece, mas não é, essa postagem, dentro do quadro de valores que sustenta, é suficiente em si

mesma.

Vejamos outro exemplo de repercussão de notícia falsa:

Nesse mesmo período de impeachment, essa capa falsa da revista Veja circulou

amplamente pelo Facebook. Somente dessa publicação de onde retiramos esse material, vemos

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que foram feitos mais de 553 mil compartilhamentos. Trata-se de uma simulação, uma

montagem com o intuito de atacar a imagem pública do Lula e do PT.

Na interação com essa publicação, chamaram-nos a atenção os seguintes comentários:

Vemos que o primeiro comentário busca explicar a falsidade do enunciado. Entretanto, na

resposta seguinte, percebemos que as convicções do sujeito exercem mais relevância do que a

falsidade do fato: “que pena que esta capa é falsa, mas o contexto no qual é feita é verdadeira”.

No processo de finalização desta tese, o Facebook anunciou14 mudanças no seu algoritmo

com vistas inibir a disseminação de notícias falsas e aumentar o “bem estar” e a “felicidade”.

14 One of our big focus areas for 2018 is making sure the time we all spend on Facebook is time well spent.

We built Facebook to help people stay connected and bring us closer together with the people that matter to us.

That's why we've always put friends and family at the core of the experience. Research shows that strengthening

our relationships improves our well-being and happiness. [...] – Publicação oficial de Mark Zukerberg -

https://www.facebook.com/zuck/posts/10104413015393571- (acesso em 11/01/2018).

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O algoritmo da rede passou a privilegiar conteúdos de interação pessoal, com amigos e

familiares, em detrimento de conteúdos distribuídos por páginas de notícias e de jornalismo

profissional.

Consideramos importante trazer ao menos um exemplo de postagem feita nesse novo

funcionamento do Facebook, uma vez que nos aponta alguns caminhos a respeito da pós-

verdade nessa rede. Não sabemos ainda ao certo todos os efeitos dessa medida. Contudo,

podemos prever que se intensificarão as bolhas de afinidades e pouco impacto terá na inibição

de notícias falsas, pois familiares e amigos podem produzir e disseminar essas notícias. A título

de exemplo, vejamos a postagem da desembargadora Marilia Castro Neves, ao comentar a

publicação de um amigo advogado no Facebook, a respeito das circunstâncias da morte da

Vereadora Marielle Franco15

15 Marielle Francisco da Silva, conhecida como Marielle Franco (Rio de Janeiro, 27 de julho de 1979 – Rio de

Janeiro, 14 de março de 2018), foi uma socióloga, feminista, militante dos direitos humanos e política brasileira.

Filiada ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), elegeu-se vereadora do Rio de Janeiro na eleição municipal de

2016, com a quinta maior votação. Crítica da intervenção federal no Rio de Janeiro e da Polícia Militar, denunciava

constantemente abusos de autoridade por parte de policiais contra moradores de comunidades carentes. Em 14 de

março de 2018, foi assassinada a tiros. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Marielle_Franco - acesso em 18/02/2018).

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A desembargadora tece acusações baseada em preconceitos, rumores, boatos e suas

próprias convicções, afirmando que Marielle Franco teria sido morta por conta de um acerto de

contas com a facção criminosa Comando Vermelho. Mesmo no papel temático de

desembargadora, o qual alinha-se com o julgamento ponderado e embasado em indicadores

lógicos, há, nessa fala, um discurso extremamente apaixonado e que demonstra muito mais a

preocupação em defender seus próprios valores e crenças, independentemente de qualquer

exatidão factual.

Depois, questionada por muitas pessoas, Marilia faz o seguinte comentário:

Ora, a própria desembargadora diz nunca ter ouvido falar da vereadora. Contudo fez

acusações como se fossem verdadeiras. Vemos neste exemplo, bem como nas análises que

tecemos a respeito da pós-verdade, que, no Facebook, os discursos são modalizados muito mais

pelo crer-verdadeiro do que pelo saber-verdadeiro. Além disso, como elemento definidor da

eficácia desse discurso está um fazer interpretativo ligado ao sentir. Pouco importa a

racionalidade ou a lógica veridictória da verdade. Em lugar disso, importa aquilo que é sentido

pelo interlocutor como verdadeiro, aquilo que está alinhado aos seus sentimentos e desejos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Nesta tese, partimos do princípio de que a rede social possui um funcionamento paradoxal:

é ao mesmo tempo um espaço da divulgação de fatos e da divulgação de boatos, um espaço do

particular e do coletivo, um espaço, por excelência, democrático, da livre troca e existência de

ideias, ao mesmo tempo em que é, também por excelência, um espaço de discursos radicais e

intolerantes.

Buscando, então, compreender a natureza semiótica desse paradoxo, elegemos a rede social

Facebook como objeto de análise e definimos como objetivo depreender, com base nos

pressupostos teóricos da semiótica francesa, o modo de presença dessa rede. Em outras

palavras, buscamos analisar como se dá o processo de percepção do mundo, e que valores

emergem a partir da disposição do sujeito da enunciação dos discursos do Facebook.

No decorrer das análises, percebemos que esse funcionamento paradoxal do Facebook está

diretamente ligado aos efeitos de sentido que emanam dos regimes de visibilidade e interação

específicos dessa plataforma. São cinco os dispositivos essenciais de interatividade no

Facebook: a publicação, as reações, os comentários, os comentários de comentários e o

compartilhamento. Cada um desses dispositivos engendra consequências ao sentido dos textos

veiculados nessa rede social. As reações, comentários, compartilhamentos conferem

inacabamento, dinamismo e obliquidade às publicações, além de, muitas vezes, ressignificarem

a leitura. Funcionam também como indicadores das condições de recepção e, ao impregnarem

o discurso, validam ou não aquilo que está sendo dito.

No Facebook, ver e ser visto é a condição primeira para a existência dos sujeitos. Quanto

maior a repercussão das publicações, mais valorizadas positivamente elas serão. Dessa forma,

tudo pode e deve ser dito por todos, na expectativa de que os interlocutores reajam por meio

dos dispositivos de interação da plataforma. Contudo, depois de se ter ampliado a divulgação

de suas publicações numa grande expansão espaço-temporal e a uma infinidade de diferentes

sujeitos, o usuário do Facebook se vê, afinal, aproximando-se unicamente de pessoas que

compartilham dos mesmos gostos e dos mesmos valores. Há, assim, uma ilusão de mistura e de

liberdade discursiva. O enunciador veicula apenas uma visão de mundo, a qual é assentada em

bolhas epistemológicas, e as asserções são validadas constantemente pelos sujeitos que

constituem a mesma bolha.

Cada uma dessas bolhas epistemológicas são verdadeiros universos complexos, carregando

uma suas formações discursivas, suas próprias formas de vida, seus comportamentos

esquematizados, suas regras de interpretação, seus estereótipos, suas recorrências coerentes do

nível da expressão e do conteúdo, seus valores, seus papeis, etc. Nessa maneira de

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funcionamento, não há efetivamente uma interação entre os diferentes. Os discursos das

diferentes bolhas epistemológicas, são, na verdade, como linhas paralelas que não se cruzam.

Dentro de uma bolha epistemológica, portanto, a existência do sujeito é mais átona ou as vezes

até mesmo inexistente, diluída entre os iguais.

No entanto, existe na rede uma região de máxima interação e de máxima visibilidade: a

região da polêmica. A polêmica, o desacordo que conclama uma tomada de posição, existe

justamente no entrecruzamento de duas ou mais bolhas epistemológicas. Ali, ela convoca e atrai

a interação do grande público, permitindo que cada um se mostre, assuma um posicionamento

e tenha a possibilidade de “aniquilar” a imagem do outro, trazendo para si todo o quantum de

visibilidade. As interações polêmicas assumem papel fundamental na densidade de presença da

rede social Facebook, e é a partir delas que são deflagrados discursos com modos de

funcionamento e presença bastante próprios.

Na região da polêmica no Facebook se dão disputas pela visibilidade, pela existência. Esses

embates não alcançam soluções minimamente razoáveis, pois a verdade dos sujeitos é validada

por tudo o que é visto em suas bolhas epistemológicas. Existe aí uma crise, pois todas as

concepções tornam-se certas e euforizadas. Daí a irrelevância de racionalidade e a exarcebação

das paixões. No diagrama abaixo exemplificamos o funcionamento dessas verdadeiras

“trincheiras”, e elencamos em categorias os discursos provenientes desses embates:

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A partir das análises, pudemos perceber que as categorias que empregamos para organizar

e classificar o corpus funcionam de maneira circular e orgânica, uma vez que cada categoria

facilita/possibilita/intensifica a outra:

Discursos que evidenciam uma tendência da rede social ao protofascismo criam uma

bipolaridade e levam a se produzir o desejo de aniquilação do outro. Esse desejo de aniquilação,

por sua vez, intensifica a constituição de massas. Discursos que evidenciam reações

provenientes da irrupção de uma massa criam um efeito de manada, e fortalecem o ideal de

vigilância, pois os sujeitos assumem-se como os controladores da ordem social. Esse ideal de

vigilância leva à urgência da visibilidade, tudo deve ser visto. Desestabilizam-se, assim, os

limites entre o público e o privado. Ser visto torna-se o mais importante, por isso, compartilhar,

curtir e comentar são os elementos mais valorizados e que devem ser buscados num tempo

muito rápido. Dessa forma, há o enfraquecimento da busca pela exatidão, levando à Pós-

verdade.

A rede social Facebook torna-se com esse funcionamento uma presença extremamente

densa e paradoxal, capaz de reger discussões que ultrapassam os limites do universo online e

de (re)orientar valores e o modo de circulação desses valores. Interação e visibilidade são

movidos pela polêmica, desestabilizando-se, assim, as bases habituais dos sistemas de valores.

A carta de princípios do Facebook soa até mesmo irônica, quando se analisa seu modo de

funcionamento e presença, pois longe de oferecer “transparência”, “abertura”, “entendimento”

e “conexão”, essa rede reforça uma ideologia da individualidade e do exibicionismo. Há, na

rede social, uma falsa sensação de liberdade e de “consciência de mundo”, há um descompasso

entre a consciência do sujeito expressa em seus discursos e a exatidão de fatos. Há a ausência

de um sujeito dotado de razão autônoma e habilitado a formular uma análise racional do mundo,

ao mesmo tempo em que as bolhas epistemológicas alienam esse sujeito, dando-lhe a falsa

sensação de “consciência verdadeira”.

No Facebook, todos podem emitir opinião sobre tudo. Há uma forte sensação de acesso à

informação, ao mesmo tempo em que tudo é muito rápido e vago. Embora a sensação seja de

liberdade de expressão, há uma espécie de censura dissimulada, pois é dada a voz, mas há

ausência de reflexões. Paulo Freire (1965, p. 69), ao descrever uma mentalidade brasileira

incapaz de contribuir para as decisões sobre o destino da nação, consequência evidentemente

do colonialismo instaurado, chama a atenção para o mutismo, uma cultura do silêncio que se

caracteriza não pela ausência de respostas, mas sim pela presença de respostas que carecem de

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criticidade. Vemos, nesse sentido, que o modo de presença do Facebook tem contribuído para

a manutenção e ampliação desse mutismo, dessa censura dissimulada.

Esperamos com esta tese oferecer uma contribuição ao estudo das redes sociais. A

candência desse nosso objeto certamente coloca-nos a exigência de mais aprofundamento,

considerando, inclusive, a quase certeza de que a rede social Facebook seja apenas mais uma

das etapas de uma evolução continua das redes sociais.

Ao suspendermos, por ora, a pesquisa, encerramos com uma postagem feita pelo professor

Alcides Villaça em seu perfil no Facebook:

О Facebook é uma ferramenta já fabricada. Com ela,

podemos tentar refabricá-la um tantinho, fazendo-a

fugir da obviedade de uma utilização mais mecânica.

Sempre podemos lembrar que na caixa de um violino

também se batuca um bom samba, е um serrote

vibrando bem pode cantar uma ária de Bach. О meio

é também а mensagem do meio.

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