o medicamento como problema de saúde pública: contribuição

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Page 1: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 0 FACULDADE DE SAÚDE PÚBUCA

o MEDICAMENTO COMO PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA.

CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO DE UMA MERCADORIA SIMBÓLICA

FERNANDO LEFEVRE

~~

Tese apresentada à Faculdade de Saúde

Pública da Universidade de São Paulo para

Pública.

Orientador

FERREIRA CANDEIAS

~-4~

SÃO PAULO

1989

Page 2: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Para Ana

e seus filhos

Para Camila, Guilherme e Daniel

Page 3: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

AGRADECIMENTOS

Ora. Nelly Candeias, pela paciência e comprensão

Huda Farah Siqueira Cunha, pela competência entrevistante

Dr. Hugo Caplan, pela hipertensão

Funcionãrios e pacientes do Centro de Saúde Geraldo de Paula Souza

Prof.Esdras Costa,pela pesquisa qualitativa

Professora Lucrécia D' Aléssio Ferrara,pela semiótica

Comélia, pelo inglês.

Dr.Cid Guimarães, Dra.Lourdes de Freitas Carvalho e Dr. Rosemburg,pelo apoio

institucional.

Denize, pela ordenação dos capítulos.

Amigos e colegas da Faculdade, pelo apoio intelectual e moral

Page 4: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

6,018. Onde se l é

,.g.23. Un,je se aparece ••• 11 lela - se

Pag.46. Ondl! r'azdes"'.

se Ié

Pilll.47. Onde se lê cO-tidianas" !ei,,-se cDtidianas" .

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Pago 85. Onde se I e

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Pag. 96. Onde se lê : " More tiMe l' p. "the less'l leia-se "~ e the ~"

Pago 112. A ulti.a subI inhada.

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fp. 115. Unde se 1 e

p riMe i ro p arágrafo deve ser·

parágrafo e x iste ~ a petl aS doi s

Page 5: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

INDICE

RESUMO

SUMMARY

I - INTRODUÇAO ...................................................................................................................... 12

1. Definição do problema .•..............................................................•....•............................... 12

2. O problema no contexto das visões de Saúde ............................................................... 20

3. O problema e sua pertinência para a Educação em Saúde Pública ........................... 25

D - PRESSUPOSTOS TEORlCO-METODOLOGICOS .................................................... 28

2.1 • Pnssupostos te6ricos ......................... ~ ......................................................................... 28

2.1.1 - Dialética. e Semi ótica ................•................................................................... 28

2.1.2 - Conceito de Ideologia .................................................................................... 31

2.1.3 - O simbólico e a assimetria epistemológica ............................................... 32

2.1.3.1 - O simbólico e a representação ..................................................... 35 2.1.3.2 - A produção social do significado do medicamento .................. 35

2.2- - Pnssupostos metodologicos ........................................................................................ 37 \

2.2.1 - Status do paciente hipertenso no trabalho ................................................ 40 2.2.2. - Pesquisa qualitativa ...........................................................•.......................... 42 2.2.3. - O cotidiano .........•.......................................................................................... 46

2.2.4 - Entre'Vistas livres .............................................•.........................................•..• 47 22.5 - Ação com sentido x sentido da ação .......................................................... 48 2.2.6.- Vivência e subjetividade .............................................................................. 50

CAPITUW I • O MEDICAMENTO DO PONTO DE VISTA DO SOCIAL

1.1 - Sa6de como me...:adoria ......................................................•........................ _ .............. 51 1.1.1. - Saúde como bem de consumo ....................................................•................ 51 1.1.2. - Saúde, mercadoria, alienação e remcação ................................................ 53

1.1.3 - Saúde e a tensão entre o bem e o mal ....................................................... 54

Page 6: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

1.1.4 - Ampliaçlo do grau de necessidade em Sadde .................... _ ............... 56 1.15 - Hipertrofia da dimensão orgÂnica da Sa6de ............................................ 59 1.1.6 • A Sa6de e necessidade de Saúde .................................................................. 61 1.1.7· A Sa6de coms ................................................................................................ 65 1.1.8· Sa6de como aquilo que produz sa6de ........................................................ 67 1.1.9 • A sa6de e o ponto de vista ............................................................................. 68

1.2 • Medicamento eomo mercadoria slmlNSllca ................................................................ 70 1.2.1 - Medicamento como tecnologia .................................................................... 70 1.2.2 - A mercadoria medicamento e os seus sentidos .......................................... 71 1.2.3 • Saúde se "escreve" medicamento .................................................................. 72 1.2.4 - Símbolo e consumo de símbolo ................................................................... 75 12.5 - O medicamento e a sa6de como desejo consumido .................................. 77 1.2.6- Medicamento e hóstia .................................................................................... 78 1.2.7 - O medicamento como {cone quimico ......................................................... 79 1.2.8 ... O ícone ampliado ....................................•...................................................... 85

12.9.- Um interpretante do {cone: resolução tecnológica da vida x resolução natural da vida ............................................................................. 88

12.10 - A eficiência e a eficácia como fatos simbólicos ...................................... 92 1.2.11 - A ideia de eficiencia e a rapidez: ilustrações ......................................... 94 1.2.12 - O medicamento e a economia simbólica ................................................. 96 1.2.13 - Eficiência simbólica e cumprimento de papéis ....................................... 97

CAPITVW 11 - RELAÇÕES SIMBÓLICAS MANTIDAS COM O MEDICAMENTO

PEW PRESCRITOR MÉDICO. .

1.1 - Introdução ......•...............•..............................•..............................................••............... 1 05 U2 - Relações simbólicas e relações terapeuticas .......................................................... 107 ll.3 - Relações simbólicas ................................................................................................... 1 08 H.4 - Uma visão paradigtnática,. ...........................•..........•................................................... 111 ll.s - Uma visão sintagtnática ..•.......................•..................•.............................................. 114

Page 7: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

CAPITULO 111· O SENTIDO DO MEDICAMENTO DO p.(>NTO DE VISTA DO

INDMDUO.

m.l • IntroduçAo ....•.•.........•...........•......•..•...........................................•......•...••.•.••.••....•••..••• 1 ID.2 • InterpretaçAo e contextualiza.çAo .......................................................................... 1 ID.3 - Cura e controle:efici~ncia e eficácia simbólica .................................................... 1

ID.4 - O medicamento, ambiguidade e moral .................................................................. 1 ID.5 - O medicamento como símbolo ambíguo e o deficiente- químico ........•.........•... 1 ID.6 - O medicamento e a hipertensão como doença e não doença ........................... 13

DI.7 - O medicamento e o control",da vida x controle da doença ............................... 13

ID.S - O medicamento como símbolo de saúde e doença ............................................. 14

ID.9 - O medicamento e a necessidade ............................................................................ 14 ID.IO - O medicamento e a saúde como compromisso social .................. ~ ................... 15

ID.ll - O medicamento e o consumo de uma alteridade negativa .............................. 16

ID.12 - Saúde natural x saúde artificial: uma oposição simbólica ................................. 1

ID.13 - O medicamento e a relação de comunicação ...................................................... 17

ID.14 - O hipertenso como consumidor exemplar de medicamento ............................ 17

IV· CONCLUSOES E RECOMENDAÇóES

IV.I - Eixos temáticos ......................................................................................................... 18

IV.2 - Hipóteses ..................................................................................................................... 1

IV .2.1 - Preâmbulo ............................................................................................ ~ ..... 1

IV .2.2 - Hipóteses ......................................................................•.......................•...... 1

IV .3 - Conclusão geral ...... : .................................................................................................. 1

IV .3.1 - O Sentido da Saúde e a Educação em Saúde ....................................... 1

IV.3.2 - Sentido global e sentido particular ........................................................ 1

IV.4 - Recomendações ............................................................................................ 1

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

ANEXOS

Page 8: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

RESUMO

Na perspectiva da Saúde Pública e da Educação em

Saúde Pública, através de uma pesquisa de geração de hipóteses, buscou-se analisar o

sentido do medicamento, em nosso país, no momento presente.

Tendo como amparo teórico-filosófico geral a dialética e

como amparo instrumental-analítico a semiótica, considerou-se o medicamento de

três pontos de vista: do ponto de vista do social, do ponto de vista do indivíduo e do

ponto de vista do médico, considerados como instâncias capazes de atribuir sentido

ao medicamento.

Do ponto de vista do social, considerou-se que a saúde.

está sujeita hoje, em nosso país, a um processo de reificação/simbolização e que o

medicamento pode ser considerado, no bojo deste processo, como uma mercadoria

simbólica.

Do p~mto de vista dos indivíduos (representados pelos

pacientes bipertensos), ,considerados ao mesmo tempo como objetos de um esforço

social de inculcação ideológica e como sujeitos produtores autÔnomos de sentido,

pode-se dizer que o medicamento aparece, associado a uma ampla temática correlata,

como símbolo ambíguo, que remete ao mesmo tempo à Saúde e à Doença.

O ponto de vista do médico (o terceiro grande agente

atribui dor de sentido ao medicamento) foi analisado sob a rubrica: relações

simbólicas mantidas com o medicamento pelo prescritor médico.

Como conclusão do trabalho são levantadas seis hipóteses

relativas ao sentido do medicamento para os indivíduos.

Page 9: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Seria possível, evidentemente, levantar hipóteses sobre o .

sentido do medicamento para o social e para o m6dico.

Optou-se pelo indivíduo considerando que,

tradicionalmente, a Educação em Saúde Pública é vista como prática de intervenção

sobre indivíduos e grupos, sem desconsiderar o fato de que os comportamentos destes

indivíduos e grupos sào determinados, em última instância, a nível macrossocial.

As hipóteses dizem respeito aos seguintes temas :

- o medicamento e a oposição: natural x artificial;

- o medicamento e a relação de comunicação;

- o medicamento como símbolo ambíguo de saúde e doença;

- o medicamento e a moral: obediência e transgressão; autonomia e

heteronomia;

- o medicamento e o desejo: eficiência e eficácia simbólica;

- o medicamento e a relação de consumo.

As hipóteses relativas a estes seis temas serão

consideradas pontos de partida para trabalhos posteriores, em que se buscará

verificar, em populações específicas, a veracidade e a pertinência das afirmações

nelas contidas.

Pretende-se que o presente trabalho dê lugar à criação de

uma linha de pesquisa em Educação em Saúde Pública, que tenha como núcleo a

produção do sentido da Saúde na sociedade brasileira contemporânea.

Page 10: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

SUMMARY

This paper represents an attempt to analyse the meaning

os Drug in our country, at the present moment, both from Public Health and Public

Health Education perspectives by carryng out an hipothesis-generation research.

Adopting dialectics as a general theoretical-philosophical

embasement and semiotics as an analytical tool, Drug is considered under three points

of view: the social's,the individual's and, the physician's, alI of them esteemed as

instances able to assign meaning to Drug.

From the individual's point of view (represented by the

hypertensive patients), seen, dialecticaly, as victims of a social effort of ideological

imposition and as agents able to produce,automously, their own meanings, one can

say that Drug, associated to an ample series of corelate themes, turns out as an

ambiguous symbol, referred to either as Health or Illness.

The physician's paint of vew (the third great agent in

assigning meaning to Drug ) is analysed under the heading : "symbolic relationships

concerning Drugs, heald by the prescriber physician".

Six hypothesis concerning the Drug's meaning for

individuaIs are draw out of this work, as a conclusion. Obviously, it would also be

possible to draw out hypothesis on the Drug's meaning under the social and the

physician's focuses. However, the option fell on the individual, taking into acount that,

traditiona1ly, Public Health Education is seen as a discipline and as a practice wich

interferes on the behavior of individual and groups (without neglecting the fact

that,ultimately, the behavior of the individuals and groups is macrassocially

determined).

Page 11: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

The hypothesis concern the folJowing topics:

• Drug and the opposition: natural x artificial;

• Drug as a message;

- Drug as an ambiguos symbol of health and illness.

Drug and mores; compliance and transgression;

autonomy and heteronomy;

- Drug and the desire: symbolic efficiency and efficacy;

- Drug and the consumption relationship.

The hypothesis concerning these six topics are considered

as starting points for future works in which the purpose would be to make attemps to .

check out, in target populations, the veracity and pertinency of the statements.

It is hoped that the present work provides the basis for a

new research field in Public Health Education, focusing the meaning of Healht,

social1y produced, in the brazilian contemporaneous society.

Page 12: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

EVOLUçAO?

"It is common in Africa, for a patient whose complaints have been cured by a course of antibiotic to ask for more of the same medicine to ensure a continuing state of good health'~

MICHEL,J.M. "Why people like medicines? A perspective from Africa." Lancet 1 (8422), 1985.

"Na realidade, desde há muito tempo, o brasileiro tem (ou sofre) um processso de acompanhamento qu[mico que vai do nascimento ao jinDl de seus dias (. .. )Desenvolveu-se, desde cedo, o quimismo familiar que, em fases posteriores, passará, talvez, para os anorexfgenos ou, quem sabe, aos hipnóticos, antidistônicos e fortificantes. Enfim, haverá sempre uma solução qulmica para o problema de cada um ~

SA,BA-Drogas/seus estímulos. Jornal do Brasil 1/12/1986.

Os africanos acreditam no antibiótico; nós, no medicamento em geral. Quererá isto dizer que somos mais evoluídos que nossos irmãos "ç..;,.nw" ? ""'J,...,....Mis.

Page 13: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

DA AUTO-MEDICAÇAo À SAúDE COMO MERCADORIA

''Eu cheguei lá, eu tou com um problema, cheguei lá: "o que I que voc~ tem? Eu olhei e: escuta aqui, não I mhJico isso ai? Se eu soubl o que eu tenho eu vou na fannácia e compro o remhJio que me interessa ~

Dna. Eulice: Pesquisa Participante ltapecerica da Serra. Reunião da Pesquisa: 07/03/87.

"Há quem ache inevitável a destruição do meio ambiente no planeta. Para fazer frente às atividades destruidoras na biosfera, uma indústria japonesa produziu recipientes com cinco litros de oxigênio e um empresário abriu um "bar de oxigênio ~ São reflexos de uma filosofia de vida e da saúde que considera necessário comprar um produto para ter saúde e que pode ser transfonnada em mercadoria o bem mais comum que tem a humonidade'~

BERLINGUER, G. IN: Proposta. Radis/Fiocruz 2 (11), 1988.

Page 14: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

NOBRES PROPÓSITOS.

"La industria farmacéutica es la única en la que és posible hacer que la explotadón parezca un noble prop6sito"

Dr. Dale Causale: ex-director médico de la Squibb in BODENHElMER, T.S. "La indústria farmacéutica internacional y la salud de la población mundial". Cuademos Médico Sociales, 1983.

Page 15: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

l-INTRODUÇÃO

1 - DeODI,Ao do groblema

Um problema estava na base deste trabalho quando ele

foi originalmente concebido. Este problema dizia respeito à auto-medicação.

o consumo de medicamentos sem prescrição ou

orientação médica atinge, (3, 14, 22, 31, 37, 43, 48, 64), altas proporções em nosso

meio e em outros países (9, 13, 25, 51, 73), como por exemplo, os Estados Unidos. De .

acordo com HAFFEN (38) "os americanos estão literalmente submergidos numa

orgia de auto-medicação" (op. cit. pago 39).

Este comportamento representa importante problema de

Saúde Pública, por este consumo implicar nos riscos diretos e indiretos, inerentes à

utilização de medicamentos (18, 34, 38, 75). Estes se potencializam, naturalmente,

quando aqueles são consumidos sem indicação e supervisão médica. Cumpre aqui

referir, também, que o consumo -de medicamentos sem prescrição ou orientação

médica leva a consequências não menos importantes, como a perda de poder dos

antibióticos, fenômeno que está ligado à sua utilização descontrolada e generalizada

pela população (17, 66, 78). Além disto, o amplo consumo de medicamentos sem.

prescrição ou orientação médica em nosso país representa problema importante de

Saúde Pública por constituir fator condicionante de inibição de condutas preventivas:

a publicidade de certos medicamentos não afirma que o indivíduo pode comer quanto

e o que quiser se recorrer a determinado remédio? Representa igualmente fonte

adicional de gastos que compromete, cada vez mais, o orçamento familiar das classes

médias e pobres, desviando recursos já escassos que poderiam ser aplicados em

fatores potencializadores da saúde, como a alimentação (30).

12

Page 16: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Existem fatores legais (aus!ncla de controle sobre as

farmácias (32. 43. 48) que deveriam exigir do cliente. a receita m~dica para a compra

de rem6dios que a exigem): políticos (grupos de pressão ligados às poderosas

indústrias fannac!uticas) (9) e outros, como as dificuldades de acesso aos serviços de

saúde (3), que determinam, em boa medida o comportamento de consumir

medicamentos sem prescrição ou orientação médica.

o problema está também ligado às deficiências na

formação dos profissionais de saúde bem como aos vícios de suas práticas (69, 74).

o comportamento de consumo de medicamentos não

orientado ou prescrito ou dirigido pelo profissional médico, aparecia então com um

problema de Saúde Pública e de Educação em Saúde Pública.

No curso de desenvolvimento do trabalho fomos

percebendo que poderíamos estar laborando sobre um problema real mas secundário

em relação a outro problema maior. Com efeito, ao elegermos o consumo leigo de

medicamentos como um problema de Educação em Saúde Pública não estávamos

implicitamente, "inocentando" (também como um problema de Educação em Saúde

Pública) o consumo não leigo? Não traduziria esta uma visão ingênua do problema,

que conduziria a uma postura simplista frente a Educação em Saúde Pública?

Efetivamente, na medida em que consideramos a auto­

medicação como um problema de Educação em Saúde Pública, porque ela constitui a

usurpação leiga de uma atribuição técnica, estamos trabalhando com os seguintes

pressupostos:

a) Existe um conjunto de comportamentos em relação à

saúde/doença no que tange ao medicamento;

13

Page 17: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

ao medicamento,

ao medicamento;

b) Este conjunto pode ser partido em dois sub-conjuntos:

- o sub-conjunto dos comportamentos adequados frente

- o sub-conjunto dos comportamentos inadequados frente

c) Quem decide o que é um comportamento adequado e

inadequado é o médico ou a autoridade de saúde avalizada por este. Portanto, o

problema educativo do comportamento adequado frente ao medicamento esgota-se

na esfera do terapêutico, onde reina a autoridade médica.

No momento em que explicitamos, para nós mesmos, os

pressupostos sobre os quais estávamos, implicitamente trabalhando, revelou-se-nos,

claramente, a necessidade de uma ótica mais abrangente.

Com efeito, se atentarmos para o pressuposto c que

sintetiza os demais, veremos que ele é limitante exatamente porque encerra a·

problemática educativa ligada ao medicamento na dimensão terapêutica.

Verificamos que o consumo de medicamentos, em si,

desta perspectiva, não aparece como problema. O problema aí não é o substantivo:

consumo de medicamentos, mas o adjetivo: consumo exagerado, inadequado, leigo, de

medicamentos.

Com efeito, as respostas habituais ao problema de Saúde

Pública, consumo de medicamentos, se encaminham, de uma maneira geral, na

direção de análises sobre as "disfunções" no uso dos medicamentos.

14

Page 18: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Em grandes Unhas podemos afirmar que há toda uma

literatura nacional e internacional, indexada principalmente sob as rubricas: "consumo

de medicamentos sem prescriçAo m6dica", "cumprimento das recomendações

m6dicastt e "prescriçAo abusiva de medicamentos", que 6 reiterativa na constataçAo

superficial de alguns fatos:

a) - os indivíduos, vivendo em sociedades capitalistas,

"selvagens" e "não selvagens", consomem, em largas proporções, livremente (isto

é,sem prescrição médica) variados tipos de medicamentos. Este consumo é mais

controlado nas sociedades menos "selvagens" e menos controlado nas sociedades mais

"selvagens" (41, 43, 51, 64) mas, de qualquer forma, é generalizadamente considerado

como abusivo.

b) - os médicos sobre-prescrevem medicamentos (14, 36,

38,44,48).

c) - os pacientes, em largas proporções (57) não cumprem

as recomendações médicas, em geral, e particularmente no que diz respeito ao

medicamento.

Parte-se do pressuposto básico que a questão do

medicamento é um problema essencialmente médico e de que existe um ato médico

puro no interior do qual o problema do consumo de medicamentos deve ser

enquadrado.

Com estes pressupostos em mente, concebe-se o consumo

sem prescrição como um desvio ou usurpação leiga da atribuição técnica ; a

prescrição abusiva como uma extrapolação profissional, freqüentemente feita pelo

médico como resposta a uma pressão do paciente (14) e o não cumprimento da

prescrição como uma questão de rebeldia ou falta de fé do paciente no médico ou

como uma questão técnica do médico "vender bem o seu peixe" para o paciente(49).

15

Page 19: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Concebidas assim estas questões, propõe-estratégias

educativas, junto ao médico e demais profissionais de saúde e junto ao paciente, bem

como intervençOes no plano administrativo dos serviços de saúde e no plano legal,

todas elas visando reduzir as proporçOes do fenômeno.

Assim, no curso das reflexões sobre o assunto foi-se-nos

impondo gradativamente a idéia de que a relação (do consumidor, mas também do

prescritor) com o medicamento implica, do ponto de vista da Educação em Saúde

Pública, em mais coisas do que auto-medicação, ou cumprimento, ou descumprimento

das recomendações médicas, porque o sentido do medicamento não se esgota na

dimensão terapêutica.

Mais precisamente, ao abordarmos ingenuamente o

problema da auto medicação, podemos estar pressupondo que o sentido do

medicamento se confunde com sua função terapêutica. Ora, segundo cremos, o'

medicamento é mais do que um agente quimioterápico.

Assim, as limitações percebidas num estudo sobre a auto­

medicação nos levaram a idéia de que era necessário ir mais a fundo na investigação

do sentido do medicamento.

Como deve, pensamos, fazer parte das atribuições da

Educação em Saúde - interessada que está em interferir eficazmente nos

comportamentos dos indivíduos e grupos com vistas a, segundo ALIEGRANTE in

CLEARY (19) " promover, manter e incrementar a saúde individual e da

comunidade" (pag.67), entender as várias dimensões associadas ao ato de consumir e .

prescrever medicamentos, pareceu-nos que seria pertinente o encaminhamento da

investigação para além do espaço terapêutico.

16

Page 20: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

A partir dar foi se delineando o propósito de investigar o

sentido do que está por trás do ato de consumir, da forma que seja, um medicamento

(o que leva, automaticamente, a investigar tamb~m o sentido subjacente ao ato de

prescrever um medicamento). Nessa linha colocam-se questOes como: o que significa

consumir um medicamento? Qual o sentido deste objeto de consumo?

A busca deste sentido nos conduziu para o espaço social

mais amplo das formações sociais capitalistas, onde pontifica a Mercadoria e o

Símbolo em relações de estreita interdependência.

Na tentativa de entender o porquê (e não apenas o como)

o consumo de medicamentos constitui, hoje, um problema de Saúde Pública em nosso

país (e alhures), é preciso ir mais fundo, ultrapassar o nível descritivo de análise do

social.

Ao ir mais fundo nos defrontamos, inevitavelmente, com

questões mais primárias, relativas à própria natureza do medicamento, do seu

consumo e do consumo em geral de mercadorias.

A decisão de ir mais além da mera descrição do

fenÔmeno, prende-se ao fato de que, colocada a questão no nível em que ela é

habitualmente colocada, permanece-se na superfície enganosa do tecido social: o

consumo de medicamentos aparece como problema para a Saúde Pública apenas na

medida em que é visto como uma disfunção (o consumo sem prescrição, o Consumo

abusivo, etc.), um desvio de rota a perturbar o equilíbrio, dando ensejo ao nascimento

de estratégias destinadas à retomada do equilíbrio.

17

Page 21: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Ora, a perspectiva teórica adotada neste trabalho permite

amparar e desenvolver a crença de que o consumo de medicamentos (de um modo

geral e não apenas o consumo sem prescrição, exagerado, etc.) no Brasil, hoje, ~ um

problema de saúde pública nAo enquanto dlsfunçAo social mas ao contrário por ser

uma funçAo, ou expressA0 social da hegemonia da mercadoria.

Assim, em conformidade com o referencial teórico

adotado, este estudo sobre a entidade "medicamento" procurará enfocar, ou como se

diz modemamente, "construir" o objeto não como um fato positivo ("O método

dialético, portanto, é oposto em seu projeto a todo método de tipo positivista")

(BRUYNE (12), pag 74), mas como um campo tensional onde coexistem diferentes

tipos e funções do medicamento.

Nesse sentido, partimos do pressuposto que o objeto

medicamento, na formação social brasileira, não é uma mas, pelo menos, três coisas:

um agente quimioterápico, uma mercadoria e um símbolo.

E não se trata aqui, simplesmente, nem principalmente,

de descrevê-lo de forma justaposta, enquanto agente quimioterápico, enquanto

mercadoria e enquanto sÚllbolo; ou da perspectiva da

biologia/farmacologia/medicina, da perspectiva da sociologia e da psicossociologia e

da perspectiva da semiologia.

Cremos que na formação social concreta do Brasil atual,

o entendimento da problemática de Saúde Pública ligada ao medicamento ganharia

muito, a nosso ver, se esse fosse visto não como uma destas três coisas mas como. as

três coisas ao mesmo tempo ("A ambiguidade dialética insiste na ambivalência de

certos fenômenos que são, ao mesmo tempo, de natureza A e de natureza não-A ( ... )

18

Page 22: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

as situaçOes vividas concretas são freqUentemente desta natureza") (BRUYNE (12),

pag.70).

Portanto, não se nega - o que seria um absurdo - que o

medicamento cura, controla e previne (dimensão quimioterápica/médica); não se

afirma simplesmente que aliena e domina (dimensão social e psicossocial) e que

representa e simboliza (dimensão semiótica e simbólica).

o que se nega é que ele perfaça, essencialmente, uma

destas três funções. "O marxismo estabelece em princípio o reconhecimento do dado

da estrutura complexa de todo objeto concreto ... Não temos mais uma unidade

simples, mas uma unidade complexa estruturada" «ALlHUSSER in: BRUYNE (12),

pag.67).

É pOIS dentro desta perspectiva mais ampla que

buscaremos entender o objeto medicamento, localizando-o em regiões mais críticas

do tecido social das formações sociais capitalistas como a brasileira, o que implica em

entendê-lo como uma mercadoria, que traduz um processo de reificação da saúde;

como um agente quimioterápico, que funciona aliviando, curando e controlando.

processos mórbidos a nível do organismo e como símbolo, que permite que a Saúde

(ou mais precisamente, a Saúde" biologizada") esteja representada no medicamento.

Evidentemente, estas três dimensões do medicamento

ligam-se entre si de modo que ao mesmo tempo que é necessário analisá-las

isoladamente é igualmente preciso analisá-las em conjunto, na busca da articulação

entre a mercadoria reificada, o agente quimioterápico e o símbolo.

19

Page 23: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Dito isto, nos debruçamos sobre a tarefa de buscar nos

novos pressupostos a sustentação do que acreditamos ser um enfoque mais pertinente,

do ponto de vista da Educação em Saúde Pública, em relação ao problema do

medicamento, qual seja: a descrição dos processos ligados à simbolização dos agentes

quimioterápicos associado à sua caracterização como mercadoria, o que configura um

processo de consumo de símbolos (5) de saúde.

o trato destas questões, sob o enfoque da Educação em

Saúde Pública, é o desafio que nos propomos a enfrentar.

2 - • O problema no contexto das visões de Saúde.

Toda tese sobre Saúde Pública tem uma visão implícita

ou explícita de Saúde. Este trabalho adota uma visão ampla de Saúde, que permite

indicar, por contraste, o que cremos ser o caráter restritivo das visões hegemômicas*

de Saúde, vigentes, na prática, nas formações sociais capitalistas e em nosso país.

Esta distinção entre a visão ampla e a visão restrita

encontra-se, em outros termos, na oposição estabelecida por LUZ (48), entre "Saúde

e saúde". A autora contrapõe: "Saúde como sinônimo de medicalização e que remete

às Instituições Médicas e a saúde que remeteria, nas formações sociais capitalistas,

diretamente às condições globais de vida (alimentação, habitação, repouso, educação

e participação decisórias nos vários níveis da vida social) .... portanto às condições em

que se dá a produção social" (pag. 61, 62).

• Segundo LUZ (48) de acordo com GRAMSCI, hegemonia é o: "poder político-ideo16gico que a classe dominante procura estender ao conjunto da sociedade, à totalidade das classes e grupos sociais". (pag. 29).

2C

Page 24: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

A Saúde aparece, hegemonicamente, na prática, como

uma mercadoria. Ou melhor, ela toma a forma, no modo de produção capitalista e

em nosso país, de mercadorias propiciadoras de saúde: Golden Cross é saúde,

Hepatovis é a saúde de seu fígado, a consulta médica é saúde.

É o que afirma LUZ (48) a propósito do papel do Estado

na área da Saúde, em nosso país: "quais as propostas, em termos políticos, de saúde

do Estado? Responderá de acordo com os interesses sociais que o constituem. E

entre esses interesses salientam-se os das indústrias farmacêuticas e de equipamentos

médicos ... "

"Desta maneira, incentivam-se as consultas ambulatoriais

médicas, por um lado e o consumo de medicamentos por outro" (pag. 19).

Mas ao lado, ou em decorrência do seu caráter de

mercadoria, a saúde aparece como coisa: é o processo de reificação da saúde. Ela

toma a forma hegemônica de uma coisa concreta. deixando eclipsada a sua dimensão

de relação (com o social, com o comportamental).

A Saúde, então, estreita-se, afunila-se,reduz-se, enfim,

transforma-se de Condição Humana Prévia, Preliminar, em Mercadoria (o

medicamento é uma delas). A Saúde é, assim, expropriada - e esta expropriação é um

lento processo histórico - da sua condição de Premissa Existencial para ser (apenas)

recuperada e recuperável num mercado de bens de consumo.

Este processo histórico transforma a Saúde numa

necessidade jamais satisfeita, não apenas porque - como a fome - deve ser re-satisfeita

cotidianamente mas também porque, no processo mesmo de expropriação, a Saúde

21

Page 25: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

perde • no sentido moral da palavra • o seu Unico sentido poss(vel (o de Premissa

Existencial) passando a admitir Todos os sentidos poss(veis .

Em decorrência disto, nas sociedades de consumo

modernas é possível realizar-se plenamente • a farsa virou tragédia - o propósito

daquele médico de ficção que afirmava que o "sadio é um doente que se ignora".

Com efeito, nestas sociedades, a ninguém é permitido

sentir-se verdadeiramente saudável porque estará, sempre, "faltando algo" (no plano

orgânico, mental,estético, comportamental, etc.); haverá, sempre, uma sensação de

vazio, a ser preenchido por algum serviço ou mercadoria.

A Saúde foi então, historicamente, adaptando-se à lógica

do mercado· e hoje em dia é possível afirmar-se,e reunir elementos empíricos que.

tornem plausível esta hipótese,que ela se expressa ou é representada (no "palco"

social) através de serviços ou mercadorias; ou seja, de que a Saúde acabou tornando­

se algo que obtém-se ou re-obtém-se permanente e infinitamente, pelo consumo de

substâncias (medicamentos, yogurtes,etc.) ou ações (ginásticas,massagens,etc.),

investidas de Saúde. A Saúde deixa de ser uma característica de todo ser

biológicamente bem formado,vivendo numa sociedade ''bem formada", e passa a ser

algo a ser obtido pelo consumo ; semioticamente, ela passa a §.1ru: na mercadoria

"saudável",

Esta mercadoria/Saúde porisso mesmo, é um signo.

Afirma BAUDRILLARD (5) a respeito.

• É o processo que aparece, no pensamento sanitário, sob a rubrica de "medicalização" da sociedade mas que é, em geral, mal comprendido porque está vinculado à noção funcionalista de "disfunção social" ou "desvio" (a ser corrigido por bem intencionados sanitaristas) e não aos mecanismos estruturais, ligados à ampliação e generalização do "mercado"

22

Page 26: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

"Nós atingimos aqui a lógica formal da mercadoria

analisada por MARX: da mesma forma que as necessidades, os sentimentos, a

cultura, o saber, todas as forças próprias do homem estão integradas como

mercadorias na ordem da produção, se materializam em forças produtivas a serem

vendidas. Hoje todos os desejos, os projetos, as exigências, todas as paixões e todas as

relações se abstraem (ou se materializam) em si2nos e em objetos para serem

comprados e consumidos" (pag. 234) (grifos nossos).

Nesse sentido, a mercadoria, o medicamento aparece, 1.'/

nestas formações sociais capitalistas, como uma das materializações ou símbolos de

saúde. Como afirma CORDEIRO (23)* "o medicamento ocupa o lugar de símbolos

e representações que invadem os determinantes sociais das doenças, iludindo os

indivíduos com a aparência de eficácia científica e como mercadorias, realizam o

valor e garantem a acumulação de um dos segmentos mais lucrativos do capital

industrial" (pag. 57).

Sem ava.nçar, por hora, no detalhamento desta dimensão

simbólica do medicamento, diremos apenas que o símbolo é, entre outras coisas, um

artifício que permite tornar concretas entidades abstratas ou vagas, como é o caso da

saúde.

Daí a estreita associação entre os fenômenos de

reificação e simbolização.

• A afirmação do autor se refere não a todo medicamento mas a um certo uso deste.

23

Page 27: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Com efeito, enquanto símbolo, medicamento concentra­

saúde e enquanto mercadoria ele oferece esta concentraçâo como bem adquirível no

mercado.

A saúde pode também ser vista, na nossa cultura e na

nossa sociedade, como um valor transcendente.

Em função disso, o fato dela aparecer, nesta sociedade e

nesta cultura, como decorrência do modo de produção capitalista, sob a forma de

representações concretas, que são as mercadorias de saúde, confere a estas

representações mercadológicas força simbólica (valor, desejo reificado).

o medicamento enquanto símbolo de saúde - inclusive

na medida em que o usuário leigo não tem idéia de como ele funciona no organismo -

é a possibilidade mágica, que a ciência, através da tecnologia, tornou·· acessível, de

materializar,representar, numa pílula ou em algumas gotas, este valor/desejo, sob a

forma de prevenção, remissão, triunfo definitivo (na cura) e reproduzido no dia a dia

(no controle), sobre o cortejo de males do corpo e da alma que afetam o homem, e

sobre as "carências" ou "limitações" inerentes a condição humana: medicamentos

geriátricos contra a perda da mem6ria, vitaminas contra a calvice, etc ...

É interessante, a este respeito, lembrar que no slogan de

uma das campanhas anti-pólio em nosso país havia a mensagem: "a gota que salva"

onde algo tão pequeno como uma gota (que na nossa língua é componente de

metáforas relacionadas à noção de "pequeno" como: "uma gota d'agua no oceano")

* O processo de simbolização, implica em concentrar, comprimir, por exemplo, o amplo cristianismo na forma concreta da cruz de Cristo(76). * * ... ou tomará, já que faz parte da crença generalizada em nossa cultura o fato de que a ciência é, a longo prazo, onipotente.

Page 28: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

concentra em si ou simboliza a Saúde como a irande salvaçâo da tragédia que

significa uma criança presa a uma cadeira de rodas.

Este exemplo sugere que o medicamento e o símbolo

podem se identificar através da relação pequeno-grande onde o pequeno concentra

em si ou representa o grande, como por exemplo, as pequenas estrelas da bandeira

brasileira que representam os vastíssimos territórios ou estados do país.

Estão, portanto, em jogo aqui duas visões radicalmente

distintas de saúde: a visão ampla e abrangente de um lado e a visão mercadológica,

reificada e simbólica da saúde de outro.

Esta última tem como uma de suas mensagens possíveis:

"a Saúde como valor concentrado ou representado, ou simbolizado num comprimido

encontra-se à venda nas farmácias".

É precisamente na medida em que o medicamento

aparece com este sentido que ele nos interessa como problema, no campo da Saúde

Pública e da Educação em Saúde Pública.

3 - O problema e a sua pertinência para a Educação em Saúde Pública.

A Educação em Saúde Pública se caracteriza por ser uma

intervenção sobre pessoas e grupos com vistas a que estas pessoas ou grupos adotem

práticas conduncentes à Saúde.

25

Page 29: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Ora, a adoção destas práticas pelos indivíduos ou grupos,

sobretudo quando se trata de populações adultas, supõe um trabalho educativo que

não se dá no vazio. Este trabalho precisa considerar os sentidos pré-existentes nos

atores do processo educativo e na própria sociedade onde estes atores atuam.

Estes sentidos préexistentes podem ser traduzidos na

linguagem da Educação em Saúde Pública como fazendo parte dos "fatores

predisponentes"(35) em relação à adoção destas práticas.

Com efeito, uma prática, para a Educação em Saúde não

é comportamento instintivo ou automático, mas a tradução, na ação, de um

determinado sentido que o indivíduo ou grupo imprime, consciente e voluntariamente

(19, 35), à ação.

Podemos então afirmar que o sentido das práticas

propostas pela Educação em Saúde, para ser adotado pelos indivíduos ou grupos e

traduzido em comportamentos, precisa ser visto como competindo com uma

constelação de sentido préexistentes.

Parece-nos portanto, que na análise dos fatores

prédisponentes do processo educativo da Educação em Saúde deve estar sempre

incluída uma etapa na qual se possa dar conta - em alguma medida - dos sentidos

pré existentes de que falamos acima.

o consumo de medicamentos considerado sob o ângulo

da Saúde Pública e da Educação em Saúde Pública é um comportamento repleto de

sentidos préexistentes ou de fatores predisponentes ligados ao sentido.

26

Page 30: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Assim, a intervenção da Educação em Saúde frente ao

comportamento de consumo de medicamentos pressupõe a análise e detecção destes

fatores predisponentes.

o presente trabalho é uma tentativa de abordagem do

assunto onde se busca resgatar estes fatores a nível da sociedade como um todo,

representada pelas camadas socialmente hegemônicas,a nível intermediário,

representado pelo prescritor médico (de fato, o médico pode ser visto ,hoje (14,32,44),

como estando imprensado entre as camadas hegemÔnicas e os pacientes) e a nível

terminal, representado por um grupo de pacientes crônicos hipertensos atendidos pela

rede básica de saúde.

Page 31: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

11 • PRESSUPOSTOS TEÓRICO. METODOLÓGICOS

2.1- Pressupostos teóricos

2.1.1.- Dialética e Semi ótica

No presente trabalho, o referencial teórico a ser adotado

será constituído pelo que BRUYNE (12) chama de perspectiva ontológica, filosófica

geral e metodológica da dialética.

A perspectiva ontológica dá conta do "movimento

concreto, natural e sócio histórico, da própria realidade estudada" (BRUYNE (12),

pag.65).

A perspectiva filosófica geral diz respeito à "lógica do

pensamento que se pretende conhecimento adequado dos processos históricos, das

mudanças e dos conflitos sociais" (BRUYNE (12), pago 65).

Metodologicamente a perspectiva dialética é entendida

aqui como "a tentativa de conhecer a cada momento a análise como uma parte do

processo social analisado e como sua consciência crítica possível. Isso implica que se

renuncie a supor entre os instrumentos analíticos e os dados analisados (uma) relação

externa puramente contingente" (HABERMAS, in: BRUYNE (12), pago 65).

Evidentemente, quando se coloca a perspectiva dialética

como eixo teórico do trabalho se a está pensando, de um ângulo metodológico, como

Teoria da Contradições, tal como a enuncia ALTHUSSER (2), no contexto da

tradição filosófica hegeliana e marxista.

28

Page 32: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Se a dialética como Teoria das Contradições permite

neste trabalho, como afirma BRUYNB (12), dar conta do "movimento concreto,

natural e socio-histórico da própria realidade estudada", ela está sendo, ípso facto,

responsável pela dinâmica ou pela dimensão diacrÔnica do sentido do medicamento

.Esta dimensão expressa-se mais diretamente aqui através da noção de ponto de vista.

"Ponto de vista" deve ser entendido, portanto, no sentido literal da palavra. Não se

confunde, assim, com "opinião". Trata-se de um ponto no espaço (social, econômico,

profissonal e psicossosica1), a partir de onde se vê o mundo e que condiciona,

determina, limita, o que se pode ver e como se pode ver.

São três os pontos de vista a partir dos quais se entende o

sentido do medicamento: o ponto de vista da sociedade (que é responsável pelo

sentido do medicamento como Mercadoria (V.1.1.9), o ponto de vista do médico e o

ponto de vista do indivíduo.

As relações entre estes três pontos de vista são

complexas, havendo conflitos,relações de hegemonia, de rebeldia, de aceitação'

passiva,etc.

São estes conflitos que, da perspectiva dialética,

permitem entender o "objeto" medicamento e o seu sentido numa perspectiva

histórica, diacrônica; o que, por sua vez, permite avançar alguns passos na

comprensão da Saúde (que é o campo social e institucional onde o medicamento se

situa, modernamente) como "objeto histórico". Em outras palavras, a dialética dos

"pontos de vista" (em conflito) sobre o medicamento permite vislumbrar algumas

virtualidades da evolução histórica do conceito de Saúde e, por extensão, de Vida, a

partir das sociedades industriais modernas.

29

Page 33: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Algumas categorias básicas presentes na aná1ise

sociológica, fundada na perspectiva dialética das formações capitalistas, serão

especialmente destacadas. Dentre elas o conceito de reifica,ao e alienação

(33,39,79), de jdeoloiia (79).

Associada à perspectiva dialética, o trabalho está apoiado .

na Semiótica e na Semiologia, tal qual a concebem, na tradição anglo-saxã (PIERCE

(58, 59), e na tradição europeia de origem latina (TODOROV (76) e ECO (28, 29), e

na mesma Semiótica e Semiologia aplicada à análise das sociedades industriais

capitalistas tal como o fazem (BARTIIERS (4), (BAUDRILlARD, (5, 6) e (VERON

(79).

A Semiótica, então - na qualidade de Ciência Geral dos

processos de significação - é responsável pela dimensão sincrônica do trabalho, no

sentido de que ela permite aprofundar, verticalmente,a mecânica dos processos -

necessariamente plurais (e conflituosos) - de produção do sentido da Saúde, e, mais

especificamente, a mecânica do funcionamento do medicamento como símbolo de .

Saúde, nas sociedades industriais contemporâneas.

Vale clarificar a utilização, neste trabalho, dos termos:

significante/significado e sentido, e as construções nas quais estes termos figuram.

Quando se usa o par significante/significado

(evidentemente, numa ótica saussuriana) o que se está procurando indicar é a relação

entre uma dada realidade concreta (que é o significante, a parte material do signo) e

a idéia (o significado, a parte cognitiva do signo) que este significante expressa ou

veicula, através das regras (códigos) inerentes ao processo de simbolização.

30

Page 34: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Sentido, por seu turno, é usado seja como sinônimo de

interpretação,explicação, definição (e que, conceitualmente, em PIERCE (59),

equivale à noção de interpretante )seja, na expressão "produção de sentido", tal como a

entende VERON (79) enquanto ação social ou semiose social, através da qual é

produzida, pela sociedade e na sociedade, por cada um de seus grupos, classes,

estratos, segmentos, corporações, categorias de indivíduos, o sentido, ou ideologia ou

"razão de ser" das coisas

2.1.2 - Q Conceito de Ideologia

É preciso aclarar agora um conceito central que está

presente, no trabalho. Trata-se do conceito de ideologia ou de domínio do ideológico.

A nossa visão sobre este controverso conceito implica em

considerá-lo como algo muito mais embebido no tecido social do que a tradição

marxista mais clássica costuma habitualmente reconhecer.

Assim sendo, adotamos como referencial o ponto de vista

de VERON (79) um dos teóricos que, do nosso ponto de vista, reflete melhor o

pensamento contemporâneo sobre a questão. Afirma o autor a respeito do caráter de

ubiquidade do ideológico: "Q ideológico e o poder são, portanto, dimensões que

atravessam, em toda sua extensão, uma sociedade.

''Trata-se de compreender a Semiose necessariamente

investida em toda forma de organização social ( ... ). Sem essa semiose nenhuma'

forma de organização social é concebível" (pag. 194). Mais adiante, definindo o

ideológico no contexto social, afirma o mesmo autor: "O ideológico é o nome do

sistema de relações entre um conjunto significante dado e as suas condições sociais de

produção".

31

Page 35: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

"Nas sociedades industriais capitalistas, essas condições

concemem (se bem que não exclusivamente) à maneira porque a rede de semiose

social é dinamizada pelos conflitos de classes" (pag. 196)".

Coloca o autor portanto, com a cautela necessária, o

também controverso problema das relações entre o ideológico e o social, numa

sociedade de classes quando, não negando as relações entre o ideológico e o conflito

de classes, as matiza. Mais adiante, reafirmando a mesma idéia, coloca o autor: "O

domínio ideológico é ( ... ) vasto. Diz respeito a todo o sentid? produzido onde as

condições sociais de sua produção deixam traços (pag. 199)".

Finalmente busca descaracterizar a ideologia como

fenômeno meramente superestrutural. Para ele, com efeito: "não existe super­

estrutura ideológica porque sem ideologia, isto é, produção social de sentido, n.ãQ

haveria nem mercadoria. nem capital. nem mais valia". (pag. 199) (grifos nossos). É

pois no espírito deste refencial que será usado o conceito de "ideologia", neste

trabalho.

2.1.3 - O Simbólico e a Assimetria Epistemológica

Como este trabalho lida com o simbólico e como

"simbólico" é um termo que aparece com frequência na literatura sobre saúde/doença

com um significado que não adotamos e que, cremos, traz consigo implicações

epistemológicas, é necessário, desde o início, deixar claras nossas posições.

Com efeito o adjetivo "simbólico" aparece, em português,

com muita frequência, como implicando um campo de significados ligados às

oposições semânticas:

32

Page 36: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

- imaginário/real

- subjetiv%bjetivo

- crença mística/evidência fatual

- magia/ciência

- ficção/realidade

Por exemplo, na frase: "Foi cobrada uma taxa simbólica

para o ingresso na associação", "simbólico" se opõe à "real". Em seu artigo: "A ação

transcendente dos medicamentos", MORAES FILHO & BOMBONATTI (54)

afirmam: "Na realidade, à ação objetiva da" prescrição sempre se soma outra,

subjetiva, exercida pela figura do médiso. Há um va10r simbólico no ato médico que

se inicia antes mesmo que a intervenção farmacológica propriamente dita venha a

ocorrer" (pag. 264) (trechos sublinhados, em itálicos no original).

Nestas afirmações está fortemente sugerida uma

assimetria de status epistemológico entre o que pertence ao domínio simbólico e o

que não pertence.

A diferença de status epistemológico referida diz respeito

ao fato de que não se considera o campo do simbólico, em si,como objeto de

conhecimento. Ele aparce como um campo do não cognocível, ou do ainda não

conhecido e/ou do ainda não tecnologicamente controlado.

Esta assimetria presente no domínio do simbólico,

quando relacionada à temática da saúde/doença/medicina, dá margem,

tradicionalmente, a análises que enfatizam aspectos mágicos presentes

(sobreviventes) nas práticas "leigas" e "profissionais" da medicina; a aspectos

subjetivos relacionados a efeitos de medicamentos (efeito placebo), sem falar no

campo, sem fronteiras claras, da medicina psicossomática.

33

Page 37: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

A este respeito vale a pena uma análise um pouco mais

detalhada do artigo citado de MORAES FILHO e BOMBONA TIl porque ele nos

parece muito ilustrativo desta visão do simbólico quando relacionada à área da

"saúde", Afirmam os autores: "Há um valor simbólico no ato médico que se inicia

antes mesmo que a intervenção farmacológica propriamente dita venha a ocorrer.

Impossível definir (grifos nossos) o que realmente vem a ser esta força imponderáve]

(grifos nossos) que exerce a figura do médico. É possível (grifos nossos) que a

postura, o olhar, a voz, o toque durante o exame físico, a segurança no escrever a

receita, tenham importância. É possível até que outras forças e nível anímico (grifos

nossos) estejam entre os dois seres ali presentes - médico e paciente. Mas não

importa definir de onde vem a força do médico (grifos nossos): esse invisível elo com

o chamá, com o curandeiro., com o ~, com o santo milagreiro, é a mágica (grifos

nossos) que envolve a relação com o paciente. Observa-se que o comportamento

místico (grifos nossos) do médico em face da doença pouco muda ao longo dos

séculos" (pag. 265).

Fica perfeitamente claro por esse exemplo a assimetria de

status epistemológico entre o simbólico e o que está fora dele: o simbólico, para a

corrente de pensamento, ou ideologia, ou visão de mundo que estes autores adotam

implicitamente, é o donúnio das "impossibilidades defmitórias", das "forças

imponderáveis", do "é possível", do "invisível elo com o chamã ... " Esta ideologia

proclama pois, que existe algo, além do fato positivo (o simbólico) e que este algo é .

fator interferente no campo da "saúde". Só que, para ela, este algo não merece o

status de objeto de conhecimento: são coisas "impossíveis de definir" ou coisas "que

não importa definir de onde vem", ou coisas "invisíveis".

34

Page 38: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

2.1.3.1 • O Simbólico e a Representação

~ importante colocar que, neste trabalho, que diz respeito

ao simbólico na área da "saúde", não se compartilha desta visão do mundo.

Neste trabalho, o domínio do simbólico, objeto legítimo

de conhecimento, está referido, nuclearmente, à idéia de representação, no sentido

pierceano do termo (v. 1.2.5.).

É claro, por outro lado, que a temática exemplificada

nesta citação é real, pertencendo, de jure e de fato, ao campo da saúde. Vinculada à

idéia de representação (ela mesma ligada ao campo da semiótica da sociologia e da

antropologia) o domínio do simbólico na área da saúde abarca, entre outras, as

temáticas do efeito placebo dos medicamentos, do caráter ritual dos atos médicos

ligados ao medicamento, do poder médico, etc ...

Cabe portanto descrever estas e outras realidades conexas

como envolvendo processos de representaçào ou, como coloca VERON (79) de

produção social do significado.

2.1.3.2 - A Produção Social do Significado do medicamento.

A idéia de "produção social do significado" tomada do

texto de VERON (79) merece algumas considerações adicionais para que fique mais

clara.

A primeira coisa a esclarecer é que colocar o nosso tema,

o medicamento, como objeto de um processo social de produção do significado já

permite identificar uma postura determinada frente ao objeto medicamento: a de que

35

Page 39: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

ele possui significados outros que os seus significados "espontâneos", e que estes

significados são gerados numa dada formaçào social concreta.

Parte-se pois do pressuposto de que o significado do

medicamento não é um já-dado, "natural", a-histórico mas um produto, secretado por

um dado sistema social e numa dada formação social concreta.

o sistema social e a formação social são, pois, vistas, .

desta perspectiva, como "máquinas" de produção de significados.

Como a "máquina social" produz significados?

Imaginemos um exemplo: muitas farmácias "modernas", em nosso país, estão

atualmente montadas de modo semelhante a supermercados: o consumidor compra

seu remédio no balcão, vai com a sua mercadoria até um dos caixas, deposita o

remédio na esteira e sai, após pagar, pelo corredor do caixa. Outras farmácias estão

montadas sob a forma de "Drug Store" onde, além de medicamentos, pode-se comprar

brinquedos, batatas, material de limpeza doméstica, etc ...

Com este modo de comercializar o medicamento está se

passando, implicitamente, o significado que o medicamento é um produto equivalente

a qualquer outro produto de supermercado, o que implica, entre outras coisa, no

significado adicional de que a doença é algo tão "natural", ''banal'', "corrente" como a

fome, a gordura das panela, a necessidade infantil de jogo, etc ...

Admite-se pois que a "máquina social" produz significados

secretados diretamente de seu funcionamento, além daqueles significados produzidos

através de discursos explícitos, como as bulas e as peças publicitárias de

medicamentos.

Page 40: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Nesse sentido, é que a semiótica (4, 5,6, 28, 29) postula

que das ações sociais, dos arranjos espaciais, das mercadorias, etc... emanam

mensagens ou seja produtos simbólicos e que, portanto, as ações sociais, os arranjos .

espaciais, as mercadorias, podem ser considerados símbolos através dos quais se

escrevem discursos, por exemplo, sobre a saúde e a doença.

Assim, o domínio do simbólico no campo institucional da

saúde envolve não o imponderável ou o místico mas a produção e a atribuição de

significado ao médico, cura, medicamento, etc ... , numa e para uma determinada

formaçào social concreta.

Neste trabalho, busca-se especificamente, responder a

duas questões básicas relativas ao domínio do simbólico: o que o medicamento está

representando, simbolizando num determinado contexto sócio-histórico e como o

medicamento funciona no interior deste processo sócio-histórico de representação, ou

simbolização.

2.2 - Pressupostos metodológicos.

Trata-se de um trabalho que se situa totalmente num

contexto de lógica de descoberta, de geração de hipóteses, por oposição a um

contexto de lógica de demonstração de hipóteses.

Busca-se entender o sentido de um objeto - o

medicamento - desenvolvendo-se no curso do trabalho, um grande pressuposto inicial

de que o sentido deste objeto vai mais além do que a sua mera existência fenomênica

37

Page 41: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Procurar-se-á explorar o sentido do medicamento (ou

melhor, a própria idéia de que o medicamento tem um sentido, além do seu sentido

óbvio) a partir de dois sujeitos atribuidores do sentido: um sujeito impessoal, situado

no seio das forças sociais hegemÔnicas, responsáveis pelo destino do medicamento

como mercadoria, ou seja, pelo seu sentido como mercadoria e alguns sujeitos .

individuais, que pela sua condição de pacientes crônicos hipertensos, que tem que

conviver, no cotidiano, com o medicamento, aparecem como atnbuidores

privilegiados de sentido ao medicamento.

Há, no entanto, no que se refere ao medicamento, um

outro grande sujeito atribui dor de sentido, que é o médico.

Com efeito, o medicamento pode ser visto como um

instrumento de trabalho do médico, o que é, por si só, uma razão suficiente para

conferir a este ator social um lugar privilegiado na classe dos sujeitos atribuidores de

sentido ao medicamento.

No ent~to, como este trabalho se propõe a discutir a

dimensão simbólica do medicamento, o sujeito médico, para o qual esta dimensão é

fortemente recalcada, em favor da dimensão terapêutica, toma-se um sujeito

discrepante, se pareado com os outros dois sujeitos: o social e o individual.

Não que o médico não participe, ativamente, da

dimensão simbólica do medicamento e da sua "implementação" (ou, como prefere o

marxismo ortodoxo, "inculcação ideológica").

38

Page 42: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Ocorre que, pejo fato da dimensão terapêutica ser,

formalmente, a dimensão "legítima" do sentido do medicamento, do ponto de vista do

médico, o desenvolvimento de uma pesquisa empírica com este profissional implicaria

necessariamente a análise de um poderoso conflito interno - ao campo médico - entre

o medicamento como mercadoria, como agente quimioterápico e como símbolo.

Ora, esta análise, em função da densidade da temática,

implicaria algo como uma pesquisa, da dimensão do trabalho como um todo, dentro

da pesquisa, o que, obviamente, quebraria a harmonia do trabalho.

Consideramos então, nesse trabalho, apenas um aspecto

da ampla problemática atinente ao medico como atribuidor de sentido ao

medicamento.

Em função deste enfoque voluntariamente parcial do

problema,seria totalmente inapropriado individualizar um capítulo - com este

conteúdo - que teria por título : " o sentido do medicamento do ponto de vista do

médico".

Sendo assim, neste trabalho, o ponto de vista do médico

sobre o medicamento aparece individualizado num pequeno capítulo que tem por

título: "Relações simbólicas mantidas com o medicamento pelo prescritor médico".

Há portanto uma clara assimetria no trabalho: o ponto de

vista do social e o ponto de vista do indivíduo aparecem com muito mais destaque que

o ponto de vista do médico, do qual tem-se uma visão apenas parcial.

39

Page 43: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Cremos contudo que esta assimetria ~ inevitável, que ela

ocorreria de qualquer modo, por hlpertrofta ou por hlpotrofta do ponto de vista do

médico.

Como a análise, acima referida, dos conflitos de sentido

no interior do campo médico (que implicaria numa opção pela hipertrofia) não é o

foco de nosso trabalho, s6 nos resta a opção pela hipotrofia.

2.2.1 - Status do paciente hipertenso no trabalho.

Fica claro, portanto, que o objeto deste trabalho é o

medicamento (visto sob um certo ângulo) aparecendo portanto o paciente hipertenso

- em função de algumas peculiaridades deste paciente (Ver 2.2.2) - como uma das

fontes possíveis de obtenção de dados sobre o sentido do medicamento do ponto de

vista dos indivíduos.

Portanto, o medicamento, objeto deste trabalho, é visto

aqui sob dois pontos de vista (o do social e o do indivíduo) e marginalmente, do ponto .

de vista do médico.

Usando a ideia de Conjunto como imagem, teríamos um

conjunto maior - o medicamento - no qual estão incluidos tres sub conjuntos (o ponto

de vista do social, do indivíduo e do médico). O paciente hipertenso representa,

portanto, um sub conjunto (de "segundo grau"),do sub conjunto (de "primeiro grau"):

"ponto 'de vista dos indivíduos sobre o medicamento".

Assim colocado o problema fica, cremos, atestado o status

do paciente hipertenso neste trabalho.

40

Page 44: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Nem poderia deixar de ser de outro modo: em se tratando

de uma investigação inicial, exploratória, de geração de hipóteses, não cabem,

logicamente, controles maiores na escolha do "adjetivo" (os pacientes hipertensos) já

que o foco da atenção é o "substantivo" (o sentido do medicamento).

Com efeito, o que se busca, basicamente, é investigar o

sentido do medicamento nas formações sociais capitalistas, dentre as quais a

brasileira.

Nesse contexto de preocupações, parece-nos necessário,

primeiramente, firmar este ângulo de abordagem do campo da saúde pública e da

Educação em Saúde Pública. Ora, isto exige um investimento inicial que deve se

concentrar na tentativa de apresentação, elucidação, deste ângulo de visão, antes de

se partir para investigações empíricas relativas a populações específicas.

Parece-nos destituido de racionalidade científica um

empreendimento que busque investigar sujeitos com vistas à produção de

conhecimentos sobre estes sujeitos, antes que a temática de investigação esteja

suficientemente assentada como campo teórico.

Seria o mesmo que, por exemplo, produzir-se um trabalho

sobre as razões do desmame precoce em puérperas da região X, sem que na reflexão

teórica sobre Saúde Pública, Nutrição em Saúde Pública e Educação em Saúde

Pública, houvese consenso sobre o valor do aleitamento natural.

Assim sendo, não se pode, desse trabalho, deduzir um

conhecimento sobre o "sentido do medicamento para os pacientes hipertensos". Os

depoimentos dos pacientes hipertensos, neste trabalho, não aparecem - a não ser

marginalmente - enquanto contribuição para o conhecimento do sentido do

41

Page 45: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

medicamento para o hipertenso mas, ao contrário, como contribuição do hipertenso

para o sentido do medicamento (ver:nI.14: "O hipertenso como consumidor exemplar.

de medicamento".)

2.2.2. - Pesquisa Qualitativa

Agumas razões fundamentam a presença, neste trabalho,

da pesquisa qualitativa, entendendo-se por pesquisa qualitativa, neste

caso,basicarnente, uma investigação que elege como prioritárias a profundidade e a

literalidade do depoimento dos sujeitos (v.QUEIROZ (62,63) e que utiliza o que

BECK.ER (7) chama de "dados ricos,ainda que não sistemáticos".

Estes "dados ricos", no nosso caso, são

constituidos,basicamente,por textos publicitários (propaganda de medicamentos em

revistas médicas,na televisão, no rádio; propaganda de empresas de prestação de

serviços de saúde,etc.), artigos de jornal ou revista, reportagens, bulas de

medicamento, folhetos de propaganda de produtos naturais e outros.

Estes "dados" envolvem informação veiculada através de

signos ou associações sfgnicas de caráter arbitrário (ou convencional) como as

mensagens verbais, e de caráter motivado (ou analógico)* como fotografias,

desenhos, cores,disposições espaciais,etc.,ou de caráter misto, que combinam

"arbitrariedade" com "motivação" (por exeplo, palavras + imagens fotográficas).

• A oposição: arbitrário/motivado diz respeito às relações entre o significante (a parte concreta, material, do signo, ou símbolo, ou fcone)e o significado (a parte ideal, ou conceitual do signo, ou símbolo ,ou ícone). Diz-se que um signo é arbitrário quando seu significante não mantém qualquer tipo de relação natural com seu significado, sendo portanto convencional a relação entre êlesAo contrário, um signo é motivado quando seu significante (por exemplo, a cor verde) tem algo a ver com seu significado (por exemplo, a ideia de natureza). Ver a respeito TODOROF (76).

42

Page 46: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Fica claro portanto que a pesquisa qualitativa diz respeito

ao trabalho como um todo e nio apenas a08 depoimentos dos paclentes hlpertensos.

Isto em função da natureza mesma do trabalho,ou seja, ao fato de que seu objeto

central -o sentido do medicamento- é analisado do ponto de vista do social, do ponto

de vista do indivíduo e, marginalmente, do ponto de vista do médico.

Portanto, o empírico, neste trabalho, diz respeito tanto a

depoimentos de pacientes hipertensos quanto à propaganda de medicamentos em

periódicos médicos, bulas, adesivos, propagandas de televisão, depoimentos de

médicos e outros dados, que constituem a matéria documental (V. Anexo) sobre a

qual se apoia o trabalho,para o levantamento de hipóteses sobre o sentido do

medicamento.

No que diz respeito aos pacientes hipertensos,foram

escolhidos para entrevista clientes, de ambos os sexos, matriculados no Centro de

Saúde "Geraldo de Paula Souza", da Faculdade de Saúde Pública, no programa de .

controle de hipertensão, na faixa etária adulta (a partir de 20 anos).

Foram .selecionados para análise, dentre as entrevistas

realizadas - excluidas as entrevistas de pré-teste do instrumento - douze depoimentos.

Como o que interessava nos depoimentos dos hipertensos

era, basicamente, o seu convívio com o medicamento, foram excluidos da investigação

aqueles pacientes que tinham convivência recente como medicamento (menos de um

ano).

Por que paciente crônico?

43

Page 47: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

o paciente crônico, acompanhado por serviços de saúde ~

alguém que convive com o medicamento. O medicamento é. pois, para este paciente,

um objeto que faz parte de sua experiência cotidiana de vida. Isto dá uma

característica específica a este tipo de consumidor de medicamento, que é importante

para a finalidade deste trabalho.

Enquanto paciente crônico, o hipertenso é um

consumidor crônico de medicamento, o que permite obter, com facilidade, por seu

intermédio, dados sobre o sentido do medicamento na medida em que, para este

indivíduo, o medicamento é um objeto extremamente familiar.

Por que paciente crônico hipertenso?

o paciente crônico hipertenso é um tipo especial de

paciente crônico na medida em que a hipertensão é uma condição orgânica que não

se traduz, necessariamente, por sintomas que possam configurar, para os pacientes,

em incômodos.

Nesse sentido, este paciente apresenta uma característica

peculiar que merece ser resgatada e que está ligada ao fato dele ser, algumas vezes, o

consumidor de uma mercadoria cuja "necessidade" correspondente é problemática.

Ora, este fato é, para nós, em função da perspectiva

teórica adotada (que, entre outras coisas, questiona o conceito de necessidade e o de

consumo - ver 1.1.6.:"Saúde e necessidade de saúde"),um fator que justifica a escolha .

do hipertenso como população-alvo

Os depoimentos foram coletados através de entrevistas

abertas com roteiro (anexo).

44

Page 48: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Foi utilizado gravador para registro dos depoimentos.

o instrumento foi pr~-testado em pacientes crônicos e

não crônicos do Centro de Saúde "Geraldo de Paula Souza".

Para se chegar à forma definitiva do roteiro de entrevista

aberta passou-se por duas versões preliminares do instrumento que tinham, ambas, o

caraterlstico de contgerem perguntas ou situações estimuladoras mais "fechadas" que,

por conseguinte, conferiam um cunho mais dirigido ou diretivo à entrevista.

A idéia inicial era se obter a expressão mais concentrada

do entrevistado em relação ao sentido que ele conferia ao medicamento.

Percebeu-se contudo que este tipo de instrumento não

produzia os resultados desejados; ao contrário, este tipo de perguntas ou situações

estimuladoras introduziam, na situação de entrevista, um clima de formalismo e

constrangimento relativo do entrevistado, que inibia a sua expressão mais aberta e

livre sobre a temática.

Por esta razào,optou-se por um instrumento mais aberto

e, além disso, por um grau maior de liberdade ao entrevistador na condução da

entrevista.

As entrevistas foram todas -com uma única excessão­

realizadas no domicílio do entrevistado, com o objetivo duplo de:

-descaracterizar qualquer tipo de situação de "cobrança"

da parte do pesquisador, em relação ao cumprimento ou descumprimento das

recomendações médicas e

4S

Page 49: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

-permitir um clima menos "médico" - que possfvelmente

estaria presente se a entrevista fosse realizada no Centro de Sa6de - e mais propício

ao relato de vivências pessoais, cotidianas, enfim, "dométicas", sobre o medicamento.

Basicamente, duas perguntas funcionavam como

"estímulo" para obter-se o depoimento dos entrevistados: a questão 1 (referente ao

histórico da doença) e a questão 2 (referente ao significado do remédio na vida do

entrevistado ).As outras questões entravam no decorrer da entrevista, no momento

considerado azado para destacar ou fazer emergir o sub-tema a que se referia a

questão.

Por conseguinte, nossa intenção precípua na entrevista

era a de criar um clima familiar, distendido e amistoso, para que a vivência do

depoente, sobre o sentido do medicamento, fluisse o mais livremente possível

A insistência, que às vezes se fêz necessária por parte do

entrevistador, na busca de maiores informações sobre aspectos específicos do

depoimento,não implicou em "condução" ou indução de respostas, já que a situação

de entrevista permitiu afastar qua)quer suspeita, da parte do entrevistado, de se estar

buscando (e menos ainda de se estar tentando "arrancar") respostas "certas",

''verdadeiras'' ou "desejáveis".

22.3. - O Cotidiano

Umas das razões que está na base da escolha da

metodologia qualitativa para a parte deste trabalho em que se busca estabelecer o

46

Page 50: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

"ponto de vista do indivíduo sobre o medicamento" (Capftu10 lU), advém de fato de

que se busca, em alguma medida, investigar o universo da convivência cotidiana com

o medicamento.

LUDKE e ANDRÉ • (47) na obra "Pesquisa em

Educação: abordagens qualitativas" citando BOGDAN e BIKLEN, colocam algumas

das características da pesquisa qualificativa, dentre elas o fato de que "o interesse do

pesquisador (qualificativo) ao estudar um determinado problema é verificar como ele

se manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas internações cotidianas" (pag. 12)

(grifos nossos).

2.2.4. - Entrevistas livres

A busca do sentido desta convivência implica,

metodologicamente, em entrevistas livres ou abertas.

Nesse sentido, como afirma QUEIROZ (62): "O primeiro

passo será colher depoimentos através de entrevistas gravadas, mantendo com a

máxima fidelidade as próprias expressões dos informantes e sua maneira de encadear

os fatos; portanto entrevistas livres. Segundo Roger Bastide, a "técnica da liberdade"

revela muito mais a realidade, mesmo quando sob a aparente desordem, do que

entrevistas muito dirigidas ou questionários. As intervenções dos pesquisadores

serão feitas somente quando se mostrar necessário; por exemplo, quando o

informante descreve uma passagem peculiar de sua vida, podemos pedir maior

precisão sobre a época do acontecimento, ou sobre as pessoas envolvidas".

É claro que a expressão não é totalmente livre porque

• LUDKE e ANDRÉ, na mesma obra aftrmam: "O significado que as pessoas atnbuem às coisas e à sua vida são focos de atenção especial pelo pesquisador" (pag. 12).

47

Page 51: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

está circunscrita à temática da pesquisa, o que tem certas implicações metodológicas.

Como afirma QUEIROZ(61) "ainda em relação aos depoimentos pessoais, podemos

concluir que muito embora apresente caráter de não diretividade, pelo emprego da

"técnica da liberdade", cabe ao pesquisador ter claramente definidos os problemas a

que se propõe investigar e o roteiro dos temas que pretende tratar com o pesquisado.

Este roteiro precisa ser flexível, de modo a permitir ao pesquisador a incorporação de

novos temas, que muitas vezes surgem do próprio relacionamento pesquisador­

pesquisado, ou, em outras palavras, temas que surgem no decorrer da própria

entrevista".

2.2.5 -wo com sentido x sentido da ação.

Um ponto no âmbito metodológico desse trabalho nos

parece importante assinalar: diz respeito ao papel da entrevista aberta (68) frente à

oposição: ação com sentido x sentido da ação.

Assinala CALDEIRA(15) "A entrevista aberta não é um

acontecimento corriqueiro, mas um momento especial, no qual as pessoas são

arrancadas do imediato do cotidiano vivido ao serem solicitadas a considerar assuntos

dos quais não se fala todos os dias, a relacioná-los, a olhá-los de longe, em uma

palavra, o que se pede às pessoas é "parar para pensar" (pag. 114) (grifos nossos).

Parece-nos importante assinalar que a idéia de que, na

entrevista aberta, "as pessoas são arrancadas do cotidiano vivido ... " expressa uma

posição do que merece ser matizada.

No caso de uma pesquisa como a presente, em que se

busca resgatar a vivência cotidiana com o medicamento, esta entrevista pretende, ao

48

Page 52: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

contrAro, ser uma oportunidade e um instrumento através do qual se busca reduzir ao

mínimo a distância entre a a~ao com sentido. Que é vivida no cotidiano. e o sentido

Q,Ue o depoente atribui a esta a~ao. em seu depoimento.

É evidente que a entrevista aberta sobre o vivido

pressupõe um distanciamento entre vivido e a sua expressão na entrevista. Sem

dúvida a entrevista (a aberta inclusive) é um momento de reflexão sobre o mundo, é

um parar (de viver) para pensar o vivido. O problema está em que às vezes como no

caso presente, não se busca "arrancar as pessoas do imediatismo do vivido" mas ao

contrário, o que se quer é que elas permaneçam o mais próximo possível desse .

imediato vivido, para que se possa recuperá-lo da maneira a mais intacta possível,

enquanto ação com sentido. Podemos comparar, idealmente, esta ação com sentido

e a entrevista aberta a um objeto que o arqueólogo busca recuperar, preservando o

máximo possível a sua integridade como objeto.

Em nosso caso, a ação de consumir cotidianamente um

medicamento está sempre acompanhada ou impregnada de um determinado sentido,

que faz parte da vivência cotidiana do paciente hipertenso: é esse sentido que se

busca recuperar através da entrevista aberta.

É claro contudo que fora das técnicas antropológicas de

observação participante, não há outra maneira de obter-se esta vivência que não seja

através de um discurso verbal do entrevistado sobre essa vivência.

49

Page 53: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Ora, a partir do momento em que temos um discurso, do

paciente, sobre sua vivência, numa situaçâo de pesquisa, estamos nos distanciando do

nosso ideal que é o de, através de um discursa da vivência, recuperar, intacto, o

sentido que acompanha esta vivência no imediatismo do cotidiano.

o que se busca então, através da entrevista aberta, é que

o discurso sobre a vivência se aproxime o máximo possível do discurso da vivência.

2.2.6. - Vivência e subjetividade

Foram colhidos depoimentos de pacientes hipertensos

que relataram suas vivências em relação aos temas do presente trabalho.

A experiência subjetiva que emerge destes relatos,

segundo DENZIN (26), não significa que se pretenda "psicologizar" o fenômeno.

A opção por esta linha de trabalho,com suas

consequências metodológicas, deriva de nossa percepção de que o campo da Saúde

Pública e da Educação em Saú~e Pública, encontram-se, grosso modo, na situação

descrita por BECKER (7),a propósito da história de vida mas que, cremos,se aplica à

pesquisa qualitativa de um modo geral. Afirma o autor: "a história de vida ( ... ) pode.

ser importante no momento em que uma área de estudos tomou-se estagnante, as

investigações prosseguem, envolvendo um número pequeno de variáveis, com

precisão crescente, recebendo-se no entanto incrementos minguados de conhecimento

para o desenvolvimento do campo. Quando isso ocorre os investigadores devem

proceder coletando documentos pessoais que sugerem novas variáveis, novas

questões, usando dados ricos, ainda que não sistemáticos para empreender a desejada

recuperação do campo" (pag. 424).

50

Page 54: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

CAPITULO I - O MEDICAMENTO DO PONTO DE VISTA DO SOCIAL

Page 55: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

1.1 - Saúde como mercadoria

Page 56: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

1.1.1 • Srulde como bem de consumo

Como passo inicial na busca do sentido do medicamento

na nossa sociedade é necessário indagar do sentido da Saúde, que é, segundo cremos,

o campo sacio-semântico ao qual está vinculado o medicamento.

Com este fim, pretendemos, neste capítulo, explorar as

consequências do fato empírico, constatável pela simples observação do senso

comum., de que a saúde está, na nossa sociedade, associada a bens de consumo que

aparecem como propiciadores de saúde: medicamentos, seguros saúde, yogurtes,etc.

Ou seja, de que a saúde faz parte, na nossa sociedade, do

funcionamento corrente do sistema produtivo de bens de consumo. O que equivale

dizer que a saúde (através das mercadorias de saúde) é um produto a venda no

mercado, da mesma forma que o transporte individual( através do autom6vel), da

mesma forma que o abrigo, (através da moradia), da mesma forma que o lazer

(através da televisão).

Nesse"sentido, a saúde pode ser entendida no Brasil como

uma resultante da sociedade na condição de máquina de produção de mercadorias.

Vejamos alguns exemplos de como a saúde aparece, na

qualidade de bem de consumo nos meios de comunicação.

A saúde é: o alho que imuniza, as novíssimas curas do

câncer, a vacina certa para a alergia ao pó, o remédio que desperta o desejo sexual, a

dieta da associação americana do coração, o Lithotriper da Amico, os tratamentos da

Clínica Adventista de São Roque, os SP AS, ou seja "centros de tratamento de

51

Page 57: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Ano 5 · N." 9 · 1988 • CzS 400,00

o LANCE _ DA IMUNIZAÇAO NATURAL

....

\S NOvíSSIMAS CURAS DO CANCER ~DO SOBRE O r~IRACULOSO ORETO DE MAGNÉSIO

'. SIGA.A DIETA DA ASSOCIAÇÃO AMERICANA DO CORAÇÃO

~RGIA A PÓ: ACERTE A VACINA --

Page 58: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

ro a saúde de todas vai ser cuidada equipamentos

e com a mais alta ia. Vai ser cuidada aAMICO.

aAMICOvem no tempo,

ionando a seus iários o que há de

çado em termos na. A exemplo MICO montou no Indianópolis o seu

centro de parp cuidados

de. E o Centro de to de Cálculos

No CrCR está

instalado o Lithotripter, o único aparelho destinado a fragmentação de cálculos renais sem cirurgia, realmente com resultado comprovado e aprovado pela FDA (Departamento Americano de Administra­ção de Alimentos e Drogas).

A AMICO através de sua estrutura própria garante sempre o mais alto nível de atendimento para seus beneficiários , dando-lhes a certeza de que em todos os setores da medicina, o futuro chegou ontem e está à sua disposição.

Page 59: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

••• io , caroltla "ral • 10 corte ~ .ubaldlo da

de trl,o. deter­pelo ,overno, a

*-cua OItar' minndo (e ao

tempo ajudando bater a infbç!o) r prod utos da

, mail baratos. e bolai diferen·

OItOIOS podem ler Clpecialmente

~poca do ano. produtos comQ

ioca, batata doce. inhame estio com

coavidativol em •• upermercadol e

No llpecto nutricio· 011, a preparaçlo de alimento. obedece a oormu tradicional., villodo a agradar opa· ladar e u predlleç6e1 de cada um. Economi· camente, conliate no emprego adequado e lu· crativo de dinheiro; ener,ia e tempo.

O alimento vale pelo que representa em valor nutritivo. possibilida· dei de aproveitamento e facilidade de preparo e conlervaçio.

O preço reli tem que acr equivalente ao culto do alimento e quantc ele representa depoil de pronto, incluindo gu· tos de preparaçio.

Com a .io .a .1111

a quantidade dOI lo,re­dlentea do fatore. Im­porlante. quanto 10 va­lor nutritivo do pio ca­.. Iro, 5ubltUua com lU­ce'lO 11 .. 1 In,redlenlll na I ua receita.

A ',ua pode ter .ub.­tllurda por le'-, "ua do cozimento de horta· Iiça. (abóbora, batata, -:ar', maodioquloha, Jnhame, batall doce, mandioca), caldo de le· iumino.u (fe~, lOja, lentilha, ervilha); " ~Ieo pela banha ve,etal. mar,ariol, ,ordura animal derretida (tou· cinho).

'Milturc e enriqueça

A farinha de tri,o

"~5 ~Ao PlUlo, a,olto lIe 1988

Deve- .. u.ar, ainda, maior Iluanllded. de li­quido, J' que a farloba de trl,o Inll,ral 11m maior oapacldede de ablOrçlo,

A fulnha de OIotelo nlo conl4m ,1'lIn e • ullda lamWm com farl­oha branca, na melma proporçlo que a fari­nha de trl,o lote,ral.

O fub' de milho I! utilizado no pre paro de pie. com fermeoto quf· mico em pó e reau)ta oum pio mal. leve quando conÚm aÚ 50% de farinha branca.

Deve·a.:: u.ar, ainda, maior quantidade de 11-quido, J' ,ue a farinha de trigo nte,ral tem

maior capacidade de ablorçAo.

O fub' de mUho • utilizado no prepuo de plll com fermeoto qur­mico em pó e ,.Iulta oum pio Dlall leve qUlDdo cooúm ali '09b de farloha de trl,o branca ou iote,ral.

Da meama f C/r ma, a fuloha de lOja' utili­zada numa proporçlo de I a 2 colherea de (la­pa) para cada dcara de farloha de trigo braoca, com o Intuito de uri­Cjuecer o prepuDÇ60. J' que pollui alto teor de protefnu.

A farinha de lOja tam~m oio contl!m ,Ióten, mu lua protelo na complementa a do

Irl,o. Por lua, '1 comblnaçlo ~ boa, deI< que r'lpeiladu li pr( porç6e. a aerem ulll l uda •.

Como co.a.,,,ar

O pio feito em ea. ,deve aer cooacrvad embrulhado em ,uarda oapo de pano ou em lat durante I ou 2 dill. Po de aer tam~m emblladl em .ICO pl,.tico e ,Dar dado na ,eladeira.

A Secretaria dI . Abuteclmento, atravl!,

da Caixa Po.tal do Con· .umidor n. 66.514, Cep 05389, SIo Paulo. dI maiore. in formaçõcs I

remete, a quem IOlici· tar. um manual de piei caaciro •.

~~art:u~ ~~:~~·lu~::.na~ l' I .. I~ II'I'A 1_111' SI 1.;1 após IOvada, incorporar NÃO "AÇA DO ALlIIENTO O SEU TORMENTO ar para fermentar e portanto ctelCCr. Eztraill 11 6ord .. rll dos e".b'dido •• a .Dlall/lla da balam

A farinha de trila III,le.lI. O. ,a.e. da batatll doce. 11. tozllla. dlls carM •. integral pura. quando wrll .. ra. e le,_es e cozi,,1re 5 prllto. CtNR _ .6 bico ú utilizada no preparo de ,d. e". 40 "./11.110 •• eU".illlllldo 6leo. ,ord .. ra e tem~ro, ~/o pies, resulta numa mu· proce •• o '.'~.to Cooler" (cozi".ellto 11 .,apor). O invelltor. q_ .a pegajosa que nio po. w". " údú:a"do e". dllr 11.111. prdtú:tu e palestras sobre de acr lavada e usim o 11'" d tk glóten nio ae delenvol. e.te te". 11. qwr e.telltU·llI. } .. "to • preJelt .. ras ... fi; a s ve. Por eate motivo. de- doezlrdto.lto.pltllis. lu.oclllÇ6e. de ""ltora. dOfla. tk casa,

O pio t! p~r:~e~p~a~ra~d~C;.J.~v~e~ae=r~u:sa~d~a~,&~~a;fro~.~_ H-.....;J.~4I;;b~. jrÚ:ífi.~' .~'~.~«~.~~'~'~'ritc""ri-'~~ã'!!r;~:1!!!l9 -1Úl . kr.riflirJo

_ com. quatro il!J red ' . -, •• ".a. nirelli-di.~sa. ú ,,,age"s. FOIIe: (011) 220-0775 CCMI lod Ber"lUde. I"'ior.

empenhando acu o Duma adaptaçio roporcionan ali· lo variada para a

" . pio feito em cua

ia .. borolO e ou· , pois vod me.· rUiCl a qualidade rcdiente. que in r DO aeu preparo.

vezes. fica atl! barato que o in·

izado.

I"Q de rrigo j,,'e· Quaado pu fi, a fica pegajosa e

rmite acf IOvadIL Ito I! duro e pe~

Eata farinha oc· de maior quanti· Uquido na hora

Plro de pies, pois butaate "ua.

lia lU c.,,'eio. te l farinba de

lte,ral. • IIIU"O, Muito

aa fabrica· pica com fero

qDlmico em pó. IN « lOja. Me·

nlor Dutritivo • quando adicio·

proporçio de duu colberes

peo cada dcara ba de trigo.

Farinha. Pode- ae UIII

qualquer tipo. A de trio go deve acr mordI- Ou· tru farinhu , como centeio, germe de trigo, farelo. fub'. farinba de milho, necessitam de miatura de farinha de trigo braoca para dar Iigl-

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Page 60: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Uma terapia

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Page 61: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

problemas causados pela agitação da vida moderna • excesso de peso, stress,

ansiedade, tensão e perturbações nervosas, que se estão disseminando de forma

generalizada em todo o país".

Note-se que todas estas peças de propaganda (que.

constituem pequena amostra de uma infinidade de outras peças semelhantes) são,

explicitamente, definições sociais de saúde onde esta aparece incorporada a

mercadorias e serviços que a representam, de tal sorte que é perfeitamente legítimo

sintetizar o sentido destas peças como o fizemos, ou seja: "a saúde é: (nome do serviço

ou mercadoria)".

A título complementar vale ainda mencionar algumas

peças publicitárias (1988,1989) com o mesmo teor:

- "Droga Raia: saúde é a nossa preocupação"

(propaganda em farmácia; "lema" da farmácia);

- "máscara para os olhos Termo Gel - Beleza e Saúde

para os seus olhos" (propaganda em ônibus);

- "Ligue para a saúde, ligue para a "Blue Life"

(propaganda em rádio);

"Tome uma atitude saudável.Ligue para a

Amil:dois,tres,um,mil" (propaganda de televisão);

- "Golden Cross: saúde em primeiro lugar" (adesivo);

- "Saúde: quando é preciso levar para o hospital" (sub

título de revista -Pais e Filhos 2,1988)

- "Eu tenho Saúde Bradesco" (adesivo);

- "Yogurte Danone :sua dose diária de saúde" (rótulo de

yogurte);

52

Page 62: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

• "Yacu1t: o doce gostlnbo da sa6de" (propaganda de

televlslo ).

1.1.2. - SaÚde,mercadoria. a1iena~ão e reifica,âo.

De acordo com a perspectiva teórica adotada, a saúde

pode ser vista nas sociedades capitalistas como a brasileira como um ente exterior do

tipo mercadoria. Define MARX, in: HORTON (39) à mercadoria como: " ... antes de

mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz as

necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do

estômago ou da fantasia" (pag.S3) (destaques nossos).

Para entender a saúde como um ente exterior, a

mercadoria, e para comprender o que isto significa devemos introduzir os conceitos

de alienação e reificação.

o que na teoria marxista aparece como processo de

alienação e reificação segundo HORTON (39) pode ser descrito como crítica da

separação do homem e da sociedade: "Marx acentuou o lado humano e ativo da

relação homem-sociedade, negando radicalmente o dualismo. A atividade social e

humana do homem é o seu trabalho; os produtos do trabalho, incluindo a sociedade,

são extensões da própria natureza humana. Portanto o homem é a sua atividade, é

seus objetos, o homem é a sociedade. Qualquer reificação dos objetos humanos,

qualquer transcendência do produto dos homens sobre fIes mesmos (destaques

nossos) que os impeça de visualizar seus interesses, suas habilidades e seu poder ali

expressados e afirmados, vem a ser a evidência da alienação do homem de sua .

própria atividade, de seus objetos, de si mesmo. A noção total de alienação do social

pressupõe esta concepção imanente da natureza humana.

53

Page 63: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

"A alienação é um estado histórico ( ... ) A obra de Marx

poderia ser interpretada como uma análise empírica do processo histórico no qual o

homem se torna separado e reunido à sociedade como indivíduo" (pag.97).

A área da saúde, no capitalismo, não escapa da alienação

e da reificação (23,32,48,56,61, 74, 80).

No que tange especificamente à medicina QUEIROZ

(61) ilustra este processo ao afirmar: "Sob o ponto de vista da relação médico -

paciente, o desenvolvimento da medicina ocidental moderna tem sido visto como um

processo pelo qual o paciente perde a sua integridade e consciência de si mesmo e se

toma objeto de manipulação" (pag 312).

1.1.3 - A saúde e a tensão entre o bem e o mal

A saúde só passa a ter sentido, no contexto de uma

sociedade alienada, dominada pela mercadoria, quando acoplada à doença, ou à .

ameaça de morte, ou à dor, ou ao desprazer, ou à feiura, ou à fraqueza. São estas (e

outras) condições negativas que fazem a saúde existir, com sentido, na sociedade da

mercadoria, porque a lógica da mercadoria, que pontifica, é a de negação do negativo.

Com efeito, qualquer produto ou mercadoria ou serviço

aparece sempre, socialmente, provida, nas formações sociais capitalistas, do sentido

ou significado básico, que lhe confere o senso comum, de coisa ''benéfica'', que

aparece como "solução" de uma situação ou estado malefico prévio ou como recurso

para evitar o surgimento de estados ou situações como a doença, a morte, a

miséria,etc.

54

Page 64: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Os produtos alimentícios são entidades benéficas cujo

sentido é "solucionar" estados maléficos como a fome, para conduzir a estados

benéficos como a saciedade; a casa é vista como um bem para evitar o mal do relento;

da mesma forma que o "bom cobertor existe para evitar o "mau frio"· , a escola para

evitar a ignorância·· e assim sucessivamente.

A saúde não foge à regra: s6 existe com sentido, na e para

a sociedade da mercadoria porque faz gerar produtos cuja função maior é fazer face à

situação ou estado maléfico antagônico ao estado de saúde.

É este, segundo cremos, o fundamento que permite a

LUZ (48) afirmar: "Ao se falar de saúde .... esta-se falando num setor de instituições

do Estado que se ocupa da prevenção ou cura das doenças das camadas mais amplas

da população. Tal concepção aparece referida não propriamente à sanidade, ao ''bem

estar", mas, ao contrário à doença. Doença que tem que ser controlada, ou prevenida

senão eliminada" (pag.61).

Nas formações sociais capitalistas, como a brasileira, o

sentido das mercadorias de saúde (dentre as quais o medicamento) é, portanto, o de

aparecer como "solução" de uma tensão entre estados humanos antagônicos: um

estado "mau" de carência ou necessidade*** de saúde um estado bom de satisfação,

• Há a1guns anos atrás, havia, na televisão brasileira, uma peça publicitária de cobertores das Casas Pernambucanas em que o -frio" aparecia como figura má, para destacar, por contraste, o caráter benéfico do cobertor .

•• Que esse sentido "natural" e a-historico das mercadorias e serviços não o é, de fato, ficou patente em alguns estudos clássicos sobre a função social da Escola. Contrariamente à idéia do senso comum, a Escola não existe para evitar a ignorância mas para reproduzir as estruturas sociais existentes. A respeito, ver ALTHUSSER(l); BOURDIEU e PASSERON (11) . * * * Neste trabalho não se discute, a nivel conceitual, necessidade.Portanto, não se opta por qualquer. conceito de necessidade; não evidentemente porque se considere esta discussão irrelevante, mas simplesmente porque o que se procura mostrar aqui é a manipulação -produtivista- da necessidade (na

55

Page 65: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

que podemos sintetizar como ENs-Ps Es, ou seja, Estado de Necessidade de saúde -

Produto de saúde· Estado de Satisfação de saúde.

1.1.4 - A ampliação do ~au de necessjdade de saúde

Mais genericamente podemos colocar que para a saúde

ser oferecida como mercadoria - que é a Necessidade do Sistema em sociedades como

a nossa - é preciso que se amplie o grau da sua inexistência nos indivíduos, é preciso

que os indivíduos tenham expandido o seu grau de carência de saúde.

Nesse sentido, vale como ilustração uma reportagem da

revista Manchete (20) intitulada: "Como perder peso e ganhar saúde: a dieta ideal".

Afirma-se na reportagem:"

Finalizando esta série, Manchete, publica agora tudo o

que você precisa saber para montar a sua dieta ideaL Com ela, se obeso voce vai

emagrecer. Se já é magro, coquistará o peso que sempre sonhou. Se é dono de um

físico perfeito, além da boa fonna, você vai adquirir mais saúde e diposição, mais

imunidades contra as doenças, sem falar na alegria de viver, uma consequência

natural de tudo isso. "

o comentário mais obvio que se pode fazer a respeito

deste texto é dizer que literalmente todas os leitores da reportagem se enquadram no

grupo (teoricamente composto por todos os seres humanos) dos carentes ou

necessitados de saúde: os magros, os gordos e os de físico perfeito. Vale notar

acepção do senso comum), tal como é expressada (e confessada), sinteticamente, na nota de rodapé da página 69.

56

Page 66: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

também a presença do que poderíamos chamar de -sa6de elástica".: ("mais" saúde e

disposição", "mais imunidades contra as doenças") e da 886de como sonho: (a "alegria

de viver" e o "peso que sempre sonhou").

Outra ilustração da plasticidade do conceito de saúde e .

de necessidade de saúde pode ser dado pelo folheto publicitário do BIO da

Danone(anexo). Nele é dito:

':4 flora lactica viva do Bio da Danone facilita a digestão,

pois apresenta proteinas pré-di geridas, que melhoram o trânsito gástrico e o bem

estar digestivo. Bio da Danone atua:

· na regulagem do trânsito intestinal

· na proteção da flora intestinal

. na reposição da flora após o tratamento com

antibióticos

· no combate à constipação e à diarreia

· na inibição da proliferação dos gennes patogénicos

· na desintoxicação intestinal

Bio é altamente nutritivo, ajuda a melhor assimilação do

ferro no organismo, além de ser excelente fonte de cálcio e proteinas de alta

qualidade, o que favorece a mineralização ossea "

Da mesma forma que na reportagem de Manchete,

qualquer indivíduo pode se enquadrar como necessitado de Bio, ou seja como

indivíduo não saudável ou não suficientemente saudável, pelo modo como o texto

coloca suas afirmações.

* Como se percebe, a ·saúde elástica" é uma idéia feliz, para os propósitos de mercantilização da saúde, na medida em que, sendo a saúde elástica, é sempre possível atribuir aos indivíduos a condição de carentes e necessitados de saúde, ou seja, de produtos de saúde.

57

Page 67: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Com efeito, quem, em sã consciência, pode dizer que o

seu "trânsito gástrico" ou seu "bem estar digestivo" não pode ser melhorado? Quem

não deseja ver a sua flora intestinal protegida? Quem não quer ver inibida a

proliferação de germes patogênicos no seu organismo, ou seu intestino desintoxicado?

Quem não deseja ver o ferro em seu organismo melhor assimilado? Quem pode

dispensar uma excelente fonte de cálcio e proteínas de alta qualidade?

Vai na mesma direção o folheto de propaganda das

capsulas de óleo de alho cru, óleo de fígado de bacalhau e óleo de germe de trigo

(anexo).

Neste folheto está colocado, como sub-título: "O segredo

da vida longa e saudável". Sob este título é colocado:

"O óleo de alho cru, o óleo de germe de trigo e o óleo de

fígado de bacalhau Naturalis, ricos em nutrientes nobres, tem ação protetora sobre as

artérias e proporcionam melhor nutrição e oxigenação das células, evitando, desta

forma, os fatores que determinam o envelhecimento precoce do organismo'~

Nutrir e oxigenar as células evitando, com isso, o

envelhecimento precoce do organismo são, também, propriedades de mercadorias de

saúde "irrecusáveis" por qualquer indivíduo normal, ou seja, que não deseja

envelhecer precocemente.

58

Page 68: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

1.1.5 - Hipertrofia da dimensAo on:ânica da saOde

Os processos de alienação e reificação, para serem

adequadamente entendidos devem ser traduzidos para o léxico da saúde pública em

termos de hipertrofia da dimensão orgânica da saúde em detrimento das suas

dimensões não orgânicas( 48, 80). Este processo de hipertrofia é tanto mais eficaz

quanto não aparece como tal, já que a doença ou a saúde aparecem "naturalmente",

"expontaneamente" como fatos orgânicos. E esta aparência é grandemente reforçada

na medida em que todo o investimento da tecnologia chamada de "saúde",

crescentemente sofisticada, tem seu "locus" de manifestação neste mesmo nível

orgânico (inclui do aí o mental).

Explorando a relação entre alienaçãojreificação e

hipertrofia do componente orgânico da SaúdejDoença,diríamos que à

reificaçãojalienação, ou seja à hegemonia das mercadorias sobre o Homem, ou seja,

das coisas que o Homem faz sobre este mesmo Homem, corresponde o

prevalecimento da visão da Saúde e da Doença apenas como coisas, como

"concretudes" primárias.

A Saúde e a Doença como "concretudes" primárias

traduzem-se, por sua vez,em Necessidades (dor,fome, calafrios, febre, enfim,

sintomas, sensações concretas) e Necessidades Satisfeitas (sensação concreta de alívio

da dor, ausência de febre, enfim, anti-sintomas).

Estas Necessidades Satisfeitas, finalmente, fusionam-se,

confundem-se com as Mercadorias, instrumentos desta Satisfação, coroando todo o

processo.

59

Page 69: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

A propaganda do medicamento Hepatoviz fornece um

exemplo claro deste processo quando afirma que "Hepatoviz é a Saúde do leU figado"

(da mesma forma que a propaganda da Goldem Cross, quando afirma que "Golden

Cross é Saúde em boa companhia).Ou seja, a sensação de saúde do fígado, a saúde do

fígado como estado orgllnico desloca-se para a mercadoria Hepatoviz.

Este processo tell\ é claro, um substrato mágico: como o

mago, com seu "passe de mágica", subtrai alguma coisa à vista do espectador para que

ele tenha a sensação de que "o coelho saiu da cartola", a propaganda de Hepatoviz

subtrai, não à vista mas ao racioclnio, ao encadeamento lógico, a sensação de saúde

do fígado, passando direto (a ideologia ou efeito ideológico é,com efeito, uma

espécie de "curto circuito") para a saúde do fígado concentrada na mercadoria ou

tomada atributo essencial desta.

Mas este processo não é só isso, não é apenas um truque,

um "trompe 1'0eil".É mais do que isso, é mais sutil.

Com efeito, como ter a-tão desejada, primária, imperiosa­

sensação de saúde, sem a mercad.oria? Afinal, não seria o Homem, por si só, sem a

mercadoria (que é a forma histórica secularizada das "poções mágicas" do feiticeiro)

absolutamente incapaz de auto-gerar a sensação de alívio, o anti-sintoma, enfill\ a

Saúde?

Com efeito, uma vez que se adentra neste terreno

pantanoso, permanece-se preso a uma armaldilha ideológica e conceitual da qual não

é possível escapar sem uma crítica profunda dos conceitos que conformam esta

mesma rede (ou armadilha). Um destes conceitos, a ser criticado, é o de Necessidade

de Saúde.

60

Page 70: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

1.1.6 - Sa6de e necessjdade de sa6de

A resultante deste processo de produção social do sentido

da saúde é, então, o que poderíamos chamar de Constituição da Necessidade de

Saúde.

o conceito de Necessidade de Saúde é o que opera, na

produção social do sentido da saúde, a "naturalização" de todo o processo, aparecendo

a mercadoria como resposta às necessidades, "naturais"· do homem

Como afirma CORDEIRO (23): Os conceitos de

necessidade e consumo médicos" não são compreendidos como um conjunto de

necessidades e formas de a satisfazer imutáveis, inerentes à natureza humana e aos

requisitos funcionaisda sociedade. São necesidades que se criam, que são cultivadas,

inculcadas e conquistadas a partir de práticas econômicas, políticas, e ideológicas que

caracterizam as práticas institucionais do complexo médico industrial e das classes e

grupos sociais" ( pag.177).

Mais genericamente coloca BAUDRILI.ARD (6): "Pode-

se generalizar esta conclusão e se definir as necessidades, quais quer que sejam elas -

de nenhum modo, segundo a tese naturalista/idealista como força inata (li')

virtualidade antropológica, mas como função induzida (em itálicos no original) nos

indivíduos pela lógica interna do sistema, mais exatamente, não como força

consumptiva ("force consommative") liberada (em itálicos no original) pela sociedade

• Em artigo na Folha de São Paulo, sob o título "Na publicidade redator deve transformar produto em desejo, "(55) afmna-se explicitamente"o redator de propaganda ( ... )deve criar necessidades para o produto e/ou serviço que vai vender" (destaques nossos).

61

Page 71: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

de abundância, mas como força produtiva (em itálicos no original) requerida para o

funcionamento do próprio sistema em seu processo de reprodução e sobrevi da. Dito

de outro modo: as necessidades só existem porque o sistema as necessita" (pag. 87).

Aplicando estas ideias ao campo da saúde diríamos que

definir as necessidades (de saúde) como "função induzida nos indivíduos pela lógica

interna do sistema "( que reza que a mercadoria deve prevalecer sobre todas as .

coisas), implica na opçao por uma determinada visão de saúde, que é concebida como

ausênci~ ou ausência da ameaça de doenç~ dor ou qualquer condição orgânica ("latu

sensu") tida como negativ~ ausência essa que aparece como uma resposta produtiva,

ou resolutiva (no jargão atual da área de saúde), fornecida por mercadorias como

medicamentos, cirurgias, tratamentos "naturais", yogurtes,etc. às necessidades de

saúde.

o conceito de Necessidades de Saúde é uma peça vital

para o sentido da saúde/doença, gerado socialmente nas formações sociais como a

brasileira.

Este c~nceito permite que a saúde se identifique com

outras necessidades (de abrigo, de proteção contra o frio, de alimentação,de

instrução,etc.) e se enquadre na lógica do sistema, a saber EN-P-ES.

E dessa equação semântica evacua-se ou netraliza-se a

questão da causalidade social porque se trata de de uma equação fechada, ou auto­

suficiente: o EN começa o processo· ; o produto·· dá conta da necessidade e

sobrevém o ES.

• Ele t original-geneticmente falando - antes dele não há nada . •• Estamos falando de um produto genérico, não de um produto particular. Por exemplo, na frase: Wlsto . se resolve com medicamento, ou com antibiótico, wmedicamento e antibióticow são produtos genfricos.

62

Page 72: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Nesse sentido vale a pena, como ilustração, recolocar o

texto a respeito dos SP AS. Afirma-se na reportagem: "Os SPAS, centros de

tratamento de problemas causados pela agitação da vida moderna - excesso de peso,

stress, ansiedade, tensão e perturbações nervosas - e que se estão disseminando de

forma generalizada pelo país ... "

Colocar o problema em termos de "agitação da vida

moderna" permite evacuar a causalidade social. Com efeito, a"causa social" adquire

aqui contornos de uma fatalidade indeterminada frente à qual não há nada a fazer: o

caráter agitado aparece como um atributo constitutivo, inerente à vida moderna, ou

seja à vida que se vive hoje. Portanto, a "agitação da vida moderna", causa dos

problemas de saúde, aparece como sendo o que é, igual a si mesma, ou seja, não

causada.

Sobram assim isoladas, as necessidade (ou problemas)

como objetos de intervenção/solução, o que permite às mercadorias ou produtos (no

sentido de produtos genéricos) reinarem soberanos, aparecendo como agentes

supressores únicos destas necessidades.

Fora deste esquema EN-P-ES, aparecem as contradições

e paradoxos. Em nosso país, o paradoxo da saúde (despida do sentido acima colocado,

em que os sistemas sociais aparecem como máquinas protetoras, montadas para dar

resposta às necessidades "naturais" do ser humano) é que a sociedade, ao produzir,

através destas mercadorias, Cuidado, Assistência, Proteção (todas metáforas da fução

materna/paterna) está Assistindo, Cuidando e Protegendo a saúde de seus membros·

contra as ameaças e os agravos à saúde que são, numa larga medida, produzidos por

essa mesma sociedade, em decorrência do seus modo de organização social e

econômico. A mesma sociedade que é largamente responsável pela produção de

63

Page 73: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

{rlceras e gastrites Assiste a estas condições com Tagamet (ver análise do

medicamento Cytotec pag.98).

De acordo com o dito popular, podemos afirmar que

"uma mão, do sistema, lava a outra".

Estamos obviamente cientes de que, se este paradoxo ou .

contradição, assim enunciado, indica, de um lado, a impossibilidade de resolver a

questão da saúde/doença regionalmente, ou seja, no âmbito dos chamados Sistemas

de Saúde, por outro lado, não se desconhece que seria muito mais grave se a

sociedade, além de produzir ameaças e agravos ã saúde, assistisse mal ou assistisse

desigualmente a seus membros * .

Porém a injustiça na distribuição de bens de consumo ou

serviços, como consultas médicas, odontológicas, medicamentos, exames de

laboratório, etc. não é o problema que nos ocupa.

o mesmo que se disse sobre a saúde/doença pode-se

dizer a respeito das necessidade de Segurança: a organização social, numa larga

medida, gera insegurança e ao mesmo tempo ''vende'' a segurança através de

mercadorias como revólveres, alarmes contra roubos, estacionamentos para

automóveis, serviços de segurança privados ou públicos,etc.

• Como assinala MAGALDI (50): "a sa6de não pode ser reduzida ao conjunto de intervenções de natureza médica, preventivas, curativas e reabilitadoras ofertas por serviços de sa6de. É, antes de tudo, o resultado de formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes dificuldades nos níveis de vida- (sublinhado DO original). Agrega, no entanto, MAGALDI (50): "Essa dimensão real da sa6de não nega ( ... ) o componente de serviços de sa6de que devem ser objeto de mudanças urgentes para a melhoria da qualidade de vida" (sublinhado DO original) (pag.78).

64

Page 74: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

~ interessante notar, neste cotejamento entre

necessidades de saúde e necessidades de segurança, que ambas aparecem com o .

sentido adicional de necessidades prementes, o que é mais um expediente que

permite afastar a causalidade social. Quando o assunto "segurança" é discutido nos

meios de comunicação de massas, a causalidade social é, quase sempre, relegada a um

segundo plano, em face da necessidade premente de fazer frente - com aumento do

efetivo policial, mais armas, mais helicópteros, mais prisões - à violência que se

manifesta no cotidiano .

Da mesma forma, no campo da saúde, é preciso ser

"resolutivo", deixando de lado a causalidade social, porque as doenças exigem

soluções prementes.

1.1.7 - A saúde com s

A esta concepção se opõe, dialeticamente, uma outra, a

que vê a saúde como produção do sistema social porém concebido não como máquina

de produção de mercadorias (de todo tipo, inclusive de saúde), mas como expressão

de um arranjo" convivencial", "organizacional" "relacional", dos homens entre si e com

a natureza. A saúde, nesse caso, aparece como resultante da organização social como

um todo.

N esse sentido, a saúde se confunde com a ide ia de Existir

Completamente como Homem; e isto é uma condição humana e não uma

necessidade; ou, se se quiser, é o somatório de todas as necessidades humanas

(incluindo aí as necessidades - agora totalmente "depuradas" - de assistência médica,

odontológica, etc.).

65

Page 75: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

A sa6de desloca-se então de"sede". de espaço, de "locus",

na sociedade, passando do espaço da mercadoria para o espaço da sociedade como

um todo, do espaço do consumo (de mercadorias de sa6de) para o espaço do Direito,

(à sa6de, ou seja a existir completamente como homem).

Retomando e ampliando a distinção de LUZ (48)entre

Saúde e saúde, diríamos que nesta concepção a Saúde(s) seria igual ao somatório dos

s.i que compõem a organização social.

o fato de s ser um atributo da sociedade como um todo,

faz com que o reencontremos em cada um dos s.i.. Assim, a habitação é geradora de

saúde, lazer é gerador de saúde, etc. Esquematicamente, temos s = s1 + s2 ... + sn

onde o que é chamado atualmente de saúde seria considerado apenas mais um s.i. ou

seja, um dos sub sistemas geradores de saúde.

A saúde, sendo um atributo da sociedade global, é,

portanto, um atributo do próprio homem na medida em que a sociedade se identifica

com este homem, é este homem, no coletivo. A saúde deixa então de estar na

mercadoria e passa a estar no homem coletivo e a constituir um atributo deste homem

no coletivo.

Retomando as palavras de HORTON (39): "Marx

acentuou o lado humano e ativo da relação homem-sociedade, negando radicalmente

o dualismo. A atividade social humana do homem é o seu trabalho, os produtos do

trabalho, incluindo a sociedade, são extensões da própria natureza humana. Portanto,

o homem é a sua atividade, é seus objetos, o homem é a sociedade " (pag.97)

(destaques nossos).

66

Page 76: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Confrontando-se entâo esta visão com a reificada,

diríamos que numa situaçâo estamos diante da saúde efetivamente produzida pelo

sistema social, gerador e promotor de saúde como seu Dever; em outra situaçâo

estamos diante da saúde como uma região institucional do sistema social,

especializada em oferecer produtos e serviços para os organismos afetados e afetáveis

por processos mórbidos.

1.1.8 - A saúde como aQuilo Que produz saúde

Considerando como parâmetros estas polaridades

diaIeticas, a saúde, em nossa sociedade, pode ser entendida, enquanto praxis, como

uma constelação de mercadorias produtoras de saúde. Ou seja, entre nós saúde

é,begemonicamente, aquilo (produto,serviço) que produz saúde.

E como os linútes do conceito social de saúde são

deixados em aberto - o que permite, entre outras coisas, associar saúde e beleza,

como nos regimes alimentares, nas cirurgias plásticas "estéticas", em produtos como o

já analisado Bio da Danone - a constelação de mercadorias fica também sem

contornos definidos.

As mercadorias de saúde (o medicamento dentre elas)

numa sociedade onde a mercadoria pontifica passam então a incorporar em si a

saúde,passam a representá-Ia,a simbolizá-Ia.

67

Page 77: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

1.1.9· A saúde e o ponto de vista

~ importante frizar que a analise do sentido da saáde

que fizemos neste caprtulo • e que está presente em todo o trabalho ·,em

conformidade com os princípios da dialética, é "posicionada". Dela portanto não

derivam afirmações que postulem essências. Não estamos, por exemplo, afirmando

" 'd é " "d' é " que a sau e ... , ou que o me Icamento .... Nossas afirmações são sempre

enunciadas, de um determinado ponto de vista: neste capítulo, o ponto de vista é o do .

produto.

Porisso, a saúde aparece como algo que o produto

propicia e que faz parte dos seus atributos internos.

É obvio ,portanto, que a saúde e o medicamento tem

outros sentidos possíveis ,dependendo do seu sujeito institucional enunciador.

No caso do medicamento considerado em seu

funcionamento social corrente temos, basicamente, três sujeitos institucionais

enunciadores,ou tres pontos de vis.ta : o ponto de vista do produto, o ponto de vista do .

médico (e/ou farmacêutico, e/ou curandeiro) e o ponto de vista do paciente· .

• O espaço social e psicossocial ocupado pelo paciente , inclui, além dele,outros atores sociais que com ele interagem como vizinhos, parentes, o amigo-que-tem-o-mesmo-problema-e-ficou-bom-com-o­medicamento-x.

68

Page 78: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Fora de seu funcionamento social corrente, o

medicamento admite outros pontos de vista como por exemplo o que se desenvolve

neste trabalho, e que é, na realidade, um meta-discurso ou meta ponto de vista, na

medida em que, na qualidade de discurso acadêmico, pretende analisar, refletir e

mesmo re-construir os pontos de vista gerados no funcionamento social corrente do

medicamento.

69

Page 79: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

1.2 - Medicamento como mercadoria simbólica

Page 80: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

SEMIÓnCA E REPRESENTAÇÃO.

''Nos fenômenos, sejam eles quais forem· uma nesga de luz ou um teorema matemático, um lamento de dor ou uma ideia abstrata de ciência - a semi6tica busca divisar e deslindar seu ser de linguagem, isto é, sua ação de signo. Tão s6 e apenas. E isso já é muito".

SANT AELlA,L. O que é semi ótica. São Paulo, Brasiliense, 5a. ed., 1987 (pag. 11).

''É, eu falei pra ele (o vereador) isso aí. Eu digo: quando vocês vão pra lá (na prefeitura) vocês vão com as ossas forças, com as nossas palavras. Foi nois que pediu pra você isso aí.

Então, invéz de você sê o nosso representante, . nois mesmo vamo se representá'~

Dna. Maria. Pesquisa Participante. Itapecerica da Serra. Reunião da Pesquisa, 21/03/87.

Page 81: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

1.2.1 • Medjcamento como tecnoloiiB.

Antes de considerar, propriamente, o medicamento como .

mercadoria simbólica, é necessário colocar a questão do medicamento como

tecnologia ou produto tecnológico.

Isto tanto para marcar claramente que a posição adotada

neste estudo não é, de nenhuma forma, anti-tecnológica, como para, de acordo com a

perspectiva dialética, acentuar, até didaticamente, as especificidades (no caso do

medicamento como mercadoria simbólica) utilizando o recurso do contraste, ou seja,

tornar clara a tese através da exposição da antítese.

Assim, como afirmamos até aqui, nas sociedades

capitalistas como a nossa, a saúde é sujeita a um processo de reificação, que se traduz.

por uma hipertrofia de sua dimensão orgânica, sendo o medicamento um dos agentes

deste processo de reificação.

Mas é preciso reiterar, mais uma vez, que, conforme a

perspectiva teórica adotada, não fazemos colocações essencialistas. O medicamento

não é essencialmente reificador; ele funciona, nas sociedades capitalistas como a

brasileira, também, como agente de um processo social e histórico de reificação da

saúde.

Considerado em si, como tecnologia, é óbvio que o

medicamento deve ser visto como um produto da ciência, que representa um avanço .

constante do homem no controle e prevenção das agressões exógenas e end6genas ao

organismo, que afetam o seu equilíbrio.

70

Page 82: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

A dificuldade, quando se o considera como um avanço

tecnológico, é separar as agressões nAo humanas e nAo voluntárias das agressões

geradas pela ação do próprio homem frente a si mesmo e aos outros homens e frente

à natureza.

Como produto tecnológico, em si, o medicamento,

evidentemente, é usado em ambas as situações. Mas, no momento em que ele é

objeto de reflexão pela Saúde Pública e pela Educação em Saúde Pública, é

necessário entender e separar estas duas faces, sob pena de se estar confundindo

prevenção, cura, ou alívio de situações mórbidas, com ocultamento de fatores

causadores de doenças derivados da ação do homem.

1.2.2 - A mercadoria medicamento e os seus sentidos.

o que se está tentando neste trabalho é examinar as

condições sociais mais gerais (ligadas à questão da mercadoria) e os mecanismos

internos (a função simbólica) que determinam o funcionamento do medicamento

como instrumento de um processo de reificação da saúde, em curso no nosso país.

A mercadoria aparece socialmente como algo cujo

sentido é o de "resolver" um estado "mau" (de necessidade), conduzindo a um estado

"bom" (de satisfação).

Este é um dos sentidos da mercadoria.

Poderíamos dizer, em termos semióticos, na acepção de

METZ (52), que o sentido acima, que representamos esquematicamente por EN - P -

ES, é uma das "mensagens" do "tema" mercadoria.

71

Page 83: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

A outra "mensagem" do tema mercadoria, o seu sentido

latente, que contrapusemos ao primeiro, é a de que este sentido manifesto (expresso

pela relação: EN-P-ES) é a forma "naturalizada" e a-histórica sob a qual aparece, em

formações sociais capitalistas como a brasileira, a mercadoria; forma essa que permite

obscurecer a hegemonia histórica da mercadoria na relação EN-P-ES.

Permanecendo no terreno da mensagem, mas colocando

o medicamento como "tema", ao indagar-se sobre o seu sentido, a resposta do

sistema é: o medicamento é um produto que existe para solucionar problemas ou

necessidades de saúde.A resposta que expressa o que chamamos de sentido latente é: o .

medicamento é, entre outras coisas, uma das múltiplas formas de que se reveste a

hegemonia da mercadoria em formações sociais capitalistas como a brasileira.

1.2.3 - SaÚde se "escreve" medicamento

Mas, segundo cremos, a semiótica permite desenvolver a

idéia de que, na produção da semiose social, a mercadoria não é apenas provida de

sentido, ou seja, mensagem. Ela também é produtora de sentido, ou seja, símbolo.

A mercadoria não é apenas um objeto de sentido, mas

também um sujeito de sentido; não apenas produto mas-considerada na qualidade de .

símbolo-produtora de sentido.

Assim, quando se considera o medicamento como

símbolo, à pergunta: o que é o medicamento, poder-se-ia responder: o medicamento

(ao lado de outras mercadorias de saúde) é o modo como se "escreve" ou se "fala" a

saúde", na e para a sociedade de consumo em que se vive atualmente; nesta

72

Page 84: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

sociedade, sa6de se "escreve": "Sa6de Bradescolt, "Golden Crosslt

,

"clneangiocoronariografia", "Doril".

Com efeito, como afirma ECO (29): "As tendências atuais

da semiologia tendem ( ... ) a incluir entre os signos todos os aspectos da cultura e da

vida social, inclusive os objetos ( ... ). Vários estudiosos assentaram numa semiótica dos'

objetos da sociedade de consumo (Moles,1969; Baudrillard,1968). A arquitetura (cfr

Eco,1968; De Fusco 1969; Koening, 1970) é hoje estudada como um sistema de

comunicações.

"Para uns, uma configuração (uma escada, uma porta)

comunica a função que permite, e comunica-a também se a função não estiver

explícita (se vejo uma porta fechada, decido não passar, em vez de experimentar dar­

lhe com o nariz)" (pgs. 36, 37).

As ideias que desenvolveremos seguem pois a corrente

dos que vêem a mercadoria não apenas como mensagem ou tema de mensagem mas .

também como ícone (na acepção de PIERCE (58, 59) ou símbolo (na acepção de

TODOROF (76).

Produzir sentido é representar a realidade através de

símbolos, o que implica, entre outras coisas, numa relação simbólica,

simbolizante/simbolizado, na acepção de TODOROF (76), e numa relação simbólica

de substituição (algo que está por outra coisa) na acepção de PIERCE (58, 59).

A reflexão semiológica permite, com efeito, que se avance

a ideia de que a mercadoria, nas sociedades capitalistas como a brasileira, aparece

como um símbolo, que contém, como todo símbolo, uma face material (que, no caso .

dos medicamentos, é composta de grãos embalados, xaropes, etc.) cujo consumo (seja

Page 85: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

este, no caso dos medicamentos, deglutição, absorção epld~rmica, injeção ou outras

formas) permite a realização ou materialização da qualidade abstrata ou sentido: a

Saáde.

A mercadoria medicamento pode então ser

hipoteticamente considerada, de acordo com a reflexão semiológica, como um dos

símbolos, ao lado de outros (45), de Saúde, em sociedades capitalistas como a

brasileira. Ou, mais precisamente, o medicamento é um símbolizante que aparece

como permitindo, ao ser consumido, a realização ou materialização de um

simbolizado: a Saúde.

Em outro contexto de referência, BARROS (3), segundo

cremos, está implicitamente colocando o medicamento como símbolo quando afirma:

''Na transformação da prática médica o medicamento ocupa posição relevante. Toma­

se fácil difundir a "venda da saúde" embalando-a em pequenos e práticos recipientes"

(pag. 57, grifos nossos).

Parece-nos legítimo ir mais a fundo no pensamento

expressado por BARROS, interpretando, em termos semióticos, a sua frase acima

assinalada.

A embalagem da saúde em pequenos e práticos recipientes

a que se refere a autora, pode, legitimamente, ser interpretada, em termos semióticos,

como o processo de constituição do símbolo, que envolve, sempre, um recipinte (que,

em termos semióticos, recebe o nome de simbolizante) e um conteúdo, que este

simbolizante recebe e envolve (chamado simbolizado).

74

Page 86: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

o reclpiente/simbolizante é, entAo, o próprio

medicamento como coisa concreta, palatável, deglutfvel, absorvível epidermicamente,

e o conte6do/simbo-lizado deste recipiente é a própria ideia de Sa6de.

Difundir a venda da grande, ou abstrata, ou difícil ideia

~e Saúde, toma-se fácil na medida em que esta ideia transforma-se numa ideia prática

ou pragmática através do processo de simbolização (e reificação), em que ela (a ideia

de Saúde) aparece representada ou materializada no comprimido, ou gota, ou xarope.

Em síntese, podemos dizer que a autora coloca, em outras

palavras, a idéia central deste trabalho, ou seja, que o medicamento é uma

mercadoria simbólica. Com efeito, a saúde é, para a autora, algo à venda; é, portanto,

uma mercadoria. Esta ''venda", por outro lado, é facilitada porque o medicamento é

também um slmbolo, ou seja, uma materialização de uma ideia, o que toma "prática"

a sua venda.

A saúde, materializada através do símbolo medicamento,

pode adquirir múltiplas facetas numa sociedade onde a mercadoria pontifica. A título

de exemplo, (um entre muitos) vaJe mencionar o folheto da FONTOVIT (anexo).

Através deste folheto pode-se verificar que, além da vitalidade e da potência sexual,

pode-se , também, com o consumo das vitaminas FONTOVIT conseguir: o·

bronzeamento, o fortalecimento dos cabelos e unhas, a mém6ria, a digestão facilitada,

a queima adequada das gorduras, a prevenção dos resfriados.

1.2.4 - Símbolo e consumo de símbolo

Há que distinguir agora, no que se refere às mercadorias,

símbolo e consumo do símbolo.

75

Page 87: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

A mercadoria é um nfmbolo e, enquanto tal, expressa e

permite uma representação da realidade.

Mas ela é também um objeto de consumo e, enquanto tal,

implica em que esta representação não é apenas produzida (pelos discursos da

mercadoria) para ser entendida cognitivamente, mas também para ser vivenciada no

momento do consumo.

A mercadoria aparece, no discurso elaborado sobre ela e

para ela, como um simbolizante, uma coisa concreta, que representa, incorpora e

materializa uma qualidade abstrata (que está associada a um valor: beleza, saúde,

sensualidade, carinho, zelo maternal, etc.).

Mas o discurso da mercadoria não diz apenas "calça jeans

é sensualidade", "Golden Cross é saúde em boa compania", "Vitassay é a vitamina dos

campeões de saúde". Ela não está apenas difundindo uma ideia, está também

difundindo a poSSIbilidade de efetivação desta ideia.

o símbolo "mercadoria" é sempre consumido mas não

necessariamente (se bem que muito frequentemente) comunicado.

No caso da mercadoria medicamento podemos estar

diante de símbolos que não estejam sendo usados, explicitamente (ou não estejam

sendo apenas usados) como instrumentos para comunicar a ideia de Saúde. mas como .

instrumentos para fazer com que seja consumida (e confirmada pelos resultados)

uma determinada visão da saúde (a da saúde reificada) .

Como sugere TEMPORÃO (74): "A possibilidade do

consumo da droga, e na perspectiva da obtenção de "resultados clínicos"concretos,

76

Page 88: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

seja "cura'" seja supressão de sinais e sintomas, vir a reforçar a assimilação dos

conteddos (veiculados pela publicidade de medicamentos) nos parece ser urna

hip6tese interessante. Ou seja, no pr6prio momento do consumo o consumidor

interiorizar a instância social e suas normas" ( pag.170 ).

Desenvolvendo a hipótese do autor, diríamos que o

sentido do medicamento não é apenas mentalmente consumido; ele é também

orgânicamente experimentado, e uma coisa reforça a outra.

No momento em que se consome um símbolo como o

medicamento está-se consumindo uma representação da saúde e, ao mesmo tempo,

experimentando, na prática, as promessas imbutidas nessa representação.

1.2.5 - O medicamento e a saúde como desejo consumido

Quando se afirma que a saúde tem, na nossa e em outras

sociedades, uma representação, um modo de expressão mercadológico que se traduz na

existência de uma constelação de símbolos ou representames· de saúde, está-se

querendo também dizer que a saúde é, em "estado bruto", um valor, um desejo·· , na -

nossa cultura, que vem à tona, que se atualiza sob a forma de mercadorias que, em .

razão disso, funcionam como representames de saúde.

• PIERCE(59) usa várias nomeclaturas para nomear os vários tipos de símbolos. O termo representamem nos parece adequado porque, evidentemente, evoca representação. O representam em aparece então como a expressão concreta de um processo de representação. Afirma PIERCE (59): "Representar é estar no lugar de, ou seja, estar em relação tal com outro que, para certos propósitos, algum espírito o tratará como se fosse aquele outro. Assim, um porta voz, um deputado, um advogado, agente, um diagrama, um sintoma, uma descrição, um conceito, uma premissa, um testemunho, todos representam algo diverso, sob variadas formas, para espíritos que os consideram sob este prisma. Quando se deseja distinguir entre aquilo que representa e o ato ou relação de representar, podemos dar ao primeiro o nome de "representam em" e ao último o de "representação· (pag.114) . •• A "sa6de" está presente em expressões consagradas de "votos" em nossa cultura, como demonstra, entre outras, a expressão: "saúde e prosperidade".

Page 89: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Estas representaçOes sAo símbolos no sentido de que a

sadde 6 uma coisa "grande", ''valiosa", um desejo, que 6 comprimido, sintetizado, num

comprimido, acessível, prático, fácil.

Os símbolos (a foice e o martelo, a cruz suática, a cruz de

Cristo etc.) sempre comprimem uma "grandeza", um desejo, numa pequena superfície:

assim se diz, por exemplo, que Marilyn Monroe foi um símbolo sexual, ou seja,

alguém que concentra, em si, ou seja, numa mulher concreta, toda a "grandeza" da

sexualidade e do erotismo femininos.

1.2.6 - Medicamento e hóstia

Visto agora o problema sob outro ângulo, pode-se

comparar (e a comparação é quase obrigatória) o consumo simbólico do

medicamento ao ritual católico da comunhão, em que o que comunga e consome a

hóstia está consumindo uma representação do corpo de Cristo.

Esta representação é um simbolizante, um pedaço

circular de pão ázimo, cujo si~cado (através da mediação do sacerdote que

consagra o pão) é o corpo de Cristo e cujo resultado é a presença divina, naquele

momento, no corpo do homem.

No momento simbólico do consumo de medicamentos o

consumidor está, consciente ou inconscientemente, buscando uma materialização

imediata equivalente (a "saúde imediata", da qual falamos alhures (45).

E, vale notar que, também no caso do medicamento (e a

comparação aqui, da mesma forma, se impõe naturalmente) há um "sacerdote" que

"consagra" o medicamento. Com efeito, o ritual da" consagração" do medicamento -

• 78

Page 90: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

como um momento "dramático" da consulta m6dica • através da receita, nAo deixa de

ter paralelo com o ritual da consagração da hóstia· como um momento "dramático"

da santa missa católica.

o ritual católico da comunhão pode ser visto como uma

das formas de materializar a intangibilidade divina. :é: um dos momentos em que

Deus - que é a suprema abstração - está presente no corpo do homem, pela

concretização inerente ao processo simbólico.

Da mesma forma, a saúde é também um conceito

abstrato, um desejo, que necessita, portanto, na sociedade da mercadoria, assumir

formas concretas, materiais, tangíveis, o que se faz através de processos de

simbolização que permitem (através do medicamento, ou através do yogurte Bio da

Danone, por exemplo), materializar o abstrato.

1.2.7 - O medicamento como ícone Ouímico

Quando perguntamos, na fase de pré-teste do

instrumento de pesquisa, "como uma coisa tão pequena como um remédio pode

resolver o problema de saúde das pessoas", obtivemos respostas que falavam:

a) ''acho que tem muita qulmica, né. A química está toda

concentrada naquele comprimido ... "

b) 'eu entendo que o remédio vem suprir uma deficiência

orgânica. A doença, no meu entender, decorre justamente desta insuficiência. E o

remédio preenche, ou completa, ou substitui'~

7911.

Page 91: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

c) /tEle deve conter, alI dentro, Ingredientes 1teCesJ6rlos ou

que estejam faltando no organismo, suprindo a.uim uma necessidade do O18anismo ou

cortando o efeito de outras coisas que a gentt tem em exagero no organismo ou que

estejam fazendo mal~

Estas respostas são reveladoras de um certo grau de

consciência a respeito de uma característica importante do medicamento, que permite

avançar a ideia de que ele pode ser considerado um signo icônico ou ícone, na

acepção de PIERCE (59).

Com efeito, define PIERCE ao {cone como: "um signo

que se refere ao objeto ao qual denota meramente em virtude de caracteres que lhe

são próprios ( ... ). Qualquer coisa, seja o que for, qualidade, existente, ou lei é um

ícone de alguma outra coisa, na medida em que é como esta coisa e que é usada como

signo dela" (pag.30, destaques nossos).

Mais adiante apresenta PIERCE outra definição de

ícone. "'Um ícone é um Representamem cuja Qualidade Representativa é uma

Primariedade dele como Primeiro. Isto é, uma qualidade que o ícone possui como

coisa o toma apto a ser um Representamem. Assim, qualquer coisa está apta para ser

um Substituto (em itálicos no original) de outra coisa à qual é similar " (pag.46)

(destaques nossos).

Desta forma, se considerarmos a saúde (reificada)

puramente como estado orgânico, como realidade química, veremos que o

medicamento contém, em si, este estado orgânico.

Em termos pierceanos , o medicamento é uma coisa

:química) como a saúde (reduzida à sua expressão química). Esta coisa química é

80

Page 92: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

usada como signo de sa6de. A propaganda do medicamento Hepatoviz não fala

:"Hepatoviz é a sa6de do seu fígado?"

Um medicamento como um sonífero pode ser visto como

o signo icônico do sono enquanto entidade química. Um analgésico pode ser visto

como o ícone da não -dor como química.

o sono, a não-dor, a potência sexual, a tranquilidade, a

não-pressão alta, a não-tosse, a não-febre, existem em coisas externas ao organismo

humano (e lembremo-nos da definição de mercadoria em MARX,in HORTON (39)

que fala de uma coisa externa ).

Estas coisas, que são os medicamentos, são estados

orgânicos ou mais precisamente, partes dele, fora do organismo. A pessoa que não

dorme naturalmente, dorme com um medicamento; logo, o medicamento contém,

numa certa medida, o sono na sua fórmula, ou a formula do sono. Ou dito de outro

modo, o sonífero é o sono equacionado quimicamente; ou ainda, o sonífero é a

expressão concreta da resolução tecnológica do sono.

o medicamento pode ser visto como um Representamem

do sono fora do corpo na medida em que o sono, no organismo, é, também, uma

entidade química.

De um modo geral, o medicamento é a fórmula (química)

materializada do Estado de Bem Estar, ou seja, da Saúde. Mais precisamente, o

medicamento é a fórmula (química) do Estado de Não-Mal Estar ou de Não-Agravo·

• Esta distinção entre estado de sa6de e estado de não-doença é necessária, porque a produção da saúde não se dá apenas,como no caso da maioria dos medicamentos, em face de uma situação anterior de doença. Ela se dá também como reprodução de uma situação anterior de saúde: a mãe que amamenta seus filhos está, cada dia, reproduzindo um bebê saudável. É o caso também dos medicamentos usados preventivamente.

81

Page 93: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Podemos dizer que os medicamentos s40 imitações c

vida enquanto fato orgAnico, pedaços de vida orgAnica (sono, tranquilidade, potênc

sexual, etc.) comprimidos num comprimido ou numa gota ou num xarope.

Os medicamentos podem ser vistos então como r~

criações da vida pelo homem.Todos os medicamentos são, de certo modo, "pílulas <l

vida", como as antigas "Pílulas de vida do Dr. Ross".

Enquanto ícones, os medicamentos aparecem com

produtos simbólicos da mesma natureza do coração artificial, do rim artificial, da

lentes de contato.

A diferença é que, num caso, eles aparecem com,

reconstrução da vida como física e, no outro caso, como química. Vejamos un

exemplo na reportagem de capa da Revista Veja (77): "Um golpe da ciência na rat

da dor". Afirma a reportagem:

"Há quas décadas os médicos sabem que a flutuação nos

níveis de serotonina, um mensageiro químico cerebral, toma os indivíduos mais

sensíveis às dores. Na semana passada, o laboratório britânico Glaxo anunciou o

início de testes com voluntários de uma nova droga batizada ainda com o número de

código GR 43175 e que tem a capacidade de suprir serotonina sintética, que é

percebida instantaneamente pelo tálamo. A vantagem da droga da Glaxo é que ela só

se manifesta quando há falta de serotonina natural, funcionando como um eficiente

controlador da concentração da substância no humor cerebral. Ela deve estar à venda

apenas em 1991" (pag.66) (destaques nossos).

82

Page 94: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Assim, nos termos de PIERCE (S9), de acordo com

Revista Veja, a serotonina sintética, "está apta para ser substituta de outra coisa (a

serotonina natural que falta) à qual é similar".

Nesta medida, este medicamento pode funcionar como

ícone da Saúde, no caso, da não-dor de cabeça crônica.

Neste caso (e em casos similares) o medicamento pode

ser visto como prótese química. Vejamos um caso similiar.

83

Page 95: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

o desequilíbrio desses fatores pode levar à doença péptica ulcerosa.

A forma eficaz de se tratar a doença péptica ulcerosa , , . e restaurar os mvelS das prostaglandinas.

~opriedadecolDprovada das prostaglandinas.

Page 96: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Misoprostol é um análogo da prostaglandina E 1 que reduz a secreção ácida e, ao mesmo tempo, exerce poderosa atividade citoprotetora no trato gastroduodenal.

Page 97: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

I

antiulceroso' :

tec reduz a secreção ácida.

é citoprotetor: aumenta resistência da mucosa. TTTr.tec cicatriza a úlcera.

siIllilar ao fisiológico.

Sem evidência de interação medicamentosa

Sem evidência de produzir ginecomastia

Sem evidência de causar confusão mental

Sem evidência de hepatotoxicidade

Sem evidência de efeitos carcinogênicos, mutagênicos ou teratogênicos.

Perfil favorável de efeitos colaterais. IVer~"g 8)

Page 98: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Criado pela Natureza., aperfeiçoado pela pesquisa Searle.

Page 99: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Fica claro que o sentido central do texto da peça

publicitária é uma analogia entre o natural (a prostaglandina natural) e a sua prótese

(o misoprostal, ou seu nome comercial):

"a fórmula eficaz de tratar a doença péptica ulcerosa é

restaurar os níveis das prostaglandinas."

"misoprostal é um análogo da prostaglandina El ... "

"Cytotec: agente antiulceroso similar ao fisiológico".

o medicamento (misoprostal) é um "similar", "análogo" .

da prostaglandina que, portanto, se assemelha a esta prostaglandina.

A ideia da" saúde como não-úlcera" tem sua expressão

química, no organismo, num determinado nível das prostaglandinas. O medicamento

que contém o misoprostal pode então ser visto como uma prótese química da não­

úlcera na medida em que o medicamento é capaz, pela analogia do seu componente

com as prostagladinas, "restaurar os níveis das prostaglandinas",

o ptedicamento enquanto prótese química é a parte

química que falta, o preenchimento de um vazio químico, um ícone que,

metaforicamente, poderíamos chamar de "membro ou órgão químico",

Na representação visual, que tem por título: "Criado pela

natureza, aperfeiçoado pela pesquisa Searle", ve-se um par de estÔmagos/duodenos

(o "original, criado pela natureza" e a réplica, "aperfeiçoada pela pela pesquisa

Searle").

A figura permite avançar a ideia de que, do medicamento

(no canto esquerdo folha) emana, ou que ele "da luz" a um novo (cuja representação

84

Page 100: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

gráfica aparece no Angulo superior esquerdo da folha) estômago/duodeno, um

estômago/duodeno aperfeiçoado.

Há na peça publicitária um jogo de contrastes visuais, no .

que se refere aos pares de estômagos/duodenos, entre "velho e o novo", "c:laro e

esc:uro", "alegre/triste", "regular/irregular", "doente/5a-dio", que estão presentes para

subsidiar e corroborar visualmente a oposição: "criado (pela natureza) e aperfeiçoado

(pela pesquisa Searle )".

o medicamento contém, em si, um novo

"estômago/duodeno" (aperfeiçoado pela pesquisa da Searle); o medicamento irradia,

ilumina, projeta o original e a réplica aperfeiçoada como a significar , a ex-pressar

(por para fora) através da representação visual, a própria ideia de

"estÔmago/duodeno aperfeiçoado" (por contraste visual com o "original") imbutida no

medicamento e não visível a olho nu.

1.2.8 - O ícone Ampliado

A noção de ícone aplicada à area da saúde permite

explorar zonas de sentido associadas às relações atuais e futuras do homem com a

ciência e com os produtos da ciência do funcionamento do organismo como máquina.

A própria noção de "máquina humana" é icônica (não se

trata,portanto, de uma metáfora) na medida em que o ser humano é visto e tratado à

semelhança· de (ou mais precisamente, como se efetivamente fosse) uma máquina.

• Afirma PIERCE (59 :·Ocorre simplesmente que as suas (do Scone)qualidades fazem lemnbrar as daquele objeto e despertam no espírito, sensações análogas àquilo que parecem- (pag129).

85

Page 101: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

São também ícones os aparatos como tomógrafos,

estetoscópios, etc. que, na qualidade de extensOes dos sentidos humanos, permitem

ver e ouvir cada vez mais e melhor, o corpo humano.

Símbolos do ''homo sapiens" contemporâneo, heroís dos

tempos modernos que, em sua versão infantil, presente nos desenhos animados da

televisão, adquirem a forma completa de um robô, que incorpora em seu

organismo/máquina estas extensões tecnológicas dos sentidos humanos.

Mais genericamente, a ciência tecnológica do corpo

humano é vista socialmente como a inevitável forma contemporânea de "estar no .

mundo"· como um avanço constante no entendimento da maquinária humana e na

consequente produção e aproveitamento de ícones do ser humano, ou seja, "peças de

reposição" (próteses físicas ou químicas, transplantes) sempre que as "peças originais"

apresentarem defeitos.

Observermos a respeito, a peça publicitária do

medicamento ILOBAN.

• Afirma WOLPE (82); "In the social realm, technology has replaced ritual as the representation of our relantionship to lhe material world. We aeate technolgies as our way of relating to the outside world ... "(destaques nossos,pag320).

86

Page 102: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

I LOBAN® o hematínico programado.

Maior eficácia antianêmica ___ .ma tolerância gastrintestinal.

lruII~tínii"n programado rocrélnulos de lIoban cápsulas apresentam uma Ire gastrorr'8s.isten'te que permite a integridade do

o duodeno. loce l fi sio lô gico de sua maior

®

Melhor aproveitamento Cada microgrénulose comporta como uma unidade ferma­cêutica única. cuja cobertura especial assegura liberação do aau prinCipio ativo no local flsiolOgico ideal para sua melhor absOl'Çéo.

Nunca O ferro foi tão longe.

o hematinico programado.

Page 103: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Dela ressalta, na parte verbal, de modo ostensivo, a ideia

de ciência contemporânea como avanço científico:

"O avanço da açAo anti anêmica chegou onde deve

chegar".

"O hematínico programado" (repetido tres vezes no texto,

duas na qualidade de atributo intrínseco do produto).

A representação visual central é, por sua vez, uma

ilustração clara das ideias que acabamos de colocar.

Com efeito, o que é esta figura central senão uma

representação da ciência médica (simbolizada pelo pedaço de tecido branco da

manga do jaleco) "robotizada", no sentido positivo do termo, onde a robotização está

associada, como denotação, à ideia de ferro (a mão é de ferro, da mesma cor que o

imã, representado abaixo) e como conotação à ideia de avanço científico?

o medicamento, quanto a ele, é "programado· (termo

que, evidentemente, conota "avanço", "exatidão", ligado que está à informática) para

chegar íntegro até o duodeno,. "local fisiológico de maior absorção", ou seja, para

desempenhar, da melhor maneira, o seu papel no funcionamento da máquina ou do

"hardware" humano.

Em síntese, nesta peça publicitária, o essencial do texto

verbal e da imagem permite avançar a idéia de que o seu sentido central postula uma

relação icônica entre a máquina propriamente dita e a máquina humana.

87

Page 104: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

VOLTA ÀS COISAS NATURAIS

"Cremos haver cumprido assim uma tarefa séria contribuindo para o bem estar, a saúde, a longevidade e a beleza de quantos- homens e mulheres - optam pela cosmética de preparados simples e eficazes nesta volta cada vez maior aos encantos e beneficios das coisas naturais"

CHITWOOD, S. - Cosmética Natural,3a ed. São Paulo, Ground, 1987 (pag.12).

Page 105: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

1.2.9· Um intoIPretant0 do (cone: resoluglo teçpolOilca da vida X resolugAo natural

dayida

Os medicamentos são efetivamente ícones ou

representames da saúde "quimificada" (que, por sua vez, é um representamem da

saúde "tout-court") na medida em que, em termos pierceanos, são imitações desta

coisa e signos dela.

Os medicamentos são representações, símbolos de saúde,

que a~emais de se apresentarem como tais (como se disessem: "eu sou Doril, o

sumiço da dor, consuma-me") dão margem ao surgimento de uma outra ideia, ou

significado, ou interpretante*, que poderíamos chamar de ''Resolução Tecnológica da

Vida". Ou seja, os medicamentos como símbolos, além de diserem: "eu sou a saúde,

consuma-me", disem: "eu sou a saúde como resolução tecnológica da vida, consuma-

me".

É esta "resolução tecnológica da vida" (e não a "saúde")

que se defronta, como sentido, com a "resolução natural da vida", no mercado

simbólico da saúde, ou, mais precisamente, na dimensão simbólica do mercado de

bens de consumo de saúde.

A "resolução natural da vida" é o significado associado, ou

interpretante da "saúde natural" (materializada nos produtos naturais), também à

venda no mercado de bens de consumo de saúde.

• Coloca PlERCE (59): "Um signo, ou represenlamem (em-itálicos no original) é algo que, sob certo aspecto ou de algum modo, representa alguma coisa para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente desta pessoa um signo equivalente ou talvez um signo melhor desenvolvido. Ao signo assim criado denomino inte1pretante(em itálicos no original) do primeiro signo· (pag.94) .

88

Page 106: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

À "resolução tecnolog6gica da vida" e à "resolução natural

da vida", correspondem, por sua vez, uma serie de interpretantes, que podemos

colocar, respectivamente, sob a forma de pares de oposição como:

- moderno/antigo

• artificial/natural

- concentrado/disperso

- forte/fraco

- rápido/lento

A título de exemplo (da oposição: "rápido/lento" .. .. "artificial/natural"), vale mencionar uma peça publicitária de televisão (1988) de uma

medicação homeopática*. Na primeira cena mostra-se uma jovem tomando um

remédio homeopático. Em seguida a jovem diz algo ao telespectador como: "não

fique aí me olhando, ninguém emagrece em quinze segundos não".

Vejamos outro exemplo:

• A rigor, a homeopatia pertence à categoria dos produtos "alternativos" mas, na prática, produtos naturais e produtos alternativos são a mesma coisa. A propósito, uma das mais importantes lojas de produtos naturais em São Paulo chama-se justamente "Alternativa".

89

Page 107: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

entrado Clrural de

r.-',~~ .~nll~ a dieta alimentar em fibras .

.umenta o volume fecal e molece as fezes.

itimula de forma fisiológica função intestinal.

ão provoca cólicas. d iarréia u gases.

'oporciona evacuações Joves e livres de esforço.

)cilita a adesão e :mtinuidade do tratamento. ela possibilidade de alternar lbores e modos de preparo.

Dse diária: Em geral. 1 a 2 ledidas (15 a 30 g). ou a 'itério médico.

fibras dietéticas

• Concentrado obtido seletivamente da parte nobre do germe de trigo.

• Sabores: caramelo, morango e neutro.

~r~ 8YK QUiMICA E -C, Postat 9322 . '2RMoACEUTlCA lTDA São Paulo. SP ep 1000 .

Page 108: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Vê-se claramente, a presença da ideia de "natural": liA

suplementação natural de fibras diet6ticas" e da ideia de "concentrado" (ligada à

"resolução tecnológica- da vida"): "concentrado natural de fibras diet6ticas";

"concentrado obtido seletivamente da parte nobre do germe de trigo" ,

Note-se, ademais, que em nenhum espaço do "corpo do

texto" é mencionada a ideia de "artificial" (que aparece, muito discretamente, no texto

da própria embalagem do produto*): "mistura em pó, sabor artificial morango";

"mistura em pó, sabor artificial caramelo".

Evidentemente, a palavra "artificial" tem conotação

pejorativa, e, porisso, se a esconde. Com efeito, em dois momentos, no corpo do

texto, usa-se "sabor" mas em nenhum deles há a menção a sabor "artificial",

Destaca-se, por sua vez, a ideia de "concentrado", de

modo que ela acaba representando a "conciliação" ("concentrado natural") entre a

"resolução tecnológica da vida" e a "resolução natural- da vida": com efeito, a

tecnologia permite "recuperar" (para a "Ciência") a natureza na sua parte mais nobre:

"concentrado obtido seletivamente da parte mais nobre do germe de trigo".

• o que mostra que a ideia não pertence ao discurso mas a seu referente, ou mais precisamente, à parte verbal deste referente.

Page 109: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

, •

TAMARINE ê alvo de constan­tes estudos que tem como objeti­vo. aferir sua utilização nas mais diversas especialidades médicas. Estes estudos tem comprovlldo mundialmente sua TOLERAN­CIA e EFICÁCIA, especialmente em relação à SENA. preparada por um processo farmacotécnico exclusivo e que é o ·único catártico aprovado pela Organização Mun­dial de Saúde (O MS).

TAMARINE realiza a associa­ção sinérgicade 5 (cinco) substân-' cias laxativas de origem puramen-. te vegetal-incorporadas à polpa de frutas (maçãs e ameixas). TAMA­RINE é um laxativo que provoca uma ativação fisiológica das se­creções mucosas nos diversos es­tágios do trato digestivo, guar­dando todas as características da função intestinal normal, sem ne­nhum sinal de irritação.

Sua apresentação em geléia e ._. seu gosto agradável tornam mais

fácil seu -consumo, -apresentando pma form.a farmacêutica completamente diferente daque-las já conheddas. . .

T AMARINE: Qualidade, • Eficácia, Segurança.

o oca em jogo' "tividades . licas complexas.

H .... wREmEi INDlJSTRIA FAAMA~uncA LTOA. ,ctlll .ntifi/·l'\~ à disposição da classe médica. Rua JOIk) MO. 16· Rio di Jeneiro - RJ

Page 110: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Esta outra peça 6 tamb6m um exemplo de conciliaçAo

entre a "resoluçAo tecnológica da vida" e a "resolução natural da vida".

Do "natural", o medicamento, segundo a peça publicitária,

aproveita apenas o essencial: a própria ideia de "naturalidade",ou seja, de vínculo com

a natureza, significada visualmente pelas folhas expalhadas em volta do medicamento

e pela cor verde que envolve o nome do medicamento.

Ao caráter "natural" do medicamento é agregado o

componente científico, que o toma, além de natural, "sério" ("Laxativo é coisa séria... .

mesmo sendo natural").

Este componente "científico" é significado pela mensagem

verbal ("alvo de constantes estudos", etc.) e pela mensagem visual central, do tecnico

de laboratório e da aparelhagem, que denotam, claramente, "cienti.ficidade" ou seja,

"seriedade".

91

Page 111: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

IiERCK CK SA Industnas úUlmlGaS da dos Bandeirantes. 1099 22710 . fOO de Janeiro· RJ

natural e prático.

I

- --.# 2 cápsulas

2 vezes ao dia

naturalmente mais prático • Eficácia e segurança já comprovadas

nas diarréias de qualquer etiologia.

• Praticidade posológica.

O antidiarréico biok)gico Posologia: Nas diarréias agudas: 2 cápulas. 2 vezes ao dia . Nas diarréias crônicas : 1 cápsula,2 vezes ao dia. Composição: Sua composição totalment,l natu ral assegura uma terapéutica isenta de qualquer efeito colateral. C~da. cápsula contém: Saccharomyces boulardi i 17-1iofilizado 100mg. Indicaçóesl Diarréias infecciosas. inespeclflC8S, alimentares e na profilaxia e terapeullca da diarrela provocada pelo uso de anllbiotlcos e qUlmloteraplcos. APreseJI tação : Embalagem com 12 cápulas . Contra-Indicações: Não lem. Efeito, Colaterais: Não tem

Page 112: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Da mesma forma, esta outra peça indica a presença

verbal da "resolução natural da vida": "natural e prático"; "naturalmente mais prático"; .

"o anti diarreico biológico" e a sua presença visual no côco e na paisagem desenhada

dentro da letra "O".

Vale notar que nas publicidades de medicamento

encontra-se com frequência, associados ao medicamento, termos como " biológico" e

"fisiológico" que, desta forma, atestam a existência, no plano do simbólico, destes

"biológico " e do "fisilogíco " fora do organismo. Isto mostra claramente a ideia que se

quer passar, de um vínculo icônico da mercadoria medicamento com o organismo, ou

seja, como o biológico e fisiológico propriamente ditos.

O medicamento natural/biológico /fisiológico é a

reprodução (obra necessária da tecnologia) do natural numa mercadoria.

Esta conciliação entre a "resolução tecnológica da vida" e

a "resolução natural da vida", apresentada nestes exemplos, expressa uma necessidade

da dimensão simbólica do mercado de bens de consumo de saúde: a de dar conta de

uma reação de uma parcela de. consumidores de medicamentos (alopáticos) que

vêem-influenciados pela pensamento ecológico- nestes, um exemplo do

"artificialismo" da vida moderna e das suas consequências "nefastas" no que há de

mais central no ser humano: seu próprio organismo.

1.2.10 - Eficiência e eficácia como fatos simbólicos.

A saúde está concretamente naquele comprimido ou

naquela gota. Ele, ou ela são a saúde, representam a saúde.

92

Page 113: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Mas se trata de um símbolo especial. Como a hóstia, o

medicamento 6 um símbolo a ser consumido pela boca, a ser in-corporado.

Al6m disso (e diferentemente da hóstia) a presença da

saúde no medicamento é um fato atestável empiricamente. Porisso, o medicamento

aparece como um símbolo eficaz (ou potencialmente eficaz) isto é, capaz de cumprir .

o que promete.

E não simplesmente eficaz, mas também eficiente (é o

interpretante" resolução tecnológica da vida" com seu sub­

intepretante:"rápido/lento").O medicamento (em alguns casos) não anuncia apenas:

"eu sou a saúde, prove-me" (eficácia simbólica). Ele afirma ademais: "eu sou a saúde

Já, prove-me" (eficiência simbólica).

Em termos simbólicos, a eficiência é a possibilidade de

realização quase imediata de um desejo: como o mago da lâmpada de Aladim, que dá

nascimento aos desejos com o simples esfregar do pano na lâmpada, "Tomou Doril, a .

dor sumiu".

Com efeito, analisemos brevemente a frase: "Tomou

Doril, a dor sumiu".

A idéia fundamental nela contida refere-se ao tempo (ou

seja, à eficiência): ''Tomou Doril (ato contínuo) a dor sumiu".

Mas se trata, se observarmos bem, de um tempo muito

especial. Com efeito, na frase, o ato concreto de tomar Doril produz o efeito ( o

"sumiço da dor") como sua conseqüência lógica e não cronológica; esta relação liga .

93

Page 114: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

um antecedente lógico e sintático (Tomou Doril) a um conseqüente lógico e sintático

(a dor sumiu).

Não se trata de uma distância temporal qualquer (mesmo

mínima) entre o antecedente e o consequente. Trata-se de uma distancia temporal

zero: não decorre nenhum tempo físico entre o ato de tomar Doril e a dor sumir; o

sumiço da dor está implicado no ato de tomar Dori!.

Esta relação lógica aparece contudo, no universo do

simbólico, como a expressão mesma da quintessência da rapidez. Como se houvesse

um "plim" (símbolo auditivo do efeito mágico) entre "Tomou Doril" e "a dor sumiu".

Com efeito, está implícita na frase a ideia de um tempo

mágico, de um "instantâneo de fantasia": o mero contato de Doril com o corpo produz

o sumiço da dor. É como se em vez de ''Tomou Doril" estivesse sendo dito 'Tocou

Doril": tocou Doril (no corpo) a dor sumiu.

o toque de Doril no corpo recupera, portanto,

plenamente, o mito da varinha de condão: não apenas produz o que se deseja,

instantaneamente, como o produz (da mesma forma que o faz a varinha)

radicalmente: a dor, com o toque de Doril, não "se esvai", não "se extingue",

gradualmente: ela some, o que é a eficácia máxima.

Doril signficia pois o sumiço da dor (eficácia), em

qualquer farmácia - ou mesmo bar -(acessibilidade), ao simples contato com o corpo

(eficiência). Ou seja, a saúde como mito típico de sociedades de consumo como a

nossa, encontra-se plenamente representada ou simbolizada neste comprimido.

1.2.11 - A ideia de eficiência e rapidez: ilustraçÕes.

94

Page 115: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição
Page 116: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

o miorrelaxante decisivo ~çj(J: Carlsoprodol 1 SOma · Olplrona 2SOml!: · CalPlna JOmg · VitaminA 81 SOmg . Vitamina B6 100mg - Vitamina 812 lCOlmeg IÇÕ5 lombalgla. lotc1colo. ombro doloro~o mIOSII~ Ilbro~lte. dl~len~óes musculares, cá Imbra"· ContrJ-indiu çMs: MIAstent,} &rav, s; Intt"\""persensivtl~a pltal clon ... dlscrashH \ilng Ut neds t Dedula agudd intermitente · Ett ilotCollterais: Pelo uso prolongado. a dlpir~ Ide provocar, em peuoa~ sensíveiS, agranuloCIIOH' e neutropenl cl • Prruuções:: Como em pacientes sensíveiS ao camoprodol o produ­~e provocar sonolência, recomenda·se CUidado da dirigir d ú lomOvftS • PoIololi.ll: 1 a 2 comprimidos ,ué 4 veleS ao dia . Apresenta­rnb.1llagem com 10 comprlmldO\

• Relaxa a musculatura contraturada.

• Elimina rapidamente a dor

• Não causa sonolência

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Page 117: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição
Page 118: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

rin é o primeiro analgésico, antitérmico iinflamatório constit,uído pela nação perfeita do Acido

jlsalicílico com dois antiácidos ntes (Di-Alminate), em

rimidos ee dupla camada, evitando tos gastrol'esivos e proporcionando rança, eficácia e rapidez de ação.

t I LO

! ,0 ..

i··· .l

ferin tem acão duas i zes mais rápida e eficaz. l', ferin é de uso genérico. ado em todos os modelos de dor, febre e processos inflamatórios. sentação: frascos com 20 comprimidos.

Informações 6 disposição no Oeplo MédIco , Cienrífico "nga. 82 . São Poulo . CEP , 0.6.7 ••

1118 l!1 • 1!91,... ... ,.~ ; .,. ..

Page 119: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Vemos, nestas ilustraçOes, a ideia de eficiência simbólica

(rapidez) associada ao medicamento.

Na primeira peça publicitária é ostensiva a presença da ,

eficiência (rapidez):

- "Pronto início da ação"

- "Pronto início do alívio"

- "Rápida regressão das lesões e rápido

alívio dos sintomas"

- "Pronto retomo da função ovariana",

Da mesma forma, na segunda peça, a presença da

eficiência também é clara:

- "Elimina a lombalgia no mesmo dia"

- "Elimina rapidamente a dor".

No IQ.esmo sentido, a terceira peça mostra a eficiência

simbólica do medicamento.

- "Rápida absorção ... "

- "Rápido alívio da dor"

o contraste fotográfico entre a dor na consulta e o sorriso

fora dela, no mesmo quadro.

A mesma "rapidez" está presente na quarta peça:

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Page 120: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

• " ... Protege e resolve com rapidez"

• " ... proporcionando segurança, eficácia

e rapidez de ação"

• " ... tem ação duas vezes mais rápida e

eficaz".

1.2.12 - O medicamento e a economia simbólica.

O medicamento faz a "economia simbólica" dos tempos

demorados da saúde : do largo tempo necessário para que ocorram as mundaças nas

estruturas sociais e produtivas geradoras de doença ; do largo tempo necessário para

que ocorram mudanças de comportamentos relacionados à saúde ; do largo tempo de

espera das consultas nos serviços públicos; do largo tempo necessário para que a

criança nasça naturalmente,; do largo tempo para se fazer uma boa consulta

médica,etc.

Nesse sentido vale mencionar alguns depoimentos e

comentários sobre esses depoimentos, presentes num artigo de COMAROFF (21) - .

que será analisado em profundidade no capítulo fi- em que o referido autor detecta e

critica depoimentos de médicos sobre o medicamento como símbolo.

Nesse sentido coloca o autor o depoimento do Dr. B : "At

times it can be a quit good thing to give a placebo.But the more time you have with the

palient, the less placebo is necessary" (pag.85, destaques nossos).

Diz COMAROFF, comentando outro depoimento, do

Dr.E : "He (Dr.E)believes that the patient actyally benefits from the ritual of beeing

treated as ill. And this belief seems to justify the use of pseudo scientific thecnics wich

96

Page 121: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

provide the doctor with a strategy for dealing with trivial illeness in a rapld and .

etTectlve manner (pag. 86, destaques nossos).

Afirma o mesmo autor mais adiante: " Many doctors

appear to treat vage or trivial symptoms in this manner : difficult or lengbty

explanations are forgive in favor of the simple ritual of placebo prescriptions" (pag.89,

destaques nossos).

Na mesma linha, afirma LANDAMAN (44)

"Frequentemente a prescrição de medicamentos é feita pelo médico para livrar-se do

paciente o mais rápido possível e não perder tempo esmiuçando mais as causas de

sua sintomatologia" (pag.42, destaques nossos).

1.2.13 - Eficiência simbólica e cumprimento de papéis

Vamos tentar encaminhar agora o problema

presentemente discutivo, explorando a questão sob o ângulo do indivíduo e da sua

função produtiva no sistema capitalista de produção.

Existir, na nossa sociedade capitalista contemporânea, é o

resultado de um esforço permenente . E isto para todas as categorias sociais.A

reprodução física e social é uma tarefa constante. O medicamento faz parte integrante .

deste esquema. Como o alimento é a mercadoria que se encarrega de satisfazer a

exigência diária de reprodução física, também o medicamento é a mercadoria que

entra em ação para restabelecer as condições de normalidade quando estas são

afetadas por situações conjunturais (doenças agudas) ou estruturais (doenças

crônicas).

97

Page 122: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Viver, nessas sociedades, implica num permanente e

ininterrupto cumprimento de tarefas, que inclui at6 coisas que não são habitualmente

vistas como tarefas. ~ preciso nlo apenas trabalhar (preencher relatórios, inspecionar

obras, terminar um romance,etc.), mas também dormir, ir a festas, receber amigos,

comer, exercer a sexualidade, etc. Adoecer, neste contexto, figura como um

parênteses nessa exigência.

98

Page 123: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

ina rapidaIllente a inflaInação e a dor da IODlbalgia.

pula, vira para cá, lá, se pendura, segura

dia, quem está em ve numa permanen-

zes superior à da prednisona. Essa potente ação antünflama­tória da dexametasona reduz a irritação dos terminais nervo­sos, com alta eficácia antiinfla­matória e analgésica já nas pri­meiras aplicaQC>es, tanto nas do­res de lombalgias, como tam­bém de sinovites, bursites, ten­dinites e ciát ica. A combinação das vitaminas n eurotrópicas : B l ,B a e B 12 de Dexa-Citoneurin®completa a açãodadexametasona, sendo de particularimp:>rtânciaaativida-

lDJetáv.el: Ampola I - Vitamina B l.. . I 0 0 mg. Vitamina B 6 ... 100:f:~~i:.mina Procaina ... 5Omg. Ampola n - Acetato de Dexamet.s.sona. .. 4mg. Com . Vita·

Vitamina. B6 ... 100mg. Vitamina. B 12 ... 5OOOmcg, Dexametaaona. .. O.5mg, Ind""'9"'--' . bt,mlite, tendirúte, ciática. Bindrome ombro·bI1lQO aguda, Bindrome cervical agu.

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IAF_ Dt&9Oea: Embalagens com 3 ampolas I (2ml) + 3 ampolas tI (1ml) e embe.lagens com

de antiálgica destas vitaminas. Outra vantagem é a praticidade p:>sológica do injetável: 1 ampo­la a cada 2-3 dias com a mesma eficácia de similares com aplica­ções diárias.

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Page 124: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Esta peça explora basicamente a ideia do medicamento

como "passaporte" para o exercício diário do trabalho, quando ele ~ interrompido

pela lombalgia :

"E, basta um pequeno gesto em falso, para uma dolorosa

parada: a lombalgia."

" ... elimina rapidamente a dor e a inflamação devolvendo

o paciente às suas atividades normais."

A parte visual é muito expressiva apresentando um

contraste entre o "executivo" (denotado pela roupa de trabalho) e a sua situação

visual (fazer ginástica), incompatível com a roupa de trabalho, isto para indicar,

visualmente, de maneira expressiva, a metáfora: "ginástica do dia a dia".

De fato, aquele que adoece não pode permanecer muito

tempo doente, porque ficar doente implica em não cumprir tarefas, e isso não é

admissível, ou é negativamente sancionado. Daí decorre o fato de que ou o doente

ignora a sua doença (quando a considera banal: ver a respeito BOLTANSKY (10», e

segue cumprindo normalmente as. suas tarefas, ou se dedica à tarefa específica de .

eliminar a doença como obstáculo ao pleno cumprimento das outras tarefas.

Desse fato decorre a importância e o significado

transcendente do medicamento. Ele é o recurso fácil e rápido que permite o imediato

restabelecimento da tarefa.

A saúde, nestas sociedades, pode então ser vista, também,

como a capacidade de cumprir tarefas.

99

Page 125: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

As expressões: "pronto restabelecimento" (na categoria

dos sintagmas cristalizados de cumprimento) e "pronto atendimento" (na categoria

dos sintagmas cristalizados do discurso da "sa6de") traduzem, perfeitamente, esta

exigência social.O medicamento, por sua vez, é o meio por excelência para a

obetenção dos "prontos restabelecimentos e atendimentos".

No contexto do problema que nos ocupa, a metáfora do

papel social nos parece interessante justamente porque deixa claro o caráter

imperioso da tarefa, a que nos referimos acima.

De fato, tomando a metáfora no seu conjunto e à serio, e

imaginando a vida (ou a urbe) como um enorme palco, fica claro que o não

cumprimento, por algum ator, do papel que lhe cabe, implica numa situação

constrangedora, anÔmala e, no limite, insuportável, levando à suspensão

do"espetáculo"

Como não há vida fora do "palco", ao ator cabe recuperar

o seu papel ou buscar outro papel alternativo,sob pena de entrar em processo de

marginalização social.

Dir-se-á, na esteira da sociologia parsoniana que existe

um papel de doente ("sick role") . Mas, é claro que se trata de uma espécie de anti

papel, na medida em que estar doente é estar,permanente ou temporariamente, total

ou parcialmente, "inválido", "incapacitado para o trabalho" (e também para o lazer).E

estar inválido, ou seja, sem valor, inútil, é estar não capacitado para consumir e gerar

mercadorias, o que é um estado suportável socialmente apenas por um curto espaço

de tempo.

100

Page 126: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Parece pois quase cristalina a relação entre a necessidade

de cumprimento de papeis e o medicamento na medida em que este funciona como

uma arma sempre disponível destinada a abreviar ao máximo (chegando.

frequentemente a evitar qualquer solução de continuidade) as manifestações de

morbidade que levam à interrupção no desempenho de papéis.

A este respeito, vale citar a mais que sujestiva peça

publicitária vigente nos nossos canais de televisão comercial (1987).A peça pode ser

assim descrita, resumidamente: mostra um ator (Raul Cortez) preparando-se no

camarim para entrar em cena. O ator dirige-se para o telespectador e pergunta se este

sofre de torcicolo. Afirma que ele (o ator) resolveu este problema com o

medicamento "x" e em seguida entra em cena".

Como este tipo de mensagem implica (até porque há uma

relação direta face à face-o ator olhando de frente para as câmeras) identificação

entre ator e expectador, o sentido por ela passado é o de que "você, telespectador,é

também um ator importante e o medicamento x está aí para não deixar voce perder a

"sua" cena.

São vários os exemplos de possíveis peças publicitárias

equivalentes, que caberiam perfeitamente em nossos videos: a mãe refriada,

impossibilitada de levar os filhos à escola, resolve o seu problema com o

medicamento x ; o executivo com dor de cabeça às vésperas de uma reunião, que

resolve o seu problema com o analgésico y ; o adolescente com indisposição de

estômago que não pode faltar ao baile onde lbe aguarda a bela namorada e que

resolve o seu problema com um bom anti ácido.

A titulo apenas de exeplificação, é interessante lembrar

outras duas peças publicitárias com o mesmo sentido e que figuravam (1987) em

101

Page 127: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

nossos videos : a do rapaz que comeu demais e nAo consegue tocar na banda, e que

resolve seu problema com um anti-ácido e a do participante do coral cuja tosse 6

resolvida no ato pelo maestro com a administraçAo de uma pastilha para a garganta.

Cumpre acrescentar que o não cumprimento do papel

acarreta não somente a solução de continuidade no inexorável desenrolar da vida,

como também coloca o ator inadimplente sob ameaça de substuição, considerando o

quadro geral de uma sociedade e culturas altamente competitivas.

o medicamento é então uma arma importante para a

sobrevivência dos atores sociais no quadro de uma sociedade concorrencial de papeis.

E os atores, ao se assumirem como tais, justificam e

reproduzem, por via de consequência, a própria peça da qual são atores, ou seja, o

próprio sistema social.

Considerando a socieadade da perspectiva de um

pensador como FOUCAUlD, seria lícito ver o medicamento como um componente,

no campo da saúde, daqueles variados mecanismos sutis de controle social, onde o

poder não se manifesta ostensivamente (precisamente porque é intemalizado) não

aparecendo sob a forma de um tirano a "vigiar e punir" os cidadãos, para garantir a

"ordem natural das coisas", mas como uma peça deste controle social difuso (tanto no

sentido de pouco explícito como no sentido de difundido)

É claro que a sociedade capitalista não dispensa, na área

da saúde também,tiranos e tiranetes para exercer o controle social. O médico da

medicina de grupo, por exemplo, exerce, tendo o cuidado médico como álibi, o papel

de controlador de mão de obra.

102

Page 128: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Mas o controle social ~ uma mega função social, ou seja,

algo que perpassa todas as instâncias e níveis do social, não podendo, obviamente,ser

exercida, em todas as situações, por um vigia exterior.Porisso exige a montagem, em

paralelo, de um sistema interior ( ao indivíduo ) de vigilância, do qual, no campo da

saúde, o medicamento é uma das peças.

o que se procurou indicar aqui, no quadro geral do

problema da eficiência e eficácia simbólicas, é a analogia entre o medicamento, a

saúde e o funcionamento social deste mesmo medicamento como instância de" pronto

atendimento "( eficiência), responsável, no caso de um evento mórbido ou

supostamente mórbido, por permitir, pela sua pronta intervenção, que seja dado

andamento ao cumprimento de papeis sociais, que é um dos mecanismos básicos de

controle social em formações sociais como a nossa.

103

Page 129: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

CAPÍTUW 11 - RELAÇÕES SIMBÓLICAS MANTIDAS COM O MEDICAMENTO PELO PRESCRITOR MÉDICO.

Page 130: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

11.1 - IntroduçAo.

Neste capítulo pretendemos tecer algumas considerações'

relativas ao ponto de vista do médico sobre o medicamento.

Nossa idéia é trazer à tona alguns indicadores de que o

médico entretém relações não apenas terapêuticas ou meramente instrumentais com

o medicamento, mas que o seu ponto de vista sobre o referido objeto comporta,

também, uma dimensão simbólica, expressada numa relação simb6lica com o

medicamento.

Este capítulo não tem a mesma importância e nem o

mesmo "status" que os outros dois, pelas razões que expusemos anteriormente

.Porisso, não trabalhamos com dados (mesmo qualitativos) primários de médicos'

brasileiros.

Cremos, no entanto, que não há razão para duvidar, a

priori, que o ponto de vista destes médicos brasileiros sobre o medicamento comporte

uma dimensão simbólica; até porque o ingresso tardio do país na era do capitalismo

moderno tem tudo para favorecer um movimento de crença mítica -também,

evidentemente, da parte dos médicos- na tecnologia moderna, da qual o medicamento

é um importante exemplar.

Os trabalhos de BARROS (3), CORDEIRO (23) ),

GIOV ANNI (32), LANDMAN (44), SASSAKY (69) e TEMPORÃO (74) que, todos.

eles, em algum momento, tocam no comportamento do médico brasileiro em relação

ao medicamento, fornecem algumas indicações nesse sentido .

... O ...

105

Page 131: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

A relação simbólica com o medicamento é uma relação

(muitas vezes inconsciente) que um sujeito individual ou social mantém com uma

coisa, onde esta coisa está substituindo, ou está no lugar de, ou está representando

outra coisa ou estado.

Esta definição de relação simbólica está baseada na

propria definição de signo enunciada por PIERCE (59).

Não é suficiente, no entanto, enunciar o problema em

termos genéricos. Este é apenas um primeiro passo. Em dois trabalhos anteriores

(45) (46) que consagramos ao tema inicamos uma tentavia de aprofundamento desta

relação simbólica.E preciso ir mais adiante e entender, sobretudo, que o uso

simbólico de medicamentos pelos atores do drama terapêutico, ou da saúde não pode

ser visto como uma tentativa de produzir um engodo uma mistificação, uma fantasia,

enfim como uma tentativa de indução de um comportamento irracional ou primitivo.

A proposta da relação simbólica com o fetiche (e o

remédio é um deles) tem que ser vista como envolvendo uma relação produtiva, na

qual está imbutida a possibilidade da existência de uma crença de base, da parte do

sujeito desta relação, na eficácia simbólica do fetiche, ou seja, no fato de que este

fetiche é um objeto prenhe de poder ou de possiblidades de produzir efeitos

específicos concretos.

No caso do medicamento, a relação simbólica com o

fetiche é ainda mais complexa porque a crença na eficácia simbólica dele está

indissoluvelmente associada à crença na eficácia simbólica da ciência (da qual o

remédio é um produto).

106

Page 132: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

E claro que a Intensidade e a modalidade desta relação

simbólica com o medicamento variará de acordo com as características próprias do

prescritor e do paciente; em funçâdo tipo de enfermidade; em função do contexto

social, etc.

n.2 -Relações simbólicas e relaçÕes terapêuticas.

Antes de entrar especificamente no tema, é preciso que

se entenda uma idéia anterior: as relaçÕes simbólicas com o medicamento existem

associadas às relaçÕes terapêuticas com o medicamento, ou mais precisamente,

lastreadas nesta e na sua eficácia real e prática, eficácia esta reforçada e

sistematizada através de um gigantesco esforço ideológico empreendido pelos meios

de comunicação de massas, pelas escolas médicas e outras instituiçoes que, juntas,

configuram o que ALTIIUSSER (1) chama de "Aparelho Ideológico de Estado da

Saúde".

Este esforço ideológico visa essencialmente consolidar o

mito da doença como "coisa orgânica", a ser investigada e resolvida pelo

medicamento, entre outras mercadórias de saúde, a nível do corpo.

Agora parece ganhar um sentido mais nítido a ideia,

colocada no início deste trabalho, de que o medicamento não é uma mas tres coisas

(agente quimioterápico, mercadoria e símbolo) ao mesmo tempo, e que preenche tres

funções correlatas: uma função econômica, uma função terapêutica e uma simbólica.

107

Page 133: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

11.3· Rela,Oes simbólicas.

Abordando especificamente o tema, dirlramos que temos

relações simbólicas mantidas com o medicamento não apenas pelo paciente e por

toda uma categoria de agentes sociais como o vizinho, o farmacêutico, etc., mas

também pelo sujeito institucional médico.

Com efeito, só numa atitude ingênua poder-se-ia

imaginar que pelo simples fato do medicamento ser uma tecnologia, de jure,

manipulável apenas pelo médico, este a usaria sempre e necessariamente como o

ferreiro usa o martelo e a bigorna.

COMAROFF (21) em seu estudo sobre o efeito placebo

dos medicamentos ilustra bem este fato ao descrever a opinião de um médico (OR.

A) sobre o poder do medicamento:

"Dr.A suggests tha! ali prescribed (em itálicos no

original)medication is invested with a simbolic power by his patients, anti expresses a

belief in the value of reinforcing the faith in this power. (pag. - grifos nossos).

Que poder simbólico é este de que fala COMAROFF,

que está presente em todos os medicamentos prescritos e que o O~. A crê necessário

reforçar?

Antes de tentar responder é preciso entender a consulta

médica como um parênteses organicista no espaço da saúde/doença .

Neste espaço restrito e restritor fala-se, e age­

se,pragmaticamente sobre o enfermo (real ou imaginário).

108

Page 134: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

A doença, quando localizada no espaço da consulta

m6dica (e toda a pressAo social 6 no sentido de encaminhá-la para este espaço) já está

reduzida a um fenômeno orgânico a ser enfrentado, a este nível, pelos instrumentos

ou tecnologias pertinentes.

Neste contexto, é evidente que o medicamento reina

inconteste.

Agora podemos tentar encaminhar a resposta à nossa

questão: o poder simbólico do medicamento pode estar relacionado à crença de que

ele é unia constante na cena terapêutica, ou seja, que ele deve estar sempre presente

quando se trata de enfrentar a enfermidade, entendida como uma realidade

basicamente orgânica. A crença postula que, frente à doença, a saúde só pode vir de

um objeto (como o medicamento), que passa assim a incorpora-la, a representa-la, a

simboliza -la.

Outra função simbólica é destaca por COMAROFF, no

mesmo estudo, quando afirma que o medicamento usado como placebo preenche,

para o médico, a importante função de reassegurar o seu poder ou autoridade frente

ao paciente e a ele mesmo em situações (bastante frequentes) de incerteza. Afirma o

referido autor: " ... placebo therapy may be comprehended as a repertoire of thecniques

wich enable the general practicioner to deal with complex and uncertain situations in

a manner wich conserves his time and energy ( ... ) 115 performance, like that of most

rituaIs, concerns the attempt to contain uncertainty: it is upon this that the power of

the practicioner depends. And placebo therapy ... provide means of limiting such

uncertainty in the clinicai process" (pag.90).

109

Page 135: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Que sentido podemos tirar das colocaçOes de

COMAROFF (21), que interessam ao nosso tema?

Primeira, a de que o medicamento pode ser o

representante ou símbolo de si mesmo, isto é, pode ser o símbolo de uma agente

quimioterápico. De fato, em si, o placebo é nada. Ora, se êle é nada e funciona como

medicamento ele está, simbolicamente, no lugar do medicamento.

Além disso, na definição pierceana de signo, este é algo

que está, para alguém, por outra coisa. Ora, no caso, o medicamento, quando usado

como placebo, está, para o médico (mas não para o paciente) no lugar do verdadeiro

agente quimioterápico.

Além deste primeiro sentido, o medicamento/placebo

está funcionando, também para o médico, como símbolo da própria relação

terapêutica na qual este médico deve estar sempre em posição de força frente ao

paciente, porque o medicamento, simbolizando saúde ou cura - ou, no mínimo,

expectativa de cura - permite que seja mantida - mesmo em situações de insegurança

do médico - a relação terapêutica, cujo objetivo é justamente o de promover a cura.

No momento em que é assegurada, pelo medicamento, a

cura ou a possibilidadde de cura, é também reproduzido o poder do médico sobre o

paciente, na medida em que o médico é o dispensador de medicamento.

110

Page 136: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

n.4 • Uma visAo paradiemática

Desenvolvendo um pouco mais a idéia do poder do

médico na escolha e na administração do medicamento, e considerando o problema

do ponto de vista paradigmático (das relaçôes ou/ou de que fala JAKOBSON (40), e

considerando o médico como um "native speaker" da medicina como linguagem)

podemos dizer que o médico, enquanto instituição abstrata é uma entidade mítica que

retira parte importante de seu poder do fato de, em condições ideais, ser capaz de

desenvendar um duplo mistério:

a) dentre as mui variadas doenças que o individuo pode

ter, o médico seleciona a ''verdadeira'';

b) dentre os mui variados remédios disponíveis, o médico

seleciona o "adequado" para a doença que descobriu antes.

Num depoimento recolhido na fase de préteste do

instrumento, falando a respeito de por que o medicamento cura, colocava o

entrevistado:

"Porque deve ser assim, né, assim, eles (os médicos)

entendem todo tipo de doença, com todo tipo de gente. Então eles sabem ... qualquer

doença que a pessoa tem eles sabem, sabem né. Se eles estão passando (o medicamento)

é porque eles sabem, porque eles estudaram todo tipo de doença, em qualquer ser

humano. Então eles estão bem conscientes, né. Porisso então eu acho que é bom. Às

vezes tomo mgum remédio, porque precisa passar alguma coisa, e funciona. .. "

É também o que o Dr. "K", do já citado estudo de

COMAROFF, afirma, em outros termos:

111

Page 137: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

''I suppose Ihal when Im nol reaJly sure about attaching a

label lo a set 01 symptoms, but i feel iJ ir not serious, J should tell the pacient lo 80 home

anti wail and see. II lhe symptoms persisl, Ihen he should comme and collecl a

prescription. But in practice, il ir bener do give the impression Ihat Ihings are cut and

dried.lt inspires more confidence to put a name to a condition and give something for

it" (pags. 8, 9, destaques nossos).

A "confiança" (que é o outro nome para o poder) nasce

então da capacidade de "dar nome" (e o nome é também um símbolo) a uma

condição, ou seja, de desevendar, através da nomeação, a "doença sem nome" e de

"dar alguma coisa" para esta doença, ou seja, enfrentar a entidade maléfica agora

nomeada, com uma arma da qual só o médico pode ter o "porte".

o "nome da doença" e o "dar alguma coisa par ela" (o

medicamento) são, pois, dois grandes símbolos do poder médico.

o nome da doença, ou mais precisamente, o ato concreto

de dar nome a uma doença, é um comportamento que tem como efeito, como

resultado pretendido, o poder.

Dar nome a uma doença preenche pois a importante

função simbólica, conferidora de poder ao médico, de dominar ou exorcizar o "mal"

através do conhecimento científico - já que, na prática social (e a consulta médica é

uma prática social) "conhecimento" e "nomeação" são coisas que andam juntas.

Portanto, dar nome a um mal produz um "efeito

ideológico ou de poder" como diria VERON (79) na medida em que é uma forma

indireta ou um primeiro passo para tornar este "mal" um ''bem".

112

Page 138: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

A outra fonte de poder do médico (dar "alguma coisa"

para a doença nomeada) significa que ele é o agente social capaz de retirar do arsenal

das ciências, os instrumentos do ''bem'', para fazer o ''bem''.

Esta sua capacidade específica vem, no entanto, sendo

posta em xeque pelo fato de que o medicamento começa a adquirir considerável

autonomia como mercadoria e bem de consumo. FenÔmenos como como o consumo

direto de medicamentos, que descrevemos no início deste trabalho, são, entre outros*

indicadores desta tendência, que pode genericamente ser descrita como resultado da

hegemonia da mercadoria médica sobre o ato médico.

Vale notar que esta alienação relativa do médico em

relação aos seus instrumentos de trabalho constitui um processo histórico.

Com efeito, como todos sabemos, o médico foi, antes de

ser um prescritor de um produto industrial elaborado fora do espaço médico, um

formulador, ou seja, um profissional que dispunha de muito maior poder simbólico

em relação ao medicamento na medida em que detinha o controle não do nome do

medicamento (enquanto bem de consumo público), mas de uma fórmula que não era

do conhecimento público. O remédio enquanto fórmula era um patrimônio

corporativo, que só se transformava em bem de consumo através do formulador* *

•••

Com o desenvolvimento do capitalismo e do produtivismo

de que fala BAUDRIUARD (6) o medicamento passa a ganhar autonomia relativa

* Como o fato de que o médico é ·educado· em farmacologia pelos representantes de laboratório (V.TEMPoRÃo (74).

** Talvez a prescrição incomprensfvel (69) seja um traço arqueológico desta função formuladora.

113

Page 139: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

em relaçlo ao seu prescritor, que deixa de ser um fonnulador c, numa certa medida,

produtor do símbolo, para passar a ser uma peça - se bem que muito importante (74)

- no esquema de distribuição e comercialização do produto.

Evidentemente, na medida em que o médico não é

totalmente imprescindível para o consumo do medicamento, que existe,

comercialmente, independente dele, o seu poder simbólico sobre este produto

diminui.

11.5 - Uma visão sintaiIDática

Considerando agora o problema do ângulo sintagmático

(das relações e/e de que fala JAKOBSON (40) diríamos que o poder do médico se

expressaria também, através de relações de manipulação (combinação) frente ao

medicamento: dosagens, combinações medicamentosas, compatibilidades e

incompanbilidades inter-medicamentos e entre medicamentos e alimentos, bebidas,

etc.

Estamos. aí não ao nível do léxico (nível mais simples,

mais acessível ao publico-V. BOLTANSKY (10) mas ao nível do discurso, esfera do

especialista, do profissional.

Com efeito, quando o médico receita uma combinação

medicamentosa, o que ele está fazendo, simbolicamente, é produzir um discurso

espedfico, que é símbolo de poder na medida em que só o médico é capaz de produzi­

lo com autoridade (no sentido que BOURDIEU (11) atribui ao termo)-.

• Da mesma forma que só o engenheiro é capaz de produzir, com autoridade, um discurso sobre a engenharia, o fisioterapeuta sobre fisioterapia, o linguista sobre lingufstica, etc..

114

Page 140: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Mas a força da mercadoria é tal que mesmo esta

autoridade acaba sendo relativada nas sociedades de consumo modernas,.

especialmente nas de capitalismo selvagem como a brasileira.

Afinal, não existe a Bula?

De fato, a bula é um discurso público sobre o mesmo tema

(o das interrelaçôes medicamentosas).

Trata-se, é certo, de um discurso ambíguo (pelo menos

em nosso país) porque vazado em linguagem médica mas destinado também ao

consumidor não médico.

A título de ilustração, vamos analisar brevemente a bula

do medicamento BINOTAL (anexo).

No capítulo "Posologia e modo de usar" diz a bula:

"O preparado deve ser administrado sob prescrição

médica. Entretanto, aconselhamos as seguintes doses diárias" (destaques nossos).

Segue-se esquema de dosagens para lactentes, crianças, adolescentes e adultos.

A conjunção "entretanto" é o sinal inequívoco da

ambiguidade: "O preparado deve ser administrado sob prescrição médica. Entretanto,

aconselhamos (ao leigo) as seguintes dosagens". É claro que o objeto do verbo

"aconselhar" é o leigo e não o médico. E' claro que se colocassemos o médico entre

parênteses, o discurso se tomaria absurdo: "O preparado deve ser administrado sob

prescrição médica. Entretanto, acoselhamos (ao médico) as seguintes dosagens".

115

Page 141: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

o discurso da bula é. pois, ambíguo já que tem dois

receptores que se excluem mutuamente: o médico e o leigo.

Finalmente. cumpre analizar o sujeito do verbo

aconselhar: afinal, quem está "aconselhando" neste discurso da bula? Quem é este

sujeito institucional que se permite e ao qual é permitido falar, com autoridade social

( ) sobre a posologia?

A resposta é que este sujeito é a Ciência reificada na

Mercadoria.

o médico (ou mais precisamente, o médico consultante)

portanto, já não é mais o único sujeito social e institucional da ciência e da prática

médica, habilitado a tecer um discurso sobre combinações medicamentosas. Ele

compartilha esta função com a Ciência e os cientistas - aliados orgânicos, no sentido

gramsciano da expressão, dos proprietários da mercadoria medicamento - que

avalizam o discurso da mercadoria e, consequentemente, também, uma relação direta

do produtor e do cosumidor final.

Assim, parece claro que a bula é uma forma de

"socializar" o discurso terapêutico, com vistas a retirar parte do poder simbólico da

mão do médico consultante e investi-lo diretamente na mercadoria medicamento.

116

Page 142: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

CAPÍTULO IH - O SENTIDO DO MEDICAMENTO DO PONTO DE VISTA DO INDIVIDUO.

Page 143: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

I.J.J.l -Introdução

Mais uma vez é necessário colocar que os depoimentos

que constituem a matéria deste capítulo, não representam mais do que uma das vias

de acesso ao sentido do medicamento; um dos modos através dos quais é possfvel fazer

emergir mais uma parcela do que se acredita ser o sentido do medicamento na

formação social concreta brasi1eira.

A sociedade e os profissionais médicos representam

pontos de vista sobre o medicamento ( que analisamos até aqui).A sociedade produz

as suas mercadorias e a semiose social correspondente (ou seja, o sentido social das

coisas, sem o qual o funcionamento social não seria possível, como coloca VERON

(79), explicitamente através da publicidade (o discurso" oficial" da mercadoria),

implicitamente no próprio consumo de medicamentos (74) e em arranjos espaciais

(como nas farmácias sob a forma de Drug Stores, etc.).

Os indivíduos, por sua vez, representam outro "ponto de

vista" (ver 1.1.9.).

Eles tem como fontes onde se abastecem para realizarem

a sua função de atribuidores específicos de sentido, as suas próprias experiências de

consumidores da mercadoria e das representações sociais associadas direta ou

indiretamente - por exemplo, através da opinião do médico - a essa mercadoria.

É o ponto de vista específico do indivíduo (representado

aqui pelo paciente hipertenso) que pretendemos, nesta parte do trabalho, fazer entrar

em cena, como mais um dado na tentativa de contribuir para a construção de

hipóteses sobre o sentido do medicamento na nossa formação social.

117

Page 144: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

111.2 -lnterpreta,ao e contextuaJiza,ao

A análise dos depoimentos dos pacientes hípertensos

entrevistados foi feita com base em temas sugeridos pela leitura destes depoimentos.

A leitura de um depoimento determinado sugeria um

tema relevante, como contribuição para o entendimento do sentido do medicamento.

E na leitura de outros depoimentos, o tema era reencontrado.

Algumas vezes um depoimento trazia um tema particular.

Nesse caso, depoimento e tema coincidiam.

Estes dados assim agrupados e interpretados permitiram

o levantamento de hipóteses sobre como os indivíduos conferem ou atribuem sentido

ao medicamento a partir de sua vivência com este objeto.

Para se tornarem fontes de hipóteses, no entanto, estes

depoimentos agrupados e interpretados, sobre o medicamento precisaram ser,

também, contextualizados sob pena de configurarem sentidos esparsos, atomizados,

subjetivos e portanto de pouca ou nenhuma valia científica (26).

Esta intepretação / contextualização se fez com base

numa determinada perspectiva teórica, que permitiu ou possibilitou a superação seja

do empiricismo inicial do dado bruto,seja do subjetivismo interpretativo, inserindo os

depoimentos num determinado contexto histórico e socio cultural.

Assim contextualizados,os depoimentos permitiram a

confecção de hipóteses sobre o sentido do medicamento do ponto de vista dos usuários

, enquanto indivíduos vivendo no espaço de uma determinada cultura e de uma dada

formação social concreta e num determinado tempo·.

• Esta abordagem mais abrangente - que situa o indivíduo como membro de uma sociedade e de uma

118

Page 145: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Este contexto tomou então a forma, neste trabalho, de

uma rede de temas e sub-temas • a questAo do "natural" x "artlftclal"; a eftclêncla e a

eftcácla simbólicas; o medicamento como Instrumento de controle social; a questAo

do medicamento e o homem concebido como máquina,etc. - que constituem algo que,

metaforicamente, poderiamos chamar de "meio ambiente ideológico"·.

o sentido do medicamento para o usuário, segundo

cremos, pode então ser buscado - e este trabalho constitui um primeiro passo nesta

busca - considerando este "meio ambiente" como referencial.

Desta forma, o "meio ambiente ideológico" é considerado,

metodologicamente, dentro de uma perspectiva dialética, como um instrumento de

leitura e interpretação dos depoimentos que, uma vez interpretados, retro agem sobre

o "meio ambiente", fornecendo elementos que permitem construi-lo como um campo

dinâmico· de sentidos.

cultura, vivendo num dado tempo histórico - permite situar este trabalho no contexto daqueles onde os CAHPs não são entendidos unicamente por referência ao conhecimento científico (comparado ao . qual, quase sempre, aparecem como um.produto degradado ou como um erro). Caso este estudo, que envolve os CAHPS em relação ao medicamento, tivesse como modelo de CAHP a visão "científica" (leia-se médico/farmacológica) do medicamento, estaria desconsiderando o fato - importante para -a Saúde Pública e para a Educação em Saúde Pública - de que o medicamento, na nossa sociedade, é,também, um objeto de consumo de saúde. Este desconhecimento induziria a uma visão parcial e fragmetária sobre o sentido do medicamento porque, na nossa sociedade, faz parte integrante do conhecimento, dos atitudes, dos habilidades e dos prátic4s normais dos indivlduos - médicos inclusive - frente ao medicamento o fato dele ser visto ou percebido como um objeto de consumo de saúde. Portanto, estes CAHPs que comportam esta visão não implicam erro ou desvio mas - considerando o conte'llo histórico da sociedade e da cultura vigentes - um comportamento funcional para uma sociedade e uma cultura que tem como valor central o consumo.

• Lembrando sempre que o ideológico está intimamente mesclado ao social (ao qual dá sentido, como assinala VERON (79); de modo que ao falarmos de ·meio ambiente ideológico· estamos efetivamente utilizando linguagem figurada já que os temas, sub-temas, assuntos que o constituem fazem parte integrante da vida do social e não da vida do espúilo .

•• O propósito aqui, de acordo com a perspectiva dialética que norteia o trabalho, é fugir das visões que analisam o fenômeno ideológico como ação unilateral de imposição de ideias, isenta de contradições e conflitos.

119

Page 146: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Neste campo impera, ao mesmo tempo, um processo de

hegemonia ideológica e um movimento de conflito ideológico, envolvendo sujeitos

produtores de sentido: a sociedade e a cultura (através dos Aparelhos Ideológicos de

Estado de que fala ALTIlUSSER (1) e os indivíduos, ou grupos (por exemplo, tipos

de pacientes), ou categorias sociais (por exemplo, os profissionais médicos) não

hegemônicos.

Ao final deste trabalho espera-se obter um desenho

preliminar deste "meio ambiente".

Tal desenho preliminar permitirá que se obtenha materia

prima, ou, mais precisamente, utilizando-se a terminologia de lUELMSLEV, na

versão de MEU (52), "materia do conteúdo", para a confecção de hipóteses.

Constituem "materia do conteúdo", por exemplo, os temas

de novela televisiva no Brasil: a "novela das seis" com seus temas históricos (a

escravidão, a imigração), a "novela das sete" com seus temas relativos à vida

contemporânea, vistos através de u!fla ótica humorista, a "novela das oito" com seus

temas "sérios", dentro do gênero "drama" ou "tragédia". Estes temas - a matéria do

conteúdo das novelas - podem ser vistos como ingredientes para a confecção deste tipo

de peça televisiva, "mate ria prima de assuntos", da qual os autores lançam mão armar

ou construir uma novela particular. U. ECO, em seu estudo: "As formas do

conteúdo"(28) aborda especificamente, este tema.

Em nosso caso, a "matéria do conteúdo" é composta pelo

que acreditamos ser a temática ligada ao medicamento. A situação aqui, portanto, é

diferente porque não se tem, previamente, como na televisão brasileira (e também no

teatro, no cinema, etc.), um gênero ou tipo de conteúdo já estabelecido. O que se tem

120

Page 147: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

aqui são conteúdos, temas, fragilmente entrelaçados, em uma palavra, uma materia

prima ou matéria do conteúdo em estado mais bruto.

o que se objetiva então neste momento, com a criação,

neste trabalho, desta matéria do conteúdo inicial é, através dela, obter-se uma fonte de

temas para a confecção de hipóteses sobre o sentido do medicamento.

Com as hipóteses testadas, em trabalhos posteriores,

obter-se-á matéria do conteúdo mais refinada, ou seja, temática mais específica, que

permitirá melhor definição dos contornos deste meio ambiente ideológico, ou campo

dinâmico de sentido, ligado ao medicamento e, por extensão, à saúde nas sociedades

de consumo contemporâneas.

121

Page 148: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

111.3 - Cura e controle: eficiência e eficácia simbólica

Page 149: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

depoimento c) :

(P) - "0 que o remédio significa na sua vida?"

(R) - "0 que significa na minha vida

(P) - "É

(R) - 'Daqui para frente se eu encontrasse alguém que me

falasse: você sarou? Talvez eu tenha achado que ele não significa alguma coisa, mas

até agora ele significou muita coisa para mim ( ... ) Porque eu era uma pessoa de ficar

um ano ou dois em casa sem sair. A única coisa que eu tinha vontade (era) de chorar, .

me trancar no quarto e não encontrar mais ninguém ( .. .).

Então o tempo que eu comecei a usar o remédio, o Clorana,

primeiro o Diuran e depois o Clorana, o TensiL.. eu comecei a me sentir bem e hoje eu

tenho medo de ficar sem tomar ( ... ).

Eu prefiro... eu quero ficar sem a comida do que sem o

remédio ... "

Vemos,- por este depoimento que o remédio está

associado a um desejo ou fantasia de cura, em contraposição ao controle.

A primeira associação que veio à mente deste paciente

quando inquirido sobre o significado do remédio foi a ideia de cura:

"0 que significa na minha vida? ... se eu encontrasse alguém

que me falasse: você sarou? Talvez eu tenha achado que ele não significa alguma coisa

"

122

Page 150: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

É evidente que com a cura o indivíduo deixa de ser

doente, ou seja, a doença desaparece do organismo do indivíduo e da sua vida.

Na cura, o medicamento representa a saúde definitiva, o

que lhe confere um alto grau de eficiência e eficácia simbólicas.

Eficácia simbólica é então o "resu]tado" do símbolo, a

prova de que o significado do medicamento é, mesmo, igual a" Saúde". Eficiência

simbólica diz respeito ao processo de obtenção da saúde.

Quando há cura, há saúde definitiva, o que significa alto

grau de eficiência simbólica: a utilizaçao do meio, do instrumento, levou ao fim

desejado, de uma vez por todas

Em contraposição, com o controle, a saúde tem que ser

permanentemente re-obtida, o que significa baixo grau de eficiência simbólica.

Com o .controle, efetuado pelo medicamento (entre

outros recursos) o indivíduo não deixa de ser doente: ele deixa de estar doente, de

ficar doente:

depoimento a) :

Mas também eu estou com aquele calor, aquela ansiedade

... eu tomo o Aldomet é a mesma coisa que tirar. Quando vai passando o efeito outra

vez. .. "

123

Page 151: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

No caso do controle, então, a eficiência simbólica do

medicamento é menor. Com efeito, deixar de ser doente é algo que se consegue com

o consumo, por um determinado período, do medicamento. Já para deixar de estar

doente é necessário, em situações crônicas, consumir, em caráter pennanente, o

medicamento.

Mas, a despeito desta diferença na eficiência, a eficácia

simbólica do medicamento parece, à primeira vista, ser equivalente, na cura e no

controle.

Com efeito, a cura produz um indivíduo saudável e o

indivíduo saudável é um ser sem limitações.

Ocorre que o controle também produz indivíduos que,

apesar de permanecerem doentes, não apresentam limitações maiores:

depoimento h):

(P) - "0 ~e ele faz (o medicamento)?"

(R) - ': .. um bem estar, um bem estar, uma disposição para

o trabalho, né ... "

depoimento a):

(P) - "O que é mais importante para a sra., o médico ou o

medicamento?

124

Page 152: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

(R) • ~ .. Eu só passo no médico para pegar a receita. Porque

eu não tenho oulro problema. Eu tenho todas as funções nonnais, não tenho

menstrução mas não é porisso que me falIa alguma coisa. .. não tenho problemas de sexo,

não tenho nada que me prejudica assim, a não ser a pressão alta, só ... "

Mas se a eficácia simbólica parece ser equivalente,o

controle pelo medicamento é, simbolicamente mais custoso. Implica em adotar o

medicamento como quem é compelido a adotar um hábito, ou até mesmo um vício,

implica em aceitar o medicamento com resignação:

depoimento c) :

(P) • "Como é para a senhora ter que tomar remédio a vida

toda para controlar a hipertensão:

(R) • Eu sei que eu tenho que tomar mesmo e me coloco na

cabeça que pode de repente pode me acontecer uma coisa ruim, né( ... ). Então eu encaro

isso assim como uma coisa que, antes eu tinha esperança que um dia eu não ia mais

tomar, mas aí eu volto ao médico e ele diz que tem que tomar, tem que tomar, então

encerrou ... encerrou agora a palavra: ''agora eu vou deixar~ Agora eu vou continuar .

(P) • "Para sempre?"

(R) - ... é. .. porque não tem outro jeito. Fazer o que ....

Agora, eu gostaria se eu chegasse um dia, lá, um dia, no médico ele falasse assim: ó, você

não precisa mais tomar. Mas não ... '~

É interessante observar - considerando que este

depoimento é da mesma depoente do primeiro depoimento - que, a despeito dela

afirmar: "ele (o remédio) significou muita coisa para mim ... eu comecei a me sentir

125

Page 153: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

bem... eu quero ficar sem a comida do que sem o remédio... "coloca, mais adiante:

'j4gora, eu gostaria .... se o médico falasse assim: ó você não precisa mais tomar ... mas

não."

Fica bastante claro então, neste depoimento,que o desejo

de eficiência simbólica do medicamento (o desejo que ele seja um instrumento

potente, forte,definitivamente resolutivo )e a frustração pela não realização do desejo,

coexiste com o reconhecimento da sua capacidade de produzir estados de saúde. Mas

estados de saúde não são, simbolicamente, a mesma coisa que seres saudáveis.

Daí podermos avancar a idéia de que também e eficácia

simbólica do medicamento que controla é menor do que a do que cura.lsto decorre

da sua incapacidade de eliminar o Ser doente; implica em aceitar, resignadamente, a

ideia de conviver com este Ser doente, que não pode ser eliminado, já que o máximo

que o medicamento pode fazer é contribuir para a reprodução permanente de um

Estar saudável.

126

Page 154: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

111.4 - O medicamento, ambigüidade e moral

Page 155: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

depoimento j) :

(P) • Mas se a sra. pudesse escolher, digamos ... que a gente

deixasse a sra. escolher. Falar assim, ó: a sra. escolhe: ou faz o regime ou toma o

remédio. A sra. escolheria o que?

(R) • Não, eu escolheria o regime assim, porque a gente

sente melhor.

(P) - Ah, é, e como é esse sentir melhor?

(R) - Não, porque ... se for regime assim para não engoradar

muito, por exemplo, para a gente se sentir ... Por exemplo, o meu corpo, se eu engordar

mais do que estou aqui ... tudo o que eu faço sai cansado, me sinto mais cansada então

eu acho que a gente se sente mais assim, fica mais gorda, parece que a pressão, parece

que não volta ao ritmo certo.

(P) - E o remédio?

(R) - O remédio ... sei lá: todo dia tomar aquele remédio,

todo dia tomar remédio, então ...

de não tomar o remédio ...

remédio?

melhor era.

(P) - Porque a sra. não gosta de todo dia tomar remédio?

(R) - Não, se eles mandam tomar a gente toma, né?

(P) - Mas a sra. não gosta, né?

(R) - Não, eu gosto de tomar. Mas se eu achasse um jeito

(P) - Porque então seria melhor a sra. não tomar o

(R) - Porque se a gente. .. não precisasse tomar o remédio

(P) - Porque era melhor?

(R) - Ah, eu não sei explicar.

(P) - O que o remédio significa na sua vida?

(R) - É, significa melhora, né?

127

Page 156: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

(P) - Significa melhora?

(R) - Porque se a gente toma o remédio que ele passa, se ele

passou aquele remédio, a gente tem que tomar, que sabe que é para o bem da gente, né,

então ...

que tomar.

(P) - E se não tomar, o que acontece?

(R) - Se eu não tomar é pior para mim, né?

(P) - O que acontece com a sra. ?

(R) - Ah, me sinto mal, né?

(P) - Só isso?

(R) - É, porque se ele marcou aquele remédio a gente tem

(P) - E se não tomar, o que acontece?

(R) - É ruim para a gente.

(P) - O que é esse ruim?

(R) - Ah, a gente se sente mal, passa maL.. a pressão: se a

gente não tomar o remédio é pior para mim, eu me sinto mal

inteira?

(P) - E o que é para a sra. ter que tomar remédio a vida

(R) - Isso. aí eu diria que é um castigo.

(P) - A sra. se sente castigada?

(R) - Não, porque se a pessoa tem que tomar aquele

remédio a vida inteira. .. para viver tem que ser um pouco sofrimento, né?

inteira?

(P) - E a sra. acha que vai precisar tomar remédio a vida

(R) - Ah, eu não sei. Não sei te responder.

(P) - Não tem ideia? E se tivesse que tomar a vida inteira?

(R) -Ah, tomava, né?

(P) - Porque?

128

Page 157: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

(R) • Porque a gente, por exemplo, tem que seguir o mais,

que a gente vai no médico, a gente tem que seguir o que ele fala porque ele sabe mais do

que a gente, então a gente tem que seguir o que eles mandam.

(P) • E se não seguir, o que acontece?

(R) • Acontece a piora da gente, né?"

o depoimento analisado revela, com clareza, um aspecto

relevante da ambiguidade do medicamento com o símbolo: o medicamento é um

pilula amarga que, no entanto, deve ser engolida porque é para o bem do paciente.

É interessante observar o depoimento em detalbe. Nesse

sentido, o primeiro a se notar é que quando se sugere a possibilidade de optar entre o

regime alimentar e o o medicamento, a depoente opta pelo regime e justifica

positivamente a sua escolha.

Mas, na oposição que estabelece entre o regime

alimentar e o medicamento, se a depoente, por um lado, consegue alinhar as

qualidades positivas do regime, por. outro, não consegue descrever os atributos

negativos do medicamento.

Começa por envolve-lo numa tonalidade ou clima

negativo:

"O remédio ... sei lá, todo dia, tomar aquele remédio, todo

dia tomar remédio, então ... "

Em seguida, quando colocada diante da necessidade de

justificar porque não gosta do medicamento, na primeira resposta não apenas não

consegue explicitar o seu não gostar como procura, veladamente, negá-lo:

129

Page 158: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

''Não, se eles mandam tomar, a gente toma. "

Ou seja, se o seu não gostar não é negado, explicitamente,

é colocado como irrelevante em relação à obrigação: 'se eles mandam tomar ... "

Colocada novamente diante da necessidade de reafirmar .

o seu não gostar, a depoente termina por negá-lo,explicitamente:

"(P) - Mas a sra. não gosta, né?

(R) - Não, eu gosto de tomar."

Ou seja, a depoeJ}te incorpora de tal forma a obrigação

que esta transmuta-se num gostar. A despeito disso, deixa implícito que seria melhor

se houvesse um jeito de não tomar o medicamento.

Instada, finalmente, a justificar porque seria melhor não

tomar o medicamento, não sabe explicar.

É interessante, então, procurar entender os fundamentos

desta incapacidade.

Nesse sentido, o que se pode avancar é que esta

incapacidade pode estar ligada ao fato do medicamento ter um componente mau que

lhe é inerente, que portanto, não necessita de explicação. Esta inerência, sinal

revelador da força antropológica deste componente negativo, é aquela revelada por

expressões clássicas relativas ao medicamento tais como: pz1ula amarga; dourar a

pz1ula, a interjeição: droga! (que se contrapõe, também em nível antropológico, as

forças positivas relevadas por expressões como 'santo remédio •; ''pomada milagrosa·~.

130

Page 159: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Continuando a análise do depoimento, na linha de buscar

descrever, através dele, a ambiguidade do medicamento como símbolo, temos que,

quando inquirida sobre o que significa o remédio em sua vida, a depoente responde

inicialmente: "significa melhora". Mas analisando a sequência do depoimento verifica­

se claramente que o que se entende por melhora não é uma melhora física mas uma

melhora moral.

ideia de melhora ...

Com efeito, quando instada a explicitar ou reafirmar a

"(P) - Significa melhora?

... a depoente responde:

(R) - Porque se a gente toma o remédio que ele (o médico)

passa; se ele passou aquele remédio, a gente tem que tomar, que sabe que é para o bem

da gente. "

o remédio é, portanto, uma obrigação e na obrigação

está contida a paula amarga que a depoente refere implicitamente. E, além disso,

quando tomar o remédio está associado à expressão para o bem da gente, este remédio

está também automaticamente associado a algo mau, porque na significação

codificada da expressão para o bem da gente (ou para o seu bem) está implícito que

aquilo que é para o bem da gente é algo mau (ou amargo, ou difícil).

A despeito de eventuais referências a sensações ("a gente

se sente maI'~ "passa mal'~ 'eu me sinto maI'~ que, no entanto não tem a concretude

ydos sintomas, o depoimento segue colocando o medicamento num contexto geral de

significações morais marcadas por obrigações ('se ele marcou aquele remédio a gente .

tem que tomar'~ e por punições ('se a gente não tomar o remédio é pior para mim. .. '~.

131

Page 160: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Ainda mais moral/punição:

"P) - E o que é para a sra. ter que tomar remédio a vida

inteira?

(R) - Isso eu diria que era um castigo."

o contexto moral fecha-se, finalmente, com a justificativa

maior para a obediência, para o cumprimento da palavra médica: o saber:

'~.. a gente tem que seguir o que ele fala, porque ele sabe

mais do que a gente, então a gente tem que seguir o que eles mandam. "

Em síntese, o medicamento é um símbolo, que colocado

num contexto de valores morais, de que a nossa cultura está impregnada, pode ser

entendido como implicando a ambiguidade contida na expressão: males que vem para

bem.

132

Page 161: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

III.S - o medicamento como sfmbolo ambíguo e o deficiente químico

Page 162: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Uma das consequências do medicamento ser - como

cremos- uma prótese química é que esta prótese pode despertar, no usuário de

medicamentos (sobretudo quando se trata de usuários permanentes, como os

hipertensos), um sentimento mais ou menos vago, de inclusão na categoria dos

deficientes. Podemos chamar a este tipo de deficiente de deficiente qu(mico para

indicar que pertence, como os "físicos", à categoria dos deficientes, mas que constitui

uma sub categoria a parte, a dos "químicos"·.

Como o deficiente físico que não consegue andar sem o

auxilio de muletas, o deficiente químico não consegue, por exemplo, manter a pressão

normo tensa sem o auxílio de um medicamento antibipertensivo. O medicamento

antihipertensivo é, portanto, o equivalente químico destas muletas. É, portanto, um

símbolo ambíguo: por um lado representa a saúde, por outro lado, a doença.

depoimento a) :

''Eu perdi * * minha saúde (natural). De lá para cá, é tomar

remédio (saúde artificial). Remédio forte: eu tomo três comprimidos por dia para a

pressão, dois Aldomet 500 e um Propranolol 80'~

A depoente associa diretamente a perda da sua saude

original como a fatalidade (o é) de ter que tomar remédio. Ou seja, uma vez perdida

a saúde original ... é tomar remédio (a saúde artificial). O que ficou no lugar da saúde

original perdida é a saúde artificial, ou seja, o medicamento. Mas ...

"(A pressão alta) é uma coisa que convive comigo. Eu já

acostumei. (Tomar medicamentos) tomou·se um hábito. É que nem tomar café,

• O deficiente químico pode também ser visto, por contraste com o físico, como um deficiente interno. •• Assim como o deficiente físico perdeu a movimentação de um membro. A idéia de perda é fundamental para caracterizar a deficiência.

Servt-~ . ~ - .o,,,,entaç!e FAi . , o .~,. ICA

ur. _ ~ _ ...... :.,,,,o PAUL.O

133

Page 163: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

almoçar, jantar. É como as mulheres no ciclo menstrual: tem que tomar

anticoncepcional Eu não tomo anticoncepciona~ tomo Aldomet. Mas ele me faz bem. "

Portanto, tomar medicamentos tornou-se um fato do dia a

dia, como tomar anticoncepcional e que lhe faz bem, lhe produz bem estar, ou seja,

Saúde, mas ...

(P) - "Como é para a senhora ter que tomar remédio a vida

toda para controlar a hipertensão?"

(R) - Olha, para mim que casei com 38 anos, tenho 3 filhos

pequenos, eu até acho uma boa ter uma coisa que resolva, por enquanto. Que ajuda a

levar um pouco adiante, porque, quando nada, é uma perspectiva de vida, né. Eu tomo o

remédio, eu me sinto bem, quer dizer, é um círculo vicioso, não posso ficar sem ele ... "

Em uma palavra, a ambiguidade que o medicamento

representa para o deficiente químico advém do fato de que ele indica, ou significa, ao

mesmo tempo, o preenchimento de algo que falta ao deficiente (ou seja, a saúde

perdida) e o fato mesmo de algo lhe falta (ou seja, a deficiência).

Lembremo-nos que na definição pierceana de símbolo

este aparece como algo que está por outra coisa, ou em lugar de outra coisa, para

alguém. Nesse sentido é importante contrastar o deficiente físico com o químico

porque o medicamento anti hipertensivo, como símbolo, está no lugar da saúde

perdida, sobretudo para ele, deficiente químico, o que o diferencia do deficiente

físico, para o qual a muleta está no lugar da mobilidade perdida do membro, para o

deficiente e para os outros, que o veem permanentemente com a muleta, o que não

acontece com o deficiente químico, que pode esconder ou portar "secretamente", ou

privadamente, ou discretamente o símbolo da sua deficiência, ou seja, o

medicamento.

134

Page 164: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

111.6 - O medicamento e a hipertensão como doença e não doença

Page 165: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

depoimento L ):

(P) • "O problema da hipertensão ... 0 que que a sra.

imagina que é essa doença, como é isso para a sra. ?

(R) • Não sei o que quer dizer isso. Eu sei, que escuto falar'

... que se a pressão sobe muito, que pode dar um de"ame, que pode dar um ataque, tudo

isso. Agora, se souber levar o regime para controlar. Que é doença e não é doença.

Agora, eu não sei que é; eu não sei.

(P) • Por que não é doença?

(R) • Quer dizer, é doença porque se a gente não controla

pode subir a pressão muito, pode dar um de"ame, pode até matar. Agora, se a gente leva

para o outro lado, que, como diz o outro, como a gente deve levar, tomando, ou toma o

remédio ou controla a pressão ... minha pressão sobe muito quando eu me abo"eço ... que

se eu me abo"eço, fico chateada, assim minha pressão sobe.

(P) - Como é que a sra. sabe?

(R) - Porque sinto tontura, da dor de cabeça também. Ah, .

eu esqueci de falar que me dava dor de cabeça. .. '~

A hipert<;:nsão é e não é uma doença. É uma doença,

porque pode "até matar", se não controlada. Controlada, ela se transforma num

estado normal. Doença, portanto, é sinônimo de ameaça grave à integridade do

organismo.

A hipertensão é uma doença na medida em que é uma

ameaça grave. Mas esta ameaça não é direta. Não se está na mesma situação, por

exemplo, de um réfem ameaçado de levar um tiro na cabeça caso a polícia resolva

investir contra o criminoso, que o fez réfem. A ameaça, ou seja, invalidez e a morte .

(e portanto a hipertensão como doença) está aqui associada a sintomas leves e

cotidianos (dor de cabeça e tontura) dos quais constitue um desdobramento já ...

135

Page 166: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

'~ .. que eu escuto falar, vejo as pessoas tudo que se a pressão

sobe muito ... pode até matar".

Ocorre que, para o depoente, a pressão,

efetivamente,"sobe muito". Com efeito, os sintomas da pressão alta (tonturas, dores

de cabeça) se encontram, no seu organismo, em nível superficial de latencia, podendo.

emergir com relativa facilidade à superfície:

também. .. "

''Minha pressão sobe muito quando eu me abo"eço.

(P) - Como é que a sra. sabe?

(R) - Porque eu sinto tontura, me dá dor de cabeça

A pressão alta, tem, pois, para o depoente, uma existência

concreta, cotidiana, na medida em que está representada por coisas reais, sentidas no

dia a dia ("minha pressão sobe muito quando eu me abo"eço'~ como a dor de cabeça e

a tontura

Estas coisas concretas são, por sua vez, símbolos (ou, mais

precisamente, simbolizantes) vagos, ou indícios de morte ou invalidez na medida em

que acrescentam um certo grau de concretude, de "dentro" (do organismo) à ameça

de morte que vem de "fora" (da ciência, do médico, do que "se escuta falar").

Confrontemos duas situações possíveis. Na primeira, o

médico (ou o educador em saude) coloca para o paciente hipertenso que o não

controle da sua pressão pode leva-lo à morte. Mas este paciente não sente nada.

Neste caso, a ameaça de morte não tem representante endógeno (ao indivíduo). A

ameaça está totalmente vinculada a situações externas a este indivíduo tais como:

136

Page 167: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

crença na :mtoridade do médico em geral e/ou crença na autoridade de algum

médico particular, conhecimento de algum caso de hipertenso que nAo controlava a

pressão e morreu precocemente, etc.

Numa segunda situação, a advertencia do médico ou do

educador em saúde corre paralela à existencia de dores de cabeça e tonturas que o

paciente toma como significante de hipertensão. Nesse caso o paciente pode fazer

uma associ;ação entre hipertensão e morte ou invalidez porque a hipertenção existe,

concretamente, no dia a dia, na forma de dores de cabeça e tonturas, associadas a

aborrecimentos.

Para o paciente em tela, a morte (e a doença) existem,

portanto, numa certa medida, na vida do dia a dia. A morte ocupa um espaço (o corpo

do paciente como locus da dor de cabeça e da tontura) e um tempo (o cotidiano dos

aborrecimentos ).

Este paciente é, para si mesmo, um doente porque a

doença tem uma representação, mesmo que indireta, endógena. Para outros

pacientes (ver,por exemplo,III.10.) a .doença não existe, neles, porque ela não tem

qualquer tipo de representação endógena, ou seja não ocorre num espaço e num

tempo pertencentes a estes individuos. Estes então não são doentes para Si mas para

o Outro' (a sociedade, o médico).

o controle da hipertensão, pelo medicamento, controla,

neste caso, duas coisas: diretamente, o manifesto e indiretamente o latente. O

controle do manifesto permite o transcorrer normal da vida, eliminando a dor de

cabeça e a tontura. É o medicamento como anti sintoma, anti dor de cabeça, a anti

tontura, é a saúde no dia a dia. Ao mesmo tempo, o medicamento elimina a morte e .

137

Page 168: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

111.7 - O medicamento e o controle da vida X controle da doença

Page 169: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

a invalidez. É O medicamento como anti doença, ou seja, é a saúde na escala da vjda

como um todo.

o remédio portanto, para os pacientes que têm sintomas,

elimina a morte como concretude (ou, o que dá no mesmo, a ameaça concreta de

morte) ou seja, a morte que está, concretamente, na dor de cabeça e na tontura como

sensações. Nesse caso, o remédio representa, também concretamente, a vida na

medida em que esta vida representada é a eliminação da morte como concretude.

Já, para os pacientes, que não tem sintomas, o remédio é

uma abstração: representa a vida, ou a eliminação da morte-ambos os dois meros

conceitos sem representação endógena, ou motivada, ou subjetiva (Ver TODOROF

(76) - através de um código arbitrário, ou seja, através da Lei do Outro - do médico, da

sociedade.(v.m.l0.)

133

Page 170: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

depoimento L) :

(P) - '~ ... quando a sra. toma o remédio não dá dor de

cabeça?

(R) - Não. Se eu tomar assim, se eu tiver assim a pressão

que eu acho que a pressão - eu não sei se é pensamento da gente que a pressão está

mesmo - se a minha cabeça começa a doer um pouquinho, pode tirar a pressão que está

sempre alta.

(P) - Ah, oh! e ela tem ficado, mesmo quando a sra. toma o

remédio?

(R) Não, s6 se eu. .. ficasse assim as vezes um dia sem tomar

que, como é metade cada segundo dia, às vezes posso até esquecer, eu esqueço de tudo.

Mas aí, se eu comer comida assim,como eu vou falar, como eu ia dizer ...

(P) - ... muito temperada?

(R) - É, é, linguiça, vá... E linguiça já que é meio ardida,

então quer dizer que aí mesmo que se eu, como assim, que me faz mal (não é que me faz

mal, é que eu sei que a pressão me sobe mais um pouco) então, para controlar, então ai

eu, às vezes, sei que eu vou num churrasco, assim que a minha innã de vez em quando

faz, eu como um pedaço de linguiça assim, aí então eu já tomo o remédio, assim, dois

dias seguidos, metade cada dia. Hoje é dia de tomar, nós vamos ao churrasco, então eu

tomo hoje. Mas amanhã eu não devia tomar então eu tomo ... porque eu comi a linguiça

hoje. Eu não sei se estou certa( ... ) porque aí eu como um pedaço de linguiça, porque os

outros comem então a gente come ... e a sardinha, põe aquele sal grosso assim A gente

faz assim estas churrascadas ... e a gente vai comer sardinha, assim, daí eu controlo, assim

com o remédio.

(P) - Esse controle que a sra. faz com o remédio, como é

que a sra. tem idéia, porque a sra. lembrou do remédio na hora de comer estas coisas?

139

Page 171: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

(R) • AI, se ~ para ficar doente eu tom~ o remédio que é

para ndo ficar. Ai eu podia ler dor de cabeça ou minha presst!o fiCar muito u)ttl, assim,

sentir tontura. Então, antes de me dez.? estru coisru eu tomo o remédio que é para mlo

dar."

o médico controla uma pressão, o paciente, a sua vida.

Portanto, ° medicamento, assume sentido distinto para cada um destes atores. A

hipertensão, para o médico, é um valor numérico (que é um símbolo, OU"

representante, ou expressão, na cultura médica, da hipertensão). Esta se inscreve,

para o médico, na perspectiva temporal da consulta e no espaço do organismo alheio

corno suporte de urna pressão.

Para o paciente, a hipertensão é representada,

simbolizada, expressada, sobretudo por um sintoma, por uma sensação corporal, que

se inscreve na temporalidade de dia a dia do paciente e no espaço do seu organismo

como suporte desta sensação.

Para o médico há uma doença (a hipertensão) a ser

controlada; para o paciente exist~ um doente a ser controlado. A doença não come .

linguiça, o doente, sim.

A quantidade de medicamento, para o médico, é função

do controle periódico da pressão; a quantidade de medicamento, para o paciente, é

função do controle permanente dos sintomas.

Eticamente falando, dependendo do sujeito do controle,

temos uma situação de heteronomia ,ou de autonomia. Para a medicina, a

heteronomia é a regra. O auto controle, estritamente falando, implica no sujeito

institucional: paciente, assumir efetivamente o controle da sua doença, o que

Page 172: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

configura (do ponto de vista médico) uma conduta desviante.

Numa situação de doença crÔnica, como a hipertensão, o

paciente é sempre, aquele que efetua o controle, através do medicamento. Mas isto

nem sempre, evidentemente, configura uma situação de auto congrole: com efeito, se

o paciente limita-se a efetuar a determinação médica, a situação permanece como de

hétero controle, tendo o paciente um papel de mero agente passivo deste controle,

sem nenhuma autonomia decisória.

o auto controle, strictu sensu, implica na apropriação

indébita de si mesmo, já que o paciente, na nossa sociedade e na nossa cultura, não

tem lide jure" (de fato é um outro problema) a posse de seu corpo doente. Com

efeito, na medida em que o Corpo ficou doente ele não mais pertence ao seu dono,

que é compelido a entregar a gerência deste corpo ao Sujeito Institucional-Legal dos

Corpos Doentes, ou seja, o médico.

Quando o paciente hipertenso não apresenta sintomas, o

hétero controle através do medicamento tem uma certa lógica . Isto porque este

paciente não tem objeto próprio de controle, não tem o que controlar, já que a pressão

que não se traduz por sintomas não é seu objeto mas objeto do médico. Nesse caso, o

controle não lhe pertence; quem está controlando (a hipertensão e não o hipertenso)

é o médico, do qual o paciente é uma mera extensão: quem leva à boca, diariamente,

o comprimido é, apenas aparentemente, a mão do paciente. Na realidade esta mão é

a mão do médico, que o paciente internalizou.

Já quando o paciente hipertenso tem objeto próprio de

controle (sintomas, sensações) ele está mais apto a ser sujeito do controle da sua'

doença, através do medicamento.

141

Page 173: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

E o depoimento acima apresentado sugere que os

pacientes assumem, através do medicamento, o controle (entre aspas para a

medicina) da sua hipertensão:

"Hoje é dia de tomar; n6s vamos ao churrasco, então eu

tomo hoje. Mas amanhã eu não devia tomar então eu tomo ... porque eu comi a linguiça .

hoje. Eu não sei se estou certa, se estou errada. .. A gente faz assim estas churrascadas ... e

a gente vai comer as coisas, assim, come um pedacinho de linguiça, come sardinha,

assim, daí eu controlo, assim, com o remédio. "

o significado ou simbolizado do símbolo: medicamento, é

diferente, portanto, caso seja o indivíduo ou o médico o sujeito do discurso e da ação

de controle da doença através do medicamento. Para o indivíduo, neste contexto, o

simbolizado do medicamento é o que poderíamos chamar de "saúde leiga"; para o

médico, o simbolizado é o que poderíamos chamar de "saúde médica".

É obvio que muitos pacientes adotam, para o

medicamento, o seu significado médico. Nesse caso, deixam de ser sujeitos do

discurso e da ação frente à sua doe?ça: quem fala e age por eles é o médico (ver m.10

). Estes são, em geral, considerados como "bons pacientes".

142

Page 174: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

111.8 • O medicamento como símbolo de saúde e doença

Page 175: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Caberia, do ponto de vista que é o deste trabalho, ou seja,

do ponto de vista da análise do medicamento como mercadoria simbólica, investigar .

as implicações do fato deste possuir também, de acordo com os pacientes hipertensos,

um lado "mau", uma dimensão "doença", um lado "endiabrado" que coexiste, em

conflito, com seu lado "santo" de "santo remédio".

o medicamento para o paciente crônico é um símbolo

que traz no seu cerne a ambiguidade ou seja, a saúde e a doença, na medida em que

é, de um lado, a lembrança permanente, para o paciente, da sua condição de doente,

a presença de uma falta, uma prótese química, e de outro lado a garantia da

continuidade da vida, da não morte, da não dor, do não incômodo, enfim, do silêncio

da doença:

Depoimento t):

''Porque o remédio também a gente sempre ouve falar que

ele traz efeitos colaterais. Isto é um problema que assusta. .. No caso do Higroton, por

exemplo, a cente ouve falar que ele elimina o potássio do corpo. Então tem que comer

muita banana, chupar muita laranja'~

Depoimento a):

''Porque o remédio, a tendência dele é fazer mal para

alguma coisa. Até hoje eu não percebi que ele me faça mal para nada. Porque todas as

pessoas dizem: porque o A ldom et faz isto para mim, faz aquilo. Em mim só faz bem. "

As expressões destacadas: "a gente sempre ouve falar"

(que o remédio traz efeitos colaterais), "a gente ouve falar" (que ele elimi.na o

potassio); "a tendência dele é fazer mal"; "todas as pessoas dizem" (que o Aldomet faz

143

Page 176: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

mal) são marcas, traços, no discurso dos indivíduos, da presença de uma sentimento

coletivo, de carater negativo, que faz parte do sentido do medicamento na nossa

cultura.

Não basta, é claro, constatar. É necessário procurar

entender a razão desta ambiguidade constatada do medicamento.

A nossa hipótese a respeito é que esta razão tem a ver

com a oposição semântica fortemente ancorada na cultura leiga sobre saúde, que

contrasta o "natural" com o "artificial", êste último identificado com a "química":

depoimento d) :

"Olha, o remédio em si, a química, né, o remédio para a

hipertensão feito assim de uma química pura, eu não posso imaginar, nem pensar de

tomar. Uma coisa deste tipo, eu acho assim que é para último caso( ... ). E, realmente, se

há condições de uma forma natural, sem ingerir produto químico, eu acho que é o ideal'~

Este "p.roduto químico" é também entendido, pelos

pacientes hipertensos (e, cremos, pela cultura como um todo) como um "tóxico":

Depoimento e):

(P) - "Como é que você imagina tomar remédio para a

pressão alta a vida toda ?

(R) - Eu imagino assim: se eu tenho que tomar e é para o

meu bem, eu tomo... Agora, por exemplo, se eu pudesse evitar, se tivesse um meio assim

de evitar de tomar remédio para a vida toda eu faria.

(P) - Por quê?

144

Page 177: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

(R) • Porque eu acho que o organismo da gente fICa muito

intoxicado de remédio.

Depoimento k):

(P) - '~ sra. estava falando de remédio, né... eu queria

saber, assim, o que o remédio significa na vida da sra?

(R) • Olha, eu sou franca a dizer: se eu puder passar sem o

remédio ...

(P) • Por quê?

(R) • Porque eu acho que a gente fica encharcado com o

remédio.

(P) - O que é encharcado?

(R) - A gente fica assim intoxicado assim ... '~

o medicamento faz parte (junto com a engenharia

genética, por exemplo) de toda uma gama de símbolos ou representantes da

interferência do homem (através da Ciência) sobre o organismo. Diferentemente da

manipulação de elementos da natureza, que dá como resultado a fito terapia, a

homeopatia, etc. o medicamento alopático implica na criação perigosa (porque criar

vida é, culturalmente visto como um atributo divino) de artefatos corporais.

Os medicamentos podem então ser vistos, nesse campo de

sentido, como pedaços artificiais de organismo ou de substância orgânica, que

representam criações que, numa certa medida, podem ser vistas como de "aprendiz de

feiticeiro".

A nosso ver, o depoimento desta paciente espelha este

temor cultural com relação aos efeitos das ações de "aprendiz de feiticeiro":

145

Page 178: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

depoimento d) :

"O médico fez uma série de exames e constatou que eu tinha

uma lesão, um foco de disritmia e eu precisei tomar Gardenal, HidantaL Dal tomava um

remédio para dormir e um para acordar ... esse tipo de coisa assim, calmante, porque eu

ficava nervosa e eu senti que fiquei assim uma pessoa completamente diferente, com

outra personalidade, tomando essa medicação ... '~

A saúde artificial simbolizada no medicamento "químico"

ou "tóxico" remete à oposição semântica, presente na nossa cultura, entre "dentro" e .

"fora", em que "dentro" significa dentro da ordem natural, dentro da natureza, dentro

de Deus (não é por acaso que a Igreja Católica prega os métodos "naturais" - que é o

mesmo que dizer "divinos" na medida em que Deus é criador da natureza - de

controle da natalidade) e "fora" significa fora da natureza, ou seja, dentro da Ciência

enquanto manifestação do "materialismo", ou seja ainda, dentro da "ordem artificial".

Parece claro que, neste contexto, o médico, na qualidade

de fiador da eficácia do símbolo medicamento, na medida em que deixou de ser,

como o pajé e o curandeiro, um intermediário entre Deus, a Natureza e os homens,

está no interior do campo semântico - cultural do "fora".

Isto não pode deixar de ter certas implicações, uma delas

a de que a ciência e o cientista materialistas e, conseqüentemente, o consumo de seus

produtos como o medicamento, saem do campo das "forças superiores" para entrar no

campo do livre arbítrio, dos juizos terrenos, da falibilidade, da crítica.

Isto dá lugar a (ou permite o surgimento de) uma série de

oposições que afetam o médico, o medicamento e o paciente tais como: depender X

146

Page 179: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

não depender do medicamento: controlar X não controlar a enfermidade; acatar X

não acatar as ordens médicas.

A ambiguidade do símbolo medicamento (o fato dele

representar, no mundo do paciente, ao mesmo tempo, saúde e doença, bem e mal,

cura e intoxicação) permite que o paciente preserve uma parcela do controle sobre o

seu processo de saúde - doença no que toca ao medicamento:

Depoimento b):

"Como eu sei que este remédio, ele faz a gente urinar muito,

quando eu estou boa, às vezes eu passo uns dias que não tomo. Até o doutor mesmo

falou: pode passar um dia. Mas eu passo até dois, tres dias que não tomo. Às vezes eu

passo. E não sinto diferença nenhuma'~

Depoimento e):

"E também não gosto de tomar remédio para dormir'~

(P) - Por-quê?

(R) - Ah, eu tenho medo de tomar, sabe. Não tomo mesmo!

Eu prefiro deitar mais cedo, acordar alí pelas quatro horas, então eu fico na cama até

umas seis horas mas não tomo remédio. Já me passaram remédio para dormir mas eu

não tomo.

(P) - Porquê?

(R) - Porque me dá uma vontade de chorar tremenda, sabe.

Então eu acho ... Eu tentei tomar mas ai eu vi que não era bom para mim.

(P) - Quem passou o remédio para você.

(R) - Foi o Dr .... E depois eu voltei lá e falei com ele que eu

não iria tomar o remédio.

147

Page 180: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

(P) • E voc€ explicou?

(R)· Expliquei.

(P)· E ele?

(R) • Ele falou que tudo bem. "

o remédio, neste caso, é um símbolo ambíguo porque faz

dormir, e fazer dormir indica o poder da "ordem artificial" da "ordem médica"; mas,

ao mesmo tempo, faz chorar, o que revela que esta ordem artificial envolve um

componente de "desordem".

Este componente de desordem é sentido pelo paciente,

pelo indivíduo, pelo leigo e mobiliza nele, dialéticamente, uma "contra ordem" um

"contra poder":

''Eu tentei tomar mas aí vi que não era bom para mim '~

o medicamento aparece, no mundo do paciente, como

um símbolo, mas frágil, ou mais precisamente, fragilizável, porque pertencente a uma

"ordem artificial" a ordem dos seres humanos, ordem esta contestável, em princípio

porque seus membros bem como os ditames destes perderam o característico anterior

de representar, no campo da saúde, uma vontade superior, permitindo assim, pelo

menos virtualmente, a divergência já que o terreno do embate situa-se agora

totalmente na terra.

E vale notar que este paciente que sabe "o que não era

bom para mim" é uma empregada doméstica,ou seja, alguém duplamente "inabilitado"

-pela sociedade por ser socialmente subalterno e pela medicina por ser um mero

paciente - para saber o que é bom para ele

148

Page 181: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

111.9 - O medicamento e a necessidade

Page 182: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

o paciente crÔnico deve consumir cronicamente o

medicamento. É preciso portanto que esta ingestão crônica do medicamento perfaça

lDlIl sentido para o indivíduo. Posto que o medicamento é uma mercadoria, este

sentido pode se expressar sob a forma de necessidade, que a mercadoria medicamento

deve satisfazer.

Alguns pacientes passam então a viver a hipertensão como

1I'leCessidade e consequentemente o uso do medicamento para o enfrentamento de uma

condição - a pressão alta - transforma-se em uso do medicamento para o

enfrentamento de uma situação, ou seja, dos sintomas, ou do que os pacientes creem

ser os sintomas, da pressão alta: tonturas, náuseas, enjoos, inchaço, nervosismo.

Depoimento a):

'j.fs vezes acontece como agora, por exemplo, esse calor,

estou suando, a transpiração, calor, um pouco de tontura, enjoo. Então eu fico com

aquele enjoo, aquele enjoo. Em vez de tomar o remédio para o estômago eu tomo o da

pressão. E é exatamente o que sara. Ela se manifesta como enjôo. "

A pressão alta tomada necessidade, ou seja,

pressão/enjoo, permite entender a presença do medicamento neste contexto como

algo que compartilha o sentido corrente das mercadorias, ou seja, como a expressão

concreta, o simbolizante da anti-necessidade ou da resposta (para utilizar o jargão

sanitarista) RESOLUTIVA

Depoimento h:

"(P) - E o que é para a sra. ter que tomar o remédio a vida

inteira?

149

Page 183: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

.,

(R) • Se tiver que tomar, Q gente loma, n~, que vai fazer?

(P). h/as como é que voct se sente em relação al.sso?

(R) • NiJo, me sinto normal, nomud. Que eu acho que é

uma coisa assi~ como eu disse né, no lugar em que eu trabalho t uma coisa meio

agitada, né. Então a gente é obrigada a tomar ... "

A hipertensãot como se vê neste casot também se

manifesta através de estados de nervosismo decorrentes das condições de trabalho. A

paciente considera que tomar remédio a vida toda é algo normal já que "o lugar em

que eu trabalho é uma coisa assim meio agitada ~

o medicamento concebido - pela medicina - para ser

usado no controle de uma condição crônica como a hipertensão passa então a ser

usado pelo paciente no controle de uma situação, o nervosismo, presente na rotina do

dia a dia do trabalho do escritório (a depoente trabalha num escritório).

Depoimento e):

-"(P) - Como é para você tomar o remédio e não sentir nada.

Você não sente nada e toma o remédio?

(R) - Não, por exemplo assim o meu organismo, assim um

dois dias ou Ires eu não percebo que altera. Agora eu tenho a impressão que se passar .

mais do que isso a pressão sobe.

(P) - Se passar mais você acha que sobe?

(R) - Eu acho que sobe.

(P) - Como você sente?

(R) -Ah, porque eu sinto assim mais cansada, dá batedeira.

(f) - Você já teve isso, de ficar cansada, com batedeira?

(R) -Já, já.

150

Page 184: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

remédio?

(diurético anti hipertensivo)?

(P) • E neste tempo você estava deixando de tomar o

(R) • Eu passei uns quatro dias sem tomar.

(P) • E dai, você sentiu isso?

(R) • Eu senti.

(P) • E da! você tomou o remédio.

(R)· Tomei.

(P) - E dalvocê melhorou.

(R) - Melhorei."

Depoimento c):

"(P) - Você já deixou um tempo grande de tomar o Clorana

(R) - Eu deixei.. quatro dias só.

(P) - Aconteceu alguma coisa contigo?

(R) - Eu fui ao médico a pressão estava boa. Eu fiquei

quatro dias sem tomar, quando eu voltei a pressão estava alta. AI eu nunca deixe~ tenho

medo.

(P) Se a sua pressão fica alta, o que acontece?

(R) - Se ela fica alta. .. Você quer dizer, o que eu sinto ou o

que pode acontecer?

(P) - O que você sente e o que pode acontecer.

(R) - Olha, eu sinto ... só a cabeça, a cabeça atrapalha,

sinto a dor só ...

(P) - De cabeça?

(P) - É, só dor de cabeça. Às vezes eu fico nervosa,sabe,

aquele negócio, coisa ruim que você sente ... E, às vezes também tem hora que eu estou

assim com a pressão alta e não sinto nada. Não tenho nada. Não tenho dor de cabeça,

151

Page 185: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

não tenho nada. E está alta. .. A pressão ela s6 aumenta quando chega alguém aqui, dá

uma notfeia ruim, ai ela aumenta, né?"

A hipertensão corresponde também, nestes casos, a uma

necessidade, mas que aparece sob a forma de uma sensação má mesclada de culpa, de

medo. A hipertensão corresponde então a algo que poderíamos chamar de

"necessidade latente". Isto imp1ica em entender o medicamento como um tipo de

resposta especial: a prevenção do surgimento do sintoma latente, escondido, difuso,

traiçoeiro ( ... "tem hora que eu estou assim com a pressão alta e nao sinto nada. .. 'J.

Temos então o "silêncio" da hipertensão (a não

ocorrência de sintomas) como resultado de um esforço dos pacientes, efetuado

através do medicamento consumido permanentemente, para tomar a hipertensãO

silente. O silencio da hipertensão vem, assim, do fato dela estar permanentemente

amordaçada pelo medicamento.

O medicamento funciona então como vigia permanente

da doença, renovado a cada dia. Quando o "vigia" se ausenta mais do que tres dias, a

doença pode se manifestar (e esta possibilidade amedronta: ':4í eu nunca deixe~ tenho

medo ... 'J sob a forma de ''batedeira'', cansaço, dor de cabeça, "coisa ruim", quebrando

seu silêncio.

Sintetizando, poderíamos dizer que nestes casos, o

medicamento, é a mordaça da doença.

Vejamos outro depoimento:

152

Page 186: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

pressão!

depoimento k ):

"(P) - Para que a Sra. toma esse remédio?

(R) - O burinac?

(P) -É

(R) - É pela pressão.

(P) - Mas a sra. falou que não tem tomado remédio para

(R) - Não, mas quando eu incho eu tomo! Agora, quando

eu incho eu tomo. Tem dias por exemplo que eu estou com o pé inchado, eu percebo que

eu estou com o rosto inchado, então eu tomo. Já falei isso para o Dr ... (que atende no

Centro de Saúde) também eu tomo remédio sim. Que ele falou que não precisava tomar,

que a pressão estava doze por oito, estava boa. Mas eu tomo quando percebo que estou

com os pés inchados, eu percebo que sinto a mão inchada, entendeu. E eu tomo. Mas é

muito difíciL.. agora. Ou então quando eu fico agitada, um pouco nervosa, então ...

(P) - A sra. tem tomado agora, esses tempos?

(R) - Esses tempos eu tenho. Inclusive, semana passada eu

tive uma agitação com meu sobrinho, ruim, né?Então a gente corre que precisa internar

com polícia. Voce sabe, você fica n!!rvosa com aquilo, né. Eu passei a noite quase sem

donnir, de perturbação. Então eu tomei. Mas de resto ...

(P) - Quem deu este remédio para a sra. ?

(R) - Quem receitou primeiro esse remédio para mim? Foi

o Dr. .. ,pera aí, foi antes do Dr. .. foi o Dr ... que receitou. .. "

A paciente toma o medicamento para a presssão,

contrariamente à opinião do médico. Para ela, então o inchaço e a agitação são

sintomas de "pressão" e, portanto, o consumo do medicamento se justifica. Para o

médico não é necessário tomar porque a pressão está boa (doze por oito).

153

Page 187: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Existe, para a paciente, um problema sentido (o inchaço

ou a agitação) que ele acredita estar ligado à "pressão", a despeito da opinião do

médico.

Configuram-se, assim, perspectivas distintas, do paciente

e do médico, no que concerne o medicamento.

Para o médico, o medicamento é um instrumento no

tratamento da pressão alta do paciente. Para o paciente, o medicamento é

instrumento na luta corpo a corpo contra o que acredita serem sintomas de pressão

alterada ou situações geradoras de alteração de pressão (por exemplo, agitação).

A perspectiva do médico, em relação ao medicamento e,

portanto, o sentido deste objeto, para ele, pode ser influenciado pelo fato dele ser um

sujeito produtor de sentido que está lidando, de fora, com um problema que não é o

cotidiano de outro alguém que sofre (segundo este alguém, de pressão) mas que diz

respeito ao controle periódico da variação quantitativa da pressão de um paciente.

o indivíduo, por seu turno, pode produzir o sentido do

medicamento influenciado pela sua condição social de portador de necessidades

(sensações, sintomas) e, portanto, de consumidor de "respostas" sob a forma de

mercadorias que "resolvem" ou consomem (na acepção de "fazer desaparecer", como.

coloca BAUDRILLARD (6) estas necessidades.

154

Page 188: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

111.10 • O medicamento e a saúde como compromisso social

Page 189: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

depoimento f) :

"Veja bem, se sou hipertenso é porque me disseram que eu

sou. Na verdade eu não me sinto como tal Graças a Deus me sinto muitfssimo bem. .

Tenho bastante disposição, uma saúde de ferro para trabalhar. É como eu digo: se sou é

porque me disserem que sou. Na verdade não me sinto. "

Ser hipertenso é sentir-se como tal. Este paciente não se

sente como tal; portanto a hipertensão é umà coisa alheia, um rótulo que vem do

exterior.

Mas o que é sentir? Na frase: fina verdade não me sinto

como tal", sentir é sinônimo de considerar: "na verdade não me considero como tal".

Mais o fato do entrevistado ter optado, paradigmaticamente, por sentir, em vez de

considerar, não parece casual porque na frase seguinte: "graças a Deus me sinto .

muitíssimo bem", sentir aparece novamente. Deste modo, podemos avançar - com

base na reiteração da palavra - que este último sentir permite individualizar uma

acepção específica para o sentir-se de "não me sinto como tal" de sorte que parece

válido interpretar a frase: "Na verdade não me sinto como tal" usando a paráfrase:

"Na verdade não sou, para mim mesmo, hipertenso, porque não sinto as sensações ou

sintomas de tal doença".

Sendo a doença uma sensação, o paciente não se sente

doente. Mas a despeito de não se sentir (para usar o pleonasmo) internamente

doente, ele o é externamente.

Este mundo exterior que o rotula é exemplificado, de

início, pela instituição na qual o paciente trabalha.

155

Page 190: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

HJsso ai há dois anos atras, mais ou menos, foi exatamente

quanto entrei na Prefeitura. No teste de admissão é que começou a haver alguns

probleminhas. Fui reprovado por uma primeira vez; fui reprovado por uma segunda vez,

problema da hipertensão. Em uma terceira vez, da~ sei lá, por ajuda de Deus, das

pessoas, sei lá, deu tudo certo. Então,inclusive através de uma conversa, eu fiz eles verem

que, sei lá, eu precisava trabalhar, que nada tinha a ver, era uma pessoa disposta, nunca

tinha me sentido mal, nunca enfim, nunca tinha apresentado problemas relacionados a

isso. E prova é que lá estou há dois anos, não tirei férias ainda, nunca faltei. "

Ser doente é então, para este paciente, algo concreto;

algo que produz consequências visíveis, algo que acarreta problemas (eu nunca tinha'

apresentado problemas em relação a isso), uma interrupção no fluxo do cotidiano.

Faz parte também deste mundo exterior, locus da doença,

a fanu1ia:

"E isso é um problema de famflia. Já ... isso é a tal história.'

a gente herda as boas coisas e as coisas más também. Então meu avô era hipertenso,

minha mãe é, meus tios da parte materna também são e, consequentemente eu também

sou, né, porque isso vai para frente, né? Mas eu me sinto muito bem. "

A hipertensão aparece, pois, para este depoente, como .

uma fatalidade familiar, de modo que é possível dizer que, do seu ponto de vista, não

é propriamente ele que é doente mas a sua fa.rm1ia.

A doença continua então a ver vista, pelo depoente, como

algo do "outro" (do empregador, da família) e algo abstrato porque não se traduz por

qualquer tipo de sensação má (Mas eu me sinto muito bem).

156

Page 191: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Ora, uma doença sem sintomas, uma doença do "outro"

supõe um tratamento também do "outro".

Este outro é a face social do paciente; e é esta face que

está doente, que deve ser tratada.

"(P) - O que significa o remédio em sua vida?

(R) - Bom, o desejo de saber que ele vai me ajudar em

tennos de saúde e um compromisso diário a mais, só.

(P) - Não tem significado mais?

(R) - Não, é o que eu digo: o valor positivo que ele vai

auxiliar na cura de um problema. Vai me ajudar a combater o problema que eu estou

com ele ...

(P) - Como é para você tomar remédio o resto da vida?

(R) - É como eu digo: significa um compromisso a mais que

a gente passa a conviver com ele porque sabe que ela vai fazer parte integrante para você

poder viver bem, digamos assim.

(P) - E se você deixar de tomar o remédio?

(R) - Taí uma coisa que eu nunca pensei, sabe. A partir do

instante que o médico detennina que você deve tomar ... "

Verifica-se que em toda a fala do depoente não há

menção à palavra, e, consequentemente, à ideia, de doença: ele (o remédio) vai me

ajudar em tennos de saúde; ele vai auxiliar na cura de um problema; vai me ajudar a

combater um problema que eu estou com ele. O paciente chega a mencionar cura de

um problema, ou seja, a sua vontade de eliminar de si a doença parece tão forte que

até a cura, que no uso corrente da lingua portuguesa, é sempre cura de uma doença,

de um mal, transforma-se em cura de um problema.

157

Page 192: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

o medicamento, neste contexto, representa, simboliza e

permite o que poderfamos chamar de saúde social, ou saúde formal, porque permite

que o indivíduo seja considerado saudável pelo exterior, pelo social. Daí o sentido do

compromisso.

"CP) • O que significa o remédio em sua vida?

(R) • ... um compromisso a mais, só ... "

o compromisso a mais parece, neste contexto, ter o

significado de obrigação social a mais, ou seja, uma conduta que o social nos impõe.

o remédio é, finalmente, algo com o qual é preciso

conviver para você viver bem, digamos assim

Quanto ao digamos assim, podemos interpretá·lo como

qualificando e relativizando o que vem imediatamente antes, ou seja, o poder viver

bem (que, por sua vez, está no contexto imediato do discurso do compromisso· formal

• a mais).

Assim, o poder viver bem pode ser interpretado como: .

poder viver de acordo com aquilo que a sociedade exige.

Esta modalidade de consumo de medicamento pode ser

confrontada com outras que outros depoentes manifestaram.

''Eu sinto um pouco de canseira, sinto um pouco de falta de

ar, essa dor aqui (apontou a nuca) é da pressão. E quando eu sinto que está meio

querendo doer, ou está meio preso, eu sei, já tomo o remédio."

158

Page 193: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Nesta modalidade de consumo, o medicamento

representa, simboliza, a saúde na medida em que incorpora, na sua química de

medicamento, no seu significante, a anti-falta de ar, a anti-canseira.

Na modalidade de consumo que o depoente em tela

apresenta, a situação é radicalmente diversa: à ideia ou conceito de saúde

corresponde outro tipo de significante: um produto químico capaz de produzir não

uma sensação física mas um resultado numérico, que permite que este indivíduo seja

considerado (pela medicina, pelo "outro") como saudável.

Como o indivíduo que é hipertenso e não sente nada de

mau pode dar sentido ao consumo de algo como o medicamento, cujo sentido

hegemõnico, na sociedade e na cultura, é justamente o de combater um estado

orgãnico ressentido - pelo próprio indivíduo - como mau?

Ele pode, dar sentido a este consumo, como faz o

depoente: transformando, no plano das ideias, seu estado orgânico considerado bom

por ele num estado orgânico considerado mau pelo "outro". Operada a transformação

mental, o consumo regular de m~dicamento passa a ter lógica ou propósito para o

indivíduo: torná-lo um ser social aceitável.

o medicamento passa então a ter o mesmo valor

simbólico da roupa escura, por exemplo: da mesma forma que o compromisso de .

vestir-se com tecido escuro torna o indivíduo aceitável, considerando o contexto de

uma cerimõnia fúnebre, o compromisso de tomar regularmente um medicamento

antihipertensivo, torna este individuo aceitável, considerando o contexto do

desempenho de uma função pública (em uma Prefeitura, no caso).

159

Page 194: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

A partir dar, ou seja, a partir do entendimento do

consumo do medicamento como exigência ou compromisso social, é perfeitamente

coerente a resposta do entrevistado à questão:

"(P) • E se você deixar de tomar o remédio?

(R) • Tal uma coisa que eu nunca pense~ sabe. A parti, do

instante que o médico detennina que você deve tomar ... "

... a palavra deste médico é lei, assim como é uma lei ou

compromisso social vestir roupa escura em cerimônias fúnebres, na nossa cultura.

160

Page 195: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

111.11 • O medicamento e o consumo de uma alteridade negativa

Page 196: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Haveria que pensar que o fato do significante do

medicamento ser um fato qufmico é, obviamente, algo não aparente, "a olho nu" e,

portanto sujeito a variados graus de conhecimento/desconhecimento.

Isto traz uma série de consequências.

Imaginemos aquele espectro de invidíduos (grande parte

dos consumidores de medicamentos) que vai desde o desconhecedor total da natureza

do medicamento até aquele que apenas sabe que o medicamento é um produto

químico sem saber o que isto quer dizer.

Depoimento L):

(P) - ''Por que o remédio consegue baixar a pressão da sra.?"

(R) - Olha, aí eu não tenho ideia porque eu não conheço a

fórmula dos remédios. Mas eu sei que é pelas coisas que tem, pelas fórmulas lá, não sei

Ele é composto de alguma coisa que faz baixar a pressão'~

Depoim~nto h) :

(P) - "Como é que o remédio consegue abaixar sua pressão!

"

(R) - ':Aí bom, eu acho que é o efeito que o remédio faz.

Acho que é o efeito que remédio faz'~

Para este tipo de indivíduo, o medicamento, grosso modo,

é concebido como alguma coisa que, engolida, provoca o não-sintoma, a não-doença,

assim como ligar a televisão "provoca" a vinda da imagem e do som do mundo.

161

Page 197: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

o que é então, para este tipo de indivíduo, este objeto

que, engolido, provoca este efeito?

Este objeto, segundo cremos, é o saber científico

materializado, uma ciência-coisa ou saber científico-coisa. Para estes indivíduos, é o

conhecimento científico tornando coisa, sobre a saúde/doença (intermediado ou não

pelo discurso médico) que é engolido quando consomem um medicamento.

o que significa "engolir conhecimento"? Ou, colocando a

pergunta de outro modo: se o corpo, como todos sabem e sentem, faz parte da

Natureza, e se, geralmente, o que eu engulo ou incorporo pela boca (alimento, leite

materno, água, chás de ervas, até tabaco), é também Natureza, o que acontece com o

medicamento (alopático)?

Ele passa a ser visto, em relação à Natureza, como

Artifício. Assim, o que este induivíduo engole é este Artifício.

Quando um indivíduo bebe um chá de maracujá, para ter

sono, está bebendo a si mesmo QU mais precisamente, a algo que é fisicamente

semelhante a si mesmo na medida em que o maracujá aparece como um elemento da

natureza (como o próprio indivíduo), como um suco da "mãe natureza", que

estabelece uma linha de continuidade natural com o leite matemo, suco da mãe ,

propriamente dita, que é o grande "remédio primordial".

Traduzindo em termos semióticos diríamos que o

Indivíduo e o Chá de Maracujá, enquanto símbolos, são constituidos pela mesma

materia significante: o elemento natural.

162

Page 198: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

o sono, neste caso (da mesma forma que o a1imento),

não aparece como um produto criado pelo homem (que pode, portanto, ser bom ou

mal) mas como algo necessariamente bom pois Já exJstente, previamente, na

natureza, como obra da propria natureza ou do Criador, que o homem não fez mais

do que des-cobrir (tirar a coberta).

Já o sono do comprimido, que porta um significante

artificial, que aparece como fabricaçãO do homem, como manifestação da atividade

do homem enquanto criador de estados de vida, implica que o homem não está

consumindo a si mesmo como Natureza mas como Cultura, ou, mais precisamente, .

Ciência.

Assim, ao engolir um medicamento (diferentemente do

que acontece com a comida) o indivíduo está engolindo uma "AIteridade" ou seja,

incorporando, pela boca, ao organismo o que não é ele.

Isto implica que, ao mesmo tempo que está engolindo

uma "alteridade", está engolindo, necessariamente, uma crença ou uma base de

confiança empírica no Outro: na Ciência, no cientista, na medicina, no médico.

(P) - ''Por que o remédio consegue baixar a sua pressão?"

Depoimento g):

(R) - "Bom,isso ai .. quando eu volto no Dr . ... ele me fala

que baixou minha pressão. O médico é que diz e bota lá no relatório'~

163

Page 199: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Depoimento h):

(R) • ''Porque no café da manhã, o Dr . ... me mandou, eu

tomo, então eu tomo e me sinto, né, bem".

Com efeito, a saúde como símbolo depende de uma

crença e de uma base empírica: ela está no comprimido, já que "o médico disse" e/ou

"já que eu sinto".

Mas qual a "qualidade" ou força (simbólica) desta crença

e desta base empírica de confiança?

o medicamento parece ser, nesse sentido, um símbolo

frágil porque a crença e a base empírica que os sustentam enquanto símbolos também

são frágeis, afetando com isso, a relação simbolizante/simbolizado, garantia do vigor

do símbolo.

o medicamento parece ser, atualmente, um componente

ou área da cultura - aquela que tem como objeto a saúde e a doença - onde ainda não

se realizou ou onde há dificuldades para que ocorra a passagem (no nível do

simbólico) de uma ordem do natural a uma ordem do artificial.

o avião funciona, o homem vai à lua, a televisão

transmite as Olimpíadas desde o outro lado do mundo, então o medicamento, como

produto da tecnologia moderna e enquanto símbolo, também deveria gozar do mesmo

crédito. Mas isto não ocorre com a mesma intensidade.

Aqui, a crença ingênua na ciência e nas suas promessas,

se defronta com a realidade amedrontadora dos fatos. A ciência, no caso do

164

Page 200: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

medicamento, mostra claramente as suas insuficiências, manifestadas na persistencia

de doenças ou "mal estares" que o medicamento ainda não conseguiu controlar ou

curar e, sobretudo, nos EFEITOS COLATERAIS, que indicam uma grave fratura

interna no mito "medicamento", uma importante contradição interna do sfmbolo já

que o remédio cura (mais "certeiramente", mais "a fundo", mais rapidamente, mais

"cientificiamente" que o "chá", que a "erva", etc.) mas vicia; cura mas provoca'

dependência, cura a doença mas mata o doente, conserta uma área e afeta outra.

O consumo do medicamento "não natural", parece então

implicar o consumo de uma "ALTERIDADE" COM SINAL NEGATIVO já que o

Homem parece ainda não ter se reconhecido totalmente como criador de vida, o que

faz com que, a nível do simbólico, o sono (para citar apenas um estado) enquanto

significante, enquanto comprimido, esteja associado ainda com muito temor ao seu

significado, se compararmos como o sono veiculado através de um significante como

"suco de maracujá", onde a relação significante/significado tem um fundamento

aparentemente mais seguro (psicologicamente) na relação motivada (no sentido

semi ótico do termo (76) que une homem e natureza como coisas feitas de uma mesma .

matéria prima.

165

Page 201: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

111.12 • Saúde natural x saúde artificial: uma oposição simbólica

Page 202: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

A hegemonia da mercadoria se exerce sobre o conjunto

d;a sociedade e da cultura, inclusive sobre aquilo que aparece exteriormente como

reação, como uma "alternativa à cultura dominante",

Tal é o caso das terapias "alternativas" que, na sociedade

da mercadoria, rapidamente perdem o seu potencial contestador, dando nascimento a

Ua.~ novo filão comercial a ser explorado. As terapias alternativas passam

rapidamente da condição de alternativa à mercadoria para a condição de mercadoria

alternativa.

Neste contexto, é criado todo um universo ou campo da

"saúde alternativa", composto de uma enorme gama de "produtos alternativos", que

aparecem como tal por contraste como o campo da saúde "artificial" com seus

correspondentes produtos químicos".

depoimento d):

''E realmente, se há condições de uma forma mais natura~

sem ingerir produtos químicos ... "

Estes produtos de "saúde alternativa" são uma variante de

mercadorias simbólicas de saúde. Estas mercadorias simbolizam "saúde natural", por

oposição a "saúde artificial".

Tal é o caso dos medicamentos homeopáticos • •. Na

análise destes como símbolo de saúde natural, podemos observar, dentro da oposição

• É preciso, reiterar que a análise que fazemos diz respeito à semiose social de que fala VERON (79). Não se trata portanto da polêmica tecnica entre homeopatia e alopatia.

166

Page 203: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

semântica: saúde natural x saúde artificial algumas oposições semânticas subsidiárias.

Como por exemplo, a oposição entre efeito específico e efeito geral.

HMas eu nunca tomei remédio específico para pressão alta.

Só medicamentos homeopáticos, que não é assim específico para pressão alta.' então esse

tratamento de fundo vai atuar no corpo todo, não em sintoma mas em todos os sintomas

gerais que a pessoa possa oferecer. E as vezes que eu tive alterações de pressão, foi com a

homeopatia que eu fiquei joia. "

A "saúde natural" através de um dos seus símbolos, o .

medicamento homeopático, é global, por oposição à saúde artificial, representada

pelo medicamento alopático, que é específica, já que GWBAL está ligado ao

organismo como ele parece ser, ou seja, como um sistema interligado, enquanto

ESPECíFICO está associado a uma partição articial do organismo.

A saúde natural através do medicamento homeopático,

implica, de outra parte, numa terapia individualizada, por oposição à saúde artificial

que supõe um tratamento genérico:

'j4 homeopatia é um tratamento asslm que conforme a

pessoa, a sua individualidade, o que ela gosta de comer, o que ela gosta de fazer, de .

acordo com os sentimentos: a gente está depressiva, ou se a gente está com muita raiva, o

pessoal mais colérico, então aqueles traços de personalidade que definem o remédio que

vai ser típico daquela pessoa, que é que eles chamam de remédio de fundo. "

Observermos que, do ponto de vista que nos interessa, na

homeopatia a saúde continua sendo vista como uma mercadoria simbólica. Configura

a homeopatia, como dissemos, não uma alternativa à mercadoria mas apenas uma

mercadoria alternativa.

167

Page 204: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Com efeito, a saúde continua concentrada numa coisa,

num medicamento, ela continua sendo objeto de um processo de reduçAo .lmbóllca.

Além disso, o medicamento homeopático tambem nAo se parece, a nível do

significante, com a natureza já que continua sendo um comprimido, como o remédio

alopático.

No entanto, como mercadoria alternativa, o medicamento

homeopático se apresenta, no mercado de bens de saúde e na dimensão simbólica

deste mercado como algo düerente. E a diferença que ele alardea é que o seu

produto oferece mais saúde (assim como OMO oferece mais brancura, o último filme

de James Bond, mais aventura, o último disco de Roberto Carlos, mais romance, etc.

)* .

E o que é esta saúde a mais que a homeopatia oferece, de

acordo com o depoimento acima (que parece traduzir bem o discurso homeopático)?

É a ideia de que, na homeopatia, a saúde está mas próxima da ordem natural das

coisas, que consiste no fato do paciente ser, para a homeopatia, um organismo e não

um agregado de orgãos e no fato deste organismo ser uma entidade totalmente

particular: com vontades, gostos, temperamento e personalidade próprios.

o importante a frizar, parce-nos, é que para compreender

este depoimento, é preciso situá-lo no interior do campo do simbólico, ou mais

precisamente na dimensão simbólica do mercado de bens de consumo de saúde, como

expressando uma competição mercadológica que tem lugar neste campo.

Fora deste quadro de referência, permanece-se preso à

• Este -mais- é qualitativo e não quantitativo

168

Page 205: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Fora deste quadro de referência, permanece·se preso à

crença ingênua e mfstica de que é possfvel resolver as complexfssimas questões da

saúde e da doença no mundo contemporâneo através de uma pflula, qualquer que .

seja ela.

169

Page 206: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

111.13 - O medicamento e a relação de comunicação

Page 207: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

o medicamento pode ser visto no contexto de uma

relação de comunicação que envolve um emissor, que é o próprio organismo ...

Depoimento a):

"E não precisam nem falar, vai tomar o remédio. É meu

próprio organismo, quando está precisando, requisita. "

Depoimento b):

'Tem temporadas que ela (a hipertensão) ataca, tem

temporadas que acalma. "

... um receptor, que é o Ego ou a consciência

correspondente a este organismo. ..

''É meu pr6prio organismo, quando está precisando,

requisita (O organismo que requisita, requisita para alguém, que é o seu próprio'

Ego)."

.. um segundo receptor, que é a autoridade de saúde

(médico, enfermeira, farmacêutico) dotada de extensões tecnológicas de seu aparelho

auditivo e visual (por exemplo, o esfingtomanõmetro ) ...

depoimento g):

/I(P) _ E como é que o sr. acha que o remédio baixou sua

pressão?

170

Page 208: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

(R) • Bom, isso ar... quando eu volto no médico, o Dr ... ele

mede, ele me fala que baixou a pressão. O médico é que te diz, e bota lá no relatório, na

ficha lá, e ele conversa comigo, me explica se está alta, se está baixa. ... "

mensagens de Ida (sintomas, sensações, estados

pressóricos) e mensagens de volta ou respostas (condutas alimentares, condutas

medicamentosas ) ...

Depoimento i):

"(R) - Quando eu estou assim muito agitada, muito nervosa,

começa a me doer muito a nuca, assim eu já percebo que o negócio está um pouquinho

alto, aí naquele dia eu não janto, se almoço como um pouquinho, quer dizer, quanto

menos comida eu como menos sal entra, né?

(P) -Edaf?

(R) - É isso ai

(P) - Daí volta a tomar o remédio?

(R) - Não, o Clorana eu não dispenso.

(P) - E o outro?

(R) - O outro é um horário meio ruim ... Mas se eu fico dois,

Ires dias sem o Clorana, fico com as mãos inchadas, me incha logo os olhos, assim ... ti

Depoimento a):

''Então eu fico com aquele enjoa, aquele enjoo, em vez de

tomar o remédio para o estômago, eu tomo o da pressão. E é exatamente o que sara.

Ela se manifesta como enjôo. ti

171

Page 209: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Uma doença crônica como n hipertensão implica em dois

tipos básioos de relação de comunicação envolvendo o medicamento. Ou seja,

quando o paciente hipertenso é obrigado a dar uma resposta medicamentosa diária ao

seu organismo porque este organismo padece de pressão alta, duas situações

comunicacionais são possíveis:

A) Numa, organismo as vezes emite as vezes não emite

men.."3.gens de doença, para o receptor/paciente (porque está emitindo mensagens - a

pressão alm - dire.tamente para o sistema de escuta do receptor/médico).

Neste último caso, o silêncio do emissor/organismo, do

ponto de ,ista da escuta do Ego, pode não ser interpretado, por este Ego, como

representando saúde, porque ele sabe que o seu sistema leigo de escuta da doença, às

vezes.. não é capaz de detectar a presença desta.

Depoimento c):

"(P) - E se não tomar (o medicamento) de vez em quando,

o que acontece?

(R) - Ah, eu vou medir. .. Às vezes está bem, estou disposta,

vou lá medir a pressão está 19, 21. Parece que estou tão bem, né? Chego lá e ela está

21 ... t! eu como 21 de pressão eu me sinto parece joia, parece que estou no céu. ( ... )''E às

vezes também tem hora que eu estou com a pressão alta e não sinto nada. Não tenho

nada. Não tenho dor de cabeça, não tenho nada. E está alta. "

Isto implica em admitir a presença - dentro de uma

relação habitual de comunicação envolvendo a saúde-doença, em que o emissor

organismo emite mensagens de doença detectadas pelo sistema de escuta do Ego - de

uma outra relação de comunicação envolvendo, diretamente, emissores orgânicos e

172

Page 210: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

receptores do segundo tipo, ou seja a instando médica com seu sistema de escuta

tecnica e tecnológica dos organismos.

depoimento h):

"(P) - A sra. toma remédio porque não está se sentindo

bem?

(R) - Não eu estou me sentindo bem. Então porque eu

tomo, né? Eu preciso falar com o Dr. .. Dr.: eu posso tirar o Higroton? Agora eu poderia

experimentar, né? Tirar para ver o que acontece, né?'

Na hipertensão pode haver então, às vezes, o poderíamos

chamar de "pane de comunicação" entre o organismo e o Ego.

Vemos, por este depoimento, que o indivíduo, colocado

diante do fato, dificilmente comprensível, em termos de lógica do consumo de

mercadorias e da lógica do consumo da mercadoria medicamento, de um modo geral

(lógica essa que supõe um mal estar antecedente, o consumo do medicamento e o .

bem estar consequente) colo~ em questão a sua conduta chegando mesmo a

imaginar um teste empírico ( ... "eu poderia experimentar. .. para ver o que acontece~ .. ).

B) Um outro tipo de relação de comunicação o paciente

hipertenso não sente sintomas e toma diariamente o medicamento. Nesse caso ele é

necessariamente alguém que é doente para o "outro" : para o médico, para a ciência,

para a medicina, para a sociedade medica1izada.

Com efeito, na ausência de uma comprovação empírica

traduzível em sensações suas, este comportamento (consumir medicamentos

diariamente) só pode estar associado à crença e à obediência à palavra: da ciência, da .

Page 211: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

medicina, do médico, enfim, da Ordem Médica.

Como imaginar, com efeito, uma situação na qual os

atores do processo de comunicação que envolve a saúde, a doença, a vida, a morte, o

dia a dia, do indivíduo, são o emissor/organismo e a mensagem/medicamento e o

receptor/médico, sendo que o maior interessado nisso, o próprio indivíduo, é um

mero implementador de um processo que lhe é estranho?

Parece claro que isto implica numa crença total na

verdade médica: viver combatendo diariamente com medicamentos e restrições

alimentares, um inimigo que não se manifesta orgânicamente, ou seja sem nenhum

testemunho empírico (legível pelo leigo) que justifique este combate, supõe,

correspondente mente, a crença absoluta na palavra do médico.

Esta obediência pode se concretizar pela adoção da

medicina como crença ,do médico com o sacerdote e do medicamento como símbolo

de saúde, no contexto de uma religião secularizada, de tal modo que o paciente aliene

completamente a sua vontade e o controle de seu organismo:

depoimento g):

"(P) - O sr. sente alguma coisa?

(R) - Normalmente não sinto nada. Porque o Dr ... mesmo,

ele, quando eu vou lá, ele fica dizendo isso aí, que eu não sinto nada ( ... ).

(P) - Como é que o sr. toma remédio e não sente nada?

(R) - Eu sim, porque o Dr ... ele mede a pressão, ele me diz

que a pressão está alta, ele conta para mim que a pressão está alta, então eu sigo ...

continuo tomando os remédios e quando ele marca o dia de voltar lá eu volto, para ele

me exanzinar. "

174

Page 212: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Como pode-se perceber por este depoimento o paciente

aliena o seu próprio sentir em favor do médico: "f:kfica dizendo", isso aí, "que e.u. não

. ad " Sinto na ...

Na sequência do depoimento, fica patente a total

submissão e passividade do paciente diante da Ordem Médica: ele mede ... ele me diz ...

ele conta para mim ... então eu sigo ... ele marca. .. eu volto ... ele me examina..

o medicamento, no caso do paciente sem sintomas, que o

consome diariamente, simboliza então a presença diária, no Ego do paciente, do

Poder Médico, ou se se preferir uma formulação mais radical, o domínio do Ego do

paciente por este Poder Médico.

Quando o paciente hipertenso sente sintomas, que ele

atribui à sua hipertensão, a sua relação de comunicação com o Poder Médico pode se

alterar (o que não quer dizer, evidentemente, que sempre se altere) pela presença

destes sintomas entre o paciente e o médico.

Há, neste caso, uma relação a três: o paciente, seu

orgarusmo como emissor de sintomas (mensagens de saúde/doença) e o Poder

Médico.

Parece claro que a existência deste tertius - o organismo

emissor - permite relativizar o poder médico e a crença dele decorrente.

175

Page 213: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

depoimento b):

"(P) - Pode acontecer alguma coisa com a sra. se de vez em

quando deixar de tomar o remédio?

(R) - Não. Pode ser que aconteça, não sei Mas eu tenho

esse pensamento. Porque eu não deixou muito tempo de tomar. É dois, tres dias, s6.

Depois eu tomo, dia sim, dia não, ou todo dia, confonne eu sinta, né? Depois eu paro

dois, tres dias, mas não é sempre. Às vezes eu passo um mês tomando bem, outras vezes

paro um pouco. Quer dizer, eu não sou fanática de tomar todo dia o remédio, se eu acho

que eu não preciso. Agora, quando eu preciso, eu tomo. "

A presença ou ausência do sintoma permite que o

depoente se auto atribua a capacidade regular a medicação em função da emissão ou

não de mensagens, que ele atribui à doença hipertensiva, pelo organismo.

Em síntese, a ausência de mensagens de doença emitidas

pelo organismo para o paciente (onde portanto s6 há um receptor em cena: o médico)

permite a presença, no campo de significações, da crença, do poder absoluto, da

obediência, enfim, do universo binário. Já a presença do organismo como emissor de

mensagens de saúde/doença para o paciente (e, naturalmente, também para o

médico), configurando a presença de dois receptores, introduz mais um elemento no

campo de significações, consubstanciando assim um universo ternário, e portanto não

absoluto, dando ensejo a manifestações - pertinentes ou não pertinentes, não vem ao

caso, no momento - de livre arbítrio do paciente,como o comportamento de auto­

medicar-se, por exemplo.

Neste contexto de relação de comunicação, o

medicamento como símbolo de saúde é um fator que possibilita a emissão de

176

Page 214: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

mensagens de saúde emitidas pelo Ego do paciente como resposta a mensagens de

doença (sintomas) emitidas pelo seu organismo.

o que torna o problema complicado, num quadro de

hipertensão, é que o organismo não se comporta como um emissor de mensagens (do

tipo: "estou doente", "estou sadio"; "estou hipertenso", "estou normotenso") que seja

sempre um sujeito "leal" ou transparente para o Ego que lhe corresponde, tornando

problemático para este Ego, o exercício da "liberdade de medicar-se" ou seja de

produzir, através do medicamento, a sua própria saúde,no quadro de uma sociedade

de consumo regida pela lógica do EN (Estado de Necessidade) - P (Produto) - ES

(Estado de Satisfação).

o que este exemplo da relação de comunicação na

hipertensão nos revela, no que toca ao problema que nos ocupa especificamente, qual

seja, o medicamento no contexto da relação de comunicação envolvendo o tema da

saúde/doença?

Que o papel e o estatuto do medicamento, hoje, nas

sociedades de consumo como a nossa é problemático na medida em que ele é um

objeto dúplice.

a) uma mercadoria simbólica

b) um agente quimioterápico.

Enquanto mercadoria simbólica, o medicamento existe -

no contexto de uma sociedade de consumo - como mensagem-resposta de saúde no

quadro de uma relaçao de comunicação entre o emissor-organismo do indivíduo como

fonte de mensagem-necessidade e o seu Ego como receptor.

177

Page 215: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Ocorre que o medicamento é também um agente

quimioterápico e, nesta qualidade, existe no contexto de uma relação de comunicação

entre o emissor-organismo do indivíduo não como fonte de mensagem-necessidade

mas como fonte de mensagens tecnico-especializadas, indicativas de um estado x

situado em algum lugar do contínuo saúde-doença. Estas mensagens* * são dirigidas

para o Ego do médico, que as decodifica e interpreta.

Ora, na prática, no dia a dia (como a análise do papel do

medicamento na hipertensão sugere) estes dois processos "comunicacionais" são um

só processo. Dito de outro modo, o que o problema do medicamento na hipertensão

indica é que este medicamento é, não apenas na hipertensão mas de uma maneira

geral, ao mesmo tempo, mercadoria simbólica e agente quimioterápico e que o

processo comunicacional no qual está inserido é extremamente complexo.

Nesta linha de análise, como indicamos no início deste

trabalho, a problemática da auto-medicação é apenas a discreta ponta de um vasto

"iceberg' submerso.

• Passando ou não pelo Ego do indivíduo. Com efeito, do ponto de vista do médico e da medicina, este não é um receptor mas uma extensão do organismo, a ser lido e interpretado pelo médico: a fala do indivíduo, na anamnese, tem o mesmo status ·comunicacional" que, por exemplo, a sua pulsação, a sua pressão arterial, etc.

178

Page 216: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

111.14· O bipertenso como consumidor exemplar de medicamento

Page 217: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Após a tomada de contato com a análise destes

depoimentos de pacientes hipertensos é necessário reiterar algo que já foi dito sobre

o "status do paciente hipertenso no trabalho" (2.1.1.), onde se afirma que estes

depoimentos representam uma contribuição do hipertenso para o sentido do

medicamento" .

Assim, reiteramos que, aqUI, a vivência dos pacientes

hipertensos fornecem dados, exemplos de caracteristicas que acreditamos serem gerais,

acerca do sentido que envolve o medicamento, do ponto de vista dos indivíduos.

Evidentemente, se a pretensão fosse estudar o paciente

hipertenso (ou o diabético, o aidetico, o consumidor eventual de analgésicos, o

indivíduo de "fé" macrobiótic~ "ideologicamente" avessso a qualquer

medicamento,etc.), se a pretensão fosse estudá-lo na sua especificidade, poderia ser

considerado como um atribui dor de sentido particular ao medicamento. Mas,

certamente, o hipertenso não foi visto sob esta ótica, neste trabalho.

Apenas para ilustrar esta colocação, diríamos, em relação

aos sub-temas derivados da análise dos depoimentos, que, por exemplo:

- a questão geral da eficiência/eficácia simbólica - que foi

amplamente discutida na análise que se fez da frase-slogan:"tomou Doril a dor sumiu"

e nas análises do conceito de rapidez - presente nas propagandas de medicamentos -

traduz-se, nos depoimentos dos hipertensos, entre outras, na temática associada à

oposição :"cura x controle";

- a questão geral do remédio como "mal necessário"

(inserida no sub tema:"o medicamento, ambiguidade e moral/) brota, no relato do

hipertenso, em função do seu convívio permanente com o medicamento (ou sej~ por

179

Page 218: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

razOes que ,metaforicamente, poderíamos chamar de "quantitativas") pode

perfeitamente estar também presente naquele indivíduo que, por força de algum

acontecimento particularmente perturbador, recorre a um calmante ou naquela mãe

que é compelida a dar um antibiótico para o filho pequeno acometido de uma

infecção (ou seja, por razões que, também metaforicamente, poderíamos chamar de

"qualitativas");

- não apenas o hipertenso pode sentir-se um "deficiente

químico" e atribuir sentido ao medicamento considerando esta condição. Esta

sensação e o sentido que lhe corresponde podem também, perfeitamente, estar

presentes naqueles consumidores "assíduos" de laxante, a que se refere HAFEN .

(38),que se auto-medicam nesta direção porque crêem constituir anormalidade não

evacuar todos os dias.

Em síntese poderíamos dizer -e isto parece um truismo­

que o particular, o individual, pode ser entendido seja como sentido único, específico,

idiossincrático, seja como exemplo ou ilustração de um sentido geral.

Espe~ificamente, no caso do paciente hipertenso,

diríamos que ele pode ser visto, na qualidade de atribuidor de sentido ao

medicamento, seja como um consumidor particular de medicamento, seja como um

consumidor exemplar de medicamento. Obviamente, a opção adotada neste trabalho

foi a segunda.

180

Page 219: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

IV - CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

Page 220: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

IV.I - Eixos temáticos

Page 221: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Como se observa faci1mente, este trabalho deu lugar, com

base na perspectiva teórica de análise, ao levantamento de uma temática variada que

cerca o medicamento hoje, em nossa sociedade e cultura.

É necessário, pois, tentar organizar a referida temática,

sob a forma de eixos temáticos agregadores, que permitam a elaboração de propostas

de tarefas, no que toca à elaboração de trabalhos científicos que, por sua vez, darão

lugar a propostas de atividades de natureza educativa e assistencial a serem

desenvolvidas na rede pública de saúde.

Nesse sentido, do trabalho como um todo ressaltam os

seguintes seis eixos temáticos:

1) O medicamento e a oposição: artificial x natural.

2) O medicamento no contexto de uma relação de

comunicação.

3) O medicamento como símbolo ambíguo de saúde e

doença.

4) O medicamento e a moral: obediência e transgressão;

autonomia e heteronomia.

5) O medicamento e o desejo: eficiência e eficácia

simbólica.

6) O medicamento e a relação de consumo.

Com estes seis eixos busca-se uma das sinteses possíveis *

da temática associada ao medicamento como objeto da Educação em Saúde Pública.

• Evidentemente, sendo a realidade polissêmiC3 e permitindo, portanto, várias leituras legítimas, outros eixos ou conjunto de eixos são possíveis.

181

Page 222: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

1V.2 - Hipóteses

Page 223: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

A) Preâmbulo.

As hipóteses relativas aos seis eixos temáticos constituem,

portanto, parte das tarefas acima levantadas.

Cada uma destas hipóteses são compostas de duas partes.

Na primeira parte procura-se descrever, genericamente, o conteúdo do eixo temático

(utilizando,nesta descrição,frequentemente, "citações" de trechos do capítulo IH, para

indicar que as hipóteses são um trabalho sobre esta "matéria prima") .Tal descrição

tem o fito de tornar este conteúdo mais explícito. Na segunda parte procura-se

expressar o eixo em forma de hipótese.

As hipóteses tem algumas características que precisam ser

destacadas:

a) Elas se referem aos usuários. A opção pelo usuário

não implica, obviamente, que apenas estes possam ser objeto de hipóteses. As duas

outras faces do tripé constituido pelos sujeitos atribuidores de sentido ao

medicamento, ou seja o ponto de vista do social e o ponto de vista do médico podem

também, evidentemente, ser objeto de hipóteses.

Parece-nos contudo que, para a Educação em Saúde

Pública, o usuário é o sujeito prioritário por ser ele o elemento mais influenciável do

tripé, ou que apresenta grau maior de mutabilidade.

b) Elas consideram o usuário de medicamentos como

apresentando uma tripla face:

182

Page 224: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

b.l • paciente

b.2 • indivíduo

b.3 • consumidor

o usuário de medicamentos é paciente enquanto pertence

à categoria dos indivíduos doentes (crônicos ou agudos); o usuário é indivúluo

enquanto membro de uma cultura, de uma sociedade e o usuário é consumidor,

enquanto indivíduo inserido numa relação de consumo de mercadorias.

Evidentemente, todo usuário de medicamentos possui

estas tres facetas, em maior ou menor grau. Assim, se algumas hipóteses se referem

ao usuário na sua tripla face, outras a ele se referem enquanto portador, em maior ou

menor grau, de uma ou outra destas facetas.

c) Mesmo dizendo respeito, fundamentalmente, ao

usuário, as hipóteses pressupõe que este,na qualidade de portador do ponto de vista

do indivíduo vivendo numa dada sociedade,está, sempre, envolvido com o ponto de

vista do social e com o ponto de vista dos médicos, em relações de submissão,

rebeldia,hegemonia,etc.

B) Hipóteses.

1) O medicamento e a oposição artificial versus natural.

No campo da saúde/doença, em nossa cultura, o Homem

parece ainda estar vivendo um conflito entre a sua condição de criatura da vida, da

natureza e criador de vida, de natureza.

183

Page 225: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Como consequência, a relação significante significado, no

mefrcmneIlD..2'· • tem um duplo e conflitante fundamento antropológico na relação de

um::.., 1bo~tureza, como coisas feitas de uma mesma materia prima, e na

re-::ç3t~ de àis;mciamento/dominação/ruptura homem-natureza, em que este homem

ap.::::..~~ COIm.:' Senhor do Corpo, entendido como máquina.

Esta problemática tem reflexos no mercado de bens de

ams:umo de Sléde (é a oposição "produto natural x produto químico), expressando a

f:u:::! SImbóIiC'! õe uma competição mercadológica ou - dentro da visão do ideológico

qt.Ie aõot3JIiC:S.. em que infra-estrutura e super estrutura não são compartimentos

es::Ea:fUles - a t&.re mercadológica de uma competição no plano do simbólico.

Hipótese: O medicamento "químico" é vivido pelos

~-..Jiw.os/pac:ientes/consumidores como uma ''alteridade'~ uma ''coisa extranha'~ frente

à '!!' ~- estes ~volvem uma predisposição positiva ou negativa. Estes "fatores que

pte:iis.póem '" s:ÍL: o reflexo ou reinterpretação, nos indivíduos, da oposição: natural x

lU,,:-;; tj1l7 ~.-r.-P na cultura. _ 'r"--

2) O medicamento e a relação de comunicação.

Num contexto de relação de comunicação, usando o

me::Tc=aIDJeJJII: CDmo símbolo que lhe permite "falar saúde", na linguagem da saúde

aJlhJ ' êBÇão c;;ocial (o que é coisa muito distinta de falar,usando palavras como

~ sob:Jre a saúde como tema) o paciente é capaz de emitir mensagens de

5aTÍêe respos::a êl mensagens de doença (sintomas) emitidas pelo seu organismo.

- E.:::::r çne-:uma c:::tt:i: Tealidade material, funcionando como significante de saúde, pode "imitar" a natureza tpar . = Jig,lo, czs.AItS de árvore, nos "medicamentos naturais") ou "imitar" a civilização tecnologica (por· --xe:: ., i 00 mm n-:: \.ie:nte de plático contendo grânulos, nos medicamentos "químicos").

184

Page 226: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

o médico, neste contexto, figura também como um

emissor de respostas, só que de natureza diferente porque as "questões" que lhe são

colocadas provém da escuta ou alscuta do "outro" (o organismo do paciente).

Colocar o problema da saúde/doença em termos de

relação de comunicação implica, entre outras, na questão crucial, nos dias de hoje:

para quem fala o organismo? Para o seu Ego? E/ou para o gigantesco aparelho

tecnológico de escuta, de visão (tomógrafos, a parafernália dos exames de laboratório,

ultrassonografia, etc.), que se vem desenvolvendo, historicamente, de maneira

exponencial? Isto implica a desqualificação progressiva dos indivíduos comuns como

intérpretes ou decodificadores das mensagens de saúde /doença emitidas pelo seu

organismo?

Na hipertensão o problema do medicamento, para o

indivíduo, considerado na qualidade de consumidor, pode se tornar complicado

porque o seu organismo pode não se comportar como um emissor de mensagens (do

tipo: "estou doente", "estou sadio"; "estou hipertenso", "estou normotensotl) que seja

sempre "leal" ou transparente para Ego que lhe corresponde, tornando problemático,

para este Ego, o exercício da "lib~rdade de medicar-se" ou seja, de produzir, através

do consumo do medicamento, a sua própria saúde como mensagem.

Hipótese: O medicamento é vivido pelos indivíduos,

consumidores, pacientes, como uma mensagem-resposta de saúde a uma mensagem de

doença emitida pelo seu organismo, no contexto de uma relação de comunicação em que

figuram, também, o médico e os aparatos tecnológicos de asculta do organismo.

3) O medicamento como símbolo ambíguo de saúde e

doença (ou como objeto bom e mau).

185

Page 227: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

A ambiguidade que o medicamento representa para o

indivíduo advém do fato de que ele indica, ou significa, ao mesmo tempo, o

preenchimento de algo que falta a este indivíduo (ou seja, a saúde perdida e

recuperada no medicamento) e o fato mesmo de que algo lhe falta (a doença).

Esta ambiguidade do medicamento está também ligada

ao fato dele ser vivido pelo paciente, ao mesmo tempo como cura (ou alívio) e

intoxicação. Curioso verificar que do ponto de vista do social e do ponto de vista

médico esta intoxicação (ou o lado mau do medicamento: o efeito colateral, a contra

indicação) não aparece como intrínseco ao medicamento mas como uma

potencialidade negativa, controlável pelo saber e pela prática médica, como algo que

"só é mau fora das mãos do médico": este lado mau do medicamento aparece então

como extrínseco a ele, como uma espécie de punição da qual o paciente que se auto

medica, reduzido à condição de "criança arteira", pode ser vítima.

Hipótese: O medicamento é vivenciado pelos seus

consumidores como significando, ao mesmo tempo, o acesso à saúde nele concentrada e

como testemunho de um estado de doença, ou como manifestação concreta do fato de

que a saúde não está onde ''deveria'' estar, ou seja, no organismo, mas fora dele, no

medicamento. Em uma palavra, o medicamento é a saúde fora de lugar .

4) O medicamento e a moral: obediência e transgressão;

autonomia e heteronomia.

O medicamento aparece, no mundo do paciente, como

um símbolo frágil porque pertencente à ordem dos seres humanos, ordem esta

contestável, porque seus membros perderam a característica anterior de representar,

no campo da saúde, uma vontade superior, permitindo assim, pelo menos

186

Page 228: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

virtualmente, a divergência já que o terreno do embate situa-se agora, tota1mente na

terra.

A hipertensão oferece um exemplo claro do problema

mora1 da obediência x transgressão e da autonomia x heteronomia. Aqui o

medicamento pode assumir sentido distinto para o médico e para o paciente. A

hipertensão, para o médico, pode ser vista sobretudo como um valor numérico (que é

um símbolo, ou representante, ou expressão, na cultura médica, da hipertensão). Esta

se inscreve, para ele, na perspectiva temporal da consulta e no espaço do organismo

alheio como suporte de uma pressão.

Para o paciente, a hipertensão pode estar sendo

representada, simbolizada, expressada, sobretudo, por um sintoma, por uma sensação

corporal, que se inscreve na temporalidade do seu dia a dia de paciente e no espaço

do seu organismo como suporte desta sensação.

Pontos de vista distintos, portanto, que se refletem em

percepções e usos distintos do medicamento, sugerindo, para a Educação em Saúde a

questão de saber se na hipertensão - e alhures - a problemática do uso do

medicamento pode ser colocada simplesmente em termos de cumprimento ou

descumprimento das recomendações médicas.

Hipótese: Para o paciente, a problemática da obediência

ou transgressão das ordens médicas, no que se refere ao medicamento, deve ser vista no

contexto da autonomia e heteronomia, em que se chocam a perspectiva do paciente e do

médico frente à saúde e à doença, buscando o paciente utilizar o medicamento como

instrumento desta autonomia, ou seja do controle do seu próprio corpo.

187

Page 229: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

5) O medicamento e o desejo: eficiência e eficácia

simbólica (o medicamento como "objeto bom"·.

''Tomou Doril, a dor sumiu" é a frase/slogan que resume

bem a problemática da eficiência (rapidez de resposta: tomou Doril - ato contínuo - a

dor sumiu)e da eficácia (a produção da saúde, o "sumiço" da dor) simbólica associada

ao consumo do medicamento.

No caso da hipertensão, a eficiência e a eficácia

simbólica menor do medicamento que controla em comparação com o que cura

decorre de sua incapacidade (e da frustração a ela associada) de eliminar,de uma vez

por todas, o Ser doente, já que a sua ação se limita ao Estar doente.

o medicamento pode ser entendido num contexto

"desejante" (em termos da Psicologia), em que o Desejo encontra-se com a

Possibilidade - através das "magic bullets" de que fala DIXON (27) - de rapidamente,

instantaneamente, magicamente (eficiência) realizar a "morte" da dor, do desconforto

e o triunfo da vida, do prazer (eficácia).

Hipótese: O medicamento é vivido pelo

indivíduo/paciente/consumidor, no contexto do desejo de obtenção da máxima

eficiência e eficácia na eliminação da doença (da dor) e na obtenção da saúde (do

prazer).

• ~ claro, pois, que a hipótese 5 exlclui a hipótese 3 e vice versa.

188

Page 230: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

6) O medicamento e a relação de consumo.

A problemática da hipertensão serve, desta vez, para

ilustrar a questão do consumo de medicamentos associada à questão da necessidade.

Com efeito, paciente crônico deve consumir cronicamente

o medicamento. É preciso portanto que esta ingestão crônica do medicamento

perfaça um sentido para o indivíduo. Posto que o medicamento é uma mercadori~

este sentido pode se expressar sob a forma de necessidade, 'que a mercadoria

medicamento deve satisfazer.

Alguns pacientes passam então a viver a hipertensão

como uma necessidade e consequentemente o uso do medicamento para o

enfrentamento de uma condição - a pressão alta - transforma-se em uso do

medicamento para o enfrentamento de uma situação, ou sej~ dos sintomas, ou do que

os pacientes creem ser os sintomas, da pressão alta: tonturas, náuseas, enjoos,

inchaço, nervosismo ..

Hipótese: O paciente produz o sentido do medicamento

influenciado pela sua condição de portador de sintomas ou sensaçoes, que são

''semantizados'' pelo sistema social inclusivo (e intemalizados pelo paciente) como

necessidades. Portanto, o consumidor ''necessitado'' busca ''respostas'' sob a forma de

mercadorias como o medicamento que ''resolvem'' ou consomem, estas necessidades.

:1.89

Page 231: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

IV.3 - Conclusão Geral

Page 232: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

IV.3.1- O Sentido da SaÓde e a Educação em S;Wde.

Enquanto prática de intervenção sobre indivíduos e

grupos, a Educação em Saúde Pública está, necessariamente, lidando como sentido da

saúde.

Ora, este sentido é uma entidade complexa e enquanto tal

deve ser tratada, teórica e metodologicamente, pela Educação em Saúde.

Dizer que este sentido é uma entidade complexa equivale

a dizer, pelo menos, que:

a) ele não se dá a conhecer facilmente, pelos indivíduos:

b) é necessário dar condições (de clima psicologico, de

confiança, de transparência, de identificação) para que os indivíduos revelem o seu

sentir e seu pensar profundos;

c) este sentir e pensar precisam ser analisados de tal

forma que desta análise resultem pontos de vista de categorias de indivíduos (ou

pacientes ou consumidores) e não de indivíduos isolados;

d) estes pontos de vista de categorias de indivíduos

precisam ser confrontados com os pontos de vista do social e do médico.

Lidar com o Sentido da Saúde implica também, sempre,

um engajamento ideológico, mesmo que o educador dele não esteja consciente.

190

Page 233: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

191

.. ASsiln·sendo, sob pena de trair sua vocaçlo maior, ou seja

a luta pela instauraçAo da Sadde como patrimônio do Homem (e nIo de uma

corporaçlo profissional, de um governo, de um sistema social e ideológico) (60) a

Educação em Sadde, na qualidade de meta-intervençAo* , nlo pode exposar nenhum

dos sentidos que emanam dos pontos de vista (da sociedade, do indivíduo e do

médico) sobre a saúde, salvo, evidentemente, se estes pontos de vista coinciderem

com os seus.

* Entende-se por "met!! intervenção" o fato de ser a Educação em Saúde a responsável pela dimensão educativa da atividade de saude como um todo, o que, desde logo, implica na recusa em considerá-la como linha aUliliar da intervenção médica, odontológica, de enfermagem, de nutrição, etc.

Page 234: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

192

IV.3.2 - Sentido global e sentido particular.

Na busca do sentido do medicamento atualmente, em

nosso país pode-se entende-lo* como uma das expressões mais iiítidas de um

processo de reificação mercadológica/simbolização da saúde, que se traduz por uma

hipertrofia da sua dimensão orgânica.

Concentradamente, em seu estado mais puro, este

processo expressa, no entanto, apenas o ponto de vista do social (representado pelas

forças sociais hegemônicas) como instância atribuidora de sentido ao medicamento.

o sentido global do medicamento * * é na nossa sociedade

e na nossa cultura, portanto, mais do que isto já que envolve outras instâncias

atribuidoras de sentido. Este sentido global é composto pelo ponto de vista do social

interagindo com o ponto de vista dos indivíduos/pacientes e com o ponto de vista dos

médicos (e/ou demais dispensadores oficiais e extra oficiais de assistência à saúde),

configurando relações complexas de hegemonia, de alianças, de transgressão, de

submissão, de poder, de contra poder e outras. O sentido global do medicamento é,

portanto, uma resultante histórica destas relações. Chamemos a este sentido global:

sentido global/global. Ele configura o que acreditamos ser uma verdade genérica,

que diz respeito a um social genérico (a ideologia dominante) e a atores genéricos (o

médico, o paciente).

• O que não quer dizer que o medicamento seja ... Como afirma ECO: "É de fato diferente dizer que um objeto é essentialiter (em itálicos no original) alguma coisa ou que deve ser visto sub-ratione (em itálicos no original)desta alguma coisa".(pag.5).

•• Sentido global não deve ser confundido com sentido exaustivo; com efeito, não se cogitou, absolutamente, neste trabalho, de buscar qualquer tipo de definição exaustiva do medicamento mas de analisá-lo segundo uma ótica que se acredita pertinente para os propósitos da Educação em Saúde Pública. Nessa medida, o medicamento enquanto objeto das ciências a ele vinculadas (medicina, farmacologia, bioquímica) só nos interessou na medida em que a ótica adotada o requeriu.

Page 235: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Esta verdade genérica define, digamos assim, um

conjunto A. composto pelo enfoque dialético numa dada conjuntura histórico-social,

no tratamento do medicamento como objeto teórico· prdtico da educ~lJo em saúde

pública.

o presente trabalho representa uma contribuição na

tentativa de definir os contornos deste enfoque.Algo que poderíamos chamar,

utilizando a terminologia de ALlHUSSER (2) de "genralidade m preliminar".

Como se trata de um trabalho exploratório, de geração de

hipóteses, é necessário, evidentemente, testar o referido enfoque.

o teste em populações representativas de

indivíduos/pacientes/consumidores - diz respeito tanto ao enfoque quanto à temática

levantada.

A testagem deve permitir que este Conjunto A dê lugar -

através de pesquisas particulares de natureza demonstrativa - a sub-conjuntos a', a" ... e

que cada sub conjunto deste conjunto maior permita detalhar, tanto quanto possível,

cada um dos tres grandes atribuidores de sentido ao medicamento: o social, o

médico(e/ou outros profissionais de saúde) e o paciente (ou indivíduo ou

consumidor), com ênfase neste último, bem como as suas variadas e variáveis

interrelaçães.

As pesquisas particulares implicam, desta forma, o que

poderíamos chamar (comparando com o sentido global/global) de sentido

global/particular, ou, "althusserianamente", "generalidade mil. Ou seja, elas

envolvem este sentido global, considerado necessário e inclusivo, mas submetem-no

ao necessário teste empírico.

193

Page 236: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

As pesquisas particulares deverlo, assim, permitir a retro­

alimentaçAo do conjunto A, fazendo com que ele possa ir se transformando,

progressivamente num repositório de princípios gerais sobre o Sentido do

Medicamento para a educaçAo em sa6de como teoria e pn1tlca.

194

Page 237: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

IV.4 • Recomendações

Page 238: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

:é claro que de um trabalho explorat6rio como o presente

s6 podem derivar diretamente propostas de lnvestlgaçAo e não de IntervençAo.

Deste modo,em função do fato das "recomendaç6es",pelo

menos na área da Saúde Pública e da Educação em Saúde Pública constituírem, quase

sempre, propostas de intervenção, não é possível, aqui, como se faz habitualmente,

listar um elenco de recomendações.

E possível ,no entanto, definir as grandes linhas de um

conjunto interseccional que envolva investigação e intervenção.

Este conjunto seria composto por

investigações/intervenções, seguindo o modelo da pesquisa-ação ou pesquisa

participante ,que poderiam ser desenvolvidas em Centros de Saúde, Hospitais,

Creches, Escolas, dentro ou fora do quadro dos projetos de Integração Docente

Assistencia (70).

Nessa linha,os seis temas agregadores podem constituir

objeto destas investigações/intervenções.

A título de sugestão - sem a pretenção de esgotar o

material temático levantado neste trabalho - sugerimos, além dos seis grandes temas

agregadores, os seguintes temas e sub temas de pesquisa e/ou intervenção:

- medicamento e alimentação : discussão/investigação

sobre os CAHPs associados aos dois objetos como mercadorias /símbolos de saúde

em geral e em situações específicas por exemplo: vitamina nas frutas x vitamina nos

remédios; dieta x medicamento na hipertensão.

195

Page 239: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

196

- os "Ioci" da sa6de : discussão/ investigação sobre os

CAHPs associados aos diversos "Ioci" da saúde: na mente, no corpo, no objeto de

saúde (entre eles, o medicamento), no social.

Parece claro que ,neste caso, poder-se-a combinar ,com

resultados potencialmente interessantes, a perspectiva da Semi6tica aplicada à saúde

pública com a perspectiva que adota o modelo "Locus of Control".

- análise/intervenção em torno dos CAHPs associados às

expectativas-geradas socialmente- que cercam o medicamento visto como instrumento

de "reposição imediata" da sa6de e as repercuções disto na interção médico paciente.

- discussão/intervenção ,tendo como população alvo os

profissionais de saúde,sobre os usos extra terapêuticos do medicamento na prática

clínica: o medicamento como símbolo ,para o profissional de saúde.

- discussão sobre a possibilidade de introdução ,na

rede,de práticas alternativas de saúde dentro de um sistema social, de. uma cultura e

de um modelo de assistência de saúde decorrentes desta sociedade e desta cultura ,

que tem no consumo de objetos/ símbolo de saúde a sua pedra angular. Confronto

entre: mercadoria alternativa, nova moda consumista x alternativa à mercadoria,

nova perspectiva de sociedade, de cultura.(fatores que possibilitam).

Este conjunto interseccional pode dar lugar,no campo da

Saúde Pública e da Educação em Saúde Pública,a uma ciência menos acadêmica e a

uma prática menos emergencial que, por sua vez, podem dar nascimento a um

terceiro caminho, situado entre estas duas polaridades que,sem negarem ( a ciência

Page 240: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

197

acadêmica é necessária e a prática emergencial também) estariam contribuindo para

o enriquecimento da Saúde Pública comopraxis *

• Afirma CANDEIAS (16) :" A interação entre a pesquisa e a prática representa assunto relevante na área de Saúde Pública,razão pela qual a utilização da pesquisa na prática e da prática na pesquisa exige e merece especial atenção por parte dos investigadores e profIssionais de saúde, quando se visa a alcançar maior produtividade em ambos os setores" (pag.11.).

Page 241: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

REFEtmNCIAS BmLIOGRÁFICAS

Page 242: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

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53) MICHEL,J.M. Why people like mediclnes? A perspective from Africa.

LANCET, 1 (8422), 1985.

54) MORAES FILHO,J.P. & BONBONAITI,T.A A Ação Transcendente Dos

Medicamentos. Rev. Bras. Clin.Terap., 15, 264- 265, 1986.

55) "NA PUBliCIDADE, REDATOR DEVE TRANSFORMAR PRODUTO EM

DESEJO". Folha de São Paulo, 15/3/1987.

56) PEREIRA,J.C. Medicina, Saúde e Sociedade. In: Estudos de Saúde Coletiva - 4.

Rio de Janeiro, ABRASCO, 29-37.1986.

57) PECK,C.L E KING,NJ. Compliance and the doctor - patient relationship. Drugs,

30: 78-84, 1985

58) PIERCE,C.S. La ciencia de la semiotica. Buenos Aires. Nueva Vision, 1974.

59) PIERCE,C.S. Semiotica e filosofia. (2a ED.), São Paulo. CULlRIX/EDUSP,

1975.

60) PILON,A.F. Desenvolvimento da educação em saúde: uma atualização de

conceitos. São Paulo. Faculdade de Saúde Pública, mimeo.

61) QUEIROZ, M.S. O paradigma mecanista da medicina ocidental modema:uma

perspectiva antropológica. Rev. Saúde Pública. 20 (4): 309-17, 1986.

62) QUEIROZ,M.P. Histórias de vida e depoimentos pessoais. Sociologia, 15 (1): 8-

Page 248: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

24, 1985.

63) QUElROZ,M.P. Relatos orais: do "indizível" ao "dizfvel". Ci!ncia e Cultura,

39(3), 272-286, 1987.

64) RAW,I. Labirinto de remédios. Revista VEJA, 19/8/1987.

65) SÁ,D.B.Drogas/seus estímulos. Jornal do Brasil, 1/12/86.

66) SAlLES,J.M. Efeitos adversos do uso de antibióticos. Hilea Médica. Belém, 3

(1): 3-27, 1981.

67) SANTAELlA,L O que é semiótica. (5a Ed.), São Paulo. Brasiliense, 1987.

68) SAN}AC.O.B. Intoxicação crônica causada por analgésicos. Jornal do C.R.F., 8

(124), 1985.

69) SASSAKY,T.H. Prescrição: uma análise institucional. São Paulo. Fac. Saúde

Pública/USP, 1984 (Tese de Doutoramento).

70) SILVA,M.E.L Entrevista aberta.USP/FSP,Mimeo.

71) SIMÕES,MJ. e FARACHE FILHOA. Consumo de medicamentos em região

do Estado de São Paulo (Brasil), 1985. Rev. de Saúde Publ., S.Paulo, 22 (6): 494-9,

1988.

72 SOUZA, AMA Integração docente assistencial. Mimeo, 1984

73) SZYILEJKO,OJ. The use of unprescribed medicine in warsaw during the years

Page 249: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

1970-1980. Drug intelligence and clinicaI pharmacy, 18 (9), 1984.

74) TEMPORAO;.G. A propaganda de medicamentos e o mito da saúde. Rio de

Janeiro. GRAAL, 1987.

75) "TODO REMÉDIO É VENENO". Vida Integral, Julho, 1987.

76) TODOROV,T. ET ALL. linguagem e motivaçâo: uma prespectiva semio16gica.

Porto Alegre, Globo, 1977.

77) UM GOLPE DA CffiNCIA NA RAIZ DA DOR. Revista Veja.19jl0jI988.

78) USO INDEVIDO DE ANTIBIOTICOS. BoI. Epidem., 14 (26): 273- 277, 1982

79) VERON,E. A produção do sentido. São Paulo CULTRIX EDUSP, 1980.

80) WAITZKIN,H. The micropolitics of medicine: a contextual analysis.lN: Jouro of

Health Services, 14 (3),1984.

81) WAITZKIN,H. Information Giving In Medicai CareJ. Health. Soe. Behav., 26

(2), 1985

82) WOLPE,P.R. Medieine, Teehnology, and lived relations. Perspeet BioI. Med., 28

(2), 1985.

Page 250: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

ANEXOl

Page 251: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Roteiro de Entrevista Semi Aberta com Pacientes Hipertensos

Page 252: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

A) Apresentação da pesquisa e do pesquisador.

1) Como e quando você descobriu que é hipertenso?

2) Para você que é hipertenso, o que o remédio significa em sua vida?

3) Se tivesse que escolher:mexer na alimentação ou tomar remédio, qual

escolheria e porque?

4) Como é ,para você, ter que tomar remédio a vida toda?

5) Você acha que acontece alguma coisa com você se deixar de vez em quando

de tomar o remédio?

6) Porque o remédio consegue baixar a sua pressão?

7) O que é mais importante para você: o remédio ou o médico? Porque?

Page 253: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

B)ldentificaçâo:

-idade

- bairro

- estado civil

- tipo de residência : alugada, própria,cedida

- atividade no momento

- ocupação do cônjuge

- renda familiar (aproximada)

Page 254: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

ANEXO 2

Page 255: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

MATERIA DOCUMENTAL

- "Slogan"da campanha anti-polio.

- Capa da Revista "Saúde".

- Propaganda da Amico.

- Propaganda "Saúde Total"(jornal).

- Propaganda ''Turismo Saúde"(jomal).

- Propaganda em farmácia.

- Propaganda da ''Termo Gel" (ônibus).

- "Slogan" da Blue Life (propaganda de rádio).

-"Slogan" da Amil (propaganda de televisão).

- Adesivo da Golden Cross.

- Adesivo da Saúde Bradesco.

Page 256: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

- Sub Utulo da Revista Pais e Filhos.

- "Slogan" de Yacult (propaganda de televisão).

- Artigo da Revista Manchete.

- Folheto publicitário da Bio da Danone.

- Folheto publicitário das cápsulas de óleo cru de fígado de bacalhau e óleo de

germe de trigo.

- Folheto publicitário das vitaminas Fontovit.

- Publicidade do medicamento "Cytotec" (periódico) .109

- Publicidade do medicamento "lloban" (peródico ).

- Propaganda de produto homeopático para emagrecer ..

- Publicidade de "Fibrapur" (periódico)

- Publicidade do medicamento "Tamarine" (periódico ).

- Publicidade do medicamento "Florantil" (periódico).

- "Slogan" publicitário do medicamento "Doril" (várias midias)

Page 257: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

- Publicidade do medicamento "Ladogal" (periódico).

- Publicidade do medicamento "Mio-Citalgin" (periódico).

- Publicidade do medicamento "Dexa-citoneurin" (periódico).

- Publicidade do medicamento "Flanax" (periódico).

- Publicidade do medicamento "Buferin" (periódico).

- Publicidade de anti-ácido(propaganda de televisão).

- Publicidade de medicamento contra torcicolo (propaganda de televisão).

- Publicidade de pastilha contra tosse (propaganda de televisão).

- Quatro depoimentos de clientes do Centro de Saúde Geraldo de Paula Souza (fase

de pré teste do formulário)~

- Bula do medicamento "Binotal".

Page 258: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

ANEXO 3

Page 259: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

CONHEÇA BIOPOR

DENTRO.

Bio de Danone represen­ta uma nova gemção de produtos lácteos frescos.

Bio é um lei te naturalmente fcnnentado. alIavé~ do micn)()rganismo Bifidobacterium, comercialmente conhecido como Bifidus Ativo .

Após profundas pesqui­sas no campo da microbio­logia . desenvolvidas no Centro lntemacional de Pesquisa Daniel Carasso*.

em Paris. a Danone selecionou. entre vários tipos de Bifidobactcrium. a espécie longum . mais adap­tada a seus produtos e à~ necessidades dos consu­midores .

O Bifidus possui a característica de ser ativo no organismo. sendo que a espécie longum resiste melhor à p"'5agem pelo ambiente ácido do estômago. Ele permanece vivo. ativo e nUll1ero~o. fixando-se posteriomlcnte no intc~tin(l, onde exercerá SU"~ propriedades benéficas ao homem , pois adapta-se perfeitamente à temperatura do corpo . de 37"C.

O B ifidus Ativo é conhecido pela sua alta camcterística imunológica em relação à~ infecções intestinais , uma vez que ele está presente normalmente no leite matemo .

• DIJ/!d C&raS.I(I / filho do fundJ.d<w dli Dlillooc. piOM'lfI n. induMruJUJIf'<> do IOfUIU 110 mundo nlOl:kma.

BIOAJUDA ADIGESTAO E PROTEGE A FLORA

INTESTINAL.

A nora láctica viva do Bio de Danone facilita a digestão, pois apresenta proteínas pré-digeridas. que mdhoram o trânsito gá. .... -trico e o bem-estar digestivo.

Bio de Danone atua: I • na regulagem do trânsito

intestinal ; • na proteção da nora

intestinal ; • na reposição da nom

apás tratamento com antibióticos;

• no comhate à constipaçã. e diarréia:

• na inibição da prolifemção de gemles patogênicos;

• na desintoxicação intcst inal. Bio é altamente nutritivI

ajuda a melhor "'5imilaçã( do ferro no organismo. além de ser excelente font. de cálcio c proteínas de alta qualidade. o que favorece a mineralização óssea.

Page 260: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

PRODUTOS NATURAIS DE ALTA QUALIDADE

Cápsulas de ÓLEO DE ALHO CRU ÓLEO DE FíGADO DE BACALHAU ÓLEO DE GERME DE TRIGO

~". 1 , .. .( t ,.. . ,. ~. I. _ "': _ ~ .. .!

o SEGREDO DA VIDA LONGA E SAUDÁVEL A antiga expressão "Você tem a ida· . de de suas artérias" seguramente é válida hoje e será sempre. De lato, ar· terias elásticas e pulsantes, livres de depósitos de gorduras, garante uma circulação ativa do sangue para ali· mentar adequadamente as células com oxigênio e nutrientes que pro· longam sua vida útil, promovendo as· sim maior longevidade para todo nos· so corpo. O Óleo de Alho Crú, o Óleo de Germe de Trigo e o Óleo de Flgado de Baca·

Ihau Naturalis, ricos em nutrientes nobres, têm ação protetora sobre as artérias e proporcionam melhor nutri· ção e oxigenação das células, evitan· do desta lorma os latores que deter· minam O envelhecimento precoce do nosso organismo. Com o lirme propósito de apresentar sempre o máximo em qualidade, a NA TURALlS está importando estes produtos diretamente de lontes sele­cionadas na Europa, consideradas as melhores do mercado mundial.

Page 261: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

~ homem, como os demais seres vivos, faz parte da Natureza. Ele é a própria Natureza e dela

breviveu por milênios. Foi nsumindo substâncias naturais que creveu sua história no Universo. istória que nos mostra a vitamina mo substância natural que equilibra funções vitais do organismo.

vitaminas, para que sejam jca:zes, devem ser tomadas puras e

doses certas. são as vitaminas naturais

NTOVIT, produtos puros, dosados borados com alta tecnologia para

da Natureza só o que ela tem de

L-..J,""1;ONTK'\ EN\'EI.IIECIMENTO E ~ :sn:KILlIlAIlE I'K ECUCE.

Previne () envelhecimento precuce cvirandu ~ oxidação prematura das cé lulas. prulnngam.ln. assim . suas vidas úteis. Protc~c contrJ a(ccçúc!ii ncuro-muscula res . Impede a de~encrescéncia testicular e espcrmática. a atrofia dus canais seminais. a azoospennia e a esterilidade precoce .

fACILITA A DlGf~~TÁO. En7.ima c,,"'fardo do lálc,," do mamão. é excelente

coadjuvante da digestão . Transforma as proteínas ingcridas em amino-ácidos essencia is ao o rga ni smo .

eliminando . concomitantemente . as sensaçõcs desagradáve is de uma digestão pesada c dcmor:lda . - •

CONTRA ANEMIAS. Constituinte essencial dos glóbulos vermelhos do sangue . previne anemias fortalecendo o sangue. Indicado inclusive nas menstruações abundantes e prolongadas,

F ACILIT A A QUEIMA DE GORDURAS. Agente lipotrópico. distribui homogeneamente as

gorduras do organismo, evitando sua deposição em apenas algumas regiões, conseqüentemente

facilitando sua queima. Previne a queda de pêlo~ e cabelos provocada por dennatites . E

constituinte importante das c~lulas do c~rebro e de todo o sistema nervoso.

fACILITA O BRONZEAMENTO. Tem marcante ação protetora da pele contra os raios solares excessivos. tomando-a macia e resistente. facil itando seu bronzeamento.

PARA O SISTEMA NERVOSO. Fonte natural da vi tamina E. por sua ação anli ·oxidantc

protege as ctlulas do cérebro. do ~i ~ tema ne' ~",~o~s±n~ej~:~~ _ _ ~ _ _ ____ _ ~m~u~sc~u~l~ar"_. prolonjZando sua~ vida~ úteis .

F.MIIELF.ZA ,\ PELE. Contém 4O'i. do ~u peso em pn,.d~ t'\\I(nC"LJJ\

ao desenvolvimento e m3ltUtcnçio do orpnismo animal , além de ~ constituir na maior fOftlc nalunl das vitaminas do compkao B. Complemento i~e poro normoIinçã> das funções intestinais . Melhon a pele.

COMIA TE AFADIGA FÍSICA_ MENTAL E5t:XUAL.

Obtido das raízes da planta asiática "P1:nu , inscn, ' : ~ indicado nos casos de debilidade fístea. mcntlll e das

funções vitais do organismo incluindo-sc as da esfen sexual . Combate a fad iga. a hipotonia c a ncurastc"nia.

PARA UNHAS E CABELOS QUDlRADlÇOS. Constitulda de fibns e_o oo.r..., riplrz .,. tecidos nkidos pn:vmindo a fOi IIYÇio de cw1zs. É essencial ....... unhos e cabo:los. impedindo que 5C tomem~,

ATIVA A MDIÓIUA [PU:VINE RESnJADOS.

É estimulante da cimllaçio ~I_ periftrica e cerebnJ . ativando I memória e conferindo 110

organismo proIeÇio contra ... friados COiIIUItS. AItm dessas , alguns dos seus constiruintes têm marcante

açio vermicida, eliminando vermes inlestiMis. É razoável diulitico com suave.çio anti·hipertemiva.

TÕNlCO VIT AUZANTE. Com marcante ação erlti~tica c vita..l~ ~ 10 organismo sensaçio de bem estar e YiIaIidade. Nonnalizador das funções jnrestiDais t -b . is ... do tambtm como carmor da prisão de_,

PARA PU.E. VISÃo [ CONSERVAÇÃO DOS DENTES.

É .... ponsivel pela el ... icidade e maciez da pele. Sem ela. a pele 5C toma ispen. quebradiça e sajriao

a micoscs e ccz.cmas. Irnpresc:indi\>'d .... minonros efeitos da oegueira notuma, ArtnamIada tIO flpdo.

proce~e~ contra intoxicações. nonnaIizaMIo inchtsi~ a «ereçio kida do~. N. conIIOht o

Page 262: O medicamento como problema de saúde pública: contribuição

Binotal® Ampicilina triidratada - Ampicilina sódica

INDICAÇOES E PROPRIEDADES

8 inot81 .. Ui Indic.dO nu intecç.Oei causadas por bactérias .",Iveili " ampicilina. 8inotlll fi uma penicilina semi · aint6tica de amplo ~ro, bIIctericida, praticamente ató)(ica, muito .ti .... fr8nte li bact6rias gram-po.itivlIs 11 gram-negativa • .

APRESENTACAo E COMPOSICAO

Form .. or.l. - Campo.lç ' o : AmplcNlna I C'paula, 250 rng , caixes com 12 c6pliulas (2fl(J mg ), C.!lPSUI85 500 mg . cai)(85 com 6 ti 18 cãpsulas (500 mg !. Comprimidos 2SO mg, caixas com 12 comprimidos 1200 rng !. Comprimidos 500 rng , cai)!;.s com S li 18 comprimi­do. 1600 rngl . Comprimidos 1000 mo, C8iul com 6 li 1B comprimidos (1000 mg!. )(arope 1,5 g envelope com 3 g de granulado li vidro com 58 mI de diluente (125 mg por 5 mil , Xarope 3,0 g envelope com 6 g de granulado e vidro com 56 mI de diluente (250 mg por 5 miL

Forma. tnjelhal, - Campo.içao : AmplcNina

Frn to ampol, 0 . 250 g . CIJUS com 2~ truco ampolas de 0 . 2~ \I • 2S ampola.. d e 2,5 ml de '\lua tlll'"In~C"o IO, 2~ g l F. a s (Oo ampol. 0 .5 g , C" IU com 1 tr uco .mpol. de 0 .5 9 • 1 ampola de 5 ml de .gua p.fa .njed o CII'.8$ com 25 h llKO IIn'pula" d e 0 .5 g • 25 .mpolu de 5 ml de 'gu. pa r • • nlecAo 10 5 91

F' . s cQ'ampola 1,0 g, C" "U com 1 II,$CO ampol. de 1.0 g • 1 . mpola d e 5 m l de 'Qu, p.,e IIIJe t 'o c II •• n tOm 25 I' ISCO IImpol ill de 1,0 g • 1 5 . mpolas de 5 m! de . gu. " .,a .nJ.çA" 11.0 gl

CONTRA-INOICACOES. PRECAUÇOES E EFEITOS COLATERAIS

• Hipersensibilidade ê penicilina ou derivados e és cefalosporinas , • Distúrbios gastrointestinais leves e ocasionais ragridem t!$pontaneamente com a interrupçao da

medicaçlo. ou mesmo com a sua continuaçlo.

POSOLOGIA E MODO DE USAR

~ O preperedo deve Nr Idminiatrado IOb prescriçlo médica Entretanto aconsell'llmO$ as leguintes doSM di6rias '

BINOTAL 250 BINQTAL 500 BINOTAL 1COJ FORMAS ORAIS: ~I»UI .. oU c6psulas ou comprimidos comprimidos comprimidos

Aduh:OI e crianças maio· 2 • 3 c6psulas ou com· 1 a 2 c6psulas ou com- 1/2 8 1 comprimido d, res de 12 anos primidos de e em e horas primidos de e em e horas 8 em 8 horas

Crianças menores de 12 1 c.6psula ou comprimido Aconselhamos Binetal Aconselhamos Binatal

''''' de e em 8 horas dropEI ou c6psulas 250 d fOpe ou c6psulas 250 mg ou""mg

SINOl Al 1.5 g SINQl AL 3,0 g .. ,- xarope

• • l.ac1entes " . J ...... 50 mg / kg de 8 50 mg / kg de 8 13 a 5 kg de peiIO corpo- em 8 hems em e horas .. I)

Lactantas • partir de 3 1 medida de 6 1/2 medtda de meses 15 a 10 kg de pe-

'"' 6 ""'" 6 em 6 horas

10 corporal) --