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O ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO REGIME GERAL DA GESTÃO DE RESÍDUOS PORTUGUÊS Sofia Batalim Dissertação de Mestrado Orientador: Professor Doutor Rui Tavares Lanceiro Mestrado em Direito e Prática Jurídica Especialidade de Direito do Ambiente, dos Recursos Naturais e da Energia 2019

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O ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO REGIME GERAL DA GESTÃO DE RESÍDUOS

PORTUGUÊS

Sofia Batalim

Dissertação de Mestrado

Orientador: Professor Doutor Rui Tavares Lanceiro

Mestrado em Direito e Prática Jurídica

Especialidade de Direito do Ambiente, dos Recursos Naturais e da Energia

2019

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O ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO REGIME GERAL DA GESTÃO DE RESÍDUOS

PORTUGUÊS

Sofia Batalim

Dissertação de Mestrado

Orientador: Professor Doutor Rui Tavares Lanceiro

Mestrado em Direito e Prática Jurídica

Especialidade de Direito do Ambiente, dos Recursos Naturais e da Energia

2019

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Nota: Por decisão da autora, na presente dissertação, não foi seguido o novo Acordo

Ortográfico.

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Índice

Listas de Siglas e Abreviaturas ____________________________________________ 2

Introdução ____________________________________________________________ 6

Resumo ______________________________________________________________ 8

Abstract ______________________________________________________________ 9

1. Enquadramento legislativo __________________________________________ 11

2. Âmbito de aplicação do RGGR ______________________________________ 13

2.1. Âmbito de aplicação objectivo positivo do RGGR ___________________ 14

2.1.1. Produtos que não consubstanciam resíduos _______________________ 16

2.1.2. Resíduos __________________________________________________ 18

2.1.3. Prevenção de resíduos _______________________________________ 55

2.1.4. Produção de resíduos ________________________________________ 58

2.1.5. Gestão de resíduos __________________________________________ 60

2.2. Âmbito de aplicação objectivo negativo do RGGR ___________________ 78

2.2.1. Efluentes gasosos lançados na atmosfera _________________________ 79

2.2.2. A terra (in situ), incluindo os solos contaminados não-escavados e os

edifícios com ligação permanente ao solo ______________________________ 81

2.2.3. Materiais naturais resultantes de escavações no âmbito de actividades de

construção _______________________________________________________ 83

2.2.4. Resíduos radioactivos ________________________________________ 85

2.2.5. Explosivos abatidos à carga ou em fim-de-vida ____________________ 86

2.2.6. Matérias fecais e materiais naturais não-perigosos de origem agrícola e

silvícola (biomassa) _______________________________________________ 88

2.2.7. Sedimentos ________________________________________________ 91

2.2.8. Águas residuais _____________________________________________ 92

2.2.9. Resíduos das indústrias extractivas _____________________________ 92

2.2.10. Subprodutos animais_______________________________________ 93

2.2.11. Matérias-primas para alimentação animal ______________________ 96

2.3. Âmbito de aplicação subjectivo do RGGR__________________________ 97

Conclusão ___________________________________________________________ 98

Lista de Legislação ___________________________________________________ 101

Lista de Jurisprudência ________________________________________________ 109

Lista de Bibliografia __________________________________________________ 112

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Lista de Siglas

ANR Autoridade Nacional dos Resíduos

CAGER Comissão de Acompanhamento da Gestão de Resíduos

CEE Comunidade Económica Europeia

CER Catálogo Europeu de Resíduos

CIRVER Centros Integrados de Recuperação, Valorização e Eliminação de

Resíduos

DGAE Direcção-Geral das Actividades Económicas

DR Diário da República

EUA Estados Unidos da América

JO Jornal Oficial da União Europeia / Jornal Oficial das Comunidades

Europeias

LCP Lei do Controlo da Poluição (Control of Pollution Act) de 1974, do Reino

Unido

LER Lista Europeia de Resíduos

LER 1972 Lei da Eliminação de Resíduos (Abfallbeseitigungsgesetz) de 1972, da

República Federal da Alemanha

ONU Organização das Nações Unidas

PACEMA Programa de Acção das Comunidades Europeias em Matéria de Ambiente,

de 1973

RGGR Regime Geral da Gestão de Resíduos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º

178/2006, de 5 de Setembro

RSEFAPE Regulamento de Segurança dos Estabelecimentos de Fabrico e de

Armazenagem de Produtos Explosivos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º

139/2002, de 17 de Maio

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SIRER Sistema Integrado de Registo da Agência Portuguesa do Ambiente

TFUE Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

UE União Europeia

Lista de Abreviaturas

Convenção de Basileia Convenção de Basileia sobre o Controlo dos

Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos

e sua Eliminação, de 22 de Março de 1989

Decreto-Lei 139/2002 Decreto-Lei n.º 139/2002, de 17 de Maio

Decreto-Lei 10/2010 Decreto-Lei n.º 10/2010, de 4 de Fevereiro

Decreto-Lei 73/2011 Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de Junho

Decreto-Lei 60/2012 Decreto-Lei n.º 60/2012, de 14 de Março

Decreto-Lei 127/2013 Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto

Decreto-Lei 156/2013 Decreto-Lei n.º 156/2013, de 5 de Novembro

Decreto-Lei 71/2016 Decreto-Lei n.º 71/2016, de 4 de Novembro

Decreto-Lei 9/2017 Decreto-Lei n.º 9/2017, de 10 de Janeiro

Decreto-Lei 39/2018 Decreto-Lei n.º 39/2018, de 11 de Junho

Directiva 75/442/CEE Directiva n.º 75/442/CEE, do Conselho, de 15 de

Julho

Directiva 91/156/CEE Directiva n.º 91/156/CEE, do Conselho, de 18 de

Março

Directiva 91/271/CEE Directiva n.º 91/271/CEE, do Conselho, de 21 de

Maio

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Directiva 2002/32/CE Directiva n.º 2002/32/CE, do Parlamento Europeu e

do Conselho, de 7 de Maio

Directiva 2006/12/CE Directiva n.º 2006/12/CE, do Parlamento Europeu e

do Conselho, de 5 de Abril

Directiva 2006/21/CE Directiva n.º 2006/21/CE, do Parlamento Europeu e

do Conselho, de 15 de Março

Directiva 2008/98/CE Directiva n.º 2008/98/CE, do Parlamento Europeu e

do Conselho, de 19 de Novembro

Directiva 2009/31/CE Directiva n.º 2009/31/CE, do Parlamento Europeu e

do Conselho, de 23 de Abril

Directiva 2011/70/EURATOM Directiva n.º 2011/70/EURATOM, do Conselho, de

19 de Julho

Directiva 2012/18/UE Directiva n.º 2012/18/UE, do Parlamento Europeu e

do Conselho, de 4 de Julho

Directiva 2014/28/UE Directiva n.º 2014/28/UE, do Parlamento Europeu e

do Conselho, de 26 de Fevereiro

Directiva 2018/851 Directiva (UE) n.º 2018/851, do Parlamento Europeu

e do Conselho, de 30 de Maio

Regulamentação-Modelo Regulamentação-Modelo sobre o Transporte de

Mercadorias Perigosas anexa às Recomendações da

Organização das Nações Unidas relativas ao

Transporte de Mercadorias Perigosas

Regulamento 853/2004 Regulamento (CE) n.º 853/2004, do Parlamento

Europeu e do Conselho, de 29 de Abril

Regulamento 1013/2006 Regulamento (CE) n.º 1013/2006, do Parlamento

Europeu e do Conselho, de 14 de Junho

Regulamento 767/2009 Regulamento (CE) n.º 767/2009, do Parlamento

Europeu e do Conselho, de 13 de Julho

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Regulamento 1357/2014 Regulamento (UE) n.º 1357/2014, da Comissão, de

18 de Dezembro

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Introdução

Com a presente dissertação, pretendeu-se delimitar e analisar o âmbito de aplicação do

Regime Geral da Gestão de Resíduos (RGGR) português – aprovado pelo Decreto-Lei n.º

178/2006, de 5 de Setembro, e que, através das alterações operadas pelo Decreto-Lei n.º

73/2011, de 17 de Junho, incorporou, no nosso ordenamento jurídico interno, as

disposições de transposição da Directiva n.º 2008/98/CE, do Parlamento Europeu e do

Conselho, de 19 de Novembro, relativa aos resíduos –, tendo em conta, essencialmente,

por um lado, a complexidade inerente a essa tarefa de delimitação, dadas a amplitude da

definição legal de ‘resíduos’ e a inexistência de critérios claros que auxiliem na respectiva

interpretação, e, por outro, a alteração, na última década, do paradigma da legislação

fundamental em matéria de resíduos, em virtude da qual, inicialmente, se passou o

enfoque da gestão de resíduos para a consideração de todo o ciclo de vida dos produtos e

dos materiais – e, consequentemente, se incluíram, expressamente, no âmbito de

aplicação do RGGR, operações e sujeitos integrados na designada fase ‘pré-resíduos’ –,

e, mais recentemente, se afirmou a necessidade de transformar a gestão de resíduos em

gestão sustentável dos materiais – e, nessa sequência, foi, designadamente, adoptada uma

definição de ‘valorização material’, relevante no domínio da gestão de resíduos, e que,

implicitamente, veio estabelecer uma hierarquia mais estratificada das operações de

valorização de resíduos, privilegiando as operações de valorização material em

detrimento das demais.

Sobre o conceito de ‘resíduos’, foram-se debruçando diversos autores estrangeiros, e, em

Portugal, particularmente, Alexandra Aragão; todavia os escritos analisados, tendem a

circunscrever-se à análise de critérios pontuais de interpretação daquele conceito,

designadamente, em comentário a determinados acórdãos do Tribunal de Justiça da União

Europeia (TJUE), e/ou são pouco recentes, e, por isso, inevitavelmente, não consideraram

a jurisprudência deste Tribunal proferida posteriormente aos mesmos. Ademais, e quanto

à mencionada mudança de paradigma, pode observar-se que – muito provavelmente,

devido à maior centralidade do conceito de ‘resíduos’ – a mesma não tem sido objecto de

particular atenção.

Os principais objectivos prosseguidos através do presente estudo foram, assim, os de

densificar o conceito de ‘resíduos’ – partindo, sobretudo, da jurisprudência do TJUE, que

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tem sido, desde 1975, o principal repositório de critérios concretamente estabelecidos na

interpretação daquele conceito, e fazê-lo com o intuito de extrair alguns critérios mais

gerais que permitam densificá-lo de forma mais aprofundada – e de analisar os conceitos

de ‘prevenção de resíduos’ e de ‘produção de resíduos’, igualmente contidos no âmbito

de aplicação objectivo positivo do RGGR. Contudo, e por forma a completar a definição

deste âmbito de aplicação, cumpria, também, abordar o conceito de ‘gestão de resíduos’,

e, em especial, distinguir o ‘armazenamento preliminar’, efectuado no âmbito da operação

de recolha de resíduos, do ‘armazenamento temporário’, realizado a montante da gestão

de resíduos – os quais se confundem, no RGGR, tal como na Directiva n.º 2008/98/CE,

em virtude da técnica legislativa utilizada para tratá-los, aos níveis, tanto comunitário,

como nacional –, e, ainda, analisar o conceito de ‘valorização material’, recentemente

introduzido na Directiva n.º 2008/98/CE pela Directiva (UE) n.º 2018/851, do Parlamento

Europeu e do Conselho, de 30 de Maio.

No que concerne ao âmbito de aplicação objectivo negativo do RGGR, o intuito foi, acima

de tudo, o de, através de uma breve análise das exclusões legais daquele âmbito, deslindar

que produtos, materiais ou resíduos se encontram expressamente subtraídos à rigorosa

disciplina dos resíduos, e, em todo o caso, indagar da adequação de tal subtracção,

operada, em certos casos, de forma mais limitada, tendo em conta a medida em que os

produtos, materiais ou resíduos se encontrem abrangidos por demais legislação, e,

noutros, de forma absoluta, através de uma pura exclusão de certos produtos, materiais

ou resíduos do campo de aplicação do RGGR, independentemente da existência, ou não,

de legislação suficiente e rigorosa que se lhes aplique.

Por fim, relativamente ao âmbito de aplicação subjectivo do RGGR, e não se suscitando

particulares dúvidas a respeito do mesmo – salvo, naturalmente, quanto aos conceitos

designativos de determinados sujeitos nele integrados, como os de ‘detentor de resíduos’,

‘possuidor de resíduos’ e ‘produtor de resíduos’, mas que são, na presente dissertação,

tratados a propósito e para efeitos da densificação do conceito de ‘resíduos’, e, portanto,

no domínio da delimitação e análise do âmbito de aplicação objectivo positivo do

mencionado Regime –, a preocupação sentida foi, essencialmente, a de identificar a

amplitude do mesmo, para complemento da compreensão do âmbito de aplicação

objectivo, nomeadamente, no que se refere às actividades de prevenção de resíduos.

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Desta feita, entendeu-se, por uma questão de coerência com os objectivos prosseguidos,

e após um breve enquadramento legislativo do RGGR, repartir a dissertação em,

essencialmente, três pontos: um primeiro, referente ao âmbito de aplicação objectivo

positivo do RGGR, e no qual se tratou, centralmente, dos conceitos de ‘resíduos’,

‘prevenção de resíduos’, ‘produção de resíduos’ e ‘gestão de resíduos’; um segundo,

dedicado ao âmbito de aplicação objectivo negativo, e que foi estruturado por tipos de

exclusão – absoluta ou relativa – e por tipos de produtos, materiais e resíduos excluídos

do âmbito de aplicação do RGGR; e, por fim, um terceiro, contendo uma síntese do

âmbito de aplicação subjectivo do RGGR.

Esta análise, e, sobretudo, no que se refere ao âmbito de aplicação objectivo do RGGR, é

de extrema relevância, na medida em que, da correcta delimitação deste âmbito, decorre

a aplicação, ou não, daquele Regime, e, consequentemente, a sujeição ou subtracção dos

produtos, materiais ou resíduos à sua rigorosa disciplina, criada com os objectivos

fundamentais de proteger a saúde humana e o ambiente dos riscos inerentes à própria

natureza dos resíduos.

Resumo

O Regime Geral da Gestão de Resíduos (RGGR) português, aprovado pelo Decreto-Lei

n.º 178/2006, de 5 de Setembro, é, em primeira linha, aplicável a resíduos e a produtos

que não consubstanciam resíduos, e à prevenção, à produção e à gestão de resíduos, todos

eles definidas por referência a ou para efeitos da interpretação de o conceito de ‘resíduos’.

Este conceito está intimamente associado, por um lado, à ausência ou perda de interesse

do detentor do objecto ou substância no mesmo e aos riscos, para a saúde humana e o

ambiente, inerentes à natureza dos resíduos, e, por outro, à necessidade de assegurar um

elevado nível de protecção daqueles bens fundamentais, que perpassa e orienta todo o

Regime. Em segunda linha, o RGGR exclui, do seu âmbito de aplicação objectivo, para

além de certos objectos, substâncias ou materiais que se encontram mais adequadamente

disciplinados por outros diplomas, em virtude de atenderem às suas especificidades e de,

nessa sequência, melhor prosseguirem, designadamente, os objectivos de protecção da

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saúde humana e do ambiente, outros que, não sendo rigorosamente regulados por via de

outra legislação que permita assegurar, nomeadamente, os elevados níveis de protecção

da saúde humana e do ambiente que seriam exigíveis, atenta a sua natureza de resíduos e,

muitas vezes, de resíduos particularmente perigosos, apenas deveriam ser excluídos

daquele âmbito sob reserva da medida em que a sua gestão se encontrasse devidamente

regulada noutros diplomas. Por fim, o RGGR abarca, no seu âmbito de aplicação

subjectivo, uma panóplia de sujeitos, que, não os circunscrevendo aos operadores de

gestão de resíduos e aos produtores e distribuidores dos produtos, abarca, desde entidades

da Administração do Estado, até aos cidadãos, aos quais atribui competências no âmbito

da prevenção e da gestão de resíduos, impõe deveres e obrigações ao longo de todo o

ciclo de vida dos produtos, e, inclusivamente, reconhece direitos, como o de pronúncia

dos cidadãos no âmbito dos processos de consulta pública a que estão sujeitos os planos

de gestão e os programas de prevenção de resíduos.

Palavras-chave: âmbito de aplicação, resíduos, prevenção de resíduos, gestão de

resíduos, exclusões, sujeitos, protecção da saúde humana e do ambiente

Abstract

The portuguese general regulation on the management of waste (RGGR – Regime Geral

da Gestão de Resíduos), adopted by Decree-Law no. 178/2006, of 5 September, is, first

of all, applicable to residues and products that are not waste, and to the prevention,

production and management of waste, which are defined by reference or for the purpose

of the interpretation of the concept of ‘wastes’. This concept is closely linked, on the one

hand, to the absence or the loss of interest of the waste holder on the object or substance,

and the dangers that the nature of wastes poses to the human health and the environment,

and, on the other, to the need to guarantee a high level of protection of those fundamental

goods, which shapes and guides the entire regime. Second of all, the RGGR excludes from

its scope, and in addition to certain objects, substances or material which are more

properly regulated by other legislation that meets their specificities and is, therefore,

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better placed to pursue the objectives of protection of the human health and the

environment, other objects, substances or materials that, despite their nature of wastes

and, very often, of dangerous wastes, are not strictly covered by other legislation placed

to pursue those objectives and, for that reason, should only be excluded from the scope

of the regime under the condition of being properly covered by other legislation. Finally,

and with regards to its subjective scope, the RGGR applies, not only to waste management

operators and the producers and distributors of products, but also to a wide range of

subjects, from entities from the central government to citizens, by giving them

competences in the area of waste prevention and waste management, by imposing duties

and obligations throughout the entire life cicle of products, and by attributing specific

rights, such as the right of citizens to speak out about the waste management plans and

prevention programs.

Key-words: scope, wastes, waste prevention, waste management, exclusions, subjects,

protection of the human health and the environment

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1. Enquadramento legislativo

O designado ‘Regime Geral da Gestão de Resíduos’ (RGGR) português, que regula, em

geral, a gestão de resíduos, foi, inicialmente, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2006, de

5 de Setembro1, e, entretanto e sucessivamente, alterado pelo Decreto-Lei n.º 173/2008,

de 26 de Agosto2, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro3, pelos Decretos-Leis n.ºs

183/2009, de 10 de Agosto4, 73/2011, de 17 de Junho5 (Decreto-Lei 73/2011), e

127/2013, de 30 de Agosto6, pela Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro7, pelos Decretos-

Leis n.ºs 75/2015, de 11 de Maio8, e 103/2015, de 15 de Junho9, pela Lei n.º 7-A/2016,

de 30 de Março10, pelos Decretos-Leis n.ºs 71/2016, de 4 de Novembro11 (Decreto-Lei

71/2016), e 152-D/2017, de 11 de Dezembro12, e pela Lei n.º 71/2018, de 31 de

Dezembro13.

1 Diário da República (DR) n.º 171/2006, Série I, de 05-09-2006, pp. 6526-6545, disponível em

https://data.dre.pt/eli/dec-lei/178/2006/09/05/p/dre/pt/html.

2 DR n.º 164/2008, Série I, de 26-08-2008, pp. 5967-5980, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/173/2008/08/26/p/dre/pt/html.

3 DR n.º 252/2008, 1.º Suplemento, Série I, de 31-12-2008, pp. 9300-(2)-9300-(389), disponível em

https://data.dre.pt/eli/lei/64-a/2008/12/31/p/dre/pt/html.

4 DR n.º 153/2009, Série I, de 10-08-2009, pp. 5170-5198, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/183/2009/08/10/p/dre/pt/html.

5 DR n.º 116/2011, Série I, de 17-06-2011, pp. 3251-3300, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/73/2011/06/17/p/dre/pt/html.

6 DR n.º 167/2013, Série I, de 30-08-2013, pp. 5324-5389, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/127/2013/08/30/p/dre/pt/html.

7 DR n.º 252/2014, 2.º Suplemento, Série I, de 31-12-2014, pp. 6546-(320)-6546-(338), disponível em

https://data.dre.pt/eli/lei/82-d/2014/12/31/p/dre/pt/html.

8 DR n.º 90/2015, Série I, de 11-05-2015, pp. 2416-2426, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/75/2015/05/11/p/dre/pt/html.

9 DR n.º 114/2015, Série I, de 15-06-2015, pp. 3756-3788, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/103/2015/06/15/p/dre/pt/html.

10 DR n.º 62/2016, 1.º Suplemento, Série I, de 30-03-2016, pp. 1096-(2)-1096-(244), disponível em

https://data.dre.pt/eli/lei/7-a/2016/03/30/p/dre/pt/html.

11 DR n.º 212/2016, Série I, de 04-11-2016, pp. 3901-3907, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/71/2016/11/04/p/dre/pt/html.

12 DR n.º 236/2017, 2.º Suplemento, Série I, de 11-12-2017, pp. 6584-(88)-6584-(135), disponível em

https://data.dre.pt/eli/dec-lei/152-d/2017/12/11/p/dre/pt/html.

13 DR n.º 251/2018, Série I, de 31-12-2018, pp. 6039-6260, disponível em

https://data.dre.pt/eli/lei/71/2018/12/31/p/dre/pt/html.

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Este Regime foi precedido do constante do Decreto-Lei n.º 488/85, de 25 de Novembro14,

que versava, também, sobre a gestão de resíduos.

A aprovação, em 1985, daquele primeiro regime sobre a gestão de resíduos enquadra-se,

temporalmente, no período da adesão de Portugal à, então, Comunidade Económica

Europeia (CEE), onde, nesta matéria, se encontrava em vigor a Directiva n.º 75/442/CEE,

do Conselho, de 15 de Julho15 (Directiva 75/442/CEE) – o primeiro acto legislativo

comunitário dedicado à gestão (ainda que dando especial ênfase à eliminação) de

resíduos.

A Directiva 75/442/CEE vigorou durante mais de 30 anos, tendo, nesse período, sido

alterada pelas Directivas n.ºs 91/156/CEE, do Conselho, de 18 de Março de 199116

(Directiva 91/156/CEE), e 91/692/CEE, do Conselho, de 23 de Dezembro de 199117 –

transpostas para a ordem jurídica interna pelo Decreto-Lei n.º 310/95, de 20 de

Novembro18, revisto, pouco depois, pelo Decreto-Lei n.º 239/97, de 9 de Setembro19 –,

pela Decisão n.º 96/350/CE, da Comissão, de 24 de Maio20, e pelo Regulamento (CE) n.º

1882/2003, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Setembro21, até à respectiva

revogação pela Directiva n.º 2006/12/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de

Abril22 (Directiva 2006/12/CE), transposta para o ordenamento interno pelo Decreto-Lei

n.º 178/2006, de 5 de Setembro.

A Directiva 2006/12/CE foi, por sua vez, revogada pela Directiva n.º 2008/98/CE, do

Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Novembro23 (Directiva 2008/98/CE), a qual

14 DR n.º 271/1985, Série I, de 25-11-1985, pp. 3905-3907, disponível em

https://dre.pt/application/conteudo/170315.

15 Jornal Oficial (JO) L 194, de 25-07-1975, pp. 39-41 – edição especial portuguesa in Capítulo 15,

Fascículo 001, pp. 129-131, disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/1975/442/oj.

16 JO L 78, de 26-03-1991, pp. 32-37, disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/1991/156/oj.

17 JO L 377, de 31-12-1991, pp. 48-54, disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/1991/692/oj.

18 DR n.º 268/1995, Série I-A, de 20-11-1995, pp. 7120-7124, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/310/1995/11/20/p/dre/pt/html.

19 DR n.º 208/1997, Série I-A, de 09-09-1997, pp. 4775-4780, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/239/1997/09/09/p/dre/pt/html.

20 JO L 135, de 06-06-1996, pp. 32-34, disponível em http://data.europa.eu/eli/dec/1996/350/oj.

21 JO L 284, de 31-10-2003, pp. 1-53, disponível em http://data.europa.eu/eli/reg/2003/1882/oj.

22 JO L 114, de 27-04-2006, pp. 9-21, disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/2006/12/oj.

23 JO L 312, de 22-11-2008, p. 3-30, disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/2008/98/oj.

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foi objecto de transposição, em Portugal, pelo Decreto-Lei 73/2011, e alterada,

posteriormente, pelo Regulamento (UE) n.º 1357/2014, da Comissão, de 18 de

Dezembro24 (Regulamento 1357/2014), pela Directiva (UE) n.º 2015/1127, da Comissão,

de 10 de Julho25, pelo Regulamento (UE) n.º 2017/997, do Conselho, de 8 de Junho26, e,

por fim, pela Directiva (UE) n.º 2018/851, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30

de Maio27 (Directiva 2018/851).

Verifica-se, desta feita, que o actual RGGR, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2006, de

5 de Setembro, deve, hoje, ser analisado, essencialmente, à luz do disposto na Directiva

2008/98/CE, transposta para o nosso ordenamento jurídico interno através do Decreto-

Lei 73/2011.

2. Âmbito de aplicação do RGGR

Para efeitos da determinação do âmbito de aplicação do RGGR, importa focar a atenção,

desde logo, nos artigos 1.º (objecto) e 2.º (âmbito de aplicação) deste Regime, e, uma vez

que o RGGR opera a transposição da Directiva 2008/98/CE para o ordenamento jurídico

português, nos artigos 1.º (objecto e âmbito de aplicação) e 2.º (exclusões do âmbito de

aplicação) desta Directiva, os quais cuidam do âmbito de aplicação objectivo: por um

lado, o positivo, definido nos artigos 1.º e 2.º, n.º 1, do RGGR e 1.º da Directiva

2008/98/CE, e, por outro, o negativo, identificado nos artigos 2.º, n.ºs 2 e 3, do RGGR e

2.º da Directiva identificada. Já no que respeita ao âmbito de aplicação subjectivo, e não

se encontrando o mesmo expressamente delimitado no RGGR – nem na Directiva

2008/98/CE –, o mesmo terá de ser extraído dos diversos normativos esparsos por aquele

diploma.

24 JO L 365, de 19-12-2014, pp. 89-96, disponível em http://data.europa.eu/eli/reg/2014/1357/oj.

25 JO L 184, de 11-07-2015, pp. 13-15, disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/2015/1127/oj.

26 JO L 150, de 14-06-2017, pp. 1-4, disponível em http://data.europa.eu/eli/reg/2017/997/oj.

27 JO L 150, de 14-06-2018, pp. 109-140, disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/2018/851/oj.

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2.1. Âmbito de aplicação objectivo positivo do RGGR

No artigo 2.º, n.º 1, do RGGR – e de uma forma que, em substância, reflecte o plasmado

no artigo 1.º da Directiva 2008/98/CE –, estabelece-se que este Regime “é aplicável às

operações de gestão de resíduos destinadas a prevenir ou reduzir a produção de resíduos,

o seu carácter nocivo e os impactes adversos decorrentes da sua produção e gestão, bem

como a diminuição dos impactes associados à utilização dos recursos, de forma a

melhorar a eficiência da sua utilização e a protecção do ambiente e da saúde humana”. E,

de certa forma, sintetizando e, simultaneamente, clarificando, o disposto neste normativo,

estabelece-se, no artigo 1.º do RGGR, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei

73/2011, que o RGGR constitui “o regime geral aplicável à prevenção, produção e gestão

de resíduos”.

Na versão inicial deste último artigo, apenas era feita menção à gestão de resíduos.

Todavia, através da Directiva 2008/98/CE, foi assinalada a necessidade de introduzir uma

abordagem que tivesse em conta todo o ciclo de vida dos produtos e materiais, e não

apenas a fase ‘resíduos’28 dos mesmos, nem apenas as substâncias e os objectos

abrangidos pela noção de ‘resíduos’, daí decorrendo, desde logo, a inclusão expressa da

prevenção e da produção de resíduos no âmbito de aplicação daquele diploma, e, com um

maior grau de concretização, a definição e consequente clarificação do âmbito do conceito

de ‘prevenção’29, a priorização máxima da prevenção de resíduos no seio do princípio

geral da hierarquia dos resíduos30, o reforço das medidas a serem tomadas e das

disposições em matéria de prevenção de resíduos31 – nomeadamente, medidas para

assegurar a sujeição ao regime da responsabilidade alargada do produtor do produto e

para incentivar a concepção ecológica de produtos32 –, a dissociação do crescimento

económico dos impactes ambientais relacionados com a produção de resíduos33, a

introdução da exigência de que os Estados-Membros elaborassem programas de

prevenção de resíduos que incidissem sobre os principais impactes ambientais e tivessem

28 Cfr. considerando 8, primeiro período, da Directiva 2008/98/CE.

29 Cfr. considerando 18 e artigo 3.º, n.º 12, da Directiva 2008/98/CE.

30 Cfr. considerando 7 e artigo 4.º, n.º 1, alínea a), da Directiva 2008/98/CE.

31 Cfr. considerandos 8, primeiro período, e 40, primeiro período, da Directiva 2008/98/CE.

32 Cfr. considerando 27 e artigo 8.º, n.ºs 1 e 2, da Directiva 2008/98/CE.

33 Cfr. considerando 40, segundo período, da Directiva 2008/98/CE.

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em conta todo o ciclo de vida dos produtos e dos materiais34, o incentivo à utilização dos

instrumentos económicos com vista à consecução dos objectivos de prevenção e de gestão

de resíduos35, e a adopção de medidas de controlo dos resíduos perigosos, incluindo no

momento da produção dos mesmos36.

A alteração do paradigma da legislação em matéria de resíduos foi ainda mais acentuada

com a recente alteração da Directiva 2008/98/CE pela Directiva 2018/851, motivada pela

assumida necessidade de “[melhorar e transformar] a gestão de resíduos na União […]

em gestão sustentável dos materiais, a fim de proteger, preservar e melhorar a qualidade

do ambiente, proteger a saúde humana, assegurar uma utilização prudente, eficiente e

racional dos recursos naturais, promover os princípios da economia circular, reforçar a

utilização da energia renovável, aumentar a eficiência energética, reduzir a dependência

da União de recursos importados, proporcionar novas oportunidades económicas e

contribuir para a competitividade a longo prazo”, e, em especial, de “tomar medidas

adicionais em matéria de produção e consumo sustentáveis centradas em todo o ciclo de

vida dos produtos de modo a preservar os recursos e fechar o ciclo [e de tornar a economia

verdadeiramente circular]”37.

Verifica-se, assim, que a Directiva 2008/98/CE se encontra, hoje, orientada, já não

unicamente, para a gestão de resíduos, mas, sobretudo, para a gestão sustentável dos

materiais, que abrange, por um lado, resíduos, mas, também, produtos que não constituem

resíduos, e, por outro, a gestão de resíduos, mas, também, a prevenção e a produção

destes.

É certo que, não tendo, ainda, a Directiva 2018/851 sido transposta para o nosso

ordenamento interno, nem transcorrido o prazo para o efeito, a delimitação do âmbito de

aplicação do RGGR deverá ser efectuada com base na sua redacção em vigor à presente

data. Contudo, a recente alteração da Directiva 2008/98/CE não deixará de ser tida em

devida conta, na medida em que, não só deverá ser incorporada, no RGGR, até 5 de Julho

de 202038, como, permite compreender o sentido da evolução do pensamento do

34 Cfr. considerando 40, primeiro período, e artigo 29.º da Directiva 2008/98/CE.

35 Cfr. considerando 42 da Directiva 2008/98/CE.

36 Cfr. artigos 17.º, 34.º, n.º 1, e 35.º, n.ºs 1 e 2, da Directiva 2008/98/CE.

37 Cfr. considerando 1 da Directiva 2018/851.

38 Cfr. artigo 2.º, n.º 1, da Directiva 2018/851.

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legislador nesta matéria e, simultaneamente, do espírito que presidiu à redacção de

algumas das disposições já positivadas naquele Regime.

Desta feita, o âmbito de aplicação objectivo positivo do RGGR reconduz-se, actualmente,

de uma parte, à prevenção, à produção e à gestão de resíduos, que são, em suma,

actividades, corporizadas em comportamentos ou operações, e, de outra, a resíduos e a

produtos que não são resíduos, os quais consubstanciam, essencialmente, coisas

materiais, com existência física.

2.1.1. Produtos que não consubstanciam resíduos

Os produtos podem ser qualificados como resíduos, quando, tendo em conta a definição

de ‘resíduos’, constante do artigo 3.º, alínea ee), do RGGR, deles o respectivo detentor se

desfaça ou tenha a intenção ou a obrigação de se desfazer. Nessa circunstância, deverão,

por questões de clareza, ser apelidados de ‘resíduos’, reservando-se o termo ‘produtos’

(stricto sensu) para designar as coisas que (ainda ou já) não assumam a natureza de

‘resíduos’, e que, por isso, são o objecto principal das disposições em matéria de

prevenção de resíduos.

Neste sentido, vejam-se, designadamente, os conceitos de ‘prevenção de resíduos’39, de

‘produtor do produtor gerador dos resíduos’40, de ‘reutilização’41, e de ‘reciclagem’42, dos

quais resulta uma distinção entre os produtos (lato sensu) consoante a fase do ciclo de

vida dos mesmos – fases ‘pré-resíduos’, ‘resíduos’ ou ‘pós-resíduos’.

O termo ‘produto’ é, assim, utilizado, no RGGR, com o sentido de “qualquer material

resultante de um processo produtivo”43 e do qual o respectivo detentor não se desfaz, nem

tem a intenção ou a obrigação de se desfazer.

39 Cfr. artigo 3.º, alínea x), do RGGR.

40 Cfr. artigo 3.º, alínea aa), do RGGR.

41 Cfr. artigo 3.º, alínea nn), do RGGR.

42 Cfr. artigo 3.º, alínea bb), do RGGR.

43 Adaptado da definição proposta pela COMISSÃO EUROPEIA em Guidance on the interpretation of key

provisions of Directive 2008/98/EC on waste, 2012, disponível em

http://ec.europa.eu/environment/waste/framework/pdf/guidance_doc.pdf, p. 15.

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O RGGR é aplicável aos produtos, por exemplo, no domínio das obrigações de registo,

na plataforma do Sistema Integrado de Registo Electrónico de Resíduos (SIRER), da

informação relativa aos produtos colocados no mercado44, de promoção de alterações na

concepção dos produtos, de modo a assegurar a aplicação do princípio da protecção da

saúde humana e do ambiente, no âmbito da responsabilidade alargada do produtor do

produto45, ou de responder pela gestão dos resíduos e os respectivos custos46.

Na sua vertente de ‘não-resíduos’, os produtos podem, ainda, ser qualificados como

‘subprodutos’, quando “[resultem] de um processo produtivo cujo principal objectivo não

seja a sua produção”, e desde que: (a) exista a certeza da sua posterior utilização; (b)

possam ser utilizados directamente, sem qualquer outro processamento que não seja o da

prática industrial normal; (c) a sua produção seja parte integrante de um processo

produtivo; e (d) cumpram os requisitos relevantes como produtos em matéria ambiental

e de protecção da saúde e não acarretem impactes globalmente adversos do ponto de vista

ambiental ou da saúde humana, face à posterior utilização específica47. Neste caso, os

produtos são qualificáveis como subprodutos devido ao facto de não serem produzidos

deliberadamente, e não são considerados resíduos em virtude de, desde logo, existir a

certeza da sua posterior utilização.

O RGGR é aplicável aos subprodutos, essencialmente, para efeitos da consideração e

classificação dos mesmos enquanto tal48, sendo que, após essa classificação, e quanto ao

mais, estes deverão ser regulados pela legislação aplicável às mercadorias.

Por fim, os resíduos podem deixar de o ser e voltar a ser produtos, na sequência da

aplicação, aos mesmos, do ‘fim do estatuto de resíduo’, o que ocorre quando, após terem

sido submetidos a uma operação de valorização, se verifique que satisfazem critérios

específicos, determinados ao nível comunitário ou nacional, e que oferecem um elevado

nível de protecção do ambiente, bem como benefícios ambientais e económicos49.

44 Cfr. artigo 49.º, n.º 2, do RGGR.

45 Cfr. artigo 10.º-A do RGGR.

46 Cfr. artigo 5.º, n.º 1, do RGGR.

47 Cfr. artigo 44.º-A, n.º 1, do RGGR.

48 Cfr. artigos 44.º-A e 59.º-A do RGGR.

49 Cfr. artigos 44.º-B do RGGR e considerando 22, segundo travessão, da Directiva 2008/98/CE.

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Neste caso, o RGGR aplica-se-lhes, essencialmente, enquanto diploma que estabelece as

condições da aplicação do fim do seu estatuto de resíduo50.

Assim, o âmbito de aplicação objectivo positivo do RGGR abarca os subprodutos e os

resíduos a que tenha sido atribuído o fim desse estatuto, determinando o emprego, a estes,

das normas de delimitação negativa do conceito de ‘resíduos’ contidas naquele diploma

(artigos 44.º-A e 44.º-B), e, em todo o caso, os produtos que não consubstanciem resíduos

(entre os quais os próprios subprodutos classificados como tal e os resíduos a que tenha

sido atribuído o fim desse estatuto), aplicando-se-lhes, em primeira linha, os normativos

sobre a prevenção de resíduos, mas, também, os que estatuem obrigações específicas no

âmbito da gestão de resíduos.

2.1.2. Resíduos

O conceito de ‘resíduos’ encontra-se, actualmente, definido, nos artigos 3.º, alínea ee), do

RGGR e 3.º, n.º 1, da Directiva 2008/98/CE, como o termo utilizado para referir

“quaisquer substâncias ou objectos de que o detentor se desfaz ou tem intenção ou

obrigação de se desfazer”.

Esta definição de ‘resíduos’ foi originariamente introduzida, no contexto comunitário, na

Directiva 75/442/CEE51, a qual foi aprovada nos começos da designada “era ecológica”52

– época iniciada nos finais dos anos 60 do século XX, após a sucessão de uma série de

desastres ambientais graves que obrigaram à percepção do ambiente como bem carecido

de especial protecção53 – e, no que, à gestão de resíduos, diz, concretamente, respeito,

50 Cfr. artigo 44.º-B do RGGR.

51 Cfr. artigo 1.º, alínea a).

52 ALEXANDRE KISS, “Un droit à l’environnement, un droit fondamental dans l’Union européenne”,

in Revue Européenne de Droit de l’Environnement, N.º 4, 2001, pp. 381 e 382, disponível em

https://doi.org/10.3406/reden.2001.1438, p. 381.

53 Como O Grande Nevoeiro de Londres, de Dezembro de 1952 – cfr. FID BACKHOUSE et al., “The Great

Smog of London”, in Encyclopædia Britannica [em linha], 28 Nov. 2018, disponível em

https://www.britannica.com/event/Great-Smog-of-London –; o Acidente Nuclear de Windscale, de 8 de

Outubro de 1957 – cfr. THE EDITORS OF ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, “Windscale fire”, in Encyclopædia

Britannica [em linha], 01 Out. 2018, disponível em https://www.britannica.com/event/Windscale-fire –; ou

o Naufrágio do Petroleiro Torrey Canyon, ocorrido em 18 de Março de 1967, no Canal da Mancha – cfr.

BETHAN BELL e MARIO CACCIOTTOLO, “Torrey Canyon oil spill: The day the sea turned black”, in BBC

News [em linha], 17 Mar. 2017, disponível em https://www.bbc.com/news/uk-england-39223308.

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num período marcado por um forte debate público em torno do “problema dos resíduos

sólidos”, que chamou a atenção, designadamente, para a necessidade de reduzir a

quantidade e o volume dos resíduos produzidos e de reciclá-los54, bem como de encontrar

alternativas à incineração de resíduos55, às lixeiras a-céu-aberto56 e à deposição de

resíduos em aterros57.

Com a criação da identificada Directiva, pretendeu-se, acima de tudo, concretizar dois

grandes objectivos: por um lado, salvaguardar a concorrência e o regular funcionamento

do mercado comum58, e, por outro, proteger a saúde humana e o ambiente59. Para a

prossecução de tais objectivos, o legislador comunitário apontou dois principais

caminhos: para a salvaguarda da concorrência e do regular funcionamento do mercado

54 Cfr. ROYAL COMMISSION ON ENVIRONMENTAL POLLUTION, First Report of the Royal Commission on

Environmental Pollution, Londres, reimpressão de 1973, disponível em

https://webarchive.nationalarchives.gov.uk/20110322143936/http://www.rcep.org.uk/reports/01-

first%20report/1971-01firstreport.pdf, pp. 13 e 14, §§ 42 e 43.

55 O reconhecimento dos resíduos como potencial fonte de energia de baixo-custo, em virtude das suas

propriedades combustíveis, levou, nos finais do século XIX, à construção de diversas instalações

municipais de incineração. O número dessas instalações aumentou rapidamente, ascendendo, no início do

século XX, a 300 no Reino Unido e 300 nos Estados Unidos da América (EUA). Todavia, dada a dificuldade

e os elevados custos da manutenção deste tipo de instalações, bem como a maior “facilidade” inerente à

deposição dos resíduos em lixeiras e a centralização da deposição em aterros, a incineração começou a ser

cada vez menos utilizada, em detrimento daquelas formas de eliminação de resíduos. – Cfr. PAUL T.

WILLIAMS, Waste Treatment and Disposal, 2.ª ed., Inglaterra, John Wiley & Sons, Ltd., 2005, pp. 2 e 3.

Na República Federal da Alemanha, após a crise da energia de 1973, a incineração de resíduos foi utilizada

como importante forma de produção de energia, uma vez que permitia poupar nos combustíveis primários

mais caros. Contudo, a criação de instalações de incineração de resíduos foi, também, recebendo cada vez

mais oposição por parte das populações, e, em muitos casos, prejudicada pela instauração de procedimentos

judiciais contra o licenciamento de tais instalações. – Cfr. HELMUT SCHNURER, “German Waste

Legislation and Sustainable Development: Development of waste legislation in Germany towards a

sustainable closed substance cycle”, 2002, disponível em https://www.bmu.de/fileadmin/bmu-

import/files/pdfs/allgemein/application/pdf/entwicklung_abfallrecht_uk.pdf, p. 3.

56 As lixeiras a-céu-aberto consubstanciavam, em regra, uma fonte de perigo para a saúde pública e para o

ambiente, dado que atraíam animais daninhos, como ratos e insectos, provocavam odores nauseabundos,

contaminavam as águas subterrâneas e emitiam gases para a atmosfera. – Cfr. PAUL T. WILLIAMS, Waste

Treatment…, p. 3.

57 Nos EUA, a reciclagem, a reutilização e a recuperação dos resíduos começaram a ser encaradas como

alternativas importantes à deposição em aterros, dados, por um lado, a cada vez menor quantidade de locais

disponíveis para a implantação dos aterros, e, por outro, o facto de aquelas alternativas permitirem

conservar recursos e reduzir os níveis de poluição. – Cfr. MARTIN V. MELOSI, Garbage in the Cities:

Refuse, Reform and the Environment, ed. revista, Pittsburg, University of Pittsburg Press, 2005, p. 190.

No Reino Unido, por seu turno, e embora não se pensasse propriamente em alternativas à deposição de

resíduos em aterros, foram adoptadas medidas para um controlo mais apertado das actividades de

eliminação de resíduos, incluindo em aterros. – Cfr. RICHARD P. BEAVEN, The hydrogeological and

geotechnical properties of household waste in relation to sustainable landfilling, Jan. 2000, disponível

em https://core.ac.uk/download/pdf/30695817.pdf, pp. 38 e 39.

58 Cfr. considerandos primeiro e sexto da Directiva 75/442/CEE.

59 Cfr. considerando terceiro e artigo 4.º da Directiva 75/442/CEE.

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comum, seria necessário harmonizar as disposições dos Estados-membros aplicáveis à

eliminação de resíduos60, nomeadamente, através da incorporação, nos ordenamentos

nacionais, de princípios e de definições comuns, como as de ‘resíduo’ e de ‘eliminação’61;

por seu turno, a protecção da saúde humana e do ambiente demandava a criação, ao nível

nacional, de autoridades encarregues da planificação, organização, autorização e

fiscalização das operações de eliminação dos resíduos62, a obrigação de obtenção, diante

desta autoridade, e por parte de qualquer estabelecimento ou empresa que procedesse ao

tratamento, armazenamento ou depósito de resíduos por conta de outrem, de uma

autorização administrativa para o efeito63, bem como a adopção, pelos Estados-Membros,

das medidas necessárias para que qualquer detentor de resíduos os remetesse a um

colector ou a uma empresa de eliminação, ou que procedesse, ele próprio, a tal operação,

em condições que não fizessem perigar a saúde humana nem prejudicassem o ambiente,

de acordo com as medidas tomadas, ao nível nacional, em cumprimento do disposto no

artigo 4.º da Directiva64.

No contexto normativo da adopção da Directiva 75/442/CEE, encontravam-se, por um

lado, o primeiro Programa de Acção das Comunidades Europeias em Matéria de

Ambiente, de 197365 (PACEMA) – que, juntamente com a Convenção de Paris de 197266,

consubstanciou a base das primeiras políticas ambientais europeias, e, a propósito das

acções relativas aos resíduos e desperdícios67, veio realçar a necessidade de encontrar

soluções comuns para a eliminação de resíduos industriais e de desperdícios do consumo,

a fim de assegurar o bom funcionamento do mercado comum e do comércio

60 Cfr. considerandos primeiro e sexto da Directiva 75/442/CEE.

61 Cfr. artigo 1.º da Directiva 75/442/CEE.

62 Cfr. considerando sétimo e artigos 5.º, 6.º, 9.º e 10.º da Directiva 75/442/CEE.

63 Cfr. artigo 8.º da Directiva 75/442/CEE.

64 Cfr. artigo 7.º da Directiva 75/442/CEE.

65 Publicado em anexo à Declaração do Conselho das Comunidades Europeias e dos representantes

dos governos dos Estados-membros reunidos no Conselho, de 22 de Novembro de 1973, relativa a um

Programa de acção das Comunidades Europeias em matéria de ambiente, no JO C 112, de 20-12-1973,

Capítulo 15, Fascículo 01, pp. 7-59, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-

content/EN/TXT/?uri=uriserv:OJ.C_.1973.112.01.0001.01.ENG&toc=OJ:C:1973:112:TOC.

66 Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural, de 16 de Novembro de 1972,

disponível em https://whc.unesco.org/archive/convention-pt.pdf.

67 Cfr. Capítulo 7 do PACEMA.

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internacional68, nomeadamente, através da incorporação de definições comuns nos

ordenamentos jurídicos nacionais –, e, por outro, dois diplomas normativos precursores,

de dois Estados-Membros da, então, CEE, que, ao seu modo, criaram uma primeira

disciplina da gestão de resíduos com preocupações marcadamente ambientais69: a Lei da

Eliminação de Resíduos (Abfallbeseitigungsgesetz) de 197270 (LER 1972), da República

Federal da Alemanha, e a Lei do Controlo da Poluição (Control of Pollution Act) de

197471 (LCP), do Reino Unido.

A LER 1972 alemã, aprovada na esteira do progressista Programa para a Protecção do

Ambiente de 1971 – o qual estabeleceu como traves-mestras da política ambiental os

princípios da precaução, da cooperação e do poluidor-pagador72, e enfatizou a

necessidade de passar para a esfera federal muitas das tarefas e responsabilidades que, até

então, se encontravam atribuídas aos municípios73 – e após a emenda constitucional de

1972 – que concedeu competência ao Governo Federal para legislar sobre, entre outras

matérias, a gestão de resíduos74 –, foi o primeiro acto normativo federal germânico

dedicado à eliminação de resíduos, e destacou-se, essencialmente, por ter passado a exigir

o tratamento controlado e regulado dos resíduos em aterros sanitários centralizados75. No

68 Cfr. PACEMA, p. 34.

69 Os anteriores diplomas sobre os resíduos haviam sido motivados, essencialmente, por preocupações com

a saúde pública, e não com o ambiente. Era o caso das britânicas Lei de Richard II de 1388 e Lei da Saúde

Pública (Public Health Act) de 1848.

70 Bundesgesetzblatt, Parte I, N.º 49/1972, de 10-06-1972, pp. 873-880, disponível em

http://www.bgbl.de/xaver/bgbl/start.xav?startbk=Bundesanzeiger_BGBl&jumpTo=bgbl172s0873.pdf.

71 The National Archives, 1974, Capítulo 40, disponível em

https://www.legislation.gov.uk/ukpga/1974/40/pdfs/ukpga_19740040_en.pdf.

72 Cfr. HELMUT WEIDNER, “25 Years of Modern Environmental Policy in Germany. Treading a Well-

Worn Path to the Top of the International Field”, Discussion Paper FS II 95-301, Wissenschaftszentrum

Berlin für Sozialforschung, 1995, disponível em

https://www.econstor.eu/obitstream/10419/48980/1/189347120.pdf, pp. 5 e 6.

73 Cfr. LILO FISCHER e ULRICH PETSCHOW, “Municipal waste management in Germany”, in Nicolas

Buclet e Olivier Godard (eds.), Municipal Waste Management in Europe – A Comparative Study in Building

Regimes, Kluwer Academic Publishers, 2000, pp. 5-62, pp. 6 e 11.

74 Cfr. HELMUT WEIDNER, “25 Years of Modern Environmental Policy in Germany…”, pp. 3 e 4.

75 Cfr. HELMUT SCHNURER, “German Waste Legislation and Sustainable Development…”, p. 3, e LILO

FISCHER e ULRICH PETSCHOW, “Municipal waste management…”, p. 7. O principal objectivo desta Lei

era substituir a maior parte das cerca de 50.000 lixeiras ilegais existentes na República Federal da

Alemanha, onde eram depositados resíduos domésticos e comerciais a céu aberto e de forma não-

controlada, por aterros devidamente regulados. – Cfr. HELMUT SCHNURER, “German Waste Legislation

and Sustainable Development…”, p. 3, e LILO FISCHER e ULRICH PETSCHOW, “Municipal waste

management in Germany”, p. 9. De acordo com um relatório do Ministério do Interior alemão, de 1971,

apenas 130 daquelas 50.000 lixeiras reuniam as condições adequadas para funcionamento. – Cfr. GÜNTER

WITZSCH, “La protection de l’environnement en Allemagne Fédérale”, in Revue Juridique de

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âmbito deste diploma, consideravam-se ‘resíduos’ as coisas móveis de que o proprietário

pretendesse desfazer-se – conceito subjectivo de ‘resíduos’ – ou devesse desfazer-se

adequadamente a fim de assegurar o bem-estar geral – conceito objectivo de ‘resíduos’76.

A LCP britânica, por sua vez, foi aprovada na sequência da publicação, no início da

década de 1970, de alguns relatórios que, entre outros, colocaram, na lista de acções

prioritárias a desenvolver pelo Governo britânico, a criação de mecanismos de controlo

das instalações e das actividades de eliminação de resíduos77. A definição de ‘resíduo’

adoptada nesta Lei abrangia, por um lado, qualquer substância que constituísse um

material residual ou um efluente ou outra substância excedente derivados da aplicação de

qualquer processo, e, por outro, qualquer substância ou objecto que devesse ser

descartado, em virtude de se encontrar partido, gasto, contaminado ou, de qualquer forma,

estragado ou inutilizável78 – conceito objectivo de ‘resíduo’. Para além disso, estabelecia-

se, neste diploma, uma presunção, ilidível, de que se haveria de ter como ‘resíduo’

qualquer coisa que fosse descartada ou, de qualquer forma, tratada como resíduo79 –

conceito subjectivo de ‘resíduo’.

Na sua Proposta que precedeu a aprovação da Directiva 75/442/CEE, apresentada ao

Conselho em 17 de Setembro de 197480, a Comissão traçou uma definição de ‘resíduo’

que, parecendo reunir os elementos centrais das definições adoptadas na LER 1972 alemã

e na LCP britânica, abrangia “qualquer resíduo resultante de um processo de produção ou

l’Environnement, N.º 3, 1977, pp. 281-292, disponível em https://doi.org/10.3406/rjenv.1977.1248, pp. 287

e 288.

76 Cfr. artigo 1.º, parágrafo (1), da LER 1972.

77 Foi o caso, por exemplo, do Key Report – Report of the Technical Committee on the Disposal of Toxic

Waste de 1970, da autoria do Comité Key (Key Committee), estabelecido em 1964, após a morte de gado

vacum, algumas ovelhas e um foxhound, na sequência de um vazamento de fluoroacetamida a partir de uma

fábrica de pesticidas – Cfr. HANSARD, Hazardous Waste Disposal: Select Committee Report, House of

Lords Debate, 17 Nov. 1981, Vol. 425, disponível em https://api.parliament.uk/historic-

hansard/lords/1981/nov/17/hazardous-waste-disposal-select, p. 440 –; e do First Report of the Royal

Commission on Environmental Pollution de 1971, elaborado pela Royal Commission on Environmental

Pollution, criada em 1970, com o intuito de aconselhar em matérias relacionadas com a poluição do

ambiente e os possíveis perigos para este – Cfr. ROYAL COMMISSION ON ENVIRONMENTAL POLLUTION,

First Report…, p. 1.

78 Cfr. artigo 30.º, n.º 1, 8.ª definição, da LCP.

79 Cfr. artigo 30.º, n.º 1, 8.ª definição, última parte, da LCP.

80 JO C 142, de 16-11-1974, pp. 6 e 7, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-

content/EN/TXT/?uri=uriserv:OJ.C_.1974.142.01.0006.01.ENG&toc=OJ:C:1974:142:TOC.

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utilização, e, de um modo geral, qualquer coisa móvel de que o proprietário [quisesse] ou

[fosse] obrigado a desfazer-se ou que [tivesse] sido abandonado”81.

No conceito de ‘resíduo’ constante do texto final da Directiva 75/442/CEE, o Conselho

acabou, no entanto, por fazer recair “qualquer substância ou objecto de que o detentor se

[desfizesse] ou [tivesse] a obrigação de se desfazer”, omitindo, assim, o elemento volitivo

da definição, correspondente à intenção de o proprietário se desfazer do objecto.

Assim, e apesar de, com a definição adoptada, o legislador comunitário ter, por um lado,

ampliado o conceito de ‘resíduo’ de modo a fazê-lo abarcar (i) qualquer objecto ou

substância meramente possuído por – e não necessariamente propriedade de – quem dele

se desfizesse ou tivesse a obrigação de se desfazer, e (ii) qualquer objecto ou substância

de que o detentor se desfizesse, por qualquer forma, e não apenas por via do abandono,

acabou, por outro lado, por restringir o mesmo conceito aos objectos e substâncias de que

o detentor efectivamente se desfizesse ou tivesse a obrigação de se desfazer, excluindo

aqueles de que o detentor tivesse, unicamente, a intenção de desfazer-se.

A intenção do respectivo detentor de se desfazer de um objecto ou substância, para efeitos

da qualificação jurídica do mesmo como resíduo, foi, posteriormente, incluída na noção

legal de ‘resíduo’ constante da Directiva 75/442/CEE, por força da alteração operada pela

Directiva 91/156/CEE, na sequência da qual passaram a ser definidos como resíduos

“quaisquer substâncias ou objectos abrangidos pelas categorias fixadas no anexo I [da

Directiva 75/442/CEE] de que o detentor se [desfizesse] ou [tivesse] a intenção ou a

obrigação de se desfazer”82.

O referido anexo I, introduzido na Directiva 75/442/CEE pela Directiva 91/156/CEE83,

elencava dezasseis categorias de resíduos; todavia, por via da categoria aberta e residual

‘Q16’, que integrava qualquer substância, matéria ou produto que não estivesse abrangido

pelas categorias Q1 a Q15 do mesmo anexo, acabava por se traduzir numa listagem

81 Cfr. artigo 1.º, primeiro travessão, da Proposta.

82 Cfr. artigo 1.º, alínea a), da Directiva 75/442/CEE, com as alterações introduzidas pela Directiva

91/156/CEE.

83 Esta alteração terá sido motivada pela necessidade sentida de “dispor de uma terminologia comum e de

uma definição de resíduos”, por forma a “tornar mais eficaz a gestão dos resíduos no âmbito da

Comunidade” – cfr. terceiro considerando da Directiva n.º 91/156/CEE.

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meramente orientadora e exemplificativa de categorias de substâncias, matérias ou

produtos que poderiam ser abarcados no conceito de ‘resíduo’84.

Da mesma forma, o Catálogo Europeu de Resíduos85 (CER), que pormenorizava os

resíduos reconduzíveis às categorias constantes daquele anexo I da Directiva, assim como

a Lista Europeia de Resíduos (LER), referida, actualmente, no artigo 7.º da Directiva

2008/98/CE, e que veio substituir o CER – por força da aprovação da Decisão n.º

2000/532/CE, da Comissão, de 3 de Maio86, que revogou a Decisão n.º 94/3/CE87, e foi,

por sua vez, alterada pela Decisão n.º 2014/955/UE, da Comissão, de 18 de Dezembro88

–, tendo carácter não-exaustivo89, e, simultaneamente, não assegurando, pela mera

referência de qualquer matéria, substância ou objecto, a qualificação do mesmo como

84 Frisando o carácter meramente indicativo do anexo I da Directiva 75/442/CEE, cfr., designadamente, os

Acórdãos do TJUE de 18 de Abril de 2002, Palin Granit, processo C-9/00, disponível em https://eur-

lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:62000CJ0009, n.º 22, de 7 de Setembro de 2004, Paul

Van de Walle, processo C-1/03, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-

content/PT/TXT/?uri=CELEX:62003CJ0001, n.º 42, de 10 de Maio de 2007, Thames Water Utilities,

processo C-252/05, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-

content/PT/TXT/?uri=CELEX:62005CJ0252, n.º 24, de 18 de Dezembro de 2007, Comissão c. Itália,

processo C-194/05, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-

content/PT/TXT/?uri=CELEX:62005CJ0194, n.º 32, de 24 de Junho de 2008, Commune de Mesquer,

processo C-188/07, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-

content/PT/TXT/?uri=CELEX:62007CJ0188, n.º 53, de 29 de Outubro de 2009, Comissão c. Irlanda,

processo C-188/08, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-

content/PT/TXT/?uri=CELEX:62008CJ0188, n.º 33, de 3 de Outubro de 2013, Donal Brady, processo C-

113/12, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:62012CJ0113, n.º 36,

de 12 de Dezembro de 2013, Shell Nederland, processos apensos C-241/12 e C-242/12, disponível em

https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:62012CJ0241, n.º 35, e de 14 de Março de

2019, Comissão c. República Checa, processo C-399/17, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-

content/PT/TXT/?uri=CELEX:62017CJ0399, n.º 56.

85 Constante da Decisão n.º 94/3/CE, da Comissão, de 20 de Dezembro de 1993 – JO L 005, de 07-01-1994,

pp. 15-33, disponível em http://data.europa.eu/eli/dec/1994/3(1)/oj. Este catálogo, tendo “por objectivo

melhorar a eficácia das diversas actividades de gestão de resíduos”, pretendia ser “uma nomenclatura de

referência, capaz de fornecer uma terminologia comum válida em toda a Comunidade” – cfr. ponto 5 da

nota introdutória ao CER.

86 JO L 226, de 06-09-2000, pp. 3-24, disponível em http://data.europa.eu/eli/dec/2000/532/oj.

87 Identificada na nota de rodapé 72.

88 JO L 370, de 30-12-2014, pp. 44-86, disponível em http://data.europa.eu/eli/dec/2014/955/oj.

89 Cfr., no âmbito do CER, o ponto 3, primeiro parágrafo, da nota introdutória, e, no domínio da LER, os

resíduos identificados com os códigos terminados em ‘99’ (“resíduos sem outras especificações”).

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resíduo90, podem, apenas, neste âmbito, constituir indícios de que a substância ou objecto

em causa tem a natureza de resíduo91.

No âmbito nacional, e para os efeitos do disposto no RGGR, na sua versão originária, a

definição de ‘resíduo’ estava, também, e em substância, construída em termos

equivalentes aos constantes dos actos comunitários supra identificados: “(…) entende-se

por ‘resíduo’ qualquer substância ou objecto de que o detentor se desfaz ou tem a intenção

ou a obrigação de se desfazer, nomeadamente os identificados na [LER] ou ainda os

elencados no artigo 3.º, alínea u) do RGGR.

Assim, o advérbio “nomeadamente”, juntamente com a cláusula aberta e residual contida

na subalínea xvi) da alínea u) do artigo 3.º do do RGGR – quanto a esta, num exacto

decalque da categoria Q16 do anexo I da Directiva 75/442/CEE, com as alterações

introduzidas pela Directiva 91/156/CEE –, atribuíam, também, à segunda parte da

previsão da norma em apreço, um carácter meramente indicativo de objectos ou

substâncias que poderiam ser consideradas resíduos, sendo que a qualificação destes

como resíduos sempre pressuporia que o respectivo detentor deles se desfizesse ou tivesse

a intenção ou a obrigação de se desfazer.

Constata-se, desta feita, que a qualificação jurídica de uma substância ou objecto como

resíduo, já então, era totalmente independente da sua inclusão em qualquer listagem,

estando subordinada, unicamente, ao preenchimento da parte da factispecies da norma

contida no artigo 1.º, alínea a), da Directiva 75/442/CEE, na versão resultante da alteração

operada pela Directiva 91/156/CEE, em que se referiam “quaisquer substâncias ou

objectos […] de que o detentor se [desfizesse] ou [tivesse] a intenção ou a obrigação de

se desfazer”. O que relevava para o preenchimento da transcrita parte da previsão

normativa era, portanto, que se estivesse na presença de um objecto ou substância, e que

o seu detentor dele se desfizesse ou tivesse a intenção ou obrigação de se desfazer.

90 Cfr. ponto 3, segundo parágrafo, da nota introdutória ao CER, ponto 1, segundo e terceiro períodos, da

introdução à LER, e artigo 7.º, n.º 1, terceiro a quinto períodos, da Directiva 2008/98/CE.

91 Contudo, e como referido por ALEXANDRA ARAGÃO, não obstante a “imprestabilidade” do CER para

efeitos da qualificação de uma substância como resíduo, deve reconhecer-se a extrema importância do

mesmo “para a realização de outros objectivos, como o de permitir o controlo da produção e da circulação

intracomunitária de resíduos e, sobretudo, a promoção do meritório fim da estandardização, indispensável

à criação e desenvolvimento de um verdadeiro mercado interno de resíduos valorizáveis” – cfr. O Direito

dos Resíduos, Almedina, 2003, p. 22.

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A clarificação da definição legal de ‘resíduos’ face ao acabado de expor apenas se

verificou, ao nível comunitário, com a aprovação da Directiva 2008/98/CE – e, da mesma

forma, ao nível nacional, com a alteração ao RGGR pelo Decreto-Lei 73/2011, que

transpôs aquela Directiva –, com a qual foi omitida, da mencionada definição, a referência

a qualquer listagem de resíduos ou de categorias de resíduos, mantendo-se, apenas, e até

hoje, na previsão da norma, a parte supra transcrita92.

Em face do exposto, pode observar-se que a qualificação jurídica como resíduo decorre,

por um lado, do facto de se estar na presença de uma substância ou objecto, e, por outro,

e como resulta de jurisprudência constante do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA

(TJUE), do comportamento do detentor e do significado da expressão ‘desfazer-se’93.

Desta feita, e para efeitos da densificação do conceito de ‘resíduo’, cumprirá analisar os

conceitos de ‘substância’ e ‘objecto’ e de ‘detentor de resíduos’, bem como o significado

da expressão ‘desfazer-se’.

Previamente, no entanto, e tendo em conta que aqueles conceitos e expressão integram o

conceito de ‘resíduos’ e que a interpretação deste deve ser feita em conformidade com os

objectivos e princípios que regem a Directiva relativa aos resíduos e a política comunitária

em matéria de resíduos, importa, antes de mais, apontar os seguintes esclarecimentos:

Decorre da jurisprudência do TJUE que o conceito de ‘resíduos’ deve ser interpretado à

luz do principal objectivo da Directiva relativa aos resíduos94, qual seja o da protecção da

92 Cfr. artigos 3.º, n.º 1, da Directiva 2008/98/CE e 3.º, alínea ee), RGGR, na redacção introduzida pelo

Decreto-Lei 73/2011.

93 Cfr. Acórdãos de 18 de Dezembro de 1997, Inter-Environnement Wallonie, processo C-129/96,

disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:61996CJ0129, n.º 26, de 15

de Junho de 2000, ARCO Chemie, processos apensos C-418/97 e C-419/97, disponível em https://eur-

lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:61997CJ0418, n.º 36, Palin Granit, n.º 22, Paul Van de

Walle, n.º 42, de 11 de Novembro de 2004, Antonio Niselli, processo C-457/02, disponível em https://eur-

lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:62002CJ0457, n.º 33, de 8 de Setembro de 2005,

Comissão c. Espanha, processo C-416/02, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-

content/PT/TXT/?uri=CELEX:62002CJ0416, n.º 86, Thames Water Utilities, n.º 24, Comissão c. Itália, n.º

32, Commune de Mesquer, n.º 53, Donal Brady, n.º 38, Shell Nederland, n.º 37, e Comissão c. República

Checa, n.º 58.

94 Cfr. Acórdãos de 12 de Maio de 1987, Ministério Público c. Traen, processos apensos n.ºs 372 a 374/85,

disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:61985CJ0372, n.º 9, de 28 de

Março de 1990, Vessoso e Zanetti, processos apensos C-206/88 e C-207/88, disponível em https://eur-

lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:61988CJ0206, n.º 12, de 5 de Outubro de 1999, Lirussi

e Bizzaro, processos apensos n.ºs C-175/98 e C-177/98, disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-

content/PT/TXT/?uri=CELEX:61998CJ0175, n.º 54, ARCO Chemie, n.º 37, Palin Granit, n.º 23, Paul Van

de Walle, n.º 45, e Antonio Niselli, n.º 33.

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saúde humana e do ambiente95, e, em geral, do objectivo da política da União Europeia

(UE) no domínio do ambiente de atingir um nível de protecção elevado, e dos princípios

da precaução e da acção preventiva em que esta política se baseia, plasmados,

actualmente, no artigo 191.º, n.º 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

(TFUE)96.

Segundo aquele Tribunal, os mencionados objectivos e princípios são concretizados, no

domínio da legislação em matéria de resíduos, através, nomeadamente, da obrigação de

efectuar a gestão de resíduos sem pôr em perigo a saúde humana nem prejudicar o

ambiente97, da proibição do abandono, da descarga e da gestão não-controlada de

resíduos, incluindo a deposição de lixo em espaços públicos98, e da obrigação do produtor

inicial dos resíduos ou de outros detentores de procederem eles próprios ao tratamento

dos resíduos ou confiarem esse tratamento a um comerciante ou a um estabelecimento ou

empresa que execute operações de tratamento de resíduos, ou a um serviço de recolha de

resíduos, público ou privado, nos termos dos artigos 4.º e 13.º da Directiva 2008/98/CE,

sobre, respectivamente, o princípio da hierarquia dos resíduos e o princípio da protecção

da saúde humana e do ambiente99. E, acrescente-se, aqueles objectivos e princípios são,

também, concretizados, em grande medida: pela exigência da obtenção de licença por

parte dos estabelecimentos ou empresas que tencionem proceder ao tratamento de

resíduos100 – sendo que a emissão dessa licença dependerá, designadamente, de a

autoridade competente para o efeito não considerar que o método de tratamento

95 Cfr. considerandos 6, primeiro período, 26, 49, primeiro parágrafo, e artigos 1.º e 13.º da Directiva

2008/98/CE; terceiro considerando e artigo 4.º da Directiva 75/442/CEE, na sua versão originária; artigo

5.º, n.º 2, da Directiva 75/442/CEE, na redacção introduzida pela Directiva 91/156/CEE; e considerando 2

e artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2, da Directiva 2006/12/CE.

96 Cfr. Acórdãos ARCO Chemie, n.º 39, Palin Granit, n.º 23, Paul Van de Walle, n.º 45, e Antonio Niselli,

n.º 33.

97 Cfr. Acórdão Lirussi e Bizzaro, n.º 51. Esta obrigação encontra-se, actualmente, prevista no artigo 13.º

da Directiva 2008/98/CE, correspondente ao artigo 4.º da Directiva 75/442/CEE e ao artigo 4.º da Directiva

2006/12/CE.

98 Cfr. Acórdão Lirussi e Bizzaro, n.º 52. Esta proibição está, hoje, estatuída no artigo 36.º da Directiva

2008/98/CE, correspondente, em substância, ao artigo 4.º, segundo parágrafo, da Directiva 75/442/CEE,

com a alteração operada pela Directiva 91/156/CEE, e ao artigo 4.º, n.º 2, da Directiva 2006/12/CE.

99 Cfr. Acórdão Lirussi e Bizzaro, n.º 52. Esta exigência decorre, presentemente, do artigo 15.º da Directiva

2008/98/CE, correspondente ao artigo 7.º da Directiva 75/442/CEE, na sua versão originária, ao artigo 8.º

da Directiva 75/442/CEE, na redacção dada pela Directiva 91/156/CEE, e ao artigo 8.º da Directiva

2006/12/CE.

100 Exigência plasmada no artigo 23.º, n.º 1, da Directiva 2008/98/CE.

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pretendido é inaceitável do ponto de vista da protecção do ambiente101 –; pelo

estabelecimento de normas técnicas mínimas aplicáveis a actividades de tratamento de

resíduos102 – essas normas devem ser aprovadas caso existam provas de que permitem

obter benefícios em termos de protecção da saúde humana e do ambiente103, incidem

sobre os principais impactes ambientais das actividades de tratamento de resíduos, e, entre

outros, asseguram que os resíduos são tratados em conformidade com o artigo 13.º da

Directiva 2008/98/CE104 –; pela adopção de medidas de controlo105 e pela proibição da

mistura de resíduos perigosos106; e pelo facto de a atribuição do fim do estatuto de resíduo

aos resíduos que tenham sido objecto de operações de valorização depender,

nomeadamente, da condição de a utilização da substância ou objecto em causa não

acarretar impactes globalmente adversos do ponto de vista ambiental ou da saúde

humana107.

Estas medidas fundam-se, essencialmente, na necessidade de assegurar um nível elevado

de protecção do ambiente e da saúde humana em matéria de resíduos, por forma a prevenir

os riscos associados à produção e à gestão destes. E, em face destes riscos, o conceito de

‘resíduos’ não pode ser objecto de interpretação restritiva, devendo, antes, ser

interpretado de modo extensivo, à luz do objectivo de alcançar um nível elevado de

protecção do ambiente e da saúde humana e dos princípios da precaução e da acção

preventiva108.

Deste dever de interpretar extensivamente o conceito de ‘resíduos’, decorre a importante

consequência de não se deverem excluir, dos âmbitos de aplicação do mesmo e,

consequentemente, da Directiva relativa aos resíduos, substâncias e objectos que

101 Cfr. artigo 23.º, n.º 3, da Directiva 2008/98/CE.

102 Cfr. artigo 27.º, n.º 1, da Directiva 2008/98/CE.

103 Cfr. considerando 36 e artigo 27.º, n.º 1, parte final, da Directiva 2008/98/CE.

104 Cfr. artigo 27.º, n.º 3, da Directiva 2008/98/CE.

105 Cfr. artigo 17.º da Directiva 2008/98/CE.

106 Cfr. artigo 18.º da Directiva 2008/98/CE.

107 Cfr. artigo 6.º, n.º 1, alínea d), da Directiva 2008/98/CE.

108 Cfr. Acórdãos ARCO Chemie Nederland, n.º 40, Palin Granit, n.º 23, Shell Nederland, n.º 38, e

Comissão c. República Checa, n.º 59.

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consubstanciem resíduos e que, por esse facto, representem um risco para a saúde humana

e/ou o ambiente.

Nesta sequência, e estando os conceitos de ‘substância’ e ‘objecto’ e de ‘detentor de

resíduos’, bem como a expressão ‘desfazer-se’, contidos na definição de ‘resíduo’, a

interpretação daqueles deverá, também, ser efectuada de modo extensivo, à luz do

objectivo de alcançar um nível elevado de protecção do ambiente e da saúde humana e

dos princípios da precaução e da acção preventiva.

2.1.2.1. Os conceitos de ‘substância’ e de ‘objecto’

A legislação em matéria de resíduos não define ‘substância’ ou ‘objecto’, surgindo,

unicamente, uma definição de ‘substância’ no âmbito da legislação da UE sobre os

produtos químicos, mais concretamente no comummente apelidado de ‘Regulamento

REACH’ – Regulamento (CE) n.º 1907/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de

18 de Dezembro109, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição de produtos

químicos.

No âmbito e para os efeitos deste Regulamento, entende-se por ‘substância’ “um elemento

químico e seus compostos, no estado natural ou obtidos por qualquer processo de fabrico,

incluindo qualquer aditivo necessário para preservar a sua estabilidade e qualquer

impureza que derive do processo, mas excluindo qualquer solvente que possa ser separado

sem afectar a estabilidade da substância nem modificar a sua composição”110.

Esta definição de ‘substância’ está, contudo, especificamente vocacionada para a

aplicação do Regulamento REACH e da legislação em matéria de produtos químicos,

sendo demasiado estrita para efeitos da qualificação jurídica de uma substância como

resíduo e, consequentemente, para a aplicação da legislação em matéria de resíduos.

Com efeito, e não devendo, como já referido, o conceito de ‘resíduos’ ser interpretado

restritivamente, o conceito de ‘substância’ contido na definição de ‘resíduos’ não poderá

limitar-se aos elementos químicos e respectivos compostos compreendidos na noção de

109 JO L 136, de 29-05-2007, pp. 3-280, disponível em http://data.europa.eu/eli/reg/2006/1907/oj.

110 Cfr. artigo 3.º, n.º 1.

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‘substância’ ínsita no Regulamento REACH, excluindo do âmbito daquele primeiro

conceito as substâncias de que o detentor se desfaça ou tenha a intenção ou a obrigação

de se desfazer, mas não consubstanciem substâncias nos termos e para os efeitos do

Regulamento REACH.

Por outro lado, nos termos do próprio Regulamento REACH, e “[p]ara assegurar a

exequibilidade e manter os incentivos à reciclagem e valorização de resíduos”111, “[o]s

resíduos, tal como definidos na Directiva 2006/12/CE […] não constituem [isto é, não

devem ser considerados como112] substâncias, misturas ou artigos na acepção do artigo

3.º do [identificado] regulamento”113. O que significa que uma substância que seja

juridicamente qualificada como resíduo não deverá ser considerada como uma substância

para efeitos da aplicação do Regulamento REACH, sendo este aplicável, unicamente, e a

título residual, às substâncias que não consubstanciem resíduos nos termos,

presentemente, da Directiva 2008/98/CE e que, simultaneamente, integrem o conceito de

‘substância’ previsto no Regulamento REACH.

Observa-se, assim, que o conceito de ‘substância’ ínsito na definição de ‘resíduos’ e

contido na Directiva relativa aos resíduos não corresponde a – por ser muito mais amplo

do que – o considerado para efeitos de aplicação do Regulamento REACH.

Acresce que, por um lado, não devendo, como já referido, o conceito de ‘resíduos’ ser

interpretado restritivamente, e, por outro, atendendo à amplitude das listagens

exemplificativas de resíduos e de categorias de resíduos constantes, actualmente, da LER,

os termos ‘substância’ e ‘objecto’ incluídos na definição daquele conceito deverão ser

compreendidos em termos, igualmente, amplos, como conceitos autónomos em matéria

de resíduos114, e considerando, ademais, a inexistência, neste domínio, de uma definição

legal destes termos, afigura-se necessário recorrer ao sentido comum dos mesmos – de

111 Cfr. considerando 11.

112 Cfr. considerando 11 do Regulamento REACH.

113 Cfr. artigo 2.º, n.º 2, do Regulamento REACH, na redacção introduzida pelo Regulamento (CE) n.º

1272/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008 – JO L 353, de 31-12-2008,

pp. 1-1355, disponível em http://data.europa.eu/eli/reg/2008/1272/oj.

114 A propósito da concretização dos termos ‘substância’ e ‘objecto’ constantes da definição de ‘resíduo’, a

COMISSÃO EUROPEIA, afirmou que “[t]he terms ‘substance’ and ‘object’ are not to be understood in the

sense of EU chemicals legislation, but as autonomous terms of waste legislation which are to be read

broadly” – cfr. Guidance on the interpretation…, p. 9.

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“qualquer espécie de matéria”115 e de “coisa material”116, respectivamente – para a

compreensão do sentido jurídico com que são utilizados nesta matéria.

Desta forma, qualquer objecto ou substância poderá ser um resíduo, contanto se trate de

um objecto (coisa material) ou substância (qualquer espécie de matéria) de que o

respectivo detentor se desfaça ou tenha a intenção ou a obrigação de se desfazer. E, neste

domínio, a substância, no sentido de qualquer espécie de matéria, será, primeiramente,

qualificável como resíduo ou não-resíduo117, e apenas se qualificável como não-resíduo

poderá ser reconduzida ao conceito de ‘substância’ nos termos e para os efeitos da

aplicação do Regulamento REACH.

A qualificação de um objecto ou substância como resíduo dependerá, pois, e unicamente,

do comportamento do detentor do mesmo e do significado da expressão ‘desfazer-se’,

pelo que importa analisar o conceito de ‘detentor de resíduos’ e aquela expressão para

efeitos de circunscrição dos objectos e substâncias que podem ser considerados resíduos.

2.1.2.2. O conceito de ‘detentor de resíduos’

Nos termos e para os efeitos do disposto no RGGR, é considerado ‘detentor’ de resíduos

“a pessoa singular ou colectiva que tenha resíduos, pelo menos, na sua simples detenção,

nos termos da legislação civil”118.

A simples detenção, também chamada de ‘posse precária’, vem indirectamente definida

no artigo 1253.º do Código Civil, através da enumeração dos sujeitos havidos como

detentores ou possuidores precários.

O detentor ou possuidor precário é aquele que, “tendo embora o corpus da posse, a

detenção, não exerce [esse] poder de facto com o animus de exercer o direito real

115 Cfr. ‘substância’, entrada 1, in Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa [em linha], Porto Editora,

2003-2019, disponível em https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/subst%C3%A2ncia.

116 Cfr. ‘objeto’, entrada 1, in Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa [em linha], Porto Editora,

2003-2019, disponível em https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/objecto.

117 Cfr. COMISSÃO EUROPEIA, Guidance on the interpretation…, p. 9.

118 Cfr. artigo 3.º, alínea l).

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correspondente (com animus possidendi)”119. A simples detenção, ou posse precária,

corresponde, assim, à posse – que reúne o corpus, isto é, a actuação de facto

correspondente ao exercício do direito (elemento objectivo ou material da posse), e o

animus possidendi, ou seja, a intenção de exercer, como titular, um direito sobre a coisa

(elemento subjectivo, intelectual ou volitivo da posse) –, mas sem o animus que esta

pressupõe120.

Acresce que o detentor ou possuidor precário, para sê-lo, terá, também, de exercer o

controlo material sobre a coisa de forma voluntária e de ter consciência da sua qualidade

de detentor121. Pelo que, para a qualificação jurídica de um sujeito como detentor de

resíduos, no ordenamento português, é, no mínimo, necessário que tal sujeito tenha, sobre

a substância ou objecto em causa, o domínio ou controlo de facto correspondente ao

exercício de um direito, e que esse controlo seja consciente, voluntário.

No entanto, a definição de ‘detentor de resíduos’ constante do RGGR não abrange,

apenas, o simples detentor ou possuidor precário de resíduos, uma vez que reconduz o

detentor de resíduos à pessoa singular ou colectiva que tenha resíduos, “pelo menos”, na

sua simples detenção, nos termos da legislação civil. E, sendo a simples detenção ou posse

precária a forma mais lassa de exercício de um poder de controlo sobre uma coisa – por

corresponder, unicamente, ao controlo material sem a intenção de exercer, sobre a coisa,

um direito, como titular –, deve considerar-se, igualmente, compreendida na noção de

‘detentor de resíduos’ qualquer pessoa que tenha um poder ou controlo mais intenso sobre

os resíduos, seja por via da posse propriamente dita, seja, e por maioria de razão, com

fundamento em qualquer título ou direito, como no caso do proprietário.

No domínio da Directiva 2008/98/CE, o conceito de ‘detentor de resíduos’ surge definido

como “o produtor dos resíduos ou a pessoa singular ou colectiva que tem os resíduos na

sua posse”122. Este conceito tem, assim, no âmbito comunitário, e tal como no

119 Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª ed. revista e actualizada

(reimpressão), Coimbra Editora, 1987, pp. 8 e 9.

120 Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil…, pp. 5 e 9, designadamente, na parte em que

sintetizam que “as três alíneas [do artigo 1253.º do Código Civil] se referem mais a aspectos do mesmo

fenómeno – falta do animus possidendi – do que a situações típicas distintas”.

121 Cfr. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, A Posse: Perspectivas Dogmáticas Actuais, 3.ª ed. actualizada,

Almedina, 2000, p. 52.

122 Cfr. artigo 3.º, n.º 6.

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ordenamento português, um campo de aplicação muito mais lato do que o conceito de

‘proprietário’, uma vez que abarca qualquer mero possuidor dos resíduos que deles se

desfaça ou tenha a intenção ou a obrigação de deles se desfazer123. E parece, à partida, ser

ainda mais amplo do que o conceito de ‘detentor de resíduos’ constante do RGGR, na

medida em que refere incluir no seu âmbito, também, e ao contrário do que sucede neste

último diploma, o produtor dos resíduos.

Tendo em vista a densificação do conceito de ‘detentor de resíduos’ no domínio

comunitário, importa, por isso, analisar os conceitos de ‘possuidor de resíduos’ e de

‘produtor de resíduos’ tal como definidos na Directiva 2008/98/CEE.

A Directiva 2008/98/CE e, em geral, a legislação comunitária não contêm uma definição

de ‘posse’.

JULIANE KOKOTT, enquanto Advogada-Geral no TJUE, e no âmbito do caso Paul Van de

Walle, referiu que, “[de] acordo com o significado usual da palavra, a posse corresponde

à detenção efectiva de uma coisa, não pressupondo, porém, a propriedade ou um poder

de disposição legal da mesma”124. Todavia, concluiu, no referido processo, pela não-

aplicação deste significado comum de ‘posse’ para efeitos de interpretação do conceito

de ‘detentor de resíduos’, com a seguinte argumentação: “[no] entanto, apenas se [podem]

cumprir as obrigações impostas pelo artigo 8.º da directiva-quadro[125] [correspondente,

actualmente, ao artigo 15.º da Directiva 2008/98/CE, sobre a responsabilidade pela gestão

de resíduos,] se, além de deter efectivamente os resíduos, também se tiver o direito de

proceder à sua eliminação. [E, consequentemente, na] acepção do artigo 1.º, n.º 1, alínea

c), da directiva-quadro [actual artigo 3.º, n.º 6, da Directiva 2008/98/CE, que contém a

definição de ‘detentor de resíduos’], a posse também deve incluir, a par da detenção

123 “(…) the concept of ‘holder’ appears to be much broader than that of ‘owner’ because it covers all

persons likely to get rid of waste” – cfr. NICOLAS DE SADELEER, “Liability for Oil Pollution Damage

versus Liability for Waste Managemen: The Polluter Pays Principle at the Rescue of the Victims:

Case C-188/07, Commune de Mesquer v Total France SA [2008] 3 CMLR 16, [2009] Env LR 9”, in

Journal of Environmental Law, Vol. 21, N.º 2, 2009, pp. 299-307, disponível em

https://doi.org/10.1093/jel/eqp016, p. 304.

124 Cfr. Conclusões apresentadas em 29 de Janeiro de 2004, no processo Paul Van de Walle, disponíveis

em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:62003CC0001, n.º 56.

125 Directiva 75/442/CEE, com as alterações introduzidas pela Directiva 91/156/CEE.

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efectiva (directa ou indirecta), um poder de disposição legal do resíduo, indo, portanto,

além do sentido estrito do termo”126.

Ora, em primeiro lugar, deve observar-se que o sentido estrito do termo ‘posse’ é aquele

por cuja aplicação a Advogada-Geral concluiu, e não o sentido comum, primeiramente

apresentado, dado que é aquele que, ao exigir que a posse, para efeitos de preenchimento

do conceito de ‘detentor de resíduos’, inclua, para além da detenção efectiva, um poder

de disposição legal dos resíduos correspondente ao direito de proceder à eliminação dos

mesmos, tem um campo de aplicação mais restrito, excluindo, do seu âmbito,

naturalmente, quem tenha o controlo efectivo sobre os resíduos mas não um direito, nos

termos do Direito Privado, de proceder à eliminação dos mesmos.

Em segundo lugar, discorda-se da conclusão segundo a qual o cumprimento das

obrigações decorrentes, actualmente, do artigo 15.º da Directiva 2008/98/CE pressupõe,

para além do controlo efectivo dos resíduos, um direito de proceder à eliminação dos

mesmos. Isto, porque, do n.º 1 do artigo 15.º da Directiva 2008/98/CE, resulta, em síntese,

que os Estados-Membros devem assegurar que qualquer detentor de resíduos proceda ao

tratamento dos resíduos ou confie esse tratamento a uma entidade competente para o

efeito, bem como que esse tratamento seja efectuado nos termos dos artigos 4.º e 13.º da

referida Directiva, ou seja, no respeito pelo princípio geral da hierarquia dos resíduos e

do objectivo de protecção da saúde humana e do ambiente, e, sendo estes princípio e

objectivo “o corolário da proibição de abandono, descarga e eliminação não[-]controlada

de resíduos”127, a aplicação do conceito restrito de ‘posse’ defendido por JULIANE

KOKOTT levaria à exclusão, do âmbito do conceito de ‘detentor de resíduos’, de quem,

tendo o controlo efectivo, mas não um “poder de disposição legal” sobre os resíduos, por

exemplo, os abandonasse, descarregasse ou eliminasse de forma não-controlada, e,

consequentemente, poria em causa os objectivos e a eficácia da Directiva.

Por último, cumpre frisar que, se, no referido caso Paul Van de Walle, o TJUE qualificou

como possuidor dos resíduos – os hidrocarbonetos adquiridos por uma estação de serviço

e acidentalmente derramados no solo e nas águas subterrâneas em virtude de uma fuga

dos mesmos das instalações de armazenamento da proprietária – o gerente da estação de

126 Cfr. Conclusões apresentadas no processo Paul Van de Walle, n.º 56.

127 Cfr. Acórdão Paul Van de Walle, n.º 56.

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serviço128, ou seja, quem, para além do controlo efectivo, detinha um poder legal de

disposição sobre os mesmos129, já no caso Commune de Mesquer, aquele Tribunal não

deixou de qualificar como possuidor dos resíduos – hidrocarbonetos acidentalmente

derramados no mar na sequência do naufrágio do petroleiro Erika – o proprietário do

navio que os transportava130 e que apenas tinha o controlo material, sem qualquer poder

legal de disposição, sobre os mesmos, pelo que se verifica que o Tribunal, embora não se

tendo pronunciado expressamente sobre o conceito de ‘posse’, também não adoptou o

conceito estrito defendido pela Advogada-Geral no caso Paul Van de Walle.

Em face do exposto, resta concluir que o conceito de ‘posse’ constante do de ‘detentor de

resíduos’ definido na Directiva 2008/98/CE deve ser interpretado como correspondendo

ao seu sentido comum, tal como descrito por JULIANE KOKOTT, de “detenção efectiva de

uma coisa, não pressupondo […] a propriedade ou um poder de disposição legal da

mesma”, e, consequentemente, deve ser qualificado como ‘possuidor de resíduos’ a

pessoa, singular ou colectiva, que, tendo o controlo material sobre os objectos ou

substâncias, deles se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer.

Quanto ao conceito de ‘produtor dos resíduos’, comece-se por referir que, no âmbito e

para os efeitos da Directiva 2008/98/CE, considera-se ‘produtor de resíduos’ “qualquer

pessoa cuja actividade produza resíduos (produtor inicial dos resíduos) ou qualquer

pessoa que efectue operações de pré-processamento, de mistura ou outras, que conduzam

a uma alteração da natureza ou da composição desses resíduos”131 (novo produtor dos

resíduos).

Ora, a interpretação deste conceito afigura-se de alguma complexidade, dados, não só o

carácter tautológico do mesmo – designadamente, em virtude de ser definido por

referência ao conceito de ‘resíduo’, o qual é, por sua vez, definido por referência ao de

‘detentor de resíduos’ e, nessa sequência, ao de ‘produtor de resíduos’ –, como, também,

a formulação da sua definição.

128 Cfr. Acórdão Paul Van de Walle, n.º 59.

129 Note-se, em todo o caso, que o Tribunal não fez, expressamente, depender o reconhecimento da posse

da verificação da existência de tal poder legal de disposição sobre os resíduos.

130 Cfr. Acórdão Commune de Mesquer, n.º 73.

131 Cfr. artigo 3.º, n.º 5.

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Na primeira parte da definição de ‘produtor de resíduos’, faz-se corresponder o mesmo a

qualquer pessoa cuja actividade produza resíduos (produtor inicial dos resíduos). E, a

partir daqui, pode, desde logo, observar-se que esta primeira parte da definição faz derivar

o conceito de ‘produtor de resíduos’ do exercício da actividade do mesmo, mas,

simultaneamente, coloca a questão de saber se tal conceito se refere: (i) a “qualquer

pessoa cuja actividade produz [quaisquer substâncias ou objectos de que o detentor se

desfaz ou tem intenção ou obrigação de se desfazer]”, parecendo, assim, aproximar o

conceito de ‘produtor de resíduos’ do de ‘produtor do produto’ gerador dos resíduos132;

ou (ii) a qualquer pessoa que, no âmbito da sua actividade, “produz resíduos”, no sentido,

não de que produz os produtos de que, futuramente, alguém se desfará ou terá a intenção

ou a obrigação de se desfazer, mas de que, ela própria, se desfaz ou tem a intenção ou a

obrigação de se desfazer de substâncias ou objectos.

Quanto a nós, não só o primeiro sentido indicado ((i)) será de afastar de imediato, como

apenas o segundo ((ii)) poderá ser acolhido, tendo em conta que: em primeiro lugar, não

se encontram razões para o legislador não ter feito directa referência ao ‘produtor do

produto gerador de resíduos’, caso fosse essa a sua intenção; em segundo lugar, não faria

sentido recorrer ao conceito de ‘produtor do produto’ para efeitos da qualificação de um

objecto ou substância como resíduo, quando a qualificação desse objecto ou substância

como produto afasta, necessariamente, a aplicação do conceito de ‘resíduo’; e, em terceiro

lugar, os termos nos quais está construída a definição de ‘produtor de resíduos’ –

integrando, na primeira parte da definição, o designado ‘produtor inicial de resíduos’,

que, no âmbito da sua actividade, determina a aquisição originária da natureza de resíduo

por um objecto ou substância, e colocando-o a par do ‘novo produtor de resíduos’ descrito

na segunda parte, que o é em virtude de efectuar, sobre objectos ou substâncias já

previamente qualificados como resíduos, qualquer operação que conduza à alteração da

natureza ou da composição dos mesmos –, acaba por acentuar que o conceito de ‘produtor

de resíduos’ está intimamente ligado à aquisição originária da natureza de resíduo ou a

uma alteração da natureza ou da composição de um resíduo já previamente qualificado

como tal, e não ao desenvolvimento, ao fabrico, à transformação, ao tratamento, à venda

ou à importação de produtos.

132 Cfr. artigo 8.º, n.º 1, primeiro parágrafo, segunda parte, da Directiva 2008/98/CE.

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Este último argumento é, também, apoiado pelo conceito legal de ‘prevenção de

resíduos’, que se traduz na adopção de medidas antes da produção inicial de resíduos133.

Ademais, algumas conclusões do TJUE apoiam este entendimento, na medida em que

colocam a tónica da primeira parte do conceito de ‘produtor de resíduos’ em, para além

do exercício da actividade do sujeito, a “passagem” das substâncias ou objectos em causa

“a resíduos”:

JULIANE KOKOTT, no âmbito do caso Paul Van de Walle, observou que “[o] conceito de

produtor de resíduos está intimamente ligado à causa que está na origem da qualificação

como resíduo”, e concluiu que, por isso, “[a produtora dos hidrocarbonetos derramados

no solo e nas águas subterrâneas] não [poderia] ser considerada produtora de resíduos

[uma vez que os hidrocarbonetos que produziu] não passaram a resíduos devido à [sua]

actividade produtiva, mas [devido a um acidente que ocorreu] apenas após o […]

armazenamento [dos hidrocarbonetos] em instalações defeituosas”, devendo, antes, ser

considerado produtor de resíduos, “em princípio, aquele que explorava a estação de

serviço quando se deu a fuga dos hidrocarbonetos”134.

O TJUE concordou com a Advogada-Geral, tendo concluído que o gerente da estação de

serviço era o produtor dos resíduos, em virtude de os ter armazenados, “para as

necessidades da sua actividade”, quando os mesmos passaram a constituir resíduos135.

É certo que o TJUE considerou, no caso Paul Van de Walle, que também a sociedade

petrolífera produtora dos hidrocarbonetos (produto) poderia ser qualificada como

produtora dos resíduos, para efeitos de imputação, à mesma, da responsabilidade

financeira pelos custos da gestão dos resíduos, em conformidade com o princípio do

poluidor-pagador. Todavia, essa possibilidade estava dependente da sua eventual

“contribuição” para a produção dos resíduos – o que, concretamente, poderia constatar-

se “se a fuga [dos hidrocarbonetos] nas instalações de armazenagem da estação de serviço

[…] [fosse] imputável à actuação [daquela] empresa” 136, nomeadamente, por violação de

133 Cfr. artigos 3.º, alínea x), do RGGR, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 73/2011, e 3.º, n.º

12, da Directiva 2008/98/CE.

134 Cfr. Conclusões apresentadas no processo Paul Van de Walle, n.ºs 52 e 53.

135 Cfr. Acórdão Paul Van de Walle, n.º 59.

136 Cfr. Acórdão Paul Van de Walle, n.º 61.

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obrigações contratuais ou outros comportamentos susceptíveis de implicar a sua

responsabilidade137 – e não inerente à sua qualidade de produtora dos hidrocarbonetos.

É, assim, considerado ‘produtor inicial dos resíduos’, nos termos da legislação

comunitária, qualquer pessoa que, por força e no domínio do exercício da sua actividade,

determina a aquisição do estatuto de resíduo por um objecto ou substância, seja por dele

se desfazer ou ter a intenção ou a obrigação de se desfazer, seja por contribuir para que o

seu possuidor dele se desfaça ou tenha a intenção ou a obrigação de se desfazer.

Já nos termos da segunda parte da definição de ‘produtor de resíduos’, referente ao ‘novo

produtor dos resíduos’, este conceito abrange, igualmente, qualquer pessoa que efectue

operações de pré-processamento, de mistura ou outras que conduzam a uma alteração da

natureza ou da composição desses resíduos.

No âmbito da Directiva 2008/98/CE, são apontados como exemplos de operações de pré-

processamento diversas operações de valorização e de eliminação de resíduos, como o

controlo, a limpeza, e a reparação138, e a triagem, a trituração, a compactação, a

peletização, a secagem, o acondicionamento, a separação, a desintegração a seco, o

desmantelamento, a fragmentação, a reembalagem e a mistura139. Para efeitos da

densificação do conceito de ‘produtor de resíduos’, apenas poderão relevar, contudo, as

operações de pré-processamento que conduzam a uma alteração da natureza ou da

composição de resíduos, estando, por isso, excluídas aquelas que não conduzam à

alteração da natureza ou da composição dos objectos ou substâncias em causa, as que

sejam efectuadas sobre objectos ou substâncias que não sejam qualificados ou

qualificáveis como resíduo, e aquelas de que resultem objectos ou substâncias que, em

virtude das operações em causa, deixem de ser qualificados como tal.

De outra parte, a operação de mistura é, também, apontada, naquele diploma comunitário,

como uma operação de eliminação ou de valorização de resíduos140.

137 Cfr. Acórdão Paul Van de Walle, n.º 60.

138 Cfr. artigo 3.º, n.º 16.

139 Cfr. nota ao ponto D 13 do Anexo I e nota de rodapé 12 ao ponto R 12 do Anexo II.

140 Cfr. ponto D 13 do Anexo I e nota ao ponto R 12 do Anexo II.

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As operações de pré-processamento e de mistura são, assim, operações de tratamento

(eliminação ou valorização) de resíduos.

Quanto às “outras” operações que, por conduzirem a uma alteração da natureza ou da

composição de resíduos, qualificam o respectivo operador como produtor de resíduos,

crê-se que, apesar de, na definição de ‘produtor de resíduos’, se encontrarem a par das de

pré-processamento e de mistura – que são, como já referido, operações de tratamento de

resíduos –, não deverão ser entendidas como estando limitadas às operações de tratamento

de resíduos, pois que estas se circunscrevem às operações de valorização e de eliminação

de resíduos, e aquelas podem ocorrer, inclusivamente, a montante destas – por exemplo,

na fase da recolha ou do transporte141, contanto que incidam sobre resíduos e delas

resultem resíduos com uma natureza ou composição distintas.

Desta feita, o conceito de ‘novo produtor de resíduos’ definido na Directiva 2008/98/CE

abrange qualquer pessoa que efectue quaisquer operações sobre objectos ou substâncias

já qualificados como resíduos e das quais resultem resíduos com uma natureza ou

composição distintas.

No domínio do RGGR, o conceito de ‘produtor de resíduos’ é definido nos mesmos

termos que na Directiva 2008/98/CE142. Todavia, naquele diploma, o produtor de resíduos

não está, e contrariamente ao que sucede na Directiva, expressamente abrangido na

definição de ‘detentor de resíduos’, pelo que, num primeiro momento, este conceito

parece ter, no RGGR, um âmbito mais estrito do que ao nível comunitário.

É certo, que a não-consideração, ao nível nacional, do produtor de resíduos como detentor

dos mesmos não afasta a responsabilização, a título primário, do produtor inicial dos

resíduos pela gestão e respectivos custos143, sendo a responsabilização do detentor

efectuada, aqui, e em todo o caso, a título subsidiário, ante a impossibilidade de

determinação do produtor dos resíduos144.

141 Veja-se o caso Shell Nederland, no qual estava em causa a qualificação, ou não, como resíduo de um

carregamento de gasóleo misturado com outra substância, sendo que a mistura ocorreu aquando da injecção

do gasóleo nos tanques do navio-cisterna que iria efectuar o transporte e que continham resíduos de éter

metil-t-butílico – cfr. Acórdão Shell Nederland, n.º 21.

142 Cfr. artigo 3.º, alínea z), na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 73/2011.

143 Cfr. artigo 5.º, n.º 1, do RGGR, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 73/2011.

144 Cfr. artigo 5.º, n.º 3, do RGGR, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 73/2011.

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Contudo, se se considerar que o legislador português limitou excessivamente o campo de

aplicação do conceito de ‘detentor de resíduos’, terá de concluir-se que também restringiu

o conceito de ‘resíduos’, excluindo, do âmbito deste, os produtores de resíduos que não

sejam, simultaneamente, possuidores das substâncias ou objectos em causa. E, se, por

norma, o produtor dos resíduos é quem os produz desfazendo-se das substâncias ou dos

objectos enquanto os tem na sua posse145 – sendo, por isso, e em todo o caso, considerado

detentor de resíduos, por possuí-los e por produzi-los –, a verdade é que nem sempre o

produtor dos resíduos tem a posse dos mesmos, podendo suceder, por exemplo, que um

objecto ou substância esteja na posse de uma pessoa que dele não se desfaz nem tem a

intenção ou a obrigação de desfazer-se (suponha-se, o transportador de um objecto ou

substância), mas consubstancie um resíduo em virtude de outra pessoa que não o tem na

sua posse pretender ou ter a obrigação de dele se desfazer (diga-se, a título ilustrativo, o

produtor do objecto ou substância), e, nesse caso, aquela primeira pessoa não é

considerada produtora de resíduos, mas, sim, detentora de resíduos, em decorrência da

sua posse, ao passo que a segunda é considerada detentora de resíduos por ser produtora

e apesar de não ter a posse dos mesmos.

Acontece que o conceito de ‘detentor de resíduos’ constante do RGGR, tem, como já

referido, um alcance tão lato que abrange, não só o simples possuidor dos objectos ou

substâncias, como, também, qualquer pessoa que tenha um poder ou controlo mais

intenso do que o correspondente à simples detenção ou posse precária sobre os objectos

ou substâncias, abrangendo, inclusivamente, quem, embora não tendo a posse, tenha um

qualquer título ou direito sobre os objectos ou substâncias, e, no âmbito dos poderes de

que disponha em virtude desse título ou direito, tenha a intenção ou a obrigação de deles

se desfazer. E, assim sendo, entende-se que o conceito de ‘detentor de resíduos’ plasmado

no RGGR não restringe o de ‘resíduos’, nem coloca, portanto, em causa a prossecução,

por aquele Regime, do objectivo de protecção elevada da saúde humana e do ambiente.

145 Cfr. JULIANE KOKOTT, Conclusões apresentadas no processo Commune de Mesquer, n.º 121.

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2.1.2.3. O significado da expressão ‘desfazer-se’

Apesar da centralidade da expressão ‘desfazer-se’ para efeitos da qualificação de um

objecto ou substância como resíduo, e, consequentemente, da aplicação da legislação em

matéria de resíduos, esta legislação não contém qualquer definição da mesma, nem aponta

quaisquer critérios para a sua interpretação.

Na falta de uma definição ou de critérios que auxiliem na concretização da expressão

‘desfazer-se’, afigura-se de alguma complexidade a sua interpretação e, designadamente,

a densificação do acto, da intenção e da obrigação do detentor de desfazer-se de um

objecto ou substância, e, consequentemente, do conceito de ‘resíduo’.

Sobretudo por isso, o TJUE tem sido, por várias vezes, chamado a interpretar o conceito

de ‘resíduo’, e, nessa sequência, traçado algumas conclusões, designadamente, quanto ao

que entende, ou não, integrar a expressão ‘desfazer-se’.

A propósito desta expressão, o TJUE, nos casos Inter-Environnement Wallonie e ARCO

Chemie Nederland, teve a oportunidade de frisar que a mesma engloba a eliminação e o

aproveitamento de um objecto ou substância146, embora estas operações não sejam as

únicas formas de o detentor se desfazer dos objectos ou substâncias147.

Por outro lado, mais realçou o TJUE, nos casos Inter-Environnement Wallonie, ARCO

Chemie Nederland, Palin Granit e Antonio Niselli, que a sujeição de um objecto ou

substância a uma operação de eliminação ou valorização de resíduos “não permite

concluir que alguém dela se desfaz e, portanto, considerar essa substância como resíduo”,

podendo, apenas, e consoante o caso concreto, consubstanciar um indício daquele acto148:

“o facto de[, nos anexos da Directiva relativa aos resíduos,] serem descritos métodos de

eliminação ou de aproveitamento dos resíduos não tem como consequência necessária

que qualquer substância tratada segundo um desses métodos deva ser considerada um

resíduo. Efectivamente, se é certo que as descrições de certos métodos fazem referência

expressa a resíduos, outras são formuladas em termos mais abstractos, de modo que

146 Cfr. Acórdãos Inter-Environnement Wallonie, n.º 27, e ARCO Chemie Nederland, n.º 47.

147 Com efeito, a expressão engloba, “designadamente”, a eliminação e o aproveitamento de uma substância

ou de um objecto – cfr. Acórdão ARCO Chemie Nederland, n.º 47.

148 Cfr. Acórdãos Inter-Environnement Wallonie, n.º 27, ARCO Chemie Nederland, n.ºs 47 e 49 a 51, Palin

Granit, n.º 27, e Antonio Niselli, n.º 37.

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podem ser aplicadas a matérias-primas que não são resíduos. Assim, a categoria R 9 do

anexo II B [da Directiva 75/442/CEE, com as alterações introduzidas pela Directiva

91/156/CEE, e descrita, actualmente, no ponto R 1 do anexo II da Directiva 2008/98/CE,]

intitulada «[utilização] principal como combustível ou outro meio de produção de

energia»[,] pode aplicar-se ao gasóleo de aquecimento, ao gás ou ao querosene, ao passo

que a categoria R 10, [correspondente, de certa forma, ao actual ponto R 10 do anexo II

da Directiva 2008/98/CE, que descreve o “[tratamento] do solo para benefício agrícola

ou melhoramento ambiental”,] intitulada «[espalhamento] no solo em benefício da

agricultura ou da ecologia» pode aplicar-se ao adubo artificial”149.

Acresce que, também no caso Antonio Niselli, o Tribunal observou que o detentor de um

objecto ou substância pode desfazer-se do mesmo “por simples abandono”: “(…) se a

interpretação […] fosse aplicada no sentido de que uma substância ou objecto de que

alguém se desfaz de um modo diferente dos mencionados nos anexos II A e II B da

Directiva 75/442[/CEE, com as alterações introduzidas pela Directiva 91/156/CEE] não

constitui um resíduo, restringiria[,] também[,] o conceito de ‘resíduo’ […]. [De acordo

com essa interpretação], uma substância ou objecto não[-]sujeito a uma obrigação de

eliminação ou de valorização e cujo detentor deles se desfaz por simples abandono, sem

os sujeitar a uma dessas operações, não seria qualificado como resíduo […]”150.

Ademais, no caso Comissão c. Espanha, o TJUE considerou que a utilização, como

fertilizante agrícola, do chorume produzido na exploração pecuária em causa nos autos

não consubstanciava um acto de desfazer-se do referido chorume, na medida em que o

mesmo “[era] utilizado como fertilizante agrícola e […] disperso[,] com essa finalidade[,]

em terrenos bem identificados”, para além de que “[era] armazenado numa fossa até

[serem] efectuadas as operações de dispersão”151. Para a fundamentação deste

entendimento, o Tribunal realçou, essencialmente, o seguinte: por um lado, estava em

causa uma substância que, embora resultasse de um processo produtivo não-destinado a

produzi-lo, constituía um subproduto do qual a empresa não pretendia desfazer-se, e que,

além disso, era efectivamente utilizado, sem qualquer operação de transformação prévia,

149 Cfr. Acórdão ARCO Chemie Nederland, n.ºs 49 e 50.

150 Cfr. Acórdão Antonio Niselli, n.º 38.

151 Cfr. n.º 94.

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e na continuidade do processo de produção152; e, por outro lado, a utilização do chorume

no solo constituía “uma prática legal de dispersão em terrenos bem identificados” e a

armazenagem da substância limitava-se às necessidades dessas operações de dispersão153.

Já no caso Palin Granit, o TJUE concluiu que o armazenamento da pedra residual

libertada no processo de extracção de pedra, no local da produção, por tempo

indeterminado, a aguardar uma eventual utilização, constituía um acto de desfazer-se da

substância, dado que a sua reutilização, discutida no processo, não era certa, nem

fortemente provável, mas meramente eventual: “(…) um objecto, um material ou uma

matéria-prima que resultam de um processo de fabrico [ou] de extracção que não são

destinados essencialmente a produzi-lo podem constituir[,] não um resíduo, mas um

subproduto, do qual a empresa não deseja «[desfazer-se]» […], mas que tem a intenção

de explorar ou comercializar em condições vantajosas para ela, num processo posterior,

sem qualquer operação de transformação prévia. Tal análise não seria contrária aos

objectivos da Directiva 75/442[/CEE]. Com efeito, não há qualquer justificação para

sujeitar às disposições desta [Directiva], que se destinam a prever a eliminação e

valorização dos resíduos, bens, materiais ou matérias-primas que têm economicamente o

valor de produtos, independentemente de qualquer transformação, e que, por si mesmos,

estão sujeitos à legislação aplicável a estes produtos. Todavia, tendo em conta a obrigação

de interpretar de forma ampla o conceito de resíduo para limitar os inconvenientes ou

prejuízos inerentes à sua natureza, […] deve circunscrever-se esta argumentação relativa

aos subprodutos às situações em que a reutilização de um bem, de um material ou de uma

matéria-prima não seja meramente eventual, mas certa, sem transformação prévia, e na

continuidade do processo de produção. […] Se, para além da simples possibilidade de

reutilizar [a] substância, existir um benefício económico para o detentor em fazê-lo, a

probabilidade de tal reutilização é forte. Em tal hipótese, a substância em questão não

pode ser analisada como um incómodo de que o detentor procura «[desfazer-se]», mas

como um autêntico produto”154.

Da mesma forma, no caso AvestaPolarit Chrome, o TJUE considerou que a acumulação,

por tempo indeterminado, sob a forma de escombreiras, no local da produção, de pedra e

152 Cfr. n.º 87.

153 Cfr. n.º 89.

154 Cfr. Acórdão Palin Granit, n.ºs 34 a 37 e 39.

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areias residuais provenientes de operações de aproveitamento de minério originário da

exploração de uma mina, constituía um acto de desfazer-se das mesmas: “(…) esses

resíduos não têm utilidade para o processo de produção e não podem ser explorados ou

comercializados de outro modo sem serem objecto de operações de transformação prévia.

Trata-se, por conseguinte, de resíduos de que o detentor se desfaz. O seu eventual arranjo

paisagístico apenas constitui uma forma de os tratar respeitadora do ambiente, mas não

uma fase do processo de produção”155. Ressalvou, no entanto, que a qualificação das

mencionadas substâncias como resíduos deveria ser afastada, “se o detentor legalmente

as utilizasse] no enchimento necessário das galerias da referida mina e [desse] garantias

suficientes quanto à identificação e utilização efectiva das substâncias reservadas para

esse efeito”156.

Em termos semelhantes, no Acórdão Paul Van de Walle, o Tribunal entendeu que o

derramamento acidental de hidrocarbonetos no solo e nas águas subterrâneas constituiu

um acto pelo qual o detentor se desfez daquela substância157, com base, essencialmente,

na premissa de que os hidrocarbonetos derramados consubstanciavam um resíduo de

produção – ou seja, “um produto que não se pretendeu produzir como tal com vista à sua

utilização ulterior e que o detentor não [poderia] reutilizar sem transformação prévia em

condições economicamente vantajosas” –, e que, por isso, deveriam “ser considerados

um incómodo de que o detentor ‘se desfaz’”158.

Tal como no anterior, no caso Commune de Mesquer, o TJUE considerou que o

derramamento acidental de hidrocarbonetos no mar na sequência de um naufrágio

consubstancia um acto de se desfazer dos referidos hidrocarbonetos: “(…) é certo que a

exploração ou a comercialização desses hidrocarbonetos, derramados ou emulsionados

na água, ou[,] ainda[,] misturados com sedimentos, é muito aleatória e até hipotética.

Também é um facto que, mesmo admitindo que seja tecnicamente realizável, essa

exploração ou comercialização pressuporia sempre operações de transformação prévias

que, longe de serem economicamente vantajosas para o detentor de tais substâncias,

155 Cfr. Acórdão de 11 de Setembro de 2003, AvestaPolarit Chrome, processo C-114/01, disponível em

https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:62001CJ0114, n.º 42.

156 Cfr. n.º 43.

157 Cfr. n.º 50.

158 Cfr. n.ºs 46 e 47.

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constituiriam encargos financeiros significativos. Conclui-se que esses hidrocarbonetos

acidentalmente derramados no mar devem ser considerados substâncias que o detentor

não tinha intenção de produzir e das quais «se desfaz», mesmo que involuntariamente,

por ocasião do seu transporte […]”159.

Nestes dois últimos casos, acrescentou, ainda, o Tribunal que o facto de os

derramamentos terem sido acidentais, involuntários, não poderia afastar a qualificação

dos hidrocarbonetos derramados como resíduos, sob pena de permitir ao seu detentor

“[escapar]” às obrigações de descarga e de eliminação controlada dos [mesmos], bem

como de suportação dos respectivos custos160.

Também no caso Thames Water Utilities, o TJUE observou que “uma fuga de águas

residuais de um sistema colector constitui um facto pelo qual a empresa de tratamento, a

detentora dessas águas, «se desfaz» das mesmas”, e, tal como nos Acórdãos Paul Van de

Walle e Commune de Mesquer, notou que “o carácter acidental desse [derramamento] não

[permitiria] chegar a uma conclusão diferente”161.

Por fim, no caso Shell Nederland, o TJUE concluiu que a mistura acidental de um

carregamento de gasóleo com outra substância não se reconduzia a um acto do seu

detentor de desfazer-se da referida substância, contanto se comprovasse que o detentor

“[tinha] realmente a intenção de recolocar no mercado esse carregamento […] misturado

com outro produto”162.

Do exposto até aqui, resulta, em síntese, que o TJUE considerou que a expressão

‘desfazer-se’, não só engloba operações de eliminação e de valorização, como abrange,

designadamente, o abandono e, em certas circunstâncias, a utilização, o armazenamento,

o derramamento e a mistura de objectos ou substâncias, para além de que, apesar de ser

corporizada numa acção, essa acção está, muitas vezes, associada à intenção do detentor

dos objectos ou substâncias em causa de os utilizar ou não.

159 Cfr. n.º 59.

160 Cfr. Acórdão Paul Van de Walle, n.ºs 47 a 49.

161 Cfr. n.ºs 27 e 28.

162 Cfr. n.º 54.

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Concretamente, a eliminação163 e a valorização164 de resíduos consubstanciam operações

de tratamento de resíduos165 e, de modo mais geral, operações de gestão de resíduos166.

Situando-se estas operações na cadeia da gestão de resíduos, e, consequentemente,

incidindo as mesmas sobre objectos ou substâncias já qualificados como resíduos, a

questão de saber se o detentor desses objectos ou substâncias deles se desfaz através

daquelas operações pode relevar, aqui, num primeiro momento, para efeitos da

requalificação dos mesmos como resíduos distintos dos anteriormente existentes. E, neste

sentido, se o detentor de substâncias ou objectos qualificados como resíduos os submeter

a uma operação de eliminação ou de valorização, poderá estar a desfazer-se dos mesmos,

na medida em que, com tal operação, transforme os resíduos existentes em resíduos com

características distintas – por exemplo, através de uma operação de mistura, de separação

ou de incineração.

Mas acresce que o detentor também poderá estar a desfazer-se dos resíduos existentes,

mesmo que, de uma operação de valorização, resulte uma substância ou um objecto com

as propriedades e características de um produto, sendo que, na verdade, o resultado da

operação não releva de forma definitiva para efeitos da qualificação do objecto ou

substância como resíduo167.

A partir daqui, conclui-se que o acto do detentor de se desfazer de um objecto ou

substância através da sujeição do mesmo a uma operação de eliminação ou de valorização

de resíduos pode ser reconduzido a um acto pelo qual o resíduo seja transformado num

objecto ou substância distinto, deixando de existir com as propriedades e características

que tinha até então, e, se se quiser, desaparecendo, enquanto tal, para dar lugar a um novo

objecto ou substância, seja este qualificado, ou não, como resíduo.

163 Definida nos artigos 3.º, n.º 19, da Directiva 2008/98/CE, e 3.º, alínea m), do RGGR, na redacção

introduzida pelo Decreto-Lei 73/2011.

164 Definida nos artigos 3.º, n.º 15, da Directiva 2008/98/CE, e 3.º, alínea qq), do RGGR, na redacção

introduzida pelo Decreto-Lei 73/2011.

165 Cfr. artigos 3.º, n.º 14, da Directiva 2008/98/CE, e 3.º, alínea oo), do do RGGR, na redacção introduzida

pelo Decreto-Lei 73/2011.

166 Cfr. artigos 3.º, n.º 9, da Directiva 2008/98/CE, e 3.º, alínea m), do RGGR, na redacção introduzida pelo

Decreto-Lei 73/2011.

167 Cfr. Acórdão ARCO Chemie Nederland, n.º 64.

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Mas acresce referir que a expressão ‘desfazer-se’ terá, também, de contemplar as

operações de eliminação e de valorização a que sejam sujeitos os objectos ou substâncias,

independentemente de qualquer qualificação prévia destes como resíduos. Na verdade, o

que releva, aqui, é, e para efeitos da própria qualificação como resíduo, a submissão de

um objecto ou substância a uma operação que, materialmente, seja de eliminação ou de

valorização como expressão da ausência ou da perda de interesse do seu detentor nesse

objecto ou substância168, e não, necessariamente, enquanto operação inserida na cadeia

de gestão de resíduos, sendo que é em virtude dessa ausência ou perda de interesse que

se impõe a qualificação do objecto ou substância como resíduo e, consequentemente, a

aplicação das disposições da Directiva 2008/98/CE.

Já quanto ao abandono, também referido pelo TJUE como uma das formas possíveis de

o detentor se desfazer de um objecto ou substância, cabe notar que o mesmo, definido no

RGGR como “a renúncia ao controlo de resíduo sem qualquer beneficiário determinado,

impedindo a sua gestão”169, consiste sempre num acto do detentor de resíduos de deles se

desfazer, na medida em que a renúncia ao controlo material dos objectos ou substâncias

em causa, por um lado, e sendo, necessariamente, consciente, revela a rejeição de, ou a

perda de interesse em, os mesmos por parte do seu detentor, e, por outro, sendo efectuada

sem qualquer beneficiário determinado e impedindo a gestão dos objectos ou substâncias,

coloca em risco o ambiente e a saúde humana.

De outra parte, a própria utilização de um objecto ou substância pode, também, ser

qualificada como um acto de desfazer-se daqueles, quando, desde logo, não seja efectiva,

ou, pelo menos, fortemente provável, ou quando, em todo o caso, seja efectuada em

termos susceptíveis de causar prejuízos para a saúde humana e/ou o ambiente.

A questão de saber se a utilização do objecto ou substância consiste, ou não, num acto de

desfazer-se dos mesmos tem sido colocada, ao TJUE, a respeito dos designados ‘resíduos

de produção’, que consistem, como já supra referido em transcrição do entendimento

daquele Tribunal, em produtos resultantes de um processo produtivo, que o seu produtor

168 Como refere ALEXANDRA ARAGÃO, “[o]s resíduos são, por definição, coisas destituídas de interesse

para quem as produz” – cfr. O Direito…, p. 8.

169 Cfr. artigo 3.º, alínea a).

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não pretendeu produzir como tal e não poderá reutilizar sem transformação prévia em

condições economicamente vantajosas.

Ora, a circunstância de o produtor não ter pretendido produzi-los como tal e de não poder

reutilizá-los sem transformação prévia em condições economicamente vantajosas cria,

logo num primeiro momento, uma presunção de que aquele não tem interesse nos mesmos

e de que, por isso, deles se desfará. Daí a exigência da efectividade ou, pelo menos, da

forte probabilidade da utilização do objecto ou substância para a não-qualificação do

mesmo como resíduo, sendo que só aquelas efectividade ou forte probabilidade poderão

permitir afastar aquela presunção inicial de que o detentor não tem interesse nos objectos

ou substâncias em causa e continuar a garantir a eficácia da Directiva relativa aos resíduos

e a protecção elevada da saúde humana e do ambiente.

A forte probabilidade da utilização, não obstante não corresponder ao nível da certeza,

não deixa de acautelar aquela eficácia e de proteger aqueles bens, na medida em que tem

de ser comprovada tendo em conta os contornos de cada caso concreto e com base num

conjunto de factores objectivos que permitam concluir que o detentor dos objectos ou

substâncias tem uma intenção real, efectiva, de os utilizar – poderá ser esse o caso quando,

da utilização, decorram vantagens económicas para o detentor, a utilização não

pressuponha operações prévias de tratamento ou transformação, e esteja previsto um

prazo curto ou determinado para a utilização.

No fundo, permite-se, por uma questão de praticabilidade e de razoabilidade, e, bem

assim, para não prejudicar o regular funcionamento do mercado interno e,

simultaneamente, incentivar o retardamento da produção de um resíduo, afastar aquela

presunção inicial de que o produtor não tem interesse no objecto ou substância, e,

coerentemente com a forte probabilidade da utilização, sujeitar o objecto ou substância

que é tido, pelo produtor, como um produto ou um subproduto, com valor associado e em

cuja utilização aquele tem interesse, à disciplina dos produtos e das mercadorias, sem

levantar entraves à colocação e à circulação do mesmo no mercado. Mas,

simultaneamente, exige-se a prova de que a utilização do produto ou subproduto em causa

é, pelo menos, fortemente provável, com o intuito de prevenir que a eficácia da Directiva

relativa aos resíduos e a protecção do ambiente e da saúde humana sejam postos em causa.

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De forma semelhante, no caso do armazenamento – no sentido de ‘deposição’ – de

objectos ou substâncias, e fora os casos em que o armazenamento constitui, ele próprio,

uma forma de utilização efectiva dos objectos ou substâncias (como, por exemplo, para

efeitos de enchimento de galerias numa exploração de pedra), releva, essencialmente, a

forte probabilidade de aqueles virem a ser utilizados, em termos economicamente

vantajosos para o seu detentor, num prazo curto ou determinado, e em condições que não

coloquem em causa os objectivos e os princípios fundamentais em matéria de resíduos.

E, por isso, está-se, aqui, também, perante uma situação em que releva a intenção real do

detentor, a qual deverá, igualmente, ser analisada nos termos acabados de expor a

propósito da utilização efectiva ou fortemente provável de objectos ou substâncias.

Já quanto ao derramamento de substâncias, verifica-se que o TJUE o tem considerado

integrado no conceito de ‘desfazer-se’ – e, consequentemente, no de ‘resíduos’ –, em

virtude, por um lado, de as substâncias derramadas se misturarem com outras substâncias

e de a utilização das primeiras não ser possível sem a sua sujeição a operações de

transformação prévia e em condições economicamente vantajosas para o seu detentor – o

que faz presumir a perda de interesse deste naquelas substâncias, embora, também aqui,

e naturalmente, susceptível de ser afastada mediante a prova de que tal presunção não

corresponde à intenção real do detentor –, e, por outro lado, dos prejuízos para o ambiente

e a saúde humana que, a partir do caso concreto, se observem decorrer do referido

derramamento.

Acresce que a análise destas situações de derramamento não deve debruçar-se sobre a

fortuitidade da mesma ou a vontade, ou, ainda, o conhecimento ou o desconhecimento do

detentor das substâncias relativamente à ocorrência do referido derramamento, sendo que,

a menos que se comprove existir uma forte probabilidade de, apesar do derramamento, as

substâncias serem utilizadas, se mantém a presunção de que o detentor perdeu o interesse

nas mesmas, e essa perda de interesse é independente do facto de o derramamento ter sido

acidental ou voluntário, conhecido ou ignorado pelo detentor.

Por último, e a respeito da simples mistura de substâncias, o que sucede é que, tal como

no caso do derramamento de substâncias acabado de referir, a mesma, pode ser

considerada uma forma de o detentor desfazer-se das mesmas, quando as circunstâncias

do caso revelem, no máximo, uma mera probabilidade de as substâncias serem utilizadas

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e não se comprove que o detentor tem uma intenção real de utilizá-las, e/ou se considere

que a mistura coloca em risco a saúde humana e/ou o ambiente.

A partir da análise destes exemplos, respeitantes a situações em que o detentor dos

objectos ou substâncias deles se desfaz ou tem a intenção de se desfazer, e sintetizados

da principal jurisprudência do TJUE sobre a matéria, cumpre concluir, desde já, que: em

primeiro lugar, a expressão ‘desfazer-se’ está intimamente associada, por um lado, à

ausência ou à perda de interesse do detentor do objecto ou substância no mesmo, e, por

outro, à necessidade de garantir a protecção da saúde humana e do ambiente; em segundo

lugar, podem ser reconduzidos, ao acto de desfazer-se de objectos ou substâncias, tanto

actuações propriamente ditas do detentor, como, inclusivamente, factos que sejam, de

alguma forma, imputáveis àquele sujeito; e, por último, o acto ou a intenção de desfazer-

se de um objecto ou substância podem derivar, simplesmente, da inexistência de uma

intenção real de utilizar o objecto ou substância em causa, distinguindo-se aqueles acto e

intenção, unicamente, pelo facto de o primeiro consubstanciar uma actuação ou um facto

com contornos materiais, já concretizado, ao passo que a segunda consiste num propósito,

a concretizar no futuro170.

Por fim, quanto à obrigação do detentor de desfazer-se de determinados objectos ou

substâncias, o TJUE teve, já, também, oportunidade de pronunciar-se em algumas

situações, pelo que cabe iniciar a análise deste ponto pela apresentação dos excertos mais

relevantes da sua jurisprudência sobre o mesmo:

No caso Palin Granit, o Tribunal avançou que “unicamente na hipótese de [a] utilização

dos […] resíduos [como matéria-prima e sem transformação prévia, no processo de

produção, para assegurar o enchimento necessário das galerias,] ser proibida,

designadamente[,] por razões de segurança ou de protecção do ambiente, e [de] as galerias

[deverem] ser fechadas e escoradas através de outro processo, […] se deverá […]

considerar que o detentor tem o dever de se desfazer desse[s] resíduos e […] estes

constituem resíduos. Fora desta hipótese, se um detentor de uma exploração mineira

puder identificar fisicamente os resíduos que serão efectivamente utilizados nas galerias

170 Nas palavras de ALEXANDRA ARAGÃO, o primeiro corresponde à “situação «histórica», em que o

detentor já se desfez da substância ou objecto”, enquanto a segunda se traduz na “situação «psicológica»,

em que o detentor da substância ou objecto ainda não se desfez da coisa, mas pretende desfazer-se dela” –

cfr. O Direito…, p. 23.

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e fornecer à autoridade competente garantias suficientes dessa utilização, esses resíduos

não devem ser considerados resíduos”171.

No caso Comissão c. Espanha, observou que “(…) a análise que permite que se considere

que, em determinadas situações, um resíduo de produção não é um resíduo[,] mas um

subproduto ou uma matéria-prima reutilizável na continuidade do processo de produção,

não se pode aplicar aos cadáveres de animais de criação, quando esses animais morram

na exploração [pecuária] e não tenham sido abatidos para consumo humano. Com efeito,

esses cadáveres não podem, em regra, ser reutilizados para alimentação humana. São

considerados[,] pela regulamentação comunitária, […] «resíduos animais» e, além disso,

resíduos incluídos na categoria das «matérias de alto risco», que têm de ser transformados

em instalações aprovadas pelos Estados-Membros ou eliminados por incineração ou

enterramento. […] [Essas] matérias podem ser utilizadas para a alimentação de animais

que não se destinem a consumo humano, mas apenas ao abrigo de autorizações emitidas

pelos Estados-Membros e sob supervisão veterinária das autoridades competentes”172.

Consequentemente, “[os] cadáveres mortos na exploração em causa não podem, de forma

alguma, ser utilizados em condições que permitam subtraí-los à definição de ‘resíduos’,

na acepção da Directiva 75/442[/CEE]. O detentor desses cadáveres tem efectivamente a

obrigação de se desfazer deles, de modo que essas matérias têm de ser consideradas

resíduos”173.

Em termos semelhantes, no caso Shell Nederland, o TJUE concluiu que, “[no] que diz

respeito a uma eventual «obrigação de se desfazer» do carregamento [do gasóleo

misturado com outra substância], na acepção do artigo 1.º, n.º 1, alínea a), da Directiva

2006/12/CE, há, desde logo, que observar que não existe, a priori, nenhuma obrigação

absoluta de eliminar este carregamento, [contanto] não consista numa substância proibida

ou ilegal ou seja composto por matérias de risco especificadas que o detentor esteja

obrigado a eliminar […]”174.

171 Cfr. n.ºs 36 a 39.

172 Cfr. n.ºs 91 e 92.

173 Cfr. n.º 93.

174 Cfr. n.º 43.

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Por sua vez, no caso Paul Van de Walle, fez notar que “(…) os hidrocarbonetos

acidentalmente derramados são […] considerados resíduos perigosos […]” e que “[a]

mesma qualificação de «resíduo», na acepção da Directiva 75/442[/CEE], impõe-se

relativamente ao solo contaminado na sequência do derramamento acidental de

hidrocarbonetos. Efectivamente, nesse caso, os hidrocarbonetos não são separáveis das

terras que poluíram e só podem ser valorizados ou eliminados se as referidas terras forem

igualmente objecto das necessárias operações de descontaminação. Esta interpretação é a

única que garante o respeito dos objectivos de protecção dos meios naturais e de proibição

do abandono dos resíduos visados pela referida directiva. […] A qualificação como

resíduos, no que respeita às terras poluídas por hidrocarbonetos, depende, por isso,

efectivamente, da obrigação que incumbe à pessoa que está na origem do derramamento

acidental dessas substâncias de se desfazer das mesmas”175.

Por último, no caso ARCO Chemie Nederland, o TJUE observou que “(…) a utilização

de uma substância como os LUWA-bottoms[176] como combustível, em vez de

combustível ordinário, é um elemento que pode deixar pensar que o seu utilizador se

desfaz desse produto, quer porque o deseja fazer, quer porque a isso é obrigado”, e que

“(…) [a] circunstância [de a substância ser um resíduo para o qual nenhuma outra

utilização além da eliminação poder ser encarada] deixa supor que o detentor da

substância apenas a adquiriu com o objectivo de dela se desfazer, quer porque o deseja

fazer, quer porque a isso é obrigado, por exemplo em razão de um acordo com o produtor

da substância ou com outro detentor”177.

Ora, destes excertos da jurisprudência do TJUE, decorre, desde logo, que a obrigação do

detentor de um objecto ou substância de dele se desfazer pode ter origem legal178, mas,

também, convencional. E resulta, ademais, em síntese, que a obrigação legal de desfazer-

se de um objecto ou substância pode derivar de vários factores, como sejam os de: a

utilização ou o objecto ou substância serem proibidos ou ilegais; o objecto ou substância

175 Cfr. n.ºs 51 e 52.

176 Os LUWA-bottoms são uma substância destinada a ser utilizada como combustível na indústria

cimenteira, e que resulta da extracção do molibdénio do fluxo de hidrocarbonetos gerados num dos

processos de fabrico da ARCO Chemie Nederland – cfr. Acórdão ARCO Chemie, n.º 12.

177 Cfr. n.ºs 85 e 86.

178 ALEXANDRA ARAGÃO descreve, por isso, a obrigação de desfazer-se como “a situação «legal», em que

o detentor está obrigado por lei a desfazer-se do resíduo” – cfr. O Direito…, p. 23.

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ser composto por matérias de risco; o objecto ou substância ser considerado, pela

legislação aplicável, como resíduo, resíduo perigoso ou matéria de alto risco; não ser

possível a utilização ou reutilização do objecto ou substância; o objecto ou substância a

utilizar não se encontrar devidamente identificado; o detentor do objecto ou substância

não oferecer garantias suficientes da utilização do mesmo; ou a obrigação de desfazer-se

do objecto ou substância ser a contrapartida necessária da garantia do respeito dos

objectivos de protecção do ambiente e de proibição de abandono dos resíduos.

Verifica-se, assim, que, e ao contrário do que sucede relativamente ao acto e à intenção

de desfazer-se de um objecto ou substância, a obrigação de fazê-lo não depende de – nem

é necessariamente determinada por – a vontade do detentor, nem da inexistência de uma

sua intenção de utilizar o objecto ou substância em causa. Na verdade, e mesmo nas

situações em que seja celebrado um acordo que expresse a vontade do detentor do objecto

ou substância de dele se desfazer – situações essas em que, para além da intenção de

desfazer-se do objecto ou substância, o detentor tem a obrigação de dele se desfazer,

assumida por via convencional –, a volição do detentor não tem pertinência para efeitos

da determinação da existência, ou não, de uma obrigação de desfazer-se do objecto ou

substância, apenas relevando os elementos objectivos que traduzam a existência de um

acordo nesse sentido ou de um risco de prejuízo para bens fundamentais como o ambiente

e a saúde humana.

Esses elementos – tal como quaisquer outros que devam ser considerados para a

verificação da existência, ou não, de um acto ou uma intenção do detentor do objecto ou

substância de dele se desfazer – deverão ser revelados pelas circunstâncias de cada caso

concreto.

Em todo o caso, a conclusão pela existência, ou não, de um acto, uma intenção ou uma

obrigação do detentor do objecto ou substância de dele se desfazer poderá, também, ser

extraída a partir de indícios daqueles acto, intenção ou obrigação.

Com efeito, da jurisprudência do TJUE, decorre, por um lado, que “(…) certas

circunstâncias podem constituir indícios da existência de uma acção, de uma intenção ou

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de uma obrigação de se desfazer [de objectos ou substâncias] […]”179, e, por outro, que

consubstanciam indícios da existência de um resíduo, designadamente:

a) O facto de o objecto ou substância ser um resíduo de produção180;

b) O facto de apenas se perspectivar a eliminação como destino possível para o

objecto ou substância181;

c) O facto de o detentor do objecto ou substância o considerar como resíduo

(nomeadamente, nos seus registos)182;

d) O facto de o objecto ou substância ser submetido a uma operação de eliminação

ou valorização183;

e) O facto de a composição do objecto ou substância não ser adaptada à utilização

que dela é feita184;

f) A composição química do objecto ou substância185;

g) A circunstância de a utilização de uma substância dever fazer-se em condições

especiais de precaução, em razão da perigosidade da sua composição para o

ambiente186.

Aqui chegados, pode concluir-se que a expressão ‘desfazer-se’ traduz, essencialmente, a

renúncia ou a perda do controlo de um objecto ou substância, em virtude do desvalor

associado a esse objecto ou substância, e que esse desvalor pode decorrer da ausência ou

da perda de interesse do detentor no objecto ou substância em causa ou, unicamente, do

risco que tal objecto ou substância representa para o ambiente e a saúde humana.

Em todo o caso, é certo que, mesmo quando o desvalor deriva da ausência ou da perda de

interesse do detentor no objecto ou substância, mantém-se, como pano de fundo da

qualificação deste como ‘resíduo’ e da consequente aplicação da legislação fundamental

em matéria de resíduos, a necessidade de assegurar um nível elevado de protecção do

179 Cfr. Acórdão ARCO Chemie Nederland, n.º 83.

180 Cfr. Acórdãos ARCO Chemie Nederland, n.º 84, e Palin Granit, n.º 32.

181 Cfr. Acórdão ARCO Chemie Nederland, n.º 86.

182 Cfr. Acórdão ARCO Chemie Nederland, n.º 871.

183 Cfr. Acórdão ARCO Chemie Nederland, n.ºs 69, 94 e 95.

184 Cfr. Acórdãos ARCO Chemie Nederland, n.º 87, e Palin Granit, n.º 43.

185 Cfr. Acórdão Comissão c. República Checa, n.º 74.

186 Cfr. Acórdãos ARCO Chemie Nederland, n.º 87, e Palin Granit, n.º 43.

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ambiente e da saúde humana, face ao elevado risco de o detentor do objecto ou substância

a que está associado o desvalor, designadamente, o abandonar, impedir a sua gestão ou

não o sujeitar às necessárias e adequadas operações de gestão, e não suportar os custos

dessa gestão187.

A expressão ‘desfazer-se’ – como, aliás, o conceito de ‘resíduos’ – encontra-se, assim,

funcionalizada à protecção do ambiente e da saúde humana, e deve ser lida, de forma

extensiva, à luz deste objectivo e dos princípios da precaução e da acção preventiva, para

limitar os riscos ou prejuízos inerentes à natureza dos resíduos.

Após este percurso de densificação do conceito de ‘resíduos’, e concretizando a ligação

do mesmo com o tema da presente dissertação, cumpre, finalmente, referir que a aquisição

da natureza de resíduo por um objecto ou substância determina, em termos abstractos, a

aplicação, ao mesmo, do RGGR, e, consequentemente, a sujeição de diversos sujeitos a

princípios, deveres e obrigações múltiplos, como sejam os princípios da responsabilidade

pela gestão dos resíduos e pelos respectivos custos188, da protecção da saúde humana e

do ambiente189, da hierarquia dos resíduos190, da regulação da gestão de resíduos191, ou

da responsabilidade alargada do produtor do produto192, ou os deveres e obrigações a

observar para e na execução de operações de gestão de resíduos193.

2.1.3. Prevenção de resíduos

Para os efeitos do estabelecido no RGGR, o termo ‘prevenção’ refere-se à “adopção de

medidas antes de uma substância, material ou produto assumir a natureza de resíduo,

destinadas a reduzir: i) [a] quantidade de resíduos produzidos, designadamente através da

187 ALEXANDRA ARAGÃO refere, a este propósito, que “[o] relativo desinteresse pela coisa reflecte-se

também num desinteresse pelo destino da coisa, o que explica a natural falta de cuidado no manuseamento,

no acondicionamento, no transporte e na escolha do destino final dos resíduos” – cfr. O Direito…, p. 8.

188 Cfr. artigo 5.º do RGGR.

189 Cfr. artigo 6.º do RGGR.

190 Cfr. artigo 7.º do RGGR.

191 Cfr. artigo 9.º do RGGR.

192 Cfr. artigo 10.º-A do RGGR.

193 Cfr., designadamente, artigos 20.º e seguintes, 23.º, 32.º e 48.º do RGGR.

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reutilização de produtos ou do prolongamento do tempo de vida dos produtos; ii) [os]

impactes adversos no ambiente e na saúde humana resultantes dos resíduos produzidos;

ou iii) [o] teor de substâncias nocivas[194] presentes nos materiais e nos produtos”195. Está-

se, aqui, perante a definição de ‘prevenção de resíduos’ em sentido estrito, que respeita à

adopção de medidas durante, tão-só, a fase designada como ‘pré-resíduos’ – fase prévia

à aquisição, pela substância, material ou produto, da natureza de resíduo –, que se

distingue da prevenção de resíduos em sentido amplo, referente à adopção de medidas

destinadas a prevenir os resíduos e os impactes adversos no ambiente e na saúde humana

resultantes dos resíduos produzidos, tanto na mencionada fase ‘pré-resíduos’, como na

fase ‘pós-resíduos’ – na qual o material, substância, ou objecto, após ter adquirido a

natureza de resíduo e sido submetido a uma operação de valorização, deixa de ser

considerado resíduo, em virtude de lhe ser aplicado o fim desse estatuto, nos termos do

artigo 44.º-B do RGGR.

Com efeito, e a título ilustrativo, a reutilização196 constitui sempre uma acção de

prevenção de resíduos, pelo menos, em sentido amplo, porquanto, mesmo que ocorra,

apenas, após o material, substância ou produto já ter adquirido o estatuto de resíduo e ter

sido levada a cabo, sobre o mesmo, uma operação de preparação para reutilização ou

outra operação de valorização, não deixa de permitir, não só, reduzir a produção de

resíduos – aos níveis quantitativo e qualitativo197 – e, em necessária decorrência, os

impactes no ambiente e na saúde humana e os custos económicos da gestão de resíduos,

como, também, reduzir o consumo e a extracção de recursos naturais para a criação de

novos produtos198.

194 Na sequência da recente alteração da Directiva 2008/98/CE pela Directiva 2018/851, a expressão

“substâncias nocivas” deverá ser substituída pela de “substâncias perigosas” – cfr. artigo 1.º, n.º 3, alínea

e), da Directiva 2018/851.

195 Cfr. artigo 3.º, alínea x), do RGGR na redacção dada pelo Decreto-Lei 73/2011.

196 Definida no artigo 3.º, alínea nn), do RGGR na redacção dada pelo Decreto-Lei 73/2011.

197 A prevenção de resíduos permite, por um lado, diminuir a quantidade de resíduos produzidos, por

exemplo, através da redução do consumo, da reutilização, da reparação e do restauro dos produtos

(prevenção quantitativa); mas permite, também, restringir a perigosidade dos resíduos posteriormente

produzidos, mediante, designadamente, o desenvolvimento de modelos inovadores de produção que

reduzam o teor de substâncias perigosas nos materiais e produtos (prevenção qualitativa).

198 Estes objectivos verificam-se mesmo no caso da prevenção de resíduos em sentido amplo, pois as

substâncias, materiais e produtos que, entretanto, se tornaram resíduos, mas foram, de seguida, sujeitos a

uma ou várias operações de valorização e deixaram de ser considerados resíduos, saíram do ciclo da gestão

de resíduos para voltarem a ser utilizados como produtos.

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Assim, a prevenção de resíduos traduz-se, em substância, para além de num objectivo da

política e da legislação em matéria de resíduos e numa vertente do princípio da

prevenção199, numa actividade corporizada na adopção de medidas destinadas a reduzir a

produção de resíduos, os impactes adversos no ambiente e na saúde humana, os custos

económicos da gestão de resíduos, e o consumo e a extracção de recursos naturais para a

criação de novos produtos.

Dada a sua ligação intrínseca a produtos ainda não-qualificados como resíduos, a

prevenção de resíduos em sentido estrito ocorre na designada fase ‘pré-resíduos’ e

encabeça a hierarquia dos resíduos, consubstanciando a primeira das opções da política e

da legislação em matéria de resíduos200.

A actividade de prevenção, incluída no âmbito de aplicação positivo do RGGR, é

concretamente desempenhada através, por exemplo, da elaboração, avaliação e revisão

periódica de programas de prevenção de resíduos pelo Estado201, 202, a imputação, ao

produtor do produto, da responsabilidade pelos impactes ambientais e pela produção de

resíduos decorrentes do processo produtivo e da posterior utilização dos respectivos

produtos, bem como da sua gestão quando atingem o final de vida203, e da adopção, pelos

cidadãos, de comportamentos de carácter preventivo em matéria de produção de resíduos,

199 ALEXANDRA ARAGÃO refere este tipo de prevenção como a vertente do princípio da prevenção que visa

evitar a produção de resíduos, e que designa, por isso, como “prevenção de resíduos”, distinta da vertente

da “prevenção dos danos”, que visa “fomentar a boa gestão dos resíduos, de forma compatível com o

ambiente” – cfr. O Direito…, p. 12.

200 Cfr. artigo 7.º, n.º 1, alínea a), do RGGR na redacção dada pelo Decreto-Lei 73/2011.

201 Cfr. artigos 17.º-A e 18.º do RGGR.

202 Em Portugal, foi elaborado e aprovado o Programa de Prevenção de Resíduos Urbanos (PPRU) para o

período de 2009-2016 – em anexo ao Despacho n.º 3227/2010, de 22 de Fevereiro, publicado no DR n.º

36/2010, Série II, de 22-02-2010, pp. 7650-7704, disponível em https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-

/search/1674629/details/maximized?p_p_auth=LY0EXyCx –, integrado no âmbito do Plano Estratégico

para os Resíduos Sólidos Urbanos para o período de 2007-2016 (PERSU II) – aprovado em anexo à Portaria

n.º 187/2007, de 12 de Fevereiro, publicada no DR n.º 30/2007, Série I, de 12-02-2007, pp. 1045-1118,

disponível em https://data.dre.pt/eli/port/187/2007/02/12/p/dre/pt/html –, com os objectivos, metas,

medidas, acções e mecanismos para a operacionalização e monitorização da prevenção de resíduos urbanos

produzidos em Portugal. Em 2014, o PPRU e o PERSU II foram revistos e integrados pelo Plano Estratégico

para os Resíduos Sólidos Urbanos para o período de 2014-2020 (PERSU 2020) – aprovado pela Portaria

n.º 187-A/2014, de 17 de Setembro, publicada no DR n.º 179/2014, 1.º Suplemento, Série I, de 17-09-2014,

pp. 5004-(2)-5004-(4), disponível em https://data.dre.pt/eli/port/187-a/2014/09/17/p/dre/pt/html –, que,

para além de rever as metas definidas no PPRU, veio orientar os objectivos de prevenção e gestão de

resíduos pelo “paradigma de uma economia tendencialmente circular, com optimização dos recursos

materiais e energéticos” – cfr. PERSU 2020, capítulo 2, subcapítulo 2.1., ponto 40.

203 Cfr. artigo 10.º-A, n.ºs 1 e 2, do RGGR.

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bem como de práticas que facilitem a reutilização dos produtos, em conformidade com o

princípio da responsabilidade do cidadão204.

Embora não expressamente referida no normativo que definia o âmbito objectivo positivo

de aplicação do RGGR, a prevenção de resíduos encontrava-se, já, prevista na versão

originária deste diploma, como objectivo prioritário da política de gestão de resíduos205,

e como opção preferencial à eliminação definitiva de resíduos206. Todavia, no domínio da

Directiva 2008/98/CE, e, nessa sequência, do RGGR, após a sua alteração pelo Decreto-

Lei 73/2011, a prevenção de resíduos foi, mais claramente, elevada a opção prioritária da

política e da legislação em matéria de resíduos, e definida como actividade

correspondente à adopção de medidas concretas por sujeitos determinados, pelo que,

apesar de se tratar de um conceito que, neste âmbito, se encontra, necessariamente,

funcionalizado à gestão dos resíduos, não deixa de dever, hoje, ser entendido como

expressão da mudança de paradigma introduzida pela Directiva 2008/98/CE e reforçada

pela Directiva 2018/851, no sentido, designadamente, da transformação da gestão de

resíduos em gestão sustentável dos materiais e da transição para uma economia

verdadeiramente circular.

2.1.4. Produção de resíduos

O conceito de ‘produção de resíduos’, não se encontrando expressamente definido no

RGGR nem na Directiva 2008/98/CE, poderá, num primeiro momento, ser entendido, a

partir das definições de ‘prevenção de resíduos’ e de ‘produtor de resíduos’, como a

actuação, levada a cabo no âmbito da actividade de um sujeito, e mediante a qual uma

substância, um material ou um produto passam a assumir a natureza de resíduo (produção

inicial de resíduos) ou a sujeição, de um objecto ou substância já previamente qualificado

como resíduo, a qualquer operação (de pré-processamento, mistura ou outra) que conduza

204 Cfr. artigo 8.º do RGGR.

205 Cfr. artigo 6.º do RGGR, na sua versão originária.

206 Cfr. artigo 7.º, n.º 2, do RGGR, na sua versão originária.

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à alteração da natureza ou da composição do referido objecto ou substância207 (nova

produção de resíduos).

Acontece que o conceito de ‘produção de resíduos’ não poderá ser restringido às

actuações levadas a cabo pelo produtor de resíduos tal como definido nos identificados

diplomas, pois que aquela acepção de ‘produtor de resíduos’ tem por referência, apenas,

os resíduos gerados no âmbito de uma actividade profissional, excluindo, desde logo, por

exemplo, os resíduos provenientes das habitações – ‘resíduos urbanos’208 –, aos quais não

deixa, contudo, de ser aplicável o RGGR.

A produção de resíduos corresponde, assim, e em termos mais amplos e comuns, à

geração de um resíduo, ou, pelo menos, de um resíduo novo, coincidente com a prática

de um acto, ou com o surgimento de uma intenção ou uma obrigação do detentor de um

objecto ou substância de dele se desfazer.

A produção de um resíduo marca, no caso da produção inicial de resíduos, o início do

ciclo de vida de um objecto ou substância como resíduo, e, no caso da produção de um

resíduo com natureza ou composição distintas, o início do ciclo de vida de um resíduo

novo, e acarreta uma série de deveres e obrigações a cargo do produtor e/ou outro detentor

do objecto ou substância em causa, ou, até, do produtor do produto gerador dos resíduos,

com o objectivo fundamental de alcançar um nível elevado de protecção da saúde humana

e do ambiente e, designadamente, de assegurar que a responsabilidade pelos custos da

gestão de resíduos é repartida em conformidade com o princípio do poluidor-pagador.

207 Cfr. artigos 3.º, alínea z), do RGGR na redacção dada pelo Decreto-Lei 73/2011, e 3.º, n.º 5, da Directiva

2008/98/CE.

208 Entende-se por ‘resíduo urbano’ “o resíduo proveniente de habitações[,] bem como outro resíduo que,

pela sua natureza ou composição, seja semelhante ao resíduo proveniente de habitações” – cfr. artigo 3.º,

alínea mm), do RGGR. Na Directiva 2008/98/CE, está, actualmente, contida uma definição

substancialmente semelhante, introduzida pela Directiva 2018/851 – cfr. artigo 3.º, n.º 2-B.

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60

2.1.5. Gestão de resíduos

Por fim, a ‘gestão de resíduos’, surgindo definida, no RGGR, como “a recolha, o

transporte, a valorização e a eliminação de resíduos (…)”209, engloba um vasto leque de

operações e actividades, todas elas levadas a cabo na fase ‘resíduos’.

2.1.5.1. A recolha de resíduos

A recolha, em sentido estrito, consubstancia “a colecta de resíduos […] para fins de

transporte para uma instalação de tratamento de resíduos”210. Todavia, nos termos amplos

do disposto no artigo 3.º, alínea cc), do RGGR, a operação de recolha abrange, também,

“a triagem e o armazenamento preliminares dos resíduos” para aqueles mesmos fins.

Os legisladores comunitário e nacional não estabeleceram qualquer definição de ‘triagem

preliminar’, tendo, apenas, o último definido ‘triagem’ como “o acto de separação de

resíduos mediante processos manuais ou mecânicos, sem alteração das suas

características, com vista ao seu tratamento”211. Esta triagem é, assim, efectuada,

expressamente, com vista ao tratamento dos resíduos212.

Por contraposição com a definição de ‘triagem’, parece de concluir que a ‘triagem

preliminar’, sendo preliminar e orientada ao transporte dos resíduos (colectados, triados

e/ou armazenados preliminarmente) para uma instalação de tratamento dos mesmos,

poderá ser definida como “o acto de separação de resíduos mediante processos manuais

ou mecânicos, sem alteração das suas características”213, com vista ao seu transporte para

uma instalação de tratamento de resíduos.

Quanto ao ‘armazenamento preliminar’, o mesmo, embora não constando da listagem de

definições do artigo 3.º da Directiva 2008/98/CE, vem expressamente definido no RGGR,

sob a expressão ‘armazenagem preliminar’, como “a deposição controlada de resíduos,

no próprio local de produção, por período não-superior a um ano, antes da recolha, em

209 Cfr. artigo 3.º, alínea p), do RGGR na redacção dada pelo Decreto-Lei 73/2011.

210 Cfr. artigo 3.º, alínea cc), do RGGR na redacção dada pelo Decreto-Lei 71/2016.

211 Cfr. artigo 3.º, alínea pp), do RGGR na redacção dada pelo Decreto-Lei 73/2011.

212 Definido no artigo 3.º, alínea oo), do RGGR na redacção dada pelo Decreto-Lei 73/2011.

213 Cfr. artigo 3.º, alínea pp), do RGGR na redacção dada pelo Decreto-Lei 73/2011.

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instalações onde os resíduos são produzidos ou descarregados a fim de serem preparados

para posterior transporte para outro local para efeitos de tratamento”214. Ora, esta

definição, para além de estar redigida em termos pouco claros e que dificultam a sua

interpretação, corporiza, segundo cremos, a confusão que o legislador comunitário gerou

através, por um lado, da não-inclusão, no artigo 3.º, de uma definição de ‘armazenamento

preliminar’, por outro, da utilização do termo ‘preliminar’ para referir dois tipos de

armazenamento distintos, e, por outro, ainda, da introdução de duas pequenas notas de

rodapé em dois anexos da Directiva n.º 2008/98/CE. Se não, veja-se:

No âmbito da Directiva 75/442/CEE, não era feita qualquer distinção entre diferentes

tipos de armazenamento, apenas se referindo o ‘armazenamento de resíduos’, que, a par

da recolha, da triagem, do transporte, do tratamento e do depósito (“à superfície ou

enterrado”), bem como das operações de transformação necessárias à reutilização,

recuperação ou reciclagem de resíduos, era considerado uma das operações de eliminação

de resíduos215.

Posteriormente, em 1991, aquando da primeira alteração da Directiva 75/442/CEE, pela

Directiva 91/156/CEE, foram introduzidos, naquela, os anexos II A e II B, concernentes

a, respectivamente, “operações de eliminação” e “operações de que [resultasse] uma

possibilidade de aproveitamento”, também designadas como “operações de

aproveitamento”. No anexo II A, passou, então, a ser feita referência a três tipos distintos

de armazenamento: o “armazenamento permanente (por exemplo, colocação de

contentores em minas, etc.)”216, o “armazenamento antes de uma das operações [de

eliminação] referidas no [anexo II A]”217, e o “armazenamento temporário, antes da

recolha, no local onde esta [era] efectuada” 218 – rectius, no local da produção dos

resíduos219. No anexo II B foi, também, mencionado este último tipo de

214 Cfr. artigo 3.º, alínea c), introduzida pelo Decreto-Lei 73/2011.

215 Cfr. artigo 1.º, alínea b).

216 Cfr. ponto D 12.

217 Cfr. ponto D 15, primeira parte.

218 Cfr. ponto D 15, segunda parte.

219 Na versão portuguesa da Directiva n.º 91/156/CEE, escreveu-se: “no local onde esta [i.e., a recolha] é

efectuada”. Todavia, na versão oficial inglesa, lia-se: “temporary storage, pending collection, on the site

where it is produced”; na italiana, referia-se o “deposito temporaneo, prima della raccolta, nel luogo in

cui sono prodotti”; e, nas versões espanhola e francesa, mencionavam-se, respectivamente, o

“almacenamiento temporal previo a la recogida en el lugar de producción” e o “stockage temporaire,

avant collecte, sur le site de production”. Ora, apesar de, em nenhuma destas versões, lhe ser feita expressa

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armazenamento220, assim como a “acumulação de materiais para serem submetidos a uma

das operações [de aproveitamento] referidas no [anexo II B]”221. De acordo com o

plasmado nestes anexos, o armazenamento permanente era uma operação de eliminação;

o armazenamento efectuado antes de uma operação de eliminação, e exceptuando o

armazenamento temporário, antes da recolha, no local da produção dos resíduos, era,

também, uma operação de eliminação; e a acumulação de materiais para serem

submetidos a uma operação de aproveitamento, com excepção, igualmente, do

armazenamento temporário, antes da recolha, no local da produção dos resíduos, era uma

operação de aproveitamento.

A distinção entre o ‘armazenamento temporário’, antes da recolha, no local da produção

dos resíduos e o ‘armazenamento preliminar’ às operações de eliminação ou de

aproveitamento elencadas, respectivamente, nos anexos II A e II B foi, ademais,

assinalada, pelo TJUE, por via do Acórdão Lirussi e Bizzaro, no qual, à questão sobre se

o conceito de ‘armazenagem temporária’ se distinguia do de ‘armazenagem preliminar’

de resíduos e se se inseria na noção de ‘operação de gestão’ na acepção do artigo 1.º,

alínea d), da Directiva 75/442/CEE, na redacção introduzida pela Directiva 91/156/CEE,

aquele Tribunal respondeu que “o conceito de ‘armazenagem temporária’[, antes da

recolha, no local de produção,] se [distinguia] do de ‘armazenagem preliminar’ de

resíduos e não se [inseria] na noção de ‘operação de gestão’ na acepção do artigo 1.º,

alínea d), da Directiva […] 75/442/CEE”222, uma vez que, precisando “os anexos II A e

II B, nos pontos D 15 e R 13, respectivamente, que a operação de armazenagem

temporária [tinha] lugar antes da operação de recolha de resíduos e [constituía] uma

operação preparatória a uma das operações de aproveitamento ou de eliminação

enumeradas nos anexos II A e II B, pontos D 1 a D 15 e R 1 a R 13, respectivamente, da

Directiva […} 75/442/CEE”223, a armazenagem temporária “[deveria] ser definida como

referência, cremos dever, já então, ter-se por certo que o local “where it [i.e., the waste] is produced”, “in

cui [i rifiuti] sono prodotti”, “de producción [de residuos]” e “de production [des déchets]” era o da

produção de resíduos – o que, aliás, acabou por ser clarificado, mais tarde, com a Directiva 2008/98/CE, na

qual se passou a aludir expressamente ao “local onde os resíduos foram produzidos”. Consequentemente,

a referência, na versão portuguesa, ao local da recolha não foi a mais acertada, sobretudo, se se tiver em

conta que nem sempre a recolha é feita no local da produção dos resíduos.

220 Cfr. ponto R 13, segunda parte.

221 Cfr. ponto R 13, primeira parte.

222 Cfr. n.º 46.

223 Cfr. n.º 44.

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a operação preliminar a uma operação de gestão de resíduos” na acepção do identificado

artigo224.

Sucede que, com a aprovação da Directiva 2008/98/CEE, foram introduzidas algumas

alterações nesta matéria, a maioria das quais foi no sentido de destacar um novo tipo de

armazenamento e de clarificar um pouco mais os diversos conceitos de armazenamento:

em primeiro lugar, frisou-se a necessidade de “fazer a distinção entre o armazenamento

preliminar de resíduos antes da recolha, a recolha de resíduos e o armazenamento de

resíduos antes do tratamento”225; em segundo lugar, reforçou-se que “os estabelecimentos

ou empresas que produzam resíduos no âmbito das suas actividades não deverão ser

considerados envolvidos na gestão de resíduos nem sujeitos a autorização para o

armazenamento dos referidos resíduos antes da recolha”226; e, em terceiro lugar, definiu-

se a ‘recolha’ como “a colecta de resíduos, incluindo a triagem e o armazenamento

preliminares dos resíduos para fins de transporte para uma instalação de tratamento de

resíduos”227, e fez-se notar que “[o] armazenamento preliminar de resíduos referido na

definição de ‘recolha’ é entendido como uma actividade de armazenamento antes de –

rectius: durante228 – a recolha nas instalações onde os resíduos são descarregados a fim

de serem preparados para posterior transporte para outro local para efeitos de valorização

ou eliminação”229.

224 Cfr. n.º 45.

225 Cfr. considerando 15, primeiro período.

226 Cfr. considerando 15, segundo período.

227 Cfr. artigo 3.º, n.º 10.

228 Seria, por natureza, logicamente incoerente considerar que o armazenamento integrado na operação de

‘recolha’ ocorreria antes desta. Em reforço desta afirmação, e embora “a formulação utilizada numa das

versões linguísticas de uma disposição do direito da União não [possa] servir de base única para a

interpretação dessa disposição, nem [possa] ser-lhe atribuído um carácter prioritário em relação a outras

versões linguísticas” – cfr. Acórdão do TJUE de 29 de Abril de 2015, Geoffrey Léger, processo C-528/13,

disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:62013CJ0528, n.º 35, e

jurisprudência aí referida –, veja-se a versão inglesa da Directiva 2008/98/CE, na qual é utilizada a

expressão “pending collection” – cfr. considerando 16, primeiro período –, que pode traduzir-se, para

português, como “antes da recolha” ou “até à recolha”, mas pode, também, significar “durante a recolha” –

cfr. “pending”, in Dicionário infopédia de Inglês – Português [em linha], “pending (prep.)”, in

American Heritage Dictionary of the English Language [em linha], 5.ª ed., 2011, disponível em

https://www.thefreedictionary.com/pending e “pending”, in Merriam-Webster.com [em linha], 2011,

disponível em https://www.merriam-webster.com/dictionary/pending –, e, consequentemente, abrange o

único sentido compatível com a definição do armazenamento preliminar, realizado durante a operação de

recolha.

229 Cfr. considerando 16.

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Ora, se, com a Directiva 91/156/CEE, ficou marcada a distinção entre o armazenamento

permanente (i), o armazenamento temporário, antes da recolha, no local da produção dos

resíduos (ii), o armazenamento antes de uma operação de eliminação (iii), e o

armazenamento antes de uma operação de aproveitamento (iv), com as alterações

introduzidas pela Directiva 2008/98/CE, passou, também, a distinguir-se, daqueles, o

armazenamento preliminar referido na definição de ‘recolha’ (v), que é o armazenamento

operado, já não no local da produção dos resíduos (sendo este o supra designado

‘armazenamento temporário’), nem, ainda, nas instalações de tratamento, mas nas

instalações onde os resíduos são descarregados a fim de serem preparados para posterior

transporte para uma instalação de tratamento230. E, com estas alterações, tornou-se

evidente que o armazenamento preliminar contido na definição de ‘recolha’ (v) é uma

operação inteiramente distinta, tanto do armazenamento temporário, antes da recolha, no

local da produção dos resíduos (ii), quanto do armazenamento prévio a uma operação de

tratamento (iii, iv): o referido armazenamento temporário (ii), por um lado, ocorre no

local da produção dos resíduos, a montante de qualquer operação de recolha em sentido

amplo, e, por isso, ainda antes de qualquer operação de gestão de resíduos, tendo em conta

que a recolha é a primeira dessas operações, efectuada previamente ao transporte e ao

tratamento de resíduos – o que justifica, aliás, que os estabelecimentos ou empresas que

produzam resíduos no âmbito das suas actividades não careçam da obtenção de

autorização para o armazenamento temporário destes antes da recolha231 –, ao passo que

o armazenamento preliminar referido na definição de ‘recolha’ (v) tem lugar, já, no

âmbito da operação de recolha em sentido amplo – e, consequentemente, da gestão de

resíduos –, e é efectuado nas instalações onde os resíduos são descarregados a fim de

serem preparados para posterior transporte para uma instalação de tratamento – sendo

que, por sua vez, também aqui poderão ser armazenados, até à sua valorização ou

eliminação, e, neste caso, o armazenamento é designado como ‘armazenamento antes do

tratamento’ (iii, iv).

Acresce que o armazenamento temporário, antes da recolha, no local da produção dos

resíduos (ii), ocorrendo a montante da gestão de resíduos, e na medida em que seja

230 Cfr. considerando 16 da Directiva 2008/98/CE.

231 Cfr. considerando 15, segundo período, da Directiva 2008/98/CE.

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efectuado por período não-superior a um ano232 e no respeito pelas especificações técnicas

aplicáveis233, não está, por norma, sujeito à obtenção de qualquer autorização

administrativa para o efeito – seja licenciamento234 ou licenciamento em procedimento

de regime simplificado235 –, nem requer a inscrição do armazenador/produtor e/ou o

registo de dados no SIRER236, enquanto o armazenamento preliminar referido na

definição de ‘recolha’ (v), ocorrendo, já, no âmbito da gestão de resíduos, e apesar de não

estar, por via de regra237, sujeito a licenciamento238, pressupõe a inscrição e o registo de

dados no SIRER pelas pessoas, singulares ou colectivas, que o efectuem a título

profissional239. Por último, o armazenamento prévio às operações de tratamento (iii, iv),

sendo, ele próprio, uma operação de tratamento240, é uma actividade que está sujeita a

licenciamento, por razões de saúde pública e de protecção do ambiente241 – ainda que

determinadas operações de valorização energética estejam isentas desse licenciamento242,

e certas operações de eliminação e de valorização estejam, apenas, sujeitas a

licenciamento em procedimento de regime simplificado243.

Ante esta distinção entre os diversos tipos de armazenamento, e tendo, sobretudo, em

conta que nem todos eles estão sujeitos à obtenção de licenciamento ou, mesmo, à

obrigação de inscrição e registo de dados no SIRER, conclui-se ser de toda a conveniência

a máxima clarificação dos respectivos conceitos.

232 Cfr. artigos 3.º, alínea c), e 32.º, n.º 1, alínea b), parte final, a contrario, do RGGR.

233 Cfr. artigo 32.º, n.º 1, alínea b), parte final, do RGGR.

234 Cfr. artigo 23.º, n.º 1, primeiro parágrafo, da Directiva 2008/98/CE, e artigo 23.º, n.ºs 1 a 3, do RGGR,

todos a contrario.

235 Cfr. artigo 32.º, n.º 1, a contrario, do RGGR, em particular, a alínea b), in fine.

236 Cfr. artigo 26.º, primeiro parágrafo, da Directiva 2008/98/CE, e artigo 48.º do RGGR, ambos a contrario.

237 Dizemos “por regra”, pois, o armazenamento já estará sujeito a licenciamento (em procedimento de

regime simplificado), quando ocorra em centros de recepção que integram sistemas de gestão de fluxos

específicos de resíduos – cfr. artigo 32.º, n.º 1, alínea d), do RGGR.

238 Cfr. artigo 23.º, n.º 1, primeiro parágrafo, da Directiva 2008/98/CE, e artigos 23.º, n.ºs 1 a 3, e 32.º, n.º

1, todos a contrario, do RGGR.

239 Cfr. artigos 26.º, alínea a), da Directiva 2008/98/CE, e 48.º, n.º 1, alínea d), do RGGR.

240 Cfr. pontos D 15, primeira parte, do Anexo I e R 13, primeira parte, do Anexo II da Directiva 2008/98/CE

e do RGGR.

241 Cfr. artigos 23.º, n.º 1, da Directiva 2008/98/CE e 23.º, n.º 1, do RGGR.

242 Cfr. artigos 24.º da Directiva 2008/98/CE e 23.º, n.ºs 4 e 5, do RGGR.

243 Cfr. artigo 32.º, n.º 1, do RGGR.

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Não obstante, e atentas as alterações introduzidas pela Directiva 2008/98/CE nesta

matéria, verifica-se que o legislador comunitário começou por prejudicar aquela

clarificação quando, ao mesmo tempo que afirmou a necessidade de fazer a distinção

entre o armazenamento temporário, antes da recolha, a recolha de resíduos (a qual abrange

o armazenamento preliminar durante a recolha em sentido amplo), e o armazenamento de

resíduos antes do tratamento244, utilizou, por vezes, o termo ‘preliminar’ para se referir,

tanto ao armazenamento preliminar efectuado durante a recolha, como ao armazenamento

temporário, efectuado antes da recolha, no local da produção dos resíduos245, quando

poderia ter, simplesmente, reservado o termo ‘preliminar’ para designar o armazenamento

contido na definição de ‘recolha’, e o termo ‘temporário’ para aludir ao armazenamento

efectuado, antes da recolha, no local da produção dos resíduos. Ademais, a menção ao

armazenamento temporário com recurso ao termo ‘preliminar’ gera ainda mais confusões

terminológicas em virtude de, em três ocasiões246, o legislador comunitário se referir

expressamente àquele armazenamento, precisamente, através do termo ‘temporário’,

levando, assim, o intérprete a questionar-se sobre se a utilização dos termos ‘temporário’

e ‘preliminar’ é, neste domínio, meramente aleatória ou se pretende estabelecer alguma

distinção entre tipos de armazenamento…

Por outro lado, também o legislador português contribuiu para tal confusão terminológica,

designadamente, quando, na definição de ‘armazenamento preliminar’, abarcou, tanto o

armazenamento preliminar contido na definição de ‘recolha’, como o armazenamento

temporário, efectuado antes da recolha, no local da produção dos resíduos247.

Por último, verifica-se que, nos anexos II A e II B da Directiva 2008/98/CE

(correspondentes aos Anexos II A e II B da Directiva 2006/12/CE), foram aditadas duas

notas de rodapé que, tendo em conta o quadro dos tipos de armazenamento já traçado,

vieram gerar dificuldades interpretativas adicionais às acabadas de identificar.

244 Cfr. considerando 15, primeiro período.

245 Cfr. considerandos 15, primeiro período, e 16, primeiro e segundo períodos, e artigo 3.º, n.º 10, todos da

Directiva n.º 2008/98/CE.

246 No artigo sobre a rotulagem de resíduos perigosos (artigo 19.º) e nos pontos D 15 do Anexo I e R 13 do

Anexo II da Directiva (neste caso, para efeitos de excluí-lo do elenco das operações de eliminação e de

valorização de resíduos).

247 Cfr. artigo 3.º, alínea c), do RGGR.

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Com efeito, até 2008, os pontos D 15 do Anexo II A e R 13 do Anexo II B da Directiva

2006/12/CE, por um lado, incluíam, no domínio das operações de eliminação e de

valorização, a armazenagem preliminar a qualquer das operações de eliminação ou de

valorização enumeradas de D 1 a D 14 e de R 1 a R 12, respectivamente, e, por outro,

excluíam, do âmbito daquelas operações, o armazenamento temporário, antes da recolha,

no local da produção dos resíduos.

Contudo, na Directiva 2008/98/CE, os correspondentes pontos D 15 do Anexo I e R 13

do Anexo II, se bem que mantendo a referência ao armazenamento temporário, antes da

recolha, no local da produção dos resíduos, como o tipo de armazenamento excluído do

âmbito das operações de eliminação e de valorização, acrescentou, aos pontos D 15 do

Anexo I e R 13 do Anexo II, duas notas de rodapé nas quais se pode ler que “[p]or

armazenamento temporário entende-se o armazenamento preliminar, nos termos do ponto

10) do artigo 3.º”[248].

A partir daqui, pode observar-se que o armazenamento temporário parece, agora, dever

ser entendido como correspondendo ao armazenamento preliminar constante da definição

de ‘recolha’, efectuado nas instalações onde os resíduos são descarregados a fim de serem

preparados para posterior transporte para uma instalação de tratamento.

Ora, atendendo às diferenças já assinaladas entre o armazenamento temporário, antes da

recolha, e o armazenamento preliminar constante da definição de ‘recolha’, não se

compreende como se pode pretender traçar qualquer correspondência entre ambos. Aliás,

qualquer suposta correspondência entre estes conceitos seria, até, incompatível com a

necessidade, frisada pelo próprio legislador comunitário, de fazer a distinção entre o

armazenamento de resíduos antes da recolha e a recolha de resíduos, na qual se integra o

armazenamento preliminar mencionado nas mencionadas notas de rodapé da Directiva

2008/98/CE…

Como compreender, então, os segmentos do texto da Directiva que, segundo uma

interpretação meramente literal, parecem apontar no sentido de forçar aquela

correspondência? Será, ainda, possível, compatibilizar e extrair um sentido útil da leitura

248 Ou seja, o ponto que contém a definição de ‘recolha’ de resíduos.

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conjugada da segunda parte dos pontos D 15 do Anexo I e R 13 do Anexo II e das notas

de rodapé sob referência?

Face à redacção dos pontos D 15 do Anexo I e R 13 do Anexo II da Directiva, em

conjugação com as respectivas notas de rodapé, e à referida incompatibilidade entre os

conceitos de armazenamento temporário e de armazenamento preliminar contido na

definição de recolha, será, pois, de questionar se o legislador comunitário pretendeu: (i)

excluir, do âmbito das operações de eliminação e de valorização, apenas, o

armazenamento temporário, integrando, dessa forma, no domínio daquelas operações, o

novo tipo de armazenamento preliminar incluído na definição de ‘recolha’ – o que, a

suceder, esvaziaria de qualquer fundamento o aditamento das notas de rodapé em causa

–; (ii) excluir, do âmbito das operações de eliminação e de valorização, apenas, o

armazenamento preliminar contido na definição de ‘recolha’, e passar a incluir o

armazenamento temporário, antes da recolha, no local da produção dos resíduos, no

âmbito daquelas operações – o que, por seu turno, não só retiraria o sentido da

preservação, nos pontos D 15 do Anexo I e R 13 do Anexo II, da referência ao

armazenamento temporário, antes da recolha, no local da produção dos resíduos, como

acarretaria a categorização deste tipo de armazenamento como uma operação de

eliminação ou de valorização, sujeita, consequentemente, a licenciamento, em clara

oposição à exclusão dos armazenadores/produtores de resíduos do âmbito da gestão de

resíduos249 e em manifesta desproporção relativamente às exigências feitas aos

operadores que efectuam o armazenamento preliminar durante a recolha (simples

inscrição e registo de dados no SIRER) ou mesmo o armazenamento temporário irregular,

ou seja, o efectuado nas mesmas condições, mas, por exemplo, por período superior a um

ano (licenciamento simplificado) –; ou (iii) excluir, do âmbito das operações de

eliminação e de valorização, tanto o armazenamento temporário, antes da recolha, no

local da produção de resíduos, como o armazenamento preliminar constante da definição

de ‘recolha’ – caso em que, ainda assim, apenas poderia ser tida como tecnicamente

correcta a directa referência a esse tipo de armazenamento nos pontos D 15 do Anexo I e

R 13 do Anexo II da Directiva…

249 Cfr. considerando 15, segundo período, da Directiva 2008/98/CE.

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A fim de evitar a integração, no seu ordenamento interno, das confusões terminológicas

patentes, a este respeito, na Directiva 2008/98/CE, o legislador italiano, no diploma de

transposição desta Directiva250, optou por ignorar as notas de rodapé sob referência251,

mantendo, simplesmente, a redacção anterior dos pontos D 15 do Anexo I e R 13 do

Anexo II, resultante das alterações introduzidas através da Directiva 91/156/CEE252, e,

consequentemente, a exclusão do armazenamento temporário, antes da recolha, no local

da produção dos resíduos, do domínio das operações de eliminação e de valorização.

Já o legislador português incorporou, ipsis verbis, no nosso ordenamento jurídico, os

pontos D 15 do Anexo I e R 13 do Anexo II da Directiva 2008/98/CE, juntamente com

as respectivas notas de rodapé (apenas com a necessária adaptação da remissão para a

norma que contém a noção legal de ‘armazenamento preliminar’ constante da definição

de ‘recolha’)253.

Crê-se, contudo, que nenhuma destas opções foi acertada, sendo que, no caso italiano, foi

completamente desconsiderado o aditamento, pelo legislador comunitário, das notas de

rodapé aos pontos D 15 do Anexo I e R 13 do Anexo II da Directiva, e, no caso português,

foi perpetuada, e, até, agravada, a confusão terminológica decorrente da má técnica

legislativa utilizada pelo legislador comunitário, através, não só da cópia fiel da fórmula

constante da Directiva, como da adopção, no artigo 3.º, alínea c), do RGGR, de uma

definição de ‘armazenamento preliminar’ que abarca, não só o armazenamento preliminar

constante da definição de ‘recolha’, como, também, o armazenamento temporário, antes

da recolha, no local da produção dos resíduos.

No nosso entendimento, não podendo esvaziar-se de sentido a introdução, pelo legislador

comunitário, da alteração corporizada pelo aditamento das notas de rodapé aos pontos D

15 do Anexo I e R 13 do Anexo II da Directiva 2008/98/CE, mas também não sendo

aceitável, pelas razões já identificadas, uma interpretação que coloque em causa a

250 Decreto Legislativo n.º 205/2010, de 3 de Dezembro – Gazzetta Ufficiale n.º 288, de 10 de Dezembro

de 2010, Suplemento Ordinário n.º 269, disponível em

http://www.camera.it/parlam/leggi/deleghe/10205dl.htm.

251 Cfr. SONIA D’ANGIULLI, “Il nuovo deposito temporaneo e l’esteso potere di controllo della

Provincia”, in Rifiuti – bollettino di informazione normativa, n.º 180-181, Jan.-Fev. 2011, p. 49, disponível

em http://www.reteambiente.it/ra/rol/182/stralci/Nuovo_deposito_temporaneo_e_potere_Provincia.pdf.

252 Cfr. Anexos B e C do Decreto Legislativo n.º 205/2010, de 3 de Dezembro.

253 Cfr. pontos D 15 do Anexo I e R 13 do Anexo II, e notas de rodapé 3 e 5, do RGGR.

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exclusão, do domínio das operações de tratamento, do armazenamento preliminar contido

na definição de ‘recolha’, mas não do armazenamento temporário, antes da recolha, no

local da produção dos resíduos, resta, unicamente, a possibilidade de concluir que o

legislador pretendeu excluir, do domínio das operações de tratamento, tanto aquele

armazenamento preliminar, como o armazenamento temporário, esclarecendo, assim, a

não-sujeição, quer dos armazenadores/produtores, quer dos sujeitos que efectuam o

armazenamento preliminar no âmbito de operações de recolha, à obtenção de uma licença

para o efeito.

Estas confusões terminológicas e dúvidas interpretativas poderiam, e deveriam, ter sido

facilmente evitadas pelo legislador comunitário, caso: (i) o termo ‘temporário’ tivesse

sido utilizado, sempre, para aludir ao armazenamento efectuado, antes da recolha, no local

da produção dos resíduos; (ii) o termo ‘preliminar’ tivesse sido reservado para referir,

unicamente, o armazenamento efectuado durante a recolha, nas instalações onde os

resíduos são descarregados a fim de serem preparados para posterior transporte para uma

instalação de tratamento; (iii) a exclusão, do âmbito das operações de tratamento referidas

nos Anexos I e II da Directiva 2008/98/CE, do armazenamento preliminar constante da

definição de ‘recolha’ tivesse sido feita através do aditamento de uma referência a esse

tipo de armazenamento na segunda parte dos pontos D 15 e R 13 dos mencionados

anexos; e, em todo o caso, (iv) tivessem sido incluídas, no artigo que elenca as definições

relevantes para efeitos de interpretação e aplicação da Directiva 2008/98/CE (artigo 3.º),

definições claras dos vários tipos de armazenamento referidos naquele diploma

normativo.

Por sua vez, também o legislador nacional deveria ter optado por formular uma definição

de ‘armazenamento preliminar’ que não absorvesse o armazenamento temporário, antes

da recolha, no local da produção dos resíduos, sendo que, ao tê-lo feito, acabou, não só

por contribuir para o adensamento das dúvidas interpretativas que se colocam em torno

dos conceitos de ‘armazenamento temporário’ e de ‘armazenamento preliminar’, como,

também, por confundir estes dois tipos de armazenamento sob o mesmo conceito, mesmo

depois de o legislador comunitário ter realçado a necessidade de os distinguir.

Não obstante todas as dificuldades interpretativas identificadas, e face a tudo o exposto,

é possível concluir que o armazenamento preliminar, constante da definição de ‘recolha’,

consiste na deposição controlada de resíduos, durante a recolha, nas instalações onde os

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resíduos são descarregados a fim de serem preparados para posterior transporte para outro

local para efeitos de tratamento254, e distingue-se do armazenamento temporário, que

consubstancia a deposição controlada de resíduos, antes da recolha – e que é, por isso,

efectuada, ainda, a montante de qualquer operação de gestão de resíduos –, no local da

produção dos resíduos, por período não-superior a um ano255.

2.1.5.2. O transporte de resíduos

O transporte de resíduos é uma operação de gestão de resíduos, e encontra-se regulada,

no que se refere ao transporte de resíduos em território nacional, pelo RGGR, e a Portaria

n.º 145/2017, de 26 de Abril256, que, designadamente, define as regras aplicáveis ao

transporte rodoviário, ferroviário, fluvial, marítimo e aéreo de resíduos em território

nacional; quanto ao movimento transfronteiriço de resíduos da, na e para a UE, pela

Directiva 2008/98/CE, o Regulamento (CE) n.º 1013/2006, do Parlamento Europeu e do

Conselho, de 14 de Junho257 (Regulamento 1013/2006), que estabelece procedimentos e

regimes de controlo relativos a transferências de resíduos, de acordo com a origem, o

destino e o itinerário dessas transferências, o tipo de resíduos transferidos e o tipo de

tratamento a aplicar aos resíduos no seu destino258, o RGGR, e o Decreto-Lei n.º 45/2008,

de 11 de Março259, que assegura a execução e garante o cumprimento, na ordem jurídica

interna, das obrigações decorrentes, para o Estado Português, do Regulamento

1013/2006; e, ao nível internacional, no que concerne ao movimento transfronteiriço de

resíduos perigosos e sua eliminação, pela Convenção de Basileia sobre o Controlo dos

254 Cfr. considerando 16, primeiro período, da Directiva 2008/98/CE, e artigo 3.º, alínea c), trecho inicial e

segunda parte, do RGGR.

255 Cfr. considerandos 15 e 16 da Directiva 2008/98/CE, e artigo 3.º, alínea c), primeira parte, do RGGR.

256 DR n.º 81/2017, Série I, de 26-04-2017, pp. 2052-2056, disponível em

https://data.dre.pt/eli/port/145/2017/04/26/p/dre/pt/html.

257 JO L 190, de 12-07-2006, pp. 1-98, disponível em http://data.europa.eu/eli/reg/2006/1013/oj.

258 Cfr. artigo 1.º, n.º 1, do Regulamento 1013/2006.

259 DR n.º 50/2008, Série I, de 11-03-2008, pp. 1539-1543, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/45/2008/03/11/p/dre/pt/html.

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Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e sua Eliminação (Convenção de

Basileia)260.

O transporte de resíduos é uma operação levada a cabo, geralmente, entre a produção ou

a recolha de resíduos e o tratamento dos mesmos261, e as pessoas que o efectuem a título

profissional têm a obrigação de entregar os resíduos transportados em operadores

licenciados para o respectivo tratamento262.

Tratando-se de uma operação de gestão de resíduos, e tendo em conta que estes “são uma

fonte mais do que provável de variados tipos de poluição […] e causa de frequentes

impactes”263, o transporte de resíduos deve, por um lado, ser realizado no respeito do

princípio da protecção da saúde humana e do ambiente, com recurso a processos ou

métodos que não sejam susceptíveis de gerar efeitos adversos sobre estes bens264, e,

quando estejam em causa resíduos perigosos, garantindo a rastreabilidade dos mesmos265;

e está, por outro, tal como quem o efectua a título profissional, sujeito ao registo de

dados266 e ao cumprimento das normas técnicas resultantes da Portaria supra

identificada267.

2.1.5.3. A valorização de resíduos

A valorização de resíduos vem definida, na Directiva 2008/98/CE e no RGGR,

primeiramente, como uma operação de tratamento de resíduos, e, de seguida, como

“qualquer operação […] cujo resultado principal seja a transformação dos resíduos de

260 Em http://www.basel.int/TheConvention/Overview/TextoftheConvention/tabid/1275/Default.aspx. A

Convenção de Basileia foi adoptada em 22 de Março de 1989; celebrada, em nome da, então, CEE, através

da Decisão n.º 93/98/CEE, do Conselho, de 1 de Fevereiro – JO L 39, de 16-02-1993, pp. 1 e 2, disponível

em http://data.europa.eu/eli/dec/1993/98/oj; e aprovada por Portugal, por via do Decreto n.º 37/93, de 20

de Outubro – DR n.º 246/1993, Série I-A, de 20-10-1993, pp. 5876-5904, disponível em

https://data.dre.pt/eli/dec/37/1993/10/20/p/dre/pt/html.

261 Cfr. artigo 3.º, alíneas c) e cc), do RGGR.

262 Cfr. artigo 5.º, n.º 7, do RGGR.

263 Cfr. ALEXANDRA ARAGÃO, O Direito…, p. 9.

264 Cfr. artigo 6.º do RGGR.

265 Cfr. artigo 21.º-A, n.º 1, do RGGR.

266 Cfr. artigo 48.º, n.ºs 1, alínea d), e 2, do RGGR.

267 Cfr. artigo 21.º do RGGR.

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modo a servirem um fim útil, substituindo outros materiais que, caso contrário, teriam

sido utilizados para um fim específico ou a preparação dos resíduos para esse fim na

instalação ou [no] conjunto da economia”268.

Partindo, desde logo, da hierarquia da gestão de resíduos, verifica-se que as operações de

valorização podem ser integradas em três categorias distintas, consoante o seu grau de

preferência face ao objectivo central em matéria de resíduos: a preparação para a

reutilização, por um lado; a reciclagem, por outro; e, por fim, outros tipos de

valorização269.

A preparação para a reutilização consiste na opção de valorização prioritária em matéria

de gestão de resíduos270 e consiste no controlo, limpeza ou reparação dos resíduos, que

são, assim, preparados para serem reutilizados, sem qualquer outro tipo de pré-

processamento271.

Desta forma, a preparação para a reutilização aproxima-se da reutilização, sendo que, tal

como esta, tem como resultado principal a reutilização de produtos ou componentes de

produtos, sem qualquer tipo de pré-processamento que implique a transformação dos

mesmos; todavia, distingue-se dela, na medida em que recai sobre resíduos e se processa,

por isso, no âmbito da gestão de resíduos, ao passo que a reutilização, incidindo sobre

produtos que não são resíduos, se enquadra no âmbito da prevenção e da redução de

resíduos, prioritárias face, nomeadamente, à opção de preparação para a reutilização272.

A reciclagem273, por seu turno, além de designar a segunda opção de valorização

prioritária em matéria de gestão de resíduos274, consiste na sujeição dos materiais

constituintes dos resíduos a um processo de transformação física, química ou biológica,

268 Cfr. artigos 3.º, n.ºs 14 e 15, da Directiva 2008/98/CE, e 3.º, alíneas oo) e qq), do RGGR, na redacção

introduzida pelo Decreto-Lei 73/2011.

269 Cfr. artigos 4.º, n.º 1, alíneas b) a d), da Directiva 2008/98/CE, e 7.º, n.º 1, alíneas b) a d), do RGGR.

Seguindo a mesma categorização, cfr., também, o artigo 10.º da Directiva 2008/98/CE.

270 Cfr. artigos 4.º, n.º 1, alínea b), da Directiva 2008/98/CE, e 7.º, n.º 1, alínea b), do RGGR.

271 Cfr. artigo 3.º, n.º 16, da Directiva 2008/98/CE e, em termos substancialmente idênticos, artigo 3.º, alínea

v), do RGGR, aditada pelo Decreto-Lei 73/2011.

272 Cfr. artigos 4.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Directiva 2008/98/CE, e 7.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGGR.

273 Cfr. artigo 3.º, n.º 17, da Directiva 2008/98/CE, e, em termos substancialmente idênticos, o artigo 3.º,

alínea bb), do RGGR, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei 73/2011.

274 Cfr. artigos 4.º, n.º 1, alínea c), da Directiva 2008/98/CE, e 7.º, n.º 1, alínea c), do RGGR.

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e tem, necessariamente, como resultado um produto, material ou substância que, em

virtude daquele processo de transformação, deixa de consubstanciar um resíduo. Daí que

uma operação de processamento de que resulte um resíduo não possa ser qualificada como

de reciclagem, mesmo que esse resíduo ainda venha a ser submetido a outras formas de

valorização – neste caso, aquela operação de processamento consistirá, antes, numa

operação de preparação prévia à valorização275, abrangida pelos pontos R 12 dos anexos

II da Directiva 2008/98/CE e do RGGR, como uma operação de valorização 276.

Nos anexos II dos diplomas acabados de referir, são elencadas, como operações de

valorização, a reciclagem de substâncias orgânicas não-utilizadas como solventes277, a

reciclagem de metais e compostos metálicos278, e a reciclagem de outros materiais

inorgânicos279, e, em termos mais concretos, por exemplo, na Directiva 2018/851, veio

esclarecer-se que o reprocessamento de resíduos em matérias-primas secundárias para

fins de engenharia em construção de estradas ou outras infra-estruturas poderá, também,

em função das circunstâncias factuais específicas, enquadrar-se na definição de

‘reciclagem’, “se a utilização dos materiais se basear num adequado controlo da qualidade

e cumprir todas as normas, regras, especificações e requisitos aplicáveis em matéria de

protecção do ambiente e da saúde para a utilização específica em causa”280.

Desta feita, é forçoso concluir que, nos ‘outros tipos de valorização’, referidos como a

terceira opção de valorização em matéria de gestão de resíduos281, estão integradas, de

forma residual, todas as operações de valorização de resíduos que não sejam qualificáveis

como de preparação para a reutilização ou de reciclagem.

Assim, e a partir da análise da Directiva 2008/98/CE e do RGGR, observa-se que

integram a categoria ‘outros tipos de valorização’, designadamente, a valorização

275 Cfr. COMISSÃO EUROPEIA, Guidance on the interpretation…, p. 33.

276 Cfr. notas aos referidos pontos.

277 Cfr. ponto R 3 do anexo II da Directiva 2008/98/CE e ponto R 3 do anexo II do RGGR.

278 Cfr. ponto R 4 do anexo II da Directiva 2008/98/CE e ponto R 4 do anexo II do RGGR.

279 Cfr. ponto R 5 do anexo II da Directiva 2008/98/CE e ponto R 5 do anexo II do RGGR.

280 Cfr. considerando 12, terceiro período.

281 Cfr. artigos 4.º, n.º 1, alínea d), da Directiva 2008/98/CE e 7.º, n.º 1, alínea d), do RGGR.

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energética282, o reprocessamento em materiais que serão utilizados como combustíveis

ou outros meios de produção de energia283, o enchimento284, o reprocessamento de

resíduos em matérias-primas secundárias para fins de engenharia em construção de

estradas ou outras infra-estruturas (quando o mesmo não integre o conceito de

‘reciclagem’)285, e as operações de preparação prévia à valorização286.

Compreende-se que estes ‘outros tipos de valorização’ sejam apartados da preparação

para a reutilização, e, até mesmo, da reciclagem, uma vez que, não obstante todas as

operações de valorização terem como resultado principal a transformação ou a preparação

de resíduos de modo a servirem um fim útil, nomeadamente, substituindo outros materiais

que, caso contrário, teriam sido utilizados para um fim específico, a preparação para a

reutilização e a reciclagem são operadas sobre resíduos que, após as mesmas, deixam de

ser qualificados como tal e passam a ser produtos, ao passo que, daqueloutros tipos de

valorização, resultam objectos ou substâncias que continuam a ser resíduos287.

O valor associado a estes outros tipos de valorização reside, portanto, não na possibilidade

de se aplicar, aos resíduos, o fim desse estatuto, e de, consequentemente, reduzir a

quantidade de resíduos existente, mas, sim, no facto de permitirem, de uma parte, a

preservação de recursos primários e, de outra, que objectos ou substâncias que não

possam ser sujeitos a uma operação de valorização prioritária nos termos da hierarquia da

gestão de resíduos “possam[, ainda assim,] preencher uma função útil”288. Neste sentido,

o TJUE, no caso Comissão c. Alemanha, destacou que “[a] combustão de resíduos

constitui […] uma operação de valorização quando o seu objectivo principal é que os

282 Cfr. artigos 3.º, n.º 17, parte final, da Directiva 2008/98/CE e 3.º, alínea bb), parte final, do RGGR, na

redacção introduzida pelo Decreto-Lei 73/2011, bem como o artigo 3.º, n.º 15-A, primeira parte, da

Directiva 2008/98/CE, introduzido pela Directiva 2018/851.

283 Idem.

284 Cfr. artigo 3.º, n.ºs 15-A e 17-A, da Directiva 2008/98/CE, introduzidos pela Directiva 2018/851.

285 Cfr. considerando 12, segundo e terceiro períodos, da Directiva 2018/851.

286 Cfr. artigos 3.º, n.º 15, da Directiva 2008/98/CE e 3.º, alínea qq), do RGGR, na redacção introduzida

pelo Decreto-Lei 73/2011.

287 Podem encontrar-se exemplos destas operações de que resultam resíduos em AGÊNCIA PORTUGUESA DO

AMBIENTE, Operações de eliminação / valorização de resíduos (Anexos I e II do diploma RGGR [em

linha], disponível através da hiperligação

https://www.apambiente.pt/index.php?ref=16&subref=84&sub2ref=254&sub3ref=1389.

288 Cfr. Acórdão do TJUE de 13 de Fevereiro de 2003, Comissão C. Alemanha, processo C-228/00,

disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:62000CJ0228, n.º 46.

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resíduos possam preencher uma função útil, enquanto meio de produção de energia,

substituindo-se à utilização de uma fonte de energia primária que poderia ter sido utilizada

para desempenhar esta função”, o que “pressupõe, por um lado, que a energia produzida

pela combustão dos resíduos e recuperada seja superior à energia consumida no processo

de combustão e, por outro, que uma parte do excedente de energia libertada nesta

combustão seja efectivamente utilizada, ou imediatamente, sob a forma de calor

produzido pela incineração, ou depois de transformada, sob a forma de electricidade”, e

“implica que a maior parte dos resíduos [deva] ser consumida durante a operação e que a

maior parte da energia libertada [deva] ser recuperada e utilizada”289. Esta

funcionalização das operações de valorização ao critério do “preenchimento de uma

função útil” verifica-se, inclusivamente, quanto à preparação dos resíduos para a

valorização de resíduos, referida no final da definição de ‘valorização’, sendo que aquela

preparação, apesar de não consubstanciar a substituição de outros materiais pelos resíduos

que dela são objecto, neutraliza os riscos associados aos materiais e prepara os resíduos

para a sua utilização como matéria-prima noutros processos290, e deve, por isso, ser

considerada uma operação de valorização de resíduos.

Note-se, contudo, que, segundo a nova definição de ‘valorização material’ – introduzida

na Directiva 2008/98/CE pela Directiva 2018/851, e que engloba qualquer operação que

não a valorização energética e o reprocessamento em materiais que serão utilizados como

combustíveis ou outros meios de produção de energia, e inclui, designadamente, a

preparação para a reutilização, a reciclagem e o enchimento291, bem como o

reprocessamento de resíduos em matérias-primas secundárias para fins de engenharia em

construção de estradas ou outras infra-estruturas292 –, a valorização energética e o

reprocessamento em materiais que serão utilizados como combustíveis ou outros meios

de produção de energia constituem as únicas operações que não são consideradas como

de ‘valorização material’, sendo que este conceito apenas abrange a preparação para a

reutilização, a reciclagem e os ‘outros tipos de valorização’ que não impliquem ou

precedam a utilização de resíduos como meios de produção de energia. E, daqui, parece

289 Cfr. n.ºs 47, 42 e 43, respectivamente.

290 Cfr. COMISSÃO EUROPEIA, Guidance on the interpretation…, p. 31.

291 Cfr. artigo 3.º, n.º 15-A, da Directiva 2008/98/CE, aditado pela Directiva 2018/851.

292 Cfr. considerando 12, segundo período, da Directiva 2018/851.

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decorrer, também, uma estratificação implícita entre os ‘outros tipos de valorização’, que

sobrepõe as operações que, de entre estes outros tipos, consubstanciam operações de

valorização material às que não são qualificáveis como tal293. O que, não obstante o

silêncio do legislador comunitário nesta matéria, se crê dever-se à circunstância de as

operações de valorização energética, apesar de permitirem que os resíduos preencham

uma função útil, substituindo outros materiais, e de deverem ser realizadas com um

elevado nível de eficiência energética294, não deixarem de ser, do ponto de vista

ecológico, operações mais questionáveis do que as restantes de valorização.

A valorização, enquanto operação de tratamento, encontra-se, em geral, sujeita ao

licenciamento previsto no RGGR, por razões de saúde pública e de protecção do

ambiente295, ou ao licenciamento simplificado296, embora, nos casos em que incida sobre

resíduos não-perigosos e seja efectuada no próprio local de produção e de acordo com as

normas técnicas aplicáveis, ou se trate de valorização energética ou orgânica, esteja, em

princípio, isenta de licenciamento297.

Contudo, no caso da valorização agrícola de lamas de depuração, da gestão de resíduos

hospitalares, da gestão de resíduos gerados em navios, da incineração e co-incineração de

resíduos, e da deposição de resíduos em aterro, o regime do respectivo licenciamento

decorre de legislação e regulamentação específicas, sendo, ainda, aplicável o RGGR,

embora a título subsidiário298.

2.1.5.4. A eliminação de resíduos

A eliminação de resíduos é, tal como a valorização, uma operação de tratamento de

resíduos, mas surge definida por oposição a esta, em substância, como qualquer operação

293 Já na sua Resolução de 24 de Fevereiro de 1997, relativa a uma estratégia comunitária de gestão de

resíduos, o Conselho havia afirmado, nomeadamente, que a reciclagem de materiais deveria ter prioridade

em relação à valorização energética dos resíduos, contanto constituísse a melhor opção do ponto de vista

ecológico – cfr. considerando 7 da Directiva 2008/98/CE.

294 Cfr., designadamente, o considerando 20 e o artigo 23.º, n.º 4, da Directiva 2008/98/CE.

295 Cfr. artigo 23.º, n.º 1, do RGGR.

296 Cfr. artigo 32.º, n.º 1, alíneas f), g), i) e j), do RGGR.

297 Previstos no artigo 23.º, n.ºs 4 e 5, do RGGR.

298 Cfr. artigo 43.º do RGGR.

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que não tenha como resultado principal a transformação ou a preparação dos resíduos de

modo a servirem um fim útil, substituindo outros materiais que, caso contrário, seriam

utilizados para um fim específico299 – daí, inclusivamente, a integração, no âmbito das

operações de eliminação de resíduos, das que tenham como consequência a recuperação

de substâncias ou de energia, contanto essa recuperação seja o resultado, não principal,

mas meramente secundário, de tais operações.

A eliminação de resíduos, não visando, a título principal, o preenchimento de uma função

útil, nem tendo associados os benefícios (pelo menos, potenciais) da valorização para o

ambiente e a saúde humana300, ocupa o último lugar na hierarquia da gestão de

resíduos301, devendo, pois, ser encarada como a opção de último recurso em toda a cadeia

da gestão de resíduos.

As operações de eliminação estão, em princípio, sujeitas ao licenciamento previsto no

RGGR302, estando, apenas, isentas do mesmo quando incidam sobre resíduos não-

perigosos e sejam efectuadas no próprio local de produção, ao abrigo das normas técnicas

aplicáveis303.

2.2. Âmbito de aplicação objectivo negativo do RGGR

O âmbito de aplicação objectivo negativo do RGGR, estabelecido no artigo 2.º, n.ºs 2 e

3, encontra-se definido por referência a tipos ou categorias de produtos, substâncias ou

materiais, excluídos de forma relativa (n.º 3) ou absoluta (n.º 2) do RGGR, consoante o

seu afastamento do âmbito de aplicação deste Regime seja, ou não, efectuado na medida

em que estejam abrangidos por demais legislação.

299 Cfr. artigos 3.º, n.ºs 14 e 19, da Directiva 2008/98/CE e 3.º, alíneas oo) e m), do RGGR, na redacção

introduzida pelo Decreto-Lei 73/2011.

300 Cfr. considerando 19 da Directiva 2008/98/CE.

301 Cfr. artigos 4.º, n.º 1, alínea e), da Directiva n.º 2008/98/CE e 7.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º

178/2006, de 5 de Setembro. Neste seguimento, refere-se, também, no artigo 12.º, n.º 1, da Directiva n.º

2008/98/CE, que “[o]s Estados-Membros asseguram que os resíduos são sujeitos a operações de eliminação

segura que cumpram o disposto no artigo 13.º relativo à protecção da saúde humana e do ambiente, quando

não tiver sido efectuada a valorização a que se refere o artigo 10.º, n.º 1”.

302 Cfr. artigo 23.º, n.º 1, do RGGR.

303 Cfr. artigo 23.º, n.º 5, alínea a), do RGGR.

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2.2.1. Efluentes gasosos lançados na atmosfera

Nos termos do artigo 2.º, n.º 2, alínea a), do RGGR, estão excluídos, do âmbito de

aplicação deste diploma os efluentes gasosos lançados na atmosfera, o dióxido de carbono

captado e transportado para efeitos de armazenamento geológico e geologicamente

armazenado, nos termos do regime jurídico relativo ao armazenamento geológico de

dióxido de carbono, e o dióxido de carbono objecto de armazenamento geológico em

quantidades totais inferiores a 100 000 t, destinado à investigação, desenvolvimento ou

ensaio de novos produtos e processos. A Directiva 2008/98/CE contém uma exclusão

apenas parcialmente semelhante, no seu artigo 2.º, n.º 1, alínea a), sendo que refere,

unicamente, os efluentes gasosos lançados na atmosfera como substâncias excluídas do

seu âmbito de aplicação.

Ao nível nacional, o Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto (Decreto-Lei 127/2013),

que estabelece o regime de emissões industriais aplicáveis à prevenção e ao controlo

integrados da poluição, bem como as regras destinadas a evitar e/ou reduzir as emissões

para o ar, a água e o solo e a produção de resíduos, a fim de alcançar um elevado nível de

protecção do ambiente no seu todo, e transpõe a Directiva n.º 2010/75/UE, do Parlamento

Europeu e do Conselho, de 24 de Novembro304, relativa às emissões industriais

(prevenção e controlo integrados da poluição), e que se aplica a diversas actividades

industriais e agro-pecuárias, como sejam as indústrias do sector da energia e as instalações

de gestão de resíduos305, bem como o Decreto-Lei n.º 39/2018, de 11 de Junho306

(Decreto-Lei 39/2018), que veio estabelecer o regime da prevenção e do controlo das

emissões de poluentes para o ar e, designadamente, transpor a Directiva (UE) n.º

2015/2193, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro de 2015307,

relativa à limitação das emissões para a atmosfera de certos poluentes provenientes de

médias instalações de combustão, e contém o regime aplicável, em síntese, às fontes de

emissão de poluentes para o ar associadas a diversos tipos de instalações, complexos de

304 JO L 334, de 17-12-2010, pp. 17-119, disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/2010/75/oj.

305 Cfr. artigo 2.º do Decreto-Lei 127/2013.

306 DR n.º 111/2018, Série I, de 11-06-2018, pp. 2438-2460, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/39/2018/06/11/p/dre/pt/html.

307 JO L 313, de 28-11-2015, pp. 1-19, disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/2015/2193/oj.

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instalações e actividades de combustão308, definem, para os efeitos da respectiva

aplicação, o conceito de ‘efluentes gasosos’ como os “fluxos de poluentes atmosféricos

sob a forma de gases, partículas ou aerossóis”309, e o de ‘emissão’ como “a libertação

directa ou indirecta de substâncias, vibrações, calor ou ruído para o ar, água ou solo, a

partir de fontes pontuais ou difusas” ou “a descarga[,] na atmosfera[,] de substâncias

provenientes de fontes pontuais ou difusas” com origem numa instalação310.

Estes diplomas são, assim, aplicáveis a um certo número de actividades e de fontes de

emissões de poluentes, nomeadamente, para o ar, com o intuito de prevenir e controlar a

poluição deste meio, e, em última análise, de alcançar um elevado nível de protecção do

ambiente e da saúde humana. Todavia, os mesmos não são aplicáveis a todas as

actividades e fontes de emissões de efluentes gasosos para a atmosfera, pelo que a

exclusão dos efluentes gasosos lançados na atmosfera do âmbito de aplicação do RGGR

e da Directiva 2008/98/CE deveria ter sido feita, no máximo, sob reserva da medida em

que os mesmos já se encontrassem abrangidos por demais legislação, como acontece

relativamente às exclusões previstas nos artigos 2.º, n.º 3, e 2.º, n.º 2, dos mencionados

diplomas, respectivamente.

Quanto ao dióxido de carbono captado e transportado para efeitos de armazenamento

geológico e geologicamente armazenado, verifica-se que a exclusão atende aos termos do

regime jurídico relativo ao armazenamento geológico de dióxido de carbono, estabelecido

pelo Decreto-Lei n.º 60/2012, de 14 de Março311 (Decreto-Lei 60/2012), que transpõe a

Directiva n.º 2009/31/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril312

(Directiva 2009/31/CE), relativa ao armazenamento geológico de dióxido de carbono, e

onde se define ‘armazenamento geológico de CO2’ como a “injecção acompanhada de

armazenamento de fluxos de CO2 em formações geológicas subterrâneas”313.

308 Cfr. artigo 2.º do Decreto-Lei 39/2018.

309 Cfr. artigos 3.º, alínea s), do Decreto-Lei 127/2013 e 3.º, alínea o), do Decreto-Lei 39/2018.

310 Cfr. artigo 3.º, alíneas t) e p), do Decreto-Lei 39/2018.

311 DR n.º 53/2012, Série I, de 14-03-2012, pp. 1153-1172, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/60/2012/03/14/p/dre/pt/html.

312 JO L, de 05-06-2009, pp. 114-135, disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/2009/31/oj.

313 Cfr. artigo 2.º, alínea e), do Decreto-Lei 60/2012.

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Contudo, o armazenamento geológico de CO2 em quantidades totais inferiores a 100.000

toneladas, quando destinado à investigação, desenvolvimento ou ensaio de novos

produtos e processos, encontra-se excluído do âmbito de aplicação, tanto do Decreto-Lei

60/2012, como da Directiva 2009/31/CE, pelo que o legislador português, para além de

ter ido mais longe do que o comunitário quanto ao objecto da exclusão a que se referem

os artigos 2.º, n.º 2, alínea a), do RGGR e 2.º, n.º 1, alínea a), da Directiva 2008/98/CE,

colocou inteiramente de fora do âmbito de aplicação do RGGR uma parte do dióxido de

carbono armazenado geologicamente e que não se encontra abrangido por outra

legislação.

2.2.2. A terra (in situ), incluindo os solos contaminados não-escavados e os

edifícios com ligação permanente ao solo

No artigo 2.º, n.º 2, alínea b), do RGGR, indica-se, como estando excluída do âmbito de

aplicação do mesmo diploma, a terra (in situ), incluindo os solos contaminados não-

escavados e os edifícios com ligação permanente ao solo.

Esta exclusão, introduzida, pela primeira vez, na Directiva 2008/98/CE, encontra-se,

também, prevista no artigo 2.º, n.º 1, alínea b), deste acto normativo.

A referência aos “solos contaminados não-escavados e os edifícios com ligação

permanente ao solo” remete-nos, desde logo, para a decisão do TJUE no caso Paul Van

de Walle, no domínio do qual aquele órgão jurisdicional afirmou integrarem o conceito

de ‘resíduos’, tanto os hidrocarbonetos derramados no solo, como o próprio solo e as

águas subterrâneas contaminadas por aqueles, e os edifícios implantados nesse solo, e,

consequentemente, concluiu pela aplicação da Directiva relativa aos resíduos (à data, a

Directiva 75/442/CEE, com as alterações introduzidas pela Directiva 91/156/CEE), e,

nomeadamente, das regras nela contidas sobre a responsabilidade dos detentores pela

gestão dos resíduos e pelos custos da mesma. E foi, precisamente, “em reacção” a essa

decisão314, e após aceso debate sobre o possível impacto da mesma para os Estados-

314 A expressão é utilizada por LUDWIG KRÄMER, em “Remarks on the Waste Framework Directive”, in

Environmental Law Network International, N.º 1, 2010, pp. 2-6, disponível em

https://www.elni.org/fileadmin/elni/dokumente/Archiv/2010/Heft_1/elni_Review_2010-

1_Kraemer_2010-05-07.pdf, p. 2, e por NICOLAS DE SADELEER, em EU Environmental Law and the

Internal Market, Oxford University Press, 2014, p. 63, nota 290.

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Membros315, que esta exclusão acabou por ser introduzida na Directiva 2008/98/CE,

como forma de obviar à aplicação desta aos referidos solos.

Cremos, contudo, que a introdução desta exclusão, como a de qualquer outra, não

restringe a amplitude do conceito de ‘resíduos’316 – o qual continua, em abstracto, e neste

caso, a integrar os solos contaminados não-escavados e os edifícios com ligação

permanente ao solo –, apenas excluindo os resíduos em questão do âmbito de aplicação

da Directiva 2008/98/CE, e, consequentemente, dos diplomas nacionais de transposição

da mesma. Só assim, aliás, se compreende a necessidade de prever uma exclusão do

âmbito de aplicação dos referidos diplomas, sendo que, caso não se estivesse perante

objectos ou substâncias qualificáveis como resíduos, tais diplomas não seriam, sequer,

aplicáveis, desde logo, em virtude do não-preenchimento do seu âmbito de aplicação

positivo.

E, por esta razão, entendemos que as conclusões extraídas, pelo TJUE, no caso Paul Van

de Walle, a respeito do conceito de ‘resíduos’ se mantêm inteiramente válidas – tal como,

aliás, as que, de um modo semelhante a estas, determinaram a qualificação como resíduos

das águas do mar contaminadas por hidrocarbonetos, no caso Commune de Mesquer,

sendo certo que essas águas não foram, até à data, excluídas do âmbito de aplicação da

Directiva 2008/98/CE –, restringindo-se os efeitos desta exclusão à não-aplicação da

Directiva 2008/98/CE e dos diplomas nacionais de transposição da mesma aos solos

315 “Member States were afraid of the impact which this judgment might have on all the aspects of

contaminated soil management and that they would be obliged to positively take action by cleaning up such

contaminated sites” – cfr. LUDWIG KRÄMER, em “Remarks on the Waste…”, p. 2.

316 Contrariamente ao que defendem ELIZABETH BRANDON, em Global Approaches to Site

Contamination Law, Springer Science & Business Media, 2012, p. 66: “Van de Walle prompted a review

of the 1991 Waste Directive, along with several other pieces of European legislation relating to waste […].

As a result, and in an effort to clarify the legal definition of ‘waste’, the 2008 Waste Framework Directive

now expressly excludes from the definition any ‘land (in situ) including unexcavated contaminated soil and

buildings permanently connected with land’ […]”; e ELOISE SCOTFORD, em “The New Waste Directive –

Trying to Do it All… An Early Assessment”, in Environmental Law Review, Vol. 11, N.º 2, Jun. 2009,

pp. 75-96, disponível em https://doi.org/10.1350%2Fenlr.2009.11.2.046, p. 83, nota 48: “Note that only

part of the decision in Case […] Van de Walle […] is thus explicitly overturned (i.e. the finding that soil

contaminated with spilled hydrocarbons is waste) […]. However, the ECJ’s controversial finding in that

case […] that the relevant accidentally spilled hydrocarbons themselves are ‘discarded’ should also be

overturned implicitly by this new exclusion from the Directive’s scope: the ECJ found in Van the Walle that

‘the hydrocarbons cannot be separated from the land which they have contaminated’ […]. If this is the

case, Van de Walle is no longer good law, which calls into question the ECJ’s finding that oil accidentally

spilled at sea is waste […], since the Court relied directly on its reasoning in Van de Walle to reach this

conclusion […]”.

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contaminados não-escavados e aos edifícios com ligação permanente ao solo, aos quais

deverá, antes, ser aplicada a legislação sobre a protecção dos solos (quando existente317).

Tendo em vista a interpretação dos termos da exclusão em apreço, importa, ainda, referir

que ‘in situ’ significa, essencialmente, “na situação inicial”318, pelo que os solos

contaminados que tenham sido removidos da sua localização inicial e/ou escavados, bem

como os edifícios com ligação permanente a esse solo, e contanto preencham os requisitos

para a sua qualificação como resíduos, não se encontram excluídos do âmbito de

aplicação da Directiva 2008/98/CE e, para o que aqui importa, do RGGR.

Na ausência de uma definição legal da expressão ‘solos contaminados’, esta deverá ser

interpretada, por um lado, com recurso ao critério da apresentação de qualquer das

características de perigosidade dos resíduos, previstas no Regulamento 1357/2014, que

substitui o anexo III da Directiva 2008/98/CE, e, por outro, por contraposição à expressão

‘solo não-contaminado e outros materiais naturais’ utilizada nos artigos 2.º, n.º 2, alínea

c), do RGGR e 2.º, n.º 1, alínea c), da Directiva 2008/98/CE, que remete para a ideia de

que o solo não-contaminado constitui solo-virgem ou equivalente a solo-virgem319.

2.2.3. Materiais naturais resultantes de escavações no âmbito de actividades

de construção

Nos artigos 2.º, n.º 2, alínea c), do RGGR, e 2.º, n.º 1, alínea c), da Directiva 2008/98/CE,

excluem-se, do âmbito de aplicação dos mesmos diplomas, o solo não-contaminado e

outros materiais naturais resultantes de escavações no âmbito de actividades de

construção, desde que os materiais em causa sejam utilizados para construção no seu

estado natural e no local em que foram escavados.

317 Considerando que nem todos os Estados-Membros dispõem de legislação sobre a protecção dos solos –

como é o caso de Portugal –, esta exclusão deveria, no máximo, ter sido integrada no n.º 2 do artigo 2.º da

Directiva 2008/98/CE e no correspondente n.º 3 do artigo 2.º do RGGR, que contêm, também, exclusões

do âmbito de aplicação dos respectivos diplomas, mas restringidas “[à] medida em que já estejam

abrangidos por demais legislação comunitária” ou “[aos] termos da lei” – cfr. mencionados dispositivos.

318 “’In situ’ essentially means in the original position; the exclusion relates to land, soil and buildings that

are in their original position and have not been disturbed, for example through excavation or demolition”

– cfr. COMISSÃO EUROPEIA, Guidance on the interpretation…, p. 41.

319 Cfr. COMISSÃO EUROPEIA, Guidance on the interpretation…, p. 41.

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84

Esta exclusão foi introduzida na Directiva 2008/98/CE por se considerar que o tipo de

materiais em causa não deveria ser sujeito à disciplina da gestão de resíduos, mesmo

quando reconduzível ao conceito de ‘resíduo’ em virtude de o seu detentor deles se

desfazer320.

Para efeitos do preenchimento desta exclusão, é, contudo, necessário que os materiais

naturais, por um lado, resultem de escavações realizadas no âmbito de actividades de

construção; por outro, se encontrem no seu estado natural; e, por outro, ainda, sejam

utilizados para construção, no mesmo estado natural em que se encontravam à data da

escavação e no local em que foram escavados.

A partir da redacção da previsão normativa em apreço, verifica-se que os solos não-

contaminados consubstanciam “materiais naturais”, e esta expressão remete para a ideia

de solos-virgens ou solos equivalentes a solos-virgens321. Nessa sequência, são, também,

‘materiais naturais resultantes de escavações no âmbito de actividades de construção’ –

ou seja, materiais-virgens – designadamente, as pedras, a gravilha e as rochas322.

O que caracteriza, em primeira linha, estes solos e materiais é, assim, a sua pureza, o

estado inalterado das suas características naturais essenciais. Todavia, para que sejam

excluídos do âmbito de aplicação da Directiva 2008/98/CE e dos respectivos diplomas

nacionais de transposição, esses solos e materiais terão, também, de ser utilizados “no seu

estado natural”, pelo que, com excepção da sua escavação, não poderão, até à sua

utilização, ser alterados ou, por qualquer forma, perder a pureza que os caracteriza.

O grande problema que, na prática, se coloca em relação a estes materiais reconduz-se ao

facto de, por regra, não se verificar se os mesmos se encontram, ou não, efectivamente,

no seu estado natural, puro, e de, muitas vezes, serem utilizados materiais contaminados

em projectos de construção ou de infra-estruturas323.

320 Cfr. COMISSÃO EUROPEIA, Guidance on the interpretation…, p. 42.

321 Cfr. COMISSÃO EUROPEIA, Guidance on the interpretation…, p. 42.

322 Cfr. COMISSÃO EUROPEIA, Guidance on the interpretation…, p. 42.

323 “(…) in practice, […] soil which is excavated in the course of construction activities is not normally

examined to establish whether it is contaminated or not. Clearly, any contaminated excavated soil

constitutes waste and may not be used for construction work, be it for airports, roads, port projects, etc. It

is known, however, that in the Member States such contaminated soil is quite frequently used in construction

or infrastructure projects” – cfr. LUDWIG KRÄMER, em “Remarks on the Waste…”, p. 2.

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2.2.4. Resíduos radioactivos

Nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 2, alínea d), do RGGR e 2.º, n.º 1, alínea d),

da Directiva 2008/98/CE, estão excluídos, do âmbito de aplicação destes diplomas, os

resíduos radioactivos.

A gestão dos resíduos radioactivos encontra-se, actualmente, regulada pela Directiva n.º

2011/70/EURATOM, do Conselho, de 19 de Julho324 (Directiva 2011/70/EURATOM), e

pelo Decreto-Lei n.º 156/2013, de 5 de Novembro325 (Decreto-Lei 156/2013), que

transpôs aquela Directiva. Estes diplomas visam, essencialmente, assegurar a gestão

responsável e segura dos resíduos radioactivos por forma a evitar impor encargos

desnecessários às gerações futuras326, tendo em conta, designadamente, que estes

resíduos, em virtude de conterem radionuclídeos, “[exigem] a adopção de medidas de

protecção da saúde humana e do ambiente contra os perigos resultantes de radiações

ionizantes, incluindo a eliminação em instalações adequadas, como destino final”327.

Por ‘resíduos radioactivos’, entendem-se “os materiais radioactivos sob forma gasosa,

líquida ou sólida, independentemente da sua origem, cuja utilização ulterior não seja

prevista ou considerada pelo Estado ou por pessoa, singular ou colectiva, cuja decisão

seja aceite pelo Estado e que sejam regulados como resíduos radioactivos pela autoridade

reguladora competente ao abrigo do quadro legislativo e regulamentar em vigor”328.

Esta exclusão de âmbito compreende-se, por isso, por se tratarem de resíduos com

características muito específicas, e cuja gestão deve ser efectuada em condições que

atendam a essas especificidades.

324 JO L 199, de 02-08-2011, pp. 48-56, disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/2011/70/oj.

325 DR n.º 214/2013, Série I, de 05-11-2013, pp. 6373-6385, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/156/2013/11/05/p/dre/pt/html.

326 Cfr. artigo 1.º, n.º 1, da Directiva 2011/70/EURATOM.

327 Cfr. considerando 21, segundo período, da Directiva 2011/70/EURATOM.

328 Cfr. artigos 3.º, alínea u), do Decreto-Lei 156/2013 e 3.º, n.º 7, da Directiva 2011/70/EURATOM.

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2.2.5. Explosivos abatidos à carga ou em fim-de-vida

Decorre dos artigos 2.º, n.º 2, alínea e), do RGGR e 2.º, n.º 1, alínea e), da Directiva

2008/98/CE que estes diplomas não são aplicáveis aos explosivos abatidos à carga ou em

fim-de-vida.

O conceito de ‘explosivos’ é, muitas vezes, definido, nos domínios internacional,

comunitário e nacional, por remissão para a acepção acolhida nas Recomendações da

Organização das Nações Unidas (ONU) relativas ao Transporte de Mercadorias Perigosas

– mais concretamente, no seu Volume I329 – o que se verifica, designadamente, na

Directiva n.º 2014/28/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Fevereiro330

(Directiva 2014/28/UE), relativa à harmonização da legislação dos Estados-Membros

respeitante à disponibilização no mercado e ao controlo dos explosivos para utilização

civil331, e no Decreto-Lei n.º 9/2017, de 10 de Janeiro332 (Decreto-Lei 9/2017), que

estabelece os requisitos na colocação no mercado de explosivos e munições e transpõe a

Directiva 2014/28/UE333.

Na Regulamentação-Modelo sobre o Transporte de Mercadorias Perigosas anexa às

referidas Recomendações da ONU, os explosivos são designados sob a ‘Classe 1 –

Explosivos’, que compreende, essencialmente, substâncias e artigos explosivos334, e

definidos nos mesmos termos que foram, posteriormente, utilizados, no Decreto-Lei n.º

139/2002, de 17 de Maio335 (Decreto-Lei 139/2002), que aprova o Regulamento de

Segurança dos Estabelecimentos de Fabrico e de Armazenagem de Produtos Explosivos

(RSEFAPE), para descrever as matérias e os objectos explosivos336.

329 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, Recommendations on the Transport of Dangerous Goods –

Model Regulations, Vol. I, 20.ª ed. revista, 2017, disponível em

https://www.unece.org/fileadmin/DAM/trans/danger/publi/ST_SG_AC10_1_Rev20_Vol_I_E_WEB.pdf.

330 JO L 96, de 29-03-2014, pp. 1-44, disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/2014/28/oj.

331 Cfr. artigo 2.º, n.º 1, da Directiva 2014/28/UE.

332 DR n.º 7/2017, Série I, de 10-01-2017, pp. 355-380, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/9/2017/01/10/p/dre/pt/html.

333 Cfr. artigo 3.º, alínea j), do Decreto-Lei 9/2017.

334 Cfr. ponto 2.1.1.1. da Regulamentação-Modelo.

335 DR n.º 114/2002, Série I-A, de 17-05-2002, pp. 4558-4579, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/139/2002/05/17/p/dre/pt/html.

336 Cfr. artigo 4.º, n.º 2, alíneas a) e c), do RSEFAPE, e ponto 2.1.1.3., alíneas a) e c), da Regulamentação-

Modelo.

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As referidas Recomendações da ONU são aplicáveis, inclusivamente, quando estejam em

causa resíduos, os quais deverão ser transportados de acordo com as regras aplicáveis à

classe a que sejam reconduzíveis consoante a sua perigosidade, ou, quando não estejam

sujeitos à Regulamentação-Modelo, mas se encontrem abrangidos pela Convenção de

Basileia, sob a Classe 9, que abrange substâncias e objectos perigosos vários,

designadamente, substâncias perigosas para o ambiente337.

Ora, por um lado, a Convenção de Basileia é aplicável, nomeadamente, aos resíduos –

isto é, e nos seus termos, “substâncias ou objectos que são eliminados ou se projecta

eliminar, ou são objecto de pedido para serem eliminados, de acordo com as cláusulas da

lei nacional”338 – que pertençam a qualquer categoria incluída no anexo I, a menos que

não tenham nenhuma das características descritas no anexo III339, e, por outro, os resíduos

de natureza explosiva, quando não abrangidos por outra legislação, encontram-se

expressamente elencados no anexo I, sob o ponto Y15, e, simultaneamente, contêm, por

natureza, pelo menos, uma das características de perigosidade descritas no anexo III – a

explosividade340 –, pelo que lhes é aplicável aquela Convenção – nomeadamente, para

efeitos de proibição do movimento transfronteiriço de resíduos perigosos que resulte em

eliminação deliberada (por exemplo, imersão no mar) dos mesmos341 e de imposição, às

Partes Contratantes, da obrigação de assegurar a disponibilidade de instalações adequadas

para a eliminação, com vista à gestão ambientalmente segura e racional dos resíduos

perigosos342 – e, quanto ao seu transporte, também, as Recomendações da ONU supra

mencionadas, para além do já atrás referido Regulamento 1013/2006, relativo a

transferências de resíduos.

Por outro lado, o armazenamento dos resíduos de natureza explosiva encontra-se

abrangido pela Directiva n.º 2012/18/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de

Julho343 (Directiva 2012/18/UE), relativa ao controlo dos perigos associados a acidentes

337 Cfr. ponto 2.0.1.2.1. da Regulamentação-Modelo.

338 Cfr. artigo 2.º, n.º 1, da Convenção de Basileia.

339 Cfr. artigo 1.º, n.º 1, alínea a), da Convenção de Basileia.

340 Cfr. classe 1 do anexo III da Convenção de Basileia.

341 Cfr. artigo 9.º, n.º 1, alínea e), da Convenção de Basileia.

342 Cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea b), da Convenção de Basileia.

343 JO L 197, de 24-07-2012, pp. 1-37, disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/2012/18/oj.

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graves344 que envolvem substâncias perigosas – e que se aplica, essencialmente, a

estabelecimentos345, ou seja, áreas controladas por operadores em que se situam

instalações onde, designadamente, se encontram armazenadas substâncias perigosas346 –

, e o supra referido RSEFAPE, aprovado pelo Decreto-Lei 139/2002347.

Por fim, o RSEFAPE, aplicável, também, à eliminação dos resíduos de natureza

explosiva, determina que os produtos explosivos e as matérias-primas que se encontrem

deteriorados, não oferecendo garantia de estabilidade ou não se apresentando em boas

condições de conservação, e que tenham ficado incapazes para utilização ou para serem

economicamente recuperados, “são prontamente eliminados, sob a orientação do

responsável técnico do estabelecimento ou do responsável técnico pela utilização de

explosivos em trabalhos de engenharia ou de exploração de minas ou pedreiras, conforme

o local onde a eliminação se efectuar”348.

Todavia, não existe legislação específica sobre os explosivos abatidos à carga ou em fim-

de-vida, pelo que a exclusão total deste tipo de resíduos do âmbito de aplicação do RGGR

e da Directiva 2008/98/CE, ao invés de permitir uma gestão adequada às especificidades

destes resíduos através da aplicação de legislação que concretamente lhes atenda, acaba

por resultar na criação de uma lacuna na sua regulação.

2.2.6. Matérias fecais e materiais naturais não-perigosos de origem agrícola

e silvícola (biomassa)

Nos artigos 2.º, n.º 2, alínea f), do RGGR, e 2.º, n.º 1, alínea f), da Directiva 2008/98/CE,

excluem-se, do âmbito de aplicação dos mesmos diplomas, as matérias fecais não-

abrangidas pela alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º do RGGR e pela alínea b) do n.º 2 do artigo

344 Considera-se, neste domínio, ‘acidente grave’ “um acontecimento, como uma emissão, um incêndio ou

uma explosão, de graves proporções, resultante de desenvolvimentos não[-]controlados durante o

funcionamento de um estabelecimento abrangido pela [...] Directiva, e que provoque um perigo grave,

imediato ou retardado, no interior ou no exterior de um estabelecimento, para a saúde humana ou para o

ambiente, e que envolva uma ou mais substâncias perigosas” – cfr. artigo 3.º, n.º 13 da Directiva

2012/18/UE.

345 Cfr. artigo 2.º, n.º 1, da Directiva 2012/18/UE.

346 Cfr. artigo 3.º, n.º 1, da Directiva 2012/18/UE.

347 Cfr. artigo 1.º, n.º 1, do RSEFAPE.

348 Cfr. artigo 38.º, n.º 1.

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2.º da Directiva, as palhas e outro material natural não-perigoso de origem agrícola ou

silvícola que seja utilizado na agricultura ou na silvicultura ou para a produção de energia

a partir dessa biomassa através de processos ou métodos que não prejudiquem o ambiente

nem ponham em perigo a saúde humana.

Dada a redacção da norma, parece, à primeira vista, que a mesma se refere, por um lado,

às matérias fecais (quaisquer) não-abrangidas pelos artigos 2.º, n.º 3, alínea c), do RGGR

e 2.º, n.º 2, alínea b), da Directiva 2008/98/CE, e, por outro, às palhas e outro material

natural não-perigoso de origem agrícola ou silvícola. Todavia, tendo em conta a mesma

norma na versão inglesa da Directiva 2008/98/CE – que refere: “faecal matter, if not

covered by paragraph 2(b), straw and other natural non-hazardous agricultural or

forestry material used in farming, forestry or for the production of energy from such

biomass through processes or methods which do not harm the environment or endanger

human health –, assim como que as mencionadas matérias fecais estão integradas na

mesma alínea que os demais materiais naturais não-perigosos de origem agrícola ou

silvícola, parece de concluir que aquela norma se refere, antes, por um lado, às matérias

fecais, contanto não-abrangidas pelos artigos 2.º, n.º 3, alínea c), do RGGR e 2.º, n.º 2,

alínea b), da Directiva 2008/98/CE, e, por outro, às palhas e demais materiais naturais

não-perigosos, sendo a origem agrícola ou silvícola comum a todos eles.

As matérias fecais de origem agrícola ou silvícola excluídas do âmbito de aplicação do

RGGR e da Directiva 2008/98/CE por via dos artigos 2.º, n.º 2, alínea f), e 2.º, n.º 1, alínea

f), dos mencionados diplomas, respectivamente, são, apenas, as que não sejam excluídas

daquele âmbito por via dos artigos 2.º, n.º 3, alínea c), do RGGR e 2.º, n.º 2, alínea b), da

Directiva 2008/98/CE, referentes, essencialmente, a subprodutos animais.

Nos termos destes últimos normativos, estão excluídos, do âmbito de aplicação do

RGGR, e da Directiva 2008/98/CE, nos termos da lei, os subprodutos animais, incluindo

os produtos transformados, abrangidos, actualmente, pelo Regulamento (CE) n.º

1069/2009, Regulamento (CE) n.º 1069/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho de

21 de Outubro349, com excepção dos destinados à incineração, à deposição em aterros ou

à utilização numa unidade de biogás ou de compostagem.

349 JO L 300, de 14-11-2009, pp. 1-33, disponível em http://data.europa.eu/eli/reg/2009/1069/oj.

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Segundo o Regulamento 1069/2009, o conceito de ‘subprodutos animais’ é definido como

os “corpos inteiros ou partes de animais mortos, produtos de origem animal e outros

produtos que provenham de animais que não se destinam ao consumo humano (…)”350, e

inclui, designadamente, oócitos, embriões, sémen, leite cru, colostro, conchas de

moluscos, carapaças de crustáceos, excrementos e urina351.

Ora, o Regulamento 1069/2009 não se aplica, entre outros, aos subprodutos animais que

consubstanciem excremento e urina, com excepção de chorume e de guano não-

mineralizado352. O que significa, em síntese, que, a este propósito, o referido

Regulamento é aplicável, apenas, aos excrementos e à urina provenientes de animais de

criação que não sejam peixes de criação353, e ao guano não-mineralizado.

Portanto, e atento o disposto nos artigos 2.º, n.º 3, alínea c), do RGGR, e 2.º, n.º 2, alínea

b), da Directiva 2008/98/CE, estes diplomas não são aplicáveis aos excrementos e à urina

provenientes de animais de criação que não sejam peixes de criação, nem ao guano não-

mineralizado, excepto quando os mesmos se destinem à incineração, à deposição em

aterros ou à utilização numa unidade de biogás ou de compostagem.

E, ante esta clarificação, pode constatar-se que todas as restantes matérias fecais – isto é,

as que não sejam excluídas por força dos artigos 2.º, n.º 3, alínea c), do RGGR e 2.º, n.º

2, alínea b), da Directiva 2008/98/CE – de origem agrícola ou silvícola são afastadas do

âmbito de aplicação do RGGR e da Directiva 2008/98/CE por via da norma prevista nos

artigos 2.º, n.º 2, alínea f), e 2.º, n.º 1, alínea f), dos mesmos diplomas, respectivamente.

As ‘matérias fecais de origem agrícola ou silvícola’ consistem num “material natural não-

perigoso” e, mais concretamente, nos excrementos e na urina excretados por animais em

instalações de exploração agrícola ou silvícola, não abrangendo as matérias fecais

humanas nem as que tenham outras proveniências354.

350 Cfr. artigo 3.º, n.º 1.

351 Cfr. artigos 3.º, n.º 1, parte final, e 2.º, n.º 2, alíneas d), e), f) e k), a contrario, do Regulamento

1069/2009.

352 Cfr. artigo 2.º, n.º 2, alínea k), do Regulamento 1069/2009.

353 Cfr. artigo 3.º, n.º 20, do Regulamento 1069/2009.

354 Cfr. COMISSÃO EUROPEIA, Guidance on the interpretation…, p. 43.

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Os materiais naturais não-perigosos de origem agrícola ou silvícola referidos na exclusão

sob apreciação incluem, para além das referidas matérias fecais, as palhas e outra

biomassa, como, por exemplo, madeira.

A perigosidade ou não-perigosidade destes materiais deverá ser analisada a partir das

definições de ‘resíduos perigosos’ e de ‘resíduos não-perigosos’ constantes da legislação

em matéria de resíduos, os quais se distinguem consoante os resíduos apresentem, ou não,

respectivamente, uma ou mais das características de perigosidade enumeradas no

Regulamento 1357/2014355.

Mas, para além de não-perigosos e de origem agrícola ou silvícola, os materiais sob

referência – sejam as matérias fecais, as palhas ou os demais abrangidos na previsão da

exclusão – só serão efectivamente excluídos do âmbito de aplicação do RGGR e da

Directiva 2008/98/CE, se forem utilizados na agricultura ou na silvicultura ou para a

produção de energia a partir dessa biomassa, e, em qualquer dos casos, “através de

processos ou métodos que não prejudiquem o ambiente nem ponham em perigo a saúde

humana”, ou seja, segundo os princípios da legislação em matéria de ambiente356.

2.2.7. Sedimentos

Segundo o disposto nos artigos 2.º, n.º 2, alínea g), do RGGR e 2.º, n.º 3, da Directiva

2008/98/CE, estão excluídos, do âmbito de aplicação destes diplomas, também, os

sedimentos deslocados no interior das águas de superfície para efeitos de gestão das águas

e dos cursos de água, de prevenção de inundações ou de atenuação dos efeitos de

inundações e secas ou da recuperação de terras caso se demonstre a sua não-perigosidade.

A este propósito, cumpre destacar que o que é objecto da presente exclusão são,

unicamente, os sedimentos que: por um lado, sejam deslocados no interior das águas de

superfície – e não, por exemplo, os sedimentos dragados ou os que sejam deslocados para

fora das águas de superfície –; por outro, sejam deslocados, nos referidos termos, para

efeitos de gestão das águas e dos cursos de água, prevenção de inundações, atenuação dos

355 Cfr. artigos 3.º, n.ºs 2 e 2-A, da Directiva 2008/98/CE (este último aditado pela Directiva 2018/851), e

3.º, alínea ll) do RGGR.

356 Cfr. COMISSÃO EUROPEIA, Guidance on the interpretation…, p. 44.

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efeitos de inundações e secas, ou recuperação de terras; e, por outro, ainda, não sejam

perigosos, nos termos definidos no RGGR e na Directiva 2008/98/CE.

2.2.8. Águas residuais

Nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 3, alínea a), do RGGR e 2.º, n.º 2, alínea a), da

Directiva 2008/98/CE, são excluídas, do âmbito de aplicação destes diplomas, e na

medida em que já estejam abrangidas por demais legislação, as águas residuais.

O que significa que, às águas residuais que estejam reguladas noutros diplomas, e na

medida em que o sejam, não são aplicáveis a Directiva 2008/98/CE e os actos normativos

nacionais de transposição da mesma.

Neste domínio, cumpre destacar a Directiva n.º 91/271/CEE, do Conselho, de 21 de

Maio357 (Directiva 91/271/CEE), relativa à recolha, ao tratamento e à descarga de águas

residuais urbanas358 e ao tratamento e à descarga de águas residuais de determinados

sectores industriais359, e que visa, essencialmente, proteger o ambiente dos efeitos

nefastos das descargas de águas residuais360, e o Decreto-Lei n.º 152/97, de 19 de

Junho361, que transpõe aquela Directiva para o ordenamento jurídico português.

2.2.9. Resíduos das indústrias extractivas

De acordo com o disposto nos artigos 2.º, n.º 3, alínea b), do RGGR e 2.º, n.º 2, alínea d),

da Directiva 2008/98/CE, estão excluídos, do âmbito destes diplomas, e na medida em

que já estejam abrangidos por demais legislação, os resíduos resultantes da prospecção,

extracção, tratamento e armazenagem de recursos minerais, bem como da exploração de

357 JO L 136, de 30-05-1991, pp. 40-52, disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/1991/271/oj.

358 Cfr. artigo 2.º, n.ºs 1 a 3, da Directiva 91/271/CEE.

359 Cfr. artigo 1.º da Directiva 91/271/CEE.

360 Cfr. artigo 1.º, segundo parágrafo, da Directiva 91/271/CEE.

361 DR n.º 139/1997, Série I-A, de 19-06-1997, pp. 2959-2967, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/152/1997/06/19/p/dre/pt/html.

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pedreiras, abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 10/2010, de 4 de Fevereiro362 (Decreto-Lei

10/2010), que estabelece o regime jurídico da gestão de resíduos das explorações de

depósitos minerais e de massas minerais, e na Directiva n.º 2006/21/CE, do Parlamento

Europeu e do Conselho, de 15 de Março363 (Directiva 2006/21/CE), a qual “prevê medidas

e procedimentos e estabelece directrizes destinadas a evitar ou reduzir o mais possível os

efeitos negativos no ambiente […] e os riscos para a saúde humana resultantes da gestão

de resíduos de indústrias extractivas”364.

Estes diplomas são aplicáveis à gestão dos designados ‘resíduos de extracção’, resultantes

da prospecção365, extracção, tratamento366, e armazenagem de recursos minerais, bem

como da exploração de pedreiras367, mas não aos resíduos provenientes da prospecção,

extracção e tratamento de recursos minerais, que não resultem directamente dessas

operações368, nem aos resíduos resultantes da prospecção, extracção e tratamento de

recursos minerais, ao largo369, pelo que, a estes últimos, continuam a ser aplicáveis o

RGGR e a Directiva 2008/98/CE.

2.2.10. Subprodutos animais

Os artigos 2.º, n.º 3, alínea c), do RGGR e 2.º, n.º 2, alínea b), da Directiva 2008/98/CE

excluem, do âmbito de aplicação destes diplomas, e nos termos da lei, os subprodutos

animais, incluindo os produtos transformados, abrangidos, actualmente, pelo

Regulamento 1069/2009, com excepção dos destinados à incineração, à deposição em

aterros ou à utilização numa unidade de biogás ou de compostagem.

362 DR n.º 24/2010, Série I, de 04-02-2010, pp. 295-316, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/10/2010/02/04/p/dre/pt/html.

363 JO L 102, de 11-04-2006, pp. 15-34, disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/2006/21/oj.

364 Cfr. artigo 1.º da Directiva 2006/21/CE.

365 Artigos 3.º, alínea p), do Decreto-Lei 10/2010, de 22 de Fevereiro, e 3.º, n.º 21, da Directiva 2006/21/CE.

366 Artigos 3.º, alínea dd), do Decreto-Lei 10/2010, de 22 de Fevereiro, e 3.º, n.º 8, da Directiva 2006/12/CE.

367 Cfr. artigos 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei 10/2010, de 22 de Fevereiro, e 2.º, n.º 1, da Directiva 2006/21/CE.

368 Cfr. artigos 2.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei 10/2010, de 22 de Fevereiro, e 2.º, n.º 2, alínea a), da

Directiva 2006/21/CE.

369 Cfr. artigos 2.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei 10/2010, de 22 de Fevereiro, e 2.º, n.º 2, alínea b), da

Directiva 2006/21/CE.

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O Regulamento 1069/2009 estabelece regras sanitárias relativas a subprodutos animais e

produtos derivados que estejam, ao abrigo da legislação comunitária, excluídos do

consumo humano (subprodutos animais «por lei»)370 ou que, apesar de não-excluídos

deste consumo, sejam destinados a fins diferentes do consumo humano (subprodutos

animais «por opção»371), visando “prevenir e minimizar os riscos para a saúde pública e

animal decorrentes desses produtos e, em particular, proteger a segurança da cadeia

alimentar humana e animal”372, nomeadamente, através do encaminhamento dos produtos

em causa para meios de eliminação seguros ou para a sua utilização sob condições

rigorosas que minimizem os riscos sanitários envolvidos373, mas, simultaneamente,

incentivar a utilização dos mesmos de forma sustentável, tendo em conta, por um lado,

que “[a] eliminação de todos os subprodutos animais não é uma opção realista, visto que

daria origem a custos e riscos insustentáveis para o ambiente”, e por outro, que grande

parte dos subprodutos pode ter várias aplicações seguras, designadamente, em sectores

produtivos importantes, como as indústrias dos medicamentos, dos alimentos para

animais e do couro374.

Desta feita, o identificado Regulamento aplica-se:

a) Aos subprodutos animais375 excluídos do consumo humano ao abrigo da

legislação comunitária376;

b) Aos produtos derivados377 – excluídos do consumo humano ao abrigo da

legislação comunitária378;

370 O que se verifica, “em particular, quando não cumprem a legislação no domínio da higiene alimentar ou

quando não podem ser colocados no mercado por não serem seguros, seja porque são nocivos à saúde, seja

porque são impróprios para consumo humano” – cfr. considerando 12 do Regulamento 1069/2009.

371 Cfr. considerando 12 do Regulamento 1069/2009.

372 Cfr. artigo 1.º do Regulamento 1069/2009.

373 Cfr. considerando 2 do Regulamento 1069/2009.

374 Cfr. considerandos 2 e 3 do Regulamento 1069/2009.

375 Artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento 1069/2009.

376 Cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento 1069/2009.

377 Artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento 1069/2009.

378 Cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento 1069/2009.

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c) Aos produtos de origem animal379 que, embora possam ser destinados ao consumo

humano ao abrigo da legislação comunitária, sejam, por decisão irreversível de

um operador, destinados a fins diferentes do consumo humano380; e

d) Às matérias-primas para o fabrico de produtos de origem animal, que, por decisão

irreversível de um operador, se destinem a fins diferentes do consumo humano381.

Não se aplica, contudo, aos subprodutos animais elencados no artigo 2.º, n.º 2, do

Regulamento 1069/2009.

Ora, sendo a exclusão prevista nos artigos 2.º, n.º 3, alínea c), do RGGR e 2.º, n.º 2, alínea

b), da Directiva 2008/98/CE respeitante a, apenas, os subprodutos animais, incluindo os

produtos transformados, abrangidos, actualmente, pelo Regulamento 1069/2009, e com

excepção dos destinados à incineração, à deposição em aterros ou à utilização numa

unidade de biogás ou de compostagem, encontram-se excluídos, do âmbito de aplicação

dos mencionados diplomas, e por força dos identificados normativos, os subprodutos

animais e os produtos derivados supra indicados nas alíneas a) a d) que não estejam

referidos no artigo 2.º, n.º 2, do Regulamento, e desde que não sejam destinados à

incineração, à deposição em aterros ou à utilização numa unidade de biogás ou de

compostagem.

As exclusões do âmbito de aplicação do Regulamento 1069/2009 são justificáveis,

essencialmente, pelo facto de os subprodutos em causa, e contrariamente aos abrangidos

pelo Regulamento, terem associados riscos potenciais limitados e/ou de a eliminação ou

utilização dos mesmos poder ser feita de forma segura sem a aplicação das regras

rigorosas decorrentes do mencionado diploma382 – sendo certo que, quando

consubstanciem resíduos, estarão sujeitos à disciplina da Directiva 2008/98/CE e do

RGGR, em virtude de não integrarem a exclusão prevista nos artigos 2.º, n.º 3, alínea c),

e 2.º, n.º 2, alínea b), dos mesmos diplomas, respectivamente, e contanto não se tratem de

379 Ponto 8.1. do anexo I do Regulamento (CE) n.º 853/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29

de Abril de 2004 (Regulamento 853/2004) – JO L 139, de 30-04-2004, pp. 55-205, disponível em

http://data.europa.eu/eli/reg/2004/853/oj, que estabelece regras específicas de higiene aplicáveis aos

géneros alimentícios de origem animal –, aplicável ex vi do artigo 3.º, n.º 3, do Regulamento 1069/2009.

380 Cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea b), subalínea i), do Regulamento 1069/2009.

381 Cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea b), subalínea ii), do Regulamento 1069/2009.

382 Cfr., designadamente, os considerandos 13 a 15 do Regulamento 1069/2009.

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matérias fecais abrangidas na exclusão prevista nos artigos 2.º, n.º 2, alínea f), e 2.º, n.º 1,

alínea f), dos identificados actos normativos.

2.2.11. Matérias-primas para alimentação animal

Com a alteração operada na Directiva 2008/98/CE pela Directiva 2018/851, passaram,

também, a estar excluídas, do âmbito daquela, as substâncias que se destinem a ser

utilizadas como matérias-primas para alimentação animal na acepção do artigo 3.º, n.º 2,

alínea g), do Regulamento (CE) n.º 767/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de

13 de Julho383 (Regulamento 767/2009), e que não sejam nem contenham subprodutos

animais.

Neste Regulamento, que estabelece as regras aplicáveis à colocação no mercado e à

utilização de alimentos para animais, visando, essencialmente, assegurar um elevado

nível de segurança dos alimentos para animais e, por conseguinte, um elevado nível de

protecção da saúde pública, bem como reforçar o bom funcionamento do mercado

interno384, define-se ‘matérias-primas para alimentação animal’ como “os produtos de

origem vegetal ou animal cujo principal objectivo é preencher as necessidades

alimentares dos animais, no seu estado natural, fresco ou conservado, bem como os

produtos derivados da sua transformação industrial e as substâncias orgânicas ou

inorgânicas, com ou sem aditivos, destinadas a serem utilizadas na alimentação animal

por via oral, quer directamente, quer após transformação, ou para a preparação de

alimentos compostos para animais ou como excipiente em pré-misturas”385.

Em suma, trata-se, aqui, de produtos, produtos derivados e substâncias destinados a serem

utilizados na alimentação animal, e que, atendendo à parte final da exclusão de âmbito

sob apreciação, não consubstanciem nem contenham subprodutos animais.

A exclusão destes resíduos do âmbito de aplicação da Directiva 2008/98/CE releva, aqui,

designadamente, na medida em que os produtos, produtos derivados e substâncias em

383 JO L 229 de 01-09-2009, pp. 1-28, disponível em http://data.europa.eu/eli/reg/2009/767/oj.

384 Cfr. artigos 2.º e 1.º do Regulamento 767/2009.

385 Cfr. artigo 3.º, n.º 2, alínea g), do Regulamento 767/2009.

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causa sejam qualificáveis como matérias-primas proibidas386 ou como ‘matérias-primas

contaminadas’387 –, e contanto o respectivo detentor delas se desfaça ou tenha a intenção

ou a obrigação de desfazer-se, pois que só nessas circunstâncias seria, em abstracto,

aplicável a legislação fundamental em matéria de resíduos. De outra forma, e não estando

em causa matérias-primas para alimentação animal abstractamente qualificáveis como

resíduos, sempre lhes seria aplicável a legislação em matéria alimentar.

2.3. Âmbito de aplicação subjectivo do RGGR

O RGGR não dedica qualquer artigo à delimitação do seu âmbito de aplicação subjectivo.

Todavia, e através da análise deste conjunto normativo, pode concluir-se que o mesmo é

aplicável a uma miríade de sujeitos, não-circunscrita aos operadores de gestão de resíduos

e aos produtores ou distribuidores dos produtos, e que abrange desde entidades da

Administração do Estado ao próprio cidadão, aos quais reconhece determinadas

competências – como para a elaboração de programas de prevenção de resíduos e a

aprovação das normas técnicas relativas à gestão de resíduos, para a fiscalização do

cumprimento do RGGR, e a interdição de transferências de resíduos de e para o território

nacional –, impõe determinados deveres e obrigações – como sejam os de responder pela

gestão dos resíduos e pelos respectivos custos, de proceder à separação dos resíduos na

origem, de adoptar as medidas preventivas adequadas ao combate à poluição, mediante a

adopção das melhores técnicas disponíveis, de inscrição e registo de dados, e de adoptar

comportamentos de carácter preventivo em matéria de produção de resíduos e práticas

que facilitem a respectiva reutilização e valorização –, ou, mesmo, reconhece direitos –

sendo esse o caso do direito dos cidadãos de se pronunciarem no âmbito dos processos

de consulta pública a que estão sujeitos os planos de gestão e os programas de prevenção

de resíduos388.

386 Cfr. artigo 6.º e anexo III do Regulamento 767/2009.

387 Cfr. artigo 3.º, n.º 2, alínea p), do Regulamento 767/2009.

388 Cfr., designadamente, os artigos 4.º, n.º 2, 5.º, n.ºs 1, 3, 4 e 6, 6.º, 7.º, n.º 4, 10.º-A, n.ºs 1 e 5, 11.º, 12.º,

16.º, n.º 1, 17.º-A, 20.º, n.ºs 4 e 6, 22.º, n.º 2, 34.º, n.º 1, 48.º, 50.º, n.º 1, alínea a), e 66.º do RGGR

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Conclusão

Com a introdução, no Regime Geral da Gestão de Resíduos (RGGR), das alterações

introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de Junho, que transpôs para a ordem

jurídica interna a Directiva n.º 2008/98/CE, ficou patente uma mudança do paradigma da

legislação fundamental em matéria de resíduos, que levou ao alargamento do âmbito de

aplicação a, mais do que a gestão de resíduos, a prevenção e a produção de resíduos, e,

mais do que ‘resíduos’, a produtos que não consubstanciam resíduos. Essa mudança de

paradigma foi ainda mais acentuada com a recente alteração daquela Directiva pela

Directiva (UE) n.º 2018/851, que inicia com a afirmação da necessidade de melhorar e

transformar a gestão de resíduos numa gestão sustentável dos materiais, a fim de,

designadamente, proteger, preservar e melhorar a qualidade do ambiente, proteger a saúde

humana, e tornar a economia verdadeiramente circular.

O âmbito de aplicação objectivo positivo do RGGR deve, por isso, ser, hoje, delimitado

à luz deste novo paradigma, por forma a englobar, não apenas os resíduos e a gestão de

resíduos, mas, também, os produtos que não consubstanciam resíduos, a prevenção e a

produção de resíduos.

O conceito de ‘resíduos’, basilar para efeitos da aplicação do RGGR, por um lado, não

pode ser interpretado de forma restritiva, tendo em conta o objectivo de elevada protecção

da saúde humana e do ambiente e os princípios da precaução e da acção preventiva que

perpassam toda a disciplina da gestão dos resíduos e a política em matéria de resíduos, e,

por outro, pressupõe a definição dos conceitos de ‘substância’ e de ‘objecto’, de ‘detentor

de resíduos’, e da expressão ‘desfazer-se’, os quais integram aquele conceito central.

Os termos ‘substância’ e ‘objecto’, não se encontrando definidos no RGGR, e não

podendo ser interpretados de forma que restrinja o conceito de ‘resíduos’, devem ser

compreendidos em termos amplos, como conceitos autónomos em matéria de resíduos, e

com os sentidos comuns de ‘qualquer espécie de matéria’ e de ‘coisa material’,

respectivamente.

O conceito de ‘detentor de resíduos’ abrange, desde o mero possuidor precário, até

qualquer pessoa que tenha um poder ou controlo mais intenso sobre os objectos ou

substâncias em causa, abarcando, nomeadamente, o designado ‘produtor de resíduos’, ou

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seja, a pessoa que, no âmbito da sua actividade, produza resíduos ou que efectue quaisquer

operações que alterem a natureza ou a composição de objectos ou substâncias já

qualificados como resíduos.

A expressão ‘desfazer-se’, de acordo com a fórmula legal utilizada para a definição do

conceito de ‘resíduos’, pode ser concretizada num acto, numa intenção ou numa

obrigação, e, como resulta da leitura da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União

Europeia, está intimamente associada, por um lado, a um desvalor decorrente da ausência

ou perda de interesse do detentor do objecto ou substância no mesmo ou dos riscos

inerentes à natureza dos resíduos, e, por outro, em qualquer caso, à necessidade de

assegurar um elevado nível de protecção da saúde humana e do ambiente.

Quanto ao conceito de ‘prevenção de resíduos’ para os efeitos do RGGR, e apesar de ter,

também, implícitos os objectivos de redução da quantidade dos resíduos produzidos, dos

impactes adversos da produção de resíduos no ambiente e na saúde humana, e do teor de

substâncias perigosas presentes nos materiais e produtos, refere-se, concretamente, à

adopção de medidas na fase ‘pré-resíduos’, nomeadamente, de incentivo à reutilização e

ao prolongamento do tempo de vida dos produtos.

O conceito de ‘produção de resíduos’, por seu turno, assinala o momento da aquisição da

natureza de resíduo por um objecto, substância, material ou produto, e,

consequentemente, o início do ciclo de vida de um resíduo ou de um resíduo novo, que

determina a sujeição a diversos deveres e obrigações, como sejam a obtenção de uma

autorização para a execução de determinadas operações de gestão de resíduos, ou a

participação no financiamento da gestão dos resíduos, de acordo com o princípio do

poluidor-pagador.

Quanto à gestão de resíduos, que, em geral, abrange as operações de recolha, transporte

e tratamento de resíduos, abarca, também, no seu âmbito, uma forma de armazenamento

de resíduos que, nos termos utilizados pelos legisladores nacional e comunitário, se

confunde, indevidamente, com um tipo de armazenamento que apenas é efectuado a

montante daquela gestão e que, por isso, não acarreta a observância de regras que só são

aplicáveis no domínio da gestão de resíduos. Trata-se, no primeiro caso, do

armazenamento preliminar contido na definição de ‘recolha’, e, no segundo, do

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armazenamento temporário realizado antes da recolha e no local da produção dos

resíduos.

A propósito das exclusões do âmbito de aplicação objectivo do RGGR, deve notar-se que,

se, por um lado, certas exclusões são justificáveis, na medida em que as especificidades

dos objectos, substâncias ou materiais nelas abrangidas exigem a aplicação de legislação

que lhes atenda, por forma a alcançar objectivos fundamentais como a protecção da saúde

humana e do ambiente, por outro, o legislador, através de certas exclusões absolutas

contidas no artigo 2.º, n.º 2, acabou por subtrair determinados objectos, substâncias ou

materiais qualificáveis como resíduos à disciplina destes, quando os mesmos não se

encontram rigorosamente regulados por outros diplomas que permitam assegurar,

nomeadamente, os elevados níveis de protecção da saúde humana e do ambiente que

seriam exigíveis, atenta a sua natureza de resíduos e, muitas vezes, de resíduos

particularmente perigosos. Por essa razão, a exclusão de objectos, substâncias ou

materiais do âmbito de aplicação do RGGR deveria ser feita, sempre, sob reserva da

medida em que a gestão daqueles objectos, substâncias ou materiais se encontrasse

devidamente regulada noutros diplomas.

Por fim, quanto ao âmbito de aplicação subjectivo do RGGR, pôde verificar-se que o

mesmo não se circunscreve aos principais sujeitos envolvidos na gestão de resíduos,

como o detentor de resíduos, o produtor de resíduos ou os operadores de gestão de

resíduos, abrangendo, também, diversas pessoas, entidades e operadores, desde entidades

integradas na Administração do Estado, até aos cidadãos.

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Lista de Legislação

Convenção de Basileia sobre o Controlo dos Movimentos Transfronteiriços de

Resíduos Perigosos e sua Eliminação, de 22 de Março de 1989, disponível em

http://www.basel.int/TheConvention/Overview/TextoftheConvention/tabid/1275/Defaul

t.aspx

Convenção de Paris para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural,

de 16 de Novembro de 1972, disponível em https://whc.unesco.org/archive/convention-

pt.pdf

Decisão n.º 93/98/CEE, do Conselho, de 1 de Fevereiro, in Jornal Oficial L 39, de 16-

02-1993, pp. 1 e 2, disponível em http://data.europa.eu/eli/dec/1993/98/oj

Decisão n.º 94/3/CE, da Comissão, de 20 de Dezembro, in Jornal Oficial L 005, de 07-

01-1994, pp. 15-33, disponível em http://data.europa.eu/eli/dec/1994/3(1)/oj

Decisão n.º 96/350/CE, da Comissão, de 24 de Maio, in Jornal Oficial L 135, de 06-06-

1996, pp. 32-34, disponível em http://data.europa.eu/eli/dec/1996/350/oj

Decisão n.º 2000/532/CE, da Comissão, de 3 de Maio, in Jornal Oficial L 226, de 06-

09-2000, pp. 3-24, disponível em http://data.europa.eu/eli/dec/2000/532/oj

Decisão n.º 2014/955/UE, da Comissão, de 18 de Dezembro, in Jornal Oficial L 370,

de 30-12-2014, pp. 44-86, disponível em http://data.europa.eu/eli/dec/2014/955/oj

Declaração do Conselho das Comunidades Europeias e dos representantes dos

governos dos Estados-membros reunidos no Conselho, de 22 de Novembro de 1973,

relativa a um Programa de acção das Comunidades Europeias em matéria de ambiente, in

Jornal Oficial C 112, de 20-12-1973, Capítulo 15, Fascículo 01, pp. 7-59, disponível em

https://eur-lex.europa.eu/legal-

content/EN/TXT/?uri=uriserv:OJ.C_.1973.112.01.0001.01.ENG&toc=OJ:C:1973:112:T

OC

Decreto n.º 37/93, de 20 de Outubro, in Diário da República n.º 246/1993, Série I-A, de

20-10-1993, pp. 5876-5904, disponível em

https://data.dre.pt/eli/dec/37/1993/10/20/p/dre/pt/html

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102

Decreto Legislativo n.º 205/2010, de 3 de Dezembro, in Gazzetta Ufficiale n.º 288, de

10 de Dezembro de 2010, Suplemento Ordinário n.º 269, disponível em

http://www.camera.it/parlam/leggi/deleghe/10205dl.htm

Decreto-Lei n.º 9/2017, de 10 de Janeiro, in Diário da República n.º 7/2017, Série I, de

10-01-2017, pp. 355-380, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/9/2017/01/10/p/dre/pt/html

Decreto-Lei n.º 10/2010, de 4 de Fevereiro, in Diário da República n.º 24/2010, Série I,

de 04-02-2010, pp. 295-316, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/10/2010/02/04/p/dre/pt/html

Decreto-Lei n.º 39/2018, de 11 de Junho, in Diário da República n.º 111/2018, Série I,

de 11-06-2018, pp. 2438-2460, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/39/2018/06/11/p/dre/pt/html

Decreto-Lei n.º 45/2008, de 11 de Março, in Diário da República n.º 50/2008, Série I,

de 11-03-2008, pp. 1539-1543, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/45/2008/03/11/p/dre/pt/html

Decreto-Lei n.º 60/2012, de 14 de Março, in Diário da República n.º 53/2012, Série I,

de 14-03-2012, pp. 1153-1172, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/60/2012/03/14/p/dre/pt/html

Decreto-Lei n.º 71/2016, de 4 de Novembro, in Diário da República n.º 212/2016, Série

I, de 04-11-2016, pp. 3901-3907, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/71/2016/11/04/p/dre/pt/html

Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de Junho, in Diário da República n.º 116/2011, Série I,

de 17-06-2011, pp. 3251-3300, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/73/2011/06/17/p/dre/pt/html

Decreto-Lei n.º 75/2015, de 11 de Maio, in Diário da República n.º 90/2015, Série I, de

11-05-2015, pp. 2416-2426, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/75/2015/05/11/p/dre/pt/html

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103

Decreto-Lei n.º 103/2015, de 15 de Junho, in Diário da República n.º 114/2015, Série I,

de 15-06-2015, pp. 3756-3788, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/103/2015/06/15/p/dre/pt/html

Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de Agosto, in Diário da República n.º 167/2013, Série

I, de 30-08-2013, pp. 5324-5389, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/127/2013/08/30/p/dre/pt/html

Decreto-Lei n.º 139/2002, de 17 de Maio, in Diário da República n.º 114/2002, Série I-

A, de 17-05-2002, pp. 4558-4579, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/139/2002/05/17/p/dre/pt/html

Decreto-Lei n.º 152/97, de 19 de Junho, in Diário da República n.º 139/1997, Série I-A,

de 19-06-1997, pp. 2959-2967, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/152/1997/06/19/p/dre/pt/html

Decreto-Lei n.º 152-D/2017, de 11 de Dezembro, in Diário da República n.º 236/2017,

2.º Suplemento, Série I, de 11-12-2017, pp. 6584-(88)-6584-(135), disponível em

https://data.dre.pt/eli/dec-lei/152-d/2017/12/11/p/dre/pt/html

Decreto-Lei n.º 156/2013, de 5 de Novembro, in Diário da República n.º 214/2013, Série

I, de 05-11-2013, pp. 6373-6385, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/156/2013/11/05/p/dre/pt/html

Decreto-Lei n.º 173/2008, de 26 de Agosto, in Diário da República n.º 164/2008, Série

I, de 26-08-2008, pp. 5967-5980, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/173/2008/08/26/p/dre/pt/html

Decreto-Lei n.º 178/2006, de 5 de Setembro, in Diário da República n.º 171/2006, Série

I, de 05-09-2006, pp. 6526-6545, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/178/2006/09/05/p/dre/pt/html

Decreto-Lei n.º 183/2009, de 10 de Agosto, in Diário da República n.º 153/2009, Série

I, de 10-08-2009, pp. 5170-5198, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/183/2009/08/10/p/dre/pt/html

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104

Decreto-Lei n.º 239/97, de 9 de Setembro, in Diário da República n.º 208/1997, Série I-

A, de 09-09-1997, pp. 4775-4780, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/239/1997/09/09/p/dre/pt/html

Decreto-Lei n.º 310/95, de 20 de Novembro, in Diário da República n.º 268/1995, Série

I-A, de 20-11-1995, pp. 7120-7124, disponível em https://data.dre.pt/eli/dec-

lei/310/1995/11/20/p/dre/pt/html

Decreto-Lei n.º 488/85, de 25 de Novembro, in Diário da República n.º 271/1985, Série

I, de 25-11-1985, pp. 3905-3907, disponível em

https://dre.pt/application/conteudo/170315

Despacho n.º 3227/2010, de 22 de Fevereiro, in Diário da República n.º 36/2010, Série

II, de 22-02-2010, pp. 7650-7704, disponível em https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-

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Directiva n.º 75/442/CEE, do Conselho, de 15 de Julho, in Jornal Oficial L 194, de 25-

07-1975, pp. 39-41, edição especial portuguesa in Capítulo 15, Fascículo 001, pp. 129-

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Directiva n.º 91/156/CEE, do Conselho, de 18 de Março, in Jornal Oficial L 78, de 26-

03-1991, pp. 32-37, disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/1991/156/oj

Directiva n.º 91/271/CEE, do Conselho, de 21 de Maio, in Jornal Oficial L 136, de 30-

05-1991, pp. 40-52, disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/1991/271/oj

Directiva n.º 91/692/CEE, do Conselho, de 23 de Dezembro, in Jornal Oficial L 377,

de 31-12-1991, pp. 48-54, disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/1991/692/oj

Directiva n.º 2002/32/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Maio, in

Jornal Oficial L 140, de 30-05-2002, pp. 10-22, disponível em

http://data.europa.eu/eli/dir/2002/32/oj

Directiva n.º 2006/12/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril, in

Jornal Oficial L 114, de 27-04-2006, pp. 9-21, disponível em

http://data.europa.eu/eli/dir/2006/12/oj

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Directiva n.º 2006/21/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março,

in Jornal Oficial L 102, de 11-04-2006, pp. 15-34, disponível em

http://data.europa.eu/eli/dir/2006/21/oj

Directiva n.º 2008/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de

Novembro, Jornal Oficial L 312, de 22-11-2008, p. 3-30, disponível em

http://data.europa.eu/eli/dir/2008/98/oj

Directiva n.º 2009/31/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril, in

Jornal Oficial L, de 05-06-2009, pp. 114-135, disponível em

http://data.europa.eu/eli/dir/2009/31/oj

Directiva n.º 2010/75/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de

Novembro, in Jornal Oficial L 334, de 17-12-2010, pp. 17-119, disponível em

http://data.europa.eu/eli/dir/2010/75/oj

Directiva n.º 2011/70/EURATOM, do Conselho, de 19 de Julho de 201, in Jornal

Oficial L 199, de 02-08-2011, pp. 48-56, disponível em

http://data.europa.eu/eli/dir/2011/70/oj

Directiva n.º 2012/18/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Julho, in

Jornal Oficial L 197, de 24-07-2012, pp. 1-37, disponível em

http://data.europa.eu/eli/dir/2012/18/oj

Directiva n.º 2014/28/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Fevereiro,

in Jornal Oficial L 96, de 29-03-2014, pp. 1-44, disponível em

http://data.europa.eu/eli/dir/2014/28/oj

Directiva (UE) n.º 2015/1127, da Comissão, de 10 de Julho, in Jornal Oficial L 184, de

11-07-2015, pp. 13-15, disponível em http://data.europa.eu/eli/dir/2015/1127/oj

Directiva (UE) n.º 2015/2193, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de

Novembro, in Jornal Oficial L 313, de 28-11-2015, pp. 1-19, disponível em

http://data.europa.eu/eli/dir/2015/2193/oj

Directiva (UE) n.º 2018/851, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio,

in Jornal Oficial L 150, de 14-06-2018, pp. 109-140, disponível em

http://data.europa.eu/eli/dir/2018/851/oj

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http://www.bgbl.de/xaver/bgbl/start.xav?startbk=Bundesanzeiger_BGBl&jumpTo=bgbl

172s0873.pdf

Lei do Controlo da Poluição (Control of Pollution Act) de 1974, in The National

Archives, 1974, Capítulo 40, disponível em

https://www.legislation.gov.uk/ukpga/1974/40/pdfs/ukpga_19740040_en.pdf

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