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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA
INSTITUTO DE ESTUDOS EUROPEUS
Projecto de Tese de Doutoramento
A UE como um Império no Sistema Pós-Moderno de
Relações Internacionais
Orientador : Prof. Doutor Ernâni Rodrigues Lopes
Candidata: Mestre Sónia Cristina dos Santos Marques Ribeiro
Aluna n.º: 102607001
Índice
I. Proposta de Índice ......................................................................................................1
II. Introdução e Metodologia ..........................................................................................3
III. Teoria e História.........................................................................................................6
IV. O Império no início do séc. XXI – morte ou ressurreição?.....................................10
V. Os modelos geopolíticos pós-modernos de organização imperial do poder............13
VI. A aplicabilidade do modelo teórico de Império pós-moderno à União Europeia ....14
VII. Conclusões.................................................................................................................15
VIII. Bibliografia ...............................................................................................................16
IX. Fontes ........................................................................................................................20
I. Proposta de Índice
I. Introdução
II. Metodologia
A. Objecto e Método
B. Relevância
C. Conteúdo
D. Conceitos
III. Teoria e História
A. Os Modelos Teóricos de Compreensão das Realidades
B. O Sistema Pré-Moderno de Relacionamento entre Unidades de Poder
C. O Sistema Moderno de Relações Internacionais
D. Um Sistema Pós-Moderno de Relações Internacionais?
1. As Ideias Revolucionárias de Napoleão e o Sistema de Equilíbrio de Poder
2. O Séc. XX – Novos Actores e Modelos de Relacionamento do Sistema Internacional
A. Crise e Ruptura No Último Quartel Do Séc. Xx
B. A Globalização Competitiva – Um Processo Estrutural com Efeitos Imprevistos
C. Complexidade, Vulnerabilidade e o Novo Sistema de Relações Internacionais
IV. O Império no início do séc. XXI – Morte ou Ressurreição?
A. Teoria e História do Arquétipo Imperial
B. O Sistema Pós-Moderno e a Revisitação dos Arquétipos de Organização do Poder
C. Condições de Aplicabilidade do Conceito de “Império” no Sistema Pós-Moderno
V. Os Modelos Geopolíticos Pós-Modernos de Organização Imperial do Poder
A. Os Novos Estados Imperiais
B. As Organizações Internacionais e Transnacionais
C. As Empresas Transnacionais
VI. A Aplicabilidade do Modelo Teórico de Império Pós-Moderno à União Europeia
A. Causas e Mecanismos da Criação das Primeiras Comunidades
B. Ideias Motrizes
1. A Dinâmica Aprofundamento-Alargamento
2. Algumas das Principais Políticas e Práticas Inovadoras da UE
3. Posicionamento da UE no Sistema de Relações Internacionais do Inicio do séc. XXI
C. Validação da Aplicabilidade do Novo Modelo Teórico de “Império Pós-Moderno” à União Europeia
1. A UE - Sistema Pós-Moderno?
2. A UE - Sistema Imperial Pós-Moderno?
VII. Conclusões
VIII. Bibliografia
IX. Fontes
II. Introdução e Metodologia
Ao longo das três décadas seguintes à 2ª guerra mundial, o sistema internacional
experimentou uma lenta e progressiva mutação que transformaria uma parte importante das
suas estruturas herdadas dos sécs. XVIII e XIX, criando todo um novo sistema de relações
internacionais, que impunha o fim do ciclo imperial.
Nas duas últimas décadas do século, o conceito de Império foi relegado para segundo plano
mas, no inicio do novo século, o termo “império” volta às páginas dos jornais e às discussões
e títulos de obras académicas, onde é empregue repetidamente, evidenciando uma estranha
reanimação.
Torna-se assim necessário reavaliar as condições de verificação das suas características,
funções e do seu modo de funcionamento, para avaliar se, de facto, o império “morreu”1, ou
antes sofreu uma transformação fundamental na sua estrutura, remodelando-se a si mesmo e
encontrando, assim, de novo, o seu espaço próprio no novo modelo, designado por “pós-
moderno”, de relações internacionais.
Esta questão torna-se mais premente quando, num dos locais privilegiados de
desenvolvimento do sistema pós-moderno de relações internacionais, a União Europeia, se
recolocam em perspectiva as opções de desenvolvimento rumo a um aprofundamento do
modelo, tendo em conta os impedimentos que tal caminho tem vindo a encontrar por parte do
Estado-Nação.
Será o sentido dessa evolução o diluir das aspirações seculares de domínio na Europa, a
“morte” do império, ou pelo contrário, estaremos a assistir também à criação de um novo
modelo imperial na Europa?
1 Cf. COOPER, Robert, trad. BRAGA, Carlos, Ordem e caos no século XXI, Editorial Presença, Fev. 2006, p.
45
A reflexão sobre esta realidade reveste-se de mais pertinência e actualidade num momento
em que a UE se prepara para dar início a um novo sistema de gestão do poder no seu seio,
com a alteração do principio da colegialidade que regeu o Conselho desde a sua criação, ao
criar a figura de um Presidente de longa duração.
Neste contexto, a presente tese de doutoramento pretende responder às seguintes questões:
• Existe um modelo teórico subjacente à generalização do conceito de estrutura
imperial?
• Em caso afirmativo, é possível a sua extensão a estruturas diferentes daquela em que
tradicionalmente é utilizado, i.e., diferentes do Estado-Nação?
• Nesse contexto, é possível classificar a União Europeia (UE) como um Império no
contexto do sistema pós-moderno de Relações Internacionais?
O presente estudo pretende assim avaliar a forma como o sistema pós-moderno das Relações
Internacionais influiu na mutação dos arquétipos tradicionais de manifestação de poder e
organização dos actores relevantes do Sistema Internacional – e foi por estes influenciado –,
nomeadamente as mutações sofridas pelo conceito de Império, no decorrer do séc. XX, e
identificar as suas características actuais, de forma a encontrar uma possível matriz de
classificação de estruturas organizacionais diferentes do Estado como Impérios, desde logo a
União Europeia.
Perante as questões colocadas, estabelecemos como ponto de partida três hipóteses teóricas, a
partir das quais a investigação e a discussão teórica se desenvolve, com o objectivo de
verificar a respectiva aplicação:
• Hipótese 1 – O Sistema de Relações Internacionais sofreu uma mutação fundamental
a partir de 1945, intensificada no final da déc. de 80 do séc. XX e confirmada no
início do séc. XXI, na sua estrutura e nos seus componentes, que permitem afirmar
que, com o final da 2ª Guerra Mundial se concretizou a alvorada de um Sistema pós-
moderno de Relações Internacionais, concretizada no surgimento de novos actores do
Sistema Internacional, que estabelecem entre si novas formas de relações, que se
concretizaram em profundas transformações na concepção teórica da construção e
afirmação do poder.
• Hipótese 2 – O arquétipo “Império” é um conceito teórico que sofreu, com o advento
do sistema pós-moderno, mutações no seu significado, conteúdo e características,
sendo possível identificar uma nova/renovada concepção teórica consistente e
estruturante, correspondente ao modelo teórico do Império, denominada “Império
pós-moderno”, passível de extensão da sua aplicabilidade a outras estruturas
organizacionais que não o Estado.
• Hipótese 3 – A União Europeia contém em si mesma as características do sistema
pós-moderno, e corresponde a uma mutação na organização do poder dos Estados
europeus, concretizada numa nova forma de governo de dimensão transnacional de
vocação imperial no que isso significa de centragem na pessoa enquanto indivíduo,
criação de um espaço interior de mobilidade e de normas coercivas, separado do
exterior por uma fronteira sujeita a vigilância permanente, e onde se verifica o
funcionamento de uma ordem de relacionamento entre Estados de matriz pós-
moderna.
Dada a profusão de entendimentos possíveis sobre alguns conceitos fundamentais para a
investigação proposta, parece-nos útil que na abertura desta tese nos detenhamos para
estabelecer o significado e âmbito em que são utilizados alguns termos fundamentais para a
correcta análise e compreensão dos argumentos que suportarão o desenvolvimento do
trabalho. Desta forma, e ainda como metodologia de investigação, serão estabelecidos o
âmbito, significado e limites de aplicação teórica para efeitos do presente estudo dos
seguintes conceitos: poder, estado ou sistema pré-moderno; estado ou sistema moderno;
estado ou sistema pós-moderno; imperialismo; e hegemonia.
III. Teoria e História
Este capítulo verificará a validade das hipóteses 1 e 2 definidas na metodologia, pela
avaliação das mutações introduzidas na concepção teórica da construção e afirmação do
poder pelo advento do sistema pós-moderno de Relações Internacionais, nomeadamente o
papel do cidadão face ao Estado como característica essencial do sistema pós-moderno das
Relações Internacionais.
Deverá assim avaliar o estado da arte no que se refere à investigação já existente sobre a
evolução do sistema internacional e dos seus modelos de funcionamento, permitindo
encontrar as características fundamentais do modelo pré-moderno e moderno do
relacionamento internacional, de forma a verificar, por oposição a estes, a evidência da
existência de uma mutação fundamental no sistema de relações internacionais que não
corresponde a uma mera evolução delimitada do modelo anterior, mas justifica a definição da
nova realidade como a emergência de um novo modelo que é designado por pós-moderno nas
relações internacionais.
Serão ainda analisadas as características fundamentais do conceito “império”, e avaliadas as
transformações que o conceito sofreu com o advento do modelo pós-moderno, de forma a
verificar a hipótese de identificação de uma nova concepção teórica consistente e
estruturante, correspondente ao modelo teórico do Império, denominada “Império pós-
moderno”, passível de extensão da sua aplicabilidade a outras estruturas organizacionais que
não o Estado.
Este capítulo desenvolver-se-á assim em quatro subcapítulos: “Os arquétipos de organização
política do Estado”; “O sistema pré-moderno de relacionamento entre unidades de poder”;
“O sistema moderno de relações internacionais”; e “As alterações nas relações internacionais
no séc. XX e o advento de um sistema pós-moderno”.
Assim, o primeiro corresponderá à identificação e explicação da concepção teórica de
organização política do espaço em torno de três arquétipos (três modelos primitivos):
“Império”, “Feudalismo” e “Estado-Nação”.
O segundo subcapítulo focará o sistema pré-moderno de relacionamento entre unidades de
poder, identificado normalmente com o arquétipo “feudalismo”, e assente na dispersão do
poder. Trata-se de verificar os fundamentos estruturais de um modelo sem uma entidade
única de controle do poder e com o monopólio do uso da força ou da imposição da lei, e
discussão das condições do reaparecimento deste modelo, com novo vigor, no final do séc.
XX e permanecendo uma realidade actual no início do séc. XXI, quando o termo se aplica
também à situação subsequente ao processo de desmoronamento do Estado-Nação – o “caos
pós-imperial”, como se lhe refere Cooper2, referindo-se à situação em que se encontraram os
estados descolonizados após a saída das potências coloniais, na sequência dos processos de
descolonização do séc. XX, dando origem a Estados demasiado fracos que permitiram a
ascensão de actores do não-Estado (desde os senhores da guerra e dos grupos de crime
organizado aos poderes económicos predatórios de recursos), e com ela a disseminação dos
conflitos e da instabilidade generalizada naqueles territórios.
O terceiro subcapítulo será dedicado à análise do sistema moderno de relações internacionais,
o modelo “tradicional” ou “clássico” de distribuição internacional do poder, criado na Europa
do séc. XVII e assente no Estado-Nação, e discutirá os seus elementos essenciais, procurando
identificar os mecanismos de obtenção, preservação e conquista do poder de um sistema que
permanece ainda hoje como o modelo de referência para a organização territorial dos espaços
na maior parte do mundo, sendo de acordo com as suas normas de funcionamento e linhas
estruturais de afirmação que a política externa de grande parte do mundo ainda hoje é
pensada e formulada.
Por fim, o quarto subcapítulo deste capítulo III focar-se-á nas alterações ocorridas na
estrutura das relações internacionais no séc. XX que favoreceram e criaram condições para
que se tornasse possível o advento de um sistema pós-moderno.
2 COOPER, Robert, op. cit., p. 29
Este subcapítulo organizar-se-á ainda em dois sub-temas, a saber: 1) as ideias revolucionárias
de Napoleão e o sistema de equilíbrio de poder; e 2) os novos actores (2.1) do Sistema
Internacional e novos modelos de relacionamento internacional do séc. XX (2.2).
O primeiro sub-tema discutirá a importância do império napoleónico para o início da erosão
do Estado-Nação, em virtude da difusão dos ideiais revolucionários que criam a oportunidade
de questionar e reavaliar a validade dos pressupostos em que assenta o sistema internacional
do séc. XIX, processo que teria efeitos importantes no desenhar do sistema de relações
internacionais do futuro.
Impõe-se neste subtema a distinção, sublinhada por Joseph Nye (2002)3 entre estrutura e
processo do sistema internacional, para a compreensão do lento processo de transformação
dos pressupostos de legitimação e funcionamento do Estado que deve ser colocado ainda no
séc. XIX, sendo depois desenvolvido na primeira metade do séc. XX e conhecendo na
Sociedade das Nações, primeiro, na ONU, depois, e no processo de construção europeia
desde o início da década de 1950, concretizações cada vez mais aperfeiçoadas.
Neste contexto, o segundo sub-tema deste capítulo debruçar-se-á sobre a emergência destas
novas realidades, que se assumem como novos actores do Sistema Internacional originando e
formalizando novos modelos de relacionamento internacional. Deverá assim permitir
identificar os factores e dinâmicas de transformação estrutural dos conceitos e actores
relevantes do sistema internacional que levaram à uma nova concepção de actor
internacional, e à construção das bases de um novo sistema internacional, que tem por trás de
si “uma nova forma de ser Estado ou, pelo menos, a existência de estados que se estão a
comportar de um modo radicalmente diferente do que acontecia no passado.”4
3 NYE, Jr., Joseph S., Trad. ARAÚJO, Tiago, “Compreender os conflitos internacionais. Uma introdução à
Teoria e à História”, Gradiva, 3ª ed., Lisboa, 2002
4 COOPER, Robert, trad. BRAGA, Carlos, Ordem e caos no século XXI, Editorial Presença, Fev. 2006, p. 17
Deverá assim confirmar a dupla alteração profunda que o sistema internacional conhece ao
longo do séc. XX:
1) Nos meios e instrumentos lícitos no relacionamento internacional, com a declaração
da não utilização da força como instrumento normal de política externa;
2) No reconhecimento de novos actores internacionais além do estado, com o
reconhecimento quer de organizações internacionais, quer do cidadão, como actores
internacionais, com um papel e capacidade de intervenção crescentes.
2.1) Novos actores: empresas transnacionais; ong’s e os cidadãos
2.2) Novos modelos de relacionamento: redes vs. hierarquias, espaço
mediático/informativo/planetário
IV. O Império no início do séc. XXI – morte ou ressurreição?
Após a análise teórica e a reflexão sobre a evolução histórica, o presente capítulo deve
apresentar já algumas linhas de resposta às questões colocadas na introdução.
Pretende-se com efeito que este capítulo possa debater e apresentar as condições de
verificação da existência de mutações relevantes na fomulação moderna do arquétipo
Império, discutindo do alcance e resultados dessas mutações no conceito, desde logo até que
ponto a disrupção operada nos fundamentos e componentes do conceito tradicional de
Império se concretiza no seu desaparecimento e substituição por outra(s) realidade(s), ou
numa adaptação das linhas estruturais do conceito aos mecanismos e condições de afirmação
do arquétipo.
O primeiro subcapítulo deter-se-á assim nas novas realidades e mecanismos de
relacionamento entre actores do sistema de relações internacionais no início do séc. XXI,
procurando identificar, num período de rápidas transições de poder, os mecanismos da
passagem um novo modelo de relações internacionais, ainda difuso e com contornos
variáveis, mas já com claras diferenças face aos modelos precedentes, e assente em
pressupostos novos que correspondem a um modelo pós-moderno de organização do sistema
internacional, baseado na criação de redes de comunicação e de poder à escala planetária, que
tornaram o mundo mais complexo, mutável e com uma dose acrescida de instabilidade, onde
o estado enfrenta o desafio da sua própria reinvenção.
O segundo subcapítulo, dedicado à avaliação das condições de sobrevivência dos arquétipos
de organização do poder no sistema pós-moderno, colocará em evidência dois movimentos
que têm centrado a atenção dos investigadores: por um lado, a mundialização do modelo
ocidental de organização do poder, com base no estado-nação democrático, e por outro a
desarticulação de regiões inteiras, a fragmentação das sociedades, a exclusão de algumas
camadas da sociedade e o empobrecimento de outras, a distinção dual entre os que fazem
parte das redes de comunicação e informação e os que não estão aí inseridos, demonstrando a
construção de um sistema de contrários, que favorece tanto a circulação de pessoas e bens à
escala mundial e a expansão do comércio e a formação de uma opinião pública cosmopolita e
transnacional, como, ao mesmo tempo, provoca mutações importantes no conceito de
soberania, e a desestruturação estrutural da sociedade, numa nova estrutura de conquista e
exercício de poder que ultrapassa as fronteiras nacionais.
Deverá ainda ser possível encontrar nesta avaliação indícios da coexistência de vários
sistemas, onde os três arquétipos de organização do poder se encontram em evolução e
afirmação simultânea, verificando, não o fim do estado-nação enquanto actor relevante no
sistema internacional, mas o surgimento do estado pós-moderno nas suas multiplas
dimensões, ao mesmo tempo que verifica as condições de reaparecimento de bolsas do caos
pré-moderno, por um lado, e por outro lado, o ressurgimento do modelo imperial no que pode
representar de emergência de uma nova lógica e estrutura de poder, que impõe, não o fim da
soberania, mas – como concluem Hardt e Negri (2001) – a emergência de uma nova forma de
soberania, onde o Império é o “sujeito político que efectivamente regula estas mudanças
globais, o poder soberano que governa o mundo”5.
Verificada a validade da grelha de leitura da realidade do sistema internacional no início do
séc. XXI com recurso ao modelo teórico de organização com base nos arquétipos de
organização espacial do poder, dedicaremos um subcapítulo à discussão do conceito e
evolução histórica do modelo imperial, com recurso à sistematização do conhecimento
desenvolvido por algumas escolas, avaliandoo processo de transformação das condições de
concretização dos arquétipos de organização do poder, e portanto também do império,
transformando-os à medida que os pressupostos de relacionamento internacional se foram
alterando.
O subcapítulo dedicado à verificação das condições de aplicabilidade do conceito de
“Império” no sistema pós-moderno identificará as linhas de actuação estruturais e
características identificadoras do conceito de Império em cada época histórica, criando assim
5 HARDT, M., NEGRI, A., Empire, Harvard University Press paperback edition, Cambridge, Massachusetts,
London, England 2001, p. xi
uma base sólida de comparação com a realidade observada no sistema internacional do início
do séc. XXI que permita validá-lo enquanto modelo de organização espacial do poder em
actuação, procurando identificar em que medida os sistemas de projecção de poder existentes
no sistema pós-moderno são mutações de forma (embora não de estrutura) do arquétipo
império, correspondendo a um novo modelo imperial, com as mesmas linhas de fundo mas
também ele próprio adaptado às novas condições de afirmação do poder decorrentes das
novas exigências e dos novos conceitos de poder do sistema pós-moderno de relações
internacionais, demonstrando que a nova organização e distribuição mundial do poder
assume, com efeito, algumas características clássicas do império, pelo que não podemos,
assim, sustentar a afirmação de que “o desejo imperial está morto nos países mais de
imperialismo”6, mas antes que se alteraram apenas os mecanismos através dos quais as
comunidades mais fortes pretendem, como sempre pretenderam, dominar comunidades mais
fracas.
6 COOPER, Robert, op cit, p. 30
V. Os modelos geopolíticos pós-modernos de organização imperial do
poder
A organização imperial pós-moderna não radica assim apenas no estado-nação como detentor
do poder em expansão e em afirmação. Outros actores internacionais se assumem também
enquanto verdadeiros impérios pós-modernos, organizados por vezes de forma tão informal e
difusa que encontrar o verdadeiro centro de poder ou a efectiva extensão do seu domínio se
torna uma tarefa de dificuldade acrescida.
Este capítulo analisará essas novas formas de organização de ambição imperial, e o modo
como o poder é obtido, expandido e exercido, nomeadamente, para além do Estado, pelos
grupos de Estados organizados, as organizações internacionais de matriz clássica, ou as
empresas transnacionais, tendo em conta a importante alteração ocorrida nas últimas décadas
do século XX no que respeita ao papel da economia e das transacções económicas no jogo de
poder internacional.
Os novos estados imperiais, as organizações internacionais de matriz clássica, e as empresas
transacionais serão objecto, neste contexto, de uma análise aprofundada procurando
evidências dessa ligação entre as suas formas de afirmação e de poder e o conceito teórico de
império, de forma comprovar a hipótese de estabelecimento de um modelo teórico subjacente
à generalização do conceito de estrutura imperial (ou Império), possibilitando a sua extensão
a estruturas diferentes do Estado-Nação.
VI. A aplicabilidade do modelo teórico de Império pós-moderno à União
Europeia
A análise e verificação da hipótese 3, relativa à verificação da existência na UE das
características do sistema pós-moderno, e da existência de uma mutação na organização do
poder dos Estados europeus, concretizada numa nova forma de governo de dimensão
transnacional de vocação imperial é feita neste capítulo.
Divide-se em três subcapítulos, em que serão analisadas as causas e mecanismos da criação
das primeiras Comunidades, e as suas ideias motrizes, desde logo a dinâmica
aprofundamento-alargamento; algumas das principais políticas e práticas inovadoras da UE e
o posicionamento da UE no Sistema de Relações Internacionais do inicio do séc. XXI. Esta
análise permitirá identificar, no subcapítulo de validação da aplicabilidade do novo modelo
teórico de “Império pós-moderno” à União Europeia, os factos e tendências verificáveis na
evolução do processo de construção europeia que permitem demonstrar que a UE se
constitui, desde o início do processo de construção europeia, como uma entidade de vocação
pós-moderna e imperial.
Esta análise radica na obsevação de alguns sinais de evolução pós-moderna nos estados
europeus, desde logo a relevância de que se revestem os valores universais em que a Europa
Comunitária se baseia desde os primeiros tratados, e o papel que os povos e o cidadão
adquirem no seio deste processo.
A existência em tensão constante de características fundamentais da organização e os
sistemas de poder presentes, em que se misturam de marcas pós-modernas com modernas (e
alguns assomos de pré-moderno [regiões]?), assumindo esta tensão uma importância
acrescida tendo em conta a evolução em curso com o tratado de Lisboa, e que reúne
características intergovernamentais e comunitárias.
No âmbito da avaliação da UE enquanto sistema imperial pós-moderno, será importante
avaliar quais os mecanismos/instrumentos de afirmação do poderque a UE utiliza, e que
natureza assumem, para que seja possível classificá-la como um império pós-moderno.
VII. Conclusões
Este capítulo apresentará as conclusões a extrair da investigação feita. Trata-se assim de
verificar a veracidade das hipóteses colocadas, e responder às questões que motivaram este
estudo, desde logo no que respeita às condições de validade da tese de que a UE se constitui
como um império pós-moderno, e os moldes em que tal pode ser afirmado e defendido,
nomeadamente quanto aos principais elementos de caracterização teórica dos impérios:
• o tipo de organização do poder
• o papel, características e poderes das instituições
• a base territorial em que assenta e tipo de expansão de influência
• o tipo e composição da sociedade sobre a qual se estende
• o nível de aceitação do império
• o papel da força e modelo de imposição de normas
• a legitimação do poder
• a sua vocação
Deverá ainda apresentar algumas pistas de reflexão para trabalhos futuros, que não cabendo
no âmbito deste estudo se apresentam como questões pertinentes e sobre as quais será
necessário proceder a uma investigação aprofundada., desde logo a aplicação do modelo
teórico às redes de poder informais, nas quais se incluem, por exemplo, as redes terroristas e
de crime organizado, mas também as novas redes de comunicação virtual que se constituem
como verdadeiros laboratórios de construção e exercício de poder.
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