o lugar na construção do saber geográfico escolar

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EDINALVA MARIA DA SILVA O LUGAR NA CONSTRUÇÃO DO SABER GEOGRÁFICO ESCOLAR – Comunidade Tradicional de Pescadores do Manguezal de Nossa Senhora do Livramento-PB. UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA NÍVEL MESTRADO João Pessoa 2007

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Page 1: O lugar na construção do saber geográfico escolar

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EDINALVA MARIA DA SILVA

O LUGAR NA CONSTRUÇÃO DO SABER GEOGRÁFICO ESCOLAR –

Comunidade Tradicional de Pescadores do Manguezal de Nossa Senhora do

Livramento-PB.

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

NÍVEL MESTRADO

João Pessoa 2007

Page 2: O lugar na construção do saber geográfico escolar

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EDINALVA MARIA DA SILVA

O LUGAR NA CONSTRUÇÃO DO SABER GEOGRÁFICO ESCOLAR –

Comunidade Tradicional de Pescadores do Manguezal de Nossa Senhora do

Livramento-PB.

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

NÍVEL MESTRADO

João Pessoa 2007

Page 3: O lugar na construção do saber geográfico escolar

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O LUGAR NA CONSTRUÇÃO DO SABER GEOGRÁFICO ESCOLAR –

Comunidade Tradicional de Pescadores do Manguezal de Nossa Senhora

do Livramento-PB.

EDINALVA MARIA DA SILVA

Dissertação apresentada ao Corpo Docente do Programa de Pós-Graduação em

Geografia do CCEN-UFPB, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em

Geografia.

Área de Concentração: Território, Trabalho e Ambiente

Aprovada por:

____________________________________________________________ Prof. Dr. Roberto Sassi – Orientador

Universidade Federal da Paraíba - UFPB

____________________________________________________________ Prof.ª Dra. Maria Adailza Martins de Albuquerque – Co-orientadora

Universidade Federal da Paraíba - UFPB

____________________________________________________________ Prof.ª. Dra. Nídia Nacib Pontuschka - Examinadora

Universidade de São Paulo - USP

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

NÍVEL MESTRADO

Outubro / 2007

Page 4: O lugar na construção do saber geográfico escolar

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Às minhas filhas, Idevana e Isabella, dedico.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço de forma singular e de modo muito especial: A Deus, por me renovar as forças, dia após dia; Ao Professor Dr. Roberto Sassi, o meu orientador neste trabalho, a quem admiro pela competência e compromisso, como cidadão do mundo, e por seu apoio e inspiração no amadurecimento dos meus conhecimentos e conceitos que me levaram a execução e conclusão deste; À Professora Drª. Adailza Martins de Albuquerque (Dadá) co-orientadora deste trabalho, pelo constante incentivo, sempre indicando a direção a ser tomada nos momentos de maior dificuldade, interlocutora interessada em participar de minhas inquietações. Agradeço, principalmente, pela confiança, mais uma vez depositada, no meu trabalho de dissertação e pelas oportunidades de discussão e construção de uma nova concepção geográfica; Às educadoras, diretora, supervisora e demais funcionários da Escola Padre Pires Ferreira, no Distrito de Nossa Senhora do Livramento, pela receptividade. Aos alunos e alunas dessa escola, pela utilização dos seus trabalhos. À comunidade de pescadores pela colaboração dispensada; Aos meus pais, irmãs e irmão, pelo apoio ao compartilhar dessa minha trajetória; Aos professores, professoras e coordenação do Mestrado; Àqueles companheiros e companheiras, que me incentivaram nessa luta: Ioneide, Elizete, Kátia Germana, Profª. Sandra Santiago, Prof. Dr. Otávio Mendonça, Márcia, Jocélio, Profª. Araci e Profª Drª. Emília; A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização desta pesquisa.

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“Pudera compreender o que o olhar pessoal e subjetivo dessas crianças capta do espaço vivido”. Ednalva Maria da Silva

Page 7: O lugar na construção do saber geográfico escolar

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RESUMO

SILVA, Edinalva Maria da. O LUGAR NA CONSTRUÇÃO DO SABER GEOGRÁFICO ESCOLAR – Comunidade Tradicional de Pescadores do Manguezal de Nossa Senhora do Livramento-PB. Orientador: Prof. Dr. Roberto Sassi./ Co-orientadora: Prof. Drª. Maria Adailza M. Albuquerque. João Pessoa: UFPB, 2007. Dissertação (Mestrado em Geografia).

O saber escolar está vinculado ao processo educativo como um todo. Para compreendê-lo é torna-se imperativo fazer uma reflexão acurada de cunho investigativo sobre as dimensões pedagógicas existentes nesse processo. Visando instrumentalizar esta reflexão nós realizamos, neste trabalho, uma abordagem geográfica sobre o tema. Portanto, é propósito dessa dissertação refletir sobre a construção do saber geográfico escolar, tendo como categoria de análise o lugar. A pesquisa teve como área de estudo a Escola Municipal de Ensino Fundamental Padre Pires Ferreira, localizada no Distrito de Nossa Senhora do Livramento, área de mangue, zona rural do Município de Santa Rita na Paraíba. Tendo em vista a importância do mangue para os moradores, em especial os alunos, buscamos compreender, através da apreensão, da percepção, como o saber produzido na comunidade sobre o mangue passa a compor o saber geográfico escolar. Constatamos o potencial formativo do lugar e a possibilidade de entrelaçamento dos saberes advindos da comunidade com os educandos, enfatizando o ensino da Geografia. Palavras-Chave: Saber Geográfico Escolar, Percepção, Lugar e Mangue.

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ABSTRACT

SILVA, Edinalva Maria da. LIVING PLACE IN THE CONSTRUCTION OF GEOGRAFPHICAL KNOWLEDGE AT SCHOOL – Traditional Community of Fishermen of Mangrove Area at Nossa Senhora do Livramento, Paraíba state. Supervisor: Dr Roberto Sassi / Co-Supervisor: Drª. Maria Adailza M. Albuquerque. João Pessoa: UFPB, 2007. MSc Dissertation, in Geography.

The knowledge at school is intimately linked to the educational process as a whole. In order to understand it, it is imperative that an accurate investigative reflection be performed on existing pedagogical dimensions in such process. In the present work a geographical approach to this theme was performed as an invaluable tool for such reflection. Therefore, it was aimed in the present investigation to reflect on the construction of knowledge in geography at school, taking the living place as a category of analysis. This investigation was carried out at the Escola Municipal de Ensino Fundamental Padre Pires Ferreira, located in the district of Nossa Senhora do Livramento, a mangrove area situated in the rural zone of the municipality of Santa Rita, state of Paraíba, Northeast Brazil. Considering that the mangrove ecosystem is vitally important for local dwellers, mainly for the students of that elementary and secondary school, we searched for the comprehension, through apprehension and perception, of how the knowledge generated in that human community about the mangrove habitat is turned into geographical knowledge in the school. The formative potential of the studied place was evidenced in the present investigation, as well as the possibility of intertwining experiences and knowledge originated from the community as a whole, with emphasis on the teaching of geography in the school. Key words: Knowledge of geography in the school, Perception, Living place and Mangrove area.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Manguezal do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB .....36 Figura 2 Manguezal com o nível da maré cheia do Distrito de Nossa Senhora do

Livramento – Santa Rita/PB ............................................................................36 Figura 3 Catadores de Mariscos do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa

Rita/PB .............................................................................................................43 Figura 4 Marisqueira do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB....43 Figura 5 Vista ao Fundo da Cidade de João Pessoa ..................................................................53 Figura 6 Mapa do Estado da Paraíba, Município de Santa Rita e Distrito de Nossa

Senhora do Livramento ...................................................................................54 Figura 7 Imagem de Satélite do Distrito de Nossa Senhora do Livramento e Ilha de

Stuart ................................................................................................................55 Figura 8 Posto do P.S.F do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB

..........................................................................................................................56 Figura 9 Cartório do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB .........56 Figura 10 Cemitério do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB........56 Figura 11 Posto Policial do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB

...........................................................................................................................57 Figura 12 Bar do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB .................57 Figura 13 Campo de Futebol do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa

Rita/PB ............................................................................................................57 Figura 14 Capela de Nossa Senhora do Livramento localizada no Distrito de Nossa

Senhora do Livramento – Santa Rita/PB ....................................................59 Figura 15 Casa de Taipa do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB.63 Figura 16 Casa de Tijolo do Distrito de Nossa Senhora do Livramento - Santa Rita/PB.63 Figura 17 Casa com cobertura de Telha de Cerâmica do Distrito de Nossa Senhora do

Livramento – Santa Rita/PB ............................................................................63 Figura 18 Casa com cobertura de Palha do Distrito de Nossa Senhora do Livramento

Santa Rita/PB ...................................................................................................63

Page 10: O lugar na construção do saber geográfico escolar

9

Figura 19 Lixo lançado a céu aberto no Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB ............................................................................................................64

Figura 20 Casas que são eletrificadas no Distrito de Nossa Senhora do Livramento -

Santa Rita/PB ...................................................................................................64 Figura 21 Moradora do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB

convivendo com a escassez da água encanada ................................................65 Figura 22 Coleta do lixo feita através do caminhão no Distrito de Nossa Senhora do

Livramento – Santa Rita/PB ............................................................................65 Figura 23 Morador do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB

confeccionando gaiolas (artesanato) ...............................................................66 Figura 24 Diagrama das Variações do Ciclo Lunar associado à Maré visto pelos

catadores de crustáceos e moluscos no Estado da Paraíba .............................77 Figura 25 Escola Municipal do Ensino Fundamental Padre Pires Ferreira, localizada no

Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB ............................82 Figura 26 Salas de Aulas da Escola Padre Pires Ferreira do Distrito de Nossa Senhora do

Livramento – Santa Rita/PB ............................................................................83 Figura 27 Salas destinadas à Secretaria funcionando como Sala de Aula na Escola Padre

Pires Ferreira do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB..83 Figura 28 Moradores do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB que

trabalham no mangue .......................................................................................89 Figura 29 Criança que estuda na Escola Padre Pires Ferreira, no Distrito de Nossa

Senhora do Livramento – Santa Rita/PB, que trabalha no mangue. Pode-se observar que o mesmo encontra-se com a farda da escola ...............................89

Figura 30 Representação Gráfica da Casa: Lugar de vivência do aluno ..........................97 Figura 31 Representação Gráfica do Lugar como Espaço Familiar .................................99 Figura 32 Representação Gráfica da Rua em que eu moro: o meu lugar ......................100 Figura 33 Representação Gráfica do Elo Afetivo do aluno com o lugar onde vive .......100 Figura 34 Representação Gráfica do Lugar: percepção do lugar como um todo numa

dimensão afetiva.............................................................................................101 Figura 35 Representação Gráfica do lugar sonhado, na concepção de aluna da escola.

Como se vê, evidenciam-se casas coloridas, ruas, árvores e área de lazer ....102 Figura 36 Vista Geral da rua onde reside a aluna autora do desenho da figura 33.........103

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Figura 37 Representação Gráfica do Percurso interligando sua casa diretamente à escola com elementos do meio...................................................................................104

Figura 38 Representação Gráfica do Percurso interligando sua casa às ruas e esta à

escola...............................................................................................................104 Figura 39 Representação Gráfica do Percurso interligando sua casa às ruas e esta à

escola. .............................................................................................................105 Figura 40 Representação Gráfica do Percurso feito pelo rio. ......................................105 Figura 41 Representação Gráfica do Mangue ..............................................................106 Figura 42 Representação Gráfica da Fauna ..............................................................107 Figura 43 Representação Gráfica do Mangue ..............................................................107 Figura 44 Representação Gráfica do Mangue ..............................................................108 Figura 45 Barco de Brinquedo confeccionado pelo pai. ................................................113 Figura 46 Criança acompanha o pai na confecção de redinhas para captura do caranguejo .........................................................................................................................113 Figura 47 Convívio do Aluno da Escola Padre Pires Ferreira com representantes da fauna

local ................................................................................................................115 Figura 48 Convívio do Aluno da Escola Padre Pires Ferreira com representantes da fauna

local ................................................................................................................115 Figura 49 Produção Textual ......................................................................................117 Figura 50 Alunos da Escola Padre Pires Ferreira catando Mariscos ..............................121 Figura 51 Alunos da Escola Padre Pires Ferreira catando Mariscos ..............................121

Page 12: O lugar na construção do saber geográfico escolar

11

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Duas estimativas mais recentes da cobertura de manguezais no Brasil ...........38 Quadro 2 Distrito Nossa Senhora do Livramento – População e Equipamentos

Comunitários ...................................................................................................55 Quadro 3 O que tem de Bom e de Ruim no Mangue ....................................................68 Quadro 4 Produtos extraídos do mangue para remédio ..................................................69 Quadro 5 Aves mais encontradas ...................................................................................70 Quadro 6 Répteis e Mamíferos mais encontrados na região............................................70 Quadro 7 Pescados mais capturados pela comunidade de pescadores do Distrito de Nossa

Senhora do Livramento, Santa Rita/PB ...........................................................73 Quadro 8 Principais apetrechos utilizados na pesca pelos pescadores do Distrito de Nossa

Senhora do Livramento, Santa Rita/PB. ...................................................74 Quadro 9 Conteúdos de Geografia trabalhados durante o ano letivo de 2006 ................92 Quadro 10 Conteúdos de Geografia contidos no Livro Didático adotado pela Escola Padre

Pires Ferreira, Livramento – Santa Rita/PB ...................................................93

Page 13: O lugar na construção do saber geográfico escolar

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Distribuição percentual dos entrevistados em relação à idade. ........................60 Tabela 2 Distribuição percentual dos entrevistados em relação ao tempo de moradia na

comunidade. .....................................................................................................61 Tabela 3 Comercialização do Pescado ............................................................................75 Tabela 4 Distorção idade/série .......................................................................................85

Page 14: O lugar na construção do saber geográfico escolar

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SUMÁRIO

RESUMO ABSTRACT LISTA DE ILUSTRAÇÕES LISTA DE QUADROS LISTA DE TABELAS CAPÍTULO 1 DESAFIOS E PERSPECTIVAS INDISPENSÁVEIS A COMPREENSÃO DO PERCURSO DE ESTUDO: LEITURA DA REALIDADE ESCOLAR E OS IMPASSES METODOLÓGICOS PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA ................ CAPÍTULO 2 HORIZONTES TEÓRICOS CONCEITUAIS ............................................................ 2.1 CONSTRUÇÃO DE PONTES PARA FUNDAMENTAÇÃO DO ESTUDO .......... 2.2 O LUGAR COMO CONCEITO PRIMORDIAL PARA A PESQUISA ................... 2.3 O MANGUE E A VIDA ............................................................................................ 2.3.1 Caracterização dos Estuários e Manguezais ............................................................. 2.3.2 O pescador do Mangue ............................................................................................. 2.4 O SABER ESCOLAR ................................................................................................ 2.4.1 A escola como lugar de produção do saber .............................................................. 2.4.2 O lugar do aluno como ponto de partida .................................................................. CAPÍTULO 3 O LUGAR, SABERES E FAZERES DO COTIDIANO ............................................. 3.1 O DISTRITO DE NOSSA SENHORA DO LIVRAMENTO .................................... 3.2 A COMUNIDADE E SUA RELAÇÃO COM O LUGAR ......................................... CAPÍTULO 4 A ESCOLA ....................................................................................................................... 4.1 O ESPAÇO ESCOLAR .............................................................................................. 4.2 OS PROFESSORES, OS LIVROS DIDÁTICOS E O SABER GEOGRÁFICO DIFUNDIDO NA ESCOLA ............................................................................................. 4.3 OS ALUNOS E AS REPRESENTAÇÕES SOBRE O LUGAR ................................ 4.4 DA ESCOLA À COMUNIDADE, DA COMUNIDADE À ESCOLA: ENTRELAÇANDO SABERES ........................................................................................ CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... APÊNDICES ANEXOS

15

23 23 31 34 34 39 44 44 48

53 53 60

82 82

85 96

111

123

127

Page 15: O lugar na construção do saber geográfico escolar

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CAPÍTULO I

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DESAFIOS E PERSPECTIVAS INDISPENSÁVEIS A COMPREENSÃO DO PERCURSO DE ESTUDO: LEITURA DA REALIDADE ESCOLAR E OS IMPASSES METODOLÓGICOS PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA.

Para compreendermos a complexidade do processo educativo, se faz necessária uma

intensa reflexão sobre o papel da escola mediante as interferências no seu âmbito particular de

atuação ao lado de outras instâncias, sociais, econômicas, políticas, culturais e pedagógicas.

Especificidades do saber e fazer no processo educativo, bem como aspectos concernentes a

função social e política da escola (ou da educação?) vêm sendo o cerne de pesquisas, debates

e produções científicas. Os avanços teóricos são evidentes, como também são diversas as

concepções e princípios apresentados no contexto atual da educação. Entretanto, muito

lentamente estas têm alcançado as práticas escolares que perduram, respaldadas em

concepções tradicionais.

É pertinente compreender o que já é consenso, que o processo educativo caracteriza-se

como um campo considerável de complexidade, como mencionamos inicialmente, exigindo,

(re)visão e (re)construção constante de saberes, através de uma prática reflexiva e

investigativa. Para Morin (2001) “... há complexidade quando elementos diferentes são

inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o afetivo e o

mitológico) [...] por isso a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade”.

(p.100). Como a educação faz parte do todo, contém as particularidades desse todo que é

complexo.

Buscamos a reflexão como ponto norteador para chegarmos à compreensão dos

conflitos cotidianos como profissionais da educação no nosso campo de atuação.

Visualizamos a reflexão como o “bem pensar” considerado pelo autor supracitado, como

elemento que favorece a compressão.

Page 17: O lugar na construção do saber geográfico escolar

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Este é o modo de pensar que permite apreender em conjunto o texto e o contexto, o ser e seu meio ambiente, o local e o global, o multidimensional, em suma, o complexo, isto é, as condições do comportamento humano. Permite-nos compreender igualmente as condições objetivas e subjetivas (op cit, 2001, p.100).

Quando mencionamos o nosso campo de atuação, nos remetemos à Escola Municipal de

Ensino Fundamental Padre Pires Ferreira, localizada no Distrito de Nossa Senhora do

Livramento, zona rural do Município de Santa Rita-PB. Essa escolha se deu pela

multiplicidade de experiências, conflitos e reflexões vinculadas à nossa prática enquanto

supervisora escolar desta instituição, durante o período de 1999 a 2000, onde delineamos a

problemática da nossa pesquisa, constituindo-se numa perspectiva singular, como nossa área

de estudo.

Essa Escola localiza-se no Distrito de Nossa Senhora do Livramento e possui boa parte

de seu perímetro constituído por mangue. Este se apresenta como um ecossistema de grande

importância para a vida dos habitantes dessa comunidade e por isso o selecionamos para

constituir o nosso recorte espacial de estudo.

Dentre os vários conflitos vivenciados naquela escola, citamos como foco a inadequação

do ensino, evidenciada pelo alto índice de repetência, grande distorção idade/série, como

também a falta de motivação dos alunos e professores em sala de aula, comprometendo

efetivamente a qualidade do ensino.

No âmbito da Geografia, constatamos a enorme distância que se sobrepunha entre o que

é ensinado e o que é vivido e conseqüentemente o que é aprendido pelos alunos. Não era

enfatizada a compreensão do saber geográfico, dificultando ou negando aos alunos o acesso à

visão da Geografia real, vivenciada no seu cotidiano e tão necessária para melhorar as

relações entre o homem, a natureza e o entendimento do espaço geográfico como uma

extensão humana e física. O convívio diário com essa realidade nos trouxe questionamentos

inquietantes, como os que seguem: de que forma a escola tem se utilizado da realidade do

Page 18: O lugar na construção do saber geográfico escolar

17

meio, ou seja, do ecossistema manguezal e seu usufruto, para o ensino da Geografia? Que

concepção de relação sociedade e natureza a escola está ajudando a construir? Que relação

tem o ensino de Geografia nessa escola com as propostas dos livros didáticos e o cotidiano do

aluno? O corpo de conhecimentos produzido na escola tem contribuído para que os atores

sociais locais compreendam de forma crítica a realidade onde vivem e, conseqüentemente,

poderem melhorarem suas vidas?

A pesquisa nasceu do desejo e da necessidade de melhor compreendermos a construção

do saber escolar, partindo da análise dos conteúdos geográficos, das formas populares de

saberes locais, do lugar onde o aluno está inserido, das relações sócio-espaciais estabelecidas

com o entorno e a comunidade em geral, produzindo assim um saber geográfico escolar.

A categoria escolhida como objeto de análise para esse trabalho foi o lugar,

compreendido como instância em que nossas relações são efetivadas (MELLO, 2001).

Nessa perspectiva, algumas questões orientaram a nossa problemática, quais sejam:

Qual o significado do ecossistema para aqueles moradores que vivem do mangue? Como

esses moradores utilizam o mangue? Que importância a comunidade de Livramento dá ao

espaço geográfico onde vive? Que saberes possuem sobre a realidade local e como fazem uso

deles?

Considerando a nossa problemática e as questões norteadoras, nasceu o objetivo

principal dessa dissertação: analisar os saberes sobre o mangue na comunidade de Nossa

Senhora do Livramento visando compreender como este contribui na construção do saber

geográfico escolar.

Para isso, se fez necessário, como objetivos específicos: compreender como se dá a

construção dos saberes dos moradores sobre o mangue; apreender a percepção dos moradores,

em especial dos alunos, sobre o lugar onde vivem e compreender como o saber produzido na

comunidade sobre o mangue passa a compor o saber escolar.

Page 19: O lugar na construção do saber geográfico escolar

18

Buscamos, a partir da Geografia escolar, materializar nossas convicções de que é

possível se fazer do espaço escolar, espaço de construção de cidadania, partindo do princípio

de que o lugar do aluno, bem como seus saberes cotidianos, podem subsidiar sua

aprendizagem se respeitados pela escola e em particular pelo professor, abrindo um leque de

possibilidades para uma aprendizagem significativa. Nessa perspectiva, o nosso objeto de

estudo se constitui dos saberes escolares, gerado entre as esferas do vivido na comunidade e

na escola.

Feita as devidas considerações acerca do trabalho, apresentamos em linhas gerais os

procedimentos metodológicos. Optamos pela pesquisa qualitativa, pois segundo Bogdan e

Biklen (1982) apud Lüdke e Menga:

Envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes (1986, p.13).

Para que a opção por uma pesquisa qualitativa fosse viabilizada, observamos

diretamente elementos da realidade, colhemos depoimentos, a partir de entrevistas, rodas1 de

conversas1 e representações gráficas por meio de desenhos.

Inicialmente construímos um aporte bibliográfico que subsidiou a visão multidisciplinar

do nosso trabalho. O suporte teórico inicial foi a Geografia Humanística porque nela

encontramos a acepção de lugar que mais se aproximou do nosso estudo. Recorremos ainda à

leituras da Pedagogia e da Ecologia de Ambientes Estuarinos que se mostraram fecundas no

que tange a construção de pontes de sustentação teórica para o estudo. Consultamos ainda a

Proposta Pedagógica, os Livros Didáticos e os Diários de Classe da Escola.

1 Roda de Conversa – Estratégia de abordagem em que a palavra é o instrumento de mediação privilegiado. Pretende ser na educação, um espaço de partilha e confronto de idéias, onde a liberdade da fala e da expressão proporcionam ao grupo como um todo, e a cada indivíduo em particular, o crescimento na compreensão dos seus conflitos.

Page 20: O lugar na construção do saber geográfico escolar

19

A pesquisa de campo foi dividida em duas etapas: a primeira, na escola, entre os meses

de outubro e novembro de 2006, e a segunda, com a comunidade, no mês de maio de 2007.

Nesses períodos, realizamos 25 viagens à Livramento. Desse modo, a pesquisa iniciou-se com

as observações na escola, em busca de uma maior compreensão da relação entre a prática de

sala de aula concernente ao ensino de Geografia e a realidade escolar. Inicialmente tínhamos a

intenção de realizar com os alunos entrevistas semi-estruturadas, o que nos foi inviável devido

à timidez dos mesmos. Através de “rodas de conversa” conseguimos colher espontaneamente

depoimentos sobre a sua realidade local.

Em seguida, trabalhamos em sala de aula com alunos de 1ª a 4ª séries do turno da

manhã, totalizando 100 alunos, para a apreensão de suas percepções que tiveram como foco o

lugar e a forma como eles percebem o seu entorno. Para isso, foram requisitados desenhos

sobre o lugar onde vivem, o trajeto casa-escola e o mangue.

Quanto às professoras, além da observação das aulas, realizamos entrevistas semi-

estruturadas com todo o quadro docente, no total 7 (sete) professoras, buscando apreender

dados de sua prática de sala de aula no cotidiano da escola.

Na segunda etapa da pesquisa de campo, trabalhamos diretamente com a comunidade de

pescadores residentes no entorno da escola. Realizamos 13 entrevistas semi-estruturadas no

local de trabalho dos mesmos, ou seja, no mangue e nas residências, realizamos 21 entrevistas

em que coletamos dados sobre o conhecimento dos pescadores referentes ao lugar onde

vivem, ao mangue e à pesca. No texto, quando citamos essas entrevistas, optamos por definir

os entrevistados através das iniciais maiúsculas dos seus nomes, mantendo o gênero e a idade

dos mesmos. Tendo relatado as nossas considerações iniciais, apresentaremos a seguir a

estrutura do nosso texto.

Essa dissertação está estruturada em quatro capítulos os quais buscam apresentar

questões teóricas sobre a importância do estudo do lugar como ponto de partida para o ensino

Page 21: O lugar na construção do saber geográfico escolar

20

da Geografia, bem como os resultados da nossa investigação, revelando as possibilidades de

entrelaçamento de saberes populares e científicos, na construção do saber escolar.

O primeiro capítulo que vos apresento aborda os desafios e perspectiva indispensáveis a

compreensão do percurso de estudo: leitura da realidade escolar e os impasses metodológicos

para o ensino de geografia.

O segundo capítulo, horizontes teóricos conceituais, estrutura-se a partir da discussão

de vários autores da Geografia, Biologia e Pedagogia, enfocando questões concernentes ao

estudo do lugar onde procuramos construir pontes para fundamentação da nossa pesquisa, na

tentativa de demarcar o lugar como conceito primordial para o nosso estudo. Caracterizamos

o ecossistema manguezal, buscando evidenciar sua relevância para a construção dos saberes

escolares. Apresentamos a escola como espaço de construção e produção de saberes, partindo

da análise das proposições da história das disciplinas escolares. Nesse sentido, tecemos a

nossa compreensão acerca do lugar do aluno como contexto gerador desses saberes para que

essa construção se efetive de forma significativa para a sua vida.

O terceiro capítulo, o lugar, saberes e fazeres do cotidiano, apresenta as trilhas da

construção do perfil da comunidade e suas relações com o lugar, bem como os saberes

construídos cotidianamente e sua importância para o nosso estudo.

Os sujeitos e os saberes da escola caracteriza-se como o quarto capítulo, tendo em

vista a apresentação dos sujeitos da pesquisa, envolvidos diretamente no processo de

construção de saberes, quais sejam; professoras e alunos. Para tanto, ganha destaque a

compreensão dos processos de mediação das professoras em função da aprendizagem dos

alunos e o livro didático, como um dos instrumentos que o professor dispõe para subsidiar sua

prática. Analisamos as representações dos alunos, trabalhadas na pesquisa de campo, tendo

como referência o lugar. Nessa análise, buscamos captar o sentido que perpassa o seu

cotidiano através da percepção dos mesmos sobre os elementos constituintes do lugar. A

Page 22: O lugar na construção do saber geográfico escolar

21

partir daí, procuramos fazer possíveis aproximações entre os saberes do aluno; e os da

comunidade, que se entrelaçam na construção de saberes escolares.

As análises e os resultados aos quais chegamos nesse estudo configuram-se como

apreciação e valorização do potencial formativo do lugar no que se refere à fertilidade de

saberes no processo de construção dos conteúdos programáticos da escola. Esse trabalho abre

um espaço para reflexão sobre as possibilidade e implicações para o ensino de Geografia,

através de um trabalho centrado nos saberes da comunidade e dos alunos em particular.

Page 23: O lugar na construção do saber geográfico escolar

22

CAPÍTULO II

Page 24: O lugar na construção do saber geográfico escolar

23

HORIZONTES TEÓRICOS CONCEITUAIS

2.1 CONSTRUÇÃO DE PONTE PARA FUNDAMENTAÇÃO DO ESTUDO

A Geografia, enquanto ciência, assume um enfoque conceitual sobre o homem enquanto

sujeito construtor e transformador do espaço, um homem social e cultural, situado numa

dimensão econômico - política que imprime seus valores ao processo de construção e

reconstrução do lugar em que vive, mas que também é marcado por este mesmo lugar. Sobre

as idéias concernentes ao espaço vivido, Rego acrescenta:

O espaço vivido pode ser entendido como uma rede de manifestações da cotidianidade desse sistema em torno das intersubjetividades que são, por sua vez, as redes nas quais se constituem as exigências individuais, no trabalho, na escola, na família, nas outras diversas formas da vida societária (REGO, 2000, p. 7, 8).

Baseados nessa visão, é possível analisar a relação entre os saberes produzidos no

cotidiano de uma comunidade e a produção do saber escolar, focalizando o conhecimento

geográfico de seus moradores. Com este objetivo, é válido apreender o conjunto de

percepções construídas a partir das relações estabelecidas entre os indivíduos e o lugar onde

vivem. Assim, salienta-se a importância de se desvelar as características de

uma comunidade situada na área de manguezais, onde se encontra um espaço geográfico

constituído de múltiplas influências da natureza, como também da sociedade. O estudo do

lugar sob esta ótica é, portanto, o ponto de partida para uma compreensão mais ampla dessas

relações.

Para que a nossa reflexão não se perca no vazio, creio ser relevante uma breve

contextualização dos fundamentos teóricos nos quais se encontram balizadas nossas

considerações.

Page 25: O lugar na construção do saber geográfico escolar

24

O suporte teórico inicial do estudo, como apontamos no capítulo primeiro, foi a

Geografia Humanística. Essa encontra na fenomenologia seu suporte filosófico ao analisar a

compreensão das essências através da experiência vivida, não considerando o mundo

independente do ser humano. Esse enfoque deu origem à Geografia da Percepção,

desdobrando-se em Geografia Humanista. Conforme Mello, (1990) e Holzer (1992) a

fenomenologia é o principal prumo na concepção da via cognitiva da geografia humanista.

Dessa forma, a fenomenologia, “[...] se constitui numa corrente filosófica que considera

os objetos como fenômenos” (LECIONE, 1999, p. 149, apud ALBUQUERQUE, 2004, p. 72),

os quais devem ser analisados como aparecem na consciência, logo, há uma priorização na

percepção humana e entende que qualquer idéia previa que se tem sobre a natureza dos

objetos deve ser abolida.

A fenomenologia foi criada pelo filósofo alemão Edmund Husserl (1859 - 1938) e por

sua etimologia definir-se-ia como o estudo do fenômeno. Para Husserl: “o sentido de ser e do

fenômeno não podem ser dissociados, uma vez que a consciência só pode ser assim entendida

quando dirigida para um objeto e este só pode ser definido em sua relação com a consciência”

(MELLO, 1990, p. 96-97).

Tuan, a partir da década de 1970, foi um dos autores que incorporou em seus estudos as

constribuições dessa vertente do conhecimento expressos nos livros Topofilia e mais

especificamente, no Espaço e Lugar, editados no Brasil respectivamente em 1980 e 1983

(ALBUQUERQUE, 2004).

Os trabalhos de Tuan são decisivos para a Geografia, pois demarcaram esta nova forma

de perceber o estudo geográfico. Tal contribuição ocorreu, sobretudo, na sessão especial

intitulada “Percepção do entorno e comportamento”, realizada durante o Encontro Nacional

de Geógrafos Americanos, promovido pela Association of American Geographers, em 1965

(HOLZER, 1992, p. 8).

Page 26: O lugar na construção do saber geográfico escolar

25

A Geografia Humanística surge no bojo de uma profunda insatisfação com o

positivismo. Este separava o observador daquilo que observava, não destacando a própria

experiência que se dava na interação das partes.

Nesse sentido, Albuquerque considera que:

Esse enfoque metodológico tem trazido para os debates voltados ao ensino de geografia uma preocupação com a sistematização do conceito lugar. Isto decorre das possibilidades que ele permite a essa Geografia. Por recorrer à percepção dos espaços vividos e de suas representações pelos indivíduos, inclusive com o uso de mapas mentais. O lugar é a escala onde o vivido se efetiva, onde ele acontece, portanto, do percebido e do representado (ALBUQUERQUE, 2004, p. 74).

Neste contexto, acredita-se que as idéias a respeito do espaço resultam das relações da

sociedade, não somente com relação aos laços de afetividade que os une ao lugar, mas

também como aspectos do dia-a-dia e, por ser uma referência de valores e sentimentos, o

lugar lembra as experiências e aspirações dos seres humanos, sendo assim, fundamental para

sua identidade. Portanto, o tema eleito define o contorno do nosso objeto de estudo ao buscar

compreender a relação entre comunidade e escola na construção do saber geográfico escolar

sobre o mangue, tendo como conceito primordial a categoria geográfica do lugar.

Buscamos, ainda, apoio teórico na filosofia educacional de Freire (l987), em que ele

define seu próprio trabalho como uma fenomenologia de caráter dialético, capaz de transitar

da formatação da subjetividade para a compreensão crítica do mundo. O ensino de Geografia

numa perspectiva fenomenológica freiriana pode ser o processo através do qual o aluno

compreenda o que está em torno de si (o mundo em diversas escalas) como algo que o

constitui como pessoa (REFATI, 2000, p. 51).

Da práxis pedagógica de Freire (1996), podemos ressaltar variados conceitos que

concorrem para dar suporte à nossa concepção sobre o saber do educando e o conceito

geográfico escolar do lugar. Vislumbramos uma escola capaz de articular elementos do

conhecimento científico, mas que também valorize elementos da cultura e do saber popular.

Page 27: O lugar na construção do saber geográfico escolar

26

Uma escola onde seja questionada a sua função como veículo de reprodução do conhecimento

descontextualizado culturalmente, mas que também possa antever a possibilidade de ser lugar

de construção de cidadania, mediada por diversos contextos. Nessa perspectiva, Freire (1996)

nos aponta caminhos para uma educação dialógica, problematizadora e em consonância com a

própria vida do aluno. “Nesse sentido, ao falar sobre o universo do educando, de sua maneira

de ver, de ler o mundo, Freire valoriza o saber geográfico construído na relação entre as

classes sociais. E é exatamente a partir desse enfoque metodológico que o lugar passa a ser

significativo para a educação Freiriana” (ALBUQUERQUE, 2004, p.153).

Albuquerque (2004) ressalta que a idéia do educador é incorporar o mundo do educando

ao processo educativo, uma vez que ele propõe uma educação que pense o cidadão a partir das

condições sócio-econômicas da sua vida, do seu trabalho e do seu universo familiar e cultural.

Nessa perspectiva, ele marcou uma ruptura na história pedagógica do nosso país através da

criação da concepção de educação popular, rompendo radicalmente com a educação elitista,

construindo um projeto educacional democrático e libertador.

Em Vygotsky (1991), vamos encontrar suporte na sua teoria sócio - histórico - cultural,

em que a base da aprendizagem está na interação do educando com o meio social. Para ele, o

ser humano, desde que nasce, está em interação com o seu grupo social, inserido em uma

determinada cultura. Em sua abordagem sócio-histórica os mecanismos psicológicos não são

inatos, originam-se e se desenvolvem na relação entre os indivíduos e o contexto sócio-

histórico.

Segundo Feitosa (2002), apud IPF2 (2002, p. 30), “[...] embora Freire só tenha tomado

conhecimento das idéias de Vygotsky recentemente, formulou sua teoria da educação com

base nesse mesmo paradigma”. Tanto Freire quanto Vygotsky afirmam que as competências

não são inatas, mas são frutos das interações que o indivíduo faz com o meio. Embora Freire

2 IPF – INSTITUTO PAULO FREIRE

Page 28: O lugar na construção do saber geográfico escolar

27

não tenha postulado esta teoria oficialmente, ela está subjacente à vida e obra do educador. De

modo que ambos enfatizam o papel do sujeito e da interação com o meio.

Outra similaridade entre a obra dos dois educadores diz respeito à importância do papel

da cultura e da ação do homem como construtor e transformador dessa cultura.

Vygotsky (1991) construiu sua teoria tendo por base o desenvolvimento do indivíduo

como resultado de um processo sócio-histórico, enfatizando o papel da linguagem e da

aprendizagem nesse desenvolvimento, sendo essa teoria considerada histórico-social. Sua

questão central é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio.

Uma idéia central para a compreensão de suas concepções sobre o desenvolvimento

humano como processo sócio-histórico é a idéia de mediação3. Vygotsky distinguiu dois tipos

de elementos mediadores:

• Os instrumentos: são elementos interpostos entre o homem e o meio, é um objeto

social que carrega consigo a função para a qual foi criado; é um objeto social e mediador

da relação entre o indivíduo e o mundo; são externos ao indivíduo.

• Os signos: são elementos da atividade psicológica. São instrumentos psicológicos,

logo, são internos. São ferramentas que auxiliam nos processos psicológicos e não nas

ações concretas.

Segundo Vygotsky (1991), o uso de mediadores aumenta a capacidade de atenção e

memória e, sobretudo, permite maior controle voluntário do sujeito sobre sua atividade. Além

disso, cabe considerar que os processos de mediação sofrem transformações ao longo do

desenvolvimento do indivíduo.

3 Mediação – é o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação. Para Vygotsky (1991), enquanto sujeito do conhecimento, o homem não tem acesso direto aos objetos, mas acesso mediado, através de recortes do real, operados pelos sistemas simbólicos de que dispõe. Assim, a construção do conhecimento seria uma interação mediada por várias relações, ou seja, o conhecimento não está sendo visto como uma ação do sujeito sobre a realidade, e sim, pela mediação feita por outros sujeitos. O outro social pode apresentar-se por meio de objetos, da organização do ambiente, do mundo cultural que rodeia o indivíduo.

Page 29: O lugar na construção do saber geográfico escolar

28

O autor supracitado aborda que a interação face a face entre indivíduos particulares

desempenha um papel fundamental na construção do ser humano, pois é através da relação

interpessoal com outras pessoas que o indivíduo chega a interiorizar as formas culturalmente

estabelecidas de funcionamento psicológico. Assim, a dimensão sociocultural do

desenvolvimento humano não se refere apenas a um amplo cenário, composto pelo país, pelo

nível sócio-econômico etc., mas pelo grupo cultural como fornecedor de um ambiente

estruturado, onde os elementos são carregados de significados. Toda a vida humana está

impregnada de significado.

Segundo as idéias de Vygotsky, a interação social e o instrumento lingüístico são

decisivos para o desenvolvimento do pensamento. Para ele, existem pelo menos dois níveis de

desenvolvimento identificados: um real, já adquirido ou formado, que determina o que a

criança já é capaz de fazer por si própria, e um potencial, ou seja, a capacidade de aprender

com outra pessoa.

O processo de desenvolvimento do ser humano, para Vygotsky, é marcado por sua

inserção em determinado grupo cultural, portanto, se dá de fora para dentro. Primeiramente o

indivíduo realiza ações externas, que são interpretadas pelo “outro” de acordo com os

significados socialmente estabelecidos. A partir dessa interpretação, o indivíduo atribui

significado à sua própria ação. Em seguida, desenvolve processos psicológicos internos que

podem ser interpretados por ele mesmo a partir dos mecanismos estabelecidos pelo grupo

cultural onde vive (OLIVEIRA, 1995).

Portanto, o funcionamento psicológico do ser humano é social, é histórico, além de

biológico.

Ao lado de sua preocupação constante com o desenvolvimento, Vygotsky enfatiza a

importância dos processos de aprendizagem. Segundo ele, desde o nascimento, a

aprendizagem está relacionada com o desenvolvimento. Existe um percurso de

Page 30: O lugar na construção do saber geográfico escolar

29

desenvolvimento, em parte definido pelo processo de maturação do organismo individual,

mas é a aprendizagem que possibilita o despertar de processos internos de desenvolvimento

que dependem do contato social.

Essa concepção de que é a aprendizagem que possibilita o despertar de processos

internos do indivíduo liga o desenvolvimento da pessoa à sua relação com o ambiente sócio-

cultural em que vive e à sua situação de organismo que não se desenvolve plenamente sem o

suporte de outros indivíduos. Na formulação de suas idéias sobre o papel do outro na

aprendizagem e desenvolvimento.

O nível de desenvolvimento real de uma criança refere-se a etapas já alcançadas, já

conquistadas pela própria criança que são resultados de processos já completados. O nível de

desenvolvimento potencial, diferentemente, caracteriza-se pela capacidade de desempenhar

tarefas com a ajuda de adultos ou companheiros mais capazes.

A aprendizagem interage com o desenvolvimento, produzindo abertura na zona de

desenvolvimento proximal (distância entre aquilo que a criança faz sozinha e o que ela é

capaz de fazer com a intervenção de um adulto; potencialidade para aprender, que não é a

mesma para todas as pessoas; ou seja, distância entre o nível de desenvolvimento real e o

potencial) na qual as interações sociais são centrais, estando, ambos os processos,

aprendizagem e desenvolvimento, inter-relacionados; assim, um conceito que se pretenda

trabalhar requer sempre um grau de experiência anterior para a criança.

O desenvolvimento cognitivo é produzido pelo processo de internalização da interação

social com materiais fornecidos pela cultura, sendo que o processo se constrói de fora para

dentro. Para Vygotsky, a atividade do sujeito refere-se ao domínio dos instrumentos de

mediação, inclusive sua transformação por uma atividade mental. Para ele, o sujeito não é

apenas ativo, mas interativo, porque forma conhecimentos e se constitui a partir de relações

intra e interpessoais. É na troca com outros sujeitos e consigo próprio que se vai

Page 31: O lugar na construção do saber geográfico escolar

30

internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a formação de

conhecimentos e da própria consciência. Trata-se de um processo que caminha do plano

social – relações interpessoais – para o plano individual interno – relações intrapessoais.

Assim, a escola é o lugar onde a intervenção pedagógica intencional desencadeia o

processo ensino-aprendizagem. O professor tem o papel explícito de interferir no processo,

diferentemente de situações informais nas quais a criança aprende por imersão em um

ambiente cultural. Portanto, é papel do docente provocar avanços nos alunos e isso se torna

possível com sua interferência na Zona de Desenvolvimento Proximal. O aluno não é tão

somente o sujeito da aprendizagem, mas aquele que aprende junto ao outro o que o seu

grupo social produz, tal como: valores, linguagem e o próprio conhecimento cotidiano e, a

partir desse, desenvolve o conhecimento escolar.

Ao observar a zona de desenvolvimento proximal, o educador pode orientar o

aprendizado no sentido de adiantar o desenvolvimento potencial de uma criança, tornando-o

real. Nesse ínterim, o ensino deve passar do grupo para o indivíduo.

É a partir da postulação da existência desses dois níveis de desenvolvimento – o real e o

potencial – que Vygotsky define a Zona de Desenvolvimento Proximal, com a “distância

entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução

independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da

solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros

mais capazes” (OLIVEIRA, 1995).

Dentre as várias similaridades presentes na obra dos dois educadores, ressaltamos tanto

a importância do papel da cultura e da ação do homem como construtor e transformador dessa

cultura, quanto a importância do papel do diálogo no processo de aprendizagem do aluno.

Para Vygotsky (1991), a aprendizagem é uma conseqüência do diálogo do aluno com o seu

mediador, observando que esse diálogo é repleto de todas as nuances do meio em que habita.

Page 32: O lugar na construção do saber geográfico escolar

31

Trazendo Freire a esse debate, vemos que o mesmo atribui o verdadeiro poder transformador

e libertador a esse conjunto de mediações, uma vez que é dessa interação que emergem novas

maneiras de ver, pensar e agir no mundo. São essas concepções que nos deram suporte para

visualizarmos o ensino de Geografia como o “processo pelo qual o aluno compreenda o que

está em torno de si como algo que também está dentro de si, internalizado, que o constitui

como pessoa” (REFFATTI, 2000, p.51).

2.2 O LUGAR COMO CONCEITO PRIMORDIAL PARA A PESQUISA

A abrangência do conceito lugar na ciência geográfica, bem como as reflexões em torno

dessa categoria geográfica, vem, ao longo dos últimos séculos, sendo tecida com os mais

diversificados fios epistemológicos. As discussões teórico-metodológicas sobre o lugar,

segundo Cavalcante (2000) “têm sido feitas atualmente em três perspectivas: na Geografia

Humanística, na Concepção Histórico-Dialética e na perspectiva pós-moderna” (p.89). Nesse

sentido, Suetergary (2000), apud Albuquerque (2004, p.109) se dedica, nos seus estudos, a

operacionalizar aberturas conceituais para este campo de análise: o lugar apresenta inúmeras

dimensões e essas podem ser analisadas a partir de várias perspectivas teóricas.

Na concepção dialética, tomamos primeiramente como referencial a abordagem de

Santos (1991) sobre o lugar, quando ele orienta a sua análise no sentido de compreender o

lugar como uma categoria que possibilita apreender o real, além de fundamentar as análises

espaciais.

Embora o autor supracitado tenha percorrido um imenso campo teórico, em suas obras

subseqüentes fica claro que ele busca compreender a realidade a partir do lugar: “quanto mais

os lugares se mundializam, mais se tornam singulares e específicos, isto é, únicos” (SANTOS,

1991, p.34).

Page 33: O lugar na construção do saber geográfico escolar

32

Visto sob esta perspectiva, o lugar pode ser concebido como uma formação geográfica

sócio espacial. Como enuncia Carlos (1996, p.20), “o lugar é a base de reprodução da vida e

pode ser analisado pela tríade habitante-identidade-lugar.” A acepção da autora nos leva a

idéia do contexto, nos dando um aporte considerável em nossa pesquisa, visto que a nossa

rota de trabalho se enriqueceu também nessa linha de pensamento.

Se a idéia de lugar está vinculada ao social, então o caminho percorrido no lugar em

busca da essência da realidade para dela se extrair saberes, esbarrará no homem como

elemento primordial desse percurso. Portanto, para compreender o lugar no nosso entender, se

faz necessário saber como o seu habitante o vê, o entende, interage com ele. Enfim, qual é a

leitura que ele faz do seu lugar.

Tanto Santos (1991) quanto Carlos (1996) são partidários da visão de que os estudos

sobre o lugar demandam um enfoque que leve em conta as relações de interdependência com

o todo, ou seja, o lugar como parte da totalidade.

Na perspectiva pós-moderna, o lugar não seria explicado pela sua relação com a

totalidade, visto que o todo desapareceria e cederia espaço ao fragmento, ao micro, ao

empírico individual. Silveira (1993), apud Cavalcante (2000), afirma que ele é a “própria

totalidade em movimento que, através do evento, se afirma e se nega, modelando um

subespaço do espaço global”. Nesse sentido, a autora vai sugerir como ponto de partida uma

análise dialética em que o lugar é reconhecido empiricamente como funcionalização do todo,

visto que, nos dias atuais, as determinações da produção se globalizam e o lugar se torna

mundial.

A autora supracitada reconhece que essa atuação se dá de forma diferenciada, produz

lugares diferentes entre si e defende que somente uma análise holística pode superar o nível

das aparências que caracterizam os fenômenos quando analisados isoladamente

(ALBUQUERQUE, 2004, p.106).

Page 34: O lugar na construção do saber geográfico escolar

33

Por fim, numa perspectiva da Geografia Humanística, recorremos a TUAN, uma vez

que o autor recorre à Geografia Humanística para construir a categoria lugar e espaço. Para

esse autor, “o significado de espaço frequentemente se funde com o de lugar. O que começa

como espaço indiferenciado transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e o

adotamos de valor” (TUAN, 1983, p.6).

Para Tuan (1983), o lugar é condicionado pelas relações de sentimentos, afetividade,

medo, amizade, na relação com o mítico. O lugar tem a dimensão de morada e esta pode ser

tanto a casa como o próprio planeta (MELLO, 2001).

O conceito de lugar, a partir do ensino aprendizagem, é mencionado por Ribeiro (1996)

como “Palco das Relações entre os seres que estão se relacionando. Nesse sentido, o lugar

geográfico independe da materialidade que o espaço produziu e consagrou” (p.238).

O lugar compreendido sob esta ótica está intimamente ligado ao social, pressupõe

relações de ordem cultural, econômica, política, de relacionamento etc., isso dentro das

relações globais, pois elas podem ser definidoras daquelas que se desenvolvem em nível local.

Albuquerque (2004) corrobora nesse sentido ao afirmar que esse autor defende a constante

reflexão sobre o lugar e sugere que os professores atentem para os conteúdos formulados.

A experiência tem mostrado o quanto é importante o efetivo estudo do lugar nas séries

iniciais do Ensino Fundamental, uma vez que o Ensino de Geografia deve buscar o

desenvolvimento da capacidade de apreensão da realidade do ponto de vista de sua

espacialidade.

Mediante essas análises, concluímos que o conceito lugar neste trabalho segue uma

perspectiva humanista já que o lugar tem uma dimensão subjetiva. Mesmo antes de conceituá-

lo, os alunos da localidade selecionada para estudo já vivenciam o seu lugar, desenvolvem aí

suas relações pessoais e familiares. Isto significa que essa experiência trazida para a escola

Page 35: O lugar na construção do saber geográfico escolar

34

deve ser considerada dentro da sua dimensão tendo como proposição a construção de um

saber escolar (ALBUQUERQUE, 2004).

A seguir, traremos o aporte teórico que nos dará subsídios para compreendermos o

mangue como um estuário e a relação do grupo investigado com esse ecossistema.

2.3 O MANGUE E A VIDA

2.3.1 Caracterização dos Estuários e Manguezais

Os estuários são considerados “ambientes costeiros semi-fechados que mantém uma

conexão livre com o mar aberto e no interior do qual a água do mar é mensuravelmente

diluída por água doce oriunda da drenagem continental” (CAMERON & PRITCHARD, 1963

apud CABRAL, 2001, p.1). Representam, portanto, as desembocaduras de rios e estendem-se

até onde a ação das marés se faz presente. São, assim, áreas sujeitas ao fluxo e refluxo das

marés e à diluição fluvial, o que faz com que sejam consideradas zonas de transição entre

água doce e salgada.

Os estuários são ecossistemas naturalmente férteis, fato que os tornam áreas de grande

interesse econômico. Em conseqüência, mostram elevada produtividade biológica, o que faz

com que sejam considerados como berçários de inúmeras espécies de peixes e de outros

animais que usam esses locais para desenvolvimento das primeiras fases de seus ciclos de

vida (idem, 1997).

A diluição das águas doces e marinhas, resultantes dos processos de mistura ocasionada

pelas marés, torna-se um processo benéfico para os sistemas estuarinos quando as águas dos

rios transportam nutrientes resultantes da lixiviação e drenagem continental. Porém, quando

as águas dos rios que entram nos estuários trazem esgotos domésticos e resíduos de despejos

industriais, resulta em condições nocivas para o sistema (MELLO, 1990), com sérios riscos à

Page 36: O lugar na construção do saber geográfico escolar

35

integridade ecológica do ambiente como um todo e, conseqüentemente, à sua produtividade

biológica.

A complexidade das interações biológicas que se observam nos estuários, somada à

extrema adaptabilidade das espécies frente às variações ambientais bruscas que ali se

observam devido às misturas, resultam numa biodiversidade elevada, com muitas espécies

comercialmente importantes (MARCELINO, 2000), a despeito das condições ambientais

aparentemente estressantes, impostas pelas variações constantes da salinidade.

Com freqüência, as águas estuarinas são muito turvas devido à presença de grande

quantidade de material particulado em suspensão, notadamente silte e argila. Este fato

restringe a profundidade da zona eufótica4 a ponto de ela se tornar muito reduzida em muitos

estuários, diminuindo, assim, a zona pelágica fotossinteticamente ativa5 e, portanto, a

produtividade primária do plâncton6. Desse modo, na maioria dos estuários a produtividade

primária bentônica, notadamente efetuada pelo microfitobentos7, e a produtividade dos

ecossistemas marginais, como os manguezais na faixa intertropical e os “salt marshes8” nas

áreas temperadas, ocupam papel de destaque.

Os estuários podem ser considerados, em síntese, como as áreas úmidas mais produtivas

do mundo. Em associação, os manguezais também são considerados os ambientes mais

benéficos ao homem, inclusive economicamente. Segundo Vidal e Sassi, (1998) os ambientes

estuarinos e os manguezais a eles associados oferecem um leque de serviços bastante amplo,

uma vez que são considerados como maternidade ou berçários de inúmeras espécies, bem

4 Zona Eufótica - Zona iluminada dos ecossistemas aquáticos. Estende-se da superfície até a profundidade de 1% da penetração da luz na água. Também conhecida como zona autotrófica ou zona fotossinteticamente ativa. 5 Zona Pelágica Fotossinteticamente Ativa - O mesmo que zona eufótica. 6 Plâncton - Conjunto de organismos que flutua na água ao sabor das correntes. Inclui diversos tipos de seres, desde as microalgas (fitoplâncton) até protozoários, vermes, microcrustáceos e larvas de peixes, moluscos e crustáceos (zooplâncton). 7 Microfitobentos - Diz-se das microalgas e cianobactérias que vivem sobre um substrato inerte em ambiente aquático. Podem ocorrer livres ou agarradas às partículas de sedimento bem como entre os interstícios dos grãos de areia. 8 Salt Marshes - Vegetação halófitas, de áreas alagadas, que existe na zona de transição entre a terra e o mar, comumente margeando estuários nas zonas temperadas. No Brasil são conhecidos como marismas.

Page 37: O lugar na construção do saber geográfico escolar

36

como áreas de alimentação de espécies estuarinas, marinhas e dulciaquícolas. São também

reconhecidos como ambientes exportadores de detritos e compostos nutricionais para o mar.

Os manguezais (Fig. 1 e Fig2.) são ecossistemas extremamente vulneráveis às pressões

antrópicas, a despeito de sua elevada produtividade e da importância ecológica indiscutível

que apresentam como áreas de procriação. Nos manguezais, os tensores9 induzidos pelo

homem e os tensores naturais limitam o desenvolvimento do bosque, interferindo tanto na

estrutura como na diversidade e muitas vezes podem até eliminar aquelas espécies mais

sensíveis. Nos estuários, levam, entre outras coisas, à eutrofização10, contaminação das águas

e assoreamento do leito, com conseqüências biológicas e sociais muito grandes.

Figura 1 – Manguezal do Distrito de Nossa Figura 2 – Manguezal com o nível da maré Senhora do Livramento – Santa Rita/PB cheia do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006. 2006.

De acordo com Marcelino (2000), esses ambientes, tradicionalmente, têm servido ao

despejo de esgotos domésticos e/ou indústrias das grandes metrópoles, além de abrigarem

portos e empresas de navegação e servirem a inúmeros usos conflitantes. 9 Tensores - Forças que desestabilizam o ecossistema estuarino ou provocam mudanças no ambiente. Tensores antrópicos representam o conjunto de ações humanas que resultam em impactos sobre o ambiente natural. Tensores naturais constituem o conjunto de fatores do clima, da geologia local e das forças hidrodinâmicas que atuam sobre o ecossistema. 10 Eutrofização - Fenômeno resultado do aporte de nutrientes num ecossistema aquático, particularmente nitrogênio e fósforo, oriundos de efluentes industriais, esgotos domésticos, e fertilizantes químicos, que leva à proliferação excessiva de organismos do fitoplâncton. Em situações extremas, o excessivo crescimento desses organismos deteriora a qualidade da água, tornando-a sem oxigênio, o que pode levar a mortandade massiva de peixes e outros animais além da formação de gases tóxicos ou com cheiro desagradável. Alguns representantes do fitoplâncton como as cianobactérias, podem formar florações tóxicas com riscos a saúde humana.

Page 38: O lugar na construção do saber geográfico escolar

37

Percebe-se a necessidade de um novo olhar sobre a questão dos manguezais, visto que

temos uma imensa área coberta por esse ecossistema em todo mundo.

Segundo Vannucci (1999), os manguezais são ecossistemas formados por uma

associação muito especial de animais e plantas que vivem na faixa entre – marés das costas

tropicais baixas ao longo de estuários. Os manguezais são especialmente vulneráveis por

serem, na verdade, ecossistemas marginais vivendo uma existência precária no limite entre

outros sistemas; foram gerenciados para se tornarem altamente produtivos porque

desenvolveram adaptações morfológicas e fisiológicas ao ambiente físico e químico que lhes

permite crescer e se reproduzir livres de competidores, mas estão sob estresse como

indivíduos, como espécies e como ecossistema. Portanto, os manguezais como um todo são

frágeis e requerem um tratamento cuidadoso a fim de que se não percam a riqueza e os

benefícios que representam.

O termo manguezal é considerado por muitos autores como sinônimo de mangue.

Como representante desta idéia, temos Grisi (2000, p.118), que considera o manguezal “[...]

um ecossistema que ocorre no litoral, restrito ao alcance das marés alta e baixa, formado no

estuário de um rio, na conjugação deste com o mar”.

Há, no entanto, outros autores que preferem diferenciar mangue de manguezal, como

por exemplo, Vannucci (1999). Para a autora, a palavra mangue é utilizada para indicar as

árvores de diferentes espécies de uma comunidade, enquanto manguezal refere-se a uma

pequena floresta ou bosque.

Em linhas gerais, é possível afirmar que o ecossistema manguezal está localizado na

faixa intertropical junto aos litorais e é banhado por águas tépidas e calmas. Constituem-se

áreas com pouca diversidade biológica, mas de grande diversidade funcional, pois dispõe de

uma vegetação halófita11 altamente especializada, adaptada a flutuações de salinidade, sujeita

11 Vegetação Halófita - Diz-se das plantas que estão adaptadas a viverem em locais com água salgada ou salobra. Exemplos: as plantas de mangue e os salt marshes.

Page 39: O lugar na construção do saber geográfico escolar

38

ao regime das marés e caracterizada por colonizar sedimentos lodosos, com baixos teores de

oxigênios.

Os manguezais brasileiros ocupam aproximadamente de 1,01 a 1,38 milhões de

hectares de costa e estão distribuídos em diferentes estados: Amapá (162.270 ha); Pará

(181.972 ha); Maranhão (492.310 ha); Piauí (100.232 ha); Ceará (11.011 ha); Rio Grande do

Norte (14.181 ha); Paraíba (7.397 ha); Pernambuco (6.555 ha); Alagoas (5.685 ha); Sergipe

(16.772 ha); Bahia (44.537 ha); Espírito Santo (8.951 ha); Rio de Janeiro (8.994 ha); São

Paulo (13.994 ha); Paraná (20.825 ha) e Santa Catarina (8.313 ha).

Quadro 1 – Duas estimativas mais recentes da cobertura de manguezais no Brasil.

ESTADO LITORAL Km ÁREA (ha) (Herz, 1991)

ÁREA (ha) (Kjerfve & Lacerda, 1993)

Amapá 598 162.270 182.300 Pará 582 181.972 389.400 Maranhão 640 492.310 500.000 Piauí 66 6.233 4.370 Ceará 573 11.011 22.940 Rio G. do Norte 399 14.181 6.990 Paraíba 117 7.397 10.080 Pernambuco 228 6.555 7.810 Alagoas 229 5.685 3.565 Sergipe 163 16.772 26.200 Bahia 932 44.537 110.000 Espírito Santo 392 8.951 19.500 Rio de Janeiro 636 8.994 16.000 São Paulo 622 13.994 23.100 Paraná 98 20.825 51.000 Santa Catarina 531 8.313 3.000 Total 6.806 1.010.000 1.376.255

Fonte: Lacerda, 2002.

O Brasil possui a posição de país com maior área de mangue do mundo, 85%

localizado na região norte, particularmente nos estados do Amapá e Pará (LACERDA, 1984;

HERZ, 1991 apud NASCIMENTO, 1999). O Estado do Maranhão possui quase a metade da

Page 40: O lugar na construção do saber geográfico escolar

39

área total de mangues do Brasil (500.000 ha) e os manguezais nordestinos são mais baixos e

menos complexos que os do litoral norte (LACERDA, 2002).

Apesar dos manguezais brasileiros serem protegidos por lei12, eles têm sido tratados de

forma inadequada pela nossa sociedade. Em conseqüência, os usos tradicionais e atuais das

áreas estuarinas têm sido feitos sem planejamento específico, favorecendo assim a não

conservação dos seus próprios valores intrínsecos.

Lamentavelmente, a degradação que ocorre em áreas estuarinas também interfere na

vida do próprio homem. Os prejuízos causados têm efeitos incalculáveis para a humanidade.

De certa forma, os manguezais brasileiros têm sido pouco considerados e estudados.

No Brasil, as maiorias das pesquisas realizadas sobre manguezais enfatizam

principalmente as características estruturais, a produtividade e os impactos antrópicos desse

ecossistema. No nordeste, os principais trabalhos sobre o mangue também abordam esses

assuntos (SASSI, 1997; NASCIMENTO, 1999; SILVA, 2001; BEM, 2001).

2.3.2 O Pescador do Mangue

Os pescadores do mangue, em sua grande maioria, moram nos manguezais, as

habitações geralmente são construídas com material disponível do próprio local, sendo

tradicionalmente de taipa. Esses habitantes não residem exatamente nos pântanos de mangue,

mas nas ribanceiras dos rios à margem dos manguezais, que pode ser tanto a montante quanto

a jusante. 12 Legislação Protetiva dos Manguezais - Constituição Federal, art.225, caput e § 4º; Lei 7661, de 16 de maio de l988 (Instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro ( PNGC ); Resolução nº 01 de 21.11.90 da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar - CIRM . Aprova o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro; Lei de Parcelamento do Solo ( Lei 6766/79 ); Lei 4.771 de 15.09.65, art.2º, f , Código Florestal; Lei 6938 de 31 de agosto de 1981, instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente; Constituição Estadual da Bahia, art.215, I.; Constituição Estadual do Ceará, art.267, V. ; Constituição Estadual do Maranhão, art.241, IV; Constituição Estadual de " Paraíba, 227; Constituição Estadual de IX Piauí, art.237, § 7º, I; Constituição Estadual do Rio de Janeiro, art.265, I; Lei 7.347/85, Lei da Ação Civil Pública.; Lei 9.605/98, Crimes Ambientais, arts. 38 e seguintes e 54. (VER ANEXO) Fonte: www.aultimaarcadenoe.com

Page 41: O lugar na construção do saber geográfico escolar

40

Vannucci, ao relatar o homem enquanto morador do manguezal, descreve bem as

dificuldades típicas de quem habita essas áreas:

Onde quer que esteja, o homem tem de enfrentar o mesmo desafio: uma floresta produtiva, em geral altamente produtiva, de acesso difícil e geralmente com dificuldades para deslocamento em seu interior, exceto em pequenas embarcações; escassez de água doce e de vegetais comestíveis; excesso de cloreto de sódio e outros sais nos alimentos; difícil disposição dos resíduos, incluindo os corpos dos seres humanos mortos, porque tudo tende a ir e vir com a maré e, portanto, tem um tempo de residência longo no sistema (idem; 1999, p. 111).

Essa autora, ao falar dos homens como usuários dos manguezais, ressalta a vida dos

pescadores em sua dependência da natureza, ou seja, a regulação da vida pelas marés, pela lua

e pelas chuvas num ritmo de comportamento e ciclos sazonais semelhantes ao dos animais. A

autora acima citada demonstra ainda a similaridade de hábitos existente entre os habitantes

dos manguezais das mais diversas partes do mundo, independentemente da etnia. Por

conseguinte, referindo-se a hábitos parecidos e a utensílios utilizados por esses habitantes, ela

ressalta:

Usando as pernas para desprender o bivalvo (Geloina coaxans) ou outros, enterrados até meio metro no lodo, construindo complicados cercos de pesca em estuários e em riachos, cujo plano é incrivelmente semelhante em todo o mundo e reflete comportamento semelhante dos peixes em estuários tropicais e águas interiores; até nos detalhes de construção de canoas e trapiches os procedimentos são semelhantes em todo o mundo dos manguezais (idem; 1999, p. 117).

Com relação aos manguezais existentes no Brasil, Alves (2002), em sua dissertação de

mestrado, revela vários aspectos da vida de quem habita essas áreas. O autor ressalta que a

abundância de alimentos existente no ecossistema de mangue atraiu seres humanos para essas

áreas desde tempos remotos, sendo essa afirmativa comprovada pelas descobertas de

sambaquis em diversas partes da costa brasileira. Em seguida, o mesmo autor, ao relatar a

importância dos caranguejos para a economia e alimentação dos habitantes dos manguezais

do nordeste, evidentemente discute a vida dos catadores de caranguejos, homens

Page 42: O lugar na construção do saber geográfico escolar

41

economicamente pobres e resistentes à condição de desagregação, devido, especialmente, à

degradação do ambiente no qual realizam a coleta e à falta de incentivos governamentais.

Catar caranguejos é a principal atividade dessa comunidade de trabalhadores, embora muitos

complementem sua renda com pequenas atividades agrícolas ou com extrativismo. De acordo

com Alves, (2002) as comunidades que praticam a cata do caranguejo costumam ficar à

margem da participação das organizações de produção, não sendo sequer identificados em

cadastros nos órgãos oficiais do governo como pescadores, como se não existissem para a

sociedade.

Alves (2002) ainda se debruça na análise do perfil sócio-econômico dos catadores do

caranguejo-uçá. Estes residem nas margens dos rios estuarinos e seus manguezais. A escolha

desse local para habitação é justificada principalmente pela garantia de um pedaço de chão

para construir suas moradias e por proporcionar contato direto com o ambiente de trabalho.

Da cata de caranguejos, participam homens, mulheres e crianças, sendo que, em determinadas

áreas, predomina maior número de homens e em outras há a predominância de mulheres. O

tempo de permanência nos manguezais foi possível graças à disponibilidade de alimentos, o

que resultou nas chamadas comunidades tradicionais, gerando uma ligação com o local para

além do econômico, ou seja, a criação de vínculos sentimentais e de pertencimento.

Segundo Alves (op. cit.) e também Nascimento (2000), os catadores de caranguejos têm

baixo poder aquisitivo e de instrução, sendo esse último fator determinante para a

continuidade de suas condições de vida precária, pois há entre os catadores o

desconhecimento de seus direitos, impedindo a organização para buscar melhores condições

de vida e de trabalho. É importante acrescentar que os catadores de caranguejo ainda não

possuem nenhuma cooperativa ou associação que organize melhor sua atividade ou lute por

melhores condições. Efetivamente, isso reflete a desvalorização dessa categoria de

trabalhador diante da sociedade.

Page 43: O lugar na construção do saber geográfico escolar

42

A diminuição do número de caranguejos nos estuários e a necessidade dessa fonte de

alimento para a sobrevivência levam os catadores à percepção de que o meio ambiente onde

eles vivem está sendo depredado pela poluição, introdução de técnicas de captura predatória,

intensificação do esforço de pesca e falta de fiscalização por parte dos órgãos ambientais. E

que essa destruição não é feita apenas por quem precisa do manguezal para subsistência, mas,

principalmente, pelo interesse de grupos externos. Alves afirma:

A luta pela sobrevivência, associada ao contexto socioeconômico em que estão inseridos, leva os catadores de caranguejo-uçá a desenvolverem suas atividades econômicas mantendo uma relação de sujeição com grupos de compradores que exploram seu trabalho, impossibilitando, muitas vezes, a percepção que sua prática pode estar relacionada a possíveis danos causados ao meio ambiente (2002, p. 110).

As atuais condições de degradação dos manguezais e da vida dos caranguejos são vistas

pelos catadores, no entanto isso não impede a maioria de praticar a cata no período de defeso

porque esses catadores não têm outra forma de sustento. Portanto, em virtude da questão da

sobrevivência, estão em discordância com as leis ambientais. Em reportagem do Jornal

Correio da Paraíba (15 de outubro do ano de 2006), encontramos em evidência essa

problemática aqui no Estado da Paraíba na cidade de Bayeux13, onde os catadores de

caranguejo admitem estar comercializando caranguejo fora dos padrões legais para tentar

sobreviver.

A fauna de peixe do manguezal é sabidamente um recurso costeiro extremamente

importante, envolvendo várias técnicas e apetrechos para a captura dos peixes. Os pescadores

executam suas atividades individualmente ou em parcerias, reunidos em duplas e equipes,

geralmente constituídas por parentes próximos como irmãos.

A pesca nos manguezais, segundo Vannucci, “é semelhante em todo o mundo” (1999,

p.117), porém, aqui no Brasil, as práticas mais comuns da pesca artesanal são feitas com linha

13 Ver reportagem em anexo.

Page 44: O lugar na construção do saber geográfico escolar

43

e anzol, rede tarrrafa, rede caiqueira, rede tainheira, rede de cerco, rede de arrasto, dentre

outros (DIAS, 2006).

A variedade de recursos dos manguezais como fonte de renda para os ribeirinhos e como

habitat essencial para diversas espécies animais reforça a importância desse ecossistema, que

é responsável pela manutenção dessas espécies.

Vale mencionar, que a degradação ambiental se agrava com a falta de fiscalização.

Essas constatações mostram a urgência de implementação de políticas públicas que visem a

educação ambiental, assistência social e reconhecimento dos catadores de caranguejos nos

cadastros do governo enquanto trabalhadores. Uma vantagem que os catadores trazem para o

meio ambiente é o fato de representaram um obstáculo à entrada de grupos que se formam

apenas para exploração do ecossistema.

Nos manguezais, não só o caranguejo, mas também os moluscos representam um dos

grupos de maior relevância econômica. Nessas áreas, a coleta desses animais (Fig. 4 e Fig. 5)

pode se constituir na principal fonte de renda das famílias envolvidas ou como complemento

de outras atividades assalariadas.

Figura 3 – Catadores de Mariscos do Distrito Figura 4 – Marisqueira do Distrito de de Senhora do Livramento – Santa Rita/PB. Nossa Senhora do Livramento – Santa

Rita/PB.

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006. 2006.

Page 45: O lugar na construção do saber geográfico escolar

44

Ainda segundo esse autor, a prática utilizada para obtenção dos moluscos é extrativista,

estendendo-se geralmente durante o ano todo, não havendo regulamentação institucional

legal, ou mesmo instituição normativa por parte dos órgãos ambientais estaduais e/ou

municipais para a sua captura.

O tempo gasto na atividade de captura do molusco é fator limitante para aqueles que

trabalham na dependência dos movimentos das marés. Usualmente os catadores de moluscos

dispõem de cerca de quatro horas da maré baixa, oportunidade em que os moluscos (exceto no

caso da ostra de mergulho) são coletados. Usualmente reconhecido como sendo um ambiente

muito produtivo, o complexo estuário-manguezal está com a obtenção de recursos limitada,

principalmente pelo tempo em que áreas de mangue e de crias permanecem descobertas e

também pela variação da produtividade dos sítios de coleta e pela captura indiscriminada dos

recursos.

Com o tópico a seguir completaremos o nosso aporte teórico, visto que abordaremos a

questão do saber escolar, para que possamos dar conta das relações teóricas necessárias entre

as diferentes áreas do conhecimento a que recorremos para fazer a nossa pesquisa.

2.4 O SABER ESCOLAR

2.4.1 A Escola como lugar de produção do saber escolar

A construção da vertente de reflexão sobre o saber escolar desenvolvido por alunos de

uma comunidade tradicional de pescadores em área de mangue, se deu na perspectiva de

subsidiar nossa compreensão no que diz respeito ao repertório de saberes pertinentes a escola.

A nossa pesquisa está inserida nas proposições da história das disciplinas escolares, que teve

início na Europa, especialmente na França, com o debate entre Chevellar e Chevel (2000), e

na Inglaterra com as proposições de Goodson (2000) apud Bittencourt, 2004.

Page 46: O lugar na construção do saber geográfico escolar

45

Os debates mais significativos em torno da concepção de disciplina têm sido realizados

por pesquisadores franceses e ingleses, com divergências importantes e significativas entre

eles (BITTENCOURT, 2004). As posturas são antagônicas e conflituosas no que concerne

aos saberes escolares. De um lado aqueles que defendem a idéia da disciplina como

“transposição didática”, essa abordagem foi designada pelo pesquisador francês Yves

Chevallard por considerar a disciplina escolar como dependente do conhecimento erudito,

produzido na academia, necessitando, para chegar à escola, da didática para realizar essa

transposição. Do outro lado, estavam pesquisadores que intentavam vê-la como um campo de

conhecimento autônomo, dentre eles se destacam: O inglês Ivor Goodson e o francês André

Chervel.

Cavalcante (2000), mesmo não compondo essa linha de pesquisa, levanta o seguinte

questionamento: “O que dizer da escola nesse momento histórico?” (p.124). A autora se

reporta à escola como uma agência destinada a propiciar a formação humana, onde deve ser

promovida a auto-reflexão e o desenvolvimento de operações mentais necessárias à prática

cotidiana consciente e crítica. No entanto, ela denota ser necessário, em primeiro lugar,

reafirmar essa instituição como agência da sociedade, que expressa, no seu interior,

contradições e ambigüidades. Nesse sentido, a autora considera:

A reflexão crítica sobre o papel e as possibilidades da educação escolar no processo da formação humana, implica analisar a escola como instância de reprodução e produção sociais, ou seja, significa entendê-la como agência não subordinada completamente aos interesses dominantes sem cair no idealismo de tomá-la como autônoma em relação à sociedade (CAVALCANTE, 2000, p. 125).

Sendo assim, convém demarcar que para bem compreendermos a organização escolar e

os saberes por ela produzido, é preciso nos atermos aos conteúdos por ela trabalhados, seja na

forma de conteúdos explicito, ou de currículo oculto através das disciplinas escolares.

Partindo da perspectiva da história das disciplinas escolares, Bittencourt (2000) considera que

“o estudo das disciplinas escolares tem-se mostrado necessário para a compreensão do papel

Page 47: O lugar na construção do saber geográfico escolar

46

da escola.”

As reflexões instauradas no âmbito da escola acerca das disciplinas escolares têm sido o

foco da discussão de pensadores e profissionais, juntamente com os elementos que a

compõem. As discussões que se estabeleceram no Brasil, nesse campo, ocorreram

inicialmente na década de 1980, momento em que o cenário nacional se configurava em meio

às possibilidades de uma abertura política e democratização do país. No campo educacional,

surgem novas perspectivas no que diz respeito aos conteúdos escolares. Emerge daí, “duas

correntes teóricas e políticas que se destacam nesse período: a Pedagogia Crítico-social dos

Conteúdos, cujos defensores são conhecidos como conteudistas, tendo entre eles Dermeval

Saviane, Carlos Roberto Cury, José Carlos Libâneo, e a Educação Popular, que buscava uma

abordagem que tinha como ponto de partida a realidade brasileira e teve Paulo Freire, entre

outros, como o seu maior representante” (ALBUQUERQUE, 2004, p. 141-142). Os

Educadores Populares defendiam a idéia dos conteúdos escolares como sendo conhecimentos

próprios da escola, pautados pelo atendimento às camadas populares, tendo como objetivo

fortalecer a participação de todos os setores sociais no processo democrático.

Nessa perspectiva, a Pedagogia Crítico Social dos Conteúdos vê a escola como local de

reprodução de conhecimento e de “transposição didática” (Bittencourt, 2002). Considerar a

escola como reprodutora de conhecimentos significa dizer que ela repassa os saberes

provenientes das ciências produzidas na Academia, tornando o conhecimento escolar

dependente daquele, utilizando-se dos métodos e técnicas pedagógicas para fazer o ajuste

necessário entre os conhecimentos científicos em saberes escolares, tendo, na figura do

professor, o intermediário desse processo de reprodução. A disciplina escolar é entendida

como transmissora de conteúdos.

André Chevel, 1990 apud Bittencourt, 2004, um dos mais acirrados opositores da

“transposição didática”, argumenta a favor da autonomia da disciplina escolar, por conceber a

Page 48: O lugar na construção do saber geográfico escolar

47

escola como uma instituição que, embora obedeça a uma lógica particular, deve ser

considerada como lugar de produção de uma saber próprio. Portanto, neste trabalho

concordamos com este autor.

FREIRE (1987), com sua obra Pedagogia do Oprimido, vem ao encontro de nossas

proposições ao tecer considerações sobre a educação bancária. O autor a define como um tipo

de ensino em que o professor tem a postura de fornecedor do conhecimento para o aluno,

neles são depositados os conhecimentos que o professor domina.

Nesta visão “bancária” de educação, os homens são seres de adaptação, do ajustamento.

Quanto mais se reforça essa visão, mais submissas as pessoas se tornarão. (FREIRE, 1987).

Ele aponta caminhos de superação desse tipo de educação ao convidar os sujeitos do processo

a pensarem a educação sob a ótica da mudança. Nessa perspectiva, a escola é vista por ele

como um centro irradiador de cultura, um espaço de organização política de ensinar e

aprender, a debater idéias, de reflexão e soluções, portanto, um espaço de diálogo

(ALBUQUERQUE, 2004).

Nesse contexto, nos filiamos às idéias de Freire por concebermos a escola como esse

espaço de construção de saberes, advindos tanto nos saberes populares quanto científicos.

Assim, acreditamos que devem entrelaçar-se para que o saber escolar seja

verdadeiramente significativo para ele. Tal concepção só poderá ser efetivada levando-se em

consideração que: o respeito aos saberes do educando se insere no horizonte maior em que

eles se geram – o horizonte do contexto cultural, então o respeito ao saber popular implica,

necessariamente, o respeito ao contexto cultural.

Não defendemos aqui uma posição contrária à difusão do saber científico na escola, pois

concordamos com Freire (1987) que não se coloca contrário ao mesmo e entende a escola

como espaço de diálogo entre os saberes.

Page 49: O lugar na construção do saber geográfico escolar

48

Reconhecidamente a escola, com freqüência, tem sido incapaz de reaproveitar muitos

dos processos de análise e de aprendizado dos alunos, que ocorre fora dela, principalmente na

compreensão e ou interpretação dos fenômenos a partir do senso comum. Abrir as portas para

as diversas representações dos alunos, abrangendo o discurso, as imagens, enfim, toda forma

de expressão e permitir a sua entrada no universo escolar, expondo os seus saberes, as suas

conquistas, suas experiências, desnudando-se por inteiro, independente do meio no qual está

inserido ou classe social à qual pertence, é legitimar o verdadeiro papel da escola, bem como

a sua função social.

2.4.2 O lugar do Aluno como Ponto de Partida

É considerando a escola como espaço de construção de saberes que tecemos a nossa

compreensão acerca do lugar do aluno como ponto de partida para que essa construção e

produção se efetivem de forma relevante, capaz de promover sua aprendizagem e

conseqüentemente a formação de sua cidadania, inserção social e êxito escolar.

Quando nos propomos a investigar como se dá o entrelaçamento dos saberes da

comunidade e o escolar, estamos nos reportando aos saberes populares, construídos

cotidianamente no espaço vivido e aqueles sistematizados, ministrados nas salas de aula,

visualizando uma junção profícua, a fim de gerar aprendizagens significativas para a vida do

aluno.

As percepções apreendidas e descortinadas a partir das representações do aluno sobre o

seu entorno inscrevem-se na singularidade das experiências cotidianas vividas por cada um no

seu contexto, ou seja, o lugar e as suas particularidades. “O aluno é parte do lugar, ele o

identifica segundo a sua subjetividade, sua própria leitura, trazendo essa leitura para embasar

a sua aprendizagem” (COSTELLA apud REGO, 2003).

Page 50: O lugar na construção do saber geográfico escolar

49

Acreditamos na escola que tem como uma das suas funções transportar o cotidiano para

o seu interior, tendo em vista fazer uma reflexão sobre ele a partir de uma confrontação com o

conhecimento científico. Nesse sentido, esse conhecimento deve estar ligado ao lugar do

aluno.

Concordamos plenamente com as questões levantadas por Freire (l980) e apontada por

Albuquerque (2000) quando enfoca que “a produção do saber escolar não se constitui fora da

escola, o saber do educando deve compor a elaboração do saber escolar, pois que deve ser o

ponto de partida para o processo que desencadeará o acesso a outras formas de saberes e que,

posteriormente, permite ao educando fazer uma nova leitura do mundo” (p. 171).

As dimensões teórico-metodológicas sobre o conceito lugar na Ciência Geográfica

seguem em comum o objetivo de ultrapassar a idéia desse conceito como simples localização

espacial absoluta (CAVALCANTE, 2000). O lugar, como conceito geográfico escolar, nesse

estudo, insere-se numa perspectiva humanista, já que ele tem uma dimensão subjetiva, mesmo

antes de conceituá-lo, os alunos já vivenciam o seu lugar, desenvolvem aí suas relações

pessoais e familiares. Isto significa que essa experiência trazida para a escola deve ser

considerada dentro da sua dimensão, tendo como proposição a construção de um saber escolar

(CAVALCANTE, 2000).

Partindo desses pressupostos, consideramos que o estudo do lugar aponta inúmeras

possibilidades de articulação entre a percepção do mundo vivido e os saberes produzidos na

escola.

Somos cientes que dificilmente as experiências dos alunos são privilegiadas e que, em

sua prática cotidiana, ignora a complexidade do seu meio, reproduzindo os saberes impostos

de cima para baixo, tendo como norte, em muitos casos, apenas o livro didático e os

documentos curriculares pré-ativos (GOODSON apud ALBUQUERUE, 2004).

Page 51: O lugar na construção do saber geográfico escolar

50

Buscamos, a partir da Geografia escolar, materializar nossas convicções de que é

possível se fazer do espaço escolar, espaço de construção de cidadania, partindo do princípio

de que os saberes cotidianos dos alunos podem subsidiar sua aprendizagem, se respeitados

pela escola e, em particular, pelo professor. Abrindo assim, um leque de possibilidades para

que o ensino possa contribuir de forma efetiva para recriar uma escola mais justa e cidadã que

qualifica a condição da existência humana.

Nessa perspectiva, os conteúdos seriam estruturados de forma que viesse a contribuir

para a apreensão da realidade do aluno, considerando-se primeiramente a leitura que os

mesmos já fazem de sua realidade como ponto de partida para problematizá-los, viabilizando

uma nova leitura. Essa visão de ensino, possivelmente, romperia com a distância entre os

conteúdos estudados na escola e a vivência do aluno, permitindo a construção e reconstrução

de saberes escolares, que permitam ao aluno uma reflexão sobre a espacialidade da prática

cotidiana, tanto individual quanto coletiva.

Partindo das representações dos alunos sobre o lugar como elemento desencadeador do

processo de ensino, é possível se trabalhar inúmeros saberes na perspectiva da Geografia,

assim como fora dela. Tomando o caso dos alunos que temos analisado nessa pesquisa como

exemplo, o mangue seria o foco do estudo. A partir desse tema, pode-se estudar as

características do lugar, tanto físicas, como social e ambiental. Dessa forma, o aluno

ultrapassa o limite do vivido entendendo-o como parte integrante de um sistema maior

relacionando o seu lugar com outros lugares, uma vez que a organização do espaço vivido não

se explica apenas localmente.

Nesse sentido, recorremos aos Parâmetros Curriculares Nacionais, uma vez que os

mesmos se configuram como um modelo a ser seguido e ajustado às condições locais.

Segundo o documento:

Page 52: O lugar na construção do saber geográfico escolar

51

Pelo estudo da Geografia os alunos podem desenvolver hábitos e construir valores importantes para a vida em sociedade. Os conteúdos selecionados devem permitir o pleno desenvolvimento do papel de cada um na construção de uma identidade com o lugar onde vive e, em sentido mais abrangente, com a nação brasileira, valorizando os aspectos socioambientais que caracterizam seu patrimônio cultural e ambiental (BRASIL, 2001, p. 123).

Além disso, o documento é enfático quanto à dimensão conceitual para a categoria

geográfica lugar, instigando o professor a partir da realidade do aluno, compreendendo essa

realidade com a dimensão do vivido.

O concreto do aluno deve ser o objeto de estudo; o ponto de partida para uma visão

totalizante do saber. Para que esse saber escolar seja produzido, depende das finalidades

específicas às quais se propõe a escola dentro da sociedade, do envolvimento de todos os

sujeitos imbuídos nesse processo.

Sob essa ótica, apresentaremos, no próximo capítulo, a caracterização da nossa área de

estudo, enfocando o lugar, os saberes e fazeres do cotidiano dos seus moradores.

Page 53: O lugar na construção do saber geográfico escolar

52

CAPÍTULO III

Page 54: O lugar na construção do saber geográfico escolar

53

O LUGAR: SABERES E FAZERES DO COTIDIANO

Os saberes e fazeres da comunidade constroem e são (re) construídos pela dinâmica da

vida das pessoas que a constituem e, essa dinâmica, por sua vez, está expressa na

singularidade do cotidiano. Segundo Damiane, 1999 apud Brito, 2007, a análise do cotidiano

perpassa as relações sociais entre indivíduos ou grupos incluindo o vivido, a subjetividade, as

emoções, os hábitos e os comportamentos. Desta feita, ao nos reportarmos aos saberes e

fazeres da comunidade de pescadores do entorno da escola, com os quais trabalhamos,

necessário se faz considerar o lugar onde a dinâmica do cotidiano se materializa: O Distrito de

Nossa Senhora do Livramento.

3.1 O DISTRITO DE NOSSA SENHORA DO LIVRAMENTO

A sede do Distrito de Nossa Senhora do Livramento, área escolhida para realização

deste trabalho, se situa no Nordeste do Município de Santa Rita, com uma população de 2060

habitantes, distribuída entre o povoado e a sede, localiza-se a cerca de 50m acima do nível do

mar, de onde desta posição privilegiada se pode contemplar o perfil urbano do município de

João Pessoa, capital do Estado (Fig. 6), as praias fluviais da Ribeira, Forte Velho e as ilhas de

Stuart e Tiriri que fazem parte do Município de Santa Rita (Figura 7 e 8).

Figura 5 – Vista ao Fundo da cidade de João Pessoa

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Page 55: O lugar na construção do saber geográfico escolar

54

Figura 6 – Mapa do Estado da Paraíba, Município de Santa Rita e Distrito de Nossa Senhora do Livramento.

Fonte: IBGE, Malha digital municipal 1997, adpatação: Arinaldo Inácio, 2007

Page 56: O lugar na construção do saber geográfico escolar

55

Figura 7 – Imagem de Satélite do Distrito de Nossa Senhora do Livramento e Ilha de Stuart.

Fonte: Google Earth e trabalho de campo. Adaptação: Arinaldo Inácio, 2007

O Distrito de Nossa Senhora do Livramento compreende as seguintes localidades, Ilha

de Stuart, Sítio Portinho, Ilha Tiriri, Sítio Galé e Sítio Utinga, que contam com alguns

equipamentos comunitários, conforme apresentados no Quadro 2.

Quadro 2 – Distrito de Nossa Senhora do Livramento – População e Equipamentos Comunitários

Fazenda Sítio Ilha

Habi- tantes

Esco- la

Creche P.S.F.

Mercea -ria

Igreja Orelhão Cartório Posto Policial

01 Sede/Povoado 2060 02 01 01 05 04 06 01 01 02 Ilha Stuart 52 - - - - - - - - 03 Sítio Portinho 52 - - - - - - - - 04 Ilha Tiriri - - - - - - - - - 05 Sítio Galé 48 - - - - - - - - 06 Sítio Utinga 140 01 - - 01 02 - - -

Fonte: Plano Diretor Participativo Santa Rita-PB – Metodologia – Volume 1 – 2006.

Page 57: O lugar na construção do saber geográfico escolar

56

Na sede do Distrito se encontra uma praça, com a igreja matriz Nossa Senhora do

Livramento, a creche, a mercearia, o posto do P.S.F. (Figura 9), o cartório (Figura 10), um

cemitério (Figura 11), um posto policial (Figura 12), e uma grande escola, onde estuda cerca

de 600 alunos de 5ª a 8ª séries. Toda esta estrutura está situada na “parte elevada” do Distrito,

sendo que na “parte de baixo” está concentrada a comunidade que na sua grande maioria, são

pescadores que vivem do mangue, a população mais carente. É aí que fica a Escola Padre

Pires Ferreira com a qual trabalhamos. Nas proximidades da escola existe cerca de 05 bares

(Figura 13) e um campo de futebol (Figura 14), área de lazer nos finais de semana.

Figura 8 – Posto do P.S.F do Distrito de Nossa Figura 9 – Cartório do Distrito de Senhora do Livramento – Santa Rita/PB Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB.

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006. 2006.

Figura 10 – Cemitério do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB.

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Page 58: O lugar na construção do saber geográfico escolar

57

Figura 11 – Posto Policial do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Figura 12 – Bar do Distrito de Nossa Senhora Figura 13 – Campo de Futebol do Distrito do Livramento – Santa Rita/PB de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB.

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006. 2006.

Do ponto de vista climático, o Distrito de Nossa Senhora do Livramento apresenta um

domínio climático típico do litoral do Estado da Paraíba, tropical quente úmido com chuvas

de outono à inverno (Governo do Estado da Paraíba / SE / UFPB, 1985). Predominam na

região os ventos alísios que sopram de Leste, embora, ocasionalmente, ocorram ventos de

Page 59: O lugar na construção do saber geográfico escolar

58

direção N-NE / SW, ocasionados pela expansão para sul da convergência inter-tropical,

resultante do encontro dos alísios de SE e NE (MOURA, 1992).

A acessibilidade terrestre do Distrito de Nossa Senhora do Livramento à Santa Rita,

tomando a estrada não pavimentada e depois a rodovia BR 101, é cerca de 16Km.

Segundo Odilon (2004) e Souza (2003), a ocupação de Livramento se deu nos primeiros

tempos da colonização da Paraíba. Quando a Coroa decidiu dar a criação definitiva da

Capitania da Paraíba, em 1574, firmam-se trabalhos e ações no sentido de criar uma estrutura

de administração para o novo lugar. Em 1585, após a fundação da Capital da província pelos

portugueses, Santa Rita começava sua colonização sob violentos combates entre os

portugueses e os índios das nações Tabajara e Potiguara, esta última se estabeleceu na

margem esquerda do rio Paraíba, mais precisamente nas proximidades de Nossa Senhora do

Livramento, onde fixaram suas aldeias.

Primeiramente foi criada Forte Velho, (primeiro forte construído na Paraíba, nesse

período), depois Livramento, oficialmente Nossa Senhora do Livramento, cuja igreja chegou

a ser sede da freguesia do mesmo nome no século XIX, perdendo mais tarde para o povoado

de Santa Rita essa qualificação, sua igreja foi rebaixada à capela (Figura 16), na hierarquia

eclesiástica, pelo Vigário Carolino Antonio de L. Vasconcelos, ilustre desconhecido na

história desse distrito.

Page 60: O lugar na construção do saber geográfico escolar

59

Figura 14 – Capela de Nossa Senhora do Livramento, localizada no Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB.

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

A ilha Stuart caracteriza-se como uma ilha de restinga, de propriedade privada,

comporta em média 70 pessoas, vivendo da pesca, segundo o COPLAD14 (2006). De acordo

com os entrevistados mais antigos, cerca de 16 famílias hoje moram na ilha. Os alunos que ali

residem se deslocam de barco para a sede do povoado, onde estão localizadas as escolas e,

como não dispõem de energia elétrica e de nenhum outro benefício, os moradores dessa

comunidade também precisam se deslocar de barco para o povoado, a fim de se beneficiarem

dos serviços que são oferecidos para a comunidade.

14 COPLAD – Coordenação do Plano Diretor.

Page 61: O lugar na construção do saber geográfico escolar

60

3.2 A COMUNIDADE E SUAS RELAÇÕES COM O LUGAR

Neste tópico, apresentaremos o delineamento de vários aspectos da comunidade em

estudo, dentre estes, ganha destaque os saberes construídos cotidianamente pela comunidade

de pescadores estudada.

Acreditamos que o entrelaçamento de pessoas, de experiências, de situações e de

representações que são postas neste trabalho nos levam a compreensão e apreensão dos

saberes da comunidade, para descobrirmos como estes chegam a escola e se podem ou não

subsidiar a aprendizagem dos alunos, transformando-as em aprendizagens significativas. Isso

porque não buscamos apenas uma especulação da prática ou apenas teorizar sobre a mesma,

mas buscar um vínculo entre as dimensões prática e teórica, mediadas pelas representações e

saberes dos sujeitos sociais envolvidos nesta pesquisa, saberes estes expressos por meio do

ato de narrar-se de dizer-se de si, evocando saberes e experiências construídas ao longo de

suas vidas. Emerge daí o suporte que se constitui como possibilidade de articular os saberes

do senso comum com os conhecimentos escolares científicos e sistematizados para a escola,

potencializando a compreensão de como se dá esse entrelaçamento.

Para dar início a esse processo, traçaremos o perfil dos sujeitos entrevistados. Os

pescadores, incluindo as marisqueiras e marisqueiros, bem como os catadores de caranguejo,

são todos da comunidade que circunda a escola. Dos 34 entrevistados, 23% são mulheres e

77% são homens. A estrutura etária mostrou que a idade variou de 15 a 66 anos (Tabela 1).

PERFIL DOS ENTREVISTADOS Idade Nº de pessoas %

15 a 20 anos 21 a 30 anos 31 a 40 anos 41 a 50 anos 51 a 60 anos 61 a 70 anos

1 5 3 5 7 8

3 17 10 17 24 29

Tabela 1 Distribuição percentual dos entrevistados em relação à idade. Fonte: Pesquisa Direta

Page 62: O lugar na construção do saber geográfico escolar

61

No que diz respeito ao tempo de moradia na comunidade, o maior percentual foi de 11 a

20 anos, com 35% dos entrevistados, seguida da faixa de 21 a 30 anos, com 32%, e de 31 a 40

anos, 21%, sendo os indivíduos que pertencem à faixa de 0 a 10 anos apenas 12% (Tabela 2).

PERFIL DOS ENTREVISTADOS Tempo de Moradia Nº de pessoas %

0 a 10 anos 11 a 20 anos 21 a 30 anos 31 a 40 anos

10 30 27 18

12 35 32 21

Tabela 2 Distribuição percentual dos entrevistados em relação ao tempo de moradia na comunidade. Fonte: Pesquisa Direta

Quanto ao estado civil, 25% são casados, sendo que o núcleo familiar, na maioria era

constituído pela união não oficializada em Igrejas ou cartório, ou seja, o concubinato

prevaleceu em 85% dos casos.

Os dados sobre escolaridade mostraram que 56% dos entrevistados são analfabetos ou

semi-analfabetos e 44% são alfabetizados. Os mais jovens, ex-alunos da escola, continuaram

seus estudos em outra escola da localidade, 12% chegaram a concluir o Ensino Fundamental.

A grande maioria dos pais entrevistados (90%) têm filhos que estudam na escola Padre

Pires, localizada na comunidade, e 10% dos pais já estudaram na referida escola. Para 45%

dos entrevistados, a escola é boa, com algumas restrições; 22% afirmaram ser boa, porém as

crianças demoram a aprender a ler. Do total dos entrevistados, 10% afirmaram que já

estudaram na referida escola e que o ensino traz melhorias na qualidade de vida; 9%

afirmaram que a escola é boa por ser perto de casa e 4% não souberam explicar os motivos

porque a considera boa.

Page 63: O lugar na construção do saber geográfico escolar

62

A seguir, são colocados alguns depoimentos acerca da importância, qualidades e

problemas recorrentes na escola:

1 – Boa, com restrições

“Eu não tenho o que dizer de ruim da escola, a não ser essa falta de merenda e de água que está havendo agora” (S.M., 27 anos – Marisqueira, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“A escola é boa, eu só acho que as crianças demoram muito para aprender a ler. O meu mesmo já faz uns cinco anos que está na 1ª série e não sai. Eu até acho que ele é rude, não aprende” (A.P., 40 anos – Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

2 – Não souberam explicar

“Sei lá, os meninos reclamam... da falta d’água e da merenda” (S.M.S., 27 anos – Marisqueira, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“O meu filho gosta... vai levando” (D.M., 52 anos – Marisqueira, Livramento, Santa Rita/PB, 2006) / (J.M., 26 anos – Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

3 – Boa, por ser perto de casa

“É boa, porque é perto de casa” (S.F., 48 anos – Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Ai de nós se não tivesse ao menos escola” (D.M., 52 anos – Marisqueira, Livramento,

Santa Rita/PB, 2006).

4 – Boa, porque oferece melhoria de vida

“O ensino me ajudou muito. No mundo de hoje quem não sabe ler nem escrever sofre demais” (S.F., 48 anos – ex-aluno da escola Padre Pires, Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“É boa porque oferece educação” (J.B., 27 anos – ex-aluno da escola Padre Pires,

Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

Um total de 97% dos entrevistados moram em casa de taipa (Figura 16) e 3% em casa

de tijolo (Figura 17). A cobertura de telha de cerâmica predominou em 91% das casas (Figura

18) e em 9% a cobertura de palha (Figura 19).

Page 64: O lugar na construção do saber geográfico escolar

63

Figura 15 – Casa de Taipa do Distrito de Nossa Figura 16 – Casa de Tijolo do Distrito de Senhora do Livramento – Santa Rita/PB Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB.

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006. 2006. Figura 17 – Casa com cobertura de Telha de Figura 18 – Casa com cobertura de Palha do Cerâmica do Distrito de Nossa Senhora do Distrito de Nossa Senhora do Livramento Livramento – Santa Rita/PB Santa Rita/PB.

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006. 2006.

As condições sanitárias são precárias, uma vez que cerca de 32% das casas não possuem

banheiros, principalmente as dos moradores da ilha Stuart. Dessa forma, os dejetos são

lançados a céu aberto ou enterrados (Figura 20). A maioria das casas possuem energia elétrica

(68%) (Figura 21), sendo que 32% ainda não possuem.

Page 65: O lugar na construção do saber geográfico escolar

64

Figura 19 – Lixo lançado a céu aberto no Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006. Figura 20 – Casas que são eletrificadas no Distrito de Nossa Senhora do Livramento - Santa Rita/PB

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

A água consumida na comunidade é encanada, sendo que é escasso o abastecimento,

nesse caso, os moradores recorrem à cacimbas para atender à demanda doméstica (Figura 22).

Page 66: O lugar na construção do saber geográfico escolar

65

Figura 21 – Moradora do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB convivendo com a escassez da água encanada.

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Quanto ao destino do lixo, a coleta é feita duas vezes por semana, mesmo assim 44%

dos entrevistados por morarem longe das ruas, onde o caminhão de coleta de lixo passa

(Figura 23), afirmaram jogar o lixo nos “aceros do mato”, ou às margens do mangue.

Figura 22 – Coleta do lixo feita através do caminhão no Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Page 67: O lugar na construção do saber geográfico escolar

66

Nas horas vagas, 46% dos entrevistados preparam material de trabalho (ratoeira,

redinha, costuram redes), 45% jogam futebol ou conversam com os amigos e 9% vêem

televisão e escutam música, alguns fazem artesanato (Figura 24) ou armadilhas para captura

de caranguejo.

Figura 23 – Morador do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB, confeccionando gaiolas (artesanato).

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Quanto ao aspecto religioso, 94% afirmaram ser católicos, 6% evangélicos. No que se

refere aos problemas da comunidade, as respostas foram diversificadas, dentre estas não terem

onde vender o pescado (31%), que constitui-se um dos grandes problemas, pelo fato de não

terem onde armazenar o mesmo; 30% citaram a saída da ilha, pois os mesmos não têm

condições de conseguirem trabalho em outro local; 15% mencionaram a saúde como um dos

maiores problemas enfrentados pela comunidade; em seguida, 13% relataram a falta de opção

Page 68: O lugar na construção do saber geográfico escolar

67

para trabalho e apenas 6% colocaram a falta da água como problema da comunidade e 5% a

falta de segurança.

Ao se referir ao lugar, os entrevistados enfatizaram o mangue como fonte de

sobrevivência, espaço de trabalho onde se constroem as relações sociais e onde os sujeitos

interagem. O mangue é a referência para intermediar as relações com o ambiente circundante,

é o espaço onde o imaginário tem lugar, carregado de significados e subjetividade. O

ecossistema manguezal, com sua riqueza de flora e fauna, vai além de sua configuração física

e utilitarista. Alguns dos entrevistados preferiram comentar as peculiaridades dos manguezais,

outros, os mais idosos, narraram as mudanças no ambiente que assistiram acontecer no

decorrer de suas vidas.

“Eu vivi aqui a minha vida toda, vi isso quando ainda tinha a mata, que ia daqui até Cravaçu muita lenha pra cozinhar, muita caça, mangue cheio de caranguejo... quem acabou com isso aqui foi os homens do dinheiro” (L.F., 53 anos – nascido e criado em Livramento – Pescador de Siri, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

Fica claro no seu discurso que o espaço natural foi transformado pela dinâmica

econômico/social, ultrajado pelos grupos de alto poder aquisitivo que implantaram na região,

a cultura da cana de açúcar, onde antes existia a Mata Atlântica. E atualmente vêem-se os

viveiros de camarão que, segundo os relatos dos entrevistados, afetam a vida no mangue, bem

como sua produtividade.

Vidal e Sassi (1998) consideram que além das conseqüências como redução da

biodiversidade, perda da produtividade e perda de habitat, além de outras implicações

ecológicas e sociais, a destruição das florestas na zona costeira também tem interferência no

setor pesqueiro, devido à diminuição na oferta de matéria orgânica e outros nutrientes que

agem como agentes fertilizadores da zona costeira, quando são exportados para os estuários e

para o ambiente marinho próximo.

Page 69: O lugar na construção do saber geográfico escolar

68

Os períodos de falta do pescado ou de déficit, mesmo considerando os fenômenos

naturais, são associados aos fenômenos econômicos e sociais, como a calda da cana (vinhoto

que é lançado no rio), agrotóxicos utilizados no plantio da cana e substâncias nocivas dos

criadouros de camarão.

O mangue para eles é o local onde interagindo constroem e reconstroem o seu mundo

como sujeitos sociais. Mais do que um espaço físico, o lugar inclui as dimensões geográficas,

onde se enredam na luta pela sobrevivência, deixando bem claro em suas falas elementos que

transformariam aquele lugar em um lugar ideal para se viver, tais como: empregos, uma vez

que o mangue aparece praticamente como única opção de atividade remunerada; em seguida

vem o corte da cana e a catação de manga nos períodos de colheita, condições de boas

pescarias com rede própria, condições de acondicionamento do pescado. Ao serem indagados

sobre o que há de bom e de ruim no mangue, colhemos os seguintes dados (Quadro 3):

Quadro 3 O que tem de Bom e de Ruim no Mangue.

O que tem de BOM O que tem de RUIM • A madeira (que apesar de ser proibida, é com que a gente cozinha e constrói as casas); • O que se pesca; • O alimento; • Tudo.

• Acidentes com aniquinho15, ostra e bagre; • Os mosquitos e mutuca; • Trabalho pesado e pouco ganho; • Nada.

Fonte: Pesquisa Direta

15 Provavelmente se trata do peixe niquin (Thalassophryne nattereri, família Batrachoididae) também conhecido como peixe-sapo, por sua cabeça avolumada e rabo alongado - o que lembra um girino. Vive principalmente em águas salobras, comum em regiões onde há encontro de águas marítimas e fluviais. Tem aproximadamente 15 centímetros de comprimento, é mais largo na altura das nadadeiras peitorais, mais fino na parte de trás e não tem escamas. Costuma enterrar parte do corpo na areia, em águas rasas e é bastante resistente. Chega a ficar de oito a 12 horas fora da água. Por sua coloração acinzentada, é comum ser confundido com a areia. Possui dois espinhos na região dorsal e um em cada lateral, recobertos por uma glândula de veneno. Esses espinhos são vazados e quando o peixe sofre pressão, como por exemplo, no momento em que é pisado por um pescador, a glândula desce e o veneno é liberado pelo espinho. O tratamento usado hoje para aliviar a dor provocada pelo veneno do niquim é por meio de antiinflamatórios e antibióticos, mas o edema persiste por algum tempo (Fonte: http://www.mercadodapesca.com.br;www.ibama.gov.br/rec_pesqueiros/legislacao.php e www.anaisdedermatologia.org.br/artigo.php: acessados em 06/05/2007).

Page 70: O lugar na construção do saber geográfico escolar

69

Os entrevistados falaram com freqüência das adversidades do mangue, reclamaram da

escassez do caranguejo, dos mosquitos e da falta de assistência por parte de uma associação

de pescadores em Livramento.

Alguns depoimentos dos entrevistados sobre o lugar e o mangue:

“Aqui a gente tá entregue à própria sorte. Elias mesmo, meu vizim, furou o pé, no

bagre, passou a semana sem descer pra maré, o ganho foi nada” (T., 48 anos – Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Aqui a gente sofre muito. O ganho é pouco, mas, ai de nós se não fosse o mangue...” (J.N., 55 anos – Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Agente acorda com a panela vazia... desce pra maré e volta seja lá com o que for para comer” (J.B., 66 anos – Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“O mangue é uma mãe...” (D.M. , 52 anos – Marisqueira, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Todo mundo pode desfrutar do mangue, tem gente que vem de longe...” (J.M., 26 anos Catador de Caranguejo, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

Os pescadores entrevistados também demonstraram possuir um grande conhecimento

acerca das propriedades medicinais de várias plantas e animais da região, fazendo uso

freqüente desses produtos no tratamento de suas enfermidades (Quadro 4).

Quadro 4 Produtos extraídos do mangue para remédio.

PRODUTO NOMENCLATURA CIENTÍFICA

UTILIZAÇÃO

Mangue Manso Laguncularia racemosa Dor de Dente Aroeira Família Anacardiaceae Inflamação Mangue de Sapateiro Rhizophora mangue Abortivo Barbatimão Stryphnodendron barbatimao Inflamação / Cicatrização Caju Roxo Anacardium occidentale Cortes e Inflamação Ostra Crassostrea rhizophorae Fortificante e Cicatrizante Cupim Imprecisa, visto que a

nomenclatura científica contempla várias famílias de cupins, como: Rhinotermitidae, Termitidae e Kalotermitidae, por exemplo.

Lambedor para Cansaço

Fonte: Pesquisa Direta

Page 71: O lugar na construção do saber geográfico escolar

70

Mediante os relatos dos entrevistados podemos coletar dados referentes à fauna e à flora,

como também sobre o mangue.

Os pescadores entrevistados também demonstraram que possuem um conhecimento

muito grande da fauna silvestre que existe na região. As aves, por exemplo, representam um

grupo bastante diversificado, com 21 espécies referidas como sendo de ocorrência freqüente

na área (Quadro 5), e entre os répteis e mamíferos, relataram 7 espécies (Quadro 6).

Quadro 5 Aves mais encontradas.

Nome popular Nomenclatura científica Urubu Coragyps atratus Socó Nycticorax nycticorax Surucuá Thraupis cyanoptera Galinha D’água Gallinula chloropus Garça Casmerodius albus Anum Crotophaga ani Papa-capim Sporophila nigricollis Gavião Harpia harpyja Rolinha Scardafella squammata Pato D’água Laterallus melanophaius Juriti Leptotila rufaxilla Sebito Coereba flaveola Tiziu Volatinia jacarina Socó-boi Tigrisoma fasciatum fasciatum Sabiá Turdus rufiventris Xexéu Cacicus cela Sanhaço Thraupis sayaca Bigode Cercopithecus cephus Azulão Passerina Brissonii Bem-te-vi Pitangus sulphuratus Fonte: Pesquisa Direta, www.ambientebrasil.com.br

Quadro 6 Répteis e Mamíferos mais encontrados na região.

Nome Popular Nomenclatura Científica Guaxinim Procyon cancrivorus Sagüi Saguinus bicolor Camaleão Iguana iguana Preá Cavia aperea Tijuaçú Tupinambis merianae Raposa Vulpes vulpes Tatu Priodontes giganteus

Fonte: Pesquisa Direta, www.ambientebrasil.com.br

Page 72: O lugar na construção do saber geográfico escolar

71

A crença do sobrenatural é comum na vida de uma boa parcela dos pescadores de

Livramento, denotando, assim, que muitos convivem cotidianamente com a presença de

entidades do mangue e nelas acreditam piamente. Ao serem perguntados sobre as visagens de

seres encantados, 44,1% dos entrevistados afirmaram nunca terem visto nada nesse sentido,

mas 32,4% afirmaram conhecer pessoas que já viram essas aparições diversas vezes, 23,5%

afirmaram que já viram ou sentiram a influência deles. A seguir, são colocados alguns relatos

dos entrevistados. Conforme o conteúdo, as falas foram classificadas nas seguintes categorias:

1 – Aparição do Pai do Mangue

“O pai do mangue é um homem grande, gordo, chapéu de palha, montado em um cavalo pampo” (J.B., 66 anos – pescador aposentado, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Vi o pai, tirando caranguejo, roupa branca suja de lama... uma hora ver de um jeito, outra hora ver de outro jeito” (J.B., 66 anos – pescador aposentado, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

2 – Conotação de Justiça

“Um menino, certa vez, levou uma surra do pai do mangue [...] é que ele tinha o costume de brincar arrancando as patas dos caranguejos. Daí uma noite recebeu um aviso em sonho. O pai do mangue pedia pra ele não judiar do seu gado. No outro dia ele continuou arrancando as patas do caranguejo. O pai do mangue apareceu e lhe deu uma surra tão grande que quase não acerta o caminho da casa [...]” (Tonho, Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Pai do mangue... o povo conta, mas eu nunca vi... (é ambição) dizem que às vezes ele aparece como um caranguejo grande e se transforma num negão. É a lei da maré, mas das vez aparece quando “inziste” ambição dos pescadores” (M., 55 anos – Marisqueira, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Um colega meu foi com a mãe dele pra o mangue pescar, e na canoa começou a bater boca com ela, xingou a mãe de tudo que é palavrão e aí entrou no mangue, levou uma surra tão grande do pai do mangue que chegou em casa todo lapiado” ( E.P.S., 37 anos – Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

Page 73: O lugar na construção do saber geográfico escolar

72

3 – Troças

“Eu pesquei “aimoré” e levei pra casa, no outro dia só tinha mututuca” (J.B.S., 56 anos – Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Era de tarde, eu já tinha bastante peixe, quando ouvi uma voz: Vai levar esse peixe

pra onde? Eu falei: pra casa. Então a voz me disse: esse peixe não... esse peixe eu vou levar. Perdi a coragem de continuar, voltei pra casa todo assombrado, com alguém atrás de mim. Cheguei quase desmaiado” (...)com as mãos vazias, sem nada” (J.B.S., 56 anos – Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Um amigo meu pescou camarão, os “bixotim” pulando ali na frente dele. Chegou em

casa só tinha casca de ostra” (A.P., 30 anos – Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

4 – Desorientação

“No mangue às vezes a gente fica ariado, sem sentido, sem saber o destino” (D.M., 52 anos – Marisqueira, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Quando fica ariado, o jeito é parar, sentar e baixar a cabeça” (J.B.S., 56 anos – Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Eu mesmo quando estou perdido subo no pau e grito bem alto. Procuro escutar o eco,

é que do outro lado o mangue é abafado, aí a voz da gente volta, aí eu sigo para o lado de onde veio a voz, segue o grito e se acha” (A.N., 48 anos – Pecador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

5 – Ocorrências inexplicáveis

“Eu já vi uma cobra vindo pra o meu lado, não tirei os olhos dela, mas desapareceu, ali na minha frente” (J.L., 37 anos – Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Eu estava dentro da camboa da levadinha, só, e me jogaram um punhado de areia” (J.D., 59 anos – Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Eu já vi o “finado” de João Guimarães, o dono da ilha” (J.B.S., 56 anos – Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

Percebe-se, pelos relatos acima, que o imaginário toma lugar no ritmo da pesca na

comunidade de Livramento, e que os pescadores que afirmaram terem visto essas aparições

Page 74: O lugar na construção do saber geográfico escolar

73

demonstram medo, visto que podem apanhar ou serem perdidos no mangue ou ainda fazerem

alguma “troça” com eles.

Os dados coletados referentes aos recursos pesqueiros mais explorados em Livramento

ao longo do estuário evidenciam que a maior coleta é de crustáceos, seguida de moluscos e

peixes, dentre estes os capturados com mais freqüência estão representados no quadro 7.

Vejamos:

Quadro 7 Pescados mais capturados pela comunidade de pescadores do Distrito de Nossa Senhora do Livramento, Santa Rita/PB.

PESCADOS TIPOS NOMENCLATURA CIENTÍFICA

CRUSTÁCEO

Siri

Camarão

Aratu

Caranguejo

Goiamum

Callinectis spp.

Farfantepenaeus spp.

Goniopsus cruentata

Ucides cordatus

Cardisoma guanhumi

MOLUSCOS

Marisco

Ostras

Sururu

Unha-de-velho

Taioba

Anomalocardia brasiliana

Crassostrea rhizophorae

Mytella guyanensis

Tagehus plebeius

Mytella charruana

PEIXES

Tainha

Carapeba

Aimoréia

Camurim

Bagre

Arraia

Sauna

Família Mugilidae (Mugil spp.)

Família Gerreidae

Família Muraenidae (Muraena spp.).

Família Centropomidae (Centropomus spp.)

Família Ariidae

Família Potamotryginidae

Mugil spp. Fonte: Pesquisa Direta

Quanto às condições de embarcação, as mais usadas são: Bote, Canoa e Baíteira. A

maioria é de propriedade dos próprios pescadores. Estes profissionais fazem uso de uma

grande diversidade de materiais utilizados para a pescaria (Quadro 8).

Page 75: O lugar na construção do saber geográfico escolar

74

Quadro 8 Principais apetrechos utilizados na pesca pelos pescadores do Distrito de Nossa Senhora do Livramento, Santa Rita/PB.

APETRECHOS Redinha de nylon para captura do caranguejo Ratoeiras para captura dos guaiamus Rede de arrasto Tarrafa Rede de espera Rede de tomada ou de beirada Rede de malha Anzol Caçoeira Gadante Foice Carro de Mão Pitimbóia Taineira Enxada Rede de tomada Rede de beirada Puçá Bicheiro Saco de nylon Sauneira Tarrafa Fonte: Pesquisa Direta

Ao serem argüidos acerca da comercialização do pescado que capturam, a maior parte

dos pescadores afirmaram que pescam para comer ou vendem no próprio povoado (35%), o

que denota o caráter de subsistência da atividade pesqueira que praticam. Mas é grande

também o número de pescadores que vendem para um comprador certo (26%), neste caso o

atravessador, ou que ganham indiretamente (21%) visto que pescam para o dono da rede e

dele recebem 50% da venda (Tabela 3).

Page 76: O lugar na construção do saber geográfico escolar

75

COMERCIALIZAÇÃO DO PESCADO Nº de pessoas %

Comprador Certo Vende no Povoado e come Vende na Feira (Municípios Vizinhos) (Rua) Trabalha para o dono da rede (meio a meio)

22 30 15 18

26 35 18 21

Tabela 3 Comercialização do Pescado Fonte: Pesquisa Direta

Quando indagados sobre a melhor maré e a melhor lua para pescar, imediatamente eles

associaram o movimento das marés ao ciclo lunar. Vejamos a seguir os seguintes

depoimentos:

“A lua tem muito a ver com a pescaria. Na lua nova a gente pega muita carapeba... Já na lua cheia, tainha, camurim... até pra o caranguejo se embatumá16, a lua tem influência” (A.P., 44 anos – Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“A lua trabalha pela maré e a maré pela lua” (M.P.S., 48 anos – Marisqueira, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“No verão quem domina é a lua cheia, no inverno a lua nova” (J.D. – 59 anos – Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Na maré morta17, a lua é cheia, se pesca com rede e malhadeira, dá muita sauna e tainha. Na maré grande18, a lua é cheia ou nova se pesca de tudo que é peixe com rede de tomada. Já pra quem pesca só caranguejo, com ratoeira, boa mesmo é a maré de lançamento19, maré morta se o pescador vai pegar no braço” (D.M., 52 anos – Marisqueira, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Na maré de lançamento, a lua é cheia ou nova” (J.D., 59 anos – Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Maré de quebramento20 é quando a maré vai diminuindo” (S.M., 43 anos –

Marisqueira, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

16 Embatumá - Comporamento de se enterrar completamente no sedimento em tocas fechando a entrada da mesma que acontece nas épocas de ecdisia ou mudas (troca de carapaça). 17 Maré Morta - O mesmo que maré de quadratura. Ocorre nas luas de quarto crescente e quarto minguante. 18 Maré Grande - O mesmo que maré de sizígia. Ocorre nas luas novas e cheias. 19 Maré de Lançamento - Corresponde a variação entre os níveis das marés referentes à passagem dos quartos de luz crescente e minguante para as luas novas e cheias. 20 Maré de Quebramento - Corresponde a variação entre os níveis das marés referentes às passagens das luas nova e cheia para os quartos crescente e minguante.

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76

“Quarto crescente; a maré vai ficar grande” (J.M., 26 anos – Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Na lua cheia a maré vai entrar em quebramento” (A.N, 48 anos – Marisqueiro,

Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Quem vive da maré é uma semana boa outra ruim. E agora caranguejo tá matubado, de leite... magro. Na andada é quando eles estão se reproduzindo” (L.F.L., 53 anos – Pescador, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Na maré morta as ostras são mincha” (J.L.S., 37 anos – Pescador, Livramento, Santa

Rita/PB, 2006). “Aqui a gente sai pra trabalhar pelo horário da maré” (D.M., 53 anos – Marisqueira,

Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

O tempo de trabalho desses pescadores é determinado pelos movimentos das marés e os

recursos pesqueiros, também pela sua variação, ou seja, a periodicidade e disponibilidade

relativa de algumas espécies exploradas, o que determina o tempo de trabalho.

De acordo com os relatos, podemos observar que os pescadores entrevistados

desenvolveram um elaborado conhecimento sobre a relação entre as fases da lua e os tipos de

marés. Para Alves (2002), as comunidades tradicionais que vivem próximas aos manguezais e

dependem de recursos oriundos desse ambiente, apresentam um amplo conhecimento acerca

dos componentes bióticos e abióticos que integram esse ecossistema. De acordo com Poizat &

Baran (1997) apud Alves (2002) esse tipo de conhecimento pode ser usado como um estágio

preliminar da investigação ecológica científica.

O saber tradicional pode ainda subsidiar planos de manejo, visando a uma exploração

sustentável, sobretudo daqueles recursos mais fortemente explorados (SASSI et al, 2007).

Segundo Nordi (1994 a), os órgãos ambientais que regulamentam a captura de determinadas

espécies desconsideram a realidade da comunidade envolvida e o seu conjunto de

conhecimentos sobre o recurso e o ambiente de coleta, fator que possivelmente contribui para

a baixa eficiência das normas. No Brasil, estudos que consideram o saber tradicional têm se

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77

intensificado nos últimos anos, notadamente os que incluem o etnomanejo de habitats

(DIEGUES, 1999).

Posey (1984), Morin-Labatut & Akhtar (1992) e Sillitoe (1998) apud Alves (2002)

ressaltam que os saberes e técnicas tradicionais complementam o conhecimento científico em

pesquisas básicas e sobre avaliação de impactos ambientais, manejo de recurso e

desenvolvimento sustentável.

Reconhecidamente as comunidades de pescadores artesanais que lidam com a coleta de

recursos do estuário/mangue possuem amplo conhecimento sobre aspectos biológico,

ecológico e etológico dos recursos pesqueiros com os quais interagem, bem como reconhecem

a influência que os ciclos lunares e de maré têm sobre os animais (ANDRADE, 1993;

NORDI, 1994a e 1994b).

A forma como os catadores de caranguejo classificam as variações das marés em função

dos ciclos lunares, foi observada por Nordi (1994a) que associou a atividade de catação de

moluscos às fases da lua (Figura 25).

Figura 24 – Diagrama das Variações do Ciclo Lunar associado à Maré visto pelos catadores de crustáceos e moluscos no Estado da Paraíba.

Fonte: NISHIDA, 2000 apud NISHIDA & NORDI, 2006.

Page 79: O lugar na construção do saber geográfico escolar

78

Nas ocasiões em que o sol, a lua e a terra estão alinhados, em sizígia (conjunção ou

oposição), as forças de atração gravitacionais somam-se (PERKINS, 1974 & THURMAN,

1997) apud Alves (2002), sendo observado nesta situação as maiores amplitudes entre as

marés altas e baixas, referidas pela comunidade científica como “maré de sizígia” e de acordo

com os catadores de caranguejo como “maré de lua”.

Durante um período de aproximadamente sete dias, os astros movimentam-se, saindo de

uma situação de conjunção, dirigindo-se para uma situação de quadratura, onde o sol e a lua

formam um ângulo reto em relação à terra. Nessa situação, observam-se as menores variações

entre as marés altas e baixas, referida pela comunidade científica como “maré de quadratura”

e pelos catadores de caranguejo como “maré de quarto” (minguante ou crescente). Por alguns

dias, próximo à quadratura, as oscilações entre as marés baixas e altas são mínimas. Este

período é conhecido pelos catadores como “maré morta”. O final da maré morta, quando a lua

começa a mudar de fase (para quarto minguante ou crescente), é denominado pelos

pescadores e catadores de caranguejo como “cabeça de água morta” (ALVES, 2002).

A variação entre os níveis das marés, referentes à passagem dos quartos de lua crescente

e minguante para as luas nova e cheia, são denominadas pelos pescadores e catadores de

caranguejo como “maré de lançamento”. Durante esse período, a maré eleva-se a cada dia, até

atingir a altura máxima na lua cheia ou nova. Quando isso acontece, o mangue será inundado

rapidamente, numa extensão maior na preamar, tornando-se mais descoberto na baixa-mar,

como observado por Nordi (1994a).

Por ocasião da passagem das luas nova e cheia para os quartos crescente e minguante,

têm-se as “marés de quebramento”, que diminuem gradativamente a cada dia, até produzirem

as oscilações mínimas próximo aos quartos de lua. Durante esse período, a porção inundável

de mangue na preamar e descoberta na baixa-mar é menor.

Page 80: O lugar na construção do saber geográfico escolar

79

Observamos nas diversas leituras realizadas o incentivo que é dado para que sejam

reconhecidos e valorizados os saberes advindos dessas comunidades para estudos sobre

padrão alimentar, saúde pública, biodiversidade e projetos de desenvolvimento econômico, no

sentido de subsidiar a formulação de medidas destinadas ao uso sustentável dos recursos

naturais. Entretanto, pouco ou quase nada encontramos fazendo alusão à escola, indicando a

importância desses saberes também para a composição dos conteúdos escolares, haja vista a

sua importância como conteúdo geográfico, principalmente o que diz respeito à dinâmica

encontrada entre os elementos e fenômenos da natureza nesse ecossistema.

Nos ateremos a interpretar ou analisar a geografia contida no imaginário e expresso no

próprio discurso, como um dos caminhos para compreender o papel que as representações do

meio desempenham nas práticas espaciais e na organização do espaço.

O lugar e suas dimensões no imaginário dos pescadores são codificados a partir de um

ponto de origem, o mangue. É aí que eles fixam suas orientações, por exemplo, a parte alta e

baixa de Livramento, como eles denominam, estão conotadas de valores. A parte “alta” é a

habitada por pessoas com poder aquisitivo mais elevado, onde estão situados os serviços

oferecidos à comunidade, o PSF, o Cartório, a Igreja, Posto Policial e a Creche. Na “parte

baixa” estão as famílias de poder aquisitivo mais baixo, geralmente pescadores, é onde fica a

“favela” e o mangue. É comum os pescadores falarem que vendem o pescado na “rua”, lá em

cima.

O mangue com seus recursos pesqueiros desempenha um papel significativo na vida

socioeconômica dos moradores do Distrito de Nossa Senhora do Livramento, uma vez que

estes dependem do pescado para a sua subsistência. Como podemos ver os pescadores

mostraram ter um amplo conhecimento da Geografia local e etnobiológico dos peixes,

moluscos e crustáceos que habitam o mangue. Esse conjunto de saberes práticos pode ser

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explorado pela escola, tendo em vista que os alunos, pela vivência com os pais e demais

moradores da comunidade, são também portadores desses saberes.

Page 82: O lugar na construção do saber geográfico escolar

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CAPÍTULO IV

Page 83: O lugar na construção do saber geográfico escolar

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A ESCOLA

4.1 O ESPAÇO ESCOLAR

A Escola Municipal do Ensino Fundamental Padre Pires Ferreira (Fig. 26) localiza-se na

Rua Borges, s/n, no Distrito de Nossa Senhora do Livramento, zona rural do município de

Santa Rita-PB, margem esquerda do estuário do rio Paraíba do Norte, próximo ao manguezal.

Figura 25 – Escola Municipal do Ensino Fundamental Padre Pires Ferreira, localizada no Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB.

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

A escola foi construída no ano de 1988 pela Prefeitura Municipal de Santa Rita,

entidade mantenedora, com o objetivo de servir à comunidade de pescadores.

A escola dispõe de duas salas de aula (Figura 27), mais duas pequenas salas, uma

destinada à diretoria e outra à secretaria, um pátio coberto para a recreação, uma dispensa para

guardar mantimentos, uma cozinha e dois sanitários para os alunos. Atualmente, a sala que é

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83

destinada à secretaria e o pátio para recreação estão funcionando como salas de aula (Figura

28).

Figura 26 – Salas de Aulas da Escola Padre Pires Ferreira do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB.

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Figura 27 – Pátio da Escola funcionando como Sala de Aula na Escola Padre Pires Ferreira do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB.

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

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A água consumida vem de uma cisterna e esta é enviada para caixa d'água, em que se

faz a distribuição para as dependências da escola. Existe também água encanada que vem da

rua, porém o fornecimento pela empresa de água e esgoto é aperiódico.

De acordo com os dados colhidos, a Escola Padre Pires Ferreira funciona nos dois

turnos, matutino e vespertino, oferecendo o Ensino Fundamental de primeira a quarta série. O

corpo discente é formado por 182 alunos, vinte e cinco dos quais moram na ilha Stuart, tendo

a canoa meio de transporte para ter acesso à escola; os demais moram em áreas circunvizinhas

à escola. Todos advindos de famílias de baixa renda, ou sem renda fixa. O trabalho limita-se a

pesca no mangue; colheita da manga, fruta abundante na região e do corte da cana. As

famílias, na sua maioria, são desestruturadas, pais separados, muitos alcoólatras, mães

solteiras que deixam filho com avós para trabalharem na capital do Estado.

Existe, na escola, grande distorção entre idade/série e alto índice de evasão e repetência.

Dos 182 alunos matriculados, apenas 40% estão dentro da faixa etária estabelecida para o

Ensino Fundamental – 1ª fase.

O corpo docente é formado por sete professoras, das quais uma tem curso de magistério,

nível médio; cinco têm curso de licenciatura plena em pedagogia; e uma com licenciatura

Plena em História. A escola ainda dispõe de uma supervisora escolar com formação em

Pedagogia. Todas residem em outras cidades.

O corpo administrativo é composto por uma diretora com o curso pedagógico/médio e

uma auxiliar administrativa. No apoio, a escola conta com seis auxiliares de serviço e quatro

vigilantes.

Page 86: O lugar na construção do saber geográfico escolar

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DISTORÇÃO IDADE / SÉRIE - 2006 SÉRIE IDADE Nº de pessoas % 1ª série 2ª série 3ª série 4ª série

8 a 9 anos 10 a 12 anos 13 a 15 anos

15 anos ou mais

40 48 33 21

28 34 23 15

Tabela 4 Distorção idade/série. Fonte: Pesquisa Direta

A problemática da distorção idade/série, segundo a Direção, perdura na escola em

conseqüência da falta de incentivo e acompanhamento dos pais, sendo um dos aspectos mais

trabalhados por parte das professoras, bem como as questões da evasão escolar.

3.2 OS PROFESSORES E O SABER GEOGRÁFICO DIFUNDIDO NA ESCOLA

A partir das observações e das entrevistas, constatamos a preocupação das professoras

mesmas com a aprendizagem dos alunos, especificamente porque revelam a implicação do

seu fazer pedagógico que nem sempre traz os resultados esperados. Percebemos o quanto se

empenham em progredir no seu percurso, denotando a responsabilidade profissional das

mesmas.

Compreendemos que o fato de as professoras morarem fora do município muito tem

contribuído para uma série de problemas encontrados na escola, tais como falta de

compreensão, por parte dos professores, da realidade dos educandos, assim como também o

desconhecimento das condições sócio-econômicas em que eles vivem. Entendemos que o

distrito de Livramento não oferece uma infra-estrutura urbana que possa atrair os professores

para residirem nesta área, pois é precário o sistema de transporte, não existe saneamento

básico, o sistema de comunicação é deficitário, e a saúde e educação também apresentam

Page 87: O lugar na construção do saber geográfico escolar

86

condições precárias, existindo somente escola para ensino fundamental, não possibilitando a

continuidade dos estudos.

Devido à grande dificuldade de transporte, as professoras deixam de cumprir o horário

das aulas, o que prejudica o desenvolvimento das atividades. As professoras chegam tarde e

saem mais cedo por causa dos horários de ônibus.

O contato com o lugar do aluno se restringe apenas à escola, e, segundo os seus relatos,

podemos sentir que pouco conhecem sobre a dinâmica da vida dessas crianças na

comunidade. Apenas uma professora, que é mais antiga e é a supervisora, demonstra maior

interatividade com as pessoas que vivem no entorno da escola. Esta realidade constatada nos

reporta a Freire (1996), quando ele questiona sobre o ensinar, questionando como formar sem

estar aberto ao contorno geográfico e social dos educandos e acrescenta:

A formação dos professores e das professoras devia insistir na constituição deste saber necessário e que me faz certo, desta coisa óbvia, que é a importância inegável que tem sobre nós o contorno ecológico, social e econômico em que vivemos. E ao saber teórico-prático desta influência teríamos que juntar o saber teórico-prático da realidade concreta em que os professores trabalham [...]. Preciso agora, saber ou abrir-me à realidade desses alunos com quem partilho a minha atividade pedagógica. Preciso tornar-me se não absolutamente íntimo de sua forma de estar sendo, no mínimo, menos estranho e distante dela (FREIRE, 1996, p.155).

Nessa perspectiva, concordamos com o autor no que concerne a importância de se

conhecer a realidade contextual na qual o aluno está inserido, e que este é um aspecto

relevante no processo de ensino e aprendizagem.

Outro aspecto da nossa pesquisa diz respeito à Geografia como componente curricular:

Como é trabalhado na escola e, em particular na sala de aula, essa disciplina com alunos de 1ª

a 4ª séries do Ensino Fundamental. A partir de alguns questionamentos, chegamos às

dificuldades detectadas pelas professoras em sua prática cotidiana. Os depoimentos suscitam

suas dificuldades. Vejamos:

Page 88: O lugar na construção do saber geográfico escolar

87

“As crianças na 1ª série não sabem ler nem escrever, fica muito difícil... é que a minha atenção maior está voltada para o ensino de leitura, escrita e matemática, ou seja, alfabetização mesmo. Mas, eu dou assuntos de geografia... tem que dar” (Prof.1 – 1ª série, Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“É difícil por que os alunos não sabem ler...” (Prof.2 – 1ª série, Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Assim... uma vez na semana eu dou aula de geografia, porque a gente tem que investir mais tempo na leitura desses alunos... são desinteressados demais. Chegam praticamente sem saber ler nada. Muito deles não conhecem nem as letras” (Prof.3 – 2ª série, Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Na verdade eu trabalho geografia duas vezes na semana, sempre que dá, eu faço uma ponte em Língua Portuguesa e as outras disciplinas, é que eles têm muitas dificuldades na leitura. Sempre que dá, eu procuro buscar algo da realidade deles” (Prof.4 – 3ª série, Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Trabalho geografia uma vez na semana, copio o assunto no quadro, em seguida explico e faço um exercício” (Prof.5 – 4ª série, Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

Os depoimentos apontam o caráter superficial da forma como é tratado o ensino de

Geografia na Escola Padre Pires Ferreira. Percebe-se, por um lado, que algumas professoras

têm dificuldades em relação a sua própria habilidade de lecionar os conteúdos referentes à

geografia na série em que leciona. Por outro, os depoimentos confirmam indícios já

encontrados nos dados dos alunos, de inadequação do ensino realizado na escola, evidenciado

pelo alto índice de reprovação, repetência, evasão, acentuado pela distorção entre a idade e a

série.

Esses depoimentos trazem aspectos importantes na análise da postura das professoras.

Consciente ou não, o professor, ao desenvolver sua prática pedagógica, cultiva um conjunto

de concepções que o orienta, seja em relação aos conteúdos, ou em relação ao aprender do

aluno e a prática de como ensinar, ou seja, a todo processo metodológico.

Muitas vezes nos deparamos com profissionais comprometidos, mas que interiorizam

em sua prática uma postura calcada nos princípios tradicionais, onde o aluno é passivo, não se

Page 89: O lugar na construção do saber geográfico escolar

88

expressa, não se lança, não se arrisca, não se encanta, não aprende. De uma visão a respeito da

educação e do que seja ensinar e aprender resulta o seu modo de ser professor. É importante

encontrar caminhos que possibilite ao menos a revisão de sua docência e formação inicial,

com vistas a superação de suas limitações, buscando outras possibilidades de visão e

compreensão da prática pedagógica e do seu desenvolvimento profissional.

Outro ponto a ser considerado é a necessidade de se fazer uma análise do ponto de vista

social e político do professor. Mesmo sabendo que a sua atuação é pedagógica, a sua ação tem

a ver com a dimensão política, tenha ele consciência ou não, pois é através da opção política

que ele está contribuindo para dar continuidade ao que vem sendo historicamente posto, ou

para superar o nosso sistema de ensino que é altamente excludente. O professor que tem esta

compreensão interfere na escolha do percurso metodológico de sua prática, pois sabe que ela

não é neutra, como nos afirma Freire.

Quanto à questão dos alunos não saberem ler, o que é absolutamente fundamental é a

concepção de alfabetização na qual está calcado o ensino. Ensinar a ler e a escrever não pode

estar restrito tão somente à Língua Portuguesa. Nesse sentido, se faz necessária, uma visão

interdisciplinar do ensino. É preciso exercitar os alunos a escreverem, lerem e dizerem a sua

palavra em sala de aula e nas aulas de Geografia.

No que diz respeito ao mangue, as professoras reconhecem a importância desse

ecossistema na comunidade, conforme ficou demonstrado em suas falas, porém afirmaram

que pouco sabem efetivamente sobre o mesmo, seja do ponto de vista científico ou sócio

econômico, evidenciando assim que em quase nada o mangue subsidia sua prática de sala de

aula, mesmo sabendo que os alunos vivem em uma área de manguezal e que parte de suas

famílias tiram o sustento do mangue (Figura 29 e 30).

Page 90: O lugar na construção do saber geográfico escolar

89

Figura 28 – Moradores do Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB que trabalham no mangue.

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Figura 29 – Criança que estuda na Escola Padre Pires Ferreira, no Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB, que trabalha no mangue. Pode-se observar que o mesmo encontra-se com a farda da escola.

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006

Quanto ao livro didático, todas as professoras foram unânimes em responder que não

trabalham com o livro do aluno, ou seja, o livro adotado na escola, porque é fora da realidade

dos mesmos, ou porque eles não acompanham os conteúdos. Afirmaram consultar outros

livros, pesquisar outros assuntos, repassados para os alunos através de um resumo escrito no

Page 91: O lugar na construção do saber geográfico escolar

90

quadro para que os mesmos possam copiar. Em seguida vem a explicação do assunto, um

exercício e posteriormente uma avaliação para a nota bimestral.

Quando questionadas sobre a oportunidade de escolha dos livros didáticos oferecida

pelo MEC, as professoras afirmaram que os livros que chegaram à escola não foram aqueles

escolhidos pela equipe e que, mesmo quando isso não acontecia, era difícil o aluno

“acompanhar” o livro indicado para a série a qual está cursando, devido as suas dificuldades

na leitura e compreensão do texto.

Concordamos que o professor deve ter a autonomia para selecionar os conteúdos a

serem trabalhados em sala de aula, desde que os mesmos resultem de um profundo

conhecimento da realidade dos alunos, bem como dos conhecimentos que os mesmos já

trazem consigo de suas experiências de vida. No caso estudado, o que observamos é que esta

seleção é feita sem seqüência, fragmentada, tomando como critério básico para a escolha a

forma como é abordado o assunto e tendo como referência para a seleção dos conteúdos os

livros didáticos: quanto mais simples, mais resumido, mais tradicional, melhor. Por

compreendermos na nossa perspectiva teórica que o professor é também um produtor de

saberes, é que acreditamos que a seleção de conteúdos deve ser feita com base naqueles que

participam dessa relação, ou seja, professores, alunos, comunidade e demais participantes do

processo de ensino e aprendizagem. Nessa perspectiva, “... tampouco o educando pode ser

visto como um receptáculo vazio que irá assimilar um conteúdo externo a sua realidade [...].

Ele é um ser humano com uma história de vida a ser levada em conta no processo de

aprendizagem, que reelabora, assimila a sua maneira – até reconstruindo ou criando o saber

apropriado para tal ou qual disciplina” (VESENTINI, 2004, p.224).

Afirmamos, anteriormente, que concebemos a escola como lugar de produção do saber

escolar, desse modo, defendemos uma posição contrária àqueles que advogam a escola como

espaço de difusão somente do saber científico. Assim compreendemos a escola como espaço

Page 92: O lugar na construção do saber geográfico escolar

91

de diálogo entre os saberes. Portanto, consideramos o livro didático como um dos

instrumentos dos quais o professor dispõe para subsidiar sua prática docente, não o

considerando como referencial único do programa e conteúdo a ser trabalhado durante o ano

letivo. O programa correto, pronto a ser cumprido.

Muitas vezes, por ser um livro que requer do professor uma maior dinâmica de trabalho,

ou um maior esforço no planejamento, fica mais cômodo eliminar o livro, tachá-lo de

inadequado e descartá-lo. O que poderia ser adequado, analisado criticamente, ou até

enriquecido, inserindo outros conteúdos, é colocado nas estantes da escola e esquecido.

Enquanto isso, os conteúdos trabalhados são escolhidos aqui e acolá em um livro ou outro,

sem uma articulação positiva para a construção do saber do educando. Pelas suas condições

de trabalho, os professores em geral preferem livros que exigem menor esforço, nos quais se

apóiam e que reforçam uma metodologia autoritária e um ensino teórico (ABÍLIO, 2004).

Essas colocações merecem uma ressalva: não é que sejamos contra o professor trabalhar

pesquisando vários livros e sim a linha de trabalho espontaneísta adotada pelas professoras.

Nesse sentido, Bittencourt (1998) considera que para entender um livro didático é

preciso analisá-lo, por ser ele objeto de “múltiplas facetas”. A autora faz uma análise do livro

didático sobre vários aspectos, primeiramente como uma mercadoria do mundo da edição que

obedece à evolução das técnicas do mercado. Em seguida, o livro didático é analisado como

depositário de conteúdos escolares e também como instrumento pedagógico e, por último,

como um importante veículo portador de um sistema de valores, de uma ideologia, de uma

cultura. No entanto, ela enfatiza que os usos que professores e alunos fazem do livro didático

são variados e podem transformar esse veículo ideológico e fonte de lucro das editoras em

instrumentos de trabalho mais eficiente e adequado às necessidades de um ensino autônomo.

Page 93: O lugar na construção do saber geográfico escolar

92

Os livros didáticos de Geografia, adotados na escola Padre Pires, fazem parte de uma

coleção de 1ª a 4ª série, “Geografia: Interagindo e percebendo o mundo21”. Analisamos todas

as séries e constatamos realmente que o conteúdo é distante da realidade daqueles alunos, no

entanto, mesmo considerando que esse livro escolar se caracteriza pelo texto impositivo e

diretivo, acompanhado de exercícios prescritivos, existem e existirão formas diversas de uso,

nas quais a atuação do professor é fundamental. Além do mais, considerando o baixo poder

aquisitivo do alunado da escola em foco, é possível que o livro didático seja o único livro que

ele tenha acesso em sua vida.

Tomando como exemplo a 4ª série da referida escola22 e os conteúdos de Geografia

trabalhados durante o ano letivo de 2006, construímos o quadro que se segue (Quadro 9). Ele

é resultado do levantamento feito junto às professoras e aos documentos da escola, tais como

os diários de classe.

Quadro 9 – Conteúdos de Geografia trabalhados durante o ano letivo de 2006. SÉRIE DATA CONTEÚDO

23/03 O Mapa / Localização do Brasil e seus municípios 28/03 O Mapa Mundi 18/04 O bairro onde eu moro 27/04 Situando e localizando a Paraíba 10/05 O bairro onde eu moro 15/05 A vida no campo e na cidade 24/05 A vida no campo e na cidade 30/05 Os símbolos da Paraíba 02/06 O Folclore 17/07 O Folclore e as músicas 10/08 Receitas caseiras 15/08 Lendas 17/08 Localização 21/08 Limites da Paraíba 31/08 Localização

14/08 Adivinhações Fonte: Diário de Classe – 4ª série – 2006. Escola Padre Pires

21 SOURIENT, Lílian, RUDEK, Roseni e CAMARGO, Rosiane. Geografia: interagindo e percebendo o mundo. São Paulo: Editora do Brasil, 2001. Coleção adotada pela escola de 1ª à 4ª séries. 22 O conteúdo programático do ano letivo de 2006 das demais turmas da Escola Padre Pires Ferreira – Distrito de Nossa Senhora do Livramento – Santa Rita/PB, encontrar-se no anexo.

Page 94: O lugar na construção do saber geográfico escolar

93

Vejamos agora a proposta que o livro didático da referida coleção apresenta para a

mesma série:

Quadro 10 – Conteúdos de Geografia contidos no Livro Didático adotado pela Escola Padre Pires Ferreira, Livramento – Santa Rita/PB.

CONTEÚDOS Unidade I – O homem e a natureza

A paisagem natural Modificando o espaço Relação Homem x Natureza O Trabalho Trabalho para todos As relações do trabalho Extraindo vegetais Reflorestamento Extraindo minérios Extrativismo animal A Pesca

A caça Unidade II – Plantando e criando animais

O que é Agricultura? A agricultura no Brasil Os tipos de agricultura Divisão da terra no Brasil A reforma agrária Os cuidados com a terra Olha o gado aí, gente! Criando animais Maneiras de criar o gado

Unidade III – Transformando produtos

Tudo se transforma Indústria: você vai estar perto de uma Artesanato A indústria moderna As diferentes indústrias O início da industrialização no Brasil Indústrias no Brasil A indústria e o meio ambiente Poluição do ar: um problema que precisa de solução Poluindo as águas Lixo Industrial

Recado Legal Fonte: SOURIENT, Lílian. Geografia: Interagindo e percebendo o mundo. São Paulo: Editora do Brasil, 2001.

Page 95: O lugar na construção do saber geográfico escolar

94

Ao não se usar o livro didático foram desprezadas oportunidades de ampliar os saberes

dos alunos, através de gravuras, textos e curiosidades, oportunidade desperdiçada de trabalhar

certos temas, como por exemplo: “Extrativismo animal – a pesca e a caça23”, assuntos

pertinentes ao universo do aluno, em que a intervenção metodológica adequada por parte do

professor poderia desencadear uma série de saberes que o aluno já tem do seu meio, como

também a aquisição de novos saberes.

O capítulo do livro fala da pesca, que é uma atividade desenvolvida pelo aluno ou seus

familiares. Fala dos produtos da pesca, como sejam, peixes, moluscos e crustáceos. Não se

reporta em nenhum momento ao mangue, porém, este é o espaço de enriquecimento do texto

por parte do professor e do próprio aluno.

Dando continuidade, o texto fala da composição dos alimentos advindos da pesca. E por

fim sugere uma pesquisa sobre as “histórias de pescadores”. Esse seria um momento bastante

oportuno para ser explorado o saber local, as histórias que os próprios pescadores contam. Os

dados coletados a partir do relato dos pescadores entrevistados, confirmam a riqueza que

permeia o seu imaginário, principalmente no que diz respeito à crença no sobrenatural,

ocorrências com entidades do mangue e aparições. Momento importante de diálogo entre os

saberes. É preciso investir nas fontes fazendo o resgate de cultura local, materializando as

relações sócio-ambientais dos alunos.

Um dos aspectos mais importantes no livro didático é a forma de utilização que se faz

dele, para que não se ministre um ensino calcado nele sem maiores reflexões. O que fica claro

para nós é que muitas vezes falta no professor a clareza dos objetivos pedagógicos que o

ensino de Geografia deve ter, e a que ele se destina.

Acreditamos que um dos fatores que desencadeiam esta problemática reside na própria

formação do professor pedagogo que somente tem aulas de Geografia durante seis meses e

23 Capítulo 6 da coleção adotada pela Escola Padre Pires Ferreira para a 4ª série. Ver anexo.

Page 96: O lugar na construção do saber geográfico escolar

95

que já traz de sua formação básica uma Geografia tradicional, pautada em práticas

conservadoras que foram formando o corpo do ensino de Geografia há muitos anos e que

permanece na maioria das escolas brasileiras.

Vesentini (2004) tece a seguinte consideração: “A geografia não é uma disciplina

escolar por “direito divino”, como imaginam alguns. Ela tem de mostrar à sociedade que pode

contribuir para formar cidadãos, para fazer o educando compreender o mundo em que

vivemos” (p.238).

Aquilo que o aluno já traz consigo, em relação ao meio em que vive, ou seja, os saberes

do dia-a-dia, colhido de suas experiências cotidianas não pode ser desprezado pelo professor.

[...] é o que cada um possui de conhecimento que explica as diferentes formas e tempo de aprendizagem de lado de determinados conteúdos que estão sendo tratados, por outro sabemos que a intervenção do professor é determinante nesse processo. Seja nas propostas de atividades, seja na forma como encoraja cada um de seus alunos a se lançar na ousadia de aprender, o professor atua o tempo inteiro (WEISZ, 2001: p. 61).

Nesse sentido, a responsabilidade do ato de educar é redobrada. Cada situação vivida ou

criada em sala de aula pode, a partir da mediação do professor, transitar da zona do

conhecimento potencial para o conhecimento real. (VIGOTSKY, 1991). Por outro lado, Freire

considera que:

Assim, como não posso ser professor sem me achar capacitado para ensinar certo e bem os conteúdos de minha disciplina não posso, por outro lado, reduzir minha prática docente ao puro ensino daqueles conteúdos. Esse é um momento apenas de minha atividade pedagógica. Tão importante quanto ele, o ensino dos conteúdos, é o meu testemunho ético ao ensiná-los. É a decência com que o faço. É a preparação cientifica revelada sem arrogância, pelo contrario, com humildade. É o respeito jamais negado ao educando, a seu saber de “experiência feito” que busco superar com ele. Tão importante quanto o ensino dos conteúdos é a minha coerência na classe. A coerência entre o que digo o que escrevo e o que faço (1996, p. 116).

A idéia que subjaz nessas colocações de Freire é a de que o ato de ensinar envolve além

da formação, uma postura ética frente ao educando. O respeito ao educando em seu contexto

Page 97: O lugar na construção do saber geográfico escolar

96

cultural, cuja localidade é o ponto de partida para os conhecimentos que eles vão elaborando

sobre o mundo.

No que concerne às nossas observações na escola pesquisada, as aulas ministradas são

bastante monótonas, sem estímulo, muitas vezes as professoras vencidas pelo cansaço de um

segundo turno “culpam” o aluno pelo desinteresse nas aulas.

Neste momento, não estamos questionando o compromisso ou a competência, mas a

postura ética, política do formador de cidadãos que é o professor; questionamos o gosto, o

sabor, a alegria, a esperança desses momentos vividos na escola. É não só olhar, mas ver o

aluno, repleto de possibilidades e exercer autenticamente o seu papel fazendo desse tempo,

nesse espaço, um lugar de aprendizagens significativas.

Não é possível se padronizar práticas pedagógicas, mas é sempre interessante analisá-

las. Os procedimentos adotados em uma determinada situação costumam revelar caminhos

que são frutos da criatividade dos professores e mostram maneiras originais de desencadear a

aprendizagem, compatíveis com sua concepção de educação.

Os interesses que os alunos manifestam no cotidiano dão vida ao conteúdo. Conciliar

esses interesses com os objetivos das atividades planejadas é o grande desafio, fazendo com

que cada situação de ensino seja uma situação nova. É isso que dá ao trabalho de cada

professor um sabor original e único.

4.3 OS ALUNOS E AS REPRESENTAÇÕES SOBRE O LUGAR

As atividades desenvolvidas com os alunos para captar as suas percepções sobre o lugar

onde moram foram feitas a partir de desenhos em etapas seqüenciais e rodas de conversas.

Primeiramente trabalhamos o desenho do lugar, em seguida o percurso de casa à escola e, por

fim, a representação do mangue. Como trabalhamos com alunos (as) de faixas etárias

Page 98: O lugar na construção do saber geográfico escolar

97

diversificadas, os desenhos apresentam características próprias das diversas fases do

desenvolvimento humano. Expressam a percepção do espaço vivido ao percebido e deste ao

concebido. Momentos de vivências em que alunos (as) constroem e desenvolvem os saberes

cotidianos.

De acordo com Almeida e Passini (1994), o espaço vivido refere-se ao espaço físico,

vivenciado através do movimento e do deslocamento que são apreendidos de forma quase

espontânea pela criança através de suas brincadeiras, interesses e exploração com o próprio

corpo das dimensões e relações espaciais. O espaço percebido já representa um avanço, no

qual a criança supera a necessidade maior de experiência física. Ela é capaz de lembrar-se do

percurso de sua casa à escola, o que não se dava antes. Nessa passagem, tanto a ampliação do

campo empírico da criança quanto a análise do espaço passam a ser feitas através da

observação.

Numa fase mais evoluída, por volta da pré-adolescência, o espaço concebido já está

dentro das possibilidades de compreensão do aluno, pois ela estabelecerá relações espaciais

mais apuradas em suas representações e análises, tendo a capacidade de compreender a

representação de um espaço sem agir concretamente sobre ele, no dizer de Almeida e Passini

(1994).

Seguindo as considerações das autoras (op. cit., 1994), [...] a noção de espaço representa

uma conquista da criança que ocorre de forma gradativa, atingindo alterações quantitativas de

sua percepção espacial e uma transformação qualitativa em sua concepção de espaço.

As primeiras relações espaciais que a criança estabelece são as topológicas, básicas para

a futura estruturação e compreensão de relações espaciais mais complexas. Portanto, de início

a criança não considera em suas análises espaciais, os ângulos, as simetrias, tendo uma

percepção mais ligada ao que vê, manipula, movimenta, apalpa, enfim, vivencia.

Page 99: O lugar na construção do saber geográfico escolar

98

A criança distingue contornos retilíneos dos curvos, corpos fechados dos abertos, o

interior e o exterior e a vizinhança, mas ainda não apresenta relações espaciais que envolvam

referenciais precisos de localização. As relações métricas: dimensões, inclinações, ângulos e

simetrias serão as últimas aquisições. A topologia é anterior às relações projetivas euclidianas

que se desenvolverão tendo como fundo o espaço topológico (ALMEIDA e PASSINI, 1994).

Ao analisarmos os desenhos, percebemos que alunos(as) no plano perceptivo

representam o lugar apenas com uma casa, na maioria das vezes fechada. Outros, mostram o

interior da casa com móveis e utensílios, todavia, em ambos os casos sem a presença de

pessoas. Alguns representam o lugar onde vivem com uma casa e familiares.

Observamos desenhos cercados de várias casas, possivelmente representando ruas e

ruelas da comunidade, desenhos com elementos diversificados do meio e por fim o mangue

aparece nas representações como parte constituinte do lugar.

De acordo com a percepção dos alunos com os quais trabalhamos, classificamos as

representações em duas categorias, para facilitar a nossa análise: a casa como elemento

predominantemente na representação do lugar; o lugar representado com elementos

diversificados.

1 – A casa como elemento predominante na representação do lugar

Na maioria dos desenhos, encontramos a casa como representação do lugar (Fig. 31).

Merideau (1974) apresenta a casa como exemplo de relação topológica, único espaço

graficamente acessível até oito ou nove anos, idade da aquisição dos mecanismos euclidianos

e das relações projetivas com constância de grandeza e de forma. Nesse sentido, a autora tece

as seguintes considerações sobre o desenho da casa:

Page 100: O lugar na construção do saber geográfico escolar

99

Primeiro espaço explorado, símbolo do meio familiar em que se desenvolvem as primeiras experiências decisivas, a casa aparece violentamente carregada de afetos. Prolongamento do corpo. E da personalidade da criança a casa constitui para ela o mundo usual de sua experiência perceptiva, cognitiva e afetiva, lugar em que se abrem os primeiros gestos, refúgio contra um universo desconhecido e ameaçador (1974, p. 51).

Figura 30 – Representação Gráfica da Casa: Lugar de vivência do aluno.

Fonte: Leandro Alves, 12 anos, 2ª série – aluno da Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Outro aspecto analisado é a questão familiar. Observamos que foi um elemento ausente

em quase todas as representações, não obstante, a que foi representada, aparece repleta de

signos que refletem a relação íntima do aluno com o espaço familiar (Fig.32).

Figura 31 – Representação Gráfica do Lugar como Espaço Familiar

Fonte: Rafael Jorge Luis, 7 anos, 1ª série – aluno da Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Page 101: O lugar na construção do saber geográfico escolar

100

O lugar também foi representado por casas formando rua (Fig. 33):

Figura 32 – Representação Gráfica da Rua em que eu moro: o meu lugar.

Fonte: Amanda, 10 anos, 2ª série – aluna da Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

2 – O lugar representado com elementos diversificados

Muitos desenhos expressam o elo afetivo do aluno(a) com o lugar onde vivem (Fig.34),

como também, atividades de lazer e trabalho.

Figura 33 – Representação Gráfica do Elo Afetivo do aluno com o lugar onde vive.

Fonte: Natália, 10 anos, 2ª série – aluna da Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Page 102: O lugar na construção do saber geográfico escolar

101

Concluímos, a partir destes desenhos, que a construção dos mesmos evidenciam como

indicadores a cultura, as diferenças individuais e a idade. Percebe-se, então, que existe uma

variação tanto nos elementos representados como na relação que os desenhos estabelecem

entre si. As variações devem-se principalmente às experiências dos alunos.

Merleau-Ponti, (apud MERIDEAU, 1974, p.43) afirma que “[...] além da distância física

e geométrica que existe em mim e todas as coisas, uma distância vivida me liga às coisas que

importam e que existem para mim”. Diante dessa afirmativa, o autor considera que o desenho

obedece primeiramente a imperativos que não são métricos, mas afetivos. A criança não se

preocupa em respeitar as proporções dos objetos, ela lhe atribui uma grandeza afetiva (Fig.

35).

Figura 34 – Representação Gráfica do Lugar: percepção do lugar como um todo numa dimensão afetiva.

Fonte: João Batista Filho, 10 anos, 2ª série – aluno da Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Um outro aspecto relevante para o nosso estudo são as representações do lugar com

casas coloridas, parques, flores e piscinas (Fig.36). Até que ponto esses elementos condizem

Page 103: O lugar na construção do saber geográfico escolar

102

com a sua realidade? Será que a aluna, que assim se referiu ao seu lugar, tentou representar o

espaço vivido ou o sonhado? Merideau, 1974, “[...] considera a possibilidade da criança dar

livre curso a sua imaginação para evocar a casa dos seus sonhos, o lugar desejado” (p. 53). No

dizer de Almeida e Passini (1994), a casa é referida como “[...] espaço de afeto onde o eu

habita e se desloca... é ali que a criança projeta seus sonhos, suas fantasias”.

Figura 35 – Representação Gráfica do lugar sonhado, na concepção de aluna da escola. Como se vê, evidenciam-se casas coloridas, ruas, árvores e área de lazer.

Fonte: Rafaela, 11 anos, 2ª série – aluna da Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Interrogando a aluna sobre o seu desenho, ela mostrou a rua, sua casa e o parque que

ficava perto de sua casa. Mais tarde tivemos a oportunidade de visitar a rua na qual a aluna

mora (Fig.37), ali encontramos divergências entre o desenho e a realidade in loco.

Constatamos que no desenho da criança, mesmo não sendo igual à realidade que ela

representa, fica evidente a relação de conformidade ou semelhança entre os diferentes

elementos. Almeida (2004, p. 27) afirma que “[...] o desenho estabelece um vínculo analógico

Page 104: O lugar na construção do saber geográfico escolar

103

como objeto representado, pois os significantes visuais são da mesma natureza que seu

significado”.

Tal pensamento favorece uma articulação entre teoria e prática, através dele reforçamos

nossa análise, considerando a possibilidade de a aluna ter representado o lugar desejado, onde

gostaria de morar.

Figura 36 – Vista Geral da rua onde reside a aluna autora do desenho referido na figura 36.

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

No segundo momento da atividade, solicitamos aos alunos que desenhassem o “caminho

de casa até a escola”, trajeto percorrido por eles diariamente. Organizamos os mapas mentais

produzido pelos alunos em três categorias de acordo com a percepção dos mesmos: percurso

interligando a casa diretamente à escola; percurso interligando sua casa à rua e esta à escola;

percurso feito pelo rio.

1 – Percurso interligando sua casa diretamente à escola com elementos do meio

Na figura 38, o aluno representou de forma clara o seu percurso, com árvores e pedras

compondo o cenário simbólico do seu trajeto, porém constatamos in loco, o quanto sua

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104

representação se aproxima do real. O caminho que dá acesso à escola é íngreme, e repleto de

pedregulhos que deslizam nos pés.

Figura 37 – Representação Gráfica do Percurso interligando sua casa diretamente à escola com elementos do meio.

Fonte: Jéferson Pereira da Silva, 10 anos, 2ª série - aluno da Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

2 – Percurso interligando sua casa às ruas e esta à escola

Nas figuras 39 e 40 os alunos fazem um intermediação entre as ruas, dando acesso à

escola, o trajeto é feito na figura 39 com outras crianças, o que é bem provável que o aluno

venha para a escola acompanhado de colegas.

Figura 38 – Representação Gráfica do Percurso interligando sua casa às ruas e esta à escola.

Fonte: Gracilene, 12 anos, 2ª série - aluna da Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

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105

Figura 39 – Representação Gráfica do Percurso interligando sua casa às ruas e esta à escola.

Fonte: Mayene, 11 anos, 3ª série - aluna da Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

3 – Percurso feito pelo rio

Na figura 41, o percurso é feito de barco, esses desenhos foram produzidos por alunos

que moram na ilha Stuart e que dependem desse meio de transporte para chegarem à escola.

Figura 40 – Representação Gráfica do Percurso feito pelo rio.

Fonte: Claudiane, 13 anos, 4ª série - aluna da Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Page 107: O lugar na construção do saber geográfico escolar

106

Todas as categorias analisadas dos mapas mentais construídos pelos alunos nos

possibilitaram adentrar, mesmo que de forma sutil, no nível de consciência espacial dos

mesmos, uma vez que expressam a percepção do espaço vivido cotidianamente. De acordo

com Nogueira (1994, apud CAVALCANTE, 2000, p.150), esses mapas são “(...) resultados

de percepção de um mundo simbólico, que são, portanto representados simbolicamente (...)

são instrumentos do real, não de um mundo imaginário, mas de um mundo concreto, que parte

da realidade vivida por cada cidadão ou grupo de cidadãos”. Daí a importância desse tipo de

representação.

Outro ambiente representado pelos alunos é o mangue. Os desenhos expressam de

forma clara a percepção dos mesmos sobre o mangue. Em cada elemento descrito fica

evidente a intimidade estabelecida com o ecossistema (Fig. 42).

Figura 41 – Representação Gráfica do Mangue.

Fonte: Rogério, 16 anos, 4ª série - aluno da Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Nesse desenho abaixo, a fauna foi basicamente representada pelo caranguejo, podendo

ser esse fator atribuído ao valor econômico e alimentício para a família do aluno. Na

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107

descrição feita, fica evidente a importância que o mangue tem como fonte de subsistência

(Fig. 43).

Figura 42 – Representação Gráfica da Fauna.

Fonte: Rogério, 16 anos, 4ª série - aluno da Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006. TRANSCRIÇÃO DO TEXTO: “O mangue é muito bom dá o caranguejo para os pai de família ajuda o de da de come a sua família e também a muita gente eu moro na ilha e legal”.

Nessa representação do mangue, observamos uma certa diversidade tanto na vegetação

do mangue, quanto na fauna; todavia, o caranguejo é o elemento predominante. A raia e o

peixe figuram-se como elemento secundário e o homem não se encontra inserido nesse

contexto (Fig. 44).

Figura 43 – Representação Gráfica do Mangue.

Fonte: Carlos, 14 anos, 4ª série - aluno da Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Page 109: O lugar na construção do saber geográfico escolar

108

O aluno representa o mangue de forma bastante peculiar. Por morar na ilha, nos dá a

idéia de que o bosque é observado de longe. Uniforme, com árvores bastante entrelaçadas,

com a predominância do caranguejo como representação da fauna (Fig. 45).

Figura 44 – Representação Gráfica do Mangue.

Fonte: Graciel, 17 anos, 4ª série - aluno da Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Consideramos que estes desenhos deixam visíveis os sistemas de representação do

aluno (a), sua percepção do objeto, sua leitura de mundo, suas experiências cotidianas e o seu

relacionamento com o entorno, configurando-se o seu papel ativo na elaboração de seu

conhecimento sobre o mangue.

Nas narrativas orais, escritas e gráficas observamos o quanto elas divergem e convergem

entre si, correspondendo ou não ao espaço vivido, concebido ou percebido. Se tais desenhos

correspondem ou não as características estabelecidas para determinada faixa etária, não é algo

que ateremos com tanta ênfase para o nosso estudo, pois o que pretendemos compreender é

como os alunos percebem o lugar onde vivem e como são estabelecidas as relações desses

alunos com o meio, coisas que ficam implícitas e explícitas nos desenhos ao criar e recriar o

lugar onde vivem.

Estas questões estão assim postas porque temos a finalidade de pensar sobre o

significado que os alunos (as) dão ao lugar, como representam esse lugar, a fim de

Page 110: O lugar na construção do saber geográfico escolar

109

compreender que conhecimentos são construídos na comunidade e como estes podem

subsidiar o ensino de Geografia. Nessa perspectiva, “o ensino de Geografia pode ser o

processo pelo qual o aluno compreenda o que está em torno de si [...] assim enquanto busca

compreender o que está em torno de si, esse aluno pode ter sua atenção centrada nos modos

como ele pensa e age em relação a este entorno que, afinal, está também dentro de si”

(REFFATI, apud REGO, 2000 p. 51).

Quanto às Rodas de Conversa, estas foram um espaço de partilha e confronto de idéias,

onde a liberdade da fala e da expressão proporcionaram ao grupo como um todo, e a cada

aluno em particular, a oportunidade de participar e expor suas representações e saberes sobre

o seu lugar. Por sua proposta de constituição, como espaço de diálogo, as Rodas de Conversa

foram desafiantes, porque enquanto coordenávamos a conversa como pesquisadoras

(introduzindo um tema através da argüição, como uma curiosidade) procurávamos não impor

nossas idéias aos alunos para não cercear a liberdade de expressão dos mesmos.

Simultaneamente, estávamos ali como participante e aprendiz.

Uma síntese desses momentos está em forma de versos, construídos coletivamente a

partir das falas dos alunos.

O MEU LUGAR O que é que tem no meu lugar? Mangue, Maré, Manga E araçá. E lá? O que é que tem? No meu lugar tem Aratú, Siri, Guiamum, Caranguejo-uçá E lá o que é que tem?

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110

No meu lugar tem Rolinha, Vem-vem, Siricóia, Sabiá. E lá o que é que tem? No meu lugar tem Ostra, Sururu, Marisco E peixe a se pescar. E lá o que é que tem? O que é que tem no seu lugar? No meu lugar tem Rede, Ratoeira, Anzol E puçá. E lá? O que se usa para pescar? No meu lugar tem Pai do mangue, Visagem, Simpatia, Assombração. E lá, acredita-se no que tem cá? No meu lugar tem Gente que brinca Na lama, na terra De bola, Biriba, Baralho e bilhar. E lá? Como fazem para brincar? No meu lugar tem Bosque de mangue, Sítio de manga, Roça e canavial. A mata, não está mais aqui! E lá? Como está? Existe mata no seu lugar? Se não existe, o que é que há?

Page 112: O lugar na construção do saber geográfico escolar

111

No meu lugar Tem gente que canta Que pesca Que planta Brinca e sonha. E lá? Penso que tem gente que sonha em todo lugar. Fonte: Edinalva Maria da Silva, 2007.

O aluno é parte do lugar, ele o identifica segundo a sua subjetividade e a sua própria

leitura, trazendo essa leitura para embasar o seu processo de aprendizagem.

Na verdade, as representações dos alunos (as) nos serviram de conduto para

chegarmos à compreensão do seu universo subjetivo.

O tópico seguinte enfatiza essas leituras e as trata como saberes com potencial para

compor os conteúdos didáticos. Desta forma, procuramos fazer um entrelaçamento entre os

saberes dos alunos e da comunidade e os saberes sistematizados da escola.

4.4 DA ESCOLA À COMUNIDADE, DA COMUNIDADE À ESCOLA: ENTRELAÇANDO SABERES

Os dados colhidos até o momento indicam que os elementos presentes, tanto nas

representações dos alunos como dos pescadores entrevistados, estão imbuídos de significados.

A análise dessas representações nos permitiu captar o sentido que perpassa o seu cotidiano, a

linguagem geográfica falada e vivida. É nesse sentido que buscamos apreender, ler e reler,

adentrar para extrair saberes que possam entrelaçar-se com os saberes sistematizados da

escola. É essa Geografia real vivenciada no cotidiano e tão necessária à vida que buscamos

viabilizar em um espaço legítimo de transformação social: a escola.

Todo esforço aplicado no processo deste estudo consistiu, pois, em aproximações

sucessivas do objetivo que pretendíamos alcançar, ou seja, identificar saberes do cotidiano do

Page 113: O lugar na construção do saber geográfico escolar

112

aluno, bem como da comunidade na qual está inserido, que viessem se converter em saberes

escolares a partir das representações do lugar onde vive, tendo em vista a prática de um ensino

com saberes construídos a partir da vivência do aluno no seu contexto: saberes reais.

Nesse sentido, consideramos que:

“Existe ainda pouca aproximação da escola com a vida, com o cotidiano dos alunos. A escola não se manifesta atraente frente ao mundo contemporâneo, pois não dá conta de explicar e textualizar as novas leituras de vida. A vida fora da escola é cheia de mistérios, emoções desejos e fantasias, como tendem a ser as ciências. A escola parece ser homogênea, transparente e sem brilho no que se refere a tais características. É urgente teorizar a vida, para que o aluno possa compreendê-la e apresentá-la melhor e, portanto, viver em busca de seus interesses. As ciências passam por mudanças ao longo do tempo, pois as sociedades estão em processo constante de transformação e (re)construção. O espaço e o tempo adquirem novas leituras e dimensões” (CASTROGIOVANNI, 2001, p.11).

Nessa abordagem, o espaço escolar é o lugar ideal para que o ensino de Geografia possa

superar a disciplinaridade coisificante e se converter na produção de saberes que possam

transformar o espaço vivido em objeto catalizador de pensamentos e ações do educando

(REGO, 2000).

A análise dos saberes, colhidos da comunidade de Nossa Senhora do Livramento,

possibilitou-nos, em primeiro lugar, conhecer aspectos da realidade que nos permitiram

compreender como são processados os seus saberes quando da necessidade de superação de

dificuldades cotidianas, suas crenças e valores. Esses conhecimentos cotidianos são

vivenciados também pelos alunos, já que todos os entrevistados são pais de alunos, portanto,

os alunos possuem essa referência educacional e cultural.

Na área onde trabalhamos nesta pesquisa, encontramos o mangue como ponto de

referência da comunidade. Ecossistema rico de elementos naturais, fonte de subsistência,

nesse lugar a vida adquire o ritmo das marés porque a hora de começar a labuta da pesca está

atrelada à sua dinâmica. Os saberes desses sujeitos são práticos, construídos na vivência, no

trabalho, adquirido e passado de geração a geração. Saberes que denotam paradoxalmente

Page 114: O lugar na construção do saber geográfico escolar

113

simplicidade e complexidade. Simplicidade porque todas as pessoas podem se apropriar dos

mesmos, inclusive as crianças (Figura 46 e 47), basta para isto interagir com o grupo e passar

a vivenciar as experiências coletivas e se lançar ao aprendizado. Complexo porque guarda na

sua essência o elo entre o que é aparente e o que é “mistério” resguarda em si as

possibilidades de desvendá-lo.

Figura 45 – Barco de Brinquedo confeccionado pelo pai.

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Figura 46 – Criança acompanha o pai na confecção de redinhas para captura do caranguejo

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Page 115: O lugar na construção do saber geográfico escolar

114

É aqui que, ao nosso ver, entram a educação e a escola como ponto de diálogo entre os

saberes. É esse entrelaçamento de vozes de experiências, de saberes, de riqueza do cotidiano

que a escola tem desperdiçado. São essas possibilidades socioculturais que tentamos trazer

para o dia-a-dia da sala de aula como elemento desencadeador do processo de ensino-

aprendizagem. É o discurso dos alunos, permeado de experiências que as professoras

precisam aprender a ouvir e se deixar possuir por eles, soltar a voz e dialogar também com os

alunos, sem perder de vista o fio condutor do processo. Instaurar em sala de aula um

intercâmbio de saberes, refletir sobre eles, questionar, problematizar, enfim contagiar os

alunos em busca de enfrentamento dos novos saberes:

A educação deve favorecer a aptidão natural da mente em formular e resolver problemas essenciais e, de forma correlata, estimular o uso total da inteligência geral. Este uso total pede o livre exercício de curiosidade, a faculdade mais expandida e a mais viva durante a infância e a adolescência, que com freqüência a instrução extingue e que, ao contrário, se trata de estimular ou, caso esteja adormecida, de despertar (MORIN, 2001, p.39).

Toda ação que se desencadeia com vistas à construção do conhecimento será válida no

processo educativo. O mundo da criança e do adolescente é permeado pela curiosidade, como

cita o autor, a curiosidade seria o canal a veicular os estímulos para que a motivação aconteça.

Os saberes do aluno, uma vez partilhados, socializados e problematizados suscitarão uma

aprendizagem significativa para a sua vida.

Das rodas de conversa que realizamos com os alunos, destacamos um trecho exemplar

dessa capacidade de conhecimento do meio, em especial do mangue, dando uma indicação da

possibilidade de explorá-lo no ensino:

“Aqui o mangue ajuda muita gente... eu pego goiamum [...] três cordas mais ou menos,

por semana. Vendo, e dou o dinheiro de duas pra minha mãe e fico com o dinheiro de uma. Eu pesco com ratoeira, que eu mesmo faço [...] aprendi com o meu tio [...] eu não sei se eu vou querer ser pescador [...] O ganho é pouco” (A., 13 anos, 3ª série – aluno da Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB,2006).

Page 116: O lugar na construção do saber geográfico escolar

115

Figura 47 – Convívio do aluno da Escola Padre Pires Ferreira com representantes da fauna local.

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Figura 48 – Convívio do aluno da Escola Padre Pires Ferreira com representantes da fauna local. Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

Page 117: O lugar na construção do saber geográfico escolar

116

Essa exposição está em consonância com os discursos colhidos dos sujeitos

entrevistados na comunidade. A criança interioriza essas concepções e põe em prática o que é

aprendido com o adulto. A diversidade de detalhes mostra que o aluno incorporou esse

aprendizado à sua forma de viver. Esses saberes poderão ser potencializados se o aluno puder

ver o seu cotidiano e suas experiências transformadas em reflexão sistemática pela professora,

evidenciando que os lugares que ele freqüenta e as atividades que desenvolve cotidianamente

são passíveis de uma análise geográfica. Dentro desse contexto, diríamos que inúmeras

oportunidades de estudos poderão fluir a partir desse discurso, podendo ser instaurada a

prática interdisciplinar em sala de aula.

O saber cotidiano do aluno a partir do lugar onde vive é o primeiro ponto a se considerar

na construção da sua aprendizagem na escola. Deve ser um processo onde dele se parta e nele

se desenvolva para que o mesmo possa de maneira significativa assimilar o saber, construído

na escola. Considerar a vivência do aluno como ponto primordial é um grande desafio por não

existirem manuais prontos, com receitas acabadas de como o fazer.

Desta feita, se faz necessário o cuidado para não enclausurar o aluno apenas aos saberes

das especificidades do seu lugar, mas procurar desenvolver a idéia de que cada lugar se

relaciona com outros lugares e que dessa maneira estudar o seu lugar implica conhecer

também outros lugares.

Quando nos referimos às práticas interdisciplinares, nos reportamos aos registros que

muitas vezes precisam ser feitos nas aulas de Geografia, a seguinte descrição sobre o lugar

vem ressaltar a importância da interdisciplinaridade como prática pedagógica.

Page 118: O lugar na construção do saber geográfico escolar

117

Figura 49 – Produção Textual.

Fonte: Graciel, 17 anos, 4ª série - aluno da Escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006.

A escrita realizada pelo aluno deixa de ser “para a professora ler” se trabalhada em sala

de aula. É a escrita como sistematização de saberes. O aluno vê o seu texto a serviço do

conhecimento e os conteúdos a serviço da aprendizagem. Sem contar que o estudo do seu

próprio texto faz com que ele passe a acreditar em seus potenciais, assim como também pode

ser agente na construção de seus saberes.

Page 119: O lugar na construção do saber geográfico escolar

118

As representações dos alunos mostraram que o processo de observação dos mesmos

pode ser aprimorado na escola visando a alcançar um grau de sensibilidade e de criticidade

capaz de gerar novos aprendizados, como também atitudes e valores para com o ambiente.

Para isso, se faz necessário expressar, tanto graficamente como verbalmente, os elementos

observados, refletir sobre eles e desvendar os fundamentos dos seus significados.

Nesse processo, o diálogo é indispensável, é quando o aluno e professora farão o uso da

palavra tão essencial para expressar o seu pensamento. Vygotsky (1993) enfatiza a

“linguagem como sistema mediador na transmissão e comunicação entre as pessoas” (p.159).

De acordo com esse autor, as formas mais elevadas da comunicação humana são possíveis

porque o pensamento reflete uma realidade conceitualizada e tem uma função de intercâmbio

social. Esse diálogo só é possível quando alunos e professoras têm a possibilidade de

expressar por palavras os significados dados aos objetivos do conhecimento no plano do

pensamento.

Se é dizendo a palavra com que “pronunciando” o mundo, os homens o transformam o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens [...]. E se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos [...] não pode reduzir-se a um ato de depositar idéias de um sujeito no outro, nem tão pouco tornar-se simples trocas de idéias a serem consumidas pelo permutantes (FREIRE, 1987, p.79).

Associadas aos diálogos, seguem as representações gráficas dos alunos, que, pode ser

oportunizada a reflexão do que foi representado visando à socialização de experiências e

saberes. “As representações permitem às pessoas inserir-se em um grupo e realizar trocas

intervindo na definição individual e social na forma pela qual o grupo se expressa”

(BITTENCOURT, 2004, p.236). Essas representações de caráter subjetivo poderão conduzir

ao caráter objetivo dos saberes trabalhados na escola.

Dos saberes que os alunos possuem sobre o meio e o universo familiar, do diálogo em

sala de aula e das representações podem resultar a organização dos saberes a serem

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119

construídos na escola, tendo em vista uma situação pedagógica enriquecedora, em que serão

construídos os conteúdos programáticos.

De acordo com Freire:

Para o educador – educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositado nos educandos – mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada (1987, p.84).

Muitos programas educacionais falharam, segundo o autor citado, porque os seus

idealizadores partiram de uma visão pessoal da realidade. (FREIRE, 1987)

Como já nos referimos anteriormente, a Escola em foco atende a um grupo social

determinado, formado por filhos de pescadores. O mangue com o seu entorno faz parte da

vida dessa comunidade. A riqueza de elementos desse ecossistema faz desse um lugar

peculiar, convergindo para a construção de uma educação com saberes próprios, com

identidade vinculada ao modo de vida local, pois congrega diferentes saberes específicos,

relativos às práticas de trabalho nesse ecossistema, como também a forma de vida que o

ambiente lhes impõe.

A análise dos vários momentos com os alunos “nas rodas de conversa” onde foi

exercitado o diálogo sobre o lugar, nos permitiu comprovar a fecundidade dessa prática

educativa, para a sócio-construção dos saberes escolares.

“Aqui professora, tinha galo de campina, canário, mas sumiu... tinha outros bichos que

também sumiu... raposa, tatu... que dizer... a gente pode até encontrar, mas é muito difícil” (L., 12 anos – aluno da escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

Os moradores entrevistados fizeram observações próximas ao que diz esse aluno, assim

reportaram a devastação da Mata Atlântica para dar lugar à cultura da cana de açúcar como

sendo um fator causador do desaparecimento desses animais silvestres.

Page 121: O lugar na construção do saber geográfico escolar

120

Nesse exemplo é possível perceber a amplitude de possibilidades de um

desencadeamento de saberes trazidos pelos alunos e que, se devidamente aproveitado pelo

“mediador-professor”, promoverá a ampliação desses saberes, em conteúdos escolares, nas

diversas disciplinas do currículo, bem como, a oportunidade de transversalizar com o tema

meio ambiente, dentre outros proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s).

A presença da Mata Atlântica na região poderá fazer emergir discussões importantes

sobre sua própria estrutura, biodiversidade e aspectos ecológicos, levando-os a refletir sobre

os problemas ambientais e sociais do seu lugar, nesse sentido, devastação, preservação e

conservação do meio, animais em extinção e em via de extinção dentre outros conteúdos.

Esse exemplo mostra as possibilidades de se desenvolver uma consciência sócio-

ambiental tanto conceitual quanto metodológica na prática educativa.

A educação ambiental não pode se resumir a críticas sobre o processo de ocupação degradante que o homem promove a natureza, mas deve analisá-lo dentro de uma teia de relações sociais em que a prática pedagógica desenvolvida na escola é parte integrante de uma sociedade multifacetada por interesses ideológicos e culturais (TAMOIO apud VITIELLO, 2003, p. 163).

De certa forma, o que temos presenciado é que as atividades de educação ambiental

desenvolvidas na escola estão assentadas na estrutura tradicional de ensino-aprendizagem,

distante da vivência do aluno.

Os alunos apontam algumas idéias que têm sobre o movimento das marés e os ciclos

lunares, como atestam os seguintes relatos:

“Eu pego marisco com a minha mãe na crôa, se a senhora quiser ir lá, pode ir com a

gente... é bonito demais. A gente sai umas 8h e volta umas 11h, quando a maré tiver enchendo. Bom mesmo é na maré de lua, que tem muito marisco” (A., 12 anos – aluno da escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006) (Figura 51 e 52).

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121

Figura 50 – Alunos da Escola Padre Pires Ferreira catando Mariscos

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006. Figura 51 – Alunos da Escola Padre Pires Ferreira catando Mariscos

Fonte: Pesquisa Direta, Livramento, Santa Rita/PB, 2006. “Eu sei quando o caranguejo vai se embatumá... ele se entoca” (M, 11 anos - aluno da

escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

“Esse tempo agora que é de lua, a gente pesca muito peixe na maré” (C, 16 anos - aluno da escola Padre Pires, Livramento, Santa Rita/PB, 2006).

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122

As marés de lua citada pelos alunos e pescadores são as marés de sizígia que

correspondem às semanas de lua cheia e nova, durante 15 dias por mês (ALVES, 2002, DIAS,

2006). Essa época, segundo o relato dos alunos e pescadores, é mais favorável para

determinadas pescarias. Esses saberes certamente são passados de pais para filhos, ou dos

mais velhos para os mais jovens.

Os conteúdos referentes à orientação, relações espaciais e localização, dentre outros, tão

comuns aos livros didáticos e aulas de Geografia, pertinentes ao universo do aluno dessa

comunidade, merecem ser tratados de modo especial, visto que são essenciais para a vida

deles. Carecem, na medida do possível, de fundamentação para o aprendizado do aluno.

Diante do que colhemos, não se esgotam aqui as possibilidades de entrelaçamento de

saberes na estruturação do saber escolar. Essas reflexões e análises poderão ser retomadas

para maior aprofundamento pedagógico.

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123

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos que o material reunido na análise de dados nos permite várias

possibilidades de síntese. Aprofundaremos aquelas que estão atreladas diretamente à nossa

questão central: a construção do saber escolar geográfico, o lugar e o mangue como elo entre

a escola e a vida e o saber Geográfico no cotidiano do aluno, por ser inegável sua importância

para a prática social, para formação de uma consciência espacial, para uma relação ética e

estética para com o espaço de vivência (CAVALCANTE, 2000, p.150).

A nossa pesquisa partiu dos conflitos vivenciados na nossa prática na referida escola

pesquisada, com relação a inadequação do ensino, tomando como ponto de reflexão e

investigação o ensino de Geografia, sua importância para a vida do aluno e as possibilidades

de existência de um ensino contextualizado, partindo e retornando ao lugar como base de

construção do saber escolar Geográfico.

A pesquisa nos mostrou, já no referencial teórico, estudos de professores, como

Albuquerque (2004), que a Geografia escolar, a partir das necessidades das escolas, construiu

demandas para estudos na Academia, como por exemplo o lugar, que há muito é um conceito

amplamente trabalhado na escola, sedimentando a nossa convicção de que a escola é também

construtora do saber escolar, rompendo com a idéia de que a mesma só reproduz saberes.

Dessa forma, concluímos que a Geografia é um campo do saber escolar que pode

proporcionar ao educando um conhecimento contextualizado capaz de orientá-lo para a vida.

Constatamos que o lugar pode ser uma das bases de construção desse saber.

Consideramos que, no processo de ensino-aprendizagem, as representações dos alunos

através de desenhos podem servir de excelente recurso didático, ou ferramenta para o ensino

de Geografia, proporcionando ao professor e ao aluno uma releitura compartilhada,

problematizada, abrindo, assim, possibilidades para discussão, construção e reconstrução do

Page 125: O lugar na construção do saber geográfico escolar

124

saber a partir do vivido, fazendo do estudo e do ensino de Geografia algo prazeroso, dinâmico

e envolvente, rompendo as barreiras de uma disciplina estática, sem sentido para a vida do

aluno, para transformar-se em conhecimentos construídos a partir de suas vivências, de um

novo olhar sobre o entorno, a partir de uma “dialogicidade” permanente com o outro e com

esse entorno, tão vivo como a própria natureza em sua totalidade.

O professor poderá utilizar as representações como instrumentos didáticos

interdisciplinares, principalmente da 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental. Como também um

recurso para aguçar a sensibilidade dos alunos, propiciar o exercício da observação e

investigação, habilidades tão necessárias, não só ao ensino de Geografia, mas também a todas

as disciplinas escolares.

Tomando como exemplo os mapas mentais construídos pelos alunos, é possível

conhecer o nível de consciência espacial, ou seja, como percebem o lugar onde vivem e as

relações estabelecidas entre a sociedade e a natureza. Em um trabalho como esse, o professor

poderia ainda introduzir elementos da cartografia e noções de legenda.

Quanto aos saberes da comunidade que chegam à escola a partir das experiências

vivenciadas e da fala do próprio aluno e que geralmente não são valorizadas, descortinamos a

riqueza desses saberes, a partir dos dados coletados e das inúmeras possibilidades de serem

aproveitados pela escola. Os pressupostos teóricos de Vygotsky se enquadram

satisfatoriamente nessa visão no que diz respeito à zona de desenvolvimento proximal

estabelecida entre a zona real e potencial, (distância entre aquilo que a criança já sabe e faz

sozinha e o que ela é capaz de fazer com a intervenção de um adulto) em que o professor tem

o papel explícito de interferir, de fazer sua intervenção pedagógica intencional no processo

ensino-aprendizagem. Portanto, é papel do docente provocar avanços nos alunos e isso se

torna possível com sua interferência como elemento mediador na zona proximal, orientando o

aprendizado no sentido de adiantar o desenvolvimento potencial do aluno tornando-o real.

Page 126: O lugar na construção do saber geográfico escolar

125

Nesse ínterim o ensino deve passar do grupo para o indivíduo. Em outras palavras,

influenciará sobremaneira a internalização das atividades cognitivas do aluno, de modo que o

aprendizado gerará o desenvolvimento mental do mesmo.

A valorização pela escola dos saberes construídos fora dela é a “porta” para que o

professor tome consciência do que, de como e do quanto o aluno sabe. Esses saberes

socioculturais advindos do meio real, suprimirão, pelos menos em parte, a descaracterização

dos conteúdos trabalhados na escola, incorporando saberes locais aos mesmos.

No processo de mediação, além do professor, todos os elementos do meio são

mediadores do desenvolvimento. Consideramos como elementos primordiais no processo de

mediação o diálogo, já apontado por Paulo Freire como relevante no processo ensino

aprendizagem.

Consideramos a importância de uma formação continuada em serviço para a equipe

docente da escola, bem como um acompanhamento efetivo por parte da equipe técnico-

pedagógica, no caso aqui o supervisor escolar. Compreendemos que esse profissional pode

contribuir, auxiliando as professoras a aprofundarem os seus conhecimentos sobre as teorias

de ensino-aprendizagem e as recentes contribuições de diversas áreas do conhecimento, tendo

em vista que o processo educativo envolve uma multiplicidade de fatores, nos quais inúmeras

ciências têm importantes colaborações a prestar. Essa postura levaria não somente o

supervisor, como também as professoras a olharem como aqueles que ensinam, mas que

também aprendem. Um trabalho reflexivo e bem direcionado com o corpo docente poderia

oferecer condições para que se possam distinguir com mais clareza as bases que fundamentam

suas práticas docentes.

As atividades no mangue: pesca, cata do caranguejo e coleta de mariscos deliberam um

arsenal de saberes relacionados a essa captura desses animais, bem como técnicas e

conhecimentos sobre a dinâmica das marés, que se incorporam à cultura, demarcando a

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126

diversidade, não só de elementos culturais, como também sociais e naturais que podem

constituir-se em saberes, tendo a escola como agente construtor, bem como a relação de

comercialização, conservação e armazenamento do pescado.

Esse nos mostrou ser possível potencializar as oportunidades de aprendizagem dos

alunos através da interdisciplinaridade, entendida aqui como possibilidade de integração das

diferentes áreas do conhecimento, perpassando os meandros dos saberes cotidianos e

científicos, sistematizados para a escola. Nesse sentido, o estudo do meio24 apresenta-se como

proposição metodológica de valor imprescindível no processo ensino-aprendizagem.

Gostaríamos que esse espaço destinado às considerações finais fosse mais que a síntese das

questões analisadas nesta dissertação, que ele seja um chamamento a um mergulho reflexivo

na complexidade do ato de educar seres humanos e educar-se junto a eles.

24 Em síntese, o estudo do meio é uma metodologia de ensino/aprendizagem que pode ser organizada a partir de um tema gerador escolhido junto à comunidade escolar. A estrutura de desenvolvimento pode ser dividida em três fases: a preparação, a saída e a sistematização.

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127

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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APÊNDICES

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APÊNDICE 1

ROTEIRO DA ENTREVISTA COM OS MORADORES DA COMUNIDADE DE NOSSA SENHORA DO LIVRAMENTO

1 – Nome do Entrevistado:

Sexo: Idade:

Naturalidade: Escolaridade:

Religião:

A quanto tempo reside em Livramento:

2 – Tipo de Moradia:

Abastecimento d’água:

Há instalação elétrica na casa?

Há instalação sanitária?

Como é feita a eliminação dos dejetos?

Qual o destino do lixo?

3 – Você tem algum filho (a) ou parente que estuda na Escola Padre Pires Ferreira?

O que você acha da escola?

O que você acha do ensino?

4 – Qual a sua atividade? A quanto tempo exerce essa função? Você tem outra

atividade? Qual?

O que faz nas horas livres?

Local da pescaria:

Qual tipo de embarcação?

Comporta quantas pessoas?

Quais os apetrechos que você utiliza?

5 – Quais as principais artes de pesca que você utiliza?

Qual a melhor maré para pescar?

Qual a melhor lua?

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Quais os peixes mais encontrados?

Como é feita a comercialização do pescado?

Você deixa de pescar em algum período do ano? Por quê?

Quais os tipos de aves mais encontradas no mangue?

Você retira algum produto do mangue para usar remédio? Quais?

Quais os problemas mais comuns aqui na comunidade?

O que tem de bom no mangue?

O que tem de ruim?

Muito já se ouviu falar em aparição no mangue. Você já chegou a ver alguma? Qual?

Quais os festejos mais comuns na comunidade?

Você ensina aos seus filhos aquilo que você sabe sobre o mangue? Como faz isso?

Você acha que seu filho vai também viver do mangue?

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APÊNDICE 2

ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA AS PROFESSORAS

1 – Nome: __________________________________________________________________

2 – Formação Acadêmica: ______________________________________________________

3 – Lugar onde reside: _________________________________________________________

4 – Há quanto tempo trabalha em Livramento?

5 – Qual a série que leciona?

6 – O que o mangue representa para sua prática como professora?

7 – Você faz alguma ponte entre o ensino e a vida dos alunos? De que maneira?

8 – Como você ensina Geografia?

9 – Qual é a sua opinião sobre a maneira como é trabalhado o conteúdo que diz respeito ao

ensino de Geografia, nos livros didáticos adotados pela escola?

10 – Tem uma orientação na escola específica para esse trabalho?

11 – O mangue é abordado em suas aulas a fim de enriquecer o estudo sobre Geografia?

12 – Quais as maiores dificuldades encontradas na sua sala de aula?

13 – Como você vê o seu aluno?

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APÊNDICE 3

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS ALUNOS E ALUNAS DA

ESCOLA PADRE PIRES FERREIRA

Esta entrevista vai nos ajudar a entender um pouco sobre você e o lugar em que mora.

1 – Há quanto tempo você mora aqui em Livramento?

2 – O que você acha do lugar onde mora?

3 – O que você mudaria no lugar onde mora?

4 – O que o mangue representa para você?

5 – Quais são os animais da região que você conhece?

6 – E quais os tipos de pássaros?

7 – E quais os tipos de peixes e outros animais (crustáceos) do mangue que você conhece?

8 – Sua família faz uso de alguma planta do mangue para remédio? ( ) Sim ( ) Não

9 – Quais? Para que serve?

10 – Muitas coisas já se ouviu falar sobre aparições no mangue. Você já chegou a ver alguma?

Esta entrevista vai nos ajudar a entender um pouco mais sobre você e a sua escola. Sua participação é muito importante. 1 – Como é sua escola?

2 – Como você gostaria que fosse? 3 – Vocês já estudaram sobre o mangue? 4 – Como foi esse estudo

Obrigada por responder as minhas perguntas, o que você pensa é muito importante.

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ANEXOS

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ANEXO 1

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ANEXO 2

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ANEXO 3

MANGUEZAIS

Legislação Protetiva

- Constituição Federal ,art.225, caput e § 4º;

- Lei 7661, de 16 de maio de l988 (Instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro

(PNGC).

- Resolução nº 01 de 21.11.90 da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar - CIRM

. Aprova o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro.

- Lei de Parcelamento do Solo ( Lei 6766/79 ).

- Lei 4.771 de 15.09.65, art.2º, f , Código Florestal.

- Lei 6938 de 31 de agosto de 1981, instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente.

- Constituição Estadual da Bahia, art.215, I.

- Constituição Estadual do Ceará, art.267, V.

- Constituição Estadual do Maranhão, art.241, IV

- Constituição Estadual de " Paraíba, 227

- Constituição Estadual de IX Piauí, art.237, § 7º, I

- Constituição Estadual de , Rio de Janeiro, art.265, I

- Lei 7.347/85, Lei da Ação Civil Pública.

- Lei 9.605/98, Crimes Ambientais, arts. 38 e seguintes e 54

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147

- Proteção jurídica

O art.225, § 4º da Constituição Federal Brasileira considera a Zona Costeira como

"patrimônio nacional", devendo ser utilizada observando a preservação do meio ambiente e o

art.196, da Constituição do Estado de São Paulo também a protege, bem como o Complexo

Estuário Lagunar entre Iguape e Cananéia como espaços territoriais especialmente

protegidos, podendo ser utilizado apenas com autorização, mas sempre observando a

preservação do meio ambiente, bem como em seu art.197, I considera expressamente os

manguezais áreas de proteção permanente.

Por sua vez a Lei 7661, de 16.5.88, que instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento

Costeiro (PNGC) definiu em seu art.2º, parágrafo único, a Zona Costeira como "o espaço

geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não,

abrangendo uma faixa marítima e outra terrestre, que serão definidas pelo Plano", e em seu

art.3º,I, dá prioridade a conservação e proteção, em caso de zoneamento, entre outros, aos

manguezais, prevendo, inclusive, sanções como interdição, embargos e demolição (arts.6º),

além das penalidades do art.14 da Lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio

Ambiente.

Este Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro foi aprovado pela Resolução nº 01 de

21.11.90 da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM) e pelo CONAMA-

Conselho Nacional do Meio Ambiente e define a Zona Costeira como "a área de abrangência

dos efeitos naturais resultantes das interações terra-mar-ar, leva em conta a paisagem físico-

ambiental, em função dos acidentes topográficos situados ao longo do litoral, como ilhas,

estuários e baias, comporta em sua integridade os processos e interações características das

unidades ecossistêmicas litorâneas e inclui as atividades sócio-econômicas que aí se

estabelecem (MACHADO, Paulo Afonso Leme.1992. Direito Ambiental Brasileiro.

Malheiros Editoras.pg.565/579.1992 ).

Nos demais Estados marítimos brasileiros podemos constatar que na Constituição de

alguns há expressa referência a preservação dos mangues, como na da : Bahia, art.215, I que

inclui os manguezais nas áreas de preservação permanente; Ceará, art.267, V que proibe à

indústria, comércio, hospitais e residências de despejarem nos mangues resíduos químicos e

orgânicos não tratados; Maranhão, art.241, IV, " a" que inclui os manguezais nas áreas de

preservação permanente; Paraíba, 227, IX, que determina a designação dos mangues como

áreas de preservação permanente; Piauí, art.237, § 7º, I , que também inclui os manguezais

nas áreas de preservação permanente; e Rio de Janeiro, art.265, I, também considera os

manguezais de preservação permanente.

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148

No restante dos Estados marítimos os manguezais existentes em suas áreas estão de

certa forma protegidos, porque em suas Constituições há dispositivos legais que protegem

regiões que tem flora e fauna rica ou de importância, estando por conseguinte incluídos aí os

mangues, de forma que os manguezais brasileiros estão bem definidos e incluídos na Zona

Costeira do Brasil, e consequentemente protegidos por lei, quer expressamente ou

indiretamente.

Lembramos, ainda, que a Lei de Parcelamento do Solo (Lei 6766/79), não permite o

parcelamento do solo em áreas de preservação ecológica , entre outras (art. 3º, parágrafo

único, V ), incluindo nestas os manguezais. Por força do art.2º, f da Lei 4.771 de 15.09.65,

Código Florestal, considera também floresta de preservação permanente, as que servem de

estabilizadoras de mangues.

A Lei 6938 de 31 de agosto de 1981 instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente

com a finalidade de preservar, melhorar e recuperar a qualidade ambiental para propiciar a

vida, assegurando assim o desenvolvimento sócioeconômico (art.2), com o atendimento dos

seguintes princípios, entre outros:

- planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais (inc. III);

- proteção dos ecossistemas, com preservação de áreas representativas (IV);

- controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras (V);

- recuperação de áreas degradadas (VIII); e,

- proteção de áreas ameaçadas de degradação.

Nesta lei estão importantes conceitos como, por exemplo, recursos ambientais que são: a

atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o

solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora (art.3,V). Instituiu ainda em seu

art.14 as sanções administrativas de multa, perda ou restrição de incentivos e benefícios

fiscais, perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos

oficiais de crédito, e suspensão de atividade; e prevê ainda em seu art.15, alterado pela Lei

7.804 de 18.07.89, pena de reclusão e multa ao poluidor que expuser a perigo a incolumidade

humana, animal ou vegetal, ou venha a agravar esta situação.

Para isso, quanto uma efetiva e concreta proteção processual destes ecossistemas

encontramos a Lei 7.347/85, a Lei da Ação Civil Pública, que permite ao Ministério Público,

à União, aos Estados, aos Municípios, Autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades

de economia mista e associações civis com mais de um ano ajuizar ação civil pública de

responsabilidade por danos ao meio ambiente, conforme seu art.5º, impondo: condenação em

dinheiro ou cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (art.3º); multa e pena de prisão-

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reclusão aos agressores (art.10º).

Também podem ser propostas:

- ação popular constitucional para o fim de anular ato lesivo ao patrimônio público art.5º,

LXXIII da Constituição Federal;

- mandado de segurança coletivo às entidades associativas, aos partidos políticos e aos

sindicatos para defender interesses transindividuais (art.5º, LXX da CF) e

- mandado de injunção em faltando norma regulamentadora a agasalhar um direito

reconhecido (art.5º, LXXI da C.F),

Todas estas medidas judiciais podem ser aplicadas em havendo potencial dano aos

manguezais.

O artigo 26 do Código Florestal (Lei 4.771/65) enumera os casos de contravenções

penais que implicam em prisão simples ou multa, vários atos de depredação à flora,

destacando, entre outros, a proibição de destruição da floresta considerada de preservação

permanente; o corte de suas árvores sem permissão da autoridade competente e a proibição de

extração das florestas de preservação permanente, sem prévia autorização, de pedra, areia, cal

ou qualquer espécie de minerais.

A Lei de Proteção da Fauna (Lei 5.197/67), em art.27, § 2º, prevê pena de reclusão

quando o agente causar o perecimento de espécies da fauna ictiológica existente em rios,

lagos, açudes, lagoas, baias ou mar territorial brasileiro, incluindo nesses últimos, os

manguezais.

A Lei 9.605/98, conhecida como Lei dos Crimes Ambientais, também penaliza aquele

que produz poluição de qualquer forma (art.54), incluindo aí a poluição dos mangues. Ainda o

art.38 e seguintes que disciplina os danos à flora.

Estas são em suma as sanções administrativas e a legislação principal penal existentes

que podem ser aplicadas em caso de degradação dos manguezais, observando que em caso da

autoridade competente retardar ou deixar de praticar indevidamente ato de ofício ou praticá-lo

contra disposição expressa de lei, para satisfazer o interesse pessoal, estará praticando crime

de prevaricação, nos termos do art.319 do Código Penal.

Lembramos ainda que o art.225, caput, de nossa Carta Magna garante a todos o direito

ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo ao Poder Público e à coletividade o

dever de defendê-lo e preservá-lo.

Assim, pelo fato de estarem dentro das Zonas Costeiras, somado as suas características

especiais em termos biológicos, o ecossistema manguezal está protegido legalmente contra a

degradação, observando que em muitos Estados marítimos brasileiros, incluindo nestes o de

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São Paulo, é expressamente considerado área de proteção permanente em suas Constituições.

Mas apesar de toda essa legislação os manguezais vêm sofrendo grande pressão com seu

aterramento para a expansão urbana, desastres ecológicos por derramamento de petróleo,

poluição por lançamento de esgotos entre outros, o que será catastrófico em não se

observando as diretrizes legais.

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S586l Silva, Edinalva Maria da. O lugar na construção do saber geográfico

escolar – Comunidade Tradicional de Pescadores do Manguezal de Nossa Senhora do Livramento/PB / Edinalva Maria da Silva – João Pessoa, 2007

150p. Orientador: Roberto Sassi Co-orientadora: Maria Adailza M. Albuquerque Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCEN 1. Geografia – estudo e ensino. 2. Geografia –

teoria e prática. 3. Espaço geográfico – estudo.

UFPB/BC CDU 91 (043)