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CARLA HIRT O LUGAR E O PAPEL DO BNDES NO DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO Tese submetida ao corpo docente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutora em Planejamento Urbano e Regional. Orientador: Prof. Dr. Carlos Bernardo Vainer Rio de Janeiro 2016

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CARLA HIRT

O LUGAR E O PAPEL DO BNDES NO DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO

Tese submetida ao corpo docente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutora em Planejamento Urbano e Regional. Orientador: Prof. Dr. Carlos Bernardo Vainer

Rio de Janeiro 2016

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Dedico este trabalho à minha mãe, Eunice Teresinha Hirt, e ao meu falecido pai, Paul Gerhardt Hirt. Não há palavras para agradecer e dimensionar a importância transformadora da presença, do carinho, do amor e da dedicação de vocês na minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente, eu agradeço a todos(as) aqueles(as) que pagam seus impostos e possibilitam que pessoas – assim como eu - tenham acesso à serviços básicos, como o ensino público. Agradeço também àqueles que, por falta de condições, não conseguem pagar seus impostos, mas que com sua luta diária pela (sobre)vivência nos dão inspiração para continuar na luta pelo que acreditamos ser justo.

Agradeço ao sistema público de ensino, em especial, à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pelo ensino público, gratuito e de qualidade. Espero que assim permaneça, dando condições para que cada vez mais pessoas não só acessem as possibilidades de ensino e pesquisa, mas construam e (trans)formem o conhecimento para uma sociedade cada vez menos desigual. Agradeço mais especificamente ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ), instituto que me acolheu e que, através de seus professores e funcionários (todos!), transformaram aqueles corredores escuros em um lugar mais humano e voltado ao pensamento crítico. Especialmente, gostaria de agradecer à Zuleika, ao André, à Ana Cristina, à Márcia Braz, à Elisabeth e à Dona Maria.

Carlos Bernardo Vainer: professor e orientador. Agradeço primeiramente pelas fabulosas aulas sobre “O Capital”. Também sou grata pelas conversas e orientações instigantes, pelos desafios e pelo exemplo de professor e de militância. Além de orientador, Vainer, diversas vezes, foi um ponto de sustentação, sobretudo em alguns dos momentos mais difíceis, vividos em 2013.

Também agradeço especialmente à professora Hipólita Siqueira e aos professores Carlos Brandão, Orlando Júnior e Luiz Cesar, pela dedicação aos alunos entre aulas e conversas.

Sou muito grata aos colegas do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (ETTERN), em especial aos que participaram do programa de pesquisa sobre o BNDES, coordenado pelo professor Vainer: Javier, Flávia, Deborah, Luiz Novoa e Juliana. Este trabalho também é fruto dos conhecimentos compartilhados. Obrigada!

À Fundação Ford, agradeço pelo apoio à pesquisa acadêmica e por ter ampliado as possibilidades de realização deste trabalho. Esta pesquisa de doutorado contém todo um esforço coletivo que foi possível graças a esta Fundação.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), agradeço pela bolsa de doutorado no Brasil e no exterior. É de grande importância o apoio que esta instituição dá aos estudantes brasileiros (e estrangeiros), apoiando-nos na caminhada da construção do conhecimento. Da mesma forma que rogo pela expansão do ensino público de nível superior, é fundamental o crescente apoio aos estudantes e aos pesquisadores através de instituições como a Capes.

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Aos professores que compuseram as bancas de qualificação e de defesa de

doutorado: Carlos Antônio Brandão, Daniel Sanfelici, Flávia Braga Vieira, Hipólita Siqueira, Javier Ghibaudi, Pedro Novais e Renato Emerson dos Santos.

À tod@s amig@s que fiz nessa caminhada, palavras não bastariam para demonstrar toda a minha gratidão. Além de todos citados acima, são necessários alguns agradecimentos especiais:

À Irene – por toda alegria e contestação, por todo apoio, conversas e presença nos melhores momentos e nos mais difíceis. Ah, pelo seu quase sempre presente sorriso. Sua amizade é um presente!

Giselle Mansur – por nosso amor e compreensão mútuos, e pelos constrangimentos públicos constantes (que só expressam a nossa escrachada e sólida amizade).

À Deborah – pela amizade “tóooop”, pelas gargalhadas, pelas conversas instigantes e por estar sempre disposta a tentar me ajudar com as minhas dúvidas sobre economia (que foram e continuam sendo muitas).

À Nirvana – minha amiga “nervosa”, que é de uma doçura e uma brabeza encantadoras. Obrigada por correr comigo pelas ruas da cidade e por compartilhar de momentos de luta. E continuarão sendo. Só a luta muda a vida.

À Giselle Tanaka, que é o exemplo de comprometimento e militância no qual eu tento me espelhar.

À Valéria, por estar presente nas lutas e nas festas! À Poliana, por ser presente, carinhosa, feroz, comprometida, contestadora e

intensa. À Laura (Garrafa, né) – pela amizade, pela zoação inteligente e perspicaz, e

por direcionar toda sua sagacidade para as melhores causas e danos. À Camila Saraiva, pelas conversas, pela doçura e pela bravura! Às queridas colegas da minha turma de doutorado: Mariana, Fernanda

Ferreira e Fernanda Kopanakis – pela amizade, companheirismo e por tornar o IPPUR mais leve.

Aos queridos amigos do Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas, que me ensinaram tantas coisas!

À todos os demais amigos que foram presentes e nesta caminhada. Por último, agradeço às pessoas com quem compartilho outros laços além

dos de amizade: Rose e Horácio – que sorte eu tive de “cair” na família de vocês. Vocês são

amigos e pessoas com quem eu posso contar sempre (até para ler a minha tese!). Obrigada por tudo (e é muita coisa!).

Dinda, pelo carinho, brabeza e atenção que sempre se mostraram presentes. Paloma, por este “rebrotar” da nossa amizade e fraternidade, que nos

fortalece. Rosângela, por fazer a família crescer e trazer sua doçura em forma de irmã. Igor, meu companheiro... Obrigada por aguentar com paciência e carinho os

momentos difíceis, as crises e as ausências. Obrigada por ser o porto mais seguro, o abraço mais amoroso durante todos esses anos.

OBRIGADA! Este trabalho reflete um pouco de vocês na minha vida!

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RESUMO

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é um banco

estatal brasileiro que pode ser considerado atualmente como uma das maiores

agências de fomento do mundo, e que tem se consolidado nos últimos anos como

um instrumento ativo tanto da política interna quanto da política externa do governo.

Trata-se de uma instituição emblemática, através da qual é possível entender como

e quais projetos políticos e econômicos foram postos em prática desde a sua

criação, bem como a geografia do desenvolvimento brasileiro. Isto posto, este

trabalho buscou contribuir com os esforços para entender o lugar e o papel do

BNDES no desenvolvimento nacional. Este trabalho tem como principal recorte

temporal o período que se inaugura em 2003. Contudo, na medida em que se

compreendeu as complexas relações e dimensões do BNDES e sua estreita relação

com o reescalonamento da estatalidade nos últimos anos, entendeu-se que, para

compreender a sua atual importância no Brasil, seria necessário realizar um

profundo resgate acerca dos contextos e das dimensões política, econômica e social

desde a criação desta instituição. Ou seja: foi necessário realizar um resgate

histórico sobre o Estado brasileiro, os blocos no poder, a sociedade brasileira e os

ideários de desenvolvimento que guiaram as políticas públicas e definiram as

estratégias e os projetos espaciais de Estado. Assim, buscou-se entender como o

BNDES, enquanto principal instituição estatal de fomento ao desenvolvimento, foi

redimensionado e reorientado a cada período. Só assim seria possível contribuir de

forma consistente com a compreensão sobre o lugar e o papel desta instituição nas

estratégias atuais de desenvolvimento no Brasil.

Palavras-chave: BNDES. Desenvolvimento brasileiro. Estado.

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RESUMEN

El Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) es un banco

estatal brasileño que puede ser considerado actualmente como una de las más

grandes agencias de desarrollo del mundo y que se ha consolidado en los últimos

años como un instrumento activo de la política interna y externa del gobierno. Esta

es una institución emblemática por la cual se puede comprender cómo y cuales

proyectos políticos y económicos han sido realizados desde su creación, así como la

geografía del desarrollo brasileño. Dicho esto, este estudio trata de contribuir a los

esfuerzos para comprender el lugar y el papel del BNDES en el desarrollo nacional.

Este trabajo tiene como principal marco de tiempo el periodo que se abre en 2003.

Contudo, en la medida en que entendemos las complejas relaciones y dimensiones

del BNDES y su estrecha relación con el reescalonamento del Estado en los últimos

años, se ha entendido que para entender su importancia actual en Brasil sería

necesario llevar a cabo un rescate a fondo acerca de los contextos y dimensiones

política, económica y social desde la creación de esta institución. En otras palabras,

fue necesario llevar a cabo una revisión histórica del Estado brasileño, los bloques

de poder, la sociedad brasileña y los ideales de desarrollo que han guiado las

políticas públicas y estrategias y proyectos espaciales de Estado. Por lo tanto,

hemos tratado de entender cómo el BNDES, como la principal institución estatal para

fomentar el desarrollo, fue redimensionado y reorientado em cada período. Sólo

entonces sería posible contribuir consistentemente con la comprensión del lugar y el

papel de esta institución en las actuales estrategias de desarrollo en Brasil.

Palabras-clave: BNDES, Desarrollo brasileño, Estado.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Evolução da rede de transportes ....................................................... 93 Figura 2- Desembolsos do Sistema BNDES: Regiões - 1953/1964, em % ........ 101 Figura 3 - Provações de financiamento do sistema BNDES para os setores público e privado -1952/60 .................................................................................. 101 Figura 4 - Recursos do BNDE por origem de aporte (%) / 1964 a 1975 ............ 126 Figura 5- Aprovações de financiamento do sistema BNDES por setor-1961/79 . 128 Figura 6 – Desembolsos do BNDES (R$ bilhões) e relação desembolsos/FBCF (%). ........................................................................................................................ 143 Figura 7- Aprovações do Sistema BNDES: Regiões - 1968/1979, em %. ......... 158 Figura 8– Distribuição regional dos recursos do Sistema BNDES .................. 159 Figura 9– Aprovações do Sistema BNDES segundo ramos de atividade ........ 240 Figura 10– Desembolsos do Sistema BNDES entre 1980 e 1994 (%) ............... 244 Figura 11- Desembolsos no período 1995-1998 por setor (%) .......................... 253 Figura 12- Desembolsos do Sistema BNDES por Ramo CNAE (%) .................. 345 Figura 13 - Número de operações automáticas aprovadas pela Área de Operações Indiretas por Unidade da federação e por Produto (1995 - 2014) .. 354 Figura 14 - Distribuição espacial das Operações Diretas e Indiretas não-automáticas segundo setor CNAE (2003-2006) ................................................. 365 Figura 15 - Distribuição espacial das Operações Diretas e Indiretas não reembolsáveis segundo setor CNAE (2007-2010) ............................................. 366 Figura 16 - Distribuição espacial das Operações Diretas e Indiretas não-automáticas segundo setor CNAE (2011-2011) ................................................. 367 Figura 17– Projetos financiados pelo BNDES na América do Sul em 2011 ..... 388 Figura 18– Operações do Produtos BNDES EXIM Pós-embarque por empresa, de acordo com período e país de destino da exportação (1998 – 09/2014) ..... 390 Figura 19– Contratação de serviços de engenharia (2003-2006) ...................... 395 Figura 20– Contratação de serviços de engenharia (2007-2010) ...................... 395 Figura 21 – Contratação de serviços de engenharia (2011- 05/2015) .............. 396 Figura 22– Intencionalidade dos Eixos de Integração da IIRSA ....................... 400 Figura 23- Corredor ferroviário bioceânico ........................................................ 401 Figura 25–Localização da estrada que passaria pelo Parque Nacional Isiboro Sécure. .................................................................................................................. 406 Figura 26– Benefícios econômicos a serem explorados no TIPNIS. ................ 408 Mapa 1– Infraestrutura socioeconômica – energia nos anos 1980 ..................... 156 Mapa 2- Eixos propostos pelo estudo do Consórcio Brasiliana ...................... 264 Mapa 3 – Classificação das microrregiões da PNDR segundo renda per capita............................................................................................................................... 314 Mapa 4– Rendimento domiciliar per capita – base para a proposta de convergência da PNDR II ..................................................................................... 319 Mapa 5 – Empreendimentos do PAC: creches e pré-escolas ........................... 321 Mapa 6 – (a, b, c e d) Distribuição espacial de algumas das principais fontes geradoras de energia do Brasil ........................................................................... 362 Mapa 7- Malha rodoviária e ferroviária brasileira .............................................. 363 Mapa 8 – Portos e hidrovias brasileiras ............................................................. 363 Mapa 9 - Corredor Viário Interoceânico Sul – Peru/Brasil ................................ 404

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Gráfico 1 - Evolução dos Montantes Acumulados em Fundos Compulsórios entre 1970 e 1980 ................................................................................................. 131 Gráfico 2– Número de empresas privatizadas no Brasil entre 1991 e 2002 ..... 210 Gráfico 3– Receita com privatizações no Brasil (em milhões de dólares) de acordo com a origem do capital em dois períodos distintos (1990 – 1994 e 1995 – 2002) ................................................................................................................... 211 Gráfico 5 – Despesa de pessoal do poder executivo (R$ bilhões correntes) .. 217 Gráfico 6 – Evolução da Balança Comercial (US$ Bilhões FOB) ...................... 218 Gráfico 7– Estrutura patrimonial do passivo do BNDES entre 1987 e 1992 (valores em Cr$ Milhões Constantes .................................................................. 236 Gráfico 8– Aprovações e desembolsos segundo a modalidade das operações (“a” e “b” = períodos de 1989-1990*; “c” e “d” = períodos de 1991-1992**) .... 237 Gráfico 9– Evolução das aprovações do Sistema BNDES entre 1985 e 1994 (em US$ mil) ................................................................................................................ 238 Gráfico 10– Desembolsos do BNDES para apoio às exportações (em US$ bilhões) ................................................................................................................. 251 Gráfico 11- Grau de industrialização - Indústria de transformação/PIB (%) .... 256 Gráfico 12– Evolução dos desembolsos – R$ milhões (1995 – 2002) .............. 259 Gráfico 13- Evolução da estrutura industrial (VTI) por intensidade tecnológica............................................................................................................................... 283 Gráfico 14– Exportação Brasileira por Fator Agregado 1964 – 2012. Participação % ..................................................................................................... 294 Gráfico 15 - Indústria de Transformação: Valor Adicionado/PIB (%) ............... 302 Gráfico 16- Fundos constitucionais de financiamento (FNE, FNO e FCO): evolução das aplicações (Em R$ bilhões) ......................................................... 320 Gráfico 17 - Evolução dos desembolsos do Sistema BNDES de acordo com cada produto entre 1995 e 2014 (R$ milhões) .................................................... 340 Gráfico 18 - Relação entre operações (b) e desembolsos (a) do Sistema BNDES por porte das empresas (1995 – 2014) ................................................................ 341 Gráfico 19 – Número de operações (a) e valores desembolsados (b) pela Área de Operações Indiretas do BNDES por produto ................................................ 342 Gráfico 20– Desembolsos do Sistema BNDES no ramo agropecuário, segundo porte da empresa (% valores) ............................................................................. 345 Gráfico 21– Ranking das operações do BNDES de acordo com a CNAE agrupado (quantidade de operações) ................................................................. 346 Gráfico 22 – Ranking dos desembolsos do Sistema BNDES de acordo com a CNAE agrupado (Valor contratado R$ mil)......................................................... 347 Gráfico 23 – Operações diretas e indiretas não-automáticas ........................... 355 Gráfico 24 - Valor total desembolsado em Operações Diretas e Indiretas não-automáticas. ......................................................................................................... 355 Gráfico 25 – Valor desembolsado (a) e quantidade (b) de operações do BNDES com entidades da Administração Pública Direta (valores correntes) .............. 368 Gráfico 26 – (a e b) Operações realizadas pelo BNDES com entidades da Administração Pública Direta – recursos destinados por estados (em mil R$ - valores correntes) ................................................................................................ 369 Gráfico 27 – Evolução da participação dos Produtos do BNDES no total dos desembolsos do Sistema BNDES (%), com destaque para o Exim (b) ............ 379 Gráfico 28- Desembolsos do Exim (Pré e Pós-embarque). Período 2000-2014. (Em US$ mil) ......................................................................................................... 381

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Gráfico 29 – BNDES Exim pré e pós-embarque (US$ bilhões convertidos nas datas do desembolso) ......................................................................................... 382 Gráfico 30 - Total de operações realizadas no produto BNDES EXIM Pós-embarque (1998 – 09-2014) .................................................................................. 383 Gráfico 31- Total desembolsado pela BNDES através do produto BNDES EXIM Pós-embarque (valores correntes) ..................................................................... 383 Gráfico 32 – Operações realizadas pelo Produto BNDES-Exim Pós-embarque por empresa ......................................................................................................... 385 Gráfico 33 - Desembolsos do BNDES de acordo com a empresa entre 2008 e 2014 (US$) ............................................................................................................ 386 Gráfico 34– Desembolsos do programa BNDES-Exim pós-embarque segundo região e setor (em US$ mil – valores correntes) ................................................ 389 Gráficos 35 - Mutuários das Operações do Produto BNDES EXIM Pós embarque (quantidade de operações) ................................................................ 391 Gráfico 36 - Desembolsos do BNDES pelo Produto BNDES Exim, de acordo com país de destino das exportações ................................................................ 393

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1– Desembolsos do BNDE com operações contratadas, segundo as regiões geoeconômicas e unidades da Federação (1956-1960) ....................... 100 Tabela 2 - Fundos criados após 1964 geridos pelo BNDE ................................ 124 Tabela 3– Evolução do sistema público de fomento ......................................... 130 Tabela 4 - Distribuição da renda no Brasil (1960 e 1970) .................................. 135 Tabela 5- Planos econômicos e políticas do BNDE ............................................ 139 Tabela 6- Fonte de Recursos BNDES: 1968/1973 e 1974/1979 – Valores anuais médios, R$ milhões de 2011 e %. ....................................................................... 142 Tabela 7- Aprovações BNDES segundo Ramos e Gêneros de Atividade: 1968/1973 e 1974/1979 – Valores anuais médios, R$ milhões de 2011 e %. .... 144 Tabela 8– Comportamento da balança comercial (1972 – 1984) – com destaque para os principais itens - em bilhões de Dólares .............................................. 147 Tabela 9– Evolução da dívida externa, da inflação e do PIB – 1972 – 1984 ..... 148 Tabela 10– Evolução da taxa mensal da inflação nos cinco anos do governo Sarney (%) ............................................................................................................ 176 Tabela 11- Mudanças de perspectiva do “novo BNDES” .................................. 183 Tabela 12 - Aquisição de empresas nacionais por empresas estrangeiras entre 1991 e 1997 ........................................................................................................... 204 Tabela 13 - Taxas Anuais de Crescimento*do PIB Total e do PIB per capita no período 1960 a 2002: Antes e depois das Reformas Liberais (%)............................................................................................................................267 Tabela 14 – Medidas institucionais para tornar o BNDES o “Banco do Desenvolvimento de Todos os Brasileiros”....................................................... 332 Tabela 15 – Proporção das operações e dos desembolsos do BNDES junto à empresas de grande porte (%) ............................................................................ 344

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AI – Ato Institucional

ARENA - Aliança Renovadora Nacional

ASI - Assessoria de Segurança e Informação

BIRD - Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento

BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

BNDESPAR - BNDES Participações

BNH - Banco Nacional da Habitação

CDI - Comissão de Desenvolvimento Industrial

CDPEN - Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional

CEBRAP - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

CNI - Confederação Nacional da Indústria

CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina

CMBEU - Comissão Mista Brasil – Estados Unidos para o Desenvolvimento

Econômico

CONSERVE - Programa de Conservação do Meio Ambiente

COSINOR - Companhia Siderúrgica do Nordeste

DEPLAN - Departamento de Planejamento

DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas

EMBRAMEC - Mecânica Brasileira S.A

EPEA - Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada

EUA – Estados Unidos da América

EXIMBANK - Export&Import Bank

FBCF - Formação Bruta de Capital Fixo

FGV – Fundação Getúlio Vargas

FHC – Fernando Henrique Cardoso

FIBASE - Insumos Básicos S.A. Financiamento e Participações

FIESP - Federação das Indústrias de São Paulo

FINAM - Fundo de Investimentos da Amazônia

FISET - Fundo de Investimentos Setoriais

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FIM – Fundo Monetário Internacional

GPI - Grandes Projetos de Investimento

GTDN - Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste

IBRASA - Investimentos Brasileiros S.A.

ICM - Imposto sobre Circulação de Mercadorias

MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

MDA – ministério do desenvolvimento agrário

MDB - Movimento Democrático Brasileiro

MDIC – Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio

MICT – Ministério da Indústria, Comércio e Turismo

MF – Ministério da Fazenda

MPOG – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

MRE – Ministério das Relações Exteriores

ONU - Organização das Nações Unidas

PAEG - Plano de Ação Econômica do Governo

PASEP - Programa de Formação de Patrimônio do Servidor Publico

PDS - Partido Democrático Social

PDT - Partido Democrático Trabalhista

PIB – Produto Interno Bruto

PIN - Plano de Integração Nacional

PIS - Programa Integração Social

PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PND - Plano Nacional de Desenvolvimento

PROEX - Programa de Apoio ao Incremento às Exportações

PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira

PT – Partido dos Trabalhadores

SEPLAN - Secretaria de Planejamento

SNI - Sistema Nacional de Inteligência

SUDAM - Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia

SUDECO - Superintendência do Desenvolvimento do Centro Oeste

SUDENE - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................... 17 2 CAPÍTULO 1 – ESTADO, ESTATALIDADE E REESCALONAMENTO DAS ESTRATÉGIAS DE ACUMULAÇÃO ........................................... 31 2.1 Estado: relação de forças .............................................................................. 32 2.2 O Estado como Relação Social ..................................................................... 37 2.3 O Estado na abordagem estratégico-relacional ........................................... 42 2.4 O Estado, estatalidade e a análise escalar ................................................... 51 2.5 Síntese do capítulo. ........................................................................................ 63

3 CAPÍTULO 2 - O DESENVOLVIMENTO, A DEFINIÇÃO DE UM BLOCO NO PODER E AS CENAS POLÍTICAS AO LONGO DO PERÍODO DESENVOLVIMENTISTA. .................................................... 66 3.1 Os projetos e estratégias de desenvolvimento no Brasil durante o primeiro ciclo desenvolvimentista. ..................................................................................... 67 3.1.1 A morte de Vargas e os novos rumos do desenvolvimentismo .................... 77 3.1.2 O entendimento de desenvolvimento do primeiro ciclo do período desenvolvimentista................................................................................................ 109

3.2. O segundo ciclo desenvolvimentista – novas formulações sobre o ideário do desenvolvimento e os limites do regime ditatorial .............................................. 120 3.2.1 A reestruturação e articulação do sistema financeiro nacional .................... 122 3.2.1.1 A articulação de um sistema financeiro nacional ....................................... 129 3.2.2 O Milagre econômico e o modelo concentrador .......................................... 131 3.2.3 A desaceleração da economia e a permanência da concentração .............. 145 3.2.4 O planejamento estratégico do BNDES ...................................................... 150 3.2.5 A evolução da questão regional brasileira durante o regime militar. ............ 153 3.2.6 Correntes teóricas sobre o desenvolvimento no segundo ciclo desenvolvimentista................................................................................................ 161

4 CAPÍTULO 3 – A INFLEXÃO NEOLIBERAL ................................... 166 4.1 O Governo Sarney: redemocratização e o jogo de forças entre dois modelos econômicos ......................................................................................... 168 4.1.1 Os novos rumos preconizados no BNDES ................................................... 177 4.2. A década de 1990: hegemonia neoliberal ................................................... 184 4.2.1 O BNDES e o desmonte do Estado.............................................................. 228 4.2.2 A questão regional brasileira ao longo da década de 1990 .......................... 261

5 CAPÍTULO 4 – A ERA PT ................................................................. 268 5.1 A cena política e o Bloco no Poder entre 2003 e 2014. .............................. 272 5.1.1 A questão regional brasileira a partir de 2003. ............................................. 313

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5.2 O BNDES ........................................................................................................ 322 5.2.1 As transformações e retórica institucional do BNDES .................................. 322

5.2.2 O panorama geral das operações do BNDES .............................................. 338 5.2.3 O perfil e o alcance territorial das operações realizadas pelo BNDES.......... 350 5.2.3.1 O BNDES e sua atuação regional ............................................................ 350

5.2.3.2 O BNDES e as desigualdades regionais: alcance e perfil das Operações do Banco em território nacional. ................................................................................. 352

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 410

REFERÊNCIAS ..................................................................................424

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1 INTRODUÇÃO

Esta tese pretende contribuir com os esforços para entender o lugar e o papel

do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nas

estratégias de desenvolvimento nacional nos últimos treze anos1. O BNDES é um

banco estatal brasileiro que pode ser considerado atualmente como uma das

maiores agências de fomento do mundo, e que tem se consolidado nos últimos anos

como um instrumento ativo tanto da política interna quanto da política externa do

governo. Criado em 1952 como uma Autarquia Federal, o BNDES nasceu num

período em que o tema do desenvolvimento, associado à ideia de industrialização e

de necessidade de planejamento e ação estatal, passou a fazer parte da agenda do

governo federal pela primeira vez na história do país. Assim, sua principal função era

fomentar a industrialização e o desenvolvimento do setor produtivo brasileiro.

Apesar de ter nascido a partir de uma ação de cooperação internacional

articulada através da Comissão Mista Brasil - Estados Unidos para o

Desenvolvimento Econômico (CMBEU) - que objetivava promover condições

favoráveis ao desenvolvimento econômico, estimulando os investimentos privados

nacionais e estrangeiros - desde sua criação até o ano de 1967, o principal destino

dos recursos operacionalizados pelo BNDES eram empresas e instituições do setor

público.

Entre meados da década de 1950 e 1964 – ano em que a participação das

instituições públicas nos desembolsos do Banco começava a retroceder, teria

acontecido, como aponta Bielshowsky (2001), o auge e a crise do primeiro ciclo do

desenvolvimentismo brasileiro. Este período teve como forte característica a

formação de elites industriais concentradas no Sudeste brasileiro, que se

beneficiaram de iniciativas de integração de mercados regionais e redefinição das

relações regionais, acarretadas pela divisão inter-regional do trabalho.

1 Esta pesquisa se desenvolveu contando com a contribuição das reflexões geradas no âmbito dos programas de pesquisa intitulados BNDES: grupos econômicos, setor público e sociedade civil no contexto nacional e internacional e BNDES, financiamento público e capital privado: dimensões político-institucionais, socioeconômicas e territoriais, coordenados pelo professor Carlos Bernardo Vainer, entre os anos de 2012 e 2016, contando com a participação de doutorandos, professores e pesquisadores de diversas universidades federais brasileiras.

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Sobre este ciclo, Bielchowsky (2011) diz que é possível identificar cinco

correntes de pensamento, das quais três seriam de cunho desenvolvimentista e

teriam assumido a hegemonia no pensamento econômico brasileiro. São elas:

i) O pensamento neoliberal de Eugênio Gudin, à direita;

ii) A corrente socialista à esquerda, representada pelo historiador,

geógrafo e escritor marxista Caio Prado Júnior;

iii) O desenvolvimentismo do setor privado, representado sobretudo pelo

industrialista Roberto Cochrane Simonsen;

iv) O desenvolvimentismo do setor público não nacionalista, de Roberto

Campos, que nasceu na Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU) para o

Desenvolvimento Econômico e;

v) O desenvolvimentismo público nacionalista de Celso Furtado, Américo

Barbosa de Oliveira, Rômulo de Almeida e outros. Os representantes dessa

corrente ocuparam cargos importantes do governo na década de 1950.

A ideologia desenvolvimentista representada pelas três últimas

correntes foi a que levou o Brasil a se transformar em produtor de matérias-primas

agrícolas em um país urbano e industrial (BIELCHOWSKY, 2011).

A despeito da influência que Simonsen teve (sobretudo no primeiro

governo Vargas), por uma série de motivos que serão apontados na seção

2.2.1deste trabalho, o setor privado só superou o setor público em termos de

desembolsos do BNDES a partir de 1968, pouco após a inauguração de um novo

ciclo desenvolvimentista.

A partir de então, o desenvolvimentismo não estava mais sob a

influência hegemônica do ideário nacional-desenvolvimentista, e sim de vertentes

mais conservadoras e de teorias liberais do pensamento econômico que ainda

entendiam o planejamento e o apoio do Estado como fundamentais para a

superação do subdesenvolvimento através da industrialização. Neste período, houve

a articulação do sistema financeiro nacional, e o sistema público nacional de fomento

foi articulado, durante as décadas de 1960 e 1970, tendo o BNDES como “centro

irradiador de políticas”, que passou a repassar recursos por meio dos bancos

estaduais. Assim, houve um aumento da capilaridade no que se refere ao acesso

aos recursos provenientes da poupança compulsória - que eram crescentemente

concentradas no Banco - facilitando a implementação de políticas regionais de

desenvolvimento.

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Em termos de condições de vida da população e de distribuição de renda,

nestas décadas do segundo ciclo desenvolvimentista, houve uma sensível

agudização da concentração de riquezas e uma piora nas condições de vida da

classe trabalhadora, tal como aponta Francisco de Oliveira (2003). Apesar disso,

houve também a expansão de uma classe média, mais apegada ao consumo do que à

cidadania, como ressalta Milton Santos (1999).

Ao longo do período desenvolvimentista, o Brasil passou por um processo de

diferenciação territorial do trabalho e da produção sem precedentes. Além disso, como

aponta Fiori (2001), o Estado não logrou resistir às pressões internacionais e à

balcanização interna, e não se pode falar de um capitalismo organizado e

coordenado pelo capital financeiro privado, estando sempre o Estado dando o

suporte necessário ao setor privado. Assim, ao longo deste período, foram forjadas,

com o apoio do Estado, as elites empresariais que assentaram-se no bloco no

poder.

Entre os anos 1980 e 1990, houve profundas transformações na agenda

pública nacional, sobretudo no que diz respeito às questões políticas e econômicas,

que desaguaram em uma forte inflexão neoliberal.

Ainda na primeira metade da década de 1980, o BNDES articulou-se em torno

de um projeto de planejamento institucional, que foi organizado de forma a reforçar o

esprit de corps e assegurar o papel sólido da instituição na condução do modelo de

desenvolvimento a ser adotado naquele contexto de instabilidade política e

econômica.

Assim, o BNDES adotou a estratégia da elaboração de cenários e antecipou-

se ao discurso que se tornaria hegemônico nos anos 1990, definindo que o Sistema

BNDES deveria apoiar a "integração competitiva". Num contexto em que as

estratégias institucionais apontavam para um novo papel do Estado, isso se dava

com a maior abertura da economia brasileira à competição externa, com a

eliminação dos subsídios, dos controles sobre as importações e, progressivamente,

das demais formas de proteção estatal à indústria nacional. Neste contexto, o Banco

deveria se fortalecer enquanto estrutura financeira e patrimonial, privatizar as

empresas que estavam sob o seu controle, transferir participações minoritárias e

desmobilizar-se de ativos não-operacionais. Os esforços do banco deveriam ser

direcionados para apoiar as indústrias nacionais a adquirirem competitividade e

concorrerem no mercado externo.

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Assim, o Banco teve um papel de precursor, articulador e de entusiasta de

medidas que foram progressivamente sendo adotavas no processo de inflexão

neoliberal.

Este período foi marcado por intensas disputas ideológicas, políticas e

econômica entre

i) a fração da grande burguesia interna industrial - que ensejava que o Estado

mantivesse seu papel planejador, que continuasse promovendo investimentos e

ampliando os mercados internos; e

ii) a fração da grande burguesia comercial e bancária-financeira, que, como

pontam Sallum (1996, 1999 e 2003), Filgueiras (2000, 2005 e 2012) e Pinto (2010),

articulava-se em torno de uma proposta de desenvolvimento voltada à liberalização

comercial e financeira, o que integraria o Brasil aos movimentos de globalização dos

espaços.

Na medida em que esta segunda corrente foi conquistando supremacia, seus

projetos ficaram evidentes com o processo de abertura econômica e progressiva

desnacionalização do setor produtivo no Brasil, além da forma como foi tratada a

questão regional brasileira.

A partir do governo de Fernando Henrique Cardoso, fatores externos e

internos contribuíram para o reforço da inflexão neoliberal e para a definição da clara

hegemonia da fração bancária financeira no bloco no poder. Neste contexto de

corrosão da ordem pregressa de estabelecimento de uma ordem neoliberal, o

BNDES foi adequado à função de gestor da transferência de ativos públicos para o

setor privado e tornou-se progressivamente um banco de investimento orientado

pela supremacia dos critérios de mercado.

Nos anos 2000, houve uma importante alteração na cena política brasileira: a

eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), ao governo

federal, e a sua sucessão, após seu segundo mandato, por Dilma Rousseff, também

do PT. Neste período, o Estado brasileiro e suas instituições foram redimensionados,

o que se verificou claramente no BNDES - que consolidou-se, novamente, como

instrumento ativo de política econômica, resgatando e fortalecendo sua função de

financiador de investimentos de longo prazo, tanto do setor público quanto do setor

privado. O Banco ganhou novas proporções em termos de volume e de alcance

territorial, tornando-se uma das maiores agências de fomento do mundo.

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A história do BNDES articula-se e permite observar elementos chave da

relação entre Estado, blocos no poder e modelos de desenvolvimento no Brasil.

Permite entender e identificar os distintos projetos em disputa que têm no Estado e

em seus aparatos uma importante arena.

O BNDES é uma instituição que, desde 1971 (na época, sem o “S”), é

reconhecida como uma empresa pública dotada de personalidade jurídica de direito

privado e patrimônio próprio. Porém, sobretudo a partir de meados da década de

1970 e, mais do que nunca, a partir de meados dos anos 2000, os principais fundos

que abastecem a carteira de ativos do Banco não são de origem privada nem

provenientes de retorno de investimentos ou do patrimônio líquido do Banco. É o

caso dos recursos do Programa de Integração Social - PIS, criado em 1970, do

Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PASEP, do Fundo de

Amparo ao Trabalhador (FAT) e do Tesouro Nacional – que nos últimos anos passou

a configurar a principal fonte de recursos da instituição.

Desde junho de 1974, as arrecadações relativas aos referidos Programas

passaram a figurar como fonte de recursos para o BNDES. Em 1988, com a

promulgação da Constituição Federal, o art. Nº 239 definiu que os recursos

provenientes das contribuições para o PIS e para o PASEP passariam a ser

direcionados ao FAT, tanto para o custeio do Programa do Seguro-Desemprego e do

Abono Salarial, quanto, pelo menos 40%, para o financiamento de programas de

desenvolvimento econômico ao encargo do BNDES (BNDES, 2010).

Além disso, segundo informações contidas nos relatórios anuais do BNDES,

em 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012, respectivamente, o Tesouro Nacional repassou

R$ 22,5 bilhões, R$ 105 bilhões, R$ 104,75 bilhões, R$ 50,25 bilhões e R$ 55

bilhões ao BNDES. Enquanto no ano de 2008 os recursos desta fonte

representavam apenas 8% da estrutura de capital do Banco, desde 2012 o Tesouro

Nacional passou a ser principal credor do BNDES, sendo responsável por 52,6% dos

recursos da instituição. Esta participação continuou crescendo, tendo alcançado os

57,6% no ano de 2014.

Este esforço por parte do Governo Federal em direcionar abundantes

recursos do Tesouro Nacional para o BNDES, mostra que algo mudou no que diz

respeito ao lugar e ao papel desta instituição no aparelho estatal. Foi este

redimensionamento do Banco nos últimos anos que motivou a realização desta

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pesquisa. Trata-se de uma instituição emblemática, através da qual é possível

entender como e quais projetos políticos e econômicos foram postos em prática

desde a sua criação.

Em função das intensas transformações institucionais verificadas neste

período, concluiu-se que seria necessária uma análise que optasse não por um

recorte escalar nacional ou pela análise de operações temporalmente específicas.

Para entender a instituição na atualidade, foi preciso um esforço para buscar

identificar e compreender as transformações no alcance e no perfil das ações do

Banco ao longo dos anos - expressas tanto em seus desembolsos quanto em suas

atividades de planejamento institucional. Por isso, esta é uma pesquisa que

“começou pelo final”.

Na medida em que se foi analisando as complexas relações e dimensões do

BNDES e sua estreita relação com o reescalonamento da estatalidade nos últimos

anos, entendeu-se que seria necessário fazer um resgate histórico sobre o Estado

brasileiro, os blocos no poder, os ideários de desenvolvimento que guiaram as

políticas públicas e definiram as estratégias, e os projetos espaciais de Estado; e

como o BNDES, enquanto principal instituição estatal de fomento ao

desenvolvimento, foi redimensionado e reorientado a cada período. Só assim seria

possível tentar compreender o lugar e o papel desta instituição nas estratégias

atuais de desenvolvimento no Brasil.

Nesta pesquisa, recorreu-se a uma literatura que permitiu compreender o

BNDES enquanto aparato estatal a partir da contribuição de distintas correntes

teóricas. Assim, o Estado foi entendido a partir das complementariedades e

oposições teóricas presentes nos autores apresentados no capítulo 1, que foram

importantes interlocutores no processo de construção metodológica desta pesquisa.

Buscou-se entender o BNDES para além da sua estrutura rígida, analisando-o

a partir de seus aspectos qualitativos e da complexidade das relações sociais que o

compõem. Desta forma, ao longo da pesquisa foi feito um esforço para pensar o

Estado, a economia e a sociedade de forma conjunta, evitando-se análises parciais,

que frequentemente abordam estas esferas como se elas se relacionassem a partir

de suas externalidades e de forma “neutra” – e como se seus interesses atendessem

da mesma maneira as diferentes frações de classe. Ao contrário, entende-se que o

Estado não se reduz a um “instrumento” de uma classe hegemônica e, tampouco, a

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uma instituição homogênea composta de aparatos que detém poder e autonomia

para determinar os rumos socioeconômicos do país.

Fazer um debate sobre as perspectivas estruturalista, relacional e relacional

estratégica foi como percorrer e avançar nos caminhos desta pesquisa. Inicialmente,

ao entrar no curso de doutorado, observava-se o BNDES como uma grande

estrutura que se pretendia compreender a partir somente das operações que

realizava. Posteriormente, passamos a entender como esta estrutura era

operacionalizada por frações de classe hegemônicas na sociedade. As contribuições

de Poulantzas auxiliaram no entendimento do Estado como relação social. Isso foi

importante para a decisão de investigar o Banco para além de suas operações,

considerando-se também os interesses, as disputas e as contradições internas e

externas à instituição.

Com o acesso aos dados e à história do banco, foi-se tendo a dimensão da

complexidade desta estrutura, considerando:

i) seu corpo técnico - ora com maior, ora com menor autonomia e

protagonismo, mas sempre se articulando em torno de estratégias que disputam

internamente a instituição e que, por vezes, intencionam influenciar escalas extra-

institucionais;

ii) sua cúpula - por vezes mais comprometida com projetos de investimento e

desenvolvimento produtivo e, em outros momentos, tendendo mais para políticas

macroeconômicas ortodoxas e para projetos financistas;

iii) as esferas extra-institucionais com as quais o Banco se relaciona – ora

com o BNDES adequando-se (ou sendo adequado) aos projetos da fração reinante

na cena política e/ou aos projetos e práticas políticas de classes ou frações de

classe hegemônicas dentro do bloco no poder (POULANTZAS, 1977, p. 243); ora

tendo maior protagonismo na orientação e definição de políticas a serem adotadas

(considerando também as suas disputas internas).

Sentiu-se também necessidade de diferenciar e entender o que se passava

na cena política de cada período, buscando evitar a confusão entre as dinâmicas da

cena política – circunscritas ao campo dos partidos - e as dinâmicas no plano das

práticas políticas de classe - que apesar de poderem interpenetrar-se, não formam

uma unidade indissociável. Nesse sentido, recorreu-se a Poulantzas (1977, p. 243-

244) que, apoiando-se em Marx, distingue:

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i) classes ou frações politicamente dominantes – aquelas que detêm a

hegemonia do bloco no poder e pode não ser representada organicamente por um

partido político específico2;

ii) classes e frações reinantes (que Marx, por vezes, também chamou de

“governante”) – aquelas “cujos partidos políticos se encontram presentes nos lugares

dominantes na cena política”.

iii) classe ou fração detentora do aparelho de Estado: aquela que “recruta o

pessoal político, burocrático, militar, etc., e que ocupa as “cúpulas” do Estado”.

Teixeira e Pinto (2012) apontam que, em algumas situações, este recrutamento

também pode ocorrer nos segmentos dominados para ocupar os órgãos de Estado,

assim como o seu “núcleo” de poder do aparelho de Estado.

Como observou Poulantzas (1977), é possível que a classe ou a fração

hegemônica, por exemplo, seja reinante e detentora do Estado, assim como é

possível que a classe reinante seja detentora do Estado sem, contudo, ser

hegemônica. É possível que uma classe política “desapareça da cena política

continuando embora no bloco no poder. [...] No entanto, essa ausência de uma

classe ou fração de classe da cena política não significa diretamente a sua exclusão

do bloco no poder” (POULANTZAS, 1977, p. 243). Podem ocorrer situações de

defasagem entre o “lugar de uma classe ou fração no campo das práticas políticas e

o seu lugar na cena política” (POULANTZAS, 1977, p.243), assim como um

deslocamento do índice de hegemonia de uma classe ou fração para uma outra no bloco no poder, não coincide necessariamente com os deslocamentos de representação partidária na cena política, e não corresponde, por exemplo, necessariamente a passagens do fundo para a boca da cena” (POULANTZAS, 1977, p. 243 - 244).

A partir da abordagem estratégica-relacional proposta por Jessop (2014), o

Banco, enquanto parte do aparato estatal, foi entendido como o lugar da estratégia,

o lugar onde se elaboram estratégias e o produto de estratégias.

O lugar da estratégia porque faz parte de um sistema de seletividade

estratégica. Apesar de o discurso do desenvolvimento ser frequentemente acionado

como a chave para que um conjunto de medidas sejam socialmente aceitas em

2 Há ainda que se diferenciar a hegemonia restrita – aquela em que a hegemonia de uma classe ou fração de classe fica restrita ao bloco no poder, e a hegemonia - aquela em que uma classe ou fração de classe do bloco no poder consolida, sem que haja necessariamente a correção por parte do Estado, uma unidade orgânica entre dominantes e dominados (POULANTZAS, 1977).

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nome do que seria o interesse comum e a vontade geral, é evidente que o BNDES

só é aberto a demandantes que sabem se articular dentro de determinada

linguagem técnica, burocrática e formal. Isso, apesar de parecer óbvio, não é trivial.

Este é um importante meio de seletividade que determina qual projeto é ou não

apoiado pelo Estado. Isso fica ainda mais evidente observando quem são os

maiores beneficiados pelas operações não reembolsáveis, mesmo aquelas

destinadas à questões sociais e ambientais. No lugar de chegar às populações

atingidas por grandes projetos de investimentos, populações indígenas ou demais

grupos que possuem formas não intensivas (mas intensas) de se relacionar com o

território, estes recursos são predominantemente acessados por entidades da

administração pública, por Organizações não Governamentais (ONGs), por

Fundações ligadas à grandes grupos econômicos, etc. Como é possível verificar no

portal do BNDES na internet, a maior parte dos recursos desembolsados pelo Banco

nesta modalidade de operação é destinada à empresas de grande e médio-grande

porte.

O Banco é o lugar onde se elaboram estratégias e, também, o produto de

estratégias. Dialogando com o que argumenta Novoa (2015) acerca dos processos

decisórios do BNDES, é possível identificar “três círculos decisórios emaranhados:

do Banco, no Banco e para o Banco. O primeiro trata do processo interno e formal

propriamente dito, o segundo trata de espaços semiformais forjados no BNDES por

capitais e blocos de capital, e o terceiro refere-se à agendas construídas fora do

Banco e para ele” (p. 21). A análise histórica permite acompanhar uma mudança no

perfil das estratégias institucionais ao longo do tempo - como será demostrado nos

capítulos 2, 3 e 4, sobretudo nos capítulos 3 e 4 - quando foram discutidos os

processos de planejamento estratégico do BNDES. Ou seja, o Banco é o produto de

estratégias que são forjadas e disputam, simultaneamente, intra e extra

institucionalmente.

Outras contribuições de Jessop (2014) se deram no sentido de considerar a

estrutura hierárquica-burocrática do Estado para compreender o lugar e o papel do

BNDES no aparato estatal, e verificar se o seu crescimento ou diminuição em

“tamanho” (pois varia de acordo com o período analisado) refletiu no aumento de

seu poder institucional. Contudo, isso se dá sem confundir a organização de

relações de poder com a arquitetura institucional do sistema Estatal. Isso ficará mais

evidente nos capítulos 3 e 4, quando forem discutidas as relações ministeriais e os

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pesos de suas respectivas instituições na definição das políticas públicas que

tiveram maior influência nos rumos do desenvolvimento brasileiro e nas

configurações do bloco no poder. Tais observações são importantes, sobretudo

entendendo que o Estado constitui-se em uma relação social entre distintas forças

políticas que são mediadas através da instrumentalidade das instituições jurídico-

políticas, das capacidades do Estado e das organizações políticas (JESSOP, 2014,

p. 32).

Também foi importante acessar a contribuição de Neil Brenner, que trouxe a

metodologia estratégico-relacional de Jessop para o debate acerca da forma

espacial do Estado, dos projetos espaciais de Estado e das estratégias espaciais de

Estado. Esta proposta contribuiu para aprofundar o entendimento acerca dos

processos de reescalonamento espacial do Estado e as manifestações concretas

desse fenômeno no Brasil.

Como exemplo, cita-se a compreensão da questão regional brasileira, as

estratégias dos distintos poderes de decisão coletivamente vinculados (entre eles, os

articulados através do BNDES), e como estas estratégias reverberaram

espacialmente. Além disso, percebeu-se a necessidade da compreensão da

geografia das operações do BNDES considerando a geografia da estatalidade. Ou

seja: não se compreende a geografia operacional do BNDES analisando-a em

separado das demais instituições e agentes que orbitam em torno do Estado,

tampouco desconsiderando a arquitetura das frações de classe no bloco no poder e

na cena política nacional.

Também é importante a compreensão de que o Estado nacional não é uma

entidade insulada. Existem interpenetrações entre as redes de poderes de classe

nos [e através dos] respectivos Estados. Portanto, viu-se a necessidade de debater

a ordem global e os processos que a compõem – como o processo de

neoliberalização, tal como abordados por Peck, Theodore e Brenner (2012).

Entende-se que a neoliberalização do Estado - processo que se intensificou

incessantemente a partir de meados na década de 1990, comanda processos de

reescalonamento que só podem ser compreendidos a partir de experiências

concretas, diante das adequações verificadas ao longo dos anos. Tal abordagem

processual só pode ser entendida multiescalarmente e a partir das relações e

disputas estabelecidas nas arenas do Estado e da estatalidade.

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Esta é uma discussão importante pois, como será verificado nos capítulos 3 e

4, a neoliberalização do Estado orientou processos de reescalonamento, mesmo

diante da retomada na ascensão de iniciativas desenvolvimentistas em meados da

década de 2000 - o que resultou em novos regimes de regulação espacial.

A diferenciação escalar do Estado e do conjunto de instituições estatais e

paraestatais que estão em sua órbita corre em conjunção com projetos

intergovernamentais (e interinstitucionais). Os projetos espaciais estatais também

podem desdobrar-se em programas para reconfigurar seus papeis operacionais ou

modificar a estrutura geográfica dos arranjos intergovernamentais. Isso ficará mais

claro com a discussão sobre a questão regional brasileira, realizada em seções

específicas nos capítulos 2, 3 e 4, e sobre o processo de internacionalização de

empresas e inserção internacional apoiado pelo BNDES.

Tais projetos são postos em prática por meio das estratégias espaciais de

Estado, nas tentativas de influenciar as geografias dos investimentos em

infraestrutura, do desenvolvimento industrial e das lutas sociopolíticas por meio de

seletividade espacial. Para isso, a arena das instituições estatais desenvolvem um

importante papel na articulação de estratégias de acumulação e de projetos de

poder, além de intervirem de forma extensiva para (re)modelar as geografias da

acumulação do capital e dos poderes políticos. Isso fica evidente diante do papel

desempenhado pelo BNDES desde sua criação, fomentando a expansão de

infraestruturas, promovendo processos de integração de mercados inter-regionais,

de concentração e desconcentração produtiva, de integração ao mercado global,

etc.

Assim, o BNDES mostrou-se uma instituição emblemática para compreender

a forma, os programas e as estratégias do Estado, justamente por ser uma

instituição do aparato estatal que está em estreita relação com demais instituições

(públicas e privadas) que acessam o banco na busca de recursos para

investimentos. Desse modo, a hipótese desta tese é de que as estratégias do

BNDES refletem um arranjo histórico de frações de classes ou blocos no poder.

Diante de tal complexidade, entendeu-se ser necessária a realização de uma

abordagem evolucionária da articulação de estratégias no Estado para compreender

e dimensionar o lugar e o papel do BNDES nas estratégias atuais de

desenvolvimento no Brasil.

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Como consequência, foi necessário analisar o conjunto de mais de 6 mil

operações a que se teve acesso, além de todos os relatórios anuais de atividades e

documentos de planejamento institucional que foram disponibilizados pelo Banco.

Somando-se a isso, também foram realizadas entrevistas com membros do corpo

técnico e da cúpula do BNDES.

Caso a decisão tomada fosse no sentido de analisar somente um recorte

específico de operações (por linha operacional, por tempo, por perfil de mutuários,

por valores movimentados, por escala espacial, etc.), correr-se-ia o risco de cair em

um maniqueísmo metodológico e de expandir à instituição como um todo e ao

Estado as conclusões extremamente parciais a que se chegaria.

A parte não explicaria e não exporia a complexidade do todo, sobretudo se

não houvesse uma perspectiva histórica. A decisão de trabalhar com a maior gama

de operações e documentos do BNDES a que se teve acesso, e contextualizar tais

operações dentro das disputas existentes no próprio Estado (e na sociedade como

um todo), foi fundamental para verificar algumas mudanças no perfil de

determinados segmentos de operações e de mutuários (pertencentes a diferentes

frações da classe capitalista) que ocorreram em “sentidos opostos”, dependendo da

amostra.

Se fossem analisadas, por exemplo, somente as operações do produto

BNDES Exim – operações destinadas à exportação de bens e serviços de empresas

nacionais - ou um recorte acerca das operações mais volumosas em termos de

recursos nos últimos anos, seria simples exortar ao leitor uma percepção

instrumentalista, na qual uma fração poderosa de classe instrumentaliza

praticamente com exclusividade o aparato estatal de acordo com seus interesses

imediatos, uma vez que são as grandes corporações que, nessa amostra, tiveram

mais acesso ao BNDES. Por outro lado, se fosse escolhida uma análise por

quantidade de operações, verificar-se-ia que são as micro, pequenas e médias

empresas, na atualidade, que mais tiveram acesso ao Banco. Tais mudanças foram

resultados de disputas que se deram no seio do Estado e em instâncias extra

estatais.

Contudo, com isso não se está afirmando que houve uma mudança na fração

de classe hegemônica dentro no bloco no poder. Está se dizendo que o Banco,

assim como o Estado, não é um bloco monolítico, e sim um “campo de batalha

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estratégico” (POULANTZAS, 1978), o que se evidencia pelas aparentes

contradições entre acumulação e legitimação de poder (JESSOP, 2007).

Esta tese está estruturada de forma a apresentar, no capítulo 1, as principais

correntes teóricas que influenciaram na compreensão do BNDES enquanto parte do

aparato estatal, e que auxiliaram também na decisão sobre os caminhos e a

estrutura do trabalho de pesquisa a serem adotados para compreender o lugar e o

papel do BNDES no desenvolvimento brasileiro.

No capítulo 2 teve início a abordagem histórica, sendo apresentadas as cenas

políticas e a formação de um bloco no poder ao longo do primeiro e do segundo ciclo

desenvolvimentista. Além das conjunturas políticas e econômicas, abordou-se

também a dimensão espacial das políticas adotadas, ou seja, as estratégias

espaciais de Estado que levaram ao surgimento da questão regional no país. Por se

tratar de um período em que a questão do desenvolvimento nacional pautava, pela

primeira vez na história do país, a agenda governamental, houve a preocupação de

dedicar uma sessão para discutir qual era o ideário de desenvolvimento neste

período. Neste capítulo, as discussões sobre o BNDES permeiam o texto,

buscando mostrar como foi a atuação do Banco e das forças que se articularam

através dele ao longo do período desenvolvimentista brasileiro.

No terceiro capítulo foram discutidas as mudanças políticas e econômicas

com o início da inflexão neoliberal. O recorte temporal inicia-se com o governo

Sarney, que marcou o fim do período desenvolvimentista e o início do regime

democrático. Neste período, o BNDES teve um papel de destaque, adotando

medidas liberalizantes que vieram a influenciar significativamente os governos

futuros, de Fernando Collor de Mello, de Itamar Franco e de Fernando Henrique

Cardoso. Foi neste último governo que as frações de classe do capitalismo

financeiro galgaram posição hegemônica dentro do bloco no poder.

No quarto capítulo foram debatidas as dimensões da política e da economia

no Brasil entre os anos de 2003 e 2014. Assim como no capítulo anterior foram

discutidos os rumos da questão regional e as estratégias no/do/para o BNDES. Em

função da maior disponibilidade de informações sobre o Banco e de serem contextos

políticos de transição, em que a instituição se readapta e se rearticula a novos

contextos políticos e econômicos, nos capítulos 3 e 4 foram separadas seções

específicas para apresentar as estratégias e a geografia das operações do BNDES.

Assim, buscou-se, a partir de uma abordagem evolucionária, discutir o lugar e o

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papel do BNDES nas estratégias de desenvolvimento no país. O desenvolvimento

aqui discutido não é outro senão o desenvolvimento do capitalismo, considerando as

peculiaridades de cada período histórico abordado ao longo deste trabalho.

Por último, foram apresentadas as considerações finais deste trabalho.

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2 CAPÍTULO 1 – ESTADO, ESTATALIDADE E REESCALONAMENTO DAS ESTRATÉGIAS DE ACUMULAÇÃO

Para iniciar a discussão sobre o lugar e o papel do Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) frente à questão do desenvolvimento

brasileiro e das estratégias de acumulação, é importante enunciar preliminarmente

as concepções de Estado com que se está trabalhando, uma vez que esta é uma

instituição que faz parte do aparato estatal. É oportuno que os fundamentos teóricos

das análises que serão propostas sejam apresentados, sobretudo, considerando os

esforços desta pesquisa para compreender as recentes transformações ocorridas

nas dimensões e orientações das estruturas e atividades do Estado brasileiro.

Para compreender a estrutura na qual o BNDES está inserido, as relações

que ele estabelece e os processos que se articulam no (e articulam o) banco, é

importante considerar o seu contexto, sujeitos, contradições e vicissitudes, buscando

superar uma compreensão instrumentalista e simplista do mesmo. Para tanto,

recorreu-se a uma literatura que, acredita-se, permite desvendar as dinâmicas e

lógicas de um Estado que parece não acomodar-se nos modelos teóricos

disponíveis, iluminando-o a partir das relações que o condicionam e que, ao mesmo

tempo, ele contribui para reproduzir. Desta forma, foi preciso pensar Estado,

economia e sociedade de forma conjunta, e não como esferas independentes que se

relacionam a partir de suas externalidades e de forma “neutra” - como se seus

interesses atendessem da mesma forma às diferentes frações de classe. Como

sugere a proposta analítica relacional de Poulantzas e a perspectiva estratégica-

relacional de Jessop - que serão discutidas ao longo deste capítulo - entende-se que

o Estado não se reduz a um “instrumento” da classe dominante e, tampouco, a uma

instituição composta de aparatos que detêm autonomia e poder para determinar a

realidade e os rumos socioeconômicos.

Este capítulo está organizado em quatro partes. Na seção 1.1 terá início a

discussão acerca do Estado, adotando-se uma perspectiva marxista, na qual ele

opera como um mecanismo duplo de acumulação: propulsiona e cauciona a

acumulação e a dominação. Esta última pode ter legitimação hegemônica ou,

quando necessário, repressão. Na sessão 1.2 será acrescentada à discussão a

perspectiva relacional inspirada em Poulantzas, presente sobretudo em seus últimos

escritos, como na obra O Estado, o poder, o socialismo, na qual apresenta

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argumentos para além do estruturalismo teórico. O Estado é compreendido como

uma arena do conflito de classes, sendo produto da luta de classes que ocorre

internamente. Na sessão 1.3, a partir de uma abordagem estratégico-relacional, o

debate avançará no sentido de que é preciso entender como as estratégias fluem,

como elas são selecionadas e executadas no aparato estatal, juntamente com

outras estruturas mais amplas de poder. Na seção 1.4 será discutida a importância

de uma análise escalar da ação do Estado e das diversas institucionalidades de

abrangência nacional, subnacional e supranacional que orbitam em torno deste, o

que Brenner (2004) chama de Estatalidade.

Após as discussões realizadas neste capítulo, serão debatidos os

paradigmas de desenvolvimento que emergem das estruturas e relações de poder

aqui examinadas.

2.1 Estado: relação de forças

Para discutir o papel e o lugar do BNDES no desenvolvimento brasileiro, é

preciso compreendê-lo para além de suas estatísticas operacionais. Tais estatísticas

(quantidade de valores e operações, espacialização das mesmas, perfil dos

investimentos e investidores, etc.) serão obviamente analisadas e discutidas.

Contudo, para ler seu significado político e econômico, assim como para tentar

identificar os embates políticos, modelos de desenvolvimentos, paradigmas,

coalizões e relações de força em jogo é preciso, inicialmente, compreender que a

análise do Estado não pode reduzir-se a sua natureza estrutural, e que tampouco

tem o Estado o poder de determinar autonomamente a realidade social. Neste

sentido, o debate será iniciado contando com as contribuições marxistas acerca de

Estado.

Segundo Martin Carnoy (1986), para pensar o Estado em uma perspectiva

marxista, é preciso considerar três pontos. O primeiro diz respeito à concepção

materialista. O autor argumenta que as condições materiais de uma sociedade eram

consideradas por Marx como a base de sua estrutura social e da consciência

humana. Portanto, a forma do Estado aflorou em função das relações de produção,

e não da totalidade das vontades humanas ou do desenvolvimento geral da mente

humana. Até mesmo porque a “consciência humana que guia e até mesmo

determina essas relações individuais é o produto das condições materiais – o modo

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pelo qual as coisas são produzidas, consumidas e distribuídas” (CARNOY, 1986, p.

65).

As formas do Estado e as relações jurídicas não devem ser analisadas por si

mesmas, tampouco pelo desenvolvimento geral da mente humana. Suas raízes

estão nas condições materiais de vida, em sua totalidade. Hegel chamava de

"sociedade civil" a combinação das relações individuais, e Marx e Engels

argumentavam que é preciso considerar a economia política para compreender a

“anatomia da sociedade civil”.

Na produção social de sua vida, os homens entram em relações determinadas, necessárias, e independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A soma total dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas definidas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona, de forma geral, o processo de vida social, político e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina sua forma de ser, mas, ao contrário, é sua forma de ser social que determina sua consciência (MARX e ENGELS apud CARNOY, 1986, p. 66).

Quando argumenta que o Estado nasce do processo social, não sendo

definido como uma realização de um ideal racional e abstrato, Marx rompe com o

idealismo de Hegel, que entendia que o Estado representava a "coletividade social",

em uma espécie de neutralidade não comprometida com os interesses particulares e

das classes, de forma a assegurar a competição entre os indivíduos e os grupos, e

de forma a salvaguardar os interesses do "todo" social. O Estado, sob a ótica

hegeliana, transcendia a sociedade como uma coletividade idealizada e numa

perspectiva não histórica.

Já para Engels, “o Estado não é, pois, de modo algum, um poder que se

impôs à sociedade de fora para dentro; tampouco é ‘a realidade da ideia [sic] moral’,

nem a ‘imagem e realidade da razão’, como afirma Hegel. É antes um produto da

sociedade quando esta chega a um determinado grau de desenvolvimento”.

(ENGELS, 1977, p. 191 apud LIMONAD, 2014, p. 5). O Estado seria um poder

“colocado aparentemente por cima da sociedade”, chamado a amortecer o choque

em função dos antagonismos de classe, para que estes “não se devorem e não

consumam a sociedade numa luta estéril”. Este poder, para o autor, é “nascido da

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sociedade, mas posto acima dela se distanciando cada vez mais”. (ENGELS, 1977,

p. 191 apud LIMONAD, 2014, p. 5).

Marx salienta que é necessário contextualizar historicamente o Estado e

compreendê-lo a partir do materialismo histórico. “Não é o Estado que molda a

sociedade, mas a sociedade que molda o Estado. A sociedade, por sua vez, se

molda pelo modo dominante de produção e das relações de produção inerentes a

esse modo” (ENGELS, 1977, p. 191 apud LIMONAD, 2014, p. 66). Marx se

contrapõe a Hegel ao reconhecer na separação entre sociedade civil e sociedade

política a origem da alienação política. Respectivamente, a primeira abrangeria as

carências individuais e fins particulares; a segunda diz respeito ao grupo social cuja

função seria “identificar” e “gerir” os interesses gerais. A raiz última da alienação

teria sido a criação do Estado e a consequente secessão entre governantes

(burocracia) e governados (sociedade civil expressa nos burgueses, proletários,

camponeses etc.) (BARBOSA, 2004).

No Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels reconhecem no Estado

uma instituição disputada pelas classes para operacionalizá-la de acordo com seus

interesses. Portanto, haveria um caráter de classe, e concluem que

(...) a burguesia, desde o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou, finalmente, a soberania política exclusiva no Estado representativo moderno. O governo moderno não é senão um comitê para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa. (MARX e ENGELS, 1983, p. 23 apud BARBOSA, 2004, p.13)3

Isso leva ao segundo ponto elencado por Carnoy (1986): a não neutralidade

do Estado.

Por se tratar de uma manifestação histórica marcada por contradições de

classes, ele “[...] não representa o bem-comum, mas é a expressão política da

estrutura de classe inerente à produção” (CARNOY, 1986, p. 66). Portanto, o Estado

não é visto como produto da vontade de toda uma coletividade que renuncia à

liberdade individual para não se autodestruir – como argumentaria a concepção

contratualista. O Estado, desta forma, não está imune aos conflitos, uma vez que se

trataria de uma “[...] instituição com vínculo de classe” (p. 68).

3 Cabe destacar que em O 18 do Brumário de Luís Bonaparte, Marx não apresenta tal concepção monolítica sobre o Estado, uma vez que o autor narra como este aparece em disputa.

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Pode haver ocasiões e assuntos onde os interesses de todas as classes possam coincidir. Mas na maior parte das vezes e em essência, esses interesses estão fundamental e irrevogavelmente em divergência, de modo que o Estado não pode ser seu curador comum. A ideia de que tal possa acontecer faz parte do véu ideológico que uma classe dominante lança sobre a realidade da dominação de classe, a fim de legitimar essa dominação aos próprios olhos e também perante as classes subordinadas. (MILIBAND, 1977, p. 66 apud CARNOY, 1986, p. 67)

Em Origem da família, da propriedade privada e do Estado, Engels argumenta

que o “Estado Capitalista é uma resposta à necessidade de mediar o conflito de

classes e manter a ‘ordem’, uma ordem que reproduz o domínio econômico da

burguesia” (CARNOY, 1986, p.69), o que introduz o terceiro ponto: a compreensão

de que na sociedade capitalista, o Estado é o braço repressivo da burguesia. “A

ascensão do Estado como força repressiva para manter o controle dos

antagonismos de classe não apenas descreve a natureza de classe do Estado, mas

também sua função repressiva, à qual, no capitalismo, serve à classe dominante, a

burguesia” (CARNOY, 1986, p. 70).

A respeito de sua forma, na concepção de Marx, a sociedade se divide em

Estrutura e Superestrutura. A primeira diz respeito às relações materiais de

produção, e diria respeito à esfera econômica, que determinaria a existência e o

funcionamento das demais esferas sociais. Já a segunda, representa os campos

jurídicos, político, educacional, cultural, etc.

Louis Althusser e Nicos Poulantzas (este último em seus primeiros escritos),

consideravam que as relações de classe inerentes ao modo de produção capitalista

determinavam a forma e a função do Estado, que teria a função ideológico-

repressiva. Este, portanto, seria determinado por relações econômicas extra-Estado.

Outro debate que se faz presente na vertente estruturalista impressa em

Althusser diz respeito ao tema da ideologia, que seria vital para a reprodução das

relações de produção. Seu constructo teórico sobre ideologia a define como "a

relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência".

(ALTHUSSER, 1971, p. 153 apud CARNOY, 1988, p. 121). A relação imaginária com

relações reais (ideologia) seria dotada de uma existência material, e esta seria a

prática da ideologia no seio de aparelhos específicos da sociedade.

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O conhecimento do funcionamento interno de uma estrutura deveria preceder,

para o autor, o estudo de sua gênese e evolução. As crenças de um indivíduo são

seus "atos materiais inseridos em práticas materiais, governadas por rituais

materiais, que são eles mesmos definidos pelos aparelhos ideológicos, materiais dos

quais derivam as ideias desse sujeito" (ALTHUSSER, 1971, 169 apud CARNOY,

1988, p. 122). A semelhança do “consenso” hegemônico gramsciano, Althusser

argumenta que

A ideologia da classe dominante não se torna a ideologia dominante por graça de Deus, nem mesmo em virtude da tomada do poder do Estado. É pela instalação dos aparelhos ideológicos de Estado, nos quais essa ideologia se realiza, que ela se transforma na ideologia dominante. (ALTHUSSER, 1971, 169 apud CARNOY, 1988, p. 123)

A vitória da classe dominante nos aparelhos ideológicos de Estado permitiria

que sua ideologia fosse neles instalada e replicada, e o indivíduo seria um sujeito

definido em termos dos aparelhos ideológicos e suas práticas.

A visão althusseriana invoca Marx para afirmar que, em última instância, a

estrutura determinaria a superestrutura: "Os andares superiores (a superestrutura)

não poderiam 'manter-se' (no ar) sozinhos, se não se assentassem de fato na sua

base" (ALTHUSSER, 1971, 169 apud CARNOY, 1988, p. 126). Tal determinação

"em última instância" seria concebida na tradição marxista pela relativa autonomia

da superestrutura com relação à base e pela ação recíproca da superestrutura sobre

a base: mudanças na superestrutura afetariam a base e modificações na base

reverberariam na superestrutura.

Esse enraizamento do Estado sobre a base "capacita as classes dominantes

a garantir sua dominação sobre a classe operária, assegurando assim às primeiras a

sujeição da última ao processo de extorsão da mais-valia". (ALTHUSSER, 1971, p,

169 apud CARNOY, 1988, p. 137). Dessa forma, ele é entendido como uma

"máquina" de reprodução, assim como na concepção marxista original. Althusser

também se apoia em Marx para tratar da separação entre poder do Estado e

aparelho de Estado:

O aparelho do Estado pode sobreviver intacto mesmo com uma transformação no poder do Estado (isto é, uma mudança na classe que detém o poder do Estado). O objetivo da luta de classes diz respeito ao poder do Estado e ao uso de seu aparelho para os objetivos de classe; assim, na tradição marxista-leninista, o proletariado precisa tomar o poder do Estado a fim de destruir o

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aparelho do Estado burguês, a fim de substituí-lo por um aparelho de Estado proletário e, em seguida, destruir o Estado –

a famosa extinção do Estado (o fim do poder do Estado e de todos os seus aparelhos) (CARNOY, 1988, p. 126 – grifo nosso).

Baseado nas acepções de Gramsci, Althusser (1983) avança na discussão

sobre os Aparelhos Repressivos de Estado (AR) e os Aparelhos Ideológicos de

Estado (AIE), que seriam compostos por uma série de instituições, mecanismos e

dispositivos que operariam na reprodução das relações sociais no capitalismo

através da construção sistemática dos pressupostos ideológicos de aceitação e

reprodução das formas de acumulação. Enquanto os ARs operariam de maneira

centralizada, os AIEs se apresentariam de forma difusa e penetrariam na

multiplicidade da vida social: "[...] nenhuma classe pode manter o poder do Estado,

por um longo período, sem exercer, ao mesmo, tempo, sua hegemonia sobre e nos

Aparelhos Ideológicos do Estado" (ALTHUSSER, 1971, p. 146 apud CARNOY,

1988, p. 128).

Para Althusser, os Aparelhos Ideológicos não apenas atuam como

instrumento de dominação, mas são também lugar de disputa pela dominação ou de

formação de uma contra-hegemonia, conforme a conceituação de Gramsci.

Assim, o Poder do Estado teria a finalidade de impedir que a esfera

econômica seja colocada em risco, o que seria possível graças à operação dos

Aparelhos de Estado.

É, pois, o controle dos aparelhos de Estado que confere à classe no poder a

capacidade de impor as leis que existem ou alterá-las em conformidade com suas

necessidades (ARE) e, simultaneamente, garantir sua hegemonia (AIE).

Althusser retoma Gramsci ao afirmar que “o aparelho do Estado, sem

hegemonia, significa um Estado sem poder de longo termo, mesmo se aqueles

que controlam o aparelho do Estado também controlam o aparelho repressivo”

(ALTHUSSER, 1971, p. 146 apud CARNOY, 1988, p. 128 – grifo nosso). Nesse

sentido, a contestação do poder do Estado não impõe o desenvolvimento de

recursos ideológicos aptos a questionarem as ideias difundidas pelos AIEs,

impossibilitando aos grupos no poder o domínio por um longo período.

2.2 O Estado como Relação Social

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Em sua abordagem sobre o Estado, Poulantzas, sobretudo em seus últimos

escritos, interpela a separação das esferas da vida social, criticando a abordagem na

qual a estrutura determinaria a superestrutura. Neste período de sua obra, o autor se

afasta de Althusser e se reaproxima de Gramsci4, compreendendo o Estado

contemporâneo como a "condensação material de uma correlação de forças entre

classes", resgatando o estruturalismo (a "condensação material") e também a ação

dialética (“a correlação de forças entre classes").

Em seus primeiros escritos, Poulantzas, assim como Althusser, havia

considerado que a forma e a função do Estado capitalista eram determinadas pelas

relações de classe intrínsecas ao modo de produção capitalista, cumprindo um papel

ideológico-repressivo e tendo sua natureza de classe "estruturada" pelas relações

econômicas que se dão fora do Estado. Assim, a autonomia relativa do Estado

frente às relações econômicas vigentes no âmbito da sociedade civil permitiria que

cumprisse seu papel de classe, como lugar onde “o(s) grupo(s) capitalista(s)

dominante(s) organiza(m) as frações concorrentes da classe capitalista em "classe-

unidade" (hegemonia)” (CARNOY, 1988, p. 12). Através do Estado, a fração de

classe dominante criaria e expandiria sua hegemonia sobre a classe que lhe é

antagônica.

Já em suas últimas obras, inspirado na perspectiva marxista de que o capital

é uma relação social5, Poulantzas argumenta que o Estado capitalista é uma arena

do conflito de classes, sendo produto da luta de classes que o atravessa.

Para o autor, as múltiplas esferas se interdeterminam, o que o leva a

problematizar também a visão weberiana - que supõe uma autonomia entre as

múltiplas esferas. As esferas política, econômica e social manteriam, portanto,

relações entrelaçadas. O domínio no capitalismo se daria também através de

elementos materiais que produzem a adesão ao sistema capitalista por parte da

classe trabalhadora, e não só pela contenção física ou pela difusão de ideologias. A

4 Ao concentrar-se mais nas classes sociais e na política. Lembrando que, para Gramsci, “o Estado, ainda que os governantes digam o contrário, não tem uma concepção unitária, coerente e homogênea” (GRAMSCI, 1999, p.112).

5 “A propriedade do dinheiro, dos meios de subsistência, das máquinas e de outros meios de produção não é o suficiente para definir um homem como capitalista. Para isso faz falta um registro correlativo – o operário assalariado, o outro homem que se vê obrigado a vender a si mesmo por sua própria vontade... O capital não é uma coisa, e sim uma relação social entre pessoas, estabelecida pela instrumentalidade das coisas” (MARX, 1976, p. 717 apud JESSOP, 2014, p. 31 – tradução nossa).

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39

“separação” das esferas política e econômica através do Estado ocorreria por meio

da divisão entre o trabalho manual e intelectual, da individualização, do direito e da

nação.

A incorporação da divisão social do trabalho pelo Estado capitalista evidencia

a relação orgânica entre trabalho intelectual e dominação política entre saber e poder. Este Estado, separado das relações de produção, se situa precisamente do lado do trabalho intelectual, separado por sua vez do trabalho manual: é o corolário e o resultado dessa divisão, desempenhando um papel próprio na sua constituição e reprodução. Isto se traduz na materialidade mesma do Estado. Em primeiro lugar, na especialização-separação dos aparatos do estado no que diz respeito ao processo de produção: tal separação se realiza principalmente mediante uma cristalização do trabalho intelectual. Sob sua forma capitalista, esses aparatos - exército, justiça, administração, polícia, etc., sem falar dos aparatos ideológicos –implicam precisamente o uso e o domínio de um saber e de um discurso (diretamente inscritos na ideologia dominante ou erigidos a partir de formações ideológicas dominantes) dos quais as massas estão excluídas. [...] A monopolização permanente do saber pelo Estado-sapiente-locutor, por seus aparatos e seus agentes, é o que determina igualmente as funções de organização e de direção do Estado, funções centralizadas na sua separação específica das massas: figura do trabalho intelectual (saber-poder) materializada em aparatos, frente ao trabalho manual polarizado tendencialmente em alguns massas populares separadas e excluídas destas funções organizacionais (POULANTZAS, 2005, p. 61 – tradução nossa).

Isto posto, o processo para o desenvolvimento de uma contra-hegemonia

atravessaria os aparelhos do Estado.

No Estado capitalista haveria o isolamento tanto dos trabalhadores como dos

gerentes capitalistas de sua posição de antagonismo conflitivo de classe no plano da

produção, uma vez que o Estado considera e trata cada membro da sociedade como

um indivíduo. Este tratamento separa trabalhadores e capitalistas de suas

respectivas classes sociais, e todo o indivíduo compete na produção com outros

membros da sua classe. Assim, a ascensão social em termos de ganhos materiais,

por parte de alguns, produziria diferenciações no interior das classes e a dissociaria

internamente, ao passo que forjaria uma espécie de meta a ser conquistada pelos

demais6.

6 Esta percepção será importante para a discussão a respeito das rupturas e dos aprofundamentos verificados diante do desenvolvimento brasileiro (e da retórica a respeito dele) dos últimos anos.

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No que diz respeito às suas funções no sistema de produção capitalista, o

novo indivíduo é homogeneizado e adaptado às novas hierarquias, à divisão do

trabalho no capitalismo moderno. O Estado recria o indivíduo enfatizando os direitos

individuais, a igualdade perante a lei, o consumo individual, a expressão e poder

político individual (voto). É o direito, portanto, que define o processo de

normalização, uma vez que faz com que todos sejam iguais perante a lei, sendo

mantidas as suas desigualdades e separações (CARNOY, 1988, p. 151 e 152).

Na esfera política, o Estado reunifica sob a égide do Estado-Nação os

indivíduos isolados na esfera econômica. O Estado pode incorporar várias nações,

mas ele opera ativamente para estabelecer uma unidade nacional. Ele confere poder

ao indivíduo através da democracia representativa, e ao manter o indivíduo como

fonte do poder, o Estado moderno capitalista possibilita que a democracia

representativa seja a arena de luta. Contudo, apesar de se apresentar como a

representação da vontade coletiva de trabalhadores e capitalistas, o Estado não é

neutro, argumenta Poulantzas, funcionando para garantir que os trabalhadores não

se organizem politicamente como classe e, concomitantemente, para auxiliar os

capitalistas e gerentes a sair de sua posição isolada de forma a exercer a dominação

(CARNOY, 1988, p. 151 e 149). “O direito capitalista aparece como forma necessária

de um Estado que precisa manter a autonomia relativa das frações de um bloco no

poder, a fim de organizar sua unidade, sob a hegemonia de uma classe ou uma

fração de classe” (POULANTZAS, 1978 apud CARNOY, 1988, p. 154)

O Estado capitalista e as características específicas da luta de classes em uma formação capitalista tornam possível o

funcionamento de um bloco no poder, composto por várias classes e frações politicamente dominantes. Entre essas classes e frações dominantes, uma delas detém um papel dominante particular, o qual pode ser caracterizado como papel hegemônico.

(POULANTZAS, 1986, p. 137)

Aqui, a noção de hegemonia exprime especificamente a “dominação particular

de uma das classes ou frações dominantes em relação às outras classes e frações

dominantes de uma formação social capitalista” (POULANTZAS, 1986, p. 137).

Concebido como poder relacional, o Estado aparece nesta perspectiva

marxista como “uma relação de forças ou, mais precisamente, a condensação

material de tal relacionamento entre as classes e as frações de classe, da forma

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como ela é expressão no Estado em uma forma necessariamente específica”

(POULANTZAS, 1978ª, p. 1 apud JESSOP, 2009, p. 133)

Ele é, portanto, substancial às condições que possibilitam o controle e a

acumulação de capital por parte da burguesia, havendo o deslocamento da luta e do

conflito da esfera econômica para a esfera política. Desta forma, existe, para

Poulantzas, uma relação de organicidade entre o Estado e as frações de classes. O

“poder de Estado” deve ser compreendido junto com o “poder de classe”, uma vez

que as lutas populares atravessam o Estado e seus aparelhos. Para o autor, estas

lutas estão inscritas no Estado porque ele está absorto nas lutas que o inundam

constantemente. Até mesmo as lutas (e não somente as de classe) que extrapolam

o Estado não estão “fora do poder”, mas inscritas nos seus aparatos que

materializam tais lutas e que condensam uma relação de forças.

Além disso, Poulantzas destaca que a unidade - centralização do poder do

Estado se estabelece na estrutura hierárquica, burocratizada do Estado Capitalista,

que resulta da reprodução da divisão social do trabalho e das separações das

relações de produção e do lugar predominante dessa classe ou fração de classe no

núcleo do Estado. Existe toda uma cadeia de subordinação de alguns aparelhos a

outros que acabaria por cristalizar os interesses da fração hegemônica sobre os

demais ramos, aparelhos e centros de resistência de outras frações do bloco no

poder no Estado. O Estado, portanto, “não é um bloco monolítico, e sim um campo

de batalha estratégico” (POULANTZAS, 1978, p. 152 apud CARNOY, 1988, p. 160)

A estrutura hierárquica-burocrática do Estado inclui a presença das classes

dominadas e de suas lutas. Elas sempre teriam estado presentes no Estado, sem,

contudo, terem modificado seu núcleo, uma vez que a sua estrutura reteria as

classes dominadas dentro de si juntamente na condição de classes dominadas.

Nesse sentido, o Estado não pode ser entendido como um simples depositário

instrumentalista do poder da classe dominante, assim como não é um sujeito que

possui um poder abstrato fora da luta de classes. Seria um local para a classe

dominante organizar-se em uma relação com as classes dominadas. Seria o lugar e

centro do exercício do poder, sem possuir poder próprio. Com o advento do

capitalismo monopolista, a totalidade das operações do Estado estaria sendo

organizada em relação ao seu papel econômico e, além de exercer seu papel

ideológico e repressivo, teria passado a intervir diretamente nas crises da produção,

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investindo na produção privada (por exemplo, usando políticas estatais como

mecanismos de suporte à produção) (CARNOY, 1988, p. 160 e 162).

Na leitura de Jessop (2009), Poulantzas reconheceria que a constituição

histórica e formal do Estado resulta de lutas passadas e é também reproduzida (ou

transformada) em e por meio de lutas. Recusando-se a tratar o equilíbrio de forças

como algo fixo, Poulantzas teria explorado como este se modifica no âmbito

estratégico-relacional do Estado através de alterações nas relações econômicas e

na formação social mais ampla, bem como através de mudanças na organização, na

estratégia e na tática de tais forças que se mobilizam no âmbito estatal (JESSOP,

2009, p. 134). Tal abordagem “interpreta e explica o poder do Estado como uma

condensação determinada formalmente [form-determined] da variável equilíbrio de

forças nas disputas política e politicamente relevante” (JESSOP, 2009, p. 133).

Aqui, cabe resgatar os apontamentos de Poulantzas (1977), presentes na

introdução, sobre a necessidade de considerar a cena política de cada período, mas

de forma atenta para evitar a confusão entre as dinâmicas da cena política -

circunscrita no campo dos partidos - e as dinâmicas no plano das práticas políticas

de classe que, apesar de poderem interpenetrar-se, não formam uma unidade

indissociável. Desta forma, considera-se a existência de uma fração hegemônica no

interior do bloco no poder, de uma fração reinante e de uma fração detentora,

frações estas que relacionam-se nas instâncias das práticas e da cena política.

Assim, na busca de decifrar a “significação real das práticas políticas de classe, bem

como (i) suas relações com os partidos que operam na cena política e (ii) suas

relações com a fração política detentora do aparelho de Estado” (TEIXEIRA e

PINTO, 2012, p. 920), é fundamental analisar o bloco no poder e a relação interna

entre suas frações.

2.3 O Estado na abordagem estratégico-relacional

Jessop se apropriou de diversas formulações de Poulantzas alterando,

porém, sua perspectiva epistemológica, levando sua discussão da abordagem

relacional acerca do poder do Estado para uma discussão relacional-estratégica. O

autor argumenta que é importante explorar as propriedades do Estado como um

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conjunto institucional e suas implicações para a seletividade estratégica do poder do

Estado.

Para Jessop, o argumento do Estado enquanto relação social poderia ser

parafraseado no sentido de dizer que o poder do Estado é uma relação social entre

forças políticas mediadas através da instrumentalidade das instituições jurídico-

políticas, das capacidades do Estado e das organizações políticas7 (JESSOP, 2014,

p. 31).

Sobre as diferenças entre os autores, Poulantzas (1974 apud DIAS, 2009, p.

138) definiu estratégia como sendo “principalmente os fenômenos de polarização e

de alianças de classes” necessários à “articulação da determinação estrutural de

classes e às posições de classe no seio de uma formação social, lugar de existência

das conjunturas”. Já para Jessop, “strategic-relational approach” (JESSOP, 1985)

compreende não somente a dimensão concreta da prática política, mas também

uma dimensão complexa, que evite, entre outras questões, a naturalização das

instituições. Para isso, se deve analisá-las com certo grau de contextualização

espaço-temporal.

A abordagem relacional-estratégica não postula estruturas abstratas, não localizadas e atemporais ou atividades totalmente rotineiras realizadas por ‘reprodução cultural’ ou atores habituados. Estruturas são inevitavelmente concretas, espacializadas e temporalizadas; e elas não têm sentido fora do contexto dos agentes específicos que possuem estratégias específicas – até se estas últimas são expressas no nível da consciência prática em vez de maneira explícita e reflexiva (JESSOP, 2001 apud DIAS, 2009, p. 143).

O Estado é entendido como uma forma específica de organização

macropolítica, com uma orientação política específica. Existem importantes vínculos

entre o Estado, a esfera política e a sociedade em geral. Esta definição localiza as

contradições e dilemas entranhados no discurso político no centro do trabalho sobre

o Estado, uma vez que as afirmações acerca da vontade geral ou do interesse

comum são uma característica chave do sistema estatal – o que o distingue da

7 Cf. MARX, K (1843). Contribution to a Critique of Hegel’s Philosophy of Law. MECW 3. London. Lawrence & Wishart (1975), pp. 3-129; (1850); MARX, K (1978). Class Struggles in France. MECW 10. London. Lawrence & Wishart, pp. 47–145; MARX, K (1852). The Eighteenth Brumaire of Louis Bonaparte, in: CARVER, T (Ed.).Marx: Later Political Writings. Cambridge. CUP (1976), pp. 31-127; MARX, K (1871).The Civil War in France. MECW 22. London. Lawrence & Wishart (1986), pp. 307-57, como indica Jessop (2014, p. 31).

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dominação política direta e da opressão violenta (JESSOP, 2014). O autor define o

Estado, em uma análise estratégico-relacional,

como uma “abstração racional” re-especificada de diferentes maneiras e com diferentes propósitos. Em resumo, [...] sustento que o núcleo do aparato estatal pode ser definido como um conjunto distintivo de instituições e organizações cuja função socialmente aceita consiste em definir e fazer cumprir as decisões coletivamente vinculantes em una dada população em nome de seu “interesse comum” ou “vontade geral” (JESSOP, 2014, p. 25).

Não se pode entender as estruturas do Estado pelas suas funções, uma vez

que estas variam de acordo com as estratégias de acumulação presentes na esfera

econômica8.As estruturas do Estado são analisadas por Jessop através do conceito

de forma-Estado, que seria composta por elementos interconectados que originariam

relações políticas. O autor ainda destaca que

[...] tanto a forma-valor9 do MPC quanto a sua forma estatal particularizada são indeterminadas em certos aspectos, de maneira que qualquer correspondência ou deslocamentos entre elas ou entre seus conteúdos substanciais dependerão de muitos fatores além dos mecanismos puramente formais. (JESSOP, 2007, p. 118)

Nesse sentido, além da dimensão formal, para uma análise adequada do

Estado é preciso considerar seus aspectos substantivos. “Além das políticas

específicas implementadas pelo aparato estatal, há duas determinações mais

gerais: as bases sociais de apoio e oposição ao Estado e a natureza do

8 Isso será importante para compreender as mudanças ocorridas no BNDES ao longo de sua história, tendo sido criado para ser um banco de desenvolvimento de fomento à industrialização, articulado inicialmente ao setor público, passando a se relacionar, após meados da década de 1970, sobretudo com o setor privado. Na década de 1990 transformou-se numa instituição de caráter mais financeiro do que de desenvolvimento, além de ter sido uma instituição chave para as privatizações e; finalmente, ter passado por um resgate de suas funções após 2003, quando retomou seu caráter de banco de desenvolvimento, apesar de ser uma instituição por meio da qual também impulsionam-se os processos de neoliberalização – sobretudo a partir do chamado apoio à modernização da gestão pública.

9 “A forma-valor é entendida pelo autor como sendo a “relação social fundamental que define a matriz do desenvolvimento capitalista”. Tal relação compreende elementos interconectados que definem os parâmetros nos quais podem ocorrer a acumulação, além de delimitarem “os tipos de crises econômicas que podem se desenvolver no interior do capitalismo”. No que diz respeito à força de trabalho, a forma-valor está ligada à mercantilização da força de trabalho, à sua subordinação ao controle capitalista e à sua remuneração e reprodução. Esses elementos da forma-valor se expressam na esfera da circulação (incluem a mercadoria, o preço e as formas monetárias que mediam a troca de bens e de serviços) e na esfera da produção (através da organização do processo do trabalho como “adição de valor” e na subordinação às exigências de redução de custos e elevação da produção (JESSOP, 2007, p.102-103).

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‘projeto hegemônico’ (se existente) ao redor do qual o exercício de poder

estatal está centrado.” (JESSOP, 2007, p. 119 – grifo nosso). Este é um ponto

importante que será resgatado mais adiante, quando as políticas para o

desenvolvimento regional e políticas industriais forem debatidas nesta pesquisa.

A abordagem estratégico-relacional proposta por Jessop argumenta que o

exercício e a eficácia do poder do Estado são produtos contingentes de mudanças

no equilíbrio das forças políticas que se encontram dentro e fora do Estado. Tal

equilíbrio é inscrito pelas estruturas institucionais e pelos procedimentos específicos

do aparato estatal, incrustrados no sistema político mais amplo e nas relações

sociais circundantes (JESSOP, 2014, p. 32).

Neste sentido, é necessário redefinir a questão da autonomia do Estado

frente às frações do bloco no poder, buscar compreender que se trata da soma das

autonomias relativas de cada ramo, aparelho ou rede do Estado em relação aos

outros (JESSOP, 1985, p. 137). Para uma análise adequada do Estado capitalista, é

preciso compreender as distintas formas institucionais e também como o equilíbrio

de forças políticas é determinado por fatores localizados para além da forma do

Estado como tal.

Assim, são refutadas as concepções funcionalistas e instrumentais do Estado.

Para o autor, é preciso entender como as estratégias fluem, como elas são

selecionadas e executadas no aparato estatal, juntamente com outras estruturas

mais amplas de poder.

O aparato e as práticas do Estado são, nesta perspectiva, interdependentes

de outras ordens institucionais e de outras práticas sociais (JESSOP, 2014). O autor

também chama atenção para o fato de os Estados não existirem “ilhados”, mas sim

integrados em um sistema (ou sistemas) político mais amplo, articulando-se com

outras ordens institucionais e vinculados a diferentes formas de sociedade civil.

Um aspecto chave de suas transformações é o novo traçado das múltiplas “linhas de diferença” entre o Estado e seu(s) ambiente(s), já que os Estados (e as forças sociais que representam) redefinem suas prioridades, expandem ou reduzem suas atividades, se recalibram ou reescalonam à luz de novos desafios, buscam uma maior autonomia ou promovem a partilha do poder, assim como também desintegram e reintegram instituições e práticas estatais específicas dentro da ordem social. Dita fluidez se mantém tanto para as dimensões nacionais como internacionais das relações estatais. As fronteiras do Estado podem ter uma geometria variável, e seus horizontes temporais do passado, do presente e do futuro

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também são complexos. Ademais, se registram tentativas contínuas de redesenhar a arquitetura institucional do Estado e seus modos de trabalho para assim melhorar suas capacidades para alcançar determinados objetivos políticos (JESSOP, 2014, p. 12).

Para o autor (JESSOP, 1983), o Estado teria passado a desempenhar um

papel importante com a transição do capitalismo liberal para formas de simples

monopólio e formas capitalistas monopolistas de Estado. Este papel é exercido

através da expansão do setor público, do crescente papel da taxação como

mecanismo de apropriação, bem como do papel crucial de crédito do Estado na

alocação de capital. Também é preciso observar o papel da coerção extra

econômica (mediada através do exercício do poder do Estado), assegurando as

diversas pré-condições para uma estratégia de acumulação.

Nesta perspectiva, concordando com Jessop (2014) o sistema estatal foi

entendido como:

i) o lugar da estratégia: “Se pode analisar como um sistema de seletividade

estratégica, ou seja, como um sistema cuja estrutura e modus operandi são mais

abertos a alguns tipos de estratégia política do que a outros.” (JESSOP, 2014, p. 34

– tradução nossa).

ii) o lugar onde se elaboram estratégias:

O Estado é o lugar das lutas e das contradições de classes (relevantes), assim como o lugar das lutas e das rivalidades entre suas diferentes ramas. Ser tal lugar coloca o problema de como atua o Estado, se o fizesse, como uma força política unificada. É aqui onde o papel dos gestores estatais (tanto políticos como funcionários de carreira) resulta crucial para compreender como uma unidade relativa se impõe às diversas (in)atividades do Estado, e como estas atividades adquirem uma autonomia relativa no que diz respeito às pressões conflitivas que emanam da sociedade civil. Portanto, devemos examinar as diferentes estratégias e táticas que os gestores estatais desenvolvem para impor uma medida de coerência nas atividades do Estado (JESSOP, 2014, p. 34 – tradução nossa).

iii) o produto de estratégias:

A atual seletividade estratégica do Estado é, em parte, o efeito emergente da interação entre seus antigos padrões de seletividade estratégica e as estratégias adotadas para sua transformação. Por sua vez, os assuntos de cálculo que operam no terreno estratégico constituído pelo Estado são, em parte, constituídos pela seletividade estratégica do sistema estatal e suas intervenções anteriores. A ordem institucional atual sempre deveria ser vista como o produto das estratégias desenvolvidas dentro das

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limitações impostas pelas formas atuais de dominação de classe, e do equilíbrio de forças prevalecente (JESSOP, 2014, p. 35 – tradução nossa)

As estruturas são importantes, mas é sempre necessário analisar como os

agentes sociais se relacionam e formulam estratégias para que elas funcionem (e/ou

sejam transformadas), sobretudo observando-se as classes e frações de classe no

bloco no poder; a classe ou frações de classe que detêm hegemonia, a reinante e a

detentora.

Hegemonia econômica não pode ser confundida com dominação e

determinação econômica. A hegemonia provém de uma liderança galgada através

de uma aceitação geral de uma estratégia de acumulação, que promove os

interesses imediatos de outras frações por meio da integração no circuito do capital

no qual estas frações estão envolvidas. Simultaneamente, a hegemonia assegura os

interesses de longo prazo da fração hegemônica no que tange ao direcionamento de

recursos para as áreas de investimentos vantajosas a essa fração. Enquanto

estratégias de acumulação envolvem objetivos econômicos de “expansão econômica

em uma escala nacional ou internacional”, um “projeto hegemônico” pode se basear

em diversos objetivos não-econômicos (mesmo que economicamente condicionados

e relevantes). Estes últimos envolvem a mobilização de um apoio que garanta os

interesses de longo prazo da classe (ou fração de classe) hegemônica, além dos

interesses “econômico-corporativos” particulares compatíveis com tal programa.

Normalmente, a hegemonia envolve o “sacrifício de determinados interesses

de curto-prazo da classe (ou fração) hegemônica e um fluxo de concessões

materiais para outras forças sociais mobilizadas que sustentam o projeto” (JESSOP,

2007, p. 133). Já a hegemonia econômica viria, na percepção do autor, da liderança

econômica conquistada através da aceitação geral de uma estratégia de

acumulação.

Tal estratégia deve promover os interesses imediatos de outras frações através da integração do circuito do capital em que estas frações estão envolvidas, ao mesmo tempo em que assegura os interesses de longo prazo da fração hegemônica em controlar a alocação do capital dinheiro para diversas áreas de investimentos vantajosas a esta fração (JESSOP, 2007, p. 106).

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Existe a possibilidade de projetos hegemônicos alternativos serem

desenvolvidos por classes e/ou categorias sociais subordinadas. Contudo, tais

projetos permanecerão vulneráveis à dissolução à medida que suas tentativas de

implementação se depararem com obstáculos decorrentes de formas econômicas

existentes. Por esse motivo, Jessop (2007, p. 123) sugere que “a conquista da

hegemonia ideológica deve ser acompanhada a longo prazo pela reorganização de

uma nova forma de Estado que ofereça privilégios estruturais à força hegemônica

em questão”.

Os projetos hegemônicos bem sucedidos têm a capacidade de consolidar

um bloco histórico, e envolvem uma relação orgânica entre base e superestrutura,

produzindo uma correspondência entre as relações econômicas e não econômicas e

a acumulação de capital (JESSOP, 2007, p. 129).

A dominação econômica pode ser exercida por diversas frações do capital,

sendo que uma impõe seus interesses corporativos sobre as demais,

desconsiderando seus anseios ou em detrimento delas. Ao contrário da hegemonia,

isso não leva à integração do circuito e expansão contínua do capital das diferentes

frações (ex.: expansão do capital industrial mesmo quando uma fração não industrial

for hegemônica). Com isso não se está argumentando que a hegemonia transcende

os conflitos de interesses entre capitais particulares ou suas frações e suplanta a

concorrência, mas que tal estrutura depende da disposição da fração hegemônica

de sacrificar estrategicamente alguns de seus interesses para conseguir estabilidade

por um longo prazo, através do equilíbrio de compromissos entre diferentes frações.

A determinação econômica diz respeito ao desempenho do capital produtivo no

processo de acumulação: a riqueza que deve ser criada.

No caso de flutuações de curto prazo da hegemonia dentro da determinação

estrutural inscrita na forma estatal, há um maior escopo para variações nos

protagonistas de projetos hegemônicos específicos (JESSOP, 2007, p. 130). No

caso brasileiro, verificou-se que pautas mais ou menos conservadoras não

necessariamente alteram os marcos da ordem neoliberal estabelecida. Assim como

ocorreu na transição entre os mandatos de Fernando Henrique Cardoso (do Partido

da Social Democracia Brasileira – PSDB), que foi presidente do Brasil entre os anos

de 1995 e 2002, e de Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores), que

presidiu o Brasil entre 2003 e 2010 e que, segundo Singer (2012), governou decidido

a evitar o confronto com o capital.

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Como o autor argumenta, numa situação em que não há a transição para o

socialismo, é esperado que exista “uma classe economicamente dominante por

definição” (que não necessariamente esteja disposta à hegemonia). É preciso

verificar se, no interior da classe dominante, existe alguma fração de classe com

maior poder, e “se o capital (ou uma de suas frações) dispõe da hegemonia

econômica e da hegemonia política, intelectual e moral” (JESSOP, 2007, p. 130).

Existem possibilidades de “deslocamento entre a dominação econômica e/ou

hegemonia econômica e a hegemonia em termos mais amplos” (JESSOP, 2007, p.

130), mas isso só pode ser analisado por meio de situações concretas, e que devem

envolver critérios para além de questões econômicas ou de classe, uma vez que o

Estado é “o objetivo e o lugar de lutas que não são simplesmente econômicas ou de

classe” (JESSOP, 2007, p. 131).

Além de uma questão econômica, a acumulação também envolve dimensões

políticas, ideológicas e estratégicas. Os projetos hegemônicos, por vezes, implicam

a contradição entre acumulação e hegemonia, isto é, legitimação de poder

(JESSOP, 2007, p. 133). Pode-se dizer que uma “estratégia de acumulação” com

propósitos de “hegemonia econômica” deve considerar diversos elementos, entre os

quais estão a forma dominante: i) do circuito do capital liberal, monopolista ou

monopolista estatal; ii) da internacionalização do capital comercial, bancário,

industrial; iii) a conjuntura internacional frente aos capitais nacionais particulares; iv)

o equilíbrio interno e externo das forças sociais, políticas e econômicas e; v)

possibilidades de diferentes decisões relacionadas ao potencial produtivo doméstico.

As diferentes estratégias de acumulação terão distintas implicações para as frações

e classes dominantes. A margem para conflitos entre um projeto hegemônico ou de

dominação existe não só no âmbito das economias nacionais, mas também no

ajustamento do circuito global do capital influenciado por um (ou mais) capitais

nacionais (JESSOP, 2007).

Como argumenta o autor,

A reprodução ampliada do capital é mais bem visualizada como ‘hegemonia econômica encouraçada de dominação econômica’. A utilização habilidosa de uma posição econômica através da alocação de capital financeiro pode trazer capitais recalcitrantes à linha e/ou incentivar atividades favoráveis à integração e expansão completa do circuito de capital. Com a transição do capitalismo liberal para formas capitalistas monopolistas simples ou monopolistas estatais, o Estado passa a ter um importante papel nesse sentido através da expansão do setor público, da progressiva

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função da tributação como mecanismo de apropriação e do papel crucial dos créditos estatais na alocação do capital financeiro (JESSOP, 2007, p. 109).

O fator crucial para estratégias de acumulação é a integração do circuito do

capital e o apoio consolidado dentro das frações das classes dominantes. Mas não

se pode esquecer que isso só se transforma em uma estratégia hegemônica quando

há a aceitação pelas classes econômicas subordinadas e pelas classes e frações

não hegemônicas no bloco do poder.

Isso corrobora o argumento de que somente os determinantes estruturais por

si só não definem um modelo econômico a ser aplicado. Portanto, é preciso

examinar as diferentes estratégias e táticas políticas que os gestores estatais

desenvolvem para tentar impor certa coerência nas atividades do Estado.

Nesta pesquisa, entende-se que há diversas estratégias possíveis com

diferentes graus de apoio interno às frações do capital e entre elas. Do mesmo

modo, entende-se que a forma Estado é uma relação social determinada

formalmente, e em sua análise considerar-se-á não somente a sua forma

institucional, mas também como “o equilíbrio de forças políticas é determinado por

fatores localizados além da forma do Estado como tal. O aspecto geral mais

importante da forma do Estado capitalista é a sua particularização (sua separação

institucional do circuito do capital)” (JESSOP, 2007, p. 117).

Além disso, há que se considerar outros três aspectos do “estado como

forma”: i) as formas de representação política - através dos quais os interesses do

capital são articulados podendo privilegiar algumas estratégias frente a outras

através da seletividade estrutural; ii) as formas de intervenção – com distintas

implicações para a execução de estratégias particulares de acumulação e; iii) as

formas de articulação do Estado (considerando-o um conjunto institucional). Em

oposição tanto ao superdeterminismo estrutural quanto ao idealismo, a acumulação

de capital seria uma consequência contingente de uma dialética de estruturas

(dadas através de vários momentos da forma-valor e das peculiaridades da

interação social) e estratégias. Sendo assim, “[...] os desenvolvimentos e a

perseguição das estratégias de acumulação reproduzem e transformam estas

estruturas no interior de limites estruturais precisos” (JESSOP, 2007, p. 118).

Ainda a respeito da forma-Estado, além dos seus aspectos formais, há que se

considerar seus aspectos substantivos. “Além das políticas específicas

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implementadas pelo aparato estatal, há duas determinações mais gerais: as bases

sociais10 de apoio e de oposição ao Estado11 e a natureza do “projeto hegemônico”

(se existente) ao redor do qual o poder estatal está centrado” (JESSOP, 2007, p.

119). Tais bases sociais são heterogêneas e suas forças sociais variam em grau de

comprometimento com o Estado.

Na medida em que o capitalismo se reproduz sem que haja um colapso e/ou

a transição para outro sistema, é provável que haverá uma classe economicamente

dominante (sem, necessariamente, ter hegemonia) compondo o bloco no poder.

Jessop destaca que é preciso evidenciar se há uma fração dominante internamente

à classe dominante e se o capital (ou uma de suas frações) dispõe de hegemonia.

Essas são questões que somente podem ser analisadas à luz de conjunturas

específicas e de situações concretas consideradas em toda a sua complexidade de

articulações entre agentes e escalas. Diante disso, na sessão seguinte serão

aprofundados os argumentos que embasam a decisão por não optar por um recorte

escalar específico nesta pesquisa.

2.4 O Estado, estatalidade e a análise escalar

O BNDES é uma instituição que faz parte do aparato estatal e que, por si só,

diante de suas transformações nos últimos anos, das dimensões que alcançou tanto

em termos de volume de recursos com que opera quanto em termos de quantidade

de operações que realiza, já justificaria uma análise escalar. Este banco alcança

diferentes escalas, por diferentes meios e com perfis e dimensões de recursos e de

operações que também são significativamente desiguais e que sofreram alterações

10

Por base social do Estado entende-se “a configuração específica das forças sociais, identificadas como sujeitos e (des)organizadas como atores políticos de qualquer maneira, que apoiam a estrutura básica do sistema estatal, seu modo de produção e seus objetivos” (JESSOP, 2007 p. 119).

11 Cabe aqui apontar que não se está confundindo governo com Estado. No que diz respeito à forma-Estado, há quem defenda um Estado enxuto em estruturas (como, ver-se-á no capítulo 3, tentou fazer o então presidente Fernando Collor de Mello) e com atuação somente de regulação, e não necessariamente a extinção do mesmo ou a existência de um Estado interventor que demande grandes estruturas e amplos quadros técnicos e administrativos. Não se trata necessariamente de apoiar um ou outro governo, mas sim uma determinada forma-Estado, que está intimamente ligada às estratégias de acumulação que disputam no bloco no poder e na cena política.

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52

ao longo dos anos. Além disso, o arcabouço teórico a que se recorreu para

compreender essa instituição e seu contexto estatal também levou ao caminho de

uma análise escalar.

Compreendendo o Estado como sendo o local de estratégias, o gerador de

estratégias e o produto de estratégias (JESSOP, 2014), entende-se que há uma

relação dinâmica e de interescalaridade entre a produção social do espaço e o

Estado.

Ao privilegiar de forma seletiva grupos hegemônicos através de programas e

planos, o estado simultaneamente garante os meios de reprodução de frações dos

setores não hegemônicos, que se articulam multiescalarmente. Assim como ocorre

com tal articulação multiescalar, são também redimensionados “programas e planos

de implantação e extensão de redes de infraestruturas físicas de abastecimento,

transporte e comunicação” que “se constituem em suportes materiais necessários e

diferenciadores, com um significado econômico, político e social à medida que

atendem a interesses geograficamente localizados” (LIMONAD, 2014, p. 9). Falando

especificamente do caso brasileiro, também foi redimensionada nos últimos anos a

estrutura financeira que possibilitou que programas de infraestrutura saíssem do

papel. Tal estrutura (no caso, o BNDES) alavancou o processo de conglomeração de

empresas, de suporte econômico a micro, pequenas e médias empresas e de

acumulação de capital no Brasil.

É importante compreender que o BNDES é uma parte do aparato estatal em

um contexto de globalização, que é entendida como a resultante complexa de

diversas e distintas forças e processos

que ocorrem em variadas escalas espaciais e temporais e/ou redes de locais. [...] a extensão na qual a globalização acontece envolve hierarquias causais complexas e intricadas não sendo, portanto, um movimento simples, “unilinear”, “botton-up” ou “top-down”, [...] a amplitude da globalização como sendo sempre um produto contingente de tendências e contra-tendências [...] a globalização tipicamente envolve uma interpenetração não simétrica de escalas diferentes da organização social não podendo ser entendida como um simples “encaixe” do gênero das bonecas Russas (JESSOP, 2002, p. 9).

A globalização está associada à novas estratégias de acumulação, à projetos

hegemônicos, à transformação de blocos de poder, à construção de novos blocos

históricos. Portanto, a globalização econômica por si só não provoca nada.

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53

Contestar esta posição seria “reificar a globalização, tornar-se cúmplice das

exigências das forças hegemônicas atuais subjacentes ao movimento neoliberal e

não conseguir ver as contradições e os limites em todas as formas de globalização”

(JESSOP, 2002, p. 9). Neste contexto de economia, cultura e política globalizadas,

há uma mudança de posição da escala do Estado. Em um contexto em que o nexo

capital/trabalho foi regulamentado a nível nacional, a circulação do capital

“espiralou”, abrangendo escalas espaciais cada vez maiores. Simultaneamente,

houve um esforço – e não um movimento natural e incontestável - para tornar o

"imperativo do mercado" a legitimação politicamente e ideologicamente hegemônica

da reforma institucional (SWYNGEDOUW, 2004, p. 40).

Este entendimento será importante sobretudo a partir do capítulo 3, quando

ver-se-á que começarão a aparecer nas retóricas políticas as novas estratégias de

acumulação traçadas no BNDES, para o BNDES e a partir do BNDES. Retóricas

estas vinculadas à necessidade de internacionalização e de integração ao mercado

global, articulando os interesses de grupos com perfil financista que foram

fundamentais para consolidar a hegemonia do capital financeiro no Brasil ao longo

da década de 1990. Assim, tais processos envolvendo a globalização precisam ser

considerados para discutir o BNDES da atualidade e de tempos passados, e para

desnaturalizar suas ações e os discursos argumentados institucionalmente para

justificá-las.

Isso ajudará a entendê-lo a partir das estratégias políticas e econômicas e

dos modelos de desenvolvimento que estão em jogo e que se articulam naquela

instituição. A estratégia de inserção internacional, o apoio à criação de corporações

que atuem como “players” globais, entre outras políticas do Banco, bem como a

“articulação escalar e as estratégias espaciais estatais” (BRENNER, 2004, p. 99)

deverão ser analisadas nesta pesquisa sob a ótica da globalização como a

resultante complexa de muitos processos diferentes em muitas escalas distintas, ou

seja, “como um processo multi-escalar, multi-cêntrico e multi-temporal” (BRENNER,

2004, p.12).

A respeito de como entender o Estado neste contexto, segue-se com Jessop

(2002, p. 16), quando argumenta que

não é o Estado como tal que se adapta à globalização. O Estado como tal não exerce poder, nem tem poder para se reorganizar a si

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próprio. Pelo contrário, são forças específicas que operando no terreno do Estado e/ou distanciadas do Estado que são os agentes da reorganização. Neste sentido, em resposta à crise institucional de uma forma particular de Estado, existem esforços para modificar as políticas, os aparelhos de Estado, a arquitetura institucional mais ampla do Estado, as suas escalas de intervenção e as inter-relações do sistema Estatal e outros espaços de poder social, político e econômico (grifo nosso).

Em sua discussão sobre a rearticulação da política urbana, explorando as

multifacetadas implicações para a natureza do Estado na Europa ocidental pós

1970, Brenner (2004) argumenta que o conceito genérico de Estado tornou-se cada

vez mais problemático, e que a noção de estatalidade (statehood) ofereceria uma

base mais rigorosa para dar conta das instituições políticas modernas. Isso não

acomete ontologicamente a configuração de organização escalar e o nível de

centralização do Estado ou o grau de isomorfismo institucional entre órgãos estatais.

Seu foco não está no Estado redimensionado como tal, mas em uma

identificação mais abstrata, em que o poder do Estado compreende

institucionalidades nacionais, e também sub e supranacionais, visto que as políticas

estratégicas para estabelecer uma hierarquia centralizada e nacionalizada do poder

do Estado, que tiveram um importante papel ao longo do século XX, estão sendo

amplamente superadas por configurações mais policêntricas, multiescalares e não

isomórficas de statehood (BRENNER, 2004, p. 4). O autor defende que há:

i) uma maior integração econômica global - com a maior permeabilidade

por parte de economias territoriais nacionais frente aos fluxos globais de

investimentos, comércio e trabalho, que levaram economias nacionais a tornarem-se

mais permeáveis e fortemente entrelaçadas com a escala global;

ii) uma ressurgência urbana e regional - sob condições nas quais a

integração geoeconômica é rapidamente intensificada, interações econômicas

incorporadas localmente se tornaram pré-requisitos básicos para a acumulação de

capital globalizado (SASSEN, 1991 apud BRENNER, 2004, p. 6). Essa ressurgência

de economias urbanas e regionais não pode ser devidamente apreciada em

modelos “estadocêntricos” que “enjaulam” as atividades econômicas em unidades

territoriais de escala nacional fechadas em si mesmas e;

iii) uma consolidação de novas instituições supranacionais e

transfronteiriças – tais instituições (como União Europeia, Mercosul, etc.)

desempenham um papel instrumental na institucionalização da ideologia neoliberal,

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55

estabelecendo pré-condições políticas para a expansão inter e intra-bloco

econômico e de fluxos econômicos.

O aumento de integração geoeconômica e o consequente aumento de

permeabilidade aos fluxos transnacionais não erodiram nem enfraqueceram os

Estados; certamente, porém, os levou a uma reorganização funcional, institucional e

geográfica da estatalidade em uma nova gama de escalas espaciais.

Torna-se possível, então, falar em um reescalonamento da estatalidade que,

como bem resumiu Brandão, compreende o conjunto de relações sociais distintivas

incorporadas ou expressas através das instituições do Estado (BRENNER, 2004

apud BRANDÃO, 2011).

Neste sentido, estar-se-ia diante da

centralidade das decisões e do poder de comando de agentes e sujeitos concretos, situados e envolvidos em disputas diversas, em torno da construção social de determinado espaço, investigando as hierarquias (divisão social do trabalho) e hegemonias de poder e comando diferenciais, as ações e as reações das cadeias de reações das decisões tomadas por variados agentes e sujeitos sociais em variadas escalas espaciais (BRANDÃO, 2013:2).

Houve um esforço para compreender o lugar e o papel do BNDES na

dimensão espacial do processo de desenvolvimento, considerando o

reescalonamento da estatalidade, o “Estado, as decisões intertemporais e

interespaciais, e as complexas cadeias de reação à decisões tomadas por

agentes e sujeitos produtores do espaço social em múltiplas escalas espaciais”

(BRANDÃO, 2011, p. 26).

Como já foi apresentado, Jessop sugere que a coerência interna do Estado

contemporâneo seja produto de estratégias políticas em disputa e que, portanto,

o mesmo não é dotado de unidade substantiva, mas processual. O Estado é,

então, lugar, gerador e produto de estratégias. Apoiado nisso, Brenner (2004)

argumenta que existem a) projetos de Estado - que se destinam a imprimir

agendas políticas compartilhadas e um quadro organizacional coerente às

distintas instituições estatais; e b) estratégias de Estado – voltadas à promoção

de determinadas formas de legitimação político-social e modelos de

desenvolvimento econômico (p. 88).

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56

Sob estas bases - a analogia relacional-estratégica de Jessop para teorizar

a forma do Estado, os projetos de Estado e as estratégias de Estado - o autor

espacializa o debate ao discutir a forma espacial do Estado (1), os projetos

espaciais de Estado (2) e as estratégias espaciais de Estado (3).

A primeira (1) diz respeito à territorialidade. Ao longo da história do

desenvolvimento estatal no sistema mundial moderno, a geografia da estatalidade

tem sido definida pela territorialização dos poderes de decisão coletivamente

vinculados em um sistema interestatal mundial. A forma espacial territorialmente

centralizada tem sido condição essencial para a separação entre economia e

política sob o capitalismo, uma vez que é a territorialidade que sustenta a

autonomia potencial das instituições do Estado frente a forças da sociedade civil

(MANN, 1988; POULANTZAS, 1978 apud BRENNER, 2004, p. 92). Com a

crescente permeabilidade das fronteiras estatais diante dos fluxos internacionais,

a territorialidade seria, para o autor, o atributo mais essencial da forma espacial

do Estado – a matriz geográfica fundamental na qual as atividades regulatórias do

Estado são articuladas.

Os projetos espaciais de Estado (2) manteriam a coerência organizacional da

forma espacial do Estado (1), assim como sua unidade funcional. Isso por meio da

diferenciação das atividades estatais em diferentes níveis de administração territorial

e políticas estatais coordenadas em diversos locais e escalas. Os projetos espaciais

de estado dizem respeito às iniciativas para diferenciar a territorialidade estatal em

uma geografia regulatória particionada, coerente organizacionalmente e

funcionalmente coordenada. A diferenciação escalar da estatalidade ocorre em

estreita conjunção com projetos intergovernamentais, e os projetos espaciais

estatais também podem acarretar em programas para modificar a estrutura

geográfica dos arranjos intergovernamentais, ou reconfigurar seus papeis

operacionais (BRENNER, 2004, p. 92). Isso ficará mais claro ao longo do trabalho,

ao serem abordadas as relações e os pactos com os entes federativos subnacionais

e como tais relações se relacionam com as articulações entre frações de classe,

centralização ou descentralização decisória e de recursos, etc.

As estratégias espaciais de Estado (3) seriam as tentativas de influenciar as

geografias dos investimentos em infraestrutura, do desenvolvimento industrial e das

lutas sociopolíticas por meio de seletividade espacial. As instituições estatais

desenvolvem um papel central na elaboração de estratégias de acumulação e de

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projetos hegemônicos, e também intervêm de forma extensiva para remodelar as

geografias da acumulação do capital e os embates políticos. As estratégias dotam o

crescimento capitalista de uma coerência estruturada nas economias nacionais,

regionais e locais (HARVEY, 1989 apud BRENNER, 2004, p. 93) e podem fazer

emergir, por meio de mobilizações bem sucedidas, estratégias espaciais de Estado,

como, por exemplo, políticas urbanas, habitacionais, programas de investimentos em

infraestrutura, políticas industriais, programas de planejamento espacial, políticas

regionais, entre outros, que passam necessariamente por critérios de seletividade

espacial. Entende-se que o crescimento capitalista também pode surgir do

movimento caótico dos interesses individuais de diferentes capitalistas e segmentos

ou frações do capital, do confronto entre trabalhadores e capitalistas, entre

ambientalistas e capitalistas, entre capitalistas e outros. Contudo, são as

mobilizações bem sucedidas de estratégias espaciais de Estado que serão mais

profundamente abordadas nesta tese.

Os projetos e as estratégias que levam à diferenciação escalar da

estatalidade também podem relacionar-se com projetos espaciais de Estado “para

cima”, a exemplo do que se articulou entre os países latino-americanos na Iniciativa

para Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), que representa o

mesmo modelo dos eixos de integração nacional concebidos no final da década de

1990, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Como será abordado nos

capítulos 3 e 4, estes eixos visavam melhorar a acessibilidade e englobar áreas que

até então não estavam integradas ao comércio internacional, sobretudo favorecendo

o escoamento produtivo de produtos primários e projetos de exploração intensivos

no território. Tal exemplo será mais profundamente abordado no capítulo quatro

desta tese.

A variação da seletividade espacial do Estado não pode ser inteiramente

explicada através de divergentes agendas políticas e orientações geográficas de

várias forças sociais atuando no (e através do) Estado.

Tais agendas e orientações estão, por sua vez, circunscritas dentro de determinados parâmetros institucionais associados com (a) a distintiva forma territorial da estatalidade sob o capitalismo moderno; e (b) o problema endêmico de regulação do desenvolvimento espacial desigual em uma economia espacial capitalista (BRENNER, 2004, p. 95 – tradução nossa).

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58

Após a crise econômica da década de 1970, a primazia da escala nacional de

acumulação, regulação estatal e urbanização, teria sido sucessivamente substituída

pela descentralização, beneficiando novas configurações territoriais sub e

supranacionais12. Análises não relacionais concluiriam, portanto, que a escala

nacional teria então se convertido em um “depositório” de ações orquestradas em

outras escalas. Ao contrário, a estruturação escalar deve ser entendida como uma

dimensão de determinados processos socioespaciais – a exemplo da produção

capitalista, a reprodução social, a regulação estatal, o consumo, etc. (BRENNER,

2009).

Os processos de estruturação escalar são constituídos e continuamente

reformulados através de rotinas diárias e lutas sociais, e são dialeticamente

interligados com outras formas de estruturação socioespacial. A diferenciação

escalar do poder do Estado moderno entre os níveis nacional, regional e local, por

exemplo, está estreitamente ligada à: (a) sua territorialização dentro de fronteiras

autofechadas; (b) à delimitação de cada uma de suas “camadas” escalares dentro

de uma unidade jurisdicional subnacional territorialmente demarcada; e (c) à

centralização espacial dos poderes do Estado dentro de um território (nacional)

(MANN, 1993; TAYLOR, 1993 apud BRENNER, 2009, p. 605). Além dos processos

internos à escala nacional, há que se considerar os externos – como a forma de

adesão ao sistema internacional.

Esta análise não pode ser feita como se as escalas se relacionassem

linearmente com a escala imediatamente superior ou inferior (ao estilo matrioska).

Há uma complexidade muito maior e não linear nestas inter-relações.

Escalas evoluem relacionalmente dentro de hierarquias emaranhadas e redes interescalares dispersas. [...] Escala, portanto, não pode ser entendida de forma adequada, como um sistema de recipientes territoriais definidos pelo tamanho geográfico absoluto (um modelo de "bonecas russas" de escalas). Cada escala geográfica é constituída por meio de sua posicionalidade historicamente desenvolvida dentro de uma grande grade relacional de processos, relações e interdependências sócio-espaciais verticalmente 'esticadas' e horizontalmente 'dispersas' (BRENNER, 2009, p. 605-606).

12

Tal conclusão surge da análise acerca do reescalonamento de políticas urbano-regionais na Europa Ocidental pós 1980, quando funções redistributivas e de aproveitamento coletivo das cidades (vinculadas ao Keynesianismo espacial do pós-guerra) perderam espaço para políticas urbanas orientadas a promover a inserção internacional competitiva das cidades (Brenner, 2004).

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59

Sobre o debate acerca dos motivos para não compreender a escala nacional

como um “depositório” de projetos articulados em outras escalas, é importante

lembrar que, com a ordem global neoliberal, emergiram forças poderosas que

mobilizaram um capital financeiro hipermóvel, forças estas capazes de tomar

rapidamente decisões econômicas com grande capacidade de “distanciamento de

espaço-tempo” e de “compressão espaço-tempo”13. Para compreender a

neoliberalização em curso com a globalização, e como tal processo se infiltra,

influencia, é influenciado e se manifesta em diferentes escalas (incluindo a nacional,

cada vez mais permeável) recorre-se às contribuições de Jamie Peck, Nik Theodore

e Neil Brenner (2012), que propõem que “a neoliberalização representa uma

tendência historicamente específica, desenvolvida de maneira desigual, híbrida e

padronizada de reestruturação regulatória disciplinada pelo mercado.” (PECK,

THEODORE e BRENNER, 2012, p. 18). Este processo [a neoliberalização] envolve

algumas características específicas, tais como:

- A reestruturação regulatória disciplinada pelo mercado, na qual os

processos de mercantilização e de difusão da lógica de mercado são “mediados

através de instituições do Estado em uma variedade de arenas políticas”. Ou seja:

neoliberalização não está relacionada com desregulamentação ou falta de

intervenção do Estado. Ao contrário, a neoliberalização é “uma forma particular de

reorganização regulatória: envolve a recalibração de modos de governança

institucionalizados […] e de modo mais geral das relações Estado-economia”

(Ibiden);

- É historicamente específica – o processo de neoliberalização teve início nas

respostas à crise capitalista dos anos 1970, na medida em que sistemas regulatórios

globais (Bretton Woods14) e nacionais (diferentes tipos de Estados de Bem-Estar,

13

O “distanciamento de espaço-tempo” está relacionado com a “amplitude das relações sociais no tempo e espaço” e a “compressão de espaço e tempo” diz respeito à “intensificação de acontecimentos ‘discretos’ em tempo real e/ou aumento da velocidade dos contornos materiais e imateriais relativamente a uma determinada distância” (JESSOP, 2002, p. 10).

14A partir do início dos 70, a economia estadunidense começou a sentir os efeitos da ascensão de países como o Japão e a Alemanha, por exemplo. Com o saldo negativo do balanço de pagamentos estadunidense e com um crescente déficit comercial (diferente do que ocorreu nos anos 50 e 60, quando a balança comercial foi superavitária), as pressões sobre o dólar se intensificaram e, em 1971, o presidente Nixon suspendeu a conversibilidade do dólar a uma taxa fixa com o ouro. No ano de 1973, o sistema de paridades fixas de Bretton Woods foi substituído por

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60

nacionais-desenvolvimentismos, socialismos de Estado) restringiam o

desenvolvimento de mercados autorregulados. Apesar das semelhanças com o

liberalismo, não se está diante de uma espécie de retorno histórico;

- É desenvolvida de maneira desigual – a neoliberalização não é homogênea,

tampouco apresenta expansão espacial e temporal lineares. Ao contrário, ela se

desenvolve de forma desigual em “lugares, territórios e escalas”, como resultado dos

diferentes modos de articulação entre as formas regulatórias da neoliberalização,

que são específicas de cada localidade e escala. “O desenvolvimento desigual da

neoliberalização resulta, por um lado, da contínua colisão entre projetos de

neoliberalização contextualmente específicos e em constante evolução, e de

arranjos político-institucionais herdados, em escala global, nacional ou local” (PECK,

THEODORE e BRENNER, 2012, p. 20);

- É uma tendência – não é um processo total que irá reestruturar todo o globo

ou construir Estados neoliberais homogêneos. Ela constitui um entre vários outros

processos concorrentes, o que não impede que tenha consequências político-

institucionais duradouras e multiescalares.

- Ela é híbrida e padronizada – Ao mesmo tempo em que se cristaliza e

articula em modalidades incompletas, híbridas, e se cristalizam em diferentes

formações regulatórias, retrabalhando-se de maneiras contextualmente específicas,

ela é resultado de uma série de experimentos regulatórios conectados entre si,

mesmo que contidos em contextos específicos. É “um processo de articulação

relacional semelhante a uma onda, no qual cada série sucessiva de projetos

neoliberalizadores transforma as configurações institucionais e ideológicas nas quais

séries subsequentes de reestruturação regulatória se desenvolvem” (PECK,

THEODORE e BRENNER, 2012, p. 21).

A ordem global traz consigo processos de neoliberalização que recalibram os

modos de governança que ocorrem por meio de instituições estatais e paraestatais,

que são o resultado das diferentes formas de articulação específicas de cada

localidade e escala, sendo, portanto, desiguais.

Por isso, nesta pesquisa, optou-se por um caminho analítico que privilegiou

os processos e não escalas específicas. Trata-se do “entendimento de que os

um sistema de flutuações sujas (ou flutuações administradas) (BELUZZO, 1994). Cabe destacar que o câmbio fixo foi um entre outros aspectos de Bretton Woods.

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61

processos econômicos, políticos, sociais, culturais têm dimensões escalares e não

podem conduzir à reificação das escalas, como se estas antecedessem e

contivessem (como um receptáculo) os processos. O que temos são processos com

suas dimensões escalares, quase sempre transescalares” (VAINER, 2002, p. 24).

Caso nesta pesquisa se tivesse optado por analisar somente um recorte

espacial, uma determinada modalidade de financiamento ou uma determinada faixa

de valores desembolsados pelo BNDES por operação ou por mutuário, haveria

parcialidade na tentativa de compreender a complexidade deste aparato estatal.

Ainda mais considerando o rearranjo de geometrias políticas e sociais, os processos

econômicos re-escalonados (a exemplo dos fluxos de capitais, produção e

comercialização de commodities, tentativas de inserção internacional, etc.) e a

reorganização contínua das escalas espaciais como parte integrante das estratégias

de diversos agentes sociais que atuam dentro e fora do Estado.

Por isso, concorda-se com Vainer (2006), que chama atenção para o fato de

as escalas serem socialmente construídas ou engendradas e estarem

permanentemente em questão. São “campo e objeto de disputas e confrontos entre

diferentes agentes que propõem diferentes escalas e em diferentes escalas se

dispõem, seja para conservar, seja para transformar o mundo e as escalas que o

organizam” (p.17). Como exemplo de narrativa escalar, Vainer cita uma passagem

do Manifesto que, mesmo tendo sido escrito em 1848, nos ajuda a compreender

ainda hoje a importância de tais narrativas na investigação de processos que são

estruturantes e estruturados através da escala do capital:

Impelida pela necessidade de mercados sempre novos, a burguesia invade todo o globo. Necessita estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda parte. Pela exploração do mercado mundial a burguesia imprime um caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. Para desespero dos reacionários, ela retirou à indústria sua base nacional. As velhas indústrias nacionais foram destruídas e continuam a sê-lo diariamente. São suplantadas por novas indústrias, cuja introdução se torna uma questão vital para todas as nações civilizadas, indústrias que não empregam mais matérias-primas autóctones, mas sim matérias-primas vindas das regiões mais distantes, e cujos produtos se consomem não somente no próprio país mas em todas as partes do globo. Em lugar das antigas necessidades, satisfeitas pelos produtos nacionais, nascem novas necessidades, que reclamam para sua satisfação os produtos das regiões mais longínquas e dos climas mais diversos. Em lugar do antigo isolamento de regiões e nações que se bastavam a si próprias, desenvolve-se um intercâmbio universal,

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62

uma universal interdependência das nações. E isto se refere tanto à produção material como à produção intelectual. As criações intelectuais de uma nação tornam-se propriedade comum de todas. A estreiteza e o exclusivismo nacionais tornam-se cada vez mais impossíveis; das inúmeras literaturas nacionais e locais, nasce uma literatura universal (MARX & ENGELS apud VAINER, 2006, p. 18-19).

Os processos narrados na passagem acima se repetem, ganham escala e

engendram estratégias espaciais de acumulação com a ordem global. Como será

discutido adiante, a internacionalização da economia brasileira, tanto no sentido de

empresas nacionais sendo impulsionadas à conglomeração e à inserção

internacional, quanto das corporações estrangeiras atuando nacionalmente,

inclusive com apoio do aparato estatal brasileiro, é uma estratégia que se verifica

tanto nos discursos quanto nas ações do BNDES. Mas estas ações não ocorrem

sem disputas internas e externas ao aparato estatal. As diferentes frações de classe

tencionam para que as relações comerciais e diplomáticas nacionais se alinhem com

diferentes eixos internacionais e, inclusive, em diferentes escalas dentro do país.

Basta verificar a capilaridade que o BNDES ganhou nos últimos anos através de

instrumentos que podem ser acionados praticamente em qualquer município

brasileiro.

Tais movimentos que “mobilizam e acionam, instauram e rompem escalas”

não ocorrem por outros meios senão por disputas e embates políticos e ideológicos,

em processos “em que narrativas escalares estruturam e fundamentam estratégias e

táticas, configurando arenas e objetos de disputa. Não apenas as escalas

transfiguram-se, como seu próprio significado e nomeação indicam redefinições de

sujeitos e relações” (VAINER, 2006, p. 27).

A diferenciação das escalas (de atuação do BNDES, por exemplo) não só

estabelece, mas se estabelece através da estrutura geográfica de interações sociais.

Neste sentido, compreender a escala como algo produzido, e não algo “dado”,

possibilita evitar o entendimento da diferenciação espacial como um simples

mosaico, assim como evita a reificação e a divisão acrítica de escalas que reiteram

um fetichismo do espaço (SMITH, 2002, p. 141). Argumentando a respeito de

uma interpretação relacional e territorial de escala, Swyngedouw (2007 apud

BRANDÃO, 2009, p.170), diz que “[...] escala não é algo ontologicamente dado, mas

sócio-ambientalmente mobilizado através de lutas de poder sócio-espacial”. As

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relações sócio-espaciais têm uma constituição “escalar” que é forjada pelas redes

relacionais.

A escala enquanto prisma analítico, como aponta Brandão (2009, p.14),

“permite desvendar processos sociais, econômicos e territoriais singulares”, o que

pode ser profícuo para investigações, uma vez que concepções escalares podem ter

tanto consequências retóricas quanto concretas.

O arcabouço teórico recorrido para compreender o Estado, seus aparatos e

as instituições também corrobora para uma análise escalar na perspectiva aqui

apresentada. Além do equilíbrio de forças que se encontra dentro e fora do Estado,

das estruturas institucionais e dos procedimentos específicos do aparato estatal

presentes no sistema político mais amplo e nas relações sociais circundantes, nesta

pesquisa considerou-se que é preciso também compreender que existe uma

constelação de institucionalidades paraestatais que orbitam em torno do aparato

estatal. A espacialidade e os processos de reestruturação do Estado não se

resumem ao reescalonamento do Estado. O reescalonamento da acumulação de

capital, das disputas políticas e dos processos de urbanização, entre outros, também

é importante movimento a ser compreendido (BRENNER, 2009).

2.5 Síntese do capítulo

O exame da evolução de uma perspectiva estruturalista para a relacional e,

por fim, para a relacional estratégica, permitiu percorrer os caminhos desta pesquisa,

quando inicialmente, ao entrar no curso de doutorado, observava-se o BNDES como

uma grande estrutura operacionalizada de acordo com interesses hegemônicos.

Com o acesso aos dados do banco, foi-se tendo a dimensão da complexidade desta

estrutura, que possui diversos produtos internos de financiamento, com distintos

perfis operacionais, mutuários, quantidades e valores de operações, etc. Esta

percepção só foi possível graças à decisão de trabalhar com a maior gama de

operações do BNDES a que se teve acesso e contextualizá-las no rol das disputas

existentes dentro do próprio Estado (e da sociedade como um todo). Caso a decisão

tomada fosse no sentido de analisar somente um recorte específico de operações

(seja por linha operacional, perfil de mutuários, valores movimentados ou outras),

correr-se-ia o risco de cair num maniqueísmo metodológico e de expandir ao Estado

a explicação de uma pequena parte das ações desta instituição do aparato estatal.

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64

O Banco, assim como o Estado, não é um bloco monolítico. Ao contrário, como

ensinou Poulantzas, é um campo de batalha estratégico.

A parte não explicaria e não exporia a complexidade do todo, sobretudo se

não houvesse uma perspectiva histórica. Se fossem analisadas, por exemplo,

somente as operações do produto BNDES Exim – destinada à exportação de bens e

serviços de empresas nacionais - ou um recorte acerca das operações mais

volumosas em termos de recursos nos últimos anos, seria simplesmente exortar ao

leitor uma percepção estruturalista, na qual uma fração poderosa de classe

instrumentaliza o aparato estatal de acordo com seus interesses imediatos, uma vez

que são as grandes corporações que, nessa amostra, tiveram mais acesso ao

BNDES.

As contribuições de Poulantzas auxiliaram no entendimento do Estado como

relação social, o que foi importante para evitar um entendimento instrumentalista

deste aparato e para investigar tanto as disputas e contradições internas à

instituição, quanto para a decisão de debater todo o conjunto de operações a que se

teve acesso no Banco. Esta decisão foi fundamental, inclusive, para se verificar que

algumas mudanças no perfil de determinado segmento de operações e de mutuários

(pertencentes a diferentes frações da classe capitalista) ocorreram em “sentidos

opostos” dependendo da amostra – como será demonstrado nos capítulos 3 e 4.

Tais mudanças foram resultados de disputas que se deram no seio do Estado e em

instâncias extra estatais. Isso porque o sistema estatal foi entendido como o lugar da

estratégia das diversas forças que se relacionam nesta arena.

Outras contribuições de Jessop foram no sentido de considerar a estrutura

hierárquica-burocrática do Estado - o que contribuiu ao longo da pesquisa para

tentar compreender o lugar e o papel do BNDES no aparato estatal e verificar se o

seu crescimento em “tamanho” refletiu em seu crescimento em poder decisório.

Também foi importante o alerta para não confundir a organização de relações de

poder com a arquitetura institucional do sistema Estatal. Tais observações são

relevantes, sobretudo entendendo que o Estado constitui-se numa relação social

entre distintas forças políticas que são mediadas por meio das organizações

políticas, da instrumentalidade das instituições jurídico-políticas, das capacidades do

Estado (JESSOP, 2014).

Como o Estado nacional não é uma entidade insulada, existindo

interpenetrações entre as redes de poderes de classe nos (e através dos)

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65

respectivos Estados, a abordagem sobre o processo de neoliberalização proposta

por Peck, Theodore e Brenner (2012), contribuiu para iluminar questões referentes à

ordem global e aos processos que a compõem.

Brenner trouxe a metodologia estratifico-relacional de Jessop para o debate

acerca da forma espacial do Estado, dos projetos espaciais de Estado e das

estratégias espaciais de Estado. Esta proposta contribuiu para entender o BNDES

entre distintos poderes de decisão coletivamente vinculados num sistema interestatal

mundial, o que leva à necessidade da compreensão da geografia das operações do

BNDES considerando a geografia da estatalidade. Como será abordado sobretudo

no último capítulo desta tese, não se compreende a geografia do BNDES

analisando-o em separado das demais instituições e agentes que orbitam em torno

do Estado.

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66

3 CAPÍTULO 2 - O desenvolvimento, a definição de um bloco no poder e as cenas políticas ao longo do período desenvolvimentista

Para discutir o tema do desenvolvimento brasileiro e compreender o lugar e o

papel do BNDES na sua promoção, entendeu-se ser necessário recorrer a um

aprofundamento histórico, que ajude a compreender não só o contexto político e

econômico em que esta instituição surgiu, como também o contexto em que a(s)

ideia(s) de desenvolvimento passou(aram) a ser a(s) ideia(s)-chave em torno da(s)

qual(is) se articularam (e disputaram) distintas correntes políticas, intelectuais e

frações do capital nacional.

Este capítulo está dividido em duas seções que tratam dos projetos e

estratégias de desenvolvimento no Brasil: uma referente ao chamado primeiro ciclo

desenvolvimentista (3.1) e a outra referente ao segundo ciclo desenvolvimentista

(3.2).

A primeira sessão faz uma abordagem histórica que se estende dos anos

1930 a meados da década de 1960. Além de apresentar as conjunturas políticas e

econômicas, buscou-se abordar a dimensão espacial das políticas adotadas

(subseção 3.1.1), discutindo-se o surgimento da questão regional que resultou das

estratégias espaciais de Estado. Na subseção seguinte (3.1.2), são apresentadas

algumas noções de desenvolvimento que foram marcantes neste primeiro período

desenvolvimentista.

A segunda seção cobre os 21 anos do governo ditatorial e discute as

conjunturas políticas e econômicas dos respectivos governos. Na subseção 3.2.1,

tratou-se da reestruturação e articulação do sistema financeiro nacional, com

destaque para o papel que o então BNDE passou a desempenhar e para suas

articulações com o setor privado nacional. Contém ainda uma subseção (3.2.1.1),

que aborda a configuração de um sistema financeiro nacional. O período do milagre

econômico e o modelo concentrador são tratados na subseção 3.2.2; seguido do

tópico que trata da desaceleração da economia e da permanência da concentração

a partir do final da década de 1970 (3.2.3).

A ação do BNDES como primeira instituição pública a adotar o planejamento

estratégico e a preconizar os novos rumos das políticas econômicas no Brasil é o

objeto da subseção 3.2.4. A seguinte (3.2.5) trata da evolução a da questão regional

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do Brasil durante este período. Por fim, a seção 3.2.6 faz considerações sobre

algumas noções de desenvolvimento que mais se fizeram presentes durante o

segundo ciclo desenvolvimentista, assim como as correntes que articularam e

passaram a disputar espaço no cenário político futuro.

3.1 Os projetos e estratégias de desenvolvimento no Brasil durante o primeiro ciclo desenvolvimentista

Durante as décadas de 1930 a 1980 o tema “desenvolvimento” passou a estar

no foco das principais discussões econômicas no país, e o debate acerca do

desenvolvimento brasileiro assumiu dimensões históricas peculiares.

A 1ª República, que vai da Proclamação da República (1889) até o ano de 1930,

caracterizou-se pela hegemonia política e econômica da oligarquia cafeeira e da

conhecida aliança "café com leite", unindo São Paulo e Minas Gerais. Neste período, a

elite cafeeira de São Paulo marcava constantemente presença com representantes na

presidência do Brasil, e era movida pelos interesses políticos e econômicos das facções

de classe às quais pertenciam. Até a década de 1930, as elites nacionais seguiram o

caminho do liberalismo econômico. Como argumenta Fiori (2001a, p. 271), a

“modernidade chegava pelos portos e pelas atividades agroexportadoras”, e após a

crise de 1929 até a década de 1990, a modernidade foi transformada em sinônimo de

desenvolvimento econômico e industrialização.

Após a chamada “Revolução” de 193015, que iniciou a Era Vargas, foi

instaurado um regime no qual Getúlio Vargas usufruiu poderes quase ilimitados, e

que ficou conhecido como o Estado Novo. Neste período, o Estado brasileiro tomou

novos rumos e começou a levar a cabo políticas de modernização do país. Novos

ministérios foram criados - como o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e o

Ministério da Educação e Saúde. Inaugurou-se um período no qual a industrialização

nacional passou a fazer parte da agenda governamental.

No plano internacional, os tempos turbulentos da crise de 1929 e das duas

guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945) influenciaram diretamente a redefinição das

15

Movimento armado liderado pelos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba que culminou com o golpe de Estado de 1930. Neste golpe, o presidente da república, Washington Luís, foi deposto e o presidente eleito, Júlio Prestes, foi impedido de tomar posse. Em seu lugar, Getúlio Vargas tomou a frente do Governo Federal.

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68

relações políticas e econômicas entre os países. Foram criados organismos

multilaterais, a exemplo da Organização das Nações Unidas (ONU), do Fundo

Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (BM).

Alteraram-se também, no interior de cada país, as relações entre Estado,

sociedade e economia. Com o liberalismo econômico perdendo terreno frente a um

capitalismo planejado, que buscava mecanismos de defesa contra crises recorrentes, a

ideia de balizar o desenvolvimento florescia não apenas em países de economia

centralmente planificada (a exemplo da União Soviética), mas também nos Estados

Unidos, como ocorreu com a experiência do New Deal.

No Brasil, Bielchowsky (2001) situa as origens do desenvolvimentismo entre

os anos de 1930 e 1944. Em um contexto de ataque ao livre-cambismo associado à

defesa do protecionismo (desencadeados com a crise econômica), de ataque ao

liberalismo, de associação entre indústria e prosperidade/progresso, uma nova elite

técnica, civil e militar se instalou nas instituições de orientação e controle

implantadas pelo Estado. Quatro elementos ideológicos medulares passaram a se

sobrepor ao ideário que vigorava até então: i) consciência de que era necessário

implantar um setor industrial integrado, capaz de produzir insumos e bens de capital

indispensáveis à produção de bens finais; ii) necessidade de instituir um mecanismo

de centralização de recursos financeiros capazes de viabilizar a acumulação

industrial pretendida; iii) a ideia de intervenção estatal em apoio à iniciativa privada

ganha maior legitimação entre as elites empresariais, assim como manifestações

favoráveis ao planejamento; iv) nacionalismo econômico, com o crescimento do anti-

imperialismo clássico, de defesa de barreiras alfandegárias e do controle nacional

sobre os recursos naturais.

A industrialização seria, segundo o ideário desenvolvimentista, a via da

superação da pobreza e do subdesenvolvimento. Mas o país não conseguiria

industrializar-se somente por meio dos impulsos do mercado, dependendo também

da intervenção do Estado (intervencionismo). O planejamento estatal definiria a

expansão dos setores econômicos e quais seriam os instrumentos necessários para

isso. Portanto, a participação do Estado na economia seria benéfica, captaria

recursos e os investiria onde a iniciativa privada se mostrava incapaz de atender às

necessidades do desenvolvimento (BIELCHOWSKY, 2001). Ou seja, o planejamento

estatal teria a função técnica de alocação dos recursos, com uma suposta

neutralidade.

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69

Nesse primeiro momento do ideário desenvolvimentista brasileiro houve a

criação, em 1934, do Conselho Federal de Comércio Exterior e, em 1938, do

Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP). Estes órgãos começavam,

pela primeira vez, a criar condições para que o país fosse pensado de forma

integrada. Antes disso, as elites brasileiras eram voltadas somente para os seus

estados de origem. Isso tudo ocorrendo em um momento de amadurecimento do

pensamento econômico e político, quando se estava formulando a Constituição de

1946, que favorecia a criação de partidos políticos (BIELCHOWSKY, 2011).

Houve também a criação do Instituto de Economia da Associação Comercial

do Rio de Janeiro (1943), a criação da Fundação Getúlio Vargas – FGV (1944), do

Instituto de Economia da Associação Comercial de São Paulo (1944), do Conselho

Econômico e do Departamento Econômico na Confederação Nacional da Indústria

(1947), além da organização de encontros e congressos sobre economia por estas

instituições.

Os temas econômicos mais debatidos foram o protecionismo, o planejamento

e a intervenção estatal, a inflação e o balanço de pagamento. Assim, pode-se

afirmar que o processo de construção de um novo aparelho de estado foi

acompanhado pelo que, numa perspectiva gramsciana, se poderia descrever como

constituição de “aparelhos privados de hegemonia”, que são:

Organismos sociais ‘privados’, o que significa que a adesão aos mesmos é voluntária e não coercitiva, tornando-os assim relativamente autônomos em face do Estado em sentido estrito; mas deve-se observar que Gramsci põe o adjetivo ‘privado’ entre aspas, querendo com isso significar que – apesar desse seu caráter voluntário ou ‘contratual’ – eles têm uma indiscutível dimensão pública, na medida em que são parte integrante das relações de poder em dada sociedade (COUTINHO, 2008, 54-55).

Neste mesmo período surgiu a Comissão Econômica para a América Latina

(CEPAL), contrariando as perspectivas dominantes num contexto em que as

principais escolas teóricas, tanto da Europa como dos Estados Unidos da América

(EUA) defendiam que seu receituário de aceleração do crescimento era

universalmente válido.

Os países latino-americanos vinham, desde a crise de 1929, adotando

políticas defensivas, com maior intervenção do Estado na economia, e apoiando

processos de industrialização. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, predominava

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na América Latina a ideologia industrializante, potencializada pelo processo de

urbanização. Desenvolvimento e industrialização eram como sinônimos. Neste

contexto, crescia a consciência em alguns meios de que os paradigmas econômicos

dos países desenvolvidos tinham limitações para lidar com os problemas

enfrentados pelos países da periferia, uma vez que correspondiam às características

e necessidades das sociedades de capitalismo avançado. Fazia-se necessária uma

teoria econômica que fosse aplicável a uma realidade diferente daquela dos países

desenvolvidos, e capaz de apreender a especificidade dos países periféricos, a partir

da percepção de que somente novas teorias poderiam explicar estruturas e

dinâmicas distintas.

Criada em novembro de 1947, em uma Assembleia Geral da Organização das

Nações Unidas (ONU), a CEPAL nascia sob forte oposição, sobretudo do governo

estadunidense, que se absteve no momento da votação. A CEPAL veio preencher o

“vazio teórico” predominante no subcontinente. Quando foi constituída, em 1948,

“pairava uma atmosfera de queixa na América Latina devido à exclusão dos países

do subcontinente do Plano Marshall” (NERY, 2004, p. 23). Além disso, havia a

necessidade de buscar formulações teóricas capazes de analisar a periferia a partir

de sua própria ótica, para interpretar e transformar sua realidade. Muitos intelectuais

latino-americanos buscaram “descolonizar” as ciências sociais. Assim, a CEPAL

daria origem à primeira escola de pensamento latino-americano de influência

mundial, com um corpo analítico próprio. A interação entre o método histórico e

indutivo e a teoria estruturalista do subdesenvolvimento periférico latino-americano

deu força de atração e riqueza ao pensamento cepalino e seu estruturalismo-

histórico, que se opunha às teorias etapistas e a-históricas16.

A sociogênese da teoria estruturalista teria, primeiramente, consistido na

tomada de consciência e realização de um diagnóstico da reação dos países latino-

16

O autor cita como exemplo a visão que Walt Rostow expôs em “manifesto não - comunista”, no qual Rostow distinguiu cinco estágios evolutivos das sociedades. Se quisessem atingir maior grau de desenvolvimento, após a fase “tradicional”, os países deveriam seguir o caminho já percorrido pelos países capitalistas desenvolvidos. No início dos anos 60 esta obra sintetizou, segundo Nery, o projeto estadunidense de modernização do chamado Terceiro Mundo. Era uma espécie de fórmula que poderia ser usada por planejadores do mundo todo. O subdesenvolvimento periférico nesta visão nada mais era do que um estágio pretérito de desenvolvimento que as economias centrais já teriam superado (NERY, 2004).

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americanos diante da depressão mundial desencadeada pela crise de 1929 (NERY,

2004). O seu amadurecimento a transformou

numa teoria mais ambiciosa sobre as causas e a forma dinâmica de instalação e expansão do subdesenvolvimento. Foi a primeira reflexão sistemática e original dos latino-americanos sobre sua própria trajetória político-econômica e sobre sua especificidade com relação ao resto do mundo capitalista. Um programa original de pesquisa, que depois se expandiu para o campo da Sociologia, da Política e da História (FIORI, 2001 apud NERY, 2004, p. 29).

O refinamento teórico do pensamento desenvolvimentista foi elaborado em

grande medida na CEPAL, favorecido pelo trabalho do economista argentino Raúl

Prebisch, que abordava com clareza o funcionamento das estruturas econômicas e

sociais nos países periféricos, sobretudo na periferia latino-americana.

No Brasil, a conveniência ou não com a intervenção do Estado na economia

era o “divisor de águas” entre as correntes do pensamento econômico brasileiro. Os

desenvolvimentistas do setor privado eram representados principalmente na figura

do empresário paulista Roberto Simonsen, que defendia os interesses da indústria -

sobretudo da Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP). Aliadas a esta

corrente estavam as forças sociais surgidas da expansão urbano-industrial do Brasil,

tais como o crescente proletariado, o novo empresariado industrial, além de frações

da classe média (funcionários públicos, intelectuais, entre outros).

Os liberais tinham Eugênio Gudin - professor da Fundação Getúlio Vargas

(FGV) - à frente, e expressavam o pensamento do comércio. Posicionavam-se ao

lado desta corrente as oligarquias agrário-exportadoras, capital comercial e

financeiro internacional e a burguesia comercial importadora e exportadora. A

corrente liberal acusava a indústria nacional existente de ser lesiva aos interesses

dos consumidores e à expansão de atividades “mais eficientes” – as agrícolas.

Tratava-se, segundo José Maria Dias Pereira (2011, p. 122), de um combate travado

no plano ideológico entre forças reformistas e forças conservadoras.

Simonsen – membro do Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial

(órgão subordinado ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio), foi responsável

pela elaboração de um relatório que subsidiaria a formulação de uma política

industrial e comercial para o país. O documento trouxe como apontamentos centrais

a necessidade de planejamento, presença do Estado na economia e necessidade da

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industrialização. Uma série de providências correlatas deveria ser tomada, como a

criação de novas escolas de engenharia, de institutos de pesquisas tecnológicas,

industriais e agrícolas, de bancos industriais e outros estabelecimentos de

financiamento, bem como a intensificação do ensino profissionalizante.

Ao ser enviado à Comissão de Planejamento Econômico, este relatório

recebeu duras críticas de Eugenio Gudin, seu integrante mais proeminente. Apesar

do nome, esta comissão tinha uma composição favorável a setores liberais-

conservadores. Um método de gestão de Getúlio Vargas era abrigar visões políticas

distintas e até opostas entre si na administração, como estratégia para controlar as

demandas e pressões sociais. Eugenio Gudin apostava na viabilidade da indústria

no Brasil, e acreditava que o melhor caminho seria o aproveitamento das vantagens

comparativas, como o clima e as terras férteis, para firmar o Brasil como primário

exportador, além de acreditar ser necessária a eliminação paulatina dos

mecanismos estatais de intervenção na economia (MARINGONI, 2012).

O que o Dr. Simonsen não quer é concorrência. O que ele quer é que o Estado, por um empréstimo obtido de governo a governo, proporcione aos industriais existentes a aquisição de novo aparelhamento e não permita a entrada de novos concorrentes. É o caso típico do que diz [o economista liberal Ludwig Von] Mises [1881-1973]: O plano daria aos atuais proprietários e dirigentes das indústrias uma posição privilegiada contra possíveis novos e eficientes concorrentes (GUDIN apud MARINGONI, 2012).

Com a queda do Estado Novo, a Comissão de Planejamento Econômico foi

suprimida, mas a abordagem desenvolvimentista não.

O amadurecimento do desenvolvimentismo teria acontecido, segundo

Bielchowsky (2001), entre os anos de 1945 e 1947. Durante este período, o

processo de diversificação produtiva continuava em franco progresso, e as

atividades urbano-industriais lideravam a expansão da economia. Em 1947, pela

primeira vez na história do Brasil, o valor da produção industrial ultrapassou o da

produção agrícola. Apesar da relativa ortodoxia da política econômica do Presidente

Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), comparando-se com o período do Estado Novo,

houve uma intensificação de manifestações sobre um maior liberalismo econômico,

mas a ideologia desenvolvimentista passou sem recuo sobre a confusão entre

liberalismo político e liberalismo econômico que a conjuntura da época propiciava.

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Bielchowsky (2001) chama atenção para a principal diferença entre as

perspectivas dos economistas desenvolvimentistas ligados ao setor privado e os

desenvolvimentistas nacionalistas. Os primeiros defendiam os interesses industriais,

eram contra a tributação dos “lucros excessivos” e a favor da manutenção das tarifas

alfandegárias. Os últimos estavam comprometidos com um projeto de

industrialização nacional, um projeto de longo prazo. Já os liberais argumentavam

que a insuficiência de capital e de técnica tornava imprescindível que os países

pobres dessem garantias e estímulos à inversão de capitais externos, especialmente

nos setores que exigem vultuosos recursos. Para eles, a intervenção direta do

Estado era um equívoco. Além disso, o Estado seria um “mau empresário”. Os

desenvolvimentistas nacionalistas e os socialistas se opunham ao capital

estrangeiro, principalmente se investidos nos setores de mineração e de energia. Os

desenvolvimentistas do setor privado inclinavam-se a assimilar os investimentos

externos e os estatais, desde que ambos não afetassem os interesses privados

nacionais.

3.1.1 O contexto de criação do BNDE

No período entre a vitória eleitoral e a posse de Getúlio Vargas, as

negociações entre Brasil e Estados Unidos se intensificaram. Num contexto de

tensões pós-guerra, o governo dos EUA buscou auxiliar a América Latina,

obviamente, com contrapartidas.

Enquanto empenhavam-se na vertente estratégico-militar, os latino-

americanos buscavam estimular seu desenvolvimento. Foi neste contexto que se

realizaram as negociações entre Brasil e EUA. O diálogo, iniciado no final do

governo de Eurico Gaspar Dutra, assumiu caráter de urgência no começo de 1951,

motivado pela Guerra da Coreia (1950 a 1953), pelas demandas militares norte-

americanas e pelas reivindicações brasileiras.

Vargas voltou à presidência (1951-1954) com o compromisso de aprofundar a

industrialização brasileira.

A promessa norte-americana de conceder ao Brasil crédito no valor de

US$ 250 milhões através do Banco Internacional para a Reconstrução e o

Desenvolvimento (BIRD), e talvez mais US$ 100 milhões do Export&Import Bank

(EXIMBANK), tomaria contornos mais precisos durante o segundo governo Vargas,

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com a cobrança de uma participação mais aguerrida do Brasil junto ao esforço

político-militar estadunidense na Guerra Fria. Em 1951, o Secretário Adjunto para

Assuntos Latino-Americanos veio ao Rio de Janeiro chancelar a promessa de

concessão de crédito, além da intenção de formação de uma comissão técnica

mista. Em retribuição, o Brasil deveria facilitar a remessa de minerais estratégicos

para os EUA, mesmo que tivesse a intenção de instalar no país indústrias ligadas ao

processamento de tais recursos.

A Comissão Mista Brasil – Estados Unidos para o Desenvolvimento

Econômico (CMBEU), uma das promessas de Harry S. Truman para as economias

periféricas, foi criada em 1951 sob a direção de Ari Torres (que viria a ser o primeiro

presidente do BNDE), e tinha como objetivo criar condições favoráveis ao

desenvolvimento econômico, bem como estimular os investimentos privados

nacionais e estrangeiros. Havia interesse em fomentar oportunidades para o

empresariado, e não necessariamente elaborar um amplo plano de desenvolvimento

ou uma política de industrialização. Havia uma visão de planejamento setorial que

pretendia superar o que se considerava como “pontos de estrangulamento” e que

exigiriam pouca intervenção estatal (DALIO e MIAYAMOTO, 2010).

Glycon de Paiva, Roberto de Oliveira Campos e Lucas Lopes (que viriam a

ocupar a presidência do BNDE no futuro) também participaram da CMBEU. Segundo

Bielschowsky (2001), todos seguiam o viés desenvolvimentista não nacionalista.

O ministro da Fazenda de Vargas, Horácio Lafer17, ficou incumbido de

estruturar a base financeira e administrativa interna e externa para os investimentos

em infraestrutura. Entre as iniciativas da época, foi assinado um memorando

negociado por Lafer e chancelado pelo Secretário do Tesouro dos EUA, os

17

Horácio Lafer foi o patrono de uma elite de técnicos favorável ao planejamento, à industrialização e à intensa participação de capitais estrangeiros inclusive nos setores de mineração, transporte e energia. Para Lafer, o Estado como planejador e o capital estrangeiro como investidor, eram vistos como dois agentes indispensáveis ao processo de desenvolvimento brasileiro, em virtude da fraqueza do empresariado nacional. Os desenvolvimentistas não nacionalistas formaram a base da sessão brasileira da Comissão Mista Brasil-EUA e a base da primeira diretoria do BNDE. Durante este período, os principais membros da Confederação Nacional da Indústria transferiram-se para os novos órgãos criados no interior do Estado desenvolvimentista: Rômulo de Almeida chefiou a assessoria econômica da presidência, Ewaldo Correia Lima e Joaquim Mangia foram para o BNDE e Heitor Lima Rocha para a Petrobras (BIELCHOWSKY, 2001). Por outro lado, a ideologia do nacionalismo econômico (a exemplo da campanha do petróleo) vinha se fortalecendo desde o final da década de 1940. Difundia-se a concepção de que as empresas do setor (envolvendo recursos naturais) teriam que ser estatais na sua maioria, dada à debilidade do capital privado nacional.

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presidentes do BIRD e do EXIMBANK, no qual eles se dispunham a fornecer os

recursos necessários para os projetos estudados e recomendados pela CMBEU.

Com este apoio e a contrapartida no financiamento dos projetos sugeridos

pela Comissão Mista (que acabaram apontando para a necessidade de

reaparelhamento econômico/investimentos em infraestrutura), o Ministro da Fazenda

anunciou, em setembro de 1951, um plano quinquenal. Este plano centrava

investimentos em indústrias de base, energia e transportes, mediante a criação de

um Plano de Reaparelhamento Econômico (Plano Lafer) vinculado a um Fundo de

Aparelhamento Econômico e, posteriormente, ao Banco Nacional de

Desenvolvimento (BNDE).

A criação do BNDE atendia diversos interesses, pois

constituía-se um instrumento de ação para a nova tecnocracia vinculada à “cooperação internacional” (da qual Roberto Campos será um dos representantes típicos), tornava-se mais fácil formar quadros novos a partir de critérios mais sofisticados de programação econômica e, ao mesmo tempo, tentava-se subtrair o novo organismo ao controle “populista” que Vargas exercia sobre outras agências do aparelho do Estado. Em síntese: o novo organismo seria o lócus de um novo tipo de ação administrativa e, simultaneamente, um polo (sic) de poder (MARTINS, 1985, p. 86 – grifo nosso).

O BNDE foi criado em 1952 pela Lei nº 1.628, como uma Autarquia Federal

com autonomia administrativa e personalidade jurídica própria - inicialmente sob a

jurisdição do Ministério da Fazenda - para levar adiante o Programa de

Reaparelhamento Econômico e atuar como agente do Tesouro Nacional, na

condição de órgão formulador e executor da política nacional de desenvolvimento

econômico.

O BNDE nasceu contando com créditos externos negociados no âmbito da

CMBEU (que seriam parcialmente financiados pelo governo norte-americano através

de recursos do Banco Mundial e do EXIMBANK), da ordem de quinhentos milhões

de dólares, além de contar com recursos arrecadados pelo Tesouro Nacional num

prazo de cinco anos, que originariam o Fundo de Reaparelhamento Econômico

(CAVALCANTE, 2007). A autonomia administrativa conferiu ao BNDE considerável

independência na aplicação dos recursos financeiros que deveria gerenciar. O

banco tornou-se, simultaneamente, um importante canal de captação de recursos

externos, na medida em que ganhava a atribuição de contratar e avaliar os créditos

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internacionais que se dirigissem aos investimentos que apoiava, bem como

investimentos públicos de um modo geral.

Contudo, Vargas designou para o posto de Superintendente do banco Maciel

Filho, ligado ao presidente por “estritos laços de lealdade pessoal” e “divorciado

tanto do programa formulado pela Comissão Mista quanto do projeto político de

Lafer-Campos” (MARTINS, 1985, p. 86). A consequência teria sido a redução dos

aportes internacionais ao Banco a menos de um terço do prometido entre 1952 e

1954, até serem suspensos em 195818. Cavalcante (2007) argumenta que essa

suspensão de recursos decorreu de mudanças na administração republicana dos

EUA, que passaram a enfatizar mais as relações por meio de empresas privadas em

detrimento das relações entre governos. Seja como for, neste período, o Fundo de

Reaparelhamento Econômico acabou sendo prorrogado por mais dez anos em

18

Outras situações que podem ser apontadas como contrárias aos interesses estadunidenses foram a criação da Petrobras e a posição pela permanência da CEPAL. Em dezembro de 1951, Vargas propôs ao Congresso Nacional a criação da PETROBRAS, empresa de capital misto com o controle majoritário nas mãos do governo – o que contrariava os interesses dos EUA. Outro fator que contribuiu para desestabilizar as relações bilaterais foi o pronunciamento em que Vargas criticou as empresas estrangeiras por “sangrarem” o Brasil com significativas remessas de lucros e juros ao exterior, que teriam passado de US$ 83 milhões em 1950 para US$ 137 milhões em 1951 (VARGAS, 1954 apud DALIO e MIAYAMOTO, 2010, p. 159). Esse descontentamento fez com que Vargas baixasse o Decreto-Lei 30.363/1952, que determinava que apenas 8% do valor original de capital estrangeiro efetivamente ingressado no país teriam direito de retorno. Essa medida acirrou o descontentamento por parte dos EUA, ao mesmo tempo em que fortaleceu o prestígio de Vargas junto aos setores nacionalistas e de esquerda no Brasil (DALIO e MIAYAMOTO, 2010, p. 159-160). Outra questão que ocorreu em 1951 que desagradou o governo estadunidense foi o apoio dado pelo então presidente do Brasil a CEPAL.

Sabendo que o ato de criação da CEPAL previa uma decisão ratificadora três anos depois, o Departamento de Estado aproveitou-se de uma reunião de consulta de chanceleres (fevereiro de 1951), no âmbito da OEA, a fim de obter uma resolução propondo ao Conselho Econômico e Social da ONU o encerramento dos trabalhos daquela organização. Em maio de 1951, na Conferência do México, a delegação do Panamá apresentou proposta, que na realidade era do governo dos EUA, visando fortalecer as instituições pan-americanas. O objetivo era fazer com que o Conselho Interamericano Econômico e Social da OEA assumisse a responsabilidade de contratar a equipe técnica da CEPAL, preservando sua autonomia. Em suas memórias da época em que atuou na Comissão, Furtado estava certo de que “qualquer transação –conferências conjuntas, coordenação dos trabalhos- conduziria à perda da autonomia que tínhamos, à descaracterização da CEPAL” (Furtado, 1985, p. 113, apud NERY, 2004, p. 25)

O apoio de Vargas à manutenção da Cepal fez com que os estadunidenses recuassem. Assim, Vargas garantiu, segundo Furtado (1985 apud NERY, 2004) a autonomia da CEPAL e frustrou a segunda tentativa norte-americana de encerrar suas atividades. No início dos anos 1950, Celso Furtado - que estava em Santiago, na CEPAL - voltou ao Brasil para presidir um grupo formado pela CEPAL e pelo BNDE, e que deveria elaborar um estudo sobre a economia brasileira. O resultado deste estudo foi editado em 1955. Num contexto turbulento de recentes mudanças no quadro político, o Plano não chegou a ser implementado, mas serviu de base para o programa econômico do governo seguinte.

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função da redução dos repasses do Banco Mundial, e o BNDE passou por um

período de dificuldades econômicas.

Segundo Martins (1985), esta situação explicaria a emergência de um novo

estilo de ação e de um novo papel do banco, pois os quadros do BNDE passaram “a

adquirir e desenvolver técnicas de análise de projetos” e, sobretudo,

a pensar em termos de uma estratégia de ação global, a partir da ideia de subdesenvolvimento e (alguns deles) do marco conceptualizado pela abordagem “estruturalista”, resultante da influência que passa a exercer sobre os quadros intermediários do Banco o acordo de cooperação CEPAL-BNDE, estabelecido desde 1953. [...] Em síntese: Nessa fase de ‘acumulação’, o BNDE se vai constituindo em think-tank, deslocando aos poucos para si o papel tradicionalmente desempenhado, com exclusividade até então, pelos quadros do Banco do Brasil e do Itamaraty. Todos esses fatores combinados vão permitir ao BNDE desempenhar papel importante na formulação e execução do Programa de Metas do Governo Kubitschek e se lançar, em 1956, na campanha política para a renovação de suas fontes de recurso (MARTINS, 1985, p.87-88 – grifo nosso).

Ou seja: além da capacidade de implementação, foi-se construindo no banco

a capacidade de formular e gerenciar políticas públicas. Além disso, a criação de

quadros intermediários do Banco se consolidou e pode pensar “gestalticamente os

problemas brasileiros, independente das diretorias políticas que lhes são impostas,

e, ao mesmo tempo, se dotam daquilo que constitui o recurso político por excelência

da tecnocracia: o controle da informação” (MARTINS, 1985, p. 87). As informações

econômicas que antes eram dispersas e segmentadas por diversas instituições,

passaram a ser reunidas no BNDE, o que o dotava de um significativo recurso de

poder. Aos poucos o Banco foi deslocando para si o papel que até então era

desempenhado por outras instituições, o que permitiu desempenhar importante

papel na elaboração do Plano de Metas do futuro presidente Juscelino Kubitschek e

articular-se politicamente para alcançar novas fontes de recursos.

3.1.1 A morte de Vargas e os novos rumos do desenvolvimentismo

Com o suicídio de Vargas em 1954, Rômulo de Almeida - que era o chefe da

assessoria econômica do presidente - retirou-se do governo declarando oposição ao

novo presidente, Café Filho. Com isso, o “bastão” do pensamento

desenvolvimentista passou para Celso Furtado. Foi uma transição entre o

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pensamento desenvolvimentista não nacionalista para o nacionalista, que defendia

como essencial que as decisões sobre a alocação de recursos ficasse nas mãos de

agentes (estatais ou privados) nacionais, não aceitando a subordinação ou a

hegemonia internacional.

Como Furtado viria a argumentar anos mais tarde,

existe a questão da autonomia e da coerência do sistema de decisões econômicas. Se umas poucas dezenas de grupos estrangeiros controlam, por suas filiais, grande parte do setor moderno da economia do país, que grau de autonomia corresponde aos centros nacionais de decisão? Não devemos esquecer que as filiais das empresas estrangeiras estão inseridas no sistema de poder vigente no país que as acolhe, ao mesmo tempo que são parte integrante de conjuntos cujos centros principais se situam em outro país. Esse caráter ambíguo da empresa estrangeira compromete necessariamente a eficácia dos centros nacionais de decisão. Não é esse um problema específico do Brasil. Mesmo no Canadá, cujo desenvolvimento é em grande parte obra de empresas estrangeiras, e onde sempre prevaleceu a doutrina mais liberal a esse respeito, se está tomando consciência da desarticulação que significa para um sistema econômico depender de decisões tomadas no estrangeiro em setores fundamentais. A economia de qualquer país, mas particularmente a de um país subdesenvolvido, necessita assimilar o progresso tecnológico numa frente mais ampla possível. Ora, alienados pelas ilusões do laissez-faire, muitos desses países não se prepararam para enfrentar o problema. Conforme já observamos, o progresso tecnológico tem sido no Brasil uma consequência do desenvolvimento e não o seu motor, um subproduto de certos investimentos e não algo inerente ao processo de formação de capital. À falta de uma

política de fomento e disciplina da assimilação do progresso tecnológico, chegou-se a uma situação em que empresas estrangeiras são as principais beneficiárias do avanço da técnica que se assimila. Trata-se de problema que requer uma abordagem global, no quadro de uma política visando fomentar a criação e a adaptação de novas técnicas, bem como sua assimilação. (FURTADO [1973], 2013, p. 45 – grifo nosso)

Os desenvolvimentistas não nacionalistas não viam problemas que a sede

deste tipo de decisões fosse na Europa ou nos Estados Unidos. Além disso, os

nacionalistas não achavam que a inflação impedia a implantação de políticas

desenvolvimentistas, ao contrário dos não nacionalistas. Outra diferença, na qual a

corrente não nacionalista saiu vitoriosa, dizia respeito ao modelo de planejamento,

que acabou sendo setorial, e não integral, como a corrente nacionalista desejava

(BIELCHOWSKY, 2011).

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Sobre este período, verificou-se que, durante o Governo Dutra, era

principalmente pelas instituições da sociedade civil que se observava a resistência à

expansão do desenvolvimentismo (a exemplo da FGV, do Centro de Estudos e

Defesa do Petróleo e da Economia Nacional - CEDPEN, da Confederação Nacional

da Indústria - CNI e do Clube Militar). Já no governo Vargas, o desenvolvimentismo

reinstalou-se dentro do aparelho de Estado brasileiro (BIELCHOWSKY, 2001)19.

O Conselho de Desenvolvimento, criado no início de 1956 e composto por 48

órgãos diretamente subordinados à Presidência da República, formulou um plano de

desenvolvimento que apontava uma série de objetivos e problemas setoriais.

Tratava-se do Plano de Metas, que Lessa (1981) diz ter sido a mais sólida e

consciente decisão em prol da industrialização da história econômica do país.

Entre os anos de 1956 e 1964 teriam acontecido, segundo Bielshowsky

(2001), o auge e a crise do desenvolvimentismo nacional. O projeto de

industrialização planejada tornou-se plenamente difundido na literatura econômica

brasileira e predominava frente ao liberalismo. Porém, os desenvolvimentistas “não

nacionalistas” aproximavam-se cada vez mais dos liberais (sem abandonar seus

princípios básicos), uma vez que o planejamento da industrialização já era fato

consumado e ambos podiam unir-se na defesa da estabilização monetária e do

capital estrangeiro. Os desenvolvimentistas do setor privado continuavam na defesa

da industrialização e dos interesses da classe empresarial, e os desenvolvimentistas

nacionalistas - que estavam no auge da participação dos processos decisórios da

política de industrialização através do BNDE, do Conselho de Desenvolvimento

Econômico, da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), etc.

– em função do seu otimismo desenvolvimentista, não deram a devida atenção às

demandas distributivas, cujo enunciado e proposta ficaram a cargo da corrente

socialista (BIELCHOWSKY, 2001).

19

Cabe lembrar que a morte de Vargas adiou a criação do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), cujos principais representantes foram os cientistas políticos Hélio Jaguaribe e Cândido Mendes de Almeida; os economistas Ignácio Rangel, Ewaldo Correia Lima e Rômulo de Almeida; o sociólogo Alberto Guerreiro Ramos; os filósofos Álvaro Vieira Pinto, Roland Corbisier e Michel Debrun e; o historiador Nelson Werneck Sodré. O ISEB acabou sendo inaugurado em 1955 graças a decreto presidencial, no âmbito do Ministério da Educação. Segundo Gomes (2009), o plano teórico geral do instituto visava a superação das limitações histórico-sociológicas marxistas e positivistas para compreender a “problemática de caráter teórico-metodológico e do mundo contemporâneo”. Também havia um plano teórico aplicado à realidade brasileira, voltado a realizar uma análise estrutural da realidade brasileira, além de um plano direcionado a uma práxis política, interessado em elaborar “uma ideologia nacional-desenvolvimentista que refletisse os anseios da sociedade brasileira” (GOMES, 2009, p.4).

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Sob o governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), o Brasil apresentou altas

taxas de crescimento econômico - cerca de 7% ao ano. No mesmo ano em que

assume a presidência do Brasil, Juscelino convida Ignácio Rangel20 para ser chefe

do departamento econômico do BNDES, onde coordenou a execução do Programa

de Metas. Sobre o período, Rangel (1982 apud BNDES, 2012, p. 30) diz que “O

Banco se transformou numa escola de planejamento”.

Desenvolvimento, para Rangel, requeria planejamento, e a base do

planejamento seria “a mobilização dos recursos ociosos existentes no sistema

produtivo” (BIELCHOWSKY, 2014, p. 533). Tal mobilização deveria ocorrer nos

períodos ascendentes dos ciclos médios (ciclos de Juglar) e ser direcionada aos elos

fortes da economia para construir as novas frentes de expansão nos elos fracos. 21

Também em 1956, JK cria a Comissão de Desenvolvimento Industrial (CDI),

que deveria formular uma política de desenvolvimento industrial e definir quais

projetos seriam prioritários para receber apoio governamental. O BNDE opôs-se ao

programa da CDI, que feria sua competência para julgar projetos e estabelecer as

prioridades do Banco: “O Banco pretende substituir o programa da CDI pelo

preparado pelo Banco baseado em fatos que decorrem das investigações

empreendidas pela Comissão Conjunta do BNDE e da CEPAL” (BNDE, 1956 apud

MARTINS, 1985, p. 90).

Ainda durante o governo Kubitschek, em 1959, o presidente demite Campos

do cargo de presidente do BNDE, após ter sido alvo de ataques de grupos

nacionalistas por seu posicionamento nos Acordos de Roboré, em que, com o

discurso (ideológico) da tecnicidade, defendia a exploração estrangeira dos campos

de petróleo bolivianos, que davam prioridade ao Brasil desde 1938. Diante disso (e

20

Rangel era um economista heterodoxo. Ingressou no BNDES em 1953. Foi chefe do Departamento Econômico, participou da execução do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek e integrou o Conselho de Desenvolvimento. Ele defendia que no Brasil os processos sociais, econômicos e políticos não decorrem somente da interação entre desenvolvimento de forças produtivas e relações internas de produção, mas também da ligação profunda que o país mantém, desde sua origem, com as economias centrais. Essas relações seriam determinantes no desenvolvimento das forças produtivas internas e das relações de produção. A determinação interna e externa produziria, na sua percepção, uma dualidade estrutural econômica e social. “Desenvolvendo-se como uma economia complementar ou periférica, o Brasil deve ajustar-se a uma economia externa diferente da sua” (CASTRO, BIELSCHOWSKY e BENJAM, 2014, p. 259).

21 Além do ciclo juglariano brasileiro, Rangel destacava a importância do ciclo de Kondratieff, de longa duração e “engendrado pelo movimento das economias centrais” (BIELCHOWSKY, 2014, p. 53a).

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de outros episódios), os quadros do Banco retiraram seu apoio a Campos,

dificultando sua permanência no cargo.

Os destaques desse período foram para o desenvolvimento da indústria

automobilística (carro-chefe do modelo industrial implantado) e a execução do Plano

de Metas (DINIZ, 2011). O Plano Nacional de Desenvolvimento de Kubitschek previa

que a industrialização geraria um encadeamento de fatores que levaria à melhoria

do padrão de vida da população.

A industrialização é a diretriz correta para o desenvolvimento econômico de um país de população crescente, com um grande mercado potencial e dotado de adequados recursos naturais. Além de representar, em si mesmo, um estágio econômico evoluído, ela permite a substituição de importações e a diversificação dos artigos de exportação. Mais ainda, determina o progresso da agricultura, pela valorização dos mercados de alimentos e matérias-primas, pelo estímulo à introdução de tecnologia agrícola avançada e pela absorção dos excedentes de mão-de-obra que se formam nos campos. A introdução de técnicas mais aprimoradas de lavoura e de pecuária, a mecanização, a adubagem, a irrigação e os processos científicos de seleção e defesa sanitária das plantas e animais conduzem a melhores safras e tendem a reduzir o volume de mão-de-obra correspondente a uma determinada produção. Cria-se, em consequência, um excedente de população, que fica disponível para outras atividades. Só a industrialização poderá absorver esse excedente, proporcionando-lhe trabalho e novas oportunidades para melhoria de seu padrão de vida. O êxodo rural será um sintoma de progresso se tiver como causa real um aumento de produtividade da agricultura, paralelo a uma demanda correspondente de trabalho nas indústrias e serviços urbanos (KUBITSCHEK, 1955 apud MOURÃO, 2012, p. 81).

Os saltos tecnológicos e de capacidade produtiva verificados entre os anos de

1957-61 foram particularmente marcantes nos setores de metal-mecânica, material

de transporte e material elétrico. Também se verificou, no período, significativo

fortalecimento da complementaridade interindustrial e concentração em favor das

grandes empresas internacionais e "nacionais”, públicas e privadas – que se

consagravam, numa tácita divisão de trabalho, de um lado, a material elétrico e

transporte e, de outro, a bens de capital e insumos estratégicos. Com a

desaceleração da demanda, ocorrida a partir de 1961, a economia nacional passa

por um processo de concentração. Os setores industriais foram desigualmente

afetados: os que tinham economias de escala, maior integração vertical, capacidade

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de inovação e mercados externos, foram os que melhor se saíram, ou seja,

sobretudo as empresas estrangeiras (TAVARES, 1974).

Se durante o governo de Getúlio Vargas a principal estratégia de

desenvolvimento, inseparável da industrialização, previa a necessidade de

emancipação econômica nacional, sob Kubitschek o capital estrangeiro foi muito

bem-vindo. A corrente nacionalista predominante com Vargas conseguiu influenciar

as políticas governamentais e tinha seu cerne na estrutura tecnocrática constituída

por funcionários de órgãos e instituições estatais. Eles compartilhavam a crença que

os setores estratégicos não podiam esperar a iniciativa e o arbítrio do capital

estrangeiro, sendo, portanto, necessário que o controle, o comando e a acumulação

de capital dos setores considerados primordiais da economia (transporte, energia

elétrica, petróleo e mineração e setores industriais básicos da grande indústria

química e siderúrgica) fossem de responsabilidade nacional, pois a industrialização

planejada era entendida como a solução para o atraso da economia e da sociedade

brasileira. Nos demais setores industriais, o capital estrangeiro era bem aceito e

entendido como fomentador da economia.

A discussão acerca do caráter virtuoso ou nefasto do controle da remessa de

lucros ilustra os vários embates que opuseram os setores que propugnavam

mecanismos de controle da ação do capital estrangeiro e os que defendiam sua livre

incorporação à matriz produtiva nacional. A equação que os nacionalistas

pretendiam resolver era: como lograr a autonomia nacional para a tomada de

decisões políticas e econômicas e, ao mesmo tempo, continuar a atrair e incorporar

ao processo de desenvolvimento o capital e a tecnologia estrangeiros?

Também ativos e influentes na esfera governamental, os não nacionalistas

eram favoráveis ao apoio estatal à industrialização, porém, inclinados a soluções

privadas (mesmo que estrangeiras) em possíveis disputas de inversões estatais.

Esta corrente, argumentando com a maior eficiência da empresa privada,

questionava qualquer intervenção direta do Estado nos setores em que a iniciativa

privada tivesse interesse – mesmo que fossem consideradas áreas estratégicas.

Estas duas correntes estiveram presentes e disputaram espaços durante o governo

Kubitschek, mas os nacionalistas perderam progressivamente influência entre os

anos de 1956 e 1961.

Ianni argumenta que as contradições entre as estruturas de dependência

(historicamente constituídas) e o processo de amadurecimento do Estado nacional

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estiveram presentes nos dois governos de Vargas, e que, diante disso, seus

esquemas políticos de sustentação teriam sucumbido. Essas contradições também

permearam o governo Kubitschek, mas a diferença é que “seu compromisso

nacionalista era apenas e exclusivamente ideológico e tático – ou seja, notadamente

político” (MOURÃO, 2012, p. 83).

Era muito mais uma concessão às forças políticas com as quais Kubitschek teve que jogar (PTB, PCB e PSD), devido às contingências do processo político. Além do mais, o nacionalismo dessas forças políticas era principalmente ideológico, pois que não correspondia a uma visão mais clara das possibilidades reais da economia brasileira. Também para essas forças o nacionalismo era muito mais uma retórica política; não se fundava numa interpretação de tipo científico da realidade nacional. (IANNI, 1979, p. 185 apud MOURÃO, 2012, p. 84)

Fazendo um balanço dos 29 anos que se passaram desde 1930, José Luís

Fiori (2001, p. 273) argumenta que o desenvolvimentismo brasileiro foi um projeto

conservador e autoritário, no qual a desigualdade na distribuição da riqueza e da

renda cresceu de forma contínua, apesar das melhorias nas infraestruturas, na

educação e nos demais serviços públicos. Na base de sustentação deste projeto

conservador e autoritário esteve uma coalizão de forças bastante abrangente e

heterogênea, arbitrada, sobretudo, pelo poder militar.

Na década de 1960, o processo de industrialização continuou a amadurecer e

a conquistar corações e mentes, incorporou diversos interesses empresariais e de

sindicatos.

Jânio Quadros assumiu a presidência (1961) com a economia ainda em

expansão, mas já em processo de desaceleração. Uma das medidas tomadas por

sua equipe econômica visava acabar com a transferência de renda do setor

exportador para o importador às custas do erário público e, por meio da Resolução

204 da Superintendência da Moeda e do Crédito, pôs fim aos subsídios ao câmbio

que beneficiavam alguns grupos econômicos importadores22. Além disso, unificou e

desvalorizou a taxa de câmbio – o que gerou uma pressão inflacionária -, pôs fim ao

ágio cambial instaurado durante o Governo Vargas, cortou recursos, enxugando a

máquina governamental e abriu diversos inquéritos e sindicâncias.

22

Entre os grupos desagradados com essa medida estavam os grandes jornais – pois importavam papel de imprensa aos custos do dólar subsidiado em mais de 70%.

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84

Com a renúncia de Jânio Quadros, sete meses em que esteve à frente da

presidência do país, instaurou-se uma aguda crise política. A posse do vice-

presidente João Goulart (PTB), conhecido por sua conexão com os sindicatos

trabalhistas herdeiros do varguismo, foi condicionada à adoção de um regime

parlamentarista, imposto por um verdadeiro golpe militar. Além das pressões

políticas, Goulart esteve confrontado à inflação crescente e ao desequilíbrio das

contas públicas herdada de governos anteriores.

Os contextos político e econômico da posse de Goulart, apesar de mais

graves, não diferiam muito da conjuntura existente quando Vargas assumiu em seu

segundo governo: tendência à desaceleração da economia, inflação crescente e, ao

longo do mandato, agravamento da situação das contas externas, déficit no balanço

de pagamentos e dificuldades de captação de poupança interna e de atração de

capitais externos; soma-se ainda um contexto de fragmentação política, polarização

ideológica e instabilidade das coalizões. Ambos os presidentes enfrentaram

problemas para tomar posse. O clima de radicalização por parte da oposição civil e

militar chegou a propor que as normas constitucionais não fossem respeitadas. A

crescente radicalização culminou com os finais trágicos do suicídio de Vargas (1954)

e o golpe militar que depôs Goulart, uma década depois (FONSECA e MONTEIRO,

2004)

Como ministro do Planejamento de João Goulart, Celso Furtado preparou o

Plano Trienal que projetava, no médio e longo prazos, as condições para dar

continuidade ao processo de crescimento econômico. Nestes termos, buscava

estabelecer regras e padrões de participação do capital estrangeiro, apostando

ainda e sempre que o processo de industrialização seria capaz de gerar efeitos

virtuosos que conduziriam à superação das novas formas de miséria que a

industrialização e urbanização estavam engendrando nas grandes cidades, em

acelerado processo de crescimento. A questão inflacionária também mereceu

atenção neste plano, uma vez que a sustentação macroeconômica precisava ser

pensada naquele contexto de crise (BIELCHOWSKY, 2011). O Plano apontava a

necessidade de reformas estruturais, que conduziriam o Brasil ao crescimento

sustentado. Como aponta Tavares (2010), no Plano também havia o diagnóstico de

que o Nordeste transferia renda para o Centro-Sul, o que gerou o entendimento de

que o BNDES deveria atuar de forma a minimizar tal processo (figura 2).

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85

O fim do primeiro ciclo do chamado desenvolvimentismo, segundo aponta

Francisco de Oliveira (2000, p. 125), teria sido o preço pago pelo otimismo cepalino-

furtadiano que, “ao desconhecer a questão operária, obscureceu também a forma

autoritária de que necessariamente se revestiria a modernização capitalista; nos

termos de Florestan Fernandes, subestimou-se a radical impossibilidade utópico-

revolucionária da dominação burguesa na periferia.”

Eli Diniz (2011) argumenta que o pacto nacional-desenvolvimentista que se foi

articulando entre os anos de 1946 e 1964 teve um “amplo suporte social, incluindo

as forças políticas de centro-esquerda, os sindicalistas, os militares nacionalistas,

um expressivo segmento do empresariado industrial e setores da intelectualidade

brasileira” (p. 495).

Sobre este primeiro ciclo desenvolvimentista brasileiro, Bielchowsky (2011)

diz que é possível identificar cinco correntes de pensamento, das quais três seriam

de cunho desenvolvimentista e teriam assumido a hegemonia no pensamento

econômico brasileiro. São elas:

i) O pensamento neoliberal de Eugênio Gudin, à direita;

ii) A corrente socialista, à esquerda, representada pelo historiador,

geógrafo e escritor marxista Caio Prado Júnior;

iii) O desenvolvimentismo do setor privado, representado sobretudo pelo

industrialista Roberto Cochrane Simonsen;

iv) O desenvolvimentismo do setor público não nacionalista, de Roberto

Campos – que nasceu na CMBEU para o Desenvolvimento Econômico e;

v) O desenvolvimentismo público nacionalista de Celso Furtado, Américo

Barbosa de Oliveira, Rômulo de Almeida e outros, que ocuparam importantes cargos

governamentais na década de 1950.

A ideologia desenvolvimentista representada pelas três últimas correntes é

que levou o Brasil a se transformar em produtor de matérias-primas agrícolas em um

país urbano e industrial (BIELCHOWSKY, 2011).

Apesar do autor ser correntemente associado ao nacional-

desenvolvimentismo, Furtado raramente usava o termo “desenvolvimentismo”. Além

disso, ele argumentava que seu pensamento enquadrava-se mais numa corrente

nacionalista-reformista, como é possível ver no trecho abaixo.

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O “desenvolvimentismo” é uma forma de conservadorismo, pois parte da premissa de que as estruturas econômicas e sociais que se formaram na Europa a partir da Revolução Industrial e que estão indissoluvelmente ligadas ao capitalismo podem ser transplantadas para a América Latina. Se não se considera o estruturalismo, a classificação que me parece corresponder ao meu pensamento é a de “nacionalismo reformista”, embora meu reformismo esteja ligado à ideia de sociedade aberta e que meu ponto de vista seja de que a sociedade brasileira jamais foi aberta em seu setor rural. Esse ponto de vista o expus em minha Pré-revolução brasileira (1961)

(ARQUIVO CELSO FURTADO, 1970 apud FONSECA, 2015, p. 38).

Para Malta et al. (2011, p. 46), até “aproximadamente 1960, o nacional-

desenvolvimentismo gozou de enorme prestígio intelectual e político na América

Latina, sendo considerado o pensamento hegemônico à época.”

Apesar da importância que Simonsen teve (sobretudo durante o primeiro

período Vargas), Cardoso (1964) argumenta que o empresariado do setor privado,

isto é, a burguesia industrial brasileira, era desarticulada tanto em termos políticos

quanto ideológicos.

Seguindo a metodologia weberiana do tipo ideal, o autor identificou duas

categorias de empresário (com foco em São Paulo):

a) capitães de indústria: dirigem suas empresas com critérios pessoais,

afeitos a se guiarem no mercado com base na “experiência”, e não necessariamente

no planejamento racional. Adotando práticas administrativas que não expressam

necessariamente a racionalidade capitalista, têm como modelo desejável o Estado-

patrimonialista, o Estado Protetor;

b) homens de empresa: representados pelos modernos executivos

profissionais, caracterizados pela racionalidade administrativa e impessoalidade.

Seria o empresário na forma schumpeteriana, para quem o lucro e a reprodução de

seu capital estão associados ao progresso técnico.

Segundo Cardoso, no Brasil predominavam os “capitães de indústria”, pouco

propensos a realizar investimentos visando à evolução da base técnica de suas

empresas. Na ausência de um claro projeto político de classe nas décadas de 1950

e 1960, a burguesia industrial estaria pressionada e fragmentada diante, de um lado,

dos interesses e motivações tradicionais – que a prendiam à concepção tradicional

de existência e ao latifúndio - e, de outro lado, pela dinâmica e interesses do

capitalismo internacional.

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87

Ora reage contra o imobilismo a que os grupos tradicionais querem limitar a política e a economia do país, ora reage contra as pressões urbanas e populares que tendem a quebrar a rotina. Hesita não porque não se dá conta de seus reais interesses, mas porque estes interesses são contraditórios (CARDOSO, 1964, p. 186). Isto quer dizer que qualquer teoria objetiva do papel da burguesia no processo de desenvolvimento e do próprio desenvolvimento acaba apontando um beco sem saída e que, portanto, a ação econômica dos industriais termina tendo de ser orientada antes pela opinião do dia-a-dia, ao sabor do fluxo e refluxo dos investimentos estrangeiros e da política governamental, do que por um projeto consciente que permita fazer coincidir, a longo prazo, os interesses dos industriais com o rumo do processo histórico (CARDOSO,1964, p. 210).

Para o autor, em um contexto inicial de ascendência aos assuntos do Estado,

entre os industriais era fraco o espírito de classe. O excessivo apego desse

empresariado aos interesses pessoais (devido à mentalidade de capitães de

indústria) frente ao pensamento mais amplo teria tramado uma ideologia burguesa

que não possuía uma ampla visão dos interesses capitalistas, o que a teria tornado

incapaz de alcançar a hegemonia.

Em 1965, Furtado já assinalava que mesmo com as importantes modificações

da estrutura social ocorridas23, não teria havido, até aquele momento, uma

correspondência adequada no sistema de instituições políticas. O autor

argumentava que

como o processo de industrialização se fez sem claro antagonismo com os interesses dos grupos ligados à velha agricultura de exportação, não se formou no país uma ideologia industrialista capaz de projetar-se significativamente no plano político. [...] Inexistiram, portanto, condições históricas que favorecessem o surgimento de uma atitude política própria, dos industriais, em contraste com outros grupos dominantes. Os industriais ou tinham interesses ligados à economia agrícola, ou aceitavam a tutela dos velhos e experimentados líderes da economia tradicional (FURTADO [1965], 2013, p. 410).

Conforme apontava Furtado, no plano ideológico não teria havido conflitos

entre o crescimento da indústria e agricultura, sobretudo no período de declínio da

economia cafeeira. Em outras palavras, a fusão entre o “velho” (oligarquias

23

A exemplo do incremento da população urbana, que em 1920 correspondia a 23% da população brasileira (sendo que o Brasil contava com cerca de 30 milhões de pessoas). Em meados da década de 1960 essa proporção aumentou para cerca de 44% (num país com 80 milhões de habitantes) – que Furtado estima possuírem um grau de alfabetização superior ao da população rural - o que deveria ter deslocado o centro de gravidade das atividades políticas e processos eleitorais.

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latifundiárias) e o “novo” (burguesia industrial) foi o fator responsável pelo insucesso

de um processo de mudanças profundas que poderiam ter sido revolucionárias no

país. Discutindo a aliança entre o “arcaico” - as elites agrárias, e o “moderno” - o

setor industrial - Fernandes (1987) aponta que

não era apenas a hegemonia oligárquica que diluía o impacto inovador da dominação burguesa. A própria burguesia como um todo (incluindo-se nela as oligarquias), se ajustara à situação segundo uma linha de múltiplos interesses e de adaptações ambíguas, preferindo a mudança gradual e a composição a uma modernização impetuosa, intransigente e avassaladora [...] o conflito emergia, mas através de discórdias circunscritas, [...] ditado pela necessidade de expandir os negócios. Era um conflito que permitia fácil acomodação e que não podia, por si mesmo, modificar a história” (FERNANDES, 1987, p. 204-205 apud BARBOSA, 2003, p. 35).

Na mesma direção que Cardoso (1964), Fernandes apontava que o

empresariado brasileiro não enxergava além do muro de suas fábricas, e essa era a

fronteira à qual estava circunscrito o seu parco espírito modernizador (BARBOSA,

2003).

Com uma perspectiva diferente acerca da participação da burguesia industrial

brasileira na política nacional, Ianni (1989) argumenta que, mesmo o Estado tendo

sido o mais importante centro de decisão no que diz respeito ao desenvolvimento

nacional, a burguesia industrial empenhou-se na tarefa de impor a sua dominação

de classe, ainda “que muitas vezes aparentando timidez ou falta de discernimento, a

burguesia industrial assume de modo crescente as suas possibilidades de atuação

sobre a política econômica estatal” (IANNI, 1989, p. 92 apud BARBOSA, 2003, p.

36). O autor argumenta que a burguesia, neste período, “define de modo claro suas

relações com o Estado”, “às vezes infiltrando-se no aparelho estatal, outras fazendo-

o operar em seu benefício, procurando converter as relações de produção em

relações de dominação de classe” (p. 36).

Também atribuindo importância às articulações políticas e econômicas da

burguesia industrial do Centro-Sul, Oliveira (1981) argumenta que a consequência

política dos processos de criação/integração do mercado nacional, com a

penetração das mercadorias produzidas no Centro-Sul (favorecida pelas medidas de

cunho político-institucional, pela melhoria dos transportes e pela incapacidade da

burguesia industrial nordestina em adaptar seus esquemas de geração de valor às

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determinações pautadas região Centro-Sul) teria sido a total perda do poder político

da burguesia industrial açucareira-têxtil (nordestina) sobre sua própria "região".

Essa perda de poder político impedia-lhe de utilizar o próprio Estado, capturado pela burguesia industrial do Centro-Sul e, no Nordeste, pela oligarquia algodoeiro-pecuária, para redirecionar seus esquemas de reprodução. A dupla incapacidade revela-se mortal para sua existência, enquanto classe que tinha um espaço próprio de reprodução; suas relações com a própria classe operária, que lhe era subordinada no esquema da geração do valor, serão gravemente afetadas (OLIVEIRA, 1981, p. 90)

O autor ainda faz uma profunda e detalhada discussão acerca dos conflitos

de classe emergentes das novas conjunturas políticas e econômicas, sobretudo “nos

nordestes” brasileiros. A tradição de confronto dos segmentos urbanos e rurais da

classe operária e da burguesia nordestina nos ramos açucareiro-têxtil tinha suas

raízes no fato de que a burguesia industrial do Nordeste, atada a esquemas de

reprodução que haviam recriado inclusive relações de produção não capitalistas, era

incapaz de gerir novas formas de geração de valor e, consequentemente, um novo

tipo de relações com a classe subordinada.

Sem mudanças quantitativas e qualitativas substanciais na composição

orgânica do capital, não se gerou um novo proletariado; e “mantendo-se atada à

armadilha da recriação de mecanismos de acumulação primitiva, os operários

enfrentavam-se também com a burguesia como se fossem camponeses”

(OLIVEIRA, 1981, p. 91). Neste contexto, a burguesia industrial nordestina foi

enfrentada tanto no terreno das relações de produção capitalistas, quanto no terreno

da eliminação das formas de trabalho semicompulsório, de sobretrabalho, ou da

reivindicação de terras.

A aliança da burguesia industrial com a base agrária oligárquica, representada pelo PSD24, era no Centro-Sul a forma de dissolução da economia à agroexportadora; no Nordeste, a preeminência do PSD era a forma de manutenção da economia algodoeira-pecuária. A integração nacional, agora comandada pelas leis de reprodução do capital industrial do Centro-Sul, expressava-se no Nordeste pelo agravamento das tensões burguesia-proletariado (OLIVEIRA, 1981, p. 91).

Eli Diniz (2011) também enfatiza o papel relevante à burguesia

24

Partido Social Democrático, criado em 1945, contou com nomes como Getúlio Vargas e Almirante Ernani do Amaral Peixoto (RJ), Fernando de Sousa Costa (SP), Benedito Valadares (MG) e Agamenon Magalhães (PE)

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na rede de alianças para o fortalecimento do capitalismo industrial no país. Segundo a visão então dominante, a aliança com setores do empresariado industrial nacional seria pré-requisito para romper a hegemonia das oligarquias agrárias. Nessa fase, o Brasil experimentou altas taxas de crescimento econômico, cerca de 7% ao ano. O auge deste processo se deu sob o governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), com a execução do Plano de Metas e o desenvolvimento da indústria automobilística, carro-chefe do modelo industrial que se implantou. A burocracia estatal, agora integrada pelos Grupos Executivos, ilhas de excelência criadas para fortalecer o núcleo tecnocrático do governo, continuou exercendo papel central

na execução da estratégia desenvolvimentista (DINIZ, 2011, p.

495).

Por um lado, a autora argumenta que a burguesia industrial teria tido uma

significativa influência nas decisões do Estado, mas em termos ideológicos, estaria

ainda em processo de amadurecimento, sendo incapaz de demonstrar uma visão

que não fosse unilateral e particularista dos problemas nacionais. A imaturidade

política do empresariado industrial, segundo Diniz, se explicitava “pela resistência a

medidas combinadas para evitar o custo social de vantagens desproporcionalmente

distribuídas” (DINIZ, 1978 apud BARBOSA, 2003, p. 38).

Debatendo a noção de “tripé do desenvolvimento”25

, sustentado na “sagrada

aliança” entre o Estado, o capital nacional e capital estrangeiro26 (com filiais de

multinacionais), Lessa e Daim (1982) propõem uma abordagem mais complexa

sobre o lugar e o papel do capital nacional no desenvolvimento capitalista brasileiro.

Esta sagrada aliança se teria realizado por meio de um pacto composto por duas

cláusulas básicas, que determinam: i) a disposição de determinadas órbitas de

acumulação (industrial, financeira, agrária etc.) para cada tipo de capital (nacional,

estrangeiro e estatal); ii) a regulação dos níveis de lucros dos capitais associados,

ou seja, a garantia de que o capital nacional (não industrial) não terá níveis de

25

Fernando Henrique Cardoso já falava, em 1972, do “tripé do desenvolvimento dependente-associado”, que decorre do processo de desenvolvimento e de dependência capitalista. Na sua concepção, os grandes beneficiários são as “empresas estatais, as corporações multinacionais e as empresas locais associadas a ambos” (CARDOSO, 1972, p. 57).

26 O autor lembra que mesmo que a industrialização ter se tornado o movimento central do nosso desenvolvimento, historicamente algumas economias latino-americanas já haviam se projetado como espaços de acumulação por frações de capital estrangeiro. Assim, o autor mostra que antes da década de 1950 nossas economias forneceram o palco de avant-première do movimento, pois antes da Primeira Guerra Mundial já ocorriam instalações de filiais estrangeiras com operações industriais. Obviamente com o passar dos anos esse movimento foi ampliado, passando a ter implicações de internacionalização (LESSA e DAIN, 1982).

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91

rentabilidade inferiores aos ganhos auferidos pelo capital estrangeiro (industrial).

Assim, as filiais multinacionais “aceitaram uma posição subordinada a outras

órbitas de capital que determinavam o comando do movimento de expansão

capitalista” (LESSA e DAIN, 1982, p. 222). Coube ao Estado a função de gestor

deste pacto do capitalismo associado, que deveria tanto garantir que o capital

estrangeiro não rompesse a sua órbita de acumulação, quanto permitir a valorização

especulativa de lucros, apropriados pelos capitais das órbitas não industriais

(nacionais), ou seja, a acumulação por espoliação (HARVEY, 2004, 2008, 2012) ou

acumulação primitiva permanente (BRANDÃO, 2010). O capital nacional, sustentado

por este pacto, é composto por “classes fundadas e arraigadas em formas

mercantis, patrimonialistas, financeirizadas, usurárias e rentistas,

descompromissadas com o povo e com a nação” (BRANDÃO, 2010, p. 48). Os

pactos desta sagrada aliança permitiram que este capital nacional (ou o

empresariado nacional) se acomodasse em sua órbita não industrial, “desimpedidos

para a extração de lucros com pouco ou nenhum risco” (BRANDÃO, 2010, p. 49).

Na avaliação de Fiori (1997), o pacto conservador em que se sustentou a

modernização e o desenvolvimento nacional bloqueou a institucionalização de

estruturas que permitissem e dessem conta da ampliação da cidadania política e

social. O alinhamento geopolítico com os Estados Unidos, sobretudo nos anos de

1941 (no contexto da 2ª Guerra Mundial), e depois de 1955 – pela estratégia da

industrialização transnacionalizante - teria abortado o projeto de potência regional do

nacional-desenvolvimentismo (FIORI, 2001), ao ponto de ser chamado de

desenvolvimentismo consentido, pois foi levado à frente sob a hegemonia

estadunidense. Esta hegemonia não foi tocada pelo Plano Marshall para a América

Latina, mas pelo investimento privado de grandes corporações americanas e

europeias, “aproveitado” sobretudo por Juscelino: “não teve Plano Marshall, então

tem Volkswagen, Ford, etc.” (FIORI, 1997, p. 173).

3.1.3 A dimensão espacial, o desequilíbrio do desenvolvimento regional – os resultados das estratégias espaciais de Estado

Até 1930, as atividades econômicas do país eram orientadas para o exterior e

o Brasil se configurava como uma espécie de “arquipélago de economias regionais”

(OLIVEIRA, 2008), com uma formação socioespacial relativamente desarticulada,

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92

com cada “ilha” regional mais voltada para o exterior, atendendo às demandas que

lhes cabiam de acordo com seu papel primário–exportador. Havia pouca ou

nenhuma articulação do território nacional (figura 1).

Figura 1 – Evolução da rede de transportes

Fonte: MOREIRA (2014)

A imagem mostra a interiorização, a interligação e o adensamento da rede de

transportes ao longo dos anos no Brasil.

Foi no governo de Washington Luís, na década de 1920, que ocorreram os

primeiros investimentos em infraestrutura rodoviária no Brasil – a exemplo da Rodovia

Rio-São Paulo, que foi a única estrada pavimentada até 1940. Os governos Vargas e

Dutra deram prosseguimento aos investimentos rodoviários. Em 1944, foi criado o

Plano Rodoviário Nacional – PRN, que previa seis rodovias longitudinais, quinze

transversais e seis ligações, que totalizariam 35.574 km. Muitas das estradas

construídas na década de 1940 tinham traçados paralelos aos traçados ferroviários.

Em 1946 começaram a ser construídas as “rodovias de penetração”, em direção ao

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interior brasileiro, além de ter sido pensado o primeiro plano com abordagem

multimodal.

A passagem dos anos 1940 e 1950 foi o período em que se sedimentou o

deslocamento do fluxo das migrações nordestinas para o Sudeste, que até então

eram dirigidas para a Amazônia (resíduo do ciclo da borracha da década de 1920 e

da Batalha da Borracha decorrente dos Acordos de Washington, durante a II Guerra

Mundial). É nesse período que ocorre também a ramificação e difusão da rede viária

(sobretudo rodoviária) ligando o Sudeste ao Sul, Nordeste e Norte,

engendrando a divisão territorial polarizada do trabalho que aí tem lugar. Assim, ao tempo que o campesinato autônomo tornado posseiro se desloca do Nordeste, do Centro e do Sul para a fronteira Centro-Norte, o campesinato dominial tornado proletário rural se desloca do mesmo Nordeste, Centro e Sul para empregar-se nas áreas capitalizadas da agropecuária do Sudeste. São estes no conjunto os ingredientes necessários para fazer da proletarização com ampliação do campesinato27 o núcleo da nova qualidade do binômio latifúndio-minifúndio. E desta nucleação a base da reafirmação moderna do latifúndio declarado empresa rural (MOREIRA, 2014, p. 197).

O adensamento e a interiorização da rede de transportes são acelerados a partir

do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) – representado, na figura 1, pelo

mapa 4. Neste período, o rodoviarismo se intensificou, pois a rodovia e os automóveis

eram propagandeados como um símbolo de modernidade, ao passo que as ferrovias

viraram um símbolo do passado. Os mapas 5 e 6 (figura 1) representam,

respectivamente, os anos 1964-1974 e 1974-1980.

A principal atividade exportadora do início do século XX – a produção de café

– era fortemente estabelecida no Sudeste brasileiro, tendo começado no Rio de

Janeiro e se expandido e fortalecido em São Paulo. No contexto histórico em que

houve a consolidação deste “complexo cafeeiro” (MELLO, 2009), houve também: a

abolição da escravidão, um intenso fluxo migratório aumentando a oferta de mão de

obra, a acumulação de capital, a construção de infraestruturas para o escoamento

produtivo e a crise de 1929 – questões que deram as condições para que em São

27

O ritmo acelerado do crescimento demográfico do período permite a reposição da força de trabalho tanto no âmbito rural como urbano – mesmo com o acelerado êxodo rural, a população rural cresceu em termos absolutos ininterruptamente até a década de 1970 – por mais que em termos relativos ela tenha diminuído.

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94

Paulo se estabelecesse o principal parque industrial do país. Após a crise, com a

retenção das exportações e um volume de capital acumulado, houve uma mudança

na pauta de importações em favor de bens de capital e bens importados necessários

para promover a produção nacional.

Desta forma, até meados do século XIX, o território nacional continha três

polos econômicos: Recife, Salvador e Rio de Janeiro. O eixo Rio de Janeiro-São

Paulo virou o centro do processo de acumulação graças à produção de café, que

também era produzido no sul de Minas Gerais. Apesar de ser comum encontrar

referência à “política do café com leite28” na historiografia nacional para descrever a

alternância de poder durante a Primeira República - quando a sustentação política

nacional passou pela articulação entre os produtores de café paulistas e mineiros -

Tavares et al. (2010) argumentam que não seria um exagero falar em política “café

com café”, uma vez que as oligarquias exportadoras de café de ambos os estados

dominavam o cenário político nacional.

Na década de 1930 teve início a Era Vargas. Novos ministérios foram criados

- como o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e o Ministério da Educação e

Saúde – e os estados perderam parte significativa da sua autonomia política em

função da centralização nas mãos do poder Executivo Federal. Como já foi

apresentado, inaugurou-se um período conhecido como nacional-

desenvolvimentista, no qual a industrialização nacional passou a fazer parte da

agenda governamental. Neste período também houve as primeiras tentativas de

intervenções mais amplas e plurissetoriais, como o “Plano especial de Obras

Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional (1939); o Plano de Obras e

Equipamentos (1943); e o Plano SALTE (Saúde, Alimentação, Transporte e

Energia), de 1950” (COSTA NETO, 2004, p. 98).

Houve também a intervenção do Estado na economia açucareira por meio da

criação do Instituto do Açúcar e do Álcool-IAA (1933), cuja missão era, sobretudo,

“estabelecer uma divisão regional do trabalho da atividade açucareira em todo o

país, emergindo já com muita força a produção de açúcar nos Estados de São Paulo

e do Rio de Janeiro” (OLIVEIRA, 1981, p. 67). Estabeleceu-se um mecanismo de

quotas de produção para cada região “açucareira” do Brasil, de forma a garantir

preços mínimos, financiamento da produção e relação entre fornecedores de cana e

28

O leite era o principal produto da economia mineira.

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as usinas. Membros da burguesia açucareira do Nordeste (sobretudo

pernambucanos) estiveram presentes nos principais cargos do IAA. Contudo,

mesmo sob a direção de membros da burguesia açucareira nordestina, o eixo da

produção do açúcar passou do Nordeste para a "região" industrial comandada por

São Paulo, ao mesmo tempo em que se reproduziam os elementos “primitivos do

nordeste açucareiro”. Tal mudança ocorreu por meio de novos mecanismos de

proteção do Estado Nacional.

Com isso, parte dos capitais empregados na atividade cafeicultora foi

desviada para a produção de açúcar – o que o autor interpreta também como parte

de uma estratégia política para desacelerar a produção do café e debilitar a posição

dos "barões" na estrutura do poder – num contexto ainda de transição entre os

barões do café e a burguesia industrial. “Em outras palavras, enquanto a débâcle do

café rapidamente "descolonizou" as relações de produção, isto é, liquidou com

relações de trabalho típicas do colonato, na ‘região’ do ‘Nordeste’ açucareiro, os

mecanismos do IAA serviram para reforçar as características arcaicas que ela havia

recriado como mecanismo de defesa” (OLIVEIRA, 1981, p. 68). Então, quando a

expansão do capitalismo nacional passa a ocorrer por meio da industrialização

voltada ao mercado interno, a burguesia industrial nordestina “cai na armadilha do

IAA, que se lhe viabilizava manter-se, cortava-lhe a expansão, exatamente porque a

mantinha sob as mesmas condições de coexistência com formas de acumulação

não capitalista” (OLIVEIRA, 1981, p. 90).

Então, o desenvolvimento industrial da "região" de São Paulo começou a

definir a divisão regional do trabalho nacional, recompondo peças do "arquipélago"

de economias regionais, que eram determinadas sobretudo por suas relações com o

exterior (OLIVEIRA, 1981, p. 74).

Durante o primeiro governo Vargas, na perspectiva do autor, estava em curso

a “implantação de um projeto de Estado nacional unificado, em sua forma política,

que recobria a realidade de uma expansão capitalista que tendia a ser hegemônica”

(OLIVEIRA, 2008, p. 200). Entre as outras medidas, Oliveira cita: a eliminação das

barreiras alfandegárias interestaduais - que existiam na forma de imposto estadual

sobre os produtos provenientes de outros Estados; o fim da liberdade estadual para

legislar sobre comércio exterior; e a instituição do Imposto de Consumo sobre as

mercadorias produzidas no país. Além das medidas político-institucionais que

proviam a imposição do “equivalente geral da economia industrial ao conjunto do

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96

país” (p.200), houve ações no sentido do dispêndio de recursos estatais em malhas

viárias (figura 1), que possibilitaram espacialmente a circulação nacional das

mercadorias produzidas no Centro-Sul – reforçando seu poder de competição frente

as outras "regiões" e, em alguns casos, às importações. Assiste-se, assim, à

progressiva destruição das economias "regionais", que não era “senão uma das

formas da expansão do sistema em escala nacional” (p. 75-76). A criação de um

mercado nacional unificado por meio da

imposição em escala nacional do equivalente geral da economia da "região" de São Paulo, vai encontrar aquela burguesia [do Nordeste] extremamente debilitada, incapaz de redefinir seu próprio esquema de reprodução, incapaz de impor, sob seu comando, e no seu espaço de reprodução, a seu favor, o equivalente geral da economia industrial (OLIVEIRA, 1981, p. 90)

A destruição ou fechamento de fábricas, a invasão de produtos agrícolas do

Centro-Sul e os ritmos diferenciais de acumulação levaram a que as mercadorias

“dos Nordestes" sucumbissem, em todos os setores, frente às do Centro-Sul.

Mesmo no setor têxtil, o "Nordeste" algodoeiro-pecuário perdeu terreno para o

algodão herbáceo do Centro-Sul.

Já, em outras regiões, os efeitos da expansão capitalista do Centro-Sul foram

diferentes. Enquanto “nos Nordestes” o efeito inicial destruidor ocorreu porque lá

existiam "economias regionais", no Centro-Oeste a redivisão regional do trabalho

tomou as formas de "criação", visto a expansão pecuária em direção aos Estados de

Minas Gerais e Goiás, do café e da pecuária para o Mato Grosso, e do café sobre o

Paraná29. No Extremo-Sul, os efeitos da "integração nacional" foram semelhantes ao

que ocorreu no Nordeste, com a dissolução da circularidade específica do modo de

crescer da economia gaúcha ((OLIVEIRA, 1981, p. 77).

A forma espacial do Estado30 (BRENNER, 2004) começa a passar por um

processo de centralização. Se antes os poderes regionais relacionavam-se

diretamente e de forma mais autônoma com outros poderes externos, a partir da era

29

Uma das questões que contribuíram para isso foi a elevação da renda da terra no Estado de São Paulo – o que tornou improdutivas as culturas de café para aqueles que a realizavam por meio das práticas do "colonato". Isso levou à expansão da fronteira do café para o Mato Grosso e Paraná, estados em que a participação da renda da terra no produto social era mais baixa (OLIVEIRA, 1981, p.84)

30 Ver sessão 2.4 deste trabalho.

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97

Vargas, as hierarquias vão sendo alteradas por meio da territorialidade do poder

central, que foi tecendo estratégias para implementar projetos espaciais de Estado

que viriam conferir coerência organizacional e unidade funcional a esta forma

espacial do estado agora centralizada.

Em consonância com os interesses dos grupos industriais

(predominantemente do Sudeste, concentrados em São Paulo), o Estado passou a

intervir de forma crescente na economia, a exemplo da redução dos obstáculos

institucionais – como os impostos estaduais sobre o comércio interestadual, e dos

investimentos no desenvolvimento do sistema de transporte (CANO, 1977;

OLIVEIRA, 1977; ARAÚJO, 1979; GUIMARÃES NETO, 1989, 1997). Contudo, havia

bases financeiras e técnicas insuficientes, que não permitiam que a capacidade

produtiva crescesse adiante da demanda, de modo a autodeterminar o processo de

desenvolvimento industrial.

Este período de “industrialização restringida” (MELLO, 2009) perdurou dos

anos trinta até o Plano de Metas de JK (1956-1960). Estas estratégias espaciais de

Estado (BRENNER, 2004), através da seletividade espacial, influenciaram as

geografias dos investimentos em infraestrutura, o desenvolvimento industrial e as

lutas sociopolíticas. As instituições estatais, agora ainda mais centralizadas,

desenvolveram um papel decisivo nas estratégias de acumulação e de projetos

hegemônicos, além de terem intervindo na reorganização dos embates políticos e

das geografias da acumulação do capital. Os discursos entrelaçados do

desenvolvimento-modernidade-industrialização serviram como legitimadores deste

processo.

Após a criação do BNDE, até meados da década de 1960, foi-se constituindo

o que Cavalcante (2007) chama de “sistema nacional de bancos de

desenvolvimento”. Trata-se da criação de:

(i) bancos federais de abrangência regional, como o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), ainda em 1952, e o Banco da Amazônia S.A. (BASA), em 1966, a partir do antigo Banco de Crédito da Amazônia; (ii) um banco interestadual de desenvolvimento – o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) –, em 1962, através de uma iniciativa conjunta dos três estados que compõem a região Sul; e (iii) bancos estaduais de desenvolvimento (CAVALCANTE, 2007, p. 14).

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98

Esse sistema, segundo o autor, era razoavelmente articulado, com

instituições financeiras capazes de executar uma política de crédito do setor público.

O projeto nacional-desenvolvimentista refletiu-se nas ações do BNDE – que

assumiu um papel estruturante e agiu diretamente nos setores que exigiam

investimentos de longo prazo. Em 1953, sob a responsabilidade de Celso Furtado,

foi criado o Grupo Misto BNDE-CEPAL (1953), que apontou os problemas de

transporte e energia como os principais empecilhos para a continuidade do

crescimento econômico do país. Como já foi apresentado, o plano de

desenvolvimento que resultou dos estudos feitos no âmbito do Grupo Misto BNDE-

CEPAL nunca chegou a ser implementado, mas serviu de base ao Plano de Metas

do governo de Juscelino Kubitschek.

Diante dos gargalos identificados pelo grupo BNDE-CEPAL, em sua primeira

fase, os recursos do BNDE foram destinados significativamente à infraestrutura

nacional (principalmente transporte e energia). Entre os primeiros projetos apoiados

estavam: a Estrada de Ferro Central do Brasil (remodelação da via permanente,

novas variantes, oficinas para equipamentos e compra de 2.265 vagões);a Estrada

de Ferro Central do Brasil (trens suburbanos da cidade do Rio de Janeiro); a Estrada

de Ferro Santos-Jundiaí; a Rede de Viação Paraná-Santa Catarina; a Rede Mineira

de Viação; o Departamento Estadual de Estradas de Rodagem (Rio de Janeiro); a

Estrada de Ferro Noroeste do Brasil; a Companhia Paulista de Estradas de Ferro; a

Companhia Docas de Santos; o Porto do Rio de Janeiro; o Departamento Nacional

de Portos (Rios e Canais); a American & Foreign Power (Light); a Companhia

Hidrelétrica do São Francisco (Chesf); a Comissão Estadual de Energia Elétrica (Rio

Grande do Sul); a Usina Hidrelétrica de Salto Grande (São Paulo); a Companhia

Mato-Grossense de Eletricidade; a Companhia de Eletricidade do Alto Rio Grande

(Itutinga/MG); a Companhia de Energia Elétrica de Catanduva (Espírito Santo); a

Usina Termelétrica de Piratininga; a Companhia Nacional de Álcalis; a Companhia

Metalúrgica Barbará; o Ministério da Agricultura (aquisição de vários tipos de

equipamentos agrícolas); o Estado do Rio Grande do Sul (para a construção de uma

rede de silos); o Banco Exportação do Estado de Minas Gerais (proposta de crédito

para compra de equipamento agrícola) (PAIVA, 2012, p. 27).

A articulação mercantil promoveu uma interação entre regiões com diferentes

estruturas capitalistas. Contudo, para constituir uma articulação e um mercado

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interno nacional, não bastava prover as condições estruturais físicas entre as

diferentes regiões: era necessário também articular os interesses, possibilidades e

complementariedades regionais nesta relação que surgia entre o principal polo

produtivo industrial e as demais regiões no âmbito do Estado Nacional (OLIVEIRA e

WERNER, 2013).

No texto A nova divisão territorial do trabalho e as tendências de configuração

do espaço brasileiro, Ruy Moreira (2014) aponta que, se em 1907 o Sudeste

concentrava 56% do total de indústrias brasileiras, em 1958 – em um lapso de

apenas quatro décadas, esse valor passara para cerca de 80%, indicando grande

concentração em termos quantitativos. Mas,

do ponto de vista da estrutura setorial os estados brasileiros não se distinguem tão radicalmente entre si ainda, sendo a estrutura setorial a mesma em todos eles. São indústrias de bens de consumo não duráveis, têxteis e alimentícias, sobretudo. Quando muito, percebe-se uma maior diversidade no leque dos ramos dos bens de consumo não duráveis em São Paulo e Rio de Janeiro, mais em São Paulo que no Rio de Janeiro (MOREIRA, 2014, p. 255).

Assim, haveria uma “duplicidade geográfica na estatística industrial do país”:

se em termos de distribuição territorial há a concentração nos estados do Sudeste

(sobretudo SP e RJ) – o que já havia em 1907 e se intensificou em 1958 – do ponto

de vista da composição setorial não existia, até então, grande diferenciação. Até

aqui, se tratava mais de uma divisão regional quantitativa do que qualitativa (no que

diz respeito à indústria). Esse quadro vai ser alterado na medida em que novos

ramos da indústria vão sendo desenvolvidos e vão se instalando, sobretudo, em São

Paulo.

Com o Plano de Metas (1956-1961), deu-se início a um período de

industrialização pesada no Sudeste, caracterizado não apenas pelo movimento de

articulação comercial iniciado no período anterior, mas também pelos fluxos de

capitais entre as regiões brasileiras. Diferentemente do período de industrialização

restringida, no período de industrialização pesada o dinamismo das periferias

regionais foi determinado pelo movimento do principal polo produtivo da economia

brasileira, em decorrência do estabelecimento de uma divisão inter-regional do

trabalho. Dessa maneira, a dinâmica das economias periféricas respondia ao

comportamento da economia paulista, principalmente a partir do Plano de Metas,

quando o processo de industrialização passou a ser liderado pelos setores de bens

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100

de produção, bens de capital, bens de consumo duráveis ou bens de consumo não-

duráveis, cujos parques industriais mais avançados localizavam-se em território

paulista (CANO, 2007 apud OLIVEIRA e WERNER, 2013).

Quanto ao BNDE, a maior parte dos recursos foram aplicados na região

Sudeste (tabela 1 - figura 2). Cabe também destacar que, embora entre 1952 e 1964

o BNDE já fosse considerado o maior financiador de longo prazo para o setor

privado, cerca de 84% dos seus financiamentos foram destinados ao setor público.

(COSTA, 2004) (figura 3).

Tabela 1– Desembolsos do BNDE com operações contratadas, segundo as regiões geoeconômicas e unidades da Federação (1956-1960)

31

Fonte: XIV Exposição sobre o Programa de Reaparelhamento Econômico, BNDE (1965).

31

Dados disponíveis em: TAVARES, Maria da Conceição; Melo, Hildete Pereira de; CAPUTO, Ana Claudia; COSTA, Gloria Maria Moraes da; ARAÚJO, Victor Leonardo de. O Plano de Metas e o papel do BNDE. Memórias do Desenvolvimento. Ano 4, nº 4. Rio de Janeiro: Centro Internacional

Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, 2010. Disponível em: < https://goo.gl/FWexFl >. Acesso em:10/10/2015.

* Inclusive parcela de financiamento a projetos que abrangem mais de um estado da região. Obs.: Os desembolsos são operações relativas a empréstimos contratuais. Não figuram neste quadro: 1) Desembolsos à conta de participação societária (com recursos próprios ou do Funai); 2) aplicações diretas das companhias de seguro e capitalização; 3) desembolsos com a importação de material marítimo destinado ao DNPVN.

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Figura 2- Desembolsos do Sistema BNDES: Regiões - 1953/1964, em %

Fonte: REDIVO, A. S.; Cario, S. A. F. (2013). Dados adaptados de Tavares (2010, p. 242-243).

Figura 3 - Provações de financiamento do sistema BNDES para os setores público e privado -1952/60

Fonte: Redivo e Cario (2013). Dados adaptados de NAJBERG (2002, p.353).

Observando a tabela 1, verifica-se que os desembolsos feitos pelo BNDE

neste período ficaram significativamente concentrados nos Estados de São Paulo e

Rio de Janeiro. Baseados nisso, Tavares et al. (2010, p. 82) argumentam que, em

relação à questão regional, não obstante o fortalecimento do mercado interno e os

investimentos em infraestrutura em diversas regiões, o Plano de Metas concentrou

suas ações no triângulo Rio de Janeiro - São Paulo - Minas Gerais. A construção de

Brasília e a transferência do Distrito Federal para a região Centro-Oeste do país não

foram suficientes para que a industrialização em curso se interiorizasse.

A integração do mercado nacional e a divisão inter-regional dela resultante

viriam a ser caracterizadas pela intensa concentração produtiva, que alcançou níveis

até então inéditos na década de 1950, dando surgimento ao que viria a ser a

questão regional brasileira, naquele momento com foco em uma região específica, o

Nordeste.

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102

Após desligar-se de seu cargo nas Nações Unidas e retornar da Europa,

Celso Furtado foi convidado a assumir uma diretoria no BNDE. Diante do “barril de

pólvora” que se tornou a região Nordeste em função das sucessivas secas, dos

conflitos de classes e demandas de movimentos sociais em torno da questão da

posse da terra, em 1958 foi criado no BNDE o Grupo de Trabalho para o

Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) - cujo objetivo era aprofundar os estudos

sobre a questão nordestina. Então, foi elaborada a primeira análise teórica global

das desigualdades regionais no Brasil, coordenada pelo advogado paraibano Aluísio

Campos que, segundo relatos de Furtado, contava com uma equipe composta de

técnicos estrangeiros que pouco conheciam a região; os que a conheciam não eram

capacitados e não tinham formação na área de desenvolvimento econômico

(TAVARES et al., 2010).

Com uma orientação histórico-estrutural cepalina, Furtado buscou alternativas

que promovessem transformações estruturais e desafiassem as estruturas

“anacrônicas e anti-sociais” (FURTADO, 1989 apud OLIVEIRA e WERNER, 2013, p.

13). Tratando a questão a partir do conceito de subdesenvolvimento, Furtado

organizou suas tarefas no BNDE de modo independente das atividades no Grupo de

Trabalho. Foi incisivo em sua crítica da chamada “solução hidráulica”, que desde

sempre havia sido sustentada pelo Departamento Nacional de Obras Contra as

Secas – DNOCS32, e que notoriamente beneficiava a “indústria da seca” e os

grandes proprietários de terra.

Concordando com esta avaliação a respeito do DNOCS, Oliveira aponta que

ainda que se aceite que os gastos do DNOCS eram investimentos do Estado, não significavam eles em absoluto transformação das formas do ciclo produtivo; não tiveram, sob nenhuma circunstância, o condão de transformar as condições da produção social do Nordeste algodoeiro-pecuário. Significaram simplesmente um reforço das condições da própria estrutura produtiva, tanto na esfera da

32

O DNOCS é a mais antiga instituição federal com atuação no Nordeste. Chamou-se primeiramente Inspetoria de Obras Contra as Secas - IOCS (1909) e foi o primeiro órgão a estudar a problemática do semiárido. Em 1919, passou a chamar-se Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas - IFOCS e, em 1945 foi transformado em DNOCS. Segundo Francisco de Oliveira, o DNOCS representou um esforço no sentido do estudo da ecologia regional, com uma excelente equipe de engenheiros, agrônomos, botânicos, pedologistas, geólogos, hidrólogos, que avançaram muito no “conhecimento físico do Nordeste semiárido, de suas potencialidades e limites de solo, água, botânica, de sua flora nativa e das possibilidades de adaptação de outras espécies. Não se avançou nada, porém, em termos do entendimento e desvendamento de sua estrutura socioeconômica” (OLIVEIRA, 1981, p. 51). O DNOCS construiu barragens para represamento de água, para utilização em períodos de seca, e passou a construi-las nas propriedades de grandes e médios fazendeiros: não eram barragens públicas, na maioria dos casos (p. 54).

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produção quanto na esfera da circulação e da apropriação [...] a intervenção do Estado sob a forma da ação e dos gastos do DNOCS mantivesse, mais do que transformasse, as condições de reprodução da estrutura econômica e social: conduziu, em suma, a uma forma de Estado oligárquico, onde se fusionavam e tornavam-se indistintas as esferas próprias do Estado e da sociedade civil (OLIVEIRA,1981, p. 52- 53).

Na perspectiva do autor, o Estado foi “capturado por esse ‘Nordeste’

algodoeiro-pecuário, e mais do que isso, num mecanismo de reforço, o Estado era

esse ‘Nordeste’ algodoeiro-pecuário” (OLIVEIRA,2008, p.176). No que diz respeito

às relações entre as classes "regionais”, as esferas estatais que ficavam no

Nordeste eram como um “Estado imobilista” (p. 94). Este imobilismo serviu também

à acumulação na escala nacional, com a reiteração dos termos de reprodução da

economia industrial, processo esse que descapitalizou a economia nordestina em

favor do centro da acumulação. Por isso, conteúdos estruturais do populismo jamais

estiveram presentes no Nordeste – diferente do Centro-Sul – e, portanto, os conflitos

de classes nestas regiões não guardavam semelhanças, exceto pela utilização das

siglas políticas por parte dos intérpretes, importando menos as siglas partidárias e

mais o sentido dos movimentos (p. 108-109).

Com o agravamento dos conflitos sociais no Nordeste33, em 1959 Furtado foi

incumbido de preparar um plano de ação, que culminou no que seria denominado de

33

A apaxagrariae nordestina, que era “simultaneamente condição e resultado da hegemonia da economia algodoeira-pecuária e da oligarquia dos "coronéis"” (OLIVEIRA, 1981, p. 92), começou a ser erodida da década de 1950 no Nordeste, num contexto em que a burguesia industrial nordestina entrou em decadência e recorreu crescentemente a formas não-capitalistas de reprodução, e que parte do proletariado (que também era simultaneamente semicamponês), reivindica terras e o fim das formas de trabalho semicompulsórios. Diante do rebaixamento de seu nível de vida, este proletariado semicamponês busca saídas no aumento de suas culturas de subsistência.

O conflito de classes entre as forças populares do Nordeste e as combalidas forças dominantes locais, burguesia industrial e oligarquia latifundiária, num processo que estava desembocando claramente na perda de hegemonia daquelas classes dominantes, expressa-se bem sob outros aspectos, e

nesse sentido é antagônico, também, com a expansão do capitalismo monopolista a partir do Centro-Sul. O conceito de hegemonia é aqui utilizado inspirado em Gramsci, sem dúvida. As forças populares do Nordeste evidentemente ainda não tinham conquistado as alavancas do poder econômico, mas caminhavam no sentido do controle político, e mais, o que é muito importante: estavam impondo sua hegemonia cultural, se assim quisermos chamar, ou sua hegemonia ideológica, ao nível das instituições da superestrutura. É no Nordeste que surgiram os chamados "movimentos de educação de base", primeiro baseados na ação da Igreja Católica, cuja raiz consistia no abandono dos conceitos tradicionais de educação formal e na tentativa de rejeitar a escola como uma instituição que reproduz as estruturas formais de dominação: é no Nordeste que uma instituição como a Igreja

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“Operação Nordeste”, dando início a uma política para a região que culminaria na

criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE)34.

O relatório apontava que a política hidráulica voltada ao Nordeste exacerbava,

ao invés de atenuar, as consequências econômicas e sociais da seca, uma vez que

era voltada para as grandes propriedades que praticavam a pecuária, e não para a

produção familiar dos pequenos proprietários ou produtores rurais sem-terra – o que

ia ao encontro dos interesses das oligarquias rurais, pois se referia à estrutura que

elas comandavam (ARAÚJO, 2006). O subdesenvolvimento foi entendido como o

resultado de uma formação histórico-estrutural particular, e somente transformações

estruturais poderiam levar à sua superação. O caminho estaria na industrialização

autônoma e no fortalecimento da burguesia regional, como forma de engendrar um

centro decisório endógeno e transformador. Ao fim e ao cabo, o desenvolvimentismo

regional apostava na industrialização, no progresso técnico e na conformação de

uma burguesia autônoma e modernizadora.

No entendimento do GTDN, a mudança econômica do Nordeste dependeria

de quatro ações fundamentais, quais sejam:

i) a industrialização - que seria a única forma de reverter a deterioração

dos termos de intercâmbio entre o Nordeste e o Centro-Sul. Apesar da centralidade

da questão da industrialização, havia o entendimento de que era necessário resolver

Católica começa a tomar posição aberta pela reforma agrária, quando no Centro-Sul a voz isolada de um Cardeal Carmelo Mota submergia em meio à maré comandada pelos Dons Sigauds da vida; [...] É no Nordeste que vai emergir o chamado processo de educação, orientado teoricamente por Paulo Freire, cuja raiz residia na conscientização, isto é, inverter o processo tradicional do aprendizado que começa pelo conhecimento para terminar - se acaso chegar lá - à consciência das situações sociais; é no Nordeste que o Movimento de Cultura Popular do Governo Miguel Arraes, desde a Prefeitura do Recife, não apenas põe em prática o método Paulo Freire, mas começa a valorizar os elementos da cultura popular para, a partir deles, desmitificar os processos de dominação e exploração; é no Nordeste, mais precisamente sob o Governo municipal de Djalma Maranhão que se produz o magnífico movimento educacional cuja sigla era "de pé no chão também se aprende a ler", que não se reduz a uma questão de economia de investimentos, mas propunha uma educação para o poder. É no Nordeste, finalmente, para não tornar mais longa a relação, que o movimento das Ligas Camponesas utiliza o Código Civil para combater a propriedade, o sobre-trabalho, o "cambão” (OLIVEIRA. 1981, P. 112).

34 Francisco de Oliveira lembra que a Sudene teve como precursor o Banco Nacional do Nordeste (BNN), criado em 1953, que teria sido a última instituição estatal a ser capturada pela oligarquia agrária algodoeira-pecuária do Nordeste. O BNB só teria começado a fazer parte de uma intervenção “planejada” do Estado com a criação da SUDENE (1981, p. 94).

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105

o problema agrícola (não necessariamente agrário) do Nordeste para que a

industrialização tivesse efetividade;

ii) a reorientação da agricultura nordestina para a diversificação e o

aumento da produção de alimentos – que favoreceria o mercado regional, o que

contrariava os interesses dos grandes proprietários que não queriam perder o

mercado cativo, sobretudo os açucareiros (que eram subvencionados pelo governo

federal e defensores da agro exportação) e a intocabilidade da propriedade da terra,

uma vez que tal reorientação produtiva legitimaria os argumentos dos defensores da

redistribuição de terras e tinha potencial para incentivar as lutas camponesas contra

os latifúndios;

iii) o enfrentamento do problema das secas no semiárido - não pela

simples construção de mais açudes, mas da sua distribuição racional e pela criação

de uma economia específica para o semiárido que considerasse as peculiaridades

climáticas, adaptando, através de técnicas adequadas, a agricultura às vicissitudes

da região.

iv) a absorção da população emigrante do semiárido - por meio da

expansão da fronteira agrícola, preferencialmente para o Maranhão.

A proposta de uma política industrial que alicerçasse uma nascente burguesia

modernizante e a formação de uma nova liderança regional, consequentemente,

deslocaria as oligarquias e a “velha burguesia açucareira” do centro no idealizado

“novo Nordeste”.

Por intermédio da diretoria de Furtado, o BNDE participou da preparação do

plano de ação que previa uma intervenção do Estado mais significativa no Nordeste,

com um pacote de incentivos fiscais articulados por meio de um Plano Diretor

Plurianual. Em 1959, foi criada a Superintendência para o Desenvolvimento do

Nordeste (SUDENE), tendo Celso Furtado como superintendente. O principal

objetivo do novo órgão era a criação de políticas de fomento que levassem à

diminuição progressiva das desigualdades regionais (TAVARES et al., 2010).

Na interpretação de Oliveira (1981), a SUDENE foi um “mecanismo de

destruição acelerada da própria economia "regional" nordestina, no contexto do

movimento de integração nacional mais amplo” (p. 113), com uma intervenção

"planejada" do Estado para efetivar a transição da economia do Nordeste à

economia nacional integrada. Segundo o autor, a SUDENE afrontava “a captura do

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Estado no Nordeste pela oligarquia agrária algodoeira-pecuária, sob a forma de

intervenção do DNOCS”, pois ela [a elite agrária algodoeira-pecuária] representava o

‘elo mais fraco na cadeia’, exatamente aquele que permitia a confluência de todas as forças sociais, classes populares, burguesia industrial regional, burguesia internacional-associada do Centro-Sul e classes populares do próprio Centro-Sul. Todas essas forças sociais estavam interessadas em "descapturar" o Estado no Nordeste, mas por razões completamente diferentes. As proposições da SUDENE para "descapturar" esse Estado levam, porém, necessariamente à sua captura pela burguesia internacional- associada do Centro - Sul, através das formas que propõe para a reinversão do excedente captado pelo Estado em capital (OLIVEIRA, 1981, p. 118).

Como um órgão estatal e sendo o Estado uma arena onde competem

distintas forças sociais, coligações e interesses desiguais, a trajetória da SUDENE

não foi retilínea. Até ter seu primeiro Plano Diretor aprovado, passaram-se dez anos

desde sua criação - anos em que houve “os alinhamentos e realinhamentos do

conjunto das forças sociais que a apoiavam, e no limite, do realinhamento mesmo

entre forças que se opunham” (OLIVEIRA, 1981, p. 118).

Uma parcela significativa das elites empresariais, políticas e intelectuais do

Nordeste se opôs à SUDENE (LIMA, 2008 apud CAMPOLINA, 2009). Isso fez com

que a SUDENE atuasse em áreas de menor resistência, como os investimentos em

infraestrutura ressaltados no I Plano Diretor da SUDENE (1961 – 1963).

Segundo Pellegrino (2003, p. 110),

os investimentos propostos no I e II Planos Diretores da Sudene se sobrepuseram a grande parte do conteúdo inovador e reformista do GTDN [...] Do grupo de ações proposto pelo GTDN [...] - estímulo à industrialização, transformação da economia de subsistência do semiárido, colonização e migração da população, e transformação do meio agrícola – apenas o avanço da industrialização se materializou, em razão dos incentivos fiscais criados pela Sudene.

Além disso, com o aval da SUDENE, empresas podiam “recorrer a

empréstimos em bancos oficiais (BNB, BNDE) (GUIMARÃES NETO, 1989 apud

OLIVEIRA e WERNER, 2013, p. 15).

Houve mudanças qualitativas realizadas graças à atuação da SUDENE, mas

a proposta de Furtado de fazer uma indústria para o mercado do Nordeste com

empresários do Nordeste não se realizou. Com a possível exceção do Ceará,

assistiu-se à transferência para o Nordeste de frações do capital industrial que

estavam no Sudeste, além de uma ampliação do papel desempenhado por

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empresas estatais (como a Vale do Rio Doce, no Maranhão, e a Petrobras, no Rio

Grande do Norte, em Sergipe e na Bahia) (ARAÚJO, 2006)

Para Diniz (2001), a avaliação dos resultados das políticas regionais exige

uma análise de quatro blocos de políticas que atuaram de forma concomitante. A

construção de Brasília teria sido o elemento mais importante para a integração

econômica do território, em função dos grandes troncos rodoviários que propiciou:

Brasília - Belo Horizonte; Brasília - São Paulo; Brasília - Belém; Brasília - Cuiabá;

Brasília - Barreiras (além das ramificações). Também é importante compreender,

neste contexto, os incentivos fiscais, os investimentos em infraestrutura (energia,

estradas, elétrica, telefonia, etc.) e os investimentos por parte das estatais (minérios,

aço, petróleo, papel, petroquímica, etc.) que ocorreram na grande maioria nas

regiões menos desenvolvidas do país.

Moreira (2014) chama atenção para o fato de que, se no decorrer dos anos

1940 foram estimulados sobretudo os setores de bens intermediários e de

infraestrutura (transporte, comunicações e transmissão de energia), nos anos 1950 e

1960 foi a vez das indústrias de bens de capital, seguidas pela indústria de bens de

consumo duráveis e, por fim, “a nova arrancada do setor de bens intermediários e

de infraestrutura de energia demandada pela arrancada dos dois primeiros, num

ciclo substitutivo de importações desses ramos que se completa nos anos 1970”

(MOREIRA, 2014, p. 256). Esta teria sido a origem da nova qualidade do arranjo

espacial industrial – uma vez que os ramos novos vão se instalar em São Paulo para

aproveitar a concentração urbana e industrial já existente. A consequência foi uma

diferenciação regional não apenas quantitativa, mas também qualitativa entre as

regiões brasileiras no que diz respeito à indústria. Passou a haver, então, uma

divisão regional da produção.

É a industrialização da década de 1950, caracterizando-se pela ênfase adquirida pelos bens de produção, que veio a conferir tal hierarquia entre as regiões do país, segundo a maior ou menor presença desse ramo de bens industriais. Em 1960, o Sudeste concentrava 90% das pessoas ocupadas no setor de equipamento pesado e 80% das empregadas nas indústrias de equipamento leve. Em outros termos, nesta grande região se encontravam 95% dos operários da indústria de material elétrico e de material de comunicações, igual proporção na de construção e montagem de transporte, 88% da indústria mecânica, 85% da metalúrgica e 82% da química e farmacêutica (DAVIDOVICH, 1974, p. 164 apud MOREIRA, 2014, p. 257).

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O autor ainda apoia-se em Oliveira para explicitar o processo de “redefinição

das relações regionais” acarretado pela divisão inter-regional do trabalho instaurada

entre os anos de 1947 e 1968:

O processo de redivisão, partindo da indústria do Sudeste, é amplo e atinge todas as regiões. Transfere e repassa tarefas agropecuárias para outras regiões, tais como o Nordeste e o Sul, cria uma outra região, como o Centro - Oeste, destrói numa primeira etapa ou reduz o crescimento da indústria no Sul e no Nordeste; apenas o Norte mantém-se relativamente imune a seus efeitos, em virtude da inexistência de uma infraestrutura de transporte que viabilize a integração (esse isolamento começa a ser rompido (entretanto) com a Belém-Brasília). O crescimento industrial do Sudeste cria e amplia a fronteira agrícola, reproduzindo, nas margens, formas de acumulação não inteiramente capitalísticas, das quais transfere excedente que vai reforçar a capacidade de acumulação no próprio Sudeste (OLIVEIRA, 1984 apud MOREIRA, 2014, p. 259).

A respeito da participação do BNDE nesse processo, entre 1956 e 1960, o

banco financiou a construção de usinas hidrelétricas, linhas de transmissão, rodovias

e empresas dos setores siderúrgicos e de papel e celulose. Foram financiados 46

projetos de geração de energia elétrica, entre os quais se destacam as usinas de

Três Marias e de Furnas (Minas Gerais), o complexo de usinas da Light (São Paulo)

e a ampliação da Usina de Paulo Afonso (Pernambuco). Além disso, a estrutura

industrial do país foi significativamente ampliada, tendo como base os bens de

produção e bens de consumo duráveis.

Oliveira (1981, p. 93-94) lembra que a presença do Estado como produtor era

praticamente inexistente no Nordeste – exceto pela “encampação das ferrovias

deficitárias, compradas dos ingleses, e a partir de 1953, com a construção da

Hidrelétrica do São Francisco” e pela presença da Petrobras na Bahia. Estas

intervenções, malgrado sua relevância, não foram suficientes pra alterar a natureza

das relações entre o Estado e o resto da sociedade nordestina, conformando

enclaves com poucos efeitos pra frente e para trás.

Com o golpe militar de 1964, inicia-se um novo ciclo de políticas regionais no

Brasil, que maturou na década de 1970 com programas baseados na ideia de polos

regionais, apoio institucional à incorporação de novas áreas através da expansão da

fronteira agrícola, incentivos fiscais e volume de recursos com outros programas

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regionais (PIN, PROTERRA) e setoriais (FISET – pesca, florestamento e

reflorestamento, turismo, etc.) (NABUCO, 2007).

Em 196535, ao analisar os efeitos da industrialização e discutindo os motivos

pelos quais não teria surgido no país uma ideologia industrialista capaz de projetar-

se significativamente no plano político, Furtado apontava que,

em algumas regiões, as indústrias surgiram dentro do próprio quadro da velha economia agrícola, herdando desta o seu espírito paternalista. Assim, no Nordeste, as fábricas têxteis foram implantadas, muitas vezes, na zona rural, açucareira, ou em pequenas cidades isoladas do interior. Na região de São Paulo o processo de industrialização foi fortemente influenciado pela presença dos imigrantes europeus, que se mantinham isolados das atividades políticas, como se se considerassem em país estrangeiro (FURTADO, 2013, p. 410).

Por esse motivo, as condições históricas e estruturais não favoreceram o

surgimento de uma atitude política própria dos industriais que contrastasse com

outros grupos dominantes – o que problematizava a ideia de que o incentivo à

industrialização/modernização, desacompanhado de reformas mais profundas, seria

capaz de engendrar as transformações necessárias à superação dos desequilíbrios

regionais.

3.1.2 O entendimento de desenvolvimento do primeiro ciclo do período desenvolvimentista

Como foi visto até aqui, o pensamento desenvolvimentista brasileiro é

atravessado por diversas correntes internas. Se por um lado o termo

“desenvolvimentismo” possui caráter “técnico”, que remete a uma racionalidade

quanto a quantificáveis fins (crescimento da produção e da produtividade) – através

de metas e taxas a serem buscadas de forma planejada por meio de instrumentos

de política econômica - Fonseca (2014) chama atenção que os valores do

desenvolvimentismo também se manifestam quando este toma a forma de ideologia

que diz buscar construir um novo mundo “melhor” ou “mais harmônico” . Isso ocorre,

35

Texto apresentado na conferência sobre “Obstacles to Change in Latin America”, promovida pelo Royal Institute of International Affairs (Chatam House), em Londres, fev. 1965. Publicado na Revista Civilização Brasileira, v. 1, n. 1, 1965, e reunido à coletânea Essencial Celso Furtado (2013).

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por exemplo, na seguinte citação de Prebisch, para quem uma política de

desenvolvimento

significa um esforço de liberdade de atuar sobre as forças da economia a fim de acelerar seu crescimento, não pelo crescimento mesmo, mas como meio de conseguir um melhoramento persistente da renda nos grupos sociais de rendas inferiores e médias e sua participação progressiva na distribuição da renda global (PREBISCH, 1961, p. 35 apud FONSECA, 2014, p. 17).

Com esta ideologização do desenvolvimento, “ele passa a ser não mais

apenas meio para atingir um fim, mas como fim em si mesmo, pois incorpora em seu

conceito os próprios valores perseguidos” (FONSECA, 2014, p. 19).

Nesta subseção será discutido como o desenvolvimento era pensado durante o

período do primeiro ciclo desenvolvimentista. Aqui, interessa o pensamento de autores

que debateram a noção de desenvolvimento e as correntes que acabaram tendo maior

penetração e se articulando dentro do Estado, assim como interessa discutir como foi

surgindo e se refinando o entendimento sobre o que é o desenvolvimento pelas

principais frações de classe e forças sociais que se articularam em torno deste conceito

durante o período em questão. Então, por mais que alguns autores aqui abordados

tenham refinado ainda mais a sua discussão após o período analítico previsto nessa

subseção (que termina com o golpe militar de 1964), seus pensamentos serão

abordados dentro deste limite temporal, tendo prosseguimento na sessão seguinte -

quando será abordado o período desenvolvimentista subsequente.

Apresentou-se, até aqui, o contexto em que foi sendo delineado um contraponto,

em diferentes escalas (sobretudo nacionais e subcontinentais - considerando a

importância da CEPAL influenciando os debates e decisões políticas e econômicas na

América Latina), ao paradigma liberal existente até meados da década de 1960.

Este contraponto convencionou-se chamar de desenvolvimentismo – que remete

a desenvolvimento, termo este que apareceu muito antes do primeiro. Conforme

argumenta Pedro Cesar Dutra Fonseca (2015, p. 44), o termo “desenvolvimento” ou

“progresso econômico” firmou-se a partir de A. Smith, em meados do século XIX,

associado ao processo de produção como criação de riqueza e ao caráter progressivo

do sistema econômico.

Para o autor, termos como “ortodoxia”, “neoliberalismo”, “keynesianismo” e

“desenvolvimentismo” servem para designar duas coisas que são por certo

indissociáveis:

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Um fenômeno do “mundo material”, ou seja, um conjunto de práticas de política econômica propostas e/ou executadas pelos policymakers, ou seja, fatos concretos ou medidas “reais” que compartilham um núcleo comum de atributos que os caracteriza como tal; e (b) um fenômeno do “mundo do pensamento”, ou seja, um conjunto de ideias que se propõe a expressar teorias, concepções ou visões de mundo. Essas podem ser expressas: (i) seja como discurso político, por aqueles que as defendem ou as

criticam (e que mais usualmente se denomina ideologia - outro termo polissêmico); ou (ii) seja para designar uma escola ou corrente de pensamento, ao abranger teorias e estudos segundo cânones reconhecidos como saber científico (FONSECA, 2015, p. 31).

O autor destaca que foi Bielschowsky quem, no Brasil, formulou de forma mais

precisa o conceito de desenvolvimentismo como uma ideologia,

Entendemos por desenvolvimentismo [...] a ideologia de transformação da sociedade brasileira definida pelo projeto econômico que se compõe dos seguintes pontos fundamentais: (a) a industrialização integral é a via de superação da pobreza e do

subdesenvolvimento brasileiro; (b) não há meios de alcançar uma industrialização eficiente e racional através da espontaneidade das forças de mercado, e por isso, é necessário que o Estado a planeje; (c) o planejamento deve definir a expansão desejada dos setores econômicos e os instrumentos de promoção dessa expansão; e (d) o Estado deve ordenar também a execução da expansão, captando e orientando recursos financeiros e promovendo investimentos diretos naqueles setores em que a iniciativa privada for insuficiente. (BIELSCHOWSKY, 1988 apud FONSECA, 2015, p. 38 – grifo nosso)

Segundo Miriam Limoeiro Cardoso (1996), o apelo ideológico vinculado ao

desenvolvimento, sobretudo na segunda metade da década de 1950, acionou a

necessidade de crescimento econômico para alcançar o progresso e a prosperidade.

Além disso, havia o apelo político para a manutenção da ordem social - que estaria

sendo ameaçada pela pobreza - tida como potencialmente geradora de intranquilidade,

de revoltas e de "infiltração de ideologias subversivas". Segundo a ideologia do

desenvolvimento, estes “apelos” seriam resolvidos pela via econômica.

Ao analisar o desenvolvimentismo no período de Juscelino Kubitschek (1956 -

1961), a autora caracteriza a ideologia desenvolvimentista juscelinista pela fórmula

"mudar, dentro da ordem, para garantir a ordem".

A atividade intelectual da época se desenrolava sob o fundo ideológico

dominante e, sobre isso, a autora chama a atenção que

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enquanto se faz oposição a aspectos do seu conteúdo [da ideologia dominante] (mesmo que se substitua esses aspectos por outros e por mais importantes que estes sejam), mas se continua a percebê-los e a pensá-los no quadro referencial armado pela ideologia, não se consegue sair das suas malhas. É complicado e difícil o rompimento com esse quadro referencial. Não se assume um outro quadro referencial sem sair deste, senão este "outro" não será mais do que uma parte, mesmo que diferenciada, daquela ideologia; se e enquanto estiver submetido à mesma matriz de pensamento da ideologia dominante, não pode se afirmar como efetivamente outro, diferente, com outros fundamentos e outro modo de pensar (CARDOSO, 1996).

Dois intelectuais que se dedicaram significativamente à temática do

desenvolvimento/subdesenvolvimento foram Florestan Fernandes (1920 – 1995) e

Celso Furtado (1920 – 2004).

Plínio de Arruda Sampaio Junior (1997) argumenta que, além da

complementariedade de suas abordagens sobre a problemática do desenvolvimento,

os autores compartilham a mesma visão acerca da gravidade do momento histórico

que viviam. Ambos rejeitavam, segundo Sampaio Junior, as postulações

conformistas de que as sociedades dependentes não teriam alternativa se não

aceitar as tendências espontâneas do sistema capitalista mundial.

Florestan Fernandes buscou discutir “como o padrão de dominação enreda o

capitalismo dependente nas malhas do processo de modernização conservadora”

(SAMPAIO JUNIOR, 1997, p. 146). Em sua trajetória intelectual, também lançou mão

das noções de dependência e subdesenvolvimento capitalista para explicar a situação

de países cujo patamar de acumulação de capital em suas origens (países de origem

colonial e de capitalismo tardio) foi prejudicado pela situação de subordinação nas

relações internacionais de poder, frente aos países capitalistas centrais com maior grau

de desenvolvimento.

Na década de 1950, suas reflexões sobre desenvolvimento já continham a

perspectiva crítica de que era preciso superar a dependência econômica e cultural. A

produção sociológica, de seu ponto de vista, não poderia se limitar a repetir os modelos

e objetivos pautados pelas instâncias intelectuais e políticas dos países centrais, o que

torna a sua leitura indispensável. Hoje, pesquisadores e formuladores de políticas

públicas, brasileiros e latino-americanos, voltam a atentar para os obstáculos

acarretados pela dependência cultural.

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Em 1955, o autor já atribuía à falta de dinamismo próprio da Intelligentsia local

ao horizonte intelectual modelado pela dominação patrimonialista e ao tipo de

desenvolvimento institucional a que ela levou.

O desenvolvimento institucional da sociedade brasileira, durante o século XIX, foi insuficiente para criar as condições que são indispensáveis à formação de um saber racional autônomo, capaz de evoluir como uma esfera especializada de atividades intelectuais. Daí a necessidade de apelar para os centros exógenos de produção de saber racional, toda vez que as exigências da situação histórico-social tornavam aconselhável ou inevitável o recurso a técnicas e a conhecimentos que possuíssem fundamento racional. O próprio ensino superior se constituíra, rapidamente, em uma maneira de organizar essa relação de dependência cultural diante dos países europeus. O meio social ambiente não desencadeava forças culturais suficientemente fortes para estimular um novo estilo de pensamento ou para incentivar a transformação homogênea das escolas superiores em centros de pesquisa original (FERNANDES, 1955 apud CARDOSO, 1996, p. 103 – grifo nosso).

A falta de produção intelectual criadora, autônoma e original, e a

consequente dependência cultural foram pensadas como decorrência da herança

cultural e social da nossa sociedade, com dominação da aristocracia agrária. O

recorte analítico para o estudo da sociedade brasileira que Florestan produz ainda

durante o período juscelinista não foi a sociedade nacional, mas sim o que ele define

por civilização ocidental moderna ou capitalismo moderno. Para o autor,

A integração do Brasil na órbita da civilização ocidental moderna fez-se por três vias diferentes. Primeiro, através da absorção contínua de populações imigradas da Europa ou de áreas em processo mais ou menos intenso de ocidentalização. Segundo, mediante o gradativo crescimento da teia de relações e de dependências da economia tropical brasileira com os centros de dominância da economia capitalista hodierna. Terceiro, pelos influxos de padrões de comportamento, de modelos de organização institucional e de valores ideais, extraídos da experiência histórico-social dos povos mais adiantados da civilização ocidental, na evolução interna da sociedade brasileira. As três vias se interpenetram e se completam (FERNANDES, 1959 apud CARDOSO, 1996, p. 102).

Percebe-se que, em 1959, o autor já atentava para a necessidade de uma

análise transescalar e histórica. Mesmo que o foco da análise seja o Brasil, a

civilização ocidental moderna tem um sentido estrutural de uma expansão do

capitalismo realizada por meio da integração diferencial dos novos componentes aos

polos que comandam este processo, que apesar de hegemônico, não é homogêneo.

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Por isso, o “desenvolvimento” de países “subdesenvolvidos” não se resolve

estritamente no plano nacional no âmbito do capitalismo.

Ao usar o termo “órbita”, o autor demonstra sua compreensão de que a

civilização ocidental moderna é composta de "centros de dominância" e de outros

países que gravitam na órbita desses "centros". Num sistema capitalista

internacionalizado, que possui certa divisão internacional de funções e tarefas, cabe

alguma especialização à economia brasileira. Nesse quadro todo, não só as

questões puramente econômicas são importantes para entender o Brasil e suas

relações. A compreensão da integração diferencial do país na “civilização ocidental

moderna” e na órbita dos centros de dominância seria crucial, pois

a tendência a procurar na Europa ou nos Estados Unidos a satisfação de extenso conjunto de centros de interesses e de valores alimenta um processo de alienação intelectual e moral de imensas proporções. Ao contrário do que se supõe comumente, o fato crucial não está, aqui, na procedência externa de categorias de pensamento e dos modos de agir, mas na maneira de interligá-los, que toma como ponto de referência permanente os núcleos civilizatórios estrangeiros, em que eles forem produzidos. Daí resulta um estado de dependência fundamental. Com isso, o processo de desenvolvimento interno se entrosa com valorizações e disposições subjetivas que concorrem, diretamente, para perpetuar e fortalecer a condição heteronômica da sociedade brasileira (FERNANDES, 1959, p. 172 apud CARDOSO, 1996, p. 106).

Discutindo o fato de o autor apreender e utilizar categorias de pensamento

(como desenvolvimento) produzidas no exterior para pensar a realidade brasileira

(embora pertençam ao mesmo conjunto civilizatório), Cardoso (1996) aponta que isso

é diferente de internalizar os valores e as disposições subjetivas de núcleos

civilizatórios em torno dos quais se orbita. Esta é uma forma de domínio (cultural),

que é fortalecedora do outro lado deste mesmo domínio (econômico). No primeiro

caso, a relação às categorias analíticas pode ser instrumental e racional.

Enquanto o "subdesenvolvido" vê o "desenvolvido" como a presença ou a encarnação de um estágio de civilização mais avançado ou mais adiantado (e, portanto, se reconhece como estando em atraso), a identificação com as valorizações e disposições subjetivas "desenvolvidas" (que se traduz no desejo de alcançar aquele estágio avançado, "desenvolvido") pode ser considerada e aceita como construtiva do país e da nacionalidade, especialmente, quando e se,

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desde as suas mazelas e misérias até a sua "dualidade estrutural" são atribuídas àquele atraso ("subdesenvolvimento"). No entanto, isso muda radicalmente quando o entendimento do subdesenvolvimento como atraso é substituído por heteronomia ou dependência, no sentido que Florestan dá a esses conceitos. [...] A compreensão de todo o processo de desenvolvimento dos povos subdesenvolvidos sofre aí uma transformação profunda, capaz de criar repercussões importantes não só no plano científico, mas também no plano político. Isso porque se traz para o centro da cena todo um mecanismo (que não é imediatamente perceptível) através do qual o próprio desenvolvimento, pretendido como identificação com os "desenvolvidos", fortalece e perpetua a heteronomia. Segundo Florestan, "daí resulta um estado de dependência fundamental". Apresentado pela ideologia dominante, desenvolvimentista, como salvação, o desenvolvimento aparece nessa análise como agravamento do problema (FERNANDES, 1959 apud CARDOSO p. 106-107 – grifo nosso).

As "questões do desenvolvimento" são pensadas por Florestan por meio da

categoria de heteronomia. O autor entende que a ação dos homens na sociedade

depende da consciência social e que ambas (ação e consciência) dependem das

condições objetivas da realidade. A dependência cultural, por sua vez, dificulta a

construção de um processo cultural dotado de dinamismo próprio. A heteronomia,

então, produz divisões e concentração em diversas dimensões da sociedade (no

poder, na renda, na produção, etc.). Tais consequências contribuem para manter a

própria heteronomia.

Até hoje, os investigadores dos centros mais avançados lidaram com os problemas de interpretação das sociedades capitalistas dependentes como se o subdesenvolvimento fosse uma contingência ou uma condição transitória. Os investigadores oriundos dessas sociedades perfilharam tal ponto de vista ou negligenciaram a necessidade, puramente teórica, de associar o regime de classes e o capitalismo dependente à explicação sociológica do subdesenvolvimento (FERNANDES, 1967c apud CARDOSO, 1996, p. 119).

Com o debate sobre heteronomia e dependência realizado pelo autor, rompe-

se com o entendimento etapista e transitório do subdesenvolvimento. Para ele,

a explicação sociológica do subdesenvolvimento econômico teria de ser procurada no mesmo fator que explica, sociologicamente, o desenvolvimento econômico sob o regime de produção capitalista: como as classes se organizam e cooperam ou lutam entre si para preservar, fortalecer e aperfeiçoar ou extinguir aquele regime social

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de produção econômica (FERNANDES, 1967b apud CARDOSO, 1996, p. 119).

Para romper com o subdesenvolvimento e alcançar o desenvolvimento que o

autor vislumbra, seria necessário o rompimento com o regime de produção

capitalista dependente.

Em nenhuma alternativa é possível conceber qualquer modalidade de mudança social prescindindo-se da existência ou da formação de disposições coletivas para a mudança. O chamado “umbral” do desenvolvimento só poderá ser alcançado, do ponto de vista sociológico, nas condições em que se encontram os povos latino-americanos, quando essas disposições tomarem por objeto a ordem social vigente (FERNANDES, 1960, p.263 apud CARDOSO, 1996, p. 119).

A ruptura do subdesenvolvimento se identifica com o repúdio ao capitalismo dependente e só pode desencadear-se, em condições econômicas internas “favoráveis” ou “desfavoráveis”, a partir de dentro (FERNANDES, 1967 apud COSTA, 2011, p. 12).

No processo de formação de consciência social, Florestan atribuía aos

cientistas sociais latino-americanos o dever de oferecer à sociedade os

conhecimentos que tenham conseguido elaborar sobre ela e que não estão

disponíveis às pessoas em geral:

Eles [os cientistas] não podem isentar-se de sua condição participante de cidadãos - e de cidadãos que podem enxergar mais longe no mundo nebuloso em que vivemos. ... Os cientistas sociais não podem recuar, por temor à incompreensão e às consequências dela decorrentes, diante do dever de contribuir para o esclarecimento dos espíritos e a orientação positiva dos movimentos sociais. Mesmo que sua influência seja neutralizada, terão feito o que lhes competia na esfera de suas responsabilidades intelectuais e morais, colocando os conhecimentos da ciência ao alcance dos homens de ação e da opinião pública (FERNANDES, 1960b apud CARDOSO, 1996, p. 117 – grifo nosso).

O afã coletivo pelo “desenvolvimento” não contribuirá, por si mesmo, para alterar o padrão e o ritmo da mudança social nos países latino-americanos. Para se obter um efeito tão radical, é preciso auxiliar os homens a identificarem e a combaterem as condições e os fatores sociais mais profundos, que regulam em níveis muito baixos sua capacidade de atuação coletiva inovadora e impedem o recurso a técnicas sociais conhecidas de manipulação das forças que operam na porção organizada do ambiente (FERNANDES, 1960a apud CARDOSO, 1996, p. 117 – grifo nosso).

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Há uma grande aposta no papel dos intelectuais, e o desenvolvimento seria

possível na medida em que a população “de baixo” tivesse acesso ao conhecimento

produzido cientificamente.

A grande questão é que, como aponta o autor, “a mudança social de caráter

estrutural e controle do poder por círculos sociais conservadores são entidades que

se excluem”. Assim, para estes círculos, o elemento político se equaciona com o uso

do poder para conseguir o máximo de estabilidade social e, caso isso seja

impossível, o uso do poder para “o controle dos fatores da mudança social na

monopolização dos seus proventos de significação política e na contenção de suas

tendências à aceleração” (FERNANDES, 1965 apud CARDOSO, 1996, p. 122).

Florestan enfrentava estas questões e escrevia sob “grande tensão intelectual e

moral", decorrente dos impactos do golpe de 1964, quando foi levado a "procurar

explicações mais profundas da nossa situação histórico-social. Explicações em si

mesmas objetivas, independentes e desafiadoras, que levantassem o véu do

conformismo intelectual e da cumplicidade diante de classes dominantes estéreis e

de militares de horizonte patriótico estreito" (FERNANDES, 1967c apud CARDOSO,

1996, p. 122).

Como já foi adiantado, outro autor que não só deu grandes contribuições para

o debate teórico-metodológico, mas para a práxis da busca pelo desenvolvimento,

foi Celso Furtado. O esforço teórico deste autor foi no sentido de desvendar a

reprodução das bases materiais do subdesenvolvimento e a lógica que a rege.

Em texto em que discute os elementos para uma teoria do

subdesenvolvimento, Celso Furtado argumenta que

o subdesenvolvimento não constitui uma etapa necessária do processo de formação das economias capitalistas modernas. É, em si, um processo particular, resultante da penetração de empresas capitalistas modernas em estruturas arcaicas. O fenômeno do subdesenvolvimento apresenta-se sob formas várias e em diferentes estágios. O caso mais simples é o da coexistência de empresas estrangeiras, produtoras de uma mercadoria de exportação, com uma larga faixa de economia de subsistência, coexistência esta que pode perdurar, em equilíbrio estático, por longos períodos. O caso mais complexo — exemplo do qual nos oferece o estágio atual da economia brasileira — é aquele em que a economia apresenta três setores: um, principalmente de subsistência; outro, voltado sobretudo para a exportação; e o terceiro, como um núcleo industrial ligado ao mercado interno,

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suficientemente diversificado para produzir parte dos bens de capital de que necessita para seu próprio crescimento. [...] Como fenômeno específico que é, o subdesenvolvimento requer um esforço de teorização autônomo. A falta desse esforço tem levado muitos economistas a explicar, por analogia com a experiência das economias desenvolvidas, problemas que só podem ser bem equacionados a partir de uma adequada compreensão do fenômeno do subdesenvolvimento (FURTADO [1961], 2013, p. 134).

Desenvolvendo sua teoria através de um método histórico-estrutural, Furtado

mostra que o subdesenvolvimento não deve ser compreendido como uma etapa

anterior ao desenvolvimento. Ao contrário, o autor entende que o

subdesenvolvimento é estrutural, e estaria relacionado com a dualidade da estrutura

socioeconômica brasileira, expressa nas formas de produção modernas e arcaicas

coexistentes no país.

A “dupla dialética desenvolvimento-subdesenvolvimento” (BRANDÃO, 2013)

mostra que ambos podem conviver lado a lado, sendo o subdesenvolvimento a outra

face do desenvolvimento. No seu entendimento sobre os problemas do

desenvolvimento, Furtado defende que não se pode abstrair os condicionantes extra

econômicos da concorrência, tampouco reduzi-los a seus aspectos técnicos.

(...) não acreditamos em ciência econômica pura, isto é, independente de um conjunto de princípios de convivência social preestabelecidos, de julgamentos de valor. Alguns desses princípios podem tender à universalidade, como a norma de que o bem-estar social deve prevalecer sobre o interesse individual. Contudo, no estágio em que nos encontramos de grandes disparidades de graus de desenvolvimento e integração social (...) seria totalmente errôneo postular para o economista uma equivoca idéia [sic] de objetividade, emprestada às ciências físicas (FURTADO, 1962, apud SAMPAIO JUNIOR, 1997, p. 198)

A reflexão do autor evidenciava que quando o processo de modernização

subordina a industrialização por substituição de importações, o progresso técnico é

incorporado de forma irracional, que prioriza

(a) o presente em detrimento do futuro; (b) a demanda e as aspirações das elites privilegiadas, em detrimento das necessidades mais elementares da população; (c) o consumo imitativo em detrimento da criatividade cultural; (d) a incorporação de tecnologias que subutilizam recursos escassos, em detrimento de outras que permitiriam um aproveitamento racional de recursos abundantes da região; e, finalmente, (e) o investimento na capacidade de adaptação

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da divisão social do trabalho aos requisitos do processo de modernização, em detrimento do fortalecimento da capacidade de inovação tecnológica (SAMPAIO JUNIOR, 1997, p. 231).

Furtado buscava estabelecer critérios que balizassem a incorporação do

progresso técnico. No seu entendimento, como as economias periféricas não

conseguiam gerar endogenamente o progresso técnico e se limitavam a absorver o

patrimônio tecnológico das economias centrais (lembrando que o cerne de sua

discussão era a relação entre dependência e construção da nação), seu grau de

liberdade estava ligado à manipulação das seguintes variáveis: i) da qualidade de

suas "necessidades sociais" – uma mudança dependia de um processo que exige

rupturas socioculturais; ii) da escolha entre “introduzir tecnologias de última geração

ou difundir técnicas mais antigas”; iii) da forma de participação no sistema capitalista

mundial; iv) “dos parâmetros sociais e institucionais que regem a organização do

mundo do trabalho” – na sua visão, era necessário alterar tais parâmetros por meio

de reformas na estrutura agrária, de mudanças na jornada de trabalho, da

regulação dos fluxos demográficos, etc. (SAMPAIO JUNIOR, 1997, p. 198-199).

Furtado defendia que as economias latino-americanas precisavam superar a

asfixiante influência dos Estados Unidos por meio da “terceira via” (lembrando do

contexto bipolar EUA/URSS). Para o autor isso era necessário, uma vez que as

teses liberais eram incompatíveis com a industrialização das economias periféricas,

e as marxistas propunham uma ruptura radical com o sistema capitalista mundial. A

grande questão para o autor era

desenvolver técnicas que permitam alcançar rápidas transformações sociais com os padrões de convivência humana de uma sociedade aberta. Se não lograrmos esse objetivo, a alternativa não será o imobilismo, pois as pressões sociais abrirão caminho, escapando a toda possibilidade de previsão e controle" (FURTADO, 1962 apud SAMPAIO JUNIOR, 1997, p. 199).

Mesmo já tendo, em 1965, reconhecido que as elites industriais não se

projetaram no plano político para realizar as transformações necessárias, Furtado

apostava que a industrialização, uma ideologia industrialista e a formação de uma

elite industrial com significativa projeção no campo político, seriam capazes de

promover transformações importantes que levariam ao desenvolvimento, sem, com

isso, produzir um rompimento sistêmico.

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Fazendo um balanço geral do que chama de “primeiro ciclo ideológico

desenvolvimentista brasileiro”, Bielschowsky (2011) o define como aquele em que

ocorreu “o processo desenvolvimentista brasileiro original”, no qual – divergindo das

também posteriores análises de Oliveira (1981), acerca do agravamento das tensões

de classe e agravamento de situações de acumulação primitiva e de sobre-trabalho -

a industrialização integral teria dado “as condições necessárias para a superação da

pobreza, impossível de ser alcançada por meio do mercado” (BIELSCHOWSKY,

2011, p. 16)

O autor argumenta que, neste período, o Estado planejou o processo que

definiu a desejada expansão dos setores econômicos e dos instrumentos

necessários a essa expansão. Coordenando a execução de políticas econômicas e

captando os recursos, o Estado teria feito investimentos diretos como agente

produtivo nos setores pouco atrativos à iniciativa privada e nos quais ela se recusava

a entrar.

Mais do que expor as contradições entre as análises apresentadas pelos

autores, busca-se a complementariedade dos vieses analíticos – uma vez que se

tem a preocupação da compreensão mais ampla possível dos caminhos percorridos

pelo desenvolvimento brasileiro. As raízes e os desdobramentos da crise dos anos

1963/65, que simultaneamente assume o caráter de ruptura e de continuidade, não

podem ser entendidos no plano estritamente econômico, pois não se tratou do

simples fim de um ciclo de expansão.

Apesar de Sampaio Junior ter apontado algumas complementariedades no

pensamento de Florestan e de Furtado, cabe apontar que eles divergem em um

ponto importante: enquanto a abordagem de Furtado está todo o tempo em busca

de um caminho não revolucionário para um desenvolvimento, que será

simultaneamente capitalista e justo, a perspectiva de Fernandes aponta para a

necessidade incontornável de uma ruptura sistêmica. Leia-se: revolução.

3.2 O segundo ciclo desenvolvimentista – novas formulações sobre o ideário do desenvolvimento e os limites do regime ditatorial

O acúmulo de poder que grupos econômicos e políticos lograram no período

anterior possibilitou a alguns desses grupos, juntamente ao uso de aparatos

repressivos e ideológicos, o amadurecimento de suas estratégias, o que culminou no

Golpe Militar de 1964. Em momentos de aceleração econômica, a “economia

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oligopólica moderna”, instaurada anos antes com forte participação do Estado e do

capital internacional, propiciou ganhos parciais e temporários para setores não

oligopolistas, ao passo que, nos momentos de desaceleração, as vantagens

extraordinárias eram para os setores com maior grau de concentração (VAINER et

al., 2015). Com a desaceleração da economia verificada a partir de 1961, grandes

empresas - as estruturas oligopólicas - passaram a requerer acordos estratégicos

com o governo para atuar em projetos de longo prazo; passava-se a depender “tanto

de um consenso sobre o destino de certos ramos estratégicos, como de decisões

mais coordenadas entre empresas estatais e empresas estrangeiras, que levassem

a uma maior complementaridade de sua expansão” (TAVARES, 1974 apud VAINER

et al., 2015, p. 10).

As raízes do golpe de 1964 estavam principalmente em impedir que as classes sociais que emergiram na cena política a partir de 1930 – especialmente o operariado, os trabalhadores rurais e setores das camadas médias – exigissem democratização da propriedade, da renda e do poder político. No terreno econômico, tratava-se de fortalecer o lado internacionalizante, conservador e antidemocrático do desenvolvimentismo. Para seguir atraindo o capital externo, o país teria de domesticar as reivindicações trabalhistas e criar um ambiente politicamente estável (IPEA, 2010, p. 20).

Num contexto de dominação política e econômica (nos termos de Jessop,

2007), uma vez que se tratava de um regime autoritário imposto com constante uso

do aparelho repressivo do Estado, com apoio intenso das elites industriais, rurais,

financeiras, etc., o modelo de acumulação capitalista implementado a partir do golpe

de 1964 forjou uma economia mais dinâmica, complementou o parque industrial

nacional e aumentou as taxas de crescimento econômico.

Três dias depois do golpe militar de 31 de março de 1964, é instaurado o Ato

Institucional nº 1 (AI-1), que suspendia por dez anos os direitos políticos de qualquer

cidadão considerado opositor ao regime militar - congressistas, militares,

governadores, intelectuais ou quem quer que seja36.

Com o golpe militar de 1964, foi inaugurado um novo período de condução do

desenvolvimento brasileiro, que teria se caracterizado pelo arrocho salarial e pela

36

A primeira lista de cassações continha 102 nomes. Entre os cassados estavam João Goulart, Jânio Quadros, Luís Carlos Prestes, Miguel Arraes, Leonel Brizola, Rubens Paiva, Plínio de Arruda Sampaio, Celso Furtado, Josué de Castro, Darcy Ribeiro e Nelson Werneck Sodré.

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122

concentração de renda como as soluções conservadoras apontadas para a

sustentabilidade macroeconômica (BIELSCHOWSKY, 2011). Em um novo contexto

político, o projeto desenvolvimentista dominante teve modificados seu constructo

ideológico e abordagem teórica de referência. Teorias liberais foram adaptadas à

realidade brasileira, mas ainda assim foi mantido o projeto de superação do

subdesenvolvimento por meio da industrialização integral, do planejamento e apoio

Estatais.

Tanto no setor público como nos mecanismos de acumulação interna das

empresas privadas e seus esquemas de seu financiamento externo, foram profundas

as modificações impostas nas regras do jogo institucional37.

Mesmo que o Estado tenha continuado a ter protagonismo no setor produtivo,

ampliando, nas duas décadas seguintes ao Golpe, a criação de diversas empresas

estatais (mais de duzentas), sua atuação promoveu a concentração de renda em

benefício do grande capital. Com isso, a economia brasileira voltou a crescer

mantendo o mesmo padrão estrutural, porém, ainda mais “acentuadamente

desequilibrado e concentrador” (TAVARES, 2011, p.53).

3.2.1 A reestruturação e articulação do sistema financeiro nacional

O governo de Castelo Branco (1964–1967) teve Otávio Gouveia de Bulhões38

à frente do Ministério da Fazenda e Roberto Campos39 no Ministério do

37

A exemplo da relação salário-lucro-correção monetária de ativos, da entrada de capitais de curto prazo, do crédito extra bancário, dos incentivos fiscais, entre outros mecanismos.

38 Octávio Bulhões era filho do diplomata Godofredo de Bulhões, e passou sua infância morando na França e na Áustria. Advogado e economista com orientação liberal, a convite de Luiz Simões Lopes (então presidente do DASP), na década de 1930 foi realizar um estágio na American University. Foi nomeado chefe da seção de Estudos Econômicos e Financeiros do Ministério da Fazenda, em 1939. Foi Ministro da Fazenda durante os governos de Café Filho (quando também foi nomeado diretor da Superintendência da Moeda e do Crédito-SUMOC) e de Castelo Branco.

39 Roberto Campos participou de diversos cargos políticos ao longo dos governos Vargas, Kubitschek e Quadros (inclusive sendo duas vezes presidente do BNDE). Alegando discordâncias, rompeu somente com o governo de João Goulart. Apoiou o golpe Militar de 1964 e, em maio deste mesmo ano, assumiu o Ministério Extraordinário para o Planejamento e Coordenação Econômica. Em 1974, no governo Ernesto Geisel, foi nomeado embaixador em Londres. Com o fim do bipartidarismo em 1979, filiou-se ao governista Partido Democrático Social (PDS), por meio do qual articulou sua candidatura ao Senado por Mato Grosso – tendo sido eleito em 1982. Foi vice-líder do PDS de 1985 a 1986. Transferiu seu título eleitoral para o Rio de Janeiro e foi eleito deputado federal em 1990. Entre 1991 e 1993 foi vice-líder do PDS na Câmara, e foi reeleito Senador em outubro de 1994. Assim como seu partido, Campos “apoiou o presidente Fernando Henrique Cardoso na administração do Plano Real, embora sempre apontando limitações nas medidas de liberalização econômica. Deixou a Câmara em janeiro de 1999, no fim da legislatura”. Faleceu em

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123

Planejamento e Coordenação Econômica. Foram então criados o Banco Central

(1964), o Banco Nacional da Habitação – BNH (1964), o Imposto sobre operações

financeiras (1966) e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (1967), num contexto

de reforma geral do Sistema Monetário-Creditício e de Reforma Fiscal e Financeira -

que criaram novos instrumentos de mobilização financeira e instituições

especializadas em diversas modalidades de crédito. Em 1964, também foi criado o

Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada - EPEA (atual IPEA), vinculado ao

Ministério do Planejamento. Para exercer sua presidência, Campos convidou Reis

Velloso.

Lima (2006) aponta que os técnicos do BNDE preocuparam-se com a criação

do EPEA, pois o Banco perdia o espaço privilegiado no planejamento e execução

dos planos governamentais – apesar de manter a tarefa de financiá-los. Isso ficará

evidente com a elaboração da II PND (que será abordada mais à frente), conduzida

por Reis Velloso ocupando o posto de ministro-chefe da Secretaria de Planejamento

de Geisel. Tavares (1982 apud LIMA, 2006, p. 26) afirma que “[...] o [Roberto]

Campos não protegeu o Banco em nada, e achava que o Banco não tinha muita

importância. O Campos montou o Ministério do Planejamento e esvaziou de certa

forma o papel de planejador e de formador de opinião.”

Neste período, o EPEA (com a assessoria de Mário Henrique Simonsen)

elaborou o Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), Plano que ficou

conhecido como “Campos-Bulhões” e que teve como prioridade a questão do déficit

do balanço de pagamentos – sobretudo entre os anos de 1965 e 1966 -, restringindo

a demanda interna por produtos importados através de uma recessão fomentada

pela política econômica, além das medidas de combate à inflação. Este último

obteve um sucesso relativo, com a estabilização na faixa de 34 a 39%, entre 1965 e

1966.

Campos (2001) argumentava que um condicionante prioritário para atingir os

objetivos do PAEG (e que, portanto, deveria ser primeiramente atacado) era o

controle inflacionário. Essa era uma posição “monetarista-ortodoxa” que, segundo

ele, diferenciava o PAEG dos programas formulados por “desenvolvimentistas” –

2001, na cidade do Rio de Janeiro. Fonte: Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2001.

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124

“que acreditavam ser possível debelar a inflação e acelerar o crescimento ao mesmo

tempo” (CAMPOS, 2001 apud LIMA 2006, p. 26).

O PAEG vigorou entre os anos de 1965 e 1970 e buscou “implementar uma

divisão de trabalho entre as instituições financeiras”, de modo que as operações de

curto prazo ficariam à cargo dos Bancos Comerciais; as operações de médio prazo

sob incumbência das sociedades de crédito e financeiras; e as operações de longo

prazo sendo operacionalizadas pelos Bancos de Investimento a serem criados. O

sistema financeiro se incumbiu das duas primeiras funções, ao passo que o mesmo

não ocorreu com a terceira, que tem viés estruturador e teria sido “remetida à esfera

do Estado, onde se processa de modo específico e incompleto” (TAVARES, 1978

apud VAINER et al. 2015, p. 11).

A presença de bancos públicos de desenvolvimento, hipoteticamente, seria

admitida até que bancos privados fossem surgindo e se tornassem capazes de

atender às demandas de financiamento de longo prazo.

O BNDE, como aparato estatal, cumpriu sua função do financiamento a longo

prazo. Como os pretendidos Bancos de Investimento privados não responderam ao

chamado, os fundos setoriais vinculados ao BNDE conferiram níveis inéditos e

centralidade ao Banco (VAINER et al., 2015, p. 12).

Tabela 2 - Fundos criados após 1964 geridos pelo BNDE

FUNDO CARACTERÍSTICAS Fundo de Reaparelhamento Econômico (FRE), 1953

Infraestrutura (Transportes e eletricidade)

Fundo de Financiamento para Aquisição de Máquinas e Equipamentos Industriais (FINAME

40),

1964

Financiamento para a produção e aquisição de máquinas e equipamentos de produção nacional com índices de nacionalização de 67% (passa a 75% em 1976).

Fundo de Desenvolvimento Técnico Científico (FUNTEC), 1964

Financiamento do Ensino e da pesquisa tecnológica

Fundo de Financiamento de Estudos de Projetos e Programas (FINEP)*, 1964

Financiamento de estudos de viabilidade de projetos

*Em 1967, converteu-se à empresa pública subordinada ao Ministério de Ciência e da Tecnologia. Em seu lugar, foi criado o Fundo de Financiamento de Pesquisas Técnicas (FUNESPE) em 1969. Outros fundos são: Fundo Agroindustrial de Reconversão (FUNAR), 1964 Financiamento à Pequena e Média Empresa (FIPEME)**, 1965 Fundo de Desenvolvimento da Produtividade (FUNDEPRO), 1966 Fundo para Financiamento de capital de giro (FUNGIRO), 1968

40

Este fundo foi gerido pela subsidiária do BNDE, também chamada FINAME – que tinha o objetivo de atender às demandas de financiamento de pequenas e médias empresas, fortalecendo a indústria de máquinas e equipamentos e financiando a comercialização de seus produtos. Em 1966, foi incorporado o objetivo de financiar a importação e a exportação de equipamentos – o que só veio a se realizar na década de 1990 com a criação do Programa de Financiamento às Exportações de Máquinas e Equipamentos – FINAMEX (LIMA, 2006, p. 69).

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125

Fundo de Modernização e Reorganização Industrial (FRMI), 1970 Programa de Operações Conjuntas (POC), 1975 Programa de Apoio à Capitalização da Empresa Privada Nacional (PROCAP), 1976 **Posteriormente incorporado ao POC

Elaborado por: Anna Stauffer e Luis F. Novoa (2015). Fonte: Vainer et al. (2015).

Após o golpe militar, secou a principal fonte de recursos do BNDE - o Fundo

de Reaparelhamento Econômico - com a consequente redução da autonomia

financeira do Banco, mais dependente que antes da vontade dos governos. Também

em 1964, o BNDE saiu da jurisdição do Ministério da Fazenda, passando para o

Planejamento.

Luciano Martins argumenta que, antes mesmo desta transferência, os quadros

que controlavam a “máquina” do banco já vinham tendo a convicção de que era

necessário abandonar a simples análise de projetos isolados, e começar a pleitear a

proposição de programas setoriais integrados – políticas de desenvolvimento.

(MARTINS, 1985. p. 101). Isso seria facilitado na medida em que o banco tivesse

fundos próprios e não estivesse mais condicionado ao Fundo de Reaparelhamento

Econômico.

Em 1965, o BNDE conseguiu garantir por dois anos uma cota de 20% do

imposto de renda para compor suas receitas. Em 1967, esse valor foi reduzido pela

metade e extinto em 1968. Com isso, houve uma queda nos aportes de origem

nacional, que foram supridos nos anos seguintes pelo aumento dos aportes de

origem estrangeira. Entre os anos de 1970 e 1973, já é possível verificar o

crescimento dos recursos de geração interna. Em 1974, o BNDE passa a gerir o

PIS-PASEP e volta a contar com uma significativa fonte de recursos governamentais

(figura 5).

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126

Figura 4 - Recursos do BNDE por origem de aporte (%) / 1964 a 1975

Fonte: Adaptado de Martins (1985, p. 99).

Neste novo contexto de recursos escassos e de “casa nova”, dentro do banco

foram sendo elaboradas e firmadas uma série de novas alianças na tentativa de se

defender das ofensivas lançadas pelo então Ministro do Planejamento Roberto

Campos. Cabe apontar também que, além das referidas ofensivas, os setores em

que o Banco tinha maior influência (siderurgia e energia elétrica) passavam por um

processo de transformação, com as empresas estatais diversificando suas

atividades, ampliando sua capacidade de autofinanciamento, e também com a

criação de holdings setoriais (MARTINS, 1985).

Após assumir o ministério, Campos indicou Garrido Torres - um economista

liberal - para presidir o BNDE. Contudo, segundo Ricardo Rebouças (1982, apud

LIMA, 2006), Torres foi um dos responsáveis pelo Banco não ter perdido mais

espaço e protagonismo durante o período (um exemplo de conflito/disputa de

influência no interior do Estado). Segundo o autor, havia muita pressão para que o

BNDE diminuísse gradativamente os programas para as indústrias de base (pois

ainda havia a ideia de que os bancos privados de investimentos é que deviam atuar

nestes segmentos) e direcionasse seu apoio para as pequenas e médias empresas.

Apesar de haver a concordância por parte dos técnicos do Banco de que a

industrialização nacional já havia avançado significativamente com o Plano de

Metas, eles entendiam que os novos setores que estavam apresentando projetos ao

Banco - como papel e celulose, cimento e petroquímica - precisariam de

financiamentos de longo prazo, assim como também acreditavam que, na medida

em que o país voltasse a crescer, as siderúrgicas iriam demandar recursos para

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127

seus programas para expansão. Assim, Torres não cedeu às pressões de paralisar

alguns programas, e teria inclusive sido incisivo com o Ministro Roberto Campos ao

afirmar “eu não aceito ser o coveiro do BNDE” (REBOUÇAS, 1982, p. 20 apud LIMA,

2006, p. 25).

Isso mostra, como argumenta Luciano Martins (1985), que não se pode

entender a burocracia (e o BNDE) por um viés pura e simplesmente instrumental, o

que fica claro ao se observar

os compromissos táticos em benefício de uma estratégia; a luta interna entre facções em torno de concepções distintas de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, a formação de um esprit de corps41 capaz de manter a unidade básica do organismo para efeitos externos; a procura de afirmação de sua personalidade própria e autônoma; a confrontação com o Governo [...]; o estabelecimento de alianças políticas ao nível do Estado e da sociedade para garantir a existência e o crescimento da organização [...] (MARTINS, 198, p. 94)

Curiosamente, neste contexto marcado pela retórica liberalizante da reforma

bancária, foi com o setor privado nacional que o BNDE fez uma aliança para resistir

às investidas para enfraquecer o Banco. Como explica Luciano Martins (1985),

a progressiva reversão das aplicações do BNDE, do setor público para o setor privado, decorre em parte do fortalecimento, ampliação da capacidade de autofinanciamento e recurso fácil a fontes externas de crédito do primeiro, como resultado do próprio modo de expansão do Estado a que temos nos referido. Tudo isso não exclui, entretanto, que outros fatores se tenham combinado para que essa reversão se fizesse. Mas a observação feita é um dado importante, a nosso ver, para explicar, em termos da necessidade de substituir zonas de influência pela busca de novos tipos de alianças, o empenho com que o BNDE passou a se outorgar, então, o papel de protetor e defensor do setor privado nacional (MARTINS, 1985, p. 109 – grifo nosso).

Foi observando esta transição que o autor conclui que, nesta fase, o BNDE foi

uma espécie de demiurgo do empresariado nacional.

É nesse contexto que a maior parte dos recursos do banco passou a ser

gradativamente destinada para o setor privado, em detrimento do público. Como é

41

Luciano Martins (1985) argumenta que o rigor do processo de admissão e promoção do quadro técnico do BNDE contribuiu para que eles desenvolvessem o que o autor chama de um forte esprit de corp. Outro fator que teria contribuído para isso foi uma resolução interna da instituição, de 1972, que definia que ao menos três dos cinco diretores fossem oriundos do quadro técnico do Banco, o que garantiria que o banco não nomeasse majoritariamente outsiders (MARTINS, 1985, p. 103).

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possível ver na figura 5, a partir de 1968, o apoio ao setor privado passou a superar

em mais de 50% os financiamentos feitos ao setor público.

Figura 5- Aprovações de financiamento do sistema BNDES por setor-1961/79

Fonte: Adaptado de Redivo e Cario (2013).

Simonsen e Campos argumentavam que as reformas implementadas entre

1964-1967 buscavam acabar com “a) a ficção da moeda estável na legislação

econômica; b) a desordem tributária; c) a propensão ao déficit orçamentário; d) as

lacunas do sistema financeiro; e) os focos de atrito criados pela legislação

trabalhista.” (SIMONSEN e CAMPOS, 1974 apud VELLOSO, VILLELLA e

GIAMBIAGI, 2008, p. 22). A maior abertura econômica ao exterior também era

entendida como fundamental ao novo modelo econômico a ser implantado. Então,

entre as principais reformas implementadas estavam a fiscal/tributária e a financeira,

além da abertura da economia ao exterior e da criação de mecanismos de reajuste

dos impostos pagos fora do prazo (em função da inflação). Nesse período, ocorreu

um significativo aumento da carga tributária, que era de 16% do PIB, em 1963, e

aumentou para 21% em 1967, e o déficit fiscal federal sofreu redução de cerca 3,1%

entre 1963 e 1966.

A respeito da abertura ao exterior, alguns mecanismos passaram a ser

introduzidos na legislação a partir de 1964, entre os quais estão: a isenção do

imposto sobre as exportações de produtos industrializados; a isenção do imposto de

renda sobre os lucros das exportações; restituição dos impostos de importação de

matérias-primas e componentes importados utilizados em produtos exportados;

isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM) dos produtos

manufaturados exportados (VELOSO, VILLELLA e GIAMBIAGI, 2008).

Para Bielschowsky (2011), o Programa de Ação Econômica do Governo

(PAEG)

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pode ser tomado como referência do pensamento econômico conservador na primeira metade dos anos 1960. A crise é atribuída à inflação de demanda, cujo controle orienta tanto as políticas de arrocho dos salários, como as reformas estruturais para solucionar o suposto problema da poupança. Ao afirmar que o controle da inflação é necessário para o desenvolvimento, o PAEG se apropria e esvazia de sentido o termo desenvolvimento, colocado como mera justificativa para políticas de saneamento do sistema de preços que resultariam “naturalmente” no crescimento (BIELSCHOWSKY, 2011, p. 226).

Ao limitar a modernização dos setores tradicionais e da agricultura42, este novo padrão de acumulação agrava a heterogeneidade estrutural, acirrando as desigualdades sociais. No entanto, para Tavares e Serra ([1971] 1973) este aumento das desigualdades, ao invés de limitar o dinamismo econômico, como afirmava Furtado (1961a e 1966) e Tavares ([1963] 1972), é funcional ao crescimento por ampliar a demanda pelos bens de consumo duráveis produzidos pelas multinacionais. [...] Cardoso e Faletto (1970) destacam a importância dos fatores políticos para a análise do desenvolvimento, e afirmam que ele exige a abertura do mercado para as multinacionais. (BIELSCHOWSKY, 2011, p. 231).

O autor ainda aponta que Tavares e Serra ([1971] 1973) destacaram a

importância dos fatores econômicos internos, e que o PAEG teria criado as

condições econômicas internas favoráveis às multinacionais através no surgimento

do novo padrão de acumulação do “milagre”. Assim, de acordo a análise dos

autores, o padrão de acumulação interno teria conferido ao país “certo grau de

autonomia econômica, necessária para viabilizar um projeto nacional de

desenvolvimento” (BIELSCHOWSKY, 2011, p. 231).

3.2.1.1 A articulação de um sistema financeiro nacional

Entre as décadas de 1960-1970, foram criados diversos bancos públicos

estaduais de desenvolvimento, que complementavam a ação do BNDE. O

financiamento de planos de negócio regionalmente articulados demandavam não só

a expansão das redes de captação de recursos de poupança no território nacional,

42

Durante o governo de Castelo Branco foi implementado o Estatuto da Terra (1964) que, segundo Ruy Moreira (1986) está diretamente vinculado ao ideário da modernização exaltado no período. Isso fica evidente ao observar: (1) a vinculação do uso social da terra ao aumento da produtividade e ao desenvolvimento econômico; (2) a definição da empresa rural como objetivo a ser atingido com a "gradual extinção do minifúndio e do latifúndio"; e (3) o referenciamento geral da questão do campo à industrialização do país. [...] A empresa rural é o paradigma dessa fase da modernização. (MOREIRA, 1986, p. 10).

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130

“o problema financeiro era muito mais ligado à canalização de fundos disponíveis do

que propriamente à maior flexibilidade de um sistema institucionalizado e

diversificado de intermediação financeira” (NATERMES, 1979 apud PINTO, DE

PAULA e SALLES, 2007, p. 144).

Diante desta análise, o sistema público nacional de fomento foi articulado

durante estas duas décadas tendo o BNDES como “centro irradiador de políticas”,

que repassava os recursos por meio dos bancos estaduais. As regiões precursoras

na criação de bancos públicos de desenvolvimento foram a Região Sul e Minas

Gerais, devido à “elevada concentração de pequenas e médias empresas nos

respectivos territórios” (PINTO, DE PAULA e SALLES, 2007, p. 144).

Tabela 3– Evolução do sistema público de fomento

Fonte: Pinto; De Paula; Salles (2007, p. 144)

Assim, garantiu-se um aumento da capilaridade no que diz respeito ao acesso

aos recursos provenientes da poupança compulsória, facilitando-se a implementação

de políticas idealizadas para reduzir as desigualdades inter-regionais” (PINTO, DE

PAULA e SALLES, 2007, p. 144), conforme indica o gráfico 1.

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131

Gráfico 1 - Evolução dos Montantes Acumulados em Fundos Compulsórios entre 1970 e 1980

Fonte: Pinto; De Paula; Salles (2007, p. 147).

3.2.2 O Milagre econômico e o modelo concentrador

Entre 1967 e 1969, presidiu o país o Marechal Costa e Silva (ministro da

Guerra no governo anterior), que decretaria o Ato Institucional nº 5 (AI-5),

institucionalizando a repressão43 e delegando ao presidente poderes para cassar

políticos e fechar o Congresso.

No campo ministerial, Campos e Bulhões foram afastados e Delfim Neto,

Ministro da Fazenda, passou a conduzir a política econômica. A aceleração do

crescimento econômico e a redução da inflação foram os focos de Delfim e de sua

equipe, na análise dos quais as causas da inflação estavam associadas aos altos

custos do crédito. Além disso, a política de compressão salarial foi mantida, sob o

argumento de que descomprimi-la geraria pressões inflacionárias. A manutenção

dos salários baixos era um fator importante para a atração do capital estrangeiro e

para o crescimento econômico no período do chamado “milagre econômico” (1968 a

1973) – quando se acentuou a desigualdade na distribuição de renda no Brasil.

43

Neste período o Sistema Nacional de Inteligência (SNI) - intencionava implantar um sistema de segurança em todo aparato do Estado (autarquias, empresas públicas, universidades). Jayme Magrassi, então presidente do BNDE, foi informado pelo General Médici (presidente do SNI no período) que, a exemplo do que estava sendo feito em todas as instituições públicas, deveria designar um servidor para formar uma Assessoria de Segurança e Informação (ASI) na estrutura administrativa do BNDE. Inicialmente Magrassi não teria atendido a imposição do SNI, mas, sob a mediação de Costa e Silva, a negociação prosseguiu e foi decidido que tanto o BNDES como o SNI designariam um representante, e que ambos trabalhariam em conjunto, mas o representante do SNI não seria lotado no BNDE. Alberto dos Santos Abade, chefe de gabinete de Magrassi, foi o indicado para representar o Banco. Assim, ao menos temporariamente, o Banco não teria militares da área de inteligência em tempo integral em suas instalações, o que poderia limitar não só a atuação dos técnicos do banco como também os debates realizados pela instituição (LIMA, 2006).

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132

Se até a década de 1970 o crescimento econômico foi baseado na

capacidade instalada no país, doravante ganha grande relevância o aumento dos

investimentos, com maior participação do BNDE provendo crédito, por vezes

subsidiado ao setor privado nacional. Também foram ampliados os incentivos

oferecidos pelo Conselho de Desenvolvimento industrial (CDI) e o investimento das

empresas públicas.

O período do chamado “milagre econômico” teria contado com os

economistas governistas Roberto Campos44, Mário Henrique Simonsen45, Hélio

Marcos Pena Beltrão46, Delfim Netto47 e João Paulo dos Reis Velloso48 como “líderes

intelectuais do desenvolvimentismo oficial”. Os chamados “desenvolvimentistas de

oposição” eram nomes como Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares, Carlos

Lessa, Antônio Barros Castro, José Serra, Edmar Bacha e Pedro Malan. Este

segundo grupo teria fornecido “substrato conceitual, ou de princípios, para a

dimensão econômica na luta política contra a ditadura: alertava que a modalidade do

desenvolvimento vigente era concentradora de renda, que não levava os frutos do

progresso técnico ao conjunto da população” (BIELSCHOWSKY, 2011, p. 20).

Cabe também acrescentar que, em 1969, diversos professores universitários

foram aposentados compulsoriamente pelo AI-5. Neste contexto de aposentadorias

compulsórias, Paul Singer, José A. Giannotti e Fernando Henrique Cardoso fundaram o

Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), a que se juntaram

posteriormente outros intelectuais, como Octávio Ianni e Francisco de Oliveira,

passando a constituir um importante e influente centro crítico de pesquisa e reflexão49.

44

Ocupou os cargos de Presidente do BNDES entre os anos 1958 e 1959, Ministro do Planejamento do Brasil entre 1964 e 1967 e Ministro da Fazenda do Brasil em 1964.

45 Simonsen ocupou os cargos de Ministro da Fazenda do Brasil entre os anos de 1974 e 1979, e de Ministro do Planejamento em 1979.

46 Ministro do Planejamento do Brasil entre 1967 e 1969.

47 Delfin Netto foi Ministro da fazenda do Brasil entre os anos de 1967 e 1974, Ministro da Agricultura em 1979 e Ministro do Planejamento entre 1979 e 1985.

48 Velloso foi presidente do IPEA em 1969 e Ministro do Planejamento entre 1969 e 1979.

49 Segundo Bernardo Sorj, num ambiente social marcado pela repressão militar e perseguição política, dois fatores contribuíram significativamente para a sobrevivência e consolidação do CEBRAP: “em primeiro lugar, a ajuda financeira da Fundação Ford, e, em segundo, os vínculos estratégicos que a instituição, através de alguns de seus membros, conseguiu manter com setores mais liberais do empresariado, da classe política, da Igreja e da intelectualidade em geral, sobretudo em São Paulo” (SORJ, 2001 apud CASTILHO, 2008, p. 32). O CEBRAP foi um espaço de grandes debates e embates teóricos. Um exemplo foi citado por Paul Singer, ao lembrar que, em 1972, Fernando Henrique Cardoso apresentou um trabalho no CEBRAP chamado “O Regime Político Brasileiro”. Neste texto, Cardoso argumentava que além de o regime militar ser economicamente avançado e progressista – pois o milagre econômico evidenciava que “a economia brasileira estava

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133

De 1969 a 1974, período de maior repressão da ditadura militar, a presidência do

Brasil esteve nas mãos do General Emílio Médici. Foi durante sua gestão que foram

adotados os slogans "Brasil: ame-o ou deixe-o" e "este é um País que vai pra frente".

Com Delfim Neto ainda à frente do Ministério da Fazenda, durante este governo

foi implementado o I Plano Nacional de Desenvolvimento - I PND (1972 - 1974), que

definiu como objetivo promover o Brasil à categoria de “país desenvolvido” no espaço

de uma geração; duplicar a renda per capita até o ano de 1980; expandir o PIB; investir

em siderurgia, petroquímica, transporte, construção naval, mineração e energia elétrica;

investir em agricultura, saúde, educação, saneamento básico, pesquisa e tecnologia;

ampliar o mercado consumidor e a poupança interna por meio do PIS e do PASEP e;

aumentar o investimento bruto. Inicialmente o governo decidiu que o Banco do Brasil

e a Caixa Econômica Federal controlariam, respectivamente, o PIS e o PASEP. Mas,

num contexto de disputas por recursos, Ministro Reis Velloso e o então presidente

do BNDE, Marcos Vianna, articularam-se e conseguiram transferir o controle do

PIS/PASEP para o Banco ainda no fim de 1973. (LIMA, 2006)50. Tal disputa foi

importante, pois já a partir de 1975, os recursos do PIS-PASEP representariam mais

de 30% do total de recursos do BNDE.

Os projetos de desenvolvimentos elaborados pelo I PND foram complementados

pelo Programa de Integração Nacional (PIN), que tinha como núcleo central a

construção da rodovia transamazônica e a colonização de suas margens, assim como a

ampliação da área irrigada no Nordeste e a distribuição de títulos de propriedade rural a

posseiros e sem-terra (não por meio da desapropriação e redistribuição). Para o I PND

(1972-74), foram programados51 cerca de R$ 28 bilhões de investimentos em

transportes, sendo que R$ 6,3 bilhões seriam no sistema ferroviário (LACERDA, 2002).

Os projetos que mais avançaram foram os da área econômica, sendo muito

fraco o desempenho dos projetos sociais. No setor industrial houve significativo

incremento do setor de bens de consumo duráveis, liderado pela indústria

conseguindo o seu desenvolvimento [...] -, o regime militar também era socialmente avançado, progressista”, e teria promovido a revolução burguesa no Brasil. Discordando de Cardoso, Singer e Oliveira resolvem respondê-lo por escrito, e estas respostas escritas posteriormente viriam se transformar em O Milagre Brasileiro de Paul Singer e no Crítica a Razão Dualista de Francisco de Oliveira (SINGER, 2006, p. 17).

50 Ver figura 3 e gráfico 1.

51 Tais investimentos foram programados no âmbito que sugeria “formas de articulação entre os planos de investimento em ferrovias e as empresas produtoras de material ferroviário. Do final dos anos 60 à década seguinte, o planejamento dos investimentos no setor foi feito no Primeiro e Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND e II PND)” (LACERDA, 2002, p. 2).

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134

automobilística. Ainda que o “milagre econômico” tenha incentivado as exportações,

seu modelo era intensivo em importações e na utilização do petróleo (principal fonte da

matriz energética da época). Alguns setores produtivos tornaram-se crescentemente

dependentes dos subsídios estatais para permanecerem competitivos. Tais subsídios,

somados à correção monetária dos títulos da dívida pública, foram restringindo as

finanças do Estado, enquanto que o endividamento externo começava a crescer de

maneira expressiva (LAGO, 1994; KOHLI, 2004 apud MACALÓS, 2014).

O BNDE, apesar da limitação de recursos, teve um papel relevante para o

desempenho do Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento - I PND (1972 – 1974).

Em outubro de 1970, Marcos Pereira Vianna assumiu a Presidência do BNDE, e em

1971, o Banco foi transformado em uma empresa pública dotada de personalidade

jurídica de direito privado e patrimônio próprio (BNDES, 2004), estatuto que mantém até

os dias atuais. Esta mudança reforçou a personalidade institucional como organismo

governamental autônomo.

Com o choque do petróleo de 1973, o Brasil enfrentou um grave desequilíbrio no

balanço de pagamentos. O ano de 1973 marca também o fim do “milagre econômico” –

período em que economicamente o Brasil cresceu em média 11,2% ao ano, via

estímulos ao consumo através de expansão do crédito bancário, com taxas de juros

moderadas, ao investimento e à exportação.

Mas, como avalia Maria da Conceição Tavares em entrevista ao IPEA52, o

modelo econômico implementado por Delfim Netto promoveu também a dependência, a

desigualdade e foi um modelo predador. Em sua avaliação, o “milagre econômico” foi

uma barbárie, uma vez que o crescimento se fazia com concentração da renda, com

uma perversidade funcional para o tipo de crescimento que estava sendo

implementado.

Oliveira ([1972] 2003, p. 97) também argumenta que do ponto de vista das

condições de vida da classe trabalhadora, houve significativos retrocessos durante o

“milagre”. A queda do salário real, a piora das condições de vida nos grandes centros, e

a agudização da concentração de renda foram marcas do período. Em termos de

incremento da renda média real, os primeiros 50% da população (os mais pobres)

52

Entrevista realizada por João Sicsú e Douglas Portari na residência de Maria da Conceição Tavares no Rio de Janeiro, em novembro de 2010. In: TAVARES, Maria da Conceição. Desenvolvimento e igualdade/Maria da Conceição Tavares. Organizadores: Vanessa Petrelli Corrêa, Monica Simioni. – ed. Esp.– Rio de Janeiro: IPEA, 2011.

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135

tiveram 1% de ganhos entre 1960 e 1970, “tendo o 6º decil 8%, o 7º decil 3%, o 8º decil

10%, o 9º decil 23%, o 10º decil 61% e os 5% superiores 72% de incremento”. Ou seja,

cerca de 70% do crescimento da renda real da economia brasileira no decênio 1960-

1970 foi apropriado pelos 5% mais ricos da população do país, não tendo havido

nenhuma redistribuição de renda “para baixo” (ver tabelas que seguem).

Tabela 4 - Distribuição da renda no Brasil (1960 e 1970)

Fonte: Adaptado de OLIVEIRA ([1972] 2003).

Oliveira ([1972] 2003, p. 98) insiste que “não houve qualquer redistribuição para

baixo, nem em termos de beneficiamento dos estratos médios, nem muito menos, como

é óbvio, dos estratos baixos”. Ele se contrapõe a hipóteses como as formuladas por

Maria da Conceição Tavares e José Serra, de que a compressão salarial foi necessária

para financiar as inversões e para redistribuir o superexcedente para as classes médias.

Nas suas palavras:

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O argumento é extremamente especioso, e sua falha reside não nos preconceitos, mas no simples fato de que a compressão salarial, impedindo o crescimento dos salários, transfere os ganhos da elevação da mais-valia absoluta e relativa para o polo da acumulação e não para o do consumo. Isto não quer dizer que as classes médias ou os estratos intermediários não tenham se beneficiado com a expansão dos últimos anos; quer dizer apenas que não houve redistribuição intermediária: a possibilidade de que esta seja factível acabaria com todos os problemas do capitalismo (OLIVEIRA, [1972] 2003, p. 98 – grifo nosso).

Milton Santos (1999) realça que no Brasil do milagre (e durante boa parte da

década seguinte), a expansão da classe média ocorreu sem que houvesse verdadeira

competição dentro dela no que diz respeito aos recursos disponibilizados pelo mercado

ou pelo Estado para a melhoria do seu poder aquisitivo e do seu bem-estar material. A

classe média foi beneficiada pelo crescimento econômico, pelo modelo político e pelos

projetos urbanísticos adotados. “Daí a sua relativa coesão e a consciência de haver

tornado um poderoso estamento”. Tratava-se, segundo o autor, de uma moeda de

troca, uma vez que a classe média constituía uma base de apoio ao governo. Ao

mesmo tempo em que se diversifica profissionalmente, aumenta o seu poder aquisitivo

(mesmo que não nas mesmas proporções que os 20% da população mais abastada) e

tem mais acesso a oportunidades de ingressar em sistemas de ensino, a classe média

é conduzida a crer na garantia de preservação das suas vantagens e perspectivas com

a manutenção de tal modelo de desenvolvimento. Formou-se, assim, “uma classe

média mais apegada ao consumo que à cidadania, sócia despreocupada do

crescimento e do poder, com os quais se confundia” (SANTOS, 1999).

Num contexto de fim do “milagre econômico” e crise do Petróleo, Ernesto Geisel

torna-se o quarto presidente no regime militar. Durante seu governo, Delfim Netto foi

substituído por Mário Henrique Simonsen no Ministério da Fazenda. Em setembro de

1974, foi lançado o II Plano Nacional de Desenvolvimento - II PND (1975-1979), um

amplo programa de investimentos para transformar a estrutura produtiva do país e

superar os desequilíbrios externos, num contexto de extrema liquidez53. Foi um período

de grande endividamento externo.

53

No cenário internacional, em 1971, os EUA abandonaram a conversibilidade do Dólar com o ouro e adotaram o sistema de câmbio flexível em 1973 – ano em que também eclodiu a crise do petróleo. Após um período de escassez de crédito, os exportadores de petróleo passam a aplicar suas divisas no sistema financeiro internacional, aumentando a disponibilidade de crédito (CARNEIRO, 2002)

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137

Carneiro (2002) sintetiza quatro eixos intencionais principais do II PND:

i) Modificar a matriz industrial por meio da ampliação da indústria pesada;

ii) Transformar a organização industrial acentuando a importância da

empresa privada nacional;

iii) Promover a desconcentração regional da atividade produtiva;

iv) Melhorar a distribuição de renda;

O autor destaca que se propunha um bloco de inversões concentrado

temporalmente e setorialmente nas indústrias de bens de capital e bens intermediários,

além de se perseguir a transformação das matrizes energética e de transportes de

forma aliada à implantação da indústria de bens intermediários, criando novas

demandas que viabilizassem novos segmentos da indústria de bens de capital.

Bielschowsky e Mussi (2013) acrescentam que havia a intenção de mitigar “os efeitos

da dependência brasileira de importação de petróleo – via expansão da extração de

petróleo e mudança da matriz energética por produção de etanol e por forte expansão

na produção de energia de origem hidráulica” (p. 194).

Concordando e complementando a lista de objetivos identificados no II PND,

Pablo Bielschowsky (2011) aponta que havia a intenção de “completar a substituição de

importações na indústria pesada”. A modificação da matriz energética também é

apontada como estratégia para reduzir a vulnerabilidade externa e, além disso, alçar o

Brasil à condição de país desenvolvido. Esta teria sido a estratégia principal, que se

desdobrou em estratégias específicas:

(i) promover a indústria de base (bens intermediários e bens de capital), a infraestrutura de energia e transportes, a desconcentração industrial, as exportações de manufaturados, a inovação e a modernização dos setores tradicionais; (ii) fortalecer o capital nacional; (iii) promover a integração nacional; (iv) estimular o desenvolvimento social; e (v) incentivar a integração com a economia mundial. Estas estratégias deveriam orientar o manejo dos instrumentos de política econômica. As políticas fiscal, monetária, salarial, de preços e de balanço de pagamentos ficam incumbidas de criar condições para o crescimento acelerado, o controle da inflação e o equilíbrio do balanço de pagamentos. Por fim, o II PND apresenta as políticas de energia, desenvolvimento urbano e preservação do meio ambiente, detalha os programas de investimento no período 1975-1979, analisa as oportunidades de emprego, expõe a política científica e tecnológica, e apresenta propostas de modernização do Estado. (BIELSCHOWSKY, 2011, p. 235).

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Foi neste contexto que surgiram várias iniciativas de investimento em grandes

usinas hidrelétricas, como os casos de Itaipu e Tucuruí.

O setor elétrico já vinha ganhando destaque desde o Plano de Metas, que tinha

como objetivo duplicar a capacidade instalada de geração, acrescentando 2 GW aos

1,9 GW em 1950. Durante a ditadura militar, sucederam-se o Plano Estratégico de

Desenvolvimento - PED (1967), o Plano de Metas e Bases para a Ação de Governo

(1970), o I PND (1970-1974) e o II PND, todos enfatizando que a expansão da oferta de

eletricidade era um dos pilares do desenvolvimento industrial (ABREU, 1999 apud

ESPOSITO, 2012).

Lessa (1978), Serra (1982), Tavares e Lessa (1983) e Fishlow (1986) concordam

com os seguintes pontos críticos do II PND:

o momento de realização do programa foi inadequado em razão da conjuntura internacional recessiva e desaceleração cíclica interna; o programa carecia de maior articulação entre os investimentos, havendo um visível sobredimensionamento em particular no que se referia aos

bens de capital sob encomenda; recorreu-se excessivamente ao financiamento externo, ao mesmo tempo em que se descuidava da questão energética, vulnerabilizando a economia a novos choques externos. A manutenção do crescimento acelerado a qualquer preço

teve como justificativa última o atendimento ao conjunto de interesses que sustentavam o regime autoritário, convertendo o Estado em principal instrumento desse desiderato (CARNEIRO, 2002, p. 59).

Numa perspectiva oposta à destes autores, Castro e Souza (1985 apud

CARNEIRO, 2002, p. 57) consideram que o ajustamento estrutural do período entre

1974-1979 teria sido um ponto de ruptura que direcionou a industrialização para as

indústrias intensivas em capital e tecnologia, além de ter integrado o parque industrial

nacional, dando-lhe competitividade internacional. Carneiro (2002) aponta que não teria

havido modificações substanciais no modelo histórico de desenvolvimento comparando-

se com o período anterior, posto que se buscou, mais uma vez, diversificar a estrutura

produtiva completando-a e aproximando-a do paradigma então prevalecente nos países

centrais.

A ênfase nos setores pesados assemelhava o II PND ao Plano de Metas, por

exemplo, que no passado havia abraçado os mesmos objetivos. Praticamente não

havia, segundo o autor, referências à questão da geração e controle da tecnologia, o

que em alguns casos criava obstáculos à difusão de indústrias (como no exemplo das

de bens de capital). Carneiro considera que, apesar de não ter alcançado a escala

proposta de diversificação da matriz industrial e nem logrado a implantação definitiva de

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setores mais avançados da indústria, o II PND “manteve o processo de diversificação

da estrutura produtiva em direção à indústria pesada, observada desde meados dos

anos 50” (CARNEIRO, 2002, p. 68). Neste período, bancos públicos como o BNDE e o

Banco do Brasil tiveram significativa participação como agentes de financiamento.

Na tabela que segue é possível ver como foi a atuação do BNDE no contexto de

cada plano econômico e das políticas até este momento do segundo ciclo

desenvolvimentista.

Tabela 5- Planos econômicos e políticas do BNDE

PLANO CARACTERÍSTICAS ATUAÇÃO DO BNDE Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), 1964-1967

Controle inflacionário, apoio aos setores prejudicados pela inflação. Reforma fiscal e financeira.

Circunscrição de sua atuação, através de fundos setoriais e em função da criação de um mercado de capitais.

Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED), 1968-70

Expandir o crédito para o setor privado para setores com maior potencial de dinamismo

Aumentar capacidade de financiamento do Banco e reconhecimento de seu lugar central na condução dos Fundos setoriais.

Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), 1971-74

Elevar as taxas de expansão da economia através de extensos programas de investimento e aceleração da aquisição de tecnologia.

Fortalecimento o direcionamento do FINAME e FUNTEC e do Banco

Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) /1º Plano Quinquenal de Ação, 1974-79

Novo padrão de industrialização calcado na indústria de base e o fortalecimento do capital privado nacional

Regularização das fontes do Banco através do PIS/PASEP. Criação das subsidiárias voltadas a participações. Entronização do Banco co-financiador e modernizador do setor privado nacional.

Fonte: VAINER et al. (2015). Elaboração: Stauffer e Novoa.

O BNDE foi o principal financiador do II PND, voltando a concentrar recursos

nos setores de Insumos Básicos e Bens de Capital (siderurgia, química e

petroquímica, papel e celulose e metalurgia de não ferrosos), além de ter dado

ênfase ao apoio às empresas privadas nacionais (figura 3).

Ao realizar um diagnóstico sobre o desenvolvimento econômico do país, o

BNDE constatou que o choque do petróleo de 1973 e o aumento do preço

internacional de insumos básicos ameaçavam a economia nacional, uma vez que o

Brasil não contava com um estoque seguro destes bens e o balanço de pagamentos

poderia sofrer grave desequilíbrio com importações destes produtos. Assim, estes

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eram os gargalos que deveriam ser atacados. Diante da alegada incapacidade (e

atitude “cartorial” [sic] para pesquisa e lavra de substâncias minerais) do setor

privado nacional em tocar projetos de grande porte sem o auxílio do Estado ou de

multinacionais - e estas, por sua vez, possuem interesses que por vezes não

condizem necessariamente com os interesses e necessidades do país -, a solução

apontada pelo banco foi a necessidade da condução do Estado. Ou seja, a solução

passava “não apenas à prescrição em doses maiores do medicamento financeiro

habitual, mas já agora a presença permanente do BNDE à cabeceira do doente [...]

a agilização do setor privado com a ajuda da ‘massa crítica’ do Banco” (MARTINS,

1985, p.113 – grifo nosso).

Contudo, como a política do Governo era de dar primazia ao setor privado

nacional, no lugar de serem criadas empresas públicas para atuar setorialmente,

optou-se por criar empresas capazes de apoiar e dirigir o setor privado por meio de

participação acionária e programação de investimentos. Foi nesse contexto que o

banco criou três subsidiárias: a Insumos Básicos S.A. Financiamento e Participações

(FIBASE); a Mecânica Brasileira S.A. (EMBRAMEC); e a Investimentos Brasileiros

S.A. (IBRASA). Por meio delas, o Sistema BNDE passou a ter participação acionária

em distintas empresas, peças importantes para assegurar a participação do BNDE

na realização do II PND.

O Banco teria levado em conta somente questões conjunturais - crise do

petróleo, aumento dos preços dos insumos básicos e debilidade do setor privado

nacional – e não as contradições estruturais internas da economia nacional e de

suas articulações com a economia mundial. Assim, a investida no mercado de

capitais teria contribuído para que se esvaísse progressivamente o papel do Banco

como think-tank do aparelho estatal, isto é, de instituição com “a capacidade de

previsão a longo prazo” (MARTINS, 1985, p. 113). Entende-se que, dependendo da

perspectiva teórica, não ter o plano de longo prazo é o plano.

Se apoiarmo-nos no entendimento de think-tank como um “banco de ideias”,

como sugerem Bourdieu e Wacquant (2005), o BNDES seguiu cumprindo esta

função, pois idealizou, concretizou e difundiu a solução entendida como adequada.

Ao término de um retorno simbólico baseado na naturalização dos esquemas do pensamento neoliberal cuja dominação se impõe há vinte anos graças ao trabalho dos think tanks (bancos de idéias) conservadores e de seus aliados nos campos político e jornalístico, a

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remodelagem das relações sociais e das práticas culturais conforme o padrão norte-americano, imposta às sociedades avançadas através da pauperização do Estado, mercantilização dos bens públicos e generalização da insegurança salarial, é aceita com resignação como resultado obrigatório das evoluções nacionais, quando não é celebrada com entusiasmo de carneirinhos. [...]O imperialismo da razão neoliberal encontra sua realização intelectual em duas novas figuras exemplares da produção cultural. Primeiramente o especialista que prepara, na sombra dos bastidores ministeriais ou patronais ou no segredo dos think tanks (bancos de ideias), documentos de forte cunho técnico, e tanto quanto possível construídos em linguagem econômica e matemática. Em seguida, o conselheiro em comunicação do príncipe, trânsfuga do mundo universitário agora a serviço dos dominantes, cujo serviço é dar forma acadêmica aos projetos políticos da nova nobreza de Estado e da empresa (BOURDIEU e WACQUANT, 2000, grifo nosso).

Desta forma, o Banco atua dentro do Estado como um Think Tank difusor de

ideias liberalizantes, o que mostra o poder de facções com este alinhamento

ideológico dentro da instituição.

Em menos de dois anos, as três subsidiárias passaram

a participar acionariamente de 95 empresas privadas nos distintos ramos da competência de cada uma, com percentagens que oscilam entre 10% e 91%. Tudo se passa, em síntese, como se o Banco, na impossibilidade de se constituir em holding do setor público, se fosse transformando em holding de uma parte do setor privado (MARTINS, 1985, p. 113).

Além disso, continuaram os financiamentos à produção, organização e

comercialização das empresas privadas nacionais, o que ganhou importância ainda

maior quando observado que financiamentos de longo prazo realizados entre 1974 e

1976 tinham correção monetária de 20% - abaixo da inflação do período,

configurando um subsídio aos tomadores (LESSA, 1988 apud COSTA, 2011, p. 18).

Além disso, o BNDE realizou estudos a respeito dos setores em que a iniciativa

privada poderia atuar – sobretudo nas áreas de siderurgia, bens de capital,

petroquímica, papel e celulose, alumínio, cobre, estanho e zinco (COSTA, 2011).

Ou seja, a estratégia teria sido intensificar sua atuação no setor privado nacional.

Em 1976, foi criado o Fundo de Estímulo ao Desenvolvimento do Mercado de

Capitais (PROCAP), cujo objetivo era ofertar financiamentos para subscrições de

ações, o que aumentava as possibilidades de o banco incentivar setores

considerados estratégicos. Neste mesmo ano, o Banco se opôs à criação da

Açominas e da Valesul (uma empresa estatal do setor de alumínio). Além disso,

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Marcos Vianna, então presidente do Banco, levou ao Conselho de Desenvolvimento

Econômico a proposta, formulada pelo BNDE, de desestatização de várias empresas

públicas (COSTA, 2003 e 2011). No final da década de 1970, o banco vendeu as

ações das empresas que estavam sob seu controle acionário, numa espécie de

processo autônomo de desestatização, tendo sido “desestatizadas” sete empresas.

Para dar conta das novas demandas que surgiram com a II PND, houve

mudanças importantes nas fontes e no montante de recursos do BNDE (tabela 6)

Tabela 6- Fonte de Recursos BNDES: 1968/1973 e 1974/1979 – Valores anuais médios, R$ milhões de 2011 e %.

Fontes 1968/1973 % 1974/1979 %

1 Geração Interna 3.880,18 30,82 10.868,23 26,73

1.1 Retorno 540,42 4,29 3.202,94 7,88 1.2 Incorp. ao Capital e Reservas 1.945,92 15,46 - - 1.3 Res. Tesouro DL 1.452/76 - - 326,97 0,80 1.4 Outros 36,61 0,29 585,18 1,44

2 Dotações e Empréstimos no País 4.315,47 34,28 25.154,79 61,87

2.1 Cias. de Seguro - - - - 2.2 Imposto de Renda 15,39 0,12 - - 2.3 Funai 12,10 0,10 - - 2.4 Dotação Orçamentária 1.502,19 11,93 1.204,60 2,96 2.5 Reserva Monetária 2.743,64 21,79 5.859,99 14,41 2.6 PIS/PASEP/FAT - - 16.821,40 41,37 2.7 Finsocial - - - - 2.8 Recursos Não-Operacionais - - - - 2.9 Outros 42,15 0,33 1.268,80 3,12

3 Vinculados 3.684,85 29,27 160,15 0,39

3.1 à FINAME 1.906,43 15,14 - - 3.2 FMM - - - - 3.3 Outros 1.749,11 13,89 160,15 0,39

4 Recursos Externos 710,04 5,64 4.473,36 11,00

4.1 Rec. de Mercado (Moeda e Títulos) 583,90 4,64 4.170,39 10,26 4.2 Rec. Oficiais (AID e Financiamentos) 126,14 1,00 302,97 0,75

5 Outros - - - -

Total 12.590,53 100,00 40.656,52 100,00

Fonte: Redivo e Cario (2013). Obs: Os dados utilizados pelos autores foram adaptados de Prochnik (1995).

É possível observar na tabela que houve um aumento expressivo no total das

fontes de recursos entre os anos 1974-1979, o que possibilitou que os recursos

totais do banco mais do que triplicassem se comparados com o período anterior. Os

novos recursos do PIS/PASEP representaram 41,37% do total no período. Também

merece destaque o volume de Recursos Externos (11%), sobretudo os Recursos de

Mercado (7,91%) (REDIVO e CARIO, 2013).

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143

Da mesma forma como houve um aumento na fonte de recursos, houve um

salto no volume de recursos desembolsados pelo Banco, que foram mais do que

cinco vezes maiores se comparados com o quinquênio anterior (tabela 6). Na figura

6, é possível ver o total dos desembolsos ao longo da história do banco até 1979. Na

figura 6, é possível verificar o detalhamento dos desembolsos por setor produtivo no

período.

Figura 6 – Desembolsos do BNDES (R$ bilhões

54) e relação desembolsos/FBCF (%).

Fonte: Redivo e Cario (2013). Obs: Os dados utilizados pelos autores tiveram como base os dados de BNDES (1992a) para desembolsos e IPEADAATA para FBCF.

Os dados da figura 6 permitem comparar o peso do BNDE na Formação Bruta

de Capital Fixo (FBCF55) ao longo da história do Banco. Redivo e Cario (2013)

alertam que “mesmo considerando, em hipótese, que os desembolsos do BNDES

contribuem para a FBCF em alguma medida, é necessário destacar que aqui não se

busca provar esta relação. Sua montagem é um exercício de dimensionamento dos

recursos desembolsados pelo Banco” (p. 9). Mas este exercício mostra como que,

ao longo do período, os desembolsos do BNDES acompanharam a tendência da

FBCF.

54

Dados corrigidos aos valores de 2011. 55

O FBCF é um indicador que mede o quanto as empresas aumentaram os seus bens de capital, ou seja, aqueles bens que servem para produzir outros bens. Ele indica se a capacidade de produção do país está crescendo e se os empresários estão confiantes em fazer investimentos (IPEA).

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144

Tabela 7- Aprovações BNDES segundo Ramos e Gêneros de Atividade: 1968/1973 e 1974/1979 – Valores anuais médios, R$ milhões de 2011 e %.

Setor 1968/1973 % 1974/1979 % Insumos Básicos 9.349,67 35,73 65.287,77 47,72 Mineração 241,02 0,92 2.398,27 1,75 Siderurgia 2.352,93 8,99 29.206,37 21,35 Metalurgia 1.639,41 6,26 6.617,31 4,84 Química e Fertilizantes 2.453,15 9,37 14.303,70 10,46 Celulose e Papel 1.434,19 5,48 7.366,62 5,38 Produtos de Minerais Não-Metálicos 1.228,96 4,70 5.395,51 3,94 Equipamentos 2.264,63 8,65 9.111,03 6,66 Mecânicos Elétricos 1.059,53 4,05 6.896,51 5,04 Material de Transporte 1.205,10 4,61 2.214,52 1,62 Outras Indústrias 6.058,91 23,15 15.286,87 11,17 Têxtil e Calçados 1.355,44 5,18 3.345,64 2,45 Produtos Alimentares 1.503,39 5,75 4.889,60 3,57 Outras 3.200,08 12,23 7.051,62 5,15 Infraestrutura - exclusive transporte 1.904,30 7,28 25.342,89 18,52 Energia Elétrica 937,83 3,58 19.801,82 14,47 Outros Setores 966,47 3,69 5.541,07 4,05 Infraestrutura - Transportes 4.433,81 16,94 15.912,09 11,63 Ferroviário 1.713,39 6,55 11.492,60 8,40 Rodoviário 2.099,98 8,02 2.892,24 2,11 Hidroviário 620,45 2,37 1.527,26 1,12 Outras Atividades 2.157,25 8,24 5.870,39 4,29 Ensino, Pesquisa e Desenvolvimento

Tecnológico 813,74 3,11 381,81 0,28

Distribuição 978,40 3,74 2.302,81 1,68 Outras 365,11 1,40 3.185,76 2,33 Total 26.168,56 100,00 136.811,04 100,00 Fonte: Redivo e Cario (2013). Obs: Os dados utilizados pelos autores foram adaptados de BNDES

(1992a)

Houve um crescimento no valor aprovado em todos os setores entre 1974 e

1979, sendo que o principal destino dos recursos continuou sendo o setor de

Insumos Básicos, com destaque para Siderurgia – seguido pelo setor de

Infraestrutura (exclusive transportes); destaque também para Energia Elétrica;

infraestrutura de transportes (principalmente ferroviário) e outras indústrias.

O Plano de Ação do BNDES para o período 1978-1981 identificava a

necessidade de deslocamento na estratégia de atuação do banco principalmente

para o apoio à infraestrutura de interesse social e para a produção de bens de

consumo essenciais, em particular de origem agropecuária e agroindustrial. Não

obstante, entre 1979-1981, os setores que mais receberam financiamentos foram os

de siderurgia e de energia elétrica (MONTEIRO FILHA, 1994).

No cenário político, com o fim do AI-5 (1978), o ciclo autoritário foi se

esgotando. Com a Anistia, em novembro de 1979, aceita pelo governo Geisel num

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processo de crescente insatisfação com a ditadura e pressão pela democratização,

inicia-se um movimento de retorno de intelectuais, artistas, políticos, etc.

No término da década de 1970 o Brasil apresentava exacerbada

concentração econômica e de renda, acentuado desequilíbrio no balanço de

pagamentos, elevada dívida externa, crescimento dependente de inversões

externas, inflação elevada (tabela 6) e diversos conflitos e insatisfações sociais.

3.2.3 A desaceleração da economia e a permanência da concentração

Em 1979 toma posse o último presidente do regime militar: João Baptista de

Oliveira Figueiredo (1979-1985). Diante da crescente pressão popular, durante seu

governo houve o processo de abertura política, no que ficou conhecido como

processo lento e gradual de redemocratização do país. Com o retorno do

multipartidarismo, a Arena e o MDB foram respectivamente transformados no PDS e

no PMDB (partido a que aderiu Celso Furtado, retornado do exílio). Também

surgiram nesse contexto novos partidos, como o PDT e o PT, respectivamente sob

as lideranças de Leonel Brizola e de Luiz Inácio Lula da Silva. No mandato de João

Figueiredo voltaram a realizar-se eleições diretas para os governos estaduais,

suspensas desde o golpe militar.

Figueiredo assumiu no contexto do segundo choque do petróleo e de juros

crescentes, inaugurando-se um longo período de elevada inflação que, após várias

tentativas de estabilização monetária, só seria debelada com o Plano Real em 1994.

Mário Henrique Simonsen foi nomeado ministro-chefe da Secretaria de

Planejamento (SEPLAN) da Presidência da República, cargo que ocupou por cerca

de cinco meses. Ele defendia medidas ortodoxas, como a contenção dos gastos

públicos e a desaceleração do crescimento econômico, apontando a recessão como

a saída para a crise. Diante desse problema e das críticas às medidas que defendia,

Simonsen passou seu cargo ao ministro Golbery do Couto e Silva, então chefe do

Gabinete Civil da Presidência da República que, por sua vez, passou o posto a

Delfim Neto, até então titular da pasta da Agricultura. Inicialmente, Delfim defendia a

heterodoxia econômica, argumentando que “poderia (e deveria) ser enfrentado sem

o recurso ao corte de gasto e investimento público, sendo factível buscar a

desinflação sem passar pela recessão (sequer pelo “desaquecimento”)”

(MARCARINI, 2008, p. 15). Esse experimento heterodoxo foi efetivamente realizado

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através de sucessivas medidas no período agosto-1979 a janeiro-1980, entre as

quais introdução da semestralidade dos reajustes salariais, reajustes de preços do

setor público, controle de preços dos oligopólios, redução das taxas de juros,

maxidesvalorização da ordem de 30%56. Estas medidas eram coerentes com o

discurso introduzido por Delfim e opostas à “doutrina Simonsen”.

Apesar da conjuntura, em 1979 e 1980, o PIB cresceu 6,8% e 9,2%,

respectivamente. No setor energético, tiveram andamento os grandes projetos

hidrelétricos de Itaipú e Tucuruí. Houve redução da dependência externa de

petróleo, graças ao aumento da produção nacional e ao Próálcool. O declínio da

importação de máquinas e equipamentos, por um lado, deu certo alívio à balança

comercial, mas, por outro lado, indicava a queda dos investimentos produtivos

(tabela 8).

É neste contexto de crise e mudanças que foi lançado o “Programa

Emergencial” (1979), com medidas de curto prazo voltadas ao controle da inflação e

apoio à agricultura, e o III PND (1980-1985). O plano reunia um conjunto de

intenções gerais, sem detalhar nem quantificar as metas57.

Em 1981, pela primeira vez, o PIB apresentou taxas negativas desde que

começou a ser calculado no Brasil (em 1947) (ver tabela 9). Diante do agravamento

do cenário econômico, foram adotadas as seguintes medidas: controle da expansão

da moeda, corte dos investimentos de empresas públicas, elevação da taxa de juros

internos e controle do crédito. A consequência, como esperado, foi a queda também

dos investimentos privados (BRUM, 1998).

56

Com a intenção, sobretudo de reduzir o déficit público por meio da melhora da receita, ao mesmo tempo a pretendida dinamização da economia via agricultura/exportações/energia era preservada. A maxidesvalorização compensava a retirada dos subsídios à exportação de manufaturados (MARCARINO, 2009, p. 19)

57 As metas foram resumidas por Argemiro J. Brum (1998, p. 384-385) nos seguintes pontos: a) Aceleração do crescimento da economia, do emprego e da renda por meio da expansão da empresa privada nacional, preocupando-se com a integração do processo produtivo dos novos contingentes de mão de obra; b) Melhoria da distribuição de renda; c) Redução das disparidades regionais privilegiando o desenvolvimento do Nordeste e a ocupação da Amazônia; d) Equilíbrio do balanço de pagamentos por meio do aumento e diversificação das exportações e controle de importações; e) Controle do endividamento externo com a redução dos déficits nas transações correntes; f) Desenvolvimento da agropecuária (o setor com retorno mais rápido mediante estímulos) para evitar a importação de produtos que podem ser produzidos no país; ampliar as exportações; fornecimento de matérias-primas para a indústria; aumentar a demanda de produtos industriais através dos produtores rurais; transferir recursos humanos e financeiros para o setor urbano-industrial e; incentivar a produção de fontes energéticas alternativas ao petróleo (álcool); g) Desenvolver o setor energético, sobretudo através do aumento da produção nacional de petróleo e álcool – diminuindo a dependência e os riscos externos; h) Controle da inflação; i) Aperfeiçoamento das instituições políticas através da institucionalização do estado de direito democrático.

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147

A contínua aceleração inflacionária (tabela 9) confirmaria o fracasso político

deste conjunto de medidas. Marcarini (2008) coloca que

é natural que a antiga postura “prudente” de Simonsen renascesse com força, advogada no interior do governo pelo núcleo Fazenda-Banco Central: austeridade fiscal (envolvendo corte de investimento), restrição monetária e creditícia, alta das taxas de juros, liberação (progressiva) de preços, ameaça de mudança na política salarial – enfim, retorno desinibido à ortodoxia. Desta vez, porém, seria para valer e numa dosagem até então inimaginável. Em suma, com atraso e numa situação muito mais deteriorada, Delfim Netto rendeu-se à “doutrina” Simonsen.

Tabela 8– Comportamento da balança comercial (1972 – 1984) – com destaque para os principais itens - em bilhões de Dólares

Fonte: Adaptado de Brum (1998, p. 371). Obs: As fontes do autor foram o Banco Central e a FGV.

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148

Tabela 9– Evolução da dívida externa, da inflação e do PIB – 1972 – 1984

Fonte: Brum (1998, p. 372).

Em 1982, os bancos credores suspenderam o crédito ao Brasil58. Em 1983,

Figueiredo assinou uma “Carta de intenções” com o FMI que expressava o plano de

estabilização econômica. Assim, o Fundo concedeu um empréstimo que seria

liberado em parcelas trimestrais, sob a condição de o Brasil cumprir metas que

deveriam ser alcançadas sob a fórmula da ortodoxia, com a redução da expansão

da base monetária, diminuição de crédito, elevação dos juros, cortes dos gastos e

subsídios e aumento da arrecadação, desvalorização da moeda, redução das

importações e aumento das exportações e restrição dos salários.

Os setores mais atingidos foram bens de consumo, bens de capital,

construção civil, comunicação e transporte. As empresas estatais também foram

obrigadas a reduzir investimentos, diminuir encomendas e atrasar os pagamentos, o

que afetou as empresas fornecedoras. O desemprego aumentou, os salários

sofreram perdas reais de 20% a 30% entre 1983 e 1984, houve diminuição das

verbas do governo para a área social (educação e saúde, por exemplo). As

consequências disso foram a queda da produção nacional, a falência de empresas,

o aumento do desemprego e a redução dos salários. Mesmo assim, Figueiredo

58

A situação do Brasil era tão difícil que, segundo Skidmore (1988) “os navios da Petrobras que voltavam do Oriente Médio carregados de petróleo (comprado a prazo) recebiam ordens para desviar seu curso para Rotterdam (Holanda), onde vendiam (através desse artifício a receita das exportações à vista) o produto no mercado livre em troca de moeda forte” (BRUM, 1998, p. 390).

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precisou enviar sete cartas de intenção e seis pedidos de perdão ao FMI, por não ter

alcançado as metas (BRUM, 1998, p. 391-392).

Nessa conjuntura de crise, entre 1981 e 1984 o BNDES agiu de maneira

“compensatória”, pois a instituição voltou-se para o saneamento e fortalecimento

financeiro de empresas públicas e privadas. As empresas púbicas, inclusive,

voltaram a receber a maior parte dos recursos do BNDES, entre outras razões para

compensar a diminuição dos recursos externos (CURRALERO,1998 apud COSTA,

2011). Além disso, o banco foi levado a destinar recursos para setores exportadores,

de modo a auxiliar no cumprimento das metas de superávits comerciais. Isso,

contudo, não implicou no abandono do apoio à substituição de importações que o

Banco já vinha apoiando, apesar da crescente descrença quanto à eficácia desta

estratégia dentro da própria instituição. Assim, neste período, sem uma estratégia

clara de desenvolvimento econômico e pressionado pela conjuntura, o Banco atuou

de forma emergencial, contemplando distintos setores em dificuldades, buscando

amortecer os impactos da crise econômica (COSTA, 2011).

Não obstante a forte contenção do crédito, foram aprovados importantes

financiamentos ao projeto Carajás (Cia. Vale do Rio Doce) e a distintos projetos e

programas da área energética (usinas hidroelétricas, Proálcool, programa do

Carvão, programa Conserve, voltado à economia energética no setor industrial).

Em 1982, foi criada a BNDES Participações (BNDESPAR), a partir da fusão

das subsidiárias EMBRAMEC, FIBASE e IBRASA. A BNDESPAR tinha por missão

capitalizar empresas privadas nacionais e atuar para o fortalecimento do mercado de

capitais no país. Na verdade, o Sistema BNDES já vinha acumulando participações

em empresas inadimplentes desde 1980, e com a BNDESPAR passou a se envolver

diretamente na administração dessas empresas, por vezes chegando a assumir o

controle de algumas, como a SIBRA, a Companhia Siderúrgica do Nordeste

(COSINOR) e a Caraíba Metais.

Com a criação do Fundo de Investimento Social/FINSOCIAL (1982)59 - um

imposto de 0,5% sobre a receita bruta de empresas que efetuassem a venda de

mercadorias, bem como de instituições financeiras e seguradoras” (BERNARDINO,

2005 p. 59) – o BNDE (definido como gestor do recurso) teve seu nome alterado

59

Decreto-Lei 1.940 de 25 de maio de 1982. Os principais "policy makers" do FINSOCIAL foram o Presidente da República (Figueiredo) e os ministros da Fazenda, Indústria e Comércio e o Secretário de Planejamento da Presidência da República (MARTINS, 1983).

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150

para Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. O mesmo

decreto que criou o FINSOCIAL e alterou o nome do banco também o vinculou

novamente ao Ministério do Planejamento. Os recursos do FINSOCIAL deveriam ser

aplicados pelo BNDES em projetos definidos pelo presidente da República. Em 13

de setembro de 1982, Luis Sande, então Presidente do BNDES, informou que nos

dois primeiros meses de vigência, a arrecadação do FINSOCIAL atingira a soma de

Cr$ 59,3 bilhões (MARTINS, 1983). Este fundo permaneceu sob a gestão do BNDES

somente até a década de 1990, quando passou a ser direcionado diretamente aos

ministérios.

Costa (2003) aponta que a mudança do nome do banco não fez com que

o “social” ganhasse uma importância substancial nos desembolsos do BNDES, pois não se observa, durante toda a década de 80, um redirecionamento dos desembolsos do Banco para o desenvolvimento social. Assim, nem o governo, nem o BNDES conseguiram implementar um plano de desenvolvimento social e esta questão, vista (pelo menos no discurso) como essencial por ambos, não chegou nem perto de ser priorizada (COSTA, 2003, p. 88).

A estrutura fundiária brasileira permaneceu intocada e a estrutura industrial

continuava apoiada no tripé que combinava desigualmente empresas estatais,

estrangeiras e capitais privados nacionais. O financiamento dos grandes projetos de

investimentos indispensáveis à industrialização continuava sob responsabilidade do

Estado, embora a heterogeneidade dos interesses empresariais, com uma ideologia

antiestatal, tenha constrangido as tentativas de realizar uma centralização financeira

mais ativa para o setor público. O resultado foi a consolidação da posição

hegemônica do capital industrial estrangeiro, impondo uma convivência subordinada

ao capital nacional. O congelamento do protecionismo - condicionado pelas

restrições externas - resultou na ausência de uma estratégia empresarial mais

agressiva de desenvolvimento tecnológico que permitisse o aumento da

produtividade e da competitividade dos capitais nacionais. A consequência foi um

processo de monopolização econômica segmentada que não foi acompanhada pela

concentração de capitais ou conglomeração empresarial – necessárias, no

entendimento do autor, à “multiplicação das energias privadas nos capitalismos

tardios” (FIORI, 2001, p. 276). Assim, na avaliação do autor, o Estado e o capital

financeiro privado não teriam logrado promover um capitalismo organizado.

3.2.4 O planejamento estratégico do BNDES

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151

Em 1983, em movimento nascido no Departamento de Planejamento

(DEPLAN), o BNDES constituiu um grupo de estudos para discutir e planejar os

rumos do Banco. Num contexto de abertura política e progressiva redemocratização,

essa articulação interna ocorreu de forma autônoma do governo e de outras

agências estatais, com o objetivo de formular para o Banco uma política que

assegurasse sua independência frente a mudanças políticas. Expressava,

igualmente, a preocupação em integrar todos os segmentos do banco e abranger

“desde a alta cúpula (conselheiros, diretoria e superintendentes) até chefes de

departamento e gerentes”. Júlio Mourão60, à época chefe do DEPLAN, relata que

mais de 800 técnicos e executivos participaram das discussões.

Quando do início do processo, pretendendo o envolvimento indispensável da alta administração, o DEPLAN fazia um trabalho de sensibilização dos seus níveis hierárquicos superiores até o presidente, tentando o engajamento efetivo no processo. Toda vez que isso parecia estar sendo conseguido o presidente do Banco mudava. Desde o início da implantação do processo (1983), o Sistema BNDES teve seis presidentes. Tais mudanças foram amortecidas pelo processo de planejamento, graças a um intenso trabalho de articulação política interna com a alta administração e, principalmente, com a difusão da sistemática entre os chefes de departamento, o que deu origem ao Comitê de Planejamento, fórum de preparação das decisões do processo de planejamento (CASTRO; COSTA; BORSOI, 2002, p. 249 apud COSTA, 2011, p. 23 – grifo nosso).

Além disso, havia a percepção, por parte de uma parcela expressiva do staff

do Banco, de que frente às rápidas e profundas mudanças na economia

internacional, “a análise setorial de projetos não correspondia mais à realidade

econômica dos anos 80 [...] [que] ‘exigiria’ outro tipo de atuação do BNDES”

(COSTA, 2011, p. 22). Enfim, este “primeiro processo de Planejamento do Banco

explicitava um objetivo bem específico: nada de planejar o Brasil, e sim o Banco”

(MOURÃO, 1994, p.7), e isso foi realizado com base no lema “planeja quem

executa”.

Em meados de 1984, os trabalhos foram apresentados em dois quadros: o

Cenário de Ajustamento (caso, a partir de 1985, o governo adotasse uma

perspectiva ortodoxa) e, seu contraponto, o Cenário da Retomada (caso, a partir de

60

Júlio Mourão entrou no BNDES em 1966, tendo ido trabalhar diretamente na mesma sala da Ignácio Rangel – que seria o seu “guru” (NASSIF, 2007)

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152

1985, o governo adotasse uma perspectiva heterodoxa). Isto fez do BNDES a

primeira instituição pública nacional na aplicação da metodologia de construção de

cenários para o planejamento estratégico61. Antes dele, só as empresas

multinacionais trabalhavam com a metodologia de cenários.

Apesar de o cenário de ajustamento ter sido considerado o mais provável, o

Banco considerou o cenário de retomada do desenvolvimento econômico como

sendo o estratégico62. Cabe salientar que havia a crença, por parte dos técnicos do

BNDES, de que ele, “como um ator estratégico na definição dos rumos da

economia”, ao escolher “um determinado cenário e planejasse sua ação baseado

nele, contribuiria decisivamente para a sua ocorrência” (COSTA, 2011, p. 24).

Assim, o DEPLAN apresentou, em 1984, o Plano Estratégico 1985-1987, que

“reafirmava o papel do BNDES de “agente do desenvolvimento econômico” e

acrescentava ao Banco o papel de “agente do desenvolvimento social”, já que a ele

foi atribuída a função de gestor do Finsocial”. Este Plano Estratégico reafirmou a

orientação do Banco para: i) a continuidade do processo de industrialização,

entendida como o “motor básico do desenvolvimento”; ii) a continuidade do Banco

como um agente de mudanças; iii) a necessidade de apoiar o fortalecimento do

empresariado nacional para que empresas nacionais sejam capazes de ocupar os

espaços econômicos – o que possibilitaria um “desenvolvimento independente e

comandado internamente”; iv) o aproveitamento dos recursos internos e o

desenvolvimento de tecnologia nacional, entendidos como bases do crescimento

industrial e; v) a atenuação dos desequilíbrios regionais.

Apesar das projeções pessimistas acerca do PIB e a despeito da inflação,

apostou-se numa taxa média de crescimento de 7,7% ao ano entre 1985 e 1990,

com a ampliação do nível do emprego e consequente melhoria das condições de

vida da população (CASTRO, 2014).

61

Existem várias escolas de planejamento estratégico no mundo, mas “todas elas têm como origem o modelo desenvolvido pela Havard Business School que, desde 1920, incluía ações estratégicas no seu curso de política de negócios” (LOPES, 1998, p. 80).

62 Contribuiu para isso a visita a algumas empresas multinacionais instaladas no Brasil que

também utilizavam cenários em seu planejamento. Castro (2014) explica que foi utilizada pelo Banco a metodologia de análise prospectiva de Godet (1977), que previa a “(1) delimitação dos subsistemas (internacional, político, macroeconômico, produtivo e social); (2) análise retrospectiva; (3) definição das estratégias dos atores; e (4) construção dos cenários, escolhendo então o mais

provável (CASTRO, 2014, p. 234). Ou seja: os atores relevantes na definição dos rumos no país e cujas estratégias institucionais foram consideradas para traçar as estratégias próprias do BNDE tinham um perfil bem específico. O economista francês Godet havia sido professor de Eduardo Marques – assessor na organização do Cenário que convenceu Mourão a adotar tal metodologia.

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153

Ou seja, permanecia a crença de que a melhoria das condições de vida da

população passava pela necessidade do crescimento econômico e que a

industrialização seria, ainda e sempre, a pré-condição para o desenvolvimento.

O Plano estratégico do Sistema BNDES, elaborado em 1984 para os anos

1985 a 1987, implicava em diversas viradas nas políticas em curso no Banco. Como

alega Mourão (1994), com um cenário previsto de crescimento, o Banco podia

abandonar os programas de saneamento financeiro e de capital de giro, e recuperar

uma ação “proativa”; e se o dinamismo estaria com o setor privado enquanto a área

pública enfrentaria dificuldades financeiras “intransponíveis no curto prazo, aquele

setor deveria ter prioridade” (p. 11). O plano do banco então privilegiou o segmento

privado com a implantação e desenvolvimento dos setores tecnológicos de ponta,

além da expansão da sua “capacidade produtiva e da infraestrutura econômica e a

expansão da fronteira agrícola” (MOURÃO, 1994, p. 11).

No plano ideológico, o autor alega que as mudanças foram apenas parciais,

uma vez que a substituição de importações continuava sendo uma estratégia central,

só que agora focada nos setores de tecnologia avançada. As reservas ao capital

estrangeiro e protecionismo de Estado continuavam vigentes, apesar das restrições

aos investimentos e créditos públicos devido às dificuldades financeiras do período.

Em 1984, foi lançado o Programa de Apoio ao Incremento às Exportações

(PROEX), acompanhando o esforço do Governo Federal em equilibrar a balança

comercial. No mesmo ano, o BNDES instituiu o Programa de Conservação do Meio

Ambiente (CONSERVE), com financiamentos destinados ao controle da poluição.

Estas linhas passaram a ser empregadas no complexo industrial de Cubatão (São

Paulo) e no tratamento de dejetos da suinocultura na Região Sul.

Entende-se que a maneira como o DEPLAN (com destaque para o papel

desempenhado por Júlio Mourão) teria conduzido o diagnóstico, planejamento

interno e os planos de futuro do banco estimulava o esprit de corps dos técnicos da

instituição.

Os princípios da “integração competitiva”, que começaram a ser

desenvolvidos pioneiramente por técnicos do BNDES em 1984, tornaram-se “a bíblia

dos técnicos brasileiros que comandaram o processo de abertura da economia nos

anos 1990” (NASSIF, 2007, p. 145).

3.2.5. A evolução da questão regional brasileira durante o regime militar

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154

Como já foi apontado, um novo ciclo de políticas regionais no Brasil foi

inaugurado após o golpe militar de 1964, ciclo este que se matura na década de

1970, com programas baseados na ideia de polos regionais, apoio institucional à

incorporação de novas áreas através da expansão da fronteira agrícola, programas

de incentivos fiscais e volume de recursos com outros programas regionais e

setoriais (NABUCO, 2007).

Os potenciais econômicos funcionais geograficamente definidos ganharam

mais importância do que a região, além dos Grandes Projetos de Investimento

(GPI)63, concomitantemente com outros programas estatais, tornarem-se vetores

importantes de reestruturação do território nacional e de gestação de novos espaços

econômicos (VAINER, 1990).

A centralização administrativa que ocorre a partir do golpe militar concentra

ainda mais poder e recursos financeiros no Governo Federal, que persistiu

ampliando as aplicações de recursos nas regiões consideradas atrasadas, além dos

incentivos fiscais para a "Amazônia Legal". Além de encarar a Amazônia como uma

quase inesgotável fonte de recursos a serem explorados, outro objetivo da

incorporação da Amazônia foi o de levar a efeito uma espécie de Reforma Agrária

que deixasse intocável a estrutura fundiária no resto do País. Os recursos

provenientes do Fundo de Investimentos da Amazônia – FINAM (criado em 1975),

por exemplo, se dirigiram, em geral, à compra especulativa de terras onde a

"grilagem", usurpação e violência foram os traços marcantes do processo de

ocupação, além de promover a agroindústria nas regiões compreendidas pela

SUDAM e SUDENE. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

(INCRA) também teve um papel importante desenvolvendo um processo de

assentamento em pequenos lotes de terra, especialmente em Rondônia (NABUCO,

2007).

O Programa de Integração Nacional–PIN (1970) previa investimentos em

infraestruturas, como as rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém, a fim de

completar a integração inter-regional do Sudeste, responsável pela promoção da

63

Entendida como grandes unidades produtivas ligadas geralmente a recursos geograficamente definidos (a exemplo da extração e produção de minérios, as grandes obras de infraestrutura, complexos industriais, portuários, hidrelétricas, etc.), relacionadas ao desenvolvimento de atividades básicas, relativas ao início de cadeias produtivas.

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155

difusão espacial de uma modernização que deveria continuar a se realizar sem

mudanças estruturais.

Argumentando a respeito dos “vetores da fragmentação territorial”, Vainer

(2007) aponta que, sobretudo desde a década de 1960, o território nacional foi

reconfigurado por grandes projetos mínero-metalúrgicos, petroquímicos, energéticos

e viários. Em muitos casos, estes GPIs “conformaram verdadeiros enclaves

territoriais – econômicos, sociais, políticos, culturais e, por que não dizer, ecológicos,

introduzindo um importante fator de fragmentação territorial” (VAINER, 1992; 2007).

Enquanto a SUDENE, a SUDAM e a SUDECO se dedicavam a

planos nunca concretizados e distribuíam incentivos fiscais entre grupos dominantes locais e nacionais, o território ia sendo tecido pelas decisões tomadas em grandes agências setoriais. Não eram os planejadores regionais que planejavam a região, mas os planejadores e tomadores de decisão em cada um dos macro-setores de infra-estrutura: no setor elétrico, a Eletrobrás e suas coligadas (CHEFS, Eletronorte, Furnas, Eletrosul, Light), bem como algumas grandes empresas estaduais (Eletropaulo, Copel); no setor mínero-metalúrgico, a Companhia Vale do Rio Doce, as grandes companhias siderúrgicas estatais; no setor petroquímico, a Petrobras (VAINER, 2007, p.4).

Entre 1960 e 1980, houve uma expressiva expansão da capacidade instalada de

geração de energia do Sistema Elétrico Brasileiro – SEB, com um salto de 4,8 GW, em

1960, para 33,5 GW, em 1980. A imagem que segue mostra como se encontrava, no

Brasil, a situação das principais usinas nos anos 1980.

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156

Mapa 1– Infraestrutura socioeconômica – energia nos anos 1980

Fonte: Moreira (2014, p. 165).

Em 1974, o governo federal instituiu uma tarifa média nacional de remuneração

do setor elétrico, o que transferia os ganhos de produtividade das empresas mais

eficientes para as empresas menos eficientes (mantendo a taxa média de remuneração

para todo o sistema). Pretendendo homogeneizar o “espaço energético” e, desta forma,

favorecer investimentos industriais em áreas onde o custo da energia tenderia a ser

mais alto, tal política foi duramente criticada quando do processo de reestruturação

neoliberal e privatização do Setor Elétrico, porque “desestimulava a busca por eficiência

por parte das empresas de distribuição de energia elétrica do setor, controladas pelos

governos estaduais (SANTOS, 2012 p. 32). Tal processo foi acompanhado pela

elevação nas taxas de juros internacionais, ocorridas a partir da década de 1980,

culminando com o endividamento progressivo das concessionárias de serviço público,

sobretudo as empresas de energia elétrica.

Considerando o valor da produção, o Brasil chegou à década de 1970 com

uma concentração de 80,8% do seu parque industrial na região Sudeste – sendo

que 58,1% era só em São Paulo. O Sul era responsável por 12%, o Nordeste por

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157

5,7%, o Centro-Oeste por 0,8% e o Norte por 0,8% (PINTAUDI e CARLOS, 1995

apud MOREIRA, 2014, p. 260).

Tal concentração da economia industrial em São Paulo e a subordinação das

atividades regionais com a canalização e transferência de meios de uma região para

outra – como já foi apresentado na sessão sobre o primeiro ciclo do

desenvolvimentismo – levou a um novo ciclo de reordenamento espacial entre os

anos de 1970-1980, que combinara a desconcentração industrial e a modernização

conservadora da agricultura através de um modelo de exploração intensivo em

território. A consequência foi a redistribuição da indústria e da população das

grandes metrópoles para as cidades médias e pequenas do interior. Segundo Ruy

Moreira (2014), tal estratégia “usa da rearrumação do espaço, no lugar da

transformação estrutural demandada pela sociedade, para neutralizar os

movimentos pró-reformas de base” (p. 19), distendendo os polos de conflito ao

mesmo tempo em que os difunde nacionalmente.

No campo, passando de uma fase de mais-valia absoluta (com a relação

cidade-campo dos anos 1950) para uma fase de mais-valia relativa, a indústria e a

agricultura se fundem na estrutura do novo complexo agroindustrial, estrutura de

trabalho e produção na qual tendem a diluir-se as barreiras inter-setoriais e espaciais

entre agricultura, indústria, serviço e pesquisa tecnológica, introduzindo um novo

modo de organização da formação espacial capitalista. A intensificação da expansão

da sojicultura para áreas do cerrado foi a “ponta de lança” da modernização no

campo64, que contou com o incentivo estatal através de pesquisas de correção de

solo e subsídios para a compra de implementos agrícolas, que chegam ao campo

com a criação de um setor agroindustrial também viabilizado pelo Estado e que

levou a região do cerrado a um processo de mecanização generalizado (MOREIRA,

2014).

Sobre o programa de investimentos públicos que compunha a estratégia do II

PND e que sustentou a dinâmica da economia nacional no contexto já citado de crise

internacional, Tânia Bacelar de Araújo (1997, p. 11) mostra que, no caso nordestino, a

Petrobras comandou a implantação do polo petroquímico de Camaçari (BA) e “a

64

Tal processo de ocupação do Centro-Oeste por pequenos produtores já vinha acontecendo. “Empurrados” pela latifundização do nordeste do RS e Oeste do PR e SC, pequenos produtores já vinham vendendo suas terras e se dirigindo para áreas ainda pouco ocupadas agricolamente do Planalto central.

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158

Companhia Vale do Rio Doce implementou o complexo de Carajás, com parte do

projeto localizado no Maranhão. Merecem também referência os investimentos do

sistema Eletrobrás.” No total da formação bruta de capital fixo, incluindo investimentos

da administração pública e de empresas governamentais, os recursos recebidos pelo

Nordeste passaram de 13%, em 1970, para 17%, em 1985, do total nacional (acima da

sua participação no PIB brasileiro).

No que diz respeito às aprovações de financiamentos do BNDE, a maior parte

das operações seguiu sendo demandada pelo Sudeste. Durante o período do “milagre

econômico”, a região Sul voltou a ser a segunda para onde mais recursos do banco

foram destinados, sendo ultrapassada no período seguinte pela região Nordeste

(REDIVO e CARIO, 2013) - figura 7.

Figura 7- Aprovações do Sistema BNDES: Regiões - 1968/1979, em %.

Fonte: Redivo e Cario (2013). Obs: Os dados utilizados pelos autores foram adaptados dos relatórios de Atividades do BNDE (1969, 1975, 1977, 1979).

No Relatório de Atividades do BNDES de 1985, figurava como objetivo a

desconcentração regional, “seja apoiando o aproveitamento de vantagens

comparativas e vocações regionais, seja procurando corrigir e evitar os efeitos da

saturação de áreas densamente industrializadas” (RELÁTÓRIO DE ATIVIDADES

DO BNDES, 1985, p. 12). O relatório ainda salientava que, em função das

modificações na sistemática de repasses de recursos do Finsocial para o Banco,

uma considerável parcela de recursos havia sido transferida diretamente da União

para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste – fato este que teria acarretado

numa menor participação destas regiões no total dos desembolsos do Sistema

BNDES, caindo de 36%, em 1984, para 33%, em 1985 (figura 8).

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159

Figura 8– Distribuição regional dos recursos do Sistema BNDES

Fonte: Relatório de atividades do BNDES (1995).

Também teria contribuído para esta redução a conclusão de alguns projetos

do setor público localizados nestas regiões. Na região Sul, os desembolsos

também caíram, e uma das explicações foi a diminuição de recursos do Banco para

a Hidrelétrica de Itaipu. Além disso, teria sido intensificado o apoio à micro, pequena

e média empresa, como forma de estimular o desenvolvimento regional e o

crescimento do mercado de trabalho. Tais operações eram realizadas de forma

indireta, por intermédio de uma ampla rede de agentes financeiros com atuação

espraiada no território nacional, sobretudo bancos estaduais e regionais de

desenvolvimento, além de bancos de investimento. A totalidade destas operações

destinava-se ao setor privado da economia.

Na década de 1980, assolado pela crise fiscal e financeira, o Estado nacional

passou a concentrar-se em intervenções de curto prazo e pontuais no espaço

geográfico. Houve um acirramento das desigualdades espaciais e, com relação à

espacialização da indústria – que foi a aposta dos teóricos do desenvolvimentismo,

como a “ponta de flecha” para promover a superação do subdesenvolvimento -

houve a chamada "desconcentração concentrada" (AZZONI, 1986; DINIZ, 1991

apud NABUCO, 2007): o espraiamento da industrialização paulista em direção às

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160

regiões próximas, como o Sul de Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio

Grande do Sul.

Num contexto de crescente concentração de recursos nas mãos da União,

estados e municípios

reiteram a inviabilidade de qualquer pacto federativo e tributário, lançando-se a uma fuga para frente que não lhes oferece senão saídas ilusórias. Governantes de estados e cidades, magicamente transmutadas em empresas pela retórica dos consultores, agem como se operassem num mercado livre e concorrencial de localizações. E, destarte, a guerra dos lugares contribui de maneira decisiva para multiplicar as rupturas sócio-territoriais e aprofundar a fragmentação do território (VAINER, 2009)65.

Assim, Siqueira (2013) aponta que entre 1930 e 1970, no cerne nas

discussões sobre a dinâmica regional brasileira, estava a questão da “concentração

regional das atividades industriais e de maior complexidade tecnológica na região

Sudeste [...], sobretudo com a concentração, do bloco de investimentos do Plano de

Metas no Estado de São Paulo” (p. 74). Já entre 1970-1985, o debate voltou-se para

a questão da desconcentração regional,

tendo como fatores principais os grandes projetos nos setores de bens intermediários do II PND, a expansão da fronteira agrícola e mineral, as deseconomias de aglomeração da Grande São Paulo e os incentivos fiscais e financeiros à indústria nas regiões periféricas no âmbito das superintendências regionais e dos bancos estaduais e regionais durante o regime militar (ARAÚJO, 2000; CANO, 2007; DINIZ, 1991 e 2001; PACHECO, 1998) (SIQUEIRA, 2013, p. 74).

A autora ainda aponta que ambas as tendências teriam ocorrido em um

contexto de integração do mercado nacional com a lógica de complementaridade

inter-regional, além da chamada “marcha para o Oeste” (e para o Norte) do Brasil,

que teve como características a “apropriação privada do território e a abertura de

novas fronteiras agrícolas e minerais, intensificando-se os fluxos migratórios que

impactaram na formação de importantes núcleos urbanos fora da faixa litorânea”

(SIQUEIRA, 2013, p. 75). Essa desconcentração regional da indústria, no caso

brasileiro, não foi acompanhada pela desindustrialização do estado de São Paulo

65

Além disso, “tanto durante o Estado Novo, quanto sob o regime militar, muitas vezes a intervenção do poder central acabou reentronizando velhos grupos ou engendrando novas oligarquias”

(VAINER, 2009). Disponível em: http://www.controversia.com.br/blog/fragmentao-e-projeto-nacional-desafios-para-o-planejamento-territorial/. Acesso em: 10/09/2014.

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161

(em especial da região metropolitana de sua capital). A desconcentração se deu por

meio da instalação de novas plantas e com grande complementariedade produtiva

entre São Paulo e as demais regiões (CANO, 2007 apud SIQUEIRA, 2013).

Para Fiori (1994), a opção política definida pelo pacto conservador de

sustentação do Estado desenvolvimentista teria tido como consequência estrutural

um quadro único de desigualdades. Tal projeto de industrialização nunca esteve

associado a qualquer ideia de transformar o Brasil em uma potência. Acomodando

os interesses particulares das diferentes regiões brasileiras e de seus grupos

econômicos, enquanto as condições externas foram favoráveis, o desenvolvimento

se deu aos moldes de uma “fuga para frente”, sem nunca ter procurado enfrentar e

resolver as contradições estruturais socioeconômicas e espaciais do Brasil

(FIORI,1995; TAVARES, 1999).

3.2.6 Correntes teóricas sobre o desenvolvimento no segundo ciclo desenvolvimentista

Como já foi visto, até meados de 1960, o nacional-desenvolvimentismo foi

considerado o pensamento hegemônico do primeiro ciclo desenvolvimentista, e o

seu modelo de desenvolvimento não alcançou os resultados esperados no que diz

respeito à autonomia nacional e à modernização dos setores econômicos e sociais

mais atrasados da região. Com o golpe militar de 1964, os adeptos de vertentes

mais conservadoras e de teorias liberais (Roberto Campos, Otávio Gouveia de

Bulhões, Mário Henrique Simonsen, Antônio Delfim Netto e João Paulo Reis Velloso)

assumiram cargos de comando do Estado, quando projetos de estabilização e

crescimento econômico ganharam o espaço público. Porém, como apontam Malta et

al. (2011) e Bielschowsky e Mussi (2005), o período que se estende até o final da

década de 1980 fez parte do ciclo ideológico desenvolvimentista, uma vez que,

apesar da inflexão política de 1964, as correntes de pensamento ainda se

justificavam pelo projeto desenvolvimentista, com o planejamento e o apoio do

Estado para a superação do subdesenvolvimento se dando através da

industrialização. O que pautou as políticas neste contexto político e econômico foi

um ideário de desenvolvimento pela complementação do parque industrial nacional

e de busca por altas taxas de crescimento econômico, mesmo que se tenha

evidenciado a ampliação das desigualdades sociais.

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162

Neste contexto, também surgiram correntes críticas ao modelo de

desenvolvimento capitalista monopolista de Estado que vinha sendo implementado

no país. Tiveram destaque autores ligados à Teoria da Dependência (Theotônio dos

Santos, Ruy M. Marini, Cardoso, Faletto, Furtado), e as teorias e pensadores que

participavam do CEBRAP (1969), além de autores que fundaram a Escola de

Campinas e o Instituto de Economia Industrial da UFRJ (CASTRO, [1967] 1969a;

LESSA, [1978] 1988; TAVARES, 1974 e 1988; TOLIPAN e TINELLI, 1975) (MALTA,

et al. 2011, p. 46).

Ao fazer um balanço da teoria da dependência, Theotônio dos Santos (1997,

p. 9-11) aponta que ela buscava “compreender a limitação de um desenvolvimento

iniciado num período histórico em que a economia mundial estava já constituída sob

a hegemonia de enormes grupos econômicos e poderosas forças imperialistas”. No

contexto antecedente à teoria da dependência, havia a crítica, segundo o autor, ao

“euro-centrismo implícito na teoria do desenvolvimento”, incluídas as “críticas

nacionalistas ao imperialismo euro-norte-americano” e à “economia neoclássica de

Raul Prebisch e da CEPAL”, além do debate sobre subdesenvolvimento.

Isto posto, Dos Santos distingue algumas correntes da escola da

dependência, quais sejam:

- A corrente fora das tradições marxista ortodoxa ou neomarxista de André

Gunder Frank.

- A corrente dos pensadores ligados à CEPAL, que realizam uma “crítica ou

autocrítica estruturalista” ao perceberem “os limites de um projeto de

desenvolvimento nacional autônomo”. Os “trabalhos maduros de Celso Furtado e

inclusive a obra final de Raul Prebisch66” enquadram-se nesta corrente; por vezes,

Fernando Henrique Cardoso enquadra-se neste corrente, e em outras também se

identifica com a corrente seguinte;

– “A corrente neomarxista”, baseada nos trabalhos de Theotônio dos Santos,

Rui Mauro Marini, Vânia Bambirra e demais pesquisadores vinculados ao Centro de

Estudos Socioeconômicos da Universidade do Chile (CESO). Nas palavras de Marini

(1973), aqui a dependência é entendida como

66

O seu livro O Capitalismo Periférico.

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163

uma relação de subordinação entre nações formalmente independentes, em cujo marco as relações de produção das nações subordinadas são modificadas ou recriadas para assegurar a reprodução ampliada da dependência. A consequência da dependência não pode ser, portanto, nada mais do que maior dependência, e sua superação supõe necessariamente a supressão das relações de produção nela envolvidas (MARINI [1973] 2000, p. 109).

– A corrente que se autointitula, segundo Theotônio dos Santos (1997),

“marxista ortodoxa”67. Esse seria o caso de Cardoso e Faletto, que aceitam “o papel

positivo do desenvolvimento capitalista” e entendem a “impossibilidade ou não

necessidade do socialismo para alcançar o desenvolvimento” (p. 18). Fernando

Henrique Cardoso, desde 1974, teria aceitado “a irreversibilidade do

desenvolvimento dependente e a possibilidade de compatibilizá-lo com a

democracia representativa” (p. 18). Portanto, na interpretação de Theotônio, “o

capital internacional e sua política monopolista, captadora e expropriadora dos

recursos gerados nos nossos países” não eram problema para o autor e futuro

presidente do Brasil. Os inimigos do desenvolvimento idealizado por Cardoso eram

o corporativismo e uma burguesia burocrática e conservadora que, entre outras coisas, limitou a capacidade de negociação internacional do país dentro do novo patamar de dependência gerado pelo avanço tecnológico e pela nova divisão internacional do trabalho que se esboçou nos anos 70, como resultado da realocação da indústria mundial (DOS SANTOS, 1997, p. 18).

Fernando Henrique Cardoso foi um grande articulador tanto no CEBRAP (que

num contexto de repressão da ditadura conseguiu promover grandes debates

teóricos68) quanto no processo de democratização – quando foi alcançando

proeminência política até assumir, em 1994, a presidência do Brasil.

No CEBRAP, em 1972, este autor apresentou um trabalho intitulado Notas

sobre o estado atual dos estudos sobre dependência, no qual além de se manifestar

abertamente crítico ao nacionalismo desenvolvimentista defendido por um período

pelo ISEB, Cardoso reitera seu entendimento de que

o novo caráter da dependência (depois da internacionalização do mercado interno e da nova divisão internacional do trabalho

67

Dos Santos enfatiza que “Uma leitura séria de Marx jamais autorizaria este tipo de interpretação do marxismo” (1997, p. 28)

68 Ver: RIDENTI, Marcelo Siqueira; MENDES, Flávio da Silva. Do dualismo ao ornitorrinco: entrevista com Francisco de Oliveira. Cad. CRH [online]. 2012, vol.25, n.66, pp. 601-622. ISSN 0103-4979.

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164

que franqueia à industrialização as novas economias periféricas) não colide com o desenvolvimento econômico das economias dependentes. Por certo, quando se pensa que o desenvolvimento capitalista supõe redistribuição de renda, homogeneidade regional, harmonia e equilíbrio entre vários ramos produtivos, a ideia (sic) de que está ocorrendo um processo real de desenvolvimento econômico na periferia dependente (ou melhor, nos países da periferia que se industrializam, pois não é possível generalizar o fenômeno) parece absurda. Mas não é este o entendimento marxista sobre o que seja desenvolvimento (ou acumulação). Esta é contraditória, espoliativa e geradora de desigualdades. Nestes termos, não vejo como recusar o fato de que a economia brasileira ou mexicana estejam desenvolvendo-se capitalisticamente. Nem alegue que existe apenas um processo

de “crescimento”, sem alterações estruturais. A composição das forças produtivas, a alocação dos fatores de produção, a distribuição da mão de obra, as relações de classe, estão modificando no sentido de responder mais adequadamente a uma estrutura capitalista de produção. Assim, me parece que existe simultaneamente um processo de desenvolvimento e de dependência capitalista. [...] os beneficiários desse “desenvolvimento dependente”, além do mais, são distintos daqueles que a teoria do “desenvolvimento do sub-desenvolvimento” supõe. Passaram a ser as empresas estatais, as corporações multinacionais e as empresas locais associadas a ambos. Estes agentes sociais constituem aquilo que chamei noutras oportunidades de “tripé do desenvolvimento dependente-associado” (CARDOSO, 1972, p. 57 – grifo nosso).

Ou seja: na sua visão, a essa época, o desenvolvimento/acumulação

capitalista são processos contraditórios, espoliativos e geradores de desigualdades.

Ainda neste texto, Cardoso reconhece a “validade histórica” da teoria da

dependência de Marini, apesar da crítica a ele no que diz respeito ao conceito de

superexploração. Já no texto Desventuras da Dialética da Dependência, publicado

em 1979 também no CEBRAP, e escrito em parceria com José Serra, os autores

atacam frontalmente a teoria de Marini, sobretudo no que diz respeito à noção de

superexploração e subimperialismo.

Em 1980, no livro As ideias e seu lugar, Cardoso argumenta que, grosso

modo, podem ser distinguidas duas formas de conceber o processo de

desenvolvimento capitalista

- existem os que creem que o “capitalismo dependente” baseia-se na superexploração do trabalho, é incapaz de ampliar o mercado interno, gera incessantemente desemprego e marginalidade e apresenta tendências à estagnação e a uma espécie de constante reprodução do subdesenvolvimento (como Frank, Marini e, até certo ponto, dos Santos);

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165

- existem os que pensam que, pelo menos em alguns países da periferia, a penetração do capital industrial-financeiro acelera a

produção de mais-valia relativa, intensifica as forças produtivas e, se gera desemprego nas fases de contração econômica, absorve mão-de-obra [sic] nos ciclos expansivos, produzindo, neste aspecto, um efeito similar ao do capitalismo nas economias avançadas, onde coexistem desemprego e absorção, riqueza e miséria. Pessoalmente, acho que a segunda explicação é mais consistente, embora o tipo de “desenvolvimento dependente-

associado” não seja generalizável para toda a periferia (CARDOSO, 1980, p. 105 apud TEIXEIRA e PINTO, 2012, p. 914 – grifo nosso).

Verifica-se que, entre 1972 e 1980, Cardoso flexibilizou seu entendimento

sobre os resultados do desenvolvimento capitalista, podendo o desenvolvimento

(capitalista) dependente-associado ter efeitos positivos, efeitos e nos quais o futuro

presidente viria a apostar.

Outro autor que merece destaque pela contribuição que deu e influência que

exerceu ao debate sobre desenvolvimento do período foi Furtado. Em 1974, no texto

O mito do desenvolvimento econômico, o autor chega à conclusão de que o mundo

físico não suportaria a depredação resultante da generalização do estilo de vida

criado e incentivado pelo capitalismo industrial. A “ideia de que os povos pobres

podem algum dia desfrutar das formas de vida dos atuais povos ricos— é

simplesmente irrealizável” Tais benesses serão sempre “o privilégio de uma

minoria”, pois “as economias da periferia nunca serão desenvolvidas no sentido de

similares às economias que formam o atual centro do sistema capitalista”

(FURTADO, [1974] 2014, p. 166).

O autor ainda aponta que

essa ideia tem sido de grande utilidade para mobilizar os povos da periferia e levá-los a aceitar enormes sacrifícios para legitimar a destruição de formas de culturas arcaicas, para explicar e fazer compreender a necessidade de destruir o meio físico, para justificar formas de dependência que reforçam o caráter predatório do sistema

produtivo (FURTADO [1974] 2014, p. 166).

Assim, o autor argumenta que o mito do desenvolvimento econômico seria um

dos pilares da doutrina que serve à dominação dos povos dos países periféricos,

pois ele tem desviado “as atenções da tarefa básica de identificação das

necessidades fundamentais da coletividade e das possibilidades que abre ao

homem o avanço da ciência, para concentrá-las em objetivos abstratos como são os

investimentos, as exportações e o crescimento” (FURTADO [1974] 2014, p. 166).

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166

4 CAPÍTULO 3 – A INFLEXÃO NEOLIBERAL

Entre os anos 1980 e 1990, a agenda pública brasileira passou por profundas

transformações, sobretudo no que diz respeito às questões políticas e econômicas.

Para discutir o lugar e o papel do BNDES no desenvolvimento nacional ao longo do

anos 1985 e 2002, cabe salientar que foi sendo reforçada, neste período, uma

reorientação do desenvolvimento nacional, com a redefinição do papel do Estado e a

supremacia do ideário neoliberal, que foi conquistando espaço inclusive dentro da

instituição. De acordo com este novo ideário, era necessário transgredir o

capitalismo tutelado pelo Estado para promover, com a retórica da eficiência e da

competitividade, um capitalismo moderno.

Fatores externos e internos contribuíram para tais mudanças, sendo

necessário considerá-los para compreender a corrosão da ordem pregressa. Entre

os fatores externos, tiveram destaque os efeitos dos choques do Petróleo, a crise e

reorganização do sistema financeiro internacional - com a consequente pressão por

políticas de ajuste e estabilização -, os processos vinculados à globalização e à

chamada terceira revolução industrial. Do ponto de vista interno, há que considerar

o descompasso entre Estado e sociedade, os processos inflacionários e a

deterioração do antigo modelo de Estado e de desenvolvimento. É nesse sentido

que Eli Diniz (1996, p. 13) propõe pensar a reforma do Estado em conexão com a

consolidação democrática – entender que “o objetivo de reformar o Estado é parte

intrínseca de um processo mais amplo de fortalecimento das condições de

governabilidade democrática.”

A década de 1980 marcou o início de um processo que, aos poucos, levou à

configuração de nova lógica de poder, de distribuição de renda, de relação com os

recursos naturais e de reconhecimento social. Um novo modelo de sociedade nascia

com a redemocratização, e um dos mecanismos de controle de implantação deste

novo modelo teria sido a cultura político-partidária gestada neste contexto que,

mesmo tendo se modificado com o passar dos anos, “estruturou e blindou o sistema

político contra as forças sociais de transformação” (NOBRE, 2013, p. 10). Este

contexto de “blindagem” é emblemático, pois justamente na segunda metade dos

anos 1980 houve uma expressiva ascensão dos movimentos sociais.

A década de 1980 também marcou um país fragilizado economicamente e,

em consequência, mais sujeito às pressões internacionais. No início da segunda

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167

metade daquela década, apesar de ter adotado algumas medidas contraditórias no

que diz respeito às suas tendências econômicas, a partir de 1988 o Brasil se

engajou de forma mais clara em reformas e abertura econômica, processo que foi

aprofundado no início dos anos 90 no governo Collor. Neste período de economia

altamente inflacionária, de moeda indexada e de crescente sofisticação do sistema

financeiro para operações de curtíssimo prazo, os principais grupos industriais

nacionais tiveram como base da sua conduta patrimonial defensiva a constituição de

holdings por meio da aquisição ou criação de financeiras e bancos. Essa tendência

moldou estratégias de caráter rentista, com a ampliação e diversificação das

carteiras dos grupos, visando “diluir os riscos dos investimentos e elevar as margens

de lucro financeiro. Consequentemente, a diversificação deu-se principalmente em

função da busca de ativos seguros ou de elevada liquidez, visando a proteção

patrimonial dos grupos e a financeirização da riqueza” (TAVARES e MIRANDA,

1999, p. 336).

Como aponta Tavares (1999)

a década de 1990 inaugura-se sob a égide da globalização financeira dos chamados mercados emergentes, designação que coube àqueles países das periferias asiática e latino-americana que passaram a ser invadidos por uma onda de capital financeiro internacional especulativo, cuja única exigência inicial era a liberalização cambial e dos mercados financeiros privados, independentemente do modelo de desenvolvimento adotado por cada país (TAVARES, 1999, p. 477).

Com a supremacia das diretrizes neoliberais que se consolidaram em meados

da década de 1990, a nova ordem econômica se orienta sob a lógica concentradora

das grandes corporações transnacionais, “cuja prioridade é a inserção-integração

das economias nacionais numa estrutura de poder de escopo transnacional,

marcada por fortes assimetrias econômicas e políticas” (DINIZ e PEREIRA, 2007, p.

15). Somente uma pequena fração do empresariado nacional, em grande maioria

associado aos grandes conglomerados, teve condições de aceder e participar desta

nova estrutura. Os demais segmentos tiveram que operar sob condições

significativamente desfavoráveis. Os que garantiram sua sobrevivência pela fusão,

associação ou parceria com empresas líderes internacionais tiveram sua sorte

atrelada ao sucesso da estratégia dominante.

Neste modelo, deslegitima-se a clivagem empresa nacional x empresa estrangeira que era central na fase desenvolvimentista e adota-se um conceito de ‘empresa brasileira’ caracterizada por ser

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168

aquela que se instala no país, investe no país, nele produz e nele cria empregos. Em consonância com esta mesma lógica, perde visibilidade a clivagem centro x periferia, e os países ricos passam a ser vistos como colaboradores do desenvolvimento econômico brasileiro ao invés de seus concorrentes: não se fala mais em imperialismo e nacionalismo mas em integração a uma rede transnacional de interesses diferenciados (DINIZ e PEREIRA, 2007, p. 15).

Apesar de a retórica dominante tender a invisibilizar a clivagem centro x

periferia, entende-se que esta clivagem não se tornou menos visível.

Neste capítulo, abordar-se-á, inicialmente (seção 4.1), a fase de

redemocratização brasileira, as articulações políticas pela ascensão ao poder no

seio do Estado brasileiro e o jogo de forças entre dois distintos modelos econômicos:

o que restava do desenvolvimentismo e as tendências liberais. Na subseção 4.1.1,

serão apresentados os novos rumos da economia nacional preconizados no BNDES,

que apontava no sentido de um novo ciclo de desenvolvimento sem a liderança do

Estado e da abertura econômica.

Na seção 4.2 será abordada a inflexão neoliberal e o seu fortalecimento no

cenário político e econômico nacional ao longo dos governos de Fernando Collor

(1990-1992), Itamar Franco (1993-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995–1998

e 1999-2002). Na subseção 4.2.1, será discutido como o BNDES foi protagonista e

esteve sujeito ao desmonte do Estado no período de ascensão e ápice do

neoliberalismo no Brasil. Finalizando, na última parte do texto (4.2.2), será discutido

como foi tratada a questão regional brasileira na década de 1990, em grande medida

abandonada pelas políticas de Estado.

4.1 O Governo Sarney: redemocratização e o jogo de forças entre dois modelos econômicos

Apesar de amplamente reivindicada pelos setores populares, tendo se

tornado quase uma unanimidade nacional, a Emenda Constitucional que propunha

eleições diretas para a escolha do presidente da República não obteve a maioria

qualificada de dois terços dos votos do Congresso para sua aprovação, o que

resultou na definição de eleição indireta, a ser realizada em janeiro de 1985 no

Colégio Eleitoral. Diante deste quadro, foi constituída a Aliança Democrática,

reunindo o Partido Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e dissidentes do

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169

Partido Democrático Social (PDS)69, que dariam origem ao Partido Frente Liberal

(PFL) que, em 2007, mudou seu nome para Democratas (DEM). Todas as forças

“progressistas” uniram-se para derrotar o autoritarismo e todos os partidos, com

exceção do PT, participaram da eleição indireta.

Nas eleições de 1985, Tancredo Neves70, tendo como vice José Sarney,

venceu Paulo Maluf – o candidato do PDS. Assim, após um período de transição

para um regime democrático, no qual houve as (até então) maiores mobilizações

populares da história do país com a campanha “Diretas Já”, em janeiro de 1985 foi

eleito indiretamente o primeiro presidente civil, após os 21 anos de ditadura militar

no Brasil. Indiretamente não só em função das eleições indiretas, mas também

devido ao fato de Tancredo Neves ter adoecido e falecido em abril do mesmo ano,

antes mesmo de tomar posse. Quem assumiu a presidência foi José Sarney, que

desde 1964 apoiara o regime militar, tendo inclusive sido eleito senador por duas

vezes pela ARENA, além de ter sido presidente da mesma em 1979. Mas, mesmo

diante deste quadro, “o ‘progressismo’ continuou a representar a ideologia oficial de

uma transição morna para a democracia, controlada pelo regime ditatorial em crise e

pactuada de cima por um sistema político elitista” (NOBRE, 2013, p. 11).

Sob o comando de Tancredo Neves, a transição sem rupturas articulada pelo

PMDB e a dissidência do PDS, “sinalizava um processo cinzento muito

provavelmente projetado numa perspectiva integrando mudanças (nova

Constituição, eleições diretas generalizadas) e continuidade (tudo indica, no campo

da política econômica)” (MACARINI, 2009, p. 11).

69

Após o fim do bipartidarismo, no início dos anos 1980 surgiram o PDS, no lugar da ARENA, e o PMDB, como sucessor do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Tancredo Neves, que veio a ser eleito pelo PMDB, foi uma grande liderança do Partido Popular (PP), também criado em 1980 mas incorporado ao PMDB em 1981. José Sarney, em 1979, foi eleito presidente da ARENA e continuou no cargo de presidência quando a ARENA transformou-se em PDS, mas renunciou após ter sua intenção de realização de prévias para a escolha do candidato à presidência do Brasil pelo partido rechaçada pelos malufistas. Em agosto de 1984, Sarney filiou-se ao PMDB por motivações formais derivadas de exigências legais.

70 José Serra chefiou a Comissão do Plano de Ação do Governo (COPAG), mas a parte da política industrial estava a cargo dos unicampistas. A discussão econômica estava dividida entre os unicampistas – que defendiam a moratória da dívida como saída para os apertos da economia; e os mercadistas da FGV – que defendiam a recessão. O grupo do BNDES procurou a equipe de Tancredo defendendo que, se a pedra de toque fosse a “integração competitiva”, seria possível pagar a dívida e ter crescimento econômico (NASSIF, 2007).

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170

Com a morte de Tancredo, houve uma mudança no cenário que vinha sendo

desenhado71. Além da correlação de forças internas do PMDB ter sido alterada, a

posse de um presidente “trânsfuga do partido oficial da ditadura militar fez com que a

posição presidencial não tivesse peso político suficiente para alterar o jogo de forças

em vigor” (NOBRE, 2013, p. 55) – o que reforçou a importância do polo parlamentar

no “cabo de guerra” das definições políticas.

Apesar de João Sayad ter sido nomeado Ministro do Planejamento (1985-

1987) - quadro do PMDB contrário à estratégia recessiva e defensor de

investimentos na área social e das propostas de combate à inflação inercial72 -,

Francisco Oswaldo Neves Dornelles, sobrinho de Tancredo Neves, assumiu o

Ministério da Fazenda, que centralizava o comando da política econômica. Dornelles

adotou uma postura de continuidade e de aposta na “necessidade de um acordo

com o FMI (e, portanto, submissão ao seu monitoramento), renegociação “realista”

com os bancos credores [...], austeridade fiscal [...], restrição monetária” (MACARINI,

2009, p. 11). Contudo, ainda em agosto de 1985, Dornelles foi substituído por Dilson

Domingos Funaro73, que já havia ocupado a presidência do BNDES durante este

período, levando para o Banco o economista Carlos Lessa – que era contra as

conclusões do Plano Decenal, mas não conseguiu esvaziar a bandeira interna dos

“integracionistas” (NASSIF, 2007).

71

Outra mudança se deu no que diz respeito às perspectivas quanto à reforma agrária. Nas palavras de Tancredo: “A reforma agrária não pode ser adiada por mais tempo, porque ela vai resolver, em grande parte, o problema do desemprego, vai ampliar o mercado interno do Brasil e vai dar estabilidade a essa massa rural que está sendo expulsa dos campos para empobrecer ainda mais as periferias das grandes cidades.” (TANCREDO, 1984 apud MACARINI, 2009, p. 13). Após ser eleito presidente, nomeou José Gomes da Silva para a presidência do Incra, que se demitiu do cargo em outubro de 1985, dizendo-se decepcionado com o plano aprovado pelo governo Sarney.

72 Que supunha soluções menos dramáticas do que a teoria ortodoxa. Para maiores detalhes ver A descoberta Da inflação inercial, de Luiz Carlos Bresser-Pereira (2010).

73Na avaliação de Raimundo Faoro, a nomeação de Funaro teria pretendido manter setores da “esquerda econômica” próximos do governo, ao mesmo tempo em que a direita também era incorporada, de forma a driblar confrontos com opositores.

Você nota que o Sarney já incorpora a direita desde algum tempo, inclusive os líderes do Maluf, como Prisco Viana. Essas coisas seriam talvez mais difíceis com Tancredo. Ou talvez com Tancredo isso não fosse desejável... O Tancredo queria o antagonismo com essa esquerda que nós situamos no Lyra e na esquerda econômica, que é o Funaro... Sarney não quer o antagonismo. Então, o projeto dele é mais abrangente. Ele quer que a esquerda, ou esse grupo, fique dependente dele. Ele, no entanto, não abre mão da direita, também. É um projeto para mais longo alcance do que o de Tancredo... Ele fez uma jogada para a esquerda, que o Tancredo não faria, não queria fazer. Ele queria oposição contra ele e queria derrotá-la... Sarney fez isso para assegurar um projeto mais longo. Esta esquerda, ele sabe que não subsiste sem o governo. E você vê que ela não conseguiu romper... Então, há um projeto mais longo... (FAORO, 1985, apud MACARINI, p. 13).

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171

Com a mudança de comando na Fazenda, foi anunciada a decisão de não se

fazer mais acordo com o FMI. Julgou-se ser imprescindível a redução das

transferências de recursos para o exterior, para assim lograr um novo ciclo

expansivo. Neste período também foram efetuadas mudanças na direção do Banco

Central, havendo a substituição de economistas ultra-ortodoxos por alguns dos

formuladores da teoria da inflação inercial. Para os principais cargos da assessoria

de Funaro foram chamados economistas originários da Unicamp74. “Ao mesmo

tempo, um aceno para a direita era feito através de dois decretos, deflagrando a

curto prazo um programa de privatização”: houve a transferência de controle de 14

empresas, e o capital de outras 4 foi aberto (MACARINI, 2009, p. 21).

Durante a gestão de Funaro, foram tomadas diversas medidas, como

correções do Imposto de Renda, tentativas de controle inflacionário, o lançamento

dos Planos Cruzado I e II e a moratória dos juros da dívida externa (1987)7576 .

Além de não receber apoio dos setores populares (o que deixou seus

formuladores perplexos), a moratória “atiçou a ira dos setores conservadores (com

presença dominante da grande imprensa)” (MACARINI, 2009, p. 37). Assim, o

74

Como João Manuel Cardoso de Mello e Luiz Gonzaga Belluzzo.

75

Nas palavras de Sarney, a decisão pela moratória não se tratava de voluntarismo político, era antes de tudo uma “realidade técnica”: não havia dinheiro para pagá-la:

O Brasil não tinha recursos para pagar sua dívida. Vivia de tomar empréstimos para amortizar o principal e pagar juros, desde 1982. Em 1985, o problema da dívida externa era agudo. Tancredo deu a diretriz do seu comportamento na famosa frase, ‘não vamos pagar a dívida externa com a fome do povo’. Quando assumi, nossas reservas eram baixíssimas. Procurei acertar uma tomada de posição conjunta dos países devedores. Os países ricos respondiam aos nossos apelos com a alegação de que a dívida era simplesmente um problema econômico e nada tinha de político. Levantei a bandeira de tinha chegado a níveis estratosféricos pelo aumento, unilateral, dos juros internacionais. O Plano Cruzado recebeu forte resistência internacional porque desafiava a receita ortodoxa do FMI. Quando ele entrou em dificuldade, nossas reservas não aguentavam três meses de importações básicas. A única saída

que tínhamos era suspender o pagamento da dívida. (SARNEY, 2001, p. 47).

76

Sobre a moratória, Maria Lúcia Fattorelli Carneiro (2001), em texto intitulado Auditoria cidadã da dívida, chama atenção que, ainda em 1987, havia um relatório, de autoria do Senador Fernando Henrique Cardoso, da Comissão formada no Senado Federal, cujo objetivo era analisar a moratória decretada por Funaro. Tal relatório comprovava que parte significativa da dívida brasileira atendeu a outros interesses que não os do Brasil.

O possível confronto entre os países produtores-exportadores e os países consumidores de petróleo foi evitado pelo endividamento dos países em desenvolvimento, através da reciclagem dos petrodólares [...]. O engajamento dos países em desenvolvimento nesse processo foi possibilitado, obviamente, pelos bancos internacionais, que concediam os empréstimos; endossado pelo FMI, que acompanhava a avaliava, anualmente, as economias dos seus membros; e, encorajado pelos governos dos países credores, que deram apoio político à estratégia de crescimento econômico com financiamento externo. Torna-se evidente, desta perspectiva, que a crise da dívida externa do Terceiro Mundo envolve a co-responsabilidade dos devedores e dos credores (CARDOSO, 1987,

p.6, apud CARNEIRO, 2001, p. 13).

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governo Sarney seguiu uma rota vacilante no jogo político, com a tentativa de

envolver forças de todos os lados, tentativas necessárias. Brum (1998) argumenta

que Sarney era “apenas tolerado; não desejado” (p. 416), diferente do que se

esperava de Tancredo Neves.

Nos últimos anos da ditadura, entre as reivindicações dos movimentos

populares e dos setores da burguesia estava a realização de uma Assembleia

Nacional Constituinte. Buscando evitar o fortalecimento dos movimentos que

clamavam por uma constituinte exclusiva, após sua eleição indireta para Presidente

da República, em março de 1985, Sarney encaminhou ao Congresso Nacional a

Emenda Constitucional nº 43, que transformou a seguinte legislatura em Congresso

Constituinte. Esse Congresso contaria com os Senadores e Deputados a serem

eleitos em 1986, além dos senadores biônicos, indicados em 1982.

Com as eleições parlamentares de 1986, um bloco que se legitimou no poder

neutralizou as forças que pautavam mudanças mais profundas e estruturais na

sociedade brasileira. Na avaliação de Marcos Nobre, nascia, neste contexto, a

blidagem do sistema político brasileiro:

Sob o comando do chamado Centrão, bloco suprapartidário que contava com maioria de parlamentares do PMDB, o sistema político encontrou uma maneira de neutralizá-los, apostando na ausência de uma pauta unificada e de um partido (ou frente de partidos) que canalizasse as aspirações mudancistas. Nasceu aí a primeira figura da blindagem do sistema político contra a sociedade, a que dou o nome de pemedebismo77, em lembrança do partido que capitaneou a transição para a democracia (NOBRE, 2013, p. 11 –

grifo nosso).

Assim, como aponta o autor, foi neste contexto de dominância política do

PMDB que se deu a construção da cultura política que predomina no país até os

dias atuais, não estando restrita a um único partido. Esta cultura política teria se

77

O pemedebismo reúne ao menos cinco elementos fundamentais, quais sejam: o governismo (estar sempre no governo, seja qual for ele e seja qual for o partido a que se pertença); a produção de supermaiorias legislativas, que se expressam na formação de um enorme bloco de apoio parlamentar ao governo que, pelo menos formalmente, deve garantir a “governabilidade”; funcionar segundo um sistema hierarquizado de vetos e de contorno de vetos; fazer todo o possível para impedir a entrada de novos membros, de maneira a tentar preservar e aumentar o espaço conquistado, mantendo pelo menos a correlação de forças existente; bloquear oponentes ainda nos bastidores, evitando em grau máximo o enfrentamento público e aberto (exceto em

polarizações artificiais que possam render mais espaço no governo e/ou dividendo eleitoral) (NOBRE, 2013, p. 14).

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173

destacado do partido a partir da década de 1990, passando a moldar (e a blindar) de

forma mais ampla o sistema político nacional, o que é bastante significativo

considerando-se eventos que já vinham ocorrendo desde a metade da década de

1980, como as acirradas lutas populares, o nascimento das oposições sindicais, as

lutas rurais e urbanas, o nascimento do PT, etc., que apontavam também para a

emergência de uma nova “cultura política”.

Sem apoio de grande parte do setor empresarial e do próprio governo, e com

a modificação do ambiente político-partidário decorrente das eleições de 1986,

Funaro se desligou do Ministério da Fazenda em abril de 1987, sendo substituído,

por influência de Ulisses Guimarães78, por Bresser Pereira79 - crítico da moratória,

dos aumentos dos salários reais acima do aumento da produtividade (como ocorreu

no ano anterior pois, na sua percepção, acarreta em inflação) e simpático à

flexibilidade das taxas de juros. O principal formulador econômico da nova equipe

era Yoshiaki Nakano - seguidor das ideias da abertura econômica. Não demorou

muito e os responsáveis pelos estudos sobre a nova política industrial (Antônio José

Antunes, João Batista e Heloísa Camargo) passaram a se reunir sistematicamente

com Julio Mourão, superintendente de planejamento do BNDES.

Em 1988, começaram a surgir as primeiras medidas de liberalização, com

redução tarifária de importações80. Em 1989, foi liberada a importação de cerca de

2.500 produtos antes proibidos.

Durante o Congresso Constituinte (1987-1988), através de representantes

diretos e de entidades de classe, as elites empresariais atuaram intensamente em

78

Nas palavras de Sarney: Bresser foi indicado pelo PMDB e quem fez o anúncio foi o Dr. Ulysses. Eu tinha convidado o Tasso Jereissati para ser o ministro da Fazenda. Ele era muito entrosado com a equipe econômica, era nordestino, o que, na minha cabeça era algo importante, era empresário. Mas Ulysses teve uma reação grande, por causa de São Paulo, fez uma pressão grande, o Tasso não aceitou e eu disse a Ulysses: ‘então, agora, você escolha o ministro da Fazenda.’ E ele indicou o Bresser” (SARNEY, 2006 apud SALOMÃO, 2010, p.68).

79 Sobre as expectativas à época, recomendo a leitura da nota de rodapé nº 45 do texto A política econômica do Governo Sarney: os Planos Cruzado (1986) e Bresser (1987), de José Pedro Macarini (2009).

80 Sobre as reduções tarifárias para importações, Sennes (2000) aponta que em 1982 o país “foi de certa forma compelido a aderir ao código de subsídios agrícolas”. Entre 1987 e 1988 houve uma aproximação com os EUA nas negociações do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) e através da participação no Grupo de Cairn, para exigir flexibilização da Comunidade Econômica Européia (CEE) no comércio de produtos agrícolas. Além disso, foram extintas algumas modalidades de proteções não tarifárias (caíram de 2.400 para 1.200 os tipos de produtos que não podiam ser importados), e as concessões de importações passaram a ser outorgadas automaticamente. A partir de 1990 teve fim o limite de importações por empresa e o exame da existência de produto similar nacional.

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174

favor do fortalecimento do mercado e do refluxo do Estado. Apesar de estarem

ideologicamente vinculadas à perspectiva liberal, as lideranças empresariais ainda

não haviam formado até então um claro consenso quanto ao esgotamento do antigo

modelo de desenvolvimento, tampouco quanto à “necessidade de se forjar um novo

pacto em prol de uma estratégia mais adaptada às condições de uma ordem mundial

globalizada” (DINIZ, 2010, p. 105).

A crise de legitimidade de Sarney fez com que o governo não tivesse força,

capacidade, autonomia e autoridade para formular políticas e implementar

mudanças, seja por sua fraqueza interna, seja pela força dos grupos de pressão

(PEREIRA, 1988 apud BRUM, 1998). A própria nomeação de Bresser Pereira à

revelia da preferência de Sarney é uma indicação clara dessa situação.

Em termos de formulações econômicas tanto na academia quanto na arena

política, até o final dos anos 1980 o desenvolvimento permaneceu sendo a principal

referência para os debates, e durante o período da Constituinte “ainda acreditava-se

na possibilidade de manter a mesma estratégia de crescimento industrial até então

vigente, agora comandada democraticamente por uma nova coalizão política, capaz

de corrigir o seu viés profundamente antissocial” (FIORI, 1995 apud MALTA et al.,

2011, p. 48).

No que diz respeito às forças populares, Nobre (2013, p. 56) argumenta que

elas não haviam sido capazes de acumular a força política necessária para

confrontar a elite tradicional com um projeto que contemplasse a “efetivação de

direitos e redistribuição de renda a favor dos mais pobres”, com “um modelo de

sociedade alternativo ao nacional-desenvolvimentismo”. Assim, ao ser promulgada,

a Constituição Federal de 1988, cristalizaram-se alguns elementos

desenvolvimentistas. Como argumenta Sallum Jr.:

As organizações empresariais não conseguiram converter seu crescimento sociopolítico em força político-institucional. Foram derrotadas no Congresso Constituinte com a ampliação das limitações ao capital estrangeiro, com o aumento do controle estatal sobre o mercado em geral e com a multiplicação dos mecanismos de proteção social aos funcionários, trabalhadores, aposentados e assim por diante. De fato, apesar de decadente, o modelo nacional-desenvolvimentista – é verdade que permeado por conquistas democratizantes – foi juridicamente consolidado através da Constituição de 1988. Criou-se uma carapaça legal rígida, aparentemente poderosa, que assegurava a preservação das velhas formas de articulação entre Estado e mercado no exato

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175

momento em que o processo de transnacionalização e a ideologia neoliberal estavam para ganhar, de fato, uma dimensão mundial com o colapso dos socialismos de Estado, cujo eixo era a União Soviética (SALLUM JR, 1999, p. 27 – grifo nosso).

Mas, diferente do que se passou em alguns países em que os ajustes dos

anos 80 apoiaram-se em pactos de ampla envergadura (o que não significa dizer

que não tenha havido resistência das classes populares), as elites estatais

brasileiras optaram por privilegiar vias coercitivas de implementação - traduzidas na

preferência por instrumentos legais capazes de garantir a precedência do Executivo

frente ao poder Legislativo – com a continuidade à tendência do regime militar de

governar através dos Decretos-Leis, substituídos, em 1988, pelas Medidas

Provisórias (MPs). Apesar de serem entendidas como instrumentos adequados para

conjunturas excepcionais e situações emergenciais, as MPs passaram a ser usadas

rotineiramente em diversas frentes. Isso possibilitou que políticas fossem produzidas

por meio de decisões de pequenos círculos, sem consultas e transparência (DINIZ,

1996), o que possibilitou que, a despeito da Constituição, o modelo

desenvolvimentista fosse frontalmente solapado a partir da década de 1990.

Em meados de 1987, foi lançado o chamado Plano Bresser, um conjunto de

medidas com vistas à estabilização da economia que, apesar da trajetória

perturbadora da inflação, tinha como objetivo prioritário o equilíbrio do balanço de

pagamentos. Mesmo tendo sido considerado um plano mais consistente do que os

planos anteriores, encontrou pouca ressonância nos agentes econômicos e na

sociedade. Com o insucesso de suas medidas, Bresser foi substituído por Maílson

da Nóbrega, que lançou o chamado Plano Verão, em 1989, com medidas de caráter

emergencial de curta duração que, diante do grave descontrole inflacionário (tabela

10), buscava sustentar o governo até o final do mandato, em 15 de março de 1990.

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176

Tabela 10– Evolução da taxa mensal da inflação nos cinco anos do governo Sarney (%)

Fonte: Adaptado de BRUM (1998).

Ao final de seu governo, os avanços relativos na esfera política da transição

democrática não haviam sido acompanhados por progressos nos planos econômico

e social.

No entendimento de Eli Diniz (1996), a instabilidade econômica e a urgência

atribuída ao controle da inflação teriam acentuado o divórcio Estado-sociedade, em

função da prioridade dada aos programas de estabilização econômica frente às

reformas sociais. Consagrava-se, assim, o completo abandono de projetos em prol

da redução das desigualdades, antes enfatizados pela Aliança Democrática.

Diante do desgaste político do presidente, nenhum dos 22 candidatos às

eleições presidenciais de 1989 aceitou o apoio de Sarney. Outro sinal de

enfraquecimento do partido foi a cisão no PMDB, que deu origem ao PSDB81. A

acachapante derrota de Ulisses Guimarães (candidato pelo PMDB) com apenas

4,4% dos votos, e a vitória de Fernando Collor de Mello, um verdadeiro outsider,

puseram fim à dominância peemedebista na década de 1980.

Mesmo contando com apenas 16,08% dos votos no primeiro turno, Lula

conseguiu ir ao segundo turno contra Collor, o que fez com que se intensificasse o

movimento de concentração de forças sociais em torno do Partido dos

Trabalhadores. Simultaneamente, a militância de base, que foi característica dos

81

Conforme Nobre (2013), tal cisão teria decorrido do diagnóstico ainda no período da constituinte, da incapacidade do partido de realizar ajustes estruturais considerados necessários. Os tucanos se apresentavam como um conjunto de quadros bem formados que poderiam liderar e dirigir o peemedebismo rumo a um novo modelo de desenvolvimento.O que já se materializou em parte na eleição à presidência da República de 1989, quando o desempenho do candidato do partido, o então senador Mário Covas, pôde ser considerado bastante bom, tendo obtido o quarto lugar na eleição, com 10,78% dos votos — atrás de Collor (28,52%), Lula (16,08%) e Leonel Brizola (15,75%) (NOBRE, 2013p. 59).

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anos 1980, declinou, sendo substituída, na avaliação de Marcos Nobre (2013), pela

“profissionalização” do PT já na década de 1990; foi ampliada a quantidade de

parlamentares em todas as esferas, além de terem sido eleitos prefeitos petistas em

cidades importantes. Teria sido nesse contexto que o PT “se tornou o líder

inconteste e exclusivo da esquerda. Tornou-se o fiel depositário das energias de

transformação em larga medida barradas pela peemedebização” (NOBRE, 2013, p.

58).

Como sintetiza Fiori (2001, p. 283), durante a crise da década de 1980 (que

passou pelo “estrangulamento externo”, redemocratização e fim do regime militar),

as principais lideranças empresariais nacionais e as elites políticas conservadoras

aderiram às teses e às propostas políticas do chamado Consenso de Washington,

conjunto de princípios e regras ortodoxas de estabilização monetária e de reformas

estruturais ou institucionais que foram sobrepostas à desmontagem do modelo

desenvolvimentista. Isso ocorreu por meio da abertura e desregulamentação dos

mercados, das privatizações de empresas e de serviços públicos.

Como será apresentado a seguir, esta “cartilha foi seguida e difundida pelo

BNDES na década de 1980. Se no entendimento de Nobre (2013) o peemedebismo

adiou os ajustes estruturais do Brasil à nova etapa do capitalismo mundial, no

BNDES estas mudanças foram sendo implementadas institucionalmente e,

posteriormente, difundidas para diversas outras instâncias estatais.

4.1.1 Os novos rumos preconizados no BNDES

Apesar das variações ocorridas no plano econômico durante o governo

Sarney, como já abordado, internamente o BNDES vinha passando por um processo

de planejamento de estratégias institucionais. A ideia, articulada no âmbito da área

de Planejamento do BNDES, aspirava construir no Banco uma estabilidade e

unidade de modo que, num contexto de instabilidade política e econômica, a

instituição tivesse condições de atuar e influenciar nos rumos da economia e do

desenvolvimento nacional.

No período de vigência do Plano inspirado no cenário de retomada (1985-

1987), teriam sido reforçadas as seguintes percepções, que contribuíram para a

mudança futura no pensamento do Banco: i) de que o novo ciclo de crescimento

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seria liderado por componentes autônomos de demanda privada, e não mais pelo

Estado; ii) do mercado externo como um importante indutor do desenvolvimento, e

não um “concorrente da produção voltada a atender às necessidades internas” e; iii)

que o desenvolvimento econômico e social seria alcançado pela modernização

empresarial visando a competitividade, e não só pela expansão da capacidade

geradora de emprego; iv) que a recuperação financeira do Banco e a melhoria da

lucratividade deveriam ser reforçadas - o que foi definido pelo documento Diretrizes

Internas, que estipulou novas políticas com os inadimplentes e a revisão das

condições financeiras dos empréstimos; v) a elaboração de planos táticos (Plano de

Ação Anual) como meio de cumprir as estratégias estabelecidas pela instituição -

esses planos, segundo o autor, eram discutidos com toda instituição e elaborados de

baixo pra cima, com a finalização da Alta Administração e; vi) a necessidade de

estabelecimento de regras de enquadramento às condições financeiras em cada

situação por meio de políticas operacionais revisadas anualmente (MOURÃO, 1994,

p. 12).

A decisão de financiar a moderna empresa rural com alto conteúdo

tecnológico, por exemplo, teria surgido do corpo ampliado da instituição a partir do

Plano Estratégico, não tendo sido somente uma decisão da diretoria ou uma decisão

externa ao banco e executada por ele. Isso levou o BNDES a mais que quadruplicar

os valores desembolsados para o setor agrícola. Fica evidente a retomada da

formação de um esprit de corps - para usar o termo de Luciano Martins (1985) -

capaz de manter uma unidade básica da instituição.

Em 1986, o BNDES criou o Programa Especial de Apoio ao Setor de

Informática (Proinfo) e o Programa Nacional de Pequenas Centrais Hidrelétricas

(PNPCH).

Em 1985, foi realizada uma revisão dos Cenários e, diante do rápido

crescimento da indústria no período, estudou-se um cenário alternativo ao da

Retomada. Neste trabalho constatou-se que o constrangimento maior não estava

nas condições internacionais, mas sim nas internas, sobretudo na incapacidade do

Estado de investir em infraestrutura (com destaque para a energética). Então, a

Eletrobrás e a Petrobras foram convidadas a participar da elaboração dos cenários

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1987-2000, que embasariam a elaboração do próximo plano Trienal do Banco82.

Este estudo de cenários foi realizado ao longo de 1986 e, além do Cenário de

Integração Competitiva, previu um Cenário de fechamento, que foi preterido e

substituído pelo Cenário de Inércia Corporativista, que previa que os interesses

conflitantes impediriam que fossem realizadas as reformas necessárias no país

(MOURÃO, 1994, p. 14).

Ao participar da revisão dos Cenários do Banco, os técnicos da Eletrobrás e

da Petrobras negaram-se a assinar o documento final – que propunha a abertura da

economia, a privatização e a desregulamentação. Isolado tanto da academia quanto

da burocracia, Mourão passou a viajar pelo Brasil e pelo mundo divulgando suas

ideias. Depois de suas palestras, o Bird e o Banco Mundial passaram a oferecer

seus empréstimos condicionados à modernização institucional e à abertura de

mercado – e não mais à práticas recessivas (NASSIF, 2007).

Em fevereiro de 1988, o BNDES lançou o novo Plano Estratégico para o

triênio 1988-1990, que definia que a diretriz fundamental do Sistema BNDES seria

integração competitiva do Brasil na economia mundial, além da integração de

mercados na escala nacional para a superação das desigualdades regionais do

Brasil”. Promoveu-se a ideia de que um novo ciclo de desenvolvimento deveria se

iniciar sem a liderança do Estado. A crise financeira do Estado (e o déficit da

poupança pública) e o processo inflacionário não podem ser negligenciados nesta

avaliação83. Além disso, na avaliação do Banco e de empresários clientes do

BNDES, a participação do capital estrangeiro era positiva, sobretudo nos aspectos

gerencial, mercadológico e tecnológico. Entendia-se que a superação da

dependência tecnológica era um processo evolucionário que se resolveria a longo

prazo, sem proteção tecnológica e sem reserva de mercado. Entendeu-se que os

países que quisessem aproveitar as oportunidades do comércio internacional

deveriam incentivar a instalação de filiais de grandes empresas (notoriamente

multinacionais) ou a associação de empresas brasileiras com estas, flexibilizando as

82

Foram também realizadas entrevistas com nomes como Luciano Martins, Celso Lafer, Homem de Mello, Marcos Viana, Fábio Erber, etc.

83 Entre 1984 e 1987, o PIB nacional cresceu em média 6,1%, não muito distante do previsto pelo BNDES no Cenário de Retomada, que previa 7,7% a.a. entre 1985 e 1990. A inflação, porém, não se comportou como o previsto nos cenários, visto que 1984 e 1985 ficou no patamar de 200% e, apesar de ter caído com o Plano Cruzado em 1986, voltou a crescer rapidamente, atingindo 416% em 1987, e os objetivos pretendidos não foram alcançados (CASTRO, 2014).

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180

regras para o capital estrangeiro. E que num quadro em que a indústria nacional

havia atingido uma certa maturidade, ela “não podia ficar condenada ao crescimento

vegetativo de um mercado interno no qual predominavam baixos salários e má

distribuição de renda” (EXAME, 1988 apud MOURÃO, 1994, p. 16). Nassif (2007)

argumenta que a presença de Márcio Fortes84 e de seu secretário-geral Sergio

Besserman85 na presidência do Banco, além do vice-presidente – o industrial Bruno

Nardini - foi importante, pois estes teriam comprado integralmente as ideias e

estratégias do Plano, reestruturando o BNDES e promovendo reuniões com outros

setores da administração pública para promover uma política em direção à abertura

econômica.

A aposta institucional observava agora o diagnóstico do esgotamento do

modelo pautado pela substituição das importações e apontava para necessidade de

o banco apoiar a internacionalização de empresas brasileiras, para que elas

pudessem competir no mercado externo. Assim, antecipando-se a um discurso que

se tornaria hegemônico nos anos 1990, o BNDES deveria adotar e apoiar a

"integração competitiva": com o fim da fase de substituição de importações, a

gradual liberalização comercial deveria ser a estratégia que levaria as empresas

nacionais a adquirirem experiência, montar acordos tecnológicos, joint ventures e

alcançar padrões globais de competitividade (NASSIF, 2002).

a nova missão do BNDES não se formulou em contraposição à sua orientação histórica, originária do estruturalismo cepalino. Tratava-se de, no cumprimento de sua missão de contribuir para o desenvolvimento econômico nacional, perseguir objetivos pragmáticos: alcançar um crescimento econômico rápido, com as melhorias de produtividade que o país necessita para atender aos seus objetivos sociais. Embora a formulação das novas políticas não tivesse considerações de natureza ideológica ou política, elas se diferenciavam, por um lado, da visão de uma esquerda conservadora que desejava manter o status quo e, por outro, da doutrina neoliberal que pregava o abandono de qualquer política industrial e um Estado minimalista (MOURÃO, 1997, p. 17)

84

Engenheiro formado pela PUC do Rio de Janeiro. Foi a partir de seu trabalho que se concluiu pelo esgotamento do modelo da política industrial baseada no protecionismo. Comandou o primeiro programa de privatização do País.

85 Economista graduado pela PUC do Rio de Janeiro, onde também foi professor.

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181

Apesar de tal proposta estar perfeitamente alinhada com o quadro ideológico

que ganhava hegemonia mundial, Mourão alegava que sua proposta não continha

caráter ideológico. Também, segundo o autor, a construção do cenário da integração

competitiva não pretendia ser uma crítica ao período anterior; ao contrário,

reconhecia-se o papel desempenhado pelo Estado desenvolvimentista do BNDES

para que se tivessem alcançado altas taxas de crescimento, para que se houvesse

constituído um parque industrial integrado e moderno, e mesmo para que se

formasse um empresariado nacional de porte.

A adoção das novas diretrizes não era, senão, uma opção pragmática, que

abandonava o padrão anterior por razões práticas e não ideológicas, reconhecendo

que, doravante, o Estado deveria reestruturar-se e assumir um novo papel. Este

realismo impunha privatizações que permitiram cumprir os objetivos de: i) liberar

recursos que deveriam ser aplicados em segmentos sociais (ele não diz como e

quais) e não no setor produtivo; ii) defender as empresas produtivas, dando-lhes

condições de empresas privadas e; iii) aperfeiçoar os mecanismos de formação de

preços para induzir a busca por competitividade, eficiência sistêmica e estabilidade

macroeconômica. O Estado deveria abrir a economia brasileira à competição

externa, “com a eliminação de subsídios, de controles quantitativos das importações,

da proteção estatal e com a redução gradual e planejada das barreiras

alfandegárias” (MOURÃO, 1994, p. 19). Tratava-se também de ampliar o horizonte

das indústrias que estavam voltadas ao mercado interno, estimulá-las a colocar a

produtividade em primeiro lugar para que concorressem em condições de preço e

qualidade no mercado externo.

O alegado “pragmatismo” do autor – que argumenta que era necessário que o

Banco se adaptasse às novas situações que se impunham mundialmente e que

eram discursivamente propagadas em diversos meios - corrobora com a

interpretação de Jessop (2002) de que não é o Estado como tal que se adapta à

globalização. Existem forças específicas que operam no Estado e/ou distanciadas do

Estado que são os agentes da reorganização, existindo esforços para alterar as

políticas, os aparelhos de Estado, a arquitetura institucional, as escalas de

intervenção e as interrelações do sistema Estatal e outros espaços de poder social,

político e econômico.

As estratégias internas ao Sistema BNDES levaram em conta a visão sobre

qual deveria ser o novo papel do Estado, de forma a fortalecê-lo como estrutura

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182

financeira e patrimonial, promovendo a privatização das empresas que estavam sob

o seu controle (em 2 anos, 14 empresas foram privatizadas), a transferência de

participações minoritárias e a desmobilização de ativos não-operacionais. A

justificativa para as privatizações conduzidas pelo BNDES era que os recursos

obtidos ajudariam o banco a recuperar a capacidade econômico-financeira, voltando

a exercer o seu papel de agente de desenvolvimento.

Das 17 privatizações ocorridas durante o período do governo Sarney, 11

foram de empresas controladas pela BNDESPAR, e duas relativas às vendas da

Siderbrás, conduzidas pela própria BNDESPAR, na qualidade de agente de

privatização dessa holding. “Do total de recursos arrecadados, cerca de 98% foram

obtidos, direta ou indiretamente, por meio da ação do Sistema BNDES” (VELASCO

JR., 1997, p. 188-198).

Velasco Jr. pretende mostrar que o Banco não foi pautado nem pelo governo

– que tinha viés pouco privatizante86, nem pelo setor privado – que em alguns casos,

nos “bastidores”, teria inclusive lutado contra87. Em suma, “pode-se dizer que as

privatizações foram condicionadas pela ação de uma agência governamental

específica, que definiu e implementou estrategicamente uma política pública que não

estava na agenda do Poder Executivo” (VELASCO JR. 1997, p. 192).

Outra importante mudança neste período diz respeito à fonte de recursos do

BNDES. O artigo 239 da Constituição de 1988 definiu alterações quanto ao destino

dos recursos do PIS-Pasep: 60% de sua arrecadação seriam dedicados a financiar

um programa de seguro-desemprego (até então inexistente no Brasil), e 40%

direcionados para as aplicações do BNDES em projetos que gerassem emprego e

renda. Em 1990 foi criado o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que era

composto por recursos do PIS-Pasep e vinculado ao Ministério do Trabalho. O FAT

nasceu com duplo papel: o de seguro-desemprego e de desenvolvimento

86

Quando as empresas objeto de venda não eram peças-chave no jogo político de Sarney, o governo até endossava as propostas da burocracia. Mas, ao final do governo, o próprio presidente suspendeu os processos de privatização: “O motivo foi a intensa polêmica que cercou o processo de privatização da Mafersa, que se encontrava em andamento. Posteriormente, no governo Collor, essa empresa, também controlada pelo BNDES, veio a ser privatizada sem maiores controvérsias” (VELASCO JR. 1997, p. 192).

87 Como teria sido o caso da “pressão exercida contra a privatização da Caraíba Metais pelas principais empresas laminadoras e trefiladoras que adquiriam o seu produto, as quais solicitaram formalmente ao BNDES a sustação ou a anulação do processo de venda” (VELASCO JR. 1997, p. 191).

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econômico. Ao final da década de 1980, o FAT e o PIS-Pasep compunham a maior

parte dos recursos do BNDES.

Este período marcou uma guinada para um “novo BNDES”. Se antes o banco

buscava se fortalecer enquanto instituição que analisava e fomentava projetos

setoriais, nos quais apostava como meios para promover um determinado ideal de

desenvolvimento, a nova direção apontava uma orientação mercadológica, voltada a

promover os clientes que pudessem se integrar e competir no mercado (tabela 11).

Tabela 11- Mudanças de perspectiva do “novo BNDES”

Fonte: Mourão (1994, p. 21).

Evidentemente, tratava-se de uma profunda transformação na própria

concepção de desenvolvimento. Uma instituição pública, que se mantém em grande

medida com recursos públicos, passou a selecionar e apoiar projetos não mais

segundo seus meios e fins, mas segundo avaliações do risco econômico dos

empreendimentos e de seu potencial competitivo.

Diante de todo exposto, evidencia-se que os anos 1980 marcaram uma

grande transformação institucional. Além do reforço ao esprit de corps - apesar de

ter aberto mão de seu posto planejador a longo prazo de um projeto de

desenvolvimento -, se a noção de think tank for entendida como um “banco de

ideias”, tal qual entendem Bourdieu e Wacquant (2000), o BNDES reafirmou sua

característica de think tank. Agora, porém, enquanto difusor de uma nova vulgata

pretensamente pragmática, que proclama a nova fé: flexibilização, integração,

competição.

No caso da metodologia de cenários adotada pelo BNDES, a inspiração foi a

proposta de Michel Godet – professor do Conservatoire National des Arts Métiers

(CNAM) – Paris/França. As experiências governamentais neoliberais e o

planejamento estratégico são inspiradas nos economistas de Chicago.

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184

Em Os evangelistas do mercado, Dixon (1999, p. 2 – grifo nosso) destaca que

os think tanks são “organizações que gostam de se apresentar como foros de

reflexão, mas que devem ser antes entendidas como vetores privilegiados do

ativismo político de certos intelectuais, pontos de apoio essenciais da

influência exercida sobre os campos econômico e político”.

Aqui, cabe observar o alcance das orientações do Sistema BNDES neste

período:

i) sendo amplamente divulgada em jornais diários, revistas semanais, em

palestras, seminários, congressos e diversos eventos sobre política industrial e

sobre o futuro do país realizados em todo o Brasil e no exterior;

ii) tendo o Banco defendido e divulgado a estratégia de Integração

Competitiva nos foros governamentais, em reuniões com órgãos de governo e com

empresários para discutir reestruturações da indústria;

iii) tendo elaborado propostas de política industrial (com destaque à Nova

Política Industrial de maio de 1988, juntamente com o Ministério da Indústria e

Comércio e o IPEA);

iv) tendo apresentado a perspectiva institucional às assessorias de diversos

candidatos às eleições de 1989;

v) tendo sido consultado pela equipe do presidente eleito (sobretudo por Zélia

Cardoso de Mello – futura Ministra da Fazenda de Collor) para a formulação da

política industrial e do programa de Privatizações (MOURÃO, 1994).

Assim, considerando que a nova orientação do Sistema BNDES teve grande

repercussão externa, exercendo forte influência na política e na economia brasileira,

é possível afirmar que neste período o banco se constituiu como um think tank

nacional.

4.2 A década de 1990: hegemonia neoliberal

Foi só no início da década de 1990, em meio ao agravamento da crise

financeira e cambial e à instabilidade política herdada dos anos 1980, que teve início

o processo de desregulamentação financeira e liberalização que atraiu consideráveis

montantes de capital financeiro especulativo internacional (TAVARES, 1999).

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185

Fernando Collor de Mello foi eleito presidente do Brasil pelo Partido da

Reconstrução Nacional (PRN) – partido ao qual se filiou após ter saído do PMDB. De

1979 a 1982, havia sido filiado à ARENA. Também em 1979 foi nomeado prefeito

(indireto) de Maceió. Em 1982, filiou-se ao PDS, ano em que foi eleito deputado

federal. Collor trocou o PDS pelo PMDB em 1986, mesmo ano em que se elegeu

governador de Alagoas, cargo que abandonaria para assumir a presidência do país

após ter trocado mais uma vez de partido. Seu vice-presidente era o mineiro Itamar

Franco – quadro histórico do PMDB que se afastou do partido somente entre os

anos de 1988 e 1992, quando esteve filiado ao PRN e, posteriormente, em 2009,

quando filiou-se ao Partido Popular Socialista (PPS).

Quando esteve na presidência, Collor promoveu uma ampla reforma

ministerial, que lhe garantiu um alto grau de centralização decisória. Esta reforma

reduziu o número de ministérios (de 23 para 12), procedendo ao desmantelamento

da máquina estatal. O objetivo era fortalecer e concentrar poderes no recém-criado

Ministério da Economia - que passou a acumular prerrogativas antes distribuídas

entre outros órgãos. “Ao lado do Banco Central, o novo Ministério veio a ocupar o

lugar de autoridade máxima na condução do programa de estabilização” (DINIZ,

1996, p. 20). No comando de sua política econômica, Collor designou Zélia Maria

Cardoso de Mello – sua prima88 – para o Ministério da Fazenda.

A falta de experiência operacional afastou o grupo da PUC-RJ - liberais

radicais, segundo Nassif (2007) - da condução dos trabalhos de abertura do governo

Collor. Gustavo Franco e Winston Fristch, ambos da PUC, acabaram “batendo de

frente com o mundo real”, e não conseguiram sair do plano teórico para que

propusessem as medidas concretas, com exposição de motivos, minutas e portaria,

como demandaram Ibrahim Eris e Antonio Kandir – da equipe de Zélia. Apesar

disso, os primeiros dias do governo Collor teriam sido desfavoráveis aos

“integracionistas”. Luiz Octavio da Motta Veiga foi designado para a presidência da

Petrobras e demitiu toda a equipe que participava das pesquisas de

desenvolvimento de tecnologia para águas profundas. Já a equipe do BNDES não

só foi derrotada na intenção de indicar Nildemar Secches como o presidente, que

acabou assumindo e terminou por isolar os técnicos do Banco e “proibindo o banco

88

Além disso, Collor indicou seu primo Marco Aurélio de Mello para ser ministro do Supremo Tribunal Federal.

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186

de pensar nos dois anos seguintes”. Tratava-se de Eduardo Modiano – economista

da PUC (NASSIF, 2007, p. 155). Mourão e Secches foram convidados a assumir a

Secretaria de Planejamento do ministério da economia, mas recusaram os cargos.

Neste mesmo período, João Maia trouxe seu ex-colega do Partido Comunista

Brasileiro, Luiz Paulo Velloso, para ser seu vice no Departamento de Abastecimento

e Preços. Após a saída de Marcelo Abreu (da PUC-RIO) do cargo de Secretário

Nacional de Economia, João Maia assumiu seu lugar e levou Velloso para ser diretor

do Departamento de Indústria e Comércio que, por sua vez, chamou Antônio Maciel

para ser vice. Assim, os “integracionistas” chegavam ao poder. “Depois de seis anos,

as ideias do BNDES conseguiram superar a pesada barreira imposta pela academia

e o grupo “integracionista” estava pronto para mudar o Brasil” (NASSIF, 2007, p.

155-156). Em 26 de julho de 1990, foi apresentado o plano de abertura da economia

por eles preparado: eram as “Diretrizes Gerais da Política Econômica e de Comércio

Exterior”.

Diferente de suas ideias, que iam ganhando espaço no governo, Mourão

viveu no período Collor seu momento de maior ostracismo. No BNDES, Eduardo

Modiano não só ignorava sua importância como a temia. Argumentando a esse

respeito, Nassif (2007) aponta que Mourão foi demitido da Superintendência de

Planejamento sem que Modiano tenha sequer lhe comunicado pessoalmente de sua

decisão. Além disso, desmanchou sua equipe e praticamente proibiu que as ideias

de Mourão fossem debatidas no Banco.

Em março de 1990, Francisco Ferreira - então Coordenador de Planejamento

e Políticas Setoriais do Ministério de Economia e Planejamento - expressava que

“os mecanismos até então utilizados não são mais funcionais ao crescimento

dinâmico da economia, nem permitem estabelecer um quadro de estabilidade

monetária” e “a política industrial e de comércio exterior é um componente central

dessa nova estratégia”. Entre as medidas necessárias diante desta avaliação,

enumera: “redução progressiva dos níveis de proteção tarifária”, “eliminação de

incentivos e subsídios”, “exposição planejada da indústria à competição

internacional” (MRE, 1990 apud SENNES, 2000, p. 13-14).

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187

Zélia Cardoso de Mello foi uma das mentoras do Plano Brasil Novo89 – mais

conhecido como Plano Collor 1 – voltado a estabilizar a inflação por meio do

bloqueio da liquidez de grande parte dos haveres. Neste período ocorreu o bloqueio

de um percentual elevado dos recursos contidos em contas bancárias – o chamado

“confisco” – em que os depósitos ficariam bloqueados por 18 meses e seriam

liberados em 12 parcelas depois deste período90. As dívidas com órgãos públicos ou

as contraídas antes da implementação do Plano poderiam então ser pagas com o

dinheiro bloqueado (ZINI JR., 1993 apud COSTA, 2011).

Além disso, o Plano Collor visava a ampliação das receitas e a redução do

setor público federal, envolvendo: i) congelamento de preços e correção dos salários

a partir do índice inflacionário esperado91; ii) privatizações e reforma administrativa,

com a finalidade de reduzir o tamanho da máquina pública por meio do fechamento

de órgãos federais, diminuição do número de ministérios, extinção de estatais e

demissão de 80 mil funcionários públicos (o objetivo original era 400 mil). Entre as

empresas privatizadas estavam a Embrafilme, a Portobrás, a Siderbrás, o

Departamento Nacional de Obras e Saneamento, a Mafersa92, além de ter sido

instaurado o Plano Nacional de Desestatização (PND)93, que ganhou fôlego em

1991 com a privatização da Usiminas; iii) reforma fiscal – com mudanças tributárias

que focavam no aumento da arrecadação, consistindo prioritariamente na elevação

de alíquotas, antecipação de recolhimentos ou mudanças na forma de cálculo. Além

disso, houve uma contenção salarial do funcionalismo público federal, paralisação

dos investimentos da União e queda dos gastos sociais, redução nos pagamentos

de juros sobre a dívida interna, correção abaixo da inflação dos salários do

89

Além de Zélia, compunham a equipe os economistas Ibrahim Eris, Luís Eduardo de Assis, Eduardo Teixeira, Luís Otávio da Motta Veiga, Fábio Giambiagi, Álvaro Zini, Antonio Kandir e Eduardo Modiano – este último foi presidente do BNDES no período.

90Eduardo Modiano – então presidente do BNDES e um dos mentores do plano de estabilização, argumenta que: “Não houve exagero no bloqueio de cruzados novos. Era melhor errar por baixo, bloqueando uma quantidade de recursos maior do que a necessária e deixar que o mercado e as decisões do governo aumentassem esse volume de cruzeiros em circulação. Já houve algumas liberações autorizadas por Brasília e alguns vazamentos na troca de cruzados novos por cruzeiros. Prevíamos que isso aconteceria. Por isso mesmo, precisávamos começar com uma quantidade de cruzeiros bem pequena em circulação, talvez abaixo mesmo daquela em que a economia funciona sem constrangimentos. Agora, o volume de cruzeiros está alcançando o nível adequado (MODIANO, 1990 apud COSTA, 2011, p. 39).

91 Os servidores públicos não tiveram ajustes nos seus salários por seis meses.

92 Fabricante de equipamentos ferroviários. Esta privatização especificamente gerou polêmica no governo Sarney e o levou a paralisar as privatizações.

93 Por meio da Medida Provisória 155, aprovada em 12/04/1990, transformada na Lei 8.031 do mesmo ano.

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funcionalismo e corte de cerca de 30% nas despesas de custeio e investimento

(COSTA, 2011, p. 38).

Estas medidas (sobretudo o congelamento das poupanças) levaram a uma

desmonetização rápida e descontrolada da economia, que afetou o comércio e a

produção industrial. Isso derrubou rapidamente a inflação, que entre janeiro e

fevereiro de 1990 estava na faixa de 70% ao mês, caindo para cerca de 10% ao mês

nos meses seguintes. Apesar de o governo ter alcançado um superávit operacional,

ele teve fracasso no seu objetivo principal: em dezembro de 1990, a inflação já

voltava a crescer.

Em janeiro de 1991, foi lançado ainda por Zélia o Plano Collor 2. Este plano

manteve a política recessiva e as principais medidas foram o

congelamento de preços e salários, corte de 10% nas despesas correntes do governo, a desindexação da economia e a introdução de mudanças no mercado financeiro, como a extinção do overnight, criação do Fundo de Aplicações Financeiras (FAF) e elevação do IOF [Imposto sobre Operações Financeiras, criado durante o Plano Collor 1] (COSTA, 2011, p. 40).

Com o fracasso no combate à inflação, já em fevereiro, Zélia e sua equipe

foram substituídos por Marcílio Marques Moreira94. O novo Ministério da Fazenda e

sua equipe95 deram continuidade ao processo de liberalização comercial e

financeira, à desregulamentação de preços, além de terem negociado a dívida

externa nos moldes da comunidade financeira internacional – o chamado Plano

Brady, que preconizava que FMI e o Banco Mundial concederiam empréstimos com

a condição de que os países devedores liberalizassem seus mercados. Ainda

segundo Costa (2003 e 2011), a política macroeconômica do governo Collor teve as

privatizações como um dos seus alicerces e peça-chave do ajuste fiscal pretendido,

uma vez que entre os argumentos estava o intuito de usar estes recursos para a

redução da dívida pública e para sanear as finanças públicas. A mudança na equipe

econômica não abalou o programa de privatizações. Ao contrário, reforçou sua

autonomia e fortaleceu o BNDES que, além de gestor do PND e do FND (Fundo

94

Moreira foi membro do conselho do BNDE entre 1974 e 1980.

95

Pedro Malan, Roberto Guimarães, Luiz Fernando Wellisch, Roberto Macedo, Nelson Carvalho, Gustavo Loyola, Cincinato Rodrigues de Campos, Pedro Parente, Martus Tavares, Alcides Tápia, José Gregori, Cláudia Costin, Sérgio Cutolo, Francisco Gros e Armínio Fraga. Eduardo Modiano e sua equipe permanecem no comando do BNDES (COSTA, 2011).

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Nacional de Desestatização), assumiu a comissão diretora do Programa quando

Eduardo Modiano (ainda presidente do Banco) passou a comandá-la. Assim, o

BNDES assumiu o protagonismo nas desestatizações.

Assim, neste período, o BNDES foi transformado no “banco da privatização”,

passando a comandar o Conselho de Privatização e o Programa Nacional para a

Desestatização. Isso já marca uma diferença das privatizações ocorridas durante o

governo de Sarney que, segundo Velasco Jr. (1997), tinham motivações de ordem

interna do BNDES, e que prevaleceram sobre aquelas de outras naturezas como,

por exemplo, as motivações ideológicas ou as pressões externas. Segundo o autor,

ao final do governo Sarney, temas como austeridade fiscal, privatização,

desregulação e liberalização comercial haviam penetrado tenuamente o debate

entre tecnocratas e acadêmicos, predominando “a mesma fé” de seus antecessores

no Estado como condutor de estratégias de desenvolvimento. No entendimento de

Schneider (1991 apud Velasco Jr., 1997), diante das restrições existentes às

privatizações, não deixou de ser surpreendente que seu programa de

desestatizações tenha ido tão longe96.

Em suma, no entender de Velasco Jr. (1997), as privatizações foram

condicionadas basicamente pela ação de uma agência governamental específica: o

BNDES. O Banco teria definido e implementado estrategicamente, por razões de seu

interesse e pautado por um racionalismo administrativo, uma política pública que não

estava na agenda do Poder Executivo. Mencione-se que o Banco foi alvo de muitas

críticas em virtude do modelo de privatização adotado, por trabalhar com blocos

únicos, privilegiando os compradores com base instalada nos próprios setores da

economia a que pertenciam as empresas vendidas, e favorecendo, desta forma, um

processo de centralização de capitais e de monopolização nos diferentes setores.

Conforme observado por Schneider (1991 apud VELASCO JR, 1997), era um

modelo que se apoiava na vitória de poucos, o que vinha reforçar “a tese de que o

96

Ainda mais considerando que o setor privado também não só não teria influenciado, como, nos bastidores, teria lutado contra algumas privatizações, apesar de publicamente professar o seu apoio ao programa. Segundo Velasco Jr. (1997), essa afirmação está de acordo com a pressão exercida pelas principais empresas laminadoras e trefiladoras que adquiriam o produto da Caraíba Metais, contra a sua privatização. Tais empresas teriam solicitado formalmente ao BNDES que este sustasse ou anulasse o processo de venda. “Como essas empresas se beneficiavam do fato de a Caraíba ser uma empresa permanentemente às voltas com a desatualização de preços, por conta da inflação, essa manifestação foi percebida como uma tentativa de manutenção do status quo” (p. 191).

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BNDES buscou implementar as privatizações de uma forma que se coadunasse com

os seus objetivos, apesar das resistências quanto à política em si e quanto à forma

de executá-la (VELASCO JR., 1997, p. 197).

No governo Collor, a privatização ganhou outra dinâmica e dimensão. Tornou-

se prioridade pública, tendo sido promovidos 16 processos de desestatização, que

arrecadaram um valor total de aproximadamente de US$ 3,9 bilhões, comparados

com a arrecadação de US$ 549 milhões em 17 processos do período anterior. Os

leilões públicos, já consagrados à época de Sarney, permaneceram como o método

de venda. O bloco de ações era ofertado sem que fossem estabelecidas

quantidades mínimas a serem adquiridas ou uma pré-qualificação técnica dos

candidatos. Agora, o leilão poderia resultar tanto na aquisição do lote de ações por

um único comprador, quanto na ampla pulverização das ações de controle. O

modelo permitia, apesar de não haver garantias, o acréscimo do número de

vencedores. Com o resultado da privatização da Usiminas, ampliou-se o número de

“vencedores”, num resultado completamente diferente dos padrões até então

vigentes no Brasil - o que, na visão do autor, permitiu a coalizão de apoio necessária

à implementação do PND.

Assim, Velasco Jr (1997) conclui que as privatizações no governo Collor “não

foram implementadas só com base na vontade política do Poder Executivo. Uma

coalizão de sustentação baseada no mundo dos negócios foi criada,

compensando a ausência de um apoio mais amplo das classes políticas e das elites

em geral” (p. 200 – grifo nosso).

No relatório do BNDES de 1990, o Banco argumentava que a “reforma

patrimonial” estava ligada à modernização do Estado, uma vez que

abrange a transferência de propriedade, em larga escala, de ativos públicos para o setor privado. Sabe-se que a contribuição permanente da privatização para o ajuste fiscal é de pouca relevância. Na realidade, o objetivo principal do programa de desestatização consiste em mudar a posição estratégica do Estado na economia brasileira e deve ser considerado como parte de um amplo e ambicioso plano de modernização. Os resultados obtidos com a venda das empresas estatais deverão ser inteiramente destinados à redução da dívida pública, aliviando em bases permanentes o serviço da dívida interna para o governo. Com as privatizações, o governo espera promover também expressivos ganhos de eficiência na produção e na alocação de recursos na economia. Liberado da obrigação de realizar novos e expressivos investimentos no setor produtivo, o governo poderá

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concentrar esforços em suas atividades essenciais, tais como educação, saúde pública, segurança nacional e cumprimento das leis97 (RELATÓRIO DO BNDES, 1990, p. 5 – grifo nosso).

Durante o governo Collor, 15 empresas dos setores siderúrgico, petroquímico

e de fertilizantes foram privatizadas. Era previsto que a Companhia Siderúrgica

Nacional (CSN) comporia essa primeira etapa, mas seu processo de privatização só

foi concluído durante o mandato do presidente Itamar Franco. Nessa primeira fase,

para financiar as privatizações, foram lançados títulos representativos da dívida

pública, chamados na época de “moedas de privatização”. Em 1991, foi a vez das

empresas Usiminas98, Usiminas Mecânica, Mafersa, Cosinor e Celma serem

privatizadas. Posteriormente, entre 1992 e 1993, vinte empresas dos setores

petroquímico, siderúrgico e de fertilizantes foram privatizadas, entre elas, a Empresa

Brasileira de Aeronáutica (Embraer). Em agosto de 1994, foi ainda realizada a

primeira operação internacional de empresas do PND, com a colocação no exterior

de ações preferenciais representativas de 12,2% do capital social da Usiminas, com

a oferta sendo complementada com a colocação de 4% do capital da empresa no

mercado doméstico. Essas ações eram sobras do leilão realizado em 1991

(RELATÓRIO DE ATIVIDADES DO BNDES, 1994).

Costa (2011) ressalta que os interlocutores do BNDES nas privatizações

durante o governo Collor foram “o secretário do Comércio dos Estados Unidos,

Robert Mosbacher, o embaixador norte-americano no Brasil, Richard Melton, e um

grupo de empresários de setores de tecnologia de ponta” (2011, p. 44), que

participaram de reuniões no Banco em junho de 1990, mesmo mês em que lá se

realizou um seminário internacional sobre privatizações,

que contou com a participação de personalidades importantes e comprometidas com a agenda liberalizante, tais como, no momento, o chefe da Divisão de Operações de Comércio e Finanças do Departamento do Brasil no Banco Mundial, Demetris Papageorgiou; o assessor de Margaret Thatcher, Alan Walters; o ex-secretário de Economia do Ministério da Economia da Espanha, Guillermo de La Dehesa; o membro do Banco Mundial e professor da Universidade

97

Como se verá mais adiante, a promessa de maiores investimentos sociais não se realizou, nem no governo Collor, nem no governo de Fernando Henrique Cardoso.

98 O modelo de venda adotado no caso da privatização da Usiminas foi, posteriormente, reproduzido em quase todas as desestatizações efetivadas.

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Católica do Chile, Dominique Hachette; e de Alberto Pera, do Instituto para a Reestruturação Industrial da Itália. É impossível deixar de notar que os “escolhidos” para debater o tema das privatizações são os representantes de instituições que as incentivavam ou de países comprometidos com as reformas liberalizantes e interessados na sua efetivação nos países periféricos (COSTA, 2011, p. 44-45)

Eli Diniz (1996) aponta que o Plano Collor concentrou-se na consecução de

objetivos imediatos vinculados à redução drástica da inflação, sem que fossem

traçadas metas de mais longo prazo. Concentrado no desmantelamento da antiga

ordem, na destruição do sistema anterior faltou um projeto de fundação da nova

sociedade a ser construída. Tratou-se da administração do presente, de

intervenções no curtíssimo prazo que não estavam vinculadas a um esforço de

planejamento do futuro, ao estabelecimento de políticas de médio e longo prazos, à

políticas setoriais e de propostas voltadas para a recuperação econômica do país,

obscurecendo também a percepção da premência da questão social. A

unilateralidade das políticas fortemente restritivas, com alto custo social, queda da

atividade econômica, desemprego (sem a adoção de políticas compensatórias) levou

à recessão, que foi omitida enquanto foi possível. Tudo isso ampliou a perplexidade

e a insegurança em diferentes faixas da população.

Foi um período de fortalecimento da ideologia tecnocrática, da crença na

neutralidade e eficiência da técnica. O sigilo e a falta de transparência passaram a

acompanhar tanto a formulação quanto a implementação de políticas pelas

burocracias insuladas do escrutínio público. Além disso, as relações com os partidos

e o Congresso foram marcadas pela ausência de diálogo e de negociação – uma

vez que estes eram encarados como adversários políticos, e não como poderes

complementares.

O desprezo pelos arranjos institucionais da democracia representativa99 e por sua sistemática de funcionamento levaria a que, no cálculo político dos governantes, a tática do confronto acabasse por prevalecer” [...] Cabe lembrar que a preferência por políticas econômicas coercitivas pode gerar conformidade, mas não cria uma atmosfera de colaboração e de co-responsabilidade (DINIZ, 1996, p. 20-21).

99

Ou, como diz Nobre (2013), o “cesarismo alucinado” de Collor.

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No entendimento da autora, o governo Collor representou o auge da

tendência do voluntarismo e experimentação, possibilitado pelo excesso de poder

discricionário do executivo sobre o legislativo, que abriu o caminho para práticas de

experimentação irrestrita sem freios institucionais, caracterizando-se pela tática das

ações fulminantes e imobilizando o Congresso pela política do fato consumado

(DINIZ, 1990ª; 1990b).

Munindo-se de poderes ilimitados de intervenção na ordem econômica e na vida social, na guerra contra a inflação, o presidente Collor impôs ao país, através de Medida Provisória, um pacote econômico que transgrediu preceitos constitucionais, violou garantias e direitos básicos da cidadania, através de medidas como o confisco dos ativos financeiros, determinando de fato a suspensão do Estado de Direito. Em nome do Estado mínimo, ilustrando de forma paradigmática o paradoxo neoliberal, aprofundou a centralização e a concentração de poderes na alta burocracia, estabelecendo um governo plenipotenciário. [...]Após ser promulgada, entrando imediatamente em vigor, a MP do Plano Collor I produziria efeitos avassaladores na economia e na sociedade, inviabilizando de fato qualquer reação do Congresso, dado o alto custo político de uma ação de veto (DINIZ, 1996, p. 17).

O Plano Collor é então considerado um caso paradigmático pela autora, uma

vez que ao dar privilégios a um estilo tecnocrático de gestão da economia nacional

que enfatizava unilateralmente as metas a serem alcançadas, escolheu-se a via

coercitiva para a implementação do plano de Governo, abstraindo-se do processo de

democratização em curso, das consequências sociais, dos aspectos éticos,

preceitos constitucionais em vigor, etc. Era a despolitização da política e a aversão à

negociação, que se verificou em diversos processos tocados durante o seu governo

– como o caso das privatizações. Assim, o Plano Collor teria sido “um experimento

paradigmático de ‘reforma pelo alto’, norteado para o combate à inflação e para a

destruição dos pilares do modelo estatista de desenvolvimento” (DINIZ, 1996. p. 19),

privilegiando a mudança pela via administrativa em detrimento da via política –

entendida como portadora de vícios e perversões que tirariam a eficácia do enfoque

técnico.

Seja como for, a pretensa neutralidade e eficiência da técnica não ajudaram

os resultados econômicos da era Collor a serem muito exitosos. Se, por um lado,

alcançou-se um superávit operacional e comercial (US$ 10 bilhões entre 1990 e

1991 e US$ 15 bilhões em 1992) e certa estabilização da inflação a taxas de cerca

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de 22% entre setembro de 1991 a setembro de 1992 (chegando a 28% em

dezembro de 1992), por outro lado, o PIB apresentou sucessivas quedas (4% em

1990, 0,8% em 1991 e 1,5% em 1992); a dívida mobiliária expandiu-se a uma taxa

de juros de 405% nominais; os salários sofreram perda média de 30% a 40%; e o

desemprego aumentou 141% em relação a dezembro de 1990 (TAVARES, 1993

apud COSTA, 2011, p. 43).

Em maio de 1992, Pedro Collor – irmão do presidente Fernando Collor -

concedeu uma entrevista à revista Veja, na qual acusou Paulo César Farias,

tesoureiro de campanha de Collor, de tráfico de influência e corrupção. Isso levou à

criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e à abertura de um

processo de impeachment. Diante das pressões políticas, popular e midiática, o

presidente optou por a renunciar no final de 1992, antes da conclusão do processo.

Além disso, na avaliação de Rodrigues (2001), o governo Collor foi

justamente na contramão das demandas dos movimentos e mobilizações políticas

por democratização que vinham acontecendo desde a década de 1980.

Situações de mobilização – de 1989 e 1992 – e as de desmobilização – planos Collor, de 1991, e Real/eleições de 1994 –, eventos-chave da conjuntura pós-Constituição de 1988, prendem-se ainda ao problema da democratização tal como colocado pela mobilização das “Diretas Já”. As respostas institucionais dadas na Nova República e no governo Collor deixaram o ciclo em aberto. Dito de outro modo: nos anos 90, tanto as mobilizações, cujo sentido advogo, foi o de pressionar o sistema político em direção à institucionalização do universalismo de procedimentos e de mecanismos participativos; quanto as respostas às mobilizações engendradas pelos atores alocados no Estado, cujo sentido defendo, foi o de reafirmar, conforme a conveniência, as lógicas do clientelismo ou do insulamento burocrático (cf. NUNES, 1997), inscrevem-se num quadro conflitivo cujo cerne é a disputa pelo tipo de instituições e práticas políticas que devem ser aceitas como reguladoras da competição democrática, e não a disputa “rotinizada”, regrada por instituições de perfil poliárquico consensualmente aceitas, que supostamente canalizariam as pressões “de baixo” para dutos “adequados” (RODRIGUES, 2001, p. 39- grifo nosso).

No âmbito das conjecturas político-partidárias, Marcos Nobre (2013)

argumenta que depois da “aventura de Fernando Collor”, a lógica peemedebista já

não pertencia somente ao PMDB, pois quase todos os partidos brasileiros tinham

adotado tal modelo de organização e ação. O peemedebismo cristalizou-se, no seu

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entendimento, como peça fundamental do lamentável bordão da governabilidade

que perpassa todos os governos desde então. Quase todo partido brasileiro

pretende, no fundo, ser — grande ou pequeno — um PMDB. A exceção da história

naquele momento foi, uma vez mais, o PT que, entre outras coisas, se recusou a

participar do governo de união nacional proposto por Itamar Franco100, vice

presidente que completou o mandato de Collor após o impeachment (NOBRE, 2013,

p. 59).

Após a saída de Collor, Itamar Franco esteve à frente da presidência do Brasil

entre 29 de dezembro de 1992 e 1 de janeiro de 1995. No ano de 1993 houve o

processo de revisão constitucional, o plebiscito sobre a forma e o sistema de

governo, além de ter sido o ano em que o Plano Real começou a ser gestado.

Apesar de Itamar não compartilhar do radicalismo liberal do ex-presidente (o que

não significava que ele tinha um outro projeto idealizado) e de ter modificado

amplamente a equipe ministerial101, a saída de Collor não pôs em cheque a agenda

liberal, uma vez que já havia sido implementada a abertura comercial e as

privatizações estavam sob a guarda do BNDES. Ainda, segundo Velasco Jr (1997),

o modelo de privatização adotado durante o governo Collor – que não estabelecia

metas de estrutura de propriedade, não trazendo para si qualquer responsabilidade

na fixação de diretrizes de política industrial - foi o mesmo adotado durante o

governo Itamar.

Do ponto-de-vista do aparato institucional, diversas arenas institucionais de

articulação entre os interesses das agências públicas e do setor privado vinham

sendo criadas desde o governo Collor. Em termos de negociações estruturais,

existiam duas arenas de articulação governo/sociedade, quais sejam: i) a Comissão

Empresarial de Competitividade (CEC) – instituída em fevereiro de 1991 e composta

por representantes do governo e por 211 empresários do setor financeiro e da

100

Durante o governo de Itamar, o PMDB participou “na qualidade de sócio menor”, visto seus dissensos internos e falta de unidade, percebidos sobretudo no processo de revisão constitucional e no plebiscito sobre a forma e o sistema de governo. A morte de Ulisses Guimarães, em 1992, em um acidente de helicóptero, também teve um grande peso sobre o partido. Tais circunstâncias, somadas à relativamente recente cisão que deu origem ao PSDB, não deram condições para que o partido se somasse à construção da aliança que levou futuramente ao Plano Real (NOBRE, 2013).

101 O governo Itamar Franco, realizou uma "reforma administrativa", restabelecendo uma estrutura similar àquela existente no governo Sarney, além de ter formalizado um órgão colegiado para promover a compatibilização entre agências públicas e representantes do setor privado. Contudo, “a aparente fragmentação que resultaria da nova estrutura burocrática jamais se concretizou, posto que, no ano seguinte, o Plano Real viria a concentrar as atribuições políticas fundamentais no núcleo burocrático constituído pelo Ministério da Fazenda e o Banco Central” (PIO, 1997, p. 17).

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indústria, que discutiam temas como tributos, infraestrutura e comércio exterior, e de

áreas como agricultura e energia e; (ii) o Grupo de Investidores Estrangeiros-GIE,

criado no início de 1990, que era um fórum de Câmaras de Comércio bilaterais e de

empresas multinacionais vinculadas a doze países com os maiores estoques de

investimentos diretos no Brasil. Era composto por 20 banqueiros e empresários que

debatiam maneiras de aumentar os investimentos estrangeiros no país.

Pio (1997) destaca que ambas as arenas desprezavam a representação dos

trabalhadores, o que fez com que o governo Itamar Franco criasse, em outubro de

1993, a Comissão dos Trabalhadores para a Competitividade (CTCOM)102. Também

foram restabelecidas as Câmaras Setoriais103, que funcionavam como arenas de

negociação de acordos entre governo, empresários e trabalhadores, além de serem

discutidas questões como as relações capital/trabalho, as políticas de incentivo ao

investimento privado, o aumento da competitividade setorial, a carga tributária e o

comércio exterior. Em 1991, havia sido criado também o Comitê Nacional do

Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP), que inicialmente contava

com representação de empresários e governo, sendo que, posteriormente, quatro

centrais sindicais e o DIEESE passaram a participar. O PBQP visava promover o

aumento da competitividade das indústrias nacionais, por meio da incorporação de

técnicas gerenciais. A criação destas arenas faziam parte da estratégia de promover

a adesão do setor produtivo às metas macroeconômicas do governo (PIO, 1997).

Depois de substituir por três vezes o ministro da Fazenda104, Itamar Franco

designou Fernando Henrique Cardoso (FHC) para o cargo. Antes disso, Cardoso

fora Ministro das Relações Exteriores, entre outubro de 1992 e maio de 1993. Ao

assumir a Fazenda, Cardoso exigiu carta branca para montar a equipe econômica e

conduzir a estabilização da economia, que deveria ser o principal projeto político do

governo. Pio (1997) argumenta que tal cenário lembrava um retorno ao início do

102

Ver o decreto de criação em: https://goo.gl/c83aiD. 103

Apesar de terem sido restabelecidas, as Câmaras Setoriais sofreram diversos golpes durante o governo Itamar – entre os quais a política para o carro popular, negociada diretamente com as montadoras - , a diminuição do seu papel e das possibilidades de atuação por parte do Ministério da Fazenda (apesar de as Câmaras serem subordinadas ao Ministério da Indústria, Comércio e Turismo), a diminuição e rebaixamento da alíquota de importação, minando os acordos setoriais realizados, etc. (ARBIX, 1996 apud COSTA, 2011).

104Os ministros da Fazenda de Itamar foram, respectivamente: Gustavo Krause, Paulo Haddad, Eliseu Rezende, Fernando Henrique Cardoso, Rubens Ricupero e Ciro Gomes. A indicação de Rezende indicava que Itamar cedeu às pressões por maior ort odoxia. Contudo, denúncias de que o Ministro favorecia a construtora Odebrecht (da qual haviasido conselheiro) tornaram insustentável a permanência de Rezende no cargo (RODRIGUES, 2000 apud COSTA, 2011).

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governo Collor, quando as decisões públicas obedeciam aos imperativos da política

de estabilização econômica, cujo processo de liberalização comercial era pedra

angular, com incentivos à importação e redução dos incentivos às exportações. A

abertura econômica foi basicamente sustentada pelas altas de juros e pelo controle

(e por vezes sobrevalorização) da taxa de câmbio105.

Cardoso e sua equipe exigiram liberdade para tomar decisões e implementá-

las sem veto ou demanda política contrária à lógica básica do programa. Até mesmo

os outros ministérios não foram incluídos no processo decisório e o presidente

Itamar Franco não interferiu nas decisões tomadas pela equipe econômica.

Além das variáveis econômicas, houve a preocupação de controlar o

processo político, e para isso as Medidas Provisórias foram largamente utilizadas.

“As medidas provisórias seriam prorrogadas a cada trinta dias e não havia interesse

do governo em colocá-las em votação. Esse fato, além de evitar a derrota, permitia

ao governo fazer as alterações no plano que julgava necessárias” (NOVELLI, 2007

apud COSTA, 2011, p. 106).

Em 1993, FHC lançou o Fundo Social de Emergência (FSE), que permitiria ao

governo federal a retenção de fundos que seriam aplicados em determinadas

rubricas ou mesmo a estados e municípios – como estava previsto pela constituição.

Nobre (2013) destaca que outro importante mecanismo de financiamento do Plano

Real já havia sido implementado em 1993: o imposto provisório sobre movimentação

financeira (IPMF), correspondente a 0,25% do valor de cada saque bancário106. Tais

movimentos deram condições fiscais essenciais para a implementação do Real,

assim como foram marcos na retomada do monopólio da política econômica pelo

governo central, pois centralizaram instrumentos fundamentais de política

econômica, que em boa medida eram fragmentados na “política dos governadores”.

Não caberia, nesta tese, aprofundar o debate acerca dos mecanismos fiscais-

monetários e dos processos políticos que permitiram ao Plano Real alcançar de

maneira expressiva o objetivo da estabilização monetária. Novelli (2009) argumenta

que a estabilização foi possível graças à desarticulação da coalizão inflacionária107,

105

Para um detalhamento das medidas tomadas, ver texto Liberalização do Comércio: Padrões de Interação entre Elites Burocráticas e Atores Sociais, de Carlos Pio (1997).

106 Entre 1997 e 2007, esse imposto passou a ser chamado de CPMF (“C, de “Contribuição”) e teve a alíquota aumentada para 0,38%.

107 Na avaliação de Novelli (2009), o motivo político do fracasso do de todos os planos anteriores ao Plano Real teria sido a incapacidade de desarticulação da “coalizão inflacionária”.

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somada à conjuntura financeira internacional e às reformas institucionais. Tal

desarticulação da coalizão inflacionária teria operado, em primeiro lugar, do lado do

empresariado, através da liberalização comercial que teria colocado as empresas

nacionais e seus produtos em competição com os importados, impedindo o repasse

e a elevação dos preços; em segundo lugar, do lado dos trabalhadores organizados,

através do aumento do desemprego e a dureza com que a greve dos petroleiros foi

combatida, inclusive com a mobilização do Exército e do aparelho judicial, que impôs

pesadas penalidades ao sindicato, sinalizando um novo padrão de ação

governamental no tratamento das reivindicações trabalhistas (não há negociação

para reposição da inflação, nem indexação salarial) (NOVELLI, 2009, p. 10).

No que diz respeito às políticas industrial e de comércio exterior, ao longo do

Governo Itamar Franco não houve grandes alterações. As medidas mais importantes

aforam a instituição do Programa de Desenvolvimento Tecnológico e Industrial -

PDTI (Lei nº 8.661/93), que definiu incentivos para estimular a capacitação

tecnológica da indústria e da agropecuária - de fato, aliás, restabelecendo incentivos

já previstos na chamada Nova Política Industrial do Governo Sarney, divulgada em

1988”; a Lei em defesa da competição (Lei nº 8.844/1994) e; as “Medidas

Provisórias nº 616 e 655, alterando a legislação antidumping para ajustá-la às novas

orientações da Rodada Uruguai. Em fins de 1995, essas medidas provisórias seriam

É importante não perder de vista que inflação e interesses estão relacionados, ou seja,

há os que ganham e os que perdem com a inflação; há uns poucos que conseguem se antecipar a ela e muitos tentam alcançá-la com êxito relativo. Os bancos são os mais beneficiados, pois ganham tanto pelo spread, que é a diferença entre as taxas de captação e de aplicação, quanto pelo float, que é a utilização dos recursos dos correntistas sem qualquer remuneração; as grandes empresas passaram a ter nos ganhos financeiros parcelas cada vez maiores dos seus lucros, por exemplo, comprando à prazo e vendendo à vista; os oligopólios e os monopólios ganham porque possuem poder para repassar o seus custos na hora de fixar os seus preços; a classe média composta por profissionais liberais acompanha mais de perto a inflação, pois tem uma facilidade maior para indexar o preço do seu serviço aos índices de preço e tem acesso a serviços financeiros e à moeda estrangeira; a classe média assalariada e os trabalhadores organizados conseguem repor as perdas decorrentes da inflação, mas sempre de maneira atrasada, e boa parte tem acesso a serviços financeiros e à moeda estrangeira; os trabalhadores assalariados de categorias desorganizadas – que tinham acesso limitadíssimo aos instrumentos de indexação da moeda e à moeda estrangeira –, conseguiam, ainda que de forma bastante precária e parcial, recompor uma parte de poder de compra; e os trabalhadores autônomos também encontram alguma facilidade para indexar o preço do seu serviço aos índices de preço mas, como a maior parte deles não tem acesso a serviços financeiros, a moeda acaba se desvalorizando nas suas mãos. Não é possível fazer uma generalização para os pequenos e os médios empresários, pois a sua capacidade de enfrentar os efeitos da inflação depende do tipo de negócio que possuem, se as vendas são à vista ou à prazo, o grau de concorrência que enfrentam etc. Nesse sentido, os pequenos e médios empresários poderiam ser incluídos em quaisquer dos tipos acima mencionados à exceção, obviamente, dos bancos, das grandes empresas, dos monopólios e dos oligopólios. (NOVELLI, 2009, p. 5- 6)

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objeto de regulamentação após a aprovação da Lei nº 9.019/95” (BONELLI, VEIGA e

BRITTO, 1997, p. 5).

A política monetária e fiscal e este conjunto de medidas liberalizantes

acabaram resultando numa redução dos estímulos aos investimentos produtivos do

setor privado, num contexto marcado por: i) sobrevalorização do câmbio, acionada

como meio para estabilizar os preços pelo aumento da concorrência no mercado

interno; ii) estímulo à importação de produtos estrangeiros; iii) redução das

proteções aos produtos nacionais; iv) elevação das taxas de juros e; v) limitações da

capacidade de compra dos consumidores em função das decisões concernentes à

oferta de crédito, que afetaram expectativas do setor produtivo.

Apesar dos altos juros, a redução dramática da inflação acabou tendo efeitos

não desprezíveis na elevação da demanda das camadas mais pobres da população,

favorecendo a manutenção da tendência de crescimento que já vinha desde o

começo do governo Itamar Franco. Diante do crescimento das importações e

visando evitar o crescimento dos preços, foram reduzidas as tarifas alfandegárias

com os países do Mercosul. Com isso, houve a reversão dos saldos no comércio

exterior brasileiro, que eram positivos desde 1987: “em novembro de 1994 os déficits

comerciais começaram a aparecer, chegando em dezembro a mais de 1 bilhão de

dólares” (SALLUM JR., 1999, p. 33).

Em suma, no governo de Itamar, não houve a consolidação dos programas de

política industrial definidos no período anterior, tampouco estabeleceu-se um novo

modelo. Nas palavras de Luciano Coutinho,

até o momento, o que se tem é uma política de abertura comercial isolada, sem uma verdadeira política industrial, até porque a violência do processo recessivo e a não-solução da crise econômica brasileira mataram qualquer possibilidade efetiva de formular uma política industrial. Eu estava exatamente colocando a indissolubilidade entre a política industrial e a política macroeconômica. Nós não podemos separar as duas coisas. (....) nós não podemos imaginar uma política macroeconômica que não permita espaço para a retomada do investimento e para a formação de um horizonte de confiança. Essas duas coisas estão profundamente ligadas. Uma política econômica que imagine que primeiro, vai estabilizar e; depois, vai desenvolver, é uma política que, na verdade, estará separando estes dois aspectos, que, no meu entender, são indissociáveis (COUTINHO, 1993 apud COSTA, 2011, p. 109).

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Três dos mentores técnicos do Real (os economistas Persio Arida, André Lara

Resende e Edmar Bacha) ocuparam, em diferentes momentos, a presidência do

BNDES. Com a saída de Eduardo Modiano, Luiz Carlos Delben Leite ficou 5 meses

no cargo (de setembro de 1993 a janeiro de 1995, quando assumiu a presidência do

Banco Central) para dar lugar a Pérsio Arida. Os demais ocuparam a presidência do

banco durante os futuros mandatos de Fernando Henrique Cardoso na Presidência

do Brasil.

Filgueiras (2007)108

avalia que o

Plano Real foi muito mais do que uma estratégia de combate à inflação. Na realidade, ele se constituiu na ponta do iceberg do aprofundamento do modelo liberal periférico, cuja constituição havia sido iniciada no Governo Collor (nesse aspecto fundamental, o Governo Collor foi bem-sucedido em seus objetivos). Combinando a abertura comercial-financeira com a valorização da moeda nacional (o real), o Plano Real conseguiu derrubar, e manter sob controle, a inflação. Ao mesmo tempo, acelerou o processo de privatizações e as reformas neoliberais (da Previdência Social e do Estado) e, por meio de medidas provisórias e legislação ordinária, flexibilizou as relações trabalhistas. Em suma, utilizou elementos conjunturais e estruturais para, ao mesmo tempo, domar

a inflação e aprofundar o novo modelo econômico (FILGUEIRAS, 2007 – grifo nosso).

Nas eleições para a presidência do Brasil, realizadas em 1994, FHC (PSDB)

atingiu 54,28% dos votos, sendo eleito no primeiro turno, graças, em grande medida,

a aparecer como o campeão do combate e da vitória contra a inflação.

Assumindo a presidência, FHC continuou com o discurso de alerta contra as

volatilidades do mercado financeiro global, sobretudo em mercados emergentes.

Diante disso, argumentava a favor de mecanismos internacionais de regulação e da

maior coordenação entre os Bancos Centrais e os mecanismos financeiros

internacionais, em prol de mecanismos que permitiriam a prevenção de tais efeitos

sem prejudicar a fluidez dos movimentos de capitais a nível internacional (NOBRE,

2013).

108

Avaliação externalizada, em entrevista realizada pelo Instituto Humanitas Unisinos, em 2007, intitulada Não há problema previdenciário no Brasil - Entrevista especial com Luiz Filgueiras. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/8038-%60nao-ha-problema-previdenciario-no-brasil%60-entrevista-especial-com-luiz-filgueiras>. Acesso em 08/04/2015.

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201

Em sua equipe, FHC contou com José Serra (seguido por Antonio Kandir e

Paulo de Tarso Almeida Paiva) no Ministério do Planejamento e Orçamento; Luiz

Carlos Bresser Pereira no Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado,

Pedro Malan no Ministério da Fazenda; Winston Fritsch na Secretaria de Política

Econômica e Gustavo Franco no Banco Central. Este grupo conduziu com bastante

firmeza a coordenação da economia nacional em conformidade com a cartilha do

liberalismo econômico.

Pode-se afirmar que os economistas do Departamento de Economia da

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - Pedro Malan, André Lara

Resende, Pérsio Arida, Edmar Bacha, Franco Lopes, entre outros - conferiram

poder de articulação e “consistência ideológica na representação da elite orgânica

responsável pelo Plano Real ao longo do governo FHC” (SILVA, 2003, p.84). Este

grupo era conhecido por sua identidade ideológica e política com a Escola de Pós-

Graduação em Economia e o Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), da Fundação

Getúlio Vargas, herdeiros intelectuais do principal porta-voz do liberalismo na

metade do século XX.

Não se pode desprezar, porém, a relevância intelectual e política das

convicções do próprio presidente, que entendia como virtuosa a ligação do Estado,

capital nacional e do capital estrangeiro, capaz de promover a modernização do

sistema produtivo.

Este conjunto de pensadores teve como objetivos a redução da participação

estatal nas atividades econômicas e o tratamento igualitário de empresas nacionais

e estrangeiras. Para isso, o governo conseguiu incentivar e aprovar medidas como:

a) o fim da discriminação constitucional em relação a empresas de capital estrangeiro; b) a transferência para a União do monopólio da exploração, refino e transporte de petróleo e gás, antes detido pela PETROBRAS, que se tornou concessionária do Estado (com pequenas regalias em relação a outras concessionárias privadas); c) a autorização para o Estado conceder o direito de exploração de todos os serviços de telecomunicações (telefone fixo e móvel, exploração de satélites, etc.) a empresas privadas (antes empresas públicas tinham o monopólio das concessões) [...]aprovar lei complementar regulando as concessões de serviços públicos para a iniciativa privada, já autorizadas pela Constituição (eletricidade, rodovias, ferrovias, etc.), conseguiu a aprovação de uma lei de proteção à propriedade industrial e aos direitos autorais nos moldes recomendados pelo GATT e preservou o programa de abertura comercial que já havia sido implementado. Sustentado pela

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legislação que permitia e regulava a venda de empresas estatais desde o período Collor e pelas reformas constitucionais promovidas desde 1995, executou um enorme programa de privatizações e de venda de concessões tanto no âmbito federal como no estadual (SALLUM JR., 1999, p. 31-32).

Tais iniciativas teriam materializado o código comum do novo bloco

hegemônico, composto por “grande maioria dos parlamentares109, burocratas e

dirigentes do Executivo, empresariado de todos os segmentos, mídia, etc. – com

larga penetração na classe média e em parte do sindicalismo urbano e na massa da

população” (SALLUM JR., 1999, p. 32). Cabe destacar que mesmo diante de um

cenário político favorável, FHC também valeu-se largamente do uso das medidas

provisórias.

O modelo insulado de gestão que caracterizou o governo Collor persistiu na

presidência de Fernando Henrique Cardoso, com destaque para o Ministério da

Fazenda, o Banco Central e o Tesouro Nacional. Estas instituições formaram, ao

lado do BNDES, o núcleo duro da formulação de estratégias da política econômico-

financeira do Estado, controlando as informações mais relevantes – sobretudo as

que circulam nas instâncias internacionais, além de disporem de acesso privilegiado

às decisões externas. Ao mesmo tempo, o recrutamento para os altos cargos deste

círculo de poder teria passado a privilegiar as elites estrategicamente inseridas nas

redes transnacionais de conexões (DINIZ, 2004, p. 20).

Loureiro e Abrucio dão destaque principal ao Ministério da Fazenda:

Ministério da Fazenda tornou-se o principal núcleo de poder do gabinete presidencial brasileiro, especialmente no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso, constituindo-se, a um só tempo, como elemento técnico e político. Seus integrantes, portanto, tornaram-se um dos mais importantes policy-makers do Executivo federal. [...] A

grande estabilidade de Pedro Malan no cargo é a maior prova do caráter estratégico adquirido pelo Ministério da Fazenda. Enquanto, nos outros governos da Nova República, houve trocas constantes de ministro, Malan permaneceu no cargo por todo o primeiro governo Fernando Henrique Cardoso e por lá se manteve no gabinete inicial do segundo mandato (LOUREIRO e ABRUCIO, 1999, p. 71 e 79).

109

Cardoso contou com uma ampla base de sustentação parlamentar. Entre 1995 e 1999, os partidos da base do governo foram o PSDB, o PMDB, o PFL, o PTB e o PPB. “Em determinados momentos, esta coalizão chegou a ter um total de 390 deputados numa representação constituída por 513 deputados” (DINIZ, 2005, p. 12).

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Tais apontamentos casam com a avaliação de Sallum Jr (1999), que

argumenta que, mesmo dentro do bloco hegemônico e das ações do governo, havia

disputas político-ideológicas (de ideário liberal) polarizadas entre: i) a frente liberal-

desenvolvimentista, que não teve grande consistência e que não se materializou

programaticamente e tampouco orientou sistematicamente a ação governamental.

Era composta por Bresser Pereira110, Dorothéa Werneck111, Francisco Dornelles112,

José Roberto Mendonça de Barros113, José Serra114 e Sérgio Motta115 e; ii) uma

frente neoliberal que foi predominante – de viés doutrinário e fundamentalista - e que

orientou o núcleo duro da política econômica governamental – representada por

Gustavo Franco116, Pedro Malan117, Winston Fritsch118 e pelo próprio Fernando

Henrique Cardoso.

Em fevereiro de 1995, foi criada a Câmara de Comércio Exterior (CAMEX),

diretamente vinculada à Casa Civil. A Camex não assumiu atribuições operacionais,

e sim de articulação interministerial, de forma que os Ministérios continuaram suas

110

Economista com pós-graduação na Universidade do Chile e ex-professor de economia da Unicamp (até 1983). Foi Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado.

111 Formada em economia pela UFMG, mestre em economia pela FGV e doutora em economia pelo Boston College, foi Ministra da Indústria, Comércio e Turismo entre 1995 e 1996.

112 Egresso da UFRJ e de Harvard, foi Ministro da Indústria, Comércio e Turismo entre 1996 e 1998. 113 Entre 1995 e 1998, foi Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, e entre abril e

novembro de 1998, foi Secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior da Presidência da República.

114 Ministro do Planejamento entre 1995-1996. Ex-professor de economia da UNICAMP. Frase que mostra o posicionamento de Serra no período: “O erro do Brasil é o curto-prazismo. A tendência é privilegiar os investimentos de curto prazo, capital volátil, em vez de recursos que vêm dos organismos multilaterais” (Declaração de Serra em reportagem publicada em julho de 1995 na revista Rumos do Desenvolvimento, citada em COSTA, 2011, p. 149).

115 Egresso da PUC-SP, foi Ministro das Comunicações do Brasil entre 1995 e 1998.

116 Egresso da economia da PUC-Rio, Secretário de política econômica adjunto do Ministério da Fazenda entre 1993 e 1999. Franco apostava na poupança externa para financiar a estabilização: “As reservas vêm crescendo e as captações também. O Brasil fez dois grandes lançamentos de bônus da República e as empresas brasileiras não têm encontrado dificuldade em financiar o comércio. O grau de volatilidade depende da confiança na economia de um país (Declaração de Franco em reportagem publicada em julho de 1995 na revista “Rumos do Desenvolvimento”, mencionada por COSTA, 2011, p. 149).

117 Formou-se engenheiro pela PUC-Rio, e doutor em economia pela Universidade de Berkeley; foi Ministro da Fazenda entre 1995 e 2003. Considerava o “Custo Brasil” o problema fundamental e afirmava que a agenda do segundo e do terceiro ano de governo seria “redução dos custos do capital, trabalho, portos, infraestrutura, desburocratização, desregulamentação” (COSTA, 2011, p. 148).

118

Graduado e mestre em Engenharia pela UFRJ, obteve seu doutorado em economia pela Universidade de Cambridge. Costa (2011) chama atenção para o fato de Fritsch ter sido um dos elaboradores da política industrial do governo Collor. Naquele momento ele adotava uma perspectiva que contemplava a liberalização, além de ações estratégicas do Estado para incentivar a competitividade. Assim, à época, ele não poderia ser classificado como neoliberal. Na equipe de FHC para elaboração do Plano Real ele ocupou o cargo de secretário especial de Política Econômica, e no governo de FHC ocupou o cargo de Secretário de Política Econômica.

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atribuições, sem que estes tivessem que repartir suas competências (o que

enfrentaria grande resistência da Fazenda e das Relações Exteriores). A atuação da

Camex foi tímida durante o primeiro governo de FHC, até mesmo porque a política

comercial não estava entre as suas prioridades. Para o Secretário executivo da

Camex (1995 – 1998), José Alvarez, a Camex teria natureza formuladora, e não de

execução. A execução seria de competência dos demais órgãos do governo

(FERNANDES, 2010).

Com a abertura comercial iniciada em 1991, teve início também uma nova

dinâmica de conglomeração, mais restrita em termos de números de participantes e

de setores. Já as privatizações possibilitaram novas áreas de negócios, retornos

financeiros imediatos ou potenciais e valorização patrimonial aos grupos privados.

Outra importante mudança deste novo período de reestruturação patrimonial do

Brasil diz respeito à diversificação produtiva dos grupos industriais em direção às

commodities, tendo havido concentração do capital industrial em setores de menor

valor agregado. Além disso, na produção de algumas commodities agrícolas

tradicionais do Brasil houve o aumento da participação de grandes grupos

multinacionais, como a Cargill, Louis Dreufus, Bung Born, entre outros.

Multinacionais do ramo de bens de consumo duráveis e não-duráveis também

compraram empresas brasileiras destes setores (TAVARES e MIRANDA, 1999) -

tabela 12.

Tabela 12 - Aquisição de empresas nacionais por empresas estrangeiras entre 1991 e 1997

Setor Quantidade de empresas nacionais adquiridas

Porcentagem de empresas nacionais adquiridas

Alimentação e bebidas 49 82% (só de alimentos)

Comércio atacadista e varejista

24 -

Material eletrônico 15 96%

Autopeças 17 74%

Produtos farmacêuticos e de higiene

16 -

Fonte: Adaptado de Tavares e Miranda (1999).

No governo de FHC, a abrangência do programa de privatizações aumentou,

não ficando mais restrito aos setores siderúrgico, petroquímico e de fertilizantes,

mas incluindo o setor de infraestrutura e os programas estaduais, fazendo parte dos

objetivos macroeconômicos, uma vez que argumentava-se pela redução da dívida

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205

pública, pela atração de investimento direto estrangeiro e diminuição dos déficits

fiscal e em conta corrente. A despeito das resistências às privatizações para o setor

de infraestrutura, o governo lançou mão de emendas constitucionais para

concretização da venda das estatais, além das Leis 8.987/95 e Lei 9.074/95, que

determinaram diretrizes para a concessão dos serviços públicos e definiram o novo

regime de concessões de serviços públicos.

Também em 1995 houve a substituição da Comissão de Privatização pelo

Conselho Nacional de Desestatização que, sob a presidência do Ministro Chefe da

Casa Civil, passa a contemplar a participação dos ministros do Planejamento,

Fazenda, Administração Federal e Reforma do Estado. Também tinha direito a voto

em reuniões nas quais se discutia e deliberava a privatização de uma empresa

estatal o titular do Ministério ao qual a empresa a ser privatizada estava vinculada.

O BNDES tinha um representante no Conselho, o que expressava redução de seu

papel e peso políticos, já que durante o governo Collor a Comissão era presidida

pelo presidente do Banco.

No governo FHC, as privatizações de serviços públicos estaduais e federais

retornaram ao modelo de venda em bloco único. Do ponto de vista da

implementação, essa alteração teria sido possível, no entendimento de Velasco Jr.

(1997), porque

a privatização já não mais carregava o estigma da mudança do conceito de Estado como motor principal de desenvolvimento, a que a sociedade estava habituada, mas também porque os governos federal e estaduais passaram a ter essa sociedade, genericamente falando, como aliada na nova empreitada, por conta da deterioração da prestação dos serviços públicos. Ou seja, o apoio do mundo de negócios, verificado nos governos Collor e Itamar, pôde ser substituído por novo leque de apoio, muito mais amplo. Permanecia, entretanto, o conceito de busca de maximização do valor de venda, com a utilização do mecanismo de leilão, quer pelo sistema de viva voz, quer por meio de envelopes fechados” (p. 202 – grifo nosso).

Segundo Castellar (apud COSTA, 2011), no período de 1995 a 1998,

ocorreram oitenta privatizações119, somando US$60,1 bilhões em receitas e a

119

Em 1995, foram transferidas para o setor privado a Escelsa, as participações acionárias da Petroquisa na Petroquímica do Nordeste S.A. (Copene), Salgema Indústrias Química S.A., Companhia Petroquímica de Camaçari (CPC), Companhia Química do Recôncavo (CQR), Pronor Petroquímica S.A., Nitrocarbono S.A. e Companhia Brasileira de Poliuretano (CBP). No ano seguinte, foram desestatizadas a Light, cinco participações minoritárias da Petroquisa (Koppol, Proliproleno, EDN, Polibrasil e Deten) e cinco malhas da Rede Federal Ferroviária Sociedade

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transferência de US$13,3 bilhões em dívidas. A fim de viabilizar um montante maior

em moeda corrente na venda das empresas, o governo permitiu que os

compradores recorressem a empréstimos no BNDES (limitados a 50% do preço

mínimo de venda e oferecidos em condições que variavam de acordo com a

classificação de risco do tomador). Também havia outra linha de crédito na forma de

debêntures emitidas por empresas dos grupos controladores e subscritas pela

BNDESPAR (COSTA, 2011).

Resultado do movimento de privatização das empresas públicas, as agências

reguladoras120 emergiram como resultado da passagem do Estado “provedor” de

serviços públicos para um Estado pautado pelo modelo regulador dos “agentes

econômicos”. Como aponta Rosa (2008), as agências reguladoras tinham entre suas

funções a normatização e a fiscalização dos serviços públicos concessionados ou

privatizados. Criadas no contexto das reformas políticas e econômicas

implementadas ao longo dos governos de FHC, as agências reguladoras estão

integradas ao Poder Executivo como entes descentralizados. Elas possuem

personalidade jurídica própria, autonomia da gestão administrativa e financeira e

executam atividades típicas da Administração Pública, orientadas por princípios

gerenciais. A administração gerencial tem como preceito a autonomia administrativa,

e era o modelo da “Nova Administração Pública” - que foi implementada pela equipe

de FHC e consolidada pelo Plano Diretor da Reforma do Estado - coordenado por

Bresser Pereira. Neste novo modelo, o cidadão é reconhecido somente na condição

de cliente e consumidor.

Anônima (RFFSA), transferidas por concessão à iniciativa privada (Oeste, Centro-Leste, Sudeste, Tereza Cristina e Sul). Em 1997, a Companhia Vale do Rio Doce foi privatizada e finalizou-se a desestatização da RFFSA. Foram realizados três leilões de participações societárias minoritárias de que são titulares as fundações, autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e de entidades controladas, direta ou indiretamente, pela União (Decreto 1.068/94) e as sobras das ações ordinárias da Escelsa. Realizou-se o arrendamento do terminal de contêineres-1 do ponto de Santos. Foi privatizado o Banco Meridional do Brasil. No ano de 1998, o governo vendeu as doze holdings criadas a partir da cisão do Sistema Telebrás (telefonias fixa e de longa distância, e a telefonia celular da Banda A) e as Centrais Elétricas Geradoras do Sul S.A. (Gerasul). Privatizou também a exploração do terminal de contêineres do Porto de Sepetiba, pertencente à Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ), do Cais de Paulo e do Cais de Capuaba (Companhia Docas do Espírito Santo – Codesa), o terminal roll-on roll-off e o porto de Angra dos Reis, ambos do CDRJ (COSTA, 2011, p. 157).

120 Exemplos de agências reguladoras: Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Agência Nacional de Águas (ANA), Agência Nacional do Petróleo (ANP), Agência Nacional de Cinema (ANCINE) e Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

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207

A administração pública gerencial vê o cidadão como contribuinte de impostos e como cliente dos seus serviços. Os resultados da ação do Estado são considerados bons não porque os processos administrativos estão sob controle e são seguros, como quer a administração pública burocrática, mas porque as necessidades do cidadão-cliente estão sendo atendidas (BRASIL, 1995 apud ROSA, 2008, p. 14)121

No que diz respeito às concessões envolvendo infraestrutura, Vainer (2007)

aponta que, a despeito da retórica daqueles que defenderam que as privatizações

no setor elétrico permitiriam aumentar a eficiência alocativa em razão do livre jogo

das leis do mercado, na prática, os riscos e responsabilidades alocados ao setor

privado não ficaram claros, sendo em alguns casos inclusive repassados ao Estado.

O autor cita documentos oficiais que preveem que os ônus dos possíveis riscos de

alguns projetos poderiam ser assumidos pelo Estado, além de indicar que o

licenciamento ambiental também poderia ser ajustado para atender às necessidades

do setor privado.

Além disso, a legislação sobre as concessões foi omissa quanto ao

tratamento que deveria ser dado às questões sociais e ambientais, além de

conceder poderes às empresas concessionárias para que elas pudessem promover

as desapropriações julgadas pela empresa como necessárias aos projetos. As

menções ao meio ambiente, quando ocorrem, se dão de forma genérica – como é o

caso da Lei nº 8.987, na qual a única menção ao meio ambiente aparece no artigo

29, estabelecendo que está entre as incumbências do poder concedente “estimular o

aumento da qualidade, produtividade, preservação do meio ambiente e

conservação” (BRASIL, 1995 apud VAINER, 2007, p. 123).

Tais apontamentos corroboram com o entendimento das privatizações

enquanto repasse de ativos públicos (incluindo a natureza, passada à condição de

recurso a ser explorado) para o capital privado - como formas de acumulação por

espoliação, nos termos de Harvey (2004).

121 Ou seja: agora estava institucionalizado que ser cidadão perpassaria pela relação de clientela. As

agências reguladoras seriam as apaziguadoras da relação entre mercado e consumidores (ROSA, 2008).

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208

Mesmo com todos estes privilégios, no setor elétrico o capital privado não

promoveu a tão esperada modernização e ampliação dos serviços, o que culminou

com a crise de fornecimento de 2001, o apagão.

Diante da valorização cambial, da dificuldade para as empresas nacionais em

competir com produtos importados e das vantagens para as multinacionais que

atuavam em alguns setores (como o setor automotivo) em importar produtos ao

invés de produzi-los internamente, apontou-se para a possibilidade de

desindustrialização parcial do Brasil. Frente a essas consequências do

fundamentalismo liberal, entre março de 1995 e o final de 1998, foram adotadas

algumas medidas compensatórias, como: a criação do sistema de bandas cambiais

móveis, a desvalorização nominal e depois real (mesmo que sutil) do câmbio, o

aumento das tarifas alfandegárias para alguns produtos industriais, a política

industrial para o setor automotivo, a ampliação do volume de empréstimos pelo

sistema BNDES com taxas especiais de juros (taxas de longo prazo), o Programa

Brasil em Ação (a programação de investimentos junto com a iniciativa privada para

a recuperação da infraestrutura econômica do país, alguns programas de estímulo à

exportação (pela isenção de impostos, financiamento a juros subsidiados e

renegociação das dívidas do setor agrícola, por programas de financiamento para

alguns setores industriais, para pequenas e médias empresas, etc). Ou seja, a

maioria dessas medidas teve como fonte de inspiração aquilo que Sallum Jr. (1999)

chama de liberal-desenvolvimentismo (SALLUM JR., 1999).

Filgueiras (2012) argumenta que as mudanças apontadas acima levaram à

transição de uma situação de total hegemonia do capital financeiro nacional e

internacional no interior do bloco no poder, que se verificava desde a implementação

do Plano Real, para uma presença importante de segmentos da burguesia interna,

com destaque para o agronegócio e o grande capital nacional produtor/exportador

de commodities em geral (agrícolas e industriais). Essa nova situação teria sido “a

condição para atender aos interesses de todas essas frações do capital, com uma

menor vulnerabilidade externa conjuntural e, portanto, com uma menor instabilidade

macroeconômica” (FILGUEIRAS, 2012, p. 30).

O saldo negativo do conjunto de políticas cambial, monetária e fiscal do

primeiro mandato de FHC foi a piora dos índices de desemprego (entre 1995 e 1998,

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209

a taxa de desemprego evoluiu de 6,7 para 9,5122), das contas externas, da balança

comercial e das contas públicas.

Mesmo autores identificados com o receituário neoliberal reconhecem que

alguns indicadores macroeconômicos tradicionais deste período não podem ser

comemorados, tais como o pífio crescimento econômico, que foi apenas moderado e

declinante; a alta do desemprego; o alto déficit público; o grande e rápido

endividamento público; o baixo crescimento das exportações e os elevados déficits

em conta corrente do setor externo. Por outro lado, os autores exaltam a

estabilização, a redução da inflação, se comparada com os altíssimos patamares

anteriores; e o aumento da taxa de investimento (que passou de 14% do PIB, em

1992, para 17,5%, em 1997-1998) (PINHEIRO, GIAMBIAGI e GOSTKORZEWICZ,

1999).

Cabe destacar também o aumento dos pedidos de falência no período, que

passaram da média de 14.452/ano entre, 1991 e 1994, para 36.223/ano, entre 1995

e 1998.

Miranda e Tavares (1999) apontam que houve um ajuste patrimonial de

natureza financeira, que elevou o peso das dívidas financeiras em relação ao

conjunto do passivo e aumentou a participação das dívidas denominadas em dólar

no total das dívidas financeiras. A participação da dívida externa referente às dívidas

financeiras do setor industrial privado cresceu de 5,6% em 1991 para 22,6% em

1996. Houve também a financeirização dos passivos industriais. Ainda, para os

autores, o setor financeiro foi o que teria passado pelas maiores transformações,

com a possibilidade de concentração da propriedade de diversos tipos de

instituições financeiras em um único conglomerado. Os processos de aquisições e

incorporações não ficaram restritos aos bancos comerciais privados. Elas

abrangeram também os bancos de investimento, as financeiras, as seguradoras e,

através das privatizações, os bancos públicos estaduais.

Entre 1991 e 1997 foram vendidas 59 instituições financeiras privadas brasileiras, 4 bancos estaduais e 14 filiais de instituições financeiras no Brasil. Deste total, 39% do valor das aquisições foi de responsabilidade de instituições financeiras brasileiras, 21% de espanholas, 20% de inglesas, e 16% de americanas (MIRANDA e TAVARES, 1999, p. 346).

122

Fonte: PNAD/IBGE.

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210

As privatizações teriam representado, segundo os autores, uma tentativa de

formar grandes conglomerados por meio da associação de grupos. Entre 1989 e

1995, o antigo tripé nos setores de siderurgia e petroquímica foi rearranjado, pois a

participação estatal foi adquirida majoritariamente pelo capital privado nacional.

Numa segunda fase, o Estado comportou-se como um “financista” que operou,

através do BNDESPAR, a centralização e a associação de capitais. Esta agência

opera no mercado de capitais interno por meio de sua carteira própria de ações,

“colaterizando o levantamento de empréstimos externos pelas empresas nacionais e

buscando bancos e empresas estrangeiras interessados nas operações” (MIRANDA

e TAVARES, 1999, p. 348-349). Assim, pela primeira vez, o Estado operou

internamente à formulação e regulação das relações entre grupos nacionais e

estrangeiros visando, promover um upgrading dos conglomerados de capital

financeiro no país.

Sergio Lazzarini (2011) mostra a evolução nas privatizações entre 1991 e

2002, apontando também para a participação das financeiras no processo (gráfico

2).

Gráfico 2– Número de empresas privatizadas no Brasil entre 1991 e 2002

Fonte: LAZZARINI (2011).

Segundo o autor, entre 1995 e 2002, mais da metade das receitas das vendas

de estatais veio de empresas estrangeiras (gráfico 3).

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211

Gráfico 3– Receita com privatizações no Brasil (em milhões de dólares) de acordo com a origem do capital em dois períodos distintos (1990 – 1994 e 1995 – 2002)

Fonte: LAZZARINI (2011).

Na avaliação de Eli Diniz (2005), em seu primeiro governo, Fernando

Henrique Cardoso pôs em prática um conjunto de políticas voltadas para o desmonte

da Era Vargas, desestruturando o modelo do tripé que se baseava num relativo

equilíbrio entre empresas estatais, nacionais e estrangeiras. Aprofundou-se também

a erosão do pacto corporativo entre o Estado e a burguesia nacional, que deu

suporte nas décadas anteriores à industrialização por substituição de importações.

Por meio de suas principais entidades, os industriais mantiveram a postura de

adesão à agenda neoliberal.

Em maio de 1996, uma caravana de cerca de três mil empresários, comandada pelas principais entidades empresariais, como a FIESP, dirigida por Moreira Ferreira, e a CNI, sob a direção de Fernando Bezerra, deslocou-se a Brasília, para apoiar o governo em seus esforços junto ao Congresso pela aprovação das reformas constitucionais [...] a classe apoiou maciçamente a reeleição do presidente Fernando Henrique. Um mês antes das eleições, veio a público um documento do movimento Ação Empresarial, reunindo cerca de 40 empresários de peso, entre os quais Emílio Odebrecht e Edson Vaz Musa, ressaltando a concordância da classe com respeito à política do governo [...]Apesar do êxito da mobilização verificada em 1996, o poder de influência da classe empresarial, no período considerado, foi limitado, dado o esvaziamento político de muitas de suas entidades de representação e mesmo a já aludida omissão de

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212

suas principais organizações (como a FIESP e a CNI) em face dos efeitos adversos da política econômica para a sobrevivência de uma série de empresas industriais, sobretudo nos setores anteriormente assinalados (DINIZ, 2005, p. 17).

No que diz respeito às eleições, na avaliação de Nobre (2013), a reforma

constitucional mais significativa teria ocorrido em 1997, e possibilitado – apesar das

denúncias de compra de votos para a aprovação - a reeleição para cargos

executivos em todos os níveis de governo. Na eleição presidencial de 1998, FHC

venceu mais uma vez em primeiro turno.

Em 1998 também houve o escândalo dos grampos ilegais que gravavam as

conversas da cúpula do BNDES às vésperas da privatização das empresas do

Sistema Telebrás - ocorrida em 29 de julho de 1998. O conteúdo das gravações só

veio a público em 8 de novembro daquele ano, portanto, após as eleições de

outubro. Os arquivos evidenciavam que FHC, o Ministro das Comunicações (Luiz

Carlos Mendonça de Barros123), o Presidente do BNDES (André Lara Resende124) e

o Diretor do Banco do Brasil (Ricardo Sérgio de Oliveira), teriam favorecido a

aquisição da Tele Norte Leste pelo consórcio da Brasil Telecom, organizado pelo

Banco Opportunity125.

No cenário e nas relações internacionais, neste mesmo ano, eclodiu a crise

Russa126, e o governo brasileiro fez um acordo com o FMI para o empréstimo de

US$ 41 bilhões de dólares condicionado a mudanças nas políticas monetária, fiscal

e cambial.

123

Barros fundou o banco Matrix juntamente com André Lara Resende em 1993. Em novembro de 1995, assumiu a presidência do BNDES e tornou-se Ministro das Comunicações após a morte se Sergio Motta.

124 Em 1993, fundou o Banco Matrix com Barros, mesmo ano em que assumiu o cargo de negociador da dívida externa - sendo um dos pais do Real. Em 1995, voltou ao Matrix e, em 1997, tornou-se assessor especial de Fernando Henrique Cardoso. Após a saída de Barros do BNDES, Resende assume seu lugar na presidência do Banco.

125 Um banco privado fundado em 1994. A instituição estocou títulos públicos antes do lançamento do Plano Real e cresceu 144% desde sua criação, beneficiando-se da política de juros altos tocada pela equipe econômica no primeiro mandato de FHC. Também participou de leilões de privatização. O Opportunity é controlado pelo banqueiro Daniel Dantas (egresso da PUC –Rio) e, à época do escândalo, tinha como sócio-diretor Pérsio Arida - economista que em 93 atuou na presidência do BNDES, em janeiro de 1995 tornou-se presidente do Banco Central, até que em março de 1996 foi para o Opportunity.

126 Após o fim da antiga URSS, a Federação Russa realizou uma série de medidas para enquadrar-se ao modelo capitalista ocidental, que assentava-se basicamente sobre o neoliberalismo. Em 1998, houve uma intensa fuga de capitais que haviam sido investidos no país, desencadeando uma desvalorização da moeda, a impossibilidade de pagamento da dívida interna e externa, a quebra de bancos, entre outros efeitos devastadores à economia e à sociedade Russa.

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213

Ao final do primeiro Governo FHC, o déficit da balança comercial acumulado

entre 1994 e 1998 chegou aos US$ 23,7 bilhões e o déficit em transações correntes

atingiu US$ 110 bilhões. Considerando somente o ano de 1998, este último déficit foi

de U$ 33,6 bilhões e correspondia a 4,5% do PIB nacional, ao passo que em 1994 o

mesmo déficit era de apenas US$ 1,8 bilhão. Essa situação desembocou na

desvalorização do câmbio de 1999 (FILGUEIRAS, 2006, p. 192).

Na avaliação de Marcos Nobre (2013), ao longo de seu primeiro mandato

FHC teria sido antiliberal no que diz respeito à dívida pública – mesmo que tenha

feito coincidir, quando necessário, a agenda de reorganização do sistema político

com a agenda neoliberal dos anos 1990. A irresponsabilidade fiscal do primeiro

mandato teria cobrado a conta no segundo.

A magnitude da crise de 1999 fez com que o governo, agora sim, ficasse refém da cartilha neoliberal, tendo pouca ou nenhuma margem de manobra em relação a suas imposições. Fosse por pressão direta do FMI (do qual o país emprestou 40 bilhões de dólares à época), fosse por pressão indireta dos chamados mercados (já que o Brasil tinha se colocado em uma posição de alta vulnerabilidade externa em todo o período), o sistema de metas de inflação foi implantado em uma versão em que a taxa de juros tinha destaque incontestável, tendo chegado a impensáveis 45% ao ano em 1999 (NOBRE, 2013, p. 94).

O autor aponta que tais circunstâncias teriam acirrado as disputas internas ao

núcleo do governo, entre os que eram contra a sobrevalorização do real e os

defensores do sistema de metas de inflação (monetaristas, liberais ou ortodoxos).

Diniz (2005) mostra que tais embates ocorriam também fora do Governo e

aponta que, no final da década de 1990, surgiram os primeiros indícios de ruptura do

consenso em torno da prioridade absoluta da meta da estabilização econômica, que

sustentou FHC em seu primeiro mandato. Na Federação da Indústria do Estado do

Rio de Janeiro (FIRJAN), presidida por Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira (do Grupo

Ipiranga), houve um maior alinhamento com o governo federal e com a matriz

neoliberal. Já a federação paulista (FIESP) – que representava 42% do PIB industrial

do Brasil - sob presidência de Horácio Lafer Piva (do grupo Klabin - da área de papel

e celulose), reclamava que “a classe tomava conhecimento das políticas

governamentais pelos jornais, não sendo ouvida, nem consultada pelas autoridades

públicas, que revelariam sistemático descaso em relação às entidades empresariais”

(DINIZ, 2005, p. 20). Assim, Piva passou a postular que, com o alijamento da classe

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214

empresarial do processo decisório, a Fiesp deveria assumir uma postura mais

apropriada de grupo de pressão. O secretário-geral da FIESP, Roberto Nicolau Jeha,

teria dito a uma plateia de empresários em agosto de 1998: “Estamos de joelhos.

Nós somos uma raça em extinção. O industrial brasileiro está acabando e não temos

mais dignidade. Estamos sendo conduzidos ao matadouro e cantando vivas à

modernidade” (DINIZ, 2005, p. 23).

Também demonstrando insatisfação, o Instituto de Estudos para o

Desenvolvimento Industrial (IEDI) reclamava que, diferente dos países

desenvolvidos (que possuem uma forte política industrial), o governo brasileiro

insistia na defesa do neoliberalismo e omitia-se quanto ao parque industrial local. A

indústria nacional vinha sendo debilitada frente a sua exposição descontrolada à

concorrência externa, sem o respaldo de um projeto maior de desenvolvimento

nacional. Além disso, a entidade também criticava a falta de diálogo da burocracia

estatal com o empresariado nacional.

Ademais, em novembro de 1998 foi lançado o Movimento Compete Brasil –

que contava com 8 organizações empresariais, além de lideranças ligadas a

diferentes entidades industriais, como o vice-presidente da FIRJAN e o presidente

da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB). O

Movimento visava que as compras de equipamentos, partes, peças e serviços, nas

áreas de petróleo, gás natural e petroquímica fossem realizadas no Brasil. Buscando

soluções para suas inquietações, Diniz aponta que o empresariado mobilizou-se

para as eleições de outubro de 1998, não só apoiando candidatos considerados

afinados com as demandas do setor, como também investindo em candidatos

próprios.

Apurados os resultados, segundo dados da imprensa, os industriais teriam conseguido eleger 38 deputados federais, vários dos quais ligados a federações e associações empresariais, como Carlos Eduardo Moreira Ferreira (PFL-SP), ex-presidente da FIESP e Emerson Kapaz (PSDB-SP), ex-presidente do PNBE, além de Armando Monteiro Neto (PMDB-PE) e Francisco Garcia (PFL-AM), presidentes das federações industriais dos estados de Pernambuco e Amazonas respectivamente (DINIZ, 2005, p. 23).

Assim, o segundo mandato de FHC apresentou algumas dissidências quanto

a política econômica focada quase que exclusivamente na estabilização. Entre os

nomes influentes no governo alinhados contra o consenso neoliberal estavam o ex-

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215

Ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros; o Ministro das

Comunicações, Pimenta da Veiga, e o então Ministro de Ciência e Tecnologia, Luiz

Carlos Bresser Pereira. Este último argumentava que o consenso neoliberal teria se

esgotado nos países desenvolvidos em fins dos anos 80 e que a ideologia da

globalização favorecia os países ricos. Na sua avaliação, a retomada do

crescimento, e não o endividamento por meio dos empréstimos externos, seria a

melhor maneira de o país defender-se da volatilidade dos capitais.

Em dezembro de 1998, FHC criou o Ministério do Desenvolvimento, Indústria

e Comércio Exterior, que inicialmente ficou sob a influência dos liberais-

desenvolvimentistas. Este ministério englobaria o Ministério da Indústria, Comércio e

Turismo (MICT), o BNDES, a Suframa, o Banco do Nordeste e o Banco da

Amazônia, e contou com quatro ministros até o final do governo Cardoso, quais

sejam: Celso Lafer127, Clóvis Carvalho128, Alcides Tápias129 e Sérgio Amaral130. O

desempenho do MDIC ao longo deste governo mostrou que, apesar de assinalar

uma inflexão retórica, atendendo às demandas por políticas de liberais-

desenvolvimento, as prioridades do governo não haviam mudado, e a Fazenda

continuou tendo forte presença das determinações econômicas. Sobretudo após a

saída de Carvalho, motivada por críticas às políticas adotadas no âmbito da Fazenda

/Bacen. Diante desta dificuldade, nenhum destes ministros logrou avanços no

sentido de definir uma política industrial e uma estratégia de desenvolvimento para o

país. Fernandes (2010) também chama atenção para o fato de que o MDIC era mais

fraco do ponto de vista de sua estrutura institucional e de recursos burocráticos

(gráficos 4 e 5).

127

Sua gestão durou apenas seis meses. Ele não teve apoio do empresariado ao argumentar que a política que praticaria no MDIC seria de complementaridade do que é definido na Fazenda – ao passo que o MDIC havia sido criado justamente para fazer atender à demanda de crítica à política monetarista da Fazenda.

128 Já Carvalho, diferente de Lafer, tinha a intenção de fortalecer o MDIC e transformá-lo no responsável burocrático pela política de comércio exterior. Para isso, transferiu a Camex para seu Ministério. Tais movimentos geraram um potencial conflito com a Fazenda. Como resultado, Carvalho permaneceu menos de dois meses no cargo.

129 Tápias foi vice-presidente do Bradesco e presidente do Bradesco entre os anos de 1991 e 1994, presidente do grupo Camargo Correa e presidente do conselho de administração da São Paulo Alpargatas e da Usimonas, entre 1996 e 1999, além de ter sido membro de diversos conselhos empresariais. Era considerado um nome independente em relação aos setores que divergiam entre o monetarismo ou a retomada do desenvolvimento. Após o Secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, ter se negado a aumentar o ressarcimento de impostos aos exportadores, Tápias demitiu-se do cargo.

130 Amaral era um diplomata amigo de Malan, alinhado com seus pressupostos. Com ele, foram enterradas as perspectivas de retomada do desenvolvimento (COSTA, 2011).

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216

Costa (2011) aponta que não havia projeto estruturado de política industrial

ou uma estratégia de desenvolvimento. Havia somente um Plano Plurianual de

Investimentos (PPA) que mapeava as oportunidades de negócio existentes no país.

Tápias argumentava que o empresário teria que “gastar algum tempo lendo isso. Aí

a gente senta ao redor de uma mesa, conversa e decide onde vai investir. Nós não

vamos escolher o que o empresário deve fazer. Ele é que têm que escolher qual é o

setor que merece investimento” 131(COSTA, 2011, p. 217). Contudo, há que se

questionar até que ponto a falta de projeto evidencia a inexistência de um projeto.

Ao que parece, o laissez faire era o limite de um projeto de desenvolvimento num

contexto de supremacia liberal, mesmo num ministério que nascia crescentemente

vinculado à fração liberal-desenvolvimentista do governo.

Evidência disso é o fato de Tápias ter colaborado na linha da reforma

tributária e implementado medidas de desoneração das exportações. Sua atuação

ficou muito restrita a esta esfera fiscal, mas há que se reconhecer que ao menos ele

conseguiu barrar um projeto de Malan de reduzir o imposto de importação para bens

de informática e telecomunicações (COSTA, 2011).

Na avaliação de Souza (2015), o insulamento do Ministério da Fazenda e do

Banco Central, verificado no segundo mandato de FHC, marcou o auge na

regulação econômica tecnocrática. Nesse contexto, os liberais-desenvolvimentistas

perderam força no governo, alguns órgãos públicos foram esvaziados e tiveram suas

funções transferidas para a Fazenda (a exemplo do Itamaraty e das atribuições eco-

nômicas do Ministério das Relações Exteriores) ou simplesmente não chegam a sair

do papel (como no caso do Ministério da Produção, que fortaleceria um retorno da

política industrial).

131

“PRIVATIZAÇÃO terá novo modelo, diz Tápias”. Folha de S. Paulo, 25/12/1999.

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217

Gráfico 4– Despesas discricionárias Totais (em R$ milhões)

Fonte: Fernandes (2010).

Apoiando-se em Couto e Abrucio (2003), o autor argumenta que “o

insulamento da equipe econômica funcionou como uma “autonomia imersa com sinal

trocado”, sendo que a rede de decisões e informações “conectou o Estado ao

mercado financeiro, em vez de favorecer a política industrial”. Na mesma direção de

Peck (2001), em seu texto Neoliberalizing states: thin policies/hard outcomes, o autor

ainda aponta que “o poder de uma burocracia educada em centros conservadores

estrangeiros ajuda a ilustrar as relações entre o neoliberalismo e a inter-

nacionalização do Estado” (SOUZA, 2015, p. 12).

Gráfico 5 – Despesa de pessoal do poder executivo (R$ bilhões correntes)

Fonte: Fernandes (2010).

Após a desvalorização do real frente ao Dólar ocorrida em 1999, Gustavo

Franco saiu da presidência do Banco Central, dando lugar a Armínio Fraga – que

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218

substituiu o regime de bandas cambiais pela chamada flutuação suja, alcançando-se

uma significativa redução do déficit em conta corrente (de US$ 33 bilhões, em 1998,

para US$7,7 bilhões, em 2002). No que diz respeito à balança comercial, entre 1999

e 2002 houve um acúmulo de U$S 13,9 bilhões (gráfico 6), tendo o saldo negativo

sido reduzido em mais de 20% na Conta de Transações Correntes. Para produzir a

estabilização da relação entre a dívida pública e o PIB, foram introduzidas as metas

de primário. Implementou-se também o Programa de Estabilidade Fiscal, que

antecipava a futura Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF (COSTA, 2011).

Gráfico 6 – Evolução da Balança Comercial (US$ Bilhões FOB)

Fonte: Fernandes (2010).

Para Nobre (2013), a implantação do sistema de metas deu uma nova

roupagem à moldura ideológica neoliberal do período FHC. A meta da

conversibilidade do real deu lugar à questão histórica das altas taxas de juros, que

se conjugam ao problema de taxas de inflação. Então, o objetivo passou a ser

aproximar as taxas de inflação àquelas observadas nos países centrais.

Simultaneamente, as elaborações teóricas voltaram-se para aspectos institucionais e

regulatórios, que seriam os responsáveis pela anomalia das taxas de juros

nacionais.

A Lei de Responsabilidade Fiscal, que acabou sendo implementada em 2000,

deu continuidade ao processo de concentração da política econômica no governo

Federal, neutralizando ainda mais o poder dos governadores e permitindo o efetivo

controle das contas públicas. Fortaleceu ainda o Parlamento como instância de

ajustes, concedeu ao Governo Federal o monopólio da irresponsabilidade fiscal e da

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219

resposta à crises no gerenciamento da estabilização. Além disso, congelou a

repartição orçamentária desigual entre os níveis da Federação, que concentra na

União parte substancial dos recursos e do poder de controlar temporalmente os

repasses constitucionalmente previstos à estados e municípios - que operam com

margens de manobra bem mais estreitas. Somando-se a isto, quando foi

promulgada, a LRF parecia colocar um fim (legal) às políticas econômicas

alternativas132, como as ditas anticíclicas de tipo keynesiano, que têm um

horizonte temporal de médio e longo prazo, não considerando os

desequilíbrios orçamentários de curto prazo como indicadores decisivos

(NOBRE, 2013).

Outra alteração, no segundo governo de FHC, teria sido o crescimento da

carga tributária, passando de 25% para 37%, entre 1999 e 2002. “Do total da

arrecadação, 27% do seu valor vem dos salários, 49% do consumo e apenas 16%

dos rendimentos do capital e outras rendas e 3% de impostos sobre a propriedade e

herança” (FSP, 2005 apud FILGUEIRAS, 2006, p. 188).

Na avaliação de Nobre (2013), no segundo mandato, o governo de FHC aliou-

se ao PFL e a quem mais estivesse disponível, estabelecendo um campo de forças

que teria deixado somente duas possibilidades ao PT: “permanecer indefinidamente

na oposição ou fazer um movimento em direção ao peemedebismo próprio do

sistema político [o que já não estava atrelado a ter necessariamente o PMDB como

aliado], com uma nova e mais flexível estratégia de alianças” (NOBRE, 2013, p. 81).

Se tivesse optado por permanecer na oposição, o PT permaneceria afastado do

poder. Já o movimento em direção ao peemedebismo significou “a aceitação da

lógica do Plano Real e seu novo padrão de desenvolvimento econômico

subordinado para o país.” (p. 81)

Apesar das alianças que fez em seu último mandato, na avaliação do autor,

FHC esteve praticamente o tempo todo na defensiva.

Já não se tratava de prosseguir com a agenda de reformas liberalizantes, de reformas estruturais, privatizações e outras

132 Esta medida será crucial sobretudo em dois momentos futuros: Após a crise econômica mundial

de 2008, o governo Lula implementou medidas de caráter anticíclico possibilitadas pelo processo de concentração nas mãos do Governo Federal do monopólio da política econômica, além de um significativo volume de recursos. A LFR de certa forma congelou em favor da União os sucessivos aumentos da carga tributária que ocorreram no período. Um segundo momento, dramático, é o que o Brasil vivencia no final do ano de 2015, com o pedido de impeachment da presidenta Dilma embasado, entre outras coisas, nas chamadas “pedaladas fiscais” - são infrações à LRF.

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220

medidas que exigiriam a aprovação de emendas constitucionais, mas tão somente de administrar a crise trazida pela própria lógica do Plano Real em sua forma de implementação nos seus primeiros anos de existência. E, evidentemente, de impedir qualquer forma de regressão ao modelo nacional-desenvolvimentista (NOBRE, 2013, p. 93)

A manutenção de altas taxas de juros teria garantido a preservação da renda

dos estratos mais ricos e do padrão desigual de distribuição de renda vigente no

país. Esse teria sido o preço pago pelo controle da inflação no quadro estabelecido

pelo Plano Real: “um substancial crescimento tanto da dívida do setor público como

da carga tributária. E, no segundo mandato, sem as consequências positivas que se

tinham visto nos primeiros anos de vigência do plano de estabilização” (NOBRE,

2013, p. 94). Além disso, no segundo mandato de Cardoso, houve três crises de

grandes proporções: a desvalorização de 1999, o “apagão” de 2001133 e a crise do

câmbio em 2002. O ano 2000 teria sido o único em que não ocorreu alguma crise de

grandes proporções neste período (NOBRE, 2013).

Diante deste quadro, a base partidária de apoio de FHC foi se desagregando.

Somado a isso, houve desavenças entre o PFL e o PMDB (quando Antônio Carlos

Magalhães acusou Jader Barbalho de fraudes da SUDAM e de desvio de dinheiro no

Banco do Estado do Pará). Na avaliação de Nobre (2013), esse era apenas um

sintoma de ampla disputa entre os dois partidos pela primazia na aliança eleitoral da

situação em 2002. No que dependesse de Jereissati (então governador do Ceará), a

aliança seria com o PFL, e no que dependesse de José Serra, a aliança seria com o

PMDB. Quando definiu-se que Serra seria o Candidato, e não Roseana Sarney (do

133

Cabe aqui citar a contribuição de Tolmasquim (2000), que argumenta que “a origem da crise

energética é de falta de investimentos em geração e em transmissão. [...] Pois é bom deixar claro que as empresas estatais tinham condições de investir. Contudo, a área econômica do governo não permitiu que elas realizassem os investimentos necessários. Os investimentos das empresas estatais são contabilizados como despesa do governo nas contas públicas. Assim, mesmo sendo estes investimentos rentáveis, eles não são autorizados tendo em vista a meta de reduzir o déficit público. [...] A expectativa governamental era de que o capital privado construísse termelétricas usando o gás natural importado da Bolívia (TOLMASQUIM, 2000, p. 181-182). Além disso, Pinguelli (2002 apud WERNER, 2011, p. 79), aponta que as privatizações não resultaram na expansão do setor elétrico e melhoria do fornecimento de energia. Ao contrário, resultaram no aumento das tarifas, em investimentos insuficientes do capital privado e estrangeiro, além da “deterioração dos serviços de energia, evidenciando a ineficácia do modelo mercantil. O “apagão” expressou o fracasso do modelo estruturado em bases liberalizantes, sobre as quais o setor privado não foi capaz de responder às necessidades de investimento para a manutenção da oferta adequada de energia para o país”.

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221

PFL)134, a chapa de Serra foi composta com Rita Camata (PMDB) como vice. Sua

chapa era, portanto, formada por PSDB, PMDB e PFL.

Couto e Abrúcio (2003, p. 292) apontam que

os dois principais candidatos à sucessão presidencial, José Serra e Tasso Jereissati, construíram um discurso esquizofrênico resumido na frase “continuidade sem continuísmo”. O coroamento da esquizofrenia foi a campanha de Serra, calcada no problema do desemprego e na tentativa de sua superação, permitindo à oposição questionar se um governo que havia aumentado o desemprego seria competente para produzir um candidato capaz de combatê-lo. [...] Ao prometer aumento do emprego tendo por oito anos gerado exatamente o oposto, Serra alimentava a munição oposicionista, produzindo argumentos que eram muito mais plausíveis quando apropriados pelos detratores de Fernando Henrique. De fato, os resultados dessa estratégia foram pífios, mas reveladores da crise sucessória nascida no “mandato da reeleição”.

A aliança do PT, nestas eleições, foi com o Partido Liberal, apresentando o

empresário José Alencar (então senador por Minas Gerais) como vice na chapa de

Lula. Compunham a sua chapa os partidos PT, PL, PMN135, PCB e PCdoB, além do

apoio informal do PMDB em alguns estados brasileiros.

Além de Lula e Serra, as eleições de 2002 também contaram com Ciro

Gomes (PPS)136

— que como vice de sua chapa tinha Paulo Pereira da Silva

(futuramente conhecido como “Paulinho da Força”), e sua aliança partidária continha

o PPS, o PTB e o PDT; e Anthony Garotinho (PSB)137. Seu vice era José Figueiredo,

e sua chapa contava com o PSB, o PTC138 e o PGT139. Ao fim, Luiz Inácio Lula da

Silva ganhou as eleições de 2002 em segundo turno, com 61,27% dos votos, contra

38,72% de José Serra.

Como foi visto, ao longo dos governos Collor e FHC, houve uma alteração no

padrão de articulação Estado-empresariado. Se antes predominava uma espécie de

corporativismo setorial e bipartite, com o empresariado tendo assento ao lado de

técnicos governamentais em diversos órgãos consultivos e deliberativos da

134

Tal encaminhamento ocorreu num contexto de escândalos, no qual Serra foi acusado pelo PFL e pela família Sarney de ser o “mandante oculto” de uma operação policial que encontrou um alto montante de dinheiro em espécie no escritório de Roseana, arruinando com sua candidatura e levando lideranças de peso do PMDB a abandonar a candidatura de Serra – como foi o caso de José Sarney – pai de Roseana (NOBRE, 2013). 135

Partido da Mobilização Nacional. 136

Partido Popular Socialista. 137

Partido Socialista Brasileiro. 138

Partido trabalhista Cristão – antigo PRN – que elegeu Collor. 139

Partido Geral dos Trabalhadores.

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222

burocracia estatal, a partir da década de 1990 houve o gradual fechamento das

instâncias corporativas na burocracia pública, havendo simultaneamente o reforço

do estilo tecnocrático de gestão (DINIZ, 1997; 2004; 2005). Assim, os empresários

que haviam se empenhado na campanha de abertura política do regime militar e

pela retirada do Estado da economia, esperando aumentar seu espaço nos

processos decisórios, viram-se em uma nova situação de exclusão. Com os efeitos

combinados do novo modelo de desenvolvimento e do novo paradigma tecnológico,

das políticas recessivas e do desemprego crescente, os sindicatos foram esvaziando

progressivamente e observou-se o reforço do distanciamento Estado-sociedade

(DINIZ, 2005). Cabe mencionar que a autora se refere sobretudo ao empresariado

do setor privado.

Para a autora, as reformas orientadas para o mercado alcançaram uma maior

amplitude em comparação ao impulso inicial dado por Collor, abrindo caminhos para

a “refundação do Estado e da sociedade, de acordo com os novos parâmetros

consagrados pelo mainstream internacional” (DINIZ, 2005, p. 6). Com o processo de

reestruturação produtiva, uma parte expressiva do empresariado nacional foi

atingida, o que se verifica pelo grande número de falências e concordatas que

atingiram inclusive empresas emblemáticas do período desenvolvimentista. Já o

segmento que se expandiu, fortaleceu sua posição e aprofundou seus vínculos com

o capital transnacional. Porém, a falta de capacidade do governo em romper com a

vulnerabilidade externa e sair da estagnação da economia abalou a confiabilidade

para com a estratégia da associação ao capital externo, aumentando a margem de

descontentamento.

O setor industrial, na avaliação da autora, teria mais uma vez demonstrado a

fraqueza do empresariado enquanto ator coletivo, apesar da força relativa de alguns

de seus setores, do porte econômico de muitas empresas, da importância de seus

recursos organizacionais e das conexões pessoais de segmentos destas elites com

autoridades estatais. Uma série de fatores inter-relacionados, explicariam a baixa

capacidade de ação conjunta: como as formas de organização da estrutura

corporativa de representação de interesses instaurada nos anos 30 (a falta de uma

organização de cúpula de caráter multissetorial que fosse capaz de atuar em nome

do conjunto da classe empresarial); a falta de capacidade do empresariado para

formular plataformas abrangentes, que incorporasse demandas de outros setores e

da classe trabalhadora; a “baixa tradição de acordos interclasses” e; o papel do

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223

Estado como formulador e executor das políticas econômicas do país e como indutor

do padrão de ação coletiva da classe empresarial. Sob esse aspecto, a

concentração do poder decisório na cúpula tecnocrática não favoreceu a reversão

da tendência historicamente consolidada à utilização de vínculos informais e práticas

de natureza clientelista como via de acesso às instâncias governamentais.

Sobre a década de 1990, Fiori (2001) argumenta que, com o fim da era

desenvolvimentista – que tinha no desenvolvimento econômico e na industrialização

os caminhos para a “modernidade” - o novo “mito da modernidade” agora era

associado à utopia da globalização. Como nas décadas anteriores, em que nos

momentos de retração e crise internacional, os ajustes levaram sistematicamente à

preservação da riqueza mercantil e patrimonialista das classes proprietárias, as

elites nacionais não tiveram dificuldades ou traumas para abandonar projeto de

construção de uma economia nacional industrializada. Inclusive, o autor argumenta

que o projeto neoliberal só foi possível graças ao apoio das mesmas forças que

foram beneficiadas pelo projeto desenvolvimentista. As mesmas regras e estruturas

sociais foram mantidas, assim como as políticas regressivas e excludentes que

caracterizaram a “modernização” brasileira ao longo do século XX. Assim, ao longo

desse trajeto, a sociedade se fez cada vez mais desigual. Fiori (2001) e Tavares

(1999;2000) argumentam que os anos 90 se caracterizam pelas permanências da

modernização conservadora, e observam a intensificação de alguns de seus

fundamentos, que tiveram consequências negativas para um projeto de maior

autonomia nacional e capacidade econômica para o país.

A desregulamentação do mercado de trabalho, a redução dos direitos

trabalhistas, o congelamento dos salários no setor público, a redução da

participação salarial (que passou de 45% para 36% da renda nacional) também

teriam sido marcas dos anos 1990. A concentração de riqueza, depois de uma

década de reformas neoliberais, aumentou mais do que no período

desenvolvimentista: 1% da população mais rica concentrava rendas iguais à dos

50% mais pobres (isso mesmo sem considerar as rendas financeiras). Assim, os

neoliberais modernizaram as relações do Estado com o mundo do trabalho e

destruíram qualquer corporativismo que prejudicasse o estabelecimento, pelo

mercado, do “preço justo” da força de trabalho (FIORI, 2001, p. 284).

A década de 1990 caracterizou-se como um período de grandes mudanças

na orientação política e econômica nacional. Foi neste período que políticas

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neoliberais foram fortalecidas no cenário nacional. Cano (2010) julga que neste

período em que prevaleceram políticas macroeconômicas curtoprazistas, a maior

parte dos economistas se omitiu sobre os problemas de longo prazo e do

desenvolvimento, e “acabaram por aceitar como inevitáveis a desnacionalização, a

desindustrialização e a continuidade do poder de fato do sistema financeiro” (CANO,

2010, p.2).

As privatizações foram uma das marcas do período neoliberal, e o modelo de

privatizações adotado no Brasil encontrou críticas tanto de autores que se

identificam com o neoliberalismo, quanto de autores que se opõem a esta corrente.

Com a inflexão liberal, Fiori entende que houve a

depreciação e feudalização do Estado pelos interesses privados, selecionados pelos novos liberais. O processo de privatizações tornou-se um grande negócio, sem nenhum tipo de estratégia a longo prazo. O fatiamento do patrimônio público foi feito entre grupos privados selecionados a dedo, com o objetivo de construir a “base material” do seu projeto de poder, ao mesmo tempo em que feudalizam as novas agências de regulação, e o que restou das velhas instituições e empresas públicas, para atender aos macrointeresses da ampla e heterogênea coalização de forças conservadoras e de várias facções oligárquicas ou regionais da base parlamentar do governo (FIORI, 2001, p. 283 – grifo nosso).

Lazzarini (2011), por outro lado, critica o modelo adotado para as

privatizações no Brasil, justamente porque, na sua avaliação, teria havido o reforço

da influência do governo e de grupos domésticos no mercado. Apesar do aumento

da participação do capital estrangeiro no país e da menor participação direta140 do

governo via estatais, a capacidade de intervenção do governo não teria diminuído.

Para o autor, mesmo com a desnacionalização da economia brasileira, os atores

centrais na economia continuaram sendo entidades ligadas direta ou indiretamente

ao governo, e este aspecto teria inclusive intensificado a centralidade do governo

brasileiro – o que lhes permitiria manobrar a economia através do que ele chama de

“capitalismo de laços”. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, as

privatizações foram viabilizadas com a forte presença de entidades ligadas direta ou

indiretamente ao governo - a exemplo do BNDES e os fundos de previdência141 -

140

Grifo do autor 141

Cabe aqui lembrar o caso do escândalo dos grampos telefônicos ilegais no BNDES, no qual estariam envolvidos, entre outros, o presidente FHC, parte da cúpula do BNDES e PREVI (Fundo

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225

que teriam servido de canais de influência no mundo corporativo (LAZZARINI, 2011,

p.40).

Na realidade, de forma até paradoxal, o fenômeno de privatização e de maior inserção global que se seguiu após a década de 1990 no Brasil ajudou a reforçar a influência do governo142 e de certos grupos domésticos. Essa interpretação distinta emerge quando observamos como mudou (ou como não mudou) o padrão de relações entre diversos proprietários na economia. O capitalismo de laços foi enraizado, e não dirimido, pelas diversas reestruturações que ocorreram no Brasil (LAZZARINI, 2011, p. 19-20).

Na sua perspectiva, teria ocorrido um reforço do controle direto e indireto do

Estado sobre a economia, vinculado principalmente à participação de atores ligados

ao governo em todos os consórcios que participaram dos leilões das estatais. Duas

teriam sido as principais estratégias governamentais: a) colocar o BNDES como

entidade central nas privatizações, o que teria propiciado a elevação dos lances nos

leilões (estimulados por recursos públicos) em função da segurança dos

investidores; b) envolver os fundos de pensão.

Mas é preciso considerar que antes de estar ligado a determinado governo,

as entidades citadas pelo autor são ligadas ao Estado. Como já foi argumentado no

capítulo 1, há que se compreender o Estado não como um bloco homogêneo – e sim

como uma relação social entre forças políticas, uma arena em que disputam distintos

interesses, projetos e estratégias. Além disso, as privatizações podem ser

consideradas como um dos grandes marcos do processo de neoliberalização no

Brasil. Ao contrário do que costuma ser propagado, neoliberalização não remete à

desregulamentação ou falta de intervenção do Estado. Ela envolve a recalibração de

modos de governança institucionalizados e das relações entre Estado-economia – a

exemplo das agências reguladoras – que acabaram tendo uma atuação pró-

mercado.

Para Fiori (2001), Cardoso e seu governo teriam abdicado de seus sonhos

por uma “nova modernidade”, e submeteram-se, no varejo do Congresso Nacional,

às regras mercantis de compra e venda de apoios. As alianças de poder teriam

levado às últimas consequências um projeto de transnacionalização dos centros de

de Previdência dos Funcionário do Banco do Brasil), com fins de favorecer o consórcio organizado pelo Banco Opportunity, de Daniel Dantas.

142 Grifo nosso.

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decisão e das estruturas econômicas e produtivas nacionais. Tal estratégia político-

econômica teria, na sua interpretação, fragilizado radicalmente o Estado e a

economia brasileira, que passaram a depender do capital privado internacional e do

apoio do governo estadunidense nas situações de crise.

Em O Ornitorrinco, Francisco de Oliveira argumenta que Roberto Schwarz

sustentava a tese de que Cardoso, na presidência, implementou exatamente suas

conclusões do livro Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico (1964), “já

que a burguesia nacional já havia renunciado a um projeto nacional, ele enveredou

decididamente para integrar o país na globalização” (OLIVEIRA, 2003, p. 132).

Oliveira ainda sugere que, a partir dos anos 1980, teria ocorrido uma

reconfiguração da estrutura de classes no Brasil: as camadas mais altas do antigo

proletariado converteram-se, em parte, no que Robert Reich chamou de “analistas

simbólicos”: administradores de fundos de previdência complementar que fazem

parte de conselhos de administração, a título de representantes dos trabalhadores.

Tal simulacro produz o que Robert Kurz chamou de “sujeitos monetários”:

trabalhadores que ascendem a essas funções estão preocupados com a

rentabilidade de tais fundos, que ao mesmo tempo financiam a reestruturação

produtiva que produz desemprego (OLIVEIRA, 2003. p. 146).

A respeito da trajetória da economia brasileira ao longo da década de 1990,

Carneiro (2008) aponta que a herança da crise da dívida, como foi comum a todos

os países da latino-americanos, não pode ser identificada como uma peculiaridade

do caso brasileiro, mas foi esta herança que, ao se expressar no enfraquecimento do

Estado, abriu caminhos para os experimentos liberais radicais. O autor caracterizou

a política econômica vigente na América Latina a partir da década de 1990 a partir

de três grandes vetores, quais sejam: i) a política de abertura comercial

(compreendendo também a desregulação do Investimento Direto Externo-IDE e as

privatizações); ii) a política de abertura financeira, visando ampliar o acesso à

poupança externa (no que diz respeito aos fluxos de capitais), alargar presença de

bancos estrangeiros, acirrar a concorrência, reduzir os custos de financiamento e

ampliar a oferta de financiamento de longo prazo; iii) no plano macroeconômico, o

principal compromisso da política era a estabilidade monetária (entendida como

estabilidade de preços), e no âmbito social, no lugar de reduzir as desigualdades por

meio de políticas universais, agora a preocupação era suprimir a pobreza através de

políticas focalizadas.

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227

Contudo, com o impacto das políticas de abertura e de vários episódios de

apreciação da moeda nacional, houve, no dizer de Coutinho (1997 apud

CARNEIRO, 2008), uma especialização regressiva da estrutura produtiva industrial,

tendo ocorrido a redução da participação da indústria no PIB; a diminuição do

adensamento das cadeias produtivas; e o aumento da participação de setores

menos intensivos em tecnologia na estrutura industrial.

Para Carneiro (2008), a explicação para a redução do peso da indústria no

PIB, para além da reorganização das relações de produção (como o processo de

terceirização de diversas tarefas industriais, como limpeza, manutenção,

assistência técnica – que transferiram valor adicionado da indústria para os serviços)

e da expansão do setor de serviços moderno (como telecomunicações), foi

decorrente das políticas econômicas postas em prática após os anos 1990, que

levaram a uma desindustrialização precoce. Como apontam Rodrigo Alves Teixeira e

Eduardo Costa Pinto, em artigo de 2012 intitulado A economia política dos governos

FHC, Lula e Dilma: dominância financeira, bloco no poder e desenvolvimento

econômico, as reformas liberalizantes executadas ao longo dos governos de FHC

conduziram a uma dependência financeira externa à instabilidade macroeconômica

constante, com a economia nacional sujeita aos fluxos internacionais de capitais,

que se tornaram cada vez mais expressivos e voláteis.

no período 1994 a início dos anos 2000, o País esteve refém das constantes ameaças de fuga de capital e crises cambiais, bem como das exigências e condicionalidades dos empréstimos do FMI, o que conferiu aos grupos ligados ao mercado financeiro doméstico e internacional um poder extraordinário sobre a condução da política econômica, em detrimento de trabalhadores do setor privado, funcionalismo público e mesmo de outros setores das elites domésticas ligados ao setor produtivo (TEIXEIRA e PINDO, 2012, p. 917-918)

A noção de desenvolvimento dependente-associado, formulada nos anos

1960 e 1970, foi transportada para os anos 1990, com a articulação entre os

sistemas político e econômico e entre as classes e grupos sociais domésticos e

externos. A fração bancário-financeira do capital passou a deter a hegemonia no

interior do bloco no poder e sua influência, a expressar-se a partir do Ministério da

Fazenda e o Banco Central, os principais centros de poder no Estado. Sua influência

foi exercida tanto diretamente, com a troca de posições entre diretores e presidentes

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228

do Banco Central e ocupantes dos postos-chave no mercado financeiro, quanto de

forma indireta, através de propagação da ideologia da ortodoxia econômica, da

grande imprensa e da imprensa especializada nos temas econômicos. Também teve

destaque o mercado financeiro doméstico e o mercado financeiro internacional, que

expressaram sua interessada solidariedade ideológica e seus interesses em

diversas ocasiões, como através do apoio “das instituições-chave do sistema

financeiro internacional, o Banco Mundial e o FMI, que impunham as políticas

ortodoxas ao Brasil e outras economias por meio das condicionalidades exigidas aos

empréstimos e socorro às crises nos países periféricos” (TEIXEIRA e PINTO, 2012,

p. 917).

Na sessão seguinte, será abordado como que ao longo deste período de

inflexão e consolidação liberal, o BNDES teve também um papel importante, tendo

inclusive propagado em seus relatórios e planejamentos a necessidade de medidas

de diminuição do tamanho e do papel indutor do Estado, de forma que este se

adequasse e desse suporte às estratégias (e aos interesses) das empresas privadas

e do mercado.

4.2.1 O BNDES e o desmonte do Estado

Durante o governo Collor, o BNDES esteve vinculado ao Ministério da

Economia, Fazenda e Planejamento e, como já foi dito, Eduardo Modiano, egresso

da PUC-Rio e da FGV, esteve à frente do Banco. Segundo Costa (2011), Modiano

era um estudioso da Teoria da Inflação Inercial e dos impactos negativos dos

mecanismos de indexação salarial sobre a eficácia das políticas ortodoxas. Ele não

tinha a questão do desenvolvimento como alvo de suas indagações acadêmicas.

Além disso, com a concentração de funções num número reduzido de ministérios, o

BNDES ficou subordinado ao Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, com

o predomínio dos objetivos da estabilização sobre quaisquer outros.

Como já foi mencionado, a equipe econômica de Collor procurou

frequentemente dialogar com a equipe do BNDES, cujas diretrizes dos planos

estratégicos estavam em consonância com a perspectiva do governo. Mais do que

isso, antes mesmo das eleições de 1989, o Banco já trazia em seus planejamentos

internos os argumentos em prol da abertura econômica, do planejamento

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229

estratégico, das privatizações, da integração competitiva e do aumento da

competitividade das empresas, e já contava com um corpo técnico capacitado e com

expectativa de projetar suas avaliações e soluções em escalas extra-institucionais

de planejamento econômico nacional.

Após a posse do presidente Collor de Mello, a equipe de Planejamento do

BNDES foi dispersada, tendo o chefe do Departamento de Planejamento, Luiz Paulo

Vellozo Lucas, assumido o Departamento de Indústria e Comércio (DIC) do

Ministério da Economia. Além disso, uma equipe formada por técnicos do BNDES e

da Petrobras143 iniciou o processo de abertura da economia e ao Programa

Brasileiro da Qualidade e Produtividade. Em meio a inúmeras dificuldades, esta

equipe procurou fazer uma política industrial que estivesse de acordo com a

perspectiva da Integração Competitiva (MOURÃO, 1994).

No Banco, foi implementada uma reforma estrutural da organização, sendo

extintas duas áreas, cinco departamentos e vinte e três gerências - o equivalente a

cerca de 16% das funções de confiança no Banco. Além disso, foi extinta a

Assessoria de Segurança e Informações (ASI). A BNDESPAR eliminou duas

diretorias e, assim como na FINAME, houve a redução de cerca de 20% das funções

de confiança. Na área de administração, foram extintas cinco gerências. Num

processo de reestruturação e alegada racionalização administrativa, houve 275

demissões em 1990 – uma redução de 13% no quadro de pessoal. Além disso, o

Banco se alienou de imóveis e bens não-operacionais (lotes, edifícios, automóveis, e

outros) (RELATÓRIO DE ATIVIDADES DO BNDES, 1990)144.

143

A equipe de Vellozo contava com Francisco Marcelo da Rocha Ferreira, Nelson Tavares Filho (do BNDES), Antônio Maciel Neto e José Paulo Silveira (da Petrobras) (MOURÃO, 1994).

144 Tal racionalização administrativa não atingiu os órgãos de cúpula do Banco, quais sejam: i) o Conselho Administrativo - até então composto por seis membros indicados pelo Presidente da República; ii) o Conselho Fiscal - composto por três membros e três suplentes nomeados pelo Presidente da República; iii) a Diretoria – composta pelo presidente do Banco, pelo Vice-Presidente e quatro diretores nomeados pelo Presidente da República e; iv) a Presidência. A partir de 1997, a direção passou a ser composta por cinco membros, além do Presidente e do Vice-Presidente do Banco. Em 1999, o Decreto 3.077 determinou que o Conselho de Administração passaria a ser composto por sete membros, sendo um deles o presidente do BNDES (que exerce a vice-presidência do Conselho). Além disso, os demais componentes do Conselho passariam a ser indicados pelo Ministro do Estado, Orçamento e Gestão (com direito a uma indicação), e pelo Ministro do Estado do ministério a que o BNDES estiver vinculado (podendo este indicar o restante dos componentes). Em 2004, o Decreto 5.148 determinou que o Conselho passaria a ser composto por dez membros: três indicados pelos Ministros do Planejamento, Orçamento e Gestão; Trabalho e Emprego e Fazenda e os demais pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Também a partir de 1999 a indicação do conselho fiscal passou a ser responsabilidade do Ministro da

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230

Na avaliação de Nassif (2007), com a dispersão da equipe de planejamento,

com Eduardo Modiano na presidência do Banco e a visão neoliberal sendo imposta,

o BNDES teria sido praticamente proibido de pensar. Contudo, porém, comparando

o Plano Estratégico para 1991 – 1994 com o do período anterior, não houve uma

significativa ruptura com o que era previsto pelo Banco. Credita-se a isso a

participação de técnicos do Banco nas instâncias governamentais, que contribuíram

para que o chamado “integracionismo” chegasse ao poder (lembrando que nos

primeiros dias do governo Collor houve uma supremacia dos liberais mais radicais,

que logo cedeu lugar aos integracionistas).

Além disso, a respeito da infraestrutura para o setor elétrico, o Relatório de

atividades do ano 1990 do BNDES (escrito em 1991) defendia a necessidade de

entrada de capitais privados de risco, o que demandava uma profunda reforma da

regulamentação no setor. O relatório citava também o documento Diretrizes para a

atuação do BNDES no Setor Elétrico, que destacava a necessidade de “fomento à

participação da iniciativa privada na geração, transmissão e distribuição de energia

elétrica para uso público” e “apoio financeiro à iniciativa privada para aplicação em

obras públicas sob regime de pré-venda de energia” (RELATÓRIO DE ATIVIDADES

DO BNDES, 1990, p. 34). Ainda, se preconizava que a crise energética estouraria

mais cedo ou mais tarde, e com isso justificava a ampliação das suas articulações

institucionais para viabilizar a crescente participação da iniciativa privada no setor

elétrico. O Banco também estaria negociando com o Banco Mundial a obtenção de

recursos (US$ 200 milhões) para a aplicação em projetos de interesse da iniciativa

privada no setor elétrico. Este relatório já adiantava a posição da instituição – ou

melhor, de um grupo dentro da instituição - quanto à necessidade de privatizações

na área de infraestrutura, o que viria a caracterizar futuramente o Governo de FHC.

Contudo, como já foi apontado, a despeito da retórica de que as privatizações

permitiriam aumentar a eficiência alocativa devido ao livre jogo das leis do mercado,

o que ocorreu, na prática, foi que os riscos e responsabilidades que seriam

assumidos pelo setor privado, além de não ficarem claros, em alguns casos foram

inclusive repassados ao Estado. Além disso, o licenciamento ambiental também

Fazenda - que indica um membro e um suplente, e os outros dois membros são escolhidos pelo ministro sob cuja supervisão estiver o BNDES (COSTA, 2011).

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231

poderia ser ajustado para atender às necessidades do setor privado (VAINER,

2007).

Também eram incentivadas privatizações nos setores de comunicações e de

transportes. Neste último, o Banco argumentava serem necessárias as iniciativas

que estavam em curso para o estabelecimento de um novo arcabouço jurídico, como

uma nova lei para a concessão de serviços públicos, a desregulamentação do setor

portuário e as diretrizes para a aplicação dos recursos do Adicional de Tarifa

Portuária (RELATÓRIO DE ATIVIDADES DO BNDES, 1990, p. 37).

Nos serviços de infraestrutura urbana, o Relatório apontava que estes eram,

na sua maioria, atendidos por empresas públicas (de transportes urbanos,

tratamento de resíduos, infraestrutura socioeconômica, etc.), e que as resoluções

1.469/88 e 1.780/90 impunham limites de créditos das instituições financeiras

derivados não só para as empresas públicas deste setor, como à várias instâncias

governamentais. Isso teria feito com que o Banco se articulasse e preparasse “um

anteprojeto de lei para regulamentar o artigo 175 da Constituição Federal, que trata

da prestação de serviços públicos pela iniciativa privada, para a Comissão Diretora

encaminhar ao Presidente da República” (COSTA, 2011, p. 74).

Segundo o relatório,

Pode-se considerar 1990 como um ano em que se buscou formas inovadoras de articulação de apoio financeiro e esquemas institucionais inéditos. (...) Acredita-se que a aprovação da lei genérica sobre a concessão de serviços públicos, regulamentando o artigo 175 da Constituição federal, represente fator decisivo de atração de capitais privados na implementação de tais serviços. (RELATÓRIO DE ATIVIDADES DO BNDES, 1990, p. 39).

Ou seja, além de buscar abranger o setor de infraestrutura, o banco também

movimentava-se no sentido de expandir as privatizações e concessões para as

demais esferas administrativas do Estado, o que viria a se tornar uma forte prática

nos anos futuros. Então, apesar de atuar fortemente pela redução do papel do

Estado (e de suas instituições) como indutor do desenvolvimento, e de abrir novas

frentes de acumulação e de renda para a iniciativa privada, cabe questionar se o

banco foi “proibido de pensar” – como argumentou Nassif (2007) -, ou se somente

teve uma reorientação que possibilitou a emergência de outro grupo interno, agora

com viés mais neoliberal. Tal perspectiva é reforçada pela declaração do

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232

“entrevistado H”, ouvido por Lavínia Barros de Castro no trabalho História do

planejamento do BNDES (1983-2014): lições e questões (2014).

Eu vivi o planejamento com intensidade. Uma coisa que as pessoas em geral não falam é que todo processo de planejamento tem um fundo ideológico. Sempre teve alguém com hegemonia de poder e, do outro lado, tem sempre uma resistência, uma área técnica com visão diferente. Um dos problemas é que sempre muda o método. O grande risco é se descolar da base. Se isso ocorrer, as pessoas começam a fazer burocraticamente, aguardando que venha a próxima gestão e tudo mude – daí se comemora (CASTRO, 2014 – grifo nosso).

O que se pode inferir é que, institucionalmente, todas as mudanças

mostraram que Collor escolheu um nome para a presidência do BNDES que estava

afinado com os objetivos centrais do governo: garantir o sucesso do plano de

estabilização e reduzir o papel do Estado. Assim, o Banco neste período, pensou e

atuou justamente neste sentido, tendo incentivado a ampliação das privatizações e

concessões (COSTA, 2011). Ou seja: o Banco não foi proibido de pensar. Ele

permaneceu desempenhando um papel de think tank, mas agora afinado com um

discurso de redução do tamanho e do papel indutor do Estado e,

consequentemente, com a redução do seu próprio papel nos rumos do

desenvolvimento nacional.

O BNDES virou o “banco da privatização”, tendo passado a sediar o

comando, junto com o Conselho de Privatização, do Programa Nacional para a

Desestatização. Isso já marca uma diferença das privatizações ocorridas durante o

governo de Sarney – que, segundo Velasco Jr. (1997), tinham sobretudo motivações

de ordem interna do BNDES. Por razões de seu interesse e pautado por um

racionalismo administrativo, o Banco teria definido e implementado estrategicamente

uma política pública que não estava na agenda do Poder Executivo. Já no período

Collor, o assunto privatização teria passado por uma mudança de patamar, tendo

sido vencida a “etapa BNDES” (do governo Sarney), e tendo ganhado status de

prioridade na agenda pública do governo.

Além disso, no governo Collor, o Comitê Assessor das Desestatizações se

fortaleceu e se insulou no BNDES, tendo havido uma adequação do Banco aos

propósitos centrais do governo (manutenção da estabilização e privatizações).

Assim, o Banco ganhou poder, uma vez que foi peça importante na consecução

desses objetivos (COSTA, 2011).

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233

De acordo com o Relatório do BNDES de 1991, entre as mudanças

importantes no período, destacam-se:

- a possibilidade de empresas estrangeiras serem clientes do BNDES, tendo o

Banco considerado, na atualização de suas Políticas Operacionais, a diretriz

formulada pelo governo federal de implementar modificações no tratamento dado às

empresas estrangeiras;

- A redução de 85% para 60% do índice mínimo de nacionalização, requerido

para o financiamento de máquinas e equipamentos por meio do FINAME;

- Ampliação da modalidade pós-embarque, de apoio às empresas

exportadoras, através do aumento do Programa de Comercialização Externa de

Máquinas e Equipamentos (FINAMEX) – criado em 1991;

- Ênfase na atração de capitais privados para os empreendimentos de

infraestrutura, através do mecanismo de concessão e permissão;

- A reestruturação promovida pela Área de Planejamento do Banco voltava,

entre outras questões, para coordenar a formulação de estratégias setoriais e

acompanhar as estratégias empresariais, visando formular programas, produtos e

condições de apoio que permitam atingir os objetivos estratégicos das instituições e

das políticas governamentais – que, promovendo a abertura e as práticas

neoliberais, confundem-se com os interesses empresariais.

Após passar por uma grande reorganização interna, sem realizar o exercício

prévio da elaboração dos cenários, o Banco elaborou o seu Plano Estratégico do

BNDES para o período de 1991 – 1994. Nele, a instituição orientou-se pela proposta

de política industrial do governo Collor - a Política Industrial e de Comércio Exterior

(PICE). O Plano – um documento produzido por técnicos do banco – destacava que,

sendo o Sistema BNDES “uma instituição pública dirigida para o financiamento de

longo prazo ao investimento, é, por sua natureza, um instrumento fundamental da

nova política” (PLANO ESTRATÉGICO DO BNDES [1991-1994] apud COSTA, 2011,

p. 68).

Neste contexto, o Banco criou, em 1991, o Programa de Financiamento a

Exportações de Máquinas e Equipamentos (Finamex). Em seu primeiro ano, o

Finamex apoiou apenas operações de “pré-embarque”145, que totalizaram quase 33

145

O financiamento à exportação se divide em dois tipos de crédito: o financiamento à produção (pré-embarque) e à comercialização (pós-embarque).

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234

milhões de dólares e atenderam a oito exportadores. No ano seguinte, o Banco abriu

a linha para operações de “pós-embarque”.

A PICE incentivava a competição e a competitividade. Através da

liberalização comercial e de uma política de competição doméstica, visava aumentar

a exposição das empresas nacionais à competição, mas também tinha como

objetivo promover a capacitação das empresas, a reestruturação e o crescimento

num ambiente competitivo. Isso tudo por meio do apoio aos investimentos ao

desenvolvimento tecnológico (ERBER e VERMULM, 1993 apud CASTRO, 2014).

De acordo com o Plano, caberia ao Banco atuar em prol da expansão da

capacidade produtiva e do aumento da competitividade da economia brasileira, por

meio da potencialização da participação de recursos privados no financiamento dos

investimentos. O Banco deveria promover: i) a reestruturação da indústria, buscando

adequá-la a um maior grau de competição doméstica e internacional; ii) a

modernização e adequação da infraestrutura econômica, de forma a privilegiar a

realização de investimentos pelo setor privado; iii) a modernização do setor

agropecuário, priorizando a incorporação e difusão de novos conhecimentos

tecnológicos e; iv) a conservação do meio ambiente. O Plano teve como orientação

inicial a definição de um “mercado alvo”, seguida pela a necessidade de delimitação

de seus “produtos” de captação e de aplicação dos recursos, de forma que

houvesse uma maior participação de recursos privados na composição do funding e

mais eficiência administrativa nos empreendimentos a serem apoiados146. Em

terceiro lugar, foram enfatizados os esforços para a racionalização e modernização

organizacional, sobretudo por meio de serviços de suporte, sistemas de tecnologia

da informação (TI) e recursos humanos. Em quarto lugar, foram entendidas como

146

A administração dos recursos deveria: a) Estimular a emissão de debêntures por parte das empresas beneficiárias, em ofertas públicas ou privadas; b) Elevar a participação de outras fontes no financiamento das operações mediante prestação de garantia firme de subscrição, aval e outros mecanismos que viabilizem a securitização dos ativos do Sistema BNDES; c) Promover a monetização de ativos; d) Dinamizar a utilização de outros mecanismos de captação, procurando-se inserir o Sistema BNDES no mercado financeiro, através da emissão de títulos em volumes limitados; e) Conferir ênfase especial à administração do estoque de recursos, que pode se constituir no maior fator de alavancagem de recursos para o Sistema; f) Atuar no sentido de transformar o Condomínio de Capitalização da Empresa Privada Nacional (CONCAP) em instrumento de captação no mercado de capitais, utilizando-se recursos de instituições privadas nacionais e/ou internacionais e; g) Emitir títulos no mercado externo, tão logo o Banco Central volte a autorizar estas operações” (PLANO ESTRATÉGICO DO BNDES [1991 -1994], pp. 20 e 2, apud COSTA, 2011, p. 69).

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235

estratégicas ações de “comunicação social, relações institucionais e marketing”

(BNDES,1991 apud CASTRO, 2014, p. 244).

O Plano previu que nos setores de agricultura e indústria ele deveria ter até

70% de participação dos empreendimentos que tivessem como foco a capacitação

tecnológica, e até 60% nos demais, sendo que se as demandas fossem para as

regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, a participação poderia se elevar em dez

pontos. Ainda, para fortalecer a capacitação tecnológica, o estímulo à Pesquisa e

Desenvolvimento (P&D) foi intensificado pelo apoio à: i) gastos incrementais sobre o

ano anterior para empresas que tenham atividades contínuas e regulares de

Pesquisa, sem incorporar cláusula de risco; ii) transferência de tecnologia das

empresas de grande porte para as PMEs, em função de processos de

horizontalização da estrutura produtiva; iii) projetos de P&D entre empresas,

cooperativos ou através de subcontratação; e iv) implantação, nas empresas, de

centros de pesquisa e desenvolvimento no Brasil e no exterior, de laboratórios e de

departamentos de engenharia. No setor de infraestrutura, a participação do BNDES

não deveria passar de 60% nos projetos que fossem no Sul e Sudeste, e 70% no

Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Para viabilizar os investimentos, o Banco poderia auxiliar desde a concepção

até a montagem final da engenharia financeira dos projetos, apoiar financeiramente

a contratação de estudos de viabilidade e buscar possíveis empreendedores para os

projetos considerados relevantes pelo BNDES (PLANO ESTRATÉGICO DO BNDES

[1991-1994], apud COSTA, 2011). Ou seja, o Banco resignava-se à condição de

financiador e priorizava os interesses do setor privado. Além disso, nas políticas

operacionais da instituição, foram destacadas a capacitação tecnológica e o

incentivo à qualidade e à produtividade, mas os investimentos em setores com alto

potencial tecnológico não constaram entre as prioridades. “A perspectiva foi a de

garantir e efetivar as medidas umbilicalmente vinculadas à liberalização, tais como a

abertura à empresa estrangeira, os investimentos privados em infraestrutura e o

financiamento das exportações” (COSTA, 2011. p.71). O Estado, sob o

entusiasmado incentivo do BNDES foi, então, abrindo mão de ter um poder de

coordenação estruturante.

Em 1992, o BNDES administrava valores equivalentes a Cr$ 351,9 trilhões

(US$ 28,4 bilhões). Desse valor, Cr$ 42,8 trilhões (US$ 3,5 bilhões) referiam-se aos

fundos administrados pelo Banco, e Cr$ 309,1 trilhões (US$ 25 bilhões) eram

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236

provenientes basicamente do PIS-Pasep, do FAT e de empréstimos externos. Os

empréstimos contraídos no Brasil incluíam sobretudo dívidas do Tesouro Nacional e

recursos do Bacen para financiamentos específicos, contratados em moeda nacional

e estrangeira. Os empréstimos externos foram uma importante fonte de recursos do

Banco na década de 1980, obtidos junto à instituições financeiras internacionais,

como o Banco Mundial (BM) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

A partir de 1987, em função de entraves relacionados à negociação da dívida

externa (e da moratória), houve redução nos ingressos. No governo Collor, houve a

retomada de empréstimos externos junto a organismos internacionais - que se

efetivam em 1991 e 1992147 – mas os empréstimos junto à instituições financeiras

privadas permaneceram com a tendência de amortização sem novos ingressos. O

patrimônio líquido do Banco aumentou ao longo dos anos, e sua evolução no

período teria sido obtida pelo bom desempenho econômico-financeiro do banco,

além dos “desinvestimentos”, decorrentes de leilões, pregões e privatizações de

empresas da carteira do BNDESPAR (gráfico 7).

Gráfico 7– Estrutura patrimonial do passivo do BNDES entre 1987 e 1992 (valores em Cr$

Milhões Constantes

Fonte: Relatórios de Atividades do BNDES (1992).

147

Os valores, entre 1987 e 1992 foram, respectivamente, Cr$ 17.902.221, Cr$15.777.650, Cr$ 16.382.094, Cr$ 18.400.829, Cr$ 21.020.777 e Cr$ 20.154.309. As instituições foram o BID, o Eximbank, do Japão, e o Bird.

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237

Comparando o montante das operações aprovadas e realizadas pelo Banco,

em 1990 foram aprovados e desembolsados, respectivamente, valores de 40% e

17% inferiores ao ano de 1989. Também em termos de valores, a maior parte dos

recursos aprovados e desembolsados foi negociada diretamente com o Banco

(operações diretas), e a menor parte foi intermediada por instituições financeiras

credenciadas (operações indiretas)148 - gráfico 8. No primeiro triênio da década de

1990, houve uma redução das operações diretas do BNDES e o crescimento das

operações indiretas, no âmbito da FINAME.

Gráfico 8– Aprovações e desembolsos segundo a modalidade das operações (“a” e “b” =

períodos de 1989-1990*; “c” e “d” = períodos de 1991-1992**)

*Valores atualizados para preços de dezembro de 1990, com base no IPC; ** Valores atualizados para preços de dezembro de 1990, com base no IGP-DI

Fonte: Relatórios de Atividades do BNDES (1990) e (1992).

Em moeda constante, o valor total de consultas submetidas ao Sistema

BNDES, entre 1989 e 1990, caiu 16%, sendo que os setores de extração mineral,

148

Direto: operação realizada diretamente com o BNDES ou através de mandatário (necessária a apresentação de Consulta Prévia); Indireto: operação realizada através de instituição financeira credenciada, podendo ser automática, não automática ou pelo Cartão BNDES.

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238

agricultura e indústria de transformação foram os que sofreram maior queda de

demandas (-83%, -55% e -46%, respectivamente). Além disso, as aprovações

também caíram no período, o que é possível de compreender considerando-se o

contexto de mudanças econômicas e crise. Os relatórios de 1993 e 1994 mostram

que as consultas e as aprovações voltaram a cair em 1993, tendo se recuperado em

1994 – ano de implementação do plano Real. Além disso, em 1994 foram

elaboradas Políticas Operacionais para o Sistema BNDES que introduziram a Taxa

de Juros de Longo Prazo (TJLP) e ampliaram o apoio a empresas de capital

estrangeiro e ao setor de comércio e serviços (gráfico 9). Esse aumento nas

aprovações também reflete a melhoria na condição financeira do Banco, que teve

um lucro, ao final de 1994, cerca de US$ 530 milhões acima do ano anterior (US$70

em 1993 e US$ 600 em 1994). Neste ano, o Finame registrou um recorde histórico,

ao realizar mais de 80 mil operações e desembolsar cifras superiores às da década

de 1970. Em 1994, o BNDES concentrou 96% dos empréstimos ao setor privado.

Gráfico 9– Evolução das aprovações do Sistema BNDES entre 1985 e 1994 (em US$ mil)

Fonte: Relatório de Atividades do BNDES (1994).

Já entre 1990 e 1991, a demanda cresceu 9% e, entre 1991 e 1992, cresceu

7%. Entre 1990 e 1991, os setores nos quais as consultas mais cresceram foram os

de extração mineral (108%), indústria de transformação (45%) e agropecuária (28%);

entre 1991 e 1992, foram os de agropecuária (95%) e indústria de transformação

(7%), sendo que houve queda de -34% e -10%, respectivamente, nos pleitos dos

setores de extração mineral e de serviços (RELATÓRIOS DE ATIVIDADES DO

BNDES, 1990;1991;1992).

Em seu último ano à frente da presidência do BNDES, Modiano preocupava-

se em mostrar que, além de o BNDES ter se transformado no gestor das

0

1000000

2000000

3000000

4000000

5000000

6000000

7000000

1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994

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239

privatizações, a instituição também foi uma das protagonistas nas mudanças pelas

quais o país estava passando em outras áreas:

O BNDES passou a financiar as exportações, tanto na modalidade pré-embarque quanto na de pós-embarque. Também começou apoiar a modernização da agricultura, mediante o Finame rural – um programa de grande êxito –

financiando, inclusive, pessoas físicas. Redirecionou a sua política de empréstimo, abandonando o enfoque setorial e dando maior ênfase à competitividade da indústria acional, independente da sua posição setorial. Começou, ainda, a atuar na área do meio

ambiente: são as linhas que ostentam as condições mais favorecidas. E abriu, também, financiamento para empresas de capital estrangeiro, utilizando recursos captados no exterior. [...] Outra área em que nós também estamos começando a atuar é a de infra–estrutura, comandados pelo setor privado. O BNDES foi o grande financiador da infra–estrutura nacional para a área estatal e, agora, pretende dar o mesmo apoio, desde que a iniciativa seja privada. Isso é uma novidade. Tudo isso aumenta as frentes de atuação do banco e, certamente, diminui um pouco a nossa capacidade de empréstimo às nossas atividades tradicionais, na medida em que ela tem que ser dividida com novas atividades. Eu vejo isso como um fenômeno muito saudável, porque, como já falei, aumenta a competição e democratiza o acesso aos recursos do banco. Que estão bastante concentrados em determinados setores e em determinadas indústrias (MODIANO, 1992, pp. 9-10 apud COSTA, 2011, p. 81).

De fato, como é possível observar na figura 10, houve mudanças na

distribuição tanto dos recursos aprovados e desembolsados pelo Sistema BNDES,

com uma gradativa diminuição da participação da indústria, e a ampliação sobretudo

no ramo da agropecuária. Até o final da gestão de Modiano, o setor de serviços

também teve uma participação crescente nas aprovações do Banco, tendo retraído

em 1993 e voltado a crescer em 1994 – já sob a presidência do Pérsio Arida no

BNDES. Em porcentagem total das aprovações, observando-se a evolução entre

1986 e 1994, o ramo agropecuário foi ganhando atenção ao longo do período, ao

passo que a indústria de transformação apresentou uma porcentagem menor na

participação nas aprovações do Banco. Tais movimentos já demonstram o

enfraquecimento da indústria nacional com a liberalização.

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240

Figura 9– Aprovações do Sistema BNDES segundo ramos de atividade

Fonte: Relatório de atividades do BNDES (1990) e (1994).

Tendo a política industrial um caráter secundário ao longo do Governo Collor,

e diante da incapacidade de conciliá-la com a política de estabilização, o BNDES

não conseguiu avançar na concretização dos objetivos da Integração Competitiva e

na consecução dos propósitos do Plano Estratégico 1991-1994.

Quando Itamar Franco assume a Presidência do Brasil, Fábio Erber e

Guilherme Leite da Silva substituem Octávio Augusto Fontes Tourinho e Venilton

Tadini na diretoria do Banco. Além disso, durante o mandato de Itamar, o BNDES

teve três presidentes: Antonio Barros de Castro149, que entrou após a saída de

Modiano, e ficou de outubro de 1992 à março de 1993, Luiz Carlos Delben Leite150,

que ocupou a presidência entre março de 1993 à agosto do mesmo ano, e Pérsio

149

Egresso da Economia da UFRJ e da UNICAMP, também tinha vínculos com a Cepal – instituições com perspectiva dominante estruturalista. Castro era pesquisador e professor, e tinha a questão do desenvolvimento como principal aspecto de suas preocupações. Ele demitiu-se da presidência do BNDES por discordar de algumas modificações feitas no âmbito das privatizações, e após o consultor geral da República, José de Castro Ferreira, ter criticado a ele e a Paulo Haddad em entrevista ao jornal O Globo (COSTA, 2011).

150 Egresso da PUC-SP, ocupou o cargo por indicação do PMDB. Leite teve divergências com o Ministro do Planejamento, Aléxis Stepanenko, rejeitando interferências do ministro (como a troca da diretoria do Banco sem o seu aval). Além disso, Stepanenko acusou Leite de insubordinação e de informá-lo sobre o andamento do leilão de privatização da Cosipa. Ao sair do Banco, ele denunciou e instaurou uma sindicância para apurar irregularidades, como a falta de licitação na contratação de empresas de consultoria na área administrativa do BNDES à época em que Stepanenko ocupava a vice-presidência do BNDES. A saída de Delben Leite possibilitou que o comando do BNDES fosse destinado a alguém indicado por Fernando Henrique Cardoso e alinhado com os projetos por ele conduzidos (COSTA, 2011).

1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994

Outros 3 5 2 1 0 0 0 0 0

Serviços 31 38 31 21 25 28 34 26 32

Indústria de transformação 63 53 63 71 71 61 52 52 46

Agropecuária 1 2 3 5 3 10 12 21 21

Extração de minerais 2 2 1 2 1 1 2 2 1

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

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241

Arida151, que ficou de setembro de 1993 até janeiro de 1995. Ao ser alçado à

diretoria do Banco em 1992, Fabio Erber – que era funcionário de carreira do Banco

– dividiu a Área Industrial do BNDES em duas superintendências, cada uma com

quatro departamentos setoriais, e implantou as “gerências setoriais” (CASTRO,

2014).

O Relatório de Atividades de 1993 destacava o encerramento da privatização

de todas as empresas siderúrgicas de grande porte (Companhia Siderúrgica

Nacional (CSN), Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) e da Aço Minas Gerais

S.A. (Açominas), tendo sido o setor siderúrgico estatal virtualmente transferido para

o setor privado. Entre 1991 e 1993, foram privatizadas, ao total, oito empresas

siderúrgicas. No entendimento de Velasco Jr. (1997), os investimentos no setor

siderúrgico estavam paralisados por motivações legais152 (entre outras) e, à exceção

da Usiminas, todas as empresas siderúrgicas careciam de investimentos

significativos e urgentes, seja para modernização, seja para expansão. Então, não

seria possível uma separação entre o interesse do BNDES de recuperar créditos e o

interesse de apoiar o desenvolvimento do setor, pois ambos estavam indelevelmente

associados.

Assim, os financiamentos do BNDES para investimentos só foram retomados

após a desestatização das empresas do Grupo Siderbrás, das suas linhas regulares

de crédito do Banco. Se essa justificativa é em geral discutível, ela claramente não

aplica à Usiminas, empresa lucrativa, tecnologicamente atualizada e com porte

expressivo. Para o autor, esta empresa foi escolhida justamente para dar

credibilidade ao PND, a sinalizar a desejada ruptura com o passado e um leading

case do compromisso com a nova orientação política decididamente privatista.

Segundo informações do Relatório de atividades do PDN de 1994, a Medida

Provisória 772, de 20 de dezembro de 1994 (“ao apagar das luzes”), passou a

determinar que: i) as participações acionárias detidas por empresas não privatizáveis

passariam a ser passíveis de privatização; ii) a Comissão Diretora passaria a ser

151

Egresso da USP e do Massachusetts Institute of Technology, foi professor da PUC-Rio e da USP – atividade profissional que mesclava com a atuação no setor privado. Dedicava-se ao estudo da inflação e da estabilização. Assim como no caso de Modiano, nomeá-lo para a presidência do BNDES era uma maneira de alinhar o Banco aos pressupostos e objetivos da estabilização.

152 Em face do endividamento do setor, nos termos da legislação vigente, o Banco encontrava-se impossibilitado de financiar as siderúrgicas estatais. A Resolução 469, de 21.3.88, do Banco Central, impedia o acréscimo de endividamento das empresas públicas no setor (VELASCO JR. 1997).

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242

constituída por 15 membros, sendo que o presidente da Comissão e 5 membros

seriam indicados pelo presidente da República e por ele nomeados após aprovação

do Senado Federal; que 4 membros poderiam ser livremente nomeados pelo

presidente da República e; que 5 membros poderiam ser livremente indicados pelo

Senado Federal e nomeados pelo presidente da República); iii) Atribuiu ao

presidente da República a autoridade de definir as formas operacionais e os meios

de pagamento aceitos para aquisição de bens ou direitos no âmbito do PND. O

Presidente poderia ainda decidir quaisquer matérias no âmbito do PND e; iv) passou

ao Ministério da Fazenda a coordenação, supervisão e fiscalização do PND, além de

estabelecer que os ajustes de natureza operacional, contábil, ou jurídica e o

saneamento financeiro das empresas deveriam contar com a concordância do

Ministério. Além disso, permaneceram em vigor alguns dispositivos, como a

possibilidade de o presidente da República decidir quaisquer matérias no âmbito do

PND.

Em 1994, o Banco Central enquadrou o BNDES ao Acordo de Basiléia I153

(Resolução 2.099, de 17/08/94). Apoiando-se nas argumentações de Araújo (2013),

Lastres et al. (2014) apontam que incluir os bancos públicos de desenvolvimento no

Acordo da Basileia e adequá-los às normas do sistema financeiro aos mesmos

moldes das demais instituições bancárias - a despeito de suas funções e objetivos

distintos - é submetê-los a uma lógica que prioriza a redução de riscos nos

financiamentos, levando a distorções e reforçando desigualdades, desconsiderando

suas funções de apoio ao desenvolvimento.

Também em 1994 foi realizado, pela Área de Planejamento do BNDES, um

levantamento dos projetos de investimento em infraestrutura em curso no Brasil, dos

quais foram selecionados aqueles considerados prioritários nos segmentos de

transporte de carga e urbano, energia e telecomunicações – sobretudo nas regiões

153

As raízes do Acordo de Basiléia estão em 1974, quando os presidentes dos bancos centrais do G-10 (Bélgica, Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Holanda, Suécia, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos) decidiram criar, na Basiléia, um Comitê para discutir problemas de supervisão bancária, que não tem poder e força legal, mas que reporta-se aos presidentes dos bancos centrais do G-10 que sustentam suas iniciativas. Em 1988, foi firmado o Acordo de Capital de Basiléia (Basiléia I), cujos objetivos eram de implementar mecanismos de mensuração de risco de crédito e estabelecer às instituições financeiras a exigência de um padrão mínimo de capital. O Acordo contou com a participação de um número de países superior àqueles do G-10. Com as diversas crises financeiras e falências bancárias que ocorreram na década de 1990, concluiu-se que o Basiléia I não foi suficiente para reduzir de forma significativa a vulnerabilidade do setor bancário. Com isso, em 1999, o Comitê de Basiléia propôs o Acordo de Basiléia II, ampliando as recomendações de supervisão e de adequação bancária (PRADO e MONTEIRO FILHA, 2005).

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243

Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A demanda para tal estudo teria surgido, segundo

consta no Relatório de 1994, da necessidade de “nos prepararmos para um ciclo de

investimento em infraestrutura derivado da perspectiva de estabilização da economia

e da decorrente retomada do crescimento” (p. 65). Após a realização de um primeiro

levantamento, o Banco decidiu aprofundar as investigações, e a abordagem das

questões ligadas a infraestrutura foi dividida em: i) “Infra-Estrutura para Novas

Fronteiras” – vinculada à frente de expansão da agropecuária e; ii) “Infra-Estrutura

para a Competitividade” – vinculada ao setor industrial. Foram investigados os

obstáculos nessas duas frentes.

Paralelo a estas iniciativas, a Área de Planejamento também começou a

elaborar, naquele ano, um banco de dados sobre todos os projetos de infraestrutura

econômica e social no país, e todo esse conjunto de informações agregou ao

Sistema BNDES o mais completo acervo de dados acerca da situação da

infraestrutura nacional, permitindo ao banco direcionar seus investimentos no setor

de acordo com o que está na pauta da instituição.

Ainda em 1994, sob a gestão de Arida, foram produzidos estudos sobre a

reestruturação industrial e sobre os possíveis impactos para o país e os aspectos

institucionais da formação do Nafta e do Mercosul. O Banco também procurou

desenvolver uma metodologia para avaliar o desempenho competitivo das

empresas, e uma metodologia para analisar as tendências estratégicas de grandes

grupos econômicos (tendo-se analisado inicialmente seis grupos nacionais). Além

disso, objetivava divulgar as projeções macroeconômicas de agentes econômicos

internos e externos, considerados formadores de opinião e das consultorias de

mercado (RELATÓRIO DE ATIVIDADES DO BNDES, 1994). Durante sua gestão, foi

criada a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), houve a instalação de um comitê de

crédito e foi estabelecida uma classificação de riscos, além de ter aumentado o

número de aprovações e desembolsos para os setores de comércio e serviços.

Ao final do período de vigência do Planejamento Estratégico para 1991 –

1994, verificou-se que Banco não criou um programa específico para estimular a

produção de bens com alto potencial tecnológico; ao contrário, o único programa do

Banco voltado para a inovação tecnológica teve os desembolsos cortados pela

metade. Os investimentos permaneceram concentrados no incentivo à produção de

bens intermediários - setor com produtos tradicionalmente competitivos, que

historicamente contou com apoio do Banco.

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244

No lugar de incentivar e investir em setores com alto potencial tecnológico –

como sugeriram os Planos e estudos do banco - os recursos captados no exterior

foram utilizados para o financiamento de empresas estrangeiras e para importação

de equipamentos. Em ambos os casos, não houve qualquer exigência de

transferência de tecnologia. O que houve, sim, foram o incentivo às exportações e

ao aumento da competitividade por meio de reestruturação produtiva, o que

implicou, entre outras coisas, na criação de um programa de incentivo às

exportações (o Finamex) e a preferência a projetos, de qualquer setor, que visassem

a capacitação tecnológica e a reorganização do sistema de produção. Além disso, a

proposta de mudança no modelo de desenvolvimento, com a adesão à Integração

Competitiva, foi abandonada no governo de Itamar, tendo sido implementados os

elementos mais liberais da proposta, deixando de fora os aspectos que

possibilitariam a reconstrução do projeto de desenvolvimento no Brasil (COSTA,

2011).

Em termos de distribuição regional dos desembolsos do Sistema BNDES, é

possível ver que o Sudeste foi, ao longo de todo o período, a região que mais

recebeu recursos. O Nordeste e o Sul variaram entre a 2ª e a 3º posição como

destino dos desembolsos. O Centro-Oeste passou a ter destaque em 1992 a 1994.

O grande diferencial foram os recursos do BNDESPAR, movimentados em direção

ao Distrito Federal. Nos demais estados da região predominaram operações diretas

e indiretas do BNDES, além de recursos do Finame (figura 10).

Figura 10– Desembolsos do Sistema BNDES entre 1980 e 1994 (%)

Fonte: Relatórios do BNDES (1985), (1990) e (1994).

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994

Centro Oeste 4 4 6 3 3 6 4 4 4 4 4 4 14 17 17

Sul 18 21 17 16 15 14 17 23 17 20 22 20 22 21 24

Sudeste 57 53 48 43 49 53 57 48 57 47 42 44 44 46 44

Nordeste 19 20 21 27 27 20 16 17 16 19 23 25 17 13 12

Norte 2 2 8 11 6 7 6 7 7 9 9 6 3 4 3

0102030405060708090

100

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245

Com Fernando Henrique Cardoso na presidência do Brasil, a presidência do

BNDES passa para Edmar Lisboa Bacha154, que ocupou o cargo até novembro de

1995, até dar lugar a Luiz Carlos Mendonça de Barros155. Voltado a questões de

engenharia financeira do Banco, durante sua presidência, a definição e

concretização de uma política industrial e de desenvolvimento não teve prioridade.

Quando saiu do Banco, em abril de 1998, André Pinheiro de Lara Resende156 – seu

sócio no Banco Matrix - assumiu a presidência do BNDES, cargo que ocupou até

novembro do mesmo ano. Resende era considerado “menos desenvolvimentista”

que Barros, e durante sua breve gestão, as aplicações do BNDES diminuíram. Tanto

Barros quanto Resende deixaram a presidência do Banco após as denúncias de que

favoreceriam um dos consórcios no leilão das Teles, com o escândalo dos grampos

telefônicos que enfraqueceram a ala liberal-desenvolvimentista no Governo Federal -

já mencionados na sessão anterior157. No final de 1998, José Pio Borges158 (então

vice-presidente do BNDES) assumiu o comando da instituição – cargo que ocupou

até julho de 1999. É interessante observar que, com exceção de André Franco

Montoro Filho, no governo Sarney, os presidentes do BNDES (Dílson Funaro, Márcio

Fortes e Ney Távora) tinham fortes vínculos com o setor empresarial. “Já nos anos

1990, as escolhas parecem ter em vista aproximar o BNDES do núcleo duro da

154

Formado em economia pela UFMG, cursou sua pós-graduação na Universidade de Yale e foi professor de Economia na Fundação Getúlio Vargas, na Universidade de Brasília, na PUC-RJ e na UFRJ. Era mais ligado aos debates vinculados ao processo de estabilização e à macroeconomia do que às questões relacionadas ao desenvolvimento e às políticas industriais. Ficou na presidência do BNDES por apenas onze meses, e saiu da instituição, segundo suas alegações, porque pretendia dar aulas nos Estados Unidos.

155 Egresso da USP, do curso de Engenharia de Produção, foi professor da FGV-SP, consultor do CEBRAP e professor do curso de economia na Unicamp. Também atuou profissionalmente como analista financeiro e com consultorias, além de ter fundado e atuado como diretor do Banco de Investimentos Planibanc e do Banco Matrix. Apesar de ter uma formação mais vinculada às tendências desenvolvimentistas, e de ser considerado um ponto fora da curva frente ao núcleo neoliberal do governo de FHC, no BNDES, Barros deu suporte aos objetivos macroeconômicos do governo federal, e buscou auxiliar a instituição em questões de engenharia financeira.

156 Formado em economia pela PUC-Rio, com pós-graduação também em economia pela FGV. Também foi professor da PUC-Rio. Também atuou profissionalmente em Bancos de Investimentos, em conselhos administrativos de empresas de diversos ramos, ocupou a vice-presidência executiva do Unibanco e foi um dos fundadores do Banco Matrix.

157 Cabe lembrar que os representantes desta ala problematizavam a política macroeconômica implementada pelo Ministério da Fazenda, mas não promoviam articulações para a implementação de um projeto alternativo ou que fortalecesse uma política industrial.

158 Formado em Engenharia Mecânica na PUC-RJ e com Pós-graduação em Engenharia Industrial e Finanças na mesma instituição, atuou como membro no conselho de administração de empresas públicas e privadas.

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246

política econômica, blindando-o contra os interesses que pudessem colocar em

xeque os propósitos da estabilização” (COSTA, 2011, p. 202).

Em 1995, o Conselho de Administração do Banco passa a ser composto por

Antônio Rocha Magalhães, Edmar Bacha (novo presidente, que então passa a

ocupar a vice-presidência do Conselho), João Paulo Veloso, José Augusto

Assumpção Brito e Pérsio Arida (este último é o único da gestão anterior que

permanece). Apesar de o mandato ser de três anos, com a saída de Bacha da

presidência, os conselheiros que ingressaram em 1995 foram modificados, tendo

permanecido apenas João Paulo dos Reis Veloso. Em 1998, Barros deixa o BNDES

para assumir o Ministério das Comunicações, e é substituído por André Lara

Resende. O Conselho fiscal teve certa estabilidade, já a Diretoria do banco teve

praticamente todos os seus quadros alterados, à exceção de Elena Landau, que era

a responsável pelas privatizações. Em 1996, com a saída de Bacha da presidência,

todos os diretores foram substituídos, exceto José Mauro Carneiro da Cunha. Os

novos diretores eram técnicos de carreira do Banco, além de já ocuparem o cargo de

superintendentes (quadro 1) (COSTA, 2011).

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247

Quadro 1– Conselheiros e Diretores do BNDES (1995-1998)

Fonte: Adaptado de Costa (2011).

O Planejamento Estratégico do BNDES para o período de 1995-1999,

diferente dos anos anteriores, não resultou em um Plano para o triênio 1996-1999,

mas em 33 relatórios temáticos, com mais de três mil recomendações internas feitas

por mais de 200 profissionais (CASTRO, 2014). No Relatório de Atividades do

BNDES de 1995 (p. 4 e 5), Luiz Carlos Mendonça Barros, já no cargo de presidente

do Banco, disse que, ao tomar posse, já encontrou uma agenda bem definida para o

triênio 1996/1999. Tal agenda contemplava:

1 – a contribuição para a modernização e internacionalização da economia

brasileira, por meio do financiamento à reestruturação da indústria, ao comércio

exterior e à competitividade econômica. A reestruturação produtiva passaria, entre

outras coisas, pela desconcentração regional. Os financiamentos às exportações e

importações deveriam ser ampliados;

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248

2 – a coordenação do financiamento e a regulação dos investimentos

privados em infraestrutura econômica. Os investimentos, a manutenção e a

operação dos serviços públicos (sobretudo os vinculados à energia, comunicações,

portos, aeroportos e vias de transporte) deveriam ser transferidos para o setor

privado;

3 – o gerenciamento do PND, do FND e a secretaria do Conselho Nacional de

Desestatização (CND), apontando para uma extensão da atuação do BNDES nas

privatizações aos estados e municípios, tanto na elaboração de programas de

privatizações, como na articulação com a iniciativa privada em áreas como energia,

saneamento e transporte. Em 1995, o Banco já teria inaugurado uma nova fase,

dando suporte técnico às desestatizações nos governos estaduais e municipais;

4 – o desenho e ampliação do apoio às pequenas e médias empresas,

visando a geração de empregos, ampliação do crédito, formação de redes verticais e

horizontais de empresas e oferta de capital de risco para firmas intensivas em

tecnologia e dinâmicas;

5 – atuação com mais ênfase na área social, com prioridade para as questões

do emprego e do desenvolvimento regional.

Esta agenda confirma a pouca atenção conferida à capacitação tecnológica

das empresas e aos investimentos em P&D. Menciona-se ainda que, a partir de

1995, os relatórios mudaram de formato: entre outras modificações, deixaram de

apresentar as consultas, aprovações e desembolsos, tanto setorialmente quanto por

regiões brasileiras, para dar lugar a informações sobre questões de macroeconomia,

desempenho econômico-financeiro do banco, informações contábeis, etc. A

transformação foi significativa, aproximando-se de um típico relatório empresarial

(privado), em que os gestores mostram aos acionistas o quanto a empresa é

eficiente economicamente. Em outras palavras, os relatórios apresentam a

instituição cada vez mais como um banco como outro qualquer, e não como uma

agência pública voltada ao desenvolvimento econômico (e social).

A diminuição na transparência no que diz respeito às operações da instituição

impediu que se continuasse traçando um panorama comparativo por períodos,

seguindo a mesma metodologia que vinha sendo adotada, pelo acompanhamento

das tabelas e informações discriminadas ano a ano. Seja como for, na falta de

informações mais precisas para o período, recorreu-se às descrições contidas de

forma inconstante nos relatórios.

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249

Em 1996, foi criada a Área de Desenvolvimento Regional e Social do BNDES,

que teve Beatriz Azeredo, que era diretora de Política Social do IPEA, na direção.

Segundo texto do Relatório de Atividades de 1996, esta Área começou a atuar em

conjunto com as demais Áreas do banco, visando implementar uma nova política

operacional, referente aos investimentos apoiados pelo BNDES para a

reestruturação produtiva, que implicassem na demissão de trabalhadores. Tratava-

se da “obrigatoriedade de inclusão, nos projetos, de um programa de reciclagem

profissional e de estímulo à adoção de benefícios adicionais às obrigações

trabalhistas, que minimizassem os efeitos decorrentes da perda de postos de

trabalho” (RELATÓRIO DE ATIVIDADES DO BNDES, 1996, p. 23). Ou seja: era

uma mitigação aos efeitos nefastos da flexibilização do trabalho e do modelo de

modernização produtiva intensificado na época.

Segundo Costa (2011), o direcionamento do BNDES para a área social

estava fundamentado em estudos realizados em 1995 pelo corpo técnico do Banco.

Neste ano, foi criado um Grupo de Trabalho (GT) para formular diretrizes e

propostas que viabilizassem a atuação do Banco em programas que impactassem

na geração de emprego e renda e na modernização das relações de trabalho. Até

então, o BNDES só tinha experiência na administração do Finsocial (entre 1982-

1989).

O documento avaliava que houve muitos desgastes políticos, uma vez que

“grande parte dos projetos e instituições não tinha capacidade de aplicação racional

dos recursos, levando à sustação das transferências de recursos e às pressões

político-partidárias para que o dinheiro fosse liberado” (RELATÓRIO DO GRUPO DE

TRABALHO DO BNDES [Portaria 29/95] apud COSTA, 2011, p. 180). Em 1997, foi

criado o Fundo Social, destinado ao apoio financeiro não-reembolsável para projetos

de caráter social, além de ter começado a operar o Fundo para o Desenvolvimento

Regional com recursos da Desestatização - destinados a apoiar empreendimentos

nos municípios situados na área de influência da CVRD, como parte do

compromisso assumido pelo governo federal com o Congresso Nacional e os

estados na ocasião de privatização da CVRD (RELATÓRIO DE ATIVIDADES DO

BNDES,1997, p. 8). Em 1998, as operações não-reembolsáveis representaram

cerca de 6% dos desembolsos do Banco.

Em 1996, também foi criado o Programa de Crédito Produtivo Popular, que

tinha mecanismos de financiamento à população de baixa renda para proporcionar-

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250

lhes condições para a formação do seu próprio negócio (RELATÓRIO DE

ATIVIDADES DO BNDES, 1996).

Nesse mesmo ano, os recursos para infraestrutura nacional atingiram R$ 3,46

bilhões, um valor 412% maior do que os R$ 675 milhões de 1995. Entre os projetos

aprovados estavam: o gasoduto Brasil-Bolívia, a Hidrovia do Rio Madeira (na

verdade foram liberados recursos para a construção das embarcações que deviam

operar na hidrovia); Porto de Sepetiba, Metrô de São Paulo, Metrô do Rio de

Janeiro, Hidrovia Araguaia-Tocantins e obras de Saneamento Básico (na verdade,

obras de financiamento para projetos de privatização, apoiando empreendimentos

de concessionárias privadas nos municípios de Itu e Ribeirão Preto, em SP).

Ainda sobre infraestrutura, cabe ressaltar que, apesar de todo o esforço

iniciado em 1994 - no sentido formar um acervo de dados acerca da situação da

infraestrutura nacional, visando a execução do estudo dos Eixos Nacionais de

Integração e Desenvolvimento - em 1998, o BNDES contratou um consórcio de

empresas estrangeiras especializadas com o mesmo objetivo. O estudo contribuiria

para a elaboração do Plano Plurianual de Investimentos do governo federal (o Plano

Avança Brasil). Numa curiosa abdicação do que havia sido desde sua origem uma

de suas marcas, o BNDES abdicava do papel de formulador de propostas e

contratava empresas estrangeiras para delinearem as diretrizes do desenvolvimento

nacional. Era um gesto claro de desqualificação tanto do corpo técnico quanto das

informações acumuladas pelo Banco ao longo dos anos e, inclusive na elaboração

de seus planos estratégicos.

Em 1997, em consonância com a prioridade conferida pelo governo federal de

apoio às exportações, o BNDES ampliou as operações de financiamento ao

comércio exterior, reformulando o antigo Finamex e transformando-o no Produto

BNDES-Exim159. Além de bens de capital, o Banco passou a financiar a exportação

de serviços de engenharia e de bens como produtos químicos, eletrônicos, têxteis,

calçados, couro e alimentos. Existia a expectativa de que este fosse o embrião de

um Eximbank nacional. Entre 1996 e 1997, houve um salto de cerca de 205% nos

desembolsos de apoio às exportações, num total de 1.237 operações de

financiamento (Gráfico 10).

159

A linha de financiamento Exim do BNDES, criada em 1991, até o primeiro semestre de 1997, era denominada FINAMEX.

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251

Gráfico 10– Desembolsos do BNDES para apoio às exportações (em US$ bilhões)

Fonte: Além (1998, p. 15).

Entre 1997 e 1998, houve um aumento de cerca de 73%, atingindo um

montante de 2,4 bilhões de reais. Segundo o Relatório de Atividades de 1997, a

maior parte das operações foi de até US$ 500 mil, o que comprovaria que o BNDES-

Exim teria flexibilidade para atuar com pequenas e médias operações e empresas –

que já estariam se valendo da oferta de crédito do Banco para colocar seus produtos

manufaturados no mercado externo. Como será apresentado mais adiante, de fato,

o número de operações vinculadas às exportações foi alto, tendo sido demandado

por uma ampla gama de empresas de diferentes portes.

Houve também, no ano, uma ampliação no apoio ao setor de comércio e

serviços, com destaque ao varejo (supermercados, shoppings centers, parques

temáticos voltados ao turismo, redes de livrarias, etc).

Cabe destacar que a justificativa para o maior estímulo a estes setores estava no fato de serem polos geradores de emprego. Carlos Rebouças, chefe do Departamento de Operações para a Área de Comércio e Serviços, afirmou: “Estamos investindo em setores que geram renda e emprego. A indústria está fechando seus postos de trabalho” (DINHEIRO DE SOBRA, 1996, p. 96) (COSTA, 2011, p. 185).

A esse respeito, Costa (2011, p. 191) argumenta que

ao invés de agir como think tank, fornecendo elementos que

permitissem a elaboração de uma estratégia de política industrial capaz de ser compatibilizada com a política macroeconômica e viabilizar a exequibilidade da primeira, o BNDES age de maneira compensatória. Direciona recursos para o setor de serviços para minimizar as mazelas sociais geradas pelo processo de reestruturação industrial e pelas políticas fiscal e monetária e não busca viabilizar uma estratégia de desenvolvimento de médio e longo

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252

prazo. Em meados da década de 1980, quando o Banco formulou o modelo de Integração Competitiva e defendeu uma estratégia que primasse pela promoção das exportações, das privatizações e dos investimentos privados em infraestrutura, havia por detrás desta plataforma uma estratégia de desenvolvimento de médio e longo prazo, da qual se pode discordar, mas não negar sua existência. Mesmo as privatizações eram concebidas como meio de viabilizar a retomada do desenvolvimento e não como algo a serviço das metas macroeconômicas. Não parece ser este o cenário posto no primeiro mandato de FHC.

Certamente, não lembrou o dirigente do Banco, que registrar que o

crescimento do setor terciário tende a gerar “empregos mais precários e menos

protegidos pela legislação trabalhista do que o setor industrial” (GONZAGA, 1998, p.

125)160.

O PND foi acelerado em 1997 e as operações de antecipação de recursos

aumentaram a lucratividade e o capital de giro do BNDES, aumentando também a

atuação do BNDESPAR no mercado secundário. No ano seguinte, houve a maior

arrecadação com operações de privatização.

Entre as empresas privatizadas no período, estava a CVRD, cuja venda foi

amplamente questionada, entre outros motivos, pelo fato da empresa ser uma

estatal eficiente e rentável e de ser a maior exportadora de minério de ferro do

mundo, atuando como importante player global. Costa (2011) afirma que

nesse processo, o BNDES agiu como um verdadeiro demiurgo. Além de ter mobilizado cento e vinte advogados e alugado quatro jatinhos para conter as liminares que antecederam o leilão, justificava a venda por meio de declarações como a do gerente do Departamento de Desestatização, Paulo Libergott: “Estamos vendendo a empresa para manter os padrões de eficiência que ela alcançou. O dinheiro que falta para investir na companhia está disponível no setor privado” (LEILÃO da pesada, 1997, p. 102) (COSTA, 2011, p. 185).

Apesar de a questão tecnológica não estar presente na agenda do banco,

mencionada por Barros no Relatório de 1995, o BNDES criou, em 1997, o Prosoft –

que buscava ofertar crédito e fomentar a indústria de software no Brasil. Contudo,

apesar de ser inegável a importância da criação de um programa como esse, não se

pode negligenciar o seu aspecto pontual em um contexto de não valorização de

160

Para o autor, era evidente que no Brasil os empregos gerados eram cada vez mais precários. Além disso, eles exigem menos qualificação e apresentam uma taxa de rotatividade maior do que o setor industrial.

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253

outras iniciativas na mesma direção. A fragilidade da carteira Prosoft ressalta

quando se verifica que, até 2004, foram contratadas apenas 28 operações com R$

61 milhões em volume financiado e R$ 100 milhões em investimento (FINGERL,

2004 apud COSTA, 2011).

No Relatório de Atividades de 1998, o então presidente da instituição, José

Pio Borges de Castro Filho, aponta que cerca de 90% dos desembolsos do Banco

destinaram-se ao setor privado – um crescimento significativo, se comparado com os

77% de 1997. O recuo na participação do setor público deveu-se a não realização

de recursos do processo de privatizações (que haviam sido realizados em 1997), e

aos limites estabelecidos pelo governo federal para o apoio do BNDES ao setor

público.

Além disso, nesse ano, 52% dos desembolsos foram realizados de forma

indireta – ou seja, por instituições financeiras credenciadas-, e a maior parte dos

desembolsos destinou-se aos setores de infraestrutura e indústria. O ano de 1998

também marcou a realização das primeiras operações do Programa de

Modernização das Administrações Tributárias Municipais (PMAT), que visava

fortalecer a capacidade de geração de receita própria dos municípios a partir de sua

receita tributária. Foram atendidos cerca de 50 municípios e despendidos 150

milhões de reais. Na figura que segue é possível observar como comportaram-se

setorialmente os desembolsos do Sistema BNDES entre 1995-1998.

Figura 11- Desembolsos no período 1995-1998 por setor (%)

Fonte: Adaptado de Costa (2011). Obs: Os dados utilizados pela autora tiveram como fonte o Relatórios do BNDES (1999) e Além (1998).

1995 1996 1997 1998

Infraestrutura 26 31,5 45,6 43,7

Serviços 6,3 16,6 8,3 9,5

Indústria de transformação 56,3 43,8 33,8 40

Agropecuária 10,4 7,5 7,8 7,1

Extração de minerais 1 1,5 4,2

0102030405060708090

100

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254

O Relatório ainda destaca que os ativos do BNDES vinham crescendo nos

últimos anos. Os ativos do banco teriam passado, entre 1997 e 1998, de 59,1

bilhões de reais para 80,8 bilhões de reais, e os financiamentos e repasses teriam

passado de 40,5 bilhões de reais para 56 bilhões de reais. Entre 1993 e 1998, os

desembolsos do Banco mais que quadruplicaram. Esse crescimento devia-se ao

aumento no volume de operações de financiamento (além de sua diversificação) – o

que seria crédito da estabilização da economia nacional, do aumento da captação

de recursos externos de longo prazo, das vendas de ações da carteira da

BNDESPAR, das privatizações, dos aportes vindos de novas fontes de recursos

(FAT-Proemprego), da reciclagem do ativo do Banco através do reempréstimo do

retorno (amortizações e juros) de sua carteira de créditos (COSTA, 2011).

Durante o segundo mandato de FHC na presidência do Brasil (1999 - 2002), o

BNDES teve quatro presidentes. O primeiro foi Pio Borges, que já vinha sendo

desde o final de 1998 e ocupou o cargo até julho de 1999. Em julho de 1999, com a

reforma ministerial promovida por FHC, o Ministério do Desenvolvimento incorporou

a área de Comércio Exterior e transformou-se no Ministério do Desenvolvimento,

Indústria e Comércio Exterior (MDICE), que teve inicialmente Clóvis Carvalho à sua

frente. Neste período, sob influência de José Serra, Andrea Sandro Calabi161 passou

a ocupar a presidência do BNDES, ficando até fevereiro do ano 2000. A saída de

Clóvis Carvalho do MDICE teria dificultado sua permanência no cargo. Costa (2011)

aponta que a ida de Calabi para o BNDES visava fortalecer a ala liberal-

desenvolvimentista – plano que teria ruído com a demissão de Carvalho. Ocorre que

Carvalho, após discursar em seminário promovido pelo PSDB criticando o Ministério

da Fazenda162, foi demitido e substituído por Alcides Tápias – o que demonstrava o

poder do Ministério da Fazenda e de Pedro Malan, e “demonstrou estarem os rumos

da política econômica sob a custódia deste ministério” (COSTA, 2011, p. 215).

Ainda segundo a autora,

161

Economista formado pela USP, com mestrado na mesma instituição e professor da mesma instituição. Também foi professor do Instituto de Pesquisas Econômicas de São Paulo, Presidente do IPEA, do Banco do Brasil e Secretário de Economia e Planejamento e da Fazenda durante o governo Sarney.

162 "Ajustes não podem ser entendidos como camisa de força para iniciativas voltadas ao desenvolvimento. Dá, sim, para ousar mais, arriscar mais. E o excesso de cautela, a essas alturas, será o outro nome para covardia" (A ÚLTIMA vítima de Malan, 1999 apud COSTA, 2011, p. 214-215).

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255

Tápias não era próximo de Calabi e irritava-se com o fato de ele reportar-se mais a José Serra do que ao Ministério do Desenvolvimento. [...] O ex-presidente do BNDES também havia incomodado Armínio Fraga, no leilão da Copene, quando tentava favorecer o grupo Ultra e evitar a desnacionalização da empresa. Tápias disse a FHC que só permaneceria no ministério se Calabi saísse do BNDES. Conseguiu a demissão, mas a indicação para a presidência do Banco atrelou-se aos pressupostos e à linha econômica da Fazenda/Bacen, tornando estes dois atores ainda mais poderosos (COSTA, 2011, p. 252 - 253).

Calabi foi substituído em fevereiro de 2000 por Francisco Roberto André

Gros163, que tinha um perfil financista e convergia com a perspectiva da política

econômica adotada pela fazenda. Gros exerceu a presidência do Banco por quase

dois anos, até janeiro de 2002, quando foi para a presidência da Petrobras. Em seu

lugar entrou Eleazar de Carvalho Filho164, que deu continuidade à gestão anterior e

também tinha um perfil financista. Eleazer ficou no cargo até janeiro de 2003.

Cabe apontar que no Relatório de Atividades do Banco de 1999 – ano em que

estiveram à frente do Banco nomes considerados liberais-desenvolvimentistas -, a

mensagem da diretoria diz que: “Foi dada continuidade, em 1999, a uma filosofia de

atuação que vem sendo construída nos últimos anos e que imprime flexibilidade

operacional ao BNDES, adequando-o às demandas de um mercado cada vez mais

globalizado (p. 8). Costa (2011) chama atenção que “em tese, os bancos de

desenvolvimento devem ter funções mais de estímulo, fomento e direcionamento da

economia do que de adequação a ela” (p. 226). Ao observar os encaminhamentos

futuros do Banco no período, verificar-se-á que o Banco foi abrindo mão de um

papel indutor, resignando-se a um papel de fomento e de adequação às orientações

de governo e do mercado – que também pautavam crescentemente as ações do

governo.

O BNDES ter aberto mão de articular e promover políticas para a indústria

que não fossem submissas às questões macroeconômicas (o que já vinha

163

Formado em Economia pela Universidade de Princeton, com mestrado na Universidade de Columbia. Foi Presidente do Banco Central durante o governo Sarney e no governo Collor. Atuou também no Mercado Financeiro e com mercado imobiliário.

164 Formado em Economia pela Universidade de Nova Iorque, com mestrado em Relações Internacionais pela John Hopkins University, e em Gestão Financeira Corporativa pela Harvard Business School. Atuou profissionalmente no Banco Crefisul de Investimento, na Alcoa Alumínio, no Banco Warburg Dillon Read, foi diretor da AlcoaPrevi, do Grupo Garantia e Presidente do Banco UBS.

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256

ocorrendo, mas agora de forma abertamente anunciada) já era, por si só, um

movimento institucional desfavorável para o setor. Isso é ainda mais impressionante

se observado o contexto, em que o Brasil passava por um franco processo de

desindustrialização (gráfico 11). Por mais que a parca recuperação da indústria

verificada após 1999 tenha ocorrido devido a diversos fatores, entre eles moeda

relativamente desvalorizada, as políticas econômicas postas em prática após os

anos 1990 são apontadas por Carneiro (2008) como o principal fator responsável

pela desindustrialização precoce. Cabe lembrar que o BNDES foi, muitas vezes,

entusiasta justamente dessas políticas. Nos governos de FHC, as ações do Banco

não representaram um contraponto ao Ministério da Fazenda e do Banco Central.

“Ao contrário, ele voltou-se mais para o cumprimento da meta destes últimos,

atuando de forma compensatória, do que para a redefinição de uma estratégia de

desenvolvimento” (COSTA, 2011, p. 191).

Gráfico 11- Grau de industrialização - Indústria de transformação/PIB (%)

Fonte: Carneiro (2008). Obs: Dados do IBGE- Contas Nacionais.

No fim de 1999, ainda na gestão de Calabi, teve início um novo processo de

planejamento para o período de 2000-2005, que foi marcadamente vinculado à

atuação do BNDES junto ao mercado de capitais. Este Plano, diferente dos

anteriores, foi fruto de definições da cúpula do banco. Isso facilitou para que as

diretrizes institucionais fossem enquadradas no ideário neoliberal que predominava

no governo de FHC. Além da Presidência do banco, que era cada vez mais afinada

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257

com as políticas macroeconômicas do Ministério da Fazenda, a diretoria da

instituição também contava com nomes de perfil financista165.

A figura usada no Plano Estratégico 2000-2005 já diz tudo. Era um diagrama com uma figura oval no meio, dourada, escrito “mercado de capitais”. Dela saiam “raios” na direção de várias caixinhas menores, onde se liam as demais prioridades do Banco (Modernização dos Setores Produtivos, Infraestrutura, Exportação, Desenvolvimento Social, Micro e Pequenas Empresas, Atuação Regional e Privatização). O mercado de capitais era o sol, que “iluminava” todo o resto. Por aí você vê a importância atribuída ao mercado de capitais nessa fase do Banco (Entrevistado A) (CASTRO, 2014, p. 246-247).

Segundo consta no Relatório de Atividades do Banco de 2000, já assinado

por Gros, o mercado de capitais foi considerado um fator-chave, e seu fortalecimento

garantiria que as metas estabelecidas pelo plano fossem atingidas. A missão do

BNDES agora era “promover o desenvolvimento do país, elevando a competitividade

da economia brasileira, priorizando tanto a redução de desigualdades sociais e

regionais quanto a manutenção e geração de emprego”. O Banco incorporou, pela

primeira vez, a prioridade ao social, ao desenvolvimento regional e ao emprego. As

“dimensões da visão 2005” apontadas pelo Plano dividiam-se em:

i) Modernização dos Setores Produtivos - por meio da crescente

participação do mercado de capitais, o Banco apoiaria a modernização da cadeia

produtiva e de seus elos, visando dotá-la de padrões internacionais de

competitividade. Nos setores em que as empresas brasileiras já eram consideradas

capazes de competir globalmente (petroquímica, papel e celulose, mineração e

metalurgia), o BNDES visava apoiar o processo de reestruturação. Ou seja, o banco

não pretendia traçar novas diretrizes para emplacar uma política industrial; ao

contrário, iria reforçar o que já estava pronto, sem estimular mudanças. Além disso,

essa declaração corrobora para o apontamento de Carneiro (2008), que argumenta

que a política econômica de viés liberal, adotada pelos governos a partir da década

de 1990 [e pelo BNDES], teve como maior efeito “uma re-especialização da estrutura

produtiva em segmentos intensivos em recursos naturais e uma perda de

165

Costa (2011) aponta que, apesar da lógica da diretoria fundamentalmente contar com técnicos de carreira do Banco, entre os anos de 1999 e 2002, ao menos um dos cinco diretores provinha de bancos de investimento. Era o caso de José Luiz Osório (Banco de Investimento Garantia), diretor em 1999; Eleazar de Carvalho Filho (UBS), diretor em 2001; Octávio Castello Branco (JP Morgan), diretor em 2001; e Eduardo Bunker Gentil (JP Morgan e Goldman Sachs), diretor em 2002.

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258

adensamento das cadeias produtivas” (RELATÓRIO DE ATIVIDADES DO BNDES,

2000, p. 25).

ii) Infra-Estrutura - os investimentos em infraestrutura econômica

(transporte, energia e telecomunicações) seriam norteados pelo estudo

encomendado a consultores externos, dos Eixos Nacionais de Integração e

Desenvolvimento. É por meio destes investimentos que se buscava reduzir os

desequilíbrios regionais e o "custo Brasil";

iii) Exportação – as operações do BNDES-Exim deveriam dobrar até o ano

de 2005, chegando a 25% do total de desembolsos;

iv) Desenvolvimento Social – visava-se quadriplicar o percentual de

aplicações em projetos sociais, passando de 4% para 17% do total de desembolsos

em 2005. Tais aplicações englobariam os investimentos que impactassem

diretamente no desenvolvimento social e na melhoria da qualidade de vida da

população, como “infra-estrutura urbana (saneamento e transporte urbano de

massa); serviços sociais básicos (saúde e educação); modernização da gestão

pública; e manutenção e geração de oportunidades de trabalho e de renda”

(RELATÓRIO DE ATIVIDADES DO BNDES, 2000, p. 9);

v) Ação Regional – visava-se elevar a participação das regiões de menor

desenvolvimento relativo (Norte, Nordeste e Centro-Oeste) na renda nacional, por

meio principalmente do financiamento aos chamados "projetos estruturantes" e às

empresas de menor porte (RELATÓRIO DE ATIVIDADES DO BNDES, 2000).

Nem a inovação tecnológica nem a integração competitiva compareceram

com destaque neste Plano.

No ano 2000, a atuação do BNDES bateu recordes: i) desembolsos no

montante de R$ 23,39 bilhões, isto é, 17% acima do ano anterior; ii) 105 mil

operações, isto é, 72% maior em comparação com o exercício anterior; iii) lucro

líquido de R$ 866,6 milhões, segundo maior da história do Banco, superado apenas

pelo registrado em 1996 (R$ 963 milhões); iv) carteira de créditos e de valores

mobiliários de R$ 87,8 bilhões, 18,8% superior ao valor registrado em 1999 (R$ 73,9

bilhões)166 (RELATÓRIO DE ATIVIDADES DO BNDES, 2000, p. 8). No gráfico que

segue é possível observar o avanço dos desembolsos no período entre 1995 e

2002.

166

Valores de 2000.

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259

Gráfico 12– Evolução dos desembolsos – R$ milhões (1995 – 2002)

Fonte: Estatísticas operacionais do Sistema BNDES. Disponível em: <https://goo.gl/EvZ2Xs>. Acesso em 31/12/2015.

À exceção do ano de 2002, os desembolsos tiveram pequenos crescimentos.

O salto verificado no último ano do período decorreu principalmente do recebimento

de recursos do Tesouro Nacional, visando garantir investimentos no setor elétrico

num contexto de crise energética. Sobre a questão da crise do colapso energético,

Costa (2011) aponta que o BNDES agiu a reboque da crise, não tendo cumprido o

papel de uma instituição de desenvolvimento, ainda mais se considerando que o

setor havia passado por um processo de desestatização gerenciada e conduzida

pelo Banco, e que a perspectiva e o modelo que permearam o processo tiveram

grande peso na crise. De acordo com a autora, mesmo sendo um Banco de

Desenvolvimento, o BNDES negligenciou as dimensões da política, da produção e

do lugar do Estado no desenvolvimento, sendo incapaz de pautar na agenda

governamental políticas de desenvolvimento que estabelecessem um contraponto à

lógica da Fazenda/Bacen, e não construindo um diálogo e coordenação com outros

atores.

No ano de 2001, sob a gestão de Gros, o BNDES passou por uma reforma

administrativa, que visou estruturar o Banco em áreas, sob a perspectiva cliente-

produto, para que a política do Banco se adequasse às estratégias das empresas

(mudança que era buscada desde a formulação do projeto da Integração

Competitiva, no ano 1990). Entre outras mudanças, definiu-se que a Área de

Planejamento teria vinculação à política de desenvolvimento definida no âmbito do

governo (lembrando, como foi visto na sessão anterior, que as políticas de

desenvolvimento eram sufocadas e sofreram indefinição frente às metas

0

10

20

30

40

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

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260

macroeconômicas desenvolvidas no âmbito da Fazenda) e às diretrizes

estabelecidas para o Banco (lembrando que as diretrizes do período foram definidas

pela cúpula, e não pelo corpo técnico da instituição). Neste processo, a Área de

Planejamento do Banco perdeu seu protagonismo institucional que, como foi

mostrado anteriormente, teve em diversos momentos passados a capacidade de

influenciar esferas políticas governamentais.

A lógica top down torna-se ainda mais evidente quando comparamos o Plano Estratégico 2000-2005 com os planos estratégicos 1985-1987, 1988-1990 e 1991-1994. Vimos que, nestes últimos, a Área de Planejamento foi protagonista e não apenas adaptou-se e incorporou as diretrizes definidas pela cúpula. Ao contrário, alguns dos objetivos e diretrizes estabelecidos nestes planos não foram definidos como prioridades pela Alta Administração e não foram cumpridos. Ao observar esta nova atribuição, não podemos deixar de pontuar, novamente, a questão da perda de posição de poder e de influência por parte do Banco na definição de uma agenda de desenvolvimento. Esta última, além de ter sido absolutamente frágil na era FHC, partiu de fora da instituição para dentro dela. [...] ainda em relação a esta Área deve-se salientar o fato de ter se excluído de suas atribuições a incumbência de elaborar metas para as demais áreas do Banco (COSTA, 2011, p. 246).

Não obstante essa avaliação, Costa (2011) considera que a gestão de Gros

não representou mudanças significativas para o BNDES, o que se deveu não tanto

por ausência de força ou de projeto, mas porque o Banco já estava enquadrado

antes mesmo de sua chegada.

Apesar de ter capitaneado a reforma administrativa de 2001 e a formulação do Plano Estratégico 2000-2005, seu projeto não representou mudança significativa na lógica com a qual a instituição operava. O BNDES já estava “enquadrado” antes de Gros. Neste sentido, mostramos que as dimensões do Plano Estratégico 2000-2005 apenas sistematizaram diretrizes presentes nos anos 1995-1999 e consolidaram um BNDES desvinculado de estratégias de política industrial e de desenvolvimento e também incapaz de atuar decisivamente em prol da inserção destes temas na agenda governamental. Assim, deve-se observar que, desde Mendonça de Barros, todos os presidentes repetiam enfaticamente o mesmo objetivo para a instituição: a ampliação das exportações e dos incentivos às pequenas e médias empresas. Gros deixa a presidência do Banco para ir para a Petrobras e, em seu lugar, assume o então diretor, Eleazar de Carvalho Filho, cujo perfil se assemelhava ao de seu antecessor (COSTA, 2011, p. 253 – grifo nosso).

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261

Assim, encerrando a análise do lugar e do papel do BNDES ao longo do

governo de FHC, e concordando com Costa (2011), verificou-se “terem sido

fundamentais as ações do BNDES, não para viabilizar as metas da política de

desenvolvimento, pois esta foi incipiente durante toda a era FHC, mas para a

concretização dos objetivos estratégicos do governo” (p. 245).

4.2.2 A questão regional brasileira ao longo da década de 1990

Apesar do artigo 3º da Constituição Federal de 1988 estabelecer entre os

princípios fundamentais da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza

e da marginalização, assim como a redução das desigualdades sociais e regionais,

as opções conservadoras de política econômica e o abandono das estratégias de

combate às iniquidades inter-regionais foram marcas dos governos que se seguiram

(BRANDÃO, 2013). A década de 1990 foi marcada pela ausência de políticas de

planejamento do desenvolvimento regional e urbano, e pela emergência da prática

de oferta de benefícios fiscais e financeiros, como forma de atração de investimentos

por parte dos governos estaduais e municipais– a chamada “guerra fiscal”. Assim, os

capitais privados se beneficiaram de verdadeiros "leilões de lugares" (BRANDÃO,

2012).

Neste quadro, a seletividade dos investimentos teria definido tendências

pontuais de desconcentração e também de (re)concentração regional. No que diz

respeito à desconcentração regional, Pacheco (1998 apud SIQUEIRA, 2013) aponta

que houve uma crescente diferenciação econômica inter e intrarregional, e sub-

regiões de maior dinamismo surgiram no interior das macrorregiões brasileiras,

passando a conviver com regiões estagnadas e de menor dinamismo.

Siqueira (2013) aponta que, além dos efeitos das mudanças

macroeconômicas que ocorreram durante a década de 1990, a abertura comercial e

a integração do Mercado Comum do Sul (Mercosul) repercutiram nas

especializações setoriais e nas estratégias dos grupos empresariais. A dinâmica

regional foi fortemente condicionada pela realização de novos investimentos e pela

relocalização de plantas dos setores têxtil e calçadista para o Nordeste, bem como

do complexo grãos-carne para o Centro-Oeste. A diferenciação econômica regional

foi ampliada pela atração de empresas dos setores têxtil e calçadista (Ceará, Bahia,

Paraíba), automobilístico (Ford na Bahia, Troller no Ceará, General Motors no Rio do

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262

Sul, e Renault/Nissan e VW/Audi no Paraná) e pela expansão das atividades de

turismo e seus serviços e infraestrutura de apoio.

Assim, nos vinte anos desde a crise da dívida até o final do governo FHC

(1982/2002), “as transformações regionais decorreram mais da ‘desestruturação’,

dos impactos diferenciados espacialmente da crise econômica e das opções

conservadoras de políticas macroeconômicas, privatizações, abertura dos mercados

etc. levadas a cabo, do que de qualquer “reestruturação” ou intencionalidade”

(BRANDÃO, 2013, p. 166).

Sobre o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995–2002), cabe ressaltar

que, como argumenta Fiori (1997), “ele não traiu suas ideias”: assumindo que o

Brasil só tinha espaço para o crescimento associado num sentido lato, houve a

internacionalização crescente dos nossos mercados, com a internacionalização e a

dependência ampliada tanto do Estado - que se retirou do setor produtivo com o

enfraquecimento e privatização de empresas estatais (além do esvaziamento do

papel de fomento ao setor produtivo por parte do BNDES e seu direcionamento ao

apoio às privatizações), quanto da economia, que passou a ser aberta. Este teria

sido, para o autor, um governo que não teve projeto, a não ser a “manutenção do

status quo do ponto de vista dos interesses fundamentais das classes

conservadoras e do nosso status internacional de associado internacional norte-

americano leal, de alinhamento automático em tudo” (FIORI, 1997, p. 179).

Uma estratégia da época para adaptar a maneira de planejar o

desenvolvimento à abertura comercial, liberalização financeira, privatizações, etc.,

foram os “Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento”, fruto de uma pesquisa

coordenada pelo BNDES, em 1998, em conjunto com o Ministério do Planejamento,

Orçamento e Gestão. A pesquisa foi realizada pelo Consórcio Brasiliana, composto

por empresas privadas especializadas167, contratadas para orientar os estudos do

que deveria ser uma política pública de ordenamento territorial. Ou seja: em um país

com um quadro satisfatório de intelectuais capacitados para formar uma equipe para

pensar o desenvolvimento nacional, optou-se por consultorias estrangeiras.

Considerando que o rearranjo e reorganização contínuos das escalas espaciais são

parte integrante das estratégias e lutas sociais por controle e ganho de poder

167

Booz Allen & Hamilton, Bechtel International e ABN Amro Bank. Essas empresas formaram o que, certamente por ironia, recebeu o nome de Brasiliana, já que todas essas empresas são transnacionais.

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263

(SWYNGEDOUW, 1997, p. 141), deixar que o território nacional seja pensado e

alterado segundo modelos e lógicas externas é apenas uma das expressões do que

Aníbal Quijano (2000; 2005) chama de colonialidade do poder168.

O recorte do território nacional em eixos de integração e desenvolvimento

buscou identificar os gargalos e os elos faltantes, através da recuperação e

expansão dos serviços de infraestrutura econômica - transportes, energia e

telecomunicações. A retórica oficial era de que se somaram à preocupação com a

infraestrutura econômica os aspectos sociais, ambientais e de informação e

conhecimento. O Consórcio Brasiliana tinha por base os doze eixos sugeridos pelo

edital, que foram reduzidos a nove após os estudos de viabilidade e interesse

econômico (mapa 2). Este estudo identificou uma série de oportunidades de

investimentos - praticamente um portfólio - da ordem de US$ 165 bilhões, apontados

como indispensáveis para o desenvolvimento da economia brasileira.

O Estado incumbia-se da função de identificar novas oportunidades de

investimento e oferecer a infraestrutura necessária, abrindo caminho para a iniciativa

privada. A dependência do capital estrangeiro (além do capital privado nacional)

para os investimentos, segundo Souza (2013), configurava um reescalonamento

para cima da política, ao mesmo tempo em que renovava a presença estatal.

Na estratégia seriam privilegiadas as áreas que já tinham potencial de

competitividade global, mas não haviam propostas para as regiões e áreas com

baixo potencial de rentabilidade aos investimentos, que não despertavam o interesse

econômico nos investidores, e tinham pouca capacidade de se conectarem ao

mercado global.

168

Para Aníbal Quijano, a colonialidade não se esgota no colonialismo. Ela expressa, uma série de relações de poder mais profundas e duradouras que se mantém arraigadas nos paradigmas hegemônicos, legitimando e naturalizando posições assimétricas nas quais são localizados territórios, populações, subjetividades, formas de trabalho e conhecimentos (QUIJANO, 2000; 2005).

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264

Mapa 2- Eixos propostos pelo estudo do Consórcio Brasiliana

Fonte: Mesquita (2009) – Adaptado de Consórcio Brasiliana. Disponível em:

<http://www.prp.ueg.br/revista>. Acesso em 05/07/2013.

Através da construção de infraestruturas para o adequado escoamento de

mercadorias, os eixos consistiam em uma estratégia para promover a inserção

internacional competitiva dos espaços subnacionais (GALVÃO e BRANDÃO, 2003).

Tratava-se de integração de infraestruturas, principalmente rodoviária e

ferroviária, visando englobar áreas que não estavam totalmente integradas ao

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265

mercado nacional e internacional169. Isso ilustra a afirmação de que Estado atua no

Brasil como um grande vetor da mobilidade (a “fuga para frente”), na medida em que

atuou, em diversos momentos, como provedor de grandes sistemas nacionais de

suporte infraestrutural, “sinalizando e fomentando novos horizontes territoriais e

setoriais de inversão, com amplas oportunidades rentáveis, subsidiadas e de baixo

risco” (BRANDÃO 2010, p. 56) ao capital privado nacional e estrangeiro.

Os eixos caracterizavam-se como grandes espaços que, segundo o estudo,

reuniam características e potencialidades, as chamadas "vocações econômicas" - a

exemplo dos Eixos Oeste e Araguaia-Tocantins, classificados como espaço de

colonização recente, com baixa densidade populacional e predominantemente

agrícola, e que poderia se constituir um novo espaço para a expansão das

atividades agrícolas (com destaque para a exportação). Este grande espaço teria

papel complementar ao da Rede Sudeste e da periferia dinâmica do Sul.

Neste cenário, estaria emergindo um novo tipo de regionalismo, chamado por

Vainer (2009) de paroquialismo mundializado: locais com recente dinamismo

beneficiados por novos fatores de competitividade que os articulam para fora do

país, e tendem a romper laços com o resto do território nacional. Nas palavras do

autor:

O neo-localismo competitivo se estrutura, via de regra, a partir de posições adquiridas ou pretendidas em circuitos produtivos que, de maneira direta ou indireta, se conectam verticalmente nas escalas nacional e, sobretudo, internacional. No caso de posições já adquiridas, não raro se observa a forma do neo-paroquialismo mundializado (VAINER, 2009).

Ao fim, além dos investimentos previstos pelo estudo dos Eixos não terem

ocorrido no volume esperado, os investidores atraíram-se predominantemente para

as regiões mais desenvolvidas e com inserção nas correntes de comércio

internacional mais consolidada. Sem o instrumento crucial de papel coordenador das

estatais – que estavam sendo privatizadas - o raio de manobra para o Estado operar

espacialmente no território foi reduzido (MONTEIRO NETO, 2006). Mais uma vez, a

169

O Consórcio Brasiliana tinha por base os doze eixos sugeridos pelo edital, que foram reduzidos a nove após os estudos de viabilidade e interesse econômico.

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266

adoção de práticas liberais – que confiam ao mercado os rumos do desenvolvimento

– mostraram que o prumo não pende para o equilíbrio.

Em 1999, foi criado o Ministério da Integração Nacional170 (MIN) mas, no ano

seguinte, houve o fechamento da SUDENE e da SUDAM, o que pode ser entendido

como o marco simbólico do fim do planejamento regional brasileiro (OLIVEIRA e

WERNER, 2013).

A adoção de moldes liberais foi contraproducente no que diz respeito ao

dinamismo do mercado interno, o que reverberou nas desigualdades regionais.

Monteiro (2005) sintetiza, na tabela 10, as taxas de Crescimento do PIB Total e do

PIB per capita entre os anos de 1960 a 2002, contrapondo a “fase de 'ouro' da

intervenção estatal na questão regional, e o período pós-reformas liberais” (P. 74).

Na tabela que segue é possível observar o quão menos dinâmico foi o crescimento

sob a égide do modelo mais liberal da economia nacional, com taxas de expansão

das economias regionais menores que as observadas na fase de declínio do período

desenvolvimentista, e que seguiram declinando à medida em que o modelo foi se

aprofundando.

170

Segundo a Folha de São Paulo (2001), o MIN teria sido criado para atender aos interesses do PMDB. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u19887.shtml>.

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267

Tabela 13- Taxas Anuais de Crescimento* do PIB Total e do PIB per capita no período de 1960 a 2002: Antes e Depois das Reformas Liberais (%)

Fonte: Monteiro Neto (2005, p. 75).

A retomada do planejamento para o desenvolvimento regional no país voltou

à cena somente em 2007, quando então foi ratificada pelo Plano Pluri-Anual 2008-

2011, que definia como 6º objetivo “reduzir as desigualdades regionais a partir das

potencialidades locais do território nacional” (BRASIL, 2007a, p. 46). Foi então

elaborada a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR).

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268

5 CAPÍTULO 4 – A ERA PT

Como foi visto no capítulo anterior, ao longo da década de 1980 e início da

década de 1990, não havia clara hegemonia de um bloco ou fração de classe. Mas,

como aponta Sallum Jr. (2003), apesar de o liberalismo econômico só ter se tornado

politicamente hegemônico no Brasil nos anos de 1990, essa hegemonia começou a

ser socialmente construída já na segunda metade da década anterior.

Este foi um período marcado por uma intensa disputa ideológica, econômica e

política entre duas frações de classe dominante: a primeira era a grande burguesia

interna industrial, sobretudo a paulista, que desejava em algum grau a manutenção

do Estado planejador, que continuasse implantando investimentos e ampliando os

mercados internos. A segunda era a grande burguesia comercial e, sobretudo, a

bancária-financeira, que, como apontam Sallum Jr. (1996; 1999; 2000; 2003), e

Filgueiras (2000; 2005; 2012), se articulavam em torno de uma proposta de

desenvolvimento vinculada a “um processo de liberalização comercial e financeira

que integraria o país aos movimentos de globalização dos espaços, buscando

aproveitar brechas existentes para a promoção de alguns setores dinâmicos da

economia nacional” (PINTO, 2010, p. 237).

Apesar do avanço do ideário liberal nos primeiros anos da década de 1990,

com a Reforma do Estado, as privatizações e a abertura comercial e financeira

iniciadas durante o governo voluntarista de Collor, não havia neste período uma

definição clara nem acerca de um projeto de desenvolvimento nacional, nem de uma

fração de classe hegemônica171. De acordo com Pinto (2010), mesmo com uma

fração bancária-financeira cada vez mais influente nas políticas governamentais,

ainda não se verificava a supremacia incontestável de uma fração dominante entre

171

Mesmo com a definição de uma hegemonia neoliberal não há a definição de projeto de desenvolvimento nacional. Ao contrário, como aponta Vainer (2007), há a abdicação de qualquer projeto de desenvolvimento nacional. No contexto da globalização contemporâneo, os setores burgueses hegemônicos – e mesmo os não hegemônicos – não acreditam em “desenvolvimento nacional” e, como consequência, não se articulam em torno de um “projeto de desenvolvimento nacional”, nem mesmo em torno de um “projeto nacional de desenvolvimento globalizado”. Eles abdicaram da nação. Com a fração reinante estreitamente vinculada às ideias de desenvolvimento local, de empreendedorismo territorial, de atração de capitais, de marketing urbano e de planejamento estratégico, há a “submissão da nação fragmentada a uma globalização que se projeta sobre os lugares. Com o apoio de consultores internacionais ou de agências multilaterais que elaboram e difundem a retórica do planejamento competitivo e das estratégias territoriais empreendedoristas, o neo-localismo competitivo, espécie de “paroquialismo mundializado”, constitui ele também vetor da fragmentação” (p. 7).

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269

aquelas que compunham o bloco no poder no Brasil. Como aponta Sallum Jr.(2000),

no lugar de ampliar as afinidades com a burguesia paulista, o governo FHC

sintonizou “com as orientações daquilo que Chesnais denomina capitalismo mundial

financeirizado (CHESNAIS, 1998a; 1998b apud SALLUM JR, 2000).

Com a implementação do Plano Real no governo de Itamar Franco,

consolidado nos dois mandatos de FHC, o modelo neoliberal se fortaleceu no Brasil,

num contexto em que

a fração dominante mundial da grande burguesia bancária-financeira internacional sediada, sobretudo, em Wall Street – “auto-declarada” no poder por meio das instituições “supranacionais”, sob forte influência estadunidense e das potências europeias – exigem políticas de estabilização para os países latino-americanos. O Plano Real se inseriu na família de planos de estabilização adotados em toda América Latina ao longo dos anos 1990. De fato, o modelo liberal brasileiro nasceu como uma necessidade construída a partir de exigências globais consubstanciadas pelo movimento de globalização financeira e de reestruturação produtiva; contudo, o plano tornou-se viável apenas a partir da adesão das frações dominantes brasileiras [...]. O bloco no poder brasileiro havia definido o projeto de desenvolvimento a ser seguido: o modelo neoliberal de integração passiva aos movimentos da globalização (PINTO, 2010, p. 241-242 – grifo nosso).

Ou seja: foi no Governo de Fernando Henrique Cardoso que se definiu um

bloco no poder de viés neoliberal, que se caracterizava pela hegemonia da fração

bancária-financeira frente às demais frações do bloco dominante. Este período

contava também com as frações industriais nacionais, que se inseriram de forma

subordinada aos movimentos da grande burguesia bancária-financeira externa -

representada pelos fundos de pensão, os fundos mútuos de investimentos e os

grandes bancos multinacionais e nacionais - representada pelos grandes grupos

econômicos-bancários-financeiros nacionais que sobreviveram ao processo de

globalização, seja devido à sua capacidade competitiva ou à associação

subordinada a capitais estrangeiros (FILGUEIRAS, 2006 apud PINTO, 2010, p. 242).

A estratégia liberalizante privilegiou a esfera financeira frente às atividades

produtivas e comerciais, em função das políticas de juros altos e câmbio

sobrevalorizado – que funcionaram como “bombas de sucção dos recursos do

Estado e das atividades produtivas e comerciais para os detentores, locais ou

estrangeiros, de capital financeiro” (SALLUM JR. 2003, p. 46). Haveria, assim,

grande afinidade entre “o predomínio do fundamentalismo liberal no bloco político

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270

hegemônico e a fase da “financeirização da riqueza” que caracteriza o capitalismo

mundial contemporâneo” (SALLUM JR. 2003, p. 46).

Contudo, ao final da década de 1990, a fração reinante na cena política já

demonstrava certa fraqueza, em função de críticas do meio empresarial, explicitadas

sobretudo através de documentos produzidos no âmbito do Instituto de Estudos para

o Desenvolvimento Industrial (IEDI) e da Fiesp, como foi mostrado na seção 4.2.

Diante das sucessivas crises ao final do governo FHC (políticas, partidárias e

econômicas), em 2003, pela primeira vez na história brasileira, foi eleito no país um

presidente de origem popular, que trouxe para junto de seu governo nomes fortes da

esquerda política e intelectual brasileira.

Neste momento, cabe resgatar a noção de Estado e de bloco no poder

presente em Poulantzas (1978; 1986), para quem Estado é entendido como a

condensação material de uma relação de forças entre as classes e as frações de

classe. E as características específicas da luta de classes desta formação capitalista

torna possível – tal qual foi demonstrado anteriormente - a definição e o

funcionamento de um bloco no poder, que é composto por várias classes e frações

de classe que são politicamente dominantes, entre as quais uma exerce um papel

hegemônico.

Apoiando-se em Poulantzas e Marx, Teixeira e Pinto (2012) apontam que o

bloco no poder expressa a especificidade histórica através da configuração datada

das relações entre as classes dominantes no Estado capitalista. Tal especificidade

histórica, por um lado, estabelece a relação entre “um jogo institucional particular

inscrito na estrutura do Estado capitalista, jogo que funciona no sentido de uma

unidade especificamente política do poder de Estado” e, por outro lado, “uma

configuração particular das relações entre classes dominantes: essas relações, na

sua relação com o Estado, funcionam no seio de uma unidade política específica

recoberta pelo conceito do bloco no poder” (POULANTZAS, 1977, p. 224 apud

TEIXEIRA e PINTO, 2012, p. 918). A hegemonia pode ser restrita ou ampla. Quando

ela é exercida somente internamente ao bloco no poder dominante, esta seria do

tipo restrita. Quando a hegemonia alcança o conjunto da sociedade (dominantes e

dominados), tratar-se-ia da hegemonia ampla, que não elimina a luta de classes,

pois os interesses específicos de cada fração de classe não são eliminados.

Importante então é destacar que:

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271

O bloco no poder é formado pelas classes (e frações) que ocupam o lócus da dominação da luta política de classes, ou seja, que têm áreas de poder (centro de poder = poder real) no seio do Estado [...] ele participa do espaço de dominação política. De maneira geral, a fração ou classe dominante a exercer a hegemonia restrita ao bloco no poder também é aquela que assume a hegemonia ampla. A regra geral da dupla função de hegemonia de uma determinada fração dominante depende, no entanto, da conjuntura das forças sociais (TEIXEIRA e PINTO, 2012, p. 919 – grifo nosso).

Assim, é preciso evitar a confusão entre as dinâmicas da cena política -

circunscrita no campo dos partidos - e as dinâmicas no plano das práticas políticas

de classe que, apesar de poderem interpenetrar-se, não formam uma unidade

indissociável, tal como foi apresentado logo na introdução deste trabalho.

Viu-se na seção anterior que, ao longo da década de 1990 e início dos anos

2000, houve a consolidação de um bloco no poder com ideário neoliberal, cuja

hegemonia era exercida pelo capital financeiro. Progressivamente, este bloco no

poder foi-se articulando nos órgãos estatais que mais detinham o poder de ditar os

rumos do desenvolvimento nacional e de representar os próprios interesses sob a

retórica do pragmatismo, objetividade e tecnicidade - que espraiariam suas

benesses ao conjunto da sociedade. Contudo, apesar de sua clara consolidação no

poder ter-se ocorrido durante os dois mandatos do PSDB, viu-se que tal movimento

não ocorreu de uma hora para outra, assim como não foi exclusivamente

dependente dos rumos da política partidária e dos ocupantes da presidência. Em

alguns casos, o ideário neoliberal foi sendo propagado dentro do próprio Estado,

antes mesmo de se ter uma clara hegemonia no interior do bloco no poder e de se

ter definido o grupo político que ocuparia os mais altos cargos estatais – como no

caso de algumas recomendações que partiram do próprio BNDES e de seu corpo

técnico, ainda na década de 1980 e início da década de 1990.

Na seção 5.1 deste capítulo, será discutido o que aconteceu na cena política

entre os anos de 2003 e 2014. Verificar-se-á também o que ocorreu neste período

com o bloco que vinha se consolidando no poder e o perfil das políticas econômicas

e produtivas adotadas. A respeito especificamente dos rumos da questão regional,

na subseção 5.1.1 serão discutidas as políticas e as medidas com potencial para

enfrentar a questão das desigualdades regionais de desenvolvimento.

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272

Na seção 5.2 apresentar-se-á o que transcorreu no âmbito do BNDES, mais

especificamente no que diz respeito ao ideário presente na retórica oficial da

instituição, através de análise dos planos e relatórios institucionais. Na seção 5.3,

serão apreciados, o volume de operações, de desembolsos do Banco e o perfil dos

mesmos, discutindo-se como estes se apresentam diante das políticas públicas e

dos projetos e estratégias espaciais de Estado. Na seção 5.4, serão apresentadas

as considerações finais do capítulo.

5.1 A cena política e o Bloco no Poder entre 2003 e 2014

Na campanha eleitoral, Lula abandonou a retórica de ruptura com o modelo

neoliberal e prometeu que as mudanças a serem introduzidas respeitariam os

contratos e compromissos assumidos (CARTA AOS BRASILEIROS, 2002). Na base

de alianças muito amplas, construídas com critérios pouco claros e totalmente

pragmáticos, Lula assumiu a Presidência do Brasil num contexto em que pairavam

(e eram semeadas) dúvidas sobre seu futuro governo, preconceitos quanto às suas

origens e insinuações de que ele não teria o necessário preparo intelectual para o

exercício da Presidência.

Filgueiras (2015) defende que o processo de “transformismo” do PT teria se

iniciado já a partir dos anos 1990, após a derrota das forças de esquerda

representadas pela candidatura de Lula nas eleições. Tal transformismo político teria

sido acompanhado pelo transformismo ideológico, ético e operacional.

Em seu discurso de posse, em 1º de janeiro de 2003, o novo Presidente

reiterou sua convicção na necessidade de mudanças, assegurando que elas não

ocorreriam de forma apressada.

Diante do esgotamento de um modelo que, em vez de gerar crescimento, produziu estagnação, desemprego e fome; diante do fracasso de uma cultura do individualismo, do egoísmo, da indiferença perante o próximo, da desintegração das famílias e das comunidades, diante das ameaças à soberania nacional, da precariedade avassaladora da segurança pública, do desrespeito aos mais velhos e do desalento dos mais jovens; diante do impasse econômico, social e moral do país, a sociedade brasileira escolheu mudar e começou, ela mesma, a promover a mudança necessária. Foi para isso que o povo brasileiro me elegeu Presidente da

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República: para mudar. Este foi o sentido de cada voto dado a mim e ao meu bravo companheiro José Alencar172. [...]Vamos mudar, sim. [...] tendo consciência de que a mudança é um processo gradativo e continuado, não um simples ato de vontade, não um arroubo voluntarista. Mudança por meio do diálogo e da negociação, sem atropelos ou precipitações, para que o resultado seja consistente e duradouro.173

Além disso, apontou que uma das prioridades do seu governo seria o

combate à fome e à miséria, avaliando que era inadmissível que tal problema

persistisse num país “que conta com tantas terras férteis e com tanta gente que quer

trabalhar”.174

Explicitamente, em seu discurso de posse havia uma crítica aos modelos de

desenvolvimento adotados historicamente no Brasil, que nunca lograram (ou se

empenharam) em reverter o problema básico da extrema pobreza:

O Brasil conheceu a riqueza dos engenhos e das plantações de cana-de-açúcar nos primeiros tempos coloniais, mas não venceu a fome; proclamou a independência nacional e aboliu a escravidão, mas não venceu a fome; conheceu a riqueza das jazidas de ouro, em Minas Gerais, e da produção de café, no Vale do Paraíba, mas não venceu a fome; industrializou-se e forjou um notável e diversificado parque produtivo, mas não venceu a fome. Isso não pode continuar assim. 175

Para compor a equipe de governo, Lula escolheu nomes emblemáticos do

Partido dos Trabalhadores para ocupar cargos de grande relevância para os rumos

do desenvolvimento nacional: Antonio Palocci176 para o Ministério da Fazenda, José

Dirceu177 para a Casa Civil, Guido Mantega178 para o Ministério do Planejamento,

172 O Vice-presidente do Brasil era um empresário do Partido Liberal. Foi fundador da Companhia de

Tecidos Norte de Minas (Coteminas), além de ter se dedicado às entidades de classe empresarial, tendo sido presidente da Associação Comercial de Ubá e do Sistema Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e diretor da Associação Comercial de Minas Gerais.

173 Discurso de Posse do Presitente Luiz Inácio Lula da Silva (2003). Disponível em: https://goo.gl/NjAzCI.

174 Idem.

175 Idem.

176 Formado em medicina pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, militou na juventude em diversas correntes de esquerda, e foi co-fundador do PT e presidente do partido entre 1997 e 1998. Foi Vereador de Ribeirão Preto, Deputado do estado de São Paulo, Deputado federal e prefeito por duas vezes de Ribeirão Preto, mandato que exercia quando se licenciou em 2002 para se dedicar à campanha de Lula para presidente e, posteriormente, ocupar o Ministério da Fazenda.

177 Teve vasta história de militância política na juventude. Formou-se em direito pela PUC-SP e possui mestrado em economia pela mesma instituição. Após voltar do exílio político em 1983,

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Orçamento e Gestão e Tarso Genro179 para a Secretaria de Desenvolvimento

Econômico e Social. Em 2003, foi criado o Ministério das Cidades, e o ministro

escolhido por Lula foi Olívio Dutra180, que ficou no cargo até 2005, sendo sucedido

por Márcio Fortes181.

A criação de tal ministério e o lançamento da Política Nacional de

Desenvolvimento Regional (PNDR) pelo Ministério da Integração Nacional (MIN) no

mesmo ano, foram auspiciosas novidades para as políticas regional e urbana no

Brasil. Apesar de ter sido negociada e firmada durante a gestão de FHC, outra

política com potencial para gerar significativos impactos territoriais foi a Iniciativa

para Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) que, a partir de

2003, passou a contar com o crescente protagonismo do Brasil e de empresas

nacionais no financiamento e na execução de seus projetos. Esta política também

será abordada mais adiante do texto. O MIN havia sido criado em 1999. No Governo

Lula, os ministros desta pasta foram Ciro Gomes182 (PPS), que abandonou o

participou das atividades que resultariam na fundação do PT, e passou a ser um militante do partido em tempo integral. Em 1982, assumiu a secretaria de formação política e, ao longo dos anos, ocupou distintos cargos de relevância na estrutura partidária. Em 1986, foi eleito deputado estadual e, em 1990, deputado federal por São Paulo.

178 Egresso do curso de Economia da USP, fez mestrado e doutorado em Ciências Sociais (o mestrado foi sob orientação de Fernando Henrique Cardoso). Foi professor de economia no curso de mestrado e doutorado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da FGV. A partir de 1993, trabalhou como assessor econômico do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e sempre atuou no PT pela via técnica.

179 Formado em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), iniciou sua carreira política no MDB, sendo eleito vereador em Santa Maria em 1968. Desde a fundação do PT, Tarso figura nos quadros do partido. Foi deputado constituinte de deputado Federal, vice-prefeito de Porto Alegre (com Olívio Dutra prefeito). Foi prefeito de Porto Alegre entre 1993 e 1996 e entre 2001 e 2004.

180 Formado em Letras e funcionário concursado do Banrisul, iniciou sua militância no Sindicato dos Bancários do RS. Participou da fundação do PT, sendo presidente do partido entre 1980 e 1986. Em 1986, foi eleito deputado federal constituinte e, em 1988, venceu as eleições para a prefeitura de Porto Alegre, o que inaugurou um período de 16 anos de gestão petista na capital do RS. Neste período foi lançado o Orçamento Participativo, que viria a servir de modelo de gestão popular em várias cidades do Brasil. Em 1998, ganha as eleições para governador do RS, e sua gestão é lembrada pela criação da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e pela adoção do Orçamento Participativo no âmbito do estado.

181 Bacharel e doutor em direito pela UFRJ e diplomata formado pelo Instituto Rio Branco. Ocupou diversos cargos de secretariado e presidiu o conselho de administração de várias estatais do setor elétrico entre os governos de Collor, Itamar e FHC. No governo Lula, já havia participado da secretaria-executiva do MDIC durante a gestão de Furlan, cargo em que permaneceu até assumir o Ministério das Cidades.

182 Ciro é formado em direito pela UFCE. Iniciou sua carreira política pelo PDS (partido sucessor da Arena), partido pelo qual elegeu-se deputado estadual do Ceará, em 1982. Em 1983, trocou de partido, indo para o PMDB, legenda a que pertencia quando reelegeu-se deputado, em 1986. Em 1988, participou da fundação do PSDB, mesmo ano em que foi eleito prefeito de Fortaleza. Em 1990, elegeu-se governador de Fortaleza, tendo sido o primeiro governador eleito pelo PSDB.

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ministério para concorrer à Camada dos Deputados em 2006, sendo sucedido por

Pedro Brito do Nascimento183 que, por sua vez, foi substituído por Geddel Vieira de

Lima184 (PMDB), em março de 2007. Carlos Lessa185 foi designado para a

presidência do BNDES.

Mais vinculados a setores das frações de classe hegemônicas no bloco no

poder: Henrique Meirelles186, que tinha o apoio do mercado financeiro, ocupou a

presidência do Banco Central; Luiz Fernando Furlan187 foi para o Ministério do

Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Roberto Rodrigues188 ficou com o

Ministério da Agricultura.

Abandonou o governo para ocupar o Ministério da Fazenda na gestão de Itamar Franco, em 1994. Permaneceu no PSDB até 1996, quando filiou-se ao PPS para concorrer à presidência da República nas eleições de 1998.

183 Egresso da Faculdade de Ciências Econômicas da UFC e mestre em Administração Financeira pela Coordenação dos Programas de Pós Graduação em Engenharia (COPPE) da UFRJ. Profissionalmente, era funcionário de carreira do Banco do Nordeste do Brasil. Também atuou na área acadêmica, sendo professor na Universidade de Fortaleza (UNIFOR), na Universidade Estadual do Ceará (UECE) e em outras instituições. Também já havia ocupado os cargos de superintendente de finanças e a presidência do Banco do Estado do Ceará, e foi secretário da Fazenda do estado do Ceará.

184 Formado em administração pela UNB. É administrador de empresas, pecuarista, cacauicultor na Bahia. Foi vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal, e ex-deputado federal eleito cinco vezes pelo PMDB.

185 Formado em 1959 em ciências econômicas pela antiga Universidade do Brasil, em 1960 recebeu do Conselho Nacional de Economia o título de mestre em análise econômica. Cursou o doutorado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Tem larga carreira docente, tendo lecionado no Instituto Rio Branco do Itamaraty; ministrou cursos na CEPAL e no ILPES da ONU, no Instituto para Integração da América Latina, na Universidade do Chile, na Unicamp e na UFF, entre outras. Começou a dar aula na UFRJ em 1978, instituição em que inclusive foi reitor, no ano de 2002.

186 Formado em engenharia civil na USP, fez mestrado em Administração no COPPEAD/UFRJ, cursou o Advanced Management Program (AMP) na Harvard Business School em 1984. Ingressou em 1974 no Bank of Boston. Em 1984, tornou-se presidente do ramo brasileiro desta instituição e tornou-se CEO em 1996, quando foi criado o BankBoston Corporation. Em 1999, após a fusão do BankBoston Corporation com o Fleet Financial Group e a formação do FleetBoston Financial, Meirelles assumiu a presidência de Global Banking desta instituição. Meireles era filiado ao PSDB e havia inclusive sido eleito para o governo do estado de Goiás naquele mesmo ano – cargo que abandonou para assumir o Banco Central.

187 Furlan formou-se em Engenharia Química na Faculdade de Engenharia Industrial (FEI), e em Administração de Empresas pela FEA/PUC-SP. Também é especialista em Administração Financeira, pela FGV-SP, e em Aprimoramento Empresarial pela USP. Ocupava o cargo de presidente do Conselho de Administração da Sadia, e havia sido vice-presidente da Fiesp. Teria sido chamado para participar do governo por sua habilidade como negociador e por suas posições a favor da produção nacional.

188 Engenheiro agrônomo com especialização em administração rural. Atuou academicamente como professor do Departamento de Economia Rural da Unesp. Ocupava o cargo de presidente da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag) desde 1999. A Abag é uma entidade que reúne grandes empresas e cooperativas do agribusiness, a exemplo da Monsanto e de bancos e cooperativas agrícolas. No Itamaraty, foi representante do setor privado rural no Conselho Empresarial de Comércio Exterior. Além disso, foi representante do setor no Conselho Monetário Nacional, no início da década de 1990.

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276

Uma série de medidas implementadas durante este período teriam

consolidado o que Filgueiras e Gonçalves (2007, p. 24) chamaram de modelo

neoliberal periférico: um modelo marcado pela concentração de riqueza e renda,

com reduzidas taxas de investimento, inserção internacional passiva e grande

vulnerabilidade externa estrutural.

No que diz respeito à política macroeconômica, foram mantidas as mesmas

linhas adotadas durante o governo FHC – a exemplo do câmbio flutuante, dos

superávits primários, metas e formas de controle de inflação.

André Singer (2012) argumenta que, tanto durante as eleições quanto depois

de assumir a presidência, Lula manteve a ordem neoliberal estabelecida desde a

década de 1990, buscando não confrontar o capital, adotando uma política

conservadora e mantendo o que fora definido nos mandatos anteriores. Marcaram o

início do seu governo a elevação das taxas de juros por parte do Comitê de Política

Monetária do Banco Central (de 25% para 26,5%), o aumento da meta de superávit

primário (que passou de 3,75% para 4,25% do PIB), cortes no orçamento público,

congelamento do poder de compra do salário mínimo, além de uma reforma

conservadora da previdência social.

Além disso, o governo sinalizava a necessidade de:

uma reforma sindical e das leis trabalhistas–, além de alterar a Constituição para facilitar o encaminhamento, posterior, da proposta de independência do Banco Central e dar sequência a uma nova fase das privatizações, com a aprovação das chamadas Parcerias Público-Privadas (PPP), no intuito de melhorar a infraestrutura do país – uma vez que a política de superávits primários reduz drasticamente a capacidade de investir do Estado (FILGUEIRAS, 2006, p. 168).

Como resultado, após o primeiro ano de governo, o desemprego passou de

10,5% (dezembro de 2002) para 10,9% (dezembro de 2003), enquanto a renda

média do trabalhador caía em 12,3%. O crescimento da economia recuou de cerca

de 2,7% nos últimos doze meses de FHC para 1,3% nos primeiros doze meses do

PT. Já no que diz respeito aos resultados para as instituições financeiras, estas

apresentaram um resultado 6,3% maior.

Já entre 2003 e 2004, o PIB cresceu 5,7%, beneficiando as camadas de

menor renda, produzindo também um alto lucro para as empresas. Em 2005, o

salário mínimo foi aumentado em 8,2% acima da inflação (nos anos anteriores os

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277

aumentos reais tinham sido somente de 1,2%). Apesar de uma segunda onda

contracionista lançada pelo Banco Central em setembro de 2004, este aumento do

salário mínimo possibilitou a ativação do mercado interno. Além disso, havia outros

estímulos de transferência de renda e expansão do crédito, em particular o

Programa Bolsa Família, cujos desembolsos foram multiplicados por treze vezes

entre 2003 e 2006, saltando de 570 milhões de reais para 7,5 bilhões de reais,

passando das iniciais 3,6 milhões de famílias atendidas para 11,4 milhões, perto das

eleições de 2006. Ademais, o aumento do crédito consignado favoreceu o

financiamento popular, pois a redução do risco, em virtude do desconto em folha de

pagamento ou das aposentadorias, levou a uma queda em quase 13% da taxa de

juros destes empréstimos. O resultado foi um aumento de quase 80% nas operações

deste tipo, impulsionando o consumo popular (SINGER, 2012).

Esses são exemplos de medidas de alcance geral, que podem ser somados a

programas focalizados, como o Luz para Todos, construção de cisternas no

semiárido e outros. Tudo isso permitiu que houvesse uma alta do consumo popular,

que teria sido chamada por Neri (2007) de “o Real do Lula”. Singer ainda acrescenta

em sua análise o jogo de soma positiva que caracterizou o primeiro ciclo do governo

Lula, favorecido pelo boom das commodities, que teria contribuído

para que no Brasil houvesse ganhos no topo (incremento no valor das exportações e altas margens de lucro em geral) e no pé da pirâmide social (transferência de renda e aumento dos salários, do crédito e posteriormente do emprego).O quadro geral do capitalismo ajudou Lula a imprimir ritmo de crescimento do PIB maior do que o obtido no último mandato de Fernando Henrique, passando de uma média de 2,1% para 3,2% nos primeiros quatro anos do PT, apesar da política contracionista (juros e superávit primário) que favorecia o capital financeiro. Mas não só a conjuntura internacional foi determinante, uma vez que as políticas de ativação do mercado interno de massas representaram um uso criativo das possibilidades abertas pela retomada econômica mundial dos anos 2000 (SINGER, 2012, p. 146).

Siqueira (2015) também aponta que o início da década de 2000 e, sobretudo,

o período a partir de 2004, foi marcado pelo aumento de liquidez internacional, dos

preços das commodities agrícolas e minerais e da demanda externa (com destaque

para a demanda chinesa) por esses produtos, assim como pelas políticas de

fortalecimento do mercado interno. Deste modo, é preciso compreender que houve

uma “reversão no quadro macroeconômico que até então vinha sendo desfavorável.

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[...] Como resultado, houve crescimento econômico, puxado principalmente pelo

consumo e pelas exportações, e tímida recuperação dos investimentos públicos e

privados” (SIQUEIRA, 2015, p. 263).

A respeito das características e articulações políticas ao longo dos governos

em que o Partido dos Trabalhadores esteve à frente da presidência nacional, Fabio

S. Erber (2009; 2011) argumenta o governo Lula esteve dividido entre as

convenções189 institucionalista restrita e convenção neodesenvolvimentista.190

Erber argumenta que esta competição entre convenções caracteriza o

desenvolvimento brasileiro desde os anos 1930. Ou seja, mesmo durante a

hegemonia do nacional-desenvolvimentismo, esta convenção jamais deixou de ser

contestada pela convenção liberal, assim como durante a hegemonia do

neoliberalismo (nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso191), também

houve conflitos entre neoliberais e neodesenvolvimentistas.

189

“Temos uma convenção se, dada uma população P, observamos um comportamento C que tem as seguintes características: i) C é compartilhado por todos os membros de P; ii) cada membro de P acredita que todos os demais seguirão C; e iii) tal crença dá aos membros de P razões suficientes para adotar C” (ORLÉAN, 2004 apud ERBER, 2009, p. 8). Além disso, uma convenção “surge da interação entre atores sociais, mas é externa a esses atores e não pode ser reduzida à sua cognição individual – ou seja, é um fenômeno emergente, em que o todo não é redutível às partes” (DE WOLF; HOLVOET, 2005 apud ERBER, 2009, p. 10).

190 Apesar de não seguir o arcabouço teórico de Poulantzas, achou-se relevante apresentar a interpretação de Erber, ancorada na teoria das convenções, pelo fato de o mesmo ter composto o quadro de funcionários do BNDES e ter feito uma análise apresentando suas interpretações acerca de políticas governamentais e órgãos estatais.

191 A respeito do institucionalismo, Fernando Luiz Abrucio e Maria Rita Loureiro, em relatório de pesquisa intitulado Reforma do Estado, federalismo e elites políticas: o governo Lula em perspectiva comparada (2008), apontam que grande parte arte da literatura de ciência política até a década de 1990 enfatizava a ingovernabilidade do sistema presidencialista brasileiro - diagnóstico este que era, em grande medida, reforçado pela dificuldade do Poder Executivo de fazer valer suas decisões e de levar adiante programas de governo, a exemplo dos inúmeros planos de controle da inflação – problema característico do país naquele momento. Assim, nesta perspectiva, o responsável pelos impasses decisórios, pela baixa eficácia na implementação de políticas públicas, pelos sérios problemas de governabilidade, e até mesmo de ameaça à ordem democrática (MAINWARING,1993; LAMOUNIER, 1994; STEPAN, 1999) seria o arranjo institucional brasileiro (que combina presidencialismo, federalismo centrífugo e um sistema partidário, que se caracteriza pelo grande número de partidos, pela indisciplina, pela infidelidade e por frequentes mudanças de legenda. Para estes autores, mesmo os extensos poderes presidenciais, como a capacidade de emitir medidas provisórias, não são capazes de neutralizar inteiramente a fragmentação criada por outros arranjos institucionais. Portanto, nesta perspectiva, todas as propostas de reformas ou mudanças mais substantivas no status quo, especialmente aquelas relativas a emendas constitucionais, estariam fadadas inevitavelmente ao fracasso. Por outro lado, Diniz (1997) indica que a falência executiva do Estado não deve ser dissociada da hiperatividade decisória da cúpula governamental. Com base na experiência reformista do Estado brasileiro após a democratização, especialmente os planos de estabilização monetária dos anos 1980 e inícios dos anos 1990, nos governos Sarney e Collor, a autora afirma que seus fracassos não podem ser explicados pela resistência ou pelo poder de veto do Congresso, mas, sobretudo, pela supremacia do Executivo, já que as políticas de reformas monetárias produzidas por medidas provisórias eram também

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O período em que Lula esteve na presidência da República foi marcado pela

competição entre a convenção institucionalista restrita e a convenção

neodesenvolvimentista. A convenção institucionalista restrita se baseia na teoria

neoclássica e desdobra-se na Nova Economia Institucional, a partir da perspectiva

de Douglas North (1990).

Instituições provêm da sociedade com meios para lidar com os problemas de

incerteza e coordenação. Para cumprir de forma adequada seus papéis de redução

de incerteza e aumento de coordenação, é preciso estabelecer regras e especificar

agendas positivas e negativas.

Uma hierarquia de problemas que devem ser enfrentados (por exemplo, controle da inflação, distribuição de renda), soluções para esses problemas que são aceitáveis (por exemplo, metas de inflação) ou não (por exemplo, controles administrativos de preços), organizações encarregadas (o Banco Central do Brasil – Bacen), assim como regras e regulamentos (Regras de Basileia). Ou seja, estabelecem uma ordem para a transformação (ERBER, 2009, p. 9)

Esta convenção institucionalista restrita estaria ancorada na centralidade do

Ministério da Fazenda e do Banco Central, que atuam estabelecendo as normas e

organizações para garantir o funcionamento dos mercados, “de forma que estes

cumpram suas funções de alocar recursos do modo mais produtivo, gerando

poupanças, investimento e, em consequência, crescimento econômico192” (ERBER,

2009, p. 20). Ela teria se apoiado em uma aliança conservadora entre o setor

financeiro e investidores institucionais - a exemplo dos fundos de pensão, produtores

e exportadores de commodities, etc.

Já a convenção de neodesenvolvimentista estaria comprometida com

“transformações estruturais que devem ser introduzidas na sociedade,

estabelecendo o que há de ‘errado’ no presente, fruto do passado, qual o futuro

desejável, quais estruturas devem ser mudadas e as agendas de mudança, positiva

e negativa” (ERBER, 2009, p, 10).

Na convenção neodesenvolvimentista sugerida pelo autor, o Estado volta a

assumir um papel de liderança no processo de desenvolvimento e, inclusive,

implementadas com total liberdade, sem consulta e sem transparência, pela burocracia insulada do controle político e do escrutínio público (ABRUCIO e LOUREIRO, 2008, p. 26-27).

192 Grifo nosso.

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recupera o protagonismo de empresas estatais e dos bancos públicos –

protagonismo esse que foi perdido ao longo do período liberal.

O autor ainda aponta que, à primeira vista, as duas convenções desejam

ampliar os investimentos mas, enquanto para os neodesenvolvimentistas esta seria

a mola do crescimento, para os institucionalistas restritos (sediados sobretudo no

BACEN), é preciso haver um controle para que a demanda não exerça pressões

sobre o nível dos preços, desencadeando um processo inflacionário.

Enquanto a estratégia neodesenvolvimentista, de um lado, amplia o mercado

via consumo familiar, governamental, pelos encadeamentos do investimento público

autônomo, concedendo estímulos fiscais e de crédito através dos bancos públicos e

reduzindo o custo do investimento, o BACEN, de outro lado, tem o poder de

restringir o crescimento pelo controle da taxa de juros.

Os diferentes prazos de maturação destas medidas [dos neodesenvolvimentistas] implicam a forte probabilidade de ocorrerem descompassos temporários entre oferta e demanda em mercados específicos, que, num regime de metas de inflação, podem ser acomodados na margem de variação em torno do centro da meta. A previsibilidade das taxas de juros e câmbio, baixa taxa de juros e taxa de câmbio que mantenha as atividades locais competitivas internacionalmente, constituem ingredientes básicos de uma agenda de estímulo ao investimento. [...] Barbosa (2009) argumenta que os estudos do BACEN sobre o hiato utilizam procedimentos que, num contexto de aceleração do investimento, tem um viés conservador. Dado o poder do BACEN de afetar o crescimento, a ampliação da

taxa de investimento torna‑ se essencial não apenas no plano “real” como no simbólico, reduzindo a probabilidade de interrupções no processo de crescimento impostas pelo Banco, para o qual os “custos de curto prazo, em termos de atividade econômica perdida, devem ser vistos como um investimento em estabilidade” (BEVILAQUA et al., 2007, p. 13). [...] ao contrair a demanda via aumento da taxa de juros, o BACEN afeta negativamente, de forma direta e indireta, o investimento produtivo (ERBER, 2011, p 49).

No primeiro mandato do presidente Lula, a convenção neodesenvolvimentista

ter-se-ia manifestado no Plano Plurianual (2003/2007), na Política Industrial,

Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) e no esforço em estabelecer parcerias

público-privadas (PPPs). No segundo governo, esta corrente teria conquistado o

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Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a Política de Desenvolvimento

Produtivo (PDP)193.

Esta convenção repousa sobre cinco pilares, quais sejam: i) Investimento em

infraestrutura, com destaque para energia, logística e saneamento, que em grande

maioria foram realizados por meio de empresas estatais e privadas e com

financiamento do BNDES; uma parcela menor dos investimentos foi realizada

diretamente pelo Estado; ii) Investimento na área habitacional, incentivado pela

oferta de crédito; iii) O círculo virtuoso resultado da ampliação do consumo das

famílias e o aumento do investimento em capital fixo e inovação, apoiados pela

desoneração fiscal e pelo crédito dos bancos públicos; iv) Investimento em inovação,

apoiado por meio de incentivos fiscais, crédito subsidiado e subvenções; v) Política

externa, que privilegiou as relações com outros países em desenvolvimento (da

América Latina, do grupo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) e alguns países

africanos), e buscou afirmar o papel do Brasil como protagonista no processo de

mudanças na arquitetura institucional mundial. Fica evidente, nos pontos i, ii e v, que

a antiga proposta desenvolvimentista foi atualizada. “Restabelece‑ se a tradicional

coalizão entre empreiteiras da construção pesada e leve, fornecedores de insumos e

equipamentos e seus empregados com o governo” (ERBER, 2011, p. 44).

Sobre o quarto ponto, de 2003 a 2007, vigorou a PITCE, que defendia o apoio

a setores de inovação e maior valor agregado, desenvolvendo-se em três eixos: I)

linhas de ação horizontais (inovação e desenvolvimento tecnológico, inserção

externa/exportações, modernização industrial, ambiente institucional), II) setores

estratégicos (software, semicondutores, bens de capital, fármacos e medicamentos);

e III) atividades portadoras de futuro (biotecnologia, nanotecnologia e energias

renováveis). Havia a intenção de incentivar e indústria nacional e apoiar sua

internacionalização, aumentar o conteúdo tecnológico dos produtos nacionais,

incentivar a importação de máquinas e equipamentos que não tivessem similares

nacionais e melhorar a gestão. No que diz respeito às empresas transnacionais,

buscava-se ampliar a agregação de valor no Brasil. Tanto na formulação quanto no

apoio financeiro, o BNDES desempenhou um papel relevante pela PITCE.

Esta política tinha um forte viés heterodoxo, estabelecendo evidentes

prioridades setoriais e tecnológicas (bens de capital, software, componentes

193

Estas políticas e iniciativas públicas serão abordadas ao longo deste capítulo.

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eletrônicos e fármacos eram os setores prioritários, aos quais se adicionavam novas

tecnologias, como biotecnologia, nanotecnologia e biocombustíveis). Tal heterodoxia

foi atenuada em favor de políticas “horizontais”, como a redução da restrição

externa. A diferença com relação ao período desenvolvimentista é que, na agenda

atual, não houve a distinção entre os detentores da capacidade de inovação de

acordo com a origem do seu capital, “apesar dos efeitos desta diferença sobre a

competitividade internacional e a soberania nacional” (ERBER, 2011, p. 47).

Ainda que esta política visasse promover a inserção internacional do país via

setores de maior valor agregado e conteúdo tecnológico, sua efetividade foi

prejudicada pela própria condução da política macroeconômica do primeiro governo

Lula. Um fator importante para compreender a quantidade de demandas para

investimentos produtivos diz respeito à política fiscal do Governo Federal, que

durante o primeiro governo Lula foi voltada para a sustentabilidade da dívida

pública194, para alcançar as metas inflacionárias e manter a estabilidade econômica.

Essas eram as mesmas atribuições da política fiscal adotada pelo governo FHC

(TEIXEIRA e PINTO, 2012).

No que diz respeito à produção industrial, fazendo um balanço do processo

que chamou de desindustrialização precoce, Carneiro (2008) aponta que:

Nos dez anos que vão de 1996 a 2006 o único segmento a ampliar a sua participação no VTI total foi o segmento intensivo em recursos naturais. Só a ele coube também a prerrogativa de adensar as cadeias produtivas, medida pela relação VTI/VBP [valor da transformação industrial e valor bruto da produção]. Em todos os demais segmentos observou-se o contrário: perda de participação do VTI no total e perda de adensamento de cadeias produtivas. Ou seja, os dados indicam que a desindustrialização no Brasil esteve associada à queda de valor adicionado da indústria por um duplo processo de especialização: o setorial e o das cadeias produtivas (CARNEIRO, 2008. p. 25).

Houve significativa ampliação do peso da indústria baseada em recursos

naturais (com ganho de participação de quase 10%), em boa medida explicado pelo

grande crescimento do segmento de petróleo (refino) e, em menor escala, da

indústria extrativa e processadora de minérios. No outro extremo, houve uma

194

Recomenda-se a leitura da entrevista da auditora aposentada da Receita Federal, Maria Lucia Fattorelli, à Revista Carta Capital, em junho de 2015, intitulada “A dívida pública é um mega esquema de corrupção institucionalizado”. Disponível em: < https://goo.gl/uoHI3i>.

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progressiva diminuição da indústria baseada em ciência, com pequena recuperação

em 2005, logo perdida em 2006 (gráfico 13).

Gráfico 13- Evolução da estrutura industrial (VTI) por intensidade tecnológica

Fonte: Carneiro (2008, p 26).

A coexistência de diferentes facções no mesmo governo se explica em função

da força da coalizão conservadora e da percepção de que as políticas

desenvolvimentistas (e de inclusão social) não agrediriam necessariamente os

interesses da outra coalizão. Ou seja, manter reduzidas as taxas de crescimento não

impediria alguma inclusão social, já que a inflação tenderia a penalizar os segmentos

mais pobres da população e a elevação da taxa de investimento atenderia às duas

convenções. A tendência pelo neodesenvolvimentismo teria sido reforçada com as

mudanças ocorridas em 2006 nos quadros do Ministério da Fazenda; porém, a

convenção institucionalista restrita seguiu exercendo a hegemonia (ERBER, 2009).

Avaliando o primeiro mandato de Lula, Filgueiras (2006, p. 186) argumenta

que houve um aprofundamento do modelo neoliberal.

Em particular, o Governo Lula deu prosseguimento (radicalizando) à política econômica implementada pelo segundo Governo FHC, a partir da crise cambial de janeiro de 1999: metas de inflação reduzidas, perseguidas por meio da fixação de taxas de juros elevadíssimas; regime de câmbio flutuante e superávits fiscais acima

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de 4,25% do PIB nacional. Adicionalmente, recolocou na ordem do dia a continuação das reformas neoliberais - implementando uma reforma da previdência dos servidores públicos e sinalizando para uma reforma sindical e das leis trabalhistas–, além de alterar a Constituição para facilitar o encaminhamento, posterior, da proposta de independência do Banco Central e dar sequência a uma nova fase das privatizações, com a aprovação das chamadas Parcerias Público-Privado (PPP), no intuito de melhorar a infraestrutura do país –uma vez que a política de superávits primários reduz drasticamente a capacidade de investir do Estado. Por fim, completando o quadro, reforçou as políticas sociais focalizadas (assistencialistas) (FILGUEIRAS, 2006, p. 186).

A respeito das políticas chamadas de assistencialistas, faz-se importante

acrescentar a contribuição de Tania Bacelar de Araújo. Para a autora, o que

inicialmente era um programa assistencial, se transformou em estímulo ao

dinamismo da economia local. O volume de recursos do Bolsa Família, por exemplo,

passou de R$ 2 bilhões para R$ 10 bilhões anuais. Estes recursos tiveram maior

impacto no Norte e Nordeste, sobretudo nos pequenos municípios. O volume da

transferência foi mais relevante ali onde a base produtiva e o volume de renda

gerado localmente são pequenos. Juntamente com a variação real do salário mínimo

(que desde o final da década passada vinha tendo variação real acima da correção

média dos salários) e com o crédito (que aumentou em volume e em tempo para o

pagamento), o Bolsa Família tem contribuído com a diminuição da desigualdade

entre as regiões brasileiras (ARAÚJO, 2010).

A bodega da esquina, a feira, a padaria, a farmácia, tudo envolve um fluxo de renda que não era gerado ali, mas que é transferido de outros lugares. O Nordeste tem 28% da população brasileira e 50% da população pobre do Brasil. Então, dos R$ 10 bilhões que o governo paga, R$ 5 bilhões vão para lá. Por isso, nas pequenas cidades do Nordeste se sente um impacto importante no estímulo ao consumo. Gente que não consumia passou a consumir. Do ponto de vista macro, não foi só o pequeno negócio que lucrou. Porque, como é muita gente, também as grandes empresas se beneficiam: os supermercados e empresas de produção de alimentos e de confecções. Por exemplo, a Bauducco fez uma fábrica na Bahia e está fazendo outra. A Nestlé está investindo lá. A Perdigão e a Sadia foram agora para Pernambuco. Vão produzir iogurte e embutidos, porque esse padrão de renda consome muito em embutidos. Então, isso atraiu também grandes corporações para fazer investimentos

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285

para atender a essa demanda. E tem um efeito indireto sobre o emprego (ARAÚJO, 2008)195.

Enquanto esteve à frente do Ministério da Fazenda, Palocci adotou medidas

consideradas austeras, levando adiante reformas dirigidas ao sistema monetário e

financeiro, bem como aumentando expressivamente a independência do Banco

Central, cujo Presidente foi alçado “ao status ministerial e a organização reteve sua

capacidade de estabelecer objetivos e sua forte autonomia operacional para

implementá‑ los” (ERBER, 2011, p. 39). Neste primeiro período do governo Lula, a

agenda institucionalista restringiu sua prioridade à estabilização de preços, e o

Banco Central ficou no epicentro da política macroeconômica, tendo as estratégias

deste grupo predominado durante os primeiros anos do primeiro governo de Lula.

Palocci saiu do cargo após ter sido envolvido em denúncias, posteriormente

arquivadas, de corrupção, lavagem de dinheiro e quebra de sigilo bancário. Seu

lugar na Fazenda foi ocupado por Guido Mantega, que havia saído em 2004 do

Ministério do Planejamento para ocupar o lugar de Carlos Lessa na presidência do

BNDES - cargo que ocupou de novembro de 2004 a março de 2006. Cabe apontar

que Lessa fazia um contraponto crítico à ortodoxia econômica da Fazenda e tinha,

recorrentemente, divergências com Furlan (MDIC), a quem o BNDES era em

princípio subordinado (lembrando que o BNDES é vinculado ao Ministério do

Planejamento). Lessa havia reagido, por exemplo, à proposta de direcionamento dos

recursos do FAT para bancos privados em detrimento do BNDES, acusando o

presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, de compor uma articulação para

“desmontar” o BNDES. Após a saída de Mantega do BNDES, Demian Fiocca196

entrou em seu lugar e ficou no cargo de março de 2006 a maio de 2007.

Após a saída de Mantega do Planejamento para ocupar a Fazenda, Nelson

Machado197 assumiu a pasta em seu lugar.

Como já foi adiantado, tais mudanças ministeriais teriam reforçado a

convenção neodesenvolvimentista, apesar de a convenção institucionalista restrita

195

Tania Bacelar de Araújo - A diversidade regional é um dos patrimônios brasileiros que farão diferença no século XXI – Entrevista publicada na Edição nº 45 da Revista Desafios do Desenvolvimento – IPEA, em 05/07/2008. Acesso em 15/05/2015.

196 Economista formado e com mestrado pela USP. Foi economista-chefe e assessor da presidência do grupo Telefônica, economista-chefe do HSBC do Brasil, Secretário de assuntos internacionais e chefe da divisão de conselho econômico do Ministério do Planejamento entre 2003 e 2004; foi também vice-presidente do BNDES durante a gestão de Mantega.

197 Quadro do PT e advogado.

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286

seguir exercendo a hegemonia dentro do governo (ERBER, 2009; 2011). Outro autor

que concorda com esta avaliação é André Singer (2012), que argumenta que a

ascensão de Guido Mantega ao Ministério da Fazenda favoreceu “a química com

menos neoliberalismo e mais desenvolvimentismo que iria, depois, caracterizar todo

o segundo mandato” (p. 146).

Cabe lembrar que todas estas mudanças ministeriais ocorreram num contexto

politicamente conturbado, assentado na esteira do escândalo de corrupção mediante

a compra de votos de parlamentares do Congresso Nacional, que ficou conhecido

como “mensalão”. Foi também, especificamente neste contexto, que Dilma

Rousseff198 assumiu a Casa Civil no lugar de José Dirceu, tornando-se a primeira

mulher a ocupar este cargo na história do país.

Em termos de política econômica, foi a partir de 2006 que consolidou-se no

Governo uma visão de que o Estado deveria desempenhar um papel mais ativo no

desenvolvimento econômico e social. Teixeira e Pinto (2012) apontam que no

segundo governo Lula houve uma certa flexibilização da política econômica, que

pode ser verificada por meio

(i) da adoção de medidas voltadas à ampliação do crédito ao consumidor e ao mutuário, (ii) do aumento real no salário mínimo, (iii) da adoção de programas de transferência de renda direta, (iv) da criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e da ampliação da atuação do BNDES para estimular o investimento público e privado e (v) das medidas anticíclicas de combate à crise internacional a partir de 2009 (TEIXEIRA e PINTO, 2012, p. 923).

Apesar disso, mesmo a partir de 2006, a política econômica continuou sendo

fortemente influenciada pela ortodoxia econômica. O “estado de emergência

198

Dilma acumula longa história de militância política de combate à Ditadura Militar. Foi presa no ano de 1970 e permaneceu nessa condição por quase três anos, período em que foi submetida à tortura. Após deixar a prisão, foi impedida de retomar o curso de economia da UFMG, pois havia sido punida por subversão (Decreto-lei 477 de 1969). Dilma mudou-se para Porto Alegre e formou-se economista pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em 1980, ajudou a fundar o PDT, partido a qual permaneceu filiada até o ano de 2001, quando entrou para o PT. Seu primeiro cargo executivo foi na Secretaria Municipal da Fazenda, entre 1985 e 1988. Entre 1990 e 1993, presidiu a Fundação de Economia e Estatística (FEE), de onde saiu para assumir a Secretaria de Energia, Minas e Comunicações do RS, cargo que ocupou até o final de 1994, quando voltou à FEE. Na gestão de Olívio Dutra (PT) como governador do RS, Dilma retornou à Secretaria de Minas e Energia, período em que a capacidade de atendimento do setor elétrico aumentou em 46%. Em 2003, com a eleição de Lula, Dilma assumiu o Ministério das Minas e Energia, além de ter sido nomeada presidente do Conselho de Administração da Petrobras (cargo que ocupou até março de 2010). No período em que esteve à frente deste ministério, foi lançado o Programa Luz Para Todos.

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econômico” causado pelas constantes ameaças de fuga de capital, justificava a

adoção de algumas políticas de viés ortodoxo, que iam na contramão dos interesses

dos grupos sociais que tradicionalmente se sentiam representados pelo PT

(PAULANI, 2008 apud TEIXEIRA e PINTO, 2012).

Singer (2012) aponta que, na etapa que se inaugurou com a ascensão de

Mantega à Fazenda e se estendeu até a crise financeira internacional do último

trimestre de 2008, houve no Brasil uma maior valorização do salário mínimo, a

flexibilização dos gastos públicos e redução dos juros, o que diminuiu a dose do

componente conservador na “fórmula lulista”. Singer compartilha da mesma

perspectiva de Barbosa e Souza (2010), que argumentam que, entre 2006 e 2008,

foi sendo construído no governo um novo modelo de desenvolvimento. Tal inflexão

teria sido marcada por três iniciativas tomadas na execução da política fiscal ainda

em 2006, quais sejam:

i) elevação substancial (16,7%) no salário mínimo, que passou de R$ 300,00

para R$ 350,00. Esse reajuste nominal e da inflação ocorrida naquele ano

resultaram em um aumento real médio de 14,1%: o maior percentual de reajuste

concedido no período 2003-2009. Este aumento ajudou a estimular o mercado

doméstico e

a consolidar o novo modelo de desenvolvimento de crescimento com distribuição de renda. Nos dois anos seguintes, o salário mínimo continuou a subir, atingindo R$ 380,00 em 2007, e R$ 415,00 em 2008. Em termos reais, o crescimento foi mais moderado do que em 2006, isto é, com base na média anual, o salário mínimo real aumentou 6,0% em 2007 e 3,1% em 2008. Comparando os dois subperíodos do governo Lula, o aumento acumulado no salário mínimo real foi de 11,7%, em 2003-2005, e 24,7%, em 2006-2008 (SINGER, 2012, p. 14)

ii) aumento no investimento público e desoneração tributária. O aumento do

investimento público começou com o programa “Tapa-buracos” que, na avaliação

dos autores, apesar de ser pequeno em valor (R$ 440 milhões), representou um

marco da mudança nas prioridades orçamentárias do governo federal. A partir de

2006, aumentaram os investimentos em infraestrutura. “Em 2007, as políticas

federais nesta área seriam reorganizadas, centralizadas e ampliadas, com a adoção

do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)” (SINGER, 2012, p. 15). A

estratégia foi apoiar a formação de capital do setor privado, ao mesmo tempo em

que aumentava o investimento público em infraestrutura. Entre 2007 e 2010, em sua

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primeira versão, o PAC previa um investimento total de R$ 504 bilhões em

transporte e logística (R$ 58 bilhões), energia (R$ 275 bilhões) e infraestrutura social

(R$ 171 bilhões). Comparativamente, os investimentos por parte da União passaram

de uma média de 0,4% do PIB, em 2003-2005, para 0,7% do PIB, em 2006-2008. A

Petrobras teve um importante papel, tendo sozinha efetuado 6,8% de todo o

investimento realizado no Brasil no ano de 2008. Considerando o setor como um

todo, as atividades de petróleo e gás abarcaram 12,3% de todo o investimento

realizado no país em 2008. Apesar disso, a iniciativa do PAC de liberação de

recursos para aumentar o investimento público e estimular o investimento privado

acabou revelando “a baixa da capacidade de formulação e execução de

investimento por parte do Estado brasileiro” (SINGER, 2012, p. 15).

Além disso, como já foi adiantado, a partir de 2006 também houve uma série

de desonerações tributárias, que foram ampliadas a partir de 2008 com o

lançamento da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) – que será abordada

mais à frente.

iii) reestruturação de carreiras e salários dos servidores públicos. Esta

reestruturação se traduziu em três ações: aumentos salariais para carreiras típicas

de Estado199

, visando tornar a esfera pública mais atraente e atrair bons

profissionais; aumento de contratações por concurso público, sobretudo nas áreas

de fiscalização, segurança e educação e; “substituição de funcionários terceirizados

por servidores públicos em atividade tipicamente de Estado, com o objetivo de

atender a uma determinação do poder judiciário” (SINGER, 2012, p. 17). Como

resultado inicial, houve um moderado aumento no gasto com pessoal por parte da

União, que foi de 4,3% do PIB em 2005, para 4,5% do PIB em 2008 (BARBOSA e

SOUZA, 2010).

Além disso, o volume da oferta de crédito dobrou entre dezembro de 2005 e

dezembro de 2008: o crédito habitacional200alcançou um crescimento de 73,2%; no

crédito agrícola, o Plano Safra passou de R$ 53,5 bilhões, em 2005-2006, para

R$ 78 bilhões em 2008-2009. Aumentaram também os desembolsos do BNDES.

Apesar da aceleração do crescimento da economia, houve, no período, uma queda

199

Salienta-se que esta é visão dogmática liberal de estado mínimo. Sob essa perspectiva, são funções típicas de Estado o exército, a polícia, a diplomacia, etc. Já educação e saúde, por exemplo, não seriam carreiras típicas do Estado.

200 Houve ampliação da oferta de crédito público e privado, com o amparo de garantias como a alienação fiduciária.

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no superávit do balanço de pagamentos em 2006-2008, devido em grande medida

ao contexto de apreciação cambial, pelo aumento das importações, pelo aumento do

déficit com viagens internacionais e aumento das despesas internacionais com

cartão de crédito (BARBOSA e SOUZA, 2010)201. A taxa de desemprego caiu: em

2006 era de 10,7% nas regiões metropolitanas, caindo para 6,8% em 2008,

mantendo-se em torno de 8% até 2010). Os mercados de capitais tiveram os três

anos de desempenho extraordinário, o PIB apresentou um aumento no crescimento

médio anual, passando de 3,2% em 2003-2005 para 5,1% em 2006-2008. Teriam

contribuído para isso o controle da inflação, a queda na taxa real de juros da

economia e a elevação nos preços internacionais das commodities agrícolas e

minerais. Houve também no período um acúmulo de reservas internacionais,

reduzindo a vulnerabilidade externa da economia e a apreciação do real, e

abrandando as pressões inflacionárias externas (BARBOSA e SOUZA, 2010).

Reservas cambiais foram acumuladas e o Tesouro eliminou a sua dívida

externa graças, sobretudo, à valorização do real e à liquidez do mercado

internacional. Durante a crise de 2008, estas reservas foram um importante

instrumento de defesa da economia. O “custo de carregamento” das reservas em

função do diferencial entre os juros internos e externos é contabilizado no déficit

nominal do setor público. Assim, houve ganhadores e perdedores.

Entre os perdedores, os devedores encimam a lista. Entre estes, destaca‑se o Estado, que pagou, em média, cerca de 6% do PIB

ao ano à conta de juros no período 2003‑2008, aproximadamente dez vezes o gasto no programa Bolsa Família. Dado que a tributação no Brasil é notoriamente regressiva, resulta uma maciça transferência de renda dos pobres para os ricos. Há também perdedores no setor privado — todos os que necessitam utilizar mecanismos de crédito, dos consumidores que desejam adquirir ativos familiares a empresas que precisam financiar o seu capital de giro e investimentos. [...] Do outro lado da lista, entre os ganhadores, destaca‑se, primum inter pares, o sistema financeiro. O balanço consolidado dos bancos brasileiros

mostra que o volume de lucros líquidos triplicou entre 2003 e 2007 e que a sua taxa de lucro passou de 14,8% em 2003 para 22,9% em

201

A renda líquida enviada pelo Brasil ao exterior teria saltado de US$ 26,0 bilhões no ano de 2005 para US$ 40,6 bilhões no ano de 2008. Esse movimento teria sido causado, sobretudo, pelo aumento significativo das “remessas de lucros e dividendos para o exterior, que aumentaram de US$ 12,7 bilhões em 2005 para US$ 33,9 bilhões em 2008. No mesmo período, o pagamento líquido de juros ao resto do mundo caiu de US$ 13,5 bilhões para US$ 7,2 bilhões, revelando uma mudança importante na estrutura de financiamento externo do país” (BARBOSA e SOUZA, 2010, p. 19).

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2007 (Valor Econômico, 2008). No entanto, o sistema financeiro não está só. Investidores institucionais como fundos de pensão, companhias de seguro, empresas com alta geração de caixa (empresas industriais produtoras de bens intermediários, produtores e vendedores de commodities agrícolas, atacadistas, cadeias de lojas de bens de consumo) também se beneficiam, assim como os domicílios mais ricos, notadamente os que pertencem ao 1% superior da pirâmide de distribuição de renda e recebem cerca 13% da renda total do país. Os dados de Bruno (2007) indicam que as empresas não financeiras e indivíduos receberam, na média, cerca de 80% das rendas financeiras durante o período 1995-2005 (ERBER, 2011, p. 42-43- grifo nosso).

Como consequência, do lado dos perdedores há a contenção na demanda

final de bens de consumo, o que reflete em toda a cadeia produtiva. A incerteza

gerada pelo curto prazo da política monetária e pelo poder discricionário do Banco

Central aumenta o alto rendimento, a grande liquidez e o baixo risco das aplicações

financeiras, elevando a taxa mínima de retorno dos investimentos produtivos. Desta

forma, as empresas tendem a concentrar seus investimentos produtivos em projetos

de curto prazo e baixo risco, exceto nos casos dos mercados em expansão ou

quando a concorrência obriga as empresas a investirem - como ocorreu nas

atividades exportadoras de produtos primários e semielaborados entre 2003‑2007.

Assim, falta estímulo aos grandes gestores de recursos financeiros para que

ofertem crédito, e o sistema financeiro tende a concentrar suas operações em títulos

públicos. “A consequência é que o sistema privado de financiamento torna‑ se pouco

funcional para as transformações estruturais típicas do desenvolvimento, deixando

este papel a cargo dos bancos públicos” (ERBER, 2011, p. 42). E foi isso que se

verificou, sobretudo no contexto pós-crise mundial de 2008, em que o BNDES

agigantou-se e seus desembolsos ganharam proporções até então nunca

experimentadas.

O aumento no volume dos desembolsos do BNDES vem ocorrendo desde

2007, em função da implementação do Programa de Aceleração do Crescimento

(PAC), instituído em janeiro daquele ano. Como já foi apresentado, junto com o PAC

veio o estímulo ao crédito e ao financiamento, a desoneração do sistema tributário e

medidas fiscais de longo prazo. Tais medidas refletiram diretamente no ânimo de

investidores, que passaram a poder contar com o reforço do papel dos bancos

públicos para o crédito a operações vinculadas ao saneamento e habitação (junto à

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Caixa Econômica Federal), e ao financiamento dos investimentos em infraestrutura

(junto ao BNDES).

Cabe salientar que, ainda antes da crise econômica mundial de 2008, houve

uma série de notícias que geraram otimismo no campo econômico, como a

descoberta de imensas reservas de petróleo da camada Pré-sal, a confirmação do

Brasil como sede da Copa do Mundo de Futebol (2014) e a elevação do Brasil na

classificação concedida pelas chamadas agências de risco, a “grau de investimento”,

indicando que o país tinha boas condições de pagamento de suas dívidas. Este

último evento já tinha sido precedido por uma corrida de instituições financeiras

internacionais para comprar pequenos bancos e/ou participações em grandes

bancos brasileiros (NOBRE, 2013).

Com a Copa do Mundo e o Pré-sal, abriram-se novas frentes de estratégias

espaciais de Estado a serem executadas por meio de investimentos em

megaprojetos de infraestrutura. Com a primeira notícia, evidenciou-se um projeto

que catalisou o processo de neoliberalização dos espaços urbanos onde ocorreram

os jogos, por meio da presença maciça de grandes investidores privados em

processos decisórios e na gestão de espaços, equipamentos e serviços

públicos202

.No caso do Pré-sal, teve início uma disputa a respeito do modelo a ser

adotado quanto ao direito de exploração, bem como sobre o papel e lugar da

Petrobras203. Os resultados desta disputa penderam para o lado menos

202

A esse respeito, recomenda-se a leitura do livro "O poder dos jogos e os jogos de poder: interesses em campo na produção da cidade para o espetáculo esportivo", de autoria de Nelma Gusmão de Oliveira.

203 Entre 1953 e 1997, a Petrobras detinha o monopólio das atividades de exploração, produção, refino e transporte de petróleo no Brasil. Em 1997, houve uma reestruturação na empresa, e a lei do petróleo de 1997 quebrou o monopólio e estabeleceu mudanças na regulação e desenvolvimento do setor. A partir de então, o regime de concessão passou a vigorar. Neste modelo, empresas de origem nacional ou estrangeira que ganham via leilão a concessão, têm o direito de explorar e produzir petróleo no Brasil no espaço e no tempo permitidos pela Agência Nacional do Petróleo. Antes de ser explorado, o petróleo pertence ao Estado, e após a extração, as companhias tornam-se proprietárias deste bem. As empresas atuam por sua conta e risco e, ao encontrar uma fonte de extração, as empresas pagam uma indenização ao Estado pela exploração do recurso. Esse sistema de concessão prevê as compensações por meio de bônus pago à União para ter o direito de exploração, de royalties e, quando a jazida é muito rentável, de participação especial. Com a magnitude das jazidas descobertas no Pré-sal, decidiu-se concentrar esforços para reestruturar a Petrobras e os modelos de exploração de hidrocarbonetos, de modo a ampliar a participação do Estado. Esta decisão se deve ao menor risco de investimento e também ao elevado retorno esperado. Em 2010 foi votada no Congresso Nacional uma das mudanças que dizem respeito à “cessão onerosa”, na qual foi permitido à União ceder à Petrobras até 5 bilhões de barris para atividades de pesquisa e exploração de petróleo nas áreas do Pré-sal. A contrapartida foi o aumento da participação do Estado no capital total da empresa (aumentou de 39,8% para 49% - o que corresponde a 64% do capital votante). Outra mudança foi a adoção do modelo de partilha e o

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neoliberalizante – mas não necessariamente menos predatório – de exploração.

Além disso, números da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apontavam que

investimentos em infraestrutura para o setor, sobretudo para o refino e transporte,

deveriam chegar a cerca de 500 bilhões de dólares, com a construção de refinarias

em Pernambuco, Ceará, Maranhão e no Rio de Janeiro, beneficiando toda uma

extensa cadeia produtiva. Araújo (2013) aponta que, no longo prazo, este bloco de

investimentos se mostraria regionalmente desconcentrador.

No ano de 2007, Luciano Coutinho204 foi designado para a presidência do

BNDES, no lugar de Fiocca. Por suas ligações históricas com o setor produtivo da

economia, a decisão de chamar Coutinho para a presidência do BNDES agradou à

Confederação Nacional da Indústria (CNI) e à Associação Brasileira da Infraestrutura

e das Indústrias de Base (Abdib), como fica claro nas manifestações de seus

respectivos presidentes205:

Ele conhece profundamente, não só do ponto de vista teórico mas também da experiência que acumulou, a economia industrial do país. E tem experiência comprovada na passagem por funções públicas importantes, bagagem na área acadêmica e relacionamento com a comunidade empresarial” (Armando Monteiro Neto – Presidente da CNI).

Coutinho reúne uma visão bastante realista dos desafios brasileiros, tem sólida experiência técnica e prática no mundo dos negócios, adquirida em anos de consultoria. [...] Certamente, ele saberá ajudar

estabelecimento do Fundo Social (a venda da parte que cabe à União será destinada à educação, saúde, ciência e tecnologia, entre outros fins considerados sociais). Além disso, os novos royalties serão destinados obrigatoriamente à educação (75%) e saúde (25%), e as plataformas de petróleo deverão ser construídas no Brasil com um mínimo de conteúdo nacional de seus componentes (começando por 37% e devendo alcançar 59% até 2021). Sobre o modelo de partilha, ele estabelece que mesmo após a extração, o petróleo permanece sendo de propriedade do Estado. A empresa que vencer as licitações terá direito a uma parcela do petróleo, sendo que o Estado deve ficar ao menos com 41,65%. Na partilha, não está previsto o pagamento de participação especial e de taxas de ocupação, mas há o bônus de assinatura de contrato, o pagamento de tributos e contribuições sociais e o pagamentos de royalties de 15% do valor da produção (na concessão é 10%) (ÁVILA e GIULIAN, 2014).

204 Formado em Economia pela USP (tendo recebido o prêmio Gastão Vidigal durante a graduação, sendo reconhecido como o melhor aluno de Economia de São Paulo), é PhD em Economia pela Universidade Cornell (EUA). Na carreira acadêmica, especializou-se em economia industrial e internacional, foi professor visitante nas Universidades de Paris XIII, do Texas e da USP, além de ser professor titular na Unicamp. Entre 1985 e 1988, foi secretário executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia, tendo participado da estruturação do Ministério e da formulação de políticas para as áreas de alta complexidade (com destaque para informática, biotecnologia, química fina, mecânica de precisão e novos materiais).

205 Declarações retiradas do portal G1 de notícias: Lula escolhe Luciano Coutinho para BNDES (18/04/07). Em:< https://goo.gl/ng2G5Y>. Acesso em 09/12/2015.

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293

o Brasil a aproveitar as oportunidades (Paulo Godoy – Presidente da ABDI).

Apesar disso, Nobre (2013) aponta que o fato crucial para que a aliança do

governo com o empresariado nacional fosse sendo progressivamente firmada teria

sido a entrada definitiva do PMDB no governo, ocorrida após o escândalo do

“mensalão”. “Com o tempo, não apenas as grandes empreiteiras, as grandes

empresas industriais, mineradoras e de serviço aderiram ao pacto lulista, mas

também — fato inédito — os setores ruralistas, que até ali continuavam a hostilizar o

PT e o governo Lula” (NOBRE, 2013, p. 118). O autor reconhece que o boom de

commodities teve grande influência em tal adesão, mas argumenta que teria tido ao

menos igual importância sua representação no governo, graças à aliança com o

PMDB (a chamada Bancada Ruralista, composta por peemedebistas e

correligionários de legendas alinhadas).

Cabe apontar que Coutinho não era a primeira opção de Miguel João Jorge

Filho206- ministro do MDIC que ocupou a pasta em março de 2007 no lugar de

Furlan. Inclusive, segundo o caderno de política do jornal Estado de São Paulo,

Furlan havia condicionado sua permanência na pasta à subordinação do BNDES ao

Ministério. Apesar de ser vinculado ao MDIC, os presidentes do BNDES sempre se

reportavam a Lula, e não ao ministro da pasta, fazendo com que Furlan não tivesse

influência dentro do Banco207.

A primeira opção de Miguel Jorge era o ex-vice-presidente do banco

Santander, Adolfo Funcia Murgel. A escolha de Coutinho demonstra que a ligação

do presidente do BNDES continuaria a ser maior com o Lula, e não com o MDIC. A

partir de 2008, o BNDES passou a receber grandes aportes de recursos do Tesouro

Nacional, bem como lançou o Programa BNDES de Financiamento ao Programa de

Aceleração do Crescimento, apoiando os projetos do PAC no âmbito das linhas de

Infraestrutura, de operações com estados e municípios e de leilões do tipo menor

tarifa. Também assumiu a função de agente do governo para o financiamento dos

206

Jornalista e executivo, tendo inclusive sido professor de jornalismo na Faculdade de Comunicações da Universidade Paulista (UNIP), na década de 1970. No ramo empresarial, entre 1995 e 2001, foi vice-presidente de Assuntos Legais, Recursos Humanos e Assuntos Corporativos da Volkswagen. Ainda em 2001, ocupou o a vice-presidência de Assuntos Corporativos, e as diretorias de Recursos Humanos e de Assuntos Jurídicos no Banco Santander.

207 Furlan sinaliza saída do ministério no segundo mandato. Portal Estadão, em 13 de dezembro de 2006. Disponível em: <https://goo.gl/AjggUZ>. Acesso em 09/12/2015.

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investimentos ligados à exploração do Pré-sal e, no período mais recente, a função

de financiar as obras ligadas à Copa do Mundo.

No ano de 2008, também houve o lançamento da Política de

Desenvolvimento Produtivo (PDP), resultado de discussões e consultas realizadas

junto ao setor privado para identificar ações de estímulo da economia no médio e

longo prazos. Entre as macrometas, estavam a ampliação do investimento privado

em P&D, elevando o nível de inovação das empresas nacionais; a maior

participação do Brasil no comércio internacional e; o aumento das exportações de

Micro e Pequenas Empresas. A PDP indicou como desafios ampliar a capacidade

de oferta, elevar a capacidade de inovação, fortalecer micro e pequenas empresas

(MPES) e preservar a robustez do balanço de pagamentos. Com tais objetivos,

foram priorizadas as atividades nas quais se considerava ter o Brasil vantagens

comparativas e com possibilidade de contribuírem de maneira imediata para a

balança comercial, com destaque para as commodities e os produtos de baixo valor

agregado (gráfico 14).

Gráfico 14– Exportação Brasileira por Fator Agregado 1964 – 2012. Participação %

Fonte: DEPLA/SECEX/Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2011).

No final dos 1990 e mais significativamente em 2000, as curvas infletem, e no

ano de 2009 o Brasil voltou a ser majoritariamente primário-exportador. É importante

lembrar que estas ações estavam acontecendo em um momento de legitimação de

políticas anticíclicas levadas a cabo em decorrência da crise mundial.

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295

Apesar da tendência à reversão para a condição de economia “primário-

exportadora”, o MIDIC persistia em afirmar que o objetivo era tornar o Brasil um

player no cenário internacional de inovação. Como estratégia externa, ao propiciar

um acesso mais amplo a novas ideias e tecnologias, havia a intenção de apoiar a

internacionalização de empresas nacionais por meio do estímulo à formação de

parcerias, alianças, joint-ventures e desenvolvimento conjunto de produtos;

comercialização de tecnologias; investimento em spin-offs de universidades, venture

capital/private equity, aquisição de empresas; adaptação de produtos, pesquisa de

mercado, promoção comercial e de investimentos, etc. (MDIC, 2009).

Como já foi argumentado, para Erber (2009, 2011), o PAC e a PDP teriam

dado um novo gás à corrente neodesenvolvimentista durante o segundo mandato do

presidente Lula sem, porém, desbancar a hegemonia da convenção institucionalista

restrita. Além disso, é preciso considerar que de 2003 a 2008 as exportações de

commodities foram favoráveis à Balança Comercial208, o que também pode ter

refletido na alteração da estratégia da inserção comercial via produtos de maior valor

agregado. Porém, durante a vigência desta política, em 2008, “o BACEN deu outras

demonstrações de poder e conservadorismo” (ERBER, 2011, p. 49). Apesar de o

aumento da inflação verificada no primeiro trimestre daquele ano poder ser atribuída

aos preços internacionais, o BACEN a atribuiu à pressão da demanda interna sobre

a capacidade produtiva. Presumindo que a inflação pudesse extrapolar o centro da

meta, iniciou no mês de abril um novo e forte ciclo de elevação da taxa básica de

juros (saltou de 11,25% ao ano, em março, para 13,75%, em setembro). “À diferença

dos seus pares no mundo, tanto de países desenvolvidos como emergentes, o

Banco Central manteve a taxa de juros no seu nível elevado, quando a crise de

liquidez e as condições fiscais sugeriam a conveniência de reduzi‑ la” (ERBER,

2011, p. 50).

Além disso, o autor aponta que houve valorização no câmbio, o que torna a

indústria local pouco competitiva no mercado externo e na competição contra

importações, podendo ocasionar o desadensamento de cadeias produtivas. A alta

taxa de juros nacional e a busca por aplicações rentáveis por investidores externos

alimentam a valorização cambial. Tal movimento conta com a

208

De acordo com Libânio (apud SINGER, 2012), as commodities apresentaram uma valorização de 89% no período de 2002 a 2006.

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296

inequívoca simpatia do BACEN, que vem tomando medidas para ampliar a liberalização do câmbio, e dos atores no mercado de crédito e de capitais. Ambos atribuem a valorização aos “fundamentos” da economia brasileira. Em contrapartida, refletindo a convenção neodesenvolvimentista, o Ministério da Fazenda

manifesta‑ se contra a valorização e estabeleceu em 2009 uma taxação sobre a entrada de capitais destinados a investimentos mobiliários, que, embora tenha valor simbólico, é de eficácia limitada. Mais eficaz do ponto de vista desenvolvimentista foi a política fiscal, especialmente no combate à crise de 2008-9. A meta de superávit primário foi reduzida para 2,5% do PIB e os investimentos da Petrobras excluídos do cálculo. O consumo das famílias foi fomentado pela antecipação do aumento do salário mínimo, pelo aumento do valor e da cobertura da Bolsa Família e pela redução de impostos sobre bens de consumo. O investimento foi estimulado pela ampliação de recursos do BNDES e pela redução da TJLP, assim como por incentivos fiscais para bens de produção e pela manutenção dos investimentos do PAC, ampliados por um novo programa de habitação popular (ERBER, 2011, p. 50-51).

O autor ainda enfatiza que, mesmo durante as fases em que a Selic foi

reduzida, isso ocorreu em função de uma convergência entre os interesses

representados pelas duas convenções, e não devido a uma dominância da

convenção neodesenvolvimentista sobre a institucionalista restrita.

A redução da remuneração dos títulos do Tesouro e as medidas institucionais que reduziram o risco do crédito pessoal e habitacional, estimulam o sistema financeiro a ampliar sua oferta de crédito. Como a remuneração destas operações cai menos que a Selic, a expansão do crédito aumenta a rentabilidade do sistema financeiro. Associada ao aumento da massa salarial, a expansão do crédito possibilita forte aumento do consumo familiar e condições mais favoráveis para a operação das empresas. Estabelecida entre 2005 e 2008, a

convergência rompeu‑ se com a crise, quando o sistema privado contraiu sua oferta de crédito. Em resposta, sob a orientação do Ministério da Fazenda, os bancos públicos ampliaram substancialmente sua participação no mercado, reforçando o peso político da convenção desenvolvimentista. A convergência restabeleceu‑ se no segundo semestre de 2009 (ERBER, 2011, p. 50).

Erber (2011) ainda aponta que existem “pontes” entre as duas convenções,

entre as quais está o entendimento de que, num contexto de alta inflação, os

“pobres” tendem a ser os mais prejudicados. Além disso, “o sucesso político das

políticas de inclusão que, obtido com baixo custo fiscal e taxas de crescimento

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relativamente restritas, reduz a importância de altas taxas de crescimento como

instrumento de legitimação política, típica do desenvolvimentismo” (p. 51).

Assim, o autor reforça o entendimento de que

a convivência entre as duas convenções se estabelece sob a hegemonia da convenção institucional restrita, assegurada pelo controle do tripé de políticas macroeconômicas [superávit fiscal primário, metas de inflação, e câmbio flutuante], e pelo fato das políticas neodesenvolvimentistas não ferirem os interesses representados pela convenção institucionalista restrita, desde que as políticas em que esta última se materializa sejam mantidas. A combinação entre as duas convenções atende a uma ampla gama de interesses, que a torna muito forte, nos termos antes definidos (ERBER, 2011, p. 51-52).

Concordando com esta visão, Eli Diniz destaca que, “a despeito dos avanços

verificados no debate sobre a necessidade de um projeto desenvolvimentista de

novo tipo, não é possível detectar uma coalizão claramente articulada em torno de

um novo modelo” (DINIZ, 2011, p. 522) a partir da chegada de Lula à presidência.

Além disso, para esta autora, partidos políticos e demais atores relevantes da

sociedade civil teriam permanecido à margem dessa discussão.

Já Filgueiras (2012; 2015) argumenta que tanto no governo FHC quanto no

Governo Lula (e, posteriormente, no governo Dilma), houve a aceitação, a promoção

e a consolidação de um Padrão de Desenvolvimento Capitalista Liberal-Periférico.

Este, que seria o atual padrão de desenvolvimento, ter-se-ia constituído em quatro

momentos distintos, quais sejam:

1- Uma fase inicial, de transição bastante turbulenta, de ruptura com o [Modelo de Substituição de Importações] MSI e implantação das primeiras ações concretas de natureza neoliberal (Governo Collor). 2- Uma fase de ampliação e consolidação da nova ordem econômico-social neoliberal, com a implementação do Plano Real e das reformas neoliberais, na qual se amplia e consolida-se a hegemonia do capital financeiro no interior do bloco no poder (1º Governo FHC). 3- Uma fase iniciada com o fim da âncora cambial e a adoção do tripé macroeconômico, na qual se fortalece o capital produtor-exportador de commodities - que amplia seu espaço no bloco no poder por ser vital para reduzir a instabilidade do modelo (2º Governo FHC e 1º Governo Lula). 4- A fase atual, na qual se amplia a presença da burguesia interna no interior do bloco no poder, em articulação com o Estado; com este último voltando a ter um papel ativo e mais direto no processo econômico e na arbitragem dos interesses das distintas frações do capital (2º Governo Lula e [futuro] Governo Dilma) (FILGUEIRAS, 2012, p. 29-30 – grifo nosso).

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Para o autor, o BNDES teve papel fundamental no contexto de uma segunda

inflexão (a partir de 2006), pois o Banco teria sido o centro da articulação que

aproximou as “forças políticas que ocupam atualmente o aparelho de Estado com os

grandes grupos econômicos nacionais (principalmente exportadores de

commodities, indústria extrativa e grandes construtoras)” (FILGUEIRAS, 2012, p.

31), que teria fortalecido grandes grupos econômicos nacionais no interior do bloco

no poder, articulados no interior do Estado nacional via BNDES. Neste contexto, o

BNDES assumiu “o papel de capital financeiro no processo de concentração,

centralização e internacionalização desses capitais” (FILGUEIRAS, 2012, p. 32).

Gonçalves (2011) destaca que houve uma flexibilização da política

macroeconômica com presença mais incisiva do Estado, através de empresas

estatais (com destaque para a Petrobras e bancos oficiais) e de fundos de pensão

liderados por uma “aristocracia” sindical. Aos poucos isso estaria alterando a

estrutura do bloco de poder dominante no Brasil. Esta alteração seria causa e

consequência de uma nova acomodação e fortalecimento do modelo econômico

vigente: o Neoliberalismo Periférico ou o Nacional-desenvolvimentismo às avessas.

Articulados por dentro do Estado, segmentos nacionais do grande capital atuam

junto com a hegemonia financeiro-exportadora (composta por bancos e pelo

agronegócio), que comanda a economia brasileira. Isto estaria recriando, sob novas

circunstâncias e sob a hegemonia do capital financeiro, o tripé capital

internacional/Estado/Capital privado.

Quadro 1- Características do Nacional-desenvolvimentismo e do Nacional-desenvolvimentismo

às Avessas do Governo Lula

Fonte: Gonçalves (2011).

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299

O autor destaca ainda que o capital privado nacional continua à reboque do

Estado, peça fundamental para a legitimação do bloco dominante de poder. Em

suma, em uma situação internacional favorável, o governo Lula acomodou

interesses potencialmente conflitantes - o grande capital, políticas sociais focalizadas

e ampliação de crédito para segmentos populacionais de menor renda

(GONÇALVES, 2010).

Outro autor que compartilha da interpretação de que o neoliberalismo

caracteriza as políticas econômicas adotadas atualmente na Era PT é Wilson Cano.

O autor defende a necessidade de uma ruptura com o modelo neoliberal e a

retomada do Estado Desenvolvimentista. O modelo neoliberal, adotado e

aprofundado a partir da década de 1990, teria dado ao capital privado recursos

escassos que deveriam ser direcionados ao povo. Isso se somou à crise estrutural (e

cumulativa) que caracteriza o Brasil, e teria reforçado a condição de

subdesenvolvimento que nos caracteriza (e não de país “emergente”, como

proclamavam entusiasmados os neoliberais na década de 1990). Para Cano, nossa

história econômica mostra várias conversões do capital mercantil arcaico em capital

agrário, industrial, bancário ou em serviços modernos. O arcaico, porém, manterá

seus condicionamentos sobre a estrutura de poder local, uma vez que a

modernização é restrita e travada. A correlação de forças políticas não permite, ou

ao menos dificulta, que o Estado realize a tarefa caracterizada como “modernizante

e democratizante”. A transformação do capital mercantil para o capital moderno não

se completa, pois sua penetração é insuficiente para extinguir toda a barbárie no

espaço econômico nacional. Além disso, o novo capital modernizador acomoda seus

interesses com os do capital mercantil quando suas necessidades específicas são

atendidas, neutralizando ou amenizando os possíveis conflitos de interesses (CANO,

2010)209.

Segundo Nobre (2013), no segundo mandato de Lula, a aliança governista

havia acumulado força política para dar um salto em direção a um

desenvolvimentismo, ainda que se tenha dado continuidade a algumas opções do

209 Por exemplo, através de seus lobbies ou de seus representantes no parlamento, que se articulam politicamente contra determinadas reformas sociais que ameaçam os direitos da propriedade e das leis do mercado.

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300

primeiro mandato, como no que diz respeito ao desmonte das instituições nacional-

desenvolvimentistas. O segundo mandato Lula ter-se-ia caracterizado por um

desenvolvimentismo de novo tipo, que induziu à criação de grandes conglomerados

transnacionais com base no Brasil, que integram as cadeias produtivas e se

relacionam com a “gangorra sino-americana”, fornecem produtos e serviços para

países na órbita de influência nacional (na América Latina e na África), e concentram

o mercado interno de megaprojetos de infraestrutura e concessões públicas. “A

construção desse modelo foi relativamente rápida e fácil também porque não foi

pensada como estratégia de inserção virtuosa na nova divisão mundial da produção,

mas como uma prancha adequada para surfar na onda do aumento dos preços das

commodities vivido até 2008” (NOBRE, 2013, p. 117).

No que diz respeito à indústria nacional, Wilson Cano (2010; 2012) chama a

atenção para o processo de reprimarização da economia brasileira e para a

desindustrialização. Em sua análise, a crise estrutural teria provocado, entre outras

coisas, significativa reprimarização da economia brasileira, com o consequente

agravamento de problemas socioambientais. Este autor faz uma periodização, que

pode ser resumida da seguinte forma:

i) Década de 1980: alta inflação, baixo crescimento, crise fiscal e financeira do

Estado e do balanço de pagamentos;

ii) 1989-2002: privatizações, abertura comercial, desregulamentação

financeira e valorização cambial, inflação contida aos custos de quintuplicar em

termos reais a dívida pública interna, valorização do câmbio, juros reais em níveis

absurdos, queda do investimento público a patamares irrisórios e ampliação do

desemprego;

iii) 2002 a 2008: recuperação do comércio internacional (“efeito China”); taxas

médias de crescimento do PIB mais altas (graças à grande expansão das

exportações de commodities; ao aumento do crédito consignado – notadamente

pelos bancos públicos, e basicamente ao consumo familiar); expansão do crédito

público de longo prazo (pelo BNDES). Ampliação do investimento externo

(notadamente em serviços - principalmente financeiros - e na especulação no

mercado de valores). Ampliação das políticas sociais, com destaque para a

considerável expansão do programa de renda mínima (Bolsa Família) e do salário

mínimo real;

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iv) 2008 em diante: desaceleração da economia mundial, com políticas

agressivas no mercado internacional por parte dos países desenvolvidos mais a

China, na busca de exportar seus produtos industriais (CANO, 2012, p, 5) – o que

pode agravar ainda mais o processo de reprimarização da economia brasileira.

Os principais fatos que estariam causando a desindustrialização seriam: i) a

política cambial prevalecente desde o Plano Real, com câmbio muito valorizado e

juros reais altos; ii) abertura comercial com queda de tarifas e diminuição dos demais

mecanismos protecionistas (desde 1989, com maiores investidas nos governos

Collor e FHC); iii) taxas de juros elevadas que inibem os investimentos na indústria;

iv) diminuição do aporte de recursos nacionais e estrangeiros internos à indústria. Os

investimentos cresceram em um sentido global, mas foram alocados principalmente

em serviços (especialmente o financeiro, construção, negócios imobiliários) e no

agronegócio e mineração; v) desaceleração da economia mundial (CANO, 2012,

p.5).

O atual modelo de crescimento seria potencialmente destruidor de empregos

industriais e geraria mais empregos terciários - de menor renda e qualificação. Basta

ver a forte regressão dos manufaturados em nossa pauta exportadora, a forte

elevação dos déficits comerciais de produtos industriais de média a alta tecnologia e

a acentuada queda da participação da indústria de transformação no PIB - a qual,

depois de passar de cerca de 19% na década de 1950 para 36% na de 1980, regride

violentamente para 19% na de 1990 e para 15,6% nos anos 2000 (CANO, 2010, p.

10). O autor ironiza a conversão dos desenvolvimentistas de ontem em inimigos do

elevado crescimento; a conversão dos industrialistas em simpatizantes da

reprimarização de nossa pauta exportadora; ou ainda da conversão dos

protecionistas em militantes da abertura internacional dos mercados de commodities

em troca da entrega de nosso mercado interno de manufaturados (CANO, 2010,

p.2).

Filgueiras (2012) também aponta que estaria em curso um processo de

desindustrialização somado à reprimarização e à doença holandesa, e esclarece

que, no sentido estrito, desindustrialização pode ser definida:

como sendo a tendência persistente de redução da participação do emprego industrial no emprego total de uma economia (país ou região) – conforme verificado nos países desenvolvidos a partir da década de 1970 (ROWTHORN E RAMASWANY, 1999). No entanto,

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Tregenna (2009) ampliou-o, considerando que esse fenômeno se caracteriza por um processo no qual tanto o emprego industrial quanto o valor adicionado da indústria perdem participação, respectivamente, no emprego total e no PIB (FILGUEIRAS, 2012, p. 49).

O autor mostra que, desde os anos 1990, verifica-se uma tendência de queda

da participação da indústria de transformação no PIB, mesmo ocorrendo o

crescimento absoluto do seu PIB (gráfico 15).

Gráfico 15 - Indústria de Transformação: Valor Adicionado/PIB (%)

Fonte: Filgueiras (2012, p. 49). Obs: O autor usou dados do IPEADATA.

O autor argumenta que os dados por ele avaliados210 levam a crer que a

estrutura produtiva e do comércio exterior do país passam por uma transformação

qualitativa, no sentido de estarem

se especializando na produção e exportação de bens de menor valor agregado e cuja fabricação exige uma menor intensidade tecnológica. Ou seja, há fortes indícios de que esteja ocorrendo um processo de desindustrialização precoce (“doença holandesa211”), isto é, de natureza negativa; no qual o efeito China e a valorização

210

Para uma melhor descrição dos dados, consultar: FILGUEIRAS, Luiz. A natureza do atual padrão de desenvolvimento brasileiro e o processo de desindustrialização. Rio de Janeiro:

Centro Celso Furtado, BNB, 2012. 211

No caso brasileiro, o autor argumenta que a doença holandesa se relaciona com a elevada competitividade das commodities nacionais, e com a forte entrada de capitais estrangeiros. Porém, “em última instância, a sua presença se deve à adoção de reformas e políticas neoliberais a partir dos anos 90 e a sua manutenção flexibilizada no Modelo Liberal Periférico” (FILGUEIRAS, 2012, p. 55).

Page 303: O LUGAR E O PAPEL DO BNDES NO DESENVOLVIMENTO …objdig.ufrj.br/42/teses/859255.pdf · Mapa 1± Infraestrutura socioeconômica ± energia nos anos 1980 ..... 156 Mapa 2- Eixos propostos

303

do câmbio - em função dos grandes saldos comerciais propiciados pelas exportações de commodities e o afluxo de capital estrangeiro – são determinantes fundamentais (FILGUEIRAS, 2012, p. 54).

Contribuindo com a análise pelo viés da economia do trabalho, Márcio

Pochmann (2012) destaca que, na década de 2000, o Brasil vivenciou a maior

expansão quantitativa de postos de trabalho dos últimos 40 anos, sendo o saldo

líquido 44% superior ao das décadas de 1980 e 1990, e 22% superior à década de

1970. Contudo, não é possível ignorar que

a maior parte dos postos de trabalho criados concentrou-se na base da pirâmide social, uma vez que 95% das vagas abertas tinham remuneração mensal de até 1,5 salários mínimos – o que significou o saldo líquido de 2 milhões de ocupações abertas ao ano, em média, para o segmento de trabalhadores de salário de base (POCHMANN, 2012, p.7)

Cabe somar a contribuição de Jessé de Souza (2012), que no livro Os

batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora? mostra

que a necessidade de se aumentar a renda do capital levou o capitalismo financeiro

a promover significativa redução de custos, através da mudança da legitimação do

capitalismo e da sua reprodução ampliada, permitida pela violência simbólica. O

aumento da taxa de lucro via corte de custos e via diminuição do giro do capital

implicou em um novo “regime de trabalho” e em todo um novo imaginário social

condizente com essas mudanças.

Com a entrada em cena das palavras de ordem do “empreendedorismo”, do “faça você mesmo”, do vamos “botar para fazer”, da redefinição do trabalho repetitivo e passivo como criativo e inovador etc., temos uma nova semântica social que tende a passar a imagem de que todos nós somos empresários e patrões de nós mesmos. Uma espécie de “admirável mundo novo”, onde não se tem mais trabalhadores que fazem o trabalho pesado para outros, mas um mundo onde todos são empresários. Chamar essa nova classe trabalhadora de “nova classe média” faz parte, precisamente, dessa estratégia de “eufemizar” a dominação e silenciar o sofrimento – que fica literalmente sem palavras para se expressar – para melhor dominar. [...] O que vimos, na nossa pesquisa, foram brasileiros trabalhando dois expedientes, ou estudando e trabalhando com jornada diária sempre superior às oito horas do fordismo clássico, alguns deles trabalhando de 12 a 14 horas ao dia. Como em muitos casos esse trabalho se dá sob a forma do trabalho “autônomo” no qual o patrão é invisível, a semântica que transforma trabalhador em empresário de si mesmo se torna uma espécie de “ilusão real”. Assim como o camponês francês, analisado por Marx no XIII Brumário, que se imaginava proprietário quando devia até o último fio

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de cabelo ao banco e era, portanto, explorado e empregado do patrão impessoal e invisível sob a forma de capital financeiro, o novo trabalhador, que não lida mais pessoalmente com nenhum patrão de carne e osso, compra a mesma ilusão. As jornadas de trabalho de até 14 horas que encontramos com frequência nas nossas entrevistas, o que equivale a superexploração da mão de obra, são tornadas aceitáveis pelo discurso do “empresário de si mesmo”, ainda que este assuma formas muito variadas (SOUZA, 2012, p. 363 – 364).

Haveria, nessa perspectiva, o desenvolvimento paralelo de dois tipos de

capitalismo: um, fordista clássico, e outro, que remete a uma espécie de “pós-

fordismo periférico”. Neste último, são frequentes a informalidade, a precariedade

das condições de trabalho e o não pagamento de impostos ou de direitos

trabalhistas. No expansionista capitalismo do “pós-fordismo periférico” haveria uma

nova classe trabalhadora, exposta a um regime de superexploração do trabalho, que

“parece estar criando uma grande fábrica espalhada e fragmentada em inúmeras

unidades produtivas sob a forma de oficinas, indústrias de fundo de quintal, trabalho

autônomo, pequena propriedade familiar e redes de produção coletiva” (SOUZA,

2012, p. 365). Esse universo é acrescido pelo contingente no comércio e nos

serviços em geral.

A respeito do cenário político-partidário, ao longo do segundo mandato de

Lula houve um amplo controle sobre os redutos que eram dominados pela oposição,

o que, no entendimento de Nobre (2013), acabou bloqueando a crítica pública e a

ação do PSDB, por mais relevantes que fossem os estados como São Paulo ou

Minas Gerais.

O PFL, tornado DEM a partir de 2007, estava já em trajetória de declínio irremediável [...], o PPS, sempre foi um sócio menor [da oposição] e de reduzido poder de fogo. A aliança lulista deu à oposição formal a alternativa de aderir ou de se encantoar em governos estaduais e prefeituras. O que talvez tenha apenas revelado o fundo peemedebista do próprio PSDB, que se mostrou um partido sem organicidade social suficiente para sobreviver como oposição fora do poder federal (NOBRE, 2013, p. 120).

Além disso, na avaliação de Nobre, o governo Lula adotou a tática de ocupar

e blindar o peemedebismo pela esquerda212, ao mesmo tempo em que controlou

212

Como ocorreu com fortes quadros do partido que frequentemente eram expostos a denúncias – como fez com Renan Calheiros, em 2007, e como fez com José Sarney – mantendo-o no mandato e na presidência do Senado em 2009.

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governadores e prefeitos de partidos de oposição através da liberação seletiva de

recursos, da realização seletiva de convênios (negociados a partir de diferentes

contrapartidas). “Essa crescente blindagem do peemedebismo foi o preço que o

governo Lula decidiu pagar não apenas para implementar seu projeto reformista,

mas para tentar se manter no poder na eleição presidencial de 2010” (NOBRE,

2013, p. 134). Para isso, o presidente contou com os méritos do crescimento

econômico, da redução das desigualdades, da melhoria das condições de vida de

significativa parte da população, além de ter contado com a concentração de

recursos nas mãos do governo federal e com sua alta popularidade.

O autor aponta que no governo Lula evidenciou-se o caráter ideológico de

posicionamentos que alegavam só ser possível promover crescimento econômico

em detrimento da distribuição de renda. Ao contrário, a diretriz do governo apontava

que crescimento econômico deveria ser acompanhado da diminuição, em algum

grau, das desigualdades sociais, o que veio amalgamado ao crescimento econômico

estimulado pelo consumo.

O pacto do governo Lula com o “povão” e também com todos os outros tipos

de “povos” e de grandes pactuadores (partidos, centrais sindicais, empresariado,

setores ruralistas e mercado financeiro) consistia em manter o crescimento no maior

patamar possível, mantendo a inflação sob controle. “Foi para manter esse pacto

(mas com ajustes incontornáveis) que Dilma Rousseff foi eleita” (NOBRE, 2013, p.

133). A avaliação do autor sobre esse período, em termos de processo de

redemocratização, é que

a eleição de Lula, em 2002, representou a primeira efetiva alternância de poder na redemocratização, com um sistema organizado em dois polos. A eleição de Dilma, em 2010, representou a primeira efetiva continuidade no poder em ambiente democrático estável. Pode-se dizer que a redemocratização se encerrou. Mas nem por isso o processo se completou: a peemedebização da política continua a ameaçar o aprofundamento do social-desenvolvimentismo. Também as Revoltas de Junho de 2013 mostraram que a pauta não era mais a da transição para a democracia, em que estava em jogo a estabilização econômica e política, e sim a do aprofundamento da democracia. Não por outra razão, são revoltas antipeemedebistas por excelência (NOBRE, 2013, p. 134)

Com a chegada de Dilma à presidência do Brasil, Antonio Palocci ocupou o

Ministério da Casa Civil, permanecendo somente 24 dias. Afastou-se do cargo após

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denúncias de enriquecimento ilícito entre 2006 e 2010. A senadora Gleisi

Hoffmann213 (PT) assumiu o ministério. Gleisi permaneceu no cargo até fevereiro de

2014, quando deixou o cargo para concorrer ao governo do Paraná, e foi sucedida

por Aloizio Mercadante214. Fernando Pimentel215 foi designado para o MDIC,

Alexandre Tombini216 ocupou a presidência do Banco Central. Guido Mantega

permaneceu no Ministério da Fazenda até novembro de 2014.

Na tradição que ancora a gestão econômico-financeira ao ciclo político-

eleitoral, os dois primeiros anos de mandato tendem a ser dominados por políticas

de contenção de gastos, restrições orçamentárias e formulação de projetos e

políticas, para que nos dois últimos anos se façam dispêndios e se executem

projetos. Mas o governo Dilma não pode conter gastos no início, entre outros

motivos, porque muitos investimentos já haviam sido contratados na gestão anterior,

como muitas obras de infraestrutura – por exemplo, as obras para a Copa do Mundo

de 2014 e para as Olimpíadas de 2016. Além disso, “os meios para conter gastos

são limitados porque um forte arrocho denotaria uma ruptura do grande pacto

político do governo Lula” (NOBRE, 2013, p. 137). Assim o prestígio do qual

comumente desfruta um(a) presidente(a) em início de mandato, não pode ser usado

para implementar medidas restritivas. Seus primeiros anos de governo foram usados

para “resolver uma equação política muito mais ampla e difícil, herdada do período

Lula” (p. 137).

213

Formada em direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, também obteve especialização em Gestão de Organizações Públicas e Administração Financeira pela Associação Brasileira de Orçamento Público, e na Escola Superior de Assuntos Fazendários do Ministério da Fazenda. Sua primeira filiação política foi ao PCdoB, partido a que pertenceu entre 1983 e 1989, quando passou ser correligionária do PT.

214 Egresso da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), e mestre e doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mercadante é professor licenciado da PUC-SP. Na sua trajetória política, participou da fundação do PT, e entre 1991 e 1999, foi vice-presidente do partido. Entre 2003 e 2010, foi senador pelo estado de São Paulo e, entre 2011 e 201,2 foi Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil. Em 2012 foi designado para ser Ministro da Educação, após a saída de Fernando Haddad para concorrer à Prefeitura de São Paulo.

215 Formado em economia pela PUC-MG e mestre em Ciência política pela UFMG. Atuou na carreira acadêmica lecionando no Centro de Extensão da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG e, desde agosto de 1978, como professor assistente do Departamento de Economia, além de ter integrado ativamente entidades de categorias profissionais, como a Associação de Professores Universitários de Belo Horizonte, o Conselho Regional de Economia de Minas Gerais e o Sindicato dos Economistas de Minas Gerais. Na carreira política, ocupou vários cargos na administração municipal de Belo Horizonte, além de ter sido prefeito da cidade entre 2002 e 2008.

216 Egresso do curso de Economia da UNB, obteve um Ph.D na mesma área pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. Pertence ao quadro do Banco Central desde 1998, tendo sido admitido via concurso público.

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A partir de 2011, passou a vigorar o Plano Brasil Maior (PBM), que manteve

as diretrizes anteriores, acrescentando um nova tentativa de incentivo aos setores

de maior valor agregado e inovação tecnológica.

A ampliação da capacidade de diálogo entre o poder público e o empresariado, as melhores condições de coordenação e articulação institucional e a construção de estruturas de formulação, acompanhamento e avaliação de políticas produtivas são legados que serão aproveitados e aperfeiçoados nesse próximo período. […] As seguintes orientações estratégicas direcionam as ações do Plano Brasil Maior: (i) Promover a inovação e o desenvolvimento tecnológico; (ii) Criar e fortalecer competências críticas da economia nacional; (iii) Aumentar o adensamento produtivo e tecnológico das cadeias de valor; (iv) Ampliar mercados interno e externo das empresas brasileiras; (v) Garantir um crescimento socialmente inclusivo e ambientalmente sustentável (BRASIL, 2011, p. 8-9).

Schapiro (2013) mostra que, para lidar com os objetivos de fortalecer as

cadeias produtivas; ampliar novas competências e tecnologias de negócios e

diversificação; desenvolver cadeias produtivas de suprimento em energias;

diversificar as exportações e a internacionalização corporativa e; consolidar

competências na economia do conhecimento natural, foram criadas 19

coordenações setoriais, compostas por representantes do governo e da indústria. Os

trabalhadores somente tinham representação nos Conselhos de Competitividade

Setorial, de caráter consultivo, cobrindo os seguintes setores: petróleo, gás e naval;

química; complexos da saúde; energias renováveis; móveis; automotivo; mineração;

construção civil; defesa, aeronáutica e espacial; agroindústria; bens de capital;

metalurgia; serviços logísticos; tecnologia da informação e comunicação; complexo

eletrônico; higiene pessoal; perfumaria e cosméticos; serviços; comércio; calçados,

têxtil, confecções e joias; celulose e papel.

O BNDES integra o grupo executivo do PBM, instância de gerenciamento e

deliberação coordenada pelo (MDIC), que também conta com representantes da

Casa Civil, Ministério Público (MP), Ministério da Fazenda (MF), Ministério da

Ciência e Tecnologia (MCT), da ABDI e da Financiadora de Estudos e Projetos

(FINEP). Através de sua presença no Conselho Nacional de Desenvolvimento

Industrial (CNDI)217, o BNDES se faz presente na cúpula da estrutura de governança

217

Órgão de aconselhamento superior da política industrial, presidido pelo ministro do MDIC e composto por quatorze membros da sociedade civil indicados pela presidente da República, treze ministros de Estado e pelo presidente do BNDES (SCHAPIRO, 2013).

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do PBM. Schapiro (2013) aponta que, apesar do Plano pretender, no papel,

implantar uma política industrial transformadora e interativa, na prática, houve um

certo distanciamento deste formato:

Até outubro de 2012, foi anunciado um conjunto de 69 instrumentos de ação (Brasil, 2012a) que, em sua maioria, parece mais potencialmente voltado a propiciar uma eficiência de tipo ricardiana do que de tipo schumpeteriana. [...] Dividindo-se estes instrumentos (fiscais, financeiros e institucionais) pelo tipo de setor econômico que beneficiam, tem-se que a maior parte destes instrumentos apresenta um perfil horizontal, isto é, não beneficiam a nenhum setor em especial (apresentam, portanto, um caráter sistêmico – corretivo de falhas de mercado ou de governo). Do total, 51% dos instrumentos anunciados dirigem-se horizontalmente aos mais variados setores. O restante pode ser divido em quatro setores, conforme a tipologia empregada por David Kupfer (1998): i) tradicional; ii) commodities; iii) duráveis; e iv) difusores de progresso técnico. [...] a maior parte dos instrumentos tem um corte horizontal (51%) ou favorecem setores cujo padrão de competição não é baseado em inovações (como tradicional e commodities). Em suma, não se enquadram em uma concepção de política de tipo schumpeteriana. Somente 15% das medidas atendem ao setor de difusores de progresso tecnológico, isto é, o setor cujo padrão de competição é autenticamente schumpeteriano (SCHAPIRO, 2013, p.28 - 30).

O autor aponta que o regime automotivo seria uma exceção a este perfil de

política, pois ele favorece a introdução de inovação na fabricação de motores, assim

como também associa incentivos tributários a contrapartidas diretas. Pelas regras do

PBM, as montadoras que entre 2013 e 2017 introduzirem inovações e diminuírem

seus patamares de emissão de poluentes, terão uma redução do IPI. Objetiva-se,

desta forma, atingir, em 2017, um nível de eficiência energética, nível este que a

União Europeia deveria alcançar em 2015. Para se beneficiarem de tal redução de

IPI, as empresas devem realizar gastos crescentes em P&D (0,15%, em 2013, e

0,50% da receita bruta de venda, em 2017), investimentos em tecnologia industrial

básica e engenharia (0,5%, em 2013, e 1% da receita bruta de venda em 2017) e

aderirem progressivamente ao programa de etiquetagem veicular. Tal acordo

engloba montadoras instaladas ou que pretenderem se instalar no país, e as

empresas importadoras que comercializem carros dentro destas características.

Garzon (2015, p. 151) chama atenção de que o Programa Integrado de

Logística (PIL) acopla-se ao PBM, e “se propõe a fatiar e ofertar, aos investidores

privados, os setores de infraestrutura mais rentáveis, além de permitir a livre

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conversão e circulação de capitais voláteis no setor por meio de subsídio à emissão

de debêntures por parte do BNDES.”

Na avaliação de Filgueiras (2015), os governos Lula e Dilma consolidaram um

padrão de desenvolvimento capitalista, que o autor chama de Liberal-Periférico, no

qual houve: i) a ampliação das assimetrias capital/trabalho (em favor do capital),

devido à reestruturação produtiva e da abertura comercial. Tal movimento implicou

no aumento do “desemprego estrutural, do trabalho informal, da terceirização e da

precarização do trabalho em todas as suas dimensões. Como consequência, a

capacidade de organização, mobilização e negociação dos sindicatos se reduziu

dramaticamente” (FILGUEIRAS, 2015, p. 2); ii) a redefinição das relações

intercapitalistas, o que alterou a posição e a importância relativa das distintas

frações do capital no processo de acumulação e na dinâmica macroeconômica. A

abertura comercial e financeira às privatizações tiveram como consequência o

deslocamento da antiga hegemonia do capital industrial, sendo esta exercida pelo

capital financeiro (nacional e estrangeiro); a diminuição da relevância do capital

estatal frente ao capital estrangeiro; e o fortalecimento de grandes grupos

econômicos nacionais produtores/exportadores de commodities e o agronegócio; iii)

a alteração para pior da inserção internacional do país na nova divisão internacional

do trabalho, tendo aumentado a vulnerabilidade externa em função da

reprimarização da pauta exportadora e aprofundamento do processo de

desindustrialização, e crescido a dependência financeira; iv) a fragilização financeira

do Estado e a diminuição de sua capacidade de regular a economia, de implementar

políticas macroeconômicas e de apoiar e induzir a produção; v) a constituição de um

novo bloco no poder, sob a hegemonia do capital financeiro, que passou a ditar as

políticas fundamentais do Estado (FILGUEIRAS, 2015, p. 2-3).

Ainda para o autor, o tripé macroeconômico que teria sido rígido no segundo

Governo FHC e em parte do primeiro Governo Lula, foi flexibilizado no segundo

Governo Lula e no primeiro Governo Dilma (sendo aplicado de forma mais rígida a

partir do início do segundo Governo Dilma). A melhora de indicadores como

elevação das taxas de crescimento, redução das taxas de desemprego, diminuição

da pobreza absoluta e pequena redução da concentração de renda no interior dos

rendimentos do trabalho, vieram junto com um deslocamento da hegemonia absoluta

do capital financeiro, que assistiu a maior influência de outras frações do capital na

condução do Estado, tais como as grandes empreiteiras, o agronegócio, o capital

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produtor e exportador de commodities, e os grandes grupos do comércio varejista,

reacomodando as distintas frações do capital no interior do bloco no poder. A

chamada burguesia interna passou a ser amplamente atendida pelas políticas do

Estado, em especial através do BNDES, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica

Federal e da Petrobras sem, contudo, atingir os interesses fundamentais do capital

financeiro (FILGUEIRAS, 2015, p. 4). Tal análise sobre a coexistência de interesses

converge com a análise de Erber (2009, 2011), que faz tal discussão através das

convenções institucionalista-restrita (centrada sobretudo na política macroeconômica

do BACEN, que acaba atendendo interesses do capital financeiro) e da convenção

neodesenvolvimentista no governo Lula (que pode ser replicada ao primeiro governo

Dilma).

E mais, convergindo com a análise de Jessé de Souza (2012), Filgueiras

aponta que não se pode “ter dúvidas da natureza apassivadora dos Governos Lula e

Dilma - que despolitizam a classe trabalhadora e incorporam, via mercado, sem

qualquer mudança estrutural e muito parcialmente, algumas de suas demandas”

(FILGUEIRAS, 2012, p. 4).

Na interpretação de Singer (2015), no início do primeiro governo Dilma, teria

havido um ensaio desenvolvimentista, evidenciado pela pressão sobre os bancos

privados para reduzirem as taxas de juros, pelo uso intensivo do BNDES, pela

aposta na reindustrialização218; pela redução da carga fiscal em diversos setores

intensivos em mão de obra e empresas exportadores; pelo Programa de

Investimentos em Logística (PIL), um pacote de concessões para incentivar

inversões em rodovias e ferrovias; pela reforma do setor elétrico219; pela

218

Comandada pelo Banco Central, entre agosto de 2011 e abril de 2013 houve uma redução de 12,5% para 7,25% a.a na taxa básica de juros, e a taxa Selic alcançou o valor mais baixo desde a sua criação, em 1986. Considerando que a inflação acumulada em doze meses foi de 6,59%, o juro real foi de 0,619% a.a. no final do ciclo. O Executivo também pressionou os bancos privados a baixarem os spreads (a chamada “batalha dos spreads”). Dilma ainda implementou mudanças nas regras de remuneração da caderneta de poupança em maio de 2012. No caso do BNDES, suas linhas de crédito subsidiados já vinham sendo fortalecidas por meio robustos de repasses do Tesouro desde 2009, prática que se expandiu significativamente no primeiro governo de Dilma. A proposta de o BNDES investir cerca de 600 bilhões de reais na indústria até 2015 e lançamento do Plano Brasil Maior, com medidas como a redução do IPI sobre bens de investimento e a ampliação do Microempreendedor individual (MEI) indicam a aposta na reindustrialização (SINGER, 2015).

219 A Medida Provisória 579, de setembro de 2012, retirava das tarifas o “repasse dos investimentos já amortizados”, e os contratos das companhias concessionárias, que venceriam em 2015 e 2017, foram antecipados. O objetivo era baratear em até 20% o preço da eletricidade – o que era apontado pela indústria como uma necessidade, para poder reduzir os custos e ganhar competitividade em relação aos produtos importados (SINGER, 2015).

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desvalorização do real; pelo controle de capitais; e, finalmente, pela proteção ao

produto nacional220. Na opinião do autor, esta “nova matriz implicava comprar brigas

centrais, procurando acelerar o pacto conservador lulista” (SINGER, 2015, p. 46).

Isso não significa dizer que o ensaio desenvolvimentista de Dilma fosse um ponto

fora da curva “lulista”; ao contrário, o autor aponta que houve a preocupação de

“acelerar uma viagem cuja direção vinha traçada desde antes”. A diferença é que,

diferentemente de Lula, que havia adotado a estratégia de evitar o confronto, Dilma

decidiu entrar em combates duros. Como cita o autor (2015, p. 39), isso fica evidente

no pronunciamento de Dilma em rede nacional, no dia 30 de abril de 2012, véspera

do Dia dos Trabalhadores: “É inadmissível que o Brasil, que tem um dos sistemas

financeiros mais sólidos e lucrativos, continue com um dos juros mais altos do

mundo [...] Não vamos abrir mão de cobrar com firmeza de quem quer que seja que

cumpra o seu dever”.

Na visão do autor, Dilma não só enfrentou o núcleo duro do capital, como

também decidiu politizar o tema.

Em fevereiro de 2012, o boletim do Ministério da Fazenda afirma que o spread no Brasil era “elevado na comparação com outras economias”. Destacava que a expectativa era que caísse “devido ao ciclo de queda dos juros” iniciada em agosto do ano anterior. Duas semanas mais tarde, Tombini aumentaria a carga. Em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, declara que a redução do spread era “prioridade de governo” e “determinação” da presidente da República. Não se tratava mais de expectativa genérica inserida em publicação ordinária de ministério. A diminuição dos ganhos por parte dos bancos tornava-se ordem, emanada do topo do poder Executivo. Transmitido por funcionário de alta gradação, o recado não poderia ser mais claro: o Estado se arrogava o direito de intervir na quintessência do capitalismo, a saber, o lucro (SINGER, 2015, p. 47- grifo

nosso).

220

“Em setembro de 2011 elevou-se em 30 pontos percentuais o IPI sobre os veículos importados ou que tivessem menos de 65% de conteúdo local. Em fevereiro de 2012, a Petrobras fechou acordo para alugar 26 navios-sondas a serem construídos no Brasil, com 55% a 65% de conteúdo nacional. Em junho de 2012, foi lançado o Programa de Compras Governamentais, beneficiando o setor de máquinas e equipamentos, veículos e medicamentos, também com regras favorecidas para a produção nacional. Em setembro de 2012, foram aumentados os impostos de importação de cem produtos, entre eles pneus, móveis e vidros” (SINGER, 2015, p. 45).

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Além disso, o autor aponta que houve a redução dos spreads do Banco do

Brasil e da Caixa Econômica Federal, acirrando a concorrência com os bancos

privados. Diante disso, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) condicionou a

redução dos spreads ao atendimento, pelo governo, de uma lista de reivindicações,

entre as quais estavam a redução dos impostos sobre as transações financeiras, a

minoração do depósito compulsório fixado pelo Banco Central e a regulamentação

do cadastro positivo (dando vantagens aos bons pagadores). A reação de Mantega

foi lembrar que os bancos brasileiros são altamente lucrativos, que são os campeões

de spreads do mundo, e que eles tinham condições de reduzir a taxa de juros e

aumentar a oferta de crédito.

Esta conjuntura favorável a um cenário desenvolvimentista sofreu um revés a

partir de fevereiro de 2013. Após uma subida nos preços, que o autor classifica

como “ocasional”, e declarações do Ministro da Fazenda de que a inflação mostrava

uma forte resiliência, os investidores passaram a apostar na elevação da inflação, o

que enfraquecia a “viga de sustentação do projeto dilmista”, uma vez que usar a

política monetária para segurar a inflação era “simplesmente desmontar o recém-

concluído”. Em abril de 2013, teve início um ciclo de altas de juros, que só viria

encerrar-se dois anos mais tarde. Assim, foi reestabelecida a dualidade entre a

Fazenda, que buscava fazer a economia deslanchar, e o Banco Central, que insistia

na contração, “carreando recursos para os rentistas”. Nos meses seguintes

verificaram-se: “aumento contínuo dos juros, o corte no investimento público, o

aumento da taxa de retorno nas concessões, a diminuição das restrições ao capital

especulativo e as privatizações na área de transportes” (SINGER, 2015, p. 50). Saía

fortalecido o choque neoliberal. Além disso, esta “volta para trás” foi fortalecida por

uma guerra ideológica travada pelos meios de comunicação, grandes grupos da

mídia e apoiada pelas crescentes críticas por parte de instituições oficiais de controle

econômico (FMI, Banco Mundial etc.), dos bancos estrangeiros e das corporações

multinacionais.

Seja como for, o processo de neoliberalização discutido no capítulo 1 ganhou

fôlego mesmo diante dos ensaios desenvolvimentistas verificados a partir do

primeiro governo Lula, e contou com um Estado forte, que conseguiu reforçar e

implementar estratégias espaciais de Estado e políticas interescalares - a exemplo

da IIRSA, da Copa do Mundo da Fifa e das Olimpíadas - que catalisaram estratégias

neoliberais de desenvolvimento regional e urbano, englobando novas áreas nos

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espaços de acumulação capitalista e impondo lógicas de mercado à gestão espacial

- que nem mesmo políticas e legislações urbanas criadas durante o governo Lula

(Estatuto das Cidades) conseguiram amenizar. Além disso, formas de gestão

privada de serviços e equipamentos públicos ganharam fôlego e foram incentivadas

por instituições federais, inclusive pelo BNDES, como se verá adiante. Assim,

serviços e equipamentos públicos trazem cada vez mais impressas e naturalizadas

as lógicas e terminologias de mercado (cidadãos/consumidores, serviço

público/lucro, etc), e fazem prevalecer os interesses dos investidores/compradores

frente aos da população.

5.1.1 A questão regional brasileira a partir de 2003

Como já foi adiantado, a partir do primeiro mandato presidencial de Lula, ao

menos no plano discursivo e formal, foram retomadas as iniciativas com relação às

questões urbana e regional no Brasil, que haviam sido praticamente abandonadas

nos governos anteriores. Em 2003, o Ministério da Integração Nacional lançou a

Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), que viria a ser aprovada

somente em 2007, instituída pelo Decreto nº 6.047 daquele ano. Nesta seção,

apresentar-se-á a evolução da questão regional, basicamente no que diz respeito à

implementação desta política, uma vez que ela influenciou nos critérios adotados

pela Política de Dinamização Regional (PDR) adotada pelo BNDES, e que será

abordada mais adiante.

Em 2006, no final do primeiro mandato de Lula, o Ministério da Integração

Nacional finalizou e divulgou o documento-base do que seria a Política Nacional de

Ordenamento Territorial (PNOT), que acabou não saindo do papel.

A PNDR trouxe uma abordagem multiescalar, além da divisão de papeis

institucionais - na qual a escala nacional fica responsável pela regulação geral das

desigualdades e orientação dos grandes investimentos; a escala macrorregional se

ocupa da articulação das ações e elaboração de planos estratégicos de

desenvolvimento; a escala sub-regional se encarrega da organização e articulação

das iniciativas em mesorregiões diferenciadas e, mesmo a escala intra-urbana, tem

a competência de organizar e articular ações nas Regiões Metropolitanas e nas

cidades (campo de responsabilidade direta do Ministério das Cidades). Ou seja,

como aponta Araújo, (2013), esta política representou avanços, reconhecendo que a

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314

desigualdade regional no Brasil precisa ser tratada em múltiplas escalas, e não

somente na escala macrorregional (o que resulta na priorização do Nordeste e Norte

do Brasil). Assim, “sub-regiões do Sul (extremo sul do Rio Grande do Sul, entre

outras) e mesmo do Sudeste (Vale do Ribeira, por exemplo) também passariam a

estar presentes na agenda de prioridades da política federal (ARAÚJO, 2013, p. 49).

No mapa que segue, é possível verificar o perfil brasileiro segundo as classificações

de renda da PNDR.

Mapa 3 – Classificação das microrregiões da PNDR segundo renda per capita

Fonte: Adaptado do Observatório do Desenvolvimento Regional (http://odr.mi.gov.br/).

O Ministério da Integração Nacional (MIN) apontou a redução das

desigualdades regionais como um dos “mega-objetivos” do governo federal, e a

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315

PNDR responderia a esta finalidade enquanto política de governo, sob a

argumentação de que “não compete apenas ao Ministério da Integração Nacional

atuar sobre o problema, mas a todo o conjunto do Governo. Órgãos governamentais

envolvidos mais de perto com outros objetivos e outras políticas devem buscar ainda

assim respostas aos problemas regionais”221. Uma importante premissa do PNDR foi

considerar o enfrentamento das desigualdades regionais como questão nacional,

pois este é um problema que envolve todo o território nacional e não apenas

macrorregiões menos desenvolvidas, como prevaleceu em momentos do passado.

As desigualdades regionais diminuem a coesão e integração territorial do país,

acarretando perdas para o conjunto da Nação. Por isso, a solução exige a

construção de consensos entre a sociedade e os três níveis de governo, até porque

o problema gera efeitos diretos e indiretos para toda a população, conforme aponta

o Ministério da Integração Nacional.

Partindo de uma escala microrregional, foi feita uma aposta na diversidade de

cada região (aspectos naturais, econômicos, sociais, institucionais, etc.), com o

objetivo de promover a integração do mercado interno nacional (tanto produtiva

como política). Trata-se de uma política que propõe a superação do federalismo

competitivo (expresso, por exemplo, na Guerra Fiscal), para que se restabeleça a

capacidade de planejamento e intervenção indutora do Estado através da

cooperação federativa.

Muitos avanços foram feitos na concepção da PNDR, mas, mais uma vez, a

aposta foi no sentido de promover as forças produtivas, não tocando em questões

estruturais da desigualdade existente no país.

No que diz respeito aos recursos para a execução da política, estava prevista

a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), cuja proposta

dependia de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Reforma Tributária, que

tramitava no Congresso Nacional. Diante da resistência da bancada parlamentar dos

Estados, esta PEC sequer foi submetida à votação do Congresso. Em 2008, o

Ministério da Fazenda fez uma nova tentativa de levar adiante a reforma tributária,

mas também não teve sucesso.

221 Ver premissas do Ministério da Integração Nacional em: http://www.mi.gov.br/premissas. Acesso em

08/12/2015.

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316

Com a não implementação do FNDR, o MIN voltou-se para investimentos

setoriais - a exemplo do Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF) e da

Ferrovia Transnordestina – que contaram com recursos do BNDES, ao mesmo

tempo em que buscou fortalecer orçamentariamente ações herdadas do Plano

Plurianual de 2000/2003, a exemplo dos programas mesorregionais. Esse esforço foi

conduzido pela Casa Civil através da Câmara de Políticas de Integração Nacional e

Desenvolvimento Regional (CPINDR), criada com o objetivo de articular e coordenar

a ação de Ministérios e agências governamentais no território. A CPINDR reuniu-se

algumas vezes entre os anos de 2003 e 2006, porém, a partir deste ano, tornou-se

inativa. A ação do MIN centrou-se, então, na organização de arranjos produtivos

locais (APLs), sem apoio consistente dos fóruns e agências de desenvolvimento

sub-regionais. Quanto aos demais instrumentos criados para assegurar condições

de governança da PNDR, estavam: i) o Comitê de Articulação Federativa, que não

chegou a ser instalado; ii) as Superintendências do Norte – SUDAM (2007), do

Nordeste - SUDENE (2007) e do Centro-Oeste – SUDECO (2011) – às quais não

foram dadas condições operacionais adequadas; e iii) os Planos Estratégicos de

Desenvolvimento do Nordeste, Norte e Centro-Oeste, que dependem das frágeis

Superintendências para lhes dar cumprimento (AMPARO, 2014).

No ano de 2011, a equipe que assumiu o MIN reafirmou a necessidade

enfrentar a questão das desigualdades regionais e de transformar a PNDR em

política de Estado, bem como a implantação de um Sistema Nacional de

Desenvolvimento Regional, que permitisse a “coordenação vertical e horizontal da

ação pública no território” (AMPARO, 2014), viabilizando uma ação em múltiplas

escalas.

No entanto, mais uma vez a realpolitik conjurou contra as pretensões da PNDR. Mudanças ministeriais ocorridas ao longo do primeiro semestre de 2013 e boatos sobre a saída do PSB da base de apoio do Governo, que ganharam força a partir de meados do ano, prejudicaram bastante a continuidade das negociações previstas para montagem do Pacto de Metas. No início de outubro, o Ministro do MIN e seu Secretário Executivo deixaram o Ministério, seguindo no mesmo rumo, algumas semanas depois, o Secretário da SDR, entrando, em consequência, a PNDR mais uma vez em compasso de espera (AMPARO, 2014, p. 192).

As alianças regionais de classe, como define Harvey (2005, p.151), podem

ajudar a compreender como a questão regional chegou ao ponto em que se

encontra, e os motivos pelos quais existem tantas disputas e resistências dentro do

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317

próprio Estado para transformar tais condições de desigualdade. Estas alianças

estão vinculadas em determinados territórios que, habitualmente, são organizados

pelo Estado (mesmo que não exclusivamente). Elas são necessárias para defender

valores já materializados e a coerência regional estruturada222 já alcançada.

Mudanças estruturais poderiam ameaçar a hegemonia daqueles que já exercem um

poder sobre determinado território – como é o caso de oligarquias que existem nas

mais diversas partes do país. Contudo, é elementar que as localidades não se

fecham nelas mesmas. Infraestruturas que não alterem os elementos estruturais

cruciais para manter o status quo não são motivo de resistência. Quanto menores

forem as barreiras espaciais, maior será a sensibilidade do capital às variações do

lugar dentro do espaço, e maior o incentivo para que os lugares se diferenciem de

maneiras atrativas ao capital (HARVEY, 1989, p. 267).

Na Conferência Nacional de Desenvolvimento Regional (CNDR), em 2012,

foram definidos os princípios e as diretrizes para a PNDR II, que pretendia valorizar

a diversidade territorial, social, ambiental, cultural e econômica. Alves e Neto (2014)

apontam que houve a preocupação em recolocar na agenda de governo o tema do

pacto federativo. “Com o respeito ao federalismo cooperativo, ela reconhece a

persistência da tensão entre entes federados – problema de origem que vem se

agravando nas últimas décadas e que a Constituição Federal de 1988, apesar de

seus avanços, não conseguiu solucionar” (p. 320). Também há o reconhecimento da

concentração de receitas no âmbito da União.

Os espaços de prioridade agora eram as áreas de abrangência da Sudene,

da Sudam e da Sudeco, bem como alguns espaços nas regiões Sul e no Sudeste,

222

Coerências estruturadas, como aponta Harvey, são estruturas espaciais que apresentam relativa coerência interna devido a uma configuração dominante de relações sociais e de forças produtivas. Esta coerência pode envolver “as formas e as tecnologias de produção (padrão de utilização de recursos pelas conexões interindústrias, formas de organização, tamanho de empresas), as quantidades e qualidades de consumo (o padrão e estilo de vida tanto dos trabalhadores como da burguesia), os padrões de demanda e oferta de mão de obra (hierarquias das habilidades de mão de obra e processos sociais de reprodução, para assegurar a oferta dos mesmos) e as infraestruturas físicas e sociais” (HARVEY, 2005, p. 146). E mais: “dentro destes espaços, a produção, a distribuição, a troca e o consumo, a oferta e a demanda (particularmente de força de trabalho), a luta de classes, a cultura e os estilos de vida se juntam num sistema aberto que, não obstante, exibem algum tipo de ‘coerência estruturada’. (...) A coletividade pode se consolidar assumindo responsabilidade pelo enraizamento de todo tipo de infraestruturas na terra (sistemas de rodovias, facilidades portuárias, sistemas de água e esgoto) e configurando múltiplos suportes institucionais (educação e saúde) que definem uma forma particular de relacionamento com a acumulação de capital assim como com o resto do mundo” (HARVEY, 2004a p. 78).

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318

desde que classificados como de média e de baixa rendas. Microrregiões de alta

renda das macrorregiões menos desenvolvidas também foram incluídas como objeto

de ação da PNDR II, uma vez que elas estão muito distantes dos resultados para o

Sul e o Sudeste (RESENDE et al., 2015).

Os quatro objetivos específicos da PNDR II são: i) a convergência, visando

diminuir as brutais diferenças no nível de desenvolvimento e na qualidade de vida

entre regiões e intrarregionalmente, além de promover a equidade no acesso a

oportunidades de desenvolvimento para os territórios e pessoas que neles vivem

(mapa 4); ii) promover a competitividade em regiões com baixa capacidade de

geração de emprego, renda e oferta de serviços e que apresentam declínio

populacional e elevadas taxas de emigração; iii) Agregar valor e diversificar a

economia em regiões com forte especialização na produção de commodities

agrícolas e/ou minerais, com baixo valor agregado nas exportações, baixa

diversificação econômica, elevada desigualdade social e elevado risco ambiental.

Este objetivo atende sobretudo a áreas suscetíveis às forças do mercado mundial; e

iv) Numa abordagem multiescalar, identificar e fortalecer as centralidades urbanas

que possam operar como vértices de uma rede policêntrica, visando construir uma

rede de cidades mais harmônica entre os distintos níveis hierárquicos (que passa

por fortalecer as cidades médias), contribuindo para a desconcentração e

interiorização do desenvolvimento (ALVES e NETO, 2014).

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319

Mapa 4– Rendimento domiciliar per capita – base para a proposta de convergência da PNDR II

Fonte: Adaptado do Observatório do Desenvolvimento Regional (http://odr.mi.gov.br/).

Com a inviabilização do FNDR, Resende et al. (2015, p. 32) apontam que a

PNDR acabou contando somente com os instrumentos tradicionais vigentes antes

de sua aprovação223, além de incentivos fiscais concedidos às empresas instaladas

nas áreas de atuação da Sudam e da Sudene em diversas modalidades, visando

estimular a atração e a promoção local de novos investimentos. No Gráfico 16, os

autores mostram como se deu a evolução de desembolsos de alguns dos fundos

constitucionais de financiamento somados.

223

Como o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), o Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO), o Fundo de Desenvolvimento da Amazônia (FDA), o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE), o Fundo de Desenvolvimento do Centro-Oeste (FDCO), o Fundo de Investimento da Amazônia (Finam) e o Fundo de Investimento do Nordeste (Finor) (RESENDE el al., 2015).

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320

Gráfico 16- Fundos constitucionais de financiamento (FNE, FNO e FCO): evolução das aplicações (Em R$ bilhões)

Fonte: Resende et al. (2015).

Para além da PNDR, cabe chamar a atenção para alguns impactos do padrão

de desenvolvimento recente, mais especificamente na produção e no consumo. A

esse respeito, Tânia Bacelar de Araújo (2013) mostra que as macrorregiões Norte e

Nordeste – as duas mais pobres do país - lideraram o crescimento do consumo no

país, indicando que houve um impacto regionalmente diferenciado das políticas que

afetaram a renda das famílias, a exemplo do aumento real do salário mínimo, que

impactou muito mais fortemente no Nordeste (onde 45% dos ocupados recebe até um salário mínimo, bem acima da média brasileira, que é de 26%) e que a do Sudeste (onde esse percentual é de apenas 17,6%), segundo dados da Pnad/IBGE. Esta mesma pesquisa mostra que entre 2003 e 2009 o valor do rendimento médio das famílias residentes no Nordeste cresceu 5,4% ao ano, quando a média nacional foi de 3,5% e no Sudeste esta taxa foi de apenas 2,9% (ARAÚJO, 2013, p. 42 – 43).

A autora ainda observa que, como o Nordeste concentra mais da metade da

população muito pobre do país, esta região recebe cerca de 55% dos recursos do

Bolsa Família. Já entre as políticas setoriais que mais reverberaram positivamente

na desconcentração espacial do desenvolvimento, a autora destaca a política

educacional, com destaque para a educação superior. Enquanto em 2002 o Brasil

contava somente com 43 campi de universidades federais implantados, sobretudo

no Sudeste, no Sul e no litoral, em 2010, esse o número saltou para 230. Além

disso, a localização espacial destes novos campi mostra a tendência à interiorização

e à desconcentração regional.

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321

Também, pelo PAC, foram construídas diversas creches e pré-escolas, como

é possível observar no mapa a seguir.

Mapa 5 – Empreendimentos do PAC: creches e pré-escolas

Fonte: Adaptado do Observatório do Desenvolvimento Regional (http://odr.mi.gov.br/).

Além de programas vinculados diretamente com o corte social, como o PAC e

o Minha Casa Minha Vida (MCMV), os investimentos da Petrobras (estimulados

sobretudo após a descoberta do Pré-sal) - que beneficiaram sobretudo o setor da

construção civil (um bom absorvedor de mão-de-obra) - também tiveram um

potencial desconcentrador de investimentos em termos regionais. Além disso,

estimular o crescimento e o crédito também desempenhou papel desconcentrador,

uma vez que Norte e o Nordeste lideraram o crescimento do crédito para pessoa

física e para pessoa jurídica no país. Como aponta Guimarães Neto, (2010), “As

taxas para essas regiões (exceto a região Norte, no caso de pessoa jurídica), são

maiores que as taxas médias no Brasil e superiores às observadas para as regiões

mais ricas. Isso é outra novidade”. Assim, fazendo uma leitura regional das

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322

reverberações das políticas econômicas, sociais e de desenvolvimento adotadas no

país a partir do governo Lula, Araújo observa que “no período 2003-2010, as taxas

de crescimento da economia do Norte (5,4%), do Centro-Oeste (5%) e do Nordeste

(4,9%) apresentaram-se mais elevadas que a média nacional (4,4%) e que as do

Sudeste (4,5%) e Sul (3,4%), segundo dados do IBGE (ARAÚJO, 2013, p. 45). Além

disso, no que diz respeito à criação de postos de emprego, as regiões Norte,

Nordeste e Centro-Oeste lideraram as taxas de crescimento desta variável.

5.2 O BNDES

Nesta seção, serão inicialmente abordadas as transformações e as retóricas

institucionais do BNDES a partir de 2003. Em seguida, serão apresentados os

resultados institucionais, a partir de uma análise geral das operações do Banco para,

posteriormente, ser apresentado um perfil mais detalhado das operações do BNDES

nos últimos anos. Pretende-se apresentar uma dimensão do alcance e do perfil do

Banco na promoção do desenvolvimento.

5.2.1 As transformações e retórica institucional do BNDES

Com o início do governo Lula e a chegada de Carlos Lessa à presidência do

BNDES, ocorreram visíveis transformações na instituição, assim como discordâncias

e conflitos sobre os rumos que o Banco vinha tomando acabaram emergindo. Tais

discordâncias começaram a ser expostas já no momento em que Lessa recebeu o

cargo do ex-presidente da instituição, Eleazer de Carvalho Filho. Na situação, o novo

presidente fez duras críticas à antiga gestão e alegou que desde princípios da

década de 1990, o Banco teria progressivamente aderido a uma política neoliberal,

“que resultou numa série de privatizações224 que ‘desmantelaram setores

estratégicos’, como o de energia” (VALOR ECONÔMICO, 2003). Além disso, Lessa

já afirmava que os critérios de avaliação de risco das empresas que procuram a

224

Durante sua gestão, o BNDES comprou parte da ações da Valepar (holding da Vale do Rio Doce), para que ela não deixasse de ter o caráter de empresa nacional, e para que a empresa japonesa Mitsui, em caso de compra de ações, não adquirisse poder de veto no conselho da Vale. Na ocasião, Lessa foi muito criticado por Palocci e Furlan.

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323

instituição iriam mudar, uma vez que o BNDES não é um banco de investimentos e,

portanto, não deve se guiar pelas mesmas orientações.

Para um banco de investimentos, o negócio bom para uma empresa com alta classificação de segurança é bom para o banco e, logo, para o país. Já o banco de desenvolvimento inclui numa missão muito mais ampla e complexa que as recomendações típicas de um banco de investimentos. Porém, se delas tornar-se serventuário, cancela seus propósitos maiores (VALOR ECONÔMICO, 2003). 225

Com isso, Lessa também divergia de Furlan, ministro do MDIC, que em seu

discurso defendia que o BNDES deveria ter o mercado de capitais como prioridade

(FOLHA DE SÃO PAULO, 2003)226.

Durante sua gestão, o BNDES não lançou nenhum Planejamento estratégico,

mas isso não significa que a instituição tenha seguido as orientações definidas pela

Cúpula da instituição no Planejamento lançado pela última gestão. Isso fica evidente

já na “Mensagem do Presidente” Carlos Lessa, no Relatório Anual de Atividades do

BNDES em 2003.

O ano de 2003 marcou o reencontro do BNDES com suas origens de banco criado e orientado para ancorar o desenvolvimento brasileiro. Ao longo das décadas desde a sua criação, o BNDES foi o instrumento de sucessivos governos na saga de nosso processo de industrialização, primeiro como o banco do financiamento da infra-estrutura, depois como o banco da indústria de base e, em seguida, da indústria de bens de capital e de produtos intermediários. [...] foi graças sobretudo ao apoio do BNDES que se estruturou no Brasil um parque industrial capaz de atender grande parte da demanda interna e da crescente demanda de exportações. [...] na década de 1990, entretanto, ocorreu uma profunda inflexão na dinâmica do Banco, que, em face da orientação superior da política econômica, se desviou de suas atividades tradicionais de suporte ao setor produtivo novo para se tornar, prioritariamente, um gestor da transferência de ativos públicos para o setor privado. [...] o BNDES cumpriu disciplinadamente o seu papel, mas o papel que lhe foi atribuído estava em contradição com as suas finalidades legais e históricas. Com a nova orientação política derivada da eleição do presidente Luís Inácio Lula da Silva, esta diretoria entendeu como sua tarefa prioritária redefinir a estratégia do Banco. [...] A década de 1990 nos legou um banco de desenvolvimento que se tornava progressivamente um banco

225

VALOR ECONÔMICO. Lessa diz que vai devolver o D de desenvolvimento ao BNDES (17/03/2003). Disponível em: <http://www.valor.com.br/arquivo/337755/lessa-diz-que-vai-devolver-o-d-de-desenvolvimento-ao-bndes>. Acesso em 04/06/2015.

226 FOLHA DE SÃO PAULO. Novo presidente chora e critica a globalização (18/01/2003). Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1801200324.htm>. Acesso em 04/06/2015.

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324

de investimento com estritos critérios de mercado. Nós colocamos como objetivo imediato restaurar plenamente o banco de desenvolvimento como braço operacional de políticas industriais, que também tiveram de ser recuperadas no novo contexto político (RELATÓRIO DE ATIVIDADES DO BNDES, 2003 – grifo nosso).

Assim, Carlos Lessa deixava clara a perspectiva de retomar o tradicional

papel do Banco como agência de fomento à indústria e ao desenvolvimento

nacional. Agora, “ao lado e conjugado” ao conceito de “risco”, passou a estar

presente também o conceito de “prioridade”. Não se tratava, segundo o relatório, de

qualquer relaxamento no que diz respeito à avaliação de risco das demandas

submetidas à avaliação do Banco, mas significava que entre projetos que

oferecessem o mesmo risco, a prioridade seria daquele que mais contribuísse para o

desenvolvimento com inclusão social, sobretudo geração de empregos.

As informações constantes no relatório confirmam o que o novo presidente do

Banco já almejava no início de sua gestão, como explicitou em entrevista à Folha de

São Paulo, em 03 de janeiro de 2003: “O economista explicou que aceitou ser

presidente de um banco ‘de desenvolvimento’ ". Segundo ele, as prioridades do

BNDES não podem ser as operações de risco e os cálculos sobre o seu retorno para

a instituição. "Isso não vale necessariamente quando o objetivo é construir o futuro

do país", disse”.227 Na mesma entrevista, Lessa disse não ter nada contra o

financiamento de projetos de empresas multinacionais: "Nós podemos financiar uma

empresa de tráfego aéreo, por exemplo, pois isso pode fortalecer a Embraer. Nós

não podemos ficar de fora da competição."

Desde o princípio de sua gestão, Lessa defendia a integração do Brasil com

países da América do Sul e da África, em consonância com a prioridade geopolítica

fixada desde o primeiro momento do novo governo. Na sua avaliação, a integração

deveria começar pela parte física, com projetos de infraestrutura, para ir

progressivamente se ampliando para o âmbito comercial. Nesta primeira etapa, o

BNDES iria financiar projetos de infraestrutura. Além disso, ele defendia que o

Banco deveria (e iria) interferir na gestão das companhias que tivessem potencial

227

FOLHA DE SÃO PAULO. Indicado para BNDES ataca reforma de Gros (03/01/2003). Acesso em: 11/12/2015.

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325

para que o “Brasil possa exercer sua presença como economia nacional do mundo”

(FOLHA DE SÃO PAULO, 2003).

Outra mudança ocorrida foi com relação à estrutura institucional, uma vez que

somente três dirigentes da administração anterior foram mantidos no cargo, quais

sejam: José Solano – chefe de gabinete da presidência; Fernando Marques -

superintendente de crédito; e Mariza Giannini – que foi diretora de infraestrutura na

gestão do Francisco Gros, e voltou a ser superintendente jurídica. Houve também

uma redução no número de superintendências, que caiu de 25 para 12 (COSTA,

2006).

Além disso, o BNDES foi dividido nas Áreas operacionais de inclusão

social228, infraestrutura, indústria, insumos básicos e energia, comércio exterior e

operações indiretas, sendo que as 4 primeiras foram priorizadas. Nos cinco

primeiros meses de 2003, o Banco teria aumentado em 36% (em relação ao mesmo

período do ano anterior) as liberações de recursos para projetos com objetivo social,

totalizando 551 milhões de reais, financiados para infraestrutura, saúde, serviço

social e educação (INFORME BNDES nº 171, 2003)229.

Ainda em 2003 houve outra mudança muito significativa:

O governo modificou a legislação que impunha limites de financiamento do BNDES ao setor público. E não foi só. Para conceder empréstimos para a Embraer, o BNDES exigiu que a empresa aumentasse para 55% o índice de nacionalização de peças e componentes de seus aviões. O Banco determinou também que os investimentos estrangeiros em setores como mineração e siderurgia deveriam ter, necessariamente, o BNDES como sócio do projeto e com poderes de veto (COSTA, 2006, p 14).

Outro protagonista durante a gestão de Carlos Lessa foi o economista Fabio

Erber, nomeado diretor do BNDES por Lula em 2003, tendo ficado responsável,

228

Um projeto de promoção da inclusão social destacado no informe foi o financiamento de um projeto de autogestão dos trabalhadores associados da Uniforja (Cooperativa Central de Produção de trabalhadores em Metalurgia): “A aquisição dos ativos da massa falida da Conforja pelos trabalhadores da Uniforja é um projeto 100% financiado pelo BNDES. [...] O financiamento fornecido pelo Banco servirá para a manutenção de 251 empregos diretos e de 840 indiretos, com fortes perspectivas de ampliação do quadro de pessoal” (p. 3). A Conforja é uma empresa criada em 1954, que teve sua falência decretada em fevereiro de 1999. Entre 1997 e 1998, diante do contexto de acelerada deterioração da empresa, seus funcionários criaram quatro cooperativas visando assumir o controle da Conforja e mantê-la em funcionamento. Após serem legalizadas, as cooperativas arrendaram as dependências e maquinários da indústria junto a seus controladores. Em outubro de 2000, foi criada a Uniforja (Cooperativa Central de Produção Industrial de Trabalhadores em Metalurgia).

229 Informe BNDES nº 171, de junho de 2003. Disponível em: <https://goo.gl/u84zw2>. Acesso em: maio de 2013.

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326

inicialmente, pelas Áreas de Planejamento e Mercado de Capitais e, no segundo

semestre de 2003, assumindo a Diretoria Industrial. Erber foi um dos principais

responsáveis pela volta da política industrial no país e um dos articuladores da

PITCE. Depois de sua implementação enquanto política pública, Erber foi o

representante do BNDES no grupo executivo da PITCE. Institucionalmente, ele

reestruturou a Área Industrial e a Área de Planejamento do Banco, “além de ter sido

o responsável pela diretoria que criou programas visando à implantação de novos

setores e ao fortalecimento de setores incipientes na matriz industrial brasileira,

determinantes para o desenvolvimento tecnológico do país” (FILHA e ANDRADE,

2014, p. 345).

Como já foi adiantado, na análise de Erber, teria havido, nos primeiros anos

do governo Lula, uma forte pressão dos chamados “institucionalistas”, representados

sobretudo na figura de Palocci, além de setores econômicos (com destaque para o

setor financeiro) e de órgãos da grande imprensa para que Lessa fosse afastado do

Banco. Lessa também fazia duras críticas à política macroeconômica adotada por

Palocci. Assim, o BNDES foi se apresentando “como um foco de oposição à política

macroeconômica, adotada pelo governo, e como um lócus desenvolvimentista, que

pretende resgatar ideias como ‘planejamento’, ‘formulação de políticas industriais’ e

‘setores estratégicos’ e, por conseguinte, práticas que as utilizem” (COSTA, 2006, p.

12).

A autora também chama atenção para a atuação de alguns nomes

específicos: i) Pérsio Arida, André Lara Resende e Edmar Bacha, ex-presidentes do

BNDES, que produziram um texto defendendo que os recursos do FAT deixassem

de ser administrados pelo BNDES e passassem a ser repassados diretamente para

os bancos privados; ii) Edward Amadeo, que foi ministro do trabalho no Governo

Fernando Henrique e também defendia tal proposta; iii) Henrique Meirelles,

presidente do Banco Central, que dizia serem os créditos direcionados (empréstimos

da Caixa Econômica Federal, crédito rural e do BNDES) uma das três causas dos

altos spreads cobrados pelos bancos privados – tese que foi contestada em artigo

produzido pelo corpo técnico do BNDES; iv) Joaquim Levy, secretário do Tesouro

Nacional, que levantou essa questão em reuniões do Conselho Fiscal do FAT; V) O

FMI, que representado em missão no Brasil, questionou o fato de os juros da TJLP

serem inferiores aos da Selic, sob a argumentação de que assim o BNDES estaria

competindo com o sistema financeiro privado, além de também ter defendido que

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327

recursos do FAT fossem repassados diretamente a bancos privados. Além disso, a

instituição passou a receber críticas a respeito de sua eficiência, sob a alegação de

lentidão na aprovação de empréstimos e de que ele não cumpriria o orçamento.

Tanto Lessa quanto o corpo técnico do Banco rebatiam as críticas, e apresentavam

dados institucionais demonstrando que tanto os desembolsos quanto o orçamento

cresciam a cada ano, superando os da gestão anterior (COSTA, 2006, p. 18).

Diante de tamanha pressão para o esvaziamento de recursos do Banco e do

alinhamento do presidente do Banco Central a tais propostas, Lessa reagiu de forma

intensa, alegando que pairava a intenção de desmontar o BNDES230. Ficava claro

que a partir do momento em que o Banco tentava afirmar uma política autônoma em

relação ao Banco Central, à Fazenda e à política macroeconômica, além de resgatar

alguns princípios de viés desenvolvimentista, o BNDES passava a ter questionada a

sua eficiência, e sua função (sua razão de existir).

Foi nesse contexto de extrema pressão por parte de grupos com viés

institucionalista dentro do governo, e da articulação de alguns grupos e

representantes do setor financeiro, que Lessa foi demitido, em 18 de novembro de

2004, sendo então sucedido por Guido Mantega, que até então era ministro do

Ministério do Planejamento. Darc Costa, então vice-presidente do BNDES, afirmou

em entrevista à Folha de São Paulo (21/11/2004)231, intitulada Vitória ortodoxa:

Múltis tiraram Lessa do BNDES, diz Darc, que o discurso da ineficiência do Banco foi

“fabricado” para afastar tanto ele quanto a Lessa da instituição. Segundo ele, o

orçamento de R$ 47 bilhões determinado por Furlan, então ministro do MDIC, era

muito arrojado, e que ficou muito mais difícil alcançá-lo após o aumento nas taxas de

juros promovido pelo Banco Central. De qualquer forma, o Banco desembolsaria

R$ 40 bilhões, o que representava um aumento de 20% em relação ao ano anterior.

Cabe destacar que o BNDES pressionava constantemente a política de juros altos

adotada pela Fazenda.

Para Darc, foram as pressões exercidas sobretudo pelas multinacionais e

pelos bancos privados, a principal razão da saída de Lessa. As multinacionais,

230

Concordando com Costa (2006), é importante lembrar que, na década de 1990, o BNDES enquadrou-se e foi uma importante instituição para o cumprimento das metas de liberalização, e talvez seja por esse motivo que naquele momento não tenha sido alvo do “ímpeto liberalizante”.

231 FOLHA DE SÃO PAULO. Vitória ortodoxa: Múltis tiraram Lessa do BNDES, diz Darc.

(21/11/2004). Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2111200422.htm>.

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328

segundo ele, estariam desgostosas pelo fato de o BNDES ter começado a cobrar

aval da matriz para a aprovação de empréstimos. Nas suas palavras: “Isso aqui não

é entidade filantrópica. Não estou aqui para ficar repassando recursos sem

garantias”. Parte do empresariado nacional também estaria descontente, pois eles

esperavam que o Banco desse garantias para a liberação de empréstimos. Sobre

isso, Darc argumenta: “O dinheiro do BNDES é do povo brasileiro e não o espaço de

acumulação primitiva para meia dúzia de empresários” (FOLHA DE SÃO PAULO,

2004).

Darc, que era apontado como um dos principais estrategistas do Banco e

entusiastas da integração física entre países sul-americanos, saiu do BNDES em 20

de novembro de 2004. Em seu lugar entrou Demian Fiocca, que havia sido assessor

de Mantega no Ministério do Planejamento232 – decisão que teria desagradado

Furlan. Segundo o portal de notícias da FGV (2004)233, “apesar da derrota pontual,

Furlan manteve dois diretores de sua confiança que já estavam no banco - Roberto

Thimótheo da Costa e Maurício Borges Lemos - e nomeou Armando Mariante de

Carvalho, que estava na presidência do Inmetro”. Além disso, ele também teria

participado da escolha de Carlos Kawall, economista-chefe do Citibank, para compor

a diretoria.

Costa (2006, p. 20) aponta que alguns analistas, como Luiz Gonzaga Belluzo,

avaliaram que “embora tenha ocorrido uma vitória dos grupos vinculados ao capital

financeiro e do ministro à Fazenda, ela foi apenas parcial, pois não conseguiram

nomear para a presidência da instituição alguém a eles vinculado”. Além disso, no

discurso de posse, Mantega prometeu dar continuidade ao perfil de gestão adotado

por Lessa, elogiado por ter corrigido “o desvio de rota” do BNDES.

O Relatório Anual de Atividades do BNDES de 2004, já assinado por Guido

Mantega, converge com esta declaração, e destacava que com o novo ciclo de

estabilidade macroeconômica e crescimento que se inaugurou no Brasil em 2003,

o BNDES estará em condições de prosseguir, em 2005 e nos anos seguintes, a trajetória que se traçou ainda no início do atual governo, quando abandonou a fugaz experiência de banco de investimento

232

Enquanto esteve no Ministério do Planejamento, Fiocca coordenou a elaboração e as negociações do projeto de lei das Parcerias Público-Privadas (PPPs).

233 FGV AESP. Mantega troca comando e diz querer BNDES mais ágil. (03/12/2004). Disponível em: < https://goo.gl/sTg7K2 >. Acesso em 01/01/2016.

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329

para retomar, com uma visão atualizada do Brasil e do mundo, o destino histórico de ser o banco de desenvolvimento de todos os brasileiros (RELATÓRIO ANUAL DE ATIVIDADES DO BNDES, 2004, p. 12).

Somando-se às pressões neste contexto, cabe apontar que, em dezembro de

2004, o Banco Central definiu as diretrizes relativas ao novo Acordo de Basiléia

(Basiléia II). Antes das regras se tornarem efetivas, houve um debate entre os

funcionários do banco, havendo dois grandes grupos de opinião: o primeiro

advogava que, não incorrendo o BNDES em risco sistêmico, não deveria aderir ao

Acordo, estabelecendo controles de risco diferenciados dos aplicados aos bancos

comerciais e múltiplos; o segundo grupo via na adoção das regras de Basileia pelo

Banco uma “oportunidade de promover uma cultura de controle de riscos na

instituição e pressionar no sentido de adquirir sistemas integrados de risco”

(CASTRO, 2009, p. 164).

Lessa era contrário à submissão do BNDES ao Acordo de Basiléia, cujas

regras deveriam ser aplicadas somente aos bancos comerciais, e não aos Bancos

de desenvolvimento. No seu entendimento, o BNDES foi submetido de forma

irresponsável às regras da Convenção da Basiléia, conforme afirma em entrevista à

Folha de São Paulo.

Tais regras foram imaginadas pelos bancos centrais do mundo para reduzir o risco sistêmico da quebra de um banco comercial. Por definição, o BNDES é 100% do Tesouro. O risco é soberano, não capta depósitos e não tem padrão comportamental gerador de risco sistêmico. É o banco brasileiro com a menor taxa de inadimplência e tem uma carteira formada por ações e contratos com as melhores empresas do país (FOLHA DE SÃO PAULO, 2005).

Nesta mesma linha, Prado e Monteiro Filha (2005) afirmam que:

Os Acordos de Capital de Basiléia não se aplicam a bancos de desenvolvimento e, portanto, não são marcos relevantes para a formulação de uma política de gestão de risco no BNDES, que, entretanto, vem se adequando às normas do Banco Central do Brasil (BCB), as quais internalizam os Princípios de Basiléia para o Sistema Financeiro Brasileiro. Essas normas são, em muitos casos, inadequadas para que o Banco cumpra com eficácia suas funções legais, definidas nos Estatutos do BNDES (Decreto 4.418, de 11.10.02) da seguinte forma: “O BNDES é o principal instrumento de execução da política de investimentos do governo federal e tem por objetivo primordial apoiar programas, projetos, obras e serviços que

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330

se relacionem com o desenvolvimento econômico e social do país.” No momento há um conjunto de alterações em curso nas normas de gestão de risco do Banco. Com a aprovação em junho de 2004 pelo Grupo dos Dez (G-10) do documento final do Basiléia II [ver Basel Committee on Banking Supervision (2004b)], e com a intenção do BCB de incorporá-las nos próximos anos, o marco jurídico da gestão bancária no Brasil está, também, passando por mudanças importantes. Nessa circunstância, é necessário, por um lado, evitar a consolidação de normas de gestão de risco que não sejam adequadas à especificidade do BNDES e, por outro, aproveitar a oportunidade para a criação de um marco legal que permita à instituição exercer plenamente sua função de banco de desenvolvimento (PRADO e MONTEIRO FILHA, 2005, p. 178).

Em junho de 2004, ainda antes da saída de Lessa, teve início um novo

processo de planejamento do Banco, o chamado Sistema de Planejamento

Integrado para o Desenvolvimento (Spid), que contou com a participação não só da

cúpula, como ocorreu no planejamento da gestão anterior, mas também de técnicos

de várias áreas da instituição, e foi conduzido em parceria com a iniciativa privada. A

partir do SPID foi criado o Plano Trienal 2005 – 2007.

Diferente dos últimos planos, este tinha desafios e metas setoriais como eixo

estratégico. Esta orientação setorial, contudo, negligenciava a dimensão territorial

dos projetos. Os cenários econômicos foram abandonados, sendo assumido que a

era necessário voltar ao planejamento de longo prazo, cuja principal inspiração foi o

processo de planejamento ocorrido na década de 1970. Era clara a oposição ao

Plano 2000 – 2005.

Além deste resgate das tradições setorialistas do Banco, havia a intenção de

promover a “transferência de conhecimento entre técnicos antigos e novos”

(CASTRO, 2014, p. 250), o que parecia justificável, tendo em vista a mudança

geracional em curso, decorrente, de um lado, de muitas aposentadorias234

incentivadas por Planos de Demissão Voluntária e, de outro lado, pela entrada de

novos funcionários por meio de concursos públicos. Segundo Castro, buscou-se a

convergência com as políticas, os planos e os programas do governo federal, assim

como articulações e parcerias com o setor privado, através do apoio à formação de

grandes grupos e fortalecimento das empresas estatais.

234

A geração de funcionários que ingressou no BNDES no fim do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) iniciava seu processo de saída do Banco, por aposentadoria.

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331

Como resultado do Plano, foram criadas sete câmaras técnicas no BNDES,

quais sejam: Infraestrutura235, Setores Produtivos, Comércio Exterior, Inclusão

Social, Fontes de Recursos para Retomada do Desenvolvimento, Relações

Institucionais e Gestão Organizacional Interna. Através de Grupos de Trabalho,

diagnósticos e análises por setores ou temas passaram a ser produzidos, contendo

propostas de políticas, programas e projetos. Algumas destas propostas abordavam

temas novos na casa como, por exemplo, capitalização institucional (diante da

perspectiva de mudança regulatória) e integração latino-americana. Em 2005, teve

início o Projeto Ação para Gestão Integrada de Recursos (AGIR), que buscava

padronizar e automatizar os processos do Banco, de forma a aumentar a eficácia

administrativa e operacional. Os resultados já foram sentidos no próprio ano de

2005, com aumento de 75% nas classificações de risco efetuadas, “além da

manutenção de uma carteira de financiamentos com qualidade superior à média de

mercado das instituições financeiras” (RELATÓRIO ANUAL DE ATIVIDADES DO

BNDES, 2005). Segundo o relatório da instituição, o aumento da agilidade não

significou relaxamento nos padrões de análise do BNDES, mas somente a melhoria

de rotinas e a eliminação de redundâncias de processo.

“A despeito do discurso de desmontar o planejamento anterior, algumas

questões introduzidas nos processos anteriores (ênfase na eficácia administrativa e

operacional) foram mantidas” (CASTRO, 2014, p 251). Mas, considerando as

pressões para a redução de recursos associada ao desmonte a que o BNDES vinha

passando, em decorrência do que era considerado ineficiência e descumprimento

das metas orçamentárias, é possível compreender que o AGIR pretendia dar uma

resposta também operacional aos críticos. Assim, através dessa e de outras

medidas (ver tabela seguinte), o Banco reduziu significativamente o prazo médio de

processamento das operações.

No Relatório Anual de Atividades de 2005, o Banco reafirma sua “correção de

rota”, ao ressaltar que, entre 2003 e 2005, foi sendo progressivamente restaurada a

235

Cabe destacar que, em 2004, ocorreu uma mudança no marco regulatório da infraestrutura de outorga onerosa para leilões. A partir disso, foram estabelecidas normas para licitação e contratação de PPPs. Isso impulsionou obras de infraestrutura, que passaram a contar com novas modalidades de financiamento, a exemplo do project finance, e reforçou as orientações e os desembolsos do BNDES para este setor.

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332

estrutura setorial no Banco, e abandonada a estrutura que vigorou no Banco entre

2001 e 2002, que contemplava áreas de produtos e áreas de clientes236.”

Ainda neste relatório foram divulgadas algumas diretrizes e medidas

institucionais que visavam tornar o BNDES o “Banco do Desenvolvimento de Todos

os Brasileiros”.

Tabela 14 – Medidas institucionais para tornar o BNDES o “Banco do Desenvolvimento de Todos os Brasileiros”

Dir

etr

izes Democratizar o acesso aos recursos do

BNDES Aumentar a agilidade de atuação

Reduzir o custo dos empréstimos para setores prioritários

Me

did

as

Aprimoramento do Cartão BNDES, que havia sido instituído na gestão de Lessa. Em 2005 houve a expansão do crédito às empresas de pequeno porte.

Acompanhamento de indicadores de desempenho das Áreas Operacionais pela Alta Administração, inclusive o prazo médio de tramitação das operações.

Introdução de vários níveis de remuneração básica (acima da TJLP), refletindo distintos graus de prioridades atribuídas aos diversos setores da economia, e variedade de modalidades de financiamentos. Ex: Inovação, bens de capital, e programas agrícolas do governo federal.

Aprovação do novo Programa de Microcrédito (PMC)

Processamento, em ambiente on-line, a partir de abril de 2005, de todas as operações da Linha FINAME.

Introdução de um gradiente de risco de crédito, com base na classificação de risco de crédito das empresas.

Credenciamento de cooperativas centrais de crédito rural para atuarem como agentes financeiros do BNDES e da FINAME.

Estabelecimento de limite de crédito de até R$ 900 milhões para clientes de primeira linha não-financeiros.

Criação do Programa de Investimentos Coletivos Produtivos (Proinco), para

Eliminação da necessidade de

236

Respectivamente responsáveis pela análise e contratação das operações, por receber as consultas e pelo relacionamento com potenciais tomadores. Esta divisão de funções, característica de bancos comerciais e de investimento, tinha como foco basicamente a rentabilidade, e fazia com que os técnicos analisassem operações dos mais diversos setores, com prejuízos à especialização setorial, que é fator importante para o conhecimento de dificuldades e de peculiaridades e para uma efetiva atuação desenvolvimentista do BNDES.

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333

viabilizar investimentos que beneficiem trabalhadores, produtores e pequenas empresas nacionais com atuação coletiva.

aprovação, pela Diretoria, das deliberações de enquadramento do Comitê de Enquadramento e Crédito.

Lançamento do fundo Papéis de Índice Brasil Bovespa II (PIBB II), que superou os resultados do lançamento do PIBB I, efetuado em 2004. Esse fundo visa democratizar o acesso ao mercado de capitais brasileiro, priorizando os pequenos investidores mediante a alocação de 75% da oferta para o varejo.

Início do projeto Agir

Criação do Programa de Dinamização Regional (PDR), em substituição a diversos programas regionais

Destinação de R$ 300 milhões para o Programa de Financiamento Cidadão Conectado – Computador para Todos, destinado a financiar a aquisição de computadores pela população

Fonte: Relatório Anual de Atividades do BNDES (2005).

Com a saída de Palocci do Ministério da Fazenda e sua substituição por

Mantega em março de 2006, a presidência do Banco ficou nas mãos de Demian

Fiocca.

Durante esta nova gestão, as diretrizes do Banco seguiam sendo as previstas

no Plano trienal, e envolviam a superação dos estrangulamentos e expansão da

capacidade instalada em infraestrutura e Indústria de Base; a democratização do

crédito e do crescimento, a promoção da inovação e da competitividade, e a

contribuição para a sustentabilidade do crescimento. Esta última enfatizava a

atuação no comércio exterior por meio do BNDES­exim, com a prioridade de

promover a integração de infraestrutura na América do Sul, a área de Mercado de

Capitais, a realização de operações com Fundos de Investimento em Participações

(FIP), sobretudo nos fundos de private equity237 e de venture238 capital.

No que diz respeito à integração da América do Sul, o BNDES deu

prosseguimento às atividades que já haviam sido iniciadas em 2003, quando o

237

Uma modalidade de atividade financeira na qual instituições investem em empresas que ainda não são listadas em bolsa de valores, objetivando alavancar seu crescimento.

238 Todas as classes de investidores de risco são chamadas de venture capital. Os fundos de venture capital investem em empresas de médio porte para alavancar seu crescimento, geralmente para fazer, no futuro, uma grande operação de venda, fusão ou abertura de capital.

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334

banco incorporou o apoio à integração da América do Sul às suas atribuições, em

consonância com a prioridade concedida à região na política externa brasileira. A

atuação do BNDES foi se consolidando em duas vertentes: ações institucionais239 e

apoio financeiro às exportações. O apoio financeiro será abordado mais adiante, ao

ser apresentada a atuação internacional do BNDES.

Com a saída de Furlan do MDIC e a entrada de Miguel Jorge, houve também

mudanças na presidência do BNDES. O novo ministro teve a iniciativa de demitir

Fiocca do Banco, que se desligou da instituição em abril de 2007. Contudo, após

esta iniciativa, Miguel Jorge não conseguiu aprovação de nenhum de seus indicados

para a presidência do BNDES240, pois foram considerados muito ligados ao mercado

financeiro. Para manter o BNDES como uma instituição de fomento, Lula decidiu

nomear Luciano Coutinho.

No final do primeiro semestre de 2007, teve início o processo de

planejamento para o período de 2009 – 2014, ou seja, antes da Crise Econômica

Mundial e num contexto em que o Brasil passava por um momento de otimismo, com

crescimento elevado, aumento dos investimentos, do emprego e da renda. As

demandas e os desembolsos do BNDES também vinham aumentando. Assim, o

objetivo estabelecido foi o de definir diretrizes para a atuação do BNDES

considerando um contexto de “crescimento e desenvolvimento sustentado do país,

que dotasse o Banco dos meios e recursos necessários para fazer face aos novos

desafios” (RAMALHO, CAFÉ e COSTA, 2010, p. 93).

Ao longo de 2008, na fase de conclusão da estratégia corporativa, a crise

financeira mundial começava a ganhar grandes proporções, e o Planejamento

Corporativo do BNDES enfrentava seu primeiro desafio: flexibilidade para enfrentar

mudanças no ciclo de expansão da economia. Esta dificuldade somava-se a um

239

Com destaque para a Celebração de Protocolo de Cooperação entre o BNDES e o Fondo Financiero para el Desarrollo de la Cuenca del Plata (Fonplata); a realização de Acordo de Cooperação com o Banco de la República Oriental del Uruguay (Brou); a Ampliação da gama de instituições financeiras na América do Sul com limite de crédito para operar com o BNDES e; o suporte às atividades de monitoramento e iniciativas de promoção comercial intrarregional, promovidas pelo MDIC e MRE.

240 Segundo notícia do Valor Econômico de 19/04/2007, Lula teria se irritado com a forma como o novo ministro anunciou a decisão de demitir Fiocca, e também com o vazamento de nomes de sua lista de candidatos ao cargo. Miguel Jorge havia anunciado que submeteria ao presidente uma lista de nomes do mercado financeiro, o que poderia significar transformar novamente o BNDES em um banco de investimentos, após todo o esforço em fazê-lo voltar a sua função de banco de fomento. (Coutinho, indicado por Lula, é o novo presidente do BNDES. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/476185/noticia.htm?sequence=1. Acesso em 02/01/2016).

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335

desafio que o BNDES vinha enfrentando no que diz respeito ao seu quadro de

funcionários: com a aposentadoria de uma geração de funcionários e com o

crescimento da instituição nos últimos anos, uma nova geração de técnicos, ainda

sem experiência e conhecimentos na promoção de financiamento ao

desenvolvimento, passaria a compor os quadros da maior instituição de fomento do

Brasil. Ou seja:

os principais alicerces internos de um banco de desenvolvimento estavam sendo estruturalmente reformados em um momento de crescimento da demanda por recursos para financiamento. Tornou-se, então, urgente conceber e implementar uma estratégia corporativa visando não apenas ao desenvolvimento brasileiro, mas, principalmente, à estruturação do BNDES em bases suficientes para atender aos novos desafios (RAMALHO, CAFÉ e COSTA, 2010, p. 95).

Neste contexto foram tomadas decisões emergenciais e para o curto prazo,

tentando não perder de vista os objetivos maiores traçados pelo planejamento

(RAMALHO, CAFÉ e COSTA, 2010, p. 96).

As autoras também destacam que, diferentemente de processos de

planejamento anteriores, partiu da Presidência e da Alta Administração do BNDES a

orientação para que o foco de atenção deste planejamento fosse o próprio BNDES.

A construção e implementação do processo de planejamento, durante um ano,

ocorreu sob orientação de consultoria externa, e adotou a metodologia tradicional de

planos corporativos, estabelecendo Cenários Mundo-Brasil, definindo a missão, a

visão de futuro e a determinação de orientações estratégicas. Além disso, durante o

processo de construção da proposta do plano houve uma ampla participação do

quadro de funcionários (mais de 600 pessoas).

Em parte recuperando as experiências da construção de cenários do

Planejamento estratégico para os anos 1985 – 1987, e em parte se diferenciando

dela, desta vez a previsão de cenários não apostou num cenário específico para a

adoção de uma estratégia. Não se buscava predizer o futuro, e sim compreender

quais os possíveis cenários futuros para os quais o Banco deveria estar pronto,

alinhando estas incertezas à preocupação de que o Banco permanecesse com o

financiamento de longo prazo para o desenvolvimento nacional. As referências

temporais eram: i) 15 anos para o longo prazo e os cenários; ii) 5 anos para o plano

corporativo de médio prazo e; iii) 2 anos para o programa de trabalho de curto prazo

do Banco e suas áreas. A missão definida era a de “Promover o desenvolvimento

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336

sustentável e competitivo da economia brasileira, com geração de emprego e

redução das desigualdades sociais e regionais”; e a visão era de que o banco

deveria perseguir a aspiração de

ser o (e não um) banco do (e não de) desenvolvimento do Brasil e referência pela excelência de seu trabalho, pela capacitação técnica e inovativa de seus funcionários, que deverão estar sempre prontos para enfrentar os desafios colocados para o BNDES. Uma visão de uma instituição de Estado, pronta a implementar as diretrizes do governo eleito democraticamente pela sociedade brasileira: “Ser o Banco do desenvolvimento do Brasil, instituição de excelência, inovadora e proativa ante os desafios da nossa sociedade.” (RAMALHO, CAFÉ e COSTA, 2010, p. 96 – grifo nosso).

Conforme explicado pelas autoras, a prioridade estabelecida foi a

infraestrutura e o conjunto dos demais investimentos decorrentes de uma

intervenção de caráter estrutural e integrada no território, deixando-se de apoiar

projetos de infraestrutura de forma isolada de seu contexto. Os protagonistas seriam

as empresas brasileiras e o setor público estadual e municipal. Aqui, cabe ressaltar

que não há menção à participação da sociedade civil organizada na definição das

prioridades e das estratégias de desenvolvimento, tampouco com relação à consulta

sobre a aceitação ou não de projetos que acarretem na desestruturação de seus

modos de vida e de relacionamento com o território. O desenvolvimento escolhido

pelos “protagonistas desta estratégia” continua a apresentar-se como imposição às

populações locais.

Outras proposições adotadas pelo plano foram: a análise integrada dos

projetos, ou seja, os procedimentos de avaliação de crédito consideram agora não

somente os ativos tangíveis (risco), mas também os ativos intangíveis (estratégias

de competitividade e crescimento, capacidade de gestão, métodos de governança,

responsabilidade social corporativa, capacidade de inovar, possibilidade de inserção

internacional, impactos na geração de empregos e no desenvolvimento local e

regional...). Valorizando a integração competitiva, o Banco reconhece os segmentos

com maior possibilidade de inserção internacional (considerando as vantagens

competitivas já construídas), apontando que estes devem investir em estratégias de

consolidação e internacionalização para obter posições de liderança mundial.

Também há menção aos segmentos que precisam desenvolver ou consolidar

vantagens competitivas para se lançarem na integração aos mercados internacionais

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e aos que precisavam rever suas tecnologias para se manterem competitivos. Outro

ponto elencado foi o apoio do BNDES à iniciativas de expansão e modernização de

empresas, instituições e agências públicas, por meio de programas voltados para a

modernização da gestão de estados e municípios e para a estruturação de projetos

e políticas públicas (RAMALHO, CAFÉ e COSTA, 2010).

Antes mesmo da implementação do Plano, já em 2008 o Banco adequou sua

política operacional através da redução dos spreads das linhas de financiamento,

aumento dos prazos de financiamento do FINAME de cinco para dez anos,

implementação do Programa Revitaliza241, implantação de uma área de renda

variável dedicada às empresas inovadoras e criação de novas linhas de crédito.

Segundo mensagem do Ministro Miguel Jorge no Relatório Anual de Atividades de

2008 do BNDES, em sintonia com as diretrizes da Política de Desenvolvimento

Produtivo (PDP), o BNDES deu maior destaque às iniciativas para a

internacionalização das empresas nacionais, como a autorização para a abertura de

subsidiárias do Banco no exterior, e com fortalecimento da atuação do Banco no

financiamento às exportações.

A implementação do Plano Corporativo 2009-2014 estabeleceu um sistema

de governança para assegurar a internalização do planejamento em todos os níveis

hierárquicos do Banco, garantindo sua implementação. A ampla participação do

quadro de funcionários durante a construção do Plano e o desdobramento do Mapa

Estratégico do Banco para todas as áreas da instituição foram os meios utilizados

para garantir tanto a integridade do plano, quanto sua transformação em ferramenta

de gestão. Houve também a adoção de um sistema de monitoramento que permite o

acompanhamento da execução da estratégia definida, assegurando o alinhamento

estratégico de cada área às orientações corporativas. Ou seja: a intenção era

garantir o esprit de corps institucional (RAMALHO, CAFÉ e COSTA, 2010). Em

2012, teve início um processo de revisão dos Cenários Mundo-Brasil.

Castro (2014) aponta que o processo de planejamento vigente até 2014 tem

como principais características: i) o fato de ser o processo de planejamento com

maior continuidade temporal na história do Banco; ii) o apoio da alta gestão ao

processo de planejamento; iii) o esforço para recuperar valores e tradições do

241

Visa financiar a revitalização de empresas brasileiras que atuam em setores afetados negativamente pela crise internacional.

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338

BNDES, como o próprio de planejamento; iv) o uso intenso de ferramentas

econométricas; v) o uso do próprio planejamento como ferramenta de gestão; vi) a

criação de “temas transversais” que perpassam todas as formas de apoio do Banco

(inovação, desenvolvimento local e regional e desenvolvimento socioambiental) e;

vii) a criação do Mapa Estratégico por áreas. Este planejamento, segundo a autora,

apresentou um aumento no grau de complexidade, que deve ser compreendido

considerando o próprio crescimento do BNDES no contexto de adoção de medidas

anticíclicas (em desembolsos, entre 2007 e 2013, os valores saltaram de R$ 64,9

bilhões para R$ 190,4 bilhões) e das maiores exigências de transparência e de

prestação de contas à sociedade242 – o que refletiu na ênfase de métricas e controle

dos processos.

5.2.2 O panorama geral das operações do BNDES

Nesta subseção buscou-se, a partir de dados sobre as operações do Sistema

BNDES disponíveis na página do BNDES na internet, entender quais foram as

principais mudanças que ocorreram nos desembolsos do BNDES nos últimos anos,

e avaliar até que ponto estas mudanças estão em consonância com o que foi

idealizado pela instituição em seus planejamentos internos.

Após um período de reconhecida supremacia neoliberal e relativo

esvaziamento do Banco, o Governo brasileiro tornou a investir no BNDES e ele

voltou a ter um papel estruturante na economia nacional, no sentido de promover o

crescimento do capital nacional através de linhas e programas de financiamento

públicos.

Segundo informações contidas nos relatórios anuais do BNDES, em 2008,

2009, 2010, 2011 e 2012, respectivamente, o Tesouro repassou R$ 22,5 bilhões,

R$ 105 bilhões, R$ 104,75 bilhões, R$ 50,25 bilhões e R$ 55 bilhões ao BNDES.

Desde 2010, o Tesouro Nacional é o principal credor do BNDES, sendo responsável

por 52,6% de seu passivo total ao final de 2012. Este esforço, por parte do Governo

Federal, de direcionar vultuosos recursos do Tesouro Nacional para o BNDES,

mostra que algo mudou no que diz respeito ao lugar e ao papel desta instituição no

aparelho estatal.

242

Com destaque para a aprovação da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, a Lei de Acesso à Informação.

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339

Como é possível observar no gráfico 17, os desembolsos do BNDES

começaram a aumentar a partir do ano de 2007, com um crescimento ainda mais

significativo a partir do ano de 2009. No gráfico 18, é possível observar o volume de

valores desembolsados e de operações segundo o porte das empresas que

recorreram ao banco. No gráfico 17, é possível observar como se distribuíram as

operações do BNDES segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas

(CNAE).

A quantidade de operações e o valor total desembolsado aumentaram

significativamente ao longo dos anos. No que diz respeito aos produtos do BNDES,

as linhas Finem e Finame foram as que mais aumentaram em valores

desembolsados. Além disso, merecem destaque os produtos Cartão BNDES,

BNDES Automático e Finame Agrícola. A área de Mercado de Capitais apresentou

um salto no ano de 2010, decorrente, sobretudo, da participação do sistema BNDES

na capitalização da Petrobras, ocorrida em setembro de 2010. O Banco investiu

R$ 24,7 bilhões em ações preferenciais e ordinárias por meio da oferta pública da

companhia, objetivando apoiar o plano de investimentos da empresa.

Quanto ao porte das empresas, é possível verificar que, em termos de

valores, as grandes empresas seguem sendo as que mais recebem recursos. Elas

atuaram principalmente nos setores vinculados a infraestrutura, petróleo e gás,

produtos alimentícios e mineração.

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340

Gráfico 17 - Evolução dos desembolsos do Sistema BNDES de acordo com cada produto entre 1995 e 2014 (R$ milhões)

Fonte: BNDES (2015), com elaboração da autora (2015).243

243

FINEM: Linha de financiamento destinada a investimentos para implantação, ampliação, recuperação e modernização de ativos fixos nos setores de indústria, comércio, prestação de serviços e agropecuária.

FINAME: Financiamento realizado por intermédio de instituições financeiras credenciadas (operação indireta), para produção e aquisição de máquinas, equipamentos e bens de informática e automação novos, de fabricação nacional e credenciados no BNDES.

- BNDES Exim: financiamento destinado à exportação de bens e serviços nacionais pode ser aplicado tanto na fase pré-embarque como na fase pós-embarque.

- BNDES Automático: Financiamentos inferiores ou iguais a 20 milhões destinado a investimentos para implantação, ampliação, recuperação e modernização de ativos fixos, bem como projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, nos setores de indústria, infraestrutura, comércio, prestação de serviços, agropecuária, produção florestal, pesca e aquicultura.

- BNDES Mercado de Capitais: Meio através do qual o Banco opera como subscritor de valores mobiliários (papéis como ações e debêntures) de empresas de capital aberto ou que, no médio prazo, possam ingressar no mercado de capitais. Estão incluídas as operações de internacionalização, de reestruturação de empresas competitivas, fusões e incorporações. São prioritárias as pequenas e médias empresas inovadoras, o que possibilita, entre outras coisas, a alavancagem de recursos privados para o capital dessas empresas.

- FINAME Agrícola: Operação indireta destinada à produção e à comercialização de máquinas, implementos agrícolas e bens de informática e automação destinados à produção agropecuária, novos e de fabricação nacional, credenciados pelo BNDES.

- Cartão BNDES: Voltado para Micro, Pequenas e Médias Empresas de controle nacional, consiste em um crédito pré-aprovado, de até R$ 1 milhão, para aquisição de artigos têxteis, de comunicação visual, cursos e programas de qualificação, educação, esporte e lazer, eletrodomésticos e eletroportáteis, embalagens, informática, telecom e automação, inovação e avaliação de conformidade, insumos, máquinas e equipamentos, materia is e acessórios para construção, móveis e colchões, setor cultural, softwares, utilidades e veículos.

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341

Gráfico 18 - Relação entre operações (b) e desembolsos (a) do Sistema BNDES por porte das empresas (1995 – 2014)

Fonte: BNDES (2015), com elaboração da autora (2015).

FINAME Leasing: Financiamento à aquisição de máquinas, equipamentos e bens de informática e automação, novos e de fabricação nacional, credenciados

no BNDES, destinados a operações de arrendamento mercantil financeiro ou operacional. BNDES Não reembolsável: recursos dos fundos social, tecnológico, de estruturação de projetos, Amazônia, e de apoio a projetos no setor da cultura, além

de patrocínio a eventos. BNDES Microcrédito: destinado a pessoas físicas e jurídicas empreendedoras de atividades produtivas de pequeno porte (receita bruta igual ou inferior a

R$ 360 mil/ano), para o financiamento de capital de giro e/ou de investimentos produtivos fixos, como obras civis, compra de máquinas e equipamentos novos e usados, e compra de insumos e materiais. (Fonte: BNDES)

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342

As empresas de menor porte, sobretudo as micro, também passaram a

receber mais desembolsos do Banco, e isto está diretamente vinculado ao aumento

na quantidade de operações. Atribui-se isso ao aumento das operações vinculadas

ao FINAME, às Automáticas e, sobretudo, ao Cartão BNDES. Estes produtos

também dão maior capilaridade ao Banco, uma vez que são realizados por

instituições financeiras credenciadas ao banco e presentes de forma pulverizada no

território nacional. Isso, contudo, não garante que estes produtos serão de fato

demandados, promovendo uma desconcentração das operações e dos desembolsos

do Banco no território nacional – como será demonstrado na sessão seguinte.

Seja como for, para ter uma dimensão do que o Cartão BNDES representa

em termos de quantidade de operações e de valores desembolsados, no gráfico a

seguir é possível verificar como se deu a evolução, ao longo dos anos, das

operações automáticas do BNDES (com valor de até R$ 20 milhões)

operacionalizados pela Área de Operações Indiretas do Banco. Todas as operações

foram consideradas para a elaboração do Gráfico, pois o limite máximo de crédito do

Cartão BNDES é de até R$ 1 milhão por cartão por agência financeira credenciada.

Gráfico 19 – Número de operações (a) e valores desembolsados (b) pela Área de Operações Indiretas do BNDES por produto

244

244

Cabe destacar que a linha Finame é operacionalizada também por meio de Operações Diretas, com valores superiores a 20 milhões de reais. Portanto, ela não está 100% contemplada neste gráfico.

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343

Fonte: BNDES, com elaboração da autora (2015).

No Plano Estratégico 2000 – 2005 já havia a menção do apoio às MPMEs,

mas, como era predominante na época, previu-se que isso ocorreria sobretudo

através do fortalecimento do mercado de capitais. A mudança mais significativa e

que mais possibilitou o acesso de empresas desse porte ao Banco foi a criação do

Cartão BNDES, em 2003, que foi sendo progressivamente aprimorado e ampliado

ao longo dos anos. Esta foi a principal medida que possibilitou um salto na

quantidade de operações.

Analisando os desembolsos, é possível afirmar que houve a permanência do

papel do BNDES no que diz respeito ao apoio a grandes empresas. Contudo, os

mesmos valores absolutos indicam que houve a ruptura com relação à quase

exclusividade desse papel, uma vez que MPMEs também passaram a receber mais

recursos do Banco.

Estabelecendo uma relação entre a quantidade de operações e o valor

desembolsado de acordo com o porte da empresa, e tendo 2005 como ano de

referência, os valores relativos explicitados da tabela seguinte mostram que nas

operações com grandes empresas, entre 2006 e 2008 (em verde), houve uma

desconcentração de recursos junto a empresas deste porte, que teve o montante de

desembolsos distribuído numa quantidade maior de operações. Já nos anos

subsequentes (laranja), é possível observar que uma quantidade menor de

operações concentrou um volume maior de recursos.

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344

Tabela 15– Proporção das operações e dos desembolsos do BNDES junto à empresas de grande porte (%)

Fonte: BNDES, com elaboração da autora. (2015)

No que diz respeito à distribuição setorial das operações e dos desembolsos

do Banco, observando os desembolsos por ramo CNAE (figura 12), foi possível

observar que houve uma crescente participação do setor de comércio e serviços nas

operações, sobretudo as atividades ligadas ao transporte terrestre, eletricidade e

gás, comércio, administração pública, atividades auxiliares de transporte e entrega e

construção. Neste ramo CNAE, entre 1995 e 2002, a porcentagem média de

desembolsos destinados às empresas de grande porte foi de 83,5%; entre 2003 e

2010, a média foi de 71,3; entre 2011 e 2014, essa porcentagem caiu para 56,7%.

No ramo de indústria de transformação, os desembolsos também foram

majoritariamente destinados a empresas de grande porte. Ocorre que, diferente do

ramo de comércio e serviços, a participação de empresas de grande porte não

diminuiu progressivamente com o passar dos anos. Entre 1995 e 2002, esta

porcentagem foi de 90,8%, subindo para 92,4% entre 2003 e 2010, e caindo para

72,7% entre 2011 e 2014. Os setores que mais receberam recursos neste ramo

foram os de coque, petróleo e combustível, produtos alimentícios, veículos,

reboques e carrocerias, máquinas e equipamentos e celulose e papel.

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

% das operações do com grandes empresas

8,38 9,88 9,66 11,85

6,07 5,38 3,16 2,22 2,27 2,41

Como seria a % dos valores desembolsados se se mantivesse a proporcionalidade com a % de operações

75,18

92,37

86,82

107,45

59,72

45,05

21,79

16,61

16,55

18,02

Como ocorreu a % dos desembolsos para grandes empresas

75,18

78,34

75,31

75,96

82,46

70,16

57,73

62,64

61,07

62,63

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345

Figura 12- Desembolsos do Sistema BNDES por Ramo CNAE (%)

Fonte: BNDES, com elaboração da autora. (2015)

O ramo agropecuário, diferente dos demais, caracterizou-se por destinar a

maior parte dos seus desembolsos para micro e pequenas empresas, apesar desta

proporção vir caindo com o passar nos anos desde 2004 – como é possível observar

na figura 13.

Gráfico 20– Desembolsos do Sistema BNDES no ramo agropecuário, segundo porte da empresa (% valores)

Fonte: BNDES, com elaboração da autora (2015).

Nos gráficos 20 e 21, é possível observar que houve pouca variação ao longo

dos anos 2003 e 2014, considerando-se os setores CNAE agrupados. No que diz

respeito à quantidade de operações, as principais demandas atendidas foram para

investimentos em administração pública, eletricidade e gás. Entre estas, se

destacam as muitas operações para parques eólicos, linhas de transmissão,

pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e produção de biocombustível – além de

construção de usinas termoelétricas (UTEs) e hidrelétricas – (UHE). Além disso,

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Indústria extrativa 1 1,5 4,2 1,5 1,4 0,5 1,6 0,7 0,5 0,6 0,7 2,8 1,6 3,6 2,4 0,9 2,6 1,2 2,1 1,6

Agropecuária 10,3 7,5 7,8 7,1 7,1 8,3 11 12 13,7 17,4 8,6 6,7 7,7 6,2 5 6 7 7,3 9,8 8,9

Indústria de transformação 56,2 43,7 33,7 37,9 54,1 44,6 50,5 45,9 47,5 39 49 50 39,1 39,3 44,2 45,9 29 29,4 28,3 25

Comércio e serviços 32,5 47,2 54,4 53,3 46,4 46,6 37 41,4 38,4 43 41,6 40,5 51,5 50,9 48,4 47,2 61,4 62,1 59,7 64,4

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Grande

Média-grande

Média

Pequena

Micro

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346

também tiveram destaque as operações vinculadas às artes, cultura, esportes e

produtos alimentícios.

Gráfico 21– Ranking das operações do BNDES de acordo com a CNAE agrupado (quantidade de operações)

Fonte: BNDES, com elaboração da autora.

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347

Gráfico 22 – Ranking dos desembolsos do Sistema BNDES de acordo com a CNAE agrupado (Valor contratado R$ mil)

Fonte: BNDES, com elaboração da autora.

Cabe ressaltar que há demandas ao BNDES, por parte de entidades da

administração pública direta, para realização de projetos classificados em outros

setores da economia, como é o caso os empréstimos cedidos pelo BNDES para

alguns Governos estaduais para a construção de equipamentos esportivos, as

“arenas” para a Copa do Mundo da Fifa de 2014. Estas operações foram

classificadas pelo banco como referentes ao setor de artes, cultura e esportes, e

demandaram vultosos recursos. As operações vinculadas a atividades auxiliares ao

transporte e entrega aumentaram significativamente, provavelmente em função do

aumento do consumo e das vendas realizadas através da internet no Brasil.

Também aumentaram as operações vinculadas à coque, petróleo e gás. Estas são

operações realizadas por grandes empresas e subsidiárias de grandes grupos – com

destaque para a Petrobras. Diminuíram as demandas por parte de fundações,

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348

ONGS e entidades filantrópicas vinculadas à educação, saúde e serviço social. Isso

não significa, necessariamente, que tenha diminuído a presença destas entidades

nestas atividades. Cabe aqui lembrar que houve, no Brasil, um significativo aumento

da quantidade de PPPs, Sociedades com Propósito Específico (SPEs) e

Organizações Sociais (OS)245. Em muitos casos, a administração pública atua em

parceria com entidades com esse perfil (a exemplo da Fundação Roberto Marinho,

Instituto Unibanco, Fundação Lemann, etc.), repassando a gestão de serviços e

equipamentos públicos para entidades privadas. Isso, com grande frequência,

resulta na adoção de uma lógica mercantil em serviços e diretos básicos, como

educação246 e saúde.

Seja como for, a crescente presença da Administração Pública, tanto nas

operações quanto nos desembolsos do Banco, reflete que a diretriz que estava no

Plano Corporativo elaborado a partir de 2007 - apoio do BNDES à “modernização da

gestão” de estados e municípios e para a estruturação de projetos e políticas

públicas - foi sendo cumprida. Cabe avaliar o que isso significa em termos de uma

crescente presença da lógica empresarial e da propagação de ideologias de

mercado por meio de serviços públicos, sendo talvez necessária uma leitura

atualizada dos aparelhos privados de hegemonia, propagando-se por dentro e com a

anuência do Estado.

O aumento na quantidade de operações do setor de informação e

comunicação mostra que o Banco desempenhou um importante papel de incentivo à

modernização, inovação e apoio ao desenvolvimento na área de informática247.

245

OS é um título que se outorga a uma entidade privada sem fins lucrativos, para que ela possa receber benefícios do Poder Público, como isenções fiscais, dotações orçamentárias, etc., para a realização de seus fins. Uma OS também pode celebrar Contratos de Gestão, nos quais o poder público repassa a administração de equipamentos públicos (escolas, hospitais, coleta de lixo, etc.) para uma determinada entidade.

246 A este respeito, é interessante a leitura do texto As parcerias público/privadas na educação e as desigualdades sociais, de Vera Maria Vidal Peroni. Disponível em: http://www.ufrgs.br/faced/peroni/docs/parcerias.pdf

247Até junho de 2012, o banco possuía três linhas de financiamento reembolsáveis específicas para investimentos em inovação: Capital Inovador (voltada para estratégia da empresa), Inovação Produção e Inovação Tecnológica (focadas em projetos). Essas linhas foram extintas e deram lugar ao Apoio à Inovação – BNDES Inovação (uma linha que está dentro do produto BNDES Finem), que possui fluxo contínuo de recebimento de propostas. Há também o Plano Inova Empresa, para incentivar o crescimento de empresas com incorporação de tecnologia e inovação na áreas agrícola, agropecuária, aerodefesa, produção e comercialização de novas tecnologias, energia, petróleo e gás natural (P&G), saúde, sustentabilidade, telecomunicações e indústria química. Também estão em vigência programas que apoiam a inovação em MPMEs, na cadeia de fornecedores de bens e serviços relacionados ao setor de P&G, para empresas de bens de capital

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349

Mas cabe apontar que, no BNDES, o conceito de apoio à inovação mudou ao

longo dos anos. Castro (2014) aponta que o desenvolvimento tecnológico consta

entre as prioridades do banco desde o Plano Estratégico 1984-1987, mas este era

identificado em setores específicos, como informática, microeletrônica e química e

petroquímica (sobretudo fármacos e software). No planejamento de 1990-1995, o

tema é retomado, mas com ênfase no papel do Banco junto à PITCE, que tinha entre

os objetivos a elevação dos gastos em P&D. Tratava-se de uma abordagem

horizontal, para diversos os setores. Neste contexto, o BNDES lançou o Programa

de Desenvolvimento Tecnológico Industrial (PDTI), o Programa de Desenvolvimento

Tecnológico Agrícola (PDTA) e o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade

(PBQP). Mas, o tratamento da inovação como um tema horizontal ocorre, sobretudo,

a partir de 2005, com a criação dos programas Inovação PD&I e Inovação Produção.

Também foram realizadas mudanças nas Políticas Operacionais do Banco, que

deram máxima prioridade à introdução de inovações no processo produtivo nacional.

Tratava-se da intensificação do apoio do Banco à nova PITCE, e “o reconhecimento

de que a luta por mercados por parte das empresas depende hoje, crescentemente,

da capacidade de reduzir custos e de lançar novos produtos” (RELATÓRIO DE

ATIVIDADES DO BNDES, 2005, p. 60).

Diante do exposto, fica evidente que houve uma adequação das operações

do BNDES às políticas industriais, que são significativamente estruturadoras no

território. Em termos de valores totais desembolsados, o BNDES tem beneficiado

e sua cadeia de fornecedores, economia da cultura (audiovisual, editorial, música, jogos eletrônicos, artes visuais e performáticas, etc), design em vários segmentos (de indústria têxtil á móveis); para os setores de Bens de capital, defesa, automotivo, aeronáutico, aeroespacial, nuclear e na cadeia de fornecedores das indústrias de P&G e naval, para o complexo industrial da saúde, para a cadeia produtiva do plástico; para tecnologia da informação (TI), para o apoio à implementação do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre, para investimentos em implantação, expansão, ampliação do número de vagas e modernização de infraestrutura destinados à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI) em instituições de ensino que ofereçam cursos de formação profissional inicial e continuada, educação profissional técnica de nível médio e educação tecnológica. Além disso, há a modalidade não reembolsável através do Fundo Tecnológico (Funtec), que objetiva apoiar projetos que estimulem o desenvolvimento tecnológico e a inovação definidas pelos Programas e Políticas Públicas do Governo Federal como sendo de interesse estratégico para o País. Em relação aos focos deste fundo, as maiores mudanças que ocorreram nos últimos anos dizem respeito à substituição do segmento de Transporte pelo de Veículos Elétricos e a eliminação das linhas de Saúde e Petróleo e Gás. Como exemplo, está a desenvolvimento de tecnologias para produção de etanol, para geração heliotérmica e fotovoltaica, geração de energia a partir de bionergia e energia solar. Contudo, como é possível observar na figura 1, os desembolsos não-reembolsáveis representam uma parcela muito pequena dos desembolsos do banco.

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350

sobretudo as atividades previstas na PDR. Mais adiante, será discutido como

atividades ligadas a insumos básicos (petróleo, petroquímica, papel e celulose,

cimento e siderurgia) e infraestrutura (sobretudo de transporte e energia) tiveram

forte apoio do Banco, e como elas se apresentam distribuídas espacialmente.

5.2.3 O perfil e o alcance territorial das operações realizadas pelo BNDES 5.2.3.1 O BNDES e sua atuação regional

A partir da exposição sobre a evolução da questão regional no Brasil na

seção 5.1.1, destaca-se a posição atribuída ao BNDES nos últimos anos enquanto

um importante instrumento público de fomento. Cabe verificar, portanto, como o

banco se insere enquanto agente do desenvolvimento das regiões brasileiras, na

superação ou no reforço das desigualdades regionais.

Lastres et al. (2014) apontam que, desde sua origem, o BNDES explicita entre

seus objetivos o apoio ao desenvolvimento regional voltado à atenuação dos

desequilíbrios de renda. A presença regional teria sido fortalecida em princípio dos

anos 1970, mediante a criação de um escritório do Banco em Recife, que contribuiu,

em conjunto com a Sudene, com o Banco do Nordeste e com o Banco do Brasil,

para a criação de linhas de financiamento dos investimentos na região. Nos anos

1990, houve a instalação de um escritório do BNDES na Região Norte, localizado

em Belém – escritório este que viria a ser desativado em 2002. No mesmo período,

o escritório do BNDES em São Paulo, que até então apoiava as atividades

operacionais, passou a ser entendido como departamento regional, que seria

responsável por ampliar o conhecimento do Banco sobre os estados do Sul do país.

Nos anos 1990, sob a forma de programas regionais, foram organizadas condições

financeiras oferecendo menor custo, maior prazo e maior participação do

financiamento no investimento para algumas regiões, como meio encontrado pelo

Banco para apoiar o desenvolvimento regional. Tratava-se dos programas Nordeste

Competitivo, Amazônia Integrada, Apoio à Metade Sul do Rio Grande do Sul e

Centro-Oeste.

Castro (2014) aponta que, apesar de ter se mantido como prioridade do

Banco, através de diversos processos de planejamento, nos anos 1980 e 1990 “a

atuação regional do Banco foi menor do que a desejada pelos planejadores” (p.

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351

265). Isso teria ocorrido, segundo uma pessoa entrevistada pela autora, em função

da baixa demanda, dos poucos projetos apresentados ao Banco e das restrições

fiscais dos entes federados. Assim, a oferta de crédito, mesmo que em condições

diferenciadas, “não foi suficiente para impulsionar o desenvolvimento das regiões

menos desenvolvidas do país a fim de reduzir desigualdades” (p. 265).

Em 2005, os programas regionais citados acima foram substituídos pelo

Programa de Dinamização Regional (PDR), oferecendo condições especiais para

operações feitas no âmbito de linhas de financiamento dos produtos BNDES Finem,

BNDES Limite de Crédito (que estão enquadradas nas Operações Diretas), BNDES

Automático (realizados através das Operações Indiretas automáticas – cujas

informações não são fornecidas pelo banco), e BNDES Project Finance248. Para se

enquadrar na PDR, os pedidos devem apoiar investimentos localizados nos

municípios incentivados ou nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, em microrregiões

incentivadas, classificadas conforme critérios de classificação inspirados na

metodologia da PNDR.

Além disso, os municípios localizados no norte e na área de atuação da

SUDENE classificados como de alta renda têm as mesmas condições que as

microrregiões enquadradas como média renda superior dinâmica; e o conjunto de

municípios de menor nível de renda, integrantes das 49 aglomerações urbanas

localizadas no entorno de um município de alta renda249, também podem ser

atendidos pela PDR.

Ou seja, o BNDES também abandonou o conceito de região contínua,

passando a considerar em sua política de dinamização regional “os municípios mais

carentes, classificados conforme a renda per capita e a taxa de crescimento”

(LASTRES et al. 2014, p. 20)

O BNDES também participa de grupos de trabalho coordenados pelo MIN

com a finalidade de alinhar suas ações à política de desenvolvimento regional,

248

Project finance é um financiamento cuja garantia dos ativos e recebíveis é sustentada

contratualmente pelo fluxo de caixa do projeto a ser apoiado. Para tanto, o cliente do banco deve ser uma Sociedade por Ações cujo propósito específico é implementar o projeto financiado. Esta sociedade deve segregar os fluxos de caixa, patrimônio e riscos do projeto (Fonte: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Produtos/Project_Finance/index.html. Acesso em 28/08/2015).

249 Identificadas pelo Projeto de Pesquisa “Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil”, elaborado pelo IPEA, IBGE e NESUR (IE-UNICAMP).

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352

desenvolvimento da faixa de fronteira, complementaridade de fundos e choque de

crédito, entornos de projetos estruturantes, defesa civil e recursos hídricos.

Como não há o fornecimento de informações específicas sobre as operações

do BNDES realizadas no âmbito da PDR, optou-se por fazer uma análise geral da

carteira de operações do BNDES tornada pública, para verificar até que ponto o

Banco tem contribuído para alterar a estrutura de desequilíbrio regional brasileiro.

5.2.3.2 O BNDES e as desigualdades regionais: alcance e perfil das Operações do Banco em território nacional

Nesta subseção, serão discutidos o alcance e o perfil das operações do

BNDES diante da questão regional brasileira. Para isso, serão apresentadas as

operações do BNDES no Brasil segundo cada período de governo, localização e

setores da economia.

Para os períodos anteriores, as operações foram apresentadas de acordo

com a macrorregião brasileira. Contudo, como já foi mencionado, a partir de 2007, o

Banco veio aprimorando progressivamente a publicização de informações. Assim, foi

possível ter acesso às informações detalhadas por unidade da federação.

Algumas informações nesta seção, como a imagem seguinte, tiveram como

base planilhas contendo as operações diretas (OD) e indiretas (OI) não-automáticas

divulgadas pelo Banco250. As OD são realizadas diretamente com o BNDES ou

através de mandatário, e representam valor superior a R$ 20 milhões. Nas OI, a

análise do financiamento é feita por uma instituição financeira credenciada, que

assume o risco do não pagamento da operação. As Operações Indiretas são

divididas em duas modalidades: i) Automática, com valor de até R$ 20 milhões; e ii)

Não automática, com valor mínimo de R$ 20 milhões. Para análises mais detalhadas

do conjunto de operação, em sua página na internet o BNDES fornece somente as

informações sobre as operações não-automáticas. As operações automáticas são

250

As OD são realizadas diretamente com o BNDES ou através de mandatário, e representam valor superior a R$ 20 milhões. Nas OI, a análise do financiamento é feita por uma instituição financeira credenciada, que assume o risco do não pagamento da operação

250. As Operações Indiretas são

divididas em duas modalidades: i) Automática, com valor de até R$ 20 milhões; e ii) Não automática, com valor mínimo de R$ 20 milhões. Este artigo trabalha somente com as últimas, pois somente elas foram divulgadas integralmente pelo Banco até a data de fechamento deste trabalho.

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353

disponibilizadas, na página da internet, a partir de consulta pelo CPF ou pelo CNPJ

do cliente. Ou seja: não é possível ter acesso ao conjunto das informações, e só é

possível acessar as informações tendo conhecimento de dados dos mutuários.

Contudo, após solicitar dados mais detalhados sobre o conjunto das

operações automáticas do BNDES - diretamente para a Área de Operações Indiretas

(AOI) do Banco - foi possível ter acesso aos valores e quantidades das operações

conjugadas por ano e por unidade da federação. Estas são informações relevantes

para a análise da atuação regional do Banco, pois as operações do Cartão BNDES –

o produto que dá maior capilaridade ao Banco - enquadra-se neste tipo de operação.

Como é possível observar na figura 13, curiosamente, na medida em que o

Cartão BNDES foi se fortalecendo enquanto produto do Banco, nas operações

automáticas foi possível perceber uma crescente concentração das operações na

região Sudeste, que aparecia em segundo lugar desde 1997 e voltou a ocupar a

primeira posição a partir de 2008. Isso ocorreu em função do aumento de demandas

no Sudeste, sobretudo nos estados de São Paulo, Minas Gerais e, em menor

medida, Rio de Janeiro. Também contribuiu para isso a progressiva diminuição das

demandas nos estados do Sul – sobretudo no Rio Grande do Sul e no Paraná. A

concentração no Sudeste só não foi maior graças ao progressivo aumento das

operações nas demais regiões. De 2005 em diante, a região Nordeste veio

crescendo lentamente nas demandas, com destaque para Bahia, Pernambuco e

Ceará. No Centro Oeste, também vem ocorrendo um sutil aumento, sendo que os

estados de Goiás e Mato Grosso, respectivamente, representam as maiores

demandas. Na região Norte, também houve um aumento das demandas por

operações automáticas, tendo destaque o estado do Amapá. Serão apresentados

somente os dados sobre quantidade de operações pois, como demonstrado no

gráfico 17 (b) da seção anterior, em termos de valores, o cartão BNDES – que foi o

foco desta análise - não tem um peso significativo, já que este se caracteriza por

possibilitar o acesso ao Banco por parte de clientes de menor porte, que demandam

valores menores.

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354

Figura 13 - Número de operações automáticas aprovadas pela Área de Operações Indiretas por Unidade da federação e por Produto (1995 - 2014)

Fonte: Área de Operações Indiretas do BNDES. Elaboração própria (2015).

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355

No que diz respeito às operações diretas e indiretas não-automáticas, nos

gráficos 22 e 23 é possível verificar como estas evoluíram em termos de alcance

espacial.

Gráfico 23 – Operações diretas e indiretas não-automáticas

Fonte: BNDES. Elaboração própria (2015).

Gráfico 24 - Valor total desembolsado em Operações Diretas e Indiretas não-automáticas.

Fonte: BNDES. Elaboração própria (2015).

Aqui, é possível observar que tanto em quantidade de operações quanto em

valores desembolsados, o Sudeste ainda concentra a maior quantidade de

demandas do Banco. Contudo, em se tratando de valores totais, apesar de Sudeste

e Sul terem grande representatividade, os estados do Pará, Rondônia e Pernambuco

se diferenciam por “picos” de alta captação de recursos.

No Norte, sobretudo para Rondônia e Pará, houve o direcionamento de uma

quantidade significativa de recursos (em poucas operações) destinados a grandes

projetos dos setores de eletricidade e gás e indústria extrativa. Isso se deve ao fato

de que no Pará e em Rondônia, dos poucos financiamentos aprovados, alguns

estavam ligados à megaprojetos – Usina de Santo Antônio, por exemplo. Estas

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356

empresas também foram as principais clientes do Banco em volume de recursos nas

Operações Diretas nestes estados.

Os mutuários que receberam o maior volume de dinheiro foram: Norte Energia

S/A, Vale S/A, Estado do Pará, Companhia Vale do Rio Doce, Alcoa Aluminio S/A,

Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A, Centrais Elétricas do Pará S/A, Jari

Celulose Papel a Embalagens S/A, Empresa Regional de Transmissão de Energia

S/A.

Em Rondônia, houve uma concentração ainda maior de recursos no setor de

eletricidade e gás, sendo que a Energia Sustentável do Brasil S/A251 e a Santo

Antônio Energia S/A252 ficaram com cerca de 92% do total de recursos aportados a

investimentos no estado, em função da construção das usinas hidrelétricas de Jirau

e Santo Antônio, respectivamente, no Rio Madeira.

O BNDES declara uma Política de Atuação no Entorno de Projetos, através

da qual deveria

atuar de forma mais abrangente e integrada nas áreas e regiões que estão recebendo investimentos das operações com maior potencial de impacto regional, caracterizado, por exemplo, pela expressiva concentração espacial e temporal dos investimentos e pelo potencial indutor de atividades produtivas, geração de empregos, geração de receitas e externalidades sociais e ambientais (BNDES, 2014)253

O objetivo seria, por meio do apoio coordenado a ações e investimentos de

diversas naturezas, promover oportunidades de desenvolvimento econômico e social

nas áreas de influência de projetos. Os projetos, segundo o Banco, são priorizados

“de acordo com o planejamento e pactuação territorial e na atuação integrada do

empreendedor, do poder público e demais agentes interessados” (BNDES, 2014). O

território é pensado a partir das externalidades envolvendo grandes projetos

setoriais.

Em Rondônia, desde 2003, o banco realizou apenas 21 operações, sendo

que a esmagadora maioria dos recursos foi destinada aos clientes do setor elétrico.

No setor de administração pública, foram ao todo 7 clientes e 9 operações. Na área

251

Composição acionária da Norte Energia: Eletrobras (15%), Chesf (15%), Eletronorte (19%), Petros (10%), Funcef (10%), Belo Monte Participações S.A. (Neoenergia S.A.) (10%), Amazônia (Cemig e Light) (9,77%), Vale (9%), Sinobras (1%), J.Malucelli Energia (0,25%). 252

Composição acionária da Santo Antônio S/A: Furnas Centrais Elétricas, Caixa FIP Amazônia Energia, Odebrecht Energia do Brasil, SAAG Investimentos (que tem como acionista majoritário a Andrade Gutierrez Participações S.A.) e a CEMIG Geração e Transmissão. 253

BNDES - Financiamentos. Disponível em: <https://goo.gl/1ue6m2>. Acesso em: 05/08/2014.

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357

de educação, houve apenas uma operação, realizada com o Senai em 2012. No

setor de construção, houve uma operação com o estado de Rondônia para a

restauração e pavimentação de rodovias. Ocorre que os investimentos foram

voltados principalmente à construção de complexos hidrelétricos para abastecer

sobretudo as necessidades energéticas externas à região. Além disso, em função

das obras, houve um crescimento de cerca de 30% na população de Porto Velho,

que não foi acompanhado pelos investimentos necessários para um crescimento

ordenado dos equipamentos públicos urbanos254.

Como aponta Werner (2011), o caso das hidrelétricas de Santo Antônio e

Jirau revelam que houve uma retomada da expansão setorial após o marco

regulatório de 2004, que contou com a participação de empresas públicas e privadas

na formação de consórcios. A autora aponta ainda que as hidrelétricas do Complexo

Madeira são um componente fundamental para a IIRSA, pois elas são parte da

estratégia de construir centrais hidrelétricas e eclusas ao longo do rio Madeira,

formando o eixo de integração fluvial Peru-Brasil-Bolívia. Este eixo comporia a

logística de transporte das regiões de Madre de Dios, no Peru, Rondônia, no Brasil,

e Pando e Beni na Bolívia. A proposta de desenvolvimento explicitada no projeto

compartilha da perspectiva da integração competitiva da região amazônica ao

mercado global, “reduzindo os custos de transporte e energia e viabilizando a

exportação dos produtos regionais, assim como o desenvolvimento de novas

atividades produtivas, inclusive a indústria, argumentada como incapaz de se

desenvolver em decorrência do déficit na oferta de energia” (FURNAS, 2005 apud

WENER, 2011, p. 104).

No Pará, a UHE de Belo Monte é um meio através do qual seria viabilizada a

mineração e extração de ouro, bauxita, diamante, cassiterita, manganês, ferro,

cobre, areia e granito nas áreas que a circundam, em particular na Volta Grande -

trecho de mais de 100 quilômetros que vai praticamente secar com o desvio das

águas do Rio Xingu. Existem cerca de 105 pedidos de licenciamento de mineração

no portal do Ibama, e 30 são no estado do Pará - muitos em terras indígenas. Além

de grandes corporações que atuam intersetorialmente e que lá se beneficiaram de

254

A respeito dos impactos das obras do Complexo Madeira no município de Porto Velho, ver o relatório do projeto de pesquisa e extensão “Desestruturação social e ambiental das comunidades ribeirinhas urbanas e rurais no município de Porto Velho”, de Luis Fernando Novoa Garzon. Disponível em: < https://goo.gl/Z19eMG>.

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358

operações vultosas ligadas à mineração e ao setor elétrico, estados e municípios

também tiveram destaque – mais em número de operações do que em valores reais

recebidos do BNDES.

No Amazonas, os principais desembolsos foram demandados sobretudo pela

TAG Transportadoras Associadas S/A (empresa subsidiária integral da Petrobras),

para a construção de gasodutos (atividade classificada pelo CNAE como transporte

terrestre), e pelo Estado do Amazonas, para a construção da Arena Amazonas, de

uma ponte e duplicação de uma estrada – obras classificadas como pertencentes

aos setores de Artes, cultura e esporte e construção.

No Estado do Acre, o principal cliente do BNDES foi o Estado do Acre, para

financiamentos nos setores de administração pública, construção e madeira (para

implantação de programas de desenvolvimento sustentável).

No Tocantins, o setor que mais recebeu recursos foi o de eletricidade e gás,

principalmente para as obras da Usina Hidrelétrica de Estreito – cujos principais

clientes do BNDES foram a ALCOA S/A, a Vale S/A e a Companhia Energética

Estreito. Outros setores que demandaram recursos no estado foram a administração

pública, a química e minerais não metálicos, e os demandantes foram o Estado do

Tocantins, a Itafos Mineração e a Votorantim, respectivamente.

No Amapá, os principais setores foram os de administração pública,

eletricidade e gás e indústria extrativa, com o Estado no Amapá, a Ferreira Gomes

S/A (pertencente à holding Alupar S/A), a empresa de energia Cachoeira Caldeirão

S/A e a Anglo Ferrous Amapá Mineração LTDA. como principais mutuários do

Banco.

Em Roraima, a administração pública foi o setor que mais demandou o

BNDES, através do Estado de Roraima.

Em suma, o grande volume de dinheiro desembolsado para o Norte esteve

vinculado a poucas operações destinadas à exploração de recursos

geograficamente definidos. Não há uma nova geografia dos aportes financeiros, no

sentido de que não houve um rompimento com velhas orientações no que diz

respeito a potenciais econômicos funcionais e explorados através dos GPIs.

As demais operações no Norte estão distribuídas em alguns investimentos de

empresas que atuam na Zona Franca de Manaus, infraestrutura de comércio,

serviços e atividades auxiliares de transporte e entrega, indústria de celulose e

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359

projetos vinculados a questões socioambientais. A maior parte das operações não-

reembolsáveis demandadas pela administração pública são realizadas nesta região.

No Nordeste, Pernambuco e Bahia foram os estados que mais se destacaram

em termos de quantidade de operações aprovadas e valor total desembolsado pelo

Banco. Em Pernambuco, tiveram destaque as indústrias automotiva, de celulose e

indústria naval, além de infraestrutura portuária. Os principais clientes do Banco

foram a Estaleiros Atlântico Sul S/A, o Estado de Pernambuco, a Companhia

Petroquímica de Pernambuco (Petroquímica Suape)255, a Companhia Energética de

Pernambuco, a Ventos de São Tome Holding S.A e a CMO Construção e Montagem

Offshore S.A.

Na Bahia, as indústrias petroquímica e de celulose foram as que mais

receberam recursos do Banco, além de projetos ligados à infraestrutura rodoviária,

mineração e expansão de infraestrutura para distribuição de energia elétrica (com

destaque para centrais Eólicas), e operações de menor valor voltadas ao turismo. As

principais empresas beneficiadas, em termos de valores recebidos, foram a Braskem

S/A, a Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (COELBA), o Estado da

Bahia, a Veracel Celulose S/A e a Viabahia Concessionária de Rodovias S/A.

Nos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e

Sergipe, os setores que mais demandaram desembolsos do BNDES foram os de

eletricidade e gás – para construção de parques eólicos, usinas termelétricas e

linhas de transmissão, e administração pública. Em Alagoas, a indústria química,

através da Braskem S/A, foi quem mais demandou recursos do banco, seguido dos

setores de administração pública, coque, petróleo e combustível (através da Bioflex

Agroindustrial LTDA.) e eletricidade e gás.

No Centro Oeste, a maior parte dos financiamentos dizem respeito à geração

de energia, através de algumas UHEs, biocombustível, termelétricas e linhas de

transmissão de energia, além de investimentos ligados ao agronegócio. Empresas

do ramo de alimentos, como a Sadia S/A, a Maggi Exportação e Importação LTDA, a

Perdigão Agroindustrial Mato Grosso LTDA e a Noble Brasil S/A (braço brasileiro da

gigante mundial de commodities, com sede em Hong Kong-China) recorreram ao

255

PQS é um Complexo Industrial Químico-Têxtil que tem o objetivo de produzir os principais insumos

do poliéster em várias formas. Liderado pela Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), faz parte da carteira da empresa de projetos de petroquímica e integra o PAC.

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360

Banco para investir em plantas produtivas ligadas à agroindústria. Mas, dentre todas

do ramo alimentício, a que recebeu maior volume de recursos foi a JBS S/A, que

recorreu ao Banco para viabilizar sua estratégia de internacionalização através

também de Operação Direta. A Petrobras S/A (para implantação de unidade de

fertilizantes hidrogenados), Votorantim, além de empresas e concessionárias ligadas

ao setor elétrico também se destacaram em termos de valores recebidos. Mas a

empresa que recebeu mais recursos, atuando nos estados de Mato Grosso e Mato

Grosso do Sul, foi a ALL América Latina Logística, recursos estes vinculados à

expansão de ferrovias enquadradas tanto ao PAC quanto na Iniciativa para a

Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA).

Na região Sul houve, de forma geral, uma maior distribuição das operações

em diferentes setores. No Rio Grande do Sul, destacaram-se os setores de

eletricidade e gás, coque, petróleo e combustível e celulose e papel. Em Santa

Catarina, foram os setores de eletricidade e gás, administração pública e

equipamentos de transporte. Já no Paraná, destacaram-se os setores de celulose e

papel, eletricidade e gás, água, esgoto e lixo, atividades auxiliares ao transporte,

produtos alimentícios e telecomunicações. Entre os clientes que mais receberam

recursos do BNDES em termos de volume de dinheiro estão: Klabin S/A, Estado do

Paraná, Foz do Chapecó Energia S/A, Refinaria Alberto Pasqualini S/A256, Bram

Offshore Transportes Marítimos LTDA; Weg Equipamentos Eletricos S/A, ALL

América Latina Logística S/A, Estado do Rio Grande do Sul, Companhia de

Saneamento do Paraná, Rio Grande Energia S/A e Renault do Brasil S/A.

No Sudeste, os principais setores beneficiados foram: eletricidade e gás,

atividades auxiliares ao transporte e transporte terrestre, em São Paulo; outros

equipamentos de transporte, eletricidade e gás e transporte terrestre, no Rio de

Janeiro; metalurgia, eletricidade e gás, veículo reboque e carroceria, em Minas

Gerais e; administração pública, eletricidade e gás, metalurgia e indústria extrativa,

no Espírito Santo. Em São Paulo, o maior cliente do BNDES em termos de valores

desembolsados foi, disparado, o Estado de São Paulo, seguido da Concessionária

do Aeroporto Internacional de Guarulhos, CIA de Saneamento Básico do Estado de

São Paulo, Companhia Paulista de Força e Luz, Eletropaulo Metropolitana

256

uma empresa de capital 100% pertencentes à Petrobras.

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361

Eletricidade de São Paulo S/A, Marfrig Alimentos S/A, Telefônica Brasil S/A,

Companhia Brasileira de Alumínio, Aeroportos Brasil - Viracopos S/A e Grupo JBS.

No Rio de Janeiro, também aparece na dianteira a Petrobras, seguida por Estado do

Rio de Janeiro, Grupo Light, Grupo LLX, Telemar Norte Leste S/A, Município do Rio

de Janeiro, Thyssenkrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico, Cia Brasileira de

Offshore, Companhia Siderúrgica Nacional e Grupo STX. Em Minas Gerais: Fiat

Automóveis S/A, Vale, Gerdau Açominas S/A, Votorantim Metais Zinco S/A,

Secretaria de Fazenda do Estado de Minas Gerais, Companhia Siderúrgica

Nacional, Autopista Fernão Dias S/A, Estado de Minas Gerais e Companhia

Nacional de Cimento – CNC. E, por fim, no Estado do Espirito Santo, a Arcelormittal

Brasil S/A, a Espírito Santo Centrais Elétricas S/ A e a Fibria Celulose S/A.

Como foi possível observar, o BNDES teve papel fundamental no

financiamento de grandes obras de infraestrutura – com destaque para a

infraestrutura energética e de transportes. Nos mapas que seguem (6, 7 e 8) é

possível observar como se encontram distribuídas no território tais infraestruturas na

atualidade.

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362

Mapa 6 – (a, b, c e d) Distribuição espacial de algumas das principais fontes geradoras de energia do Brasil

Fonte: Adaptado do Observatório do Desenvolvimento Regional (http://odr.mi.gov.br/).

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363

Mapa 7- Malha rodoviária e ferroviária brasileira

Fonte: Adaptado do Observatório do Desenvolvimento Regional (http://odr.mi.gov.br/).

Mapa 8 – Portos e hidrovias brasileiras

Fonte: Adaptado do Observatório do Desenvolvimento Regional (http://odr.mi.gov.br/).

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364

Na sequência de mapas das figuras 14, 15 e 16, foram indicadas as

distribuições espaciais dos 20 principais setores que mais receberam recursos ao

longo do período 2003 – 2014 (em ordem decrescente, da esquerda para a direita, e

de cima para baixo).

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365

Figura 14 - Distribuição espacial das Operações Diretas e Indiretas não-automáticas segundo setor CNAE (2003-2006)

Fonte: Adaptado de BNDES. Elaboração própria (2015).

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366

Figura 15 - Distribuição espacial das Operações Diretas e Indiretas não reembolsáveis segundo setor CNAE (2007-2010)

Fonte: Adaptado de BNDES. Elaboração própria (2015).

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367

Figura 16 - Distribuição espacial das Operações Diretas e Indiretas não-automáticas segundo setor CNAE (2011-2011)

Fonte: Adaptado de BNDES. Elaboração própria (2015).

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368

Eletricidade e Gás ocupa o primeiro lugar nos três períodos analisados. A

diferença é que antes a maior parte dos valores desembolsados para este setor

encontrava-se no Sudeste, e passaram a ser localizados no Norte do país. Além

deste setor ser cada ver mais demandado para fontes alternativas de energia (que

demandam menos investimentos se comparados com as UHEs) - como é o caso das

das PCHs, demandadas em diversos estados, e da energia eólica, cada vez mais

presente, principalmente no Nordeste brasileiro. Transporte terrestre variou entre a

3ª e 4ª posição no ranking e metalurgia caiu da 6ª para a 18ª posição. Coque,

petróleo e combustível teve um pico de demandas entre 2007 e 2010, saltando da

10ª para a 2ª, e depois caindo para a 7ª posição. Contudo, nenhum outro setor

apresentou uma variação tão significativa quanto a administração pública, que saltou

da 19ª para a 5ª e, em seguida, para a 2ª posição.

Para verificar se o BNDES é uma ferramenta para viabilizar políticas públicas

de governos estaduais e municipais, optou-se também por realizar uma breve

exposição acerca do alcance, em termos quantitativos e qualitativos, das operações

realizadas com entidades da Administração Pública Direta (gráfico 25), uma vez que

estas operações aumentaram significativamente nos últimos anos.

Gráfico 25 – Valor desembolsado (a) e quantidade (b) de operações do BNDES com entidades da Administração Pública Direta (valores correntes)

Fonte: Adaptado de BNDES. Elaboração própria (2015).

Principalmente a partir do ano de 2007, as operações entre o BNDES e

governos estaduais e municipais aumentou consideravelmente, tanto em quantidade

de operações quanto em valores desembolsados e o Banco tornou-se um importante

credor tanto do capital privado quanto do setor público.

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369

Com o passar do tempo, os empréstimos foram sendo destinados a uma

quantidade maior de finalidades, tendo começado, em 1994, com conservação do

meio ambiente, passado timidamente durante o período FHC para infraestrutura,

geração de emprego e renda e risco social, e ampliando em termos quantitativos e

qualitativos, a partir de 2003 e principalmente de 2008, quando passaram a ser

destinados também para a educação, informática nas escolas, transporte escolar,

transporte urbano, saúde, meio ambiente, saneamento ambiental, modernização da

gestão tributária, modernização de sistema de radiodifusão, infraestrutura, aquisição

de máquinas e equipamentos, projetos multissetoriais integrados, etc.

Gráfico 26 – (a e b) Operações realizadas pelo BNDES com entidades da Administração

Pública Direta – recursos destinados por estados (em mil R$ - valores correntes)

Fonte: Adaptado de BNDES. Elaboração própria (2015).

Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Acre e Santa Catarina foram,

respectivamente, os estados que mais recorreram ao Banco (lembrando que as

operações são com as esferas estaduais e municipais). Contudo, São Paulo, Rio de

Janeiro e Ceará foram os estados que mais receberam em termos de valores reais.

No Rio de Janeiro, os projetos que mais demandaram recursos foram a expansão de

metrô e a Arena Maracanã. Em São Paulo, foram a construção de um complexo

hospitalar, o metrô e a construção de penitenciárias. E, no Ceará, foram para obras

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370

de ampliação do porto, para o metrô e para apoiar o plano de investimento do estado

do Ceará, constantes no plano plurianual.

5.4 O BNDES e o apoio à inserção internacional de empresas brasileiras

As estratégias de inserção internacional não são novas no contexto político e

econômico nacional. Inicialmente, elas se caracterizavam principalmente por

subsídios fiscais e fundos de apoio à exportação. Após um período iniciado na

década de 1930, de substituição de importações e fortalecimento de um parque

industrial brasileiro, entre 1964 e 1974 foram criados os primeiros incentivos, tais

como o drawback257; a criação do Fundo de Financiamento à Exportação (Finex) -

com o objetivo de suprir a demanda de crédito não atendida pelo setor financeiro

privado; as isenções do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto

sobre Circulação de Mercadorias (ICM); os incentivos financeiros pré e pós-

embarque; os créditos-prêmio do IPI e do ICM; e o Programa de Benefícios Fiscais a

Programas Especiais de Exportação (Befiex) – que visava atender projetos de longo

prazo de exportação de produtos manufaturados de grandes empresas, entre outras

medidas (PINTO et al., 2008).

Na década de 80, com a instabilidade financeira e regulatória do Estado

brasileiro, tais mecanismos estatais de apoio à exportação de produtos

manufaturados foram sofrendo restrições, a tal ponto que o Finex e a equalização de

taxas de juros previstas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) foram desativados

em 1988. Com isso, foi interrompido o financiamento que dava suporte especial à

produção e exportação de bens de capital e para projetos de engenharia. Exceto

pelo regime de drawback, pela isenção do IR sobre o lucro das exportações e por

alguns compromissos remanescentes do Befiex, a política de apoio às exportações

montada de 1964 a 1974 foi praticamente toda desativada ao final da década de

1980.

Com a política de liberalização das importações, o governo Collor extinguiu os

subsídios do Befiex, e durante a década de 1990, exceto para a comercialização de

bens e serviços de capital, o financiamento às exportações dependeu basicamente

257

Pelo Decreto Lei nº 37, de 21/11/66, consiste na eliminação ou suspensão de tributos sobre insumos importados para utilização em produto exportado.

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371

de mecanismos privados (PINTO et al., 2008). Com a abertura comercial, a

exposição da indústria nacional a competidores estrangeiros, a valorização cambial

na década de 1990 e a falta de uma política industrial preparada para enfrentar tais

desafios propostos pelos próprios governos, a indústria nacional começou a perder

competitividade e a passar por um forte processo de desnacionalização.

Como foi demonstrado através da análise dos planejamentos e dos relatórios

do BNDES, o tema do apoio às exportações foi ganhando destaque justamente a

partir da década de 1980. No cenário descrito logo acima, em 1991, o BNDES criou

o Programa de Financiamento às Exportações de Máquinas e Equipamentos –

FINAMEX, que, inicialmente, atendia apenas o financiamento de bens de capital na

modalidade de pré-embarque258. Contudo, já em 1992, o FINAMEX passou a realizar

também operações na modalidade pós-embarque259 (GUIMARÃES et al., 2014). Em

1997, com a prioridade dada pelo governo federal ao apoio às exportações, o

BNDES acresceu às suas competências a exportação não só de bens de capital,

mas também de serviços de engenharia e de bens como produtos químicos,

eletrônicos, têxteis, calçados, couro e alimentos. Assim, o Finamex foi transformado

no Produto BNDES-Exim. Junto com esta mudança veio o aumento de recursos para

exportação que, segundo Castro (2014), cresceram de forma exponencial.

Sobre o apoio à internacionalização, Guimarães et al. (2014) apontam que,

assim como o apoio do BNDES às exportações esteve ligado ao processo de

abertura da economia brasileira, a criação de um produto financeiro específico no

Banco para apoiar investimentos diretos realizados por empresas brasileiras no

exterior esteve associada a ciclos de expansão do investimento direto brasileiro

(IBD). Os autores apontam que, de acordo com dados da UNCTAD (2013), o

crescimento médio anual do estoque de IBD foi de 1,6% a.a., entre 1990 e 95; de

3,2% a.a., entre 1995 e 2000; de 8,8% a.a., entre 2000 e 2005 e; de 18,9% a.a.

(2005-2010).

Segundo Além e Madeira (2010), as empresas brasileiras que buscam se

internacionalizar apontam como principais desafios a alta competitividade em

258

Esta modalidade financia a produção de bens que serão exportados. 259

Esta modalidade diz respeito ao produto/serviço pronto para ser exportado, e visa oferecer melhores condições para a sua comercialização, possibilitando que o exportador ofereça crédito e melhores condições de prazo de pagamento ao importador, e, consequentemente, acrescentando competitividade ao seu produto.

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372

mercados maduros, a dupla tributação de lucros no exterior e a disponibilidade de

financiamento. Com relação à competitividade, os autores apontam que o apoio do

governo à inovação, por meio da combinação de políticas industrial, de comércio

exterior, de ciência e tecnologia e de educação260, objetiva a conscientização das

empresas de que a inovação é o principal instrumento para garantir competitividade

de longo prazo.

No que diz respeito às fontes de financiamento, concorda-se com os autores,

que destacam o papel desempenhado pelo BNDES tanto no apoio indireto ao

processo, através do financiamento à expansão da capacidade produtiva doméstica

das empresas (o que já foi discutido ao longo deste trabalho), quanto no

financiamento direto às operações de internacionalização das empresas.

Sobre esta forma direta de apoio, Guimarães et al. (2014) apontam que, no

ano de 2002, o BNDES estabeleceu suas primeiras diretrizes para o financiamento

de investimentos de empresas brasileiras no exterior. Entre 2002 e 2005, o banco

apoiou iniciativas de internacionalização de empresas brasileiras por meio de

participações acionárias e, em 2005, foi criada uma linha de financiamento

específica à internacionalização de empresas.

Além e Madeira apontam que em setembro de 2005 ocorreu a primeira

operação mais expressiva no apoio à internacionalização, que foi o financiamento à

JBS-Friboi para a compra da Swift Argentina. “Esse foi o primeiro passo no processo

de internacionalização da empresa, que em 2009 tornou-se líder mundial do setor de

carnes, após a aquisição das norte-americanas Swift Foods and Company e

Pilgrim’s Pride e do frigorífico brasileiro Bertin” (ALÉM e MADEIRA, 2010, p 52).

Inicialmente, esta linha esteve condicionada à geração de saldo líquido

positivo de divisas e, a partir de 2007, passou a ser associada à melhoria da

competitividade das empresas brasileiras no exterior (GUIMARÃES et al., 2014).

Esta foi uma alteração que surgiu e já foi implantada durante o processo de

Planejamento Corporativo do BNDES para o período 2009–2014, que tinha como

260

Como a PDP, o Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação – MCT (PACTI) e o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). As ações coordenadas da PDP e do PACTI visam expandir e consolidar o sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação (C,T&I); promover a inovação tecnológica nas empresas; incentivar a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação (P,D&I) em áreas estratégicas e; promover a ciência, a tecnologia e a inovação (C,T&I) para o desenvolvimento social. “Em relação ao PDE, o principal objetivo é aumentar a qualidade da educação básica, tendo em vista que ela é o pilar de uma boa formação dos profissionais do futuro” (ALÉM e MADEIRA, 2010, p. 51).

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373

terceira colocada num ranking de orientações institucionais, a iniciativa de

fortalecimento da presença internacional de empresas brasileiras. Foi também em

2007 que o banco decidiu autorizar a abertura de um escritório de representação do

BNDES na América do Sul, a ser instalado em Montevidéu, no Uruguai261.

A decisão de criar o escritório teve como objetivo reforçar a atuação das demais áreas do Banco, em especial a Área de Comércio Exterior, na região. Entre suas principais atividades estavam a prospecção de oportunidades de expansão do apoio do Banco à exportação e internacionalização de empresas brasileiras; o estreitamento das relações com os diversos agentes de fomento que atuam na América Latina, visando concretizar projetos de interesse do Brasil; e o desenvolvimento de soluções e alternativas para a estruturação de operações de financiamento, atendendo às características específicas de cada operação (GUIMARÃES et al., 2014, p. 78).

A escolha de Montevidéu como local de abertura do primeiro escritório se

deveu ao fato de lá existirem as sedes do Mercosul, da Asociación Latino-americana

de Integración (ALADI), do Parlamento do Mercosul, e de abrigar também escritórios

do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), do Banco de Desenvolvimento

de América Latina (CAF) e da CEPAL. Assim, se pretendia “fortalecer a ação

institucional do BNDES, consolidando parcerias com outras instituições financeiras e

agências de fomento, no apoio a projetos voltados à integração regional”

(RELATÓRIO ANUAL DE ATIVIDADES DO BNDES, 2007, p. 84).

Em 2008, foi aprovada a criação de uma subsidiária do BNDES em Londres –

a BNDES Limited, que detém autonomia para realizar operações financeiras e captar

recursos no exterior262. Londres foi escolhida por ser um grande centro financeiro

mundial, além de abrigar diversos organismos e instituições oficiais de crédito com

261

Guimarães et al. (2014, p. 75) apontam que o estatuto social do BNDES já facultava ao Banco, desde a sua criação, a instalação de escritórios, representações ou agências no exterior. Desde a sua fundação, o BNDES manteve por mais de trinta anos um escritório em Washington, a partir de onde contribuía com as negociações que envolviam a dívida externa brasileira perante o US Eximbank e o BIRD. Segundo os autores, em pelo menos outras duas oportunidades a Diretoria autorizou a abertura de representações no exterior (em Londres e em Buenos Aires) que, no entanto, não se concretizaram.

262 Esta subsidiária de Londres alterou sua forma societária, passando de uma Private Limited Company (Limited) para Public Limited Company (PLC). Assim, ela pode tornar-se não só um meio de captação, como também uma base operacional. A primeira operação de captação do BNDES PLC foi realizada em 2014. Como apontam Guimarães et al. (2014, p. 83-84), a estratégia de manter parte dos recursos na BNDES PLC visava "utilizá-los para apoiar projetos de empresas brasileiras no exterior, sem incorrer nos custos de transação de trazer os recursos para o Brasil e depois enviá-los novamente para fora".

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374

atividades similares às realizadas pelo BNDES. Esta iniciativa atende uma das

orientações estratégicas que foram definidas para o Plano Corporativo, que entraria

em vigência no ano seguinte, que era de desenvolver, ampliar e diversificar as fontes

de recursos no país e no exterior, em parceria com a indústria financeira e o

mercado de capitais. Tanto o escritório quanto a subsidiária foram inaugurados em

2009. Também no contexto de planejamento do Plano Corporativo 2009 – 2014,

visando estruturar a atuação internacional com base em uma perspectiva integrada,

em 2008 foi criada a Área Internacional (AINT) do Banco (GUIMARÃES et al., 2014).

Os autores ainda apontam que, em abril de 2013, o Decreto 7.989 do governo

federal alterou o estatuto do BNDES, determinando que o Presidente do Banco

deveria designar um Diretor para ser responsável pelos assuntos referentes a

América Latina, Caribe e África – ampliando os esforços para estimular a inserção

internacional de empresas nacionais nestas regiões. Foi neste contexto que decidiu-

se criar um escritório no continente africano, que foi inaugurado em dezembro de

2013, em Johanesburgo, na África do Sul.

A cidade foi escolhida por ter o mercado financeiro mais desenvolvido do

continente, que possibilitará, entre outras coisas, a atuação colaborativa com o

Development Bank of Southern África (banco de desenvolvimento do governo sul-

africano com foco no financiamento de projetos de infraestrutura), e a Industrial

Development Corporation (instituição financeira estatal focada no apoio à indústria).

Além disso, foram levados em conta a estabilidade política do país e a satisfatória

oferta de conexões aéreas para outras nações africanas e para o Brasil, além do fato

de a África do Sul ser parte dos BRICS.

Voltando especificamente à linha de apoio à internacionalização, Guimarães

et al. (2014) apontam que, inicialmente, somente empresas brasileiras exportadoras,

de controle nacional, que desenvolvessem atividades industriais e que fossem

produtoras de bens de consumo ou bens de capital, poderiam acessar tal linha de

financiamento. Atualmente, este acesso é também permitido a empresas ou

subsidiárias brasileiras, independentemente da atividade econômica que

desempenhem, desde que o maior acionista seja de capital nacional.

Uma das críticas que o BNDES sofre diz respeito ao fato de os juros cobrados

no exterior serem menores do que os juros cobrados para investimentos feitos no

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375

Brasil. Para projetos semelhantes em território nacional, a taxa de juros é maior do

que a cobrada aos investimentos no exterior263.

Segundo Luciene Machado, diretora de comércio exterior do BNDES:

os juros dessas operações são baixos porque, de outra forma, as empresas brasileiras perderiam as obras para concorrentes espanhóis, americanos e chineses. Ela contesta a comparação com taxas praticadas no mercado de títulos. "Nosso financiamento tem seguro, os recursos são liberados aos poucos, de acordo com a evolução do projeto, nossa taxa de inadimplência é zero. Além disso, geram emprego no Brasil. Nada disso existe nas taxas cobradas pelo mercado financeiro", disse (FOLHA DE SÃO PAULO, 2015).

Seja como for, para entender qual o lugar e o papel do BNDES no apoio à

expansão capitalista nacional, é importante considerar que esta é uma instituição

que atende não só às demandas das empresas, mas também é um instrumento que

cada vez mais tem servido à política interna e externa nacional, e estes interesses

não são necessariamente conflitantes.

Mas qual seria o grau de autonomia do BNDES diante de acordos políticos

intergovernamentais? E quais são os meandros percorridos até a definição de que

determinada empresa será a executora de projetos contratados por governos de

outros países?

Estas questões foram feitas a membros do Setor de Internacionalização e

Comércio Exterior do BNDES, que argumentam que o Banco tem autonomia para

analisar e aprovar ou não as demandas, e que todas respeitam os mesmos critérios

de avaliação.

Entrevistado 2: Todas as operações do banco são aprovadas

segundo os critérios. Ele passa por crédito... Essa análise do projeto é de um financiamento qualquer, apesar de todas as boas intenções do Brasil com o outro governo, passa por critério exclusivamente técnico.

263

Como exemplo, em junho de 2015, a taxa no Brasil era de 6% ao ano mais uma taxa de risco; já os juros médios cobrados pelo BNDES no exterior em Honduras era de 2,83%, em Gana era de 3,17%, na Argentina era de 4,83%, na Angola era de 5,32% e em Cuba era de 5, 38%. (FOLHA DE SÃO PAULO. BNDES oferece taxas generosas no exterior. 04/06/2015. Disponível: https://goo.gl/Ykev1H. Acesso em 05/06/2015.

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376

Entrevistado 3: Isso reflete numa das menores taxas de inadimplência do mundo e bem abaixo da do sistema financeiro nacional.264

Segundo Guimarães (2014), o movimento de entender a sua presença em

países africanos e Latino-americanos não foi uma exclusividade do BNDES. Ao

contrário, ele foi na mesma direção escolhida por outras instituições de fomento

internacional, que vêm aumentando fortemente sua presença nos mercados

africanos e latinos, com maiores montantes de empréstimos, de cooperação técnica

e de representações regionais, buscando “acompanhar, apoiar e incentivar as

empresas de seus respectivos países na inserção internacional, implementar

políticas de governo e prospectar novos negócios” (p. 86)

A respeito de como são definidas as empresas que atuarão em projetos que

têm governos estrangeiros como mutuários, os entrevistados explicaram que cada

governo tem suas normas, e que não há interferência por parte do BNDES na

escolha:

Pergunta: Essa linha de financiamento pós-embarque possui duas modalidades que são a supplier e buyer. Quando a modalidade é buyer é direcionada a governos, como são definidas as empresas

que irão atuar? Entrevistado 1: 100% por conta do importador. Pergunta: Mas com a condição de haja contratação de empresas brasileiras, não é isso? Entrevistado 1: Necessariamente. Se estivermos falando de projetos contratados por governos, cada um tem sua norma. Por exemplo, o governo equatoriano possui leis de obras públicas que permite fazer concorrências direcionadas a empresas de um determinado país, não permite dispensar a licitação. É preciso fazer a licitação entre empresas de um determinado país se o governo sabe que naquele país existe fonte de financiamento para aquele projeto ou para aquele conjunto de exportações. Então, o que acontece é que o governo abre um edital, diz que esse edital está aberto para todo mundo ou está aberto para empresas brasileiras, elas podem ir lá concorrer. Em geral, é parte da documentação de licitação, não só toda questão documental de habilitação técnica, mas também um pacote de financiamento; aí o BNDES oferece, olha para aquele projeto, olha para aquele conjunto de exportações, e analisa-o. Se uma empresa brasileira for adjudicada, nós podemos financiar até “X” milhões nas condições indicativas tais. Estas condições serão as mesmas, ganhe as empresas brasileiras A, B ou C. A escolha dessa empresa se dará de acordo com o importador e

264

As entrevistas 2 e 3 foram feitas com membros do setor de Internacionalização e Comércio Exterior do BNDES, realizadas em 12 de maio de 2015.

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377

suas regras locais, porque também o Brasil, e o BNDES por suposto, entende que não pode impor suas condições, não é assim que trabalham as outras agências de crédito às exportações. 265

Ou seja, por mais que existam incentivos diplomáticos para o estreitamento

de relações com determinados países, abrindo caminhos para que empresas

nacionais atuem em seus mercados, o BNDES argumenta que possui autonomia

para avaliar a possibilidade do empréstimo. Segundo os funcionários do Banco, não

houve qualquer direcionamento por parte do Banco no sentido de estimular o

segmento de engenharia em detrimento da exportação de bens de capital,

máquinas, equipamentos, etc. Trata-se, segundo os entrevistados, do perfil das

demandas dos importadores.

A respeito da abertura dos escritórios do BNDES em Montevidéu e

Johanesburgo e da subsidiária em Londres, a tomada de decisão também teria sido

interna ao banco, mas orientada ao contexto político e econômico brasileiro:

Entrevistado 2: A tomada de decisão é interna. É claro que isso está dentro de uma estratégia. Não só o BNDES abriu escritórios fora, mas a Eletrobrás abriu escritórios fora e outros órgãos do governo também. Isso foi tudo mais ou menos na mesma época, Então você vê um determinado movimento. [...] Então já tinha, sim, por parte do governo um consenso de que as empresas brasileiras tinham que ir pra fora, se internacionalizar, se comunicar mais com o exterior. Formalmente a tomada de decisão é feita internamente. O BNDES não precisa pedir autorização.

Com a abertura dos escritórios, o esforço para a internacionalização de

empresas nacionais passou a ocorrer não só a partir das empresas. Agora o próprio

Banco atua captando negócios para as empresas:

Entrevistado 2: [...] as empresas brasileiras é que iam lá fora,

faziam os seus negócios, conversavam com as empresas, verificavam os bancos, voltavam aqui e entravam com a consulta. O BNDES depois fazia a operação. O escritório lá fora fala também com os clientes das empresas brasileiras. Isso mudou. Você fala com o cliente da empresa brasileira e ele fala assim “Ônibus brasileiro é bom”, e eu falo “eu financio ônibus brasileiro da empresa que você quiser, desde que ela fabrique o ônibus no Brasil”. Então você começa a ter, não só o banco conversando com as empresas brasileiras que estão aqui, mas você começa a ter o banco conversando com as empresas que são clientes das empresas

265

A entrevista 1 também foi realizada em 12 de maio de 2015.

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brasileiras que estão lá. Entrevistado 3: Como se você ampliasse os laços, os pontos de

contato. Entrevistado 2: E isso faz toda a diferença. Uma das atuações do pessoal de lá é fazer reuniões em câmara de comércio, junto com a embaixada e a secretaria de comércio. Chama as empresas daqui e a gente vai começar a oferecer produto brasileiro. E aí é um trabalho em conjunto, porque vai a PEX, vai FIESP, vai MDIC e um monte de outros órgãos fazendo lá os seus fomentos e o BNDES diz “eu financio”. A gente não tá falando pra empresa brasileira. A gente tá falando pra empresas de lá de fora. Esse trabalho já existia de alguma maneira, mas com escritório lá fora ele fica mais forte, mais ativo.

Como disse um dos entrevistados, é como se o BNDES funcionasse como

“ponta de lança” no sentido de promoção de negócios e de espaço de atuação das

empresas brasileiras, envolvendo ou não financiamento do BNDES.

O discurso da necessidade de competir no mercado global, como foi

demonstrado, tornou-se cada vez mais presente e foi sendo crescentemente

fomentado pelo Banco através do fortalecimento das grandes empresas em território

nacional, do suporte à formação de grandes conglomerados e do fomento às

exportações e aos IBD. Com isso, fomentou-se a formação de players globais, em

uma política negada pelo Banco mas amplamente chamada no debate público, como

aponta Ghibaudi (2014), de fortalecimento das “campeãs nacionais”.

Desta forma, tal como aponta Jessop (1983), verifica-se que o Estado, aqui

representado pelo BNDES, passa a desempenhar um papel importante com a

transição do capitalismo liberal para formas capitalistas monopolistas, promovida

com o papel crucial do crédito do Estado na alocação de capital. Assim, as

fronteiras e os horizontes do Estado e de suas novas funções poderão ser melhor

observadas através do perfil e do alcance das operações internacionais do BNDES.

Para compreender o perfil atual dos projetos operacionalizados no exterior

com recursos do BNDES, optou-se por analisar a carteira de operações do Banco

que apoia a exportação de bens e serviços de empresas nacionais ou com sede no

Brasil: o Produto BNDES-Exim – cujo funding utilizado pelo BNDES advém do FAT

(GUIMARÃES et al.,2014)

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379

Como é possível ver no gráfico 26, em termos de participação no total de

desembolsos do Sistema BNDES, o BNDES nunca representou a maior fatia de

operações266.

Gráfico 27 – Evolução da participação dos Produtos do BNDES no total dos desembolsos do Sistema BNDES (%), com destaque para o Exim (b)

Fonte: BNDES, com elaboração da autora (2015).

O ano em que o BNDES-Exim alcançou a maior participação no total de

desembolsos foi 2003, quanto representou cerca de 35,5% dos valores creditados

pelo BNDES. A partir de então, à exceção dos anos de 2005, 2008 e 2013, esta

porcentagem foi progressivamente caindo, chegando em 2014 a uma participação

inferior à registrada em 1997. Isso não significa, contudo, que os valores

266

Cabe lembrar que, em parte, as oscilações dessa participação podem também ser atribuídas às flutuações do câmbio, uma vez que as operações do EXIM são realizadas em US$ e os valores dependem da sua cotação no momento de desembolso.

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380

desembolsados tenham diminuído. Contudo, cabe apontar que, mesmo sendo

operações que representam uma pequena porcentagem no total dos desembolsos e

operações do Banco, em termos analíticos elas são relevantes, uma vez que o

discurso da necessidade de inserção internacional está cada vez mais presente na

instituição, e o exame de seu perfil revela as intenções, as dificuldades e o alcance

do capitalismo nacional no exterior, representados nas figuras das empresas e do

próprio BNDES.

No que diz respeito aos setores produtivos, como apontam Ghibaudi e Hirt

(2016)267, em termos de valores desembolsados e ao longo do período 2000-2014,

os números agregados do Exim Pré e Pós-Embarque indicam que os equipamentos

de transportes (aviões, veículos, carrocerias) e outras máquinas e equipamentos

(industrial, agrícola e de geração e transmissão de energia) foram os que mais

receberam apoio para exportação – padrão significativamente distinto do verificado

nos desembolsos totais do Banco, sobretudo pela menor presença das commodities

industriais (manufaturados diretamente da matéria prima, como pasta de celulose,

derivados do petróleo, manufaturados de aço e ferro e aço, etc).

Por outro lado, coincidindo com o padrão mais geral, verifica-se também uma

participação crescente e significativa dos recursos destinados à exportação de

“serviços de construção” (Infraestrutura), sobretudo a partir de 2007. Os autores

destacam que, apesar da participação no total de desembolsos não ter aumentado

em porcentagem, em termos de valores desembolsados houve um aumento

significativo dos recursos totais operacionalizados para exportação - com um

máximo em 2010, ano em que também tiveram destaque os setores de insumos

básicos.

267

Artigo O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e a Inserção Internacional da Economia Brasileira (2003-2014), que se encontra em fase de conclusão, a ser publicado em 2016.

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381

Gráfico 28- Desembolsos do Exim (Pré e Pós-embarque). Período 2000-2014. (Em US$ mil)

Fonte: Ghibaudi e Hirt (2016). Obs: Elaborado por Javier Walter Ghibaudi a partir de estatísticas

operacionais do BNDES.

A análise mais detalhada do BNDES-Exim possibilita identificar uma parte do

alcance internacional de empresas brasileiras possibilitado pelo BNDES. Diz-se

apenas uma parte pois, até a presente data, o Banco libera somente a planilha

completa das contratações pós-embarque (faltando 168 contratações). As

contratações pré-embarque são divulgadas apenas separadamente, a partir da

pesquisa por CNPJ de cada empresa – o que impossibilita que se tenha uma noção

da totalidade das operações.

Como é possível observar no gráfico 29, as operações pós-embarque, à

exceção dos anos 2000, 2001 e 2004, representam a menor parte dos recursos

operados pelo Exim.

0

2.000.000

4.000.000

6.000.000

8.000.000

10.000.000

12.000.000

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

Agropecuária, Ind. Extrativa eOutros Serviços

Serviços de Construção

Equipamentos de Transporte

Outros Máquinas eEquipamentos

Insumos Básicos

Outros Manufaturados

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382

Gráfico 29 – BNDES Exim pré e pós-embarque (US$ bilhões convertidos nas datas do desembolso)

Fonte: Guimarães et al. (2014, p. 59)

Na modalidade Pré-Embarque, o crédito é concedido na fase de produção da

mercadoria a ser exportada como um adiantamento de recursos para aquisição de

fatores de produção. O dinheiro é repassado via agente financeiro - em geral bancos

com os quais o exportador já mantém relacionamento. Na modalidade Pós-

Embarque, o crédito é concedido na fase de comercialização da mercadoria. Pelos

motivos já explicados, as informações mais detalhadas serão, a partir de agora,

baseadas unicamente na modalidade pós-embarque.

Quanto ao mutuário do empréstimo, a operação poderá ser via supplier’s

credit (crédito ao exportador) - o crédito é direcionado ao vendedor da mercadoria

exportada (uma espécie de refinanciamento, uma vez que o exportador utiliza seu

financiamento para financiar o comprador da mercadoria); ou poderá ser via buyer’s

credit (crédito ao importador) - quanto ao crédito fornecido ao comprador do produto

ou serviço. Sobre os valores das operações, eles são somente fornecidos quando se

tratam de operações de exportação de serviços de engenharia posteriores ao ano de

2002. Para todas as demais operações não foi possível ter acesso aos valores

desembolsados por operação.

É possível observar, no gráfico 30, que as operações deste produto na

modalidade pós-embarque apresentaram significativas mudanças de perfil ao longo

dos anos. Apesar de ter diminuído significativamente o número de operações

realizadas, os valores totais desembolsados anualmente não acompanharam tal

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383

diminuição – o que demonstra que houve uma concentração de recursos em uma

quantidade e diversidade menor de operações e de empresas beneficiadas.

Gráfico 30 - Total de operações realizadas no produto BNDES EXIM Pós-embarque (1998 – 09-2014)

Fonte: BNDES. Elaboração própria (2015).

Gráfico 31- Total desembolsado pela BNDES através do produto BNDES EXIM Pós-embarque (valores correntes)

Fonte: BNDES. Elaboração própria (2015)

É possível observar no gráfico 30 que, entre os anos de 1998 a 2001,

somente 0,46% das operações eram destinadas a obras de infraestrutura, e os

contratantes destas obras foram Equador (6), Paraguai (2), Uruguai (1) e Venezuela

(1). Nos respectivos períodos de governo, estas operações de exportação de

serviços de engenharia representaram 3,04%; 45,3% e 29,8% das operações. Estas

são operações que movimentam uma quantidade maior de recursos, o que explica

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384

que o volume de dinheiro movimentado pelo banco na modalidade pós-embarque

não tenha diminuído, apesar da queda no número geral de operações.

Entre os grupos empresariais mais favorecidos pelas exportação pós-

embarque, também é possível verificar uma mudança importante. Ao longo de todo o

período, entre 1996 e março de 2014, as empresas que mais tiveram operações de

exportação aprovadas pelo BNDES foram, respectivamente: Romi S.A.; Embraer;

Marcopolo; Volvo; Carteplar; Valtra; Scania; Kepler Weber; Random; Agco e,

somente em 11º posição, a Odebrecht. Contudo, se for analisado somente o

período a partir do ano de 2003, será possível observar maior presença das

construtoras no ranking: Romi S.A., Embraer S.A., Odebrecht S.A., Scania;

Andrade Gutierrez; Máquinas Agrícolas Jacto, Queiroz Galvão; Volvo, Carnevalli,

Polimáquinas e John Deere (imagem x). Assim, é possível observar a significativa

importância de grupos nacionais de engenharia civil, além de filiais de grupos

multinacionais no setor de bens de capital de transporte. As únicas exceções são a

presença constante da Romi S.A. e da Embraer S.A. A primeira é uma empresa de

bens de capital de origem privada, e a segunda é uma empresa de produção de

aviões de origem estatal, privatizada em 1994 (gráfico 32).

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385

Gráfico 32 – Operações realizadas pelo Produto BNDES-Exim Pós-embarque por empresa

Fonte: BNDES, com elaboração da autora (2014).

No gráfico 32, é possível observar quais foram as empresas que mais

receberam recursos do banco para exportação pela linha pós-embarque. A Embraer,

em primeiro lugar, seguida por 4 empresas do ramo empreiteiro, depois por uma

empresa de bens de capital e, em 7º e 8º lugar, duas empresas do ramo de

transportes (ônibus e caminhões).

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386

Gráfico 33 - Desembolsos do BNDES de acordo com a empresa entre 2008 e 2014 (US$)

Fonte: BNDES, com elaboração da autora (2014).

Segundo entrevistas com funcionários do BNDES do Departamento de

Internacionalização, uma série de fatores influenciaram tais mudanças nas

operações pós-embarque, mas ambos colocam o peso maior de suas explicações

na perda de competitividade de determinados segmentos empresariais e na

consequente diminuição da demanda de operações por parte destas empresas:

Entrevistado 1: [...] a redução do número de operações eu explico em relação a uma série de operações que eram feitas e deixaram de ser, não porque o BNDES quis, mas porque as empresas deixaram de recorrer ao BNDES, o que para nós significa a perda de competitividade por parte destas empresas. [...]no passado, nós fazíamos muitas operações de menor monta e de prazo mais curto, vinculadas à exportações isoladas de bens de capital, o que no momento, de três ou quatros anos pra cá, o número de demanda diminuiu muitíssimo. 268

Como exemplo, foi citada a demanda por parte de empresas de material de

transporte e equipamento agrícola, que eram operações de menor porte (entre 10 a

268

Entrevista realizada em 12 de maio de 2015.

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387

50 milhões de dólares) destinadas à exportação para a América Latina. Na década

de 90 e início dos anos 2000, estas operações eram abundantes e hoje representam

um segmento que raramente demanda empréstimos ao BNDES. Este seria um

exemplo de segmento que perdeu competitividade por diferentes razões: logística,

custo de produção, custo de financiamento de produção, expectativa por parte dos

importadores em relação a níveis de qualidade, etc. A competitividade por parte do

Brasil teria ficado complicada para itens de alto valor agregado, como bens de

capital, máquinas e equipamentos de forma geral.

Esta mesma opinião é compartilhada por um entrevistado que compõe o

quadro do BNDES, entrevistado269 por Lavinia Barros de Castro para a elaboração

de artigo intitulado História do planejamento do BNDES (1983-2014): lições e

questões.

As operações de Pós-Embarque se tornaram mais complexas em termos de estruturação financeira, garantias e diferentes jurisdições [...]. Nossos pares também fazem financiamentos cada vez mais complexos (...) As exportações foram ficando cada vez menores em relação ao tamanho do Banco – até porque o Banco cresceu muito. Chegou a ser 30% em meados dos anos 1990, hoje é 8%. Além disso, a carteira vai ficando madura e começa a ter os primeiros defaults (não temos o mesmo poder de barganha no exterior) e a recuperação de crédito é mais difícil (...) O interesse se torna menor (...) Tem também as questões da competitividade da própria economia (...) Bens de capital para a América Latina, por exemplo, praticamente não fazemos mais (Entrevistado F) (CASTRO, 2014, p. 262 – 263 – grifo nosso).

Em contrapartida, como já foi indicado, as operações voltadas para a

exportação de serviços de engenharia e construção de infraestruturas no exterior

passaram a ter maior destaque. Segundo o Ministério das Relações Exteriores do

Brasil, entre 2003 e agosto de 2011, o Governo brasileiro aprovou garantia de

crédito para cerca de 100 financiamentos do BNDES voltados a projetos de

infraestrutura em diversos países da América Latina e do Caribe, totalizando cerca

de US$ 14 bilhões. Como já foi apontado, a execução destas obras está amarrada,

necessariamente, à exportação de serviços, realizados por grandes empreiteiras

brasileiras (figura 17).

269

Para a realização do artigo, a autora entrevistou funcionários sênior ativos e assessores do Banco.

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388

Figura 17– Projetos financiados pelo BNDES na América do Sul em 2011

Fonte: Ministério das Relações Exteriores (2012).

A Folha de São Paulo, de 27 de setembro de 2009, informou que, desde

2003, o valor liberado pelo BNDES para investimentos na América Latina multiplicou

por 3000%:

Com a crescente internacionalização das empresas brasileiras e o aumento da concorrência com os asiáticos nos países vizinhos, a linha do programa BNDES-Exim para o setor saltou de US$ 42 milhões em 2002 para uma estimativa de US$ 1,26 bilhão neste ano, dos quais US$ 957 milhões já foram liberados até o mês passado. [...] Segundo levantamento da consultoria Valora, o Brasil exportou US$ 5,673 bilhões em serviços de engenharia para os países latino-americanos em 2008, que representam uma participação de 50% a 60% do mercado regional. A presença brasileira ocorre principalmente nas obras de infraestrutura de geração de energia, transportes e saneamento (FOLHA DE SÃO PAULO, 2009).

A Figura 18 mostra como se dá a distribuição espacial dos destinos das

exportações de empresas brasileiras com o apoio do BNDES. A imagem diz respeito

a quantidade de operações aprovadas. Entre 1998 e 2002, eram 15 os países de

destino das exportações, tendo esse número caído para 13 entre 2003 e 2010, e

aumentado para 16 entre 2011 e 2014. É possível ver que, se antes havia uma

significativa quantidade e variedade de empresas que exportavam com apoio do

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389

Banco, esta variedade e quantidade diminuiu com o passar dos anos, e passou a

contar sobretudo com a presença de empreiteiras nacionais, que exportam seus

serviços para países latino-americanos – principalmente Sul-americanos – e

africanos - principalmente os de colonização portuguesa. O apoio às exportações

para essas regiões começa a crescer já a partir de 2007, sendo, em termos de

valores desembolsados, o destino dominante até o ano de 2013 (gráfico 34).

Gráfico 34– Desembolsos do programa BNDES-Exim pós-embarque segundo região e setor (em US$ mil – valores correntes)

Fonte: BNDES, com elaboração da autora (2015).

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390

Figura 18– Operações do Produtos BNDES EXIM Pós-embarque por empresa, de acordo com período e país de destino da exportação (1998 – 09/2014)

Fonte: BNDES, com elaboração da autora (2015).

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391

O aumento nas operações vinculadas a serviços de engenharia ocorreu,

sobretudo, em países com os quais tem havido movimentos de alinhamento

diplomático. Isto não ocorreu por acaso. Em seu discurso de posse para o segundo

mandato na presidência da república, o então presidente Lula destacou que um dos

perfis do seu governo seria marcado por “priorizar os laços com o Sul do mundo”270.

É possível observar essa reorientação nos gráficos 35 e 36.

Gráficos 35 - Mutuários das Operações do Produto BNDES EXIM Pós embarque (quantidade de

operações)

Fonte: BNDES, com elaboração da autora (2015).

.

270

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Veja a íntegra do discurso de posse de Lula (01/01/2007).

Disponível em: <https://goo.gl/QYtkqnl>. Acesso em 01/05/2015.

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392

Se durante o governo de Fernando Henrique Cardoso somente 1% das

operações tinha como mutuários governos de outros países, esta porcentagem

aumentou progressivamente para 8,8%, 33,7% e 36,1% nos governos

subsequentes.

Em termos de valores desembolsados, na figura 23 é possível observar que a

maior parte dos recursos do Banco foi destinado para exportações com destino aos

Estados Unidos, sendo a Embraer e a Romi S.A. as principais beneficiadas. Os

mutuários destas operações são exclusivamente empresas privadas. O segundo

maior destino de recursos BNDES é a Angola. Este é um país que começou a

receber recursos do Banco somente em meados de 2007, seguindo a linha da

política externa nacional. O principal mutuário aqui é o governo de Angola, e as

empresas que lá atuam são basicamente empreiteiras – com destaque para a

Odebrecht, a Queiroz Galvão, a Andrade Gutierrez e a Camargo Correa.

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393

Gráfico 36 - Desembolsos do BNDES pelo Produto BNDES Exim, de acordo com país de destino das exportações

Fonte: BNDES, com elaboração da autora (2015).

Page 394: O LUGAR E O PAPEL DO BNDES NO DESENVOLVIMENTO …objdig.ufrj.br/42/teses/859255.pdf · Mapa 1± Infraestrutura socioeconômica ± energia nos anos 1980 ..... 156 Mapa 2- Eixos propostos

394

A Argentina é o terceiro maior destino das exportações brasileiras em termos

de desembolsos, tendo destaque as empresas de bens de capital e de engenharia.

Assim como a Argentina, a Venezuela, quarta colocada, é uma antiga parceira

comercial do Brasil, tendo inicialmente tido o setor privado como principal

demandante das importações, de produtos industriais, de logística, de engenharia e

de transportes. Nos últimos anos, o principal contratante é o governo venezuelano,

sobretudo para importar serviços de engenharia, de mineração e de bens de capital.

Muitos países que aparecem na imagem acima como principais destinos das

exportações em termos de desembolsos, não aparecem nas imagens anteriores, a

exemplo de China, Portugal, Noruega, Suécia, Alemanha, etc. Como foi explicado

anteriormente, as operações pós-embarque para além das envolvendo serviços de

engenharia, a partir do ano de 2002 não tem detalhadas algumas informações como,

os exemplo, os valores de cada operação. A figura 23 foi feita com base em dados

conjugados por país com relação a todo conjunto de operações do Exim.

Seja como for, é notória a mudança nas regiões de destino das exportações

de empresas brasileiras apoiadas pelo BNDES – o que é coerente com as reformas

no estatuto da estrutura do Banco, mencionada na introdução desta seção.

5.4.1 Financiamento à exportação de serviços de engenharia destinado a projetos de infraestrutura – a mudança mais emblemática no apoio à exportação

Para compreender o padrão das principais e mais recentes mudanças

verificadas no apoio à exportação em termos de grupos financiados, países e

mutuários no exterior, cabe fazer uma análise mais detalhada das operações de

apoio à exportação de serviços de engenharia.

Como é possível observar, entre 2003 e 2006, o BNDES apoiou a exportação

de serviços de engenharia somente em 3 países. As operações contratadas para a

República Dominicana (5) e para a Venezuela (1) tiveram os seus respectivos

governos como mutuários das operações. Entre 2003 e 05/2015, em termos de

quantidade de operações contratadas, a Argentina esteve sempre à frente dos

demais países. Contudo, em termos de valores totais desembolsados, a Angola, a

partir de 2007, encontra-se sempre em primeiro lugar. Contudo, estes países se

diferenciam no que diz respeito ao mutuário: O governo Argentino recorreu ao

BNDES somente 2 vezes (figura 19), sendo que nas demais vezes os contratantes

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395

foram empresas privadas. No caso angolano271, o Governo local foi o mutuário de

todas as demandas. Nestes casos, o BNDES repassa o dinheiro da operação

diretamente para as empresas que executarão os serviços, e o governo, que é

Buyer, assume a dívida com o Banco.

Figura 19– Contratação de serviços de engenharia (2003-2006)272

Fonte: BNDES - Transparência273

. Elaboração da autora (2015).

Figura 20– Contratação de serviços de engenharia (2007-2010)274

Fonte: BNDES - Transparência275

. Elaboração da autora (2015).

271

Cabe apontar que o apoio do Brasil às operações da Odebrecht em Angola, porém, começaram muito antes da gestão Lula. Nos anos 1980, o governo federal criou uma linha de crédito para financiar a participação da empreiteira na construção da hidrelétrica de Capanda, a maior do país. A linha de crédito brasileira para a construção de Capanda absorveu recursos superiores a US$ 1,5 bilhão (R$ 3 bilhões). Contudo, estas operações passaram a ser realizadas através do Produto BNDES-Exim, a partir do ano de 2007, com muito mais intensidade.

272 Estas imagens dizem respeito a dados recentes disponibilizados pelo BNDES. A planilha de dados não é a mesma que serviu como fonte para a figura 18 e para os gráficos 35 e 36 – também divulgadas pelo Banco em outras ocasiões.

273 Disponível em: https://goo.gl/EvZ2Xs. Acesso em 01/01/2016.

274 Idem a nota 295.

275 Disponível em: https://goo.gl/EvZ2Xs. Acesso em 21/07/2015.

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396

Figura 21 – Contratação de serviços de engenharia (2011- 05/2015)276

Fonte: BNDES - Transparência. Elaboração da autora (2015).

O aumento nas operações vinculadas a serviços de engenharia ocorreu,

sobretudo, em países para os quais a política diplomática do governo brasileiro

passou, após 2003, a dar maior importância. Isso norteou as mudanças em termos

de estrutura e de recursos do Banco, como foi dito anteriormente.

Um exemplo emblemático são as exportações para Angola. Entre Brasil e

Angola, de acordo com o documento Oportunidades de Negócios em Serviços Brasil

e Angola, realizado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio

Exterior (MIDC), em 2008, dos principais acordos firmados entre os 2 países,

somente 3 foram realizados antes de 2003. Entre 2003 e 2008 foram firmados, entre

os dois países, 16 acordos prevendo diversas ações, como é o caso do ajuste

complementar para Implementação do Programa Plurianual de Parceria Estratégica

de Cooperação Técnica Brasil – Angola (2012-2014), assinado em 2010, e cujo teor

contou ao todo com vinte e duas áreas para cooperação conjunta.

O referido estudo do MIDC apontava, já em 2008 “o indispensável apoio do

BNDES e do Banco do Brasil” para que as empreiteiras brasileiras possam recuperar

competitividade face à concorrência chinesa (MIDC, 2008, p. 25). Como exemplo, no

ano de 2012 foi firmado um acordo que previa uma linha de crédito no valor de

US$ 2 bilhões. Tal financiamento foi acordado pelo Ministério do Desenvolvimento,

Indústria e Comércio Exterior do Brasil, e foi fruto de uma da reunião do Conselho de

Ministros da Câmara do Comércio Exterior do Brasil (Camex), que apontou o

BNDES como fonte de recursos a provir as exportações brasileiras de bens e

serviços. Em contrapartida, o governo angolano comprometeu-se a manter saldo

276

Idem a nota 295.

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397

equivalente a 20 mil barris diários de petróleo em conta garantia no Banco do Brasil.

(MIDC, 2012)

Semelhante intensificação de relações diplomáticas e comerciais ocorreu

também com Gana e Moçambique.

A respeito dos países latino americanos,

De acordo com a Orientação Estratégica do Governo, o fortalecimento da integração sul-americana constitui objetivo prioritário. O Brasil busca uma integração real e efetiva da América do Sul, que propicie condições para o desenvolvimento de todos os países da região. Esse compromisso tem permitido uma intensificação do diálogo político, do comércio e da cooperação entre os países sul-americanos. (...) Uma política pró-integração, solidária com os parceiros sul-americanos, corresponde ao interesse nacional de longo prazo. O Brasil respeita as escolhas de seus vizinhos e não interfere no direito soberano de cada país de encontrar soluções para os problemas que enfrenta. Está, do mesmo modo, disposto a colaborar para ajudar países amigos em situações de crise política ou social, sempre que chamado e na medida de suas possibilidades. (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2007 – grifo nosso).277

Foi nesse contexto que se pôde perceber também uma mudança no perfil dos

mutuários das operações do BNDES Exim.

As contratações realizadas por governos dos países são, em sua grande

maioria, referentes ao apoio a realização de obras de infraestrutura e, como em

qualquer outra operação financiada pelo BNDES EXIM, o único condicionante, além

da análise de crédito, é que uma empresa nacional seja contratada. Por isso, o

Banco argumenta que não financia a construção de obras de infraestrutura no

exterior, e sim a exportação de bens e serviços por parte de empresas nacionais.

O BNDES tornou-se, portanto, um instrumento importante para a política

externa nacional. Diferentemente com o que ocorre com países como Estados

Unidos, Espanha, Canadá e México, as exportações para Cuba, Venezuela,

República Dominicana e países africanos passaram progressivamente por serviços

de engenharia e com os importadores destes serviços sendo predominantemente os

governos dos respectivos países. No caso dos serviços de infraestrutura realizados

por empresas brasileiras no exterior, em cerca de 82% das operações os

277 Orientação estratégica do Ministério das Relações Exteriores, Plano Plurianial 2008-2011. Brasília,

4 de maio de 2007.

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398

importadores são “buyers” – ou seja, a dívida é assumida pelo importador, e o

dinheiro é repassado diretamente para a empresa exportadora.

Diferente de outras instituições de fomento, como o FMI e o BIRD – o BNDES

se baseia em critérios objetivamente econômicos, restritos às operações, para

conceder ou não os empréstimos. Não há condicionantes extra-operacionais que

não sejam, é lógico, o pagamento da dívida e a importação de produtos ou serviços

brasileiros. Portanto, os governos que recorrem ao BNDES não precisam se

comprometer a implementar políticas econômicas consideradas “sólidas” e

“responsáveis” segundo critérios exógenos. Não há interferência por parte do

BNDES na política interna dos países. Como anunciado no Plano Plurianual 2008-

2011, do Ministério das Relações Exteriores, há o respeito à soberania do país em

decidir sobre os rumos de suas políticas públicas. Para os países que recorrem a

empréstimos, esta é uma medida não monetária que pode ter alto valor.

No caso das operações de apoio à exportação de serviços de engenharia da

América do Sul, cabe apontar o alinhamento do Banco como uma das principais

agências financiadoras da IIRSA.

A retórica Estatal tem qualificado as obras de infraestrutura vinculadas à

IIRSA (e ao Programa de Aceleração do Crescimento, no Brasil), entre outras, como

propulsoras do desenvolvimento sul-americano. A IIRSA surgiu como uma estratégia

de integração física na América do Sul para inserir a região competitivamente na

economia mundial. Apesar de sair do papel no ano 2000, sua origem teórica se

encontra em dois estudos: o Infrasctruture for Sustainable Development and

Integration in South America278 e o Estudo sobre Eixos Nacionais de Integração e

Desenvolvimento. Estes estudos privilegiam a integração física de infraestruturas

voltadas para o fluxo de mercadorias e o escoamento de produção (PORTO-

GONÇALVES, 2011, p. 12).

A IIRSA nasceu na primeira Reunião de Presidentes da América do Sul, que

foi realizada em Brasília, no mês de agosto do ano 2000. Os líderes presentes na

reunião acordaram em promover ações conjuntas para que houvesse um avanço

nos processos de integração física, política, social e econômica da América do Sul.

Tiveram destaque nos planos para esta integração a modernização da infraestrutura

278

Este estudo foi realizado em 1996, por Eliézer Batista da Silva, para a Corporação Andina de Fomento, a Companhia Vale do Rio Doce, o Business Council for Sustainable Development Latin America, o Bank of America e a Companhia Auxiliar de Empresas de Mineração.

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399

regional e outras ações de caráter mais específico, de modo a promover a

integração e o desenvolvimento de regiões mais afastadas e isoladas (IIRSA,

2009a). A carteira consensuada implicava em mais de 500 projetos de infraestrutura

de transporte, energia e comunicação, organizados em “eixos de integração e

desenvolvimento” (EIDs).

É comum nos depararmos com trabalhos que consideram o território como

tendo um status similar ao de uma firma na teoria neoclássica, como uma unidade

que toma decisões autônomas, realizando a mais racional e eficiente combinação de

fatores. Esta abordagem é característica de instituições que tratam países e

continentes como sendo um bloco homogêneo em suas intencionalidades, e

negando, através de suas práticas, a diversidade de territorialidades que existem em

seu interior (e suas respectivas escalas) - a exemplo do que acontece com a

IIRSA/Cosiplan/Unasul279.

Ao analisar o quadro sobre as intencionalidades dos Eixos de Integração da

IIRSA, vê-se que todos estes eixos são motivados por ações de exploração

intensivas em território. Estes processos são intolerantes com entes que se

relacionam com o território de forma a não mercantilizá-lo (figura 22).

279

A União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) reúne os doze países da América do Sul e foi criada a partir de um Tratado Constitutivo firmado em maio de 2008, em Brasília. Um de seus Órgãos integrantes é o Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN). A IIRSA atualmente está sob a coordenação do COSIPLAN/UNASUL.

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400

Figura 22– Intencionalidade dos Eixos de Integração da IIRSA

Fonte: Adaptado de Diplomatique e de IIRSA (http://www.iirsa.org).

O BNDES vem atuando no âmbito da IIRSA fomentado grandes obras de

infraestrutura nas quais, necessariamente, grandes empreiteiras brasileiras são

contratadas. Este é um meio através do qual o Banco acaba apoiando o

fortalecimento de empresas e a formação de players globais com capacidade de

internacionalização. Como apontam Ghibaudi e Hirt (2016), a estratégia de

internacionalização adotada pelo BNDES tem sido alvo de crítica por parte de

intelectuais críticos e de movimentos sociais, que argumentam que tal estratégia

favorece grandes grupos ligados a serviços de engenharia e à produção de

commodities, em prejuízo das comunidades nativas e as economias locais,

notadamente na América do Sul (GARCIA, 2011 e 2012; INSTITUTO ROSA

LUXEMBURG STIFUNG, 2009).

Segundo esta vertente crítica, os grandes projetos de infraestrutura (como os

que compõem a pasta de intenções da IIRSA) estariam fortalecendo iniciativas

intensivas em território e aprofundando o papel primário exportador dos países

latino-americanos. Para autores como Virgínia Fontes, o Brasil faz parte de um

“grupo desigual dos países capital-imperialistas, em posição subalterna. Como o

último dos primeiros, em situação tensa e instável, depende de uma corrida

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401

alucinada de concentração de capitais que, a cada passo, escancara crises sociais

dramáticas” (FONTES, 2010, p.359).

Segundo os acordos da IIRSA, os governos financiarão 62,3% dos projetos, a

iniciativa privada bancará 20,9%, enquanto o restante virá de instituições financeiras,

como o BID, a Corporação Andina de Fomento (CAF) e o Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Além de facilitar o acesso a novos espaços para o processo de acumulação,

facilitando a mobilidade geográfica do capital sob a discurso de integração, como

será apresentado nos exemplos selecionados abaixo, a IIRSA acaba também por

promover o que Harvey (2005) chama de coerências estruturadas, engendrando

novas formas e tecnologias de produção, novos padrões de utilização de recursos,

de consumo, de tipos de demandas, etc., enfatizando a divisão internacional do

trabalho em lugar da divisão localmente integrada. Assim, a interdependência inter-

regional prepondera frente à coerência regionalmente definida, alterando e por

vezes criando hierarquias, solapando consciências e culturas regionais.

Um dos eixos da IIRSA apoiados pelo Governo brasileiro através do BNDES é

o Eixo de Capricórnio (figura 23), onde o elemento articulador será o transporte

intermodal, com destaque para as ferrovias.

Figura 23- Corredor ferroviário bioceânico

Fonte: Ministério das Relações Exteriores (2012)

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402

De acordo com entrevistas realizadas pelo Ministério de Planejamento,

Orçamento e Gestão (representante da IIRSA no Brasil) com 17 instituições públicas

e privadas280, os principais setores beneficiados com as obras neste eixo serão os

de Laminados, Celulose e papel e, principalmente, soja.

Nas últimas décadas tem aumentado a demanda por terras para o

agronegócio. Contudo, a efetiva diminuição dos preços dos produtos agrícolas deu-

se pela expansão do latifúndio capital intensive, e pela anulação da renda diferencial

por localização, possibilitada pela expansão das redes de transportes e dos avanços

da logística (PORTO-GONÇALVES, 2006). Assim, a incorporação de grandes

extensões de terras, principalmente para a produção de grãos, é fundamental para

as grandes empresas do agronegócio. Isso fica claro quando observamos os dados

do Censo Agropecuário de 2006: enquanto os estabelecimentos rurais de menos de

10 hectares ocupam menos de 2,7% da área total ocupada pelos estabelecimentos

rurais no Brasil, os estabelecimentos de mais de 1.000 hectares concentram mais de

43% da área total. O Censo do IBGE para 2006 mostrou uma concentração de

terras superior aos índices apurados nos anos de 1985 e 1995.

Grandes estabelecimentos rurais costumam ser destinados à produção de

commodities e não de alimentos destinados a abastecer a demanda interna do país

– o que pode colocar em risco a segurança alimentar em alguns países. Segundo

levantamentos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), houve retração

na área plantada de feijão tanto na safra semeada no segundo semestre de 2012

(de 7,2%), quanto na segunda safra - plantada no primeiro trimestre de 2013 (-

9,5%). Segundo Hélio Sirimarco – vice-presidente da Sociedade Nacional da

Agricultura -,

o que ocorre com o feijão também está acontecendo com o milho. A safra de verão do milho, que era a maior, hoje está diminuindo de área a cada ano. Já a safra de inverno – a safrinha – vem aumentando sua área também a cada ano, até porque não sofre com a concorrência da soja. [...] A redução da área plantada de feijão, um dos itens mais essenciais e preferidos do consumidor brasileiro, pode

280

Instituições entrevistadas: Itamaraty, MAPA - Secretaria de Política Agrícola, Associação Nacional dos Usuários de Transporte de Carga, BNDES, MAPA - Secretaria de Relações Internacionais, CNT, ABDIB, Federação das Indústria do Estado do Paraná, Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina, DER/PR, FERROESTE, Secretaria Especial de Portos, MDIC, Ministério dos Transportes, Receita Federal do Brasil, SINDIPEÇAS e ABDI.

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403

levar a um aumento substancial nos preços do grão nas prateleiras dos estabelecimentos comerciais varejistas.281

Com a diminuição da produção de feijão no Brasil, a alternativa é importar

feijão do tipo "pinto beans", produzido pelos Estados Unidos. Contudo, os

importadores brasileiros terão que disputar com outros países. Além disso, também

deve haver importação de feijão da China (o maior comprador da soja brasileira).

Recentemente a Câmara de Comércio Exterior (Camex) zerou os impostos que

incidiam sobre a importação do feijão - alimento presente na cesta básica do

brasileiro – como forma de incentivo à entrada do alimento e na tentativa de que os

preços caiam (ESTADÃO, 2013)282.

Outro exemplo de projeto da IIRSA executado por empreiteiras brasileiras é o

Corredor Viário Interoceânico Sul – Peru/Brasil (figura 24), entre Peru, Bolívia e

Brasil. Este corredor é dividido em cinco trechos, que totalizam cerca de 2.500

quilômetros: 1) Puerto de San Juan de Marcona a Urcos (763 quilômetros); 2) Urcos

a Ponte Inambari (246 quilômetros); 3) Ponte Inambari a Iñapari (403 quilômetros);

4) Ponte Inambaria a Azángaro (306 quilômetros); 5) Azángaro-Matarani (752

quilômetros). Três são construídos pela Odebrecht com sócios peruanos: o maior

contrato, no valor de US$ 1 bilhão – equivalente a R$ 1,6 bi - foi executado por um

consórcio liderado pela baiana Odebrecht, que construiu e administrará o trecho

entre o Acre (Brasil) e Cuzco (Peru) por 20 anos. Um é executado pela peruana

Hidalgo e Hidalgo SAC; e o trecho 4 é feito pela Intersur Concesiones SAC (formada

pelas brasileiras Camargo Correa, Andrade Gutiérrez e Queiroz Galvão). A obra,

que custava inicialmente US$ 527 milhões, subiu para US$ 890 milhões após a

Intersur Concesiones SAC (Camargo Correa, Andrade Gutiérrez e Queiroz Galvão)

ser aprovada. Durante a construção do trecho 4 da rodovia, que interliga Inambari

(Madre de Dios) e Azangaro (Puno), inúmeras são as denúncias de irregularidades

no que diz respeito ao cuidado técnico e humano e de proteção ao patrimônio

arqueológico (UGAZ, 2009). Só nos arredores de Cuzco são sete os sítios

arqueológicos, repletos de referências pré-colombianas.

281

SNA/RJ. Produtor de soja ganha com redução de áreas de outros grãos no País (09/08/2015). Disponível em: <http://sna.agr.br/produtor-de-soja-ganha-com-reducao-de-areas-de-outros-graos-no-pais/>. Acesso em 05/10/2015

282 ESTADÃO. Governo zera imposto de importação do feijão (24/06/2013). Disponível em:< http://economia.estadao.com.br/noticias/economia-brasil,governo-zera-imposto-de-importacao-do-feijao,157424,0.htm>. Acesso em 29/06/2013.

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404

Mapa 9 - Corredor Viário Interoceânico Sul – Peru/Brasil

Fonte: MTC (Peru), com adaptação da autora. Disponível em: https://goo.gl/9tdHWY.

No ano de 2010, foi incorporada à obra a ponte Presidente Guillermo

Billinghurst, no trecho 3, que une Porto Maldonado com a aldeia de El Triunfo, na

região de Madre de Dios, no sul do Peru.

Ao custo de US$ 32 milhões - a estrutura metálica de 722,9 metros de

extensão e altura equivalente a de um prédio de 25 andares - a ponte era o passo

que faltava para concluir um negócio que começou a ser discutido em 2000, durante

a Cúpula dos Presidentes da América do Sul.

Com o fim das obras de construção desta ponte sobre o rio Madre de Dios, a

abertura do espaço amazônico ao mercado mundial é irreversível, uma vez que a

ideia motor deste eixo é a de ser um corredor de commodities. Desde a inauguração

da ponte, carretas brasileiras carregadas com milho produzido no Mato Grosso

(Brasil) começaram a desembarcar em Puerto Maldonado, e comboios da

Volkswagen vindos de Resende, no Rio de Janeiro, estão cruzando a Transoceânica

para abastecer o mercado de caminhões do Peru e Equador. Ao mesmo tempo, o

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405

Peru já começou a exportar pedra, passando por Rio Branco, no Acre (JORNAL DO

COMÉRCIO, 2011)283.

As transformações já são perceptíveis para as populações em questão.

Aproximadamente todos os indígenas passaram a possuir aparelhos de celular

depois que o fluxo de turistas aumentou - cerca de 340 turistas transitam por lá

todos os meses. Além disso, as atividades de mineração são tema de grande

preocupação, uma vez que o acesso facilitado às áreas, até então de difícil acesso,

poderá trazer grandes impactos ambientais.

Em suma, verifica-se que territórios que até agora não estavam totalmente

englobados por lógicas de produção capitalista passaram a ser capturados, seja no

sentido de exploração da natureza - que passa a ser extensivamente encarada

como recurso e mercantilizada - seja no sentido de forjar e ampliar o mercado

consumidor e adequar estilos de vida sob o “mantra” da modernidade e

prosperidade.

Outra obra emblemática aconteceu na Bolívia, em 2011, quando populações

indígenas paralisaram as obras de uma estrada que atravessaria um território

indígena TIPNIS (figura 25). Esta não é uma obra da IIRSA, mas essa estrada forma

parte da conexão entre o Eixo Brasil-Chile e o Eixo Brasil-Peru, que fica mais ao

norte e une Porto Velho e Rio Branco com os portos peruanos. Neste caso

específico, esta não parece ser só mais uma estrada para integração dos corredores

bioceânicos. Antes disso, ela é uma ligação do próprio país consigo mesmo.

Atualmente, a província de Beni só tem acesso ao resto do país através de Santa

Cruz. O governo boliviano argumenta que toda sua produção pecuária tem que

passar por esta província antes de chegar a outros mercados - o que dá aos

cruceños o poder de atravessadores e encarece o produto final.

É também em Santa Cruz que se localiza grande parte da oposição a Evo

Morales. A conexão de Beni ao resto do país ajudaria a quebrar esses laços e

diminuir a importância de Santa Cruz no cenário nacional. Então, com a estrada

passando pelo Parque TIPNIS, e Beni não estando mais necessariamente “presa” à

Santa Cruz, os interesses desta província estariam prejudicados. O apoio à marcha

283

JORNAL DO COMÉRCIO - Rodovia liga o Brasil ao Pacífico na costa do Peru: Projeto para a construção da ligação por terra entre os oceanos Atlântico e Pacífico envolveu um ambicioso acordo firmado entre os 12 países da América do Sul. (11/08/2011). Disponível em: http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=69917. Acesso em 06/04/2014.

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406

dos indígenas veio não por acaso das frentes cruceñas, e a oposição a Morales tem

se aproveitado muito do conflito para se cacifar. Contudo, é difícil imaginá-la capaz

de manter uma aliança mais duradoura com os indígenas, quando este conflito

estiver terminado (CUNHA FILHO, 2011).

Figura 24–Localização da estrada que passaria pelo Parque Nacional Isiboro Sécure.

Fonte: Pagina 12 (Argentina), com adaptação da autora. Disponível em: https://goo.gl/PKS29g.

Além disso, outros interesses envolvem a região. O Brasil havia se

comprometido em financiar a obra, através do BNDES, com um crédito de U$ 332

milhões, e a empresa brasileira OAS era a responsável pelo trecho em questão. Se

a obra tivesse seguido adiante, a estrada poderá dar acesso a campos de petróleo e

de gás natural, além de facilitar a expansão da agricultura cocaleira em áreas até

então preservadas.

Caso intensifiquem-se as pressões para expansão da área produtiva, isso

colocará em choque territorialidades muito distintas, o que poderá trazer efeitos

devastadores não só para os grupos sociais afetados, mas para o meio ambiente em

questão.

Existem indícios de que isto possa ocorrer, pois a área sudeste do parque tem

sido ocupada por cocaleiros desde a década de 1970, e acabou sendo separada do

território indígena oficial em 2009. Isto desenfreou um processo de assimilação de

comunidades indígenas que viviam dentro da área ocupada por esta nova atividade

econômica. Dos indígenas que lá permaneceram, alguns passaram a trabalhar para

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407

os cocaleiros. Visto que a rota planejada para a estrada cortaria essa área e

avançaria pelo parque nacional, pode-se prever que os cocaleiros usariam esta

estrada. Além disso, muitas vezes a coca é utilizada como primeira atividade mais

rentável, sendo substituída com o tempo por outros cultivos - a exemplo do que

acontece no Brasil, com a derrubada de vegetação nativa para dar lugar à pecuária

extensiva, seguida por cereais - com destaque para a soja.

Além disso, dentro da área do parque, já houve a concessão de direitos de

exploração de petróleo e gás à Petrobras e à YPFB Petroandina SAM, o que ocorreu

sem que o governo boliviano consultasse a população.

Isto posto, é importante frisar que os indígenas do TIPNIS não são contra

uma estrada que faça a ligação do território boliviano consigo mesmo, interligando

províncias e diminuindo a interferência de oligarquias regionais. Os indígenas são

contra o traçado que corta o TIPNIS ao meio. Atualmente existem projetos de baixo

impacto ambiental e autogeridos (acompanhados pelo governo boliviano)

envolvendo manejo florestal, atividades turísticas e criação de lagartos. Caso a

estrada tivesse sido construída, o controle de tais atividades pelas populações

provavelmente seria ameaçado. Isso fica evidente na figura 26:

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408

Figura 25– Benefícios econômicos a serem explorados no TIPNIS

Fonte: La Razon (Bolívia). Disponível em: <https://goo.gl/ZP6MMA>

Nota-se que na retórica dos que incentivam a exploração econômica da

reserva, grandes interesses econômicos como o da exploração de petróleo e

expansão do cultivo de coca não são mencionados.

Este episódio traz novamente à tona a importância do entendimento acerca

da territorialidade não só do capitalismo, mas das populações. No documento

intitulado “Carta Aberta aos Senhores Álvaro Garcia Linera e Evo Morales Ayma”,

Carlos Walter Porto-Gonçalves (2011) lembra do enunciado da população

camponesa na província de Pando, também na Bolívia: “no queremos tierra,

queremos território”.

Permitir intervenções em terras indígenas seria negar o território dos mesmos.

De nada adianta a existência de reservas indígenas se seu território, seus hábitos,

sua cultura e sua vida são violados. Com isso, volta-se à contribuição de Jessop

(2014), que aponta que a retórica política do “interesse comum” é ilusória, uma vez

que a definição das estratégias tanto do BNDES como dos agentes que orbitam ao

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redor do aparato estatal ocorrem em um terreno seletivo e, como sugere Jessop

(2014), implica a articulação diferencial e a agregação de interesses, opiniões e

valores dos agentes que são dominantes neste terreno. O interesse comum e a

vontade geral são sempre assimétricos. Por mais que tenham ocorrido algumas

transformações no perfil das operações do BNDES, sendo este um instrumento

importante na política diplomática nacional, é evidente que os interesses que não se

adequam ao modo capitalista de produção estão à margem.

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410

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo desta pesquisa buscou-se discutir o lugar e o papel do BNDES nas

estratégias de desenvolvimento no Brasil. Para isso, foi importante realizar um

resgate acerca das teorias sobre Estado que contribuíram tanto para a compreensão

do BNDES enquanto instituição que pertence ao aparato estatal, quanto para a

definição da metodologia de pesquisa e da estrutura evolucionária que foi adotada

na apresentação final neste trabalho.

Como apontado no capítulo 1, o debate sobre as perspectivas estruturalista,

relacional e a relacional estratégica, foi como percorrer os caminhos desta pesquisa

desde o princípio. Este debate permitiu entender a necessidade de analisar o Banco

para além dos resultados de suas operações e para além de um recorte escalar

espacial ou temporal específico. Para analisar o lugar e o papel do BNDES nas

estratégias de desenvolvimento nacional hoje, entendeu-se ser necessária uma

apreciação histórica das relações e estratégias intra e extra-institucionais, em uma

abordagem que buscou identificar e analisar as transformações no alcance e no

perfil das ações do Banco ao longo dos anos. Só assim foi possível entender a

instituição na atualidade, e dimensionar a capacidade do BNDES de se articular e

intervir transescalarmente para promover estratégias de desenvolvimento.

O BNDES foi criado na década de 1950, em um período em que, após a

eleição de Vargas, houve diversas iniciativas para engendrar uma centralização

político-administrativa nas mãos do governo federal e promover uma estratégia de

desenvolvimento pautada pela industrialização. Havia, na verdade, distintas

estratégias de industrialização e desenvolvimento disputando dentro do governo,

que eram divididas, de forma geral, entre as correntes neoliberal, desenvolvimentista

do setor privado, desenvolvimentista do setor público, não nacionalista e

desenvolvimentista público nacionalista.

O BNDES nasceu vinculado principalmente à corrente desenvolvimentista do

setor privado, de viés não nacionalista - característica da CMBEU. Esta comissão

tinha como objetivo criar condições favoráveis ao desenvolvimento e aos

investimentos privados, nacionais ou estrangeiros, e fomentar oportunidades para o

empresariado, sem necessariamente elaborar um amplo plano de desenvolvimento

ou uma política de industrialização.

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411

O BNDES nasceu contando com autonomia administrativa e considerável

independência na aplicação dos recursos financeiros que viria a gerenciar. Ao

mesmo tempo em que se tornou um importante canal de captação de recursos

externos, tornou-se também uma importante instituição de fomento a investimentos

produtivos.

Contudo, diante da influência de uma corrente mais nacionalista dentro do

Banco e do próprio governo federal, que contrariava o programa formulado pela

CMBEU, a instituição viu-se progressivamente esvaziada de recursos, uma vez que

os aportes internacionais foram progressivamente diminuindo entre 1952 e 1958.

Diante deste quadro de adversidades e de um crescente viés estruturalista

nacional-desenvolvimentista (reforçado principalmente pelo acordo de cooperação

CEPAL-BNDE, sob responsabilidade de Celso Furtado), o BNDES foi se

constituindo como um importante think tank, exercendo significativa influência na

formulação e execução de políticas públicas de desenvolvimento.

Em sua primeira fase, os recursos do BNDE foram destinados

significativamente à infraestrutura nacional (principalmente transporte e energia).

Com o Plano de Metas (1956-1961), elaborado sob forte influência do Banco, deu-se

início a um período de industrialização pesada no Sudeste. Desde este período, o

BNDE já destinava a maior parte dos recursos para esta região, o que foi levemente

minimizado no ano de 1963, nas orientações do plano trienal elaborado por Celso

Furtado.

Neste primeiro ciclo desenvolvimentista, preponderava o ideário

desenvolvimentista, que apostava na transformação da sociedade brasileira via um

projeto econômico voltado à industrialização integral. Visava-se a superação da

pobreza e do subdesenvolvimento, que seria alcançado por meio do planejamento

Estatal, através do qual foram definidas as expansões setoriais e os instrumentos de

promoção dessa expansão.

Além de captar recursos financeiros e atender às demandas do setor privado,

o BNDES teve um forte papel idealizador, formulador e executor ao longo deste

período, promovendo investimentos em setores considerados estratégicos, e

apoiando, sobretudo, a atuação do setor público – que foi o principal destino dos

recursos do Banco até o ano de 1967. Esta participação do setor público nos

desembolsos do banco começou a perder espaço para o setor privado a partir do

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412

ano de 1964, mesmo ano apontado como início de um novo ciclo do período

desenvolvimentista, com viés mais liberalizante.

O resultado prático espacial do ideário de desenvolvimento levado à cabo

pela industrialização estatalmente induzida foi a consolidação de uma diferenciação

territorial e estrutural-qualitativa sem precedentes, com as novas atividades

produtivas da indústria – sobretudo de bens de capital, de bens de consumo

duráveis e de bens intermediários indo se instalar no Sudeste - concentradas em

São Paulo. Isso ocasionou uma divisão regional da produção que atingiu todas as

regiões, exceto no Norte, que manteve-se relativamente imune em função da parca

integração em termos de malhas de transporte. Atém disso, este foi um período em

que foram agravadas as tensões de classe e as situações de acumulação primitiva e

de sobre-trabalho. Como mostra a história, ao final deste primeiro ciclo, o país não

logrou implementar reformas estruturais. Não foram promovidas transformações nos

ambientes político, econômico e social que conduzissem o país a uma rota de

diminuição das desigualdades sociais e dos desequilíbrios regionais.

Em meados da década de 1960, após o Golpe Militar de 1964, houve a

criação do EPEA, do Banco Central, a elaboração do PAEG e a retórica liberalizante

da reforma bancária, o fim do Fundo de Reaparelhamento Econômico (principal

fonte de recursos do BNDES até então) e a presença de Roberto Campos no

Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica (ao qual o BNDES era,

naquele contexto, subordinado). Além disso, nos setores em que o Banco tinha

maior influência (siderurgia e energia elétrica), as empresas estatais passavam por

um processo de transformação, ampliando sua capacidade de autofinanciamento e

criação de holdings setoriais.

Este conjunto de fatores tornaram o cenário adverso para as facções internas

do BNDES, que acreditavam que o Banco deveria desempenhar um papel

propositivo na condução do desenvolvimento, e que ainda tinha um importante papel

a cumprir no apoio aos investimentos produtivos e ao crescimento econômico (com

destaque para as frações que compunham a cúpula da instituição e de parte do

quadro técnico).

Neste cenário, o Banco estendeu sua zona de atuação para o setor privado,

que passou a ser o principal destino dos recursos do Banco a partir de 1968, sendo

inclusive apontado como uma espécie de demiurgo do empresariado nacional por

Luciano Martins (1985).

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O BNDE teve papel importante para o desempenho do I e do II PND, apesar de

deter recursos limitados, sobretudo até 1973, quando conseguiu deter o controle do

PIS/PASEP, mesmo ano em que ocorreu o choque do petróleo e que marcou o fim do

“milagre econômico”. O desenvolvimentismo deste segundo ciclo não logrou melhorar

as condições de vida da classe trabalhadora. Ao contrário, houve significativos

retrocessos, como a queda do salário real, o aumento da concentração de renda e a

piora da qualidade de vida nos grandes centros urbanos.

Neste período, o Banco se fortaleceu e direcionou o FINAME e o FUNTEC para

os esforços de concentração e inovação. Além disso, alinhado com a política do

governo de dar primazia ao setor privado sem, contudo, se ausentar do setor produtivo,

o BNDES idealizou e criou três subsidiárias voltadas para as participações acionárias

em diversas empresas. Em 1976, ele também criou o Fundo de Estimulo ao

Desenvolvimento do Mercado de Capitais (PROCAP), que objetivava ofertar

financiamentos para subscrições de ações, aumentando as possibilidades de o banco

incentivar setores considerados estratégicos. Neste contexto, o Banco idealizou,

concretizou e difundiu, dentro do Estado, ideias liberalizantes - o que mostra o poder

de facções de tal alinhamento ideológico dentro da instituição.

Entre os anos 1980 e 1990, o Brasil passou por profundas mudanças na

agenda pública nacional – sobretudo no que diz respeito às orientações políticas e

econômicas. Na primeira metade da década de 1980, durante um processo de

planejamento estratégico do BNDES, houve uma iniciativa de reforçar o esprit de

corps da instituição – uma estratégia nada trivial para manter a instituição sólida e

forte num contexto de instabilidade política e econômica no Brasil. Apesar de as

estratégias com supremacia dentro da instituição apontarem no sentido de o Banco

abrir mão de seu posto de planejador a longo prazo de um projeto de

desenvolvimento, isso não implica que o Banco tenha aberto mão de seu caráter de

think tank. Ao contrário, a instituição (e, sobretudo, a Área de Planejamento) foi um

importante foro de reflexão e exerceu significativa influência sobre o campo

econômico nacional.

Assim, na segunda metade da década de 1980, houve uma significativa

reorientação institucional, uma guinada de um banco que buscava se fortalecer

enquanto instituição para promover o desenvolvimento, para um banco com

orientação mercadológica com planejamento a curto prazo, voltado a promover os

clientes que tivessem condições de se integrar e competir no mercado internacional.

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Com isso, esta instituição pública passou a selecionar e apoiar projetos não mais

focando nos meios e nos fins, mas na avaliação do risco econômico de

empreendimentos e no potencial competitivo dos seus clientes, sob a retórica do

pragmatismo e da análise técnica. As experiências iniciadas dentro do Banco

durante o governo Sarney conquistaram espaço no governo seguinte.

No período Collor, ocorreu tanto um movimento de externalização das ideias

do Banco, com quadros da instituição tendo assumido postos na equipe econômica

do governo, como o movimento de afinar o BNDES aos objetivos centrais do

governo: garantir o sucesso do plano de estabilização e reduzir o papel do Estado.

Foi um período em que o Banco permaneceu desempenhando um papel de think

tank, mas agora afinado com um discurso governamental. Com o entusiasmado

incentivo do BNDES, o Estado foi abrindo mão de ter um poder de coordenação

estruturante. Como a política industrial teve um caráter secundário ao longo do

Governo Collor frente à política de estabilização, o BNDES não conseguiu avançar

na concretização dos objetivos da Integração Competitiva, da modernização

tecnológica das empresas, do aumento dos incentivos à P&D e para os setores com

alto potencial tecnológico, previstos no Plano Estratégico 1991-1994. Além de

demonstrar um descompasso do planejamento institucional com as prerrogativas

econômicas do governo, evidenciou-se também um descompasso na instituição,

pois os esforços na direção à modernização tecnológica e à P&D, quando apareciam

nas menções da diretoria, eram de forma secundária, estando a reestruturação

produtiva em primeiro lugar nas manifestações da cúpula do Banco.

Assim, ao final do período de vigência do Planejamento Estratégico para

1991 – 1994, o Banco não havia criado um programa específico para estimular a

produção de bens com alto potencial tecnológico. Ao contrário, o único programa

voltado para inovação tecnológica teve os desembolsos cortados pela metade.

Além disso, os recursos captados no exterior foram destinados às empresas

estrangeiras e à importação de equipamentos - em ambos os casos, sem qualquer

exigência de transferência de tecnologia. Ainda no governo Collor, o Comitê

Assessor das Desestatizações se fortaleceu e se insulou no BNDES, tendo o Banco

ganhado poder por ter sido peça chave na consecução dos objetivos do governo.

No governo de Itamar, foram implementados somente os elementos mais

liberais da proposta de Integração Competitiva, deixando de fora os aspectos que

possibilitariam a reconstrução do projeto de desenvolvimento no Brasil. Durante este

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período, o Banco ganhou poder, uma vez que foi peça importante na consecução

desses objetivos.

A partir do Plano Real, ainda no governo de Itamar Franco, e com a

consolidação nos governos de Fernando Henrique Cardoso, estabeleceu-se a

supremacia de um bloco no poder de orientação neoliberal e sob a hegemonia do

capital financeiro. Houve uma drástica diminuição das funções empresariais do

Estado mas, apesar disso, o intervencionismo estatal não foi eliminado. Ele foi sim

modificado, passando pela expansão das funções normativas, do controle através

de agências reguladoras setoriais. A capacidade de moldar a atividade econômica

restringiu-se ao financiamento de longo prazo às empresas privadas da compra de

bens e serviços. Além disso, as companhias estrangeiras foram constitucionalmente

equiparadas às nacionais, que tiveram que dividir com as primeiras as políticas

públicas (como financiamentos).

No governo de FHC, o BNDES foi incapaz de pautar na agenda

governamental políticas de desenvolvimento que estabelecessem um contraponto à

lógica macroeconômica da Fazenda. Os rumos do desenvolvimento foram confiados

ao Mercado.

Neste período, houve um forte enquadramento do Banco à lógica neoliberal.

Este foi um período em que a cúpula do banco teve o papel de estabelecer as

diretrizes da instituição, que agora não eram mais construídas com o apoio do

quadro técnico, mas recebidas de esferas extra-institucionais.

Estes foram os reflexos na instituição da supremacia de um bloco neoliberal

no poder – que alcançou inclusive o seio da instituição pública de fomento que

tradicionalmente esteve vinculada ao fomento do desenvolvimento numa perspectiva

da industrialização nacional. Assim, neste período, observou-se que as atividades

econômicas atendidas pelo BNDES foram diversificadas. Agora, além de

manufaturas, também passaram a ter peso nos desembolsos do Banco o setor

terciário da economia e a agricultura empresarial.

A respeito da questão regional, o resultado espacial das políticas

implementadas ao longo deste período, e seguidas pelo BNDES num contexto de

enfraquecimento do crédito público e de parcas políticas regionais de

desenvolvimento, foi que os investidores privados atraíram-se predominantemente

para regiões mais desenvolvidas e com inserção mais consolidada no comércio

internacional. Isso foi inclusive previsto pelo estudo dos Eixos Nacionais de

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Desenvolvimento – encomendado pelo BNDES a um consórcio de empresas

estrangeiras especializadas - em que o Estado incumbia-se de identificar as

oportunidades de investimento e planejava-se para oferecer a infraestrutura

necessária, abrindo caminho à iniciativa privada. Na estratégia, as áreas que já

tinham potencial de competitividade global seriam privilegiadas, não havendo

propostas para as regiões e áreas com baixo potencial de rentabilidade aos

investimentos.

Foi um período em que, devido à abertura comercial e financeira e às

privatizações, houve uma intensificação das relações intercapitalistas. Como aponta

Filgueiras (2015), a posição e a importância das diferentes frações do capital no

processo de acumulação e na dinâmica macroeconômica foram redefinidas: o

capital financeiro nacional e estrangeiro passou a ocupar a posição hegemônica,

deslocando o capital industrial desta posição. Além disso, ganharam relevância o

agronegócio e os grandes grupos produtores e exportadores de commodities.

A partir de 2003, com as mudanças na cena política e a intensificação de

disputas entre distintas estratégias de desenvolvimento, houve uma reacomodação

no bloco no poder, processo em que a tecnoburocracia e a cúpula do BNDES

tiveram um relevante papel. Apoiando-se na sua tradicional função de agência de

fomento ao desenvolvimento nacional, o BNDES foi o lugar em que se rearticularam

estratégias de retomada dos investimentos produtivos. No governo, especialmente

no início do primeiro governo Lula, houve repetidos e explícitos conflitos a respeito

dos rumos desta instituição, entre representantes de frações de classe com perfil

mais financista e os representantes com viés mais desenvolvimentista. Na

instituição, prevaleceu a corrente que somava esforços para que o Banco

reassumisse sua tradição e intensificasse sua função de financiador do investimento

de longo prazo. O Banco consolidou-se também como o lugar onde se elaboravam

estratégias de desenvolvimento, assim como ele também foi o produto de

estratégias.

Nesse contexto, a burguesia interna - sobretudo a representada pelo capital

produtor e exportador de commodities, pelas grandes empreiteiras e pelos grupos do

comércio varejista (que se favoreceram de conjuntura internacional favorável) -,

passaram se articular e a exercer grande influência nas políticas do Estado, o que se

refletiu nas grandes operações financiadas pelo BNDES. Assim, concorda-se com

Filgueiras (2015), que aponta que houve, neste período, um crescimento da

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influência de outras frações do capital na condução do Estado. Estas frações se

articularam no interior do Estado, principalmente via BNDES, mas também através

dos grupos de pensões. Tudo isso, contudo, sem atingir de forma incisiva os

interesses fundamentais do capital financeiro – o que fica evidente pelos crescentes

lucros no setor.

O próprio BNDES, inclusive, assumiu crescentemente o papel de capital

financeiro, promovendo a concentração, centralização e internacionalização, em

especial de capitais vinculados aos setores exportadores de commodities e à

indústria extrativa, além das grandes empreiteiras nacionais. Através deste modus

operandi, o Banco atuou como uma espécie de recondicionador do grande capital de

atuação nacional, dando suporte financeiro à formação de grandes grupos

econômicos.

Também concorda-se que o atual momento conjuntural do Padrão de

Desenvolvimento Liberal Periférico se caracteriza por uma flexibilização no chamado

“tripé macroeconômico” que, além de ter reacomodado as distintas frações do

capital no interior do bloco no poder, permitiu que, via mercado, fossem

passivamente sendo incorporadas algumas demandas de setores populares. No

BNDES, sobretudo após a crise de 2008, a oferta de crédito foi crescentemente

expandida para MPMEs sem, contudo, tocar nos interesses dos grandes grupos

econômicos. Estes não deixaram de receber crescentes montantes de recursos para

se expandirem. Nas operações internacionais, inclusive, houve uma nítida

concentração de recursos nos grandes grupos empresariais.

No que diz respeito aos grupos do chamado setor “minero-metalúrgico-

energético-empreiteiro” (COLETIVO, 2012), estes se beneficiaram tanto através de

GPIs planejados pelo governo e financiados pelo Banco em território nacional,

quanto através de projetos de infraestrutura financiados pelo Banco em países

latino-americanos e africanos, seguindo orientações, por um lado, da política

diplomática adotada a partir de 2003 (reforçando os laços Sul-Sul), por outro, das

políticas idealizadas no âmbito do MDIC e do próprio BNDES, de apoio à inserção

internacional. O Banco acabou seguindo e reforçando um ideário de

desenvolvimento que entende que a inserção internacional do país teria capacidade

de reduzir as distâncias entre o Brasil e os países desenvolvidos. Contudo, foi

justamente esta estratégia que reforçou a tendência a uma especialização produtiva

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e comercial regressiva e à desindustrialização e, por sua vez, à inserção regressiva

do Brasil na divisão internacional do trabalho

Entende-se que, na cena política, houve esforços políticos para se

implementar mudanças que tivessem mais alcance social, mas o governo não

empenhou-se em forjar uma hegemonia ideológica, que passasse por soluções fora

de discursos de desenvolvimento que não problematizassem a lógica capitalista e os

processos de neoliberalização.

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