formação socioeconômica do brasil

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FORMAÇÃO SOCIOECONÔMICA DO BRASIL

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Formação socieconômica do Brasil

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FORMAO SOCIOECONMICA DO BRASIL

ECONOMIA DE TRANSIO PARA UM SISTEMA INDUSTRIALSculo XX

XXX - A crise da economia cafeeira XXXI -Os mecanismos de defesa e a crise de 1929 XXXII - Deslocamento do centro dinmico

CAPTULO XXX A CRISE DA ECONOMIA CAFEEIRA O ltimo decnio do sculo XIX criou-se uma situao excepcionalmente favorvel expanso da cultura do caf no Brasil. Por um lado, a oferta no-brasileira atravessou uma etapa de dificuldades, sendo a produo asitica grandemente prejudicada por enfermidades, que praticamente destruram os cafezais da ilha de Ceilo. Por outro lado, com a descentralizao republicana o problema da imigrao passou s mos dos estados, sendo abordado de forma muito mais ampla pelo governo do Estado de So Paulo, vale dizer, pela prpria classe dos fazendeiros de caf. Finalmente, o efeito estimulante da grande inflao de crdito desse perodo beneficiou duplamente a classe de cafeiculto-res: proporcionou o crdito necessrio para financiar a abertura de novas terras e elevou os preos do produto em moeda nacional com a depreciao cambial. A produo brasileira, que havia aumentado de 3,7 milhes de sacas (de 60 kg) em 1880-81 para 5,5 em 1890-91, alcanaria em 1901-02 16,3 milhes149. A elasticidade da oferta de mo-de-obra e a abundncia de terras, que caracterizavam os pases produtores de caf, constituam clara indicao de que os preos desse artigo tenderiam a baixar a longo prazo, sob a ao persistente das inverses em estradas de ferro, portos e meios de transporte martimo que se iam avolumando no ltimo quartel do sculo passado. Percebe-se melhor a natureza desse problema observando-o de uma perspectiva mais ampla. Os empresrios das economias exportadoras de matrias-primas, ao realizarem suas inverses, tinham de escolher dentre um nmero limitado de produtos requeridos pelo mercado internacional. No caso do Brasil, o produto que apresentava maior vantagem relativa era o caf. Enquanto o preo desse artigo no baixasse a ponto de que aquela vantagem desaparecesse, os capitais formados no pas continuariam acorrendo para a cultura do mesmo. Portanto, era inevitvel que a oferta de caf tendesse a crescer, no em funo do crescimento da procura, mas sim da disponibilidade de mo-deobra e terras subocupadas, e da vantagem relativa que apresentasse esse artigo de exportao. Ocorreu, entretanto, que a grande expanso da cultura cafeeira, do final do sculo xrx, teve lugar praticamente dentro das fronteiras de um s pas. As condies excepcionais que oferecia o Brasil para essa cultura valeram aos empresrios brasileiros a oportunidade de controlar trs quartas partes da oferta mundial desse produto. Essa circunstncia que possibilitou a manipulao da oferta mundial de caf, a qual iria emprestar um comportamento todo especial evoluo dos preos desse artigo. Ao comprovar-se a primeira crise de superproduo, nos anos iniciais do sculo xx, os empresrios brasileiros logo perceberam que se encontravam em situao privilegiada, entre os produtores de artigos primrios, para defender-se contra a baixa de preos. Tudo o de que necessitavam eram recursos financeiros para reter parte da produo fora do mercado, isto , para contrair artificialmente a oferta. Os estoques assim formados seriam mobilizados quando o mercado apresentasse mais resistncia, vale dizer, quando a renda estivesse a altos nveis nos pases importadores, ou serviriam para cobrir deficincias em anos de colheitas ms. A partir da crise de 1893, que foi particularmente prolongada nos EUA, comearam a declinar os preos no mercado mundial. O valor mdio da saca exportada em 1896 foi 2,91 libras, contra 4,09 naquele ano. Em 1897 ocorreu nova depresso no mercado mundial, declinando os preos nos dois anos seguintes at alcanar 1,48 libra em 1899. Se os efeitos da crise de 1893 puderam ser absorvidos por meio de depreciao externa da moeda, a situao de extrema presso sobre a massa de consumidores urbanos, que j existia em 1897, tornou impraticvel insistir em novas depreciaes. J assinalamos que essa excessiva presso levou a uma crescente intranqilidade social e finalmente adoo de uma poltica tendente recuperao da taxa de cmbio. Exatamente nessa etapa em que se fazia impraticvel apelar para o mecanismo cambial, a fim de defender a rentabilidade do setor cafeeiro, configura-se o problema da superproduo. Os estoques de caf, que se avolumam ano a ano, pesam sobre os preos, provocando uma perda permannente de renda para os produtores e para o pas. A idia de retirar do mercado parte desses estoques amadurece cedo - no esprito dos dirigentes dos estados cafeeiros, cujo poder poltico e financeiro fora amplamente acrescido pela descentralizao republicana. No convnio, celebrado em Taubat em fevereiro de 1906, definem-se as bases do que se chamaria poltica de "valorizao" do produto. Em essncia, essa poltica consistia no seguinte: a) com o fim de restabelecer o equilbrio entre oferta e procura de caf, o governo interviria no mercado para comprar os excedentes; b) o financiamento dessas compras se faria com emprstimos estrangeiros; c) o servio desses emprstimos seria coberto com um novo imposto cobrado em ouro sobre cada saca de caf exportada; d) a fim de solucionar o problema a mais longo prazo, os governos dos estados produtores deveriam desencorajar a expanso das plantaes. A acalorada polmica que suscitou a poltica de "valorizao" constituiu uma clara indicao das transformaes que na poca se operavam na estrutura poltico-social do pas. A descentralizao republicana havia reforado o poder dos plantadores de caf em nvel regional. Vimos j que essa descentralizao - que chegou a extremos no caso da aplicao da reforma bancria - no estranha excessiva expanso das plantaes de caf, que ocorre entre 1891 e 1897. Durante esse mesmo perodo, sem embargo, os grupos que exerciam presso sobre o governo central tornaram-se mais numerosos e complexos. Assinalamos a importncia crescente da classe mdia urbana, na qual se destacava a burocracia civil e militar, diretamente afetada pela depreciao cambial. O importante grupo financeiro internacional, reunido em torno da casa Rothschild, segue de perto a poltica econmico-financeira do governo brasileiro, particularmente depois do emprstimo de consolidao de 1898150. Por ltimo os comerciantes (150) A atitude de Lord Rothschild, que publicou uma caria violenta contra a Valorizao*, refletia o temor de que nova bancarrota do governo brasileiro viesse repercutir no servio da divida ex terna, que deveria ser retomado em 1911. No desejando participar de uma empresa arrisca da. Rothschild tampouco via com bons ofhos que dela se aproveitassem outros grupos finan ceiros internacionais, que buscavam uma oportunidade para firmar o pe num domnio bem guardado da velha casa financeira, a que se ligara o governo brasileiro desde o seu segundo emprstimo externo, realizado em 1825. importadores e os industriais, cujos interesses por motivos distintos se opem aos do cafeicultores, encontram no regime republicano oportunidade para aumentar o seu poder poltico. O primeiro esquema de valorizao teve de ser posto em prtica pelos estados cafeicultores - liderados por So Paulo - sem o apoio do governo federal. Diante da relutncia deste ltimo, os governos estaduais - aos quais a descentralizao republicana concedera o poder constitucional exclusivo de criar impostos s exportaes - apelaram diretamente para o crdito internacional e puseram em marcha o projeto. Essa deciso lhes valeu a vitria sobre os grupos opositores. O governo federal teve finalmente que chamar a si a responsabilidade maior na execuo da tarefa. O xito financeiro da experincia veio consolidar a vitria dos recalcitrantes que reforaram o seu poder e por mais um quarto de sculo - isto , at 1930 - lograram submeter o governo central aos objetivos de sua poltica econmica. O plano de defesa elaborado pelos cafeicultores fora bem concebido. Sem embargo, deixava em aberto um lado do problema. Mantendo-se firmes os preos, era evidente que os lucros se mantinham elevados. E tambm era bvio que os negcios do caf continuariam atrativos para os capitais que nele se formavam. Em outras palavras, as inverses nesse setor se manteriam em nvel elevado, pressionando cada vez mais sobre a oferta. Dessa forma, a reduo artificial da oferta engendrava a expanso dessa mesma oferta e criava um problema maior para o futuro. Esse perigo foi perfeitamente percebido na poca. Entretanto, no era fcil contorn-lo. A soluo, aparentemente, estaria em evitar que a capacidade produtiva continuasse crescendo, ou que crescesse mais intensamente como efeito da estabilidade dos preos num nvel elevado. As medidas tomadas nesse sentido foram, porm, infrutferas. Teria sido necessrio que se oferecessem ao empresrio outras oportunidades, igualmente lucrativas, de aplicao dos recursos que estavam afluindo continuamente a suas mos sob a forma de lucros. Em sntese, a situao era a seguinte: a defesa dos preos proporcionava cultura do caf uma situao privilegiada entre os produtos primrios que entravam no comrcio internacional. A vantagem relativa que proporcionava esse produto tendia, conseqentemente, a aumentar. Por outro lado, os lucros elevados criavam para o empresrio a necessidade de seguir com suas inverses; Destarte, tomava-se inevitvel que essas inverses tendessem a encaminhar-se para a prpria cultura do caf. Dessa forma, o mecanismo d defesa da economia cafeeira era, em ltima instncia, um processo de transferncia para o futuro da soluo de um problema que se tornaria cada vez mais grave. O complicado mecanismo de defesa da economia cafeeira funcionou com relativa eficincia at fins do terceiro decnio do sculo xx. A crise mundial em 1929 o encontrou, entretanto, em situao extremamente vulnervel. Vejamos a razo disso. A produo de caf, em razo dos estmulos artificiais recebidos, cresceu fortemente na segunda metade desse decnio. Entre 1925 e 1929 tal crescimento foi de quase cem por cento, o que revela a enorme, quantidade de arbustos plantados no perodo imediatamente anterior151. Enquanto aumenta dessa forma a produo, mantm-se praticamente estabilizadas as exportaes. Em 1927-29 as exportaes apenas conseguiam absorver as duas teras partes da quantidade produzida152. A reteno da oferta possibilitava a manuteno de elevados preos no mercado internacional. Esses preos elevados se traduziam numa alta taxa de lucratividade para os produtores, e estes continuavam a intervir em novas plantaes. A procura, por outro lado, continuava a evoluir dentro das linhas tradicionais de seu comportamento. Se se contraa pouco nas depresses, tambm pouco se expandia nas etapas de grande prosperidade. Com efeito, no obstante a grande elevao da renda real, ocorrida nos pases industrializados no decnio dos vinte, essa prosperidade em nada modificaria a dinmica prpria da procura de caf, a qual cresce lenta mas firmemente com a populao e a urbanizao. Nos EUA, principal importador, onde a renda real per capita aumentou cerca, de 35 por cento no correr desse decnio, o consumo de caf se manteve em torno de 12 libras-peso (151) A produo exportvel de caf aumentou de 15.761.000 para 28.492.000 de sacas de 60 kg. segundo dados publicados pelo Instituto Brasileiro do Caf. Os dados estatsticos relativos a evoluo do problema cafeeiro a partir de 192S esto reunidos em O Desenvolvimento Econmico do Brasil. Banco Nacional do Desenvolvimento Econmico - Comisso Econmica para a Amrica Latina das Naes Unidas, segunda parte, capitulo, anexo estatstico. (152) A produo mdia de 1927-29 foi de 20,9 milhes de sacas e a exportao de 14.1 milhOes. O desequilbrio mximo (oi alcanado no ano da crise, 1929. quando a produo atingiu 28 941 000 sacas e a exportao 14 281.000. por habitante,se bem que os preos no.varejo se mantivessem estveis. Existia, portanto, uma situao perfeitamente caracterizada de desequilbrio estrutural entre oferta e procura. No se podia esperar um aumento sensvel da procura resultante de elevao da renda disponvel para consumo nos pases importadores. Tampouco se podia pensar em elevar o consumo desses pases baixando os preos. A nica forma de evitar enormes prejuzos para os produtores e para o pas exportador era evitar - retirando do mercado parte da produo -que a oferta se elevasse acima daquele nvel que exigia a procura para manter um consumo per capita mais ou menos estvel a curto prazo. Era perfeitamente bvio que os estoques que se estavam acumulando no tinham nenhuma possibilidade de ser utilizados economicamente num futuro previsvel. Mesmo que a economia mundial lograsse evitar nova depresso, aps a grande expanso dos anos vinte, no havia nenhuma porta pela qual se pudesse antever a sada daqueles estoques, pois a capacidade produtiva continuava a aumentar. A situao que se criara era, destarte, absolutamente insustentvel. Com a perspectiva mais ampla de que hoje dispomos para observar esse processo histrico, podemos perguntar onde estava o erro bsico de toda essa poltica, seguida inegavelmente com excepcional audcia. O erro, se assim o podemos qualificar, estava em no se terem em conta as caractersticas prprias de uma atividade econmica de natureza tipicamente colonial, como era a produo de caf no Brasil. O equilbrio entre oferta e procura dos produtos coloniais obtinha-se, do lado desta ltima, quando se atingia a saturao do mercado, e do lado da oferta quando se ocupavam todos os fatores de produo - mo-de-obra e terras - disponveis para produzir o artigo em questo. Em tais condies era inevitvel que os produtos coloniais apresentassem uma tendncia, a longo prazo, baixa de seus preos. Manter elevado o preo do caf de forma persistente era criar condies para que o desequilbrio entre oferta e procura se aprofundasse cada vez mais. Para evitar essa tendncia teria sido necessrio que a (153) Os preos pagos em 1929 pelo consumidor norte-americano nao eram mais elevados que os de 1920 e estavam um pouco abaixo dos de 1925. Veja-se, para detalhes sobre este problema, Capaddad de tos Estados Unidos para absorber tos productos latino-americanos, CEWL. 1951. poltica de defesa dos preos houvesse sido complefada por outra de decidido desestmulo s inverses em plantaes de caf. Essa poltica de desestmulo era impraticvel se no se abria uma alternativa para o empresrio produtor de caf, isto , se no se lhe dava oportunidade de aplicar alhures os lucros obtidos no setor cafeeiro corri uma rentabilidade comparvel deste ltimo. Essa oportunidade quase por definio no existia, pois nenhum outro produto colonial poderia ser objeto de uma poltica de defesa do tipo da que beneficiava o caf. Na verdade, requeria-se dar um passo mais adiante e criar artificialmente a referida oportunidade. Para tanto, teria sido necessrio estimular outras exportaes atravs de uma poltica de subsdios, o que s seria praticvel transferindo recursos financeiros do setor cafeeiro. Os preos pagos ao produtor de caf teriam de ser mantidos em um nvel desencorajador de novas inverses, e os frutos da diferena entre os preos pagos ao produtor e os de exportao, cobertos os demais gastos, poderiam ser utilizados para criar estmulos a outras atividades exportadoras, estmulos esses que poderiam tomar a forma de emprstimos a longo prazo e de subsdios diretos exportao. Mesmo que se lograsse evitar a superproduo, na forma indicada no pargrafo anterior, no seria possvel evitar que a poltica de defesa dos preos do caf fomentasse a produo desse artigo naqueles outros pases que dispusessem de terras e de mo-de-obra em condies semelhantes s do Brasil, ainda que menos vantajosas. A manuteno dos preos a baixos nveis era condio indispensvel para que os produtores brasileiros retivessem sua situao de semimonoplio. Ao se prevalecerem dessa situao semimonopols-tica para defenderem os preos, estavam eles destruindo as bases em que se assentara o seu privilgio. Dessa forma, por mais bem concebida que tivesse sido a poltica de defesa dos preos do caf, a longo prazo ela surtiria certos efeitos negativos. Esses efeitos teriam sido certamente menores se a referida poltica houvesse obedecido a princpios mais amplos. No resta dvida, porm, de que, na forma como foi seguida, ela precipitou e aprofundou a crise da economia cafeeira no Brasil. Vejamos mais uma vez os dados gerais do problema, antes de analisarmos a soluo que o mesmo encontrou na prtica. O terceiro decnio do sculo xx foi uma etapa de excepcional prosperidade para os pases industrializados. Entre 1920 e 1929t o produto nacional bruto dos EUA cresceu de 103$ para 152,7.bilhes de dlares (a preos constantes), o que representa um aumento da renda reatper capita de mais de 35 por cento. Enquanto isso o consumo de caf se mantivera estvel em torno de 12 libras, e o preo pago pelo consumidor norte-americano, com pequenas variaes, em torno de 47 centavos de dlar por libra. As possibilidades de expanso do mercado eram portanto praticamente nulas. A manuteno daquele nvel de preos vinha sendo obtida custa de grandes retenes de estoques. O valor dos estoques acumulados entre 1927-29 alcanou a soma avultada de 1,2 milho de contos, ou seja, pelos preos de 1950, cerca de 24 bilhes de cruzeiros. Em 1929 o valor dos estoques acumulados sobrepassou 10 por cento do produto territorial bruto do ano154. fcil compreender a enorme fora perturbadora potencial que representava para a economia esse tipo de operao. O financiamento desses estoques havia sido obtido em grande parte de bancos estrangeiros. Pretendia-se, dessa forma, evitar o desequilbrio externo. Vejamos o que em realidade se passara. Os emprstimos externos serviam de base para a expanso de meios de pagamento destinados compra de caf que era retirado do mercado. O aumento brusco e amplo da renda monetria dos grupos que derivavam suas receitas da exportao no podia, evidentemente, deixar de provocar presso inflacionria155. Essa presso particularmente grande numa economia subdesenvolvida, e se manifesta de imediato em rpido crescimento das importaes, em razo da baixa elasticidade da oferta interna156. (154) Os ciados relativos ao produto territorial e s inverses, nominais e reais, no perodo 1925-39, a que se (az referncia neste e no seguinte capitulo, (oram elaborados pelo autor com base no valor e volume fsico da produo agrcola e industrial, no valor e no quantum das importaes, na relao de preos do intercmbio e nos gastos do governo federal, usando-se como deflator para estes ltimos o ndice do custo de vida na cidade do Rio de Janeiro. Para os dados bsicos, veja-se Anurio Estatstico do Brasil, 1937-39, e para os ndices de produo agrcola, industrial, quantum das importaes e relao de preos do intercmbio, CEPAL. Estdio Econmico de Amrica Latina, 1949, capitulo VII. (155) O aumento do valor das exportaes determina um crescimento da renda monetria maior, de acordo com a magnitude do multiplicador. Como a oferta inelstica. entre a expanso da renda monetria e o aumento da real, h uma srie de ajustamentos no nvel de preos. (156) Entre 1920-22 e 1929, enquanto o ouanfum das exportaes aumentava apenas 10 por cento, o das importaes crescia cerca de cem por cento. Para os dados bsicos, veja-se Estdio Econmico de Amrica Latina, ei. Do que se disse no pargrafo anterior se depreende que a polt-ca_de acumulao de estoques de caf criaria necessariamente uma presso infladonria. Ocorre, entretanto, que as maiores inverses em estoques foram realizadas em 1927-29, poca que se caracterizou igualmente por fortes entradas de capital privado estrangeiro no pas. A coincidnda da afluncia de capitais privados e da chegada dos emprstimos destinados a finandar o caf deu lugar a uma situao cambial extremamente favorvel e induziu o governo brasileiro a embarcar numa poltica de conversibilidade157. Deflagrada a crise no ltimo trimestre de 1929, no foram necessrios mais que alguns meses para que todas as reservas metlicas acumuladas custa de emprstimos externos fossem tragadas pelos capitais em fuga do pas. Dessa forma, a ventura da conversibilidade do final dos anos vinte - a qual em ltima instncia era um subproduto da poltica de defesa do caf - serviu apenas para facilitar a fuga de capitais. No fosse a possibilidade de converso que existiu nesse perodo, a queda do mil-ris teria sido muito mais brusca, es-tabelecendo-se automaticamente uma taxa sobre a exportao de capitais. Essa taxa evidentemente chegou, mas somente depois de se evaporarem todas as reservas158. (157) Em 1926 o governo Washington Lus estabeleceu a paridade do mil-ris em 0.200 grama de ouro tino. correspondente a S"5 /, d., e criou uma Caixa de Estabilizao, qual caberia emitir papel-moeda contra reserva de cem por cento de ouro. semelhana do que j ocorrera com a Caixa de Converso, criada em 1906 no governo Afonso Pena. as notas emitidas com anlertondade no eram conversveis, passando a existir dois meios circulantes no pais: um conversvel e outro no. Em 1929 circulavam notas nc-converslveis no valor de 2 543 000 contos e conversveis na importncia de 848.000 contos. (158) As reservas de ouro do governo alcanaram 31.100 000 libras em setembro de 1919. Em dezembro de 1930 haviam desaparecido em sua totalidade.

CAPTULO XXXI OS MECANISMOS DE DEFESA E A CRISE DE 1929 Ao deflagrar-se a crise mundial a situao da economia cafeeira se apresentava como segue. A produo, que s encontrava em altos nveis, teria de seguir crescendo, pois os produtores haviam continuado a expandir as plantaes at aquele momento. Com efeito, a produo mxima seria alcanada em 1933, ou seja, no ponto mais baixo da depresso, como reflexo das grandes plantaes de 1927-28. Por outro lado, era totalmente impossvel obter crdito no exterior para financiar a reteno de novos estoques, pois o mercado internacional de capitais se encontrava em profunda depresso e o crdito do governo desaparecera com a evaporao das reservas. Os pontos bsicos do problema que cabia equacionar eram os seguintes: a) Que mais convinha, colher o caf ou deix-lo apodrecer nos arbustos, abandonando parte das plantaes como uma fbrica cujas portas se fecham durante a crise? W Caso se decidisse colher o caf, que destino deveria dar-se ao mesmo? Forar o mercado mundial, ret-lo em estoques ou destru-lo? c) Caso se decidisse estocar ou destruir o produto, como financiar essa operao? Isto , sobre quem recairia a carga, caso fosse colhido o caf? A soluo que primeira vista pareceria mais racional consistia em abandonar os cafezais. Entretanto, o problema consistia menos em saber o que fazer com o caf do que decidir quem pagaria pela perda. Colhido ou no o caf, a perda existia. Abandonar os cafezais sem dar nenhuma indenizao aos produtores significava fazer recair sobre estes a perda maior. Ora, conforme j vimos, a economia havia desenvolvido uma srie de mecanismos pelos quais a classe dirigente cafeeira lograra transferir para o conjunto da coletividade o peso da carga nas quedas cclicas anteriores. Seria de esperar, portanto, que se buscasse por esse lado a linha de menor resistncia. Vejamos em primeiro lugar como operou o mecanismo clssico de defesa atravs da taxa cambial. A grande acumulaode estoques de 1929, a rpida liquidao das reservas metlicas brasileiras e as precrias perspectivas de financiamento das grandes safras previstas para o futuro aceleraram a queda do preo internacional do caf iniciada conjuntamente com a de todos os produtos primrios em fins de 1929. Essa queda assumiu propores catastrficas, pois, d setembro de 1929 a esse mesmo ms de 1931, a baixa foi de 22,5 centavos de dlar por libra para 8 centavos. Dadas as caractersticas da procura do caf, cujo consumo no baixa durante as depresses nos pases de elevadas rendas, essa tremenda reduo de preos teria sido inconcebvel sem a situao especial que se havia criado do lado da oferta. Basta ter em conta que o preo mdio pago pelo consumidor norte-americano, entre 1929 e 1931, baixou apenas de 47,9 para 32,8 centavos por libra159. Acumularam-se, portanto, os efeitos de duas crises: uma do lado da procura e outra do lado da oferta. A situao favoreceu as organizaes intermedirias no comrcio do caf, as quais, percebendo a debilidade da posio da oferta, puderam transferir para os produtores brasileiros grande parte de suas perdas causadas pela crise geral. Abaixa brusca do preo internacional do caf e a falncia do sistema de conversibilidade acarretaram a queda do valor externo da moeda. Essa queda trouxe, evidentemente, um grande alvio ao setor cafeeiro da economia. A baixa do preo internacional do caf havia alcanado 60 por cento. A alta da taxa cambial chegou a representar uma depreciao de 40 por cento160. O grosso das perdas poderia, portanto, ser transferido para o conjunto da coletividade atravs da alta dos preos das importaes. Restava a considerar, entretanto, o outro lado do problema. No obstante toda essa baixa de preos, o mercado internacional no podia absorver a totalidade da produo, pela razo muito (159) Veja-se Capacidad de tos Estados Unidos para absorber tos productos latino-americanos, c (160) O valor mdio da saca de caf exportada declinou de 4,71 libras, em 1929. para 1,80 libra em 1932-34, ou seja uma baixa de 62 por cento. Em moeda nacional a queda foi de 192 para 145 m-ris, isto . 25 por cento. No trinio seguinte o preo em libras baixou para 1,29 e em mureis subiu para 159. Nesses clculos continua-se a utilizar o valor-ouro da libra anterior a desvalorizao desta simples j indicada de que a procura era pouco elstica em funo dos preos. verdade que, deixada de lado a preocupao de defender os preos, abria-se a possibilidade de forar o mercado. E assim se fez, logrando um aumento do volume fsico exportado, entre 1929 e 1937, de 25 por cento. Mesmo assim, uma parte aprecivel da produo ficava sem nenhuma possibilidade de colocar-se no mercado. Era evidente, portanto, que se requeriam medidas suplementares. A depreciao da moeda, ao atenuar o impacto da baixa do preo internacional sobre o empresrio brasileiro, induzia este a continuar colhendo o caf e a manter a presso sobre o mercado. Essa situao acarretava nova baixa de preos e nova depreciao da moeda, contribuindo para agravar a crise. Como a depreciao da moeda era menor que a baixa de preos, pois tambm estava influenciada por outros fatores, era claro que se chegaria a um ponto em que o prejuzo acarretado aos produtores de caf seria suficientemente grande para que estes abandonassem as plantaes. Somente ento se restabeleceria o equilbrio entre a oferta e a procura do produto. A anlise desse processo de ajustamento pe em evidncia que o mecanismo do cmbio no podia constituir um instrumento de defesa efetivo da economia cafeeira nas condies excepcionalmente graves criadas pela crise que estamos considerando. Fazia-se indispensvel evitar que os estoques invendveis pressionassem sobre os mercados acarretando maiores baixas de preos. Era essa a nica forma de evitar que o equilbrio fosse obtido custa do abandono puro e simples da colheita, isto , com perdas concentradas no setor cafeeiro. Entretanto, como financiar a reteno de estoque? Teria de ser evidentemente com recursos obtidos dentro do prprio pas, seja retendo uma parte do fruto da exportao do caf, seja com pura e simples expanso de crdito. A medida que se utilizou a expanso de crdito, houve mais uma vez uma socializao dos prejuzos. Essa expanso de crdito, por seu lado, iria agravar o desequilbrio externo, contribuindo para maior depreciao da moeda, o que beneficiava indiretamente o setor exportador. Mas no bastava retirar do mercado parte da produo de caf. Era perfeitamente bvio que esse excedente da produo no tinha nenhuma possibilidade de ser vendido dentro de um prazo que se pudesse considerar como razovel. A produo prevista para os dez anos seguintes expedia; com sobras, a capacidade previsvel de absoro dos mercados compradores; A destruio dos excedentes das colheitas se impunha, portanto, como uma conseqncia lgica da poltica de continuar colhendo mais caf do qu se podia vender. primeira vista parece um absurdo colher o produto para destru-lo. Contudo, situaes como essa se repetem todos os dias na economia de mercados. Para induzirem o produtor a no colher, os preos teriam que baixar muito mais, particularmente se se tem em conta que os efeitos da baixa de preos eram parcialmente anulados pela depreciao da moeda. Ora, como o que se tinha em vista era evitar que continuasse a baixa de preos, compreendese que se retirasse do mercado parte do caf colhido para destru-lo. Obtinha-se, dessa forma, o equilbrio entre a oferta e a procura em nvel mais elevado de preos. Dependendo, assim, fundamentalmente da estrutura da oferta, o preo do caf atravessou o decnio dos anos trinta totalmente indiferente recuperao que, a partir de 1934, se operava nos pases industrializados. Aps alcanar seu ponto mais baixo em 1933, a cotao internacional desse produto se mantm quase sem alterao at 1937, para em seguida cair ainda mais nos dois ltimos anos do decnio. muito significativa essa grande estabilidade do preo do caf, assim deprimido, durante todo o decnio dos trinta. Como sabido, a recuperao compreendida entre 1934 e 1935 trouxe consigo uma elevao geral dos preos dos produtos primrios. O preo do acar, por exemplo, subiu em 140 por cento, entre 1933 e 1937; o do cobre elevou-se pouco mais de cem por cento, no mesmo perodo. O preo do caf, entretanto, em 1937 era igual ao de 1934 e inferior ao de 1932. Essa observao pe em evidncia o fato de que o preo do caf condicionado fundamentalmente pelos fatores que prevalecem do lado da oferta, sendo de importncia secundria o que ocorre do lado da procura. J vimos que a grande elevao da renda real per capita, ocorrida nos EUA nos anos vinte, deixou inaltervel o consumo de caf nesse pas, no obstante os preos pagos pelo consumidor se tenham mantido estveis. Durante os anos de depresso, os preos pagos pelo consumidor chegaram a baixar cerca de 40 por cento, sem que o consumo apresentasse qualquer modificao significativa. Em 1933 esse consumo era exatamente igual ao de 1929. Poder-se-ia argumentar que o efeito-preo teria anulado o efeito-renda, isto , que a alta do consumo ocasionada pela baixa do preo foi anulada pela baixa' desse consumo trazida ]5ela contrao da renda. Entfetan-tano parece ser essa a razo, pois no perodo seguinte, de elevao de renda (1934-37), os preos pagos pelo consumidor continuaram a baixar, tendo sido de 25,5 centavos por libra em 1937, contra 26,4 em 1933. Houve assim dois efeitos positivos no sentido do aumento do consumo: elevao da renda real per capita e baixa de preo. Contudo, o consumo se manteve praticamente inalterado, tendo sido de 13,1 libras per capita em 1937, contra 13,9 em 1931 e 12,5 em 1933161. Consideremos mais detidamente as conseqncias da poltica de reteno e destruio de parte da produo cafeeira seguida, com o objetivo explcito de proteger o setor cafeicultor. Ao garantir preos mnimos de compra, remuneradores para a grande maioria dos produtores, estava-se na realidade mantendo o nvel de emprego na economia exportadora e, indiretamente, nos setores produtores ligados ao mercado interno. Ao evitar-se uma contrao de grandes propores na renda monetria do setor exportador, reduziam-se proporcionalmente os efeitos do multiplicador de desemprego sobre os demais setores da economia. Como a produo de caf cresceu nos anos da depresso, tendo sido a colheita mxima de todos os tempos a de 1933, evidente que a renda global dos produtores agrcolas se reduziu menos que os preos pagos a esses produtores162. Dessa forma, ao permitir que se colhessem quantidades crescentes de caf, estava-se inconscientemente evitando que a renda monetria se contrasse na mesma proporo que o preo unitrio que o agricultor recebia por seu produto. fcil que o abandono nas rvores de, (161) Veja-se Capacidad de tos Estados Unidos, etc. cit. A procura de caf, conforme a experincia dos anos cinqenta veio indicar, apresenta certa elasticidade em funo dos preos quando estes ultrapassam determinados nveis muito elevados. Com respeito ao mercado dos EUA. esse nfvei pode ser situado em torno de 1 dlar por libra, no varejo. Tida em conta a elevao dos preos, para os anos trinta o referido nvel no seria inferior a 50 centavos. Como os preos oscilavam em torno a 25 centavos, depreende-se que nenhum efeito podiam ter sobre a procura. (162) A produo exportvel mdia, no qinqnio 1925-29, foi de 21,3 milhes de sacas, em 1930-34 sobe a 27,7 e em 1935-39 a 22.6 milhes. No mesmo perodo, o valor em moeda nacional da exportao se reduz de 26.8 mil contos para 20.3, alcanando no terceiro qinqnio 22,1 mu contos. Os dados relativos produo exportvel so do Instituto Brasileiro do Caf, e os relativos to exportaes, do Ministrio da Fazenda, Servio de Estatstica EconOmica e Financeira. digamos; um tero dessa produo, quefoi o que aproximadamente se desuniu entre 1931' e 1939, teria significado enorme reduo da renda do agricultor. Vejamos por meio de um exemplo numrico simples o mecanismo dessa contrao da renda do setor exportador sua influncia no nvel da renda global da coletividade. Suponhamos qu o multiplicador163 de desemprego do setor exportador seja 3. Isso significa que uma reduo de 1 na renda gerada pelas exportaes determina uma reduo global de 3 no conjunto da renda da coletividade. As causas que esto por detrs desse mecanismo multiplicador so mais ou menos bvias e refletem a interdependncia das distintas partes de uma economia. Ao receberem menos dinheiro por suas vendas ao exterior, os exportadores e produtores ligados exportao reduzem suas compras. Os produtores internos afetados por essa reduo tambm reduzem as suas, e assim por diante. Admitamos que a renda territorial de um pas de economia dependente seja gerada em dois setores: um, correspondente a 40 por cento, totalmente autnomo do comrcio exterior, seria o setor de subsistncia, e o outro, formado diretamente pelas atividades de exportao e influenciado indiretamente por elas. Sendo 3 o multiplicador de desemprego, num momento dado, diremos que as atividades exportadoras geram indiretamente 20 por cento da renda nacional e 40 por cento indiretamente. Consideremos agora as distintas situaes indicadas no quadro abaixo: SETOR SETOR INFLUENCIADO SETOR RENDA EXPORTADOR PELO SETOR EXPORTADOR AUTNOMO TOTAL (a)........................... 20.0 40 V 100.0 (b) .......................... 10,0 20 40 70.0 (c)........................... 12.0 24 40 76.0 W) ...................... 7.5 15 40 62.5 (163) O multiplicador o fator pelo qual teramos da multiplicar o aumento ou diminuio das inverses (ou das exportaes) para conhecer o efeito, sobre a renda territorial, dessa modificao no nfvel das inverses (ou exportaes). No nosso caso tratamos de medir o efeito, no perodo de um ano, de uma reduo na renda gerada diretamente petas exportaes. Se a redu-cteolretal0eabaixatotalo^rerKte30,tfzenx>squeomuttipBcador3. Partindo da situao (a) consideramos distintas hipteses de contrao da renda do setor exportador "seus efeitos sobre a renda global da coletividade. No caso (b) admitimos que se mantm o nvel de produo no setor exportador, isto , que se evita o desemprego, enquanto os preos pagos ao produtor nesse setor so cortados pela metade. O efeito final sobre a renda uma reduo de 30 por cento, sendo 10 por cento efeito direto e 20 por cento indireto da contrao de preos no setor exportador. Na situao (c) contemplamos igualmente uma reduo de 50 por cento no preo, mas com um aumento concomitante de 20 por cento da quantidade produzida, no setor de exportao. O efeito final uma reduo de 24 por cento na renda global. O caso (d) distinto dos anteriores: admitimos que para defender os preos se tenha permitido uma reduo de 50 por cento da quantidade produzida. Dada essa reduo na produo, a queda de preos teria sido de apenas 25 por cento. No obstante isso, o efeito final seria uma contrao de 37,5 por cento da renda total, isto , a maior de todas. O caso (c) reflete aproximadamente a experincia brasileira dos anos da depresso, quando os preos pagos ao produtor de caf foram reduzidos metade, permitindo-se, entretanto, que crescesse a quantidade produzida. A reduo da renda monetria, no Brasil, entre 1929 e o ponto mais baixo da crise, se situa entre 25 e 30 por cento, sendo, portanto, relativamente pequena se se compara com a de outros pases. Nos EUA, por exemplo, essa reduo excedeu a 50 por cento, no obstante os ndices de preos por atacado, desse pas, tenham sofrido quedas muito inferiores s do preo do caf no comrcio internacional. A diferena est em que nos EUA a baixa de preos acarretava enorme desemprego, ao contrrio do que estava ocorrendo no Brasil, onde se mantinha o nvel de emprego se bem que se tivesse de destruir o fruto da produo. O que importa ter em conta que o valor do produto que se destrua era muito inferior ao montante da renda que se criava. Estvamos, em verdade, construindo as famosas pirmides que anos depois preconizaria Keynes. Dessa forma, a poltica de defesa do setor cafeeiro nos anos da grande depresso concretiza-se num verdadeiro programa de fomento da renda nacional. Praticou-se no Brasil, inconscientemente, uma poltica anticclica de maior amplitude que a que se tenha sequer preconizado em qualquer dos pases industrializados. Vejamos como - se passou isso. Envi929 as inverses lquidas, realizadas no conjunto da economia brasileira, se elevaram a aproximadamente 2,3 milhes de contos de ris, pelo valor aquisitivo da poca. Com a crise essas inverses se contraram bruscamente e j em 1931 estavam reduzidas a 300 mil contos, sempre em valores do ano corrente. No obstante, nesse ano de 1931 se acumulam estoques de caf no valor de 1 milho de contos. Essa acumulao de estoques tem, do ponto de vista da formao da renda, um efeito idntico ao das inverses lquidas. Portanto, a reduo do montante das inverses lquidas no havia sido de 2,3 para 0,3 e sim para 1,3. Ora, esse 1,3 representava mais de 7 por cento do produto lquido, o que significa uma alta taxa para um perodo de depresso. Explica-se, assim, que j em 1933 tenha recomeado a crescer a renda nacional no Brasil, quando nos EUA os primeiros sinais de recuperao s se manifestam em 1934. Na verdade, no Brasil, em nenhum ano da crise houve inverses lquidas negativas, fato que ocorreu nos EUA e como regra geral em todos os pases. J em 1933 as inverses lquidas brasileiras alcanavam 1 milho de contos, s quais cabia adicionar 1,1 milho de estoques de caf acumulados. Estava-se, portanto, a 2,1 milhes, valor que se aproximava do montante das inverses lquidas de 1929. Ora, os 2,3 de 1929 representavam 9 por cento do produto lquido desse ano, enquanto os 2,1 de 1933 constituam 10 por cento do produto lquido deste ltimo ano. O impulso de que necessitava a economia para crescer j havia sido recuperado. , portanto, perfeitamente claro que a recuperao da economia brasileira, que se manifesta a partir de 1933, no se deve a nenhum fator externo, e sim poltica de fomento seguida inconscientemente no pas e que era um subproduto da defesa dos interesses cafeeiros. Consideremos o problema sob outro aspecto. A acumulao de estoques de caf realizada antes da crise tinha a sua contrapartida em dbito contrado no exterior. No existia, portanto, nenhuma inverso lquida, pois o que se invertia dentro do pas, acumulando estoque, se desinvertia no exterior contraindo dvidas. Tudo ocorria como se o caf acumulado tivesse sido comprado por firmas estrangeiras que, no seu prprio interesse, postergavam o transporte da mercadoria para fora do pas? A acumulao de caf financiada do exterior se assemelha portanto a uma exportao. O mesmo no ocorria . acumulao de estoques financiada d dentro do pas, se a base desse financiamento era uma expanso de crdito. A compra do caf para acumular representava uma criao de renda que se adicionava renda criada pelos gastos dos consumidores e dos inversionistas. Ao injetar-se na economia, em 1931, 1 bilho de cruzeiros para aquisio de caf e sua destruio, estava-se criando um poder de compra que em parte iria contrabalanar a reduo dos gastos dos inversionistas, gastos estes que haviam sido reduzidos em 2 bilhes de cruzeiros. Dessa forma, evitava-se uma queda mais profunda da procura naqueles setores que dependiam indiretamente da renda criada pelas exportaes. A diferena real entre a inverso lquida e a acumulao de estoques invendveis de caf residia em que aquela criava capacidade produtiva e a segunda, no. Entretanto, esse aspecto do problema tem importncia secundria em pocas de depresso, as quais se caracterizam pela subocupao da capacidade produtiva j existente. por esta razo que nessas etapas muito mais importante criar procura efetiva, a fim de induzir a utilizao da capacidade produtiva ociosa, do que aumentar essa capacidade produtiva.

CAPTULO XXXII DESLOCAMENTO DO CENTRO DINMICOVimos como a poltica de defesa do setor cafeeiro contribuiu para manter a procura efetiva e o nvel de emprego nos outros setores da economia. Vejamos agora o que significou isso como presso sobre a estrutura do sistema econmico. O financiamento dos estoques de caf com recursos externos evitava, conforme indicamos, o desequilbrio na balana de pagamentos. Com efeito, expanso das importaes induzida pela inverso em estoques de caf dificilmente poderia exceder o valor desses estoques, os quais tinham uma cobertura cambial de cem por cento. Suponhamos que cada mil-ris invertido em estoques de caf se multiplicasse, de acordo com o mecanismo j exposto, por 3, e criasse assim uma renda final de 3 mil-ris. Seria necessrio que as importaes induzidas pelo aumento da renda global ultrapassassem a tera parte desse aumento para que se criasse um desequilbrio externo. Por uma srie de razes fceis de perceber, esse tipo de desequilbrio no se concretiza sem que interfiram outros fatores, pois a propagao da renda dentro da economia reflete em grande parte as possibilidades que tem essa economia de satisfazer ela mesma as necessidades decorrentes do aumento da procura. No caso limite de que essas possibilidades fossem nulas, isto , de que todo o aumento da procura tivesse de ser atendido com importaes, o multiplicador seria 1, crescendo a renda global apenas no montante em que tivessem crescido as exportaes. Nesse caso no haveria nenhuma possibilidade de desequilbrio, pois as importaes induzidas seriam exatamente iguais ao aumento das exportaes. A situao seria totalmente distinta caso a acumulao de estoque fosse financiada com expanso de crdito. Suponhamos que se criassem meios de pagamentos no valor de 1 bilho de cruzeiros para financiar estoques, e que, atravs do multiplicador, se originasse por essa forma um fluxo final de renda de 3 bilhes. Suponhamos, demais, que coeficiente de importaes fosse 0,33, vale dizer, que -para cada cruzeiro d aumento global da renda a populao em seu conjunto (consumidores inversionistas) exigisse bens importados no montante de 33 centavos. Como cobrir essas importaes? No haveria evidentemente nenhuma possibilidade. As divisas proporcionadas pelas exportaes eram insuficientes, durante os anos da depresso, para cobrir sequer as importaes induzidas pela renda criada direta e indiretamente por aquelas mesmas exportaes. Isto porque as partidas rgidas da balana de pagamentos constituam agora, com baixa de preos, uma carga muito maior, e a fuga de capitais agravava a situao cambial. Dessa forma, a poltica de fomento da renda, implcita na defesa dos interesses cafeeiros, era igualmente responsvel por um desequilbrio externo que tendia a aprofundar-se. A correo desse desequilbrio se fazia, evidentemente, custa de forte baixa no poder aquisitivo externo da moeda. Essa baixa se traduzia numa elevao dos preos dos artigos importados, o que automaticamente comprimia o coeficiente de importaes. O coeficiente de 0,33, que demos como exemplo, refletiria uma determinada situao de equilbrio em que os preos internos e externos se mantivessem em certos nveis. Baixando bruscamente o poder aquisitivo externo da moeda, o nvel dos preos externos teria de elevar-se relativamente ao dos preos internos. Em tais circunstncias aquele coeficiente automaticamente tenderia a reduzir-se. por essa razo que se alcanava o equilbrio, se bem que em um nvel de depreciao cambial bem mais alto do que seria o caso na hiptese de que no tivesse havido a expanso de crdito para compra de caf a destruir. Se se compara a evoluo do poder aquisitivo externo e interno da moeda brasileira, nos anos que se seguiram crise, constata-se que entre 1929 e 1931 o poder de compra de um cruzeiro caiu no exterior cerca de 50 por cento mais do que dentro do pas. Essa situao reflete, at certo ponto, o esforo feito pela estrutura econmica para corrigir o desequilbrio externo criado pela manuteno de um elevado nvel de atividade dentro do pas. Que destino tomava essa renda, que, devendo ser despendida no exterior em importaes, ficava represada dentro do pas pelo mecanismo corretor da baixa do referido coeficiente? evidente que ia pressionar sobre os produtores internos. Como ocorre Frequentemente, ao corrigir o desequilbrio externo no se conseguia mais que transform-lo em desequilbrio interno. Grande parte da procura de mercadorias importadas se contraa com alta relativa de preos, tanto mais que se assim no ocorresse a moeda continuaria a depreciar-se at que a procura de importaes se equilibrasse com a oferta de divisas destinadas a esse fim. Nos anos da depresso, ao mesmo tempo que se contraam as rendas monetria e real, subiam ps preos relativos das mercadorias importadas, conjugando-se os dois fatores para reduzir a procura de importaes. J observamos que de 1929 ao ponto mais baixo da depresso a renda monetria no Brasil se reduziu entre 25 e 30 por cento. Nesse mesmo perodo o ndice de preos dos produtos importados subiu 33 por cento. Compreende-se, assim, que a reduo no quantum das importaes tenha sido superior a 60 por cento. Conseqentemente, o valor das importaes baixou de 14 para 8 por cento da renda territorial bruta, satisfazendo-se com oferta interna parte da procura que antes era coberta com importaes. Depreende-se facilmente a importncia crescente que, como elemento dinmico, ir logrando a procura interna nessa etapa de depresso. Ao manter-se a procura interna com maior firmeza que a externa, o setor que produzia para o mercado interno passa a oferecer melhores oportunidades de inverso que o setor exportador. Cria-se, em conseqncia, uma situao praticamente nova na economia brasileira, que era a preponderncia do setor ligado ao mercado interno no processo de formao de capital. A precria situao da economia cafeeira, que vivia em regime de destruio de um tero do que produzia com um baixo nvel de rentabilidade, afugentava desse setor os capitais que nele ainda se formavam. E no apenas os lucros lquidos, pois os gastos de manuteno e reposio foram praticamente suprimidos. A capacidade produtiva dos cafezais foi reduzida a cerca da metade, nos quinze anos que seguiram crise. Restringida a reposio, parte dos capitais que haviam sido imobilizados em plantaes de caf foi desinvertida. Boa parte desses capitais, no h dvida, a prpria agricultura de exportao se encarregou de absorver em outros setores, particularmente o do algodo. O preo mundial desse produto havia sido mantido, durante a depresso, em benefcio dos produtores e exportadores norte-americanos. Os produtores brasileiros no deixaram passar essa oportunidade, pois j em 1934 o valor da produo algodeira (preos pagos ae produtor) correspondia 50 por cento do^valor da produo cafeeira, enquanto em 1929 aquela relao havia sido de menos de 10 por cento. Contudo, o fator dinmico principal, nos anos que se seguem crise, passa a ser, sem nenhuma dvida, o mercado interno. A produo industrial, que se destinava em sua totalidade ao mercado interno, sofre durante a depresso uma queda de menos de 10 por cento, e j em 1933 recupera o nvel de 1929164. A produo agrcola para o mercado interno supera com igual rapidez os efeitos da crise. evidente que, mantendo-se elevado o nvel da procura e represan-do-se uma maior parte dessa procura dentro do pas, atravs do corte das importaes, as atividades ligadas ao mercado interno puderam manter, na maioria dos casos, e em alguns aumentar, sua taxa de rentabilidade. Esse aumento da taxa de rentabilidade se fazia concomitantemente com a queda dos lucros no setor ligado ao mercado externo. Explica-se, portanto, a preocupao de desviar capitais de um para outro setor. As atividades ligadas ao mercado interno no somente cresciam impulsionadas por seus maiores lucros, mas ainda recebiam novo impulso ao atrair capitais que se formavam ou desinvertiam no setor de exportao. bem verdade que o setor ligado ao mercado interno no podia aumentar sua capacidade, particularmente no campo industrial, sem importar equipamentos, e que estes se tinham feito mais caros com a depreciao do valor externo da moeda. Entretanto, o fator mais importante na primeira fase da expanso da produo deve ter sido o aproveitamento mais intenso da capacidade j instalada no pas. Bastaria citar como exemplo a indstria txtil, cuja produo aumentou substancialmente nos anos que se seguiram crise sem que sua capacidade produtiva tenha sido expandida. Esse aproveitamento mais intensivo da capacidade instalada possibilitava uma maior (164) Alguns setores da produo industrial haviam atravessado uma etapa de relativa depresso, nos anos vinte, quando es importaes (oram favorecidas pela situao cambial o caso tpico da indstria texffl, cuja produo de tecidos de algodo foi inferior em 1929 aos pontos mais altos alcanados durante a Primeira Guerra Mundial. A recuperao dessa indstria foi rpida, nos anos que se seguiram a crise. De 448 rrdhes de metros, a produo de tecidos de algodo elevou-se a 689 milhes em 1933 e91S mahes em 1936. Veja-se Anuro EstaOs-' 600. dt. p. 1.329. rentabilidade para o capital aplicado; criando os fundos necessrios, dentro da prpria Indstria para sua expanso subseqente. Outro fator que se deve ter em conta a possibilidade que s apresentou de adquirir a preos muito baixos, no exterior, equipamentos de segunda mo. Algumas das indstrias de maior vulto instaladas no pas, na depresso, o foram com equipamentos provenientes de fbricas que haviam fechado suas portas em pases mais fundamente atingidos pela crise industrial. O crescimento da procura de bens de capital, reflexo da expanso da produo para o mercado interno, e a forte elevao dos preos de importao desses bens, acarretada pela depreciao cambial, criaram condies propcias a instalao no pas de uma indstria de bens de capital. Esse tipo de indstria encontra, por uma srie de razes bvias, srias dificuldades para instalar-se em uma economia dependente. A procura de bens de capital coincide, nas economias desse tipo, com a expanso das exportaes - fator principal do aumento da renda - e portanto com a euforia cambial. Por outro lado, as indstrias de bens de capital so aquelas com respeito s quais, por motivos de tamanho de mercado, os pases subdesenvolvidos apresentam maiores desvantagens relativas. Somando-se essas desvantagens relativas s facilidades de importaes que prevalecem nas etapas em que aumenta a procura de bens de capital, tem-se um quadro do reduzido estmulo que existe para instalar as referidas indstrias nos pases de economia dependente. Ora, as condies que se criaram no Brasil nos anos trinta quebraram este crculo. A procura de bens de capital cresceu exatamente numa etapa em que as possibilidades de importao eram as mais precrias possveis. Com efeito, a produo de bens de capital no Brasil (se a medirmos pela de ferro e ao e cimento) pouco sofreu com a crise, recomeando a crescer j em 1931. Em 1932, ano mais baixo da depresso no Brasil, aquela produo j havia aumentado em 60 por cento com respeito a 1929. No mesmo perodo, as importaes de bens de capital se haviam reduzido a pouco mais da quinta parte. de enorme significao o fato de que em 1935 as inverses lquidas (medidas a preos constantes) tenham ultrapassado o nvel de 1929, quando as importaes de bens de capital apenas haviam alcanado 50 por cento do nvel deste ltimo ano. O nvel da renda nacional havia sido recuperado, no obstante esse corte pela metade nas importaes de bens de capital. evidente; portanto, que a economia no somente havia encontrado estmulo dentro dela mesma para anular os efeitos depressivos vindos de fora e continuar crescendo, mas tambm havia conseguido fabricar, parte dos materiais necessrios manuteno e expanso de sua capacidade produtiva. Vejamos, em sntese, que modificaes fundamentais resultaram para a economia brasileira da ao de todos esses fatores. Deve-se ter em conta, primeiramente, que a capacidade para importar no se recuperou nos anos trinta. Em 1937 ela ainda estava substancialmente abaixo do que havia sido em 1929. Em realidade, o quantum das importaes daquele ano - bem superiores ao de qualquer outro ano do decnio - esteve 23 por cento abaixo do de 1929. A renda criada pelas exportaes havia decrescido em termos reais. O quantum das exportaes aumentara, mas, como o poder aquisitivo da unidade de exportao com respeito unidade de importao se havia reduzido metade, evidente que a renda criada pelas exportaes era muito inferior165. O valor da produo agrcola a preos correntes havia subido de 7,5 para 7,8 bilhes de cruzeiros, no obstante a produo para exportao haver baixado de 5,5 para 4,5 bilhes. A participao das exportaes como elemento formador da renda do agricultor havia decrescido, portanto, de 70 para 57 por cento. bvio, por conseguinte, que, se a economia houvesse apenas reagido passivamente aos estmulos externos, no s teria enfrentado uma depresso muito mais profunda, como no se teria recuperado durante todo o decnio. A recuperao, entretanto, veio rpida, e comparativamente forte. A produo industrial cresceu em cerca de 50 por cento entre 1929 e 1937 e a produo primria para o mercado interno cresceu em mais de 40 por cento, no mesmo perodo. Dessa forma, no obstante a depresso imposta de fora, a renda nacional aumentou em 20 por cento entre aqueles dois anos, o que representa um incremento per (165) A situao do intercmbio externo nos anos trinta depreende-se claramente dos dados abaixo, relativos a 1937, ano mais favorvel do decnio: ANO Quantum dat xportaOe* Pnot dat axportaoaa Pnotdat ImportaOm fWaoUa pnoa CapackJada para importar Ouanrumdas *riporla6t 1929 1937 100.0 130.2 100 101 100 196 100 52 100 67 100.0 76.9 Enutto Econmico o krrk Ijflna. et Q fato que produo de caf tenha continuado a expandir-. se depois da crise e a circunstncia de que os cafeicultores se tivessem habituado aos planos de defesa dirigidos pelo governo respondem, em boa parte, pela manuteno da renda monetria do setor exportador. Ao produtor de caf pouco lhe interessava que a acumulao de estoques fosse financiada com emprstimos externos ou com expanso de crdito. A deciso de continuar financiando sem recursos externos a acumulao de estoques, qualquer que fosse a repercusso sobre a balana de pagamentos, foi de conseqncias que na poca no se podiam suspeitar. Mantinha-se, assim, a procura monetria em nvel relativamente elevado no setor exportador. Esse fato, combinado ao encarecimento brusco das importaes (conseqncia da depreciao cambial), existncia de capacidade ociosa em algumas das indstrias que trabalhavam para o mercado interno e ao fato de que j existia no pas um pequeno ncleo de indstrias de bens de capital, explica a rpida ascenso da produo industrial, que passa a ser o fator dinmico principal no processo de criao da renda. Essas modificaes bruscas na estrutura econmica no podiam deixar de trazer persistentes desequilbrios. O mais significativo destes talvez seja o que afeta a balana de pagamentos. A crise encontrou a economia brasileira mais ou menos adaptada a um certo coeficiente de importaes. Durante todo o decnio dos anos vinte, a relao entre o produto territorial e o valor das importaes no parece haver-se alterado de forma significativa. Ora, conforme j observamos, ao manter-se a renda monetria em nvel relativamente elevado enquanto baixava bruscamente a capacidade para importar, foi necessrio que subissem fortemente os preos relativos dos artigos importados para que se restabelecesse o equilbrio entre a procura e oferta de cambiais para pagar importaes. Estabeleceu-se; assim, um novo nvel de preos relativos para os artigos de produo interna e os artigos importados. Com base nesse novo nvel de preos relativos, desenvolveram-se as indstrias destinadas a substituir importaes. Em realidade, era esse nvel de preos relativos que servia de base ao industrial decidido a inverter neste ou naquele setor. Ocorre, porm, que a recuperao do setor exportador teria que trazer mais cedo ou mais tarde uma modificao, da situao cambial. Desde o momento em que -melhorassem os preos relativoVde exportao e aumentasse a disponibilidade de divisas, teria de modificar-se a situao cambial. Como fcil depreender, uma valorizao brusca do poder de compra externo da moeda traria necessariamente um aumento imediato da procura de bens importados e uma retrao idntica da procura de bens de produo interna, o que tenderia a reduzir a renda, pois criaria desemprego. Essa reduo de renda iria, por seu lado, contrair a procura de artigos importados, restabelecendo o equilbrio, em um nvel mais baixo de utilizao da capacidade produtiva. O mais provvel, entretanto, que a correo do desequilbrio se fizesse atravs da taxa de cmbio, e no do nvel da renda. Assim, a melhora da situao cambial, ao provocar um brusco aumento das importaes, criaria nova presso sobre a balana de pagamentos, invertendo-se o movimento da taxa de cmbio. Seria essa uma situao extremamente instvel, a qual poria de manifesto que o crescimento relativo do setor dedicado ao mercado interno tornava impraticvel o funcionamento de um sistema cambial com taxa flutuante. No sendo exeqvel o funcionamento do padro-ouro, era necessrio garantir por outra forma uma certa estabilidade cambial. Na economia tipicamente exportadora de matrias-primas a concorrncia entre produtores internos e importadores era quase inexistente. As flutuaes na taxa cambial comprimiam a procura de um ou de outro setor, mas no determinavam modificaes estruturais na oferta. Ao comearem a concorrer os dois setores, as modificaes na taxa cambial passaram a ter repercusses demasiado srias para que fossem abandonadas s contingncias do momento. Perdia-se, assim, um dos mecanismos de ajuste mais amplos de que dispunha a economia e ao mesmo tempo um dos instrumentos mais efetivos de defesa da velha estrutura econmica com razes na era colonial. As conseqncias da perda desse mecanismo sero profundas e respondem em boa parte pelas modificaes estruturais que continuaro a operar-se. Ao lograr sobrepor-se profunda crise dos anos trinta, a economia brasileira comprometeu partes fundamentais de seu mecanismo. Os desajustamentos conseqentes se manifestaro com plenitude na etapa de tenses que se inicia com a economia de guerra da primeira metade do decnio seguinte. CAPTULO XXXIII O DESEQUILBRIO EXTERNO E SUA PROPAGAO No captulo anterior se fez referncia ao fato de que a baixa do coeficiente de importao havia sido obtida, nos anos trinta, custa de um reajustamento profundo dos preos relativos. A alta da taxa cambial reduziu praticamente metade o poder aquisitivo externo da moeda brasileira e, se bem houve flutuaes durante o decnio nesse poder aquisitivo, a situao em 1938-1939 era praticamente idntica do ponto mais agudo da crise. Esta situao permitira um amplo barateamento relativo das mercadorias de produo interna, e foi sobre a base desse novo nvel de preos relativos que se processou o desenvolvimento industrial dos anos trinta. Observamos tambm que a formao de um s mercado para produtores internos e importadores - conseqncia natural do desenvolvimento do setor ligado ao mercado interno - transformou a taxa cambial em um instrumento de enorme importncia para todo o sistema econmico. Qualquer modificao, num sentido ou noutro, dessa taxa acarretaria uma alterao no nvel dos preos relativos dos produtos importados e produzidos no pas, os quais concorriam em um pequeno mercado. Era perfeitamente bvio que a eficincia do sistema econmico teria de prejudicar-se com os sobressaltos provocados pelas flutuaes cambiais. A possibilidade de perdas de grandes propores, ocasionadas pelo brusco barateamento das mercadorias concorrentes importadas, desencorajaria as inverses no setor ligado ao mercado interno. No era por outra razo que as economias mais desenvolvidas se haviam submetido ao delicado e dispendioso mecanismo do padro-ouro, que fazia solidrios a todos os sistemas nacionais de preos. J vimos que para uma economia tipicamente exportadora de matriasprimas o regime do padro-ouro se apresentava impraticvel. Mas, superada essa etapa, que se tornava impraticvel era subsisti dentro da indisciplina do sistema de preos que havia prevalecido antes. Apequena valorizao externa da moeda brasileira ocorrida entre 1934 e 1937 trouxe srios transtornos a alguns setores industriais ligados ao mercado interno. Essa melhoria na situao cambial foi, entretanto, passageira, pois nos ltimos anos do decnio houve nova depreciao no valor externo da moeda brasileira, o que praticamente restabeleceu o nvel de preos relativos que havia prevalecido depois da crise168. Ora, no comeo do decnio seguinte a poltica cambial iria ser submetida a uma prova definitiva. Acumulaes sucessivas de saldos positivos na balana de pagamentos, resultantes da situao criada pela guerra, iriam pressionar a taxa cambial no sentido de rebaix-la. Sendo a oferta de divisas internacionais muito superior procura, era inevitvel que a cotao das mesmas baixasse. Que conseqncias poderia ter essa elevao do poder de compra externo da moeda brasileira? Em primeiro lugar significaria preos mais baixos, em cruzeiros, para os produtos exportados. Os exportadores, em vez de receberem 20 cruzeiros por dlar de caf exportado, recebiam to-somente 10, digamos. Como o preo internacional do caf estava fixado em acordos, a valorizao da moeda significaria, em ltima instncia, prejuzos crescentes para o setor ca-feeiro. A contrapartida dessa valorizao seria o barateamento das mercadorias importadas, o que teria conseqncias diretas no setor manufatureiro. Se bem que a oferta externa de artigos manufaturados estivesse comprimida, o produtor interno se preocupava seriamente com a possibilidade de bruscas importaes em um nvel de preos muito mais baixo do que o que prevalecia no mercado. Dessa forma se aliavam contra a revalorizao externa da moeda os interesses dos exportadores e dos produtores ligados ao mercado interno. Compreende-se, assim, que o governo tenha fixado a taxa (167) A reforma cambial de 1953 constituiu um retorno ao regime do cmbio flutuante, nico em que a economia brasileira funcionou at hoje sem se criarem grandes problemas de balana de pagamento*. O novo sistema apresentava, demais, um elevado grau de flexibSdade, pois criou cinco compartimentos estanques que constituem outros tantos nfveis de paridade para o poder aquisitivo externo da moeda. (168) A anlise dos preos relativos no perodo 1929-37 faz-se com base hos ndices do custo de vida da cidade do Rio de Janeiro e dos preos de Importao exportao, j referidos. Cambial, evitando explicitamente qualquer recuperao do poder de compra externa da moeda. Criou-se, em consequncia dessa poltica, uma situao algo paradoxal. No momento em que o mercado mundial se transformava de forma crescente em um mercado de vendedores, isto , enquanto aumentava o nmero de compradores e diminua a oferta de mercadorias, o Brasil fixava o valor externo de sua moeda em um nvel de preos relativos que refletia a situao do decnio anterior, no qual havia sido necessrio baixar o valor externo da moeda pra recuperar o equilbrio na balana de pagamentos. Essa situao iria favorecer enormemente as atividades ligadas ao mercado externo. Mas, como nem sempre eram as linhas tradicionais de exportao as que se beneficiavam, pois a estrutura da procura externa se havia modificado, houve fortes deslocamentos de fatores dentro da economia em benefcio da produo daqueles artigos que encontravam mercado no exterior. Tal situao, sem lugar dvida, concorreu para agravar os efeitos dos srios desequilbrios internos surgidos na economia durante esse perodo. A poltica seguida durante os anos da guerra foi, na essncia, idntica que se havia adotado imediatamente depois da crise. Teve, como seria natural, conseqncias totalmente distintas, pois as situaes eram radicalmente diversas. Ao se fixar a taxa cambial, sustentava-se o nvel da renda monetria, tal como havia conseguido com a compra do caf invendvel no decnio anterior. Neste o caf no encontrava compradores; na nova etapa esses compradores existiam, mas efetuavam a compra a crdito, isto , pagavam com uma moeda que, em parte, era simples promessa de pagamento futuro. As conseqncias internas eram as mesmas: criava-se o fluxo de poder de compra dentro da economia sem uma contrapartida na oferta de bens e servios. A diferena entre as duas situaes estava no efeito que tinha sobre o sistema econmico esse fluxo de poder de compra criado sem contrapartida real. No comeo dos trinta esse poder de compra novo tomava o lugar automaticamente de outro que minguava, isto , daquele formado pela procura externa que se debilitava. Dessa forma evitava-se que se reduzisse o grau de utilizao da capacidade produtiva ligada ao setor interno. A situao que agora prevalecia era totalmente diversa. Partia-se de uma conjuntura em que a capacidade produtiva ligada ao mercado interno estava sendo intensamente utilizada. O ndice de preos de exportao cresceu em 75 por cento, entre 1937 e 1942, sendo portanto muito forte o estmulo externo. Ora, como o quantum das exportaes no mesmo perodo reduziu-se apenas em 25 por cento, ainda que a taxa de cmbio houvesse baixado de 20 para 15 cruzeiros por dlar a renda monetria criada pelo estmulo externo no se teria reduzido. Ao conservar a taxa de cmbio, estava-se, na realidade, incrementando a renda monetria do setor exportador, num momento em que a oferta de produtos importados se havia reduzido em mais de 40 por cento169. O contraste entre as duas situaes ressalta dos dados seguintes. Entre 1929 e 1933, o efeito combinado da estabilizao do quantum das exportaes e da baixa de preos dos produtos exportados detenninou - no obstante a desvalorizao da moeda - uma reduo da renda monetria criada pelas exportaes de aproximadamente 35 por cento. Entre 1937 e 1942, os mesmos fatores determinaram uma elevao da renda monetria criada no setor exportador de aproximadamente 45 por cento. Ora, como a reduo do quantum das importaes neste segundo perodo foi de 43 por cento, fcil compreender o desequilbrio que se introduziu na economia atravs do setor externo170. No sendo possvel evitar a contrao da oferta de bens importados, todo o aumento da renda monetria e mais uma parte dessa renda que antes se gastava com importaes eram represados no mercado interno. Se se tem em conta, demais, a presso resultante dos gastos de guerra e a baixa de produtividade provocada pelas dificuldades de toda ordem (169) A evoluo do intercmbio externo nos anos do conflito blico pode ser observada nos dados abaixo: ANO Quantum das exportaes Preos das exportaes Preos das importaes feiaiode preos Capacidade para importar Quanumoas importaes 1937 1942 1945 100.0 84.2 110.8 100 175 216 100 156 182 100 112 118 100 94 131 100.0 56.6 903 Efludo Eccnfrnco da Amrica Utn*. 1949. et (170) A semelhana da potftica com a do decnio anterior vai ao ponto de que se continuou a oomprar caf para estoques. Entre 1941 e 1943 se acumularam cerca de 2 bahoes de cruzeiros (a preos correntes) de estoques de caf. evidente que os efeitos dessa pofffica teriam de ser lotatmente distintos claquetos alcanados no decnio anterior, toso denwnslra cabalmente que a poMca da proteo do setor cafeeiro foi seguida sem conscincia de seus resultados ftimos. criadas pela mesma guerra, compreendem-se o extremo esforo a que foi submetido o" sistema econmico e a estagnao em que esteve submerso nesse perodo?71 Vejamos outros aspectos do problema cambial. Pela lgica do sistema cambial ento vigente, a queda na procura relativa de divisas deveria acarretar a depreciao destas, evitando-se assim que o desequilbrio externo se propagasse em toda sua extenso ao sistema econmico. A queda na procura de divisas significava, por outro lado, que o fluxo de renda monetria criado no setor exportador no tinha uma contrapartida real adequada na oferta de bens importados, sendo esse o ponto de partida do desequilbrio. Uma tal situao no podia, entretanto, perdurar, pois ao reduzir-se a procura de divisas abaixo da oferta destas, haveria uma baixa de preos das mesmas, recebendo os exportadores menores somas em cruzeiros por suas cambiais e redu-zindo-se a renda monetria criada no setor de exportao. Essa reduo de rendas viria contrapesar a contrao na oferta de bens e servios importados, corrigindo-se assim o desequilbrio. verdade que o barateamento das divisas significava que os importadores despenderiam menores somas com as mercadorias importadas, isto , comprariam as divisas a mais baixos preos. Ocorre, entretanto, que o maior comprador de divisas nessa ocasio eram as autoridades monetrias, que ficavam com toda a massa de divisas que no encontravam aplicao no intercmbio corrente. O montante do fluxo de renda criado pela reteno forada dessas divisas seria proporcionalmente menor, conforme fosse a baixa do preo das mesmas. Em sntese: o valor dessas reservas cambiais era aproximadamente igual ao excesso da renda criada no setor exportador sobre a contrapartida de bens e servios importados. Reduzindo-se o valor daquelas reservas, se reduziria em igual montante o excesso de renda monetria sobre a oferta de bens importados. Mas no est a todo o problema. Mesmo que tivesse sido possvel evitar o aumento do fluxo de renda criado pelas exportaes, atravs de uma revalorizao cambial, com isso no se evitaria a (171) Entra 1937 e 1942 houve um reduo da renda per capita de pelo menos 10 por cento, isto e. idntica ao crescimento da populao. Os dados relativos ao produto territorial real e a renda, a partir de 1939. tem como tonta O DesenvoMmenlo Econmico do Brasi. tnot-CB^. ei acumulao de reservas monetrias. Em condies normais a baixa de preo das divisas aumenta necessariamente a procura destas, pois barateia as mercadorias importadas, Incrementando seu poder de concorrncia. Dessa forma se restabelece o equilbrio entre oferta e procura de divisas. No perodo de guerra, porm, por mais que se barateassem as divisas, o volume das importaes no cresceria, pois a produo de bens exportveis e a disponibilidade de transporte martimo estavam controladas nos pases em guerra e independiam do sistema de preos. Dadas as condies que ento prevaleciam, qualquer que fosse a revalorizao do cruzeiro, a procura externa de mercadorias brasileiras se teria mantido e a oferta de mercadorias importadas teria ficado, de modo geral, inalterada. A acumulao de reservas era, portanto, inevitvel. A nica possibilidade que existia de corrigir esse tipo de desequilbrio estava em um desencorajamento dos produtores-exportadores, mediante o controle dos preos em cruzeiros. Mas, se uma tal poltica fosse considerada, os importadores premidos pelas necessidades de guerra teriam aumentado os preos em divisas ou ameaado cortar as exportaes para o Brasil, se este insistisse em uma tal poltica cambial. E bem verdade que se poderia ter evitado que a elevao, que a partir de 1941 se manifesta nos preos de exportao, inflasse a renda dos exportadores aprofundando o desequilbrio. Mas, mesmo que os preos pagos ao produtor e aos intermedirios no setor exportador houvessem sido conservados no nvel de 1939, o desequilbrio se teria formado medida que se acumulavam reservas. Ora, como a economia estava funcionando plena utilizao de sua capacidade produtiva, mesmo sem ter em conta os efeitos da baixa geral de produtividade, era inevitvel que a presso resultante do desequilbrio entre o nvel da renda monetria e o da oferta de bens e servios se resolvesse numa alta de preos. Essa alta de preos por seu lado refletia-se nos custos do setor exportador e dificultava a execuo de qualquer poltica tendente a conservar o nvel da renda nesse setor. No resta dvida, destarte, que o desequilbrio se teria formado, com ou sem revalorizao monetria. Mesmo que se tivesse optado por uma poltica de revalorizao, o desequilbrio, que sempre viria, teria tornado muito difcil lev-la adiante. Desencadeada a alta dos preos internos, a presso sobre o setor exportador teria aumentado de tal forma que se tornaria impraticvel obrigar os exportaidores a entregar suas divisas por um preo rebaixado ao arbtrio das autoridades monetrias. A situao que se criou nos anos da guerra era de grande complexidade e exigia, se se pretendesse corrigir o desequilbrio que se estava formando no sistema econmico - e que se manifestava atravs da alta rpida e desordenada dos preos - uma ao muito mais ampla que a simples manipulao cambial. Teria de partir do princ- pio de que a economia estava sendo submetida a um sobreesforo, e precisava produzir mais que o de que se necessitava correntemente para consumir e inverter no pas. Essa diferena era dada pela acumulao de reservas cambiais, as quais indicavam o montante do que se produzia mas no se utilizava no territrio nacional. Por outro lado, devia-se ter em conta que o governo estava aumentando os seus gastos com despesas militares, reduzindo mais ainda a parte do produto destinada a atender s necessidades dos consumidores e aos desejos dos inversionistas. Finalmente, caberia considerar a baixa geral de produtividade, ocasionada pelos transtornos do comrcio de cabotagem, pela substituio de combustveis de qualidade superior por outros de qualidade inferior, pela paralisao de mquinas por falta de peas, pela substituio de equipamentos mecnicos por mo-de-obra, etc. Enquanto isso, o fluxo de renda continuava a avolumar-se. O setor externo gerava uma massa de poder de compra que ia aumentando com a elevao dos preos internacionais. O governo distribua uma massa de salrios maior172. No setor privado a baixa de produtividade no acarretava reduo no pagamento aos fatores de produo empregados. Para restabelecer o equilbrio entre esse fluxo de renda e a oferta de bens e servios, que se havia reduzido, teria sido necessrio atuar sobre o conjunto da economia para distribuir adequadamente o peso da carga. A ao poderia ter sido orientada, seja no sentido de reduzir diretamente o fluxo de renda - cortando salrios e outras remuneraes -, seja no sentido de esterilizar parte (172) Sempre que os financiasse adequadamente, o governo nao criaria nenhum desequilbrio ao aumentar o* seus Qastos. Mas assim nao ocorreu, como o atestam os dficits persistentes desse pertodo. da renda que se criava. Numa economia de livre empresa este segundo mtodo de aplicao mais fcil e de resultados menos imprevisveis. Cortar remuneraes pode acarretar efeitos extremamente desalentadores, seja sobre os empresrios, seja sobre os prprios assalariados. Em uma etapa em que se necessitava estimular a produo esse mtodo seria de efeitos contraproducentes. A esterilizao de parte da renda significava apenas postergar o seu usufruto, o que perfeitamente aceitvel em pocas de emergncia, particularmente se essa medida vem acompanhada de uma srie de controles diretos sobre a distribuio dos produtos essenciais. Poderia perguntar-se por que razo no Brasil no se tentou corrigir o desequilbrio atravs de uma srie de medidas destinadas a congelar parte da renda monetria excedente, poltica que foi seguida com bastante xito em numerosos pases. A razo disso talvez esteja no fato que no fcil introduzir com xito medidas desse tipo quando o processo inflacionrio j est totalmente aberto. E esse processo se teria aberto no Brasil com mais rapidez do que na maioria dos demais pases. Vejamos a razo. Ao iniciar-se a conflagrao armada, em 1939, a economia mundial se encontrava em plena depresso. Havia, por esse motivo, uma grande capacidade produtiva no utilizada na maioria dos pases, sendo considervel o nmero de desempregados nos EUA, na Inglaterra, no Canad, na Austrlia e mesmo em pases de economias menos desenvolvidas, onde o fenmeno do desemprego menos aparente. A tenso causada pela guerra trouxe, atravs do aumento rpido dos gastos governamentais, a utilizao progressiva da capacidade produtiva ociosa. Calcula-se, por exemplo, que na Austrlia essa ocupao plena da capacidade existente no foi lograda antes de 1942. Somente depois de trs anos de guerra que a economia australiana chegou a sofrer uma verdadeira presso de procura excedente. Processos idnticos ocorreram na maioria dos pases. Esse perodo intermedirio constituiu uma espcie de amortecedor, dando tempo aos governos de montarem o aparelhamento necessrio ao controle da situao, antes que se manifestasse abertamente o desequilbrio. Em razo disso, foi relativamente fcil prever os setores onde se manifestaria mais agudamente o desequilbrio entre a procura e a oferta. Nesses setores, com tempo, foram introduzidos sistemas de controle direto. i6 outro lado, tambm foi possvel J introduzir com a devida'antecipao mecanismos destinados oriert tar a utilizao dos recursos; evitando-se assim-que surgisse nos pontos mais vulnerveis desequilbrio demasiadamente agudo. .. A economia brasileira, conforme vimos, se havia recuperado por suas prprias foras nos anos trinta e, ao contrrio do que ocorrera nos EA e numerosos outros pases, havia chegado a 1937 com um nvel de renda per capita superior ao de 1929. Por outro lado, a crise de 1938 foi de efeitos reduzidos no Brasil, pela simples razo de que o setor externo da economia no se havia propriamente recuperado na etapa anterior. Destarte, a queda da renda real, entre 1937 e 1938, foi de apenas 2 por cento, e j em 1939 o nvel de 1937 havia sido recuperado. Dessa forma, a economia brasileira no teve a seu favor um perodo de transio ao ser submetida ao esforo que a guerra imps a praticamente todos os pases do mundo. A tenso suplementar que se exerce sobre a economia, a partir de 1940, automaticamente acompanhada de uma alta brusca de preos. O nvel geral de preos, que entre 1929 e 1939 havia aumentado apenas em 31 por cento, entre 1940 e 1944 sobe 86 por cento. J em 1942, primeiro ano em que a economia submetida a um esforo mais intenso, o nvel de preos sobe 18 por cento173. Uma vez o desequilbrio resolvido em alta de preos, qualquer poltica corretora se torna mais difcil de aplicar. Isto porque a alta dos preos no seno um sintoma de que a forma de distribuio da renda se est modificando com rapidez. Vejamos mais de perto esse processo. A massa de renda criada no setor exportador se viu, bruscamente, sem contrapartida real, ao reduzirem-se as importaes. Em 1942, por exemplo, o valor fob das exportaes excedeu em 60 por cento o valor cif das importaes, alcanando o saldo de 2,8 bilhes de cruzeiros. Demais, a economia continuava a produzir caf em quantidade superior que podia colocar no exterior ou consumir. Os estoques de caf acumulados em 1942 se aproximaram de 1 bilho de cruzeiros. Se a estes fatores adicionamos o dficit governamental, (173) Como ndice do nvel de preos, a partir de 1939, utilizamos o deflator implcito na Renda Territorial, calculado peto grupo misto BNOE-CHVSL e publicado em O Desenvolvimento Econmico do Brasi, dl., primeira parte, apndice estatstico, quadro III. que for de 1,5 bilho de cruzeiros, temos j uma magnfica base de operao para o sistema bancrio expandir os meios de pagamentos, os quais aumentaram, entre 1942 e 1943, em cerca de 60 por cento174. Entre 1940 e 1943 a quantidade total de bens e servios disposio da populao no territrio nacional aumentou apenas em 2 por cento, enquanto o fluxo de renda se incrementou em 43 por cento. Essa disparidade d uma idia do desequilbrio que se formou entre a oferta real e a procura monetria175. Esse desequilbrio teria de acarretar uma elevao de preos, a qual, uma vez iniciada, tenderia a acelerar-se, pois uma das formas de defesa da renda real consiste em reduzir ao mnimo os ativos lquidos. Ora, a alta de preos no outra coisa seno uma valorizao, por efeito de presso da procura, de todos os bens em processo de produo ou j produzidos e em mos dos intermedirios. Essa elevao de preos tende a propagar-se a todo o sistema econmico, e a forma que toma esse processo responsvel pelo grau de redistribuio da renda que provoca. E fcil compreender que, ao iniciar-se um processo brusco de elevao de preos, os empresrios - pela razo de que detm estoques de operao ou de outro tipo nas vrias etapas do processo produtivo - realizam ganhos substanciais de capital. Dessa forma, a correo do desequilbrio traz consigo necessariamente - sempre que os mecanismos atuem espontaneamente - uma redistribuio da renda em benefcio de uns grupos e em prejuzo de outros. Como cada um desses grupos se comporta de forma distinta no que respeita utilizao da renda, essas transferncias fazem mais difcil prever a forma como a populao, em seu conjunto, querer gastar a totalidade da renda. por essa razo que, iniciando um processo de elevao rpida dos preos, torna-se extremamente difcil neutralizar a massa excedente de renda e introduzir controles diretos em pontos estratgicos. (174) Essa expanso anormal dos meios de pagamentos reflete, demais, a atitude totalmente passiva das autoridades monetrias. O sistema bancrio se encarregou de multiplicar rapidamente o impulso inflacionrio. , (175) Para os dados bsicos, veja-se O Desenvolvimento Econmico do Brasi, et. primeira parta, quadro apndice estatstico, quadro i. A mesma fonte se utiliza para todos os IndoM bsicos, citados no presente capitulo, referentes ao perodo que se inicia em 1939. A fixao da taxa cambial foi, conforme assinalamos, uma forma de proteger o setor exportador contra presso que as reservas cambiais acumuladas exerciam no sentido de valorizao da moeda brasileira, e, portanto, de baixa dos preos em cruzeiros das mercadorias exportadas. Entretanto, concorrendo para manter elevado o nvel da renda monetria, esse mecanismo de defesa desencadeou outros processos que tiveram efeitos inversos. A rpida ascenso dos preos teve evidentemente que repercutir sobre os custos no setor de exportao. Desde o momento em que se fixou a taxa do cmbio, o setor exportador encontrou-se capacitado para reter a totalidade do aumento dos preos no mercado exterior. Se o nvel dos preos internos subisse ainda mais que o dos preos de exportao, evidente que o setor exportador sofreria uma baixa de rentabilidade. Neste caso, a fixao da taxa de cmbio apenas teria evitado perdas de maiores propores para os exportadores. Entretanto assim no ocorreu para o conjunto da economia exportadora, pois, entre 1939 e 1944, enquanto o nvel dos preos internos se elevou 98 por cento, o dos preos de exportao cresceu em 110 por cento, se bem que tenha favorecido de forma muito desigual a distintos grupos176. Em todos os anos desse perodo os preos de exportao marcharam muito na frente do nvel interno de preos, o que revela que o setor exportador pde tirar partido da taxa fixa de cmbio para aumentar sua participao relativa na renda territorial. Se bem que no perodo do ps-guerra, que se estende at 1949, os preos internos se tenham elevado com intensidade idntica aos de exportao, o desnvel criado nos anos anteriores persistiu e ainda se ampliou nos anos subseqentes177. Este ponto tem enorme importncia na explicao das transformaes ocorridas na economia brasileira no decnio dos anos quarenta. Enquanto os preos internos e os de exportao se elevam intensamente em todo o perodo que (176) O preo pago ao produtor de caf. por exemplo, cresceu apenas em 31 por cento entre 1939 e 1943. enquanto o nvel geral de preos no pais se elevava em 65 por cento. Mas. ja em 1944. o produtor de caf recuperava e ultrapassava o nvel gera) de preos. (177) Entre 1939 e 1948 o nvel interno de preos aproximadamente triplicou e o dos preos de exportao quadruplicou. Entre este ltimo ano 1953. os preos internos aumentaram 64 por cento e os de exportao 84 por cento. tem incio em 1939, jos preos, de Importao crescem com muito menor rapidez. Entre1939 e 1944, por exemplo; os preos de importao aumentaram em 64 por cento, conquanto o nvel dos preos internos se elevou em 98 por cento. No perodo seguinte a disparidade continua a acentuar-se: entre 1944 e 1949 os preos de importao se elevam em 36 por cento, conquanto o nvel interno de preos cresa em 70. A conseqncia prtica dessa disparidade crescente foi a subverso do nvel relativo de preos que havia servido de base para o desenvolvimento industrial desde o comeo dos anos trinta. Se se compara a evoluo do nvel interno de preos no Brasil com a do nvel dos preos de importao, entre 1929 e 1939, comprova-se um crescimento relativo de 60 por cento nas mercadorias importadas. Foi sobre essa paridade de preos que se desenvolveu a economia brasileira desde a depresso at o presente. Uma tal paridade no significa necessariamente que o nvel de preos dentro do pas seja alto ou baixo, ou melhor, que a moeda esteja sub ou sobrevalorizada no exterior. Tanto possvel afirmar que em 1939 a moeda brasileira era subvalorizada no exterior como que o contrrio ocorria em 1929. Entre 1939 e 1949 opera-se um processo inverso, elevando-se o nvel de preos dentro do pas, comparativamente ao nvel dos preos de importao. Houve, portanto, uma revalorizao da moeda brasileira, apenas ocultada pelo sistema de controle de cmbio. Tendia a restabelecer-se a paridade entre o poder de compra interno e o externo que havia prevalecido em 1929. fcil perceber que uma modificao dessa ordem traria conseqncias profundas para o sistema econmico. A paridade de 1929 se refletia em um coeficiente de importaes relativamente elevado. Ora, nos anos trinta o desenvolvimento da economia teve por base o impulso interno e se processou no sentido da substituio de importaes por artigos de produo interna. Com efeito, medida que crescia a economia reduzia-se o coeficiente de importaes17*. (176) A comparao mais evidente quando feita entre uma srie de rendas e outra de importaes a preos constantes, para evitar que a elevao mais rpida dos preos de Importao faa subir artificialmente o coeficiente. Os dados relativos a esse coeficiente no perodo 1939-54 encontram-se em O Desenvolvimento Econmico do Brasa, c/f., primeira parte, apndice estatstico, quadro xw. O coeficiente de importaes reflete a composio do dispendio total da populao, ertre produtos importados e de produo interna. Para que a populao, que antes gastava perto de 20 por cento de sua renda com artigos importados, passe a gastar apenas 0 por cento, indispensvel que haja uma mudana fundamental nos preos relativos dos artigos importados e de produo interna. Uma mudana no nvel dos preos relativos teria de ser causada ou por um crescimento muito maior da produtividade dentro do pas que nos setores congneres dos pases de onde procedem as importaes, ou por uma modificao na taxa cambial, isto , por uma baixa no poder aquisitivo externo da moeda. fcil compreender que, dada a pobreza de capital e tcnica de que padece uma economia subdesenvolvida, seria pouco avisado atribuir principalmente melhora de produtividade relativa a reduo do coeficiente de importaes. Essa reduo na realidade s se operou porque uma srie de circunstncias favoreceram a manuteno da renda monetria e ampliou o mercado do setor interno, encarecendo as mercadorias importadas. Modificar essa nova paridade de preos seria comprometer toda a estrutura econmica que se havia fundado sobre ela. No significa isso que o coeficiente de importaes no pudesse ser modificado. Se se recuperava a capacidade para importar e esta crescia mais rapidamente que a renda, haveria que contar com uma elevao do coeficiente. Mas essa elevao no teria de ser feita alterando simplesmente a paridade de preos a que nos referimos. Se se reduzissem relativamente os preos de importao, o coeficiente subiria rapidamente, mas subiria criando novos desequilbrios na economia.