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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
O LUGAR DAS PROFESSORAS NEGRAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA
CATARINA
Azânia Mahin Romão Nogueira1
Resumo: Das professoras e professores atuando no ensino superior, 83,9% são brancas/os,
enquanto as professoras e professores negras/os constituem 14% do total. Não existem dados
específicos sobre mulheres negras na educação superior como corpo docente, porém, a disparidade
entre o número de docentes brancos e negros no ensino superior por si já indica que o número de
mulheres negras não pode ser superior a 14%. Já na Universidade Federal de Santa Catarina,
existem apenas dados referentes ao gênero e não a raça. São 943 professoras, representando 39% do
total de docentes atuando no ensino superior. O objetivo de nossa pesquisa é saber quantas são e
onde estão as professoras negras da UFSC, visibilizando essas mulheres que resistem pela simples
existência, transgredindo o status quo acadêmico. Observamos que as professoras negras estão
concentradas nos cursos historicamente associados com a função social na sociedade patriarcal, do
zelo e cuidado, como Letras e Pedagogia, mas também existem aquelas inseridas em espaços
dominados por homens, como Física e Bioquímica.
Palavras-chave: Professoras negras. Docência no ensino superior. Trajetória. Espaços de poder.
As práticas das desigualdades sociais, raciais, culturais e econômicas a que determinados
grupos ainda estão submetidos na sociedade brasileira também estão reproduzidas no mundo
acadêmico considerando que a universidade “é uma instituição social e como tal exprime de
maneira determinada a estrutura e o modo de funcionamento da sociedade como um todo” (Chaui,
2003, p. 05). Contudo, é também na academia que se encontram as possibilidades para a
superação das formas mais variadas de preconceito e desigualdades.
É com essa compreensão que desenvolvemos a pesquisa em andamento, onde procuramos
analisar a presença de professoras negras na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Apresentamos aqui alguns dos resultados preliminares desta investigação, para isso foram
analisados o Boletim de Dados, do ano 2016, disponibilizados na página da universidade na
internet, bem como as informações acerca as professoras da UFSC nas páginas dos
departamentos.
Compreendemos que intelectualidade negra no Brasil está intimamente ligada com a
trajetória dos movimentos negros no país (Santos, 2011), uma vez que as pesquisas também são
utilizadas como ferramentas de luta antirracista, sendo responsáveis pelas rupturas
epistemológicas e conquista de espaços de poder, dentro e fora da academia, atendendo às
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina, em
Florianópolis, Brasil.
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demandas desta parcela da sociedade. E quando falamos de mulheres negras, falamos de
demandas ainda mais específicas que não se satisfazem por completo apenas considerando as
questões de gênero nem apenas as questões raciais. Desta forma é seguro dizer que a pesquisa
científica protagonizada por intelectuais negros e negras é um dos elementos fundamentais para a
mudança da sociedade brasileira, visto que a ciência, como um produto social, deve ir além de
conhecer a realidade, interferindo nela, considerando que as explicações científicas possuem a
capacidade de transformar o mundo (Oliva, 2003). Dessa forma, essa pesquisa procura contribuir
para a luta antirracista não apenas por ser realizada por mulheres negras, mas também por
visibilizar essas mulheres, que existem e resistem em espaços de produção e reprodução do
machismo e racismo, dentre outras formas de opressão.
Mulheres negras na docência academia: o estado do conhecimento
A fim de mapear a produção preexistente referente ao tema, buscamos no Banco de Teses e
Dissertações da Capes trabalhos que discutissem mulheres negras no mundo acadêmico. Os
descritores utilizados para buscar os trabalhos foram: intelectuais negras; cientistas negras;
pesquisadoras negras; professoras negras ensino superior; e mulheres negras e ciência; negras e
produção do conhecimento. Obtivemos como resultado 15 trabalhos2, sendo dez dissertações e
cinco teses, defendidas entre 2004 a 2014 os quais apresentamos abaixo, divididas em dois grupos
principais:
O primeiro é o grupo de trabalhos que discutem negras na academia a partir das trajetórias
de mulheres na docência no ensino superior. Neste grupo encontramos 12 trabalhos, 04 teses e 08
dissertações, defendidas entre 2004 e 2012.
“Revisitando os percursos intelectuais e políticos de Beatriz do Nascimento e Lélia
Gonzalez”, dissertação de Ires dos Anjos Brito defendida em 2012, investigou, através de uma
análise sócio histórica, as trajetórias de Beatriz do Nascimento e Lélia Gonzalez, duas intelectuais
negras brasileiras e de que maneira seus posicionamentos políticos e acadêmicos contribuíram com
o movimento negro e feminista da época.
A dissertação “Trajetória de vida de intelectuais negros(as): contribuição para a educação
das relações étnico-raciais”, defendida em 2008 por Ana Paula dos Santos Gomes, teve como
2 Utilizando os descritores apontados, encontramos diversos trabalhos que tratavam de intelectuais e professoras negras,
mas não necessariamente dentro da academia. Estes trabalhos foram excluídos desta apresentação apenas por termos a
academia como lócus e não por acreditarmos que a intelectualidade é necessariamente indissociável deste meio.
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principal objetivo a valorização de intelectuais negros e negras, suas contribuições e experiências
de vida, a partir da investigação de quais processos educativos formam intelectuais negros. A
autora, através de entrevistas semiestruturadas busca os elementos para responder essa questão
central, analisando os dados através da descrição compreensiva a partir da Fenomenologia. Ela
aponta que as trajetórias destes intelectuais não é apenas individual, por conta do pertencimento
racial dos mesmos, que coletivamente possuem elementos análogos.
Maria do Rosário de Fátima Vieira da Silva em 2012 investigou em sua dissertação,
“Mulher afrodescendente na docência superior em Parnaíba: memórias da trajetória de vida e
ascensão social”, o processo de inserção de mulheres negras na docência superior na cidade de
Paranaíba, Piauí. A autora conclui que para este grupo de mulheres, que enfrenta obstáculos
historicamente impostos, a educação é a via principal para superá-los.
“Mulher negra professora universitária: trajetória, conflitos e identidade”, tese de Eliana de
Oliveira, defendida em 2004, discute, através da análise de entrevistas que relataram a trajetória
das professoras universitárias negras, de que maneira as relações raciais e de gênero estão presentes
no processo de construção de suas identidades e de sua ação pedagógica.
A dissertação de Maria Aparecida dos Santos Crisóstomo, defendida em 2008, “Mulher
negra: trajetórias e narrativas da docência universitária em Sorocaba – São Paulo” investiga a
condição das docentes negras no sistema privado de ensino superior da cidade de Sorocaba, São
Paulo, através da análise das trajetórias e narrativas de vida. Segundo a autora, o aumento da
presença da mulher negra na docência superior pode promover transformações na sociedade
marcada pelo neorracismo brasileiro.
Em “Mulheres negras e professoras no ensino superior: as histórias de vida que as
constituíram”, tese defendida em 2008, Maria Clareth Gonçalves Reis, buscou compreender os
processos de construção de identidades raciais de professoras negras do ensino superior. As
entrevistas de histórias de vida permitiram que a autora fizesse uma discussão sobre as relações
raciais no âmbito acadêmico e na constituição identitária das docentes.
Maria Auxiliadora de Paula Gonçalves Holanda em sua tese “Tornar-se negro: trajetórias de
vida de professores universitários no Ceará”, defendida em 2009, utiliza entrevistas
semiestruturadas para obter as narrativas de vida de professores e professoras universitárias no
Ceará para tratar da construção identitária e a naturalização da ausência do negro em espaços
historicamente ocupados por brancos, a partir da teoria da democracia racial e política de
branqueamento.
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Tereza Josefa Cruz dos Santos na dissertação “Trajetórias de professores universitários
negros em Mato Grosso” investigou, em 2002, a trajetória de professores e professoras negras que
trabalham em cursos de licenciatura na cidade de Cuiabá com o objetivo de investigar como se deu
a sua constituição como professores e a possibilidade de ascensão social via educação superior.
Em sua dissertação “Um estudo sobre intelectuais negros na academia entre 1970 e 1990:
trajetória acadêmica de Florentina Silva Souza”, Edna do Socorro Gomes Rodrigues Siqueira,
através da trajetória acadêmica da professora Florentina, analisa, em 2011, como se deu a entrada
dos pesquisadores negros na universidade nos cursos de Pós-Graduação no período de
redemocratização da sociedade brasileira e reestruturação dos movimentos sociais. A dissertação
trata de um aspecto individual e coletivo simultaneamente, mostrando como as relações raciais de
davam na sociedade e na academia.
Evenice Santos Chaves na tese defendida em 2006, “O Racismo na Trajetória Escolar e
Profissional de Professoras Universitárias”, utilizou uma entrevista narrativa, um questionário
sócio demográfico e uma lista de complementação de frases com três professoras do ensino
superior, uma preta, uma parda e uma branca, para investigar as desigualdades sociais e raciais no
percurso escolar e profissional das mesmas.
Em “Por essa porta estar fechada, outras tiveram que se abrir: identidade racial e trajetórias
de docentes da Universidade Federal de Minas Gerais”, dissertação de abordagem qualitativa e
quantitativa de Ana Amélia de Paula Laborne, defendida em 2008, o estudo é norteado em buscar
saber quais processos educativos na trajetória de pessoas negras constituem intelectuais negros. A
autora, após analisar relatos orais, percebe elementos comuns entre elas, como o comprometimento
com a comunidade negra, numa ótica da luta antirracista.
De Ednailda Maria dos Santos, a dissertação “Identidades e trajetórias de docentes
negra(o)s da UFAM” investigou, em 2010, através da história oral de vida, a trajetória de docentes
negras e negros da Universidade Federal do Amazonas procurando analisar o processo de
construção e reconstrução das identidades destes docentes, identificar as formas assumidas pelo
racismo institucional e a necessidade ou não de políticas afirmativas na instituição.
Percebemos nesta abordagem a discussão acerca da constituição identitária das mulheres
negras na academia, o papel de intelectuais negros e negras, as desigualdades nos percursos de
escolarização e a inserção acadêmica de mulheres negras. Indo do particular para o geral, numa
perspectiva multiescalar, compreendendo os desafios e especificidades enfrentadas pelas mulheres
negras pelo fato de serem mulheres negras.
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O segundo grupo de trabalhos é mais recente e discutem a docência negra na academia a
partir da produção do conhecimento pelas professoras negras e professores negros no ensino
superior. Neste grupo encontramos 03 trabalhos, 01 tese e 02 dissertações, defendidas entre 2011 e
2014.
“A cor na universidade: um estudo sobre a identidade étnica e racial de professores/as
negros/as da Universidade Federal do Maranhão no campus do Bacanga”, dissertação defendida
em 2011 por Raimundo Nonato Silva Júnior discute o processo que resultou na atual formação do
corpo docente da UFMA no campus Bacanga, discutindo o negro na sociedade brasileira. O autor
também faz uma reflexão sobre o processo de construção das identidades raciais de professores e
professoras do ensino superior a partir de entrevistas semiestruturadas.
Em "Os Segredos de Virgínia: Estudo de Atitudes Raciais em São Paulo (1945-1955)", tese
defendida por Janaina Damaceno Gomes em 2013, investiga a produção da socióloga, visitadora
psiquiátrica e psicanalista negra Virgínia Leone Bicudo sobre relações raciais no Brasil, produzidos
entre as décadas de 1940 e 1950, examinando as dimensões subjetivas do preconceito. A partir da
análise acerca do impacto dos estudos de atitudes de Virgínia Bicudo nas pesquisas sobre relações
raciais no Brasil, a autora discorre sobre os processos de legitimação do intelectual negro na
universidade.
Tayane Rogeria Lino defendeu em 2014 a dissertação intitulada “O lócus enunciativo do
sujeito subalterno: uma análise da produção científica de bell hooks e Gloria Anzaldúa”, onde,
como indica o título, analisa a produção científica de duas intelectuais negras: bell hooks e Gloria
Anzaldúa, com o objetivo de discutir acerca do lócus enunciativo do sujeito subalterno no meio
acadêmico. As estratégias epistemológicas empregadas pelas pesquisadoras investigadas são
também alvo do trabalho, que busca compreender as formas que os reconhecimentos identitátios
interferem na construção do conhecimento científico crítico.
Neste grupo, percebemos a motivação acadêmica em perceber de que formas o pensamento
negro se propõe contribuir para a construção de outra ciência, rompendo epistemologicamente com
a dominação colonial ainda presente na sociedade. Fabiane Ferreira da Silva e Paula Regina Costa
Ribeiro afirmam que “do mesmo modo que o gênero, a ciência também é uma construção social e
histórica, produto e efeito de relações de poder” (Silva; Ribeiro, 2011, pg. 2), sendo assim, ela não
é neutra. Foi construída vinculando os elementos que são socialmente vistos como pertencentes ao
gênero masculino, tornando-os os exemplos ideias de cientistas, os quais as mulheres deveriam se
equiparar.
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Ambas as tendências de pesquisa cumprem importantes papéis de explicitar quem são e o
que pensam as intelectuais negras e negros. Buscamos com o presente artigo contribuir neste
movimento, visibilizando as professoras negras que atuam na Universidade Federal de Santa
Catarina.
As professoras negras na Universidade Federal de Santa Catarina
A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) foi fundada em 18 de dezembro de
1960, em Florianópolis, capital do estado, está organizada atualmente em quatro campi. Além do
campus-sede Professor Reitor João David Ferreira Lima, localizado em Florianópolis, em 2009
foi inaugurado o Campus Araranguá, 218 km ao sul da capital. No mesmo ano foi inaugurado o
Campus Joinville, 177 km ao norte da capital. Em seguida foi inaugurado o Campus Curitibanos,
302 km de distância da capital a oeste. E em 2013 o Campus Blumenau foi inaugurado.
Segundo os dados mais recentes da Pró-reitoria de Planejamento e Orçamento são 2.316
docentes na UFSC atuando no ensino superior. Apesar da execução do Censo da Educação
Superior pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
anualmente, a UFSC não coleta dados com o recorte de raça/cor, dificultando estudos e pesquisas
que tenham como intenção, analisar a presença de docentes negras e negros.
É possível afirmar que a não coleta de dados com o quesito raça/cor pode ser reflexo do
racismo institucional, visto que, pode ser uma opção política da instituição não recolher tais
dados. Considera-se racismo institucional os mecanismos estruturais que reproduzem a
hierarquia racial nas ações do Estado, incluindo-se ai suas instituições (Werneck, 2013). Além
disso, essa ausência mostra que, apesar dos avanços conquistados pelo movimento negro em
diversas áreas da sociedade e do avanço das políticas de promoção da igualdade racial, ainda é um
esforço para que a questão racial seja vista como uma variável da desigualdade social em
ambientes hegemonicamente brancos.
O Boletim de Dados disponibilizado pela Pró-Reitoria de Planejamento e Orçamento
contabiliza 943 professoras na UFSC, cerca de 40% do total de docentes, divididas entre os cinco
campi: 823 professoras estão em Florianópolis, 35 em Araranguá, 32 em Curitibanos, 27 em
Blumenau e 26 em Joinville.
Considerando as dificuldades apresentadas no levantamento de quantas destas professoras
seriam negras, optamos por restringir nosso foco de estudo ao Campus Florianópolis, onde, a partir
das informações de cada departamento, heterodeclaramos as docentes, tanto no quesito de gênero,
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quanto no racial. Partimos dos centros com maior presença de professoras, acreditando que com
um universo maior, as chances de encontrar mulheres negras seria maior, para os centros com
menor presença feminina.
No campus na cidade-sede, os cursos são divididos entre 11 centros de ensino: o Centro
de Ciências Biológicas (CCB), o Centro de Ciências da Educação (CED), o Centro de Ciências
da Saúde (CCS), o Centro de Ciências Físicas e Matemáticas (CFM), o Centro de Ciências
Jurídicas (CCJ), o Centro de Comunicação e Expressão (CCE), o Centro de Desportos (CDS), o
Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH), o Centro Socioeconômico (CSE), o Centro
Tecnológico, além do Centro de Ciências Agrárias (CCA), o único que não se localiza no
campus Professor Reitor João David Ferreira Lima, ficando quase 4 km de distância da reitoria.
Em números absolutos, o Centro de Ciências da Saúde é o que abriga o maior número de
professoras, com 218 docentes, que representam 60% do total do centro. Aqui, identificamos duas
professoras negras. Estatisticamente falando, essas professoras representam menos de 1% do total
de mulheres nesse centro.
Ao analisarmos a proporção de professoras, é o Centro de Ciências da Educação o que
possui a maior representatividade onde as 96 professoras representam 68% das docentes
naquele centro. No CED identificamos duas professoras negras, que representam 2% das
mulheres aqui. Considerando apenas as mulheres, sem especificação racial, os dados aqui
apresentados reforçam a teoria de que as mulheres estão especialmente inseridas nas áreas
consideradas femininas, da educação e cuidado (Aquino, 2006).
Em seguida temos o Centro de Comunicação e Expressão (que também é o segundo em
números absolutos com 123 professoras) onde aproximadamente 55% das vagas docentes são
ocupadas por mulheres. Identificamos três professoras negras no CCE, que perfazem 2,4% das
docentes deste centro.
Já no Centro de Ciências Biológicas, as 74 professoras presentes representam 46% dos
docentes. Delas, apenas uma foi identificada como negra, representando 1,35% das professoram
neste centro.
O Centro de Filosofia e Ciências Humanas tem 42% do seu corpo docente composto por
mulheres, que somam 82 professoras. Destas, duas foram identificadas como negras, sendo,
portanto, 2,4% do total de professoras deste centro.
No Centro Socioeconômico as 58 mulheres presentes são 41% dos docentes. Uma
delas foi identificada como negra, representando 1,7% do total de professoras neste
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centro.
O Centro de Ciências Agrárias por sua vez tem 36% de mulheres dentre os docentes, que
totalizam 37 professoras. Identificamos uma professora negra neste centro, que representa 2,7%
das docentes aqui.
Na outra ponta, o centro com o menor percentual de professoras é o Centro de Ciências
Físicas e Matemáticas, onde as 30 professoras representam 16% dos docentes. Aqui foram
identificadas duas professoras negras, que representam 6,7% do corpo docente
feminino.
O Centro Tecnológico, onde as 71 professoras representam 19% dos docentes. Aqui
encontramos uma professora negra, que representa 1,4% das docentes neste centro.
Depois desses vem o Centro de Ciências Jurídicas onde 38% dos docentes são mulheres,
que somam 16 professoras. Este é o único centro do campus que não foram identificadas
professoras negras.
E o Centro de Desportos tem em seu corpo docente 38% de mulheres, sendo, portanto 18
professoras. Identificamos uma delas como negra, representando 5,5% do total de docentes
mulheres nesse centro.
Novamente, considerando os dados sem a especificação racial, corrobora-se a ideia de
que os cursos de maior prestígio, status social e considerados masculinos ainda permanecem
como áreas predominadas por homens, apesar da existência e resistência das mulheres (Silva;
Ribeiro, 2011).
Considerando apenas as docentes negras, podemos perceber que as 17 profissionais atuando
no campus sede estão presentes em todos os centros, com exceção do CCJ. Em nenhum dos
centros estas professoras representam mais do que 2,5% do corpo docente presente e a maior
representação numérica em relação ao total de professoras nos centros não passa de 7%.
Em termos de número absoluto, o CCE é o centro com maior quantidade de professoras
negras, com 03 docentes, seguindo a concentração percebida de mulheres sem a análise de
raça/cor. As docentes negras são todas do departamento de Letras integrando grades curriculares
de cursos distintos.
Observando a proporção de professoras negras em relação as suas demais colegas, percebe-
se o contrário do que quando observado apenas o gênero: o centro com menor proporção de
mulheres em geral é aquele de maior proporção de mulheres negras entre seus pares. O tamanho
reduzido do universo neste caso (30 professoras em um departamento com 184 docentes), faz que
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a baixa presença de mulheres negras (02 professoras) resulte em um número quantitativo mais
alto do que nos demais centros. Além disso, é importante pontuar que, mesmo estando em um
centro de ciências consideradas exatas, ambas as docentes atuam na formação de professores,
discutindo ensino e aprendizagem.
Considerando que as mulheres negras constituem 25,46% da população do país, a baixa
representatividade deste grupo no corpo docente brasileiro é um importante indicativo das
desigualdades raciais e da resistência do meio acadêmico em romper com elas. Ainda que
considerando o número de mulheres negras no estado de Santa Catarina (7,4%), mesmo sem os
dados oficiais de quantas professoras negras temos na UFSC, a partir do levantamento preliminar
aqui realizado, acreditamos que esse valor dificilmente alcançaria as 145 vagas necessárias para
atingir a mesma proporção.
Considerações finais
Boaventura de Souza Santos, afirma que “a universidade é um espaço tão privilegiado
quanto problemático” (2012). Esse privilégio masculino e branco ainda é defendido pelo corpo
docente, onde a resistência é mascarada por regras acadêmicas criadas e propagadas por aqueles que
serão por elas beneficiados. Antonia dos Santos Garcia aponta o “paradoxo contemporâneo
brasileiro” (Garcia, 2009, p. 21) onde se reconhece a existência do racismo, mas não da existência
de mecanismos sociais que perpetuam as desigualdades raciais, esse paradoxo permite que a baixa
representatividade de professoras negras em uma instituição como a UFSC não seja vista como
problemática, sendo naturalizada pela instituição. A ausência de dados com recorte de raça/cor
mostra que isto não é um fato que levanta questionamentos por parte da administração em querer
saber sobre a composição racial de seu corpo docente.
As especificidades de gênero e raça presentes no ser mulher negra são determinantes no que
diz respeito à desigualdade provinda das relações de poder, visto que o sexismo e o racismo atuam
juntos promovendo a exclusão social (Lima, 1995). As desigualdades nas relações raciais e de
gênero atingem as mulheres negras que estão em desvantagem duplamente. Inseridas no mundo
acadêmico, que ainda reproduz o machismo e o racismo, essas mulheres diversas vezes se veem
isoladas. Muitas vezes se associam com professores negros ou professoras brancas, mas
dificilmente encontram outras professoras negras que compartilhem experiências não apenas
acadêmicas, mas de vida, que podem, ou não, se refletirem em sua produção científica.
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O concurso para docentes na Universidade Federal de Santa Catarina não possuía nenhum
tipo de entrada especial, sendo as ações afirmativas restritas ao acesso para futuros alunos da
graduação e apenas considerando o quesito raça/cor. Porém, precisamos mais do que instrumentos
que garantam a entrada das mulheres negras na graduação para garantir um acréscimo de
professoras negras na docência superior, é preciso assegurar a sua permanência e acesso aos demais
níveis de educação e sua entrada na carreira docente nas universidades brasileiras. A lei que reserva
20% das vagas para negros e pardos nos concursos públicos federais, incluindo-se ai os concursos
para professores em institutos e universidades federais, por exemplo, é uma forma de ampliar o
número de docentes negras no país.
Sabemos que é essencial mais do que possibilitar a presença das mulheres negras nos
espaços científicos e sim uma transformação destes espaços. Essa representatividade é importante
não somente por permitir um contato entre professoras, mas para que as alunas da graduação
também vejam suas semelhantes em posições de excelência, como um estímulo e exemplo.
É importante, porém, que a UFSC tome medidas para qualificar o debate, combatendo o
racismo e o sexismo que ainda imperam nas relações de poder acadêmicas. José Jorge de Carvalho
ao falar do corpo docente da UnB diz que há áreas na universidade que funcionam “em um regime
de completo apartheid” (Carvalho, 2006, p. 91), sem nenhum questionamento político ou legal por
parte da instituição, que também não perde prestígio apesar de sustentar tal posição. Esse é o
principal problema da inércia das universidades perante a resistência da acadêmia em romper com
sua estrutura colonialista e segregadora, a validação da prática discriminatória.
O “confinamento racial acadêmico” (Carvalho, 2006) em que vivem muitas pesquisadoras
negras - que também é vivenciado por brancos e brancas que trabalham em departamentos onde não
existem negros -, torna mais difícil o diálogo sobre a questão racial. E são destes espaços
segregados que saem as teorias feministas, raciais e sociais que interpretam a nossa sociedade e que
percebem o racismo nela, na maioria das vezes não contestam a racialização presente no campo
acadêmico.
As cotas raciais iniciaram um processo de transformação no modelo acadêmico brasileiro.
Mais do que a simples presença de negros nas salas de aula, o sistema amplia o debate sobre o
racismo e sobre a sub-representação dos negros nos espaços de poder na sociedade em geral. É
importante que esse movimento não se resuma à entrada de negros e indígenas nas universidades
como estudantes e amplie as discussões sobre a racialização da ciência acadêmica.
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The place of black women professors in the Federal University of Santa Catarina
Abstract: Of the professors working in higher education, 83.9% are white, while black professors
make up 14% of the total. There is no specific data on black women in higher education as faculty,
but the disparity between the number of white and black teachers in higher education itself indicates
that the number of black women can’t exceed 14%. In the Federal University of Santa Catarina,
there are only data referring to gender and not race. There are 943 teachers, representing 39% of the
total number of teachers working in higher education. The objective of our research is to know how
many and where are the black women professors in UFSC, showcasing these women who resist by
existence, transgressing the academic status quo. We observe that black teachers are concentrated in
the courses historically associated with women’s social function in the patriarchal society, of zeal
and care, such as Literature and Pedagogy, but there are also those inserted in spaces dominated by
men, such as Physics and Biochemistry.
Keywords: Black women professors. Higher education. Place.