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1 Professora de Sociologia do Colégio Estadual Dr. Gastão Vidigal do município de Maringá.Licenciada em Ciências Sociais (2004) e Artes Visuais (2014), pela Universidade Estadual deMaringá (UEM). Especialista em Arte, Cultura e Produção e Metodologia no ensino de Arte.2 Professora do Departamento de Ciências Sociais da UEM. Graduada em Ciências Sociais, Mestreem Sociologia e doutora em Multimeios todos pela Unicamp.

O LUGAR DA ANTROPOLOGIA TAMBÉM É NA ESCOLA: leitura decontos literários para uma experiência antropológica na EducaçãoBásicaJossyara Aparecida Freitas de Souza1

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Zuleika de Paula Bueno2

ResumoO presente trabalho foi realizado ao longo do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE/PR),objetivou fomentar a discussão acerca do ensino da Antropologia na Educação Básica e implementaruma prática pedagógica a fim de promover uma experiência antropológica a partir da leitura de contosliterários e do exercício etnográfico. Com isso, buscou-se despertar nos estudantes uma nova formade pensar as práticas sociais, a partir da formação de um repertório teórico e conceitual queresignifique a sua consciência prática por meio da consciência discursiva e assim promover umareflexão que parta da biografia particular para questões mais amplas da sociedade desenvolvendocom isso a Imaginação Sociológica. A atividade de leitura dos contos foi conduzida por meio daAbordagem Discursiva da Linguagem que compreende o texto como um espaço capaz de revelaralgo que, num primeiro “olhar”, não é visível. Desse modo, os contos foram utilizados como umcampo a ser investigado e o fato literário “observado” similarmente a um fato etnográfico. A referidaprática pedagógica foi implementada no Colégio Estadual Dr. Gastão Vidigal, município de Maringá,com os estudantes da terceira série do Ensino Médio.Palavras – chave: Ensino de Sociologia; Leitura de Contos Literários; Imaginação Sociológica;Exercício Etnográfico.

IntroduçãoA Sociologia como disciplina escolar da Educação Básica do estado do

Paraná, engloba o ensino da Antropologia, da Política e da Sociologia. Por meiodessas três áreas que compõem as Ciências Sociais, acreditamos que seu ensinopossa contribuir para a compreensão da realidade social de modo ampliado esignificativo. No entanto, é perceptível um vazio de práticas metodológicas nosdocumentos orientadores, tanto os nacionais quanto os estaduais e nos materiaisdidáticos. Em grande medida, este esvaziamento pode ser decorrência dasconstantes rupturas na oferta da disciplina de Sociologia no currículo. Na históriarecentemente, conforme sinalizado nas Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná(DCE, 2008, p. 51), a obrigatoriedade da disciplina foi determinada no ano de 2007

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3 HANDFAS, Anita. O estado da arte do ensino de sociologia na educação básica: levantamentopreliminar da produção acadêmica. Inter-legere, Natal, RN, n. 9, p. 386-400, 2011. Disponível em:http://www.cchla.ufrn.br/interlegere/09/pdf/09es02.pdf. Acesso em 28 de jun. de 2016.

pelo Conselho Nacional de Educação, que orientou a inclusão das disciplinas deSociologia e Filosofia no Ensino Médio. No ano de 2008, o mesmo conselho aprovoua alteração no artigo 36 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/96), pormeio da Lei Federal nº 11.684 de 2008, que assegurou a oferta das disciplinas noEnsino Médio. Em 2016, sua obrigatoriedade volta a ser discutida no âmbito doGoverno Federal, por meio do Ministério da Educação que organiza o currículo doEnsino Médio.

Como consequência dessas rupturas, vemos um cenário de instabilidadeque, por sua vez, resulta em um tímido investimento em materiais didáticos -metodológicos - que é o objeto desse artigo - mas também pode provocar outrasconsequências, como por exemplo, a falta de interesse por temas voltados para oensino escolar da disciplina e até mesmo o desinteresse pela formação emlicenciatura em Ciências Sociais.

A DCE, por exemplo, como documento orientador, nos aponta que háinsuficiências na elaboração de “reflexões sobre como ensinar as teorias e osconceitos sociológicos, bem como dificuldades na delimitação dos conteúdospertinentes ao Ensino Médio” (DCE, 2008, p.53). Anita Handfas3, professora daFaculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, por meio dolevantamento realizado entre os anos de 1993 a 2010, sobre as produçõescientíficas apresentadas nos programas de pós-graduação, diz haver um vazio notema “ensino de sociologia”. Segundo o estudo, grande parte desses trabalhos estãoconcentrados nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Brasília (DF),Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Ceará e Rio Grande do Norte, nesta ordem.

A autora ainda sinaliza, que “são exatamente esses estados que vem seenvolvendo de maneira mais sistemática com as discussões sobre a formação doprofessor e o ensino de sociologia na Educação Básica” (HANDFAS, 2011, 440).Contudo, ela demonstra, citando Cunha (1992 apud HANDFAS, 2011 p. 434), queestas pesquisas sociológicas “por algum tempo privilegiaram outros temas ao daeducação, que revela, uma desvalorização da educação como objeto de estudo paraos cientistas sociais. ”

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4 PEIRANO, M. Etnografia não é método. Horizontes Antropológicos. Porto Alegre, ano 2008, n. 42,p. 377-391, jul./dez. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832014000200015. Acesso 11 de jun. de 2016.

A constatação de Handfas levanta uma questão importante, as pesquisassobre o ensino da Sociologia não estão concentradas nas áreas das CiênciasSociais. É urgente que este campo passe a ser investigado de modo sistemático poraqueles que diretamente estão inseridos no debate sobre o Ensino de Sociologia.Assim, abre-se um leque de possibilidades de pesquisas acerca, principalmente,voltadas para o trabalho a ser realizado em sala de aula. Neste sentido, cabe nestaspesquisas uma investigação sobre o currículo, sobre os encaminhamentosmetodológicos, sobre materiais pedagógicos e didáticos, sobre avaliação, entreoutros temas que dizem respeito ao processo de ensino e aprendizagem dessadisciplina e que ainda carece de produção.

Do pouco que é produzido, seja pesquisas acadêmicas, materiais didáticos eorientadores, quase que exclusivamente o tema fica concentrado nas áreas daSociologia e Política. Esta realidade pode ser verificada no próprio cotidiano escolar,nas formações continuadas e nos livros didáticos da disciplina. Ou seja, constata-seque a Antropologia, dentre as três áreas que compõe o ensino escolar de Sociologia,ainda é uma área pouco investigada e problematizada.

Os livros didáticos na sua maioria, tratam-na como parte acessória de outrosconhecimentos, sua especificidade é resumida em breves considerações históricas,sua epistemologia é apresentada sem uma reflexão teórica-metodológica. Foi estequadro que parece estar estabelecido na realidade observada, o grande motivadorpara a realização da presente pesquisa, no sentido de não somente buscarcompreender a Antropologia no ensino médio, mas contribuir para sua socializaçãoe construção nesta etapa de escolarização.

Se por um lado temos este problema percebido, do outro temos acompreensão da importância da Antropologia como um conhecimento capaz de nospermitir pensar o mundo que nos cerca de dentro dele e fora dele observandoeventos, os ditos e os não ditos, o permitido e o interdito e tudo como sinaliza MarizaPeirano (2008)4 “que nos afeta os sentidos”. Assim, evidenciamos a importânciadessa disciplina para o processo de ressignificar o mundo social, muitas vezesnaturalizados.

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5 BAUMAN, Z., MAY, T. Aprendendo a Pensar com a Sociologia. Trad. Alexandre Werneck. Rio deJaneiro, 2010.

Portanto, objetiva-se com este diálogo e com todo o trabalho realizado aolongo do PDE, estreitar a lacuna existente entre a produção teórica da Antropologiacomo conhecimento científico e a Antropologia como conhecimento escolar e suaprática de ensino. Para além disso, discutir os elementos epistemológicos acerca dadisciplina de Sociologia e sua importância no currículo da Educação Básica, nosentido de fortalecer sua presença no Ensino Médio, bem como, para a melhoria doensino público.1 Por que Sociologia?

... A Sociologia talvez não merecesse uma hora de esforço se tivesse porfinalidade apenas descobrir os cordões que movem os indivíduos que elaobserva, se esquecesse que lida com os homens, mesmo quando estes, àmaneira das marionetes, jogam um jogo cujas regras ignoram, em suma, seela não se desse à tarefa de restituir a esses homens o sentido de suasações. (Pierre Bourdieu, em O Camponês e seu corpo)Acreditamos que ao tratar da Antropologia, da Ciência Política e da

Sociologia por seus próprios recortes teóricos-conceituais, podemos adquirir umanova configuração da realidade, uma vez que estas áreas de conhecimento podemcontribuir para expandir a humanidade. Os autores Bauman e May (2010)5, indicamque na vida social há ocorrências e práticas tomadas por vezes como enigmáticas eaté mesmo ameaçadoras, mas seu entendimento passa pelo reconhecimento deque ocupam um lugar no espaço social e que são dotadas de significados. Por isso,frisam que ao:

... procurar explica-las pode se provar algo desafiador às formas existentesde ver – posto que essas formas de ver se relacionam a um segundosentido de entendimento, que nos dá forma a nosso conhecimento de umambiente que nos capacita a nele agir e ter bom desempenho. ” (BAUMAN,MAY, 2010, p. 264)Anthony Giddens (2008), também nos auxilia neste raciocínio quando

reforça a tese da importância do senso comum para a Sociologia, sobretudo porquepara ele, é a partir do repertório subjetivo dos sujeitos que a vida prática acontece. Asociologia neste sentido faria a articulação entre este polo, chamado por Giddens deConsciência Prática, ao das teorias sociológicas que conduziriam o sujeito para o

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6 OLIVEIRA, A. P. de Os desafios teórico-metodológicos do Ensino de Sociologia no Ensino médio.PERSPECTIVA, Florianópolis, v. 32, n. 3, p. 1019 - 1044, set./dez. 2014. Disponível em.:http://www.perspectiva.ufsc.br. Acesso 11 de jun. de 2016.

que ele chama de Consciência Discursiva. Este processo pode ser melhorcompreendido por meio das palavras de Oliveira (2014)6:

“há uma recontextualização dos elementos presentes na consciência práticaque os transforma (organiza) através da consciência discursiva, por outrolado, esses elementos devem ser novamente recontextualizados nouniverso escolar e, principalmente, no universo social, simbólico e cognitivono qual o aluno se encontra, de modo a tornar a explicação sociológicasignificativa para o sujeito. (OLIVEIRA, 2014, p. 1027).Neste sentido, é fundamental que na escolarização básica sejam pensadas

práticas metodológicas que superem a abstração dos conteúdos. Assim, pensamosque um caminho é propor atividades pedagógicas que sejam significativas emobilizem os estudantes a questionar o status quo, a desnaturalizar aquilo queparece comum, corriqueiro, familiar, etc. Ao vivenciar os conteúdos por meio deexperiências de ensino, os estudantes poderão ter a possibilidade de interiorizá-los,de perceber que eles são fruto de processos históricos e sociais e de utilizá-loscomo ferramentas para interpretar o mundo.

É vital que eles compreendam que o Homem é um ser da natureza, que vivena/da natureza, a supera e a transforma, é fundamental que eles adquiram naformação escolar uma nova forma de pensar, que possam perceber que suaspróprias biografias, suas vidas particulares estão inseridas em questões maisamplas da sociedade. Por isso, há todo um esforço para o desenvolvimento daImaginação Sociológica.

Soma-se a este raciocínio, portanto, a perspectiva de Charles Wright Mills,sobretudo porque ela auxilia na construção de uma abordagem pedagógica voltadapara o ensino de Sociologia no ensino médio ao considerar a possibilidade de partirde uma reflexão crítica da biografia pessoal/ particular dos indivíduos para umareflexão coletiva/pública. Isto é, reconhecer que os dilemas que parecem pessoaispodem ser observados como gerais quando se amplia o campo de observação darealidade próxima.

Enfim, a disciplina de Sociologia com seu recorte teórico-metodológicofornece alguns caminhos para pensar e repensar a prática social, ainda que ela

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passe despercebida como um objeto de estudo, por grande parte das pessoas.Portanto, a disciplina de Sociologia no ensino médio, declina qualquer tipo dereducionismo ou imediatismo acerca do seu objeto de estudo. Dessa forma, podeajudar no desenvolvimento do espírito crítico pelo viés da crítica científica. Logo, adisciplina de Sociologia, “(...) exerce um efeito libertador, pois através do olharsociológico a sociedade pode voltar-se sobre a si mesma e os agentes sociaispodem saber melhor o que são” (DCE, 2008, p. 68).

2 O lugar da Antropologia no ensino escolar básicoPartimos do pressuposto que neste nível de ensino, uma prática pedagógica

voltada para a dimensão antropológica, pode contribuir sobremaneira com asdiscussões acerca do homem, é importante salientar, por meio das palavras deLaplantine, que “a antropologia não é senão um certo olhar, um certo enfoque queconsiste em: a) o estudo do homem inteiro; b) o estudo do homem em todas associedades, sob todas as latitudes em todos os seus estados e em todas asépocas”. (LAPLANTINE, 2005, p.16).

Reforçamos a tese que o conhecimento antropológico na Educação Básica,não se limita apenas à formação escolar, mas avança para a formação humana. Acompreensão de si e da própria humanidade, a compreensão desse homem inteiro,que é apresentado nas mais diversas possibilidades de ser no mundo: o biológico, opsicológico, o social e o cultural. Para tanto, é pertinente salientar que ao estudar aAntropologia, entendemos a etnografia como parte intrínseca a essa área deconhecimento. Para subsidiar este nosso entendimento, citamos Marisa Peirano(2014) ao lembrar Evans-Pritchard, quando afirma que:

A etnografia é a ideia-mãe da Antropologia, ou seja, não há antropologiasem pesquisa empírica. A empiria – eventos, acontecimentos, palavras,textos, cheiros, sabores, tudo que nos afeta os sentidos – é o material queanalisamos e que para nós, não são apenas dados coletados, masquestionamentos, fonte de renovação. (PEIRANO, 2014, p. 380)

Por isso, no encaminhamento escolar, a Antropologia, bem como aEtnografia, deverão ser pensadas com o propósito de fazer com que os estudantesreflitam antropologicamente, articulando os elementos conceituais diretamente

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7 URIARTE, U. M. O que é fazer etnografia para os antropólogos. Ponto Urbe, 11 | 2012, posto onlineno dia 14 março 2014. Disponível em: http://pontourbe.revues.org/300. Acesso 06 de dez. 2016.

ligados ao conhecimento antropológico científico. Segundo Uriarte (2012)7, arealização de uma etnografia acontece “num mergulho profundo e prolongado navida cotidiana dos Outros que pretendemos apreender e compreender” (URIARTE,2012, p. 13). Contudo, na escola não temos o tempo necessário para um mergulhoprofundo e mesmo que houvesse, não seria nossa intenção uma vez que o presentetrabalho se delineou como um exercício ou uma experiência antropológica e nãopropriamente o fazer etnográfico. Porém, ainda nesta perspectiva da relevância daAntropologia e consequentemente da Etnografia, salientamos que nos mantemosem consonância com a abordagem teórica de Marisa Peirano e reforçamos quecompreendemos a etnografia como um conceito acadêmico, histórico e contextualque muda no tempo e no espaço. No artigo Etnografia, ou a teoria vivida (2008), aautora discorre sobre a etnografia, antes e a etnografia, hoje.

A etnografia antes, segundo Peirano, estava relacionada apenas ao fazerprático, por esse motivo tinha menos valor que a etnologia que se concentrava nateorização dos dados. Mais tarde - a etnografia - passa a ser questionada pelospróprios antropólogos que buscavam a “autoridade etnográfica” e iniciaram ummovimento que a identificava como “politicamente incorreta”. Neste momento, aautora se declara em favor da etnografia. Nas palavras dela: “a etnografia volta àcena de forma positiva e potencialmente criativa” (PEIRANO, 2008, p. 6). E ainda, aetnografia, ou melhor, “a (boa) etnografia de inspiração antropológica não é apenasuma metodologia e/ou uma prática de pesquisa, mas a própria teoria vivida”(PEIRANO, op. Cit. p. 9).

Neste sentido, reforçamos ainda mais nossa proposta de trabalho partindodo que estamos denominando de experiência antropológica, buscando priorizar umainvestigação teórica pautada nos conteúdos da Antropologia e na realização de umaprática pedagógica que considere a realidade da escola pública, sobretudo aparanaense, para assim assegurar uma prática possível de ser aplicada em grandeparte das escolas, a fim de contribuir de alguma maneira para a superação doproblema identificado na realidade escolar.

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3 Prática Pedagógica: antropologia e literaturaEvidentemente, existe “verdade” na literatura, mas é a verdade da literatura– da mesma forma que existe uma verdade da ciência, embora ela só possaser a verdade da ciência. Em ambos os casos, as verdades de que estamosfalando afirmam seu valor de verdade porque seguiram fielmente o códigode procedimento prescrito. Não é uma questão de marcar pontos na mesmaliga dos que se dedicam à busca da verdade, mas de competir emdiferentes ligas para ganhar diferentes troféus. Em última instância, é acompreensão que cada um tem da vocação sociológica que determina suaescolha, e não a superioridade intrínseca de rivais e competidores namesma corrida e na mesma pista. (Zygmunt Bauman. Para que serve asociologia? Rio de Janeiro: Zahar, 2015, p. 30-31)

A prática de intervenção pedagógica nasceu durante os encontros deorientação com a professora Zuleika do DCS da UEM, a partir de um esqueleto deprojeto que desde o início concentrou-se na abordagem do tema ensino daAntropologia na educação básica. Outros pontos, delimitados nessa fase inicial,foram a seleção do público –alvo a qual a proposta seria desenvolvida e o recorte dotema. Como nossa intenção era trabalhar com a Antropologia, selecionamos asturmas dos terceiros anos do ensino médio do Colégio Estadual Dr. Gastão Vidigal,estabelecimento onde ocorreu a implementação do trabalho, tendo em vista que é asérie que abrange grande parte dos conteúdos da antropologia. Doravante, fomosencaminhando a produção didático pedagógica configurando-a numa unidadedidática de ensino, que consiste na elaboração de um tema, aprofundando-o deforma teórica e metodológica.

Como o trabalho seria desenvolvido em 11 turmas de terceiros anos,totalizando aproximadamente 407 estudantes, descartamos a possibilidade de sair acampo. Por outro lado, implementar em apenas uma, duas ou algumas poucasturmas não nos daria respostas acerca da aplicabilidade da prática e como partimosdo pressuposto que se desenvolvêssemos como base na realidade supracitada, amesma poderia ser desenvolvida numa realidade com um número reduzido deestudantes, o contrário talvez não.

Sendo assim, procuramos uma aproximação entre a atividade etnográfica ea literatura, pois esta última poderia fazer a vez do campo. Dentro dessaperspectiva, pensamos em uma prática de leitura de contos literários, onde o fatoliterário pudesse ser tratado similarmente a um fato etnográfico e com isso, proporpara o público alvo uma experiência antropológica na Educação Básica quepermitisse a observação de que “nossos comportamentos, por mínimo que sejam

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8 MARIA,Luzia de. O Que é Conto. In: Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 2004.9 NAVARRO, Pedro. Discurso, texto e leitura: espaço de (des) encontros do leitor com o autor. In:Revista Literatura: teoria e prática. Vol. 30, nº. 58, ano 2012. Disponível em >https://ltp.emnuvens.com.br/ltp/article/view/8 <. Acesso em 09 de set. de 2017.

(gestos, mímicas, posturas, reações afetivas), de fato não tem nada de ‘natural’”(LAPLANTINE, 2004, p. 14). Contudo, vale ressaltar que não estamos tratando aliteratura e etnografia como sinônimas. Neste ponto, concordamos com Laplantine,quando observa que no Ocidente os grandes livros de literatura são relatos deviagens. Porém, nem por isso podem ser considerados livros de etnologia, já que anatureza dessas obras é muito diferente entre si. (LAPLANTINE, 2005, p. 175).

A escolha do gênero conto foi devido ao fato dele ser um texto curto, idealpara o trabalho que estávamos objetivando, e ao mesmo tempo capaz de proporuma discussão profunda, como observado por Maria8, quando salienta que ele podepartir de um episódio da realidade e que muitas vezes pode passar despercebido,pode ser um fato qualquer, um fato fugaz e que narrado produz no leitor umaexplosão que a, nas palavras da autora: “... as comportas mentais a expandirem-se,projetando a sensibilidade e a inteligência a dimensões que ultrapasseminfinitamente o espaço e o tempo da leitura”. (MARIA, 2004, p. 24 – 25).

Indubitavelmente, a atividade se aproximou da disciplina de LínguaPortuguesa, sobretudo porque os contos ao serem lidos exigiria um suporte quepudesse fornecer caminhos para conduzir a leitura de modo organizado, isto é, nãoqueríamos uma leitura casual, aleatória. Por isso, selecionamos a abordagemdiscursiva da linguagem como prática de leitura, uma vez que ela considera o textocomo histórico e social, onde a leitura produz sentidos. A respeito dela, partilharmosdas considerações de Navarro (2012)9, que nos esclarece que o desenvolvimentodessa prática exige que seja estabelecido um espaço de leitura que compreendaoutros sentidos para além do literal e que é preciso deixar de adotar o ato de lercomo uma passividade. Ou seja, sinaliza que a leitura satisfatória implica na tríadeautor, texto e leitor. Em suma, ao ler um texto pela perspectiva discursiva dalinguagem é preciso que o professor adote, segundo Navarro:

... uma prática que propicie ao aluno fabricar sua leitura. As atividadesdecodificadoras e de compreensão literal são etapas necessárias, mas otrabalho não deve parar nelas. Ir além é tarefa difícil, com certeza, mas é apossibilidade de não reproduzir, em sala de aula, a ideologia do consumo-receptáculo. ” (NAVARRO, 2012, p. 71).

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4 Prática Pedagógica: implementação4.1 Apresentação dos conteúdos antropológicos

A unidade didática “O lugar da Antropologia também é na escola: leitura decontos literários para uma experiência antropológica na Educação Básica” foidesenvolvida dentro da linha de Ensino de Sociologia – O ensino escolar daSociologia, suas possibilidades e potencialidades teóricas e pedagógicas - e trataespecialmente do ensino escolar da Antropologia. Foi implementada no ColégioEstadual Dr. Gastão Vidigal, localizado no município de Maringá, Paraná e tevecomo público alvo os estudantes da terceira série do Ensino Médio. Sendo, períododa manhã: 3º A, 3º B, 3º C, 3º D, 3º E, 3º F, 3º G, 3º I, 3º J, tarde: 3º M e noite: 3º N.

Isto posto, apresentamos abaixo nosso cronograma de implementação:

Cronograma de Implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica na EscolaAno: 2017 MesesAtividades 02 03 04 05 06

Partes 1,2,3 e 4:Apresentação do conteúdo básico: desenvolvimentoantropológico do conceito de cultura e suacontribuição na análise das diferentes sociedades

X X X

Parte 5:Apresentação dos conteúdos referentes ao Contopopular e Conto literário.

X

Parte 6:Encaminhamentos para a prática de leitura pelaabordagem discursiva da linguagem

X

Parte 7: Leitura antropológica dos contos XVerificação dos resultados X

As partes 1, 2, 3 e 4 da unidade didático pedagógica, versa sobre oconteúdo que estrutura o ensino da Antropologia nesta etapa de escolarização, isto

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é, Cultura e Indústria Cultural (DCE, 2008), foram implementadas ao longo dosmeses de fevereiro, março e abril com intuito de introduzir as principais discussõesantropológicas e instrumentalizar os estudantes para a atividade final de leituraantropológica dos contos.

No decorrer dessa parte inicial da implementação, os estudantes semostraram atentos, curiosos e participativos, sobretudo ao relacionar o contexto daformação da Antropologia com o contexto histórico, como por exemplo oImperialismo/neo-colonialismo, que eles estavam estudando na disciplina deHistória. Outro ponto, foi acerca do interesse pelos conceitos abordados nas aulas,tais como: alteridade, etnocentrismo, relativismo cultural, estranhamento,desnaturalização, entre outros pertinentes para o desenvolvimento do pensarantropológico.

Uma das dificuldades apresentadas nesse momento foi com relação aotempo para o desenvolvimento dos conteúdos, como a referida proposta foiorganizada para um sistema trimestral, o tempo para o desenvolvimento, ainda quesuficiente, exigiu um planejamento (PTD) cuidadoso e algumas adaptações foramnecessárias para sintetizar os conteúdos das aulas. Assim, salientamos que aprática ao ser implementada revelou a necessidade de ser adaptada, o quecorrobora com nossa intenção inicial de não perder de vista o chão da escola, ouseja, a prática é um caminho, um pensar sobre o ensino escolar da Antropologia eestará aberta para um diálogo com as diferentes realidades escolares ou mesmo àsparticularidades de cada docente.

4.2 Apresentação das características do conto popular e literárioA parte 5, aborda a Antropologia como conhecimento, que dentre outras

coisas, se dedica a compreender a capacidade do ser humano de agir e transformara natureza e a si próprio por meio de um potencial criador capaz de inventardiferentes modos de vida e formas de organização social. Diante disso, osconteúdos referentes ao conto popular e ao conto literário foram apresentados aosestudantes, demonstrando como as narrativas de cunho popular buscam explicar omundo e seus mistérios por meio do senso comum.

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É importante perceber que estas narrativas são formadas a partir daexperiência empírica no mundo e por isso refletem superstições e interpretaçõesintuitivas. Assim, os contos populares, conforme nos informa Maria em seu livro "Oque é Conto" (2004), abordam uma série de dilemas que são profundamentehumanos, questões existenciais, como: o nascimento, o envelhecimento, a morte e odesejo da vida eterna, e situações que expressam a força e a fraqueza, aintemperança e a virtude, o medo, a punição, a origem do mundo, enfim, a luta entreo bem e o mal, dos fracos contra os fortes e, quase sempre, a vitória do bem e o queele representa: a justiça, a bondade, etc. Ensina valores morais e éticos e faz oalertar sobre os perigos da vida. Entretanto, os contos populares, mesmo que tratemde temas reais, são marcadas por representações alegóricas e o seu entendimentoacontece fora da leitura literal, ou seja, diz uma coisa para falar outra.

O conto literário, por sua vez, é aquele que se apresenta na forma delinguagem verbal escrita, advém das antigas narrativas da tradição oral. Mas,diferentemente destas, é uma expressão artística onde os escritores adotam ascaracterísticas da linguagem direta e dinâmica para narrar um fato verossímil. OConto literário é escrito em prosa, se distingue das demais narrativas por seutamanho. Contudo, o número reduzido de páginas não o torna menor em qualidade,pelo contrário, é curto porque é denso. A forma como o conto se apresenta, sendoconciso e breve, é a sua maior qualidade, o dado quantitativo é mera decorrência doaspecto qualitativo do texto, que dá o seu recado mesmo em reduzido número depáginas ou linhas. (MARIA, ibdem, p. 23)

Como uma manifestação artística, o conto literário abandona o domíniocoletivo da linguagem para o universo da criação individual do escritor. A experiêncialiterária da criação permite que o narrador desempenhe a função de um “contador-criador-escritor” (SALES, G. 2009, p. 72), que se coloca sempre como um sersensível ante “o real com que se defronta” (MARIA, ibdem, p. 78). O conto comoexperiência literária adquire autonomia a partir do Romantismo, século XIX, e podeser entendido como uma reação ao racionalismo provocado pelo Iluminismo doséculo anterior. Porém, foi no século XX, que se exigiu uma nova postura do leitor,as narrativas desse período não são para aqueles que esperam uma leituraprazerosa e fácil, pois forçam o leitor a descruzar os braços e participarematentamente do jogo. (MARIA, ibdem, p. 83). Espera-se “um leitor que não tenhapressa de envelhecer e não vá sedento ao pote (...), mas um leitor que olhe em

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10 MORICONI, Ítalo. Os Cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

todas as direções, um leitor atento não para ‘o quê’ o texto conta, mas atento a‘como’ o texto conta. (MARIA, ibdem, p.83-84).

4.3 Leitura dos contos literários a partir da abordagem discursiva dalinguagem

Após a fundamentação antropológica e a discussão acerca da natureza doconto popular e literário, iniciou-se a implementação da parte 6, começando pelaleitura dos contos literários. A seleção dos contos começou ainda no processo deprodução da unidade didática, foram lidos por volta de 80 contos, desses ficaram 24e depois selecionados 10. Durante este processo, todos os contos foram lido comaplicação da ficha de leitura para verificar se a mesma realmente ajudaria na leiturainicial (a ficha encontra-se em Anexo e foi desenvolvida para auxiliar os estudantes aidentificar no texto os elementos estruturais da forma e do conteúdo, a fim depromover a leitura denotativa e conotativa).

Também ocorreu o exercício da leitura antropológica aos moldes de umaexperiência etnográfica, devido a isso foi possível realizar uma observação viva eintensa, prestando atenção em todos os detalhes como se estivesse fazendo aobservação participante, olhando tudo e olhando bem, dialogando com os conceitosantropológicos, vivendo a narrativa do conto, vivendo como personagens (nativos)se colocando no lugar deles, registrando os dados, interpretando - os. E por fim, pormeio do esforço intelectual, foi possível comunicar esta experiência, que se voltoupara o contexto e fez surgir o que ainda não havia sido "dito" ou revelando pelo oconteúdo, aquilo que estava presente nas entrelinhas da narrativa do conto. Foi umprocesso lento, permeado por ansiedade e dúvidas, do tipo: "Será que este exercíciovai funcionar como prática de ensino de antropologia?

Enfim, dando continuidade, optamos por uma seleção de contos brasileirosque abordassem as vivências e/ou dilemas iniciados na juventude, temasatemporais, que mexessem com o imaginário, que provocassem, instigassem eproblematizassem situações que poderiam passar despercebidas ou mesmoclassificadas muitas vezes como banais. Dos 10 contos utilizados no trabalho, 09integram o livro Os cem melhores contos brasileiros do século (2009), organizadopor Ítalo Moriconi10, são eles: As mãos de meu filho de Érico Veríssimo, O peru de

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11 http://www.releituras.com/joaodorio_homem.asp

Natal de Mário de Andrade, Gringuinho de Samuel Rawet, Sem enfeite nenhum deAdélia Prado, Uma vela para Dario de Dalton Trevisan, O homem nú de FernadoSabino, O Arquivo de Victor Giudice, A Caolha de Júlia Lopes de Almeida e Fazendoa barba de Luiz Vilella. O conto O homem da cabeça de papelão de João do Rio11 foio único retirado da internet. Os contos foram distribuídos para as turmas e ficaramorganizados da seguinte maneira:

3º A - As mãos de meu filho de Érico Veríssimo,3º B - O peru de Natal de Mário de Andrade,3º C - Gringuinho de Samuel Rawet,3º D e M - Sem enfeite nenhum de Adélia Prado,3º E - Uma vela para Dario de Dalton Trevisan,3º F - O homem da cabeça de papelão de João do Rio,3º G - O homem nú de Fernado Sabino,3º I - O Arquivo de Victor Giudice,3º J - A Caolha de Júlia Lopes de Almeida3º N - Fazendo a barba de Luiz Vilella.O primeiro momento da leitura foi livre e individual, pois queríamos que o

leitor dialogasse com o texto, em que, parafraseando a DCE de Língua Portuguesa(2008), suas experiências de mundo e seus conhecimentos prévios viessem à tonacomo aspectos que o constituem. Por isso, buscamos na abordagem discursiva dalinguagem uma ferramenta capaz de, primeiro, nos permitir realizar uma leitura paraalém do reconhecimento dos códigos linguísticos, pois não basta para receberinformação, somente decodificar a mensagem. Segundo, porque ela compreende otexto como uma realidade significante, isto é, reconhece que ele é histórico e social,que apresenta a fala dos sujeitos. Em suma, não é meramente um objeto verbal, eleconversa com o leitor, e desse diálogo nasce o sentido, que “não é inerente ao texto,ou seja, o sentido não está no texto, mas é construído na interação entre asinformações por ele fornecidas e o conhecimento anterior (conhecimento prévio ouenciclopédico, textual e léxico-sistêmico do (a) leitor (a).” (DIAS, 2007, p. 48).

Neste sentido, a ficha de leitura foi muito significativa para o processo decompreensão da leitura, uma vez que ela organizou as informações identificadas no

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texto e os estudantes puderam voltar quantas vezes foram necessárias para seusregistros a fim de preencher, neste momento não mais os vazios da ficha, mas desuas elaborações mentais. Este vaivém, entre texto e ficha, foi importante para queos estudantes percebessem e até mesmo controlassem a pressa em encontrar asrespostas. A todo o momento eles indagavam a professora no sentido de que asrespostas fossem fornecidas a eles. Esta reação revelou algo interessante e que vaiao encontro de muitas falas que rondam a escola - "os alunos querem tudomastigado". A sensação era que eles não compreendiam que o caminho tambémera para ser percebido. Era dito a eles "a alegria não está somente na chegada, masna chegada com qualidade, olhem pela janela". No entanto, ao saberem que aprofessora tinha as respostas, pareciam não compreender porque o prolongamentodo sofrimento.

Acerca dessa leitura, elencamos algumas dificuldades pontuais dosestudantes, sobretudo para extrair o assunto do texto, avançar para além do literal econseguir analisar o conto com mais calma, sentindo e percebendo suascaracterísticas, o conflito, o clímax, os arranjos do autor, a graça do título em relaçãoao conteúdo. Enfim, a ficha de leitura contribuiu para o andamento da atividade,tirando-os da posição de leitores passivos e colocando-os na condição de poder“fabricar suas leituras”. Porém, não resolveu todos os problemas, principalmenteaqueles que dizem respeito ao entendimento individual.

Por meio dessa prática de leitura, foi possível observar que a formação docapital cultural e a formação escolar contribui, sobremaneira, para análise dostextos. Após a leitura individual, foi proposto um debate, onde todos puderam exporseus entendimentos individuais e iniciais. Em algumas salas, a discussão em tornodo texto fluiu melhor que em outras, porém, todos atingiram ao objetivo decompreensão do mesmo, em grande medida devido a discussão avançar do nívelindividual para o coletivo, permitindo que todos participassem da análise sendo queassim, alguns estudantes puderam perceber aquilo que passou despercebido na suaprimeira leitura. A dificuldade percebida aqui, diz respeito a linguagem simbólica, ouseja, aquilo que é dito nas entrelinhas do texto, e sobre a linguagem formal, oarranjo estrutural da escrita.

James Clifford (1998), ao abordar as dimensões: alegórica e retórica de umanarrativa, adentra nos campo da linguagem simbólica e formal e nos informa que aalegoria pode ser entendida como uma metáfora, uma dimensão implícita do texto,

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12 MARTINS, M.C., PICOSQUE, G. GUERRA, M.T. Didático do Ensino de Arte: a língua do mundo: poetiza, fruir econhecer arte. São Paulo: FTD, 1998.

enquanto a retórica - o arranjo estrutural das palavras que são organizadas para nosdizer o que precisa ser dito. Se por um lado, tínhamos estudantes com dificuldadede avançar para além do óbvio, ou seja, em atingir a linguagem simbólica. Do outro,havia aqueles que apresentavam dificuldades na linguagem formal. Somando-se aisso, também havia os que com pressa, queriam ler rápido, preencher a ficha deleitura e terminar a atividade, indo contra ao que estávamos propondo. Em todos oscasos, foi necessária a mediação da professora.

Ao concebermos que quem lê bem aprende mais e melhor, buscamosinsistentemente a valorização do texto e do leitor, a interpretação e a compreensão,sem perder de vista que o conto como expressão artística, possui um código que épróprio de sua linguagem e que é instrumentalizado pelo autor no seu processo decriação. Segundo consta no livro Didática do Ensino de Arte: a língua do mundo(1998)12, "o modo de produzir do artista e que caracteriza a criação de signosartísticos é a sua exploração e originalidade da organização em relação ao uso doscódigos da linguagem a qual trabalha." (p. 45).

Com base nisso, o conto foi sendo revelado conforme cada um foi sentido epercebendo ele no seu interior, ao explicar com suas próprias palavras o que haviaentendido do conto para o outro e ouvindo o entendimento do outro. Nessa troca,nessa conversa interessada que aconteceu entre o leitor e o texto, depois entre osleitores e novamente com o texto, se desenvolveu a compreensão do mesmo, apercepção e consciência de que na arte tudo tem intenção, que o autor por meio deseus sentidos, intuição, imaginação, intelecto, sensações comunica algo pela formae pelo conteúdo: "se o conteúdo está associado a temática, à forma está associadaa marca do autor, a sua poética, o seu modo de fazer/ mostrar/ expressar esseconteúdo" (ibidem, p. 57).

Sobre isso, vale salientar uma situação que ocorreu na implementação doconto O Gringuinho, na sala do 3º C. Este conto possui uma narrativa recheada deanacronias entre o presente e o passado, próximo e distante. O gringuinho,personagem principal é um menino imigrante que se instala no Brasil e sofre dilemasde um estrangeiro. O autor para narrar o conteúdo do conto se utiliza de uma formaque na leitura inicial dos estudantes foi vista como complicada, diziam que nãohaviam entendido nada. O recurso do autor foi brincar com o tempo, as memórias de

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um tempo feliz do menino na sua terra natal (passado distante) e memórias de umpassado recente, como por exemplo, o ontem, e que se apresentava a todomomento, conforme os obstáculos que o menino enfrentava no presente. Somente,após diversas leituras e socialização na sala de aula, que os estudantes forampercebendo as marcas do autor, sua forma de escrever, e foram tomandoconsciência da genialidade da criação, a ponto de concluírem que Samuel Rawetnão era um louco, mas, "o cara".

4.4 Experiência antropológica na Educação BásicaSobre a leitura antropológica dos contos literários, primeiramente foi

percebido quão importante foi ter desenvolvido uma discussão inicial sobre asespecificidades desse gênero e tê-los preparados para a atividade que consistia em“mergulhar no campo”, observar os detalhes até os mais minúsculos, identificar osdados, transformar um dado literário em um dado etnográfico, anotar, sistematizar,interpretar e traduzir, para que eles pudessem compreender a dinâmica da leituradentro das duas dimensões elencadas no trabalho, uma da abordagem discursiva dalinguagem e outra antropológica que tinha com objetivo revelar o inédito, ou sejafazer surgir algo que não estava aparente no texto a partir de uma observaçãoparticipante, dentro do que estamos denominando de exercício etnográfico.

Ao transformar o fato literário em um fato etnográfico, foi permitido aoestudante reelaborar, o que Anthony Giddens (1989), chama de Consciência Prática(conjunto de conhecimentos da vida cotidiana) em uma Consciência Discursiva(conjunto de conhecimentos de expressados pelo discursivo). O estudante teve, apartir da atividade, um momento para repensar suas próprias ações, similarmentecomo acontece no próprio esforço intelectual da Etnografia quando provoca arevelação de si próprio ao revelar o outro.

A leitura antropológica, a partir do mergulho profundo na leitura do conto,passa pelo entendimento dado por Clifford Geertz quando trata o fazer etnográficocomo uma forma de construir uma leitura que nasce a partir de desafios esignificados.

Assim, para a prática, foi repassada aos estudantes a seguinte orientação:

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1. Mergulhe na leitura;2. Olhe tudo e olhe bem;3. Viva com eles e como eles (se coloque no lugar das personagens);4. Identifique os “dados” mesmo os aparentemente minúsculos;5. Transforme os fatos literários em fatos etnográficos: estranhe o familiar, registre,organize as anotações, pense sobre, interprete;6. Retome a teoria (o conhecimento antropológico: desafie o seu senso comum,repense e reformule);7. Lembre-se em fazer surgir o que não foi dito (literalmente no texto), revele oinédito.

O trabalho de campo no nosso caso foi controlado, tanto pelo formato docampo - um conto, quanto pelo tempo destinado para a atividade. Certamente, háuma grande diferença entre a experiência etnográfica que almejamos na elaboraçãodo projeto, que organizamos na unidade didática e que implementamos na escola,do trabalho etnográfico profissional. Mas, a nossa intenção não era promover naescola uma micro-etnografia, e sim, propor uma forma dos estudantesdesenvolverem a Imaginação Sociológica por meio da internalização doconhecimento antropológico, sobretudo na formação de um repertório de conceitosque podem ser instrumentalizados por eles como ferramentas de análise do mundoque os rodeiam, significando e resignificando as ações sociais. Em resumo, aatividade objetivou uma experiência a qual permitia a sua extensão para a vida reale em despertar no indivíduo uma nova forma de pensar e promover uma reflexãoque parta da sua biografia particular para questões mais amplas da sociedade.

Após a leitura antropológica, várias interpretações foram aparecendo, ateoria foi sendo aplicada e os conceitos identificados.

No 3º A - As mãos de meu filho de Érico Veríssimo, narra a vida de umafamília de origem humilde e faz uma breve reflexão acerca do conflito familiar e aquestão da felicidade. Dona Margarida por meio do seu trabalho de costureira,passava as noites costurando para prover o sustento da sua família e com issogarantiu o estudo do seu filho Gilberto/Betinho que se tornou um grande pianista,que levava o público ao êxtase com seu talento. Por outro lado, Inocêncio, marido deDona Margarida e pai de Gilberto/Betinho, era omisso e alcoolista. Não toleravatrabalho e tinha convicção de sua pobreza. A leitura antropológica desse conto,

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permitiu analisar a questão da ação social em Max Weber, escolhas e caminhos queseguimos, pobreza material e espiritual, felicidade, a questão da mulher, relações detrabalho, família, padrões e papeis sociais, desigualdade social, meritocracia,esforço pessoal, etc.

No 3º B - O peru de Natal de Mário de Andrade, conto que a turma jáconhecia porque é uma das leituras obrigatória do vestibular da UEM, apresentauma família patriarcal, que vive de aparências e tradições. O primeiro natal dafamília, após a morte do pai, é marcado por um conflito entre a representação do paie do peru, onde o primeiro simboliza a rigidez e a frieza e o segundo a felicidade e aliberdade. Aqui foi revelado a transição do filho/criança para o filho/adulto,assumindo a responsabilidade que era antes do pai, trazendo consigo umarenovação no seio da família, rejeitando a hipocrisia e a falsidade que imperava nafamília, principalmente quando o pai queria se mostrar para os convidados dasfestas familiares. Discutiram a importância da imagem social, a estrutura da famíliapatriarcal, a situação da mulher, a transição do jovem para adulto, asresponsabilidades e os desafios do mundo.

3º C - Gringuinho de Samuel Rawet, neste conto comentado anteriormente,foi discutida a questão dos imigrantes, a exclusão social, identidade e diferençacultural, estereótipo, estigma, etnocentrismo, coerção social, poder e violência,socialização.

3º D e M - Sem enfeite nenhum de Adélia Prado, é narrado pelo menina, filhade pais humildes. Mãe muito religiosa e supersticiosa, não ligava para coisasluxuosas, achava que algo mais simples deveria ser mais valorizado e que o mesmopoderia lhe trazer um melhor proveito. Este conto, revelou segundo a leituraantropológica dos estudantes, uma mãe que carregava uma dor não revelada, otítulo Sem enfeite nenhum seria a própria vida da mãe, como se ela negasse a si odireito de ser feliz. Para os estudantes, foi a perda de um filho que a deixou assim,amargurada, com dor, medo e culpa. Foram discutidas questões sobre doremocional, culpa, aparência pessoal e imagem social, família, morte, doença,superstição e religião, valores e normas sociais.

3º E - Uma vela para Dario de Dalton Trevisan, é a narrativa de Dário quecaminhando pela rua, perder a consciência e tomba na calçada. Os transeuntescomeçaram a parar ao redor dele, ao passo que tentam ajudá-lo, mas cada vez maisDario vai ficando pior, é roubado e negligenciado até o fim quando acaba por morrer

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como indigente pois seus documentos desaparecem. Pessoas assistem a cena depelas janelas das casas ou no café próximo. O conto permitiu um diálogo com ostemas: a indiferença, a sociedade do espetáculo, o uso abusivo do celular, a invasãoda privacidade, a exploração do outro, o reconhecimento do outro por um igual,tendo em vista que o único a ser solidário foi um menino negro e descalço queacende uma vela para Dário, exclusão social e a invisibilidade social, sobretudo commoradores de rua ou indigentes.

3º F - O homem da cabeça de papelão de João do Rio, conta a história deAntenor, um rapaz que mora na capital do país do Sol, vive com sua mãe e algunsparentes. Embora sendo bom, sincero, honesto e inteligente era mal visto, suasqualidades eram tidas como defeitos terríveis para os habitantes da sua cidade, poislá todos estavam acostumados a trapacear, a falsificar, a valorizar a vaidade e ahipocrisia tudo de acordo com a mentira. Quando Antenor se apaixona, vem umultimato, para ele tomar juízo. Antenor procura alguém para consertar sua cabeça enão encontra ninguém, até que vai até uma relojoaria e acaba deixando a cabeça lápara o relojoeiro dar uma olhada. Sai do lugar com uma cabeça de papelão e comela sua vida se torna melhor, vira até político. Com ela aprende a pensar e agir comoos outros. O texto permitiu discutir conceitos como o de harmonia e coesão social,alienação, ideologia, relações sociais, classe social, valores e normas sociais,hipocrisia, corrupção, o desejo de tirar vantagens do outro, exploração.

3º G - O homem nú de Fernado Sabino, narra a história de um homem quelembra que logo cedo será cobrado e que havia esquecido de trazer dinheiro paracasa, assim orienta a esposa para que ela não abra a porta e com isso evitar quesua reputação de bom pagador seja manchada. A esposa entra no banheiro quandoo homem resolve pegar o pão do lado de fora do apartamento, a porta se fecha comvento e o homem fica preso pelo lado de fora completamente nu e várias situaçõesocorrem expondo-o de forma que ele nunca imaginou. Este conto trouxe umareflexão acerca da imagem social, do papel social, valores sociais, sobre a nudezliteral e o se sentir nú, impotente e sem saída diante de algumas situações.

3º I - O Arquivo de Victor Giudice, retrata a desumanização de um trabalhadorchamado João que após sucessivos rebaixamentos de postos e salários na empresaque se dedicou por vários anos e quando próximo de se aposentar acabadesumanizado, transformado em um arquivo de metal. A partir do conto, foiproblematizado conceitos como o de reificação do homem, as relações de trabalho,

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a exploração da mão de obra, a aposentadoria e as leis trabalhistas. Algunsestudantes apontaram situações de trabalhos que causaram doenças físicas epsicológicas em familiares. Houve também uma discussão concentrada numa linhaliberal, que enxergou a miséria do trabalhador como culpa do Estado e dosimpostos, todos falaram, discutiram, defenderam seus pontos de vista e a atividadefoi concluída com êxito, estimulou o pensar e promoveu as várias vozes em torno dotema proposto.

3º J - A Caolha de Júlia Lopes de Almeida, aborda a relação entre a Caolha eo seu filho, conhecido pela alcunha de filho da Caolha. A Caolha era cega de umolho, purulento causava nojo nas pessoas, seus aspecto de velha e mal acabadaassustava quem a encarava. Pobre e mesmo com as mãos tortas de reumatismo,lavava roupa para os outros. O filho da Caolha, sofria na escola e em qualquer outrolugar que frequentasse, simplesmente por ser o filho da Caolha. Quando seapaixonou, a namorada deu um ultimato, não queria ser reconhecida como a norada Caolha, ele teria que escolher entre a mãe e a namorada. Acabam brigando, ofilho procura a madrinha que o convence de conversar com a mãe. Durante aconversa um segredo é revelado e a história ganha outro sentido. Foram percebidosno texto, elementos sobre a questão da identidade - a Caolha e o filho sãoapresentados somente pelo apelido, preconceito e discriminação, relação familiar,aparência física e imagem social, vergonha, afeto, respeito, caridade e piedade,culpa, trabalho, exclusão social, mulher, pobreza, cobrança, namoro.

3º N - Fazendo a barba de Luiz Vilella aborda o tema morte por meio dobarbeiro e seu ajudante que vão fazer a barba de um morto, ao longo do trabalhoconversam sobre a morte e após, saem da casa do morto e passam num bar paratomar uma pinguinha. Neste conto foi revelado uma linha do tempo, do nascimento amorte, sendo representada pelo ajudante que ao questionar a morte vai se tornandomais maduro. Os estudantes interpretaram que o título Fazendo a barba poderia sera uma analogia ao ajudante que ao longo do texto vai se transformando em homem,pronto para fazer a barba, dele e do outro, já que está adentrando ao mundo dotrabalho. A morte do menino e o nascimento de um homem. Abordaram, o temamorte no sentido literal, mas também as mortes pelas quais as pessoas passampara fazer nascer algo novo, sobre as responsabilidades do mundo adulto, sobrejuventude e os dilemas, tais como: relacionamentos, trabalho, sonhos, drogas,gravidez, doenças, etc.

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Considerações FinaisEste breve trabalho propôs uma discussão acerca do ensino da Sociologia

na Educação Básica, principalmente sobre o ensino da Antropologia que é parteintegrante da disciplina de Sociologia nesta etapa de escolarização, e que é, muitasvezes, encaminhada nos livros didáticos e outros materiais escolares, como umconhecimento acessório. Diante disso, pensou-se numa abordagem que pudesseproblematizar essa ausência da Antropologia, como também a própria história daSociologia que tem uma trajetória fragmentada na Educação Básica. No entanto,mesmo sendo extremamente relevantes, estas discussões não foram centrais nopresente trabalho. Este, objetivou, de maneira mais contundente, a elaboração deuma prática pedagógica voltada para o ensino da Antropologia, viável de seraplicada nas diversas realidades escolares que temos no Estado do Paraná e comisso, contribuir para fomentar o debate em torno das questões sinalizadas acima afim de abrir novas possibilidades de diálogos e pesquisas, bem como para aconsolidação da disciplina escolar de Sociologia, o fortalecimento do Programa deDesenvolvimento Educacional e por fim, para a qualidade da educação pública.

Quando escolhemos trabalhar com contos literários, pensamos napossibilidade de implementar uma atividade que pudesse ser desenvolvida duranteas aulas de Sociologia, levando em conta as possibilidades reais para a suaimplementação, por isso elaboramos uma atividade que não requer uma mão deobra específica e nem mesmo gasto financeiro. Claro que todo encaminhamentopedagógico, por mais simples que possa parecer vai exigir um planejamento, estenão é diferente. O preparo passa pela organização dos conteúdos, da didática, dosmateriais, entre outros elementos que fazem parte da dimensão pedagógica queenvolve o ensinar e o aprender.

Frisamos que este trabalho não finda-se em si mesmo, pelo contrário, foiuma experiência que buscou suscitar novas abordagens, inclusive complementosforam e serão bem vindos, com os recebidos durantes o Grupo de Trabalho emRede (GTR), em que os colegas participantes puderam apreciar o referido trabalho efazer apontamentos sobre os melhores meios para a sua implementação, novosolhares e novos arranjos, referências de textos e exemplos de atividades correlatas.Tudo isso foi absorvido e causou um movimento que culminou em adaptações

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durante a implementação da unidade didática, como por exemplo: conteúdo queseria trabalhado antes ficou para depois e vice-versa, ajuste do tempo, modo deorganizar os contos, enfim uma série de contribuições fizeram parte dessa atividade.

Uma orientação que apareceu no GTR foi sobre a diminuição dos contos, defato esta observação se mostrou muito pertinente. Foram implementados 10 contospara 11 turmas, talvez uns 5 ou 6 contos se repetindo entre as salas poderiamprovocar um novo olhar sobre como cada sala interpreta o mesmo conto, fora quediminuiria o trabalho antes e durante, que de fato, exigiu muito. Contudo, o maisimportante é que concluímos a atividade e ela se mostrou viável de ser aplicada comou sem adaptações.

O exercício de relacionar os contos literários com um trabalho etnográficopara uma experiência antropológica foi concluído com satisfação, tendo em vista quetodas as turmas, ainda que em tempos diferentes, conseguiram responder aosobjetivos esperados, tanto na primeira quanto na segunda leitura. Os debates emtorno dos contos propiciaram entre os estudantes um diálogo franco, eles puderamreconhecer o próprio etnocentrismo e os preconceitos que todos carregam em maiorou menor grau. Puderam praticar o relativismo cultural, compreender que os fatos docotidianos, assim como os fatos literários, podem ser compreendidos a partir daelaboração de uma consciência discursiva que possibilita a partir do repertórioteórico-conceitual avançar sobre o mundo naturalizado que se apresentadiariamente.

A escolha pela abordagem discursiva da linguagem como recurso para acompreensão da atividade de leitura, bem como do encaminhamento da mesma, foiao encontro linha metodológica definida no trabalho. Quando selecionamos CharlesWright Mills e Anthony Giddens para fundamentar teórica e metodologicamentenosso trabalho, definimos um caminho que evidencia categoricamente nossaintenção, nossa percepção e consciência sobre o que queremos com nossotrabalho. Assim, fechamos por ora nosso diálogo com a sensação de que muito hápor vir.

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Anexos

Questões presentes na ficha de leituraElementos Estruturais da Forma: Quem é o Autor? Qual é o Título? Quem é oPersonagem principal? Quem são os Personagens secundários? Onde a históriaocorre? Qual o período da história?Elementos Estruturais do Conteúdo: Qual é o assunto? Qual é o enredo? Qual éo clímax/conflito?1º. Introdução: Com quem aconteceu? Onde aconteceu? Quando aconteceu(tempo)?2º. Desenvolvimento: O que aconteceu? Como aconteceu? Por que aconteceu?3º. Conclusão: Qual a consequência do acontecimento?

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