o labor e vida do trabalhador estÁvel na relaÇÃo...

20
1 O LABOR E VIDA DO TRABALHADOR ESTÁVEL NA RELAÇÃO COM A C&A MODAS E SUA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO. Silvio Matheus Alves Santos 1 Universidade Federal de São Carlos UFSCar [email protected] RESUMO: Os trabalhadores estáveis fazem parte de uma nova organização do trabalho. Sendo que esta resultou de um acúmulo de transformações que se originaram no final do século XX. O propósito deste trabalho está relacionado a uma pesquisa sobre as condições de trabalho dos estáveis, 2 estando estes inseridos numa organização do trabalho, baseada em ―5‖ comportamentos e suas ―Competências Comportamentais e Fundamentais‖ que compõem a estrutura da empresa C&A Modas. O objetivo foi verificar se e como esta relação pode afetar as condições laborais, as relações simbólicas do trabalhador estável ao trabalho e às condições de vida deste trabalhador. No primeiro momento, apresentamos as referências teóricas que orientaram nossa hipótese de pesquisa. Em seguida, falaremos da relevância da organização do trabalho. Subdividindo-o, teremos os principais modelos de organização do trabalho, onde se fará uma breve exposição. Depois chega a vez de conhecer a C&A e os ―5 Comportamentos‖. Estes métodos seriam a forma que a empresa usa para treinar e tornar os seus ―associados‖ em funcionários de ―alta-performace‖, com uma qualidade de atendimento extremamente focado no cliente e agindo como um verdadeiro ―dono do negócio‖. Acreditamos que muitas das implicações decorrentes da organização do trabalho da empresa aqui estudada estejam causando fenômenos de precariedade, no que tange ao seu todo familiar e nas representações que fazem dos processos organizacionais do trabalho na C&A. PALAVRAS-CHAVES: Organização do trabalho, Precarização, Terceirização, Trabalhador Estável e Sofrimento. Apresentação No presente artigo trataremos da relação entre o trabalhador estável e a organização do trabalho da empresa em destaque; e das implicações que tal, relação podem estar 1 Mestrando em sociologia. UFSCar Universidade Federal de São Carlos. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. São Carlos - São Paulo Brasil. 13565-905 2 Esclarecemos para os fins deste trabalho, que o termo estáveis se refere aos funcionários da empresa não contratados temporariamente, aqueles que têm contrato de trabalho por tempo indeterminado.

Upload: lenhu

Post on 11-Nov-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

1

O LABOR E VIDA DO TRABALHADOR ESTÁVEL NA RELAÇÃO

COM A C&A MODAS E SUA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO.

Silvio Matheus Alves Santos1

Universidade Federal de São Carlos – UFSCar

[email protected]

RESUMO: Os trabalhadores estáveis fazem parte de uma nova organização do trabalho.

Sendo que esta resultou de um acúmulo de transformações que se originaram no final do

século XX. O propósito deste trabalho está relacionado a uma pesquisa sobre as condições

de trabalho dos estáveis,2 estando estes inseridos numa organização do trabalho, baseada

em ―5‖ comportamentos e suas ―Competências Comportamentais e Fundamentais‖ que

compõem a estrutura da empresa C&A Modas. O objetivo foi verificar se e como esta

relação pode afetar as condições laborais, as relações simbólicas do trabalhador estável ao

trabalho e às condições de vida deste trabalhador.

No primeiro momento, apresentamos as referências teóricas que orientaram nossa

hipótese de pesquisa. Em seguida, falaremos da relevância da organização do trabalho.

Subdividindo-o, teremos os principais modelos de organização do trabalho, onde se fará

uma breve exposição.

Depois chega a vez de conhecer a C&A e os ―5 Comportamentos‖. Estes métodos

seriam a forma que a empresa usa para treinar e tornar os seus ―associados‖ em

funcionários de ―alta-performace‖, com uma qualidade de atendimento extremamente

focado no cliente e agindo como um verdadeiro ―dono do negócio‖.

Acreditamos que muitas das implicações decorrentes da organização do trabalho da

empresa aqui estudada estejam causando fenômenos de precariedade, no que tange ao seu

todo familiar e nas representações que fazem dos processos organizacionais do trabalho na

C&A.

PALAVRAS-CHAVES: Organização do trabalho, Precarização, Terceirização,

Trabalhador Estável e Sofrimento.

Apresentação

No presente artigo trataremos da relação entre o trabalhador estável e a organização

do trabalho da empresa em destaque; e das implicações que tal, relação podem estar

1 Mestrando em sociologia. UFSCar – Universidade Federal de São Carlos. Programa de Pós-Graduação em

Sociologia. São Carlos - São Paulo – Brasil. 13565-905

2 Esclarecemos para os fins deste trabalho, que o termo estáveis se refere aos funcionários da empresa não

contratados temporariamente, aqueles que têm contrato de trabalho por tempo indeterminado.

2

desencadeando à nivel de precarização social e precarização do trabalho para o trabalhador

estável. E quando falamos de precarização social, nos remetemos logo, a uma pergunta:

Quais os impactos que a relação com a organização do trabalho da C&A podem

desencadear para o desenvolvimento de precariedades no contexto familiar e de trabalho,

para o trabalhador estável?

Com isso o Dejours (1994) nos fala da propensão a desenvolver sofrimentos (ou

problemas psicopatológicos) mediante a uma relação com a organização do trabalho.

Salientando, que o propósito deste trabalho está imbricado a uma pesquisa sobre as

condições de trabalho dos estáveis, estando esses inseridos numa organização baseada em

―5‖ Comportamentos e suas ―Competências Comportamentais e Fundamentais‖ que

compõem a estrutura da empresa aqui citada.

Como na estrutura do artigo não comporta todas as questões levantadas, sobre as

condições objetivas de trabalho, sobre as subjetivações do trabalhador em relação com a

organização do trabalho, preferimos um recorte no que tange à questão do Trabalho e Vida

do trabalhador estável.

O grande objetivo destas questões lançadas, não só aqui no artigo, mas em nível de

pesquisa no mestrado é verificar se e como esta relação pode afetar as condições laborais,

as relações simbólicas do trabalhador estável ao trabalho e às condições de vida deste

trabalhador.

A Organização do Trabalho e suas Relevâncias

Com as transformações tecnológicas recentes, surgem mudanças nas formas de

gestão caracterizando esta nova fase do sistema capitalista, em que suas ações não só

atingiram complexos econômico-sociais, como também políticos. Implanta-se uma nova

―cultura do capital‖, disseminada em várias dimensões da vida social, regida pela prática

individualista do sujeito. Nesse sentido, Sennett (2006) dirá que ―a revolução tecnológica

desta última geração tem florescido sobretudo nas instituições menos presas a formas

centralizadas de controle. Esse crescimento certamente tem um preço alto: desigualdades

econômicas cada vez maiores e instabilidade social‖ (p. 12). Este autor aborda também as

transformações dos seres humanos submetidos à reestruturação produtiva, fazendo com

que surja na nova organização do trabalho flexível um único tipo de ser humano que será

capaz de prosperar em condições sociais instáveis e fragmentárias. Neste momento,

3

Sennett (2006) analisa o caráter cultural das transformações, fazendo uma interpretação

com sentido antropológico:

Este ser homem ou mulher tem de enfrentar três desafios:

Diz respeito ao Tempo: como cuidar de relações de curto prazo, e de si

mesmo, e ao mesmo tempo estar sempre migrando de uma tarefa para

outra [...]

O Talento: como descobrir capacidades potenciais, à medida que vão

mudando as exigências da realidade. [...] a cultura moderna propõe um

conceito de meritocracia, que antes abre espaço para as habilidades

potenciais do que para as realizações passadas.

Vem a ser uma questão de abrir mão, permitir que o passado fique para

trás. [...] Para isso, é necessário um traço de caráter específico, uma

personalidade disposta a descartar-se das experiências já vivenciadas.

(SENNETT, 2006, pp. 13-14)

A citação acima contém as inquietações que movem a construção deste trabalho e da

pesquisa. Posta a nova cultura do capital, em que o trabalhador tem que se livrar do

passado (histórico de aprendizado social) e se submeter à concorrência meritocrática das

instituições, construindo um tempo diferente, ou melhor, personificando suas atividades

sob a base do ―curto prazo‖ – para que assim possa considerar-se um trabalhador capaz.

Toda esta questão de aspecto cultural do capital leva a uma discussão sobre a identidade do

trabalhador, referindo aqui ao caráter subjetivo do trabalhador, que pode ser transmutado

por esta nova racionalização do capital. De acordo com Sennett ( 2006, pp. 69-70), ―a

identidade não é tanto uma questão do que fazemos, e sim do lugar a que nos integramos.‖

Contudo, a organização do trabalho consolida-se e passa a ser vista como uma área

específica do conhecimento, principalmente no mundo do trabalho, passível de ser

acumulada, sistematizada, experimentada e elaborada teoricamente por estudiosos que não

necessariamente eram trabalhadores, executores de trabalho fabril. Sendo assim, far-se-á

necessário salientar a importância que houve nas transformações que ocorreram a partir do

final do século XX com os modelos de organização do trabalho, desde o taylorismo e seu

―controle do tempo‖, passando pelo fordismo e sua ―produção em série‖, até o toyotismo

com sua ―produção flexível‖.

Taylorismo e a “Lógica da Eficiência”

4

Em 1856, no subúrbio de Filadélfia, em Germantown, no Estado da

Pensilvânia, nasce Frederick Winslow Taylor, o responsável pela ―lógica da eficiência‖

como modo de vida (BELL, 1980) e pelo culto ao tempo e sua aplicabilidade nas

atividades dos operários das fábricas na época. O que resume bem a lógica do sistema

taylorista seria:

O trabalho realizado por cada homem poderia ser medido; era

perfeitamente possível estabelecer o tempo necessário para a execução de

qualquer trabalho sob a forma de um (Tempo Padrão), impessoal,

calculando-se então o pagamento respectivo, na base de quantidade de

trabalho executado, e o tempo despendido para a sua realização. (BELL,

1980, p. 187)

Sendo assim, honra-se ao título que recebeu ao ser considerado ―o pai da

organização científica do trabalho.‖ (BELL, 1980) Contribuindo de forma eficaz para o

desenvolvimento industrial no século XX.

Com essa citação ficam claros os ―benefícios‖ que o taylorismo legou para a

atualidade: o trabalho por tempo e a cobrança de uma produtividade que é cada vez mais

exigida nas empresas, onde o valor de um trabalho é calculado pelo potencial que um

trabalhador pode gerar em valor (dinheiro) e em menor tempo possível. ―O estudo do

tempo foi iniciado nas oficinas de Midvale Steel Company, por Taylor, em 1881. Fez o

estudo do movimento como parte de sua técnica de estudo dos tempos‖ (TAYLOR, 1990,

p. 14). Com isso,

Taylor queria que os homens sob sua direção realizassem durante um dia

de trabalho uma produção aceitável, e impôs a si próprio o trabalho de

encontrar o método adequado para fazer um trabalho, ensinar o

trabalhador a realizá-lo e fixar as condições em que o referido trabalho

deveria desenvolver-se, fixar o tempo-padrão para a realização do dito

trabalho e por fim pagar ao trabalhador um prêmio em forma de salário

extraordinário se fizesse o serviço especificado. (TAYLOR, 1990, p. 13)

Portanto, com esta citação fica transparente o caráter científico empregado por

Taylor no estudo das relações de produção nas fábricas do período. E sua obstinação em

elaborar métodos que facilitassem o desempenho do trabalhador e que aumentassem os

resultados da produção em nível de lucro.

Concluindo esta sintética passagem pelo modelo de organização taylorista,

percebemos que para Taylor um dos pontos principais do trabalho é a separação entre as

5

funções de preparação e as de execução. ―A finalidade do planejamento é caracterizar que

trabalho deve ser feito, como deve ser feito esse trabalho, onde e por quem deverá ser

executado. E finalmente, quando deverá ser feito‖ (TAYLOR, 1990, p. 17).

Fordismo e sua “Produção em Série”

Henry Ford (1862-1947), ainda muito jovem, demonstrou uma inclinação para a

mecânica quando aos seus 16 anos começou a trabalhar em uma oficina em sua cidade.

―Em 1885, munido de novos conhecimentos, foi para as oficinas da Eagle Motor Works,

em Detroit, para consertar e estudar em profundidade motores a explosão‖ (MONTELLLO

apud PINTO, 2007 p. 40).

O ideal de Ford era produzir um motor que fosse revolucionário; durante anos

esteve a montar e colocar em testes, motores de combustão a alta pressão. Construiu seu

primeiro calhambeque em 1894 e sua primeira fábrica de carros em 1896. No desenvolver

de suas atividades, voltada à produção em larga escala, Ford se valerá de uma ideia

principal que exprime: numa ―padronização‖ e fabricação em larga escala, em centenas e

milhares de produtos por dia, possibilitando, em sua concepção, uma diminuição nos

custos e que seria contrabalanceado pelo aumento do consumo, proporcionados pela

elevação de salários que poderiam ser pagos em função de um acréscimo nas vendas e,

portanto, dos lucros das empresas (PINTO, 2007).

Harvey (2008) expõe que ―em muitos aspectos, as inovações tecnológicas e

organizacionais de Ford eram mera extensão de tendências bem-estabelecidas‖ (p.121).

Ford também fez pouco mais do que racionalizar velhas tecnologias e uma detalhada

divisão do trabalho preexistente, embora, ao fazer o trabalho chegar ao trabalhador numa

posição fixa, ele tenha conseguido dramaticamente ganhos de produtividade.

O que corresponderia a sua grande inovação tecnológica foi denominado de

―linha de produção em série‖ que seria ―a colocação do objeto de trabalho num mecanismo

automático que percorresse todas as fases produtivas, sucessivamente, desde a primeira

transformação da matéria-prima bruta até o estágio final‖ (PINTO, 2007, p. 42).

A linha de montagem em série fordista constitui-se basicamente de dois

elementos:

6

a) Um mecanismo de transferência, que pode ser um trilho, uma esteira,

ou um conjunto de ganchos ligados a um mecanismo de tração

integrado a um comando único que lhe transmite um movimento regular

ao longo do tempo. [...] em cima da superfície da esteira, os objetos de

trabalho são testados e assim são transferidos para praticamente todas as

seções de trabalho em que se divide o setor de produção, sofrendo a

intervenção dos trabalhadores [...], até que possa ser então, retirado

dessa linha, testado, embalado e levado ao estoque de produtos

acabados;

b) Um conjunto de postos de trabalho uniformemente dispostos lado a lado

[...]. Esses postos de trabalho são geralmente numerosos, ocupados por

um trabalhador cada e ordenados de forma linear e, sendo mínima a

intervenção de cada um na produção como um todo [...] (ibidem, pp.

42-43).

A sua genialidade consistiu, sobretudo, em ter imaginado a possibilidade de

incutir nos seus contemporâneos ―a postura de consumidores de massa de produtos

padronizados‖ (PINTO, 2007, p. 40).

Contudo, este crescimento do modelo fordista não se realizou de forma inata,

ou de maneira autônoma; com as políticas de pós-guerra foi possibilitada a sua entrada nos

mercados da Europa e Japão. Num momento de reconstrução, este era um cenário que

favorecia as empresas norte-americanas. Harvey (2008), ao abordar este momento de pós-

guerra, nos coloca uma passagem que ilustra perfeitamente como eram firmadas essas

políticas de expansão:

O crescimento fenomenal da expansão de pós-guerra dependeu de uma

série de compromissos e reposicionamentos por parte dos principais

atores dos processos de desenvolvimento capitalista. O Estado teve de

assumir novos (keynesianos) papéis e construir novos poderes

institucionais; o capital corporativo teve de ajustar as velas em certos

aspectos para seguir com mais suavidade a trilha da lucratividade segura;

e o trabalho organizado teve de assumir novos papéis e funções relativos

ao desempenho nos mercados de trabalho e nos processos de produção. O

equilíbrio de poder, tenso mas mesmo assim firme, que prevalecia entre

trabalho organizado, o grande capital corporativo e a nação-Estado, e que

formou a base de poder de expansão de pós-guerra.. (HARVEY, 2008, p.

125)

Portanto, o que também chamou a atenção neste sistema foi a construção do

binômio taylorismo/fordismo que causará uma relação de complementaridade na

organização do trabalho. Suas experiências, em termos organizacionais do trabalho com

objetivo da produção de massa, somente puderam ser realizadas sobre a plataforma da

7

divisão técnica e minuciosa das funções e atividades entre numerosos agentes, conforme

fora desenvolvido pelo sistema taylorista:

Pode-se dizer, nesse sentido, que o sistema taylorista foi incorporado e

desenvolvido pelos dispositivos organizacionais e tecnológicos fordistas,

na medida em que, no lugar dos homens responsáveis pelo deslocamento

dos materiais e objetos de trabalho, máquinas automáticas passaram a se

encarregar por tal [...]. (PINTO, 2007, p. 44)

Por fim, ressurge uma grande questão voltada para a subjetividade do

trabalhador, no que tange à escolha do ―operário perfeito‖ para empresa. Apesar de Taylor

ressalvar que eram praticamente dispensáveis as qualidades individuais, reduzindo o

―operário perfeito‖ às competências profissionais e educacionais no binômio

taylorista/fordista3.

Sob estes traços da crise do binômio taylorista/fordista, far-se-á interessante

expor uma passagem da argumentação de Lautman que diz o seguinte:

[...] há que se analisar a interferência interdependente de uma dimensão

econômica e outra sócio-política das mudanças operadas depois da

segunda guerra mundial. Com efeito, os progressos de produtividade

permitiram o que os economistas da corrente da regulação chamam de

passagem ao regime fordista de acumulação (dimensão econômica),

fonte do que se chamou de compromisso fordista (dimensão

sociopolítica).

Com efeito, Henry Ford concebeu a célebre Ford T para que ela pudesse

ser comprada por seus operários. O compromisso fordista queria dizer

que o capitalismo deveria tirar seus lucros do acesso cada vez maior de

trabalhadores a um consumo de massa. (LAUTMAN, 2007, pp. 12-13)

Esta questão da crise de acumulação é fundamental, trata-se da dimensão sócio-

econômica do tema, mas este trabalho vai se concentrar sobre uma consequência

sociológica significativa, a da crise da subjetividade do trabalhador, como o modelo de

organização do trabalho articulado à crise de acumulação, ou seja, o toyotismo com a sua

chamada produção ―enxuta‖ e seu aspecto ―flexível‖ de organização.

3 Surge, então, a necessidade de se repensar o aspecto da produção, pois devido a inúmeras crises, sobretudo

a partir dos anos 70, não se podia mais se dar ao luxo de fazer grandes reservas de um produto; apostando

num mercado consumidor de massa, que passava por sérios problemas financeiros, e nem continuar

dispensando todo o aspecto criativo e hábil de alguns operários no processo produtivo.

8

Toyotismo e sua “Organização Flexível”

Nos anos 50 do século XX surge o ―Toyotismo‖ ou o ―modelo Toyota‖. Foi

criado por Taiichi Ohno, um engenheiro industrial, em resposta às difíceis condições

econômicas enfrentadas no Japão a partir do final da II Guerra Mundial. Ohno desenvolveu

um sistema de organização do trabalho que, tendo tomado corpo a partir dos anos 60,

colocou-se como poderoso concorrente do sistema taylorista/fordista.

Entretanto, ocorre uma possibilidade de análise, em que estudiosos dizem que

este modelo não era somente concorrente dos dois modelos anteriores, afirmando que o

sistema de Ohno também se apoderou de práticas da produtividade, da gestão do tempo na

produção, ou seja, da racionalização intrínseca ao taylorismo/fordismo.

Mesmo assim, Coriat (1994) pretende sustentar que a tese geral do sistema

Toyota ou ―ohnismo‖ se constitui em um ―conjunto de inovações organizacionais cuja

importância é comparável ao que foram em suas épocas as inovações organizacionais

trazidas pelo taylorismo e pelo fordismo‖ (p. 24).

Coriat (1994), no decorrer de sua abordagem, nos esclarece qual seria uma das

essências do sistema Toyota, tal qual se deveria ―pensar não na continuidade dos métodos

norte-americanos, mas ‗ao contrário‘[...]. Pensar não a grande, mas a pequena série; não a

padronização e a uniformidade do produto, mas sua diferença, sua variedade, tal é o

espírito Toyota‖ (p. 32).

Alves (2005) fará uma exposição sobre o toyotismo dizendo que:

O potencial heurístico do conceito de toyotismo é limitado à

compreensão do surgimento de uma nova lógica de produção de

mercadorias, novos princípios de administração da produção capitalista,

de gestão da força de trabalho, cujo valor universal é constituir uma nova

hegemonia do capital, na produção, por meio da captura da subjetividade

operária pela lógica do capital. (p. 31)

Como se observa no final da citação acima haverá uma grande preocupação

com a captura da subjetividade do operário, pois para deter o nexo da hegemonia do capital

à produção, far-se-á necessário uma articulação entre ―consentimento operário‖ e ―controle

do trabalho‖ (ANTUNES; ALVES, 2004, p. 345). Os autores afirmam, sobre esse ponto de

vista, que ―o toyotismo procura desenvolver, por meio dos mecanismos de

9

comprometimentos operários, o aprimoramento do controle do capital sobre a dimensão

subjetiva‖ (ibidem).

Percebe-se que o toyotismo, ao adquirir uma envergadura universal e

caracterizar uma hegemonia mundial, no que se refere à gestão do trabalho, tende a

combinar-se em maior ou menor proporção a suas objetivações nacionais (e setoriais), com

diferentes vias de racionalização do trabalho, capazes de dar maior eficácia à lógica da

flexibilidade. Sendo assim,

O método Toyota é, diz ele, a combinação de dois princípios (que ele

mesmo designa como sendo dois ―pilares‖ sobre os quais sua construção

repousa). Estes pilares são, segundo os próprios termos do mestre

japonês, ―1) a produção Just in time, 2) a ―auto-ativação da

produção.‖(OHNO apud CORIAT, p.29)

O Just in time, para explicar de forma bem sucinta, seria a maior inovação

puramente organizacional, cujo ―segredo‖ é promover mais um conjunto de reagregações

das tarefas produtivas, com o espírito de incorporar a subjetividade como constituidora do

novo complexo de produção de mercadorias (ALVES, 2005, p. 45)4.

Esta nova organização do trabalho e, consequentemente, a gestão do

trabalho que ocorrerá nas empresas transnacionais ou multinacionais, tende a se aproximar

ou até mesmo a incorporar, em sua estrutura, outras formas de organização e gestão,

objetivando sempre maior flexibilidade e competitividade no mercado mundial. Sendo

assim, a:

Ampliação da quantidade de tarefas exercidas pelo mesmo trabalho;

Rotação das funções, a partir da adoção de tecnologias de uso flexíveis,

que exigem maior polivalência do trabalhador para o exercício de

múltiplas tarefas; Combinação das atividades de execução com as de

controle, o que torna mais complexo e integrado o exercício do trabalho

[...]. (POCHAMANN, 2001, p. 45)

Assim, com estas estratégias de competitividade e produtividade, os

trabalhadores têm que se relacionar num mesmo espaço de trabalho, buscando a eficiência

4 Exemplificando de forma bem simples, seria o controle que uma determinada loja ou empresa teria para

com seus produtos (de venda), de como eles seriam comprados diretamente do fornecedor, podendo esta

(loja) ter um sistema de automação que permitiria a informação de quantas peças do produto foram vendidas,

assim, aperfeiçoa-se a alocação de mais produtos que realmente fossem os que estivessem faltando em sua

loja. Desta forma, diminuem-se as grandes reservas de mercadorias e torna-se a venda mais dinâmica e

flexível.

10

nas suas atividades para satisfazerem as exigências empresariais, como a contratação de

empregados com ―polivalência multifuncional, maior capacidade motivadora e habilidades

laborais adicionais no exercício do trabalho‖. (POCHMANN, 2001)

E o sistema de ―auto-ativação da produção‖ ou, como é também chamado, de

―autonomação5‖(JIDOKA) significa uma transferência de ―inteligência humana para uma

máquina‖. Ohno nos explica como é realizado este sistema de autonomação da seguinte

forma:

Na Toyota uma máquina autonomizada com um toque humano é aquela

que está acoplada a um dispositivo de parada automática. Em todas as

fábricas da Toyota, a maioria das máquinas, novas ou velhas, está

equipada com esses dispositivos, bem como vários outros, de segurança,

parada de posição fixa, o sistema de trabalho completo, e sistemas

bakayoke6 à prova de erros para impedir produtos defeituosos. (OHNO,

1997, p. 28)

Também quanto às alterações ocorridas no Brasil, baseadas no modelo

japonês de gestão, referente à sua concepção de mudança na qualificação dos

trabalhadores, elas exigem uma crescente racionalização do processo produtivo e, uma

capacidade subjetiva do trabalhador, para que assim possa ocorrer a ―entrega‖ à empresa .

Sobre isso, dirá Oliveira (1997):

Estas mudanças pressupõem uma maior participação e envolvimento dos

trabalhadores, necessitando da sua própria identificação com os objetivos

da empresa. A pressão da modernidade pela qualidade que atinge toda a

sociedade pressiona, por sua vez, também os trabalhadores, gerando no

limite consequências para sua saúde física e mental. (OLIVEIRA, 1997,

p. 626)

Dentro desta racionalização da gestão do modelo Toyota, surge a implantação

do que conhecemos como cinco ―S‖, princípio de organização que gerava no trabalhador

um interresse pelas questões mais cotidianas e complexas da empresa ou fábrica:

1) Seiso – Limpeza do local do trabalho;

2) Seiketsu – Limpeza dos empregados (asseio);

3) Seiki – Utilização racional de recursos para evitar desperdícios, descarte de itens

desnecessários, liberação do espaço;

5 Seria a implantação de um fundamental sistema onde as máquinas possam ―sentir‖ a ocorrência das

anormalidades e interromper, de forma autônoma, o processamento. Em outras palavras, precisava se dar às

máquinas automatizadas, um toque humano. 6 Baka-yoke (à prova de defeito) seriam as inovações nos instrumentos e equipamentos, com a instalação de

dispositivos para a prevenção de defeitos. (OHNO, 1997, p. 130)

11

4) Seiton – Organização de forma disciplinada e racional dos itens e instrumentos de

trabalho, para serem localizados rapidamente, sem desperdício de tempo;

5) Shitsuke – É a disciplina e a obediência às normas, aos padrões definidos, porque

foram considerados os melhores(auto-disciplina). (OLIVEIRA , 1997, p. 628)

Contudo, chegando ao final desta pequena passagem pelo modelo

organizacional da Toyota ou pelo ―ohnismo‖, como preferem alguns téoricos, poder-se-á

notar as transformações e inovações que foram sendo inseridas neste mundo do trabalho e

como tais princípios e métodos podem ser observados na atualidade em empresas, como a

utilização de práticas flexíveis de organização, contratação de serviços terceirizados para

uma melhor redução de custos e otimização de resultados.

E, no que concerne ao trabalhador e à organização, percebe-se uma inclinação

em controlar a sua subjetividade, já que o toyotismo pretende torná-lo um trabalhador

participante e construtor de resultados ―positivos‖. Diminuem-se as barreiras hierárquicas e

―possibilita-se‖ uma maior ―acessibilidade‖ na escalada por uma posição de maior

destaque na empresa.

A C&A e os “5 Comportamentos”

Situando a proposta deste trabalho de analisar a relação entre trabalhador

estável numa empresa multinacional e sua forma de organização, à luz de uma possível

utilização dos métodos Toyota, ter-se-á que salientar a ocorrência de uma forte tendência

ao uso de tal categoria de trabalhador pelo sistema de organização e gestão da

multinacional aqui estudada.

A empresa, cujo foco foi delimitado na formulação do problema, é uma

multinacional e está inserida (situada) nas cidades de Aracaju, Estado de Sergipe e São

Carlos, Estado de São Paulo. Ela faz parte de um conjunto de filiais espalhadas pelo Brasil

e no mundo – chegando a atingir, até momento da elaboração da pesquisa, 174 lojas no

país. No mundo, chega a alcançar mais de ―mil lojas, em países como Alemanha,

Argentina, Áustria, Bélgica, China, Espanha, França, Rússia, Turquia e muitos outros

países‖ (fonte: Manual do Associado).

A C&A foi fundada em 1841, em Seneek, Holanda, pelos irmãos Clemens &

August Brenninkmeyer, cujas iniciais dão nome à empresa multinacional. Ela se tornaria

uma loja que poderia oferecer, ou melhor, vender roupas prontas aos consumidores. No

12

Brasil, a C&A está presente há 33 anos e sua primeira loja foi inaugurada em São Paulo,

no shopping Ibirapuera, no ano de 1976. Atualmente esta rede de lojas está presente em

grande parte do território nacional: Região Norte (7), Região Centro-Oeste (11), Região

Sul (18), Região Sudeste (102) e por último a Região Nordeste, com um total de 36 lojas.

Ou seja, o Nordeste é a segunda região em número de filiais dessa multinacional.

As lojas da C&A afirmam que são ―especialmente projetadas para oferecer o

melhor conforto e facilidade para que nossos clientes possam escolher pessoalmente seus

produtos a partir do sistema ‗self service‘, uma das marcas registradas da C&A‖. (Fonte:

Manual do Associado):

A estratégia é oferecer o que há de mais atualizado em moda, e para isso,

conta com uma preparada equipe de gerentes de produtos que viajam aos

principais centros mundiais da moda. Eles selecionam os modelos, cores

e tecidos mais representativos que, posteriormente, serão desenvolvidos e

adaptados ao nosso clima e gosto, além de sempre privilegiar qualidade,

facilidade de pagamento, preço justo e competitivo. (ibidem, p. 4)

Existem algumas empresas que compõem o grupo C&A e que assumem a

postura de Holding no país e no mundo. São elas :

1) Cofra Holding – fundada em 2001, é a holding de diversas empresas

(entre elas a C&A) localizadas na Europa, Ásia, America do Norte e

America Latina. Suas atividades incluem vendas no varejo, setor

imobiliário, serviços financeiros e outros investimentos. No Brasil está

presente por meio do Cofra Latin America, com escritório em Barueri,

São Paulo.

2) Ibi – Há mais de 20 anos como o braço financeiro das lojas C&A, o Ibi

consolidou-se como uma instituição financeira independente. Hoje, ela

é presente em todo o território nacional [...]

3) Redevco – Empresa de bens imobiliários, fundada em 1999.

Desenvolve e gerencia um portifólio de ativos de varejo nas principais

cidades de 18 países da Europa. (Fonte: Manual do Associado)

Fonte: C&A Modas LTDA.

13

Depois dessa breve contextualização histórica e atual da loja, no que tange à

fundação, origem, quantidades de filiais e ramos de atuação do grupo, partiremos para a

questão central deste trabalho que são as formas de gestão das funções e do trabalho dos

estáveis dentro da multinacional.

Uma das características aqui já colocada, é a utilização dos ―5‖

comportamentos que fazem parte de um projeto de desenvolvimento da empresa em voga.

Veremos se se trata de uma forma de captura da subjetividade do trabalhador para a

aceitação dos objetivos da empresa, através do seu projeto ― Nós rumo à 2010‖ (este é um

plano de desenvolvimento da loja C&A). Para cada comportamento desse, estão

estabelecidas as habilidades que cada trabalhador tem que ter ou pelo menos adquirir.

Os comportamentos são:

FAZER ACONTECER

Ter uma boa ideia e torná-la realidade.

Ter coragem para assumir riscos e desafios e

suas consequências.

Ser determinado e persistente na implantação

dos projetos.

Combater resistências e driblar dificuldades.

Respirar, transpirar resultado.

SENSO DE URGÊNCIA

Agir com rapidez.

Planejar as atividades.

Estabelecer prioridades.

Focar nos objetivos propostos.

Aceitar o bom em lugar do ótimo

extemporâneo.

FAZER ACONTECER

Ter uma boa ideia e torná-la realidade.

Ter coragem para assumir riscos e desafios e

suas consequências.

Ser determinado e persistente na implantação

dos projetos.

Combater resistências e driblar dificuldades.

Respirar, transpirar resultado.

GOSTAR DE GENTE

Gostar de se relacionar.

Gerar ambiente de confiança mútua e

transparência.

Valorizar o trabalho do outro.

Respeitar a diversidade.

Inspirar pelo exemplo.

INCONFORMISMO

Querer fazer melhor a cada dia.

Atuar como dono do negócio.

Ter iniciativa e acabativa.

Ser obstinado por qualidade.

Agir com espírito empreendedor.

14

(Fonte: Manual do Associado)

Observando estes ―5‖ comportamentos, poder-se-á notar a implicação diretamente

voltada para a conduta do trabalhador estável e para a sua subjetividade; e não só estes

comportamentos compõem o modelo organizacional, como também um manual de

aplicabilidade em treinamentos para que se possa desenvolver as habilidades e

competências dos ―associados7‖. Este manual, ―Desenvolvendo Competências‖, basendo-

se nas iniciais da loja que é C&A, transpõe as letras da seguinte forma: ―C‖ cortesia, ―&‖

eficiência e ―A‖ ambiente. O manual ―tem como objetivo indicar ações de auto-

desenvolvimento que possam contribuir para o aprimoramento profissional dos associados

das lojas C&A.‖

Há uma divisão clara entre competências, onde são feitas as seguintes

colocações:

1) Competências Comportamentais – são aquelas que, para serem desenvolvidas,

dependem de uma decisão pessoal, de motivação e de esforço consciente no sentido

de mudar comportamentos.

2) Competências Fundamentais – são aquelas que se aplicam a todos os grupos e

cargos das lojas.

No quadro da empresa existirá uma divisão de competências, abrangendo os

níveis de supervisão, de operação e administrativo. No quadro abaixo tais atribuições

ficarão mais claras:

7 Nomenclatura designada para determinar os trabalhadores estáveis da multinacional e que distingue dos

trabalhadores terceirizados, para trabalho no varejo, que são chamados de ―Temporários‖.

ESPÍRITO CONTAGIANTE DE EQUIPE

Atuar coletivamente, de maneira

harmônica, coordenada e disciplinada.

Compartilhar os sucessos e assumir os

erros.

Estimular o dinamismo, a criatividade, a

participação.

Compartilhar situações críticas antes de

decidir.

Dar e solicitar feedback.

15

(Fonte: Manual Desenvolvendo Competências, p.6)

Percebe-se que, na coluna de operações, na qual se encontra o trabalhador estável

de varejo, que é o foco de nosso estudo, as suas ações têm caráter de execução e não de

planejamento; e nas linhas 1, 2, 3 e 4 notam-se competências fundamentais que todas as

categorias de funcionários têm que exercer. Já nas linhas 5 e 6 são aquelas que exigem um

empenho individual (pessoal), uma motivação (atitude de otimização e maximização em

vendas e resultados), o que exemplifica a competência comportamental.

Como acabamos de observar, o trabalhador estável está inserido num universo onde a

sua capacidade de absorção de comportamentos idealizados pela empresa irá determinar as

suas ações dentro do trabalho (no momento em que está em contato com o cliente e no

desenvolver de suas tarefas), mas influenciando também, como veremos em seguida, no

seu convívio familiar8.

A Relação entre Vida e Trabalho do trabalhador estável, através

do seu discurso.

Nos discursos destes trabalhadores percebe-se o quão suas vidas estão mergulhadas e

totalmente relacionadas à sua vida profissional. As formas de pressão a que estão

submetidos dentro da empresa, adentram seu cotidiano e fazem com que alguns dos

8 Existem ainda questões, de como se processa a relação do trabalhador estável e a organização do trabalho

na C&A, que compõem o foco da pesquisa, onde estarão inseridas tanto as condições objetivas de trabalho

quanto os sentidos subjetivos do trabalho, no discurso do trabalhador estável e que norteiam o seu labor*.

*- ―O labor é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo do homem pela sobrevivência, com

o fim de manutenção e reprodução da vida. [...] A condição humana do labor é a vida.‖ (p.46) ALBORNOZ,

S. (2009). O Trabalho na balança dos valores. Revista CULT , 46-48.

COMPETÊNCIAS Supervisão Operações Administrativa

1 Orientação para Servir o Cliente x x x

2 Foco em Resultados x x x

3 Orgulho pelo seu trabalho x x x

4 Trabalho em Equipe x x x

5 Atitude Vendedora x x

6 Atenção, Organização e Agilidade x x

7 Atuação Comercial x

8 Gestão da Operação da Loja x

9 Gestão de Pessoas x

16

funcionários não deixem de trabalhar mesmo quando saem do trabalho e vão para suas

casas: ―eu saía fisicamente da empresa, mas espiritualmente, eu tava praticamente dentro

da empresa; pela cobrança!” (Miguel9, 27 anos, líder de operação, 6 anos de empresa).

Em muitas das conversas informais, sem a gravação da entrevista, pudemos

presenciar discursos que deixavam evidente que a vida familiar não estava indo muito bem.

Sem tempo para ver os filhos, brincar, se divertir, ou seja, ter um lazer com a família.

Quando perguntado como se relacionava com seus familiares, em momentos de

pleno evento e ao terminar suas atividades de trabalho, foi possível confirmar o quanto de

sacrifício traz, para o estável, se submeter a tais pressões:

R: “O relacionamento é muito pequeno, assim, a questão de ver, de falar, de ter um

momento de lazer, praticamente não existe porque toma o tempo todo, o dia todo, em

evento; como a carga horária aumenta, a gente passa 10 horas no trabalho, e chega em

casa é dormir. Vê a esposa na cama, a filha dormindo, no outro dia se der pra ver

rapidinho antes de sair, então o relacionamento mesmo, praticamente não existe...”

(Carlos, 29 anos, líder de operação, 9 anos de empresa)

Através desta explanação de Carlos, podemos tentar compreender como deve

ser a vida do funcionário estável, ao ter que conciliar a vida familiar, com a vida

profissional, no momento em que uma depende da outra para o sucesso de ambas.

Mais uma resposta sobre a pergunta acima:

R: “Praticamente não existe muito relacionamento com a família, porque na época de

evento você chega tão cansado, é uma atividade tão intensa, no momento que você entra,

bate o cartão, você praticamente é uma máquina você não diminui seu ritmo nunca; você

mantém acelerado até o final, até a hora de ir embora; e quando você chega em casa, só

pensa em descansar; seu filho, sua mulher está dormindo, enfim, você não tem

praticamente contato nenhum.” (Miguel, 27 anos, líder de operação, 6 anos de empresa)

Analisa-se que a empresa se preocupa ao máximo com o desenvolvimento das

competências, com o resultado das metas com as quais os funcionários estão diretamente

ligados e, além disso, com o potencial intrínseco da superação dos limites e dos riscos no

que concerne ao desenvolvimento profissional.

Por conseguinte, como o funcionário estável, mediante toda esta pressão que o

cerca, tanto no seu contexto de trabalho quanto no contexto familiar, poderá desenvolver

9 Os nomes dos entrevistados são puramente fictícios, para que assim possamos manter o sigilo, em relação a

suas identidades e preservar a imagem dos mesmos para com a empresa.

17

uma segurança sustentável que lhe possa garantir uma boa condição de trabalho e de vida?

A partir do momento em que o foco da organização do trabalho da C&A está direcionado

para dentro da empresa e não para os trabalhadores, seu contexto de vida particular e

pessoal é negativamente atingido, principalmente durante os eventos, pois os trabalhadores

vivem para a empresa.

Por fim, depois de termos vistos toda uma pequena exposição da subjetividade

do trabalhador estável, podemos perceber que não é uma realidade satisfatória para muitos

que estão dentro da empresa. E que muitas das implicações decorrentes da organização do

trabalho da C&A já estão desencadeando fatores de precariedade, no que tange ao seu

contexto familiar, na sua busca por motivação profissional, onde visualizamos em algumas

falas, a baixa motivação com os padrões organizacionais da empresa; onde há uma grande

cobrança por resultados e uma busca por desenvolvimento pessoal (conhecimentos

específicos).

Considerações finais

Assim, após um breve resumo sobre o Taylorismo, o Fordismo e em seguida, o

Toyotismo, apresentamos a C&A e o ―5 Comportamentos‖. Partilhamos da ideia de que

algumas das práticas do toyotismo fazem parte da sua estrutura organizacional e possibilita

uma configuração para que a empresa possa usar tais práticas, para treinar e tornar os seus

―associados‖, trabalhadores de ―alta-performace‖.

Salientamos também, com a observação direta e as entrevistas, a evidente

utilização do caráter multifuncional que é verificável na observação do trabalho destes

estáveis, realizando-se nas diversificadas funções e marcando a ―organização C&A do

trabalho‖; isso acresce o peso das responsabilidades dos trabalhadores e numa

intensificação da carga do trabalho. Castel (2009) falando dos planos da organização do

trabalho, nos propõem uma discussão que diz o seguinte: ―assiste-se a uma

individualização crescente das tarefas, exigindo mobilidade, adaptabilidade, tomada de

responsabilidade pelos (operadores) [...]‖ (p. 9).

No que tange ao fator das cobranças por realizações de metas, de resultados

positivos e de desenvolvimento pessoal e profissional, a análise dos ―5 comportamentos‖

nos deixa claro que a empresa exige que o funcionário incorpore que ele é o ―dono do

negócio‖ e, sendo assim, se as metas não forem executadas com ―inconformismo‖, e se os

18

objetivos que lhes forem dados não forem realizados, ou seja, ―respirar e transpirar

resultados‖, eles serão os perdedores do negócio.

E nesta relação, quando se perde no ―negócio‖ esta perda pode desencadear

muitos sentimentos e sensações de ―cansaço‖ ou ―problemas físicos‖ e como consequência,

o de desvalorização pessoal, que irá atingir as suas subjetividades, dando assim novos

sentidos às suas visões do trabalho.

Fundamentalmente, o sujeito pensa sua relação com o trabalho, produz

interpretações de sua situação e de suas condições, socializa essas últimas

em atos intersubjetivos, reage e organiza-se mentalmente, afetiva e

fisicamente, em função de suas interpretações, age, enfim, sobre o

próprio processo de trabalho e traz uma contribuição à construção e

evolução das relações sociais de trabalho. (DEJOURS, 1994, p. 140)10

Contudo, acreditamos que muitas das implicações decorrentes da

organização do trabalho da empresa aqui estudada já estão causando fenômenos de

precariedade, no que tange ao seu todo familiar e nas representações que fazem dos

processos organizacionais do trabalho na C&A.

ABSTRACT: The workers were do part of a new organization of the work. And this

resulted of an accumulation of transformations that you arose in the end of the century XX.

The purpose of this work is related to a research about the conditions of work of the stable

ones, being these inserted in an organization of the work, based on "5" behaviors and their

"Competências Comportamentais and Fundamental" that compose the structure of the

company C&A Modas. The objective was to verify and as this relationship it can affect the

conditions work, the symbolic relationships of the stable worker to the work and the

conditions of this worker's life.

In the first moment, we presented the theoretical references that they guided our research

hypothesis. Soon afterwards, we will speak about the relevance of the organization of the

work. Subdividing it, we will have the main models of organization of the work, where it

will be made an abbreviation exhibition.

Then it arrives the time of knowing C&A and the "5 Behaviors". These methods would

serialize the form that the company uses to workout and to turn their "associates" in

employees of "high-performace", with a service quality extremely focused in the customer

and acting as a true "owner of the business."

We believed that many of the current implications of the organization of the work of the

company here studied are causing precariousness phenomena, with respect to his all family

one and in the representations that do of the organizational processes of the work in C&A.

10

No mesmo livro, Dejours (1994), e observando a relação entre a vida e o trabalho do estável, mediante as

análises feitas. Ele irá nos passar um panorama de uma precarização que está afetando a relação do estável

com a sua vida pessoal e também profissional. Nas analises do discurso, poder-se-á notar que, para o

trabalhador estável, a relação entre seu trabalho na empresa e sua vida, já é sentida como ruim, problemática,

cansativa.

19

KEYWORDS: Organization of the work, Precarização, Terceirização, Stable Worker and

Suffering.

Referências Bibliograficas.

ALVES, Giovanni. O Novo (e precário) Mundo do Trabalho - Reestruturação produtiva e crise do

sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2005.

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? : ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do

mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 2007.

ANTUNES, Ricardo e Giovanni ALVES. ―As mutações no mundo do trabalho na era da

mundialização do capital.‖ Educação e Sociedade - vol. 25, nº 87. Maio/Agosto de 2004: 335-351.

ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho - Ensaio sobre a afirmação e negação do trabalho.

São Paulo: Boitempo, 2005.

BELL, Daniel. O Fim da Ideologia. São Paulo: UNB, 1980.

CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis - RJ:

Vozes, 1998.

—. La montée des incertitudes - travil, protections, statut de l' individu. Tradução do Avant-Propos

(introdução) por Tâmara de Oliveira, para circulação restrita em cursos de teoria sociológica na

UFS. Paris: Éditions du Seuil, 2009.

CORIAT, Benjamin. Pensar pelo Avesso. Rio de Janeiro: Revan: UFRJ, 1994.

DEJOURS, Christophe. A Loucura do trabalho. São Paulo: Cortez, 1992.

—. Psicodinâmica do trabalho: contribuições da Escola Dejouriana à análise da relação prazer,

sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas, 1994.

HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 2008.

LAUTMAN, Jacques. ―Retorno à Marx.‖ Tomo, Revista do Núcleo de Pós-Graduação e Pesquisas

em Ciencias Sociais./ Universidade Federal de Sergipe Nº 10 (Janeiro/Junho de 2007): 9-22.

OHNO, Taiichi. O Sistema Toyota de Produção: além da produção em larga escala. Porto Alegre:

Bookman, 1997.

OLIVEIRA, Silvio Luiz de. Sociologia das Organizações - Uma Análise do Homem e das

Empresas no Ambiente Competitivo. São Paulo: Pioneira, 1999.

OLIVEIRA, Simone. ―A Qualidade da Qualidade: uma perspectiva em saúde do trabalhador.‖

Caderno de Saúde Pública, vol. 13, nº 4 Out-Dez de 1997: 625-634.

PINTO, Geraldo Augusto. A Organização do Trabalho no século 20 - Taylorismo, Fordismo e

Toyotismo. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

POCHAMANN, Márcio. O Emprego na Globalização . São Paulo: BoiTempo, 2001.

20

SENNETT, Richard. A Cultura do Novo Capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 2006.

TAYLOR, Frederick Winslow. Princípios de Administração Científica. São Paulo: Atlas, 1990.

Outras Fontes:

Manual do Associado.

Manual Desenvolvendo Competências.