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O jornalismo cultural na Revista Presença 1 Isadora Maria Gomes da Silva (graduanda) 2 Mayara Ferreira (orientadora/mestranda)³ Universidade Federal do Piauí (UFPI)/ Piauí RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo analisar a forma como a Revista Presença abordava as práticas culturais em suas páginas, no período de 1974 a 2000, identificando os principais gêneros jornalísticos e formatos textuais utilizados. A Revista Presença é um veículo de jornalismo cultural, criada durante o período militar brasileiro, por um órgão do Governo do Estado do Piauí, inicialmente produzida pela Secretaria de Cultura do Estado do Piauí, depois passou a ser organizada pelo Conselho Estadual de Cultura (CEC). Assim, por meio de uma análise de conteúdo quantitativa e qualitativa buscou-se compreender quais os principais gêneros jornalísticos utilizados e como isso reflete os aspectos socioculturais relacionados às publicações da revista. Palavras-chave: História da mídia impressa. Jornalismo Cultural. Gêneros Jornalísticos 1 Introdução As décadas de 60 e 70 foram marcadas pelo forte controle do governo em todos os setores da sociedade brasileira. Assim, a cultura e a imprensa eram influenciadas pelo Regime Militar. No Piauí, em 1974, a Revista Presença teve sua primeira edição publicada, produzida por um órgão do governo do Estado, a revista foi criada com o objetivo proporcionar a sociedade debates sobre as produções culturais piauienses. A Revista Presença é um veículo jornalístico institucional que traz publicações de jornalismo cultural. De acordo com Queiroz (2007), o jornalismo institucional conceitua as práticas jornalísticas no âmbito de uma instituição, ao tempo em que busca informar com veracidade fatos de interesse público. O jornalismo cultural, a partir dos conceitos estabelecidos por Piza (2003) é a 1 Trabalho apresentado no GT de História do Jornalismo, integrante do 10º Encontro Nacional de História da Mídia, 2015. 2 Graduanda do oitavo período de Comunicação Social habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Piauí. Pesquisadora no Núcleo de Pesquisa em Jornalismo e Comunicação - NUJOC. Email: [email protected] . 3 Jornalista pela Universidade Estadual do Piauí - Uespi. Pesquisadora no Núcleo de Pesquisa em Jornalismo e Comunicação - NUJOC. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Piauí - PPGCOM-UFPI. E-mail: [email protected] .

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Page 1: O jornalismo cultural na Revista Presença 1 · No Piauí, em 1974, a Revista Presença teve sua primeira edição publicada, produzida por um órgão do governo do Estado, a revista

O jornalismo cultural na Revista Presença 1

Isadora Maria Gomes da Silva (graduanda)2

Mayara Ferreira (orientadora/mestranda)³

Universidade Federal do Piauí (UFPI)/ Piauí

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo analisar a forma como a Revista Presença

abordava as práticas culturais em suas páginas, no período de 1974 a 2000, identificando os principais

gêneros jornalísticos e formatos textuais utilizados. A Revista Presença é um veículo de jornalismo

cultural, criada durante o período militar brasileiro, por um órgão do Governo do Estado do Piauí,

inicialmente produzida pela Secretaria de Cultura do Estado do Piauí, depois passou a ser organizada pelo

Conselho Estadual de Cultura (CEC). Assim, por meio de uma análise de conteúdo quantitativa e

qualitativa buscou-se compreender quais os principais gêneros jornalísticos utilizados e como isso reflete

os aspectos socioculturais relacionados às publicações da revista.

Palavras-chave: História da mídia impressa. Jornalismo Cultural. Gêneros Jornalísticos

1 Introdução

As décadas de 60 e 70 foram marcadas pelo forte controle do governo em todos

os setores da sociedade brasileira. Assim, a cultura e a imprensa eram influenciadas pelo

Regime Militar. No Piauí, em 1974, a Revista Presença teve sua primeira edição

publicada, produzida por um órgão do governo do Estado, a revista foi criada com o

objetivo proporcionar a sociedade debates sobre as produções culturais piauienses.

A Revista Presença é um veículo jornalístico institucional que traz publicações

de jornalismo cultural. De acordo com Queiroz (2007), o jornalismo institucional

conceitua as práticas jornalísticas no âmbito de uma instituição, ao tempo em que busca

informar com veracidade fatos de interesse público.

O jornalismo cultural, a partir dos conceitos estabelecidos por Piza (2003) é a

1 Trabalho apresentado no GT de História do Jornalismo, integrante do 10º Encontro Nacional de História

da Mídia, 2015.

2 Graduanda do oitavo período de Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela Universidade

Federal do Piauí. Pesquisadora no Núcleo de Pesquisa em Jornalismo e Comunicação - NUJOC. Email:

[email protected].

3 Jornalista pela Universidade Estadual do Piauí - Uespi. Pesquisadora no Núcleo de Pesquisa em

Jornalismo e Comunicação - NUJOC. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da

Universidade Federal do Piauí - PPGCOM-UFPI. E-mail: [email protected].

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área do jornalismo que se dedica à cobertura temática de produções culturais (música,

artes, plásticas, etc). Durante o século XX, o jornalismo cultural se desenvolveu e

publicações com temáticas culturais passaram a ter espaço em veículos da "grande

mídia". Segundo Piza (2003) as revistas contribuíram para esse desenvolvimento,

provocando muita agitação intelectual e artística do século XX, em toda cidade que

vivia efervescência cultural.

Assim, a Revista Presença foi criada com o propósito de divulgar e promover as

atividades culturais no Piauí, em meio a iniciativas do governo do Estado durante o

Regime Militar. Com isso, entender como a Revista Presença como um veículo

institucional aborda o jornalismo cultural por meio da identificação dos gêneros

jornalísticos utilizados em suas publicações foi uma perspectiva escolhida para

compreender como o caráter institucional interferiu na produção da revista. Além de

buscar entender como os aspectos socioculturais presentes na Revista Presença.

O conceito de jornalismo cultural e um breve histórico sobre essa vertente foram

abordados inicialmente para facilitar a compreensão sobre o objeto estudado. Conhecer

e entender o contexto histórico de surgimento da Revista Presença foi um viés escolhido

para se pudesse analisar como a publicação abordava as práticas culturais em suas

páginas.

A amostra corresponde a 15 edições do período de 1974 a 2000. A Teoria dos

Gêneros Jornalísticos foi usada como suporte para investigação, a fim de identificar a

abordagem dada às práticas culturais no Piauí através da utilização dos gêneros

jornalísticos.

2 Jornalismo Cultural: a cultura nas publicações jornalísticas

O jornalismo cultural é uma vertente jornalística, em geral, caracterizada por

abordar assuntos ligados às questões e produções culturais da sociedade em suas

publicações. De acordo com Piza (2003), o jornalismo cultural, dedica-se à avaliação

ideias, valores e arte.

Essa concepção tem como base, a revista inglesa The Spectator (1711), marco do

jornalismo cultural, que tinha como objetivo abordar temas variados relacionados à

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cultura de uma forma diferente da academia. Conforme Rêgo (2012), o Jornalismo

desenvolveu desde seu surgimento e no decorrer dois últimos séculos, um intrínseco

relacionamento com a cultura, esta entendida, como a produzida pelas diversas formas

de manifestações artísticas e estéticas em todo o mundo.

De fato, cultura e mídia se hibridizaram ao longo do século 20 e os reflexos

desse relacionamento "intra-uterino" apresentam-se nos dias atuais de forma

tão intrínseca que, em muitos aspectos e em alguns ângulos, é impossível

separá-las. Para a grande maioria dos jovens com idade inferior a 30 anos é

extremamente difícil reconhecer alguma manifestação cultural que não esteja

na mídia, a não ser que este participe de uma comunidade tradicional.

(REGO, 2012, p.105)

No Brasil, as práticas do jornalismo cultural passam a ter um espaço, para

debates sobre livros e artes, a partir da segunda metade do século XIX, com críticos

como Machado de Assis, José Veríssimo e Sílvio Romero. Piza (2003) destaca a

importância das revistas, incluindo na categoria os tabloides literários semanais ou

quinzenais, no desenvolvimento do jornalismo cultural. Afirmando ainda que foram as

revistas, que provocavam muita agitação intelectual e artística do século XX, em toda

cidade que vivia efervescência cultural.

Assim, Melo (2010) diz que só no início do século XX o jornalismo cultural

ganha contornos mais definidos no país, ganhando expressão em 1928, com a criação da

Revista “O Cruzeiro”, que teve como colaboradores, entre outros, Manuel Bandeira,

Raquel de Queiroz e Mario de Andrade, e era ilustrada por Di Cavalcanti e Anita

Malfati.

O jornalismo cultural no Brasil passou por uma modernização durante os anos

1940 e 1950, com a criação de cadernos e suplementos literários. Essa modernização do

jornalismo brasileiro correspondeu ao aprimoramento das técnicas de reportagem e à

qualificação dos jornalistas, a profissionalização que atingiu todas as especialidades.

Da década de 1960 a 1980, o jornalismo, assim como outros setores sociais,

passou a ser regulado e vigiado devido ao Regime Militar, e assim, esses anos foram

marcados pela prisão ou o exílio de nomes da imprensa. Em razão disso, Reis (2013) diz

que o jornalismo alternativo (ou underground, marginal, imprensa nanica, entre outros

nomes) surge como um escape, onde se podia denunciar abusos, tortura, crimes e

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criticar as debilidades do regime militar. Devido à produção independente e à pequena

circulação, as publicações jornalísticas alternativas abordavam diversos temas com mais

liberdade.

Ao longo do século XX, a cultura e mídia se hibridizaram e os reflexos desse

relacionamento são perceptíveis atualmente de forma tão intrínseca que, em muitos

aspectos e em alguns ângulos, é impossível separá-las (REGO, 2012). Na presente

realidade, o jornalismo cultural é, inevitavelmente, influenciado pelos padrões

mercadológicos vigentes. Segundo Rêgo (2006, p.01), mesmo a difusão em massa dos

bens simbólicos e produtos culturais a partir da indústria cultural, compreendida com

base no conceito frankfurtiano, através de suportes midiáticos, “surgem reações

conscientes ou inconscientes de resistência, transformação, hibridação e propagação de

culturas como forma de preservar, constituir e dar visibilidade a manifestações

regionais/ locais”.

A revista institucional traz uma possibilidade de divulgar e aprofundar o debate

sobre questões e aspectos culturais mais específicos de determinada região, por não

estar regida por um padrão de mercado. Mas o ponto negativo é que esse tipo de veículo

acaba, inevitavelmente, por ser influenciada pela instituição ou órgão que a produz.

3 Os reflexos do período ditatorial do Brasil no Piauí

Em 1964, o Brasil inicia um período político marcado pela repressão e

cerceamento da liberdade dos indivíduos e dos setores da sociedade. As condições

internas e a pressão internacional anticomunista levaram ao golpe que derrubou João

Goulart e inaugurou uma série de cinco governos militares.

A repressão à liberdade da imprensa foi uma das primeiras atitudes tomadas

durante o governo de Castelo Branco. Barbosa (2014, p. 13) afirma que “esse período

foi marcado por perseguições, restrições à liberdade de imprensa, censura generalizada

aos meios de comunicação e que, muitos deles, resistiram com bravura e determinação

aos limites impostos à liberdade de expressão”.

Além disso, em 1967 foi aprovada uma nova constituição confirmando e

institucionalizando o regime militar e suas formas de atuação, através dos Atos

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Institucionais, de uma Lei de imprensa, que cerceava a atividade, e de uma lei de

segurança nacional, que restringia as liberdades civis. De acordo com Reis (2012), em

1968, o general Arthur da Costa e Silva, influenciado por uma série de protestos,

manifestações sociais, passeatas estudantis e greves de operários, decreta em dezembro

de 1968 o Ato Institucional Número 5 (AI-5). Este que foi uma das medidas mais

severas adotada pelo regime, pois aposentou juízes, cassou mandatos, acabou com as

garantias do habeas-corpus e aumentou a repressão militar e policial.

O Piauí não sofreu fortes modificações em seu cenário administrativo e nas suas

bases políticas de sustentação com a implantação do Regime Militar. Num primeiro

momento, Torres (2010) afirma que o Piauí se beneficiou com mudanças, devido às

boas relações que o governador Petrônio Portella Nunes mantinha com os militares.

Apesar disso, a partir de 1968, as práticas de censura foram intensificadas, por meio do

governo que repassava aos veículos os assuntos que deveriam ser abordados e evitados,

sob o risco de punições como a retirada do ar de emissoras de rádio e televisão ou

fechamento do jornal, e afastamento de jornalistas.

Tavares (2003) mostra que o Piauí durante a década de 1960 era extremamente

dependente de recursos federais para a efetivação de ações administrativas e estruturais.

Até a criação da Secretaria de Cultura o setor cultural estava diretamente relacionado ao

setor educacional, e recebia investimentos que favoreciam, prioritariamente, a Imprensa

Oficial, produzida pelo COMEPI, e o Arquivo Público do Piauí, Casa Anísio Brito.

Em busca de crescimento, Torres (2010) aponta que o governo estadual realizou

a implantação de políticas públicas que favoreciam o desenvolvimento cultural, como a

criação do Conselho Estadual de Cultura (CEC), ocorrida em 12 de outubro de 1965,

pelo Decreto nº 631, durante o governo de Petrônio Portella. O CEC foi criado com o

objetivo de ser o espaço onde os intelectuais podiam discutir e formular estratégias

visando à discussão da História, das riquezas, das potencialidades e da identidade

piauiense. Essa medida foi uma importante ação para o fomento da vida cultural no

Estado.

O cenário cultural do Piauí, sobretudo o da capital, nos anos 1960 e 1970 tinha

uma estreita relação com os acontecimentos políticos e econômicos e com os discursos

em torno do desenvolvimento estadual do período. Alberto Silva durante seu primeiro

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mandato (1971 a 1974) como governador do Piauí desenvolveu diversas medidas

voltadas à cultura, como a elaboração do Plano Editorial e a publicação da Revista

Presença, produzida pelo Conselho Estadual de Cultura. Segundo Torres (2010), a

produção cultural passou a ser utilizada como um dos mecanismos favorecedores da

unidade nacional e, no caso específico do Piauí, como um meio de consolidar no

imaginário local que o desenvolvimento poderia ser construído em parceria com o poder

público.

Segundo Rêgo (2013), a Secretaria de Cultura do Piauí foi uma das primeiras a

ser criada no Brasil, na década de 1960, e em meados da década de 70, a secretaria foi

desmembrada e foram criadas a Fundação Cultural do Piauí e a Fundação de Assistência

Geral aos Desportos do Piauí (Fagepi). A Fundação Cultural do Estado foi criada por

meio da lei nº 3320 de 04 de abril de 1975 para auxiliar o CEC e da Secretaria de

Cultura a desenvolver a política cultural do governo e estimular a conservação do

patrimônio natural e cultural do Piauí, Torres (1994). A Secretaria foi responsável pela

edição obras históricas e literárias piauienses, assim como a criação da revista Presença,

por meio da lei número 115, de 02 de abril de 1974.

Os governos posteriores ao de Alberto Silva, em especial o de Dirceu Mendes

Arcoverde (1975-1977), agiram de modo a dar continuidade às ações implantadas como

o incentivo à cultura literária e também a outras manifestações, como as artes plásticas,

além da construção de novos centros de lazer, a exemplo, do Centro de Convenções,

inaugurado em 1976 (TORRES, 2010).

Com o governo de Ernesto Geisel (1974), o país inicia uma abertura política

lenta, gradual e segura, além de, em partes, suspender a censura à imprensa e o AI-5, e a

restauração do habeas-corpus. João Baptista de Oliveira Figueiredo deu em seu

governo continuidade a abertura política e ao processo de transição para democracia.

Em 1979, foi criada a Lei de Anistia e o pluripartidarismo foi reestabelecido. Mesmo

com o movimento das “Diretas Já”, a eleição foi indireta e Tancredo Neves foi nomeado

presidente da república, encerrando assim, o período ditatorial no Brasil.

4 A abordagem dada às práticas culturais através dos gêneros jornalísticos na

Revista Presença

Page 7: O jornalismo cultural na Revista Presença 1 · No Piauí, em 1974, a Revista Presença teve sua primeira edição publicada, produzida por um órgão do governo do Estado, a revista

A revista Presença teve sua primeira publicação em maio de 1974, inicialmente

produzida pela Secretaria da Cultura do Estado do Piauí, depois passou a ser organizada

pelo Conselho Estadual de Cultura (CEC) do Estado do Piauí. A revista surgiu com a

proposta de retratar a cultura local, procurando inseri-la na cultura brasileira.

A revista, desde sua primeira publicação, é distribuída gratuitamente para

Conselhos Estaduais de Cultura, secretarias e fundações culturais, bibliotecas públicas,

universidades, academias de letras e escolas públicas estaduais. As edições da revista

também se encontram disponíveis online, no site do CEC, mas alguns números

precisaram ser digitalizados novamente. Em 2014, essa publicação chegou a 50º edição,

contando com a colaboração de diversos intelectuais piauienses.

O jornalismo institucional, segundo Queiroz (2007), corresponde a “um gênero

que não se caracteriza unicamente pelos princípios históricos do jornalismo tradicional,

mas que também não os despreza totalmente; um jornalismo que, praticado no âmbito

de uma instituição, prescinde da investigação, mas que nem por isso deixa de informar,

com veracidade, os fatos que são de interesse público” (QUEIROZ, 2007, p.132).

Assim, a revista Presença, por ser produzida por um órgão do Governo do Estado Piauí,

caracteriza-se como uma produção de jornalismo institucional.

Analisar como um veículo institucional aborda o jornalismo cultural por meio da

identificação dos gêneros jornalísticos utilizados em suas publicações foi uma

perspectiva escolhida para compreender como o caráter institucional interferiu na

produção da revista. Além, de buscar entender como os aspectos socioculturais estavam

presentes na Revista Presença.

4. 1 Composição da amostra

A pesquisa se desenrolou a partir da análise quantitativa e qualitativa do

conteúdo da amostra composta por 15 edições da revista Presença correspondentes ao

período de 1970 a 2000. É preciso destacar que a periodicidade da revista nessa época

não pode ser delimitada, sendo que sua publicação foi interrompida entre os anos de

1975 e 1983, e entre 1987 a 1993. Além de variar de uma a três publicações por ano.

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A amostra foi escolhida de maneira aleatória e corresponde aos números e anos

da revista, seguintes: Número 1, Ano I, 1974; Número 3, Ano II, 1975; Número 5, Ano

III, 1982; Número 7, Ano IV, 1983; Número 9, Ano IV, 1983; Número 11, Ano V, 1984;

Número 13, Ano VI, 1985; Número 17, Ano VIII, 1986; Número 19, Ano VIII, 1987;

Número 21, Ano IX, 1993; Número 23, Ano X, 1994; Número 25, Ano XIII, 1997;

Número 26, Ano XIV, 1999; Número 27, Ano XV, 2000.

4.2 Referencial Teórico Metodológico

O objetivo do presente estudo é analisar o processo desenvolvido no jornalismo

cultural institucional no Piauí a partir das publicações dos órgãos de cultura e educação

do estado e dos municípios. Buscando identificar quais os principais gêneros

jornalísticos e formatos textuais utilizados nas publicações da Revista Presença.

A Teoria dos Gêneros Jornalísticos foi utilizada como suporte para investigação.

Tendo como base a concepção de Marques de Melo que o jornalismo se constitui como

um processo social que se articula a partir da relação (periódica/oportuna)

entre organizações formais (editoras/emissoras e coletividades (públicos receptores), através de canais de difusão (jornal/revista/

rádio/televisão/cinema) que asseguram a transmissão de informações (atuais)

em função de interesses e expectativas (universos culturais ou ideológicos)”.

(MARQUES DE MELO, 2003, p. 17)

Assim, os processos jornalísticos têm suas especificidades que se alteram de

acordo com a estrutura sociocultural, disponibilidade de canais e a natureza do ambiente

político e econômico aos quais estão expostos.

Medina (2001, p.47), com base nos concepções de Bakhtin sobre os gêneros

discursivos, afirma que “o estudo da natureza do enunciado e dos gêneros discursivos

tem uma importância fundamental para ultrapassar as noções simplificadas sobre a vida

discursiva da chamada “corrente do discurso” e sobre a comunicação discursiva”.

Segundo Marques de Melo (2003, p. 41), os gêneros jornalísticos caracterizam-se como

um ponto de partida para “descrever as peculiaridades da mensagem

(forma/conteúdo/temática) e permitir avanços na análise das relações socioculturais

(emissor/receptor) e político-econômicas (instituição jornalística/Estado/corporações

mercantis/movimentos sociais) que permeiam a totalidade do jornalismo”.

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José Marques de Melo identificou nas publicações jornalísticas brasileiras cinco

gêneros: opinativo, informativo, interpretativo, diversional e utilitário. Assim, baseando-

se nos estudos de Marques de Melo, Costa (2010, p. 227) apresenta a relação dos

gêneros e formatos da seguinte maneira: nota, notícia, reportagem e entrevista

(jornalismo informativo); dossiê, perfil, enquete e cronologia (jornalismo

interpretativo); editorial, comentário, artigo, resenha, coluna, crônica, caricatura e carta

(jornalismo opinativo); história de interesse humano e história colorida (jornalismo

diversional); indicador, cotação, roteiro e serviço (jornalismo utilitário).

Assim, a realização da análise quantitativa do conteúdo possibilita a mensuração

dos números e da classificação dos gêneros e dos textos, para então, analisá-los e

verificar quais interpretações podem ser obtidas a partir números, em relação à realidade

do objeto de estudo.

4.3 Análise Formal Quantitativa

A partir da análise conteúdo quantitativa foi possível observar identificar que os

gêneros informativo, opinativo, interpretativo e utilitário estão presentes nas

publicações. Sendo que se destacam os gêneros informativo (47,86%) e opinativo

(44,1%) representando, aproximadamente, 91,96% dos textos na Revista Presença. Os

formatos textuais identificados dos dois gêneros na amostra foram: notícia, reportagem

e entrevista (gênero informativo) e editorial, artigo, resenha, carta e caricatura (gênero

opinativo). A quantidade de textos e a porcentagem aproximada referente ao espaço que

esses dois gêneros ocupam revista estão expressas nas tabelas 1 e 2.

Tabela 1: Quantitativo de Gêneros Informativos nas revistas da Amostra

Gênero Informativo Quantidade Porcentagem

Entrevista 9 2,27%

Notícia 143 36,11%

Reportagem 38 9,6%

Fonte: Próprio autor

Tabela 2: Quantitativo de Gêneros Opinativos nas revistas da Amostra

Gênero Opinativo Quantidade Porcentagem

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Artigo

Cartas

Caricaturas

125

6

10

31,57%

1,51%

2,52%

Editorial 15 3,78%

Resenha 19 4,79%

Fonte: Próprio autor

Já os gêneros interpretativo e utilitário correspondem a apenas, respectivamente,

1,1% e 0,8%. O perfil é o formato pertencente ao gênero interpretativo detectado, e,

roteiro corresponde ao gênero utilitário. Os dois gêneros aparecem de forma isoladas

nas publicações analisadas. No gráfico da figura 1 corresponde a uma demonstração do

espaço que cada gênero jornalístico ocupa na Revista Presença.

Figura 1: Porcentagem de Gêneros Jornalísticos Identificados na Revista Presença

Fonte: Próprio autor

Na amostra se identificou outros gêneros textuais que não estão relacionados à

linguagem jornalística. Em todas as edições há produções culturais apresentadas de

forma integral como ensaios fotográficos, ilustrações e textos literários como poesias,

contos e roteiros de pelas teatrais. A revista também divulgou discursos de autoridades,

documentos oficiais e relatórios. Todos esses formatos, tanto os jornalísticos quantos os

outros, tratavam dos seguintes temas: arqueologia, arquitetura, artes plásticas, cinema,

dança, educação, esporte, eventos culturais, folclore, fotografia, história, linguística,

literatura, meio ambiente, música, patrimônio histórico, políticas culturais, teatro e

turismo.

4.4 Análise de Conteúdo Qualitativa

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Assim como em outras mídias impressas, jornais de circulação diária, na revista

Presença há um maior número de publicações do gênero informativo, especificamente,

no formato de notícia. Seguido por publicações do gênero opinativo, representada pelo

formato de artigo.

Os textos de gêneros informativos publicados na revista têm como temática

principal eventos culturais, peças teatrais, festivais e semanas culturais, exposições de

artes plásticas ou fotográficas, concurso de ilustração ou literários. A Figura 2 apresenta

uma notícia sobre evento de comemoração do aniversário da Escola de Dança de

Teresina, e exemplifica a forma que a revista abordava as temáticas culturais nas

notícias, Alguns eventos de grande porte, como festivais ou semanas culturais tiveram

destaque nas reportagens. As entrevistas traziam sempre como personagem,

personalidades e intelectuais piauienses ou atuantes em setores no Piauí.

Figura 2: Notícia sobre evento de comemoração da Escola de Dança de Teresina

Fonte: Revista Presença, Página 61; Número 19; Ano VIII – Março/Dezembro de 1987

A revista abria espaço para discussões mais aprofundadas sobre questões ligadas

a cultura e a educação, mas temas como arquitetura, arqueologia, história, patrimônio

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histórico e turismo também eram assuntos recorrentes nas publicações. É perceptível,

por meio da análise, que a revista manteve seu propósito inicial, o de promover debates

sobre temas relacionados à cultura e a história piauiense, considerando também o

contexto cultural brasileiro, e, as ideias e questões culturais contemporâneas às

publicações. Mas a revista não perde o caráter de veículo institucional, divulgando

iniciativas e feitos do governo. Chegando a publicar discursos, documentos oficiais e

relatórios. Na edição de número 03 de março de 1975 foi publicado um relatório da

Secretária de Cultura transcrevendo as atividades planejadas e executadas pelo órgão

durante o ano de 1974, como é possível observar na figura 3, parte do relatório.

Figura 3: – Relatório do Departamento de difusão da Secretaria da Cultura de 1974.

Fonte: Revista Presença; Página 43; Número 3. Ano II. março de 1975

A revista teve suas publicações interrompidas em dois períodos de 1975 e 1982,

retornando com uma nova configuração no CEC e na Secretaria de Cultura, e de 1987 a

1993. Após a segunda interrupção, a revista voltou com sua vigésima edição e não

realizou interrupções em suas publicações. Segundo Sousa (2014), a revista enfrentou

problemas devido ao descaso de incentivos à cultura piauiense, uma vez que algumas

gestões não repassavam verbas para a elaboração da revista. O que levou aos

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conselheiros editoriais a recorrerem a outras entidades públicas, ou até mesmo

particulares. Por isso, em todas as edições da amostra tem anúncios publicitários de

lojas e produtos, e, propagandas de órgãos estatais, como a CEPISA e TELEPISA. Isto

demonstra que mesmo sendo uma publicação institucional produzida por um órgão

estatal, a Revista Presença não conseguia ter sua produção totalmente desvinculada do

mercado.

As políticas culturais, os investimentos (ou a falta deles) e a valorização da

cultura local eram alguns dos debates apresentados na revista. A cultura de uma forma

geral era um tema recorrente, principalmente, nos artigos. Essas discussões sobre a

situação do setor cultural piauiense mostra que a revista buscava uma veracidade em

suas publicações, por não tentar maquiar as problemáticas locais, e, sim, trazer essas

questões de uma forma crítica.

5 Considerações finais

A forma com que a cultura é tratada pela sociedade reflete na abordagem que é

dada pelo jornalismo. Assim, a relação dos indivíduos com as manifestações culturais é,

também, influenciada pelo espaço que os veículos de comunicação dão a elas. Os dados

coletados e analisados levam à interpretação de que a Revista Presença, no período 1974

a 2000, manteve o objetivo de promover debates sobre o setor cultural piauiense.

No período da amostra, a revista abordou a temáticas culturais utilizando textos

dos gêneros de jornalismo informativo (entrevistas, notícias e reportagens) e opinativo

(artigos, cartas, caricaturas, editoriais e resenhas), que ocupam a maior parte dessas

publicações. Já os gêneros de jornalismo interpretativo e utilitário aparecem na revista,

mas de forma isolada.

A Revista Presença se propõe a informar os leitores sobre ações e eventos

culturais, e, a trazer opiniões de artistas, intelectuais e personalidades sobre diversas

temáticas culturais do Piauí. As interrupções de sua produção e as mudanças estéticas

não interferiram no objetivo principal da revista. A revista se propunha a estimular o

senso crítico dos leitores.

O fato da Revista Presença ser um veículo institucional interferiu em suas

Page 14: O jornalismo cultural na Revista Presença 1 · No Piauí, em 1974, a Revista Presença teve sua primeira edição publicada, produzida por um órgão do governo do Estado, a revista

publicações fez com que discursos de autoridades, documentos oficiais e relatórios

fossem incorporados ao conteúdo da revista. Ironicamente, a revista também foi afetada

pelo descaso dos órgãos estatais com as atividades e iniciativas culturais, segundo Sousa

(2014), sendo prejudicada por vezes pela falta de recursos. A isso se deve a existência

de anúncios publicitários e propagandas na revista, pois a falta de recursos levou a que

outras instituições públicas e empresas chegassem a financiar a produção da revista.

Mesmo assim, é possível se concluir que apesar de ser um veículo institucional e

sofrer influência do governo do Estado Piauí, a Revista Presença tem liberdade para

abordar as temáticas culturais se comparadas às produções de veículos comerciais.

Assim, é possível concluir que a revista contribuiu para a divulgação das práticas

culturais no estado, lutando constantemente com a situação de descaso com que o setor

cultural é tratado. Além, de promover o debate e a reflexão através de suas publicações.

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PRESENÇA, Ano IV, número 9, outubro/dezembro de 1983

PRESENÇA, Ano V, número 11, abril/junho de 1984

PRESENÇA, Ano VI, número 13, s/d,1984

PRESENÇA, Ano VII, número 15, julho/outubro de 1985

PRESENÇA, Ano VIII, número 17, abril/julho de 1986

PRESENÇA, Ano VIII, número 19, março/dezembro de 1987

PRESENÇA, Ano IX, número 21, dezembro de 1993

PRESENÇA, Ano X, número 22, s/d, 1994

PRESENÇA, Ano XII, número 23, s/d, 1995

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