o jardim da luz 1

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O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 3

“Uma mentira dita cem vezes, torna-se uma verdade”.

Adolf Hitler

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 4

SUMARIO

O Autor.............................................................05 Sinopse.............................................................06 Comentario do autor.........................................07 Capitulo 01.......................................................09 Capitulo 02.......................................................16 Capitulo 03........................................................22 Capitulo 04........................................................30 Capitulo 05........................................................40 Capitulo 06........................................................54 Capitulo 07........................................................59 Capitulo 08.......................................................66 Capitulo 09........................................................70 Capitulo 10........................................................76 Capitulo 11........................................................82 Capitulo 12........................................................86 Capitulo 13.........................................................91 Capitulo 14.........................................................96 Capitulo 15.........................................................104 Capitulo 16.........................................................109 Capitulo 17.........................................................115 Capitulo 18........................................................ 121 Capitulo 19.........................................................131 Capitulo 20.........................................................137 Capitulo 21.........................................................140 Agradecimentos...................................................147 Bibliografia.......................................................148

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 5

O AUTOR

Com apenas 24 anos de idade ele já conquistou mais de 100 mil leitores, tornando-

se o autor de e-livros mais lido da internet. Luiz Renato é Lu Mounier. Nascido na cidade

de São Paulo em novembro de 1985, começou a escrever já nos tempos de escola, onde se

interessou pelo teatro, passando a escrever peças num misto de imaginação com a realidade

do seu dia a dia.

Desde suas primeiras peças teatrais, até os dias atuais, Lu Mounier já conta com

dez livros escritos, todos divulgados na forma de e-books. Aquilo que começou como uma

diversão entre amigos tornou-se algo muito maior, atingindo a faixa de 100 mil leitores.

Sua intenção é democratizar a leitura, por isso se preocupa em ser direto e simples.

Escreve para aqueles que gostam de ler, e se inspira na realidade em que vivemos, relatos

de amigos e até mesmo em histórias próprias, como no livro @mor.com.br.

Lu Mounier já abordou temas atuais como Emo, AIDS, primeira transa, Segunda

Guerra Mundial, Prostituição, Pedofilia, Primeiro emprego, entre outros. Em uma

linguagem simples, atinge públicos de diversas idades e níveis literários.

Até o momento disponibilizou nove títulos: @mor.com.br; A marca de batom; Um

estranho dentro de mim; Quase Levy um fora; Prazer em conhecer; Eles perguntam, ele

responde; O que olhos não veem, coração também sente; Profissão Amante e O Jardim da

Luz I.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 6

SINOPSE

Hans tem um segredo: está apaixonado. Talvez pareça estúpido, se sua paixão não

fosse por um rapaz judeu. O que poderia ser comum nos tempos de hoje, em uma

Alemanha Nazista isso poderia ser a diferença entre viver e morrer. Para desfrutar desse

amor, Hans decide enfrentar sua família e toda uma nação.

Uma história de Amor e Guerra que ascenderá discussões. Afinal, de quem é a culpa?

Por que na maioria das vezes citam somente os judeus como únicas vítimas de um regime

que por pouco não dominou o mundo e ainda mantém adoradores atualmente?

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 7

COMENTARIO DO AUTOR

De todos os livros que já escrevi, O Jardim da Luz sem dúvida foi não somente o

mais complexo, mas também o mais longo e detalhado até então. Foram dois anos de

pesquisas, separando e resumindo documentários, recortes, artigos, livros, para

proporcionar aos leitores o máximo de qualidade e fidelidade.

Tudo começou em meu segundo ano de faculdade (2007), abordando a oratória de

Hitler em uma das disciplinas. Confesso que a princípio pouco interesse me surgiu, até

porque o conhecimento que eu tinha quanto a esse ditador resumia-se ao que aprendi nos

tempos de escola. Naquele mesmo ano, folheava um caderno cultural que havia ganho ao

entrar no campus e uma fotografia chamou-me atenção. Um corredor sombrio, com cercas

e arames cobertos por uma névoa, e ao fundo uma torre. Aquela imagem encantou-me.

Abaixo a descrição de que tratava-se de Auschwitz, um dos mais conhecidos campos de

concentração alemão.

Guardei a revista e assim que surgiu a oportunidade fui pesquisar sobre, e dessa

pesquisa muitas informações surgiram. Um assunto desdobrava-se em outro, e uma

infinidade de situações, motivações, alianças, apoios, omissões, permitiram a Segunda

Guerra Mundial. Assim como eu, muitas pessoas deveriam desconhecer a dimensão desse

episódio que mudou a história da humanidade para sempre. A partir de então, decidi que

escreveria um livro sobre esse tema, porém, não de imediato.

Como tudo em minha vida, esperei que as oportunidades aparecessem, e por

bondade do destino, eis que a vida deu-me a deixa para que tornasse realidade. Em um

domingo calmo, ensolarado, resolvi subir até uma pequena praça na esquina de casa. Estava

como eu gostava, vazia. Pouco tempo depois avistei o senhor Hans se aproximar com sua

bengala. Nunca haviamos parado para conversar, e nossos diálogos não haviam passado de

um "bom dia". Iniciamos um diálogo. Foi a primeira pessoa a quem revelei sobre minha

intenção de escrever um livro retratando o tema. Esboçando um leve sorriso, ele mostrou-

me uns números tatuados em seu braço e questionou: "-você sabe o que é isso?" Achando-o

moderno, respondi: "uma tatuagem." O que eu não sabia, era que por trás daquela tatuagem

havia uma história, da qual me fez chorar, rir, arrepiar. Quem diria que um misterioso

senhor, residente próximo a mim, escondia uma história que livro algum havia contado.

O que apresentarei nessa história dividida em 2 livros, não é a história de um

homem, mas sim de uma nação. LU MOUNIER

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 8

“Aconteceu quando estavam no campo. Caim matou seu irmão. O Senhor perguntou

a Caim: - Onde está Abel, seu irmão? E ele respondeu: - Eu não sei. Sou eu protetor de

meu irmão?”

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 9

Capitulo 01

Dizem que se leva um minuto para conhecer uma pessoa especial, uma

hora para amá-la e uma vida inteira para esquecê-la. Por mais que o tempo passe, existem

coisas que jamais apagaremos da memória, cicatrizes deixadas pela vida que nos

acompanharão para sempre.

Filho de pais alemães, nasci e cresci em São Paulo, onde morei por doze anos até

minha família voltar à Europa. Devido a crise que o continente enfrentou no período pós-

guerra, a empresa em que meu pai trabalhava encerrou suas operações no Brasil, o

transferindo para a matriz em Berlim.

A Europa estava vivendo um caos depois da Primeira Guerra Mundial. A Grã-

Bretanha e a França tinham grandes dívidas com os EUA e tinham a intenção de fazerem a

Alemanha pagá-las.

Com sua derrota na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha sofreu enormes prejuízos.

Assinado em 1919, o Tratado de Versailles foi um acordo de paz proposto pelas potências

européias que encerrou oficialmente as batalhas. Após seis meses de negociações em Paris,

o tratado foi assinado como uma continuação do armistício de Novembro de 1918, em

Compiègne, que havia posto um fim aos confrontos.

O principal ponto do Tratado de Versailles obrigava a Alemanha a arcar com as

dívidas de guerra, pagando altas indenizações, além de abrir mão de territórios coloniais e

próprios, tendo ainda que adotar o processo de desmilitarização de seu país, não podendo

dispor de quaisquer tipos de fortificações, limitando seu exército a 100 mil homens.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 10

Na realidade esse tratado foi uma medida punitiva, culpando a Alemanha, Áustria e

Hungria pela guerra e impondo reparações ilimitadas e mal definidas aos Poderes Centrais.

A consequência desse processo foi o empobrecimento do povo alemão e um gigantesco

processo inflacionário. O Marco¹ perdeu espaço para o Dólar. Em novembro de 1918, um

Marco valia 25 centavos de dólar, e já em 1922, caiu para 400 Marcos para um Dólar. No

ano seguinte, mais precisamente em novembro de 1923, o poder de compra do dinheiro

diminuía quase que a cada hora. Os alemães se apressavam para converter suas economias

caso tivessem alguma em bens duráveis.

Aceitar a idéia de mudar para o velho continente foi difícil, principalmente pelas

razões climáticas, os amigos. O que eu não sabia, era que minha vida mudaria para sempre.

O ano era de 1932. Em meu quarto eu lia um livro que trouxera do Brasil, somente

com a luminária ao lado direito da minha cama ligada, além do aquecedor. O frio que fazia

naquela noite despertava-me vontade de chorar, mesmo agasalhado.

A primeira noite foi a pior de todas, pois não tínhamos vestimentas apropriadas para

aquele clima, nos fazendo quase congelar.

Logo quando o dia amanheceu meu pai foi trabalhar, ficando apenas eu, meu irmão

e minha mãe. Desci para tomar café da manhã, tremendo feito uma vara verde.

Colocando o bule sobre a mesa, minha mãe falou:

-Hans, preciso que você vá comigo até a loja de tecidos.

-Fazer o quê?

-Vou comprar tecido! Não temos muito dinheiro para gastar com alfaiate e precisamos de

boas vestimentas para passar o inverno.

-Por que a senhora não leva o Patrick?

-Porque ele ficará estudando.

-Humpf... Tudo bem.

Mesmo que eu não concordasse em ir, ela me obrigaria de qualquer jeito. Nossa

educação sempre foi muito rígida, tendo os pais como soberanos de tudo. Claro que eu não

concordava com tais regras, porém, contrariar não adiantaria muito, apenas me levaria para

cama mais cedo, e certamente acompanhado de uns puxões de orelha.

Caminhando apressado, tentava acompanhar os passos de mamãe em direção à loja

de tecidos. Tomando a frente ela empurrou a porta, entrando rapidamente. Entrei logo em

seguida. Um sino soou. Quase deixei a porta bater, pois ventava muito naquele momento, e

claro que seu enorme peso ajudou.

Aproximando-se do balcão, mamãe olhava de um lado para o outro, observando as

pilhas de tecidos, ao mesmo tempo em que tirava suas luvas.

1. Marco: moeda alemã antes da incorporação do Euro.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 11

Não demorou muito para que uma senhora nos abordasse:

-Bom dia!

-Bom dia. Quero ver alguns tecidos para fazer roupas de inverno. - Revelou mamãe

guardando suas luvas na bolsa.

-Ah sim! Acompanhe-me, por favor. - Disse aquela senhora caminhando em direção às

prateleiras.

A loja tinha alguns adereços estranhos, provavelmente provindos de outra cultura.

Interior escuro, e altas prateleiras com pilhas de tecidos. Conforme mamãe ia pedindo, o

senhor que estava no balcão ia medindo, cortando e embrulhando os tecidos.

Ambiente era sombrio, cheirava a couro. A porta de entrada nos permitia visualizar

os bondes e pessoas pela rua passar, pois da metade para cima eram de vidro.

Depois de muito esperar, eis que ouço meu nome:

-Hans... - Chamou-me mamãe.

-Ja¹, Mutter²?

-Venha me ajudar com os pacotes.

-Está bem.

Quando voltei ao balcão e vi aquela pilha de pacotes amontoados, tive vontade de

chorar. Nunca pensei que mamãe fosse comprar tanto, sobrando, claro, para eu carregar.

-Quanta coisa! - Exclamei abismado.

Dando a volta pelo balcão, um senhor de aparência cansada disse:

-Aguarde um momento que vou lhe ajudar com os pacotes.

-Ja. - Respondeu mamãe calçando suas luvas.

Caminhando por um longo corredor, gritou o senhor:

-Eliezer!... Eliezer!...

-Chamou, pai?

-Ajude essa senhora e seu filho com os pacotes.

-Sim.

Que alívio! Pelo menos eu não levaria tudo sozinho. Aproveitei para escolher os

embrulhos mais leves, deixando os mais pesados para aquele estranho rapaz de costeletas

cacheadas.

Assim como seus pais, aquele garoto era estranho, sério. Usava um chapéu esquisito

na cabeça, igual ao que usava seu provável pai.

Durante todo o caminho ele permaneceu calado, caminhando apressado para tentar

nos alcançar. Coitado, deveria estar penando carregando os pacotes mais pesados. Até

pensei em oferecer-me para ajudá-lo, mas se eu o fizesse, mamãe abusaria de minha

bondade e me daria os dela para carregar.

1. Ja: Sim em Alemão. Pronuncia-se iá.

2. Mutter: Mãe em Alemão. Pronuncia-se muhta – silaba Tonica “mu”

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 12

Após quase ser atropelado por um bonde, mamãe pegou na mão daquele tímido

garoto, e a partir de então, passou a puxar assunto com ele:

-Qual sua idade, Eliezer?

-12.

-Você tem irmãos?

-Ja.

Suas respostas eram curtas, provavelmente devido a sua timidez.

-Quantos irmãos você tem?

-Tenho uma.

-E qual o nome dela?

-Ashira...

-É mais velha?

-Já! Ashira tem 15 anos.

Ao chegarmos em casa, colocamos os pacotes sobre a mesa da cozinha. Tirando

suas luvas e o casaco, mamãe disse acendendo o fogão:

-Sente-se à mesa, Eliezer. Vou lhe servir algo para aquecer do frio.

-Desculpe, senhora, mas não posso demorar...

-Não se preocupe, não irá demorar nada.

-Tudo bem... Danke¹!

Tomamos um chá com biscoitos, os três sentados à mesa. Aos poucos ele foi se

soltando e conversando mais, deixando-me confuso com toda aquela história de judeu que

eu não entendia nada. Até que ele se mostrou um garoto legal, diferente da primeira

impressão fechada e isolada que se mostrou logo no início.

Após o chá, o Eliezer partiu dizendo que precisava voltar logo para a loja, pois tinha

que ajudar seus pais, e eu, tranquei-me no quarto para ler mais um pouco os livros que

trouxera do Brasil. Envolvi-me com a história que nem percebi o tempo passar, até ser

interrompido pela campainha .

Segui até o corredor, olhei de um lado para o outro e não vi ninguém.

-Mutter? - Chamei. - Patrick?

Ninguém respondeu. Tudo indicava que não havia ninguém em casa. Sendo assim,

fui até a sala para ver quem era. Espiei pelo buraco da fechadura, mas não consegui ver

ninguém.

Abri a porta e avistei o garoto estranho, segurando outro pacote nas mãos.

-Hallo²! - Exclamei surpreso.

1. Danke: Obrigado em Alemão. Pronuncia-se danke

2. Hallo: Olá em Alemão. Pronuncia-se ralo

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 13

-Oi... A senhora sua mãe está?

-Acho que não...

Ficamos um tempo olhando um para a cara do outro, até que sugeri:

-Entre! Acredito que ela não vá demorar.

-Danke!

-Sente-se. - Falei fechando a porta.

-Danke!

Sentei-me no outro sofá frente ao seu. Silêncio. Apenas o pêndulo do cuco na

parede soava, e às vezes o bonde ao passar pela rua.

-O que aconteceu com seu chapéu? - Questionei curioso.

-É uma kipá.

-Kipá?

-Sim.

-Pra que serve?

-Faz parte da minha cultura... A kipá deve estar sempre sobre a cabeça, lembrando que há

alguém acima de nós observando todos nossos atos. Isso faz com que reflitamos mais sobre

nosso comportamento e nossas ações.

-Hum... E por que você não tira ela? Está dentro de casa...

-Não podemos tirar, só pra tomar banho.

-Nem pra dormir?

-Nem pra dormir.

-Hum... Achei vocês um pouco estranhos.

-Por quê?

-Não sei...

-Humpf... Deve ser porque somos judeus.

-Judeu?

-Ja... Cultura judaica. Nunca ouviu falar?

-Não.

-Nossa!... Mas você também é estranho.

-Eu?

-É... Seu jeito de falar...

-Bem, na verdade sou brasileiro.

-Brasileiro?

-É... Meus pais são alemães, mas eu nasci no Brasil.

-Onde fica o Brasil?

-Fica na América.

-É bonito lá?

-Sim... Eu tenho um retrato, quer ver?

-Quero!

-Vem comigo...

Seguimos até meu quarto, correndo. Empurrei a porta que estava entreaberta, abri a

gaveta do criado-mudo e mostrei sentando-me à cama:

-Olha!

-Nossa!... Parece um lugar bonito... Onde é?

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 14

-Praça da República, em São Paulo.

-São Paulo é a capital do Brasil?

-Não, a capital é Rio de Janeiro.

-Entendi. Quero um dia poder conhecer o Brasil...

-Se quiser eu te levo quando eu for.

-Quando?

-O mais rápido possível... Não vejo a hora de voltar para o calor brasileiro.

-Por quê? No Brasil não faz frio?

-Faz, mas não como aqui na Alemanha. Bom, pelo menos em São Paulo...

-E do que você mais sente falta dessa cidade?

-Humpf... Da garoa nas tardes paulistana... De tomar chá com minha mãe no Jardim da

Luz...

-Jardim da Luz?

-É... Em frente tem a estação de trem...

-Acho que terei muita coisa pra conhecer em São Paulo.

-Vou te apresentar para os meus amigos, e faremos um campeonato de peão.

-Você também joga peão?

-Ja!

-Que legal! Adoro brincar com peão, mas não tenho com quem... - Lamentou Eliezer.

-E os garotos da sua rua?

-Eles não gostam de mim...

-Ué... Por quê?

-Porque sou judeu.

-O que acha de brincarmos juntos?

-Adorei a idéia! Mas agora preciso ir.

-Mas já?

-Sim... Hoje é sexta feira, dia de Shabat¹.

-Quem é Shabat?

-Depois te explico.

-Humpf... Ta bom.

-Entregue isso a sua mãe. - Entregou-me o pacote.

-Tudo bem.

Corremos até a porta e ao abri-la, fiquei olhando ele correr pelo corredor e antes que

ele descesse a escada chamei:

1. Shabat: é iniciado ao pôr-do-sol de cada sexta-feira. Após sua obra de criação, Deus abençoou o sétimo dia,

denominado Shabat, quando repousou. A tradição de respeito a esse dia é seguido por todo judeu, que

acreditam no sagrado conceito: “mais do que os judeus têm guardado ao Shabat, o Shabat tem resguardado os

judeus”. Por meio da história em Israel e na era diáspora, o ritual tem sido um elo entre os judeus.

Para eles, obedecer ao Shabat é imitar a Deus em todos os seus atributos morais, sendo o padrão de

conduta recomendada ao homem devoto, seguindo o exemplo do criador. É durante esse dia que o homem

alcança uma grande dignidade e estatura moral, por mais que se sinta oprimido ou rejeitado pelo mundo.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 15

-Eliezer!?

-Ja?

-Você volta?

-Volto!

Após trocarmos um sorriso, fechei a porta e ele foi embora. Confesso que fiquei

feliz, pois acabava de ganhar um amigo naquela terra de pessoas estranhas e frias. Até que

ele não era tão esquisito quanto aparentava, e gostava de peão, algo que eu também adorava.

Pouco tempo depois minha mãe chegou com uma sacola. Encontrando-me na sala,

exclamou fechando a porta:

-Hans!

-Mutter! Onde a senhora estava?

-Fui ao armazém comprar alguns botões.

-Ah!... O filho do dono da loja de tecidos esteve aqui. - Falei seguindo-a até a cozinha.

-Pra quê?

-Veio te trazer esse pacote.

Franzindo as sobrancelhas caminhou até a cozinha, colocou o pacote sobre a mesa e

abriu para ver o que era.

-Ah! Mais tecido...

-A senhora comprou mais?

-Não, esse foi o que esqueci na loja.

-Hum.

Ouvimos a porta da sala bater. Olhamos para o corredor, mas não vimos ninguém

passar. Segui até a sala e avistei meu pai sentado ao sofá, com a cabeça baixa apoiada com

as mãos.

-Vater¹!... Está tudo bem?

Ele não respondeu. Voltei a cozinha e falei para mamãe que já lavava as batatas:

-Mutter, o Vater está estranho.

-O que ele tem?

-Não sei...

Após enxugar suas mãos, seguiu até a sala preocupada.

-Oliver... O que acontece?

Vagarosamente ele levantou sua cabeça e olhando para mamãe, falou com uma

expressão cansada:

-Fui demitido.

-Demitido? Ceus!...

Incrédula, mamãe sentou-se ao sofá. Fiquei sem entender nada, pois não sabia o

significado de “demitido”.

1. Vater: Pai em Alemão. Pronuncia-se fahta - silaba tônica “fa”.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 16

CAPITULO 02

Durante quase todo o jantar o silêncio predominou, até o

papai começar a falar:

-Bem... Nossa situação financeira agora vai ficar um pouco mais difícil...

-O que aconteceu, Vater? - Perguntou meu irmão.

-Hoje fui despedido da empresa.

Sussurrando, perguntei a mamãe sentada ao meu lado:

-O que isso quer dizer, Mutter?

-Quer dizer que seu pai não trabalha mais na empresa.

-Nossa!

Angustiada, mamãe sugeriu:

-Vou amanhã até a loja de tecidos ver se eles aceitam de volta as mercadorias que

comprei...

-E morrer de frio no inverno europeu? Não seja louca, daremos um jeito para conseguir

dinheiro.

-Mas Oliver, enquanto não houver outra alternativa...

-Por enquanto não estamos morrendo de fome!

-E se vendêssemos tudo e voltássemos para o Brasil?

-Jamais! Lutaremos unidos pela Alemanha.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 17

Jogando o guardanapo sobre a mesa, mamãe respondeu levantando-se:

-Pois então não reclame se amanhã nossa família tiver que morar nas calçadas de Berlim!

Sem mais uma palavra ela seguiu para seu quarto. Assustado, olhei para o Patrick

que mordia seu pão como se nada estivesse acontecendo. Permaneci calado, assim como

todos à mesa.

“Logo um camelo passará pelo buraco de uma agulha e um

grande homem será „descoberto‟ numa eleição”. Adolf Hitler

Durante a madrugada levantei para ir ao banheiro. Quando voltava ao quarto avistei

mamãe sentada ao sofá da sala, no silêncio da escuridão ao lado da tímida clara do abajur.

Apoiei minha mão sobre o batente da porta e a observei por um tempo.

Percebendo minha presença, enxugou rapidamente suas lágrimas questionando:

-Hans... O que faz acordado uma hora dessas?

-Levantei para ir ao banheiro. - Respondi caminhando até ela.

Sentando-me ao seu lado, perguntei:

-Mutter... Não quero vê-la chorando.

-Não estou chorando.

-Está sim... Eu vi.

-Impressão sua!

-Mutter... Tudo vai se resolver, a senhora vai ver.

Abraçando-me, ela comentou:

-Tenho certeza que sim, Liebe¹.

No outro dia o Eliezer chegou em casa logo após o almoço. Brincamos a tarde

inteira, nem vimos a hora passar.

Arrumando a alça de seu suspensório, o Eliezer comentou:

-Preciso ir, Hans... Logo vai anoitecer.

-Que pena! Nos vemos amanhã então?

-Infelizmente não.

-Por quê?

-Porque é dia de Kippur.

-Então não poderemos brincar amanhã?

-Não... No kipur não podemos comer após o pôr do sol, usar calçados de couro, escovar os

dentes, tomar banho, lavar a boca... O rosto e as mãos apenas podem ser lavados pelas

manhãs antes das orações...

-Nossa!

O Yom Kipur ou Kippur é um dos dias mais importantes do judaísmo. No calendário hebreu começa

no crepúsculo que inicia o décimo dia do mês hebreu de Tishrei, do qual coincide com Setembro ou Outubro

e continua até o seguinte pôr do sol. Os judeus tradicionalmente concebem esse feriado com um período de

jejum de 25 horas e reza intensa.

1. Liebe: Querido em Alemão. Pronuncia-se lihbe.

O Jardim da Luz

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O jejum do Yom Kippur não é permitido para crianças com menos de nove anos de

idade, mulheres grávidas ou as que deram a luz há menos de um mês e pessoas gravemente

doentes. Além disso, não se pode carregar nada, fumar, acender fogo nem usar eletricidade.

Alguns dias se passaram. Na cozinha, enquanto selecionava os legumes, mamãe

murmurava:

-Como estão caros!

-Falou comigo, Mutter?

-Não, apenas pensei alto.

-Não comprou beterraba?

-Melhor não... Vou aguardar o preço abaixar... Está tudo muito caro!

Cada vez que íamos ao armazém mamãe trazia menos coisas. Os preços altos

obrigavam as famílias a racionarem a comida.

Colocava o pacote com as compras sobre a mesa da cozinha quando mamãe disse-

me tirando suas luvas:

-Hans... Tome! - Entregou-me umas moedas.

-Pra mim?

-Sim... Sobraram algumas moedas e estou lhe dando por ter me ajudado.

-Danke, Mutter!

Sai correndo em direção à porta da sala, quando ela questionou:

-Hans... Aonde vai?

-Vou convidar o Eliezer para tomar uma gasosa¹!

-Cuidado para atravessar a rua.

-Ja!

Fechei a porta de casa e segui correndo até a casa do Eliezer. Entrei na loja de seu

pai. Ao empurrar a pesada porta o sininho tocou. De costas estava o senhor Lovitz,

arrumando uma pilha de tecidos nas prateleiras próximo ao balcão do fundo.

Ao virar-se, exclamou dizendo:

-Hallo, garoto!

-Boa tarde, senhor Lovitz! O Eliezer está?

-Sim, está em casa.

-Danke!

Deixei sua loja e toquei a campainha ao lado. Algum tempo depois eis que ele abriu

a porta surpreso:

-Hans!

-Hallo! Vim te convidar para tomarmos uma gasosa.

-Legal! Vou pegar meu casaco e já desço.

-Vou te esperar aqui.

-Está bem.

1. Gasosa: Nome dado a refrigerante nas primeiras décadas do século XX.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 19

Enquanto aguardava pelo Eliezer, observava o bonde passar.

-Pronto! - Exclamou ele fechando a porta.

-Vamos?

-Sim!

Seguimos até o bar próximo ao parque. Nos sentamos a mesa e logo veio o garçom

nos abordar.

-Boa tarde, rapazes!

-Boa tarde!

-O que vão querer?

-Duas gasosas, por favor. - Respondi olhando pro Eliezer e sorrindo.

-Tudo bem. - Disse o garçom anotando nosso pedido.

-Estou feliz por ter me convidado para uma gasosa! - Comentou o Eliezer balançando suas

pernas que mal tocavam o chão.

-Ah é?

-Ja... Quase não tenho amigos...

-Mas e os garotos do grupo escolar?

-Humpf... Também não gostam de mim, me acham estranho.

-Sinceramente... Eu também te achei no começo.

-Verdade?

-Ja... Mas agora não te acho mais.

-Por quê?

-Porque eu te conheço e sei que você é um garoto super legal!

-Duas gasosas! - Interrompeu o garçom nos servindo ao copo.

-Danke! - Agradeci.

-Com licença.

-Hans...

-Eu?

-Você quer ser meu amigo?

-Claro que sim!

-Mesmo eu sendo judeu?

-Não vejo problemas nisso...

-Que bom!

Há cerca de cem anos, a maioria dos judeus habitavam na Europa, nas províncias

polonesas do império russo, império alemão e austro-húngaro. Tratava-se de um mundo de

sofrimento e pobreza, porém, também possuíam estudiosos, poetas, formidáveis

casamentos e filósofos. Homens e mulheres dividiam perigos e riscos, e a cada shabat,

sentavam-se com seus filhos ao redor da mesa cercados de músicas e alegria. Era um

mundo de sinagogas e casas de estudo, onde à luz de velas jovens e velhos reuniam-se para

estudar tarde da noite. Pais e avós enrolavam suas crianças em canções de ninar contendo

esperança e fé. Esse mundo onde o preço do respeito resumiam-se em boas ações, e o

direito à amizade não tinham pré-requisitos.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 20

Após tomarmos nossa gasosa fomos brincar um pouco no parque. Cheguei em casa

todo sujo, fazendo minha mãe pirar.

-Mas... O que aconteceu com você!?

-Estava brincando no parque, Mutter...

-Brincando? Mais parece que esteve em uma guerra! Vá tirar essa roupa enquanto lhe

preparo um banho.

-Ja, Mutter.

Eu adorava tomar banho em dias de inverno, pois passava um bom tempo dentro da

banheira com água bem quentinha, mas também só essa parte agradava-me, pois tanto na

hora de entrar quanto na hora de sair era o momento mais sofrido. Devido ao frio, os

europeus não tinham o hábito de se banhar todos os dias, e não demorou muito para que eu

descobrisse o porquê.

No dia seguinte, no início da tarde minha mãe entrou em meu quarto dizendo:

-Hans... Tem visita pra você.

Assim que o Eliezer entrou em meu quarto ela nos deixou as sós, fechando a porta

ao sair.

Segurando seu peão ele caminhou até mim dizendo:

-Hallo, Hans!

-Hallo...

-Está tudo bem?

-Não muito...

-Por quê?

-Meu pai perdeu o emprego.

-Nossa!

Sentando-se ao chão ao meu lado ele perguntou:

-Bem... Será que eu poderia ajudar?

-Acho que não...

-Eu... Eu vim pra jogarmos peão, mas se quiser posso voltar outra hora.

-Nein¹! Ficarmos aqui lamentando não irá ajudar... Vou pegar meu peão também... -

Levantei-me correndo.

Passamos horas brincando naquela tarde. O Eliezer se mostrou ser um garoto super

legal, além de generoso.

1. Nein: Não em Alemão. Pronuncia-se nain.

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- Lu Mounier - 21

-Hans... - Chamou o Eliezer.

-Hum?

-Ontem comentei com meu pai sobre o Brasil que você havia dito.

-Ah é?

-Ja...

-O que ele disse?

-Ele me contou que tem um primo morando na capital.

-Que legal! Eu nunca estive na capital.

-Nunca?

-Nunca, mas dizem que é uma cidade muito linda... Minha mãe conhece, inclusive ela tem

uma amiga muito querida que mora lá.

-Que legal! Ah... Tenho uma novidade pra te contar.

-Qual?

-Meu pai comprou um rádio!

-Que maravilha!

-Já... Super moderno, combinando com a mobília da sala!

-E você vai me convidar para ouvir com você?

-Claro! Mas agora está ficando tarde.

-Virá brincar comigo outras vezes?

-Ja! Só se você não quiser mais ser meu amigo.

-Claro que quero!

-Até mais então.

-Até!

O século XX prometia ser o século do progresso. As novas invenções e indústrias

trariam nova prosperidade a todos. A ciência possibilitaria uma vida melhor, conforto,

comodidade. O automóvel, rádio, telefone, aviões, deveriam ser instrumentos de progresso

e igualdade, e o avanço da cultura refletido na arte, música, arquitetura, literatura.

Os prejuízos causados pela Primeira Guerra Mundial acometeram diversos países. Inglaterra e França

tiveram grande parte de suas terras destruídas, principalmente a maior fonte de carvão francesa e suas

fazendas. Essa guerra que consumiu muitas vidas, aproximadamente 20 milhões, também consumiu a sede de

guerra de seus combatentes.

Ao se depararem com o exército do Kaiser Wilhelm voltando para casa, a população civíl alemã que

até então desconhecia a derrota no fronte oriental, mostrou-se chocada com o armistício. Fora do poder,

Kaiser exilou-se na Holanda e os comunistas se formam rebeldes na frota imperial alemã, da qual

orgulhavam-se. Formou-se então um governo democrático, na antiga cidade de Weimar, ao sul de Berlim.

Bandeiras vermelhas foram erguidas, oficiais assassinados e a disciplina deixou de existir.

Descontentes e desmoralizados, veteranos do exército partiram em outra direção e passaram a formar grupos

paramilitares denominados “Freikorps” ou Exército Livre.

A Alemanha mergulhava-se em uma instabilidade econômica e social, enquanto comunistas,

socialistas, nacionalistas e imperialistas lutavam uns contra os outros em violentas batalhas noturnas pelas

ruas das cidades por toda Alemanha. A ordem precisava ser restabelecida.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 22

CAPITULO 03

Apos o almoço, estudava em meu quarto quando minha mãe bateu a porta

dizendo:

-Hans...

-Entre, Mutter!

-Preciso de um favor...

-Qual?

Entregando-me o dinheiro ela pediu:

-Seu pai não está se sentindo muito bem. Preciso que vá ao boticário e me traga um

remédio para dor de estômago.

-Humpf... Tudo bem.

-Vista um casaco antes de sair, está frio lá fora.

-Ja.

Enquanto caminhava até o boticário, notei um clima diferente pelas ruas. As pessoas

comemoravam algo que até então eu desconhecia. Curioso, parei para observar um carro

que passava cheio de seguidores festejando.

-Senhor... O que estamos comemorando? - Perguntei a um homem parado ao meu lado que

acenava com seu chapéu.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 23

-Você não está sabendo? Adolf Hitler é o novo Chanceler da Alemanha! - Respondeu

entusiasmado.

No dia 30 de janeiro de 1933 iniciava-se um novo capítulo na história alemã. Por

volta do meio dia, o emocionado Adolf Hitler apareceu no palácio presidencial como o

Chanceler da nação alemã. Rodeado de admiradores, entrou no carro e foi levado pelas ruas

de Berlim que estavam cheias de gente comemorando.

-“Conseguimos!... Conseguimos!” - Exclamava o exaltado Adolf Hitler.

Voltei pra casa ansioso, querendo entender o que acontecia de verdade. Subi a

escada do prédio correndo. Abri a porta fervorosamente e ao colocar o pacote de remédio

sobre a mesa, mamãe questionou-me:

-Mas o que houve, Hans?... Isso são modos de entrar em casa?

-Mutter... Não se fala outra coisa nas ruas...

-Que coisa?

-Adolf Hitler é o novo Chanceler da Alemanha.

-Como? De onde você tirou isso?

-Estão todos comentando, Mutter... No boticário, no armazém...

-Vou ligar o rádio daqui a pouco para saber mais... - Disse ela suspirando.

-O que isso significa, Mutter?

-Isso o quê?

-Chanceler.

-Você ainda é muito criança pra entender de política, Hans.

-Já tenho 12 anos!

-Mal saiu das calças curtas... - Comentou pegando o pacote de remédios e levando pro

quarto.

Naquela noite, jantávamos tranqüilamente quando começamos a ouvir muita gritaria

e carros passando pela rua. Olhamos um para a cara do outro sem nada dizer. Naquela sala

o silêncio predominava, até ser quebrado pelo papai ao dizer:

-Terminem o jantar, depois conversaremos sobre o acontecimento de hoje.

Na noite de 30 de janeiro, praticamente todos os membros da SA¹ e da SS² saíram

uniformizados para comemorar o novo Chanceler, Adolf Hitler. Carregando tochas e

cantando a canção “Hörst Wessel” eram saudados por multidões, conforme marchavam

para o portão de Bradenburgo e ao redor Wihelmstrasse para o palácio presidencial. Já os

policiais que antes batiam neles, agora usavam braçadeiras com a suástica e sorriam para

eles.

Por toda parte era possível ouvir as batidas rítmicas de botas, música de desfile

militar e baterias. Em frente ao palácio presidencial a multidão saudava Hindenburg,

quando ele olhou por uma das janelas do palácio. Esperavam na chancelaria por Hitler em

uma cena cuidadosamente planejada por Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do

partido Nazista. Quando Hitler apareceu sob o holofote projetado pra si, foi saudado com

muito respeito e adoração, como nunca antes visto na Alemanha.

A multidão gritava fervorosa:

-Heil! Sieg Heil ³!

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 24

Esse era o refrão daqueles que acreditavam que a hora da libertação havia chego na

forma daquele homem, que a partir de então olharia para eles. Bismark, Frederick “O

grande”, e o Kaiser, ainda não tinham visto tal manifestação da massa.

Naquele mesmo dia Joseph Goebbels escreveu em seu diário:

“É quase como um sonho, um conto de fadas. O novo Reich

nasceu... Quatorze anos de trabalho foram coroados com esta

vitória...”

No outro dia, enquanto Eliezer e eu brincávamos em meu quarto, comentei:

-Você viu o que aconteceu na cidade ontem à noite?

-Humpf... Sim.

-Meu pai disse que agora a Alemanha retomará seu posto merecido.

-Em casa papai teme pela nossa sorte.

-Por quê?

-Ele disse que os judeus sofrerão... Que esse Adolf é um homem mau.

-Mas se ele é tão mau assim, por que as pessoas estão comemorando felizes?

-Não sei. Talvez as pessoas não saibam quem ele é...

-Bobagem... Não vamos pensar no pior.

1. SA: Exército político de Hitler. Fundada por Ernst Röhm em meados de agosto de 1921, as Tropas de

Assalto (SA) tinha como dever primário proteger os líderes nazistas em seus deslocamentos e atividades

políticas. Era constituída por alcoólatras, criminosos, membros dos Freikorps e da Reichswehr. Realizava

suas funções na maioria das vezes com violência, grande parte delas injustificáveis e apoiadas publicamente

por Hitler, do qual afirmava que o futuro de um movimento depende do fanatismo.

2. SS: Polícia de Hitler. Derivada da conhecida Schutzstaffel (SS), as Waffen-SS teve sua fundação no início

do partido Nazista com o intuito de proteger Adolf Hitler em um conturbado período político (entre as

décadas de 1920 e 1930 do século XX). Para fazer parte de sua polícia, Hitler exigia que sua tropa fosse

composta por cidadãos de origem germânica comprovada, com condições físicas e mentais excepcionais,

além de cumprir as ideologias do partido Nazista. Para que isso fosse possível, nomeou Heinrich Himmler

como chefe da tropa SS, onde em 1933 conseguiu reunir cerca 52.000 homens para seu exército de elite,

sendo posteriormente anexada o Ordnungspolizei (a polícia regular), e o Sicherheitspolizei (a polícia de

segurança).

3. Sieg Heil: Salve! Salve a vitória! em Alemão. Pronuncia-se zig rail.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 25

A conquista do povo alemão não aconteceu de uma hora pra outra. Oportunista,

Adolf Hitler sabia muito bem quando e como agir.

Com a queda da bolsa de Wall Street em 1929, países do mundo inteiro sofreram

efeitos desastrosos em sua economia. Empresas faliram, bancos quebraram, economias de

uma vida foram perdidas. Logo veio a fome, o desemprego, e os governos pareciam não ter

forças para enfrentar aquele colapso mundial. O medo imperava e com a grande depressão

Adolf Hitler sabia que sua hora havia chegado.

Na metade de 1930, entre as pressões econômicas da grande depressão, o governo

democrático alemão estava começando a se desmanchar. Hitler e os nazistas começaram a

agir, lançando uma campanha grandiosa e moderna em 1930 como nunca se viu na

Alemanha. Ele viajou o país proferindo dezenas de grandes discursos, participando de

encontros, cumprimentando a população, dando autógrafos, posando para fotos, e até

beijando bebês alemães.

Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do Partido Nazista¹, organizou

brilhantemente centenas de encontros e desfiles com tochas pelas ruas de várias cidades.

Espalhou pôsteres por todos os lugares e imprimiu milhões de cópias de edições especiais

dos jornais nazistas.

“Toda propaganda tem que ser popular e acomodar-se à

compreensão do menos inteligente dentre aqueles que pretende

atingir.” Adolf Hitler

Hitler sempre oferecia alguma coisa para todo mundo. Emprego para os

desempregados, lucros para a indústria, prosperidade para pessoas de negócios falidos,

expansão para o exercito, harmonia social e o fim de distinções de classes para jovens

estudantes alemães. Naquele momento, era tudo que a população alemã queria.

O ano estava apenas começando e com ele muitas mudanças. Pelas ruas era possível

notar as pessoas mais esperançosas, vibrantes, confiantes que a Alemanha voltaria a ser

uma forte economia européia.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 26

Sentado ao sofá, ouvia um pouco de música no rádio quando minha mãe chamou

meu nome:

-Hans?

-Ja, Mutter?

-Seu irmão vai cantar no coral de jovens e acho que os sapatos dele não estão apropriados

para a ocasião. Preciso que você leve-os até o sapateiro...

-Humpf... Tudo bem.

-Vou buscá-los.

-Ja.

Enquanto vestia um casaco e calçava meus sapatos mamãe foi embrulhar os do

Patrick, para que eu os levasse ao sapateiro.

Após me vestir, voltei a sala e sentei-me ao sofá aguardando por ela.

-Aqui estão, Hans!

-Está bem... - Falei enquanto ela entregava-me o dinheiro. - Posso ficar com o troco?

-Não!... Nossa situação atual está muito difícil, temos que economizar todo e qualquer

trocado que nos sobrar.

-Humpf... Tudo bem.

Segurando o pacote com os sapatos segui até a sapataria do senhor Dirk, velho

conhecido do meu pai que ficava a dois quarteirões de casa. Enquanto esperava para

atravessar, dois carros do corpo de bombeiros passaram apressados, apitando como se

estivessem a caminho de uma emergência. Até então não havia notado nada de anormal na

rotina da cidade.

-Bom dia, senhor Dirk!

-Hallo, Hans! Como está seu pai?

-Bem... Apesar de ter ficado um pouco mal esses últimos dias, mas já está melhor.

-Mande lembranças a ele.

-Claro!

Colocando os sapatos sobre o balcão, informei:

-Senhor Dirk, preciso que o senhor conserte os sapatos do meu irmão...

-Deixa-me ver... - Falou colocando seus óculos presos a um cordão em seu bolso.

Enquanto ele analisava os sapatos, questionei:

-E os negócios, como estão indo?

-Ah, jovem Hans!... De mal a pior.

-Mas por quê?

-Como todos na Alemanha, Hans... Temo em ter que fechar as portas em breve.

-Não diga uma coisa dessas, senhor Dirk!

-Mas é verdade... A culpa é dos judeus, como diz o Chanceler.

-Dos judeus?

-Sim... Eles estão tirando nossas riquezas... Essa raça de porcos imundos! Não estranharia

se fossem eles que colocaram fogo no Reichstag¹. - Dizia ele com ódio nos olhos.

1. Reichstag: Parlamento alemão.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 27

Sem saber o que se passava, perguntei assustado:

-Fogo? De que fogo o senhor está falando?

-Você não está sabendo? O Parlamento está em chamas!

-Gott!... Mas é grave?

-Parece que sim.

-Senhor Dirk, preciso ir pra casa, acho que minha mãe não está sabendo disso.

-Uma hora dessa toda Alemanha está sabendo, menino Hans!

-Por favor, não esqueça de engraxar os sapatos também!

Em 27 de fevereiro de 1933, o Reichstag foi incendiado em circunstâncias que

continuam misteriosas. Diante do acontecido os nazistas culparam os comunistas, e a

história culpou os nazistas. Esta última instituição da República de Weimar foi fechada, e

Adolf Hitler usou do incêndio como pretexto para condenar comunistas e socialistas a

prisão.

Deixei os sapatos com o senhor Dirk, entreguei-lhe o dinheiro e corri pra casa. Ao

olhar o céu era possível ver uma fumaça preta se espalhando entre as nuvens, algo

assustador para mim que nunca havia se deparado com tal situação.

-Mutter!... Mutter!...

Enxugando sua mão em um pano ela correu a sala questionando:

-O que foi?

-Estão colocando fogo na Alemanha!

-Fogo na Alemanha?

-Sim... O Dirk sapateiro disse que foram os judeus.

-Vou ligar o rádio para ouvir as notícias.

Nesse momento a campainha tocou. Corri até a porta dizendo:

-Deixa que eu abro!... Eliezer!?

-Hallo, Hans!

-Entre...

-Com licença...

Após trancar a porta, nos sentamos ao sofá enquanto ele dizia:

-Eu ia vim te chamar mais cedo, mas essa confusão de incêndio...

-Você também já está sabendo?

-Hans, noticiou há pouco no rádio. Você não ouviu?

-Humpf... Não... Fiquei sabendo pelo senhor Dirk.

-Quem é senhor Dirk?

-O sapateiro.

-E o que ele disse?

-Disse que a culpa disso tudo é dos judeus.

-Mas isso não é verdade! Hans, você acha que meu povo seria capaz disso?

-Não boto muita fé, esse tipo de coisa é feito por pessoas malvadas. Quem garante que não

foi um curto circuito?

-Ja!... Eu vim te convidar para brincar comigo...

-Ótima idéia!

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 28

Tirando do bolso dois soldadinhos de chumbo, ele comentou:

-Veja o que ganhei!

-Uau! Que bacana! Foi seu pai quem te deu?

-Não... Foi meu tio.

-Eu vou pegar o meu avião para brincarmos de guerra.

-Ja!

Brincar com o Eliezer durante as tardes era um dos meus programas favoritos.

Passávamos horas nos divertindo juntos, fazendo dever de casa, jogando peão, correndo no

parque, compartilhando segredos.

O tapete da sala estava abarrotado de brinquedos espalhados por toda parte, um

verdadeiro campo de guerra, quando a campainha tocou.

-Eu atendo! - Gritei levantando-me do chão.

Ao abrir a porta avistei Kristin, amiga de infância de mamãe. Com um chapéu lilás e

arrumando suas luvas de pelica, exclamou ao me ver:

-Hans! Querido... Gisela está?

-Ja! Entre!... Mutter!... - Gritei.

-Kristin! - Exclamou mamãe logo atrás de mim.

-Gisela!... Se eu não venho lhe visitar, você some...

-Oh, querida! Não seja injusta... Estamos passando por alguns problemas...

-Sim, você havia me contado...

-Vamos até a cozinha, vou preparar um bolo pra você... Olha a bagunça, meninos!

Parando de empurrar o carrinho, o Eliezer olhou pra mim e comentou:

-Você viu os tornozelos dela?

-Vi... Bonitos, né?

Rimos. Assim como os outros meninos da nossa idade, costumávamos olhar e

apreciar os tornozelos das senhoritas, depois ficávamos comentando qual achávamos mais

bonito. Às vezes empatava, mas geralmente as opiniões divergiam, pois tínhamos gostos

diferentes quando se tratava de Eliezer e eu.

-Hans...

-Já?

-Você já viu mulher pelada?

-Não... Quer dizer, quase.

-Quase?

-Sim... O Patrick guarda umas revistas com mulheres nuas. - Comentei levantando-me do

tapete.

-E podemos ver? - Questionou o Eliezer também se levantando.

-O Patrick não está em casa. Vamos aproveitar que Mutter está na cozinha ocupada com a

Kristin.

-Oba!

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 29

Caminhamos na ponta dos pés até o quarto do Patrick. Abrimos a porta

cuidadosamente, deixando-a encostada. Abaixei-me e sob sua cama havia um amontoado

de coisas. Puxei uma enorme caixa e dentro dela havia várias revistas de mulheres nuas.

-Aqui estão!

-Uau!... Mas Hans... Acho que tem alguma coisa faltando nela... - Comentou o Eliezer

fazendo careta.

-Deixa eu ver... Nossa!... Que estranho!

-Deve ser por isso que elas choram tanto.

-Será?

-Na certa.

-Agora vamos guardar isso antes que alguém nos veja mexendo nas coisas do Patrick.

-Mas já?

-Sim.

-Ah!...

-Leve uma pra você.

-Está falando sério?

-Sim... Meu irmão tem tantas que não irá perceber a falta de uma.

-Danke!

-E também se perceber pra quem irá reclamar? Ninguém sabe...

Após enrolar a revista o Eliezer guardou-a dentro da calça. Juntei-as novamente

dentro da caixa e empurrei pra baixo da cama, deixando no mesmo lugar onde estavam

antes.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 30

CAPITULO 04

Algumas semanas se passaram. Aproveitando que não haveria aula,

pois a senhora Müller precisou ir ao médico, acordei um pouco mais tarde do que o habitual.

Em casa estávamos apenas mamãe e eu, e após o café perguntei ansioso:

-Mutter... Posso ir até a casa do Eliezer brincar?

-Só depois que comer tudo.

-Está bem!

Após o café, coloquei minha boina e corri para a casa do Eliezer. Naquele dia o

clima em Berlim estava muito estranho. Enquanto caminhava pela calçada, observava um

movimento intenso de soltados pelas ruas da cidade. Ao meu lado passaram dois garotos de

calças curtas correndo, ambos carregando um balde de tinta.

Ao dobrar a esquina deparei-me com um cartaz que dizia:

"Alemães, defendam-se contra atrós propaganda judaica.

Comprem apenas em lojas de alemães".

Junto com o anúncio de apresentação de Gretta Garbo, um segundo anúncio dizia:

“Não comprem de judeus”.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 31

Ao chegar na loja de tecidos, deparei-me com ela fechada. Estranhei, pois o senhor

Lovitz jamais fecharia seu comércio em dia útil se não fosse por algum compromisso

religioso, o que não era o caso, pois a pintura de uma estrela de David ao vidro indicava

que algo fora do comum estava acontecendo.

No dia 1º de abril de 1933 os nazistas organizaram um boicote aos negócios judeus.

As vidraças haviam sido identificadas com estrelas de David, algumas apedrejadas

inclusive. Soldados da SA ficavam na frente de seus negócios e intimidava qualquer um

que tentasse entrar.

Bati à porta. Esperei por alguns minutos e ninguém apareceu. Que havia pessoas em

casa isso era certo, porque notei uma movimentação pela janela.

-Eliezer, sou eu Hans... Você está em casa?

Ouvi um barulho de chave. Através de uma tímida fresta avistei seus olhos. Com

um baixo tom de voz o Eliezer perguntou-me:

-A polícia ainda está ai?

-Polícia?... Não vejo polícia alguma por perto. - Respondi olhando de um lado para o outro.

-Entre! - Disse assustado abrindo-me parte da porta.

-O que está acontecendo? - Perguntei confuso.

-A polícia mandou fechar todos os comércios dos judeus. - Respondeu enquanto subíamos

as escadas.

-Mas por que isso?

-Não sei... Todos nós estamos com muito medo, Hans.

-Com medo do quê?

-Eles foram muito violentos.

-Fique tranquilo, provavelmente iria acontecer alguma coisa de ruim, então tomaram essa

medida para resguardar o patrimônio...

-Humpf... Espero que seja isso, mas confesso que é difícil acreditar nessa hipótese.

-Sua família pode descansar no dia de hoje!... Eli, veja as coisas pelo lado positivo.

-Vem comigo até meu quarto que eu quero te mostrar uma coisa.

-Ah é?

Passando pela sala de jantar, cumprimentei seus pais e sua irmã que ainda estavam à

mesa.

-Boa tarde senhor Lovitz, senhora Lovitz!

-Boa tarde, Hans! - Responderam.

Fechando à porta do quarto, o Eliezer falou esboçando um sorriso na face:

-Quero que você veja algo que ganhei ontem.

-O que é?

Após abrir a gaveta de seu criado-mudo, entregou-me uma foto dizendo:

-Olha isso... Conhece esse lugar?

-Claro! É o Jardim da Luz...

-Sim!

-Como conseguiu esse retrato?

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 32

-Um freguês do meu pai foi caixeiro viajante e esteve em São Paulo algumas vezes. Certo

dia comentei com ele que gostaria muito de conhecer o Jardim da Luz, e ontem voltou à

loja trazendo esse retrato para mim.

-Que legal!

-Você tinha razão quando mencionou a beleza desse lugar. Não vejo a hora de conhecer

pessoalmente sua cidade.

-Muito em breve você conhecerá.

Olhando-me profundamente, o Eliezer afirmou:

-Hans... Você continua com um ar triste.

-Humpf... As coisas lá em casa não estão indo muito bem, amigo.

-Por causa daquele problema do seu pai?

-É... O clima ainda está muito ruim.

Olhando de um lado pro outro, sussurrei:

-Acredita que comemos sopa quase de água pura?

-Adonai¹! Hans, você está com fome?

-Eliezer!

-Você está abatido...

-Pare com isso... A situação também não está tão precária assim.

-Mas logo pode ficar se nada for feito.

-Humpf... Sim.

-Hans... Somos amigos... Se precisar de algo, farei o que poder pra te ajudar.

-Eu te agradeço, Eliezer. Agora preciso voltar.

-Mas já?

-Sim... Essa confusão pela cidade me deixa com medo.

-Não quer esperar mais um pouco?

-Melhor não... A gente se vê amanhã.

-Humpf... Tudo bem.

Voltei pra casa apreensivo com aquela situação. Embora nada tivesse me afetado

diretamente, as coisas que vi acontecer deixaram-me traumatizado.

-Mutter... O que está acontecendo nas ruas? - Perguntei para minha mãe que fechava a

janela da sala.

-Não sei... Mas coisa boa não deve ser. Hans, por hoje não quero mais que saia de casa.

-Humpf... Ta bom.

Algum tempo depois papai chegou. Sem nada dizer, passou por mim na sala

seguindo direto para o banheiro. Ele estava estranho, cabisbaixo, eufórico. Em sua roupa

avistei respingos de tinta, imediatamente fazendo-me pensar que papai pudesse ter

participado daquele trágico episódio que presenciei, porém, durante o jantar ninguém tocou

no assunto.

1. Adonai. Deus em Hebraico.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 33

Jantávamos calados, restritos a pequenos pedaços de carne perdidos em uma rala

sopa de legumes. O clima em casa estava péssimo. Papai não encontrava trabalho e todas as

economias da família estavam se esgotando.

-Essa semana eu estava... Pensando em trabalhar. - Disse mamãe mexendo sua sopa com a

colher.

-Trabalhar? Você só pode estar brincando. - Debochou papai.

-Essa situação está cada vez mais difícil de conviver! Não agüento mais passar por tanta

dificuldade financeira.

-Toda a Alemanha está em crise, Gisela.

-Já estou cansada de ver as coisas no mercado e não poder comprar... Estou farta de fazer

mágica na hora de cozinhar...

-Logo tudo isso vai passar.

-Logo quando?

-Não sei... A culpa não é minha!... Assim como nós, milhares de pessoas nesse país estão

passando por dificuldades.

-Então vamos voltar para o Brasil.

-Não! Se é para passarmos dificuldades, que façamos isso junto com o meu povo.

A discussão foi interrompida com alguém batendo a porta. Levantando-se correndo

o Patrick foi ver quem era.

-Boa noite!

-Boa noite! Eu gostaria de falar com o senhor Fischer.

-Um momento.

Voltando a cozinha o Patrick disse ao papai:

-Vater, estão procurando pelo senhor.

-Por mim?

-Sim.

-Quem?

-O pai do judeu.

Imediatamente seguimos todos pra sala. Aquela visita inesperada nos pegou de

surpresa. Pela cara que o papai fez percebi que não havia gostado muito da notícia, e

gostaria menos ainda ao saber o motivo minutos depois.

-Boa noite!

-Boa noite, senhor Fischer! Sou Boris Lovitz, pai do Eliezer...

-Sente-se, por favor.

-Danke!

-Em que posso ajudar?

-Sei que vocês não esperavam minha presença... - Começou bem humorado. - Mas como

pai, não posso deixar de atender o pedido de um filho...

-Não estou entendendo onde o senhor quer chegar.

-Meu filho Eliezer contou-me sobre a dificuldade financeira dos senhores...

Papai olhou-me fuzilando. No mesmo instante gelei.

-Por favor, senhor Fischer, não me interprete mal. Estou aqui para lhe oferecer minha

ajuda...

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 34

Levantando-se do sofá, disse o papai:

-Meu senhor, em momento nenhum eu pedi para que meu filho fosse te pedir algo...

-Eu sei que não!

-Sendo assim, quero que o senhor saiba que nossa família não está precisando da caridade

de ninguém.

-Desculpe, eu não quis lhe ofender. - Lamentou levantando-se.

Mamãe assistia tudo envergonhada com a atitude do papai. O ato do senhor Boris

ter ido nos oferecer ajuda provavelmente feriu seu orgulho, pois sendo o chefe da família,

sentia-se na obrigação de manter seu sustento sem ajuda de ninguém, o que em certas

situações podemos considerar como “ignorância”.

Assim que o senhor Lovitz foi embora, papai pegou pelo meu braço e levou-me até

o quarto. Naquela noite apanhei muito sem que nada pudessem fazer, pois a porta foi

trancada por dentro. Como se não fosse o bastante, proibiu-me de sair para brincar durante

uma semana.

Como sempre fazia, antes de dormir mamãe foi me dar boa noite.

-Posso entrar? - Perguntando ao mesmo tempo em que empurrava a porta após duas

batidas.

-Ja, Mutter.

-Humpf... Está tudo bem?

-Poderia estar.

Sentou-se a cama dizendo:

-Eu sinto muito pelo que aconteceu hoje...

-Tudo bem... A senhora não teve culpa.

-Hans... Por que você foi pedir ajuda sem antes nos consultar?

-Mas Mutter, eu não pedi ajuda!

-Como não?

-Vendo nossa situação o Eliezer deve ter comentado com seu pai...

-Humpf... Vejo que o senhor Boris é um homem bom...

-Pena que nem todo mundo pensa como a senhora.

-Peço desculpa pelo seu pai por tudo que aconteceu.

-Tudo bem.

-Agora me dê um abraço?

Após um forte e longo abraço, mamãe disse:

-Boa noite, meu querido!- Falou dando-me um beijo na testa.

-Boa noite, Mutter!

Algum tempo depois ouvi uma certa movimentação pelo corredor. Levantei-me para

ver o que era. Deixei uma pequena fresta na porta por onde fiquei observando meus pais

discutirem.

-Mas não precisava ser rude daquela forma! Ainda estou envergonhada pelo que vi...

-Ninguém tem o direito de se intrometer na nossa vida!

-Será que você não viu que ele só estava querendo ajudar?

-O homem da casa sou eu. Portanto, a responsabilidade do sustento da família é minha.

-Humpf... Vou dormir, cansei dessa discussão.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 35

Fechei a porta. Papai ainda passou um bom tempo andando pelo corredor antes de ir

dormir, pensativo, fumando seu charuto.

No outro dia mamãe acompanhou-me até o grupo escolar. Antes de sairmos,

esperava por ela na sala. Reparei que ao voltar trazia em sua mão uma estola de pele de

raposa. Usar pele de raposa em volta do pescoço era moda antes da guerra, e uma mulher

que andasse sem uma não poderia ser considerada elegante. Mamãe tinha duas, mas a que

trazia naquele momento era pintada de preto e marrom, utilizadas pelas mulheres ricas, já

as menos favorecidas financeiramente utilizavam vermelhas e amarelas.

A tristeza estampada em seu olhar era nítida, respondendo apenas o que eu

questionava.

Pegando em sua mão, perguntei:

-Mutter... O Vater ainda está zangado por causa do senhor Lovitz?

-Humpf... Liebe, você ainda é criança, mas um dia entenderá toda nossa situação.

-Eu já sou um homem!

-Não diga besteiras, nem saiu das calças curtas ainda! - Exclamou enquanto

atravessávamos a rua em direção ao ponto do bonde.

-Eu não vejo a hora de ganhar minha calça comprida.

-Para tudo tem seu tempo... Aproveite sua infância.

Eu nunca ouvia essa frase que mamãe sempre dizia, mais tarde aprenderia na prática

que seus conselhos estavam certos.

Na hora do recreio, sentamos em uma mesa próxima ao pátio Eliezer e eu para

conversarmos.

-Hans... Você me desculpa?

-Pelo quê?

-Por ter falado pro meu pai dos problemas da sua família...

-Tudo bem, você não teve culpa.

-Não falei por mal...

-Eu sei que não.

-Papai chegou em casa dizendo que o senhor Fischer ficou furioso.

-De fato. Apanhei bastante!

-Verdade?

-Sim... Só não te mostro os hematomas das minhas nádegas porque está muito frio.

-Adonai! Tudo por minha culpa...

-Esqueça isso, ta bom?

-Humpf... Está bem... Será que você não teria um lápis para me emprestar depois?

-O que aconteceu com o seu, Eliezer?

-Não sei... Estava sobre a carteira enquanto fui ao banheiro, e ao voltar não estava mais.

-Será que alguém o pegou?

-Provavelmente, mas como eu não estava na sala não posso acusar ninguém.

-Infelizmente eu estava concentrado nos exercícios de aritmética e nem prestei atenção...

-Agora que ficou tudo resolvido você poderia melhorar essa sua expressão de tristeza.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 36

Apoiando a cabeça sobre o braço esquerdo, comentei:

-Humpf... Estou preocupado com minha mãe.

-Por quê? Ela está doente?

-Não... Mas percebo grande tristeza em seus olhos. Claro que isso me entristece também.

-Você precisa ser forte, Hans! Todos os alemães estão passando por muita dificuldade

financeira...

-Por isso eu preferia voltar para o Brasil... Lá não tínhamos essas coisas.

-Mas pense pelo lado positivo.

-E há um?

-Claro! Se você não tivesse se mudado para a Alemanha, não teríamos nos conhecido e

uma hora dessas não seríamos amigos.

-Pensando por esse lado...

Sussurrando, o Eliezer inclinou seu corpo para mais próximo de mim dizendo:

-A inspetora está me olhando estranhamente.

-Como assim?

-Disfarça, mas eu percebi que não é só comigo, mas com outros judeus também o

tratamento está diferenciado.

-Vou observar.

O sino tocou. Voltamos pra sala de aula em fila, como fazíamos todos os dias.

Passei o restante da aula atento, observando o comportamento dos alunos e da senhora

Müller quanto aos judeus, conforme o Eliezer havia pedido, porém, até então não percebi

nada de diferente.

Com a chegada de Adolf Hitler ao poder político alemão, uma série de

transformações foram instituídas no país, das quais possuíam como objetivo principal

garantir a ampliação dos papéis do Estado. Dar fim a qualquer tipo de oposição política que

questionasse ou ameaçasse a integridade do Partido Nazista era uma das principais

preocupações do regime nazista dentro da Alemanha. Por isso, em 26 de abril de 1933 foi

estabelecida a Geheime Staatspolizei, conhecida popularmente como Gestapo¹.

Em uma entrevista em outubro de 1933, eis que Adolf Hitler teria dito:

"Estou disposto a assinar qualquer coisa. Farei qualquer coisa

para facilitar o sucesso da minha política."

1. Gestapo: A Gestapo foi uma espécie de polícia criada com a função de acabar com os partidos e

movimentos clandestinos que pudessem se formar na Alemanha. Originária de um órgão da Polícia Secreta

Prussiana, a Gestapo ao longo de sua história teve sua existência fundamental para aprisionar aqueles

considerados “inimigos nacionais”, além de selecionar os grupos de prisioneiros a serem encaminhados aos

temíveis campos de concentração.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 37

Ao sairmos do grupo escolar, Eliezer e eu voltamos juntos para casa. Todos os dias

fazíamos o mesmo trajeto juntos desde quando nos tornamos amigos. Eu estava adorando

sua companhia, pois todos os dias ele ensinava-me algo diferente.

Nossa amizade tornou-se um verdadeiro aprendizado para mim, fator fundamental

para que eu não absorvesse o preconceito cada vez mais estimulado entre os alemães pelo

governo.

-Meu Vater disse que...

-Quê...?

-Que os judeus são avarentos.

-Nossa!... Quando ele disse isso?

-Já faz algum tempo, acabei lembrando agora e tendo a infeliz idéia de pensar alto.

-Não tem problema, Hans. Na verdade meu povo não é avarento... É que nós

economizamos bastante, para gastar nossas economias em nossas festas religiosas!

-Ah sim! Então está explicado.

Enquanto caminhávamos, uma mulher de mãos dadas com seu pequeno filho

passava por nós, quando ao aproximar-se do Eliezer que estava ao lado de dentro da

calçada, puxou o garoto como se meu amigo fosse lhe fazer mal. Ainda bem que o Eliezer

nem percebeu, pois certamente ficaria chateado, como eu fiquei.

Cheguei em casa e mamãe já preparava o almoço. Segui até meu quarto e coloquei

minha pasta sobre a cama. Ouvi a porta do quarto ao lado bater. Assustei-me.

Provavelmente era o Patrick, pois toda vez que ele voltava do grupo escolar se trancava em

seu quarto e permanecia lá por horas. Tinha vezes que eu e mamãe almoçávamos sozinhos,

porque ele não aparecia nem para tomar um copo d'água. Claro que eu ficava curioso para

saber o que o Patrick tanto fazia isolado, e não demorou muito para descobrir.

Caminhava em direção ao banheiro, quando ao passar em frente seu quarto notei a

porta entreaberta. Aproximei-me lentamente, atraído por uma música estilo orquestra que

soava de lá. Espiando entre a fresta, avistei meu irmão parado diante de um enorme pôster

de Adolf Hitler, com o braço estirado em sua direção.

-Juntos venceremos... Juntos venceremos... - Era o que ele repetia.

Deixei-o lá e continuei a seguir até o banheiro, obviamente o achando um louco.

-Hans!

-Gott!... Que susto, Mutter!

-Assustou?! Estava fazendo algo de errado, por acaso?

-Não... Cla... Claro que não...

-Sei... Então venha que o almoço já está na mesa.

-Ja.

Após o almoço, segui para o meu quarto para fazer o dever de casa. Sem que eu

percebesse acabei adormecendo sobre o livro. Isso quase sempre acontecia, pois acordar

cedo no rigoroso inverno alemão pra mim era um tremendo sacrifício.

Já estava quase anoitecendo quando acordei com o barulho do bonde passando pela

rua. Meu quarto estava escuro, apenas a luz vinda da rua se fazia entrar. A porta entreaberta

fazia parecer que não havia ninguém em casa.

-Mutter?!... Patrick?!... Mutter!...

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 38

Procurei pela cozinha e sala, mas não havia ninguém. Curioso, entrei

cautelosamente no quarto do Patrick e fiquei abismado com o que vi. Coladas à parede

havia vários retratos de Adolf Hitler. As imagens intercalavam-se com cartazes altamente

agressivos contra judeus. Sobre o criado mudo havia uma braçadeira com a suástica nazista

desenhada. Só de ver um frio na espinha me levou do céu ao inferno.

Fechei a porta imediatamente, tremendo. Nesse momento mamãe e Patrick

adentraram a sala, ambos carregando um pacote às mãos.

Ainda segurando à maçaneta, mamãe perguntou:

-Hans... Está tudo bem?

-Sim, Mutter.

-Filho! Você está pálido! - Exclamou colocando o pacote sobre a mesa da sala.

-Deve ser porque acabei de acordar.

-Estão se alimentando muito mal, isso sim... Mas eu comprei hoje um pouco de carne,

precisamos de mais vitaminas nas nossas refeições.

-Que bom!

-Hans... O que acha de me ajudar com o jantar?

Passando por mim com o pacote nas mãos o Patrick falou:

-Sai da frente, fedelho!

Esquivei-me.

-Tudo bem, Mutter... Eu lhe ajudo.

-Ótimo! Vamos até a cozinha.

Enquanto mamãe lavava os legumes, perguntei:

-Mutter...

-Ja?

-O Vater já está trabalhando?

-Nein.

-Então onde tirou dinheiro para comprar tanta coisa?

-Não exagere... Não é tanta coisa assim.

-Bem... De qualquer forma deve ter custado alguma coisa.

-Humpf... Precisei me desfazer de algumas coisas que não tinham serventia por enquanto.

Mas por favor, não conte nada ao seu pai. - Pediu-me implorando com o olhar.

-Está bem, Mutter... Não direi nada!

-Também não diga nada ao Patrick... Você sabe como ele é...

-Ja!

Não agüentando-me de curiosidade, resolvi perguntar:

-Mutter...

-Ja?

-O Patrick é nazista?

-Hans... Está louco? De onde tirou isso?

-O quarto dele está cheio de coisas desse tipo.

-Que tipo? - Questionou debruçando-se sobre a mesa.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 39

-Vários retratos do Chanceler e também o desenho que eles usam no braço.

-No quarto do seu irmão?

-Sim.

-Depois verificar.

-E o que significa esse desenho, Mutter?

-Qual desenho?

-Esse que eles usam no braço?

-Também não sei... Deve ser algum código militar que não conhecemos.

-Ah!...

O símbolo sagrado para os nazistas que se transformara na bandeira nacional

germânica, ao contrário do que se pensa, perdeu seu significado original adquirido ao longo

não de anos, mas de milênios. Alguns estudiosos afirmam que a suástica teve sua origem há

cerca de 12 mil anos, situando sua origem entre 6000 e 4000 a.C, considerada por diversos

historiadores como uma das representações mais antigas da humanidade.

A figura da suástica é um dos símbolos sagrados hindú pelo menos há um milênio e

meio. É utilizada em todos os casamentos hindus, também encontrada em templos hindus,

quadros, altares, entre outros ícones sagrados. Não deixando de fora outros contextos

significantes como: sorte, Brahma¹, Sol, e também no conceito de samsara.

1. Brahma: é o primeiro deus da Trimurti, a trindade do hinduísmo, que forma junto com Vixnu e Shiva.

Brahma é considerado pelos hindus a representação da força criadora ativa no universo.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 40

CAPITULO 05

Sentados a mesa da cozinha, fazíamos o dever escolar na casa do

Eliezer. Em alguns momentos perdia a concentração, pois começou a chegar várias pessoas

de sua família, além da movimentação na cozinha com sua mãe e tia.

Curioso, perguntei ao Eliezer:

-O que está acontecendo? - Sussurrando.

-Acontecendo?

-É... Estão chegando tantos parentes seus...

-Ah!... É por causa da festa de Rosh Hashaná.

-O que é isso?

-É o ano novo judaico.

-Ano novo?

-Sim.

-Mas ainda estamos em setembro!

-Eu sei, mas o calendário judaico é diferente... Nossa contagem segue o calendário lunar,

baseado nos ciclos da lua, e possui alternadamente 12 e 13 meses de período igual a

lunação... Assim como hoje, o primeiro dia de cada mês começa sempre no primeiro dia da

lua nova. E o ano, segundo nosso calendário, começa em Tishri.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 41

-Tishri?

-Setembro!

-Ah ta! Nem sabia que existia essas coisas.

A festa Rosh Hashaná acontece nos 1º e 2º dias de Tishri, iniciando o ano hebraico.

Trata-se de uma festa de ano novo que representa uma pausa para reflexão, retornando ao

criador do qual o homem judeu se apresenta para ser julgado por seus atos e intenções.

Além disso, simboliza o início da criação, quando Deus instituiu seu rei.

-Você gostaria de participar da festa, Hans? - Convidou-me o Eliezer entusiasmado.

-Acho melhor não...

-Por favor, Hans? Você é meu amigo, gostaria muito de dividir esse momento especial com

você também...

-Seus pais podem não gostar.

-Mamãe não irá se incomodar.

-Bem... Vou consultar meus pais primeiro.

Fechando o livro, falei:

-Preciso ir, já está quase na hora do jantar.

-Vou te acompanhar até a porta.

-Ta bom.

Descemos até a calçada. Em pouco tempo iria anoitecer. Pela rua passava um bonde,

quando o Eliezer apoiou sua cabeça ao batente da porta e falou:

-Hans...

-Oi?

-Eu... Gostaria muito que você comemorar o Rosh Hashaná conosco essa noite.

-Sério?

-Sim...

Dei um leve sorriso e segui para casa. Eu não estava me sentindo muito à vontade

em participar daquela festa, pois não conhecia ninguém, além de não fazer parte daquela

cultura.

Abri a porta de casa e vi meu pai sentado ao sofá da sala fumando seu charuto.

-Boa tarde, Vater!

-Boa tarde, Hans! Onde você estava até essa hora?

Parado a porta, respondi:

-Estava na casa do Eliezer fazendo as tarefas escolares.

-Já disse que não gosto de vê-lo até tarde na rua.

-Mas Vater, eu não estava na rua...

-Hans!... - Interrompeu minha mãe.

-Mutter!

-Não te vi chegar...

-Acabei de chegar e estava conversando com o Vater.

-O jantar já está quase pronto. Trate de ir lavar as mãos antes de sentar à mesa.

Parado no mesmo lugar, falei:

-É que o Eliezer me convidou para ir passar o ano novo na casa dele...

-Até lá tem muito tempo ainda... - Respondeu papai soltando a fumaça do charuto.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 42

-Não... É hoje!

-Mas ainda estamos no meio do ano praticamente, Hans!... - Comentou mamãe.

-É que o calendário judeu é diferente.

Voltando à cozinha, minha mãe disse transferindo sua responsabilidade:

-Veja com seu pai, se ele autorizar...

-Posso ir, Vater?

-Hans, você sabe que não me agrada muito a idéia de você enfurnado na casa desses

judeus.

-Mas Vater, o Eliezer é meu amigo...

-Humpf... Está bem... Pode ir.

-Danke!

Para minha surpresa meu pai autorizou minha ida à festa, coisa que dificilmente ele

fazia quando não simpatizava-se com alguém, que era o caso da família judia. Tomei um

banho, claro, vesti minha roupa de ir a missa aos domingos e me despedi dos meus pais

antes de ir.

Cheguei na casa do Eliezer e sua família toda já estava reunida. Ao me ver ele ficou

todo feliz, começando a me apresentar para seus primos e tios. Até que seus parentes eram

legais, e a quantidade de comida então, nem se fala. Quando cheguei já haviam feito suas

orações, e a festa estava apenas começando.

Sua prima mais velha tocava piano, enquanto o senhor Boris e seus dois irmãos

cantavam ao seu lado.

-Quanta comida! - Exclamei sentado ao sofá.

-Vou pegar comida pra você. - Disse o Eliezer olhando pra mesa.

-Mas acho que ainda não pode, Eli...

-Pode sim... O que você quer comer?

-Chucrute.

-Não tem chucrute.

-O que tem?

-Coisas que se come nos dias de Rosh Hashaná.

-Então o que temos para comer?

-Venha ver...

Circulávamos em volta da mesa repleta de comidas, enquanto o Eliezer explicava-

me:

-Na cultura judaica, essas comidas possuem significados.

-Hã? Como isso?

-Por exemplo, o peixe com cabeça... Para que o ser seja como a cabeça e não como a

cauda, andando sempre pra frente... A maçã com mel para que tenhamos um ano bom e

doce...

-Que bacana! Posso pegar um pedaço desse pão trançado?

-Claro! Temos muita comida, você poderá comer o quanto quiser!

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 43

Nesse momento sua tia aproximou-se perguntando:

-Esse que é seu amiguinho alemão, Eliezer?

-Sim, tia.

-Vou cortar um pedaço do pão pra você.

-Danke, senhora!

-De nada...

A animação daquele povo era inexplicável, parecia não se cansarem. Eu não sabia

que as festas judaicas eram tão alegres daquela forma. Graças a insistência do Eliezer, claro,

não pude deixar de arriscar alguns passos, como todos ali faziam.

-Vamos lá, Hans... Mostre que os brasileiros também sabem dançar!

-Mas Eli...

-Vamos lá, Hans...

-Vamos dançar, vamos cantar! - Exclamava uma de suas tias com uma taça a mão.

Em pouco tempo peguei o ritmo daqueles passos e entrei na brincadeira. Jovens e

idosos dançavam, riam, pulavam com sua alegria sem medo de serem felizes.

Sentando-me ao sofá, exclamei ofegante:

-Cansei!

-Mas já? - Perguntou o Eliezer sentando-se ao meu lado.

-Claro... Estou fora de forma!

-Daqui a pouco o Shofar soa novamente.

-O que é isso?

-Um instrumento judaico.

A cada Rosh Hashaná, o judaísmo coroa o criador do mundo com o soar do Shofar,

instrumento utilizado para expressar alegria, símbolo central do Rosh Hashaná. Ao ser

tocado é despertado a necessidade de cada um para exame de consciência, retorno à fé de

Deus, comunhão entre irmãos.

Com uma baixela a mão, a senhora Lovitz nos perguntou:

-Meninos... Já comeram a maçã com mel?

-Ah é! - Exclamou o Eliezer.

Sobre a baixela havia vários pedaços de maçã e um recipiente com mel, do qual ela

nos oferecia.

-Danke! - Agradeci.

-De nada.

Após molhar a maçã ao mel, já ia pondo à boca quando o Eliezer disse:

-Você tem que recitar a benção, Hans!

-Que benção?

-Repita comigo: Yehi ratson...

-Yehi ratson...

Horas haviam se passado, e depois de tanto comer e pular, comecei a adormecer ao

sofá da sala.

-Hans... Hans?... - Chamou a senhora Lovitz.

-Oh! Perdão, senhora Lovitz...

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 44

-Está com sono?

-Não se preocupe...

-Quer dormir um pouquinho no quarto do Eliezer?

-Imagine, não se incomode com isso.

Puxando a mão de seu avô, o Eliezer vinha o arrastando ao mesmo tempo em que

dizia:

-Vem vovô, vem conhecer meu amigo!

-Você que é o Hans? - Perguntou sorrindo.

-Sim!

-O Eliezer fala muito sobre você!

Sentando-se ao meu lado, o Eliezer pediu ansioso:

-Vovô, conta uma história pra gente?

-Uma história?

-Sim! - Respondeu empolgado.

Nesse momento começaram a chegar todas as crianças e se sentarem ao nosso redor

para ouvir a história.

-Vocês já ouviram falar no Yosef Mende?

-Não! - Respondemos.

-Pois bem... Há muitos anos existiu Yosef Mende, um homem que passou a vida toda pobre,

mas que queria ter pelo menos suas próprias calças de lã. Naquela época, um bom par de

calças de lã custava mais rubros que Yosef ganhava em um ano de trabalho como lenhador.

Certa vez ele foi a feira e uma bondosa mulher ficou com pena dele e lhe deu um par de

calças que seu marido não usava mais. Yosef correu para casa feliz da vida, ansioso para

contar sua sorte para sua esposa Hudale, ele disse:" Esperei por isso a vida toda. Agora,

você só precisa encurtá-las. Afinal de contas, elas pertenciam a Hoycher Shlome, o

gigante". Então sua esposa questionou: “Yosef Mendel, você perdeu o juízo? Não sabe que

estamos na quinta-feira à noite? O peixe e o kugel vão se cozinhar sozinhos para o Shabat?

Esqueça as calças! A shul ainda estará lá nos próximos shabat para que todos vejam suas

calças novas.” Não satisfeito, Yosef Mendel resmungou ao ter uma idéia, colocando-a em

prática imediatamente: "Chanala! Chana Rivka!” Chamou por sua filha. "Você sabe há

quanto tempo sonho com isso. Por favor, Chalana, faça estas calças a tempo para o Shabat."

Lamentando, ela respondeu: "Mas tateh... Você sabe que não posso. Não foi você quem

disse que nada é mais importante que estudar a Torá? O que quer que eu faça? Amanhã é

sexta-feira, dia da prova semanal de Rebbe. E eu ainda não comecei a estudar". Entristecido

Yosef pensou ao repousar: "Bem, talvez não tenha mesmo de acontecer agora". Após

colocar suas calças sobre uma cadeira ao seu lado, ele adormeceu. No meio da noite

Hudale começou a se virar e revirar sobre a cama pensando: "Ah, que marido Deus me

deu! Isto significa tanto para ele... E por causa do Kugel, eu o decepcionei."

Silenciosamente ela pegou a tesoura e as calças de lã de Yosef Mendel. Então, com

orgulho e cuidado ela cortou 30 centímetros das calças antes de dormir. Enquanto tentava

pegar no sono, Chana Rivka ouvia uma misteriosa voz: "Honrar pai e mãe". Levantando-se,

pensou arrependida: "Como pude ser tão desrespeitosa?" Após pegar uma tesoura, levou-a

com a calça a mesa de costura, rindo de alegria ao pensar que seu pai iria se surpreender.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 45

Ela trabalhou cuidadosamente sob a luz do lampião, cortando quase 60cm antes de fazer a

barra e voltar silenciosamente para seus sonhos. Na manhã seguinte, Yosef Mendel tinha

esquecido seus desapontamentos. Instintivamente ele pegou suas calças e foi para fora

prová-las novamente na luz do dia. Para sua surpresa, ele se viu diante do Criador

vestindo um par de shorts. Abismado, clamou: "Oh, santo Deus! O que eu teria feito se

minhas calças estivessem uns 3 ou 5 centímetros mais curtas? Acho que eu estaria nu diante

do senhor. Graças a Deus elas estavam compridas demais. Não importa o quanto foram

cortadas, pelo menos ainda tenho um par de shorts".

Olhando para cada um de nós, o avô do Eliezer concluiu a história dizendo:

-Entenderam, crianças?... A vida é assim... Quanto mais você estudar a Torá agora, maior

será sua vestimenta protetora na vida.

Voltei pra casa quando o dia já havia amanhecido. Ao chegar mamãe já estava

acordada na cozinha.

-Mutter... Bom dia!

-Bom dia, Hans! Como foi na festa?

-Foi legal. - Comentei sentando-me à mesa.

-Legal como? Conte-me mais.

-Bem... Eles cantam bastante, Mutter... Também tem bastante dança e comida.

-Comeu muito Strudel?

-Não! Eles não comem as mesmas coisas que a gente.

-Como não?

-Pois é... Para eles, tudo tem significado especial.

-Nossa! - Exclamou tirando a água do fogo.

Levantando um pano que cobria uma baixela sobre a mesa questionei:

-O que é isso, Mutter?

-Pão...

-Hum... Posso pegar um?

-Claro!

-Vater e Patrick onde estão?

-Saíram cedo.

Enxugando as mãos ao pano, mamãe falou seguindo em direção à sala:

-Vou ligar o rádio um pouco.

-Tudo bem.

Passei um pouco de manteiga e continuei comendo meu pão. A música do rádio

começou a tocar. De volta a cozinha, mamãe comentou:

-Vou começar a preparar o almoço... Já está quase na hora.

-Mas não são nem dez horas ainda, Mutter.

A música do rádio foi interrompida por um locutor que dizia:

“E nesse momento informamos que está confirmada a morte do

presidente Hindenburg.”

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 46

Esbugalhando os olhos, mamãe exclamou levando a mão ao peito:

-Gott!

-O que houve, Mutter?

-Faleceu o presidente da Alemanha! - Exclamou parecendo não acreditar.

-E isso é grave?

Dando um profundo suspiro, ela respondeu:

-Tenho medo do que possa acontecer futuramente...

Por volta das nove da manhã do dia 02 de agosto de 1934, é anunciada a morte do

presidente Hindenburg. Horas depois, o Reichstag nazista anunciou que o oficio de

presidente do Reich passaria a ser exercido também pelo chanceler do Reich. Nesse caso a

autoridade do presidente seria transferida para o atual Führer¹ e Chanceler do Reich, Adolf

Hitler, dando a ele poder supremos sobre a Alemanha.

Assim que a nova lei do Führer foi anunciada, imediatamente as corporações

oficiais alemãs e todo soldado individual do exército alemão foram obrigados a fazer um

novo juramento de fidelidade.

“Eu juro a Deus este voto sagrado: vou obedecer

incondicionalmente a Adolf Hitler, o Führer do Reich alemão e do

povo alemão, comandante supremo das forças armadas, e estarei

pronto como um corajoso guerreiro para arriscar minha vida a

qualquer hora por este juramento”.

O juramento estava longe de ser ao Estado alemão ou à constituição como eram os

juramentos de exército tradicionalmente, mas sim em especial a Hitler. De acordo com seu

código de honra, todos os homens de uniformes a partir de então só obedeceriam a Hitler

como uma tarefa sagrada, fazendo do exército alemão instrumento pessoal do Führer.

Após o almoço segui para meu quarto, onde cochilei no início da tarde. Depois de

ter passado a madrugada inteira acordado, meus olhos estavam pregando de sono, porém,

dormir a tarde era a coisa mais difícil de acontecer, no máximo um cochilo rápido.

Antes de anoitecer eu já havia acordado. Enquanto lia deitado à cama, alguém bateu

a porta:

-Hans!...

-Entre, Mutter.

1. Führer: condutor, guia, líder ou chefe supremo em Alemão. Pronuncia-se fiurrér

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 47

-Querido... Vou preparar Sauerkraut com joelho de porco para o jantar, mas acabou o

repolho. Você pode ir até a venda buscar pra mim?

-Tudo bem.

Entregando-me o dinheiro, ela falava:

-Mas não demore, porque seu pai irá trazer alguns oficiais para jantar em casa.

-Oficiais para jantar?

-Humpf... Sim. Coisas do partido...

-Partido?

-Acho que eu não lhe contei, Hans... Seu pai se afiliou ao Partido Nazista.

-Gott!

-Em breve seu pai será um membro da SS.

-E a senhora está contente com isso?

-Nein! Claro que não!

Levando a mão à garganta, ela dizia sufocando-se por dentro:

-Meu peito aperta só de pensar que seu pai fará parte dessa polícia...

-Mas por que papai fez isso?

-Pelo mesmo motivo que a maioria dos homens desse país estão fazendo... Acreditando

nessas promessas do Chanceler...

-A senhora acha que tudo é mentira?

-Não sei... Prefiro não ter certeza para não perder o gosto de viver. Agora vá logo buscar

o que pedi.

-Ja!

Desci a escada e ao fechar a porta avistei alguns soldados da SS cercando um senhor.

Assustado ele não se moveu. Os cinco soldados o empurravam de um lado para o outro

como se fosse uma bola, divertindo-se com tal maldade. Como se não bastasse, um deles

tirou uma tesoura do bolso e começou a cortar sua barba. O pobre senhor indefeso chorava

calado, pois sua honra adquirida durante anos estava sendo apagada.

Caminhei lentamente, cabisbaixo e com o coração apertado por presenciar tal cena

de perversidade.

Alguns dias depois, enquanto a professora escrevia no quadro negro eu abri o livro e

comecei a ver várias charges mencionando judeus de forma agressiva. Com a nova política

do governo, os livros escolares estavam cheios de grosseiros desenhos antijudeus. Em toda

Alemanha as crianças aprendiam que os judeus de seu meio eram os piores dos inimigos. A

juventude alemã passou então a cantar uma nova canção:

“Quando o sangue judeu jorra do punhal, então tudo vai

duplamente bem”.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 48

Enquanto a senhora Müller ainda escrevia à lousa, questionei o Eliezer sentado atrás

de mim:

-Está tudo bem com você?

-Não. - Respondeu com um triste olhar.

-O que aconteceu?

-Humpf... Amanhã o papai vai me apresentar minha noiva.

-Noiva!? - Exclamei alto.

Imediatamente a senhora Müller se virou perguntando:

-Mas o que é isso, Hans?

-Desculpe, senhora Müller. - Virei-me.

O sino do recreio soou. Esperei pelo Eliezer na porta da sala querendo saber mais

detalhes daquela história de casamento. Arrumando o suspensório ele cruzou a porta em

direção ao corredor.

Caminhando um ao lado do outro, perguntei curioso:

-Que história é essa de noiva?

-Não é bem noiva.

-Agora eu já não estou entendendo mais nada.

Nos sentamos no banco do pátio.

-Papai tem um velho amigo que tem uma filha... - Continuou.

-Certo...

-Nós temos a mesma idade. Um dia ele disse que fazia muito gosto se sua filha entrasse

para nossa família.

-Talvez tenha sido brincadeira. - Comentei.

-Se foi ou não, papai levou a sério.

Mordendo uma maçã, quis saber:

-Mas ele disse claramente que vai casar vocês?

-Não, mas já me perguntou o que eu achava disso.

-E você respondeu o quê?

-Nada... Acabei engasgando no jantar.

-Então não há com o que se preocupar.

Nesse momento dois garotos vieram correndo por trás de nós e tiraram sua kipá.

Imediatamente nos levantamos, e caminhando em direção ao garoto o Eliezer pediu:

-Por favor, devolvam minha kipá...

Enquanto jogavam de um lado para o outro, o pobre Eliezer tentava pegar. Cansado

de ver aqueles dois o fazerem de besta, entrei na frente e peguei a kipá devolvendo ao seu

dono.

Irritado, um deles me empurrou dizendo:

-Quem você pensa que é pra estragar nossa brincadeira?

-Sou amigo dele.

-Mas ele é só um judeu!

-Isso não é da nossa conta. Agora deixe ele em paz.

-Esquece isso, Hans. - Pediu o Eliezer.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 49

Quando vi que ele pegaria novamente sua kipá, puxei o Eliezer pelo braço e dei um

soco no olho daquele garoto folgado. Pouco tempo depois vários alunos estavam a nossa

volta, chamando atenção da servente, que mais parecia uma carcereira cheia de chaves e um

mau humor incomparável.

-O que está acontecendo aqui? - Perguntou abrindo passagem pela multidão.

Levantando-se do chão, o mesmo garoto que provocou a confusão apontou pra mim

dizendo:

-Foi ele, senhora Hoffmeister, que começou.

Pegando pelos nossos braços ela falou nos arrastando:

-Venham vocês dois comigo.

Solidário, o Eliezer acompanhou-me até a diretoria preocupado. Nos sentamos na

sala de espera. Enquanto aguardávamos, ouvíamos apenas o cuco de algarismos romanos

localizado próximo a porta, ao lado do mastro com a bandeira nacional.

Sussurrando, o Eliezer disse:

-Você não deveria ter feito isso, Hans.

-E deixar eles debocharem de você?

-Logo eles iam se cansar e parar...

-Não poderia deixar que eles fizessem aquilo calado. Você é meu amigo!

Nesse momento a diretora abriu a porta de sua sala, perguntando com a mão à

cintura:

-Posso saber o que deu em vocês para ficarem trocando socos pelo chão do pátio?

-Desculpe, senhora Braun, mas esse garoto quem provocou. - Falei apontando para Philip,

um dos garotos que iniciou a brincadeira.

-Eu? Mas eu não fiz nada! É tudo culpa do amigo dele, senhora Braun...

-Ouçam vocês dois. - Disse em voz alta. - O que os pais de vocês diriam se vissem tal cena?

-Senhora diretora... - Interrompeu o Eliezer. - O Hans não teve culpa e...

-Você cale a boca! - Gritou ela. - Vou ter que suspender vocês dois por três dias.

-Suspender!?... Tudo por culpa desse judeu maldito!

-Judeu? - Questionou a diretora.

-É... Judeu sujo!

-Então quer dizer que o senhor está causando discórdia nesse colégio...

-Senhora Braun... Eu nada fiz para esse rapaz.

-O Eliezer não tem culpa de nada, senhora Braun.

-Quem decide aqui sou eu. Lamento, mas serei obrigada a suspender você. - Falou olhando

apenas para o Eliezer.

-Mas senhora Braun... - Tentei argumentar.

-Vocês dois calem a boca e voltem pra sala.

Foi inútil, ela não quis ouvir. Era incrível como sua opinião mudou drasticamente

após saber que o Eliezer era judeu.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 50

“Acima de tudo, exijo que o governo e o povo sustentem a lei

racial até o limite e resistam impiedosamente aos envenenados de

todas as nações, o Judaísmo internacional.” Adolf Hitler

Passei o restante do período preocupado. Mal prestei atenção no que a professora

falava durante a aula. Minha cabeça estava longe, e enquanto não tocou o sino para irmos

embora não sosseguei.

Ao sair do grupo escolar segui direto para a casa do Eliezer. Atravessei a rua

correndo e peguei o bonde. Sentei-me próximo a janela. Encostei a cabeça ao vidro e

comecei a relembrar o acontecido. Encontrava-me numa tristeza profunda, sentindo-me

culpado por todo aquele transtorno ocorrido naquela manhã.

Cheguei em sua casa com a respiração ofegante. Sua mãe fechava à porta, já de

saída, quando me aproximei questionando:

-Senhora Lovitz!...

-Hans!?

-Bom dia! Será que eu posso falar com o Eliezer?

-Não sei se esse é o momento, Hans. - Respondeu ajeitando seu chapéu.

-Olha... Sei que o que fiz foi uma bobagem...

-Você não tem culpa, meu filho. - Interrompeu-me. - Estou indo agora até a escola falar

com a senhora Braun...

-Por favor, deixe-me falar com o Eliezer?

Empurrando a porta ela disse após um profundo suspiro:

-Tudo bem... Vá!

-Obrigado, senhora Lovitz! - Agradeci esboçando um enorme sorriso.

Subia correndo as escadas quando ela chamou por mim.

-Hans!

-Oi? - Virei-me na metade da escada.

-Muito obrigada. - Falou com um olhar lacrimoso, triste, mas com um leve sorriso

estampando seus lábios.

Passei pela sala e caminhei em passos largos em direção ao seu quarto, segurando

caderno e livro. A porta estava entreaberta. Dei duas batidas e empurrei-a perguntando:

-Posso entrar?

-Entre! - Respondeu o Eliezer em meio ao ranger das dobradiças.

Levantando-se da cama, não me olhou, cabisbaixo. Coloquei os cadernos sobre sua

escrivaninha e perguntei:

-O que aconteceu depois que saí de lá?

-Nada demais... Apenas fui suspenso por uma semana.

-Uma semana!? - Exclamei assustado.

-Sim.

-Céus!... Eliezer, eu preciso te pedir desculpas.

-Desculpar de quê? Por ter me defendido daqueles dois malucos?... Você não teve culpa,

amigo. - Disse caminhando em minha direção.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 51

Demos um forte abraço. Mesmo tendo ele isentando-me de qualquer

responsabilidade, ainda assim estava angustiado, triste comigo mesmo. Por um bom tempo

fiquei me perguntando o que será que havia acontecido com a senhora Braun, pois era uma

pessoa que sempre pregou a justiça naquele colégio, no entanto cometera uma contradição

aos seus princípios.

O ano estava quase acabando, e assim como nossa família, todos os cristãos já se

preparavam para o Natal de 1934.

Entregando-me um envelope, mamãe comentou:

-Hans... Pegue, foi presente do seu avô!

-Do vovô?

-Sim!

-O que será? - Questionei-me sentando ao sofá.

Ao abri-lo não acreditei. Havia uma certa quantia em dinheiro, e junto um bilhete

que dizia:

“Querido Hans,

Esse ano não poderemos passar juntos em família, mas segue meu presente de Natal para

que você compre o que quiser!

Dos seus avós

Peter e Julia.”

Com um sorriso que ia de orelha a orelha, exclamei:

-Que legal!

-Gostou do presente?

-Sim...

Levantando-me do sofá, entreguei-lhe o envelope com o dinheiro dizendo:

-Mas quero que a senhora pegue.

-Eu?

-Sim.

-Pra quê?

-Humpf... Sei que estamos passando por dificuldades financeiras e...

-Não se preocupe, querido! - Interrompeu-me.

Tirando um outro envelope do bolso do avental ela comentou:

-Papai também se lembrou de mim e do seu irmão. Aproveite o presente que ele lhe deu!

-Oba!

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 52

Corri até o quarto e calcei o sapato. Peguei o dinheiro que havia ganho do vovô e fui

gastar. Ao passar em frente uma joalheria muito famosa na Berlim da década de 1930, um

lindo pingente chamou-me atenção. Entrei na loja e imediatamente foi abordado por uma

vendedora:

-Pois não?

-Hallo!... Aquele pingente em formato de pomba... Quanto custa?

Debruçando-se sobre o balcão ela respondeu:

-Muito mais do que você possa imaginar.

-Isso pagaria? - Perguntei mostrando-lhe meu dinheiro.

Com os olhos saltados ela esboçou um sorriso afirmando:

-Sim! Vou pegar para que o senhor dê uma olhada.

-Danke.

Sentei-me em uma poltrona preta de veludo estilo Louis XV aguardando pelo

pingente. Ao trazê-lo, mostrou-me com uma luva preta dizendo:

-Aqui está!

-Deixa-me ver... Uau! - Exclamei o pegando nas mãos.

-É de ouro com um pequeno brilhante.

-Ja... Quero levar.

-Tudo bem.

-Pode embrulhar pra presente?

-Claro!

Deixei a joalheria e ao atravessar a rua ouvi chamar meu nome:

-Hans!

-Oi, Eliezer!

-Tudo bem?

-Sim e você?

-Bem também... Preparando-me para o Natal.

-Natal?

-Sim... É uma festa cristã para celebrar o nascimento do menino Jesus.

-Ah...

-Gostaria muito que você participasse, Eliezer.

-Eu?

-Sim.

-E sua família não iria se importar?

-Creio que não. Você é meu amigo, também já participei de uma festa na sua casa...

-Que legal, Hans! Vou falar com Ima se ela permite que eu vá.

-Você está vindo de onde?

-Fui comprar cenouras e beterrabas no armazém...

-Hum.

-E você?

-Eu?... Ah eu fui dar uma volta por ai.

Caminhávamos pela calçada Eliezer e eu, quando avistamos três soldados virem em

nossa direção. Com um olhar desesperado o Eliezer olhou-me.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 53

-Continue caminhando normalmente. - Falei.

A nossa frente um judeu andava cabisbaixo, tranquilo, até ser cercado pelos

soldados.

-Hei, judeu! - Disse um dos soldados. - Pare ai.

-Sim?

-A partir de hoje vai andar pela rua, entendeu? - Gritou um outro aproximando-se do rapaz.

-Tudo bem! - Respondeu o judeu amedrontado.

-Para que você não se esqueça, leve uma lembrança nossa...

Em seguida um dos soldados deu-lhe um tapa na cara. O pobre homem voou longe,

caindo de costas à poça d'água na rua. Não contente, o mesmo oficial que gritava da

primeira vez chutou-lhe as costelas. Divertindo-se com as maldades, seguiram rindo,

passando por nós sem nos notar.

Assim que os soldados dobraram a esquina, caminhamos até o garoto caído ao chão.

-Você está bem? - Perguntou o Eliezer.

-Não foi nada... - Disse ele tentando levantar-se, tremendo.

-Tem certeza que não precisa de ajuda? - Questionei.

-Sim, está tudo bem. - Respondeu mancando.

Colocando suas mãos sobre o rosto, o Eliezer chorava dizendo:

-Adonai... Adonai, por quê? Por quê?

-Não fique assim, Eli.

-Como você quer que eu fique? É o meu povo que está sofrendo... Acha que é fácil pra mim

ver tudo isso acontecer sem poder fazer nada? Hans, eu posso ser o próximo!

-Nunca mais diga uma coisa dessa!

-Sou judeu, Hans... Não podemos fugir da realidade... Estamos sendo perseguidos pelo

governo sem qualquer motivo.

-Pois eu lutarei contra qualquer exército com você. Somos amigos, lembra-se?

-Estou com muito medo.

Abracei-o em meio aqueles pequenos pingos d'água de uma tarde chuvosa de

Berlim.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 54

CAPITULO 06

Alguns dias se passaram. Ajoelhado ao chão, ajudava mamãe a colocar

os presentes embaixo da árvore de natal. Por volta das seis da tarde ouvi alguém bater a

porta. Levantei-me imediatamente e corri para abri-la ansioso.

-Hallo! - Disse o Eliezer segurando a alça do suspensório.

-Hallo! - Respondi com um enorme sorriso.

-Cheguei muito cedo?

-Não... Entre!

-Com licença... Nossa, que árvore bonita!

-É nossa árvore de natal.

-Árvore de Natal?

-Sim...

-Para que serve uma árvore de natal?

-Bem... Serve pra enfeitar, representar a vida.

-Ah sim!...

Caminhando em direção ao sofá, questionou olhando para a árvore:

-E pra que tantos presentes, Hans?

-Para trocarmos essa noite.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 55

Levantando-se, mamãe exclamou:

-Boa noite, Eliezer!

-Boa noite senhora Lovitz!

-Gostou da nossa árvore de natal?

-Sim... O Hans estava me contando que árvore de natal representa vida.

-Ja!... Vocês não têm também?

-Não... E esses presentes o que significam?

-Os presentes repetem o ato dos três reis magos que levaram presentes ao menino Jesus.

Sentamos-nos ao sofá Eliezer e eu, enquanto mamãe foi para a cozinha. Perfumado

e de cabelos penteados, permaneceu sentado à poltrona com as mãos entre as pernas, com

seu jeito tímido ao mesmo tempo bizarro.

-Está com fome? - Perguntei preocupado.

-Sim.

-Daqui a pouco iremos cear.

-Sua família não virá passar o natal com vocês?

Nesse momento alguém bateu à porta. Era o tio Rolf, irmão do papai, sua esposa

Marlene e seus dois filhos, Anna e Max. Já a família da mamãe morava todos em Frankfurt,

e como o papai e a vovó nunca se deram bem, evitávamos as festas juntos por conta de

atritos, tendo todo ano uma desculpa diferente para não nos reunirmos.

Tirando sua boina, o Max correu em minha direção exclamando:

-Hans!

-Max!

Demos um forte abraço.

-Que bom que você veio!

-Sabe que venho todos os anos.

-Não é verdade. Quando morávamos no Brasil você nos visitou três vezes apenas.

-Mas você morava do outro lado do mundo! Agora mora mais perto...

-Deixa eu te apresentar... Esse é meu amigo Eliezer.

De longe o Eliezer exclamou:

-Hallo!

-Hallo!

Cumprimentando a mamãe com um beijo no rosto, tia Marlene entregava-lhe uma

garrafa de espumante dizendo:

-Gisela! O cheiro do leitão é possível sentir lá fora...

-Já está quase pronto...

-Trouxe esse espumante para brindarmos!

-Danke!

Faltavam poucos minutos para meia noite quando o Patrick começou incitando as

crianças:

-Já podemos abrir os presentes, Vater?

-Mas ainda não é hora...

-Ah!... - Exclamaram as crianças.

-Deixe eles abrirem os presentes, Oliver! - Pediu tia Marlene.

-Humpf... Tudo bem.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 56

Corremos todos em direção à árvore de natal pulando de alegria, exceto o Eliezer.

Tímido, permaneceu parado ao lado do sofá, movendo-se apenas para respirar. Enquanto

abríamos os presentes, meu primo Max exclamou rasgando o pacote:

-Juden Raus ¹!

Segurando uma taça de espumante a mão e com a outra no bolso, o tio Rolf vibrava

com a felicidade de Max.

-Olha Mutter! - Mostrava Max para sua mãe.

-Estou vendo, querido!

Abri o embrulho que havia meu nome e uma linda bicicleta revelou-se. Pulei de

alegria.

-Uma bicicleta! Danke Mutter, Vater!

Caminhei até o Eliezer que sentado ao sofá balançava os pés com um leve sorriso na

face.

-Você viu minha bicicleta, Eliezer?

-Vi sim, Hans... Parabéns, é linda!

-Danke!

-Vater... Vamos jugar Juden Raus!? - Chamou Max.

-Mas eu não sei como faz. - Respondeu colocando sua taça sobre a mesa.

Pegando as instruções, Max leu em voz alta:

-Se você conseguir expulsar 6 judeus, você é o vencedor sem dúvida!

-Então vamos jogar! - Falou tio Rolf empolgado.

O Juden Raus era um jogo desenvolvido especialmente para crianças, onde

estimulava o ódio e a intolerância contra os judeus.

Olhando-me triste, o Eliezer pediu:

-Hans... Quero ir embora.

-Ir embora? Por quê?

-Ja... Percebo que não sou bem vindo na sua família! - Comentou sussurrando.

-Esqueça eles... Venha comigo.

-Aonde?

-Deixe de tantas perguntas e vem.

Seguimos até meu quarto. Fechei a porta. Curioso, Eliezer aguardava no centro do

quarto, sobre o tapete de linho azul. Abri a gaveta da cômoda, e sob as camisas dobradas

estava a pequena caixa com o pingente que havia comprado. Empurrei-a com o quadril e

aproximei-me do Eliezer dizendo:

-Não quero que fique triste por causa daquela idiotice...

-Humpf... Não é fácil pra mim...

-Sei que não, mas estou aqui pra lutar junto com você.

-Ah é?

-Claro! Não somos amigos?

-Sim, somos.

1. Juden Raus: fora judeus em Alemão. Pronuncia-se iúden raus.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 57

Entregando-lhe a caixinha, falei:

-E por sermos amigos lembrei de você nesse Natal.

-De mim? - Perguntou com um enorme sorriso aos lábios.

-Sim! Esse é meu presente de Natal pra você, Eli.

-Danke! - Agradeceu dando-me um abraço.

Nesse momento o cuco da sala começou a soar. Já era meia noite. Enquanto minha

família comemorava, olhei nos olhos do Eliezer e desejei-lhe:

-Feliz Natal!

-Feliz Natal!

Abrindo a porta do quarto, tia Marlene exclamou:

-Meninos! Venham comemorar conosco... É Natal! - Exclamou erguendo sua taça com

espumante.

Olhamos um para o outro e seguimos pra sala. Contentes, todos brindavam a

chegada do Natal. Próxima a mesa, mamãe caminhou até mim sorrindo, dizendo ao mesmo

tempo em que abraçava-me:

-Feliz Natal, querido!

-Danke, Mutter! Feliz Natal pra senhora também!

-Feliz Natal, Eliezer! - Saudou o abraçando.

-Obrigado, senhora Fischer! Feliz Natal a senhora também.

Nos sentamos à mesa. Tímido, o Eliezer olhava-me querendo dizer algo. Dobrei o

guardanapo sobre a perna e perguntei em seguida:

-Está tudo bem?

-Sim...

-Quer um pedaço de pernil?

-Não! - Exclamou esquivando-se.

-Nossa... Por quê?

-Não podemos comer nem tocá-los, são impuros!

-Ah... Você refere-se na questão religiosa...

-Ja!

O consumo de carne de porco entre os judeus não é permitido em respeito à Lei de Moisés.

Conforme consta na história do Judaísmo, Javé, conhecido também como Jeová, foi quem ditou a

Constituição Judaica, chamada Lei de Moisés. Uma parte, denominada Lei Cerimonial, especificava as regras

quanto aos alimentos que podiam ou não ser consumidos pelo povo. No capítulo 11 de Levítico, podemos ler

parte dessa lei que diz: Iahweh falou a Moisés e a Aarão, e disse-lhes: "Falai aos filhos de Israel e dizei-lhes:

Estes são os quadrúpedes que podereis comer, dentre todos os animais terrestres:

Todo animal que tem o casco fendido, partido em duas unhas, e que rumina, podereis comê-lo. São as

seguintes as espécies que não podereis comer, dentre aqueles que ruminam ou que têm o casco fendido:

Tereis como impuro o camelo porque, embora sendo ruminante, não tem o casco fendido; tereis como impuro

o coelho porque, embora sendo ruminante, não tem o casco fendido; tereis como impura a lebre porque,

embora sendo ruminante, não tem o casco fendido; tereis como impuro o porco porque, apesar de ter o casco

fendido, partido em duas unhas, não rumina. Não comereis da carne deles nem tocareis o seu cadáver, e vós

os tereis como impuros."

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 58

Mesmo tendo à mesa algumas opções de comidas que por conta de sua religião o

Eliezer não poderia consumir, mamãe resolveu o problema servindo-lhe outras comidas

baseadas em vegetais. Depois do pequeno problema resolvido, nossa ceia de Natal seguiu

bem, regada com muita alegria.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 59

CAPITULO 07

Sai para passear com minha bicicleta naquela deliciosa tarde fria

de uma quinta feira do mês de março, já em 1935. Ao voltar, encostei-a a parede e ouvi

enquanto abria a porta:

-Ontem eu fui ao cinema, Mutter. - Comentou Patrick.

-Com quem? - Perguntou minha mãe.

-Com a Maria, uma garota que estou interessado.

-Patrick... Que história é essa?

-Ora, Mutter... Já tenho idade para namorar, não acha?

-Mas quem é essa moça? Por que não apresentou para sua família?

-Não se preocupe, Mutter... Não é nada sério.

-Como você leva uma moça ao cinema se não é nada sério?

-Maria comentou que gostaria de ver A Noiva de Frankenstein, então a levei ao cinema

para assistir.

-E onde você a conheceu?

-Mutter... Não vamos entrar em detalhes...

-Patrick, trate de me contar direitinho essa história.

-Mas Mutter...

-Agora!

-Humpf... Está bem...

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 60

Subindo o último degrau da escada do andar que eu morava, exclamou o Eliezer

ofegante:

-Hans!

-Psiu!... Fale baixo!

-O que você faz ouvindo atrás da porta? - Questionou sussurrando.

-Mamãe e Patrick estão conversando...

-Eu não sabia que você gostava de ouvir a conversa dos outros atrás da porta. - Comentou

debochando.

Colocando o ouvido novamente a porta, voltei a informar-me sobre a discussão.

-Diga, Patrick... Diga quem é essa moça?

-Ela... Ela é uma mulher casada.

-CASADA! - Exclamou mamãe aos berros.

-Pelo amor de Deus, Mutter!...

Chorando, ela dizia:

-Esse não é o futuro que eu planejei pra você...

-Mas de que futuro a senhora está falando? Eu apenas saí algumas vezes com a Maria...

-Algumas vezes? Gott!...

Afastando-me da porta, caminhei em direção ao segundo lance de escada, abismado.

Sentei-me ao degrau, em seguida o Eliezer questionou:

-O que aconteceu que você está com essa cara?

-Meu irmão está namorando uma mulher casada!

-Adonai!...

-Eles foram ao cinema assistir A Noiva de Frankenstein.

-Nossa!... Sabia que eu nunca fui ao cinema?

-Sinceramente? Eu também não...

-Como será que é por dentro?

-Deve ser grande...

-Como você sabe?

-Eu já passei em frente, né...

Nesse momento ouvimos a porta de casa ser destrancada. Levantei-me

imediatamente dos degraus onde estávamos sentados e subi até metade do andar superior

para não ser visto. Furioso, Patrick bateu a porta e desceu as escadas correndo. Assustado o

Eliezer olhou-me.

Abri a porta de casa devagar. Entramos em passos lentos. Na sala não havia

ninguém. Amedrontado o Eliezer acompanhava-me, roendo suas unhas. Chorando avistei

mamãe passar em direção ao seu quarto. Imediatamente parei onde estava.

Ao notar minha presença ela disfarçou e questionou-me:

-Hans!... Você estava ai?

-Acabei de chegar... Está tudo bem?

Sem responder ela cumprimentou o Eliezer com um sorriso amarelo. Em seguida,

negou fazendo sinal com a cabeça e seguiu para um dos quartos.

Para a preservação da raça ariana o governo incentivava as mulheres arianas a

terem relações sexuais no intuito de procriar, ao mesmo tempo em que os soldados alemães

eram incentivado a manter relações sexuais com o maior número de mulheres possível com

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 61

a mesma finalidade: expandir a “raça pura”.

Um dos mitos mais evidentes com relação à “raça pura” trata-se do culto proto-

indo-iraniano de Mitra, o “Deus Guardião da Verdade”. Tal mitologia conduziu o

imperador romano Nero a adotar um combate de propagação ao embrionário Cristianismo.

Segundo antigos textos védicos, o Deus Mitras era o guardião do território dos arianos, do

qual estava localizado ao norte da Índia. Conforme descrito no Livro de Urantia, Mitras era

um Deus militante, do qual originou-se de uma imensa rocha, realizador de muitas façanhas,

até mesmo tirar água de pedras ao feri-las com suas flechadas. Contudo, Mitras foi

concebido como o campeão sobrevivente do Deus solar em sua luta contra o Deus da

escuridão. Ao matar o “touro sagrado”, Mitras foi reconhecido e transformado em imortal,

ao mesmo tempo em que se converteu no intermediário entre a raça humana e os deuses.

Já a origem do nome Irã é proveniente da palavra aryanam, do qual significa “país

dos arianos”, ou então “país dos nobres”.

Obcecado pela triplice divisão “racial” surgida após o suposto Dilúvio, Hitler teria

manipulado o termo “jafético” para classificá-lo como “raça ariana¹” nos acontecimentos

que sucediam aos da Torre de Babel na antiga Mesopotâmia, onde atualmente localiza-se o

Irã, conforme citados na bíblia. Com a divisão do povo ariano, Hitler acreditava que parte

desse povo teria migrado para o norte, ou seja, habitando parte do sul da Alemanha, o que

supostamente faria dos alemães descendentes da raça pura. É preciso deixar claro que

“homem ariano” não existe concretamente, tratando-se apenas de uma existência mental ou

suposta, da qual é tratada como preconceito racial em toda sua complexidade.

Alguns dias se passaram e muitas coisas estavam acontecendo na Alemanha. No dia

15 de março de 1935, Hitler deixou seu retiro nas montanhas e voltou a Berlim,

convocando imediatamente uma reunião do gabinete, reunindo membros oficiais do

exército para anunciar sua grande decisão. A partir de então, a Alemanha desafiaria

abertamente as limitações militares quanto ao Tratado de Versailles. Tal decisão foi uma

afronta a todos os ex-inimigos da Alemanha na Primeira Guerra Mundial, como França e

Inglaterra.

Alguns dos generais de exército mais cautelosos do Führer pensaram até que

haveria um ataque francês imediato, mas não aconteceu absolutamente nada, com exceção

de alguns protestos diplomáticos.

“A Alemanha concluiu um pacto de não-agressão com a Polônia.

Nós nos manteremos incondicionalmente fieis a ele.” Adolf Hitler - 21

de maio de 1935

1. Ariano: Segundo o Dicionário da Real Academia Espanhola, as três primeiras citações do vocábulo ario

(ariano) descreve: 1- Indivíduo ou estirpe nobre, nas línguas antigas da Índia e do Irã. 2- Indivíduo

pertencente a um povo de estirpe nórdica, formado pelos descendentes dos antigos indo-europeus que os

nazistas consideravam superiores e opunham aos judeus.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 62

Embora muitas coisas estivessem acontecendo aos nossos olhos, na maioria das

vezes, a rotina dos alemães pouco foi interferida.

Em meu quarto, trocava de roupa quando ouvi baterem a porta.

-Hans... Hans!... - Chamou mamãe.

-Ja, Mutter? Entre!

Caminhando em passos lentos ela encostou a porta e aproximou-se de mim

comentando:

-Estou vindo do Grupo Escolar...

-Do Grupo Escolar?

-Ja... - Confirmou sentando-se à beira da cama.

Fechei a porta do guarda-roupa.

-Recebi um comunicado da senhora Müller essa semana...

-Comunicado?

-Sim. Tive que comparecer hoje lá para conversar com sua professora.

-Estranho... Mas o que houve? Eu tenho me comportado conforme as regras e...

-O motivo foi outro. - Interrompeu-me.

-Outro?

-A senhora Muller disse-me que você está protegendo judeus.

-Mas... O que ela está pensando que é?

-Ela deixou-me muito preocupada, Hans.

-Porque protejo judeus?

-Não... Porque você pode ser perseguido pelo governo!

-A senhora sabe que isso não é verdade!... Eu defendi o Eliezer, pois não posso

compactuar com injustiças... Acha justo alguém ser hostilizado em público com o apoio

dos mestres?

-Humpf... Hans, não vim aqui lhe recriminar pela sua atitude.

-Não?

-Nein!... Vim lhe parabenizar e dizer que sinto muito orgulho de ter você como filho.

Dando-me um abraço, ela concluiu:

-Você é o maior orgulho da minha vida!... Mas por favor, tome cuidado para quem você

fala e o que você fala... Não se envolva nessa causa...

-Mutter...- Interrompi. - Não se preocupe, minha causa é meu amigo Eliezer.

-Ich liebe dich¹! - Concluiu com um beijo em minha testa.

1. Ich liebe dich: eu te amo em Alemão. Pronuncia-se ixi libe dixi

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 63

Logo no início da tarde segui para a casa do Eliezer. Sabendo que naquela tarde ele

estaria na loja de seu pai o ajudando, segui direto para lá. Empurrei a porta e o pequeno

sino soou.

Dobrando tecidos a frente do balcão estava o senhor Lovitz, que ao me ver exclamou:

-Hans!... Como está?

-Bem, e o senhor?

-Poderíamos estar melhor, não é?

-Imagino... O Eliezer está por aqui?

-Sim, lá no fundo dobrando alguns tecidos.

-Danke!

Caminhei até o depósito localizado aos fundos da loja. Abri a porta vagarosamente.

De costas para mim ele nem percebeu minha presença. Andei na ponta dos pés e dei-lhe um

susto, o fazendo derrubar a pilha de seda que segurava aos braços.

-Que susto! - Exclamou com a mão ao peito.

-Você fez uma cara tão engraçada... - Comentei rindo.

-Mas eu não gostei do susto.

-Desculpe. - Falei o ajudando a levantar.

-Tudo bem... Humpf...

-Eu... Eu vim te convidar pra sairmos.

-Agora não vou poder, tenho que ajudar papai com essas pilhas de tecidos.

-Podemos nos ver mais tarde?

-Sim... Eu passo em sua casa mais tarde.

-Ótimo!

Voltei pra casa e fui logo tomar um banho. Tirei a roupa e a banheira ainda não

havia enchido completamente. Os momentos do banho eram uns dos momentos que mais

me deixavam com saudade do Brasil, pois em Berlim não tomávamos banho todos os dias

devido ao frio.

Fechei meus olhos. Na sala mamãe ouvia um vinil com marchinhas de carnaval,

algumas delas de autoria de sua amiga Chiquinha Gonzaga.

-Ó lua branca de fulgores e de encantos... Se é verdade que ao amor tu dais abrigo... Vem

tirar dos olhos meus um pranto! - Cantava eu até alguém bater a porta.

-Ja? - Questionei.

-Hans... O Eliezer está aqui. - Avisou-me mamãe ao lado de fora.

-Está bem! Diga que já estou indo.

Mergulhei minha cabeça pela última vez a banheira e ao voltar puxei a toalha.

Enrolei-a pela cintura após enxugar-me e abri a porta do banheiro. Segui até meu quarto.

Enquanto o Eliezer aguardava por mim na sala, vesti uma roupa bem bonita e passei

meu perfume predileto.

-Estou pronto! - Exclamei colocando o chapéu.

Sentado ao sofá, o Eliezer perguntou abismado:

-Nossa... Aonde você vai?

-Levar o meu amigo em um lugar muito especial.

-Que amigo?

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 64

-Você!

-Eu? - Questionou levantando-se.

-Ja... Tchau, Mutter! - Gritei abrindo a porta.

Enquanto caminhávamos pela rua, o Eliezer olhava-me tentando entender. Antes

que ele perguntasse, antecipei-me esclarecendo:

-Não gostaria que você ficasse chateado comigo pela brincadeira de hoje.

-Humpf... Está bem, eu já lhe desculpei!

-Para redimir meu erro, quero te levar para conhecer um lugar especial.

-Que lugar?

Parando em frente ao cinema, falei:

-Aqui.

-Cinema!

-Ja!... Você disse que nunca tinha entrado em um cinema... Então eu quis te fazer uma

surpresa...

-Nossa! - Exclamou pulando de alegria. - E o que vamos ver?

-A Noiva de Frankenstein!

Imediatamente ele mudou sua fisionomia. Com cara de espanto, comentou olhando

para o cartaz informativo do filme:

-Mas Hans... Esse... Esse homem é muito feio!

-Não se preocupe, é só de mentirinha.

-Ah é?

-Ja!

Entrei na pequena fila e comprei os ingressos. Ao entrarmos, a sala ainda não estava

cheia. Caminhamos um segurando ao ombro do outro. Nos sentamos na terceira fileira de

trás para frente, um pouco distante da tela.

-Por que estamos longe da tela, Hans? - Questionou o Eliezer.

-Meu irmão sempre diz que os melhores lugares do cinema estão no fundo.

-Você também acha?

-Não sei... Essa é a primeira vez que venho ao cinema.

Algum tempo depois a sala já estava lotada. Antes do filme começar, as poucas

luzes se apagaram.

-Hans... É normal esse escuro? - Sussurrou o Eliezer.

-Sim.

-Eu to com medo.

-Pois não fique... Nada de mal irá lhe acontecer.

Nesse momento uma música alta soou, e na tela o filme começou a rodar. Levamos

um susto. Com os olhos esbugalhados o Eliezer nem piscava.

Na cena em que o Frankenstein aparece pela primeira vez ao tentar afogar um

homem no lago, logo no início do filme, ele comenta:

-Que homem feio... Adonai!... Estou com medo! - Fechou os olhos.

-Não precisa... É só no filme que isso acontece, na realidade ele não existe...

-Não importa!... Continuo com medo.

-Segure minha mão então.

-Danke!

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 65

Sua mão estava molhada e fria. De mãos dadas permanecemos durante o restante do

filme. É difícil explicar, mas a sensação de tocá-la foi tão gostosa, era como se eu estivesse

tocando a mão da minha mãe, porém, a mão da mamãe não me fazia arrepiar como a do

Eliezer.

-Olha, Hans!... Vão matar ele! - Disse ao ver o Frankenstein ser erguido amarrado em um

tronco.

Teve um momento no filme em que um senhor tocava violino, foi quando o Eliezer

olhou para mim dizendo com um leve sorriso:

-Que musica linda, não é, Hans?

-Sim... Muito linda! - Respondi apertando sua mão.

Ao término do filme, eis que o Eliezer pergunta:

-Hans...

-Ja?

-Se o filme é “A noiva de Frankenstein”, por que ela só aparece no final?

-Sinceramente? Não sei!

Caímos na gargalhada.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 66

CAPITULO 08

A convite de seu amigo Stephan, Patrick foi passar alguns dias fora

com um grupo de escoteiros, proporcionando-me um pouco de paz durante aquela semana.

No início mamãe não concordou em deixá-lo ir, mas papai, empolgado com a idéia de seu

filho mais velho fazer parte da Juventude do Reich, permitiu que Patrick acompanhasse

Stephan.

Sentada a sala mamãe ouvia música. Aproximei-me lentamente perguntando:

-Mutter... Será que eu poderia convidar o Eliezer para dormir em casa hoje?

-Você não desgruda mais desse judeu! - Respondeu sem me olhar.

-É meu único amigo nesse país congelante...

-É o seu país!

-Nosso país a gente escolhe com o coração. A senhora sabe que não sou feliz aqui.

-Humpf... Tudo bem, Hans... Pode convidar o judeu para...

-Mutter... - Interrompi. - Ele tem nome.

-Pode convidar o ELIEZER para dormir aqui em casa.

-Danke! - Agradeci saltitando.

Cheguei na loja do senhor Lovitz todo feliz, louco para lhe fazer o convite. A

mesma parecia estar sendo fechada. Ao entrar o sino soou, e aproximando-se do balcão fui

recepcionado pela senhora Lovitz que exclamou ao me ver:

-Hans!

-Bom dia, senhora Lovitz! O Eliezer está em casa?

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 67

-Sim, mas agora ele está... Humpf... Bem, pode subir!

-Danke!

Percebi que ela não estava muito contente com minha presença, talvez o fato de eu

não ser judeu não a agradava, porém, nossa amizade era muito maior do que qualquer coisa.

Subi a escada correndo. Na sala, toda sua família estava reunida. Fiquei sem graça.

Em seguida o senhor e senhora Lovitz subiram. Caminhei timidamente até o Eliezer que

sentado ao sofá olhou-me surpreso ao mesmo tempo sem graça.

Sobre a mesa havia muita comida, um verdadeiro clima de festa.

-O que está acontecendo aqui? - Perguntei ao Eliezer sussurrando.

-É hoje que papai tratará do meu casamento.

-Casamento!?

-Ja.

-Você vai se casar com quem?

-Humpf... Com aquela de verde. - Apontou para uma menina horrorosa.

-E não tinha uma noiva mais bonita? - Comentei furioso.

-Hans... Não fui eu que escolhi.

-Você ama essa magrela?

-Papai diz que primeiro a gente casa, depois tem muito tempo para o amor.

-Pois se você se casar com essa sirigaita, eu não serei mais seu amigo!

-Mas... O que deu em você?

-Na certa você vai se casar com essa mocoronga e me deixar de canto...

-Não diga bobagens! Você será sempre meu amigo...

-Será?... Olhe para essas pessoas que aqui estão... Todos me olham torto, sinto que não

sou bem vindo no seu ciclo familiar.

-Por favor, Hans... Deixe de dizer tolices...

-Melhor eu ir embora.

-Mas você nem disse a que veio...

-Que importância teria? Concentre sua atenção ao seu casamento. Felicidades!

Deixei sua casa transtornado, decepcionado, choroso. Se o Eliezer se casasse,

certamente nossa amizade seria abalada e isso eu não queria. Enquanto eu caminhava meu

peito apertava mais e mais. A sensação era como se eu tivesse afogando-me, afogando-me

num vazio sem fim.

Cheguei em casa e segui direto para o meu quarto, batendo a porta. Joguei-me sobre

a cama e continuei a chorar. Uma forte angústia tomava conta de mim. Meu único amigo

iria se casar, e eu, não teria mais ninguém para me fazer companhia na Alemanha de Hitler.

Silêncio no quarto. Abraçado ao travesseiro, olhava para o vazio. Às vezes o

silêncio se quebrava ao passar do bonde na rua, porém, nada me tirou dos profundos

pensamentos, até que mamãe bateu a porta dizendo:

-Hans... O judeu está aqui!

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 68

Cobri a cabeça com o travesseiro após responder:

-Diga que não quero ver ninguém. Estou com dor de cabeça!

Caminhando em passos curtos, ela questionou:

-Está tudo bem? - Perguntou surpresa.

-Não... Quero ficar sozinho, por favor.

-Tudo bem.

Ao sair mamãe fechou a porta. Não demorou muito e ela se abriu novamente.

-Você não quer falar comigo? - Questionou o Eliezer adentrando ao quarto.

Levantei surpreso, enxugando rapidamente as lágrimas.

-O que você está fazendo aqui? - Perguntei virando o rosto para esconder o choro.

-Não entendi por que você saiu de casa daquele jeito...

-Ah não? Pois eu que não vou explicar... Agora, por favor, me deixe sozinho.

-Hans... O que deu em você?

-Eu também me fiz essa pergunta quando vi sua noiva!

-É por isso que você está assim?

Não respondi.

-Hans... Você está com medo que eu me case? - Perguntou o Eliezer aproximando-se de

mim.

-Não!... Estou com medo que você me deixe.

-Te deixar? Não penso em deixar você, Hans.

-Eli... Estou sentindo algo muito ruim no meu peito.

-Ruim como?

-Não sei explicar... Mas está doendo! - Falei chorando.

Demos um forte abraço. Por mais que brigássemos, sempre acabávamos fazendo as

pazes pouco tempo depois. Entreguei-me aquele abraço embebido no seu cheiro que me

fazia tão bem. O calor de sua pele despertava em mim uma sensação inexplicável, enquanto

a fragrância de lavanda que exalavam suas roupas, tornava nossos momentos inesquecíveis.

-O que você tem, Hans? - Perguntou o Eliezer enquanto enxugava minhas lágrimas.

-Estou triste.

-Não... Você está estranho!

-Desculpe, Eli... Mas não sei o que está acontecendo comigo...

-Não quer tentar explicar?

-Só de pensar que eu posso te perder, parece que vou morrer.

-Jamais você irá me perder... - Disse tocando-me à face.

-Mesmo que você se case com aquela horrorosa?

-Não existe nenhum compromisso firmado ainda, Hans... E sinceramente? Não quero me

casar com ela.

Meu coração foi a mil de felicidade. Sozinhos naquele quarto, o mundo lá fora

deixou de existir. Paramos no tempo. Olhando em seus olhos eu tocava em sua face.

Silêncio. Nossos corpos se tocavam pouco a pouco, conduzidos por uma vontade alheia ao

nosso controle. Trocando olhares, ouvíamos apenas o som de nossa respiração.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 69

Uma força maior tomou conta de mim. Caminhei até a porta e a tranquei. Com os

olhos vermelhos de tanto chorar, respirei fundo. Voltei até onde o Eliezer estava e o

pressionei com meu corpo contra a parede, ao lado da janela.

-O que você está fazendo, Hans? - Perguntou sem entender, assustado.

-Aquilo que meu coração está pedindo. - Respondi com meus lábios tocando os dele.

Aquelas alturas nossa respiração encontrava-se ofegante. Minhas mãos já não

respondiam aos meus comandos, pareciam ter vida própria. Suavemente iniciei um beijo, o

meu primeiro beijo! Assustado, o Eliezer não se movia. Parecia estarmos vivendo um

sonho, daqueles que jamais queremos acordar. Minhas pernas tremiam, e minha língua se

perdeu em sua boca. Se dependesse da minha vontade, o tempo poderia parar naquele

momento, porém, o Eliezer caiu em si e empurrou-me dizendo:

-Você ficou louco?

-Desculpa, mas foi mais forte que eu...

-Você não deveria ter feito isso! - Disse ele limpando sua boca.

-Vamos esquecer que isso aconteceu, por favor?

Chorando e afastando-se de mim ele comentava:

-Adonai! Jamais pensei que pudesse acontecer algo desse tipo diante os olhos do divino...

Tentando reverter a besteira que acabara de fazer, aproximei-me dele:

-A culpa foi toda minha, não precisa se...

-Tira essa mão de mim! - Afastou-se seguindo em direção a porta.

-Por que essa agressividade toda? - Questionei sem entender.

-Você me magoou profundamente... - Falou com os olhos cheios de lágrimas.

Em seguida, saiu sem olhar para trás. Arrependi-me até a alma do que havia feito.

Não sei o que deu em mim. O Eliezer era meu amigo, além de ser homem! Ninguém

entenderia o que aconteceu, nem eu mesmo entendi o porquê.

Confusa, mamãe entrou no quarto perguntando:

-Hans... O que aconteceu com o Eliezer?... Saiu feito um louco!

Cruzando a porta respondi:

-Eu vou dar uma volta.

-Aonde você vai? Daqui a pouco é hora do jantar... Hans!

Eu precisava de um momento só meu para refletir, perdoar a mim mesmo pela

atitude impensada que cometi. Passei em frente sua casa, e vi a luz de seu quarto apagada.

Meu coração apertou. As lágrimas desciam, e com o frio que fazia, cortava-me o rosto.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 70

CAPITULO 09

Cheguei em casa arrasado. Sentei-me ao sofá da sala, cobrindo o rosto

com as mãos. Após colocar um vaso com flores sobre a mesa de jantar, mamãe aproximou-

se de mim questionando:

-Liebe... Não quer me contar o que aconteceu?

Deitando minha cabeça sobre seu colo, perguntei:

-Mutter... Alguma vez a senhora fez algo que se arrependeu profundamente depois?

-Ja!... Todos nós erramos! Faz parte da vida, erros e acertos.

-Acho que eu magoei um amigo, Mutter...

-Humpf... Nesse caso, o primeiro passo é reconhecer seu erro e se desculpar.

-Já tentei!

-Então aguarde... Dê tempo ao tempo... Espere até que a raiva passe.

-Se não há outro jeito...

-O que acha de sairmos um pouco para distrair?

-Para onde?

-Kristin contou-me que está havendo uma exposição de arte. O que acha de irmos visitar?

-Tudo bem! Vou trocar de roupa...

-Vou me arrumar também.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 71

No final da tarde mamãe e eu fomos visitar a exposição chamada “O Milagre da

Vida”. Aberta em março de 1935 em Berlim, com o intuito de promover a “política racial”.

Ali, o médico emergia como o líder da política racial, na busca do sangue puro, sendo

inimigos de judeus, miscigenados e degenerados.

-Mutter... Por que pinturas tão feias? - Questionei horrorizado.

-Bem... Para mostrar pessoas com má formação, doentes...

-Que horror! Estão parecendo os personagens do filme de Frankenstein!

-Mas esses dos retratos são verdadeiros! - Respondeu mamãe rindo da minha comparação.

Em uma seção estava sendo mostrada as comparações de Schultze, em outra,

doentes mentais e indigentes.

Sobre um painel com diversas imagens de pessoas doentes mentais, em estado

vegetativos, e deficientes, um cartaz advertia:

Isto pode ser chamado de vida?

Um pouco a frente havia um painel, onde mostrava imagens horríveis de retardados

excedendo gradualmente o número de pessoas normais, e na seção seguinte mostrava a

preservação da raça e cultura.

"O maior princípio de beleza é a saúde!" Adolf Hitler

Deixamos a exposição e enquanto voltávamos para casa, comentei com mamãe no

bonde:

-Qual a finalidade dessa exposição, Mutter?

-Segundo o rapaz de jaleco, é mostrar a degeneração da raça pura.

-O que isso quer dizer?

-Em meias palavras, que pessoas doentes, retardados ou “imperfeitos” são uma ameaça.

-Nossa!

Em uma lei sancionada em 14 de julho de 1933, passava a ser obrigado a

esterilização de pessoas doentes, devido a hereditariedade. Essa lei seria apenas o primeiro

passo do processo.

"Esta lei vai ajudar a eliminar a doença. É vital o auxílio aos fortes

e sadios."

Os médicos passaram a ser peritos em estética. Problemas estéticos acabaram

tornando-se problemas médicos. Essa linha de raciocínio indicava a idéia das mortes em

massa. Com isso, o médico deixa de estar a serviço do indivíduo para curar o corpo da raça,

um verdadeiro guerreiro biológico.

Gerhard Wagner, médico-chefe do Terceiro Reich, prometeu: "No futuro,

conseguiremos realizar o desejo do Führer criar o novo homem alemão".

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 72

Algumas semanas se passaram, e no mês de junho de 1935, baseados em uma lei

aprovada meses antes foi publicada a quarta lista com 41 nomes de pessoas extraditadas por

serem contrárias ao regime nacional-socialista. Entres eles estavam escritores renomados

como Heinrich Mann e Kurt Tucholsky. A lei não limitava-se apenas aos críticos do regime,

mas também a artistas e autores que já se encontravam no exílio, podendo assim ter suas

propriedades na Alemanha confiscadas pelo governo.

Mais de 40 mil pessoas tiveram seus direitos civis cassados na Alemanha durante o

regime de Adolf Hitler, não contabilizando os judeus que foram deportados e obrigados a

emigrar.

Após uma longa manhã de tarefas no grupo escolar, não via a hora de chegar em

casa. Subi os degraus do prédio correndo, e naquele impulso abri a porta da sala. Sentada

ao sofá estava mamãe, que cobria seu rosto enquanto chorava.

Preocupado, fechei a porta imediatamente, ao mesmo tempo em que perguntava:

-Mutter!... O que houve? Por que chora?

Sem nada dizer, entregou-me uma carta que estava ao sofá. Algumas palavras

estavam borradas pelas gotas de suas lágrimas sobre aquele papel amarelado com um

carimbo do Brasil, porém, não impediu-me de ler sobre o falecimento de uma das amigas

mais bem quistas de mamãe, Chiquinha Gonzaga¹.

Dobrando aquela carta novamente, sentei-me ao seu lado e a abracei dizendo:

-Não sei o que dizer, Mutter... Mas caso precise de alguém para conversar, conte comigo!

-Danke, querido!

-Vou para o meu quarto, ainda tenho muitas tarefas escolares a fazer.

Levantei-me do sofá e nesse momento a porta de casa se abriu. Eufórico, papai

entrou a sala exibindo um sorriso de orelha a orelha.

Pendurando seu chapéu ele questionou:

-Gisela! O que houve? Por que está chorando?

Levantando-se do sofá mamãe respondeu limpando suas lágrimas:

-Hoje recebi uma nota de falecimento.

-Nota de falecimento? Quem morreu?

-Minha amiga Francisca.

-A carnavalesca?

-Ja.

-E você está chorando por isso?

-Sei que vocês não se gostavam, mas por favor, respeite minha dor...

-Bem... Não vou estragar meu dia por conta de alguém que já morreu. - Comentou indo a

cozinha.

1. Francisca Edwiges Neves Gonzaga, mais conhecida como Chiquinha Gonzaga, nasceu em 17 de outubro

de 1847 na cidade do Rio de Janeiro. Cantora, compositora, pianista. Foi autora da primeira marcha

carnavalesca “Ô Abre Alas”, sendo também a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 73

Papai nunca gostou da amizade de mamãe com Chiquinha, pois ela era uma mulher

independente e para ele, um total absurdo seu comportamento e sua liberdade de ser o que

era.

No final da tarde já havia terminado quase todo meu dever de casa, mas resolvi dar

uma parada para tomar um lanchinho. Abri o armário da cozinha e peguei um pedaço de

pão. Calada, mamãe descascava vagem sentada à mesa.

-Está melhor, Mutter? - Perguntei puxando a cadeira.

-Humpf... Ja...

-Quer um naco de pão?

-Estou sem fome. Danke!

-Papai estava estranho hoje...

-Estranho como?

-Não sei... Parecia que algo de muito bom aconteceu. Ele não comentou nada com a

senhora?

-Nein!

-Humpf... Mutter, como a senhora conheceu Chiquinha?

-Dois anos antes de você nascer, seu pai, eu e o Patrick nos mudamos para o Brasil, e a

primeira cidade que moramos foi na capital... Lá conheci Francisca, e nos tornamos

amigas...

A campainha tocou.

-Deixa que eu atendo. - Falei levantando-me da mesa.

-Deve ser Kristin... Ela ficou de passar em casa hoje para tomarmos chá.

Ao abrir a porta deparei-me com o Eliezer. Meu coração disparou. Gelei. A saliva

desceu rasgando a garganta. Fiquei sem saber o que fazer.

-Eliezer! - Exclamei com a voz embargada.

-Boa tarde, Hans!

Em silêncio, apenas trocávamos olhares.

-Não vai me convidar para entrar? - Disse ele com a mão direita apoiado ao batente da

porta.

-Ja, claro... Entre!

-Com licença...

Adentrando a sala, mamãe exclamou limpando suas mãos ao avental:

-Eliezer!

-Boa tarde, senhora Fischer!

-O que aconteceu que você sumiu?

-Estive enfermo... Mas agora já estou melhor.

-Que bom!

-Gostaria de conversar com você, Hans...

-Tudo bem, vamos até meu quarto?

-Ja... Com licença, senhora Fischer.

-Até mais, Eliezer!

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 74

Fechei a porta do quarto e puxei uma cadeira para que ele se sentasse. Apreensivo,

minhas pernas tremiam enquanto eu tentava dizer:

-Você não faz idéia do quanto me arrependo de ter feito aquilo, Eli...

-Compreendo.

-Você... Você me perdoa?

Caminhando lentamente em direção a janela, o Eliezer começou a dizer:

-Naquele dia... Eu saí de sua casa muito magoado, Hans...

-Ja, eu imagino...

-Desejei nunca mais querer te ver.

-Não diga uma coisa dessas! Eu...

-Mas passou. - Interrompeu-me.

-Que alívio!

Levantando-se da cadeira, ele continuava:

-Queria ter vindo conversar com você antes, mas acabei adoecendo... Durante esse tempo

em que estive enfermo, muitas coisas se passaram pela minha cabeça, e tenha certeza,

Hans, um ódio mortal tomou conta de mim por causa daquela sua atitude.

Sem nada dizer, comecei a chorar em silêncio.

-Mas dia após dia esse sentimento foi se dispersando... - Continuou ele. - E o ódio foi se

tornando em saudade a medida em que os dias foram passando... Esse sentimento apertava

cada vez mais, e você não estava ali comigo.

Por um momento comecei a ter esperança.

-Eu vi o sol nascer e se pôr, e meus pensamentos estavam em você a todo momento. - Falou

aproximando-se de mim.

-Então você me perdoou? - Perguntei com o coração à boca.

Sem responder ele tocou em minha face. Fechei meus olhos. Meu coração acelerou,

enquanto minhas mãos suavam. Parecia um sonho, sentir seus lábios levemente tocando os

meus.

-Eliezer... O... O que você está fazendo?

Sussurrando, ele respondeu:

-Aquilo que meu coração está pedindo... E não pára de pedir...

-Não brinque comigo, Eli...

-Pode parecer loucura isso que estamos fazendo... Mas preciso sentir novamente essa

sensação...

Nos beijamos loucamente. No começo foi difícil, pois tanto eu como ele nunca

havíamos beijado na boca antes. Foram dentes se batendo e língua pra fora, até

encontrarmos o ritmo um do outro. Que demais!

O tempo parou. Através da janela, a fresca brisa que entrava fazia a cortina dançar.

Nossos braços aproximaram nossos corpos, tornando duas vidas em uma só alma. Nos

deitamos a cama, onde continuamos aquele lento e profundo beijo. Sua mão segurava

minha nuca, enquanto a outra desabotoava minha camisa.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 75

Deitados um sobre o outro, ambos nus, sentia o Eliezer beijar minha pele, descendo

pouco a pouco. Arrepiei-me. O calor daqueles lábios macios e úmidos me faziam tremer.

Aquele foi o dia mais feliz da minha vida, um sonho daqueles que jamais queremos acordar.

-Hans... - Sussurrou olhando-me face a face.

-Ja?

-Eu amo você!

Nesse momento uma lágrima desceu de meus olhos.

-Desde quando isso?

-Acho que desde sempre... Mas só agora eu descobri.

Fechei meus olhos e beijei sua mão, dizendo em seguida:

-A partir de hoje, ninguém mais vai tirar você de mim...

Adormecemos abraçados.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 76

CAPITULO 10

Acordei no inicio da noite. Ainda deitados, velando meu sono o

Eliezer olhava-me. Em silêncio suas lágrimas desciam, deixando-me preocupado.

-O que houve? - Questionei acariciando seus cabelos.

-Estou preocupado. - Respondeu após um profundo suspiro.

-Com o quê?

-Isso não é certo...

-O que não é certo? Viver um grande amor é errado?

-Minha religião não aceitaria uma relação entre dois rapazes... Meus pais jamais...

-Hey! - Interrompi. - Ninguém precisa saber disso por enquanto.

-Mas a idade de me casar já está chegando... Tenho quinze anos!

-Eli... Por enquanto, vamos deixar as coisas como estão...

-Humpf... Tudo bem. Agora preciso ir, está ficando tarde... - Comentou levantando-se da

cama.

Vestimos nossas roupas. Antes de abrir a porta trocamos um longo beijo. Ao

passarmos pela sala mamãe exclamou ao nos ver:

-Meninos! Pensei que não sairiam mais do quarto...

-É que acabamos dormindo, Mutter!

-Dormindo?

-Ja...

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 77

Sua expressão foi de desconfiança, porém, nada ela disse.

-Estou indo, senhora Fischer.

-Até mais ver, Eliezer!

-Até!

Caminhamos até a porta e ao abri-la, nos deparamos com Kristin.

-Senhorita Kristin! - Exclamei surpreso.

-Olá meninos! Como estão?

-Bem e a senhorita?

-Bem! Gisela está?

-Ja. Entre!

-Danke!

Acompanhei o Eliezer até metade do caminho.

-Hans... Sabia que já estou ficando com saudade?

-Hum... Isso é um bom sinal!

-Você acha?

-Claro! Mostra que você ainda me quer.

-E você tinha dúvidas disso?

-Agora não tenho mais.

Em um beco escuro, iniciamos um delicioso beijo. A brisa gelada arrepiava nossos

corpos, enquanto o calor de nossa respiração aquecia nossas almas. Que sonho! O Eliezer

tinha lábios macios e carnudos, deliciosos de beijar. Seu corpo franzino encaixava-se

perfeitamente ao meu quando nos abraçávamos. Quanta coragem! O risco de sermos pegos

e punidos foi grande, mas valeu a pena, pois o que sentimos, jamais conseguirei descrever

em palavras.

As ruas de Berlim até que estavam tranqüilas, mas por trás de toda aquela

tranqüilidade, muitas coisas aconteciam ao alcance dos olhos daqueles que queriam ver.

Naquele mesmo ano de 1935 houve uma competição entre cidades e aldeias para

expulsar todos os judeus e se auto-declararem “livres de judeus”. Cartazes diziam:

“Não queremos judeus aqui”. - “Judeus, fiquem por sua conta e

risco”.

As placas só seriam retiradas no ano seguinte, mas por pouco tempo para que os

turistas das Olimpíadas que seriam realizadas em Berlim não ficassem chocados.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 78

Algumas semanas se passaram. Tudo indicava que naquela terça-feira seria mais um

dia comum, mas não foi. Nas primeiras horas da manhã levantei-me para ir ao banheiro.

Levantei a tampa do vaso sanitário como se estivesse elevando uma pedra. Ainda com sono,

urinava de olhos fechados quando ouvi a campainha tocar. Aliviado, voltava ao meu quarto

quando avistei mamãe passar pelo corredor em direção a porta.

-Bom dia, Hans!

-Bom dia, Mutter!

-Gisela! - Exclamou tia Ingrid em prantos.

-Ingrid... Mas... Por que está assim? O que houve?

Com um lenço próximo a face ela dizia desesperada:

-Levaram ele, minha irmã...

-Levaram quem?

-Os policiais levaram Robert!

-Mas... Quando? Por quê?

-Hoje!

Sentada ao sofá ela se debulhava em lágrimas. Sem saber o que fazer, mamãe tremia

atônica.

-Hans... Vá buscar um pouco d’água para sua tia.

-Ja!

Robert era o único filho da tia Ingrid. Ele sofria de Paralisia Cerebral devido a uma

complicação no parto. Depois da morte de seu marido em 1927, tia Ingrid apegou-se ainda

mais a Robert, que passou a resumir sua família. Dois anos mais velho que eu, Robert

dependia de sua mãe pra tudo, e o carinho com que tia Ingrid o tratava era comovente.

-Aqui está sua água, tia! - Entreguei-a assustado.

-Danke!

-Acalme-se, Ingrid... Conte-me o que aconteceu?

-Cinco soldados chegaram em casa e disseram que teriam que levar Robert.

-Levar para onde?

-Para um hospital especializado, com melhores condições para pessoas especiais...

-Mas então... Você não precisa ficar desse jeito.

-Como não, Gisela? Ele é a única coisa que me restou na vida.

-Se levaram ele para um centro de tratamento especializado como você mesma disse, não

há com o que se preocupar, Robert estará bem cuidado. Aliás, você às vezes reclamava da

rotina cansativa que era cuidar de alguém como ele...

-Eu sei, mas eu sinto falta... É meu filho!

O que parecia ser uma atitude plausível, na verdade revelaria-se em mais uma das

atrocidades cometidas aos ideais do Chanceler alemão. Segundo os nazistas, nos últimos 70

anos sua população teria aumentado em 50%, enquanto a doença hereditária evoluiu ao

passo de 450%. Caso aquele crescimento persistisse, em 50 anos teriam 1 doente para cada

4 pessoas saudáveis. Para a preservação da raça pura, tal situação seria inadmissível.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 79

"A nação que preserva seu melhor elemento racial na adversidade,

um dia deverá comandar a Terra." Adolf Hitler

Na Reunião Nacional do Partido em 1935, Hitler comenta com seu amigo Wagner

sobre sua intenção de eliminar os "doentes incuráveis" da Alemanha. Durante essa reunião,

novas leis foram divulgadas, onde Gerhard Wagner atestou em seu discurso: "As leis de

Nuremberg protegerão o sangue alemão."

“Compatriotas... O que desejamos da juventude de amanhã é

diferente do que era desejado no passado. Precisamos criar um

novo homem para que nossa raça não sucumba ao fenômeno da

degeneração típica dos tempos modernos.” Adolf Hitler

As Leis de Nuremberg, também conhecidas como Lei para Proteção do Sangue e

Honra Alemães, foram adotadas pela Alemanha Nazista em 15 de setembro de 1935, na

cidade de Nuremberg. Essas leis de segregação racial proibiam a união matrimonial entre

arianos e judeus, relações sexuais, além de divisões sociais que transformavam os judeus

em cidadãos de segunda categoria.

Seriam considerados alemães aqueles que possuíssem 4 avós alemães. Já aqueles

que possuíssem aos menos um avô judeu passaria a ser considerado também judeu.

Art. 1º - 1) São proibidos os casamentos entre judeus e cidadãos de sangue alemão ou

aparentado. Os casamentos celebrados apesar dessa proibição são nulos e de nenhum efeito, mesmo que

tenham sido contraídos no estrangeiro para iludir a aplicação desta lei.

2) Só o procurador pode propor a declaração de nulidade.

Art. 2º - As relações extra-matrimoniais entre Judeus e cidadãos de sangue alemão ou aparentado são

proibidas.

Art. 3º - Os Judeus são proibidos de terem como criados em sua casa cidadãos de sangue alemão ou

aparentado com menos de 45 anos...

Art. 4º - 1) Os Judeus ficam proibidos de içar a bandeira nacional do Reich e de envergarem as

cores do Reich.

2) Mas são autorizados a engalanarem-se com as cores judaicas. O exercício dessa autorização é

protegido pelo Estado.

Art. 5º - 1) Quem infringir o artigo 1º será condenado a trabalhos forçados.

3) Quem infringir os arts. 3º e 4º será condenado á prisão que poderá ir até um ano e multa, ou uma

ou outra destas duas penas.

Art. 6º - O Ministro do Interior do Reich, com o assentimento do representante do Führer e do

Ministro da Justiça, publicarão as disposições jurídicas e administrativas necessárias à aplicação desta lei.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 80

Após saber da publicação das Leis de Nurember procurei pelo Eliezer. O governo

estava excluindo cada vez mais os judeus da sociedade alemã, e o medo de que essas

medidas afetassem nossa relação só aumentava.

-Hans! - Exclamou espantado abrindo a porta de sua casa.

-Hallo, Eli!

-O que faz aqui?

-Eu... Eu vim lhe ver e dizer algo muito ruim que está acontecendo...

-Sobre o decreto do Führer? Já estou sabendo... A comunidade judaica não comenta outra

coisa. - Respondeu adentrando à sala.

-Podemos dar um passeio?

-Humpf... Tudo bem. Vou pegar meu chapéu.

-Ja! Estou te aguardando aqui.

Preocupado, andava de um lado pro outro naquela calçada úmida.

-Pronto! - Disse o Eliezer fechando a porta.

Enquanto conversávamos, fomos caminhando sem rumo.

-Estou preocupado, Eli...

-Só você? Todos nós estamos, Hans...

-Essa semana a polícia procurou minha tia...

-Ela é judia?

-Nein!

-Então o que queriam?

-Humpf... Ela tem um filho com paralisia cerebral, e por ordens do governo pessoas nessas

condições precisam de cuidado especial...

-Em que isso o preocupa?

-Tia Ingrid é muito apegada a ele! Não sei se separá-los seria a melhor solução... Ele não

anda, não fala, não faz nada sozinho.

Com o olhar perdido, o Eliezer parecia hipnotizado. Sem entender, questionei o que

estava acontecendo. Sem responder ele continuou olhando firme ao que, até o momento, eu

não havia reparado. Ao virar-me, avistei um casal cercado por soldados da SS na praça.

Portando cartazes obscenos pendurados ao pescoço, eram exibidos a população como

exemplo de descumprimento das Leis de Nuremberg, pois ela era alemã e ele judeu.

Uma lágrima desceu pelo rosto do Eliezer. Meu coração partiu.

-Quero ir embora, Hans.

-Tudo bem... Vamos!

Com as mãos no bolso do casaco ele andava apressado, cabisbaixo.

-Eli... Espere... Não fique assim!

-Como quer que eu fique? Hoje são eles, amanhã pode ser eu...

-Não fale uma coisa dessas!

-Acorda, Hans! Em que mundo você vive? Meu povo está sendo perseguido, estamos sendo

postos às margens da sociedade, e você me pede calma?

-Você fala como se o que está acontecendo fosse culpa minha!

-Desculpe!

-Estou do seu lado, Eliezer!

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 81

Nesse momento a cavalaria de Hitler passou por nós. Paramos imediatamente.

Assustado o Eliezer os viam desfilar sobre aqueles imponentes cavalos de pelagem brilhosa,

impressionando a todos por onde passavam.

A Cavalaria tratava-se de mais uma violação do Tratado de Versailles. Seus

membros lembravam guerreiros temidos, passando em revista diante do Führer. Como se

não fosse o bastante, carros Panzer¹ começaram a surgir.

Conforme o tempo passava, o tão sonhado desejo Nazista de conquistar o mundo

tornava-se mais próximo. Aquelas alturas, Hitler já começava a sentir que a Alemanha

estava totalmente preparada para marchar em busca de novas conquistas.

“O principal efeito de toda guerra é destruir a flor da nação. A

Alemanha precisa de paz e deseja paz!” Adolf Hitler, 21 de maio de 1935.

Distraindo-se com a empolgação de algumas crianças ao redor, um dos soldados

descuidou-se com seu cavalo, que furioso empinou-se a centímetros de distância do Eliezer.

Imediatamente puxei-o para junto de mim exclamando:

-Cuidado!

Restabelecendo o controle de seu animal, grita o soldado exaltado:

-Saia do caminho judeu!

Seus companheiros nos olharam rindo, seguindo com seu desfile. Tremendo e

pálido o Eliezer olhou-me, tentando encher seu peito de ar. Com a mão direita apoiada à

parede ele tentava se recuperar do susto. O que não sabíamos era que aquilo tratava-se

apenas do começo, o início de um sofrimento que colocaria à prova nosso amor.

1. Panzer: é uma abreviação de "Panzerkampfwagen", um substantivo Alemão que se traduz como "Veículo

Blindado de Combate", que na Inglaterra e nos Estados Unidos convencionou-se chamar de tanque. Tornou-se

sinônimo dos tanques de batalha alemães durante os anos 30 e 40, e é geralmente designado por sua

abreviatura "PzKpfw". Os Panzers foram utilizados pelos dois comandos terrestres que compunham as forças

armadas alemãs da Segunda Guerra Mundial que eram a Waffen SS e a Wehrmacht.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 82

CAPITULO 11

Cheguei em casa e mamae estava passando roupa. Ao me ver

entrar, parou imediatamente o que estava fazendo e aproximou-se de mim exclamando:

-Hans!... Onde estava?

-Fui dar um passeio com o Eliezer...

-Pois trate de ir tomar banho e se vestir, temos um convidado para jantar.

-Convidado?

-Sim.

-Kristin?

-Não... Convidado de seu pai.

-Humpf... Tudo bem, vou me preparar.

Segui para meu quarto. Cruzei com Patrick no corredor, que ao me ver provocou-me

entusiasmado:

-Hey, fedelho! Estou quase me tornando um soldado do Reich... Vou servir ao Führer!

-O que você acha que ganha com isso?

-Servirei à nação alemã!...

-Parabéns, Patrick! - Ironizei - Tenho certeza que você será um dos melhores soldados do

Führer!

Com uma toalha enrolada à cintura ele permaneceu onde estava, com o olhar

perdido no horizonte repetindo seguidamente:

-Führer... Führer...

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 83

Um pouco antes das oito da noite já estávamos todos prontos. Papai aguardava

ansioso, caminhando de um lado para o outro.

-Oliver, acalme-se! Desse jeito você acabará fazendo um buraco no assoalho da sala!

A campainha tocou. Esboçando um satisfeito contentamento papai caminhou até a

porta. Olhei para mamãe que me mostrou um sorriso amarelo.

-Heinrich! - Exclamou papai dando um abraço em seu amigo.

-Oliver! Achei que fosse me atrasar...

-Mas acabou chegando a tempo. - Comentou papai fechando a porta. - Deixe eu lhe

apresentar minha família... Essa é minha esposa Gisela.

Mostrando-se cavalheiro, beijou a mão de mamãe dizendo:

-Encantado, senhora!

Mamãe respondeu apenas com um singelo sorriso.

-Esses são meus filhos Patrick e Hans!

-Como vão, meninos!?

Patrick mal conseguia conter sua felicidade na presença do amigo de papai, porém,

sua euforia tinha uma explicação. Ele sabia muito mais sobre Heinrich do que mamãe e eu.

Na verdade, aquele velho amigo de papai tratava-se de Heinrich Himmler, comandante da

Schutzstaffel alemã.

Sentados à mesa, jantávamos ao mesmo tempo em que meus pais e Himmler

conversavam:

-Lembra-se, Heinrich, quando você colocou um sapo dentro da gaveta da mesa da

professora?

Rindo, ele limpou a boca com o guardanapo confirmando:

-Lembro... Ela quase morreu de susto!

-Vocês são amigos há muito tempo? - Questionou mamãe repudiando aquela atitude.

-Nos conhecemos quando estudamos juntos na escola de Landshut. - Respondeu papai.

-Mas Oliver é mais velho, claro.

-Dois meses de diferença!

-Mas só o fato de ser mais velho me conforta.

Rimos todos.

Como ReichsFührer-SS, Heinrich Himmler liderou a SS e a Gestapo. Foi um dos mais poderosos

homens da Alemanha Nazista, figura-chave na organização do Holocausto. Após a Noite dos Longos Punhais,

as SS-Totenkopfverbande tornaram-se responsável por organizar e administrar todos os campos de

concentração do regime da Alemanha, e após 1941, também os campos de extermínio da Polônia. Através de

seu braço de inteligência, a SS foi encarregada de encontrar judeus, ciganos, homossexuais e comunistas, e

quaisquer outras culturas ou raças condenadas pelos Nazis por serem Untermenschen (suburbanos) ou em

oposição deste regime, onde eram colocados em campos de concentração. Himmler tornou-se um dos

principais arquitetos do Holocausto, baseando-se em elementos míticos e uma opinião fanática na ideologia

racista do nazismo.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 84

-E como vocês se reencontraram? - Perguntou Patrick com os olhos brilhando.

-Seu pai e eu perdemos o contato depois que ele deixou Munique e veio para Berlim... Mas

nos reencontramos na barbearia há algumas semanas.

-O senhor trabalha com o que, senhor Himmler?

-Atualmente sou Comandante da Schutzstaffel alemã, senhora Fischer. Mas minha vida

militar começou há muito tempo... Em 1923 era já era Sargento Feldwebel na

Reichkriegsflagge. Depois, por incrível que pareça, tornei-me fazendeiro, mas não me dei

muito bem e acabei voltando para o Partido Nazista reformulado. Casei-me, e em 1927

virei vice-comandante da SS.

-E sua esposa, por que não veio?

-Margaret foi visitar seus pais...

Empolgado, eis que Patrick pergunta:

-Senhor Himmler, o senhor conhece o Führer pessoalmente?

-Claro!

-Nossa!

-Gostaria de conhecer o Führer pessoalmente?

-É o meu sonho!

-Pois um dia levarei-te para conhecê-lo.

-Promete?

-Sim... Em breve seu próprio pai poderá realizar seu sonho...

Repousando seus talheres ao prato, mamãe quis saber:

-Do que está falando, senhor Himmler?

-Espere, Heinrich... - Interrompeu papai. - Ainda não contei a eles.

-Contou o que, Oliver?

-Querida... Após nos reencontrarmos, Heinrich convidou-me para fazer parte da SS.

-Uau! - Exclamou Patrick.

Naquele momento minha saliva passou rasgando pela garganta.

-Do que você está falando, Oliver?

-Senhora Fischer, isso quer dizer que seu esposo agora é um membro da SS... A senhora

não se orgulha disso?

-Me orgulhar? Orgulho de quê? De ver meu marido correr atrás de comunistas, opositores

do governo, judeus?...

-Entendo que a senhora esteja abalada a principio, mas não deixe se levar simplesmente

pelas aparências. Nosso trabalho é feito para proporcionar um mundo melhor a todos...

-Batendo em judeus pelas ruas? - Interrompeu mamãe.

-Judeus são como ratos, senhora Fischer... Uma praga que deveria ser eliminada da face

da Terra.

-Então... O senhor também perseguirá judeus, Vater? - Perguntei decepcionado.

-Farei o necessário para defender nossa nação!

Fazer parte das tropas do Reich era um sonho para a maioria dos homens na

Alemanha governada por Hitler. Aqueles que delas faziam parte eram vistos como

exemplos de homens a serem seguidos em todos os aspectos. Claro que papai e Patrick não

seriam diferentes. Ambos estavam iludidos, assim como outros alemães, enganados por um

ideal que ia além daquilo que parecia ser.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 85

Para a escolha dos seletos membros que viriam a fazer parte do ideal nazista, a

principio recorreu-se ao professor Bruno Schultz, SS-HauptsturmFührer, capitão das SS.

Heinrich Himmler encantou-se com as medidas propostas por Bruno, opinando em algumas

delas como um dos criadores das SS: "Somos como o especialista que faz as plantas

crescerem e que, quando deseja cultivar uma boa raça pura, primeiro percorre o campo

para arrancar todas as plantas indesejáveis. Nós também devemos começar

transplantando as pessoas que, em nossa opinião, não são um material adequado para as

SS".

Sendo assim, foram estabelecidos alguns requisitos para aqueles que quisessem

fazer parte da Guarda Negra: os candidatos deveriam pertencer à pura "raça ariana", tendo

como preferência loiros e de olhos claros. Para atestar a autenticidade da pureza genética,

eram efetuados estudos científicos aprofundados nos candidatos realizados por “médicos”

delegados pela SS. Os aspirantes a SS deveriam medir mais de 170 cm para ingressar nas

SS-Verfügungstruppe, que eram as unidades de ataque das SS. Já para fazer parte da

primeira divisão chamada Leibstrandarte SS Adolf Hitler, não poderia ter menos de 184 cm,

e aqueles que almejavam pertencer as SS-Totenkopfverbände (SS da caveira) deveriam

ultrapassar os 171 cm de altura.

Posteriormente, a medida em que a guerra foi piorando os requisitos foram diminuindo, pois a

prioridade passou a ser a obtenção de soldados onde quer que fosse. Dessa forma, os soldados mais nórdicos

passaram a ser treinados dentro do ideal racial nazista (ucranianos, muçulmanos e também indivíduos que

diferiam amplamente do ideal ariano). Para isso deveriam demonstrar que não tinham nenhum tipo de

"impureza" genealógica judaica ao menos desde o ano de 1750.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 86

CAPITULO 12

Ja estavamos em 1936 e quase não se falava em outra coisa que não fosse os

jogos Olímpicos de Berlim. A cidade estava eufórica, e eu, curioso para que as tais

competições começassem.

-Hans! - Interrompeu-me mamãe no quarto.

-Ja?

-Pegue... - Disse entregando-me dois bilhetes. - Ganhei esses dois bilhetes do senhor Dirk

para ir ao estádio assistir a competição.

-A senhora foi visitá-lo?

-Também... E buscar os sapatos do seu pai, já que ele não confia em nenhum outro

sapateiro.

-E como o senhor Dirk está, Mutter?

-Humpf... Muito mal, Hans.

-Ainda não melhorou?

-Nein... Estive conversando com sua esposa... - Comentava sentando-se ao sofá. - Ela

contou-me que segundo opinião do médico da família, sua doença não tem mais cura.

-Gott!

O senhor Dirk sofria dos pulmões, devido ao consumo excessivo de tabaco durante

anos. No final de 1935 teve que ser internado as pressas por conta de falta de ar, e durante o

período em que ficou internado, descobriu sofrer da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica.

-Teimoso, como o senhor Dirk é, não deixou que seu assistente cuidasse dos sapatos de seu

pai.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 87

-Então como fez?

-Ele mesmo cuidou do serviço.

-Mas ele não deveria repousar, Mutter?

-Foi o que a senhora Dirk contou-me, mas não há meio de convencê-lo...

-Humpf... Sinto muito pelo senhor Dirk. Em breve lhe farei uma visita.

-Bem, vou preparar o almoço, logo seu pai chega.

-Está bem. Vou dar uma saída, Mutter...

-Aonde você vai, Hans?

-Dar uma volta, Mutter.

Com um olhar desconfiado, murmurou:

-Sei... Tome cuidado pela rua.

-Ja!

Corri até a casa do Eliezer portando os dois bilhetes que ganhei de mamãe. Minha

intenção era convidá-lo para ir comigo ao estádio.

-Menino Hans! - Abordou-me o senhor Lovitz que saia de sua casa.

-Hallo, senhor Lovitz! Gostaria de ver o Eliezer.

-Lamento meu garoto, mas no momento ele não está.

-Será que demora a voltar?

-Acredito que não, ele foi até o armazém comprar beterrabas e não demora a voltar.

-Se importa se eu esperar em sua loja?

-Humpf... Eu não vejo problema algum nisso, meu jovem... Mas você é um garoto alemão e

sua relação com judeus está proibida.

-Mas senhor Lovitz, eu gosto do Eliezer mesmo ele sendo judeu... Não temos culpa que...

-Eu sei, eu sei. - Interrompeu-me. - Nós também gostamos de você, Hans, porém, pessoas

maldosas querem nos ver longe daqui.

-Nem eu, nem minha família queremos isso, senhor Lovitz.

-Hans! - Exclamou o Eliezer ao ver-me parado na porta de sua casa.

Virei-me e o saudei com um sorriso.

-Preciso voltar ao trabalho. - Disse o senhor Lovitz.

-Até mais ver, senhor Lovitz.

-Até, Hans!

Aguardamos que ele entrasse à loja para comentarmos sobre a saudade que

sentíamos um do outro.

-Estava louco para te ver. - Comentou Eliezer segurando um saco com hortaliças.

-Eu também! Vim lhe fazer um convite...

-Um convite?

-Ja!... Ganhei dois bilhetes para assistir o jogo olímpico de hoje.

-Oh que maravilha! Eu nunca assisti uma competição...

-Você aceita me acompanhar?

-Eu?

-Ja!

-Claro! Vou levar essas compras para minha mãe e já volto.

Assim como o Eliezer, eu também nunca havia pisado em um estádio para assistir

qualquer competição que fosse.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 88

Chegamos no estádio e havia uma multidão fervorosa aguardando para entrar. Nos

sentamos em um local com vista privilegiada, dando pra ver todo o campo de prova. Todos

vibravam na arquibancada, e nós também, claro, até que o Eliezer avistou algo que não

gostaria, aliás, que não gostaríamos.

-Hans!

-Oi?

-Olha! - Exclamou apontando para frente.

-O Führer!

-O que será que ele faz aqui?

-Bem... Provavelmente está exercendo seu papel como autoridade alemã...

-Acho que eu quero ir embora...

-Por favor, Eli... Finja que ele não está aqui.

-Impossível. Não está vendo como o povo vibra por causa dele?

-Humpf... Sei que isso te incomoda, mas tente não pensar nisso... Não foi para te deixar

triste que eu te trouxe aqui.

-Humpf... Está bem.

-Olha! Vai começar...

Ao aparecer, Adolf Hitler levou o público ao delírio. Sua cara de mau deixou-me

com medo. Homens, mulheres, crianças, todos veneravam aquele homem que em momento

algum esboçou um só sorriso.

Através dos auto-falantes a competição era narrada:

“Jesse Owens começa a se mover, ele está um ou dois metros na

frente. Metcalf está vindo em segundo. É Owens, Metcalfe e

Osendarp”.

A vitória de um não-ariano decepcionou a todos. Furioso, Hitler deixou o estádio

rapidamente para evitar de ter que entregar a medalha ao Owens. O Führer esperava que os

jogos olímpicos fosse o triunfo de sua assim chamada “raça superior ariana”. No entanto,

um estadunidense negro frustrou seu sonho.

“Os judeus foram os responsáveis por trazer os negros para a

Renânia com a idéia de degenerar a raça branca”. Adolf Hitler

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 89

Após o término da competição esperamos que grande parte da multidão deixasse o

estádio.

Enquanto voltávamos para casa, caminhávamos em passos lentos pela calçada

enquanto conversávamos.

-Ontem minha mãe veio me questionar sobre nossa amizade. - Disse o Eliezer com suas

mãos no bolso de seu casaco.

-Questionar?

-É... Veio me lembrar que pertencemos a mundos diferentes, e que essa nossa proximidade

não nos faz bem.

Parei.

-Você concorda com ela? - Perguntei.

-Claro que não!

-Não mesmo?

-Humpf... O fato de eu ter escolhido você para dividir minha vida, já prova a verdadeira

demonstração de coragem e amor.

-Nem sempre...

-Hans... O que é isso? Você acha pouco? Estou indo contra os princípios da minha família,

transgredindo a minha religião!

-Eu não quis dizer isso...

-Mas deu a entender. Não entendo essa forma de gostar de mim.

-Duvida que realmente eu goste de você?

-Às vezes sim. A forma como demonstra seus sentimentos deixa a desejar.

-Como você quer que eu prove o que sinto por você?

-Não sei... Isso é você quem deve saber.

-Olha, Eliezer...

-Hans, desculpe, mas agora eu não estou a fim de discutir. Nos falamos outra hora.

Sem me dar um abraço se quer ele atravessou a rua e seguiu para sua casa, enquanto

eu permaneci parado aguardando os bondes que passavam. Uma profunda angústia tomou

conta de mim, deixando-me com o coração partido e arrependido de ter feito aquela

brincadeira de mau gosto. Acabei o ferindo sem querer, e tentar consertar naquele momento

não era a melhor opção.

Cheguei em casa chateado. Abri à porta cabisbaixo, angustiado. Tive vontade de ir

até sua casa e desfazer toda aquela má impressão, porém, faltou-me coragem.

Colocando os pratos sobre a mesa, mamãe disse:

-Pensamos que não iria jantar em casa.

-Ora... Por quê?

-Você disse que não iria demorar, almocei, e agora eu já estava começando por à mesa

sem você.

-É que eu e o Eliezer ficamos conversando e nem nos demos conta do horário. - Falei

sentando-me à mesa.

-Ah... O Eliezer... A companhia desse garoto não me agrada.

-Ele é o único amigo que tenho em Berlim.

-Porque você quer.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 90

-O que é agora? Qual a razão desses apontamentos?

-Preocupação.

-Com o quê? Uma amizade entre um alemão e um judeu não condena nossas almas.

-Você sabe que não estava me referindo a isso.

-Ora, mamãe... A senhora sabe muito bem que está sendo muito difícil minha adaptação na

Europa. Agora, por favor, não vamos mais falar sobre isso.

-Hans!... Pelo amor de Deus, afaste-se desse rapaz. Se seu pai...

-Meu pai? Ele não pode dizer de quem eu posso ou não ser amigo.

-É um dever de um SS ser fiel as leis do governo!

-Mas eu não tenho nada com isso.

Tremendo, ela colocou uma baixela sobre a mesa e sentou-se comentando:

-Ontem seu pai questionou-me sobre sua amizade com o judeu.

-O que ele queria saber?

-Se vocês ainda possuíam esse laço de amizade.

-E o que a senhora disse?

-Que não sabia... Hans, como membro da SS seu pai e sua família não podem manter

qualquer tipo de relação com um judeu... Se Himmler descobre que...

-Ele só descobrirá se alguém contar.

-Tenho medo do que possa acontecer, Hans.

-Por enquanto não há com que se preocupar, Mutter.

Terminamos nosso jantar em silêncio.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 91

CAPITULO 13

Em uma fria manha de quarta-feira, já passava das dez da manhã

quando mamãe entrou em meu quarto questionando:

-Hans... Não vai se levantar?

Percebendo que eu não respondi ela caminhou até a cama. Ao tocar-me, notou a

cama molhada de suor. Imediatamente colocou sua mão em minha testa constatando que eu

estava com febre.

-Gott! Você está ardendo em febre! Precisamos ir até o doutor Benjamim.

-Mas estou sem forças, Mutter.

-Pior vai ficar se esse estado evoluir. Anda, Hans... Consegue levantar sozinho?

-Não sei...

Com sua ajuda levantei-me, vesti uma roupa e seguimos para o hospital. Sentados

no bonde, mamãe segurou minha mão durante todo o tempo.

-Parece que sua febre está baixando. - Comentou tocando em minha bochecha.

-Humpf... Estou sentindo um pouco de falta de ar, Mutter.

-Hans... Você está começando a me preocupar.

-Por quê?

-Falta de ar, pode ser algo mais grave.

-Mutter... Está querendo me assustar?

-Você quem está me deixando preocupada... Estamos chegando, vamos descer!

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 92

Ao chegarmos no hospital, mamãe perguntou a recepcionista:

-Bom dia!

-Bom dia!

-Por favor, poderia dizer ao doutor Benjamim que Gisela Fischer está aqui?

-Desculpe, mas o doutor Benjamim não atende mais nesse hospital.

-Como não?

-Sinto muito.

-Posso saber por quê?

-Bem... Por determinação do governo.

-Um dos melhores médicos dessa cidade... Como pode?

-Sinto muito. Posso solicitar outro médico?

-Humpf... Está bem.

No dia 03 de março de 1936, médicos judeus foram proibidos de praticar medicina

nas instituições alemãs. Após os primeiros meses do regulamento nazista que expulsou os

médicos judeus de seus postos, o número de médicos adeptos ao Nazismo cresceu. Tal

expulsão em massa criou muitas chances de carreiras. Escolas especiais ofereciam cursos

de Medicina Nazista. Não havia outra profissão com tantos membros do partido, onde 45%

dos médicos alemães pertenciam ao mesmo.

Tomado por uma forte gripe, passei uma semana acamado até meu organismo dar

sinais de que estava se recuperando.

-Bom dia! - Exclamou mamãe entrando em meu quarto.

-Bom dia.

-Vim trazer seu café da manhã. - Comentou colocando uma bandeja sobre minha cama.

-O cheiro está muito bom!

Percebi que mamãe rodeava o quarto, parecia querer dizer alguma coisa. Diante a

desconfiança, resolvi perguntar:

-Mutter... Aconteceu alguma coisa?

-Humpf... Ja. - Respondeu sentando-se à beira da cama.

-Está deixando-me preocupado, Mutter...

-Essa manhã o Eliezer esteve aqui procurando por você.

-Sério?

Fazia dias que não nos víamos, porque depois daquela nossa discussão eu logo

adoeci. Mas aquela notícia trouxe-me a felicidade novamente. Minha vontade era levantar

da cama e correr até a casa dele, pois se ele foi até a minha procurar-me, significava que

estava com saudade, que ainda me amava.

-O que a senhora disse a ele, Mutter?

-Que você estava enfermo.

-Por que não o deixou entrar?

Levantando-se da cama, ela confessou apreensiva:

-Bem... Na verdade, ele entrou.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 93

-Entrou?

-Humpf... Se seu pai descobrir que deixei um judeu entrar em casa, nem sei o que poderá

acontecer...

-Mutter! Ele é meu amigo!

-É judeu, e isso basta para seu pai... Mas tomei cuidado para não ser visto entrando em

casa, e também só o deixei entrar porque Patrick e Oliver não estavam.

-Vocês conversaram, Mutter?

-Não muito... Ele pediu para vir até o quarto...

-E a senhora deixou?

-O que queria que eu fizesse?... Deixei.

-Então ele esteve aqui! E por que não me acordou?

-Eliezer pediu para que eu não lhe acordasse... Hans, pelo amor de Deus, não comente isso

com ninguém.

-Claro que não comentarei.

-Bem, preciso ir ao armazém...

-Vá tranquila.

-Importa-se de ficar um tempo sozinho?

-Claro que não. Ficarei bem.

Tomei meu café da manhã na cama. Esperei que mamãe saísse para ir ao armazém,

vesti uma roupa rapidamente e segui até a casa do Eliezer. Conforme eu caminhava

rapidamente, minha tosse aumentava.

Bati a porta de sua casa, tremendo. Esperei por alguém vim atender, mas nem sinal.

Na terceira tentativa, eis que o Eliezer saiu, exclamando surpreso:

-Hans! O que faz aqui?

-Vim lhe agradecer. - Respondi tossindo.

-Entre antes que alguém nos veja. - Disse puxando-me pelo casaco.

Após fechar a porta, ali mesmo começamos a nos beijar. Com seu corpo sobre o

meu preso à parede, Eliezer beijava-me como se não nos víssemos há anos. Meu coração

batia acelerado, parecendo que iria saltar pela boca.

-Você está febril, Hans! - Comentou Eliezer.

-Deve ser a emoção.

-Você não deveria estar aqui... Ainda está enfermo.

-Por você eu iria a qualquer lugar.

-Você me desculpa, Hans?

-Pelo quê?

-Por ter duvidado de você!

-Esqueça isso.

Continuamos a nos beijar. A sensação de estar com ele era inexplicável. Meu corpo

respondia diferente quando estávamos juntos, resposta do amor que sentíamos um pelo

outro.

Ao voltar para casa, mamãe exclamou curiosa:

-Hans!... Onde estava?

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 94

-Fui agradecer o Eliezer pela visita...

-Você quase me matou de susto! - Disse pálida.

-Desculpe, mas eu precisava fazer isso.

-Não sei o que você tem na cabeça... Volte logo pra cama, você não está em condições de

pegar friagem.

-Ja, Mutter.

-Hans...

-Eu?

-Encontrei um dos filhos do senhor Dirk no armazém...

-Ah é? E como ele está?

-Ele faleceu essa madrugada.

-Gott! Temos que prestar nossa solidariedade a família...

-Vamos aguardar seu pai chegar...

-Ele avisou que horas irá chegar?

-Não.

-Pois então... O que irão pensar de nós?

-Humpf... Está bem, vamos. Só vou vestir um traje mais adequado para a ocasião.

-Ja.

Com os braços dados mamãe e eu seguimos até a casa da família Dirk. Já passava

das duas da tarde quando chegamos. Tocamos a campainha e aguardamos que alguém

viesse nos atender. Não demorou muito e a senhora Dirk abriu a porta.

Portando um lenço a mão, exclamou chorosa:

-Senhora Fischer!...

-Boa tarde, senhora Dirk... Tomei conhecimento essa manhã quanto ao falecimento de seu

esposo.

-Obrigada pela preocupação. Entrem!

-Com licença.

Embora toda a família Dirk estivesse abalada, a morte dele já era esperada devido a

gravidade de sua doença.

No final da tarde voltamos para casa. Trancando a porta mamãe dizia:

-Vou preparar um banho quente para você...

-Enquanto isso vou me deitar um pouco.

Nesse momento papai chegou exclamando:

-Querida!

-Boa tarde!

-Quase boa noite, não?

-Pois é.

Após pendurar seu quepe, caminhou até mamãe e deu-lhe um beijo na testa

questionando:

-Está tudo bem?

-O senhor Dirk faleceu nessa madrugada.

-Céus! Vou encaminhar um cartão de condolências para sua família... Hans! Nem lhe vi

parado aí...

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 95

-O senhor chegou tão eufórico que não veria nem um leão se aproximar...

-É que hoje virá jantar conosco um homem muito influente.

-Outro jantar? - Questionou mamãe aborrecida.

-Meu amor, é necessário para a boa relação... Você jamais entenderá, aliás, mulheres não

nasceram para a política.

-Com licença!

Furiosa ela foi para a cozinha. Com um sorriso na face papai passou por mim em

direção ao seu quarto. Confesso que nem eu nem mamãe gostávamos daqueles jantares

políticos oferecidos por papai, porém, não tínhamos o direito de escolha, apenas aceitar o

que o patriarca da família decidisse.

Um pouco antes do convidado do papai, chegou Patrick, que já sabendo que haveria

uma ocasião especial, tratou de trazer seu amigo Stephan.

-Boa noite, Mutter! Vater!

-Boa noite, filho! Como vai, Stephan?

-Bem, senhor Fischer...

Colocando os talheres sobre a mesa, mamãe questionou:

-Você esqueceu que sua casa ainda é aqui?

-Mas Mutter...

-Depois conversamos sobre isso. Vá lavar as mãos para o jantar.

-Ja.

Pendurando seu chapéu, Stephan disse a papai:

-Senhor Fischer, fiquei muito feliz em poder participar desse jantar com um convidado tão

importante.

-Quem lhe convidou foi o Patrick, certo?

-Ja. Fez mal?

-Não...

Sentando-se ao sofá, papai acendeu seu charuto, e não demorou muito tempo para

que a campainha tocasse.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 96

CAPITULO 14

Ajeitando sua farda, papai foi atender a porta. Acanhada e

aborrecida com os jantares políticos do papai, mamãe espiava da cozinha.

-Oliver!

-Alfred! Pensei que tivesse errado o caminho...

-Jamais! Posso até errar de mulher, mas nunca o caminho da casa de um amigo!

Ambos riram. Adentrando a sala, o amigo do papai estava acompanhado de uma

elegante senhora que se apresentou como Liza Beckhäuser, porém, não sei dizer se era

esposa ou amante.

Ajeitando seu vestido, eis que aparece mamãe exibindo um sorriso amarelo:

-Boa noite! - Exclamou estendendo sua mão.

-Boa noite! Rosenberg... Alfred Rosenberg.

-Gisela Fischer. Encantada!

-Hans! Patrick! - Chamou papai.

Segui até a sala.

-Ja, Vater!

-Esse é meu filho mais novo... Hans.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 97

-Como vai, Hans?

-Bem...

-Parabéns, senhor Fischer, é uma linda criança. - Elogiou Liza.

-E quem é aquele rapaz? - Questionou Rosenberg sobre Stephan.

-É um amigo de Patrick, meu filho mais velho.

-E onde está Patrick?

-Estou aqui! - Respondeu ele saindo de seu quarto.

-Patrick!

-Olá, senhor Rosenberg.

-Seu pai fala muito em você.

-Então o senhor já me conhece?

-Mas é claro... Acredito que quase todos os oficiais do Führer o conhece de tanto que seu

pai fala de ti.

-Que legal, senhor Rosenberg!

Nascido em 1893, Alfred Rosenberg tratava-se de um Político e escritor alemão.

Sendo o principal teórico do nacional-socialismo e conselheiro de Adolf Hitler, chegou a

ser ministro encarregado dos territórios da Europa Ocidental. Em 1941 ele chegaria a marca

dos milhares de civis deportados e exterminados por ele, principalmente judeus.

Após as longas apresentações, seguimos para a mesa.

-Senhor Rosenberg, o senhor conhece o Führer de perto? - Questionou Stephan.

-Mas é claro, somos muito próximos.

-Que legal! Meu sonho é conhecê-lo pessoalmente...

-O Führer é um homem muito ocupado...

-Meninos, deixem o senhor Rosenberg em paz. - Interrompeu mamãe. - Será que você vai

fazer essa pergunta a todo mundo que vier jantar em casa? - Questionou sussurrando.

Rindo, o senhor Rosenberg respondeu:

-Não se preocupe, senhora Fischer... Conhecer e servir ao Führer é o desejo de quase

todos os garotos alemães...

Pegando uma fatia de pão, Patrick comentou:

-Achei demais a reocupação da Renânia... Queria ter participado...

-Não diga tolices, Patrick! - Repreendeu mamãe.

-Por que não se alista, Patrick? Você já tem idade para isso.

Em 1935, a Alemanha começou a desprezar deliberadamente as restrições do

Tratado de Versalhes, e o alistamento foi reintroduzido em 16 de março de 1935. Hitler não

ignorou simplesmente o Tratado. Ele o rasgou. Ao mesmo tempo em que ordenou o

recrutamento nacional em 1935, também ordenou que a juventude alemã pensasse em

aviões e planadores de brinquedo. Isso serviria de estimulo a esses jovens que mais tarde se

tornariam pilotos treinados.

A Lei de Alistamento trouxe o novo nome Wehrmacht, do qual aderiu como

símbolo uma versão estilizada da Cruz de Ferro, anunciando oficialmente sua existência em

15 de outubro de 1935. Estima-se que o número de soldados que serviram à Wehrmacht

durante os dez anos de sua existência seja de aproximadamente 18 milhões.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 98

Ao ouvir os conselhos do senhor Rosenbeg, Patrick e Stephan ficaram empolgados

com a idéia de fazerem parte do corpo militar alemão. Quem não gostou nenhum pouco

disso foi mamãe, que olhava para ele querendo fuzilá-lo.

-Se dependesse de mim acabaríamos com tudo isso. - Resumiu mamãe.

-Mas senhora Fischer... Nós, esposas de militares, temos que estar preparadas para tudo. -

Disse Liza.

-Senhora Beckhäuser... Jamais me conformarei com um destino que eu não escolhi.

-Nosso destino está nas mãos do Führer! - Comentou Stephan.

Sussurrando, mamãe disse a ele:

-Se você não calar essa boca, vai jantar na rua sentado em um banco de neve!

Constrangido, Stephan não abriu a boca durante todo o restante do jantar. A cara

que ele fez era impagável, tive que me segurar para não cair na risada.

No dia 07 de março de 1936, Adolf Hitler anunciou que seu exército reocuparia a Renânia, uma faixa

de terra entre a Alemanha e a França desmilitarizada após a última guerra como precaução contra futuras

agressões alemãs. Com aproximadamente 35.000 homens, suas tropas marcharam rumo ao Oeste. As capitais

do mundo mostraram-se temerosas, porém, nada foi feito para impedi-lo. A Grã-Bretanha estava preocupada

demais com os seus problemas econômicos. Paris até que considerou uma mobilização, mas nada aconteceu, e

na América, onde a prosperidade voltara a crescer, manteve-se indiferente.

Para amenizar as desconfianças de seus aliados, Hitler disse a eles:

"Não se preocupem, isso é apenas simbólico."

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 99

O meu aniversário estava chegando, e claro, queria que todas as pessoas que eu

gostava estivessem presentes. Um dia antes meus avós paternos chegaram em casa, onde

passariam a noite. Para acomodá-los, mamãe cedeu o quarto do Patrick, sendo assim, tive

que concordar com a difícil tarefa de dividir o meu quarto com meu irmão.

Ao chegar em casa e se deparar com o vovô sentado em sua poltrona, papai

exclamou:

-Senhor Peter!

-Oliver! Pensei que não chegaria mais hoje!

Percebi que papai segurou-se para não responder como queria. Vovô também não se

agüentava e adorava provocá-lo.

Carregando uma pilha de pratos, vovó apareceu na sala, dizendo ao colocá-los sobre

a mesa:

-Oliver! Boa noite!

-Boa noite, senhora Julia.

-O jantar está quase servido. Teremos joelho de porco, salsichas...

-Com licença. - Interrompeu papai seguindo para seu quarto.

Caminhando até o vovô, eis que ela comentou:

-Que horror! Você viu isso, Peter?

-Maldita foi à hora que você concordou em casar nossa filha com esse sacripanta!

-Não me culpe... Você também concordou.

-Induzido por você.

-Eu?

Levando uma baixela à mesa, mamãe apareceu na sala interrompendo a discussão:

-Mamãe... Papai... O que houve?

-Esse seu marido, está cada vez pior. - Respondeu vovó.

-Mas por quê, Mutter?

-Vovô! - Exclamou Patrick ao chegar da rua, interrompendo o diálogo.

-Patrick! Meu garoto!

-Como o senhor está?

-Não ando muito bem das pernas, mas ainda estou vivo!

-Isso que importa!

-Patrick... Vá lavar suas mãos que vamos jantar.

-Ja.

-Não vai dar um abraço na sua avó?

-Mas é claro, vovó!

Durante o jantar papai preferiu manter-se calado, até mesmo atendendo a um pedido

da mamãe. Mas também não havia muito do que reclamar, principalmente ao se tratar da

comida, pois o tempero da vovó estava demais.

-Vovô... Conte-nos uma de suas histórias da guerra? - Pediu Patrick.

-Claro... Uma vez eu deixei o acampamento com...

-Agora não, papai. - Interrompeu mamãe. - Vamos deixar para amanhã, tudo bem?

-Mas Mutter...

-Patrick!

-Humpft... Tudo bem.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 100

No outro dia, logo ao acordar fui falar com mamãe. Junto com vovó, preparavam as

comidas da festa que teríamos naquela tarde.

-Bom dia vovó! Bom dia, Mutter!

-Bom dia, Liebe! Feliz aniversário!

-Feliz aniversário, Hans! - Desejou-me vovó entusiasmada.

-Obrigado!... Mutter, posso falar com a senhora?

-Diga, Liebe?

-Gostaria de convidar o Eliezer e sua família para o meu aniversário.

-O quê? Você... Hans... O que é isso agora?

-Ele é meu amigo, Mutter. Gostaria que ele viesse comemorar meu aniversário comigo.

Pegando em minha mão, mamãe levou-me até o quarto onde estava papai, ainda

deitado.

-Oliver... Preciso falar com você. - Falou adentrando ao quarto segurando minha mão.

-Ja?

-Humpf... Hans quer comemorar seu aniversário com seus amigos...

-Isso é bom! Afinal, é uma vez na vida apenas que comemoramos 16 anos...

-Sem dúvidas. Hans quer comemorar ao lado do amigo judeu.

-O quê? Vocês estão loucos?

-Vater! Ele é meu amigo!

-Hans... Você sabe muito bem que...

-Já sei o que o senhor irá dizer, Vater. Mas eu e ele não temos culpa... Eu não pedi para

nascer no Brasil ou aqui, e ele, em ser judeu...

-Humpf... Oliver, hoje é dia de festa, será apenas uma tarde. Por favor, vamos relevar

essas desavenças?

-Gisela! Você sabe muito bem quê...

-Oliver! Por favor?

-Humpf... Está bem. Pode convidar esse judeu para a festinha.

-Obrigado, Vater!

Imediatamente corri até meu quarto, troquei de roupa e fui até a casa do Eliezer.

Ansioso, toquei a campainha. O cheiro de café era possível sentir da rua.

-Bom dia! - Exclamou a senhora Lovitz que veio abrir a porta.

-Senhora Lovitz!... Bom dia! O Eliezer está?

-Está...

-Eu poderia falar com ele?

-Hans, será que você ainda não se deu conta do quanto essa amizade entre vocês os

prejudicam?

-Desculpe, mas por que diz isso?

-Por motivos óbvios!

Nesse momento o Eliezer apareceu no topo da escada, exclamando ao me ver:

-Hans!

-Eli!

-O que faz aqui uma hora dessas?

-Vim lhe convidar para minha festa de aniversário.

-Festa?

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 101

-Ja! Você vem?

-Quando será?

-Hoje a tarde.

-Adoraria!

-Senhora Lovitz, gostaria muito que sua família viesse também.

-Minha família?

-Sim... É um desejo meu, com aprovação dos meus pais.

-Pensaremos a respeito. - Respondeu-me.

Voltei para casa e logo ao chegar fui tomar banho. Todos já estavam acordados,

alias, mal dormimos, pois os roncos do vovô fizeram a casa tremes a noite inteira.

Aos poucos foram chegando meus tios e primos, além dos amigos de meus pais. Já

tia Ingrid parecia bem mais conformada com o Robert estar longe de casa.

-Hans! Parabéns, querido! - Cumprimentou-me Kristin que chegou logo após o almoço.

Entregando-me um embrulho, pediu:

-Aqui está seu presente. Vamos, abra!

Contente, rasguei imediatamente o embrulho para ver o que tinha.

-Uma calça comprida!

-Olha que maravilha! - Exclamou mamãe.

-Danke, senhorita Kristin!

-De nada.

Aquela foi a minha primeira calça comprida. Embora eu tivesse ganhado muitos

outros presentes, aquele havia sido o agrado que eu mais gostei, até a chegada do Eliezer.

A campainha tocou e vovô foi atender.

-Hallo!

-Hallo! Sou Eliezer, amigo do Hans...

-Entre!

Quando avistei o Eliezer adentrando em casa fiquei surpreso, pois eu tinha quase

certeza de que seus pais não permitiriam que ele fosse em uma festa de um garoto ariano

tendo apenas ele de judeu. Mas minha surpresa foi ainda maior quando sua família entrou

logo em seguida.

-Senhor Lovitz! O senhor veio?

-Bem... Eliezer me disse que você também havia me convidado...

-Claro! Estou muito feliz por terem vindo...

Caminhando até a porta com um belo vestido azul, mamãe os recebeu com boas

vindas:

-Boa tarde, senhores!

-Boa tarde, senhora Fischer... Estamos muito agradecidos pelo convite. - Disse a senhora

Lovitz.

-Sejam bem vindos em nossa casa! Sintam-se à vontade.

-Danke.

A mãe do Eliezer manteve-se tímida em um canto. Diferente de seu marido que

juntou-se ao vovô e desenvolveram um assunto regado de muitas risadas e comidas.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 102

Longe de todos, levei o Eliezer para meu quarto, onde podemos nos abraçar e beijar,

mesmo que por pouco tempo.

-Feliz aniversário, amor!

-Danke.

Tirando uma pequena caixinha do bolso, ele entregou-me dizendo:

-Pra você... Meu presente de aniversário!

Ao abrir, um lindo pingente de ouro revelou-se. Dando-lhe um abraço, agradeci.

-É lindo! Danke!

-Você merece.

Guardei o presente dentro da gaveta, dizendo logo em seguida:

-Agora vamos voltar antes que percebam nossa ausência.

-Ja.

Trocamos mais um breve beijo e voltamos para a sala.

-Lá estão eles! - Exclamou vovô ao nos ver.

-Procurava por mim, vovô?

-Estava aqui contando ao Boris que eu tinha um amigo judeu quando lutei na guerra...

Curioso, Eliezer perguntou-me:

-Do que ele está falando?

-Vovô lutou na guerra, não cansa de dizer isso... - Sussurrei.

Claro que no meio deles estava o Patrick, deslumbrado com as histórias do vovô

sobre os combates.

-Então o senhor era amigo de judeu, vovô?

-Claro! Abraham foi um grande amigo... Mas infelizmente faleceu uma semana antes do

fim da guerra... Lamentei muito sua morte, era meu melhor amigo!

Tudo estava indo muito bem, até papai aparecer fardado. Imediatamente todos o

olharam, principalmente os pais do Eliezer, que descobriam naquele momento um novo

inimigo. Chegava ao fim minha festa de aniversário.

-Hans... Seu pai é... Seu pai é um SS?

-Humpf... Ja.

-Por que você nunca me contou?

-Porque não acho que seja tão...

-Chega, não vamos comentar.

Pouco tempo depois o Eliezer e sua família se despediram e deixaram minha casa.

Mamãe não gostou de sua atitude, porém, nada disse em palavras, apenas com o olhar. Já o

vovô não perdeu a oportunidade:

-Você acha que só porque usa essa farda se considera gente? O que você fez foi...

-Cale essa boca, seu velho louco.

-Oliver! Nunca mais fale assim com meu pai!

-Pois então mande seu pai calar essa boca. Ou então, vá falar fora da minha casa.

-Não se preocupe, nós iremos embora agora mesmo. - Disse vovó.

Todos ficaram horrorizados com a atitude do papai, exceto o Patrick, que achou o

máximo aparecer fardado fora de ocasião.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 103

No dia 25 de outubro de 1936, a Alemanha nazista e a Itália fascista assinaram um

acordo de amizade que as isolou no cenário internacional, denominado eixo Berlim-Roma.

Com relação a Alemanha, esse isolamento foi atribuído a culpa pela Primeira Guerra

Mundial, tal como a política agressiva de Adolf Hitler. Porém, a Alemanha nazista ainda

sustentava um prestígio internacional devido aos Jogos Olímpicos de Berlim. Já a Itália,

Mussolini fez com que seu país sucumbisse na tentativa de conquistar a Abissínia, logo

após a invasão do norte da África.

Em seu discurso em visita a Alemanha um ano após o tratado, Mussolini disse:

"A implementação do eixo Berlim-Roma não está voltada contra

outros países. Nós, nazistas e fascistas, desejamos a paz".

O acordo Berlim-Roma tornou-se também uma aliança militar e estratégica entre os

dois países. Enquanto as tropas alemãs foram enviadas para apoiar a política expansionista

de Mussolini nas Bálcãs e no norte da África, regimentos italianos lutaram na frente

oriental alemã.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 104

CAPITULO 15

Proximo de completar dezoito anos, decidi que entraria para a

universidade. Ao comentar com minha mãe sobre minha vontade, a mesma encheu-se de

orgulho e felicidade. Mas esse não era meu único objetivo, pois sentia também a

necessidade de trabalhar.

Em 1938 a situação econômica alemã havia melhorado. O medo da guerra tinha

acabado, mais homens tinham voltado ao trabalho, os negócios estavam prosperando,

vendas crescendo, o desemprego havia diminuído.

-Hans... O almoço já está na mesa. - Chamou mamãe.

-Só estamos nós dois?

-Ja... Cada dia que passa, essa casa torna-se mais vazia...

-Humpf... Papai não disse se viria?

-Não... Seu pai viajou ontem à noite.

-Viajou?

-Ja.

-Sem se despedir de mim?

-Pelo que sei, foi um pedido de última hora. Você já estava dormindo...

-Mutter... Eu gostaria de poder trabalhar...

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 105

-Que bom, meu filho!

-Fiquei sabendo que o armazém está precisando de um rapaz para atender os clientes.

Pensei em passar lá hoje à tarde...

-Torcerei para que dê tudo certo.

-Danke! Mutter...

-Hum?

-O que o Vater realmente faz?

-Ele é um oficial da SS.

-Mas o que a SS faz?

-Bem, seu pai contou-me que um oficial SS tem o dever de manter a ordem, proteger a

nação alemã de influências más...

-E... A senhora acha que seja realmente isso? Ou apenas isso?

-Hans... Às vezes prefiro ficar sem saber, e ainda ter a esperança de que seu pai exerce

realmente um bem para todos nós.

Ao ingressarem nas repartições militares do Führer, todos eram obrigados a fazerem

juramentos, tal como a fidelidade incondicional a Adolf Hitler. Com isso, ficavam

rigidamente proibidos de contar o que realmente acontecia longe dos olhos da população,

até mesmo para seus familiares mais próximos, podendo ser severamente punido caso

informações consideradas sigilosas fossem reveladas.

No início da tarde segui até o armazém, oferecendo-me para a vaga. Ao chegar fui

recebido pelo velho senhor que sempre nos recebia quando íamos mamãe e eu.

-Menino Hans!

-Hallo, senhor Manfred!

-Já sei... Veio buscar beterrabas para sua mãe!?

-Haha... Não! Eu vim me oferecer para essa vaga de atendimento que o senhor anunciou...

-Você?

-Ja!

-Mas que felicidade seria tê-lo trabalhando comigo!

-Bem... Seria meu primeiro emprego...

-Quando você pode começar?

-Amanhã?

-Está ótimo!

Depois de acertarmos o horário e ordenado, seguia para casa feliz da vida. Enquanto

caminhava pela rua observei um amontoado de pessoas carregando papéis as mãos.

Aguardei o bonde passar para que eu pudesse atravessar, quando avistei a senhora Lovitz

caminhando pelo outro lado da rua aparentemente apressada.

Atravessei correndo entre os carros e fui até ela.

-Senhora Lovitz!

-Hans! - Exclamou surpresa.

-Está tudo bem?

-Bem?... Não sei mais o que é viver bem na Alemanha.

-O que aconteceu? - Perguntei preocupado.

-Minha família e a de outros judeus desse país, estamos sendo obrigados a cadastrar

nossos bens e propriedades.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 106

-Bem... Acredito que seja para a segurança de todos, não?

-De todos quem? Só se for dos alemães. Preciso ir, já estão nos olhando estranho.

-Tudo bem. Até logo.

-Tenha um bom dia.

Em 26 de abril de 1938 foi feito um cadastro com os bens e as propriedades de

todos os judeus na Alemanha. O que ainda não sabíamos, era que o pior ainda estava por

vir.

Diante daquele alvoroço, corri até a casa do Eliezer.

-Hans! - Exclamou surpreso ao me ver.

-Como vai?

-Não muito bem... Entre!

Após fechar a porta, subimos até seu quarto. Em sua casa não havia ninguém.

Aproveitando que estávamos sozinhos, nos beijamos por um bom tempo, gozando de cada

segundo juntos, pois publicamente não podíamos ser vistos.

-Eli...

-Ja?

-Você disse que não estava muito bem... O que está acontecendo?

-Toda essa perseguição contra nós judeus, estão nos fazendo muito mal...

-Isso não irá durar por muito tempo.

-Venho ouvindo isso há anos, e as coisas só têm piorado.

-Queria poder te ajudar...

-Você pode me ajudar.

-Ah é? Como?

-Dando-me um abraço!

-Quantos você quiser...

Excitados, pouco a pouco nossas roupas iam se perdendo pelo assoalho do quarto,

até nos encontrarmos totalmente nus sobre os lençóis brancos e perfumados de sua cama.

Fizemos amor gostoso, com vontade. Nossas línguas não deixaram de explorar um só

centímetro da epiderme. Suas unhas cravadas em minhas costas eram o termômetro da

tesão. Nos entregamos por completo, sem preconceito, por amor.

Deitado a cama eu olhava enquanto o Eliezer se vestia. Após coloca sua ceroula,

pegou sua camisa sobre a cadeira e vestiu-a questionando-me:

-O que foi?

-Nada... Não posso te olhar?

-Pode, mas você olha de uma forma que me deixa com medo.

Entre gargalhadas, comentei:

-Não é isso... É que seu pênis é... Digamos, diferente do meu...

-Eu sei, sou circuncisado!

-O que é isso?

-Coisas da minha religião...

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 107

A circuncisão trata-se de uma cirurgia que consiste na remoção do prepúcio, prega

cutânea que recobre a glande do pênis. Na cultura judaica o ritual recebe o nome de Brit

Milá, sendo o prepúcio considerado um obstáculo à santidade, um bloqueio ao crescimento

e entendimento espiritual. Sua remoção é um procedimento religioso e não médico, um

sinal de Pacto Divino com Avraham¹ para tornar seus descendentes uma grande nação e

lhes dar a Terra de Israel.

-Mas Eli... Todo judeu tem que ir ao médico fazer circuncisão?

-Não. Isso não é feito por um médico, mas sim por um Mohel² competente e temente ao

criador...

-Entendi...

Após calçar seu sapato o Eliezer caminhou até mim, deu-me um beijo na testar e

comentou após um profundo suspiro enquanto acariciava minha face:

-Humpft... O que você está fazendo comigo!...

-Você acha que...

-Eu acho que estou te amando loucamente!

Ouvir aquelas doces palavras encheram meu peito de alegria.

-Eli...

-Hum?

-Gostaria de passar a noite com você.

-Seria muito bom, mas minha mãe jamais permitirá que você durma aqui...

-Eu sei. Mas você pode dormir em minha casa.

-Com seu pai lá? Jamais...

-Ele não vai estar. Teve um compromisso e precisou se ausentar.

-Mas tem seu irmão.

-O Patrick provavelmente dormirá na casa de Stephan. Além do mais, não dividimos o

mesmo quarto.

-Meus pais não permitirão, Hans.

-Eles não precisam saber, Eli.

-Está bem... Darei um jeito de ir te encontrar.

-Bem, agora eu preciso ir, antes que seus pais cheguem.

-Ja.

Enquanto eu descia as escadas, ele chamou-me com um leve sorriso no canto da

boca dizendo:

-Hans... Eu te amo!

1. Avraham: Abrão.

2. Mohel: Especialista testado e atestado profissionalmente.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 108

Voltei pra casa pisando em nuvens. Acabava de conseguir um emprego, e tinha a

certeza de que meu amor era recíproco.

Cruzei o portão do edifício onde eu morava ansioso para contar a novidade para

mamãe.

-Hans! - Exclamou papai ao me ver.

-Vater... Não tinha ido viajar?

-Ja... Mas já voltei... Antes do esperado.

-Chegou, filho? - Perguntou mamãe com um sorriso na face.

-Ja!

-E como foi?

-Foi?

-Sim, não disse que ia até o armazém falar com o...

-Ah sim! Começo amanhã a tarde.

Sentando-se ao sofá, papai questionou:

-Começa? Mas começa o quê?

-Começarei a trabalhar no armazém atendendo os clientes.

-Mas que bom, meu filho! - Comemorou mamãe feliz da vida.

-Vocês só podem estar de brincadeira...

-Por quê, Vater?

-Jamais vou aprovar um filho meu trabalhando em um armazém.

-Mas Oliver, não é qualquer armazém, é o comércio do senhor Manfred!

-Eu quero que se dane esse velho tonto. O que a Alemanha irá dizer vendo o filho de um

oficial SS trabalhando em uma quitanda?... Você só me envergonha, Hans... - Falou

acendendo seu charuto.

Chateado, corri para meu quarto e comecei a chorar. Desde que papai entrou para as

SS, sua família e suas necessidades ficaram para segundo plano, conseqüência de um

fanatismo sem igual.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 109

CAPITULO 16

Devido a inesperada chegada de papai, a possibilidade do Eliezer

passar a noite em casa teve que ser desconsiderada.

Após o jantar decidi recolher-me. Vesti meu pijama e deitei tentando pegar no sono.

Rolei de um lado para o outro, mas nada de adormecer. Ao levantar para pegar um livro,

reparei uma certa movimentação na casa. Lentamente abri a porta para espiar através da

pequena fresta. Papai ria e conversava com alguém fardado, porém, não consegui ver quem.

Olhei ao relógio e já passava das dez da noite. Curioso, caminhei até a sala,

esquivando-me pelos cantos para não ser notado. Aquela reunião, regada de muita bebida e

charutos, não reservava-se apenas a um convidado, mas sim vários, todos fardados. No

rádio uma canção para alegrar o clima.

-Foi-se o tempo, Oliver... Hoje, graças ao Führer, a Alemanha está protegida! - Disse um

homem elevando sua taça de vinho, segurando um charuto com a mão esquerda.

Tragando seu charuto, eis que outro fardado completa:

-Nossa artilharia é de primeira, produzidas com as mais novas tecnologias!

Em 1938, Adolf Hitler já possuía uma força aérea de 1500 caças excelentes,

incluindo os de mergulho, tanques Panzer e carros para otimizar sua divisão motorizada,

além de 35 milhões de soldados altamente treinados em suas forças militares. Todo esse

rearmamento, conforme o Tratado de Versailles era estritamente ilegal, construídos ao

longo dos anos no mais absoluto sigilo.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 110

Servindo-se de mais vinho, papai comentou:

-Os geopolíticos estavam certos, precisamos explorar tudo e transformar a Alemanha no

centro do mundo!

-Concordo!

-Concordo!

Na cidade de Munique havia um instituto dedicado à Geopolítica, uma ciência

pouco conhecida, parcialmente definida como controle militar de espaço. Para um

geopolítico, o que compõe o mundo não são homens, mulheres, crianças, mas sim apenas

dois elementos: trabalho e matéria-prima. Em seus mapas, o planeta Terra era dividido em

água e terra, sendo que a água compunha ¾ da superfície terrestre, e o restante, equivalente

a ¼ de terra, era onde concentrava-se toda a riqueza do mundo, ou seja, os recursos naturais

e o potencial humano. Sendo assim, ao obter o controle da terra, terá o controle do mundo,

teoria essa que Hitler aderiu.

"Diga ao mundo que não temos matéria-prima e nunca deixe que vejam o que

acontece. Dia após dia, noite após noite, mês após mês, ano após ano temos que ter a clava

mais poderosa do mundo. Esqueçam-se das horas, esqueçam-se das condições de trabalho,

esqueçam como dormir. Forjem a clava com sangue e ferro e deixe a democracia falar da

liberdade. Aqui não há liberdade. Não há sindicatos de trabalho. Só o exagero. O Führer

lhes diz onde trabalhar, quando trabalhar, quanto tempo trabalhar, quanto vale o seu

trabalho. Forjem a clava de sangue e ferro. Nós temos uma missão sagrada. Hoje

dominamos a Alemanha, amanhã o mundo".

Notei que mamãe não estava com eles. Caminhei até seu quarto. Bati a porta.

-Entre! - Disse ela.

-Com licença...

Ao me ver entrar, tentou disfarçar suas lágrimas, porém, não pude deixar de notar.

-Mutter... Está tudo bem?

-Cla... Claro!

Sentei-me à cama perguntando:

-Quem são esses, Mutter?

-Oficiais amigos de seu pai.

-Vieram para mais um jantar?

-Não! Mas chegaram logo depois...

-A senhora não ficou lá por quê?

-Acredito que não há nada que me interesse, afinal, política e mulher não combinam, já diz

seu pai.

-Eu acho tudo isso tão chato...

Esboçando um leve sorriso, desabafa com alívio:

-Que bom, Liebe!...

-Vejo que a senhora está preocupada...

-A preocupação faz parte da vida de toda mulher!

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 111

-Mutter, vou voltar para meu quarto.

-Durma bem, filho. - Desejou-me com um beijo na testa.

Deixei seu quarto, e enquanto encostava a porta, arrepiei-me com aquelas altas

gargalhadas.

Ao dar meia volta, ouvi meu nome ser pronunciado:

-Hans! Ainda está acordado? - Questionou papai levantando-se de sua poltrona.

-É...

-Esse é meu filho Hans... Meu caçula!

Um dos fardados levantou-se e comentou exibindo seus horríveis dentes amarelados:

-Então quer dizer que esse será o futuro de nossa Alemanha?

-Eu?

-Claro, filho!

-Tem que ser como seu pai, contribuindo pela preservação da raça ariana! Expulsando

judeus!

-Não pretendo maltratar judeus... Eu gosto de judeus!

Sem graça, papai esboçou um leve sorriso justificando:

-Ele está com sono... Vá dormir, filho...

-Boa noite!

-Boa noite!

Voltei para meu quarto, porém, deixei a porta entreaberta para ouvir um pouco mais

daquela conversa deprimente.

-Quando a Inglaterra e a França souberem o que os espera...

-Só eles? O mundo! - Reafirmou papai

Todos riram. No outro dia levantei-me para tomar café da manhã. Papai já estava

sentado à mesa, aparentemente zangado. Mamãe colocava o jarro de suco quando puxei

minha cadeira, e fuzilando-me com o olhar, eis que ele questiona:

-Você quer acabar com a minha vida?

-Por que, Vater?

-Onde você está com a cabeça em dizer que gosta de judeus?

-Mas Vater, não tenho motivos para desgostar de judeus!

-Tem! - Gritando batendo a mesa. - Eles são a pior das espécies...

-Oliver, por favor... Ele tem o direito de gostar de quem quiser!

-Não se intrometa, Gisela!... Qualquer alemão que se preze, tem por obrigação preservar

suas raízes!

-Preservarei minhas raízes expulsando judeus de suas casas?

-Chega dessa conversa! - Interferiu mamãe. - Será que não teremos um dia de paz nessa

casa?

Todos nos calamos. Após terminar de tomar seu café, papai pegou seu quepe e abriu

a porta dizendo:

-Tenham um bom dia...

Mamãe respirou fundo, e como um desabafo, pediu:

-Hans... Pelo amor de Deus, não fale mais de judeus na presença de seu pai.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 112

-Mas Mutter... Eu não tenho culpa da...

-NÓS não temos, Hans... Mas por favor, por mim... Evite citar os judeus... Promete?

-Humpf... Vou tentar.

-Danke!

Após o almoço segui até o armazém do senhor Manfred, afinal, ele merecia uma

satisfação, já que eu não iria mais trabalhar em seu comércio.

-Menino Hans! Boa tarde!

-Boa tarde, senhor Manfred!

-Perdeu o horário para o trabalho?

-Humpf... Não... Desculpe, senhor Manfred, mas infelizmente não poderei trabalhar em seu

armazém.

-Mas por quê?

-Bem... Um problema familiar me impede...

-Não me diga que o senhor Fischer adoeceu?

-Ah não!...

-Mas então o que houve?

Antes que eu respondesse, um freguês entrou na quitanda comentando:

-É hoje! É hoje! Senhor Manfred!

-Hallo, Rudolf! O que houve?

-A Alemanha invadiu a Áustria!

-Gott! - Gelei.

Confiante de que estavam prontos para conquistar o mundo, Hitler começara a

colocar em prática seus planos, de acordo com as orientações geopolíticas, explorando a

Europa Oriental. Obviamente, a primeira vítima teria que ser a mais frágil, a Áustria.

No dia 11 de março de 1938, eis que o Führer faz sua primeira manobra através de

fronteiras alemãs tradicionais. Sem aviso, seu exército invade a Áustria e em dois dias o

Chanceler austríaco proclama a unificação dos dois países, sem exitar. Ao ressuscitar a

marinha alemã, eis que a Grã-Bretanha se vê ameaçada com suas costas expostas, o que a

faz assinar o Pacto de Munique.

Tal conquista era estratégica, pois Adolf Hitler não poderia se indispor perante o

mundo. Apesar do Führer ter prometido ao mundo antes que o Reich não tinha intenção de

coagir o Estado, o nome da Áustria foi retirado do mapa no mesmo dia.

Assim que tomei conhecimento da novidade, voltei para casa apreensivo.

-Mutter... Mutter!... - Chamei ao entrar em casa.

-O que houve?

-Mutter... Eu ouvi dizer que o Führer invadiu a Áustria!

-Gott!... Será que seu pai já sabe disso?

-Mutter! Óbvio que sim! Provavelmente ele já sabia antes de nós.

Sentando-se ao sofá, abismada, mamãe parecia não acreditar no que estava

acontecendo.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 113

Entrando em casa, Patrick fecha a porta questionando:

-Já estão sabendo da novidade?

-Qual? - Perguntei.

-Dominamos a Áustria!

-Você já sabia que isso iria acontecer, Patrick? - Perguntou mamãe.

-Por que essa pergunta, Mutter?

-Responda! - Gritou.

-Bem... Fiquei sabendo pouco antes de acontecer... O Vater contou-me hoje pela manhã.

-Como, se você estava na casa do Stephan?

-Eu o encontrei na barbearia...

Levantando-se do sofá, mamãe seguiu para a cozinha furiosa, enquanto Patrick

correu para seu quarto cantando suas adorações ao Führer.

No início da noite fui encontrar com o Eliezer. Longe de nossas casas, às vezes nos

encontrávamos em becos escuros, com pouco trânsito de pessoas, afinal, um judeu não

poderia manter contato com um alemão por determinação do governo.

-Hans... Hoje eu vi uma cena muito triste.

-O que você viu?

-Uma senhora foi expulsa da porta do teatro...

-Estava pedindo esmolas?

-Nein!

-Então... Por quê?

-Porque era judia.

-Humpf...Queria tanto poder voltar a viver no Brasil...

-Você fala tanto desse lugar que até eu toparia me mudar pra lá, mesmo sem antes

conhecer.

-É o melhor lugar do mundo!... Sabe que... Hoje à tarde eu tomei conhecimento de uma

notícia desagradável.

-Notícia desagradável?

-Ja... A Alemanha invadiu a Áustria!

-Invadiu?

-Sim...

-Como assim?

-Apropriou-se do território austríaco. Agora, a Áustria faz parte da Alemanha!

-Adonai! Mas... Por que a Áustria?

-Talvez seja porque é o país do Führer...

A importância da Áustria para Hitler resumia-se a sua localização estratégica, pois

ela o colocava no flanco sul da Tchecoslováquia, sendo a chave para o controle da Europa

Oriental. Diferente da Áustria, a Tchecoslováquia era resistente, possuía um bom exército

bem equipado e a Skoda, uma das melhores fábricas de munições do mundo, propriedade

almejada por Adolf Hitler. Além de possuir um presidente incorruptível, a Tchecoslováquia

mantinha uma aliança militar com a França, que por sua vez possuía uma aliança com a

Grã-Bretanha.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 114

Hitler precisava agir com cautela, encontrar desculpas para adentrar na

Tchecoslováquia pouco a pouco. Para isso, concentrou sua atenção em Sudentenland, um

pedaço da Tchecoslováquia com a Alemanha. Aproveitando-se de que naquela região

habitava um povo de origem alemã, Hitler espalhou sua teoria favorita dizendo que pessoa

de sangue alemão, independente de onde viesse, pertencia ao Reich Nazista.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 115

CAPITULO 17

Alguns meses se passaram. Enquanto preparava-me para a universidade,

Patrick não via a hora de entrar para as forças militares nazistas, juntamente com seu amigo

Stephan, cujo já estava com praticamente um pé dentro.

Na cozinha mamãe cortava cebolas enquanto ouvia rádio.

-Mutter... - Disse colocando a garrafa de leite sobre a mesa. - Cada dia que passa, estamos

passando mais tempo sozinhos nessa casa...

-Ja...

-Até quando isso, Mutter? Quando teremos nossa família de volta?

-Essa pergunta eu me faço todos os dias, Liebe... Conforme o tempo passa, mais aperta-me

o coração em saber que não jantamos mais com todos a mesa, que seu pai e seu irmão

preferem a farda do que a família...

Toquei em sua mão dizendo:

-Tenho certeza que esse regime nazista sucumbirá em breve.

-Não tenho tanta certeza assim.

-Por que esse pessimismo todo?

-Basta ler os jornais, Hans! Cada dia que passa, o Führer ganha mais popularidade,

conquista territórios e ninguém faz nada!

-Humpf... É algo que eu também não consigo compreender...

-Imagine quantas famílias estão sendo desestruturadas?

-Temo só em pensar no que pode vir pela frente.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 116

Nesse momento a programação do rádio foi interrompida pelo locutor que dizia:

“A paz mundial está selada! Alemanha, França e Grã-Bretanha

assinaram um acordo de paz...”

Exibindo um entusiasmado sorriso, comentei com mamãe:

-Viu? As coisas começam a mudar, Mutter!

Melancólica, ela levantou-se da cadeira e seguiu para a sala, descrente de que uma

real mudança pudesse acontecer. De fato, ela tinha razão.

Poucos dias antes Adolf Hitler havia exigido a Sudetenland para o presidente tcheco

Eduard Benes, porém, o mesmo não concordou com tal absurdo e pediu ajuda a Inglaterra,

em especial ao primeiro ministro britânico Neville Chamberlain. Tentando apaziguar a

situação, Chamberlain voou até Munique para discutir a crise tcheca. Presentes na

discussão estavam o primeiro ministro francês Eduard Daladier, o italiano Duce Benito

Mussolini, além de Chamberlain e Hitler. O principal reclamante, Benes, não estava

presente, nem qualquer outro representante tcheco.

Para evitar um banho de sangue, os ministros da Inglaterra e França aceitaram a

proposta alemã de ocupar a Sudetenland. Já passava das 01h da manhã do dia 30 de

setembro quando os quatro líderes assinaram o acordo de Munique, permitindo então que o

exército alemão ocupasse a Sudetenland começando no dia 01 de outubro. Mais uma vez,

Hitler conseguiu tudo o que queria sem dar um único tiro.

Em Londres, Chamberlain declara ao povo logo ao desembarcar de sua viagem de

volta:

"Essa manhã tive outra conversa com o chanceler alemão, o Herr Hitler. E eis o papel que

traz o nome dele como também o meu. Em relação ao acordo assinado ontem à noite e o

acordo naval anglo-alemão é simbólico do desejo dos nossos dois povos de nunca mais

entrar em guerra um com o outro."

"O acordo sobre o problema tcheco que fizemos agora é no meu ponto de vista, apenas o

prelúdio de um acordo maior em que toda a Europa encontrará paz."

"Paz na nossa época" Chamberlain

Tal acordo assinado pelos três países, denominado Tratado de Munique, de longe

trouxe a paz. Foram mais de três milhões de soldados mandados à frente da Alemanha para

tomar Sudentenland. Como se não bastasse, os nazistas tornaram a Tchecoslováquia

indefesa, pois a região tomada por Hitler encontrava-se as defesas naturais, com cadeias

montanhosas e uma linha de fortes. Sem aquelas fortificações, a Tchecoslováquia estava

desarmada.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 117

“Não tenho mais nenhum interesse pelo estado Tchecoslovaco.

Isso é certo. Não queremos os tchecos”. Adolf Hitler - 26 de setembro de

1938

Já passava das nove da noite quando papai chegou em casa. De aparência cansada,

resumiu-se apenas em um breve “Boa noite!”. Com o olhar triste, mamãe olhou para mim

dizendo:

-Termine seu jantar...

Em silêncio, ela terminava sua sopa de legumes, tremendo. O pêndulo do cuco e o

som dos talheres tocando a louça eram a única referência sonora até então.

Jantarmos sozinhos, assim como almoçar passou a ser quase que uma rotina em

nossa família, e nos raros momentos em que todos estavam presentes, era porque papai

convidara algum membro do governo para manutenção das boas relações políticas.

Após escovar os dentes, vesti meu pijama e repousei-me em meu quarto. Pouco

tempo depois ouvi algo bater em minha janela. Levantei rapidamente, calcei o chinelo e

abri a vidraça levemente. Do outro lado da rua estava o Eliezer, conforme desconfiei,

aguardando por mim. Esperei que o bonde passasse para que ele me visse. Fiz sinal para

que ele esperasse e fechei a janela. Troquei de roupa rapidamente, aproveitando que a casa

estava em silêncio.

Abri a porta do quarto lentamente, pois não queria ser visto por ninguém.

Caminhando na ponta dos pés, segui até a sala. Trancados em seu quarto, papai e mamãe

discutiam, porém, o motivo da discussão eu não consegui identificar.

Desci as escadas do prédio rapidamente, e antes de expor-me à rua, olhei de um lado

para o outro para ter certeza de que a guarda ou qualquer conhecido de minha família não

estivesse por perto.

-Hans!... Pensei que não viria mais!

-Desculpe, mas tive que sair sem despertar desconfianças...

-Entendo. Vamos sair daqui, pode ser perigoso!

-Ja.

Seguimos até a loja de seu pai. Demos a volta no quarteirão e entramos pela porta

dos fundos, sempre atentos para não sermos surpreendidos.

Para os tchecos, a Sudetenland era importante por duas relevantes razões:

1- por ser uma região montanhosa, serviam como defesa natural contra agressões alemã, além de haver ali

muitas construções de fortificação.

2- caso Sudetenland fosse ocupada pela Alemanha, toda a Tchecoslováquia estaria vulnerável a ataques

nazistas.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 118

Tirando seu cachecol, disse ele com a respiração ofegante:

-Aqui ninguém irá nos interromper!

Nos abraçamos.

-A gente tem se visto tão pouco... - Desabafei.

-Isso é alheio a nossa vontade, você sabe disso! Por mim eu lhe encontraria todos os dias.

-Ja, eu sei!

Levando minha mão em seu peito, ele comentou:

-Olha como estou por você estar aqui?

-Uau! Bem emocionado...

-Você não viu nada ainda. - Completou descendo minha mão até seu pênis ereto.

Puxei-o para mais junto de mim e iniciamos um beijo. Tirei meu casaco na volúpia

daquela euforia. Com ambos apenas de ceroulas, esfregávamos nossas peles uma na outra.

Seu membro rígido como rocha dava seus sinais ao roçar em minhas pernas. Ainda em pé,

apoiávamos nas prateleiras de tecidos do depósito, enquanto nossas bocas encarregavam-se

da brincadeira. A cada transa descobríamos algo diferente, uma troca mágica de prazer e

amor.

Nossas ceroulas já estavam molhadas, tamanha excitação. Enquanto o Eliezer

chupava meu pescoço, puxava meu cabelo como rédias de um cavalo. Minhas costas

estavam marcadas, o perfeito desenho do contorno de seus dedos.

-Eu te amo! - Repetia ele ao mesmo tempo em que me chupava.

-Também te amo muito!

Já de corpos nus, deitamos sobre uma enorme mesa, a mesma mesa onde seu pai

cortava seus tecidos. Que loucura! Enquanto ele me segurava com força, fazíamos os

movimentos pélvicos com intensidade. Quando percebi, já estávamos um dentro do outro,

entregando nossos corpos ao mais puro desejo de ser apenas um.

Entre nós não existia vergonha nem pudores, apenas vontades. O frio que fazia lá

fora nem de longe ousava entrar naquele estoque, onde o fogo imperava. Suados,

deslizávamos com facilidade um no outro, instigando ainda mais nossa libido.

Gozamos juntos, gostoso. Ainda permanecemos um bom tempo abraçados,

encaixados, nos beijando.

-Nossa!... To acabado! - Disse o Eliezer levantando-se da mesa.

-Você foi a melhor coisa que já me aconteceu na vida!

Beijando minha testa, ele respondeu:

-Enquanto seu amor por mim for verdadeiro, estaremos unidos por laços eternos...

Nos abraçamos.

-Já é hora de ir, Eli...

-Sim... Vamos nos vestir.

Vestimos nossas roupas. Deixei a loja de seu pai pela mesma porta que entramos,

porém, dessa vez sozinho, pois poderia ser muito arriscado o Eliezer dar a volta àquela hora

pela rua.

Em pouco tempo cheguei em casa. Cuidadosamente abri a porta, girando a chave

bem devagar. Ao tirá-la da fechadura, dei o primeiro passo em direção ao quarto quando a

luz da sala acendeu. Que susto! Sentado ao sofá estava papai, aparentemente furioso.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 119

-Posso saber onde você estava?

-Eu... Eu...

-Não minta! - Gritou.

-Eu fui dar uma volta...

-Na companhia de judeus?

-Não entendi?

Soltando fogo pelos olhos, papai foi até mim, pegou-me pela gola da camisa e

jogou-me ao sofá dizendo:

-Você acha que engana quem?

Encostado ao batente da cozinha, Patrick falou:

-Não adianta, Hans... O Vater já sabe que você estava com o judeu... Eu vi vocês dois

saírem correndo pela rua.

Minha vontade naquele momento era de enforcá-lo, porém, eu estava acuado. Sem

que eu esperasse, levei um tapa na cara. Nesse momento mamãe apareceu na sala, vestida

com seu pijama, questionando:

-Mas o que houve? O que fazem acordados?

-O que houve? SEU FILHO está saindo na calada da noite pra encontrar judeus.

-Gott!

-Se ele está pensando que envergonhará a honra da nossa família, está muito enganado.

Apertando meu rosto, ele dizia furioso:

-Antes que você acabe comigo, eu acabo com você, entendeu?

-Deixe ele, Oliver... - Disse mamãe afastando-me do papai. - Vá para seu quarto, Hans.

-Ele tinha que levar uma bela surra pra aprender. - Sugeriu Patrick.

Corri para o meu quarto, morrendo de medo. Aquelas alturas, confesso que pensei

que iria morrer, e no estado que papai se encontrava, seria capaz de me matar sem exitar.

Preocupada, mamãe entrou em meu quarto.

-Hans... Onde você está com a cabeça? - Questionou fechando a porta.

-Mutter... Foi tudo culpa do Patrick! Ele quem fez intriga...

-Você sabe do ódio do seu pai pelos judeus... Eu te avisei que sua amizade com esse

garoto...

-Pelo amor de Deus, Mutter! Eu não tenho culpa desse ódio pelos judeus! Eliezer e eu

somos amigos, não podem nos impedir de nos relacionar porque uma cultura ou religião

diferem...

-Por favor, Hans... Fique um tempo sem ver esse rapaz?

-Mas Mutter...

-Por favor, Hans? Até essa poeira baixar...

-Humpf... Vou tentar.

-Danke! - Deu-me um beijo na testa.

Em seguida, abriu a porta e deixou meu quarto, e foi nesse momento que ouvi papai

dizendo:

-Eles não sabem o que os aguarda...

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 120

Claro que ele estava falando dos judeus, porém, seu comentário não resumia-se em

uma praga, mas sim nos acontecimentos que viria a seguir.

Mesmo levando uma surra do papai por ter ido encontrar o judeu, sentir seu cheiro

ainda exalando em minha pele recompensava-me por tudo que passei, e se tivesse que fazer

novamente, faria sem pensar.

Em 1 de agosto de 1938 foi criado o Departamento de Emigração Judaica para forçar os judeus a

saírem da Alemanha e da Áustria.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 121

CAPITULO 18

Conforme o tempo foi passando, o assunto “Eliezer” foi sendo

esquecido. Nossos encontros passaram a ser raros e rápidos, de preferência em locais bem

afastados de nossas residências.

Já havia escurecido quando o Eliezer chegou no parque.

-Desculpe pela demora, Hans...

-Tudo bem, por você eu espero o tempo necessário!

Nos abraçamos. Faziam mais de quinze dias que não nos tocávamos, apenas

trocávamos olhares à distância.

-Seu pai continua te vigiando? - Perguntou o Eliezer acariciando minha face.

-Humpf... Felizmente acalmou. Enquanto ele achar que nossa relação cessou, não irá

importunar.

-Eu não agüento mais essa vida, Hans... Ter que lhe encontrar às escondidas, como se

fosse um criminoso!

-Daremos um jeito de mudar isso...

-O que pretende fazer? Convencer seu pai a pedir ao Führer que tenha compaixão dos

judeus?

-Deixe meu pai fora disso, por favor!

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 122

Chorando, ele dizia:

-Meu pai mal consegue trabalhar, Hans... Minha família está passando necessidade

financeira, humilhação... Eu e minha irmã não podemos ir à escola, ao hospital, sentar-me

ao banco do parque...

-E se nós fugíssemos?

-Fugir?

-Ja!

-Para onde?

-Para o Brasil! Eu vou falar com o senhor Lovitz e...

-Esqueça isso, Hans... Papai jamais aceitaria deixar a Europa fugido com sua família.

-E você? Aceitaria?

-Não posso deixar minha família assim, Liebe!

Até então eu não havia reparado em seu casaco, onde uma estrela amarela exibia a

palavra Jude¹. Pensei que fosse algo a ver com sua religião, mas antes mesmo que eu

perguntasse o próprio Eliezer comentou:

-Estamos sendo marcados como gado!... Obrigados a usar essa estrela de David sem

direito a reivindicar...

-Mas... Pra que essa estrela?

-Para separar os Judeus dos alemães!

No dia 26 de setembro de 1938 tornou-se obrigatória a utilização da estrela de

David por todos os judeus. Consistia em uma estrela de seis pontas, de pano amarelo com

contorno em preto, tendo o tamanho da palma da mão, escrito no centro da figura: Jude.

Deveria ser exibida ao lado esquerdo do peito, sobre a roupa, visível aos olhos de

todos. Aqueles que desobedecessem o decreto seriam punidos severamente.

-Já está ficando tarde, Hans... Preciso voltar pra casa.

-Está bem. Dê-me um abraço antes?

-Nem precisa pedir... Humpf... Se eu pudesse, passaria a noite inteira com você.

-Mas a gente pode!

-Mas como?

-Na minha casa. - Sugeri.

-Você só pode estar ficando louco...

-Por quê?

1. Jude: Judeu em alemão. Pronúncia-se iúden

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 123

-Hans... Seu pai já lhe bateu por você andar comigo! Imagine se ele me encontrar na sua

casa? Pode querer me matar!

-Depende... Se ele não estiver em casa...

-Mas... E sua mãe? O Patrick?

-Daremos um jeito de você entrar em casa sem que ela veja, e quanto ao Patrick, quase

nem dorme em casa.

-Não sei... Parece-me muito arriscado.

-Você confia em mim?

-Já.

-Não se preocupe, tudo dará certo.

-Humpf... Tudo bem, agora eu vou indo. - Disse o Eliezer abraçando-me.

Em seguida ele se foi, discretamente. Aguardei por cerca de quinze minutos antes de

deixar o parque e ir para casa.

-Hans? Onde você estava? - Perguntou-me mamãe preocupada.

-Mutter!?... Bem... Fui dar uma volta...

-Estava te esperando para jantar.

-Não me diga que papai...

-Chegou cansado e foi dormir.

-Vou lavar as mãos para jantarmos então.

Sentados à mesa, permanecemos calados por algum tempo, até que mamãe deu a

primeira palavra:

-Seu irmão... Humpf... Seu irmão alistou-se para a Gestapo.

-Até que essa novidade demorou a acontecer... O Patrick sempre quis servir ao Führer.

-Eu não posso acreditar que você está conformado com essa notícia...

-E o que a senhora quer que eu faça? Ele nunca escondeu de ninguém seu interesse pelo

militarismo nacional.

-Humpf... Amanhã seu pai não dormirá em casa, devido a compromissos com a SS.

-Outra rotina! Provavelmente hoje também não virá...

-Ele já chegou, está dormindo.

-Menos mal.

Tocando em minha mão, mamãe pediu:

-Não me decepcione, Hans...

-Não se preocupe, Mutter!

A notícia de que papai não passaria a noite em casa veio a calhar. Aproveitando da

situação, levei o Eliezer para dormir comigo.

Mamãe já havia dormido quando ele chegou. Com muito cuidado abri a porta para

ele, em seguida caminhamos juntos até meu quarto, na ponta dos pés.

-Realmente, você cumpre com o que promete!

-Achou mesmo que não dormiríamos mais juntos?

-Na situação em que nos encontramos, podemos duvidar de tudo.

-Por um lado você tem razão.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 124

Começamos a nos beijar. Suas mãos grandes acariciaram minhas costas, e depois

daquele delicioso abraço, o Eliezer deu-me um beijo molhado e afagou meus cabelos

dizendo:

-Hans... Às vezes eu fico pensando se todos esses problemas que estão acontecendo não é

um sinal que nossa sorte pode não ser juntos.

-Que história é essa agora? - Perguntei apoiando sua cabeça em meu peito.

-Humpf... É que são tantos problemas...

-Problemas sempre existirão, Eli... Nós estamos juntos, e assim lutaremos.

-Tenho medo que um dia você se canse de mim.

-Está louco? Trate de tirar isso da cabeça.

-Ta bom, desculpe!

Adormecemos. Era compreensivo o medo que o Eliezer expressava, mas alguém na

relação tem que ser o “pilar”, e naquele momento tão frágil, eu não poderia deixá-lo

sozinho.

Pouco antes de amanhecer, nas primeiras horas do dia a tranquilidade da noite foi

quebrada por um barulho ensurdecedor. Acordamos assustados.

-Que barulho foi esse? - Perguntou o Eliezer olhando-me com pavor.

-Não sei...

Um clarão vindo da rua iluminou o interior do quarto. Nos levantamos da cama e

corremos até a janela para ver o que acontecia.

-Adonai! - Exclamou o Eliezer assustado.

A noite do dia 09 de novembro de 1938 ficaria conhecida na História como “Noite

dos cristais”, nome dado em referência as inúmeras vitrines, janelas e vidraças das casas e

comércios de judeus que foram destruídos pelas tropas nazistas e pela população alemã. O

evento foi organizado por Adolf Hitler e seu Ministro da Propaganda Joseph Goebbels. A

justificativa foi o assassinato do alemão Ernest von Rath por um judeu de apenas dezessete

anos, identificado com o sobrenome de Grynszpan, que supostamente agiu para se vingar

do tratamento desumano que seus pais estavam recebendo na Alemanha.

Ao saber de sua morte, Hitler disse furioso a Goebbels: - Nossas tropas de choque

devem ter permissão para agir! Cauteloso, Goebbels respondeu: - Caso um tumulto se

estabeleça e se espalhe além de Berlim, possivelmente não conseguiremos contê-lo. Sua

previsão se fez real. Além de não terem sido contidas, a população foi incentivada por

membros do partido nazista a pratica da violência contra os judeus.

Debruçados a janela, o que Eliezer e eu víamos era algo aterrorizante. Labaredas de

fogo ardiam no meio das ruas. Vendo toda aquela multidão correndo, descemos

rapidamente as escadas e ao chegar na calçada avistamos a cidade irreconhecível. Quase

tudo estava destruído. As lojas de judeus tiveram suas vidraças quebradas, móveis atirados

pelas janelas, travesseiros ardendo naquelas chamas. Por toda parte era possível avistar

pedaços de madeira espalhados, penas de travesseiros, corpos, pessoas sangrando e muito

vidro quebrado.

-Mas o que está acontecendo? Estamos sendo atacados? É uma guerra? - Perguntou o

Eliezer.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 125

Nesse momento corria um judeu, que gritava com a testa sangrando:

-Estão matando judeus!... Escondam-se, estão colocando fogo em tudo, invadindo e

queimando casas...

-Adonai! Meus pais...

Como um louco o Eliezer começou a correr pela rua, vestindo apenas o pijama e um

chinelo. Não pensei duas vezes e corri atrás dele, pois jamais iria permitir que andasse

sozinho com aquele bando de loucos soltos pelas ruas de Berlim.

-Eliezer, por favor, me espere...

-Meus pais... Será que fizeram alguma coisa com eles? - Questionou desesperado.

-Não vamos pensar no pior...

Deixamos de correr e passamos a andar apressados para não chamarmos atenção.

Ao passarmos pela Rua Fasanen, vimos uma das sinagogas mais importantes e respeitadas

da Alemanha arder em chamas, assim como muitas outras. Livros sagrados e rolos da Torá

foram queimados em grandes fogueiras, onde civis e soldados dançavam em volta delas.

Judeus estavam sendo surrados covardemente sem que ninguém fizesse nada para ajudá-los.

Por dentro eu estava corroído de medo, mas não transpareci para que não afetasse ainda

mais o Eliezer.

Como represália ao assassinato de Ernest von Rath, aproximadamente noventa

judeus foram assassinados na Alemanha naquela noite, e por incrível que pareça, nenhum

daqueles crimes posteriormente acabaria em tribunal para julgamento dos culpados. As

mortes aconteciam ao mesmo tempo em que mais de sete mil lojas de judeus eram

destruídas, saqueadas e apedrejadas.

Em outubro de 1938, cerca de 20 mil judeus que viviam na Alemanha foram mandados para a

fronteira da Polônia. Entre eles, encontrava-se a família de Grynszpan. Aquela região era considerada como

"terra de ninguém", onde os judeus foram aglomerados em estábulos sem alimentos ou assistência.

Desesperado, Zindel Grynszpan decidiu escrever a seu filho Herschel, em Paris. Ao receber a carta de seu pai

relatando a situação em que encontrava-se sua família, o jovem descontrolou-se. O governo polonês recusava-

se a reconhecer a sua cidadania daquele povo, sendo assim, todas as famílias ficaram apátria. Grynszpan

tomou uma atitude desesperada para chamar a atenção do mundo sobre a situação de sua família e dos judeus

na Alemanha. Seguiu até a embaixada alemã, onde alegou ter uma "encomenda" para o embaixador. Diante

dessa justificativa foi encaminhado ao escritório do Terceiro Secretário, e ao entrar na sala, o jovem atirou no

funcionário Ernest von Rath.

Para o governo alemão, o ocorrido era uma "prova da conspiração judaica contra a Alemanha".

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 126

Duas quadras depois da Rua Fasanen, ao dobrarmos a esquina, avistei uma pedra

vindo em direção ao Eliezer. Imediatamente puxei seu braço e coloquei minha mão na

frente, causando um corte consideravelmente médio no ligamento do dedo polegar.

-Cuidado! - Exclamei o puxando.

Apensar de perder o equilíbrio e precisar me apoiar no poste de iluminação pública,

continuei mantendo a coragem e caminhando no mesmo ritmo.

Chegamos no prédio onde seus pais moravam. Entramos rapidamente prestando

atenção e tomando cuidado para não sermos vistos. Subimos correndo as escadas até o

segundo andar e batemos à porta. Silêncio. Ao bater pela quarta vez, o Eliezer avisou:

-Mãe, pai... Sou eu Eliezer!

Ouvimos a porta destrancar. Pouco a pouco ela foi se abrindo e um par de olhos

amedrontados se revelando. Ao ver que realmente era seu filho, o senhor Boris abriu

bruscamente a porta incrédulo:

-Eliezer! Entre rápido, meu filho!

Andando de um lado pro outro da sala, vestindo um hobb de seda branco, a senhora

Lovitz assustou-se e correu até o Eliezer dizendo:

-Adonai! Onde você estava, meu filho?

-Mãe... Vocês estão bem?

-Estamos, na medida do possível... O que fazia na rua? Estávamos morrendo de

preocupação...

-Mas não estava sozinho, mãe. O Hans está comigo.

-Eu falo de vocês dois.

Trancando a porta, o senhor Lovitz disse:

-Por enquanto vamos deixar tudo apagado e ficar em silêncio. Dessa forma não

chamaremos atenção.

Calados, ouvíamos gritos de pessoas sendo agredidas, feridas. A violência estava

fora do controle. Vestido com seu xale, o senhor Boris fazia suas orações quando uma

pedra foi atirada na vidraça. Que susto! Todos nos deitamos ao chão, e assim

permanecemos até a calmaria voltar.

Por volta das 9h00 da manhã do dia 10 de novembro, voltava pra casa sozinho,

acompanhando o resultado da destruição que se fazia ver melhor a luz do dia.

Os ataques daquela noite deixaram milhares de feridos e centenas de desabrigados.

Casas, lojas destruídas, um prejuízo estimado em milhões de marcos. Aproximadamente

trinta mil judeus foram presos e enviados para os campos de concentração de Dachau,

Buchenwald e Sachsenhausen, sendo que muitos deles morreram pouco tempo depois. A

partir de então, os judeus foram excluídos da vida econômica em toda Alemanha. Suas

propriedades foram confiscadas e colocadas em contas do Estado.

Ao chegar em casa, avistei minha mãe andando de um lado pro outro preocupada.

-Hans!... - Exclamou ao me ver entrar.

-Bom dia, Mutter!

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 127

Levando sua mão ao peito, falou:

-Vocês estão querendo me matar, é isso?

-Vocês quem?

-Você e seu irmão somem, e nessa confusão que...

-O Patrick sumiu?

-E só chegou agora há pouco, todo sujo. Mas não tente fugir do assunto, Hans...

Segui em direção ao quarto do Patrick, deixando minha mãe falando sozinha.

-Hans... Hans... Hans!

Abri a porta de seu quarto e imediatamente ele tentou disfarçar que escondia algo

embaixo da cama. Desconfiado, perguntei:

-Patrick... Onde você esteve essa noite? - Aproximando-me em passos lentos.

-Olha só... Agora eu tenho que dar explicação a um fedelho que mal saiu das calças

curtas... - Ironizou.

-Patrick...

-Saí com uns amigos. - Respondeu deitando-se à cama.

-Patrick... Você está envolvido nessa confusão?

-Confusão? Não sei do que está falando.

-Sabe sim, não se faça de desentendido.

Imediatamente ele levantou-se de sua cama, deu-me um empurrão no peito com a

mão espalmada e disse:

-Cai fora daqui, seu verme... Fora!

Assim que sai ele bateu a porta. Minhas suspeitas era de que ele estava no meio

daquela gente quebrando tudo, batendo em judeus.

Na hora do jantar não tocamos no assunto, pois sei que mamãe tinha medo da

resposta.

Enquanto isso na casa da família Lovitz, a senhora Lovitz servia o jantar ao mesmo

tempo em que revelava a grande decisão:

-Hoje Boris e eu conversamos e tomamos uma decisão...

-Que decisão, Ima? - Perguntou Ashira.

-Vamos nos mudar para Lodz.

-Lodz?! - Expantou-se Eliezer.

Tomando a palavra, o senhor Boris continuou a explicar:

-A situação para os judeus na Alemanha está complicada... Por isso, decidimos voltar para

Lodz.

-Mas... Isso não é justo! - Exclamou o Eliezer.

-Vai ser melhor pra todos. - Respondeu sua mãe.

-Eu não sei falar polonês.

-Vai ter que aprender, Eliezer.

-É para o bem de todos que sua mãe e eu estamos tomando essa decisão... Poderíamos ter

morrido naquela noite, não podemos viver assim, às margens da sociedade.

-E quando partiremos, Ima? - Questionou Ashira.

-Dentro de três dias.

-Três dias? Eu não vou.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 128

-O que é isso, Eliezer? Está escrito que um filho deve obediência aos seus pais... Você vai

junto e pronto!

Em uma conferência internacional realizada em Evian às margens do lago de

Genebra em julho de 1938, 32 nações, incluindo EUA e o Reino Unido discutiram o

problema daqueles que tentavam fugir da perseguição nazista. A maioria dos países

expressaram solidariedade quanto aos futuros refugiados, porém, nenhuma daquelas

grandes potências estava preparada para receber os deportados, ou encontrar dinheiro

necessário para financiar um plano tão grande.

No dia em que a conferência terminou, um jornal alemão declarou comemorando:

“Judeus à venda. Quem os quer? Ninguém”.

Enquanto eu preparava-me para dormir, ouvi um barulho na janela. Ao abrir, avistei

o Eliezer parado do outro lado da rua, com as mãos dentro dos bolsos do casaco olhando

para a janela.

Pisquei a luz para que visse que eu já havia entendido. Dei uma volta pela casa para

certificar-me de que todos dormiam. Caminhei na ponta dos pés até a porta do prédio.

-Psiu! - Expressei para que ele me visse.

Assim que o Eliezer entrou no prédio fechei a porta, olhando de um lado para o

outro certificando que não fomos vistos. Prendendo-me a parede ele começou a me beijar.

Seus lábios molhados tocavam os meus numa sede volúpia. Abracei forte seu corpo quente,

de ombros largos.

-Vamos sair daqui antes que alguém nos veja...

Apertando minha mãe ele respondeu:

-Tudo bem.

Entrei em casa e me certifiquei de que não havia ninguém acordado. As luzes

estavam apagadas, tendo apenas o abajur como auxílio. Lentamente abri a porta e sussurrei:

-Vá direto pro meu quarto sem fazer barulho... Depressa!

Mal tranquei a porta do quarto e o Eliezer voltou a me agarrar, beijando com

voracidade. Sem exitar, permiti que fizesse comigo tudo o que quisesse. Em pouco tempo

já estávamos nus, pele com pele. Nossos corações batiam juntos, sincronizadamente. Com

seu corpo sobre o meu, ele olhava em meus olhos, respirando ofegante.

Com a mão esquerda eu toquei sua face, acariciando-a enquanto comentava:

-Não imaginava que o desejo de me ter nos seus braços hoje era tão grande assim.

-Eu desejo você todos os dias, todo momento.

-Mas hoje você caprichou!

-É porque hoje eu vim me despedir.

-Despedir? - Levantei assustado. - Que conversa é essa?

-Minha família vai se mudar para Lodz.

-Lodz? Mas... Por que tão longe?

-Você sabe que meus pais são de lá...

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 129

-Mas Eli... Eu não quero me afastar de você!

-Também não quero, Hans.

-Então não vá!

-Mas onde ficarei? O que vou comer?

Imediatamente eu o abracei, chorando feito uma criança.

-Você só pode estar brincando comigo...

-Queria eu também acordar desse pesadelo.

-Se você soubesse como meu peito dói nesse momento...

-Só de pensar minha alma sangra.

-Eu te amo mais que tudo nessa vida! - Sussurrei com minha testa colada a sua.

-Ani ohev otcha¹!

Passamos horas deitados abraçados um ao outro, aproveitando ao máximo do pouco

tempo que nos restava.

Já eram quase cinco da manhã quando o Eliezer levantou-se da cama limpando as

lágrimas dizendo:

-Preciso voltar pra casa, logo o dia irá clarear...

-Mas é perigoso você andar sozinho uma hora dessa. Se a polícia te pegar...

-Humpf... Não se preocupe, tomarei bastante cuidado.

Antes que ele terminasse de vestir sua ceroula, alguém bateu a porta:

-Hans... Hans, está acordado?

-É minha mãe! - Exclamei surpreso.

-E agora?

-Se esconda atrás da porta.

-Hans...

-Já vou, Mutter!

Rapidamente o Eliezer pegou sua roupa e permaneceu segurando-a atrás da porta.

Abrindo apenas uma pequena fresta, perguntei:

-Mutter... Aconteceu... Aconteceu algo?

-Está tudo bem?

-Sim, por quê?

-Tive a impressão de ter ouvido vozes...

-Vozes? Ah!... É que estou treinando o juramento ao Führer.

-Uma hora dessa?

-É que estou sem sono.

-Humpf... Tudo bem.

Fechei a porta e respiramos aliviados.

-Se ela me pega aqui, eu estou perdido! - Sussurrou o Eliezer.

-Minha mãe não faria nada para lhe prejudicar porque sabe que estamos envolvidos de

alguma forma. - Respondi vestindo a calça.

1. Ani ohev otcha: eu te amo em Hebraico.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 130

Minutos depois dei-lhe um breve beijo na boca e disse:

-Espere aqui que eu vou ver se o caminho está livre.

-Humpf... Está bem.

Destranquei a porta do meu quarto e abri cautelosamente. Percebendo que o

caminho estava livre, peguei pela sua mão dizendo:

-Vem comigo...

Cruzamos a sala rapidamente. Enquanto descíamos a escada comentei:

-Vou te acompanhar até sua casa.

-Não precisa, Hans!

-Mas eu quero... Não é bom que você fique andando por ai sozinho.

-Nossa! Tudo isso é proteção?

-Sim... Porque você é meu.

-Pra você eu já me entreguei faz tempo!

Prendendo seu corpo a porta de acesso pra rua, completei:

-Por isso que vou te buscar onde você estiver.

-Você promete que vai me buscar?

-Sim... Prometo pelo amor que sinto por você.

Comecei a beijar seu pescoço. Arrepiado ele puxava levemente meus cabelos. Os

momentos que eu passava ao lado do Eliezer eram os momentos mais felizes da minha vida.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 131

CAPITULO 19

Saber que Eliezer e sua familia se mudariam para Lodz

deixou-me arrasado, além de preocupado. No dia 12 de novembro de 1938 um decreto

forçava todos os judeus a transferirem seus negócios para mãos arianas, porém,

inconformados com essa decisão, a família Lovitz decidiu ocultar a propriedade de sua loja,

pelo menos até a breve mudança para Lodz.

Cheguei em casa e ao abrir a porta senti um delicioso cheiro. Fechei-a rapidamente

e segui até a cozinha exclamando:

-Esse cheiro é inconfundível!

-Preparei seu doce preferido... Strudel de cerejas! - Respondeu mamãe colocando uma

travessa sobre a mesa.

-Que delícia!

Puxando uma cadeira, perguntou-me após um profundo suspiro:

-Que carinha é essa, Hans?

-Cara?... Do que a senhora está falando, Mutter?

-Não minta pra mim, Hans... Toda mãe conhece seu filho!

-Não houve nada...

-Humpf... Foi o judeu novamente?

-Ele tem nome, Mutter.

-Desculpe!... O Eliezer é o real motivo de sua preocupação?

-Na verdade, é parte.

-Gostaria de me contar?

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 132

-A senhora promete guardar segredo?

-Ja!

-Bem... A família do Eliezer irá se mudar pra Lodz.

-Você não acha que isso seria melhor?

-Melhor por quê?

-Aqui na Alemanha os judeus estão sofrendo tantas perseguições que seria mesmo melhor

que fossem.

-Também acho, mas não gostaria de ficar longe dele.

-Ué... Nas férias você poderia ir visitá-lo, afinal, a Polônia não fica tão longe assim.

-Mutter... Na verdade, o que me preocupa é que seus pais não abriram mão de seu

comércio.

-Você se refere ao decreto?

-Ja.

-Se eles tomaram essa decisão, é porque sabem o que estão fazendo.

-Espero que sim.

Ouvi gargalhadas.

-O que foi isso?

-Deve ter sido seu irmão.

-O Patrick está em casa?

-Ja... Acompanhado daquele demônio do Stephan.

-Não gosto desse rapaz, Mutter. Ele é muito mau.

-E uma péssima influência para seu irmão.

Durante aquela noite, por mais que eu tentasse, o sono não vinha. Rolava de um

lado pro outro angustiado. Eu odiava sentir aquela sensação, onde o peito aperta e a

vontade de chorar sem motivo é quase que incontrolável.

Levantei-me e fui até a cozinha preparar um chá, para quem sabe assim dormir

melhor. Ao passar em frente o quarto do meu irmão ouvi algumas risadas. Parei.

Provavelmente o Stephan ainda não havia ido embora.

-Você fez isso mesmo? - Questionou Stephan.

-Sim... Essa raça imunda deveria sumir da face da Terra.

Entrei no quarto.

-Você fez o que, Patrick? - Perguntei com o coração quase saindo pela boca.

Silêncio.

-Fala, Patrick? - Gritei.

Olhando para o Stephan, Patrick permaneceu calado. Toquei em seu braço e

questionei olhando em seus olhos:

-Você não fez o que estou pensando... Fez?

O que me deixava mais nervoso era que ele não me respondia, não sei se por pirraça

ou algum voto de sigilo, mas o medo foi maior e naquele momento não consegui me

controlar. Com a mão direita apertei seu pescoço, o empurrando contra a parede.

-Falaaaaaaaaa...

Dando-me uma gravata o Stephan me tirou de cima do Patrick. Tossindo ele

afastou-se, e fazendo pouco caso, disse:

-Eu não fiz nada... Só acho que eles ficarão bem melhor longe de nós...

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 133

Corri até meu quarto. Por cima do pijama, vesti meu enorme casaco. Da janela do

meu quarto espiei o movimento da rua, puxando levemente a cortina. Quase não se via

pessoas caminharem pelas calçadas, devido ao horário, talvez.

Sem chamar atenção, abri a porta da sala enquanto todos dormiam. Respirei fundo.

Meu coração parecia que iria sair pela boca. Caminhava apressado, com as mãos no bolso e

cabeça baixa para proteger do vento frio.

Enquanto seguia em passos largos, avistei um grupo do exercito passar por mim.

Confesso que tive medo, mas nada me aconteceu como já era de se esperar.

Entrei em seu prédio e subi rapidamente as escadas, unindo os degraus de dois em

dois. Respirei fundo, em seguida bati à porta. No silencio da madrugada ninguém atendeu,

e ao bater pela quarta vez, ouvi uma voz masculina perguntando:

-Quem é?

-Sou eu... Hans...

A porta se abriu. Todos dormiam, com exceção do senhor Lovitz que foi me atender.

-Hans? O que faz aqui numa hora dessa? - Questionou vestindo um estranho pijama.

-Desculpe, senhor Lovitz, vocês precisam ir embora imediatamente. - Falei adentrando em

sua sala, desesperado.

Vestindo um hobb, a senhora Lovitz apareceu na sala questionando:

-Hans... O que faz aqui uma hora dessas?

-Desculpem, mas vocês precisam sair daqui rapidamente.

-O que está acontecendo?

-Vocês foram denunciados para as autoridades alemãs... Por não entregarem a loja e...

-Oh Adonai! - Exclamou a senhora Lovitz seguindo em direção ao quarto de seus filhos.

Corri até a janela, puxando levemente a cortina. Na rua não havia ninguém, até eu

avistar um carro que se aproximava rapidamente. Ao parar em frente o prédio, vários

homens desceram e começaram entrar.

-Seu Boris, apague a luz! - Exclamei fechando à cortina.

Segui em direção ao quarto do Eliezer. Precisávamos deixar aquele lugar

imediatamente, ou seriamos pegos. Com uma mala sobre a cama, arrumava suas coisas

calmamente.

Ao me ver, parou o que estava fazendo e perguntou:

-O que está havendo, Hans? Por que temos que fugir?

Fechei à porta.

-Se ficarem, vão nos afastar... - Falei aproximando-me dele.

-Afastar?

-Estão tirando os judeus da cidade... E vieram pra levar vocês também.

-Mas eu não quero sair daqui.

Tocando em sua face, olhei em seus olhos e falei:

-Não se preocupe, não deixarei que ninguém nos separe.

-Eu te amo.

-Também te amo.

Demos um forte abraço. Alguns segundos depois, ouvimos um forte estrondo.

Levamos um susto. Aproximei-me da porta e encostei o ouvido. Ouvi vozes e uma

movimentação fora do comum. Tranquei à porta.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 134

De repente uma forte pancada se ouviu. Afastei-me.

-Abra essa porta! - Gritou alguém seguida de uma nova batida.

Corri até a janela, levantei o vidro e falei amedrontado:

-A gente precisa sair daqui imediatamente.

-Mas minha família está lá fora!

-Você sozinho não mudará nada... - Disse segurando seu braço.

Contra sua vontade, o arrastei até a janela, ainda vestindo seu pijama.

-Está frio! - Exclamou tremendo ao receber uma rajada de vento.

-Pegue... Vista meu casaco.

-Estou com medo, Hans!

-Não se preocupe... Confie em mim...

-Ta bom.

Pulamos a janela. Caminhamos lentamente pelo beiral da fachada. Estávamos no

segundo andar, sendo assim, precisávamos andar até um ponto mais escuro para não sermos

vistos. Embora eu estivesse tremendo de frio por emprestar o casaco ao Eliezer, resistiria

até chegar em casa. Depois de andar nos equilibrando por alguns metros, ouvi um latido de

cachorro. Segurei no braço dele e fiz sinal para que ficasse em silêncio.

Movendo apenas a cabeça para baixo avistei um soldado caminhando em passos

lentos, segurando um enorme cachorro. Permanecemos imóveis, pois se fossemos

percebidos tanto pelo cão quanto pelo soldado, certamente seriamos pego.

Quase cinco minutos depois finalmente ele dobrou o quarteirão. Fazendo sinal para

o Eliezer, continuamos até uma pilastra que nos ajudasse a descer. O medo de que o

soldado voltasse era tão presente quanto a real possibilidade de acontecer.

Já em terra firme, caminhamos no sentido oposto, entrando por ruas e becos dos

quais jamais havia estado, costurando um novo caminho para evitar um encontro

inesperado com os soldados.

Andamos por mais de vinte minutos, sem rumo, cruzamos ruas desertas,

amedrontados. Cansado, o Eliezer parou, e com a respiração ofegante questionou:

-Aonde estamos indo, Hans? Eu não aguento mais...

-Você precisa ter paciência... Agora que o perigo já passou, vamos para minha casa.

-Mas... E seus pais? Seu irmão?

-Essa hora estão todos dormindo. Ninguém me viu sair de casa...

Chegamos em casa. Antes de entrar verifiquei se não havíamos sido seguidos, e de

que todos já dormiam. Fechei à porta. Caminhando na ponta dos pés, subimos a escada e

entramos em meu quarto. Tranquei a porta. Tirando o casaco, ele falou:

-Você está com o lábio todo roxo...

-Não se preocupe, logo vai passar. Vou ligar o aquecimento...

Sentando-se à cama, o Eliezer deixava suas lágrimas caírem. Partiu meu coração.

Aproximei-me dele, e ajoelhando em sua frente falei:

-Ei... Não precisa ficar assim... Logo tudo isso vai passar...

-O que fizeram com minha família?...

-Sinceramente eu não sei, mas te prometo que irei descobrir.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 135

Demos um abraço. A partir daquele momento o Eliezer só tinha a mim, tendo como

única certeza o nosso amor.

-Você está com fome? - Perguntei preocupado.

-Um pouco.

-Vou preparar algo pra você comer então.

-Ta bom.

-Enquanto isso, deite na cama e se cubra.

-Sim.

Ao sair do quarto, tranquei a porta pelo lado de fora. Caminhei em silêncio, na

ponta dos pés para não acordar ninguém.

No escuro da cozinha, sobre uma bandeja coloquei dois pedaços de pão, leite,

manteiga. Peguei um pedaço de pano e nele embrulhei uma faca de mesa. Segurei a bandeja

e antes de dar o primeiro passo a luz acendeu.

Que susto! Parada à porta, mamãe perguntou:

-Aonde você vai com essa bandeja, Hans?

-Eu?

-É!

-Bem... Pro meu quarto.

-Pro quarto?

-Sim...

-Pois trate de comer aqui sobre a mesa.

-Não dá.

-Por quê?

-É que... Estou lendo um livro e quero acompanhar enquanto como alguma coisa...

-E não pode fazer isso aqui?

-Lá está mais quente...

Caminhando até mim, ela pegou um copo e falou enquanto colocava água:

-Pois então esquente o leite antes de levar pro quarto.

-Ah é!

Ufa! Com tantos questionamentos achei que seria logo descoberto, mas ainda bem

que pararam por ali. Esquentei o leite e logo em seguida subi para meu quarto.

Ao entrar segurando a bandeja, o Eliezer fechou à porta. Coloquei-a sobre a cama e

comentei:

-Nossa!... Quase tive um colapso!

-Por quê?

-Minha mãe apareceu na cozinha me fazendo um monte de perguntas...

-Adonai! - Exclamou preocupado.

-Mas não se preocupe, ela não desconfiou de nada.

-Hans... Não quero lhe trazer problemas...

-Tudo que for problema seu, é meu também. Estamos juntos nessa.

-Te amo! - Respondeu sussurrando.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 136

Toquei em seu rosto e encostei minha boca na sua, quando ouvimos a porta ranger

entreaberta. Interrompemos imediatamente. Olhando-me assustado, o Eliezer perguntou:

-Será que alguém viu?

Rapidamente aproximei-me dela. Espiei no corredor e não havia ninguém.

Trancando-a, comentei:

-Foi o vento... Pensei que você tinha fechado a porta...

-Mas eu fechei, só não passei a chave.

-Que susto! Isso não pode mais acontecer. - Falei levando a mão à testa.

-Desculpa.

-Mais uma dessa e eu não sobrevivo.

-Estou te trazendo problemas demais.

-Nenhum problema é tão ruim ao ponto de superar a felicidade que você me traz.

Esboçou um leve sorriso tímido.

-Agora coma, antes que seu leite esfrie.

-Ta bom.

Sentado ao meu lado, o observava enquanto comia. Coitado. Que não queria estar

em seu lugar para ter que passar por tudo aquilo, mas trocaria com ele só para não vê-lo

sofrer.

Assim que ele terminou fomos nos deitar. Adormecemos abraçados, como um casal

de verdade.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 137

CAPITULO 20

Ao amanhecer, antes que mamae e Patrick acordassem

Eliezer e eu saímos de casa e seguimos até a sua. Caminhamos em passos apressados,

temendo alguma represália da polícia. Quando chegamos não conseguimos entrar. A porta

estava fechada, bloqueada por tábuas de madeira pelo lado de fora. Tapando a face com as

mãos Eliezer começou a chorar.

-Adonai!... E agora?... O que fizeram com minha família? Para onde os levaram?

Nesse momento, eis que alguém chama seu nome:

-Eliezer!

-Ashira!

Contente por rever sua irmã, Eliezer correu até ela e deram um curto abraço.

Preocupada, ela olhava de um lado para o outro, tomando cuidado com a polícia.

-Onde estão todos?

-Não se preocupe, estamos na casa do rabino, amigo de papai.

-Ima... Como está?

-Estão todos bem, Eli.

-E o que você faz aqui, Ashira?

-Ima achou que você pudesse voltar e pediu para que eu viesse...

-Ela estava certa!

-Coração de mãe fala alto!... Eliezer, a polícia está mandando os judeus pra Polônia.

Vários foram amontoados em estaleiros, como se fossem animais.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 138

-Adonai!

-Papai já comprou as passagens para Lodz. Partiremos amanhã após o meio dia.

-Amanhã? - Perguntou surpreso.

-Ja. Não há mais como esperar... Precisamos partir logo.

Aquela notícia nos pegou de surpresa. Não queríamos deixar um o outro, e embora

soubéssemos que isso aconteceria, mesmo por apenas um tempo, não esperávamos que

fosse tão repentino.

Ansioso para rever seus pais, Eliezer despediu-se de mim:

-Hans... Preciso ir, meus pais devem estar precisando de mim.

-Ja... - Nos abraçamos.

-Amanhã te encontro às nove da manhã em frente ao Brandenburger Tor¹.

Em meio aos seus braços, desejei:

-Cuidado por ai...

-Pode deixar.

-Senhorita... Até mais ver. - Despedi-me de Ashira.

Voltei para casa com o pensamento naquele cara que me fazia perder a cabeça, o

homem pelo qual daria minha vida.

Antes de ir para casa passei na barbearia, pois meu cabelo precisava de um pequeno

corte.

-Hallo, senhor Anton!

-Hallo, Hans! Faz tempo que não lhe vejo por aqui...

-É... Dei uma sumida, mas estou de volta.

-Que bom! O que faremos hoje?

-Aquele velho e bom corte de cabelo.

-O de sempre?

-Ja!

De cabelo cortado, voltei para casa.

-Hans!... Que horas você saiu que eu não vi? - Questionou mamãe.

-Ah... A senhora estava dormindo tão gostoso que não quis lhe acordar. Fui ao barbeiro

cortar o cabelo. Ficou bom?

-Ja!

1. Brandenburger Tor: Portão de Brandemburgo. Trata-se de um monumento símbolo da cidade de Berlim,

localizado em uma das principais avenidas da cidade, dando acesso à residência real.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 139

Passei a noite inteira angustiado, enquanto eu não revisse o meu amor, não estaria

em paz.

Ao chegar no local combinado o Eliezer já estava. Tomamos cuidado para não

sermos notados e nos dirigimos para um beco no final da rua. Nos abraçamos. Ambos

choravam.

-Eu não queria que você partisse...

-Hans... Por favor... Não faz isso comigo!... Eu também não gostaria de ir sem você.

Promete que irá me buscar?

-Ja!

- Ani ohev otcha!

-Também te amo!

A dor que me consumia ao vê-lo partir era inexplicável. Minha vontade naquele

momento era correr atrás dele, pegar em sua mão e fugirmos juntos para bem longe, onde

nenhum coração maldoso pudesse nos incomodar.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 140

CAPITULO 21

Alguns meses se passaram. Após a partida do Eliezer para Lodz,

passamos a nos comunicar por cartas. Quase todos os dias recebia e enviava uma para ele,

eu estava praticamente passando mais tempo aguardando o entregador do que dentro de

casa. Para confortar a enorme saudade, mandávamos as mensagens em papel perfumado, e

às vezes um retrato novo.

Enquanto arrumava e separava algumas roupas velhas no quarto, ouvi a porta da

sala bater.

-O que é isso, Patrick?

-Desculpe, Mutter... Foi sem querer.

-Não estava na casa de Stephan?

-Sim, mas hoje ele teve que ir trabalhar mais cedo.

-Ué... Trabalhando?

-Ja... Já faz dois meses que ele está trabalhando na cervejaria...

-Mas ele não tinha se alistado para a Gestapo?

-Ja... Mas faltou um documento que ele não possui, por isso vai ter que esperar mais um

pouco.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 141

-Esperar? Pra que esperar se não possui o documento?

-Mutter... O Stephan conhece muita gente, e tem um amigo dele que falsifica documentos.

-E você acha isso certo?

-Eu prefiro não achar nada!

Aquela informação veio a calhar. Se eu conseguisse um passaporte alemão para o

Eliezer, conseguiríamos deixar facilmente a Alemanha e seguir para o Brasil.

Embora parecia vivermos um momento de paz, assim como nós, fomos

surpreendidos por mais um golpe do Chanceler Adolf Hitler. Seis meses após ter declarado

que a Sudetenland seria sua ultima exigência territorial na Europa, na verdade era apenas o

começo.

No dia 15 de março de 1939 acordamos com a notícia de que o exército alemão

conquistara o resto da Tchecoslováquia. Por volta das 5h55 da manhã, em meio a uma

tempestade de inverno suas tropas adentraram no território tcheco, surpreendendo a todos.

Ainda naquela quarta-feira, Hitler anunciou ao povo alemão antes de partir para Praga:

“A Tchecoslováquia deixou de existir”!

Ao violar o tratado de Munique, o primeiro ministro britânico Chamberlain declarou

rigidamente seu apoio a França. Na verdade, para os alemães, tratados sempre foram coisas

para serem ignoradas. O mundo agora sabia que os tratados com Adolf Hitler eram o “beijo

da morte”.

A conquista da Tchecoslováquia e Áustria sem lutar alimentavam o plano alemão de

conquistar a Europa Oriental. Diante disso, Chamberlain alertou que a próxima vítima de

Hitler, a Polônia, contaria com sua proteção à agressão nazista. Chegava ao fim a saga de

conquistas sem sangue do Führer alemão.

“Se uma tentativa fosse feita de mudar a situação usando a força

de modo a ameaçar a independência polonesa, isso

inevitavelmente começaria um confronto geral no qual esse país

estaria envolvido”. Chamberlain

Como prevenção, os russos passaram a manter as luzes acesas durante toda a noite

em Moscou. Representantes alemães, britânicos e franceses foram falar com o governo

soviético.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 142

No dia 21 de agosto de 1939 o mundo ficou em alerta ao anunciarem um tratado

entre russos e alemães, do qual concordavam não lutarem um contra o outro. Parecia ser

bom demais para ser verdade. E não era. Os alemães queriam mesmo era acalmar os russos

da eminente ameaça, dando a impressão de que estavam seguros. Os russos precisavam de

tempo para se prepararem para a luta, e Hitler sabia disso, da mesma forma em que os

russos sabiam que a Alemanha estava de olho na sua rica terra.

Confiante de que enganara seguramente a Rússia e que tais democracias não

lutariam, o poder nazista inicia sua nova estratégia, escolhendo Danzig como desculpa para

tomar a Polônia.

Todos aqueles acontecimentos deixavam-me ainda mais preocupado. Coloquei meu

gorro e sai sem dizer para onde iria. Atravessei a rua e segui em direção ao bar onde o

Stephan trabalhava como garçom. Cada passo que eu dava naquela calçada molhada fazia

meu estômago apertar cada vez mais.

Por toda parte que se ia encontrávamos soldados observando. A sensação era ruim,

sufocante até para mim, um cidadão alemão. As praças públicas e parques estavam

visivelmente mais vazios, reflexo da proibição imposta pelo governo aos judeus.

Cheguei no bar onde o Stephan trabalhava e empurrei aquela pesada porta giratória.

Ao entrar o avistei atrás do balcÃo. Caminhei até ele, sentei-me ao banco e o abordei

discretamente:

-Stephan...

-O que faz aqui, pirralho? - Questionou.

-Preciso falar com você...

Jogando um pano branco sobre o ombro, perguntou:

-Comigo?

-Ja.

-Não tenho tempo pra brincar de soldadinhos com você.

-Por favor, é importante!

-Humpf... Fala logo?

-Primeiro eu preciso que você me prometa que não vai comentar com o Patrick que eu

estive aqui.

-Você não acha que está muito exigente?

-Stephan, me conte a verdade... O Patrick foi o responsável pela denúncia contra a família

do Eliezer?

Danzig era uma cidade autônoma e livre. Era parte da Liga das Nações, tendo um importante porto

marítimo no topo do corredor polonês, o seja, o acesso da Polônia para o mar.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 143

-E por que eu lhe confidenciaria esse tipo de coisa?

-Sei que vocês estão interessados em entrar para o exército alemão...

-O que você tem a ver com isso?

-Preciso que me ajude, Stephan.

-Eu? Te ajudar?

-Sua família tem muita influência, conhecidos...

-E daí?

-Me ajude a esconder a família do Eliezer?

-Pirralho, está ficando louco?

-Sei que você pode ajudar...

-A esconder judeu?

-Não, a fugir.

-A troco de que eu faria isso?

Sem muita opção, tirei o pingente de ouro que ganhara do Eliezer em meu

aniversário de 16 anos e falei oferecendo ao Stephan:

-Isso aqui é tudo que disponho no momento.

Após morder para checar se realmente era de ouro, respondeu surpreso:

-Bem... Acho que sim pra fazer alguma coisa.

-Ah é!? - Exclamei surpreso.

-Ja.

-Como faria isso?

-Vou falar com um colega meu, acredito que ele concorde em falsificar passaportes para

que esse bando de porco deixe a Alemanha.

-Preciso ir agora. Em quanto tempo terei uma resposta?

-Pode deixar que eu te procuro.

Voltei pra casa e sobre a mesa havia um jornal com a seguinte manchete:

“Poloneses lutarão por Danzig”.

Notando minha presença ali, mamãe exclamou:

-Hans!... Que bom que está aqui!

-Por quê? O que houve?

-Seu irmão conseguiu... Ele conseguiu!

-Conseguiu o quê?

-Entrar para a Gestapo.

-Gott!

Embora aquela fosse uma grande preocupação para a família, uma preocupação

ainda maior nos tirava a paz.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 144

Duas semanas haviam se passado e papai permaneceu fora de casa a trabalho.

Durante esse mesmo período, os exércitos alemães deslocaram-se rumo à fronteira polonesa,

onde se reuniram as 70 divisões, em sua grande maioria blindados. Chegara a hora de

relevar ao mundo o poder militar alemão.

Ao amanhecer do dia 01 de setembro de 1939, sem aviso a Wehrmacht² alemã

cruzou a fronteira com a Polônia. Começara a Segunda Guerra Mundial.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 145

ESSA HISTORIA NAO TERMINOU AQUI

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 146

“Um homem que não tem sentido na História, é como um homem que não tem ouvidos nem

olhos.”

Adolf Hitler

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 147

AGRADECIMENTOS Quero começar agradecendo a todos os leitores que acompanham meu trabalho pela

paciência que tiveram durante esses dois anos em que aguardaram por mais uma nova obra

escrita por Lu Mounier. Não foi um período muito fácil para mim, tanto pessoal quanto

profissionalmente, mas faz parte da vida fases boas e ruins, hoje superadas. Dedico esse

trabalho a todos aqueles que levam ao conhecimento de outros meu nome, meu trabalho,

sem vocês certamente eu não teria atingido o estatus em que estou hoje.

Ao Rogério Duarte em especial, pela sua paciência em revisar a obra e colaborar

com as sentenças Alemãs. Camila, Thiago, Leandro Romanini, Luciana Martins, Fernando

Andrade, Renato Antonio, Vanessa Ribeiro, obrigado pelo carinho e paciência de vocês que

são grandes incentivadores do meu trabalho.

Samara Felix, grande colaboradora que me auxiliou na procura de filmes raros para

que eu pudesse enriquecer essa obra com maiores detalhes e informações restritas. A você

deixo meu enorme obrigado pela contribuição que você concedeu, não apenas a mim, mas a

todos aqueles que terão a oportunidade de se aprofundar no tema, compreendendo e

refletindo sobre um período da História que mudou para sempre a vida de todos.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 148

BIBLIOGRAFIA ONLINE

Disponível: http://tortura.wordpress.com/2006/09/07/os-medicos-nazis-1-dr-josef-mengele/

(13/10/2009).

Disponível: http://www.preceitos.com/holocausto/Holo10.html#38 (13/10/2009).

Disponível: http://pt.wikipedia.org/wiki/Leis_de_Nuremberg (26/01/2010).

Disponível: http://oficinadahistoriad.blogspot.com/2009_12_01_archive.html (27/01/2010).

Disponível: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/muro.htm (27/01/2010).

Disponível: http://www.mundoeducacao.com.br/historiageral/gestapo.htm (28/01/2010).

LIVROS

CORES, Jiménez Pablo. A estratégia de Hitler. 1. Ed. São Paulo: Madras, 2006.

ALLEGRITTI, Pablo. O Clã de Hitler. 1. ed. São Paulo: Planeta do Brasil, 2006.

ABRAHAM, Ben. …e o mundo silenciou. 1. ed. São Paulo: Sherit Hapleita.

ABRAHAM, Ben. Holocausto. 1. ed. São Paulo: Sherit Hapleita

HITLER, Adolf. Mein kampf. Centauro, 2001.

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 149

REVISTAS

Título: Hitler – Simbologia e Ocultismo

Editora: Escala

Edição: 01

Título: Holocausto

Editora: Escala

Edição: 01

Título: II Guerra Mundial - Campos de Concentração

Editora: Escala

Edição: 01

FILMES

Título: Europa Europa (Filhos da guerra)

Diretor: Agnieszka Holland

Ano: 1990

Distribuição: Spectra

País de origem: Alemanha / França / Polônia

Título: O Pianista (Le Pianiste)

Diretor: Roman Polanski

Ano: 2002

Distribuição: Europa Filmes

País de origem: França

Título: O Diário de Anne Frank (The Diary of Anne Frank)

Diretor: George Stevens

Ano: 1959

Distribuição: Fox Home Entertainment

País de origem: EUA

Título: A Noiva de Frankenstein (Bride of Frankenstein)

Diretor: James Whale

Ano: 1935

Distribuição: Universal Pictures

País de origem: EUA

O Jardim da Luz

- Lu Mounier - 150

Título: A Lista de Schindler (The Schindler's List)

Diretor: Steven Spielberg

Ano: 1993

Distribuição:

País de origem: EUA

Título: Olga

Diretor: Jayme Monjardim

Ano: 2004

Distribuição: Europa Filmes

País de origem: Brasil

Título: A Queda (Der Untergang)

Diretor: Oliver Hirschbiegel

Ano: 2004

Distribuição: Europa Filmes

País de origem: Alemanha

Título: O Leitor (The Reader)

Diretor: Stephen Daldry

Ano: 2008

Distribuição: Imagem Filmes

País de origem: EUA

Título: Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds)

Diretor: Quentin Tarantino

Ano: 2009

Distribuição: Universal Pictures do Brasil

País de origem:

Título: Operação Valquiria (Valkyrie)

Diretor: Bryan Singer

Ano: 2008

Distribuição: Fox Filmes

País de origem: EUA

Título: Katyn

Diretor: Andrzej Wajda

Ano: 2007

Distribuição: MovieMobz

País de origem: Polônia

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- Lu Mounier - 151

Título: Lili Marlene (Lili Marleen)

Diretor: Rainer Werner Fassbinder

Ano: 1981

Distribuição: F.J. Lucas

País de origem: Alemanha

Título: O 9º Dia (Der Neunte Tag)

Diretor: Volker Schlöndorff

Ano: 2004

Distribuição: Imagem Filmes

País de origem: Alemanha

Título: O menino do pijama listrado (The boy in the striped pyjamas)

Diretor: Mark Herman

Ano: 2008

Distribuição: Buena Vista

País de origem: Reino Unido

Título: Bent

Diretor: Sean Mathias

Ano: 1997

Distribuição: Goldwyn Entertainment Company

País de origem: Inglaterra

Título: O resgate do soldado Ryan (Saving Private Ryan)

Diretor: Steven Spielberg

Ano: 1998

Distribuição: DreamWorks Distribution L.L.C. / Paramount Pictures / UIP

País de origem: EUA

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- Lu Mounier - 152

DOCUMENTARIOS

Título: Marcha para vitória - A caminho de Berlim. (A ascensão de Hitler)

Distribuição: Focus Filmes

Título: Marcha para vitória - A caminho de Berlim (A batalha da Inglaterra)

Distribuição: Focus Filmes

Título: Marcha para vitória - A caminho de Tóquio (Pearl Harbor)

Distribuição: Focus Filmes

Título: A vida secreta de Adolf Hitler (The secret life of Adolf Hitler)

Distribuição: CMG

Título: O ataque Nazista (The Nazis strike)

Diretor: Frank Capra / Anatole Litvak

Distribuição: LIDER

Título: Genocídio (Genocide)

Diretor: Arnold Schwartzman

Distribuição: Focus Filmes

Título: Eu nunca te esqueci (I Have Never Forgotten You: The Life & Legacy of Simon

Wiesenthal)

Diretor: Richard Trank

Distribuição: Focus Filmes

Título: Nunca mais (Ever again)

Diretor: Richard Trank

Distribuição: Focus Filmes

Título: Libertação 1945 (Liberation)

Diretor: Arnold Schwartzman

Distribuição: Focus Filmes

Título: Ecos do passado

Distribuição: Focus Filmes

Título: O longo caminho para casa

Distribuição: Focus Filmes

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Título: Em busca da paz

Distribuição: Focus Filmes

Título: Arquitetura da destruição

Diretor: Peter Cohen

Título: A vida de Adolf Hitler

Distribuição: NatGeo

Título: Redescobrindo a Segunda Guerra - Agressão Nazista

Distribuição: NatGeo

Título: Redescobrindo a Segunda Guerra - Pesadelo Alemão

Distribuição: NatGeo

Título: Redescobrindo a Segunda Guerra - Apocalipse

Distribuição: NatGeo

Título: Adeus, meninos (Au revoir, les enfants)

Direção: Louis Malle