o inverno que não acabou e outros contos

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Um homem lutando contra as suas – amargas – lembranças; um psicopata oculto perturbando sua vítima em um cenário obscuro; dois mundos distintos que seguem caminhos paralelos e quase se cruzam; um erotismo imaginário preenchido com sofrimento alheio; o sonho perdido de uma criança e o vício na vida de um gênio. Elementos que compõem as narrativas curtas deste livro; uma seleção de contos para colocar suas sensações à flor da pele. Em um universo que percorre diferentes cenários relacionados às aflições que cercam o indivíduo, O inverno que não acabou e outros contos revela a eterna alternância dos sentimentos que resumem a esperança e a descrença na atitude humana.

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São Paulo, 2015

TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA

e outros contos

Adriano de Andrade

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Page 4: O inverno que não acabou e outros contos

O inverno que não acabou e outros contosCopyright © 2015 by Adriano de Andrade BarbosaCopyright © 2015 by Novo Século Editora Ltda.

gerente editorial

Lindsay Gois

aquisições

Cleber Vasconcelos

editorial

João Paulo PutiniNair FerrazRebeca LacerdaVitor Donofrio

preparação

Fernanda Guerriero

diagramação

Equipe Novo Século

revisão

Larissa Caldin

capa

Rodrigo Valpassos

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

de Andrade, AdrianoO inverno que não acabou e outros contos / Adriano de Andrade.Barueri, SP: Novo Século Editora, 2015. (coleção talentos da literatura brasileira)

1. Contos brasileiros I. Título. II. Série.

15-08268 cdd-869.3

Índice para catálogo sistemático:1. Contos: literatura brasileira 869.3

novo século editora ltda.Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1111 cep 06455-000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – BrasilTel.: (11) 3699-7107 | Fax: (11) 3699-7323www.novoseculo.com.br | [email protected]

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 10 de janeiro de 2009.

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À minha esposa, Stael, aos meus filhos, Arthur e Gabriela,aos meus pais, Dirceu e Sheila,

à minha avó, Elisae aos meus irmãos, Fernanda e Bruno.

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Agradecimentos

Agradecer é sempre um risco quando você avança num projeto e conta com a ajuda e o apoio de diversas pessoas. O risco é esquecer alguém e cometer alguma injustiça com um ou outro que deixe escapar num momento desses. Por isso, em especial para aqueles que me incentivaram e me acom-panharam ao longo do caminho que trilhei até publicar este livro, meus sinceros agradecimentos.

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O inverno que não acabou 11Pedrinhas 17Espelho d´água 23Drywall 31A maçaneta branca 37A perder de vista 51Luz negra 57Um copo de quê? 61Conversa de asfalto 67Sete palmos 71Previsível 77Faltou-me (1) 81Faltou-me (2) 83Faltou-me (3) 85Faltou-me (4) 87Um couvert e a conta 89Ícaro 95Na cabeça do Guimarães 99Café com pombos 105Como nos velhos tempos 111Roda de amigos 117O saber 123História de uma história 129Mineiro que não perde trem 135

Sumário

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_O inverno que não acabou

O ranger agudo da cadeira contra o assoalho da va-randa não cessava, mesmo sem ter alguém sen-

tado para fazê-la balançar. A escadaria de madeira esta-lava de forma ritmada, mesmo sem ter alguém subindo ou descendo seus degraus. O telhado ecoava o barulho de um tambor que lembrava espessas gotas de chuva caindo, mesmo sem ter uma nuvem no céu. O cheiro acre e pene-trante que vinha da cozinha me embrulhava o estômago, mesmo sem ter uma panela sobre o fogão. As janelas ba-tiam por conta de um vento inquieto e raivoso, disposto a varrer minhas memórias daquele lugar.

Não sei ao certo por quanto tempo fiquei ali parado junto ao carro, observando a casa por entre as grades en-ferrujadas do muro, que já não mais a protegia, tampou-co a separava da rua; era apenas ruína. Com imponentes colunas distribuídas ao longo de sua fachada, agora cor-roídas pela idade avançada, sentia-me intimidado diante dela. Hesitei em entrar depois de tantos anos sem vê-la.

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Abri o ferrolho que prendia o portão em forma de arco e pude observar como a vegetação havia envolvido as pedras que formavam o largo caminho até a varanda. Ao me aproxi-mar da entrada, toquei com receio os vitrais que adornavam a esquadria da porta principal; a poeira mudara por comple-to sua cor original. Do lado esquerdo, era possível esticar o pescoço e ver, por uma fresta, o que tinha lá dentro.

A imagem do corredor que levava ao seu interior me fez viajar, com destino à minha infância. Era uma época em que o vento soprava como brisa, entrava e saía por todos os cantos da casa, cheio de graça e de curvas. E eu também fazia parte desse cenário, um garoto arisco, que subia e descia as escadas, deslizava pelo corrimão e pulava de dois em dois degraus, às vezes três.

Meu pai, assim que chegava do trabalho, vinha me procurar, brincando comigo de esconde-esconde. Eu ten-tava de tudo, mas ele conseguia descobrir meus esconde-rijos. Uma vez, ao me enfiar na lareira, fiquei todo coberto de cinza e nem pude abraçá-lo, fui direto para o banho. Aliás, nessa hora, quem me divertia era mamãe, enchendo a banheira de brinquedos e me deixando espalhar água pelo chão. Coisa de criança.

Antes de dormir, gostava de dividir a cama e ficar no meio dos meus dois heróis, com direito a ouvir uma histó-ria diferente a cada noite. Todas com finais felizes. A mes-ma voz que embalava meu sono era aquela que me desper-tava, entoando uma suave melodia toda manhã. Não tinha dúvida do amor que permeava a casa e eu julgava que isso jamais iria acabar. Era perfeito demais.

Ainda do lado de fora e com a tarde chegando ao fim, resolvi caminhar pelo exterior da casa em busca de ou-

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tras frestas, outros ângulos que me resgatassem fatos da memória. Próximo à porta dos fundos, a luz do sol havia sumido e o breu que se formava trouxe à tona coisas ruins, das quais seria impossível esquecer.

Eu não poderia imaginar que um dia algo ou alguém fosse capaz de abalar a relação dos meus pais. Mas aconte-ceu. Passei a escutar estranhas conversas entre eles, falan-do sobre a presença de uma terceira pessoa. Aos poucos, o que antes era diálogo foi ganhando tons ásperos, marcado por uma profunda mágoa. As discussões tornaram-se, en-tão, violentas. Rancor e ódio, sentimentos que vinham da minha mãe e do meu pai, atingindo a harmonia da casa e alimentando meu medo. O medo de que tudo desmoronas-se. Nós e a casa.

Percebi que a figura marcante de papai fora tomada por uma respiração pesada, que acusava sua preocupação com o nosso futuro lá dentro da casa. O sorriso fácil da minha mãe se rendeu a um semblante perdido e melancólico, e ela vagava pelos quartos em busca de tudo e de nada ao mesmo tempo, como se desejasse atravessar as paredes e nunca mais voltar.

Desde então, eu não precisava mais me esconder quando meu pai chegava do trabalho, pois ele não me pro-curava. Meu banho passou a ser longo e solitário, nem os brinquedos conseguiam me fazer companhia. Na hora de dormir, a cama de casal se desfez e não tinha sequer his-tória para contar. Acordava não mais com uma melodia, mas saltava apavorado com os gritos de um ou de outro, logo de manhã cedo, e o dia começava da mesma forma que terminava a noite. Tudo era sombra.

Por todos os cantos da casa, eu só via escuridão. Era um tempo em que o vento se mostrava impiedoso, as janelas

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eram jogadas com força no batente, fazendo um barulho tenso, tão tenso quanto o ambiente lá dentro. Meus pais viviam se evitando, e por isso eu costumava encontrá-los em lugares opostos: ele, pensativo, a balançar por horas na cadeira que ficava à direita na varanda. Uma vez eu o flagrei com uma expressão leve de alegria, talvez sorrindo por descrença absoluta, talvez por se encontrar imerso e perdido em alguma lembrança feliz que ficara para trás. Já minha mãe passava boa parte do dia a mexer no quintal dos fundos da casa, bem ali onde eu me encontrava ago-ra. Sua destreza ao manusear a terra e as plantas era um dom ou apenas fruto de sua ansiedade? Nessa hora, eu a imaginava em um imenso jardim, com flores de todo tipo, a perder de vista. No entanto, eu sabia que nada disso aca-baria com sua angústia.

Muitos meses se passaram dessa forma. Em pouco mais de um ano, era visível que a casa toda sofria. Fen-das e trincas se espalhavam pela estrutura. As tintas da parede estavam descascando, o telhado apodrecia com a infiltração e a sujeira entranhada no piso era de um tom tão opaco quanto assustador.

Houve, então, uma manhã diferente de todas as ou-tras. Não foram as habituais discussões que me acorda-ram. Foi a sirene da polícia. E também da ambulância. Lembro-me de um homem fardado, que me estendeu a mão e pediu, com um olhar triste, que eu o acompanhasse até a viatura do lado de fora. Encostou minha cabeça em sua cintura num sinal de conforto e pena. Ao cruzar a por-ta do quarto dos meus pais, não consegui ver com clareza o que se passava, vozes e suspiros se misturavam em meus

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ouvidos, mas percebi que havia muita gente lá dentro, en-tre policiais e médicos, remexendo lençóis avermelhados.

Não tive tempo de me despedir. Nem dos meus pais nem da casa. Fiquei anos sem retornar àquele que um dia fora meu lar. O que eu realmente queria era deixar meu passado em algum lugar, distante e guardado, para que ninguém mexesse nele, como se isso fosse possível. Restou uma vaga imagem da casa que se resumia a alguns traços, sem corpo nem alma, sem vida. E isso me trouxe um inex-plicável vazio. Descobri que era a hora de voltar.

Ao sair do carro e avistá-la depois de tanto tempo, pou-co antes de passar pelo portão, minha indiferença se desfez ao ver que eu me encontrava diante de algo ainda bastante familiar. Afinal, aquela era a minha casa. As lembranças fo-ram ganhando força, bem como cores intensas, porém nem sempre alegres. Cheguei a pensar que poderia estar lá den-tro e despertar novamente cada cômodo, mas por alguma razão permaneci em vigília vagando pelo terreno. Basta-vam-me as lembranças da casa e dos meus pais. Mesmo que quisesse voltar no tempo, não seria capaz de resgatá-los ou mudar o que havia acontecido naquela manhã.

Enquanto pensava em tudo isso, meus sentidos eram aguçados pela cadeira, pelas escadas, pelo telhado e pelo cheiro da cozinha. Certamente, tratava-se não mais do que uma simples alucinação. Exceto o vento. Por onde ca-minhasse em torno da casa, eu continuava a sentir o ven-to. Rascante e hostil como nunca fora. Mas agora já não fazia mais curva.

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