o interacionismo sociodiscursivo, o livro didÁtico e …

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1 ANA CLÁUDIA GARCIA DE CARVALHO O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO, O LIVRO DIDÁTICO E A GRAMÁTICA Dissertação apresentada à Universidade de Franca, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Linguística. Orientador: Prof. Dr. Juscelino Pernambuco FRANCA 2012

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ANA CLÁUDIA GARCIA DE CARVALHO

O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO, O LIVRO DIDÁTICO E A GRAMÁTICA

Dissertação apresentada à Universidade de Franca, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Linguística. Orientador: Prof. Dr. Juscelino Pernambuco

FRANCA 2012

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ANA CLÁUDIA GARCIA DE CARVALHO

O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO, O LIVRO DIDÁTICO E A GRAMÁTICA

COMISSÃO JULGADORA DO PROGRAMA DE MESTRADO EM LINGUÍSTICA

Presidente:___________________________________________ Prof. Dr. Juscelino Pernambuco

Instituição: Universidade de Franca

Titular 1:___________________________________________ Profa. Dra. Maria Flávia Figueiredo

Universidade de Franca

Titular 2:___________________________________________ Profa Dra Soraya Maria Romano Pacífico

(USP) Ribeirão Preto

Franca, 15/03/2013

3

DEDICO este trabalho a todos os professores de Português deste País, principalmente, aos do ensino fundamental e médio, meus colegas de angústia, alegrias e inquietação.

4

AGRADECIMENTOS

AGRADEÇO a Deus, pelo amor incondicional e por saber que nunca desistirá

de mim;

aos meus pais (in memoriam) que me ensinaram que são as dúvidas que nos

impulsionam para o conhecimento;

ao meu esposo, Marcelo, por estar à frente e por trás de minhas ações.

Obrigada pelo carinho;

aos meus filhos, Felipe e Marcelo Filho, que incansavelmente acompanharam

minhas alegrias e tristezas durante todo o mestrado.

em especial, ao meu orientador Prof. Dr. Juscelino Pernambuco, que com

paciência e carinho, de mestre e amigo, mostrou-me que mais importante que o

conhecimento sobre algo é ter a humildade intelectual, a fim de passar adiante esse

conhecimento, respeitando as diferenças e limites dos alunos, assim como o fez comigo e faz

com todos os seus orientandos;

às Professoras Doutoras Vera Lúcia Rodella Abriata e Maria Flávia

Figueiredo, que muito contribuíram com correções e sugestões no exame de qualificação.

a todos os meus colegas de mestrado, em especial a minha amiga Adriana

Pernambuco que partilhou das minhas aflições;

a todos os meus alunos do SENAC, do Curso de Letras, Pedagogia e Núcleo

de Disciplinas Comuns – NDC da Universidade de Rio Verde por partilharem da minha vida

e por serem os motivos para eu continuar trilhando os caminhos da pesquisa;

às amigas do departamento de Letras e Pedagogia. Em especial, Luciana

Gomes de Lima, minha Coordenadora, por entender minhas viagens, colaborar com os

horários e por ser uma grande amiga;

à minha ex-mestra, amiga e colega de trabalho, Lígia do Prado Mello

Junqueira, pelas trocas de experiência sobre o trabalho e por ouvir meus lamentos com muita

paciência em alguns momentos de dúvidas;

A todos, o meu muito obrigada.

5

É a língua e não o solo que constitui o meio e o lugar de nosso enraizamento num povo, numa nação, numa pátria. Fernando Pessoa Difícil não é arranjar ideias novas, mas fugir das antigas.

John Maynard Keynes

6

RESUMO

CARVALHO, Ana Cláudia Garcia de. O interacionismo sociodiscursivo, o livro didático e a gramática. 2012. 83f. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Universidade de Franca. A interação verbal é a realidade fundamental da língua e o discurso é o modo pelo qual os sujeitos produzem essa interação - um modo de produção social da língua. A partir das reflexões e descobertas de Mikhail Bakhtin (2006) e das investigações de Jean-Paul Bronckart (2009) sobre o interacionismo sociodiscursivo (ISD) esta pesquisa investiga como é trabalhada a gramática nos livros didáticos de Língua Portuguesa, no ensino fundamental. Para tanto, parte dos estudos dos seguintes livros: Português Linguagens, de William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães e A Aventura da Linguagem, de Luiz Carlos Travaglia, Maura Alves de Freitas Rocha e Vania Maria Bernardes Arruda Fernandes. Para construção da metodologia, a presente pesquisa considerou seu caráter teórico e investigativo e delimitou duas etapas de análise. A primeira será a discussão dos conceitos de interacionismo bakhtiniano e interacionismo sociodiscursivo bronckartiano. A segunda etapa será a discussão e a análise do trabalho que é proposto sobre a gramática nesses manuais. A pesquisa se torna relevante a partir do fato de que, ainda hoje, tem sido constatado insucesso no ensino da Língua Portuguesa como língua materna na escola brasileira. Além disso, justifica-se pela dificuldade que muitos professores enfrentam no ensino de gramática. Esse trabalho pretende fornecer contribuições para o trabalho pedagógico do professor com base no interacionismo sociodiscursivo para o ensino de Língua Portuguesa em que a gramática seja tratada como um meio para se chegar ao domínio dos usos da língua, a fim de que o ensino da Língua Portuguesa se torne mais produtivo em termos de aprendizagem. A pesquisa que fizemos levaram-nos a descobrir que o livro didático de Português, mesmo depois do lançamento dos PCNs, não tem conseguido ainda ser o que precisa ser: um manual de auxílio do aluno na ampliação de suas habilidades de uso da língua para ler e escrever. Ele continua ainda focado predominantemente no ensino metalinguístico e não na atividade de uso da língua. Palavras-chave: Interação; Língua Portuguesa; Bakhtin; Bronckart.

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ABSTRACT

CARVALHO, Ana Cláudia Garcia de. Sociodiscoursive interactionism, the textbook and grammar. 2013. 83p. Dissertation (Master’s degree in Linguistics) – Universidade de Franca. Verbal interaction is the fundamental reality of language and discourse is the way by which the subjects produce this interaction – a way of social production of language. Based on Mikhail Bakhtin’s (2006) reflections and discoveries and Jean-Paul Bronckart’s (2009) investigations about sociodiscoursive interactionism (SDI), this research studies how grammar is approached in the Portuguese language textbooks, from the 6th to the 9th grade. The following textbooks were examined: Português Linguagens, by William Roberto Cereja and Thereza Cochar Magalhães, and A Aventura da Linguagem, by Luiz Carlos Travaglia, Maura Alves de Freitas Rocha and Vânia Maria Bernardes Arruda Fernandes. As far as the methodology is concerned, this research considered its theoretical and investigative character and two stages of analysis were delimited. The first is the discussion of Bakhtin’s interactionism concepts and Bronckart’s sociodiscoursive interactionism concepts. The second is the discussion and analysis of the grammar work proposed by the textbooks. The rbesearch becomes relevant because, up to now, the failure of Portuguese language teaching as a first language in Brazilian schools has been testified. Moreover, it is justified by the difficulty that many teachers face in the teaching of grammar. This study aims at providing contribution to teachers’ pedagogical action based on sociodiscoursive interactionism for the teaching of the Portuguese language in which grammar is treated as a means to achieve mastery over language use, so that the teaching of the Portuguese language becomes more productive in terms of learning. As result of the analysis, we found that the textbook mediates specific student with the world, but that the teaching of the Portuguese language is also focused on teaching the metalinguistic activity and not the use of the language. Keywords: Interaction; Portuguese; Bakhtin; Bronckart.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Unidade 1 – Português Linguagens. A língua em foco 52

Figura 2 – Unidade 2 – A Aventura da linguagem. Pensando a língua 53

Figura 3 – Unidade 3 – A Aventura da linguagem. Pensando a língua 53

Figura 4 – Unidade – Português linguagens. A língua em foco 55

Figura 5 – Unidade Português linguagens. A língua em foco 57

Figura 6 – Unidade Português linguagens. A língua em foco 59

Figura 7 – Unidade Português linguagens. A língua em foco 61

Figura 8 - Unidade 2 - A Aventura da linguagem. Pensando a língua 64

Figura 9 - Unidade 2 - A Aventura da linguagem. Pensando a língua 66

Figura 10 - Unidade 2 - A Aventura da linguagem. Pensando a língua 68

Figura 11- Unidade 2 - A Aventura da linguagem. Pensando a língua 70

Figura 12- Unidade 2 – Capítulo 8 – Pensando a língua - Aprendendo mais sobre orações.

72

Figura 13 - Unidade 3 – Capítulo 8 – Pensando a língua - Aprendendo

mais sobre orações.

74

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11

CAPÍTULO I .......................................................................................................................... 13

1 O INTERACIONISMO ...................................................................................................... 13

1.1. A CONCEPÇÃO DE INTERAÇÃO E INTERACIONISMO .......................................... 13

1.2. OS ESTUDOS INTERACIONISTAS .............................................................................. 15

CAPÍTULO II ......................................................................................................................... 19

2. O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO (ISD) .................................................... 19

2.1. A ORIGEM DO ISD ........................................................................................................ 19

2.2. O PRIMEIRO PLANO GENÉTICO: A FILOGÊNESE ................................................... 20

2.3. O SEGUNDO PLANO GENÉTICO: A ONTOGÊNESE ................................................ 21

2.4. O TERCEIRO PLANO GENÉTICO: A SOCIOGÊNESE ............................................... 24

2.5. O QUARTO PLANO GENÉTICO: A MICROGÊNESE ................................................. 26

2.5.1. A microgênese e o livro didático como instrumento de mediação ................................. 27

CAPÍTULO III ....................................................................................................................... 34

3. O INTERACIONISMO E O LIVRO DIDÁTICO .......................................................... 34

3.1 A PRÁTICA DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA ............................................... 34

3.2. INDECISÕES NO ENSINO DA GRAMÁTICA ............................................................. 36

3.3. DE QUE GRAMÁTICA ESTAMOS FALANDO? .......................................................... 39

3.4. O INTERACIONISMO E A AVALIAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL ...... 40

3.5. O LIVRO DIDÁTICO E O PROFESSOR ........................................................................ 42

3.6. O LIVRO DIDÁTICO E O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA ............................. 44

CAPÍTULO IV ........................................................................................................................ 48

4. UMA EXPERIÊNCIA COM O PROJETO “MAPEANDO A GRAMÁT ICA NO

LIVRO DIDÁTICO” .............................................................................................................. 48

4.1 RELATO DA EXPERIÊNCIA .......................................................................................... 48

4.2 ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS ............................................................................ 50

4.3 TÍTULOS .......................................................................................................................... 51

4.4 SUMÁRIOS ....................................................................................................................... 52

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4.4.1 Sumário – Português Linguagens ................................................................................... 52

4.4.2 Sumário – Aventura Da Linguagem ............................................................................... 53

4.4.3 Sumário – Aventura da linguagem ................................................................................. 53

4.5 PORTUGUÊS LINGUAGENS – PL: ORAÇÕES SUBORDINADAS SUBSTANTIVAS

.................................................................................................................................................. 54

4.6 ANÁLISE DAS ORAÇÕES SUBORDINADAS SUBSTANTIVAS NO LIVRO

DIDÁTICO - AVL ................................................................................................................... 62

4.6.1. Análise 8 – Livro didático - A Aventura da Linguagem (AVL) – Orações Subordinadas

Substantivas .............................................................................................................................. 63

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 76

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 80

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INTRODUÇÃO

O ensino da língua materna no Brasil apresenta os contornos de uma grave

crise tanto na rede pública de ensino quanto nas instituições privadas. Um indício de tal

afirmação são os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM e dos

vestibulares. A partir daí podemos inferir que o ensino da língua materna não tem conseguido

o objetivo de ensinar a ler e a escrever.

O presente trabalho tem como enfoque as propostas de ensino da gramática

presentes nos livros didáticos do ensino fundamental, com base no arcabouço teórico do

Interacionismo a partir das propostas de Mikhail Bakhtin (2006) sobre o tema e do

Interacionismo Sociodiscursivo de Jean-Paul Bronckart (2009). A partir do conceito de agir

comunicativo de Bronckart e das reflexões de Bakhtin sobre o interacionismo, busca-se

refletir sobre uma possível mudança de paradigmas no desenvolvimento do ensino da

gramática no livro didático.

Esta pesquisa busca, ainda, investigar as propostas de ensino da gramática, a

partir da análise dos livros que compõem o corpus da pesquisa - os livros didáticos do 9º ano

do ensino fundamental intitulados: Português Linguagens, dos autores William Roberto

Cereja e Thereza Cochar Magalhães; e A Aventura da Linguagem, dos autores Luiz Carlos

Travaglia, Maura Alves de Freitas Rocha e Vania Maria Bernardes Arruda-Fernandes. A

escolha do corpus se deu quando, em 2009, teve início o Projeto “Mapeando a Gramática e o

Livro Didático”, direcionado aos estudantes dos cursos de graduação em Letras (primeiro

período) e Pedagogia (primeiro período) da Universidade de Rio Verde – FESURV, quando

foi analisado o ensino da Língua Portuguesa nas gramáticas e livros didáticos como prática de

pesquisa. Na ocasião, muitos questionamentos foram levantados, principalmente sobre o

ensino da Língua Portuguesa no livro didático. Assim, ocorreu a motivação para continuar a

pesquisa acerca do tema.

Para fins metodológicos a pesquisa analisa as práticas do ensino da gramática e

de avaliação dos exercícios propostos nos livros didáticos. O objetivo é verificar se o

tratamento do ensino da gramática está baseado na orientação sobre a linguagem e a interação,

12

a partir dos conceitos de Bakhtin e da orientação Interacionista Sociodiscursiva (ISD) de

Bronckart (2009).

A justificativa da pesquisa está ligada ao fato de que tem sido ainda constatado

o insucesso do ensino de português como língua materna na escola brasileira. Além da

dificuldade que os professores enfrentam no ensino da gramática, principalmente quando esta

é tratada como um fim em si mesma. A partir das análises realizadas a busca é verificar em

que medida o ensino gramatical nos livros didáticos pode ser mais produtivo, partindo da

hipótese de que se houver um ensino do uso da língua e não apenas um ensino a respeito dos

aspectos gramaticais desvinculados do uso prático. Partiremos do princípio de que o ensino de

orientação interacionista leva o professor e o aluno a perceber em que o domínio das

estruturas da língua só se tornam importantes na interação discursiva.

A partir das análises, essa pesquisa busca contribuir para o trabalho pedagógico

do professor de Língua Portuguesa, propondo os princípios interacionistas como sustentação

do ensino.

Além das contribuições de Bakhtin (2006) e de Bronckart (2009) acerca do

interacionismo e do interacionismo sociodiscursivo, esta pesquisa considera outros estudiosos

que defendem que o ensino metalinguístico não amplia as habilidades cognitivas dos alunos.

Entre esses pesquisadores estão Geraldi (2004); Pernambuco (2010); Morato (2007);

Mendonça (2002) e Vigotski (2003).

No primeiro capítulo trataremos da apresentação dos conceitos do

Interacionismo, e seus princípios teóricos. No segundo capítulo trataremos da origem do

Interacionismo Sociodiscursivo e da contribuição dos planos genéticos, ancorados na

psicologia, aos estudos do ensino da Língua Portuguesa nos livros didáticos. No terceiro

capítulo discutiremos o interacionismo e o livro didático. No quarto capítulo analisaremos o

título, sumário, fragmentos da teoria gramatical e de alguns exercícios apresentados nos livros

didáticos do ensino fundamental.

13

CAPÍTULO I

1 O INTERACIONISMO

1.1 A CONCEPÇÃO DE INTERAÇÃO E INTERACIONISMO

Ao longo da dissertação serão discutidos os conceitos de interação segundo

Bakhtin (2006) e interacionismo sociodiscursivo segundo Bronckart (2009) com o objetivo de

identificar se tais conceitos estão presentes na prática do ensino da gramática no livro didático do

ensino fundamental.

Interagir pela linguagem significa realizar uma atividade discursiva, conforme

afirma Bakhtin (2006), o que é dito em um discurso depende das finalidades e intenções do

locutor, bem como dos conhecimentos que, supostamente, o receptor possui sobre o assunto em

questão.

Ao longo do tempo, com as transformações nos estudos da linguagem, a

preocupação passa a ser, por volta dos anos 1970, com a melhoria da qualidade de ensino no

Brasil. O ensino era mais favorecido aos estudos sobre como aprender e ensinar a Língua

Portuguesa na escola.

Nos anos 70, o ensino passa a ser, dirigido também às camadas populares, embora

a escola não estivesse ainda preparada para receber as crianças que ainda não dominavam a norma

considerada padrão da língua. Com os estudos sobre como aprender e ensinar a Língua

Portuguesa na escola, Brasil (1998) considera que:

O objetivo do ensino e, portanto, de aprendizagem é o conhecimento linguístico e discursivo com o qual o sujeito opera ao participar das práticas sociais mediadas pela linguagem. Organizar situações de aprendizagem, nessa perspectiva, supõe: planejar situações de interação nas quais esses conhecimentos sejam construídos e/ou tematizados; organizar atividades que procurem recriar na sala de aula situações enunciativas de outros espaços que não o escolar, considerando-se sua especificidade e a inevitável transposição didática que o conteúdo sofrerá; saber que a escola é um espaço de interação social onde práticas sociais de linguagem acontecem e se circunstanciam, assumindo características bastante específicas em função de sua finalidade: o ensino (BRASIL, 1998, p. 22).

14

As considerações acerca do objetivo do ensino sugeridas pelos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs) marcam a interação do aluno no âmbito social, a partir das

práticas sociais envolvidas no ensino da Língua Portuguesa. Morato (2007) faz um estudo

historiográfico do surgimento da Linguística Interacional e afirma que a Sociologia, a

Filosofia, a Psicologia, entre outras ciências, impulsionaram os estudos interacionistas.

O que é focalizado a partir da delimitação da noção de interação no campo da linguística Interacional (cf. Kerbrat- Orecchioni, 1990, 1998; Vion, 1992; Mondada, 1994, 2001) configura um conjunto de questões ligadas a todo tipo de produção linguística que é considerada material interativo: práticas, estratégias e operações linguageiras, dinâmicas de trocas conversacionais, comunicação verbal e não-verbal, construção de valores culturais, atividades referenciais realizadas pelos falantes, normas pragmáticas que presidem a utilização da linguagem etc (MORATO, 2007, p. 322).

Conforme ressalta Morato (2007, p. 322), a dúvida ou a falta de respostas aos

questionamentos sobre os estudos da linguagem impulsionaram as pesquisas sobre a interação

no ensino da Língua Portuguesa. A autora explica que os conceitos de interação e

interacionismo tomam forma com maior expressividade quando são direcionados para as

teorias bakhtinianas. Sendo assim, a interação é a base da construção do conhecimento da

dupla natureza da linguagem - cognitiva e social. Ressalta ainda, que o conceito de

interacionismo bakhtiniano é instaurado a partir do dialogismo e responsividade da linguagem

(MORATO, 2007, p. 348).

Levando em consideração o agir do sujeito em seu mundo de comunicação, o

ensino interacionista passa a ser necessário na prática do ensino da Língua Portuguesa. Ele

pode levar para a sala de aula textos que circulem no mundo social do estudante e não apenas

os textos literários. Com isso é possível que as abordagens linguísticas não valorizem

predominantemente o ensino a respeito da língua, mas um ensino do uso da língua.Mesmo

com as discussões acerca da necessidade de melhorar a qualidade do ensino da língua materna

no Brasil, há ainda uma certa insegurança por parte dos professores quanto ao que ensinar e

como avalizar para atestar o nível das habilidades de leitura, escrita e interpretação de textos.

Quando os linguistas brasileiros, por volta da década de 70, começaram a concentrar a atenção sobre o ensino de gramática, muita insegurança foi gerada no ambiente pedagógico. Pela credibilidade que a Teoria Linguística começava a construir entre nós, os professores do antigo ensino de 1º e 2º graus, atualmente denominado ensino básico, viram-se numa situação desconfortável. As questões que se projetavam eram as que se seguem: ensinar ou não ensinar gramática? Como ensinar gramática? Gramática ou texto? Gramática através de textos? (PERNAMBUCO; FIGUEIREDO, 2010, p. 138-139).

15

Para os estudiosos da área houve naquela época e ainda há, possivelmente, um

desconforto entre os professores sobre como ensinar a Língua Portuguesa e utilizar a

gramática como meio para o domínio dos usos considerados cultos pela sociedade e não

como a vilã da prática docente, Assim, os estudos interacionistas colaboraram com uma visão

de comunicação na concretude das relações sociais, sem a falácia de alguns desavisados de

que nos estudos linguísticos tudo seria permitido. Tal pensamento defende um modo de usar a

língua pelos diferentes sujeitos e nas diferentes situações, o que significa enfatizar o ensino da

variedade linguística não padrão. Para Evanildo Bechara, “o sucesso da educação linguística é

transformar o aluno num poliglota” dentro de sua própria língua nacional”, (2002, p. 38)

Existem estudiosos que consideram a variação e a mudança linguística como

fatos intrínsecos aos processos sociais de uso da língua e o seu ensino pode contribuir para

que a escola entenda as dificuldades dos alunos e seja capaz de atuar mais pontualmente para

que estes venham a compreender quando e onde determinados usos têm ou não legitimidade.

Com isso, seria possível alcançar uma consciência social e linguística e atuar de forma mais

consciente nas interações de que participassem, fossem elas vinculadas à práticas orais ou à

práticas escritas de interação.

Há então uma mudança significativa no modelo de ensino da língua/linguagem

em 1980, de estudos normativos e filológicos à variação linguística e também

psicolinguística. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), de 1998, o

texto passa a ser visto como uma totalidade que só alcança determinado status por um

trabalho conjunto de construção de sentidos. Para tanto é preciso que tanto o produtor quanto

o receptor estejam engajados, assim os gêneros textuais passam a ser estudados com mais

atenção, graças à linguística interacionista. A influência dos estudos da psicologia nos estudos

da linguística será discutida com maior acuidade no capítulo 2 deste trabalho. Por hora, a fim

de entendermos as discussões acerca de possíveis mudanças de modelo na prática do ensino

da Língua Portuguesa no livro didático será importante discutirmos algumas reflexões

interacionistas. Para tanto, buscamos as reflexões de teóricos que influenciaram a

continuidade dos estudos sobre linguagem.

1.2 OS ESTUDOS INTERACIONISTAS

16

Iniciaremos com um dos pesquisadores que mais influenciaram os estudos

sobre o interacionismo: Mikhail Mikháilovich Bakhtin. Nascido na cidade russa de Orel em

1895, o filósofo é o precursor da Teoria da Enunciação e colaborador da prática docente em

suas reflexões filosóficas sobre a linguagem. O filósofo explica que as primeiras pesquisas

sobre a linguagem se deram a partir de um sistema de normas imutáveis, de formas

normativas. Assim, para Bakhtin o sistema linguístico era como um “fato objetivo externo à

consciência individual”. Com isso surgiram questionamentos tais como os que pensavam de

que forma seria possível pensar a evolução da língua de maneira contínua? Todos os

indivíduos pensam e se comunicam da mesma maneira? E, as regras gramaticais definem

como vamos nos comunicar ou interagir com o outro na sociedade?

O teórico dedicou-se ao estudo das questões acerca do processo de evolução

dos estudos da linguagem. Para Bakhtin (2006), a evolução da língua, ao contrário do

pensamento anterior, é de caráter ininterrupto e se modifica de acordo com o tempo em que o

indivíduo vive. É a partir do processo de tomada de consciência do sujeito, que este passa a

utilizar a língua/linguagem a seu favor de forma que possa ser entendido dentro de sua

individualidade. Bakhtin (2006) afirma que a tomada de consciência pelo sujeito sobre a

linguagem depende tanto da percepção do locutor, quanto da atuação do receptor nesse jogo

comunicacional. O processo de consciência do indivíduo é percebido a partir compreensão

das palavras.

Assim, na prática viva da língua, a consciência linguística do locutor e do receptor nada tem a ver com um sistema abstrato de formas normativas, mas apenas com a linguagem no sentido de conjunto dos contextos possíveis de uso de cada forma particular. Para o falante nativo, a palavra não se apresenta como um item de dicionário, mas como parte das mais diversas enunciações dos locutores A, B, ou C e sua comunidade e das múltiplas enunciações de sua própria prática linguística (BAKHTIN, 2006, p. 96).

Bakhtin (2006, p. 96) defende a ideia de que a consciência linguística dos

sujeitos falantes não tem relação direta com a forma linguística enquanto tal, nem com a

própria língua como tal. Segundo afirma Bakhtin, as unidades da língua desvinculadas do seu

uso vivo em situação de interlocução não interessam para a análise. As unidades morfológicas

e lexicais só existem com a finalidade de servirem à atuação discursiva dos usuários. De

modo que o ato comunicacional só poderá existir se houver reciprocidade, ou seja, quando

existe um interlocutor para efetivar a comunicação. E que o pensamento do estudo da

língua/linguagem uno se nutre dos cadáveres das línguas escritas, sem levar em consideração

a fala.

17

A afirmação de Bakhtin (2006, p. 103) de que a língua é uma criação da

sociedade o coloca, a princípio, como interacionista. E revela que dependemos da linguagem

no social e não da língua pura/dura, tal como se fosse tirada de manuais que tentam moldar o

que, como e quando algo será dito. Os estudos de Bakhtin foram amplamente utilizados em

pesquisas de línguas estrangeiras com a finalidade de mostrar que não há uma língua para

todos os povos e que, mesmo em uma única sociedade, que tenha o mesmo idioma não haverá

uma língua/linguagem homogênea. Parte-se do princípio de que a heterogeneidade dos

sujeitos e das condições de emprego da linguagem se encontram na heterogeneidade do

discurso.

O sentido da palavra é totalmente determinado por seu contexto. [...] Com efeito, a linguística estuda as línguas vivas como se fossem mortas e a língua nativa como se fosse estrangeira. [...] A ficção da palavra como decalque da realidade ajuda ainda mais a congelar sua significação. Sobre essa base, a associação dialética de unicidade e de pluralidade torna-se impossível (BAKHTIN, 2006, p. 107).

Para Bakhtin (2006), o contexto do que é dito depende de quem disse, do que

disse, por quê disse e quando disse. Tais informações revelam que é na interação discursiva

que a comunicação se faz de maneira ininterrupta. Por essa razão, o objetivismo abstrato foi

por muito tempo negado. A justificativa é de que este teria apresentado a língua/linguagem

como produto acabado e isso foi passado de geração a geração. Na presente pesquisa, as

questões acerca da aquisição da língua materna e da tomada de consciência da mesma serão

tratadas adiante em tópico específico sobre a contribuição da psicologia para o estudo da

linguagem, a partir das reflexões de Vigotski. As pesquisas bakhtinianas defendem a ideia de

que o pensamento filosófico-linguístico considera o subjetivismo como enunciação

monológica, ou seja, o ato de comunicação se dá a partir do pensamento e da criatividade

individual do sujeito que fala. O estudioso postula que existem duas esferas da expressão.

A expressão comporta, portanto, duas facetas: o conteúdo (interior) e sua objetivação exterior para outrem (ou também para si mesmo). Toda teoria de expressão, por mais refinadas e complexas que sejam as formas que ela pode assumir, deve levar em conta, evitavelmente, essas duas facetas: todo o ato expressivo move-se entre elas (BAKHTIN, 2006, p 113).

Bakhtin (2006, p. 113) observava que o ato responsivo da linguagem, da

comunicação, se dava nas situações do cotidiano. Para ele, o subjetivismo idealista não

passava de um engessamento que não representava um diálogo real. Seus estudos contrários

aos do estruturalismo, da psicanálise e do formalismo não foram existencialistas, mas voltarão

18

à essência do ato de viver. Segundo o autor, a mobilidade do ato expressivo e da interação

parte tanto do sujeito quanto do mundo em que este se constitui e está amparada em uma

determinada época. Ainda afirma que é a expressão que organiza a atividade mental, que a

modela e determina sua orientação (BAKHTIN, 2006, p. 114). Ao comentar sobre o

pensamento de Bakhtin (2006), Pernambuco e Figueiredo (2008) afirmam que as

considerações filosóficas de Bakhtin podem fundamentar um trabalho produtivo com a

gramática na escola, porque colocam a interação como centro da preocupação pedagógica

com a linguagem.

[...] assim, indica a necessidade de a reflexão sobre a normatividade gramatical vir a ser função da interação, do uso real da linguagem e não de um saber sobre a linguagem. Desse modo, torna-se possível um trabalho mais interessante sobre a gramática como meio de se alcançar a interlocução viva e primordial para a vida em sociedade (PERNAMBUCO; FIGUEIREDO, 2008, p. 138).

Tais considerações acerca da teoria de Bakhtin (2006, p. 138) possibilitam, portanto, o

estudo da prática do ensino da gramática em ação coadjuvante quando defendem que a

normatividade gramatical deve servir à interação. O que implica ampliar as possibilidades de

trabalhar a gramática a partir da axiologia do sujeito em um momento histórico e social, mas

atento à realidade de que o sujeito não é totalmente assujeitado e nem possui plena autonomia.

Esta discussão sobre o sujeito autônomo será foco do capítulo 2 deste trabalho. É preciso

considerar ainda que o ato da comunicação dependerá de questões ideológicas, de onde,

quando, por que e para quem são direcionados os discursos.

19

CAPÍTULO II

2 O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO (ISD)

2.1 A ORIGEM DO ISD

O foco deste segundo capítulo serão os estudos linguísticos a partir da teoria

interacionista, inicialmente apresentada no capítulo I, além da teoria Interacionista

Sociodiscursiva, de Jean- Paul Bronckart, e as contribuições da Psicologia, que têm como

base as representações históricas, sociais e psicológicas nas discussões sobre a prática de

ensino da Língua Portuguesa nos livros didáticos. Muitos são os estudiosos que se dedicaram

à análise do livro didático, tais como Dias (2002), Rojo (2003), Rangel (2002), Pernambuco

(2010), Mendonça (2002), e outros que buscam investigar as práticas do ensino da Língua

Portuguesa, a fim de ampliar as habilidades dos alunos, com os recursos linguísticos na

produção de suas próprias enunciações.

Dentre os estudiosos do tema, Jean-Paul Bronckart (2009) se destaca com seu

estudo interacionista sociodiscursivo. Psicólogo, psicolinguísta do desenvolvimento,

psicopedagogo das línguas e engajado nas reformulações dos programas e dos métodos de

ensino do Françês, Bronckart tem fortes influências dos estudos bakhtinianos. Segundo

Bronckart o Interacionismo sociodiscursivo (ISD) nasce do prolongamento do interacionismo

social resultado dos estudos de Vigotski (2003) e de George Mead (1934). Bronckart (2009)

defende que na teoria do ISD os processos de construção social, cultural e de construção da

pessoa são inseparáveis de um mesmo processo de desenvolvimento humano. Para ele, o

interacionismo tem como prioridade o papel dos sujeitos na organização de comunicação.

Essa interação ganhou força com os estudos da Psicologia. Percebemos que

Bronckart (2009) em seus estudos sobre a psicologia defende que o pensador suíço Jean

Piaget foi um expoente nos estudos da aquisição do conhecimento, mas o salto para a

discussão sobre a ação, intervenção pedagógica e sobre o papel do educador na formação dos

sujeitos, que têm na escola uma instituição fundamental para o desenvolvimento psíquico,

20

está registrado na obra de Lev Semiónovitch Vigotski acerca do pensamento e da linguagem.

Vigotski (2003) percebeu que é, também, no ambiente sociossemiótico que o estudante se

apropria do conhecimento a fim de se comunicar efetivamente e quando este adquire o

conhecimento há uma dialética entre dimensões semânticas das línguas naturais e dimensões

sincrônicas sobre a situação de ação (BRONCKART, 2009).

De acordo com Vigotski (2003) existem estudos acerca da forma pela qual o

sujeito adquire o conhecimento. Conhecimento esse fundamental para o entendimento de

como se dá o processo de interação. Em seu livro “Pensamento e Linguagem”, o autor

defende a existência de quatro planos genéticos, que seriam as entradas de desenvolvimento

que juntas caracterizam o funcionamento psicológico do ser humano. A primeira é a

filogênese que seria a história da espécie humana; a segunda, ontogênese, ou seja, a história

do conhecimento do indivíduo; a terceira, a sociogênese que seria a história cultural do meio

em que o sujeito está inserido; e a quarta, microgênese, ou seja, o aspecto mais microscópio

do desenvolvimento. Qual a pertinência no estudo dos planos genéticos para esta pesquisa?

Entendemos que a interação verbal é a realidade fundamental da língua e o discurso é o modo

pelo qual os sujeitos produzem interação, sendo assim, analisar e discutir sobre como o

individuo se desenvolve ancorado em suas próprias características na cultura e na história

torna-se fundamental. Tal perspectiva busca ampliar o conhecimento para professores, futuros

professores, estudantes e demais interessados na prática do ensino da gramática no livro

didático.

2.2. O PRIMEIRO PLANO GENÉTICO: A FILOGÊNESE

Bronckart (2009) explica que algumas espécies animais agem de forma

idiossincrática diferente do ser humano pelo fato de que no mundo animal não há o

dialogismo, a polifonia na comunicação entre os seres. A correspondência do animal e sua

resposta a comunicação ocorre de forma direta, enquanto na comunicação humana há

marcações de processos de negociação, contestação, negação, afirmação, dúvida, entre outros.

Assim, a comunicação entre seres humanos é um processo negociado. O ser humano é

biologicamente dotado de capacidades comportamentais mais poderosas que os outros

mamíferos.

21

Entretanto, sendo biologicamente dotados de capacidades comportamentais mais poderosas que as dos outros mamíferos, devido principalmente pela liberação das mãos, os seres humanos produziram instrumentos que reforçaram e prolongaram suas capacidades comportamentais [...]. As produções sonoras originais teriam sido motivadas por essa necessidade de acordo; no início, temporal e deiticamente associadas às intervenções sobre os objetos, teriam se constituído para os congêneres, em pretensões concretas à designação dessas mesmas intervenções. [...]. A linguagem propriamente dita teria então emergido sob o efeito de uma negociação prática (ou inconsciente) das pretensões à validade designativa das produções sonoras dos membros de um grupo envolvidos em uma mesma atividade. Portanto, seria na cooperação ativa que se estabilizariam as reações designativas, como formas comuns de correspondência entre representações entre quaisquer aspectos do meio, isto é, como signos, na acepção saussureana mais profunda do termo (BRONCKART, 2009, p. 32).

Percebemos então que somos marcados como diferentes de outros animais no

plano genético, ou seja, somos seres bípedes, com a conformidade das mãos que nos

permitem ter movimentos de coordenação motora finos. Dessa maneira, desenvolvemos

atividades particulares e temos a visão binocular e, principalmente, nos comunicamos de

modo diferente de outros animais. O cérebro do humano, segundo Vigotski (2003) é flexível,

o que significa que é menos pronto ao nascer e, de acordo com o que o ambiente oferece o

cérebro vai se adaptando e funcionando de uma determinada maneira ou de outra. Assim, o

sujeito está em constante desenvolvimento e é possível que ele amplie suas habilidades

cognitivas no convívio social. Mas, para elucidar sobre os seres congêneres diferentes dos

outros animais e que são colaboradores entre si, é preciso deixar de lado a questão do

desenvolvimento psíquico e individual, quando Bronckart (2009) aponta que a emergência do

agir comunicativo é também constitutiva do social e que após a cristalização, os signos

ganham contornos individuais dentro de um grupo.

2.3. O SEGUNDO PLANO GENÉTICO: A ONTOGÊNESE

Fiel à abordagem interacionista, Bronckart (2009) se interessa pelas relações de

comunicação entre os indivíduos estabelecidas na interação semiótica. Não se trata de uma

competência inata como preconizava o linguista estadunidense Noam Chomsky, mas de uma

competência adquirida na atividade de ação da linguagem, na interação sóciodiscursiva dos

sujeitos de uma dada sociedade, ou seja, as relações que os indivíduos têm com os signos

22

linguísticos no social. Essa relação do desenvolvimento individual do ser humano com o

meio social é chamada de ontogênese. Ela se manifesta na capacidade do bebê de imitação,

que a partir daí consegue produzir as propriedades da fala, assim o bebê cria suas próprias

representações dos signos, que seriam, segundo Bronckart (2009) imotivados.

Sob o efeito dessa orientação social das ações e produções sonoras de outro. Sob o efeito dessa orientação social das ações de linguagem e das outras ações, a criança se integra às práticas designativas do meio social, torna-se progressivamente apta a reproduzir sequências sonoras mais ou menos conformes e mais ou menos apropriadas à designação dos objetos. Em outros termos, começa a reproduzir as formas de correspondências entre o domínio do sonoro e o dos outros objetos, tais como lhe são propostas por seu meio social.[...], a interiorização dos signos (BRONCKART, 2009, p. 52-53).

O sujeito inicia, assim, um processo de construção dos signos e essas

construções das características estruturais e funcionais das organizações sociais e das formas

são de interação semióticas, ou seja, dos signos. As questões semióticas e/ou dos signos,

segundo Bronckart (2009), foram influenciadas pelo linguista e filósofo suíço, Ferdinand

Saussure, bem como por todos os estudiosos de sua geração.

O signo linguístico une não uma coisa a uma palavra, mas um conceito a uma imagem acústica. Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão (empreinte) psíquica dêsse som, a representação que dêle nos dá o testemunho de nossos sentidos, tal imagem é sensorial e, se chegamos a chamá-la “material”, é somente neste sentido, e por oposição ao outro termo da associação, o conceito, geralmente mais abstrato. [...] E porque as palavras da língua não são para nós imagens acústicas, cumpre evitar falar dos “fonemas” de que se compõem. Esse termo que implica uma ideia de ação vocal, não pode convir senão à palavra falada à realização da imagem interior no discurso. Com falar de sons e de sílabas de uma palavra, evita-se o mal-entendido, desde que nos recordemos tratar-se de imagem acústica (SAUSSURE, 2003, p. 80).

Desse ponto de vista, há a percepção das coisas do mundo a partir de suas

nomeações. A realidade se faz quando as coisas, os signos, são nomeados e esses podem ser

tanto verbais quanto pictóricos, gestuais, etc. Os signos seriam como pistas para entender o

mundo e seus sistemas e quanto mais se conhecem os signos, mais o sujeito se aproxima

destes e os interpreta, mais representações sobre o mundo terá.

Fiorin (2011, p. 68) compara os signos a etiquetas que são colocadas nas coisas

para que haja a percepção do mundo e do que a língua nomeia. Essas etiquetas variam de

língua para língua e categorizam o mundo. A partir dos estudos saussurianos é possível

23

explicar, como faz Fiorin (2011) que o signo não é a realidade, não une um nome a uma coisa,

mas um conceito a uma imagem acústica. Saussure (2003) explica:

Propomo-nos a conservar o termo signo para designar o total, e a substituir conceito e imagem acústica respectivamente por significante e significado, estes dois termos têm a vantagem de assimilar a oposição que os separa, que entre si, quer do total de que fazem parte (SAUSSURE, 2003, p. 81).

Ao conceito do signo, Saussure (2003, p. 81) chama significado e à imagem

acústica o significante, sendo ambos inseparáveis. O significado é a representação e não a

realidade do signo no mundo porque há diversas formas de entender as coisas, seja no social,

na história, no ser humano. Para Saussure (2003) o signo é uma entidade de duas faces e uma

reclama a outra à maneira do verso e do universo de uma folha de papel, em que percebemos

as duas faces como inseparáveis.

Muitos pesquisadores costumam defender a filogênese ligada à ontogênese

porque os dois são de natureza biológica e dizem respeito à pertinência do homem à espécie.

Para Vigotski (2003), o homem nasce e se desenvolve em uma sequência: nasce deitado,

senta, engatinha e anda. Sequencialmente surge a necessidade de comunicação. E, é a partir

dessas necessidades de comunicação com o mundo que a linguagem toma forma nas relações

sociais com os outros indivíduos. A partir da necessidade de interação com o social e com os

signos do social é que surgem os diversos discursos e/ou textos. Assim, como na produção

dos discursos e textos em sala de aula, cada aluno irá ler e produzir de acordo com o

conhecimento de mundo que possui e com as impressões que carrega do convívio social com

a relação com colegas e professores.

Em seus estudos acerca do conhecimento, Vigotski (2003) percebeu que o agir

comunicativo é influenciado pelo meio em que os conhecimentos humanos apresentam um

“caráter de constructo coletivo”, da individualidade. Os Parâmetros Curriculares Nacionais

(PCNs) discutem o ensino da Língua Portuguesa no livro didático e fora dele, de forma

elencada ao social do aluno.

Considerando os diferentes níveis de conhecimento prévio, cabe à escola promover sua ampliação de forma que, progressivamente, durante os oito anos de ensino fundamental, cada aluno se torne capaz de interpretar diferentes textos que circulam socialmente, de assumir a palavra e, como cidadão, de produzir textos eficazes nas mais variadas situações (BRASIL, 1998, p. 19)

24

Tais níveis, portanto, estão na ordem da subjetividade humana e passa pelo

crivo dos signos no social. Signos esses que são monitorados e definidos tanto pela estrutura

do mundo objetivo quanto do mundo subjetivo. E é nessa individualidade que serão marcados

os diferentes níveis de conhecimento prévio. Conhecer o plano genético da filogênese e da

ontogênese mostra o ser que se pensava uno como um ser social heterogêneo. As escolas

brasileiras recebem alunos que migram de vários lugares, com histórias, culturas e formas de

comunicação diferentes. Assim, entender ainda que de maneira superficial o processo de

desenvolvimento cognitivo poderá agregar valor à prática docente. Embasados na filogênese e

na ontogênese é possível afirmar que a língua se presta para além da simples comunicação e

pode também, como defende Bakhtin (2006) refletir e refratar significados, que dependem do

social, da história, da cultura, do poder, de grupos, entre outras variáveis.

2.4 O TERCEIRO PLANO GENÉTICO: A SOCIOGÊNESE

O terceiro plano para os estudos de Vigotski é a sociogênese, ou seja, a história

cultural, as formas de funcionamento culturais que definem o funcionamento psicológico. A

significação pela cultura funciona como um alargador das potencialidades humanas. Pela

linguagem, os homens e mulheres se comunicam, têm acesso a informação, expressam e

defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões de mundo e produzem cultura.

Assim, um projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de contribuir para garantir a todos os alunos o acesso aos saberes linguísticos (BRASIL, 1998, p. 19).

A sociogênese é o espaço e tempo da comunicação entre os seres humanos

em que o individual só tem representatividade no coletivo. A história e a cultura organizam

o desenvolvimento de maneiras diferentes. A história, a cultura e o sujeito são

representações importantes para os saberes linguísticos como bem defendem os PCNs

(1998), Bakhtin (2006) e Bronckart (2009).

Bronckart (2009) revisita a historicidade do ser humano para se ocupar da

investigação interacionista de como esse ser se desenvolve no social e quais as formas de

interação com os vários signos que o cercam. O teórico defende o interacionismo pela

perspectiva de Karl Marx e Friedrich Engels, em detrimento à fenomenologia de Georg

25

Hegel, que busca preservar a demonstração do caráter fundamentalmente dialético do

desenvolvimento da atividade e do psiquismo humano. Interessa a esta pesquisa analisar

com maior acuidade o discurso dos PCNs elencados aos estudos de Vigostski, quando este

inicia os estudos do desenvolvimento humano a partir da filogênese e, em seguida, da

ontogênese. O objetivo é elucidar que somos relativamente iguais e levantar

questionamentos a partir das reflexões da psicologia linguística. Ainda que os PCNs

creditem às ideias de ensino pautadas no compromisso ao acesso de saberes linguísticos, se

o professor estiver atento perceberá o aluno como ser social, porém com pensamentos e

habilidades individuais. Bakhtin (2006), por sua vez, se apoia em Tólstoi para explicar o

pensamento no social.

As palavras de Tólstoi, afirmando que existe um pensamento para si e um pensamento para o público, implicam uma confrontação entre duas concepções de público. Esse “para si” tolstoiano, na realidade, apenas indica uma concepção social do ouvinte que lhe é própria. O pensamento não existe fora de sua expressão potencial e consequentemente fora da orientação social dessa expressão e o próprio pensamento. Assim, a personalidade que se exprime, apreendida, por assim dizer, do interior, revela-se um produto total da inter-relação social (BAKHTIN, 2006, p. 119-120).

Essa discussão seria para o filósofo da linguagem o resultado do estudo

dicotômico entre interior e exterior, sujeito e mundo e recai sobre a dialética da consciência

e da ideologia. A primeira para Bakhtin (2006, p. 116) constitui um fato objetivo e uma

força social imensa, ou seja, a consciência é o sentimento de nossa própria identidade, do

“eu” que está atrelado à vivência e à experiência que se realiza por comportamentos nas

interações com os outros.

Na relação com um ouvinte potencial (e algumas vezes distintivamente percebido), podem-se distinguir dois polos, dois limites, dentro dos quais se realiza a tomada de consciência e a elaboração ideológica. A atividade mental oscila de um a outro. Por convenção, chamemos esses dois pólos atividade mental do eu e atividade mental do nós. Na verdade, a atividade mental do eu tende para o autoeliminação à medida que se aproxima do seu limite, perde a sua modelagem ideológica e consequentemente seu grau de consciência, aproximando-se assim da reação fisiológica do animal. A atividade mental dilapida o seu potencial, seu esboço de orientação social e perde, portanto sua representação verbal (BAKHTIN, 2006, p. 117).

26

Dessa forma não haveria a consciência e tampouco, a ideologia, se não houver

a interação social. Só haverá resposta às questões vindas de outro que está presente nos

eventos sociais. Há uma passagem da consciência individual à coletiva, do pensamento do eu

ao pensamento do nós, ou seja, a linguagem se dará a partir das forças que estão na borda do

ambiente socio-histórico. Os estudos da filogênese, ontogêne e sociogênese explicam o sujeito

individual e o sujeito interpelado pelo social, como defende Bakhtin (2006). Dessa forma

nossa tentativa de resposta à arguição no início deste capítulo toma forma, mas para o

arremate final sobre o desenvolvimento do sujeito ser individual no social segue a exposição

do que foi denominado quarto plano genético: a microgênese.

2.5. O QUARTO PLANO GENÉTICO: A MICROGÊNESE

A microgênese, segundo Bronckart (2009, p. 25), diz respeito ao fato de que

cada fenômeno psicológico tem sua própria história com foco bem definido. A aquisição do

conhecimento no universo da criança, por exemplo, passa por fases e durante o aprendizado

há um processo de cognição chamado semiose. Esse fenômeno de aprender, de criar um

diálogo de escrita é sinal que algo aconteceu em um determinado tempo, é a microgênese do

aprender, de criar um diálogo escrito e assim aprender a aprender. Para Bronckart (2009), a

microgênese defendida por Vigotski é a porta aberta da teoria do desenvolvimento para o não

determinismo, porque a filogênese e a ontogênese, de certa forma, carregam um determinismo

biológico, o sujeito está atrelado às possibilidades da sua espécie e do seu momento de

desenvolvimento como ser daquela espécie e não de outra. Na sociogênese é a cultura que dita

por onde o sujeito pode se desenvolver, além de dar limites e possibilidades históricas de

desenvolvimento. O quarto e último plano genético faz o sujeito perceber que cada pequeno

fenômeno tem a sua história e como ninguém tem uma história igual a do outro é possível

perceber a construção da singularidade de cada pessoa e da heterogeneidade entre os seres

humanos. Em uma sala de nono ano escolar, por exemplo, convivem pessoas diferentes, com

experiências diferentes. Há quem assista mais à televisão, outros que têm mais irmãos, há os

que vai para a escola mais cedo, outros mais tarde; alguns têm acesso a bens tecnológicos

mais facilmente, etc. Os fatos históricos de cada um definem as singularidades do sujeito.

É nesse ponto, no fim das discussões sobre a microgênese, o arremate e a

resposta à pergunta elaborada no início do capítulo: com que intenção se estudam os planos

27

genéticos? Percebemos que são importantes para entendermos que os estudos da psicologia

estão atrelados tanto à teoria do interacionismo sociodiscursivo bronckartiano quanto às

reflexões teóricas de Bakhtin e outros interacionistas.

2.5.1 A microgênese e o livro didático como instrumento de mediação

Outro ponto investigado por Bronckart (2009, p. 52) é o processo de

conhecimento, no qual a ideia de mediação é a de que a relação do homem com o mundo é

mediada. E essa mediação pode ser feita por instrumentos ou signos. A relação por

instrumentos é dada pelo fato de nos relacionarmos com as coisas do mundo, usando

ferramentas ou instrumentos intermediários, como por exemplo, o livro didático. Se vamos

ensinar e/ou aprender sobre determinada regra gramatical ou ler um texto, usamos o livro

didático. Esse é um instrumento da tecnologia que faz uma mediação concreta do sujeito com

o mundo. Para que esse processo de mediação entre sujeito e livro didático ocorra, Bronckart

(2009, p. 57) aponta que há ainda os chamados mediadores semióticos ou simbólicos,

internalizados em cada sistema psicológico do sujeito. Nesse ponto surge uma característica

tipicamente humana que é a possibilidade de representação mental, a possibilidade de transitar

para um mundo apenas simbólico. Se ao observarmos o livro didático, por exemplo, ele nos

remeter a alguma coisa que simbolicamente está dentro da mente, o conceito de livro didático,

a ideia de livro, a palavra livro, a imagem livro poderá ser modificada. Isso porque essa leitura

depende de como o sujeito vai compreender a representação na mente, afinal seja qual for a

forma há uma representação das coisas do mundo que não são o próprio mundo, mas

representações de mundo. E isso é algo tipicamente humano, que permite o trânsito do ser

humano na dimensão do simbólico, nas dimensões do tempo – é possível pensar em fatos que

já aconteceram, que vão acontecer ou mesmo em situações ou objetos que estão em outros

espaços. Tudo isso por meio do trânsito simbólico que faz a intermediação entre o ser e o

mundo.

Para Bronckart (2009, p. 54) “a autonomia do funcionamento psíquico do

sujeito não é suficiente para compreender a emergência da atividade de consciência

propriamente dita”, como defende Vigotski. Para o Bronckart (2009) há duas relações entre a

pessoa e o mundo. A primeira é a relação direta, quando o sujeito entra em contato com um

livro didático. A segunda é a relação mediada pela experiência anterior, por exemplo, quando

28

o professor informa que o livro didático é um instrumento importante para a aquisição do

conhecimento. Essa relação mediada é importante porque parte da ação do homem é mediada

pelas experiências de outros homens.

Bronckart (2009) se apropria do estudo de Vigotski a fim de reforçar a ideia de

que os signos são construídos socialmente. A capacidade de representação simbólica é

constituída dentro de uma cultura que fornece material para desenvolver o campo simbólico e

é a língua o principal instrumento de representação simbólica que os seres humanos dispõem.

De acordo com Bronckart (2009) quando a criança entra no estágio da prática

do signo adquire o conhecimento de seu valor comunicativo de ação sobre os outros, bem

como de seu valor representativo de designação de algo do mundo objetivo. Quando ela

internaliza os signos, a dimensão acional não se dirige mais aos comportamentos e às

representações. Quando se dá conta de que, através da linguagem, pode agir sobre os outros,

ela passa a perceber que também pode agir sobre si mesma, sobre seus comportamentos e suas

representações, ou seja, tudo isso é a microgênese.

Segundo Morato (2007, p. 33), Piaget estudou o lugar da interação da criança

com o meio circundante no desenvolvimento linguístico e cognitivo. Para ele, a aquisição do

conhecimento da criança era resultado de uma troca contínua entre a tomada de consciência e

a tomada do objeto. Contudo, enquanto para Piaget a aquisição da língua ocorre de dentro

para fora, Bakhtin (2006), Bronckart (2009) e Vigotski (2003) defendem a aquisição do

conhecimento de fora para dentro, do social, do mundo do aluno, da cultura do sujeito, ou

seja, o aluno aprende a linguagem a partir de ações pré-estabelecidas no meio ambiente.

Vigotski (2003, p. 62) defende que há uma continuidade entre interioridade e

exterioridade, assim como teoriza Bakhtin (2006) sobre o dialogismo, uma fronteira dialética

de que o exterior se adapta ao mundo interior de cada ser. Sendo assim, o ensino da Língua

Portuguesa no livro didático é a referência externa que o aluno tem de cognição e esses novos

conhecimentos adquiridos serão amalgamados aos conhecimentos adquiridos no social,

cultura nos valores.

A internalização dos processos sociais via linguagem dá origem à sua função organizadora que, por sua vez, emerge segundo Vygotsky, na relação entre a fala e a ação, no momento em que as duas se “deslocam” (MORATO, 2007, p. 325)

A criança após o processo de aquisição da linguagem está preparada

psicologicamente para participar da função planejada da linguagem. Com a ajuda da fala, ela

29

participa desse percurso como sujeito e também como objeto. Internaliza a linguagem do

outro passa de pessoa interpretada para intérprete, de uma consciência dialógica para uma

consciência monolítica, da dependência do extratextual para um progressivo fim da

necessidade do contexto como algo indispensável, como fonte interpretativa.

Para Vigotski, (2003, p. 63) a linguagem é considerada o instrumento cognitivo

por excelência, o instrumento dos instrumentos. A cognição é determinada pela linguagem, a

qual está presente na interação social e ancorada nos contextos institucionais e culturais, ou

seja, para o estudioso, o papel decisivo da língua na constituição do pensamento consciente

começa na criança sob o efeito da assimilação e da acomodação, processos esses da fase de

não consciência, que se une objetos não verbais com os signos, ou seja, a assimilação e a

acomodação é o momento em que a criança inicia seu contato com o mundo linguístico a

partir da imitação para, em seguida, passar a dispor de traços de origem verbal autônoma em

relação a seus referentes. Com isso, se inicia o processo de criação de significados diferentes e

se consome o processo de interiorização dessas unidades autônomas. É o momento em que a

criança começa o processo de pensamento, o momento em que ela parte das palavras, dos

signos (arbitrários) e passa a refletir sobre a linguagem e sobre o mundo.

Para Bronckart (2009), esse momento se insere em um esboço das estruturas

lógicas do raciocínio ou do pensamento. É nesse instante de aprendizado da língua que a

criança possui a capacidade de aceder aos signos e recriar a língua no meio social. Esse

processo de recriar a língua no meio social é a fala/ oralidade como ação da linguagem, uma

integração às práticas designativas do meio social. A interiorização dos signos transforma-se

na constituição do pensamento que é marcada pelo social como formas de relacionamento.

Bronckart (2009) retoma Saussure quando discute sobre a arbitrariedade da língua e defende

que a arbitrariedade é temporariamente cristalizada pelo uso histórico de um grupo particular.

Com isso, a partir da arbitrariedade dos signos confere ao funcionamento

psíquico uma real autonomia em termos behavioristas. E é com essa autonomia e na busca de

entender a linguagem e o seu ambiente, que a criança cria formas para que essa engrenagem

língua/social se libera do controle direto dos contingentes de reforço. Porém, a criança ainda

não estaria totalmente independente do funcionamento social, mas já seria capaz de usar a

significação dos signos, a linguagem, permanentemente como objeto de negociação e

aprendizagem.

Bronckart (2009, p. 54), ao citar Saussure, verificou que no processo de

línguístico e social o significado do signo é constituído pelo conjunto das imagens que se

encontra compreendido pelo significante. Assim nascem as formas sociodiscursivas, que são

30

particulares e arbitrárias e se organizam nas representações humanas. Bronckart (2009)

considera os signos como representações duplas e desdobradas.

[...] os signos são entidades representativas duplas ou desdobráveis, apresentam-se, segundo a fórmula de Sapir (1921/1953), como envelopes que reúnem representações individuais, ou ainda como representações (sociais) de representações (individuais) (BRONCKART, 2009, p. 54-55).

Com isso quando a criança ao interiorizar as propriedades individuais e sociais,

interioriza – os com a propriedade metarrepresentativa, que possibilita um desdobramento do

funcionamento psíquico, ou seja a criança cria uma autorreflexão parcial sobre os signos.

Esse desdobramento do funcionamento psíquico de autorreflexão não são

totalmente autônomos porque como defendeu Ferdinand Saussure (2003), estes são

indissociáveis do ato comunicativo. São instrumentos complexos de representações que

regulam a atividade de um coletivo, de um social, como instrumento de cooperação, ou de

intervenção sobre os comportamentos e as representações dos outros (BRONCKART, 2009,

p. 55).

A apropriação do valor comunicativo na prática de ação dos signos sobre a

ação dos outros é um rito de passagem para explicarmos o significado da interação, dos

estudos interacionistas. A partir da Psicologia é possível visualizar com maior clareza o ponto

exato da apropriação do controle e da ação, ou uso dos signos na comunicação com o social.

São essas pistas que nos levará ao entendimento de como o aluno processa a aprendizagem e

de como é possível criar práticas mais significativas a partir do conhecimento desse processo

de aprendizagem.

Voltemos à ação que a criança exerce sobre ela mesma e sobre os outros no

social. Essa ação se dirige após a própria interiorização aos comportamentos ou

representações dos outros, mas por seus próprios comportamentos. Uma vez observado isso, é

possível constatar que a criança em circunstância alguma é um ser sem vontades próprias, ela

identifica, analisa e age, primeiro de forma inconsciente, e, em seguida consciente.

Esses trabalhos mostraram que a linguagem da criança, no início exclusivamente meio de comunicação com o social, a seguir, conservando plenamente suas características externas de oralização, torna-se um instrumento de controle dos próprios comportamentos (linguagem egocêntrica); depois que perde suas propriedades externas, torna-se uma linguagem interior, um discurso em relação a si mesmo, um instrumento de ação sobre suas próprias representações ou, ainda, um pensamento (BRONCKART, 2009, p. 56).

31

É próprio do ser humano, então, que a linguagem interior, segundo defende

Bronckart (2009) possa emergir a partir do contato social, do pensamento consciente, da

interiorização do valor comunicativo dos signos. E que essa linguagem vai se adequando ao

vivido, ao ambiente de cada sujeito. Esse controle vai definir, para uns em grau menor e

outros em grau maior, o que se pode falar, como se pode falar, quando se pode falar e para

quem se vai falar. Tudo de acordo com a cultura, história e crenças do social.

Com a interiorização de significantes descontínuos, porções de formas representativas são reorganizadas em significados [...] são por isso mesmo, erigidas em reais unidades representativas, delimitadas e relativamente estáveis. Essa discretização do funcionamento psíquico é a condição última para a emergência de um pensamento consciente (BRONCKART, 2009, p. 57).

Segundo Bronckart (2009), é nesse momento em que as formas representativas

são desdobradas e organizadas que os processos de consciência e autorreflexão acontecem.

Dessa forma os signos são armazenados, organizados e apresentados ao social de maneira

reflexiva, algo característico do funcionamento psíquico consciente. Em alguns momentos da

história do ensino da Língua Portuguesa no Brasil, mais precisamente em meados de 1960 e

1970, o material didático utilizado para alfabetização traziam frases como “Ivo viu a uva”; “O

ovo é da ave”; e “A ave é do vovô”. Percebe-se, então, que o que importava no ensino se

limitava aos fonemas, não havia um discussão sobre as frases. O processo de discretização em

que o psíquico do aluno é capaz de ir além das frases era desconsiderado. Além da

discretização pontuada por Bronckart, há a semiotização.

A segunda precipitação, dando origem ao pensamento consciente, é, portanto, um produto da semiotização do psiquismo, um produto da apropriação e da interiorização das propriedades sociais, comunicativas, imotivadas, arbitrárias e discretas dos signos das línguas naturais humanas (BRONCKART, 2009, p. 57).

Do ponto de vista psicológico, que defende Bronckart (2009), é a segunda fase

- a semiotização - que abre um leque de discussões sobre a linguagem e sua relação com o

social. A semiotização é o processo de semiose, de amadurecimento da consciência do adulto.

É nesse ambiente psíquico que primeiro as respostas aos signos vêm dos outros, do social.

Bronckart assim afirma que não há uma total singularidade das formas representativas

elementares de um ser humano, ou seja, a forma artificial dos signos não se adequam às

representações próprias do homem, em outras palavras, idiossincráticas.

32

Bronckart (2009) assevera que todo esse processo de desenvolvimento, citado

anteriormente, dá lugar ao pensamento consciente constituído pelos signos de uma língua

natural. Os significados de uma língua natural são para ele constituídos pelos gêneros textuais

em uso das formações sociais.

[...] o pensamento consciente, por sua vez, se encontra primeiramente organizado nessas unidades representativas constituídas pelos significados de uma língua natural. Ele se baseia, mas especificamente ainda, nos significados constituídos pelos gêneros de texto em uso nas formações sociais em que se inserem os membros do meio humano (BRONCKART, 2009, p. 58).

Conforme o pesquisador, o pensamento é norteado pelo que dita o social, pela

chamada semântica do social, em que se constitui a cultura do grupo. Para Bronckart (2009) a

cultura dá forma ao espírito, ou seja, é na cultura do social, através das ações da linguagem,

que nasce a consciência, o pensamento em forma de gêneros textuais.

Se, inicialmente, o pensamento é “razão”, o pensamento da criança pequena é, primeiramente, razão prática e é apenas no final de um longo processo de generalização e de descontextualização (de “de-sematização) que pode dar origem às operações e às categorias abstratas da razão pura (BRONCKART, 2009, p. 59).

Diante do que o pesquisador expõe, a razão prática só é instaurada após o

entendimento que pode dar espaço a abstração, ou seja, a razão pura. Em outras palavras, o

modo de pensamento em primeiro lugar é prático e, em segundo lugar, puro. Com isso,

Bronckart (2009) afirma que esse modo de pensamento será um processo por toda a vida do

ser humano de constante aprendizagem entre atividade de linguagem e organização psíquica.

Tudo que vimos, os ritos de passagens mentais preconizados pela Psicologia

mostram a importância de compreender de que forma o sujeito se desenvolve e como é capaz

de produzir suas próprias conclusões a partir do mundo que o circunda. Ao chegar a primeira

fase do ensino fundamental, o aluno já levanta hipóteses e críticas sobre o material didático e

a forma de ensino da Língua Portuguesa. Pode também não discutir e apenas aceitar

passivamente.

Em primeiro lugar, o sujeito ativa a razão prática e cria questionamentos sobre

a importância do assunto tratado pelo professor. Porém, as categorias de operações passam da

ordem prática para uma ordem pura, ou seja, o que parecia ser a única verdade toma outra

forma, o pensamento do aluno se transforma em questionamentos. Nesse contexto, o

33

estudante pode questionar se o assunto é realmente relevante; se o livro didático é muito

complicado; se lhe parece que o professor não está seguro em suas explicações; entre outras

questões. A importância das discussões acerca da razão prática e da razão pura está em

conhecer os processos de aquisição do conhecimento do sujeito, a fim de tentarmos levantar

situações mais significativas no ensino da Língua Portuguesa no livro didático.

O que foi levantado até aqui sobre o andamento e acontecimentos nos

processos de ensino em sala de aula não se esgota nas pontuações apresentadas e assume um

caráter de recorte metodológico apenas para exemplificar o uso do livro didático como

mediador entre o aluno e seu mundo a partir da teoria de Bronckart (2009) de razão prática e

razão pura.

34

CAPÍTULO III

3 O INTERACIONISMO E O LIVRO DIDÁTICO

3.1 A PRÁTICA DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Iniciaremos esse capítulo com explicações sobre as digressões que serão feitas

a partir dos assuntos anteriores apresentados para, enfim, iniciarmos uma discussão do ensino

da Língua Portuguesa, em especial, da gramática nos livros didáticos. Busca-se doravante

discutir didaticamente e com maior profundidade, o que é o livro didático o como podemos

entender sua relação com a teoria interacionista, quem escreve o livro didático, para quem ele

é escrito e quais os responsáveis pela avaliação. Em seguida, parte-se para os apontamentos

sobre a gramática. De que gramática estamos falando? Como se dão os estudos da gramática

no Brasil e na Europa e qual a relação do professor e da escola com o livro didático e a

gramática.

Todo o estudo será dedicado às discussões que bordejam a relação de como é

trabalhada o ensino de gramático no livro didático comparado com a proposta do

interacionismo, que é o foco dessa pesquisa. Pretende-se, após as discussões sobre a

gramática no livro didático, analisar os títulos, sumários e as orações subordinadas

substantivas, todos escolhidos de forma aleatória.

O objetivo é que esse trabalho possa servir de suporte para professores, futuros

professores e produtores de material didático e a todos os interessados no ensino orientado

pelo modelo interacionista.

As inquietações dos professores e/ou formadores de professores sobre a prática

docente e o ensino da gramática aparentemente parecem não ter mais tanta importância. Isso

se dá pelo fato de que as atividades metalinguísticas têm sido menos cobradas na prática

docente, mas ainda há um ensino da língua em detrimento do ensino da linguagem, mesmo

sabendo que o foco desses estudos metalinguísticos continuam sendo cobrados apenas em

35

concursos e alguns vestibulares, dada à tendência crescente de privilegiar as habilidades de

leitura e escrita, porém desconsiderar o ensino da gramática nos parece uma visão simplista

sobre os estudos linguísticos, visto que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)

percebem o ensino da estrutura da Língua Portuguesa e da gramática de forma

contextualizada, a partir dos gêneros textuais e das necessidades do aluno e não um ensino

apenas das regras gramaticais de forma engessada, sem função.

Os Parâmetros Curriculares foram elaborados procurando, de um lado, diversidades regionais, culturais, políticas no país e, de outro, considerar a necessidade de construir referências nacionais comuns ao processo educativo em todas as regiões brasileiras. Com isso, pretende-se criar condições, nas escolas, que permitam aos nossos jovens ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários ao exercício da cidadania (BRASIL, 1998, p. 3).

Nas discussões acerca da necessidade de organização do ensino fundamental

brasileiro, os motivos da elaboração do documento foi o grande índice de evasão e de

repetência nas escolas do país. Com isso, todo discurso de criação dos PCNs está voltado para

a interação social, a vida em sociedade, os discursos dependentes do sujeito, pelo sujeito e

com o sujeito. Respeitar a idiossincrasia cultural significa perceber a comunicação no âmbito

da alteridade e é esse o foco do documento. Embora todas as práticas docentes em sala de aula

sejam pertinentes às propostas dos PCNs, essa pesquisa está centrada nas análises da

abordagem da Língua Portuguesa no livro didático e não na prática docente.

Bakhtin (2006), Bronckart (2009), Vigotski (2003), Koch (2008), Pernambuco

(2010), Fiorin (2011), dentre outros, contribuíram para uma nova visão da prática docente

interacionista de ensino, a fim de repaginar o quadro caótico da educação e melhorar as

habilidades de leitura, escrita e interpretação de textos dos alunos dentro e fora da sala de

aula. Tudo isso a partir do olhar da cientificidade, ou seja, do ensino interacionista.

É nessa perspectiva interacionista que daremos início a discussão sobre a

prática docente no livro didático de Língua Portuguesa. Os PCNs do Ministério da Educação

(MEC) defendem que a metalinguagem ocupa seu espaço como instrumento de apoio, de

descrição e de análise dos diversos códigos utilizados na cultura. Assim, negar esse

conhecimento ao aluno seria deixá-lo de fora de um conhecimento importante para sua efetiva

comunicação com o mundo. Contudo, o ensino da gramática de forma descontextualizada dos

estudos morfossintáticos não reforçará as habilidades de leitura, interpretação e escrita.

36

3.2 INDECISÕES NO ENSINO DA GRAMÁTICA

Geraldi (2004) discute que há linguistas atentos ao ensino da Língua

Portuguesa que questionam se o ensino do Português não seria redundante. Algo como

ensinar o “padre-nosso ao vigário”. Isso porque somos falantes e dominamos o idioma, mas a

forma como empregá-lo é o ponto chave da questão. Estudos apontam que ensinar a língua

padrão tem a ver com a ascensão social, padronização da língua, procedimentos para manter

registros sincrônicos e diacrônicos sobre o idioma materno e, também, por questões

ideológicas.

A tese de que não se deve ensinar ou exigir o domínio do dialeto padrão dos alunos que conhecem e usam dialetos não padrões baseiam-se no preconceito segundo o qual seria difícil aprender o padrão. Isso é falso, tanto do ponto de vista da capacidade dos falantes quanto do grau de complexidade de um dialeto padrão (GERALDI, 2004, p. 33).

O autor sugere que subestimar o aluno em sua própria língua é desconhecer a

heterogeneidade dos discursos. Para ele, as dificuldades dos estudantes aparecerão de acordo

com a crescente exigência da situação de ação da língua. Contudo, Geraldi (2004), não

defende o “não ensino” da língua padrão. Para o autor, o impasse está alocado na forma como

a língua padrão é tratada. Segundo explica, há uma dicotomia entre o ensino da língua e o

ensino da metalinguagem. E o ensino da metalinguagem no livro didático, que doravante será

nomeado LD, constitui um dos mais fortes pilares das aulas de Língua Portuguesa. O que

chega a ser, em alguns casos, a preocupação quase exclusiva dessas aulas, ou seja, o ensino da

língua pela língua, sem levar em conta à história, o social, as expectativas e o conhecimento

de mundo do aluno.

Pernambuco e Figueiredo (2008) defendem a ideia de que a única função da

linguagem em jogo no ensino da gramática, de acordo com o esquema das funções apontadas

por Jakobson, é a função metalinguística, ou seja, a língua falando sobre a língua. Seguidores

dos PCNS, os autores das discussões interacionistas discutem que na década de 1970 a

orientação de ensino da Língua Portuguesa era discutida pela perspectiva gramatical. Com o

advento dos estudos linguísticos no início dos anos 1980, houve a preocupação de mudanças

no ensino e passaram, inicialmente, a creditar a atenção à criatividade do aluno, mas os

resultados negativos de melhoria nas habilidades de leitura, escrita e interpretação

continuavam os mesmos. Entre as críticas mais frequentes ao ensino fundamental estavam:

37

• A desconsideração da realidade e dos interesses dos alunos; • A excessiva escolarização das atividades de leitura dos alunos; • O uso do texto como expediente para ensinar valores morais e como pretexto para o tratamento de aspectos gramaticais; • A excessiva valorização da gramática normativa e a insistência na exceção, com o consequente preconceito contra as formas de oralidade e as variedades não-padrão; • O ensino descontextualizado da metalinguagem, normalmente associado a exercícios mecânicos de identificação de fragmentos (BRASIL, 1998, p. 18).

Contudo, os seis pontos acima formam uma base para as discussões das

mudanças no ensino da Língua Portuguesa e a orientação que, naquela data, buscava mais que

a criatividade discutida, era a busca da resignação do erro. As variações das hipóteses

linguísticas elaboradas pelos alunos eram repensadas na prática do ensino da língua

portuguesa, conforme está registrado nos PCNs.

Nas últimas décadas, entretanto, surgiu e vem se consolidando um movimento

de revisão crítica das práticas tradicionais, questionamentos sobre a validade desse modelo de

ensino pautado na metalinguagem. Essa visão crítica fez emergir a proposta da prática de um

ensino que parte do sujeito dependente da intervenção pedagógica para se desenvolver

adequadamente nos rumos que a cultura supõe como sendo adequados para o

desenvolvimento desta e não apenas uma aula de gramática, ou seja, as práticas canônicas de

expressão linguística passaram a dar lugar à propostas de ensino menos corretivas e

preconceituosas. Com isso Brasil propôs um ensino reflexivo que considerava que:

• A razão de ser das propostas de leitura e escuta é a compreensão ativa e não a decodificação e o silêncio; • A razão de ser das propostas de uso da fala e da escrita é a interlocução efetiva e não produção de textos para serem objetos de correção; • As situações didáticas como objetivo de levar os alunos a pensar sobre a linguagem para poder compreendê-la e utilizá-la apropriadamente as situações e os propósitos definidos (BRASIL, 1998, p. 19).

O mundo em constante mudança e as ciências em constante avanço, nas mais

variadas formas de expressão, a heterogeneidade dos discursos, a globalização, o valor do

conhecimento e outros fatores contribuem para a negação do estudo metalinguístico sem

reflexão. Os jovens multifuncionais, as famílias que discutem mais sobre todos os assuntos, os

que na vida aprendem o que alguns professores nem imaginam existir, a internet, redes

sociais, o celular, o Ipad e toda a tecnologia é um assunto em efervescência que empurram o

sujeito para o mundo do pensar e do agir, ou seja, se comunicar.

38

Bakhtin (2006), mesmo antes do surgimento das novas mídias já refletia sobre

o problema da interação em uma teoria social de enunciação. Ele formulou uma perspectiva

discursiva de signo e sujeito. Assim, pode-se afirmar que Bakhtin não foi um linguista e sim

um articulista da palavra, um filósofo da linguagem. Além da discussão do teórico sobre

signos e sujeitos inteirados, há também o que ele chama de dialogismo, o que se observa na

heterogeneidade enunciativa, na polifonia, nos discursos relatados, nas diferentes posições

enunciativas assumidas pelos falantes, que marca discursivamente a concepção de sujeito.

Bakhtin (2006) afirma que o sujeito é interpelado e reconhecido socialmente por meio dos

discursos dos outros que constituem o seu próprio discurso. Desse modo, interessa a essa

pesquisa analisar os modos de cobrança e avaliação do ensino da Língua Portuguesa nos

livros didáticos e, a partir do que é ensinado, verificar se há com a prática uma colaboração na

interação social.

Bakhtin (2006), Bronckart (2009) e outros interacionistas descartam qualquer

possibilidade de um estudo uno, monológico, e defendem a interação heterogênea do

pensamento e da vida. Se, desde muito tempo, os interacionistas pensavam na

heterogeneidade do discurso, na importância de observar o mundo do sujeito, o professor que

tenha como prática o monólogo em sala de aula pode estar fadado ao divórcio com o ensino

significante na vida do aluno. Os estudiosos que produziram os Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCNs) da Língua Portuguesa, provavelmente, leram e foram influenciados na

produção das discussões acerca de como ensinar a língua natural de Bakhtin, embora este não

tivesse como intenção a discussão sobre prática docente.

Conforme exposto, as discussões presentes nos PCNs servem de base para

todos os profissionais da área por apresentarem os conteúdos de Língua Portuguesa no ensino

fundamental e partirem do pressuposto de que a língua se realiza no uso e nas práticas sociais.

O documento sugere que os conhecimentos gramaticais dos alunos sejam colocados em

prática durante a produção de textos por eles mesmos. Enquanto o aluno produz e monitora

seu texto, concomitantemente, ele utilizará os conhecimentos gramaticais. Os PCNs defendem

ainda que a gramática da regra não pode ser ignorada, porém, terá mais significação se

estudada à medida que se torne necessária à reflexão sobre a língua.

39

3.3 DE QUE GRAMÁTICA ESTAMOS FALANDO?

Em primeiro lugar, buscamos uma concepção de gramática que perfile o princípio

intreracionista. A gramática não tem culpa do que fazem dela: rainha do uso da língua. Ela

quer ser serva dos usos, auxiliar do uso da língua. Os autores que perfilam as reflexões de

Bakhtin, de uma maneira ou de outra, preconizam um ensino de gramática afinado com a

interlocução viva nas relações sociais é o caso de Sírio Possenti (2004). Esse pesquisador faz

uma distinção entre tipos de gramática que muito interessa ao que estamos discutindo sobre a

gramática e a interação.

No sentido mais comum o termo gramática designa um conjunto de regras que devem ser seguidas por aqueles que querem “falar e escrever corretamente”. 2. [...] gramática se entende um conjunto de leis que regem a estruturação de enunciados produzidos por falantes, regras que são utilizadas. Dessa forma, não importa se o emprego de determinada regra implica uma avaliação positiva ou negativa da expressão linguística por parte da comunidade, ou de qualquer segmento dela, que fala esta mesma língua. 3.A palavra gramática designa o conjunto de regra que o falante de fato aprendeu e do qual lança mão ao falar. O conjunto de regras linguísticas que um falante conhece constitui a sua gramática, o seu repertório linguístico (POSSENTI, 2004, p. 47-48).

Com bases nos estudos sobre as gramaticas de Possenti (2004), entende-se não

haver apenas uma gramática, o que confirma o pensamento de Bakhtin (2006) quando este

critica o estudo uno como um ensino disjuntivo. Isso nos levará à discussão sobre qual tipo de

gramática é adotada nos livros didáticos em questão. Percebemos que a metalinguagem é

atualmente estigmatizada por muitos interacionistas. Das três gramáticas de Possenti (2004) a

que se identifica com a prática que discutimos é aquela que não leva em conta a variedade

oral e o estudo é morfossintático, dita as normas do que se deve ou não empregar na língua,

essas regras serão consideradas “erros” caso não sejam empregados dentro desses limites

impostos, ou seja, a gramática da qual estamos discutindo é a gramática caso normativa.

[...] uma coisa é saber a língua, isto é, dominar as habilidades de uso da língua em situações concretas de interação, entendendo e produzindo enunciados, percebendo as diferenças entre uma forma de expressão e outra. Outra é saber analisar uma língua dominando conceitos e metalinguagens a partir dos quais se fala sobre a língua, se apresentam suas características e de uso (GERALDI, 2004, p. 45-46).

40

Geraldi (2004) mantém a tese de que a prática significativa da Língua

Portuguesa tem por objetivo ensinar a competência comunicativa para o aluno a partir do

social. Para ele, as discussões sobre a gramática precisam acontecer, mas é necessário que o

aluno entenda que o papel da gramática normativa é importante para ajudar na composição da

comunicação com excelência. Ainda assim, essa gramática não tem o papel de fazer com que

o aluno tenha uma visão crítica e ampliada de mundo e/ou só serão escritores se conhecerem a

gramática, terão a ascensão social apenas se for conhecedor de todas as nomenclaturas

propostas na gramática normativa.

3.4 O INTERACIONISMO E A AVALIAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL

A discussão desse tópico será a forma de como surgiu o processo de

organização, circulação, distribuição e avaliação do livro didático no Brasil. A avaliação da

qualidade do livro didático distribuído no país passou a ser sistemática e pensar na realidade

de cada época. Houve uma preocupação, ainda que lenta, em discutir temas ancorados à

realidade do sujeito, ou seja, discussões que fazem referência à interação entre o aluno e o

mundo social. Antônio Augusto Gomes Batista (2003) analisou o desenvolvimento histórico

da avaliação dos livros didáticos de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental, dentro do Programa

Nacional do Livro Didático (PNLD) com iniciativa do Ministério da Educação (MEC). Os

objetivos do PNLD foram, segundo Batista (2003), a aquisição e a distribuição universal e

gratuita do livro didático entre os alunos das escolas públicas do Ensino Fundamental

brasileiro por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). A fim de

assegurar a qualidade dos livros a serem adquiridos, o programa desenvolveu, a partir de

1996, um processo de avaliação pedagógica das obras nele inscritas. Tudo feito sob a

coordenação da Coordenação Geral de Avaliação de Material Didáticos e pedagógicos

(Condipe), da Secretaria de Educação Fundamental (SEF) do MEC.

Um marco significativo, porém, na história recente dessa relação, foi definido pelo Decreto – Lei nº 91.542, de 1985, que estabeleceu e fixou partes das características atuais do PNLD: adoção de livros reutilizáveis (exceto para a 1ª série), a escolha do livro pelo conjunto de professores, sua distribuição gratuita às escolas e sua aquisição com recursos do Governo Federal (BATISTA, 2003, p. 26).

41

Batista (2003) revela que o processo de organização de circulação e

distribuição do livro didático passou a ser avaliado, levando em conta suas características,

função e qualidade. A partir daí foi criada a oportunidade de produção de livros com maior

qualidade e as escolas tiveram a oportunidade de organizar suas propostas de trabalho e

realizar a distribuição sem custos para os alunos. Batista (2003) revela, ainda, que a partir de

1996 o MEC passou a desenvolver e executar um conjunto de medidas para avaliar

sistemática e continuamente o livro didático brasileiro e debater com os diferentes setores

envolvidos em sua produção e consumo. Segundo o autor, no início o envolvimento do MEC

com o livro didático era apenas com a distribuição. Não havia uma discussão sistemática

sobre a qualidade e a correção dos livros que chegavam nas mãos dos alunos e professores

das escolas públicas de Ensino Fundamental. Em 1990, o MEC começou um trabalho sobre a

qualidade dos livros didático. Em 1993, o Plano Decenal para todos assume, como diretrizes,

o aprimoramento da distribuição e das características físicas do LD. No mesmo ano, foi

formada uma comissão de especialistas encarregada de avaliar a qualidade dos livros mais

solicitados ao MEC e estabelecer critérios gerais para a avaliação das novas aquisições.

A partir de então, os LDs passaram por um processo de análise e avaliação

sistemático e contínuo. Para tanto, o MEC formou comissão por áreas de conhecimento

compostas por professores com experiência nos três níveis de ensino, com assessoria do

CENPEC e coordenadas pela Secretaria de Educação Fundamental (SEF). Segundo Batista os

critérios para utilização do LD seriam:

• Não poderiam expressar preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação; • Não poderiam induzir ao erro ou cometer erros graves relativos ao conteúdo da área, como por exemplo, erros conceituais (BATISTA, 2003, p. 30).

Com as investigações de Batista (2003) a questão de alteridade na elaboração

dos temas foi repensada e a discriminação e os erros conceituais eram avaliados com mais

acuidade. Ainda assim, a discriminação aqui levantada pelo autor não esclarece se havia

referência ou não à discriminação linguística, da variação linguística, uma vez que tais

questões no Brasil foram levantadas em 1980. Segundo Batista a análise do Livro didático de

Português classificou os livros em quatro categorias: excluídos; não recomendados;

recomendados e recomendados com ressalvas.

42

Em 1998, 1999 e 2000 o PNLD (convalidado pela resolução/ FNDE nº7 de 22

de Março de 1999, como PNLD/2001) avaliou livros destinados aos últimos anos do Ensino

Fundamental (5ª e 8ª série). A partir de 1999 foi eliminada a categoria de não recomendados a

incorreção e a incoerência metodológica. Na questão das condições políticas e operacionais

mais sólidas foi possível a partir de 1997. O processo de inscrição dos LDs foi modificado,

passando a ser realizado com base em edital publicado no Diário Oficial da União e em

jornais de grande circulação no país. Tal medida garantiu uma maior transparência, uma

ampla participação de todos os interessados e uma base consistente para a continuidade do

Programa e para sua efetiva transformação em uma política pública.

Um novo modelo linguístico foi implantado pela Empresa de Correios e

Telégrafos (ECT) para a distribuição. O Serviço Nacional da Indústria (SENAI), em 1997, e o

Instituto Nacional de Tecnologia (INT/IPT), a partir de 1998, foram contratados para o

controle da qualidade dos livros. Secretarias estaduais de educação ao lado das secretarias

municipais de educação das capitais foram envolvidas no monitoramento e na distribuição dos

livros nas escolas. Por fim, especificações técnicas apropriadas foram definidas, aumentando

a melhoria física do livro e permitindo estabelecer sua durabilidade mínima de três anos,

conforme afirma Batista (2003). Com isso, há uma melhoria significativa na qualidade do

livro didático distribuído no Brasil.

3.5 O LIVRO DIDÁTICO E O PROFESSOR

Segundo Mendonça (2002) o estudo do português na maior parte dos livros

didáticos brasileiros está voltado para a leitura, gramática e produção. Para a pesquisadora, a

fragmentação dos estudos de gramática e redação no ensino de Língua Portuguesa afasta a

possibilidade de o aluno entender que o texto não é produzido a partir da gramática e que a

gramática está a serviço do texto, ou seja, é organizado com base na gramática.

Partindo do pressuposto de que os LDP apresentam conteúdos e sequências didáticas que serão vivenciados por alunos e professores e, portanto, estarão influenciando decisivamente no modo como se configuram as aulas de língua materna, já que os LDP são tão presentes nas salas de aula quanto os próprios professores e alunos [...] Reconhecemos a inadequação teórico-metodológica de alguns manuais didáticos, o que torna a adoção acrítica do LDP um grave equívoco por parte do professor, que deve ser autônomo para planejar e ministrar as aulas (MENDONÇA, 2007, p. 114).

43

A inadequação apontada por Mendonça (2007) se refere à prática ortodoxa do

ensino da Língua Portuguesa no livro didático. A prática do ensino metalinguístico que não

trabalha a leitura e a escrita de maneira a satisfazer as demandas sociais e, que muitas vezes,

os tópicos estudados são divididos entre leitura, gramática e reprodução. Levando em

consideração, o que a autora revela sobre o livro didático amplia a discussão acerca da

necessidade de estudo, sobre o que é estudado no livro didático, por que e com qual propósito.

Na medida em que pode contribuir tanto para que eles sejam aperfeiçoados quanto para que sejam usados de modo mais consciente e reflexivo por parte dos docentes, mantendo-se sempre como auxiliares e não “guias” do processo de ensino aprendizagem (MENDONÇA, 2007, p. 114).

Conforme discutido nos capítulos anteriores, a citação acima reforça a ideia de

que o estudo do livro didático e suas contribuições deveriam ser, exclusivamente, um modelo

de prática de ensino que trate da realidade do aluno voltada para a interação do sujeito com

seu cotidiano. Por isso o MEC pensou nessa forma consciente e reflexiva na prática do ensino

no livro didático. Embora não tenhamos a intenção de discutir profundamente sobre a prática

docente em nosso trabalho é pertinente observar a importância das escolhas da utilização do

livro didático pelo professor porque a partir delas o MEC avalia os livros didáticos adotados.

Tendo em vista o PNLD/1997, cerca de 72% das escolhas docentes recaíram sobre os livros não recomendados e apenas cerca de 28% sobre os recomendados. No PNLD/1998, embora a soma dos livros recomendados (com distinção, 21,88%, com ressalvas, 22,15%; ou simplesmente recomendados, 14, 64%) tenha constituído o grupo mais escolhido pelos docentes, a categoria que, isoladamente, mostrou-se a mais representada continuou sendo a dos não-recomendados (41, 33%). No PNLD/1999, por fim, as escolhas dos docentes, com a eliminação da categoria dos não-recomendados, recaíram, predominantemente, sobre a dos recomendados com ressalvas (46, 74%), a dos recomendados com distinção representando apenas 8,40% das escolhas (BATISTA, 2003, p. 50).

Esses dados parecem indicar que o professor tanto busca se aproximar dos

discursos oficiais favoráveis às mudanças quanto se apega aos esquemas que já lhe são

familiares, inclusive para o ensino de gramática. Isso talvez ocorra, explica Batista (2003), por

ele não se sentir à vontade ou convencido para trabalhar na perspectiva discursiva os PCNs e

os livros didáticos recomendados ou recomendados com ressalva.

44

3.6 O LIVRO DIDÁTICO E O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

Dias et al. (2002) analisam os livros didáticos e os dividem em duas

tendências: a inovadora e a conservadora. Tendo como foco o modelo interacionista em nosso

trabalho, discutiremos se a proposta dos autores dos livros didáticos analisados se encaixa na

linha interacionista ou não.

Alguns livros, de linha mais conservadora, especificam a temática das classes de palavras mesmo que associada ao estudo de um texto. Outros de linha inovadora, não especificam os tópicos relativos às classes gramaticais (DIAS et al., 2002, p. 126).

Dias et al. (2002) observa que o trabalho no livro didático está mudando a

forma de discussão das disciplinas de Língua Portuguesa e isso se dá pelo fato de passarem

por análise e pontuação quanto à qualidade dos conteúdos, exercícios, teorias entre outros.

Ambas as tendência possuem seus problemas aponta Dias (2002):

Dois grandes problemas estão associados a essas tendências. O primeiro é o efeito de evidência do conceito, que afeta primordialmente a tendência conservadora. O segundo é o efeito de apagamento do conceito, que afeta a tendência inovadora. Ambos os problemas concorrem para a caracterização de um quadro em que defensores e opositores do ensino de gramática na escola ainda não têm clareza sobre aquilo que defendem ou que atacam (DIAS et al., 2002, p. 126).

Tal como Dias (2002) afirma as duas tendências têm seus problemas e isso é

importante para verificar entre os defensores e os opositores do ensino tradicional. Esse

quadro não define claramente quais as tendências de ensino do livro didático. Por esse

motivo, nossa pesquisa busca analisar alguns livros didáticos a fim de identificar se há ou não

definição de tendência.

O problema do efeito de evidência do conceito aparece principalmente quando observamos entre o estudo de uma classe de palavra numa gramática é o tópico referente a essa mesma classe num livro didático. [...] Um breve exame no capítulo relativo aos pronomes demonstrativos pode ilustrar esse problema. Primeiramente aparece a apresentação do conceito: “Os pronomes demonstrativos situam a pessoa ou a coisa designada relativamente às pessoas gramaticais, podem situá-las no espaço e no tempo (CUNHA; CINTRA, 1985 apud DIAS, 2002, p. 127).

45

O pesquisador buscou analisar, nesse ponto, que a prática de ensino da língua

no livro didático não apresenta diferença com a prática de ensino da gramática normativa. A

gramática normativa, como discutido anteriormente, dita normas do certo e errado e o livro

didático segue o mesmo modelo. Além da explicação arbitrária do conceito dos pronomes

demonstrativos Dias (2002) completa:

[...] Este livro é o livro que está perto da pessoa que fala; esse livro é o que está longe da pessoa que fala ou perto da pessoa com quem se fala; aquele livro é o que se acha distante da 1ª e da 2ª pessoa” (BECHARA, 1999 apud DIAS, 2002, p. 127). Finalmente, são arroladas numerosas situações de uso do pronome demonstrativo que escapam a esse conceito, como essa: “Nessas observações, que há pouco lemos... (LIMA, 1983 apud DIAS, 2001, p. 127), em que o pronome “essa” não se refere às “observações” que estão perto da pessoa com quem se fala (DIAS, 2002, p. 127).

A partir do que defende Dias (2002), a estrutura apresentada no livro didático

segue a mesma estrutura apresentada pelos gramáticos. E, quase sempre, as explicações dos

conteúdos não se esgotam; apresentam as exceções sem abarcá-las na sua totalidade; não

orientam a falta de rigidez no emprego das regras gramaticais. Esse ensino intitulado por Dias

(2002) como quebra de conceito, causa ecos no aprendizado do aluno, ou seja, não há

segurança quanto às regras apresentadas.

Conforme o exposto, os livros didáticos apresentam explicações gramaticais

bem parecidas com a da gramática descritiva, com algumas mudanças, como por exemplo,

alguns textos, charges, piadas e outros. Há também nos livros didáticos o fenômeno de

exceção que aparece sob a forma de observação, ressalvas, comentários, notas de rodapé ou

dentro do próprio texto. Para Dias (2002), esse saber sobre a língua escapa ao saber

gramatical frente às instabilidades constitutivas que envolvem o funcionamento da língua e,

também, os livros didáticos priorizam a compreensão gramatical e a exemplificação

didaticamente fundamentada no visual.

De acordo com os PCNs (1998), o ensino da estrutura da língua será mais

significativo se ao invés de engessar o ensino com uma gramática de regras, criar a

possibilidade de ensinar a gramática com uma proposta de ensino contextualizado com o

mundo. Isso, partindo do pressuposto de que a língua se realiza no uso, nas práticas sociais,

conforme defende Bakhtin (2006). Batista (2003) limita-se a discussão da importância da

prática do professor com o auxílio do livro didático. Arriscamos a partir das considerações de

Batista entender o aluno como agente proativo dotado de inteligência e criatividade, com

46

poder de iniciativa e decisão e não apenas com capacidades limitadas pelo livro didático,

comandado pelo professor.

Muitos objetivos pessoais jamais poderiam ser alcançados apenas por meio do

esforço isolado. A escola e a prática docente surgem exatamente para aproveitar a sinergia dos

esforços de vários alunos, por mais incipiente que o conhecimento desses alunos possam ser,

haverá algo para ser agregado ao seu novo conhecimento. Consideraremos, a partir dessas

explicações, e de acordo com Geraldi (1997) que a mudança na prática do ensino da Língua

Portuguesa no livro didático deveria criar situações de interação entre o diálogo do aluno com

texto, a fim de ampliar as habilidades de leitura, escrita e interpretação de textos.

Para Geraldi (1997), as primeiras escolas eram chamadas de escolas de sábios,

em que o sujeito pensava com os outros, não como alunos. Um exemplo eram as escolas de

Sócrates e Platão. Naquela época os professores eram homens que estavam em constante

questionamento sobre a vida e os estudos eram compartilhados e não havia um único detentor

do saber. Essa forma de buscar o conhecimento começa a mudar a partir do crescimento da

humanidade, a partir da revolução industrial. Havia a necessidade de uma organização do que

aprender e, portanto, há uma nova identidade do professor, seu saber agora é um saber que se

aplica um conjunto de técnicas de controle de um grupo.

Geraldi (1997) explica que há um deslocamento de atuação do professor, sua

transmissão de conhecimento já não é pelo seu conhecimento, mas sim pelo material didático.

Assim o professor controla o tempo, o comportamento dos alunos, compara as respostas dos

aprendizes com o livro do professor. Se a história comprova a necessidade de organização da

sociedade há suspeitas de um engessamento e um controle proposital das informações

passadas para os alunos. Para Geraldi (1997), o livro didático passou a ser o principal e, em

muitos casos, o único instrumento de apoio ao trabalho docente. Sendo assim, é possível

entender o motivo pelo qual as ações governamentais, implantaram os PCNs e as Propostas

Curriculares Estaduais e Municipais que trazem, além dos conteúdos básicos a serem

desenvolvidos, os objetivos e as orientações metodológicas que irão nortear o trabalho do

professor na sala de aula.

• [...] desenvolver seus conhecimentos discursivos e linguísticos, sabendo: • Ler e escrever conforme seus propósitos e demandas sociais; •Expressar-se apropriadamente sem situação de interação oral diferente daquelas próprias de seu universo imediato [...] (BRASIL, 1998, p. 59).

47

Os PCNs utilizam a palavra interação para explicar que o objeto principal das

aulas de língua materna é o desenvolvimento do potencial linguístico dos alunos no social:

reforçar as habilidades de leitura, interpretação e escrita no universo do aluno sem deixar de

lado o conhecimento que o aluno carrega e, também, contar com a oralidade a fim de agregar

esse conhecimento ao conhecimento novo da sala de aula.

[...] se o objetivo das aulas de língua portuguesa é oportunizar o domínio do dialeto padrão, deve-se acrescentar outra questão: a dicotomia entre ensino da língua/ensino da metalinguagem. A opção de um ensino da língua considerando as relações humanas que ela perpassa (concebendo a linguagem como lugar de processo de interação), a partir da perspectiva de que na escola se pode oportunizar o domínio de mais de outra forma de expressão, exige que reconsideremos o que vamos ensinar, já que tal opção representa parte da resposta do para que ensinamos (GERALDI, 1997, p. 74).

As formas diferenciadas de expressão, segundo Geraldi (1997, p.74), não serão

encontradas em meia dúzia de textos e em frases descontextualilzadas. O que ensinar na

interação tem a ver com a pesquisa, com mapeamento da escola, da turma, do aluno, do

social, da história e com crença entre outras questões. Todos os holofotes estão de olho na

forma como se trabalha a Língua Portuguesa. Os PCNs comprovam o pensamento de que a

cognição do aluno precisa ser pautada na prática real, que os conhecimentos gramaticais

devem ser colocados em prática a partir da produção de textos desenvolvidos por eles, dos

trabalhos orais e dos projetos entre outros.

48

CAPÍTULO IV

4 UMA EXPERIÊNCIA COM O PROJETO “MAPEANDO A GRAMÁTI CA E O

LIVRO DIDÁTICO”

“A forma artisticamente criativa dá formas antes de tudo ao homem, depois ao mundo, mas somente enquanto mundo do homem”.

Mikhail Bakhtin

4.1 RELATO DA EXPERIÊNCIA

Relataremos nossa experiência como professora de Estágio Supervisionado de

Língua Portuguesa, no qual foi realizado o projeto “Mapeando a gramática e o livro didático,

em 2009, na Universidade de Rio Verde - FESURV, Goiás, com as turmas de primeiro período

do curso de Letras e Pedagogia noturno. As aulas foram realizadas quinzenalmente, aos

sábados, durante cinco meses. O objetivo do trabalho foi a análise do ensino da gramática

normativa proposto pelos livros didáticos e sua relação com os manuais de gramática.

A princípio, a proposta estava voltada para a comparação do ensino da Língua

Portuguesa nas gramáticas e nos livros didáticos. Escolhemos, aleatoriamente, três gramáticas e

alguns livros didáticos, pressupondo que os estudantes de Letras e Pedagogia tivessem noções

das práticas de ensino propostas nos manuais didáticos e dos modos de utilização das

gramáticas. Diferentemente do que imaginávamos, os alunos desconheciam as propostas de

ensino da língua portuguesa no livro didático e na gramática. Houve questionamentos como:

“Não sabíamos que alguns livros didáticos apresentavam conceitos inacabados.”; “São muito

difíceis as explicações das regras gramaticais nos livros didáticos, elas nos confundem e as

gramáticas aprofundam um pouco mais nos conceitos de algumas regras, diferentemente do

livro didático.”; “É cobrada a análise sintática, e é muito confuso entendê-la e alguns exercícios

são cobrados sem que haja explicação prévia das regras”; “O livro didático apresenta textos,

charges, tirinhas, mas os questionamentos são quase sempre sobre as regras gramaticais.”; “Não

49

sabia que em alguns livros didáticos eram divididos os conteúdos em: gramática; texto e

literatura”.

Durante o projeto, houve muitas descobertas, e uma delas foi a ideia de

analisarmos o FALE: fala, audição, leitura e escrita dos alunos, com base nos Parâmetros

Curriculares Nacionais, que defendem o exercício dessas atividades em sala de aula. Tomamos

como objetivo verificar se os livros didáticos apresentavam esse trabalho e de que forma eram

propostos os conteúdos, levando em conta o ensino dos modos de falar, em diferentes ambientes

e circunstâncias o falar com entusiasmo, falar pausadamente, usar a entonação adequada em

ambientes diferentes. Aprender a ouvir de forma a se educar para participações em eventos de

forma polida. Ler com desenvoltura os vários gêneros textuais, treinar leitura silenciosa e em

voz alta, recitar poesias, entre outros textos. Escrever para se comunicar através das inúmeras

formas de gêneros de textos e para usá-los com desenvoltura em várias situações de uso da

língua escrita, seja para comunicação em ambiente informal, seja em ambiente formal.

Por último, a reescrita que foi pensada após o início do programa. O motivo pelo

qual nos levou a discutir, também, sobre a reescrita, no projeto, foi a ideia de aprofundar as

leituras dos teóricos Geraldi (1997), Mendonça e Bunzen (2007) apoiados nos PCNs (1998), os

quais defendem práticas mais voltadas para a realidade de comunicação no ensino e de fazer

com que o aluno leia, interprete e produza, para em seguida, com a ajuda do professor, apontar

possíveis mudanças para a reescrita do texto.

As leituras sobre os teóricos e teorias que discutem a comparação entre o ensino

da Língua Portuguesa no livro didático e na gramática foram incipientes, considerando a falta

de conhecimento prévio dos acadêmicos sobre as questões propostas no projeto, e também de

nosso pouco embasamento teórico. Desta forma terminamos o projeto com a conclusão de que o

livro didático adota diferenças mínimas nas explicações sobre a gramática normativa; usa o

texto como pretexto para ensinar as regras da gramática da língua portuguesa e trabalha de

forma tímida o FALE.

Percebemos que não foi possível discutir todos os assuntos com profundidade,

visto que foram vários assuntos a serem tratados em pouco tempo e que poderíamos analisar

apenas o livro didático, apoiado em teorias que discutem sobre como se dá o trato do ensino da

língua portuguesa no livro didático.

Neste percurso, decidimos buscar, no mestrado, possíveis respostas para algumas

de nossas inquietações. A partir das discussões sobre o que pesquisar e como pesquisar,

contamos com a colaboração do orientador Dr. Juscelino Pernambuco, da Universidade de

Franca – UNIFRAN, no encaminhamento da pesquisa. Foi-nos apresentado o interacionismo e

50

o interacionismo discursivo durante nossas orientações e decidimos que adotaríamos o filósofo

Mikhail Bakhtin como suporte para a pesquisa.

Escolhemos dois livros didáticos como corpus da pesquisa. O primeiro,

Português Linguagens, de Willian Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães, por ser

bastante utilizado em Goiás e o segundo, A Aventura da linguagem, pelo fato de um dos

autores, Luiz Carlos Travaglia, ter divulgado o próprio livro, no ano de 2010, em Rio Verde.

Decidimos que seria discutida a forma de como é apresentado o ensino da gramática normativa

em dois livros didáticos, ambos do nono ano, e que faríamos um recorte aleatório em alguns

tópicos deste ensino, em comparação com o que defende o interacionismo sociodiscursivo.

Assim, nosso foco foi a análise da proposta de ensino da gramática dos autores

do livro didático e, embora sejamos conhecedores de que a prática docente tenha grande

relevância na escolha e utilização do livro didático, ela não foi discutida neste trabalho.

Interessou-nos analisar, nesta pesquisa, com suporte na concepção do filósofo

Mikhail Bakhtin, como interacionista, e de Jean-Paul Bronckart (2009) com o interacionismo

sociodiscursivo, a comunicação a partir das relações dialógicas entre os sujeitos no social,

discutidas por eles. Bakhtin e Bronckart não separam o mundo da teoria com o mundo da

história do sujeito, ou seja, não defendem um ensino monológico, mas um ensino que parte do

individual ao coletivo elencado ao conhecimento teórico. A escolha pelos teóricos foi

providencial pelo fato de que os estudos sobre as regras gramaticais no livro didático estão na

contramão ao pensamento bakhtiniano e bronckartiano. Regras essas consideradas únicas, as

quais não levam em conta a heterogeneidade dos sujeitos, não consideram os vários

pensamentos, as várias vozes, a dependência do eu e do outro para que se estabeleça a

comunicação efetiva e que, com isso, o sujeito possa ampliar suas habilidades de leitura, escrita,

interpretação e reescrita, a partir da interação.

São as bases teóricas bakhtianianas e bronckartianas que darão suporte à

pesquisa com a intenção de verificar se há, nos livros didáticos, do 9º do ensino fundamental, o

ensino interacionista e interacionista sociodiscursivo, ou seja, se a comunicação parte do uso

real da língua na vida do sujeito em um momento de ação dialógica.

4.2 ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS

51

Analisaremos nesse capítulo, os conteúdos de língua portuguesa em dois livros

didáticos de ensino fundamental, destinados ao 9º ano do ensino fundamental, intitulados:

“Português Linguagens” - doravante (PL), de William Roberto Cereja e Thereza Cochar

Magalhães (2009) e “A Aventura da Linguagem” - doravante (AVL), de Luiz Carlos Travaglia,

Maura Alves de Freitas Rocha e Vania Maria Bernardes Arruda-Fernandes (2009).

O interacionismo pode servir de suporte a um ensino que se preocupe com a

interlocução, já que tem como premissa a ideia de que a linguagem é naturalmente dialógica.

Isso significa que no ensino de Língua Portuguesa o objetivo deverá ser de ensinar o uso da

língua e não o normativismo gramatical como um fim em si mesmo. Desse modo, um ensino

produtivo é o que proporciona situações de comunicação viva em sala de aula com exercício

pleno dos recursos da língua. Pretendemos com esta pesquisa verificar se os livros didáticos

tomados como corpus buscam trabalhar com práticas de ensino de gramática que se sustentam

no interacionismo.

Com isso, abriremos uma discussão acerca do modo como os autores apresentam

a gramática no livro didático. O procedimento metodológico será o seguinte: inicialmente

analisaremos os títulos dos livros, para conferir se os conteúdos combinam com eles. Depois

compararemos os sumários dos dois livros, com o objetivo de verificar o modo como os autores

proporão atividades de trabalho com o texto. Como preocupação central, verificaremos como se

dá o trabalho e como é ensino de gramática nos dois livros.

4.3 TÍTULOS

Análise 1

Em ambos os manuais, a palavra “linguagem” aparece nos títulos. Isso

pressupõe que a linguagem como processo, será o foco dos livros, isto é, o privilégio será

dado mais à linguagem do que à língua. O título de um texto ou de um livro, conforme

Pernambuco (2011), por si mesmo, já é uma pista para a interpretação. Por conseguinte há

uma tentativa de, a partir dos títulos, anteciparem o que será discutido e como será discutido o

ensino da língua portuguesa.

No livro “Português linguagens”, a escolha da palavra “linguagens”

inicialmente parece estar de acordo com a proposta de ensino interacionista sociodiscursivo.

52

Ao optar pela palavra linguagem, o autor manifesta uma visão de ensino que combina com o

princípio interacionista que afirma a ideia de que o ensino deve acontecer pelo caminho do

processo que é a linguagem mais do que pela via da língua que é produto do exercício da

linguagem.

O título do segundo livro a ser analisado é “Aventura da Linguagem”, também

com destaque para linguagem e não para língua. E aqui o interessante é que linguagem

associa-se à ideia de aventura, cujo significado liga-se a coisas positivas, mas traz também a

ideia de risco. O importante para o autor é sugerir que o seu livro não se prenderá ao ensino

da língua, o que poderia sugerir muito domínio da gramática, mas buscará dar prioridade às

atividades com a linguagem.

4.4 SUMÁRIOS

Análise 2

Na análise dos Sumários, deixaremos de lado as atividades textuais, para nos

concentrarmos nos aspectos gramaticais, uma vez que é este o objetivo da pesquisa: verificar

como os livros didáticos atualmente propõem atividades de ensino gramatical para o professor

e para os alunos.

Os dois livros didáticos “Português- Linguagens”e “Aventura da Linguagem”

apresentam doze capítulos e em todos eles há atividades de ensino de gramática com os títulos

de “Língua em Foco” e “Pensando a Língua”, respectivamente.

4.4.1 – Sumário – Português Linguagens

Figura 1 - Unidade 1 – A língua em foco Fonte: Português Linguagens, 2009, sumário.

53

4.4.2 Sumário – Aventura da Linguagem

Figura 2 - Unidade 2 – Pensando a língua Fonte: A Aventura da Linguagem. 2009, sumário.

Tanto no livro didático Português Linguagens quanto o livro Aventura da

Linguagem há o privilégio do ensino metalinguístico, mas há diferenças no que é cobrado

enquanto conteúdo. O primeiro se preocupa apenas com as orações subordinadas sem se

preocupar em apresentar outros assuntos. O segundo discute antes das orações subordinadas a

formação de palavras: composição e derivação; Pronomes indefinidos só para em seguida

apresentar as orações subordinadas, mas mesmo os conteúdos apresentados de forma

diferente, nos livros didáticos, não apresentam novidades e continuam com um ensino sobre a

estrutura da língua em detrimento da Linguagem.

4.4.3 Sumário – Aventura da linguagem

Figura 3 - Unidade 3 – Pensando a língua Fonte: A Aventura da Linguagem. 2009, sumário.

Como dissemos acima, o trato com as questões dos sumários, de ambos os

livros, do 9º ano do ensino fundamental, está relacionado com propostas já prontas, com

nomenclaturas que defendem um ensino tradicional de análises de frases. O ensino

interacionista não é contemplado na proposta dos autores dos livros didáticos, tendo em vista

a linguagem que se desenvolve em sociedade e a partir de atos responsivos, ou seja, a

54

comunicação se efetiva a partir de um dado significativo para o sujeito. Esse ato responsivo,

como revela a palavra comunicação, só será concretizado se o assunto se aproximar do

contexto sociodiscursivo do aluno. Um ensino interacionista tem de ter como foco a

linguagem e a língua em situação de uso. Em cada atividade, o que deve interessar é o uso dos

recursos da língua para a troca de enunciados entre os interlocutores. No caso da análise

sintática, por exemplo, antes de aprender a observar as relações entre os diferentes elementos

oracionais, o aluno deve ser levado a observar o modo como a construção sintática de uma

frase pode influir no sentido de um enunciado. Isso não significa que o ensino de aspectos

sintáticos deva ser abolido em nome do interacionismo. O professor pode e deve continuar

ensinando a gramática normativa na escola. O que não pode ser esquecido é que a gramática

deve ganhar vida como meio de se chegar à construção de enunciados e não de frases isoladas

a serem analisadas sintática e morfologicamente.

A disposição do sumário nos livros didáticos define as crenças e preferências

dos autores sobre o ensino da Língua Portuguesa, sem que haja um mapeamento das

necessidades do aluno, ou seja, os conteúdos são focados nos conhecimento dos autores sobre

os assuntos apresentados e não do aluno. A dúvida ou as preferências das escolhas do sumário

confirmam um ensino ainda flutuante, sem certezas do que é realmente importante no ensino

da gramática. A abordagem dos assuntos propostos, nos livros didáticos, revela a importância

que cada autor apresenta para o ensino da gramática. Não há neles a percepção da importância

de se aprender cada assunto gramatical voltado para a interação comunicativa dos alunos.

4.5 PORTUGUÊS LINGUAGENS – PL: ORAÇÕES SUBORDINADAS SUBSTANTIVAS

Nos dois livros analisados, o destaque do ensino de gramática está no estudo

das classificações das Orações Subordinadas Substantivas. Apresentaremos no livro didático

- PL as orações subordinadas substantivas do tópico Língua em Foco - com o título

“Construindo o conceito”. Os autores propõem através de verbo conjugado no modo

imperativo, a leitura da tirinha e, logo após apresentarem a tirinha, solicitam, no primeiro e

segundo exercícios, que os alunos identifiquem: orações, períodos simples ou composto; qual

a predicação do verbo e a função da palavra “isso”. Vejamos:

55

Análise 3

Figura 4 – A língua em foco – Orações Subordinadas Substantivas Fonte: Português Linguagens, 2009. p. 23

56

Segundo os autores, o objetivo do exercício 1 é identificar: verbos;

orações, período simples e período composto; no número dois, o objetivo é identificar a

predicação e funções das orações. Não são apresentadas explicações ou feitas digressões

sobre o assunto proposto. Isso significa que se pressupõe que o aluno já sabe sobre os

conteúdos cobrados nos exercícios. Não há discussões a respeito desses conceitos e não

consideram as variáveis como: maturidade do aluno, livro estudado anteriormente,

mudança de escola, garantia de que o aluno realmente aprendeu esses conteúdos.

Todavia o aluno é levado a concluir que na próxima discussão esses conteúdos serão

apresentados.

O interacionismo sociodiscursivo defende o sujeito como autor do

processo de interação, capaz de construir seus próprios enunciados discursivos.

Contudo, quando os autores fazem a pergunta, como a do último exercício, da página 23:

“Por que a fala do rato no último quadrinho contradiz aquilo que ele afirma no 1º

quadrinho?”, induzem à resposta e, com isso, não colaboram com a construção de sua

própria interpretação sobre a tirinha. Com isso a relação entre enunciados está

arbitrariamente marcada, impossibilitando o aluno de desenvolver suas próprias

conclusões sobre a interpretação da tirinha, sem contar que não há relação entre as

explicações das orações subordinadas substantivas com a interpretação do texto.

Em sequência, ainda na página 23, com término na página 24, há

explicações sobre a teoria proposta no tópico intitulado “conceituando”. Vejamos:

57

Análise 4

Figura 5 – A língua em foco – Orações Subordinadas Substantivas Fonte: Português Linguagens, 2009. p. 24.

58

Nas explicações do tópico “Conceituando” são cobrados: transitividade do

verbo; Objeto direto; Oração principal; Oração substantiva objetiva direta; Período

simples; Período composto. Nesse momento, há uma revisão sobre os tópicos citados,

sem profundidade, isto é, sem aliar a nenhum tipo de reflexão sobre como empregá-los

em outras situações de uso. O aluno por não ser visto como sujeito do ato educativo em

interação com as regras gramaticais recebe uma bateria de informações em uma

apresentação que contempla somente normas da gramática.

Os estudos do interacionismo sociodiscursivo não desprezam o ensino

gramatical, contudo, defendem o ensino dialógico, interativo em que as unidades não

existam apenas nas formações de frases mortas, sem sentido, mas sim enunciados, ou

seja, a frase sem sentido não representa a comunicação viva.

O ensino interativo defende um trabalho voltado para a preparação dos

gêneros textuais e refuta o ensino que não deixa claro quais os efeitos de sentido e de

intenção na apresentação das propostas apresentadas no livro didático, ou seja, o ensino

de cunho prescritivista, no qual se crê que o conhecimento das regras gramaticais é

suficiente para se conseguir ler e escrever com sucesso os mais diferentes gêneros de

textos.

59

Análise 5

Figura 6 – A Língua em Foco – Orações Subordinadas Substantivas Fonte: Português Linguagens, 2009. p. 26.

60

Na página 24, 25 e 26, os autores apresentam seis tipos de orações

subordinadas substantivas, porém há um apagamento de conceito, pois não discutem o

emprego dos objetos diretos preposicionados que podem criar confusão quando forem

apresentados aos alunos, se forem apresentados. Por outro lado apresentam uma série de

boxes com dicas pertinentes às análises das orações subordinadas substantivas, como na

página 25: conjunções subordinadas integrantes QUE e SE; na página 26 verbos, na terceira

pessoa do plural, e certas expressões que quase sempre são usadas com as orações

subordinadas substantivas: acontecer, constar, cumprir, ocorrer, parecer, sabe-se, conta-se,

ficou provado, é bom, é claro, é certo, etc. Os autores não esgotam toda a apresentação dos

verbos e, tampouco, das expressões, com isso o aluno terá uma informação parcial das

observações feitas pelos autores sobre verbos e expressões utilizadas com as orações

subordinadas substantivas.

Os autores não conseguem fugir ao ensino tradicional, adotam a ideia

predominante de que ensinar a língua é ensinar a gramática normativa, o qual dificulta para o

aluno criar seus próprios enunciados, em uma perspectiva de aprendizagem voltada para o

diálogo entre sujeito e objeto, em um processo interlocutivo e de forma interativa.

61

Análise 6

Figura 7– A língua em foco – Orações Subordinadas Substantivas Fonte: Português Linguagens, 2009. p. 27.

62

No exercício 1, da página 26, os autores do livro didático propõem um

exercício de substituição em que o aluno deverá utilizar as orações subordinadas substantivas,

mas não há instruções de quais dos seis tipos serão utilizados, desta forma será possível que o

aluno utilize outras formas de emprego das frases. No exercício dois, da mesma página, os

autores apresentam uma tirinha, para que os alunos respondam as questões dois e três e mais

uma vez usam o texto como pretexto para discussão sobre orações, predicação e função

sintática das orações. Os autores do livro didático deixam de lado discussões dos sujeitos

envolvidos no processo de interlocução. Não há relação entre conteúdo e a realidade social do

aluno, não se considera a ação dos envolvidos no processo de ensino da norma gramatical,

uma vez que a língua se constrói a partir do uso e não de regras fechadas. Tudo isso revela um

ensino oposto ao ensino interacionista bakhtiniano e interacionista sociodiscursivo

bronckartiano, os quais desconsideram a prática metalinguística apresentada no livro didático

de forma reducionista, sem levar em conta o caráter dialógico da linguagem e, principalmente,

de um ensino que não reforça as habilidades de leitura, interpretação e escrita dos alunos, ou

seja, estudo de forma descontextualizada.

4.6 ANÁLISE DAS ORAÇÕES SUBORDINADAS SUBSTANTIVAS NO LIVRO

DIDÁTICO AVL

Analisaremos as orações subordinadas substantivas nos livros didáticos:

Português Linguagens e A Aventura da Linguagem. Discutiremos como os autores ensinam

as orações coordenadas nos livros didáticos, e se há uma ponte entre ensino da língua com o

uso da língua. Não esgotaremos o assunto sobre a prática do ensino da gramática nesse

trabalho, e sim discutiremos um recorte de como se dá o ensino da gramática nos livros

didáticos em questão.

Em ambos os manuais percebemos vários assuntos pertinentes às classificações

das orações subordinadas substantivas, mas escolhemos apenas apresentá-los sem entrar em

detalhes sobre as explicações dos autores.

63

4.6.1. Análise 8 – Livro didático - A Aventura da Linguagem (AVL) – Orações

Subordinadas Substantivas

Quanto ao livro didático “Aventura da Linguagem” não são apresentadas as

orações subordinadas substantivas da mesma forma tradicional que o livro didático Português

Linguagens. No tópico Pensando a Língua, os autores iniciam o ensino das Orações

Subordinadas, tratando primeiramente da transitividade do verbo. Apresentam conceitos,

verbos intransitivos, transitivos e bitransitivos, objeto direto e indireto. Na página 29, os

autores apresentam: Sujeito e predicado: distinção, sintagmas nominal e verbal; na página 31:

orações: conceito; conceito e tipos de frases; na página 113, os autores apresentam: períodos e

orações subordinadas e coordenação, complementos verbais oracionais, orações substantivas e

adjetivas; na página 137: aposto; e por último, na página 211: orações subordinadas

substantivas, adjetivas e adverbiais.

Embora todos os assuntos citados pelos autores sejam relevantes para o estudo

desses tipos de oração, trataremos apenas das discussões sobre os últimos tópicos, das páginas

113, 114, 115, 116, 211 e 212 a fim de apresentarmos de forma didática as comparações entre

orações subordinadas substantivas em ambos os livros.

No sumário do livro didático, Aventuras da Linguagem – AVL, as orações

subordinadas substantivas aparecem, na unidade 2, intitulada “Pensando a Língua”, página

113. Há, inicialmente, a discussão sobre: períodos, orações, subordinação; coordenação;

complementos verbais oracionais, orações substantivas e orações adjetivas, sendo que as

orações subordinadas substantivas são apresentadas como tópico complementar, com o título

“Aprendendo Mais Sobre Períodos e orações”. Vejamos:

64

Análise 7

Figura 8 - Unidade 2 – Capítulo 4 – Pensando a língua - Aprendendo mais sobre períodos e orações Fonte: A Aventura da Linguagem. 2009. p. 113

65

Na apresentação acima, os autores não optam pela tirinha, como no livro

didático PL, cobram os conceitos de período (simples e compostos) e oração (coordenada e

subordinada) vistos no capítulo 2. Os autores não levam em conta que o uso das normas

gramaticais são orientações de como usar a língua, de como empregá-la e suas várias

combinações, a fim de que os alunos criem efeitos de sentido e intenção diferentes na leitura e

produção de textos, a partir da interação do aluno com os conteúdos e suas experiências.

A preocupação em identificar e reconhecer quais são os períodos e quantos são,

das frases apresentadas, não levantam questionamentos sobre o modo como são articuladas as

ideias no momento em que o aluno produzirá, por exemplo: um relatório, uma mensagem no

e-mail, uma ata, um editorial entre outros gêneros textuais e, tampouco, propiciará discussão

acerca da interpretação (das frases retiradas) do texto, o qual trata sobre os traços da cultura

indígena, que é apresentado em nove páginas anteriores.

Assim como no manual PL, o AVL cobra identificação e reconhecimentos

gramaticais da mesma maneira, sem visão crítica de mundo, sem explicações de quais efeitos

e intenções as normas gramaticais se encaixariam, com isso o aluno não consegue criar uma

ponte de reconhecimento entre norma gramatical e sua prática de leitura e escrita em seu

cotidiano.

66

Análise 8 -

Figura 9 - Unidade 2 – Capítulo 4 – Pensando a língua - Aprendendo mais sobre períodos e orações. Fonte: A Aventura da Linguagem, 2009, p. 114.

67

No livro didático AVL, observamos que os autores fazem uma nota de

explicação após o exercício cobrado, exatamente sobre o que se explica: período. Apresentam

oito frases, de textos cobrados anteriormente, todos sobre a cultura indígena, e cobram:

predicado, transitividade e complemento das frases. Os autores dos livros didáticos

centralizam o ensino da língua, explicando a língua, ou seja, validam apenas o conhecimento

das nomenclaturas.

Os autores continuam utilizando o texto como pretexto para discutir a

gramática, sem dar margem para qualquer questionamento sobre qual a relação que se

estabelece entre estudar períodos simples e compostos com a leitura, interpretação e escrita. O

que falta nestes livros realmente é uma concepção interacionista de linguagem que sustente

uma prática de atividades gramaticais que tenham como fim habilitar os alunos para a

interação social e discursiva, com um domínio, no mínimo, satisfatório dos diferentes gêneros

textuais e discursivos.

68

Análise 9

Figura 10 - Unidade 2 – Capítulo 4 – Pensando a língua - Aprendendo mais sobre períodos e orações. Fonte: A Aventura da Linguagem. 2009, p, 115.

69

Nos exercícios que se seguem verificamos cobranças de análise: substantivos;

adjetivos, pronomes, todos apresentados em frases. Como nossa análise está focada nas

orações subordinadas substantivas, percebemos que os autores apresentam-nas na página 115,

no exercício b: Identifique a oração subordinada substantiva e a oração adjetiva no primeiro

grupo. Depois diga por que elas são chamadas assim. Em todas essas questões, observamos

que a competência que se procura desenvolver está distante do ensino interacionista

sociodiscursivo, uma vez que esse ensino não despreza o ensino das normas gramaticais, mas

por outro lado atesta um ensino claro, objetivo que dê ao aluno liberdade de trabalhar leitura e

escrita a partir dos inúmeros gêneros textuais, os quais serão cobrados na vida do aluno.

70

Análise 10

Figura 11- Unidade 2 – Capítulo 4 – Pensando a língua - Aprendendo mais sobre orações. Fonte: A Aventura da Linguagem. 2009. p. 116.

71

Na página 116, há uma revisão do que é oração subordinada e oração

coordenada, mas não se apresentam exemplos. E os autores seguem pedindo em exercícios

que identifiquem orações e apontem os conectivos e conjunções sem ao menos discutir sobre

os temas. Notamos que com os exercícios de frases retiradas dos textos, os autores perdem

muito tempo com questões de nomenclaturas e classificações, enquanto que o estudo dos

efeitos de sentido e intenção do uso dessas normas é deixado de lado.

Em seguida, os autores discutem sobre as vozes presentes no texto, vistas no

capítulo 2; eles fazem recortes de trechos de textos (sobre os índios), dispostos em 7 páginas

anteriores e não explicam ou fazem revisão sobre quem são essas vozes presentes no texto,

por que elas estão presentes no texto, quais os efeitos de sentido e intenção de elas estarem

onde estão.

O interacionismo sociodiscursivo valoriza as regras gramaticais como um meio

e não como um fim. O valor delas deriva de sua aplicabilidade, da sua funcionalidade na

construção dos atos sociais dos alunos, ou seja, o ensino de normas gramaticais

descontextualizadas foge à realidade da comunicação viva e interativa.

72

Análise 11

Figura 12- Unidade 2 – Capítulo 8 – Pensando a língua - Aprendendo mais sobre orações. Fonte: A Aventura da Linguagem. 2009, p. 211.

73

Os autores do livro didático “Aventuras da linguagem” iniciam relembrando os

alunos que eles já estudaram as orações subordinadas e que elas são intituladas desta forma

porque “se subordinam a outras, isto é dependem delas”. Isso é uma repetição do que já foi

explicado em páginas anteriores, como na página 23: “são aquelas que exercem uma função

sintática em outra oração.”. O emprego das orações subordinadas é apresentado de forma

didática, porém não há a explicação do por que, para que e em qual situação de uso da

comunicação empregá-las.

Em seguida, os autores traçam uma breve classificação dos três orações

subordinadas, apresentam exemplos e continuam explicando: classificação das orações,

transitividade dos verbos e tipo de complemento. Dão importância às classificações

gramaticais, sem prever o que os alunos pensam, entendem ou podem contribuir e construir a

partir das explicações apresentadas, ao invés disso arbitrariamente recortam frases para

análise sintática.

O livro didático PL, diferente do AVL, adota um ensino um pouco mais

didático, apresenta exemplos das orações subordinadas substantivas, suas funções, exemplos e

observações sobre o assunto. Nesse manual os autores assumem o lado tradicional do ensino

da gramática.

O que falta mesmo nos livros didáticos é uma proposta de ensino que

subordine o ensino gramatical a uma visão interacionista. Dessa forma, as atividades a serem

propostas para o trabalho em sala de aula seriam voltadas para o diálogo, provocariam o

diálogo entre os alunos, entre o professor e os alunos e, mesmo, dos alunos consigo mesmos.

Não é preciso que se abandone o ensino gramatical, basta que se dê a ele uma finalidade que é

a interação social.

74

Análise 12

Figura 13 - Unidade 3 – Capítulo 8 – Pensando a língua - Aprendendo mais sobre orações. Fonte: A Aventura da Linguagem, 2009. p. 212.

[L1] Comentário: Ver se esta figura é daqui mes

75

As explicações sobre as Orações Subordinadas Substantivas vistas no livro

didático AVL são diferentes das do livro didático LD, pois enquanto os autores do primeiro

iniciam pelas explicações da análise sintática (sujeito, verbo e complemento), o segundo,

também, explicam as funções das orações subordinadas substantivas, mas tenta ser inovador

quando pede que o aluno, após as explicações e exemplos das orações subordinadas, substitua

o símbolo “asterisco” para explicar de qual oração subordinada estão cobrando. Mesmo com a

tentativa de ser inovadores, os autores do o livro didático – AVL, mantêm a mesma prática de

ensino da língua pela língua do livro didático – PL, não partem do conhecimento de mundo

do aluno, impossibilitam a interação entre objeto e sujeito.

Para o interacionismo sociodiscursivo, o uso da língua é de natureza

sociodiscursiva, ou seja, é determinada pelo diálogo do locutor e seu interlocutor, em uma

construção social. O ensino das orações subordinadas substantivas, em ambos os livros

analisados na pesquisa, não coloca o aluno como sujeito de seu dizer, como autor de seus

enunciados. Predomina nestes livros um ensino a respeito da língua e não um ensino da língua

para ser usada em todas as situações de interlocução.

Percebemos, no livro didático, mudanças na apresentação geral das escolhas

dos títulos, na diagramação, nas pesquisas que fazem a respeito do texto, mas os autores não

conseguem ir além das normas gramaticais, usam o texto para ilustrar noções gramaticais.

Com isso, os alunos continuam apenas respondendo a questões sobre os textos e prestando

contas de seu saber gramatical.

76

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A intenção desta pesquisa não foi em hipótese alguma desqualificar ou levantar

dúvidas sobre a capacidade e competência de ensino dos já aclamados e conceituados autores

dos livros didáticos “Português Linguagens” e “A Aventura da Linguagem”. No entanto, as

considerações sobre os títulos, sumários e análise das orações subordinadas substantivas

comprovaram nossa hipótese de que os manuais não seguem as propostas de ensino

interacionista de Bakhtin e do interacionismo sociodiscursivo de Jean Paul Bronckart, as

quais defendem que a enunciação antecede o enunciado e que é a partir da interação sócio-

histórica entre o sujeito e o outro que o processo dialógico acontece.

Ao analisarmos os títulos dos livros e sumários, pareceu-nos que os autores dos

livros didáticos de língua portuguesa adotariam o ensino voltado para a comunicação efetiva a

partir do cotidiano do aluno, mas ao chegarmos às análises das orações subordinadas

substantivas, percebemos que os autores utilizam uma forma conservadora de ensino que foge

a uma visão interacionista. Não há no ensino de língua portuguesa nos livros analisados a

comunicação a partir da interação entre sujeito e seu interlocutor. Na visão interacionista, as

unidades gramaticais adquirem sentido quando são utilizadas nos enunciados. Por si sós, elas

não têm valor para a interação. Ensinadas fora da situação discursiva, elas se esvaziam.

Com a pesquisa, pudemos perceber que os questionamentos levantados no

projeto “Mapeando a gramática e o livro didático”, foram parcialmente respondidos e

confirmados, uma vez que constatamos que o ensino das normas gramaticais da língua

portuguesa, nos livros didáticos, não favorecem a construção e reconstrução das habilidades

de leitura e escrita do aluno.

A pesquisa poderá contribuir de algum modo com o trabalho pedagógico do

professor de Língua Portuguesa, ao tentar mostrar que os livros didáticos não têm conseguido

ser um auxiliar confiável de uma prática interacionista em sala de aula. Cabe ao professor

saber utilizá-los dando mais peso às atividades propostas neles, com o exercício do diálogo e

da reescrita em sala de aula.

77

Não foi nossa intenção discutir sobre a prática docente ou dar sugestões de

atividades de ensino da estrutura da língua portuguesa, mas traçar uma discussão e reflexão,

apontando como os autores dos livros didáticos se posicionam diante do ensino da gramática.

Conhecer o ensino a partir do interacionismo, de Bakhtin e do interacionismo

sociodiscursivo de Jean-Paul Bronckart ampliou o leque de informações acerca da

importância de o professor trabalhar com atividades de linguagem e de língua que sirvam ao

propósito de interação social. As contribuições da psicologia, com os planos genéticos,

ajudaram-nos a perceber que é possível a identificação das formas de desenvolvimento e que

juntas caracterizam o funcionamento psicológico do ser humano. Ou seja, o aluno possui sua

história como ser humano, sua própria história cultural a partir do meio em que está inserido

e possui aspectos individuais de aquisição do conhecimento.

À medida que os autores dos livros didáticos apresentam frases prontas, sem

que o aluno seja provocado a questionar a gramática, estão desconsiderando que o aluno é um

ser biologicamente capaz de aprender de forma significativa, e que terá um aprendizado das

estruturas gramaticais da língua portuguesa diferente dos outros alunos. A aquisição do

conhecimento efetivo do ensino da estrutura da língua portuguesa não acontecerá se os

autores deixarem de lado a função e intenção dessas estruturas na vida do aluno a partir dos

textos que sejam significativos na vida dele.

Descobrimos que o livro didático é um instrumento da tecnologia de grande

importância para a prática do professor de língua portuguesa, que faz a mediação concreta do

aluno com o mundo, mas que o ensino da língua portuguesa, nesses livros, parte do estudo

sobre a língua e não da atividade de uso da língua. Esse ensino tem de partir da gramática já

internalizada pelo aluno, quando ingressa na escola.

Vimos que a maneira como os autores apresentam as atividades de ensino de

gramática nos seus livros didáticos não é como um meio para chegar ao domínio dos usos da

língua, também não se permite que o aluno faça parte da construção do que é ensinado.

Constatamos que um dos autores do livro didático “A Aventura da

Linguagem”, Luiz Carlos Travaglia, defende a proposta interacionista, vista em outros

trabalhos de ensino de língua portuguesa divulgados anteriormente, o qual prega que o ensino

da língua portuguesa deve ser reflexivo a partir da interação do aluno com o que lhe é

apresentado, e que a competência comunicativa se dá no social, porém, percebemos que há

uma tentativa frustrada de apresentar uma tendência inovadora de ensino e de criar reflexão

sobre os conteúdos gramaticais, exibido no tópico “Pensando a Língua”.O livro didático

78

“Português linguagens”, na seção Pensando a Língua, adota a tendência conservadora,

predominantemente estrutural.

Percebemos ainda, que mesmo havendo menor cobrança dessa prática de

ensino predominantemente gramatical na preparação para o concurso do vestibular, ainda

assim, os autores dos livros didáticos analisados privilegiam esse ensino em detrimento ao

ensino interacionista. Pode-se afirmar que o ensino da gramática da maneira como está sendo

realizado não apresenta grandes diferenças do que acontecia antes da vigência dos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs).

O que conseguimos ver com as análises do título, do sumário e das orações

subordinadas substantivas, é que os autores do livro didático em questão não utilizam os

PCNs como sustentação de um ensino interacionista da língua portuguesa.

Descobrimos que os títulos dos livros sugerem que as práticas serão

predominantemente de linguagem, mas não conseguem fugir de um ensino ainda

metalinguístico calcado no ensino da nomenclatura gramatical. Esses títulos nos fazem pensar

que o ensino será sobre a linguagem no cotidiano do aluno e que os autores convidarão o

aluno para uma aventura da linguagem, com base em um modelo prático de ensino que trate

da realidade desse aluno voltada para a interação. No sumário do livro didático “A Aventura

da Linguagem”, que apresenta o sumário intitulado “Pensando a Língua”, esperávamos que os

autores discutiriam como pensar a língua a partir de textos diversos voltados para a prática de

leitura e produção textual, mas o que predomina é o ensino da sintaxe como se fazia há muitos

anos.Nesses livros os textos são ainda pretextos para análise de conteúdos gramaticais.

O objetivo desta pesquisa foi alcançado, já que conseguimos, na análise,

comprovar que os livros didáticos de Português, embora tenham agora uma aparência mais

moderna e apresentem textos literários de autores contemporâneos, para atrair mais a atenção

dos alunos, continuam a propor atividades que não conduzem os alunos para a percepção de

que a linguagem é dialógica por natureza e que os textos nada mais são que o exercício desse

diálogo. Falta aos livros didáticos uma proposta de atividades de linguagem e de língua que

criem condições de os alunos construírem seus enunciados colocando-se como sujeitos que

manifestam seus posicionamentos e aceitam a réplica dos seus interlocutores, como disse

Bakhtin.

Com o trabalho de Mestrado, fomos convidados a dar continuidade ao projeto

nos cursos de Letras e Pedagogia, na Universidade de Rio Verde, sobre como o

interacionismo e o interacionismo sociodiscursivo podem colaborar com um ensino mais

significativo. Com isso, pretendemos dar continuidade às investigações e mostrar que o livro

79

didático, embora seja um auxiliar importante para o professor e para os alunos, é possível

buscar em outras fontes formas de ensino voltadas para a ampliação das habilidades de leitura,

interpretação e escrita do aluno a partir dos gêneros textuais.

80

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