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1 O INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS - IBCCRIM, entidade não governamental, sem fins lucrativos, com sede na cidade de São Paulo (SP), Rua Onze de Agosto, 52 Centro, vêm, por meio de seus representantes, apresentar nota técnica sobre o Projeto de Lei nº 7764 de 2014 (originário do PLS 480/2013), de autoria da Senadora Ana Rita, que estipula alterações na Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210, de 1984), para incluir artigos relativos à revista pessoal. O Projeto prevê a utilização de meios diversos da revista manual e invasiva, estipulando, no parágrafo único do novo art. 83-A, que a revista deverá ser realizada por meio de equipamentos eletrônicos detectores de metal, aparelhos de raio- x, ou quaisquer outros aparelhos com a mesma finalidade. PARECER DO IBCCRIM PELA CONSTITUCIONALIDADE DO PL 7764/2014 O IBCCrim entende que o PL nº 7764 tem a finalidade de, finalmente, corrigir um erro histórico que permeou o sistema prisional brasileiro por tanto tempo, afrontando sistematicamente os preceitos constitucionais e todos os tratados internacionais assinados pelo Brasil. A revista íntima, merecidamente chamada de revista vexatória, consiste na utilização de meios manuais e visuais para detectar se o visitante que deseja entrar em um estabelecimento prisional não está portando dentro de si algum objeto proibido, como arma, munição ou drogas. Consiste na visualização, por parte de agentes penitenciários, do corpo nu do visitante, englobando a análise do orifício anal e canal vaginal feminino, o que se dá por meio de técnicas como o agachamento e outros exercícios repetitivos, a tosse forçada, a utilização de espelhos, a abertura (feita com as mãos do próprio visitante) dos canais vaginal e anal, tudo em frente a um ou mais funcionários.

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O INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS - IBCCRIM, entidade

não governamental, sem fins lucrativos, com sede na cidade de São Paulo (SP), Rua

Onze de Agosto, 52 – Centro, vêm, por meio de seus representantes, apresentar nota

técnica sobre o Projeto de Lei nº 7764 de 2014 (originário do PLS 480/2013), de autoria

da Senadora Ana Rita, que estipula alterações na Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210,

de 1984), para incluir artigos relativos à revista pessoal.

O Projeto prevê a utilização de meios diversos da revista manual e

invasiva, estipulando, no parágrafo único do novo art. 83-A, que a revista deverá ser

realizada por meio de equipamentos eletrônicos detectores de metal, aparelhos de raio-

x, ou quaisquer outros aparelhos com a mesma finalidade.

PARECER DO IBCCRIM PELA CONSTITUCIONALIDADE DO PL 7764/2014

O IBCCrim entende que o PL nº 7764 tem a finalidade de, finalmente,

corrigir um erro histórico que permeou o sistema prisional brasileiro por tanto tempo,

afrontando sistematicamente os preceitos constitucionais e todos os tratados

internacionais assinados pelo Brasil.

A revista íntima, merecidamente chamada de revista vexatória, consiste

na utilização de meios manuais e visuais para detectar se o visitante que deseja entrar

em um estabelecimento prisional não está portando dentro de si algum objeto proibido,

como arma, munição ou drogas.

Consiste na visualização, por parte de agentes penitenciários, do corpo nu

do visitante, englobando a análise do orifício anal e canal vaginal feminino, o que se dá

por meio de técnicas como o agachamento e outros exercícios repetitivos, a tosse

forçada, a utilização de espelhos, a abertura (feita com as mãos do próprio visitante) dos

canais vaginal e anal, tudo em frente a um ou mais funcionários.

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Como a situação deplorável das casas prisionais é conhecida por muitos

— mas sabida por todos — não é de se estranhar que este método de inspeção de

segurança ocorra sem os cuidados necessários no que se refere a higiene e saúde:

embora o funcionário (que, frise-se, não é agente da área de saúde) esteja sempre

munido de luvas para se proteger, ao visitante não é dedicada qualquer preocupação

neste sentido, porque a preocupação única é com a segurança pública.

Porém, para além da falta de cuidados materiais, o que de fato mais

contagia o procedimento é a perversa ofensa moral a que submete os visitantes.

O procedimento atinge visitantes das mais de 700.000 pessoas

atualmente recolhidas aos estabelecimentos prisionais brasileiros, sem distinção: não se

respeita a idade avançada de muitos visitantes. Aos idosos, portanto, não é concedido

tratamento diferenciado. O mesmo ocorre em relação às gestantes que,

independentemente do estágio gestacional, são submetidas ao procedimento. Além de

homens e mulheres, crianças e adolescentes também veem sua intimidade e integridade

física e moral ofendidas, em evidente afronta ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

O IBCCrim defende que as revistas realizadas não aviltem os direitos

básicos das pessoas, sendo delimitada por critérios de razoabilidade e

proporcionalidade, dignos de respeito às garantias individuais protegidas pela CF. A

própria discussão quanto aos contornos específicos dos direitos envolvidos (aqueles dos

presos, de não serem indevidamente revistados sem fundada suspeita quanto a algo que

carreguem consigo ou lhes tenha sido entregue; e com maior destaque o dos visitantes,

que merecem, à partida, mais cuidado com as considerações sobre por quê serem

revistados e, inclusive, como o serem, se eventualmente a própria revista nos visitantes

for considerada admissível).

Deve-se ter em conta que os dados acerca da revista vexatória

demonstram que apenas 0,013% dos objetos encontrados dentro do sistema prisional

tiveram entrada via visitantes, o que demonstra, por si só, que a revista não é a principal

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forma de coibir a entrada de produtos ilegais, sendo este mais um argumento a

demonstrar que não pode ser utilizada sob o pretexto de assegurar a segurança pública.

O Instituto, aliás, entende que a revista vexatória institucionaliza a

humilhação e institucionaliza a invasão corporal; torna institucionalizado o ato de

abusar do corpo do indivíduo, que fica à mercê das decisões discricionárias tomadas em

sede do direito penitenciário. Os agentes penitenciários, munidos deste poder

discricionário que é a marca do direito penitenciário, decidem no momento, conforme

seu livre entendimento, o grau de aprofundamento que deve ter a revista íntima.

Se, por um lado, entre indivíduos esta prática é considerada crime sexual,

por outro, se cometida por agentes públicos em sede de revista íntima (inclusive em

crianças), não o é. A absoluta incoerência desta realidade é a principal razão para se

entender mais do que urgente e oportuna a aprovação do PL sob estudo.

E mais. Além de humilhante, a medida tem caráter claramente

preconceituoso, na medida em que é adotada tão somente em relação a visitantes de

presos. Outras pessoas que tenham entrada liberada em estabelecimentos prisionais (e

que tenham contato direto com os presos) não passam pela revista vexatória.

Quando se determina que um visitante tenha que se submeter a

incontáveis agachamentos, com os braços erguidos, nu, na presença de um filho seu e

em frente a agentes penitenciários que observam atentamente o espelho colocado no

piso entre suas pernas, não se duvida que há flagrante ofensa ao princípio de que

ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (inc. III,

art. 5º, CF).

Quando homens e mulheres são obrigados a mostrar e explicar a agentes

penitenciários, sem qualquer respeito ao sigilo ou intimidade, que possuem dificuldades

para abrir os canais vaginal ou anal porque sofrem, por exemplo, de hemorroidas ou

herpes genital (o que dificulta ou inviabiliza que utilizem seus próprios dedos para abrir

tais canais), está-se diante, claramente, do total desprezo ao preceituado na CF, quando

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preceitua que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das

pessoas (inc. X, art. 5º).

Quando se permite que o trato desumano, indigno e degradante oferecido

aos que desejam visitar presos e presas ocorra, resta demonstrado que a pena cumprida

pelos condenados (ou presos provisórios) é dividida com seus visitantes, já que é

ignorado o princípio constitucional de que nenhuma pena passará da pessoa do

condenado (inc. XLV, art. 5º).

Ainda, quando se permite que este método de fiscalização nos presídios

seja aplicado também às crianças e adolescentes, permite-se que o Estatuto da Criança e

do Adolescente seja flagrantemente ofendido, na medida em que prevê que o menor de

idade não seja submetido a nenhum tipo de tratamento constrangedor ou vexatório (art.

18, Lei nº 8.069/90).

Por fim, quando se legitima a ofensa sistemática a direitos e garantias

individuais, não se ofende somente os preceitos constitucionais. Permitindo a prática de

revisa vexatória, o Estado Brasileiro demonstra que não respeita tratados e convenções

internacionais a que é signatário, como a Convenção Americana de Direitos

Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, assinado pelo Brasil em 1992), que

determina que “toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física,

psíquica e moral” (art. 5º, 1), ou ainda, que “a pena não pode passar da pessoa do

delinquente” (art. 5º, 3).

Além da Convenção, a revista vexatória confronta também com o

postulado no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Decreto nº 592/92),

que declara que “toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com

humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana” (art. 10, 1). O Pacto

preceitua o valor da família, cuja importância é totalmente desprezada quando o Estado

permite que seja submetida a revistas vexatórias: “a família é o elemento natural e

fundamental da sociedade e terá o direito de ser protegida pela sociedade e pelo

Estado” (art. 23,1).

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Como se verifica, o PL 7764/2014, ao extinguir a revista vexatória,

ampara-se tanto no texto constitucional quanto nos tratados internacionais a que o Brasil

se comprometeu a cumprir.

DOS ESFORÇOS PARA O FIM DA REVISTA VEXATÓRIA

Ao mesmo tempo em que se comemora a quase-implementação das

novas regras para a revista íntima (com a esperada aprovação final e definitiva do PL

7764), se lamenta que este vergonhoso cenário da revista vexatória tenha perdurado por

tanto tempo no sistema prisional brasileiro, andando totalmente na contramão dos

tratados e convenções assinados e, ainda mais grave, na contramão da própria Carta

Maior em vigor.

O PL tem o condão de alterar a legislação federal — por meio de

alteração da Lei de Execução Penal — no lugar de se deixar para os Estados a tarefa de

extinguir esta medida desumana e inconstitucional. Alguns Estados, aliás, já haviam se

mobilizado para proibir a revista íntima vexatória: São Paulo teve, em julho de 2014, a

aprovação da Lei Estadual nº 15.552, cuja finalidade é a extinção do método vexatório

em visitantes

Cabe ressaltar que referida Lei ainda não foi colocada em prática, ou

seja, a revista ainda é uma realidade no Estado. Diante desta realidade, os visitantes de

estabelecimentos prisionais se veem obrigados a utilizar instrumentos normativos

processuais que lhes garantam o respeito aos seus direitos individuais. Um interessante

exemplo é o Mandado de Segurança impetrado pela mãe de um apenado, pleiteando,

com sucesso, não ter que ser submetida aos procedimentos degradantes de revista

vexatória para visitar o filho (podendo ser revistada somente por equipamentos

eletrônicos). 1

1 MS nº 0000155-08.2015.8.26.0283, 1ª Vara Criminal de Itirapina, Juiz Felippe Rosa Pereira, julgado em 11/05/2015.

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Outros Estados também extinguiram a medida, ainda que em alguns

textos de Lei ou Portaria não tenha restado inequívoca a proibição absoluta de práticas

abusivas e degradantes.

A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou, em 03.03.2015, o

projeto de lei que proíbe a revista íntima a visitantes de presídios cabendo agora ao

Governador sancioná-lo), o que se mostra particularmente importante quando se cuida

da delimitação do direito em questão e de seus próprios destinatários específicos, como

acima se adiantou.

No Rio Grande do Sul, a Superintendência dos Serviços Penitenciários

publicou a Portaria 12/2008, vedando a prática de revista vexatória. Na Paraíba, a Lei

Estadual nº 6.081/2010 estipulou regras específicas para o procedimento ser menos

invasivo. Mais recentemente, o Estado de Goiás publicou a Portaria 435/2012.

Para além de medidas legislativas estatais, inúmeros órgãos já se

manifestaram desfavoravelmente ao degradante tratamento concedido aos visitantes.

Há mais de oito anos, o Conselho Nacional de Política Criminal e

Penitenciária (CNPCP), em Resolução nº 09, de 12 de julho de 2006, já recomendava

que a revista íntima vexatória fosse substituída por equipamentos eletrônicos de revista,

evitando-se, com tal medida, o desumano método arcaico de revista em presídios.2

Além do CNPCP, o Departamento Penitenciário Nacional do

Ministério da Justiça (Depen), órgão também pertencente ao Ministério da Justiça

(MJ), possui uma política de repasse de recursos para os Estados com a finalidade de

incentivar a compra de scanners para as revistas nos presídios, conforme divulgado pelo

próprio MJ.

2 Referida Resolução, entretanto, permite a revisa manual em “casos excepcionais”, o que, como se sabe, abre um leque perigoso e infindável de situações.

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A manifestação crítica, contrária à revista vexatória, teve adesão também

do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) que, em parecer assinado pela

advogada Maíra Fernandes, defendeu o PL sob análise e suas mudanças para o resgate

dos princípios e garantias constitucionais.

As críticas à prática de revista vexatória, como se vê, partem de

diferentes órgãos. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, em Parecer datado

de março de 2014 sobre o procedimento instaurado pelo Núcleo Especializado da

Infância e Juventude do Órgão, lança plausíveis argumentos contrários à prática,

referindo acertadamente que “se existem outros meios possíveis para a realização de

revistas, sem que haja o constrangimento de pessoas, e a evolução tecnológica aponta

neste sentido, não pode o Estado, por não ter investido nesta seara, querer impor esta

humilhação para os parentes de pessoas presas, muito menos para crianças e

adolescentes, os quais o mesmo tem o dever de proteção.”

Nesse sentido, ante a ausência de norma específica com intuito de abolir

definitivamente a revista vexatória, o Núcleo Especializado da Infância e Juventude da

Defensoria Pública do Estado de São Paulo, no uso de suas atribuições, se utiliza de

ferramentas institucionais para fiscalizar a realização da revista íntima também no

âmbito dos menores da Fundação CASA, em São Paulo. Como exemplo disso, vale

destacar o Ofício nº 99/2014, expedido em 24 de outubro de 2014, para a unidade da

Fundação CASA do Bom Retiro solicitando informações acerca das revistas íntimas

realizadas nos adolescentes na unidade.

O Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU, por intermédio de

visita do Relator Especial sobre Tortura, após visitas a estabelecimentos prisionais

brasileiros desde 2000, sempre recomendou que o Estado assegure que as revistas

íntimas cumpram com critérios mais coerentes, devendo ser realizadas por funcionários

com qualificação para tal e em conformidade com a dignidade humana e respeito aos

direitos fundamentais. Revistas intrusivas vaginais ou anais foram amplamente

criticadas.

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Aliás, em 1991 o Brasil ratificou a Convenção da ONU contra a

Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, e

bem assim, seu protocolo facultativo em 2007, tornando-se com isso responsável por

prevenir práticas abusivas praticadas no sistema prisional, o que reflete, obviamente, no

tratamento concedido aos presos e também a seus familiares.

A ONU, em relatório específico sobre a necessidade de proteção da

mulher contra a tortura3, faz menção expressa ao tratamento humilhante de

averiguação por meio de revistas invasivas ao corpo, o que inclui a prática de exame

vaginal.

Neste mesmo sentido, foi publicado relatório, em 2007, o “Relatório

sobre Mulheres Encarceradas”4, que destacou que o número de apreensões de objetos

encontrados com visitantes no interior de partes íntimas ou sob posse de crianças é

extremamente menor aos objetos encontrados no interior de celas, demonstrando que

tais produtos acabam por ser inseridos nas unidades prisionais por outros caminhos ou

portadores (conforme já mencionado anteriormente).

Ainda em relação a estes dados, importante a menção ao estudo realizado

pelo Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São

Paulo,5 cujo objeto é demonstrar a ineficácia das revistas íntimas na frustrada tentativa

de frear a entrada de objetos ilícitos nos presídios. Conforme dados do ano de 2012,

foram 3.407.926 visitas realizadas nas 159 unidades prisionais analisadas. Os 493

aparelhos celulares encontrados com os visitantes, por exemplo, correspondem ao

3 Disponível: http://www.wunrn.com/news/2008/03_08/03_10_08/031008_un4_files/031008_un4.pdf 4 Elaborado pelo Grupo de Estudos e Trabalho “Mulheres Encarceradas”, Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL), Associação Juízes para a Democracia (AJD), Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITCC), Pastoral Carcerária Nacional/CNBB, Instituto de Defesa do Direito de Defesa(IDDD), Centro Dandara de Promotoras Legais Popular, Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude (ASBRAD), Comissão Teotônio Vilela (CTV), Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) com o apoio do Comitê Latino- Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) e Programa para a América Latina da International Women’s Health Coalition. 5http//www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Repositorio/23/Documentos/2014_07_15_Dados_RevistaVexatoria_EstadodeSP.pdf

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irrisório percentual de 0,013% das visitas realizadas. Dos 11.992 aparelhos dentro das

unidades prisionais, apenas 3,66% foram provenientes de visitantes. Em relação às

drogas, as 354 apreensões com visitantes correspondem a somente 0,01% das visitas.

Das 4.417 apreensões de drogas dentro das unidades, apenas 8% foram provenientes de

visitantes.

Recentemente, em maio de 2014, a Corte Interamericana de Direitos

Humanos, órgão máximo do sistema de direitos humanos da Organização dos Estados

Americanos (OEA), expediu medida provisória determinando que o Brasil adotasse

ações imediatas para proteger a vida e a integridade de todas as pessoas privadas de

liberdade no Complexo Penitenciário Professor Aníbal Bruno (atual, Complexo do

Curado, em Recife/PE), seus familiares e agentes penitenciários, incluindo, além de

outras medida urgentes, a eliminação da revista vexatória.

No Brasil, até mesmo algumas decisões judiciais proferidas em ações

penais cujo objeto central não fosse exatamente a revista íntima, manifestaram

reprovação ao método humilhante e abusivo. Há julgados, inclusive, no sentido de

absolver visitantes que foram flagrados, no momento da revista vexatória, portanto

entorpecentes. No julgado aqui mencionado a título de exemplo (onde a absolvição se

deu por declaração de crime impossível) o tribunal não deixa de tecer uma crítica ao

método medieval utilizado: “É certo poder ser exercido o poder de polícia do Estado

(revista), mas há limitações. Constatada a possibilidade de a imputada estar com droga

em suas cavidades íntimas, o poder de polícia do Estado poderá impedir a sua entrada

ou acompanhar os seus movimentos no interior do cárcere, limitar o direito de

visitação. Outras metodologias, não invasivas na esfera íntima das acusadas poderão

ser utilizadas e providenciadas pelo Estado. A precariedade da metodologia (desnudar,

total ou parcialmente a mulher, colocá-la de cócoras, fazê-la girar, movimentar-se

nessa posição, v.g.) situa-se no medievo, inadmissível em pleno séc. XXI.”6

6 TJRS, Apel. Crime 70051788081, 3ª Câm. Criminal, Rel. João Batista Marques Tovo, DJ 23.05.13.

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Como se verifica, foram muitas as manifestações formais contrárias à

manutenção da revista vexatória. E, apesar dos esforços isolados de determinados

Estados e instituições, o fato é que apenas com a alteração da Lei de Execução Penal é

que se pode pretender garantir uma mudança efetiva, definitiva e uniforme em todos os

estabelecimentos prisionais brasileiros, evitando-se, por conseguinte, uma

discricionariedade entre eles.

SUGESTÃO DO IBCCRIM

A revista vexatória, no texto do Projeto de Lei 7764 de 2014, está

relacionada a pessoas outras que não sejam os próprios presos, já que cita: “a revista

pessoal, à qual devem se submeter todos que queiram ter acesso ao estabelecimento

penal para manter contato direto ou indireto com pessoa presa ou para prestar

serviços, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública necessária à segurança

de estabelecimentos penais(...).”

Desta forma, apenas visitantes e funcionários é que estarão protegidos da

revista vexatória.

O que se apresenta, a título de modificação do texto da LEP, é que a

extinção da medida humilhante e degradante seja ampliada aos próprios presos e

internos em cumprimento de medida de segurança.

A revista é vexatória não pelo fato de ser aplicada a visitantes (amigos e

familiares) e sim por ser aplicada a pessoas.

Considerando, ademais, que a reforma legislativa determinará que os

estabelecimentos prisionais devem estar equipados com equipamentos eletrônicos

detectores de metais, aparelhos de raio-x ou similares, não há razão para que não se

amplie a medida, a fim de que tais aparelhos sejam utilizados também na revista interna

realizada nos presos, que é igualmente marcada de humilhações e abusos.

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Aliás, oportuno mencionar que a mesma revista realizada em presos, é

repetida nos estabelecimentos que abrigam os menores infratores, razão pela qual se

entende que também para eles a medida deveria ser abolida.

Diante desses argumentos, o IBCCRIM se posiciona, com os cuidados

necessários que o tema demanda, pela constitucionalidade do Projeto de Lei nº 7764, de

2014, e aguarda sua promulgação.

São Paulo, 06 de abril de 2015.

Andre Pires de Andrade Kehdi

(Presidente do IBCCrim)

Renato Stanziola Vieira

(Coordenador do Departamento de Estudos e Projetos Legislativos do IBCCrim)

Liliana Carrard

(Departamento de Estudos e Projetos Legislativos do IBCCrim)

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Giancarlo Silkunas VAy

(Presidente da Comissão de Infância e Juventude do IBCCrim)