o imposto de renda e as receitas de frete internacional - ramon tomazela e paulo coviello

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151 R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 14, n. 81, p. 151-171, maio/jun. 2016 O Imposto de Renda e as receitas de frete internacional – Análise da lei doméstica e dos acordos de bitributação Ramon Tomazela Santos Master of Laws (LL.M.) em Tributação Internacional na Universidade de Viena – áustria (Wirtschaftsuniversität Wien – WU). Mestrando em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP). Membro do Comitê Acadêmico do Curso de Especialização em Direito Tributário Internacional do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Professor convidado em cursos de Pós-Graduação. Advogado em São Paulo. E-mail: <[email protected]>. Paulo Coviello Filho graduado em Direito e em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado em São Paulo. E-mail: <[email protected]>. Resumo: O presente artigo analisa a incidência de imposto de renda sobre os rendimentos de frete internacional, tanto sob a perspectiva da lei interna brasileira, quanto sob o enfoque dos acordos de bitributação celebrados pelo Brasil. O estudo demonstra que os rendimentos de frete internacional, auferidos por não residentes, não estão sujeitos à incidência do imposto de renda no Brasil. Palavras-chave: Frete internacional. Imposto de Renda. Alíquota zero. Acordos de bitributação. Sumário: 1 Introdução – 2 A incidência do IRRF nos pagamentos de fretes internacionais – 3 Os acordos internacionais de bitributação – 4 Acordos internacionais de transporte – 5 Conclusões – Referências 1 Introdução O presente artigo versa sobre a incidência de Importo de Renda na fonte (IRRF) sobre os valores remetidos ao exterior para o pagamento de frete internacional. A rediscussão do tema é pertinente porque o art. 2º, §2º, da recém-editada Instrução Normativa RFB nº 1611, de 26.1.2016, ao tratar da incidência de imposto de renda sobre valores remetidos para pessoas jurídicas domiciliadas no exterior, dispôs que os rendimentos recebidos por companhias de navegação aérea e marí- tima, domiciliadas no exterior, estão sujeitos à incidência do IRRF à alíquota de 15% (quinze por cento), salvo no caso de companhias aéreas e marítimas domiciliadas em países que não tributam, em decorrência da legislação interna ou de acordos internacionais, os rendimentos auferidos por empresas brasileiras que exercem o mesmo tipo de atividade.

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151R. Fórum de Dir. Tributário – RFDT | Belo Horizonte, ano 14, n. 81, p. 151-171, maio/jun. 2016

O Imposto de Renda e as receitas de frete internacional – Análise da lei doméstica e dos acordos de bitributação

Ramon Tomazela SantosMaster of Laws (LL.M.) em Tributação Internacional na Universidade de Viena – áustria(WirtschaftsuniversitätWien–WU).MestrandoemDireitoTributáriopelaUniversidadedeSãoPaulo(USP).MembrodoComitêAcadêmicodoCursodeEspecializaçãoemDireitoTributárioInternacional do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Professor convidado em cursos de Pós-Graduação. Advogado em São Paulo. E­mail: <[email protected]>.

Paulo Coviello FilhograduadoemDireitoeemCiênciasContábeispelaUniversidadePresbiterianaMackenzie.Advogado em São Paulo. E­mail: <[email protected]>.

Resumo: O presente artigo analisa a incidência de imposto de renda sobre os rendimentos de frete internacional, tanto sob a perspectiva da lei interna brasileira, quanto sob o enfoque dos acordos de bitributação celebrados pelo Brasil. O estudo demonstra que os rendimentos de frete internacional, auferidos por não residentes, não estão sujeitos à incidência do imposto de renda no Brasil.

Palavras-chave: Frete internacional. Imposto de Renda. Alíquota zero. Acordos de bitributação.

Sumário: 1 Introdução – 2 A incidência do IRRF nos pagamentos de fretes internacionais – 3 Os acordos internacionais de bitributação – 4 Acordos internacionais de transporte – 5 Conclusões – Referências

1 Introdução

O presente artigo versa sobre a incidência de Importo de Renda na fonte (IRRF)

sobre os valores remetidos ao exterior para o pagamento de frete internacional.

A rediscussão do tema é pertinente porque o art. 2º, §2º, da recém-editada

Instrução Normativa RFB nº 1611, de 26.1.2016, ao tratar da incidência de imposto

de renda sobre valores remetidos para pessoas jurídicas domiciliadas no exterior,

dispôs que os rendimentos recebidos por companhias de navegação aérea e marí-

tima, domiciliadas no exterior, estão sujeitos à incidência do IRRF à alíquota de 15%

(quinze por cento), salvo no caso de companhias aéreas e marítimas domiciliadas

em países que não tributam, em decorrência da legislação interna ou de acordos

internacionais, os rendimentos auferidos por empresas brasileiras que exercem o

mesmo tipo de atividade.

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Essa nova instrução normativa editada pela Receita Federal do Brasil (RFB)

reascende a antiga discussão a respeito da possível existência de antinomia entre

os diplomas legislativos que tratam da incidência de imposto de renda sobre os

rendimentos auferidos por não residentes nas operações de frete internacional.

Diante disso, o presente texto irá abordar, inicialmente, as regras internas que

concedem alíquota zero de IRRF sobre as remessas de receitas de frete internacio nal,

bem como os pressupostos para a sua aplicação pelos contribuintes. Em seguida,

passa-se a analisar o art. 8º dos acordos de bitributação celebrados pelo Brasil,

bem como os acordos internacionais de transporte, para demonstrar que os tratados

internacionais celebrados pelo Brasil também afastam a incidência do IRRF sobre

os fretes internacionais.

2 A incidência do IRRF nos pagamentos de fretes internacionais

A controvérsia em questão resume-se ao pagamento de fretes internacionais

e à incidência do IRRF sobre esses pagamentos. O ordenamento jurídico possui

alguns dispositivos que, aparentemente, conflitam entre si para a definição de qual

deles se aplica a cada situação. Todos eles também se encontram consolidados no

Regulamento do Imposto sobre a Renda – RIR/99, aprovado pelo Decreto nº 3.000,

de 26.3.1999. Nesse contexto, passamos a uma análise histórica de cada um deles.

O primeiro dispositivo que tratou do tema foi o art. 30 do Decreto-Lei nº 5.844,

de 23.9.1943, a seguir transcrito:

Art. 30. As companhias estrangeiras de navegação marítima e aérea estarão isentas do imposto de renda, se, no país de sua nacionalidade, as companhias brasileiras de igual objetivo gozarem da mesma prerrogativa.

Vê-se que o referido dispositivo determinou a isenção do imposto sobre a renda

para as companhias estrangeiras de navegação marítima ou aérea, desde que, no

país de sua nacionalidade, as companhias brasileiras também gozassem desse

benefício.

Posteriormente, os arts. 1º e 2º do Decreto-Lei nº 1.228, de 3.7.1972 (corres-

pondentes ao art. 181, parágrafo único, do RIR/99) também trataram da matéria,

estendendo o benefício acima também para as empresas de transporte terrestre.

No entanto, o referido dispositivo determina expressamente que o Ministério da

Fazenda deveria reconhecer a referida isenção:

Art. 1º Estão isentos de imposto os rendimentos auferidos, no tráfego internacional, por empresas estrangeiras de transporte terrestre, desde que, no país de sua nacionalidade, tratamento idêntico seja dispensado às empresas brasileiras que tenham o mesmo objeto.

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OIMPOSTODERENDAEASRECEITASDEFRETEINTERNACIONAL–ANáLISEDALEIDOMéSTICAEDOSACORDOSDEBITRIBUTAçÃO

Art. 2º A isenção de que trata este Decreto-lei será reconhecida pelo Ministério da Fazenda e alcançará os rendimentos obtidos a partir de 19 de outubro de 1966, desde que verificada a condição prevista no Artigo 1º.

Na consolidação do RIR/99, notadamente em seus arts. 176 e 181, houve uma

ligeira ampliação dos limites dos comandos legais acima colocados. Veja-se:

Art. 176. Estão isentas do imposto as companhias estrangeiras de navegação marítima e aérea se, no país de sua nacionalidade, as companhias brasileiras de igual objetivo gozarem da mesma prerrogativa (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 30).

Parágrafo único. A isenção de que trata este artigo alcança os rendimentos auferidos no tráfego internacional por empresas estrangeiras de trans-porte terrestre, desde que, no país de sua nacionalidade, tratamento idêntico seja dispensado às empresas brasileiras que tenham o mesmo objeto, observado o disposto no parágrafo único do art. 181 (Decreto-Lei nº1.228,de3dejulhode1972,art.1º).[...]

Art. 181. As isenções de que trata esta Seção independem de prévio reconhecimento.

Parágrafo único. No caso do art. 176, a isenção será reconhecida pela Secretaria da Receita Federal e alcançará os rendimentos obtidos a partir da existência da reciprocidade de tratamento, não podendo originar, em qualquer caso, direito à restituição de receita (Decreto-Lei nº 1.228, de 1972, art. 2º e parágrafo único).

Como se vê, o art. 176 apenas evidencia o tratamento igualitário entre

empresas brasileiras e estrangeiras, conforme os decretos-leis acima já haviam feito

anteriormente. No entanto, o parágrafo único do art. 181 afirma que a isenção do

art. 176, ou seja, aplicável às empresas de navegação aérea, marítima e tráfego

terrestre, depende do reconhecimento da Secretaria da Receita Federal. Essa previ-

são alarga os termos dos dispositivos legais originais, eis que apenas o Decreto-Lei

nº 1.228/72, que tratou das empresas de tráfego terrestre, prevê a necessidade de

reconhecimento pela Secretaria da Receita Federal.

Ademais, outro importante aspecto que se deve destacar é que o caput do art.

176 do RIR/99 afirma que as empresas de navegação marítima e aérea estarão

isentas do imposto sobre a renda, o que, à primeira vista, significa que todo e qual-

quer rendimento delas auferido no Brasil estará isento, e não apenas os rendimentos

de contratos de frete.

Diferentemente, o parágrafo único desse artigo, aplicável às empresas de tráfego

terrestre, afirma que apenas os “rendimentos auferidos no tráfego internacional por

empresas estrangeiras de transporte terrestre” estarão isentos. Trata-se, pois, de

uma clara diferença na abrangência da isenção tratada. Essa diferença resta clara

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na análise feita pela Solução de Consulta nº 29, de 6.4.2001, da 8ª Região Fiscal,

que aplicou uma interpretação restritiva ao dispositivo, mas garantindo a isenção

dos ganhos de capital da empresa, os quais definitivamente não estão inseridos na

previsão do parágrafo único do art. 176, aplicável às empresas de tráfego aéreo.

Confira-se:

ISENçÃO. COMPANHIAS ESTRANgEIRAS DE NAVEgAçÃO MARíTIMA EAÉREA. Estão isentas do imposto as companhias estrangeiras de nave-gação marítima e aérea se, no país de sua nacionalidade, as companhias brasileiras de igual objetivo gozarem da mesma prerrogativa, sendo que a isenção será reconhecida pela Secretaria da Receita Federal e alcan-çará os rendimentos obtidos a partir da existência da reciprocidade de tratamento, não podendo originar, em qualquer caso, direito à restituição de receita. O benefício somente alcança os lucros, receitas e ganhos de capital auferidos na exploração dos objetos específicos da empresa, não abrangendo os provenientes de atividades diversas aos seus fins sociais. (Grifos nossos)

Posteriormente, foi editada a Lei nº 9.430, de 27.12.1996, a qual, em seu art.

85, trouxe uma regra geral aplicável aos rendimentos das companhias de navegação

aérea e marítima, adequando-se ao que já estava exposto no Decreto-Lei nº 5.844

acima, ou seja, relacionando diretamente a isenção das empresas no Brasil ao

tratamento igual de empresas brasileiras nos seus países de origem no exterior:

Art. 85. Ficam sujeitos ao imposto de renda na fonte, à alíquota de quinze por cento, os rendimentos recebidos por companhias de navegação aérea e marítima, domiciliadas no exterior, de pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no Brasil.

Parágrafo único. O imposto de que trata este artigo não será exigido das companhias aéreas e marítimas domiciliadas em países que não tribu-tam, em decorrência da legislação interna ou de acordos internacionais, os rendimentos auferidos por empresas brasileiras que exercem o mes-mo tipo de atividade.

Essa disposição está devidamente reproduzida no art. 711 do RIR/99. A

primeira observação a se fazer é que essa lei não revogou expressamente o art. 30

do Decreto-Lei nº 5.844 e, tampouco, os arts. 1º e 2º do Decreto-Lei nº 1.228, de

forma que aqueles diplomas normativos continuam em vigor.

Em resumo, o art. 85 da Lei nº 9.430 contempla uma regra geral de incidência

do IRRF nas remessas de rendimentos para as companhias de navegação aérea e

marítima, domiciliadas no exterior, sendo que o seu parágrafo único possui norma de

exceção ao caput ao prever que não será exigido o imposto na hipótese de empresas

domiciliadas em países que ofereçam tratamento similar às empresas brasileiras.

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OIMPOSTODERENDAEASRECEITASDEFRETEINTERNACIONAL–ANáLISEDALEIDOMéSTICAEDOSACORDOSDEBITRIBUTAçÃO

Em seguida, sobreveio a Lei nº 9.481, de 13.8.1997 (com redação dada pelo

art. 20 da Lei nº 9.532, de 10.12.1997), que trouxe disposição completamente

oposta daquela prevista na Lei nº 9.430. Veja-se:

Art. 1º A alíquota do imposto de renda na fonte incidente sobre os ren-dimentos auferidos no País, por residentes ou domiciliados no exterior, fica reduzida para zero, nas seguintes hipóteses:

I - receitas de fretes, afretamentos, aluguéis ou arrendamentos de embarcações marítimas ou fluviais ou de aeronaves estrangeiras, feitos por empresas, desde que tenham sido aprovados pelas autoridades com­petentes, bem assim os pagamentos de aluguel de containers, sobres-tadia e outros relativos ao uso de serviços de instalações portuárias; (Grifos nossos)

Como se vê, a referida norma, que possui correspondente no art. 691, inc. I, do

RIR/99, concedeu alíquota zero de IRRF sobre os rendimentos auferidos no país, por

residentes no exterior, nas hipóteses de

receitas de fretes, afretamentos, aluguéis ou arrendamentos de embar-cações marítimas ou fluviais ou de aeronaves estrangeiras, feitos por empresas, desde que tenham sido aprovados pelas autoridades compe-tentes, bem assim os pagamentos de aluguel de containers, sobrestadia e outros relativos ao uso de serviços de instalações portuárias.

Inicialmente, deve-se ressaltar que a referida norma define que a alíquota zero

em questão aplica-se exclusivamente às receitas ali listadas, entre elas as receitas

de fretes internacionais. Além disso, o texto legal (i) condiciona a aplicação da

alíquota zero de IRRF à aprovação pelas autoridades competentes, sem, no entanto,

mencionar quais são essas autoridades, nem como será obtida a referida aprovação;

e (ii) não prevê a necessidade de tratamento correspondente no país da empresa

beneficiária do rendimento, nos moldes do que está disposto na Lei nº 9.430 (assim

como nos decretos-leis nº 5.844/43 e 1.228/72).

A divergência na análise da questão está justamente nesses dois últimos co-

mandos, que são, aparentemente, conflitantes. O art. 85 da Lei nº 9.430 prevê a inci-

dência do IRRF à alíquota de 15% sobre os rendimentos das companhias marí timas

e aéreas residentes ou domiciliadas no exterior, enquanto o art. 1º da Lei nº 9.481

determina a alíquota zero das receitas de fretes e afretamento (entre outras), recebi-

das por residentes no exterior, desde que aprovadas por autoridades competentes.

Contudo, deve-se registrar que a divergência entre ambos os preceitos norma-

tivos é apenas aparente. Isso porque o primeiro dispositivo é amplo, pois trata

da tributação de todo e qualquer rendimento das companhias marítimas e aéreas

aufe rido no Brasil, enquanto o segundo, mais específico, trata exclusivamente das

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receitas nele listadas, entre as quais as receitas de fretes e afretamentos. Assim,

o art. 1º da Lei nº 9.481 pode ser considerado norma especial em relação ao art. 85

da Lei nº 9.430.

Esse caráter foi muito bem destacado pelo Acórdão nº 102-49.246, de

10.9.2008, que, ao analisar questão bastante similar, afirmou que “sendo o art. 1º,

I, da Lei 9481/1997 norma específica e o art. 85 da Lei 9430/1996 norma geral,

há que se prevalecer a norma específica”. No mesmo sentido, até porque adotou

as razões expostas no acórdão acima, destaca-se o Acórdão nº 1402-00660, de

4.8.2011,1 do qual se transcreve a ementa abaixo:

FALTA DE RETENçÃO E RECOLHIMENTO DO IRRF – RENDIMENTOSDE RESIDENTES OU DOMICILIADOS NO ExTERIOR – AFRETAMENTOINTERNACIONAL – É zero a alíquota do IRF incidente sobe pagamentos de fretes, desde que o beneficiário não esteja domiciliado em país com tributação favorecida.

Nesse sentido, o próprio Ato Declaratório (Normativo) COSIT nº 8, de 9.5.2000,

que “dispõe sobre as alíquotas do Imposto de Renda Retido na Fonte aplicáveis nas

hipóteses de remessa de recursos para o exterior que menciona”, ao segregar as

alíquotas aplicáveis a cada tipo de remessa, foi expresso:

1 Quanto a esse acórdão, cumpre destacar que a decisão se deu por unanimidade, mas três conselheiros seguiram o relator pelas conclusões, o que significa que não concordaram com a argumentação jurídica que fundamentou o entendimento estratificado na decisão.

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Hipóteses de remessa

para o exterior

previstas no art. 1º da

Lei nº 9.481, alterada

pelo art. 8º da Lei nº

9.779 e pelo art. 1º

da Lei nº 9.959

Alíquotas

vigentes

entre

14.8.1997 e

31.12.1998

Alíquotas

vigentes

entre

1º.1.1999 e

31.12.1999

Alíquotas

vigentes a

partir de

1º.1.2000

Receitas de fretes,

afretamentos,

aluguéis ou

arrendamentos

de embarcações

marítimas ou

fluviais ou de

aeronaves

estrangeiras, feitos

por empresas,

desde que tenham

sido aprovados

pelas autoridades

competentes,

bem assim os

pagamentos

de aluguel de

contêineres,

sobrestadia e

outros relativos ao

uso de serviços

de instalações

portuárias.

N 0 0 25 0 25

Port. MF

nº 70/97

(*)

% Geral % Geral

%

Paraíso

fiscal

% Geral%

Paraíso

fiscal

I

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RAMONTOMAzELASANTOS,PAULOCOVIELLOFILHO

Esse entendimento é corroborado pela análise da Exposição de Motivos da

Medida Provisória nº 1.563, de 31.12.1996, a qual foi convertida na Lei nº 9.487.

Para facilitar a análise, transcreve-se trecho do referido documento:

O Projeto de Lei nº 2448/96, de autoria do Poder Executivo, convertido na Lei n. 9430/96, altera dispositivos importantes no que tange ao Imposto de Renda das pessoas Jurídicas (IRPJ), as contribuições sociais, e ao processo administrativo fiscal. Além disso, o referido projeto revoga uma série de isenções que há anos vêm sendo concedidas nas operações relativas ao comércio exterior e na captação de recursos externos em determinadas condições.[...]

Durante o período de tempo em que o Projeto esteve em discussão no Congresso Nacional, inúmeros comentários, análises, críticas e suges-tões foram encaminhadas tanto as duas Casas do Congresso quanta ao Executivo, por parte de entidades representativas do setor privado. Tais manifestações são vistas como expressões vivas da força do debate público em uma sociedade democrática pluralista e complexa como é o Brasil de hoje.

Este Ministério analisou cuidadosamente as sugestões encaminha das, que se concentram nas revogações incluídas no art. 88 do Projeto. Tais revogações de isenções, tal como propostas, sustentam-se no prin-cípio de que os tributos pagos no Brasil podem ser compensados pelos prestadores de serviço no exterior, sem prejuízo para o contratante local. Ou seja, tratar-se-ia de uma forma de apropriar no País tributos que seriam pagos de qualquer maneira em alguma parte do Mundo. Sustentam-se, ainda, no fato de que todos os países relevantes do Mundo tributam estas operações. Deve ser reconhecido que a possibilidade de com-pensação do imposto de renda recolhido no Brasil, de fato, existe na legislação tributária da maioria dos países com os quais o Brasil mantém relações comerciais e financeiras, com a exceção óbvia dos chamados “paraísos fiscais”.

No entanto, o debate público sobre o tema, a vasta correspondência recebida, bem como o diálogo profícuo com entidades empresariais e pres tadoras de serviços no exterior, levantaram questões sobre even­tual majoração de custos para o contratante brasileiro em função do aumento da tributação, mesmo levando em conta as possibilidades de compensação. Razões para tal seriam, dentre outras, entraves políticos de natureza negocial no estabelecimento de relações contratuais, assi­metrias de informação, custos de transação, repasse da carga tributária incidente sobre determinadas operações para o tomador final e/ou para o exportador ou prestador de serviço.

Desta forma, ainda que corretas tanto conceitual quanto tecnicamente, sob o ponto de vista estritamente tributário, algumas das revogações de isenções propostas parecem exigir maior cautela e mesmo reavaliações, levando­se em conta preocupações de natureza mais ampla com o enorme esforço que vem empreendendo o Governo no que diz respeito à redução do chamado custo Brasil em geral e, em particular, com a firmeza de propósitos do Governo no estimulo à atividade exportadora

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OIMPOSTODERENDAEASRECEITASDEFRETEINTERNACIONAL–ANáLISEDALEIDOMéSTICAEDOSACORDOSDEBITRIBUTAçÃO

e a captação de recursos externos de médio e longo prazos e a custos mais reduzidos.

Portanto, à luz destas considerações e com o objetivo principal de per mitir o aprofundamento do debate sobre o tema ao longo de 1997, submeto à apreciação de Vossa Excelência o incluso Projeto de Medida Provisória que estabelece período de transição, correspondente ao ano­calendário de 1997, no qual os rendimentos sobre os quais se concentram as preo cupações recebidas neste Ministério e consideradas pertinentes, sujeitar­se­ão, neste período, à alíquota zero. O art. 1º da referida Medida Provisória elenca os rendimentos incluídos nesta hipótese. (Grifos nossos)

Como se vê, essa medida provisória teve o claro intuito de restabelecer isen-

ções que haviam sido revogadas por meio da Lei nº 9.430, mediante a concessão de

alíquota zero, com o objetivo final de impedir o aumento do chamado custo Brasil e,

dessa forma, incentivar o desenvolvimento e crescimento da atividade de exportação

de produtos nacionais, os quais seriam diretamente impactados pelas disposições

da Lei nº 9.430.

Dessa forma, está claro que a Lei nº 9.481 teve o intuito de estabelecer a

alíquota zero de IRRF para as receitas de frete em detrimento das disposições cons-

tantes na Lei nº 9.430, que determinou a incidência do IRRF à alíquota de 15%.

Trata-se de evidente benefício fiscal concedido para incentivar as exportações, e que

permanece plenamente aplicável até os dias de hoje, até porque a Medida Provisória

nº 1.563 foi convertida em lei definitivamente, estando plenamente em vigor.

Portanto, a análise da evolução histórica da legislação evidencia que as re-

ceitas de frete internacional, remetidas a residentes e domiciliados no exterior, estão

sujeitas à incidência do IRRF à alíquota zero, nos termos do art. 1º da Lei nº 9.481

(art. 691, inc. I, do RIR/99).

Consequentemente, não nos parece correta a interpretação esposada na Solu-

ção de Consulta nº 65, de 8.6.2011, da 7ª Região Fiscal, em que restou consignado

que a aplicação da alíquota zero prevista no art. 691, inc. I, do RIR/99:

se restringe àquelas remessas que se referem a contrapartidas de receitas derivadas, em última análise, de aluguéis ou arrendamentos de embarcações marítimas ou fluviais ou de aeronaves estrangeiras, entendendo-se, assim, em relação aos termos “frete” e “afretamento”, o sentido de “assumir” ou “alugar qualquer tipo de veículo de transporte” internacional (Houais, Anonio, Dicionário Eletrônico).

Ora, em nenhum momento essa interpretação ficou clara do conjunto nor-

mativo acima comentado, tampouco, e, principalmente, da Exposição de Motivos

da Medida Provisória nº 1.563, que foi convertida na Lei nº 9.481. Isso porque a

refe rida expo sição de motivos afirmou expressamente que o intuito era diminuir o

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custo da exportação de produtos nacionais, o qual, normalmente, ocorre mediante a

contratação de serviço de fretes, e não de aluguel e assunção de embarcação, con-

forme interpretação preconizada na solução de consulta acima. Consequentemente,

considerando a interpretação finalística da norma em comento, a conclusão é de

que as receitas de frete internacional estão sujeitas à alíquota zero de IRRF.

Também importa destacar que, nos acórdãos acima mencionados (nºs 102-

49.246, de 10.9.2008; e 1402-00660, de 4.8.2011), nos quais as hipóteses

fáticas observadas eram justamente a contratação de serviços de frete por empresas

brasileiras, essa interpretação não foi sequer abordada.

Além disso, vale ressaltar que, em uma análise etimológica, nos moldes daquela

realizada pela solução de consulta, o sentido da palavra frete, segundo De Plácido e

Silva,2 é diferente daquele utilizado pelas autoridades fiscais, senão, veja-se:

FRETE. Oriundo do holandês vrecht (preço do transporte), ou do antigo alemão freht, é aplicado, de um modo geral, para designar toda paga ou taxa devida pelo transporte de mercadorias ou cargas, seja por mar, por terra ou pelo ar. É, pois, a designação dada a todo preço por que se faz o transporte ou a condução de uma coisa. (Grifos nossos)

Damesma forma,PontesdeMirandaafirmaque“oétimode frete [...]está

no neerlandês Frecht, Fracht, preço do transporte”.3 Sendo assim, frete está intrin-

secamente relacionado ao contrato de transporte, definido como “contrato pelo qual

alguém se vincula, mediante retribuição, a transferir de um lugar para outro pessoa

ou bens”.4

Já quanto ao afretamento, o mesmo jurista afirma que esse “não é contrato

de transporte, mas sim contrato entre quem tem o uso do navio, ou da aeronave, ou

outro veículo, e quem quer afretar, ou subafretar o navio, ou a aeronave, ou outro

veículo, ou usá-lo para outro mister, como o passeio”5 (grifos nossos).

Demonstrado, pois, que frete e afretamento são figuras distintas, estando

absolutamente claro que a concepção de frete envolve justamente o “preço do trans-

porte”, enquanto o afretamento está relacionado à locação e assunção das embar-

cações, como consignou a solução de consulta acima.

No âmbito infralegal, cumpre ressaltar que o aparente conflito acima comen-

tado persiste. Isso porque a Instrução Normativa RFB nº 1.455, de 6.3.2014, que

“dispõe sobre a incidência do imposto sobre a renda na fonte sobre rendimentos

2 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico conciso. 2. ed. atual. por Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 371.

3 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 1. ed. atual. por Vilson Rodrigues Alves. Rio de Janeiro: Bookseller, 2005. p. 547. t. 41.

4 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972. p. 371. t. 45.5 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972. p. 371. t. 45.

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OIMPOSTODERENDAEASRECEITASDEFRETEINTERNACIONAL–ANáLISEDALEIDOMéSTICAEDOSACORDOSDEBITRIBUTAçÃO

pagos, creditados, empregados, entregues ou remetidos para pessoas jurídicas

domiciliadas no exterior nas hipóteses que menciona”, possui, em seu art. 2º, a

seguinte previsão:

Art. 2º Sujeitam-se ao imposto sobre a renda na fonte, à alíquota zero, os rendimentos recebidos de fontes situadas no Brasil, por pessoas jurí dicas domiciliadas no exterior, na hipótese de pagamento, crédito, emprego, entrega ou remessa de receitas de fretes, afretamentos, aluguéis ou arren damentos de embarcações marítimas ou fluviais ou de aeronaves estrangeiras, feitos por empresas, desde que tenham sido aprovados pelas autoridades competentes, bem como os pagamentos de aluguel de contêineres, sobrestadia e outros relativos ao uso de serviços de instalações portuárias.

Parágrafo único. Os rendimentos mencionados no caput recebidos por pessoa jurídica domiciliada em país ou dependências com tributação favorecida a que se refere o art. 24 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, sujeitam-se ao imposto sobre a renda na fonte à alíquota de 25% (vinte e cinco por cento).

Trata-se, pois, de previsão correspondente ao art. 691, inc. I, do RIR/99, o

qual foi comentado acima. Vale ressaltar que a Instrução Normativa SRF nº 252, de

3.12.2002, anterior a essa, possuía a idêntica disposição.

Mais recentemente, a Instrução Normativa RFB nº 1.611, de 26.1.2016, que

“dispõe sobre a incidência do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte sobre rendi-

mentos pagos, creditados, empregados, entregues ou remetidos para pessoas jurí-

dicas domiciliadas no exterior”, reproduziu, em seu art. 2º, §§2º e 3º, o disposto no

art. 711 do RIR/99,6 confirmando o aparente conflito entre o art. 691, inc. I, e o art.

799 do RIR/99, o qual é resolvido, como exposto acima, com base nas interpretações

histórica, finalística e até mesmo literal das normas.

Adiante, na análise do art. 691, inc. I, do RIR/99, não se pode deixar de abordar

a questão relativa à condição para aplicação da alíquota zero apenas nas hipóteses de

fretes e afretamentos “que tenham sido aprovados pelas autoridades competentes”.

Essa expressão, no entanto, não possui qualquer regulamentação infralegal na

qual seja possível identificar (i) a qual tipo de autorização a lei está se referindo e (ii)

como deve ser obtida essa autorização. Dessa forma, não se pode obstar o direito

dos contribuintes à aplicação da alíquota zero de IRRF em razão dessa condição, a

qual não está devidamente regulamentada, sendo, portanto, uma condição impossível

6 “§2º Estão sujeitos ao IRRF, à alíquota de 15% (quinze por cento), os rendimentos recebidos por companhias de navegação aérea e marítima, domiciliadas no exterior, de pessoas físicas ou jurídicas, residentes ou domiciliadas no Brasil.

§3º O imposto de que trata o §2º não será exigido das companhias aéreas e marítimas domiciliadas em países que não tributam, em decorrência da legislação interna ou de acordos internacionais, os rendimentos auferidos por empresas brasileiras que exercem o mesmo tipo de atividade”.

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RAMONTOMAzELASANTOS,PAULOCOVIELLOFILHO

de ser cumprida. Nesse sentido, o Acórdão nº 104-18809, de 19.6.2002, ao analisar

situação similar, afirmou que “não se pode sequer cogitar que o benefício fiscal

está vinculado ao despacho concessório da autoridade competente, sem que a lei

espe cifique as condições e requisitos a serem comprovados pelo interessado”. Esse

racio cínio está escorado na ideia de que a isenção é matéria de lei, que deve definir

o seu regime jurídico, como dispõe o art. 176 do CTN, de modo que, não havendo

clare za nas formalidades que devem ser cumpridas, não se pode exigir qualquer

procedimento do contribuinte.

Superada a questão acima, vale ressaltar que, posteriormente à Lei nº 9.481,

a Lei nº 9.779, de 19.1.1999 (disposição correspondente no art. 685, do RIR/99),

trouxe uma disposição expressa para os rendimentos pagos a beneficiários residen-

tes ou domiciliados em jurisdição “que não tribute a renda ou que a tribute à alíquota

máxima inferior a vinte por cento” (com tributação favorecida), sendo que, nesses

casos, independentemente da operação (salvo as exceções expressas), incide o IRRF

à alíquota de 25%. Confira-se o texto legal:

Art. 8º Ressalvadas as hipóteses a que se referem os incisos V, VIII, IX, X e XI do art. 1º da Lei no 9.481, de 1997, os rendimentos decorrentes de qualquer operação, em que o beneficiário seja residente ou domiciliado em país que não tribute a renda ou que a tribute à alíquota máxima inferior a vinte por cento, a que se refere o art. 24 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de vinte e cinco por cento.

Nesse cenário, com base no art. 8º da Lei nº 9.779, acima transcrito, constata-

se que toda e qualquer remessa a beneficiário residente ou domiciliado em país com

tributação favorecida, de receitas de frete, ou quaisquer outras receitas relaciona das

no inc. I do art. 691, do RIR/99, estará sujeita à incidência do IRRF à alíquota de

25%. Essa norma, de caráter antielusivo, aplica-se indistintamente a essas remessas.

Diante do exposto, conclui-se que permanece aplicável a alíquota zero de IRRF

nas remessas de receitas de frete internacional a residentes e domiciliados no

exterior, desde que estes não estejam em países com tributação favorecida, nos

moldes do que foi exposto acima, hipótese em que o IRRF incidirá à alíquota de 25%.

3 Os acordos internacionais de bitributação

Como demonstrado na breve exposição acima, há fundamentos jurídicos

consistentes para defender que as remessas realizadas a título de remuneração de

frete internacional estão sujeitas à alíquota zero de IRRF no Brasil.

Em princípio, a existência de alíquota zero de IRRF na lei interna afasta a neces-

sidade de análise dos acordos de bitributação celebrados pelo Brasil, tendo em vista

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que a incidência, ou não, do imposto de renda sobre os rendimentos remetidos a

não residentes é matéria reservada à lei doméstica, tendo em vista que o acordo

de bitributação, por si só, não constitui a obrigação tributária. Os acordos de bitribu-

tação apenas limitam a jurisdição fiscal dos Estados contratantes, sem obrigar o

efetivo exercício do poder de tributar. Assim, no plano do tratado internacional, o

Estado pode deixar de exercer a sua competência impositiva, exonerando o respec-

tivo rendimento de tributação.

Isso é assim porque as regras distributivas dos acordos de bitributação têm

características de normas de direito internacional, que impõem limites – aceitos

pelos próprios Estados – à jurisdição nacional.7 Assim, enquanto o antecedente

da norma convencional prevê determinada espécie de rendimento, o consequente

distribui a competência para a sua tributação ao Estado de residência, ao Estado

de fonte ou a ambos os Estados, observados os limites estabelecidos no próprio

acordo de bitributação.8 Daí se dizer que as regras dos acordos internacionais limitam

a aplicação do direito interno dos Estados.9

Cabe registrar que, para efeito de tributação internacional, não há necessidade

de o intérprete observar uma ordem específica de interpretação. Ao revés, o exegeta

é livre para iniciar o exame pelo direito interno ou pelo acordo de bitributação, como

o caso concreto revelar mais conveniente. O essencial, para que seja legítima a im-

posição fiscal, é que a lei interna prescreva a incidência do imposto de renda sobre

determinado rendimento, sem que o acordo de bitributação suprima ou restrinja a

competência impositiva do Estado naquela situação.10

É fácil ver, portanto, que o tratado internacional apenas limita os efeitos da

lei interna, sem fazer com que a alíquota prevista na cláusula convencional seja

aplicada a situações não disciplinadas pelo legislador nacional.11 12

Nesse contexto, considerando que os tratados internacionais podem fornecer

argumentos adicionais para afastar a incidência do IRRF sobre os fretes interna-

cionais, passa-se a examinar, brevemente, a regra convencional a respeito do tema.

7 SCHOUERI,LuísEduardo.RelaçãoentretratadosinternacionaiseaLeiTributáriainterna.In:CASELLA,PauloBorba et al. (Org.). Direito internacional, humanismo e globalidade. São Paulo: Atlas, 2008. p. 568.

8 MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rego. Art. 24 do Acordo de Bitributação Brasil-Suécia e Tratamento Tributário Distinto no Pagamento de Dividendos. In: CASTRO, Leonardo Freitas de Moraes e (Coord.). Tributação internacional – Análise de casos. São Paulo: MP, 2010. p. 364.

9 REIMER, Ekkehart. Permanent establishment in the OECD model tax convention. In: REIMER, Ekkehart; SCHMID, Stefan; ORELL, Marianne (Coord.). Permanent establishments – A domestic taxation, bilateral tax treaty and OECD perspective. 3. ed. Alphen aan den Rijn: Kluwer Law, 2014. p. 6.

10 SCHOUERI,LuísEduardo.Preços de transferência no direito tributário brasileiro. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2006. p. 285.

11 BELLAN, Daniel Vitor; SANTOS, João Victor Guedes. Origem do capital investido: regimes diferenciados de tributação. In: SANTI, Eurico Marco Diniz de; CANADO, Vanessa Rahal (Coord.). Tributação dos mercados financeiros e de capitais e dos investimentos internacionais. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 402. Série GV Law.

12 PEREIRA, Victor Lafayette. Limitations of the Source State’s Taxing Rights on Intra-group Dividends. In: MASSONER, Christian; STORCK, Alfred; STÜRZLINGER, Birgit (Coord.). International Group Financing and Taxes. Viena: Linde, 2012. p. 331.

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O art. 8º, §1º, dos acordos de bitributação celebrados pelo Brasil, baseados na Convenção Modelo da OCDE, conferem competência tributária exclusiva ao Estado da residência para a tributação dos lucros provenientes do tráfego internacional obtidos por empresas de transporte aéreo e marítimo. Apenas a título de ilustração, confira-se a redação do acordo de bitributação celebrado entre o Brasil e a Itália: “Os lucros provenientes da exploração, no tráfego internacional, de navios ou aeronaves só são tributáveis no Estado Contratante em que estiver situada a sede da direção efetiva da empresa”.

Como se vê, o art. 8º dos acordos de bitributação baseados na Convenção Modelo da OCDE contempla uma regra distributiva completa, na qual a dupla tribu-tação da renda é preventivamente evitada mediante a atribuição de competência exclu siva a um dos Estados contratantes, o que, por consequência, afasta a necessi-dade de aplicação dos mecanismos de alívio à dupla tributação previstos no art. 23.

Assim, essa regra distributiva prevê que apenas o Estado da residência poderá tributar os rendimentos que integram o lucro das empresas de transporte aéreo ou marítimo, desde que provenientes do tráfego internacional.

A correta aplicação da regra distributiva em questão depende do esclarecimento de determinados pressupostos, como o conceito de lucros, a caracterização do tráfego internacional e a sede de direção efetiva da empresa.

Em primeiro lugar, cabe esclarecer que os acordos de bitributação celebrados pelo Brasil não definem expressamente o significado e o alcance da expressão lucros. A despeito da omissão, o conceito de lucros é interpretado em sentido amplo, abarcando a pluralidade de rendimentos imputáveis a uma atividade empresarial (geral ou específica).

Assim, as receitas recebidas pelas empresas de transporte, desde que decorrentes do tráfego internacional, integram a noção de lucros, para efeito de aplicação do art. 8º dos acordos de bitributação baseados na Convenção Modelo da OCDE.

Isso porque o conceito de lucro utilizado nos acordos de bitributação não está restrito ao lucro operacional apurado nas demonstrações financeiras da pessoa jurídica, alcançando a vasta gama de rendimentos atribuíveis à atividade de tráfego internacional explorada pela empresa de transporte aéreo ou marítimo.

Tanto é assim que, ao interpretar o art. 7º dos acordos de bitributação celebrados pelo Brasil, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirmou que a expressão lucro deve abranger qualquer receita ou rendimento que o integre conceitualmente, o que afasta a possibilidade de cobrança do IRRF sobre os rendimentos remetidos

ao não residente. Veja-se, nesse sentido, parte da ementa da decisão proferida no

Recurso Especial nº 161.467-RS,13 que está assim redigida:

13 Superior Tribunal de Justiça (STJ), 2ª Turma. Recurso Especial nº 1.161.467-RS (2009/0198051-2). Rel. Min. Castro Meira. Sessão de 17.5.2012. Public. 1º.6.2012.

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OIMPOSTODERENDAEASRECEITASDEFRETEINTERNACIONAL–ANáLISEDALEIDOMéSTICAEDOSACORDOSDEBITRIBUTAçÃO

4. O termo “lucro da empresa estrangeira”, contido no art. VII das duas Convenções, não se limita ao “lucro real”, do contrário, não haveria materialidade possível sobre a qual incidir o dispositivo, porque todo e qualquer pagamento ou remuneração remetido ao estrangeiro está – e estará sempre – sujeito a adições e subtrações ao longo do exercício financeiro.

5. A tributação do rendimento somente no Estado de destino permite que lá sejam realizados os ajustes necessários à apuração do lucro efe tivamente tributável. Caso se admita a retenção antecipada – e por tanto, definitiva – do tributo na fonte pagadora, como pretende a Fazenda Nacional, serão inviáveis os referidos ajustes, afastando-se a possibilidade de compensação se apurado lucro real negativo no final do exercício financeiro.

6. Portanto, “lucro da empresa estrangeira” deve ser interpretado não como “lucro real”, mas como “lucro operacional”, previsto nos arts. 6º, 11 e 12 do Decreto-lei n.º 1.598/77 como “o resultado das atividades, principais ou acessórias, que constituam objeto da pessoa jurídica”, aí incluído, obviamente, o rendimento pago como contrapartida de serviços prestados.14

Note-se que o entendimento acima pode ser transposto, com as devidas

adaptações, para o art. 8º dos acordos de bitributação, pois a principal diferença

entre as duas regras distributivas é que o art. 7º alcança quaisquer rendimentos

decorrentes da atividade econômica da pessoa jurídica, ao passo que o art. 8º exige

que os rendimentos sejam provenientes da atividade de tráfego internacional. A

segunda diferença entre as duas regras é que o art. 7º excepciona o estabelecimento

permanente no Estado da fonte, ao passo que, no caso do art. 8º, a tributação

exclusiva no Estado da residência, onde está localizada a sede de direção efetiva da

empresa, prevalece mesmo que haja um estabelecimento permanente no Estado da

fonte.15 É justamente por isso que o art. 8º não está absorvido pela regra geral do art.

7º, que se aplica às empresas em geral.

Feitas essas considerações sobre o conceito de lucro, é preciso examinar o

conceito de tráfego internacional, para a correta delimitação do escopo normativo

do art. 8º.

O conceito de tráfego internacional está expressamente definido no art. 3º,

alínea “g”, do acordo de bitributação celebrado entre o Brasil e a Itália, que está sendo

utilizado como exemplo na presente consulta. Confira-se a redação convencional:

h) a expressão “tráfego internacional” designa todo transporte efetuado por um navio ou aeronave explorado por uma empresa cuja sede de

14 No mesmo sentido, vide Recurso Especial nº 1.272.897-PE, de 19.11.2015.15 KOFLER, georg. Article 8. In: REIMER, Ekkehart; RUST, Alexander (Ed.). Klaus Vogel on Double Taxation

Conventions. 4. ed. Alphen aan den Rijn: Kluwer Law International, 2015. p. 548-549.

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direção efetiva esteja situada em um Estado Contratante, exceto quando o navio ou aeronave for explorado apenas entre pontos situados no outro Estado Contratante;

Como se vê, o conceito de tráfego internacional está definido de forma ampla,

para alcançar qualquer transporte realizado por uma empresa situada em um Estado

contratante por meio de navio ou aeronave, exceto quando efetuado exclusiva mente

entre lugares situados no outro Estado contratante.

Como exemplo, caso uma empresa com sede de direção efetiva na Itália

preste serviços de transporte entre pontos localizados na Itália e no Brasil, o Estado

brasileiro não poderá tributar os lucros oriundos dessa atividade. Por outro lado,

o Brasil poderá exercer o seu poder de tributar caso essa empresa italiana preste

serviços de transporte somente entre pontos localizados dentro das fronteiras do

Brasil.

Nesse sentido, o parágrafo 6 dos Comentários da OCDE ao art. 3º da Conven-

ção Modelo, ao tratar do conceito de tráfego internacional, estabelece que o seu

objetivo consiste em preservar para o Estado da sede de direção efetiva da empresa

o direito de tributar o tráfego internacional. O outro Estado contratante apenas pode-

rá tributar a empresa estrangeira em relação ao tráfego realizado dentro de suas

fronteiras. Confira-se:

The definition of the term “international traffic” is broader than is normally understood. The broader definition is intended to preserve for the State of the place of effective management the right to tax purely domestic traffic as well as international traffic between third States, and to allow theotherContractingStatetotaxtrafficsolelywithinitsborders.[...]Theother State is allowed to tax such an enterprise of the first-mentioned State only where the operations are confined solely to places in that other State.16

Em seguida, a OCDE esclarece que o navio ou a aeronave será explorado

somente entre localidades no outro Estado contratante caso tanto o local de partida

quanto o local de chegada do navio ou da aeronave estejam localizados em sua

jurisdição. Assim, no exemplo acima, a Administração tributária brasileira poderia

exercer o seu poder de tributar os lucros de uma empresa de transporte argentina

caso o ponto de partida e o ponto de chegada do navio ou da aeronave estejam

localizados no Brasil.17

16 Parágrafo 6 dos comentários ao art. 3º da Convenção Modelo (OECD. Model Tax Convention on Income and on Capital – Condensed Version. Paris: OECD, 2010. p. 79).

17 Veja-se: “A ship or aircraft is operated solely between places in the other Contracting State in relation to a particular voyage ir the place of departure and the place of arrival of the ship or aircraft are both in that other Contracting State” (parágrafo 6.1 dos comentários ao art. 3º da Convenção Modelo (OECD. Model Tax Convention on Income and on Capital – Condensed Version. Paris: OECD, 2010. p. 79)).

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De qualquer forma, como o acordo de bitributação não constitui a obrigação tributária, é evidente que esse efeito só será possível nos limites da lei interna brasileira.

Por fim, deve-se examinar o conceito de sede de direção efetiva da empresa, utilizado em grande parte dos acordos de bitributação celebrados pelo Brasil.

O conceito de sede de direção efetiva (place of effective management) não está expressamente definido nos acordos de bitributação. Porém, no parágrafo 24 do art. 4º da Convenção Modelo, a OCDE esclarece que a sede de direção efetiva é local onde são tomadas as principais decisões comerciais e administrativas neces-sárias para a condução da atividade econômica da empresa como um todo.18 Adiante, a OCDE destaca que a determinação da sede de direção efetiva depende da aná-lise dos fatos e das circunstâncias do caso concreto, por meio da verificação do local de reunião da diretoria, do local de reunião do conselho de administração ou órgão equivalente, do local onde o diretor-presidente e outros executivos conduzem as suas atividades, da localização da sede da pessoa jurídica, do local de guarda dos livros contábeis, entre outros.19

Vale mencionar, ainda, que há acordos de bitributação celebrados pelo Brasil que estendem a aplicação do art. 8º para os lucros obtidos em razão da participação da empresa estrangeira de transporte em formas jurídicas de cooperação interna­cional, como grupo de empresas, acordos de pool, agências internacionais de exploração, associações ou organismos internacionais de exploração, entre outros.

Para concluir, cabe alertar que cada acordo de bitributação é único, por ser fruto de um processo de negociação que envolve concessões recíprocas, que cir-cunscrevem o exercício da jurisdição tributária pelos países contratantes. Assim, antes da adoção de qualquer decisão, o contribuinte deve avaliar a redação de cada acordo de bitributação, para verificar quais tipos de transporte estão abrangidos, bem como o conceito de transporte internacional adotado.

Apenas para ilustrar a importância da análise individual, pode-se mencionar o acordo de bitributação celebrado entre o Brasil e a Argentina, que alcança não apenas o transporte aéreo e marítimo, mas também o transporte terrestre, fluvial ou lacustre.20

Por isso, no anexo único do presente trabalho, as redações do art. 8º dos

acordos de bitributação celebrados pelo Brasil estão reproduzidas, juntamente com

a definição de transporte internacional aplicável, quando existente.

18 Veja-se: “The place of effective management is the place where key management and commercial decisions that are necessary for the conduct of the entity’s business as a whole are in substance made. All relevant facts and circumstances must be examined to determine the place of effective management” (OECD. Model Tax Convention on Income and on Capital – Condensed Version. Paris: OECD, 2010. p. 88-89).

19 Parágrafo 24.1 dos comentários ao art. 4º da Convenção Modelo (OECD. Model Tax Convention on Income and on Capital – Condensed Version. Paris: OECD, 2010. p. 89).

20 Confira-se a redação da cláusula convencional: “1. Os lucros provenientes do tráfego internacional obtidos por empresas de transporte aéreo, terrestre, marítimo, fluvial ou lacustre só são tributáveis no Estado Contratante em que estiver situada a sede da direção efetiva da empresa”.

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RAMONTOMAzELASANTOS,PAULOCOVIELLOFILHO

Por todo o exposto, pode-se concluir que, sob o ponto de vista da lei interna,

há fundamentos jurídicos consistentes para defender a aplicação da alíquota zero

de IRRF nas remessas de receitas de frete internacional para residentes e domici-

liados no exterior. Além disso, nos casos em que o beneficiário da remessa estiver

localizado em país que mantém acordo de bitributação com o Brasil, deve-se afastar

a cobrança do IRRF sobre os valores remetidos ao exterior, observados os limites

estabelecidos nas cláusulas convencionais, que devem ser examinadas à luz do

caso concreto.

4 Acordos internacionais de transporte

Além dos acordos de bitributação, o Brasil assinou, ao longo dos anos, diversos

acordos internacionais de transporte, que podem, eventualmente, conter cláusulas

convencionais que tratam da incidência de tributos sobre as atividades de transporte.

Como exemplo, lembre-se de que o Brasil não celebrou acordo de bitributa-

çãocomosEstadosUnidos,maspossuiumacordointernacionalsobretransporte

marítimo21 que prevê, no art. 1º, item “g”, que cada Estado contratante concederá

às embarcações do outro Estado o mesmo tratamento concedido às suas próprias

embarcações no que se refere a impostos incidentes sobre a tonelagem ou o valor

do frete e outros tributos e encargos. Veja-se:

h) em bases recíprocas, cada Parte concederá às embarcações da outra Parte o mesmo tratamento concedido às suas próprias embarcações no que se refere a impostos incidentes sobre a tonelagem ou o valor do frete e outros tributos e encargos; (Grifos nossos)

A parte final da cláusula convencional, que menciona outros tributos e encargos,

é bastante ampla, alcançando qualquer exação cobrada por autoridade de um Estado

soberano em face de pessoas ou objetos sob a sua jurisdição, com o objetivo de

obter recursos para atender às despesas públicas. Assim, a análise das cláusulas

inse ridas em acordos internacionais de transporte também pode servir para afastar a

cobrança de tributos de pessoas jurídicas não residentes, em caráter discriminatório.

Outro exemplo importante é o tratado internacional celebrado entre o Brasil e

oReinoUnidoparaevitaradupla tributaçãodos lucrosdecorrentesdo transporte

marítimo e aéreo, promulgado pelo Decreto nº 6.797, de 17.3.2009, segundo o qual

oBrasil isentaráarendaauferidaporempresasnoReinoUnidoemoperaçõesde

transporte marítimo ou aéreo. Para facilitar a compreensão, transcreve-se a redação

do seu art. 1º:

21 Texto disponível no site da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) (ANTAQ. Acordo Bilateral Brasil – Estados Unidos.Disponívelem:<http://www.antaq.gov.br/portal/pdf/AcordoBilateralBrasilEUA.pdf>).

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OIMPOSTODERENDAEASRECEITASDEFRETEINTERNACIONAL–ANáLISEDALEIDOMéSTICAEDOSACORDOSDEBITRIBUTAçÃO

ARTIGO 1

O Governo da República Federativa do Brasil isentará toda a renda auferida em operações de transporte marítimo e aéreo, no tráfego internacional, por empresas do Reino Unido que exerçam tais atividades, de todos os impostos abrangidos pela legislação do imposto de renda federal assim como de quaisquer impostos federais semelhantes ou contribuições sobre a renda ou lucros que são, ou poderão vir a ser, exigidos no Brasil, aí incluídos o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). (Grifos nossos)

Em geral, os acordos de bitributação são considerados instrumentos norma-

tivos mais específicos, pois tratam especificamente da incidência do imposto de

renda e de outros impostos substancialmente semelhantes.

Porém, na ausência de acordo de bitributação entre o Brasil e o país de juris-

dição do beneficiário, é conveniente que se examine a eventual existência de acordo

internacional de transporte com o Estado estrangeiro, para verificar se as suas

cláu sulas convencionais podem, a depender das circunstâncias do caso concreto,

interferir nas obrigações tributárias previstas nas leis internas brasileiras.

5 Conclusões

As principais ideias expostas no presente artigo podem ser assim resumidas:

- A Lei nº 9.481 teve o intuito de estabelecer a alíquota zero de IRRF para as

receitas de frete em detrimento das disposições constantes na Lei nº 9.430,

que determinou a incidência do IRRF à alíquota de 15%. Trata-se de evidente

benefício fiscal concedido para incentivar as exportações, e que permanece

plenamente aplicável até os dias de hoje.

- A alíquota zero de IRRF prevista para as remessas de receitas de frete

internacional a residentes e domiciliados no exterior permanece aplicável,

desde que estes não estejam em países com tributação favorecida, hipó tese

em que o IRRF incidirá à alíquota de 25%.

- O art. 8º, §1º, dos acordos de bitributação celebrados pelo Brasil, baseados

na Convenção Modelo da OCDE, confere competência tributária exclusiva

ao Estado da residência para a tributação dos lucros provenientes do tráfego

internacional obtidos por empresas de transporte aéreo e marítimo.

- Assim, nos casos em que o beneficiário da remessa estiver localizado em

país que mantém acordo de bitributação com o Brasil, deve-se afastar a

cobrança do IRRF sobre os valores remetidos ao exterior, observados os

limites estabelecidos nas cláusulas convencionais, que devem ser exami-

nadas à luz do caso concreto.

- Por fim, na ausência de acordo de bitributação entre o Brasil e o país de

jurisdição do beneficiário, é conveniente que se examine a eventual existência

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RAMONTOMAzELASANTOS,PAULOCOVIELLOFILHO

de acordo internacional de transporte com o Estado estrangeiro, para verificar

se as suas cláusulas convencionais podem, a depender das circunstân-

cias do caso concreto, interferir nas obrigações tributárias previstas nas

leis internas brasileiras.

Abstract: This paper examines the levy of income tax on income derived from international freight, both from the perspective of Brazilian domestic law, and from the standpoint of double taxation agreements concluded by Brazil. The study shows that income from international freight earned by non-residents is not subject to the income tax in Brazil.

Keywords: International freight. Income tax. Zero tax rate. Double taxation agreements.

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Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

SANTOS, Ramon Tomazela; COVIELLO FILHO, Paulo. O Imposto de Renda e as receitas de frete internacional – Análise da lei doméstica e dos acordos de bitributação. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 14, n. 81, p. 151-171, maio/jun. 2016.