o imperialismo brasileiro nos séculos xx e xxi: uma discussão

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O imperialismo brasileiro nos séculos XX e XXI: uma discussão teórica Pedro Henrique Pedreira Campos Resumo: A apresentação visa debater as interpretações possíveis para a tendência de exportação de capitais por empresas brasileiras a partir dos anos 60 e 70 do século XX, processo que vem se acentuando nos últimos anos. À luz dos dados do setor da indústria de construção, propomos uma reflexão sobre a natureza do processo tendo em vista a bibliografia específica que o analisa, em especial os textos escritos por Rui Mauro Marini e sua tese sobre o ‘subimperialismo’, com o qual se trava o diálogo central da exposição. A partir de um debate conceitual, intentamos amadurecer a validade ou não da utilização de termos como imperialismo brasileiro, subimperialismo ou apenas exportação de capitais. Palavras-chave: imperialismo, subimperialismo, imperialismo brasileiro Abstract: The presentation seeks to debate the possible interpretations for the tendency of export of capitals for Brazilian companies starting from the years 60 and 70 of the XXth century, process that is accentuating if in the last years. To the light of the data of the section of the construction industry, we propose a reflection on the nature of the process tends in view the specific bibliography that it analyzes him, especially the texts written by Rui Mauro Marini and him thesis on the ‘subimperialism’, with which the central dialogue of the exhibition is joined. Starting from a conceptual debate, we attempted to mature the validity or not of the use of terms as Brazilian imperialism, subimperialism or just export of capitals. Key-words: imperialism, subimperialism, Brazilian imperialism

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Page 1: O imperialismo brasileiro nos séculos XX e XXI: uma discussão

O imperialismo brasileiro nos séculos XX e XXI: uma discussão teórica

Pedro Henrique Pedreira Campos

Resumo: A apresentação visa debater as interpretações possíveis para a tendência de exportação de capitais por empresas brasileiras a partir dos anos 60 e 70 do século XX, processo que vem se acentuando nos últimos anos. À luz dos dados do setor da indústria de construção, propomos uma reflexão sobre a natureza do processo tendo em vista a bibliografia específica que o analisa, em especial os textos escritos por Rui Mauro Marini e sua tese sobre o ‘subimperialismo’, com o qual se trava o diálogo central da exposição. A partir de um debate conceitual, intentamos amadurecer a validade ou não da utilização de termos como imperialismo brasileiro, subimperialismo ou apenas exportação de capitais. Palavras-chave: imperialismo, subimperialismo, imperialismo brasileiro Abstract: The presentation seeks to debate the possible interpretations for the tendency of export of capitals for Brazilian companies starting from the years 60 and 70 of the XXth century, process that is accentuating if in the last years. To the light of the data of the section of the construction industry, we propose a reflection on the nature of the process tends in view the specific bibliography that it analyzes him, especially the texts written by Rui Mauro Marini and him thesis on the ‘subimperialism’, with which the central dialogue of the exhibition is joined. Starting from a conceptual debate, we attempted to mature the validity or not of the use of terms as Brazilian imperialism, subimperialism or just export of capitals. Key-words: imperialism, subimperialism, Brazilian imperialism

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O imperialismo brasileiro nos séculos XX e XXI: uma discussão teórica

Pedro Henrique Pedreira Campos

Frases que nunca mais ouviremos: “Madame, sua liteira chegou”, “Quem será o center-forward do scratch?” e “Trabalhadores do mundo, uni-vos”. Os trabalhadores do mundo são vítimas da globalização perversa que aboliu as fronteiras para empregadores de mão-de-obra barata e desregulada, mas não para eles. Trabalhadores do mundo rico são prisioneiros das vantagens que conquistaram, que os impedem de competir com os trabalhadores do mundo pobre. Estes não podem ser solidários em suas reivindicações de tarifas altas para proteger seus empregos pois perderiam os seus. Nenhuma solidariedade proletária é possível num mundo em que o capital vai atrás do lucro onde quiser e o único internacionalismo permitido ao trabalho é o da imigração ilegal e o tráfico tétrico de empregos exportados cruzando com desemprego importado. [...] Trabalhadores do mundo inteiro hoje não têm nada a perder a não ser uns duzentos anos de luta, mais ou menos.1

Um mundo em que o capital tem um alcance mundial e um poder que parece invencível e

eterno não é novidade na história mundial. Se a queda da União Soviética representou um refluxo

histórico que, por alguns, foi tido como a vitória final e perpétua do capitalismo em escala global,

houve outro período histórico em que o capital atingira pela primeira vez em sua história um

patamar planetário. A época do imperialismo clássico significou, pela primeira vez, a chegada

dos interesses do capital a todos os cantos do mundo, mesmo que nem sempre se mostrando sob a

forma da empresa que usa trabalho livre e assalariado. O capital se impôs a todo o planeta e veio

naquele momento acompanhado da dominação política e territorial de diversas regiões em quase

todos continentes.

Prontamente, aquela expansão mundial européia foi lida e analisada como um processo de

dominação imperial, agora sob a vigência do capital. Suas estruturas sofreram um duro ataque

com a Primeira Guerra Mundial e não resistiram ao choque da Segunda Guerra, fazendo com que

movimentos organizados locais expulsassem a ocupação militar mantida pelos países europeus.

Assim, tradicionalmente, usam-se esses marcos para destacar o fim da empreitada imperialista e

reorganização da geopolítica e da economia mundial sobre novas bases e estruturas.

A questão que percorre esse artigo gira em torno do ponto supracitado, podendo ser

exposta das seguintes formas: é possível distinguir o imperialismo como um movimento histórico

que tem início e fim claros, negando à conjuntura atual a utilização desse conceito ou de termos

análogos? Ou o imperialismo é sim um processo, mas com suas diferentes formas históricas,

1 VERÍSSIMO, Luís Fernando. Artigo ‘Primeiro de Maio’, publicado no jornal O Globo. Caderno Opinião. Edição de 01/05/2008. p. 7

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oriundo direta e logicamente da produção capitalista e que, em certo sentido, mantém-se até os

dias atuais?

Para dar uma resposta, mesmo que preliminar, a essa questão, propomos percorrer uma

certa bibliografia que aborda o imperialismo clássico e os processos de mundialização do capital

atuais, lançando no seio do texto questões e respostas parciais e tentando dar uma solução

possível no final do texto.

O imperialismo, história e bibliografia:

Uma primeira questão que se coloca quando se analisa o imperialismo à luz da

bibliografia que o interpretou, e uma das mais espinhosas questões, é o de seu balizamento. A

maioria dos autores entende que o processo tem início nas décadas de 1870 ou 1880 e sofre um

revés com a eclosão da guerra na Europa, mas a partir dessas considerações não há mais

consenso. Os autores que utilizam o marco de 18732 para ser o pontapé inicial do processo

geralmente utilizam-no pensando na crise como motivador do fenômeno, no que não há

concordância geral. Outros vão utilizar a década de 1880, dando destaque à maturação do capital

financeiro no período e a Conferência de Berlim3, realizada em meados da década. Há ainda os

que extrapolam o período, defendendo que a dominação praticada pela França e Inglaterra na

África e Ásia nas primeiras décadas do século têm continuidade com o processo visto no limiar

do século XX.

Quebrando todos esses recortes e delimitações de historicidades específicas, Immanuel

Wallerstein defende que a integração econômica mundial vista no século XX remonta ao século

XV, com a “economia mundial européia”, descartando a Revolução Industrial como fenômeno

importante para explicar o processo percebido nos séculos XIX e XX. Para ele, o sistema mundial

é caracterizado pela ordem econômica mundial internacional e pela divisão internacional do

trabalho, havendo um “âmago”, uma “semiperiferia” e uma “periferia”. Os lucros produzidos na

periferia e na semiperiferia são repassados aos centros pelo comércio internacional4.

2 Ver, por exemplo, HOBSBAWM, Eric J. Era dos Impérios: 1875-1914. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. 3 Sobre essa reunião, ver BRUNSCHWIG, Henri. A Partilha da África Negra. São Paulo: Perspectiva, 1974 [1ª ed. em francês de 1971]. 4 Apud WESSELING, Henk. História do além-mar. In: BURKE, Peter. A Escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: EdUnesp, 1992. p. 97-131.

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No entanto, o imperialismo do período 1870-1914 não é caracterizado sobretudo pelo

comércio internacional, mas principalmente por outras formas de relação econômica entre

diferentes regiões do mundo. E os principais autores que analisaram esse processo, vivendo-o,

ressaltam a sua especificidade histórica. São eles Hobson, Hilferding, Lênin, Rosa Luxemburgo e

Bukharin.

John Atkinson Hobson foi um economista inglês muito importante por sua teoria do

subconsumo e superprodução e que teve influência sobre Lênin, Keynes e Rosa Luxemburgo. É

autor da primeira obra científica sobre o imperialismo5, descrevendo-o e levantando uma hipótese

explicativa para o fenômeno. Além desse livro, tem outro clássico com primeira edição de 1894

sobre o que ele chamou de moderno capitalismo6, obra que muito influiu no pensamento de Max

Weber7. O economista inglês teve uma trajetória interessante: apesar de ter sido um típico liberal,

sempre foi simpático às teses de Marx, sendo considerado um marxista fabiano por alguns

autores; foi se aproximando cada vez mais dessa matriz teórica a partir da Primeira Guerra,

levando-o, no fim de sua vida, a escrever o livro “From Capitalism to Socialism”, inconcluso

devido à sua morte em 19408.

Para Hobson, mais que o comércio internacional, a grande característica da

internacionalização da economia em seu tempo era a exportação de capitais, ou melhor, os

investimentos pelo mundo realizados sobretudo pela Inglaterra sob a forma de construção e

gerenciamento de ferrovias – a forma mais nítida –, de portos, de sistemas de iluminação elétrica,

de carris urbanos, de sistemas de abastecimento de água, esgoto e gás, além de exploração de

projetos de mineração e plantagens. A especificidade do pensamento de Hobson se encontra na

explicação do processo de expansão mundial do capitalismo, para ele, devido ao subconsumo e à

superprodução nas economias européias centrais, em especial, a inglesa. Devido ao baixo

consumo das economias mais dinâmicas, as empresas buscam mercados fora da Europa, o que dá

origem ao imperialismo9.

5 HOBSON, John Atkinson. Imperialism: a study. 3ª ed. London: Unwin Hyman, 1988. 396p. A obra nunca foi traduzida para o português apesar de toda a sua importância e centralidade para o tema. 6 HOBSON, John Atkinson. A Evolução do Capitalismo Moderno: um estudo da produção mecanizada. Coleção Os Economistas. São Paulo: Nova Cultural, 1985 [1ª ed. em inglês de 1894]. Iremos basear nossa argumentação em cima desse livro. 7 Essa influência pode ser percebida no livro WEBER, Max. A Gênese do Capitalismo Moderno. São Paulo: Ática, 2006. O livro é o capítulo quarto e final de outro livro do autor, o ‘História Geral da Economia’, série de aulas e palestras que o pensador alemão deu em Munique pouco antes de morrer. 8 ANDERSON, Perry. Zona de Compromisso. São Paulo: EdUNesp, 1996. p. 9-66. 9 HOBSON, John Atkinson. A Evolução do Capitalismo Moderno. op. cit. p. VII-XXIII; 338-41.

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Maria Conceição Tavares critica o pensamento de Hobson por suas problemáticas

principais se reterem nas noções de subconsumo e superprodução, o que, para ela, é um erro que

poderia ser evitado com a divisão da produção em capital constante e capital variável, o que havia

feito Marx anteriormente.

Explicação diametralmente oposta tem Rufold Hilferding, visto que baseada plenamente

nos postulado de Marx. O economista austríaco fez um amplo estudo sobre o capital financeiro,

que seria uma forma de união entre o capital industrial e o bancário, sob a prevalência desse

último e que seria a forma mais avançada de capital. É um tipo de capital novo que emerge nas

economias centrais na segunda metade do século XIX e acaba atuando também no comércio,

sendo um caso clássico o do truste norte-americano do tabaco, analisado pelo autor. Essa nova

forma de capital impulsiona a sua concentração e a centralização, o que leva a exportação de

capital, o que se dá em função da busca de altas taxas de lucro e não pela busca de mercado10.

Portanto, Hilferding apresenta um quadro diferente do de Hobson. Para ele, a exportação

de capitais, que leva ao imperialismo, corresponde a uma nova forma de capital, o financeiro, e se

dá na busca de altas taxas de lucro, já que o capital tem por objetivo o lucro e não os mercados.

Hilferding faz uma análise do imperialismo de seu tempo, notando algumas de suas

características. Uma delas é a expressiva presença das empresas das metrópoles nas colônias,

mais até do que o aparato governamental do país dominante. Essas empresas ganham tal

envergadura que chegam a gerar conflitos internacionais, como foi o caso da alemã Krupp e da

francesa Schneider, ambas da siderurgia, que, ao entrarem em rota de choque no Marrocos,

criaram um dos diversos conflitos entre os dois países que vão levá-los à guerra. Sobre a guerra

também, Hilferding faz uma relação entre o capital financeiro e o nacionalismo que se exacerba

entre os europeus nos anos anteriores ao conflito, mostrando como havia incentivo por parte

desses empresários aos ideais nacionalistas11.

Ele nota também que a competição entre os trabalhadores se torna internacional nesse

período, o que acaba por reduzir o poder dos sindicatos. O autor tem uma reflexão rica sobre os

conflitos sindicais, enxergando três fases nesse processo de luta: a do trabalhador contra o

empresário, a do empresário contra a organização operária e a das organizações patronais contra

as organizações operárias. Ele credita boa parte da perda do poder dos sindicatos dos

10 HILFERDING, Rufold. O Capital Financeiro. Coleção Os Economistas. São Paulo: Nova Cultural, 1985 [1ª ed. em alemão de 1910]. P. 27-9; 71-83; 203-16; 293-315. 11 Ibidem. p. 293-315; 317-27.

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trabalhadores ao surgimento e consolidação dessas organizações patronais12. Em seu enfoque

especial sobre o problema da organização, podemos fazer uma referência às reflexões de

Gramsci, apesar do pensador italiano não se reter muito sobre questões econômicas.

Por fim, Hilferding entende que os elementos constitutivos do imperialismo são a

expansão dos capitais, o protecionismo e o capital financeiro. Além disso, o próprio

imperialismo, contraditoriamente, mundializa as possibilidades da revolução socialista13.

Todas essas assertivas podem ser entendidas em sua dimensão histórica. Se a expansão de

capitais ocorria naquele momento, ela o fazia sob formas específicas, principalmente em

investimentos em infra-estrutura e empréstimos para essas obras; o protecionismo é uma

característica singular da mundialização de capitais daquele período, com colônias exclusivas e

altas tarifas alfandegárias de importação14; também o capital financeiro do período tem seu

caráter histórico, sob uma forma específica de união capitalista típica da ascensão de instituições

financeiras específicas naquele momento, os bancos; também o socialismo que se propunha

naquele momento tinha sua historicidade, dada pela parca ou nenhuma experiência socialista

anterior.

O economista e político russo Vladimir Ilich Ulianov, Lênin, escreveu uma pequena e

influente obra sobre o imperialismo, em que integrava basicamente as contribuições de Hobson e

Hilferding sobre o assunto, porém com algumas inovações. Lênin entende o imperialismo como

uma etapa superior ou suprema, de acordo com as diversas traduções, do capitalismo, etapa que

seria anterior ao socialismo, o que guarda certa teleologia. Para Lênin, é o capital monopolista

que explica o imperialismo e corresponde a ele. Esse capital monopolista, no entanto, parece

corresponder ao que Hilferding entende como o capital financeiro, dados os próprios exemplos

utilizados pelo autor russo. Ele cita o caso do Deutsche Bank, um dos 4-D dos bancos alemães15,

que tinha relação dominante com 87 instituições financeiras congêneres dentro e fora da

Alemanha no período. Esse e outros bancos alemães, franceses e ingleses dominavam o capital

bancário russo, o que mostra que o movimento de exportação de capitais e dominação financeira

12 Ibidem. p. 329-40. 13 Ibidem. p. 342-6. 14 Hobsbawm demonstra em seu livro sobre o período que a França não impôs com eficiência um sistema protecionista em seu império, controlando apenas 55% do comércio exterior de suas colônias, cifra inferior à alcançada pela potências rivais. Vide HOBSBAWM, Eric J. Era dos Impérios. op. cit. p. 87-124. 15 Sobre os grandes bancos alemães do século XIX, ver BRAGA, José Carlos de Souza. Alemanha: império, barbárie e capitalismo avançado. In: FIORI, José Luís (org.). Estados e Moedas no Desenvolvimento das Nações. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 191-203.

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não se estende apenas às colônias formais. O próprio autor cita a Argentina e Portugal como

semi-colônias, fortemente controladas pelo capital inglês16.

Referindo-se ao capital monopolista, Lênin cita tanto bancos como firmas industriais por

eles controladas. Assim, entende os ramos novos como os que têm capital mais centralizado, com

o caso emblemático da indústria elétrica, que teve o mundo dividido pela alemã AEG e pela

norte-americana GE17. O processo de altíssima centralização de capital em novas fronteiras do

capitalismo não é específico desse período e tem acontecido recorrentemente com as diversas

inovações tecnológicas, tendo o caso atual do monopólio mundial dos sistemas operacionais dos

computadores como exemplo paradigmático.

Para o autor russo, esses monopólios financeiros ganham tal dimensão que penetram o

Estado e o seu desenvolvimento é o vetor explicativo da divisão mundial de mercados18. Assim,

como a França tinha um capital financeiro mais desenvolvido que a Alemanha e os Estados

Unidos nos anos 1880, década inicial do imperialismo para Lênin, ela conseguiu mais colônias

que esses países, que depois vieram a superar tanto a França como a Inglaterra na produção

industrial e, em certa medida, no desenvolvimento das instituições financeiras.

Lênin também discorre sobre um fenômeno interessante ocorrido no período, o do

parasitismo. Ele mostra como nos países centrais, em função dos intensos fluxos de massas de

lucros das colônias, aumentou o número de pessoas que viviam de rendas, chegando esse

contingente à cifra de um milhão de pessoas na Inglaterra às vésperas da Guerra. Também

surgiam nos países colonizadores um grupo de operários de melhor padrão salarial que negociava

e tinha boas relações com o empresariado, um sindicalismo amarelo produzido por operários com

alto padrão de vida, o que em boa parte é decorrente do sobretrabalho adquirido da exploração

das colônias mundo afora19.

Enfim, Lênin entende o imperialismo como exportação de capitais realizada pelo capital

monopolista financeiro em busca de altas taxas de lucro e que, às vezes, vem associado à

ocupação territorial. Porém, como ele o entendia como uma etapa histórica do capitalismo, via

mais que isso. Para Lênin, seria imperialismo a ampliação da acumulação capitalista, com

16 LENIN, Vladimir Ilich. Imperialismo: fase superior do capitalismo. 3ª ed. São Paulo: Global, 1985 [1ª ed. de 1917]. p. 15; 20-2; 32-5; 50-2; 84-5; 87. Hobsbawm usa o termo ‘império informal’ para se referir a essas regiões sob a influência do capital inglês. Ver HOBSBAWM, Eric J. Era dos Impérios. op. cit. p. 87-124. 17 Ibidem. p. 66-70. 18 Ibidem. p. 71-4; 80. 19 Ibidem. p. 100-4.

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exportação de capitais e fusão do capital bancário com o industrial; novo arranjo das classes

dominantes; nova forma de extrair sobretrabalho; organização política característica, a social-

democracia20.

A obra da alemã Rosa Luxemburgo sobre a acumulação de capital tem uma hipótese

própria sobre o imperialismo e a expansão da economia capitalista internacional. Muito

influenciada por Hobson, ela entende o imperialismo como uma busca de mercados decorrente do

subconsumo nas economias centrais. Para a autora, a acumulação capitalista necessita de

produtores e consumidores não-capitalistas, o que fez com que as empresas dos países centrais

buscassem em regiões não-capitalistas a reprodução de seu capital, utilizando ali o trabalho não-

assalariado e/ou não-livre. A partir dessa reflexão, a autora refaz os conceitos de mercado interno

e externo. Mercado interno seria o ambiente social em que prevaleceria o mesmo modo de

produção; assim, os operários alemães consumindo produtos industrializados ingleses fazem-no

em um mesmo mercado, em um mercado interno. Mercado externo seria um mercado com outro

modo de produção; os camponeses alemães comprando tecido industrializados produzidos no

Vale do Ruhr alemão são um mercado externo da economia capitalista alemã21.

A argumentação da marxista alemã é rica e interessante, dando conta da realidade de

processos históricos, mas esbarra em questões teóricas. Por mais que sua análise corresponda ao

que ocorreu na África e Ásia, com empresas européias utilizando trabalho não-capitalista e

vendendo alguns produtos a consumidores não-assalariados e não-capitalistas, não há porque isso

ser uma lei histórica e nada impede que o contrário aconteça. Não há impedimento lógico para

que essas empresas e esses investidores utilizem formas capitalistas de produção ou vendam seus

produtos para consumidores em uma economia capitalista. Por mais que sua argumentação dê

conta dos processos históricos reais, tais quais ocorreram em seu tempo, não há por que pensar

que eles têm que ser assim, não há por que imaginar que economias capitalistas necessitam de

economias não-capitalistas na produção e no consumo.

Durante o período do imperialismo clássico, o Brasil não ficou de fora do processo de

mundialização do capital sob o predomínio de sua forma financeira. A economia brasileira teve a

função de escoadouro dos capitais dos países capitalistas centrais, mesmo que as relações de

produção dominantes no país não fossem majoritariamente assalariadas livres. Se a empreitada

20 FONTES, Virgínia. O Imperialismo, de Lênin aos dias atuais. In: Revista Outubro. Rio de Janeiro: 2007. p. 1-30. 21 LUXEMBURG, Rosa. A Acumulação de Capital: contribuição do estudo econômico do imperialismo. 2ª ed. Coleção Os Economistas. São Paulo: Nova Cultural, 1985 [1ª ed. de 1912]. p. 251.

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imperialista utilizava quatro justificativas – superioridade racial, levar a civilização aos povos

bárbaros, redistribuição mundial das riquezas minerais e naturais, além da evangelização22 –, os

investimentos estrangeiros no país vieram sob a desculpa da modernização, discurso que era

absorvido inclusive por frações das classes dominantes locais. Enquadram-se no caso brasileiro

as formas de investimentos arroladas por Hobson, tais quais investimentos em ferrovias, portos,

bondes, eletrificação urbana, abastecimento de água, gás e esgoto e outros. Ou melhor, as

inversões de capitais se focavam nos investimentos em infra-estruturas, principalmente as

urbanas.

Caso emblemático da análise do processo de inserção da economia brasileira na lógica do

imperialismo clássico é a dissertação de mestrado de Oswaldo Porto Rocha sobre as reformas

urbanas Rodrigues Alves / Pereira Passos. O autor subsume as reformas na antiga capital federal

à dinâmica do imperialismo, tal qual elaborado por Lênin. Nesse modelo e conforme o caso

estudado, bancos dos países centrais – no caso, um consórcio de bancos liderado pela tradicional

casa Rothschild, de Londres – emprestam dinheiro para governos de países periféricos, que

contratam serviços de empresas dos países centrais para a modernização das cidades e da

economia. Quem paga as obras acaba sendo a população do país periférico com o seu trabalho e

com os impostos23. O modelo é plenamente compatível com o processo histórico vivido no Rio

de Janeiro entre 1902 e 1906, dado que, dentre outras, a obra principal das reformas e que mais

necessitou de verbas foi a remodelação do porto da cidade, construção que demorou décadas para

ser plenamente concluída.

É possível agora fazer uma conclusão prévia sobre o que se entende por esse imperialismo

clássico. Não concordamos com a idéia de que o imperialismo seja uma busca de mercados

ocorrida em função do subconsumo das economias dos países centrais. As crises capitalistas são

geradas pelo excessivo investimento em capital constante – meios de produção –, maiores que os

investimentos em capital variável – salários dos trabalhadores – necessários à manutenção de um

alto e crescente padrão de consumo, o que leva à tendência decrescente das taxas de lucro24. O

capital se move em função do lucro e não imediatamente do mercado, buscando sempre as taxas

mais altas possíveis. É em função da taxa decrescente do lucro e das busca de taxas mais altas

22 FALCÓN, Francisco Calazans; MOURA, Gerson. A Formação do Mundo Contemporâneo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Pallas, 1977. p. 90-2. 23 ROCHA, Oswaldo Porto. A Era das Demolições: cidade do Rio de Janeiro, 1870-1920. 2a ed. Coleção Biblioteca Carioca. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, 1995. p. 98-9. 24 Idéia extraída de HILFERDING, Rufold. O Capital Financeiro. op. cit. p. 203-16.

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alhures que o capital se expandirá para além dos limites de seus países de origem, chegando à

Ásia, África, Oceania, América Latina, Rússia e outras localidades entre aproximadamente 1870

e 1914.

O dilema entre a busca de lucro e mercado pelo capital deve ser visto como um falso

problema, já que, se o capital busca sempre a maximização dos seus lucros, em uma sociedade

capitalista e com produção de mercadorias, o mercado é um intermediário necessário para a

realização da produção, portanto, para a geração da mais-valia e do lucro. Assim, o capital está

sempre buscando maiores taxas de lucro e também mercados para a realização da sua produção

de mercadorias, já que o mercado é o meio para o lucro e o próprio lucro é um fim em si. Dizer,

no entanto, que o capital tem o mercado como um fim é um engano, visto que é através do

mercado que ale atinge o seu objetivo, que é a aquisição do lucro.

A reflexão de Rosa Luxemburgo de que a produção capitalista é subconsumista, ou

melhor, produz e não gera o mercado suficiente para a absorção da própria geração de

mercadorias, é válida, mas não é essa a real causa das crises, que deve ser encontrada na

superprodução e superacumulação de capital e na tendência gradual da queda das taxas médias de

lucro. Pior ainda é dizer que o capitalismo é dependente de uma produção prévia e de uma

realização no mercado em contextos e mercados não-capitalistas é totalmente desprovido de uma

explicação teórica mais sólida, apesar de algumas evidências históricas poderem ser apresentadas.

Esse movimento de expansão do capital, ao qual chamamos de imperialismo, existe em

função do estabelecimento de uma nova forma de capital, o financeiro, pela fusão do capital

bancário e da industrial, com predomínio do primeiro. Essa nova situação, hegemonia de uma

nova forma de capital e expansão do mesmo pelo mundo, remete a outros processos no mesmo

período: novo arranjo das classes dominantes – com tendência à diminuição dos conflitos entre os

diferentes tipos de capital, por conta de sua união no capital financeiro –, uma nova relação entre

classes sociais nos países imperialistas, uma nova forma de organização política nesses mesmos

países, além de outras características já anteriormente explicitadas.

A dominação política e territorial subjacente ao imperialismo clássico é uma decorrência

da dominação econômica, ou melhor, da exportação de capitais. Prova disso é a presença muito

maior das empresas nas áreas dominadas do que dos próprios aparatos governamentais das

metrópoles, fazendo com que as companhias tivessem poder de Estado em certas ocasiões e

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localidades25. Portanto, a dominação econômica precede, logicamente e em importância, a

dominação política, apesar de não a preceder historicamente.

Esse entendimento do imperialismo abre margem para a ampliação do conceito. Se o

imperialismo clássico é basicamente exportação de capitais que, em parte, mostrou-se associado à

dominação política e territorial, é possível ver exportação de capitais – e, portanto, imperialismo

– em outros períodos históricos, mesmo que assentado em outras condicionantes históricas. O

imperialismo pode ser compreendido como uma característica específica da lógica do capital, a

de sua expansão e tendência à mundialização, que assume diversas tonalidades e características

históricas, sendo uma do imperialismo clássico a associação à dominação militar. A partir dessa

conceituação, é possível entender o imperialismo como um fenômeno com diversas fases desde

sua eclosão no último quartel do século XIX até os dias atuais, guardando suas diferentes

características históricas específicas.

O entendimento das diferentes fases do imperialismo deve vir associado à compreensão

das diversas conjunturas da evolução da economia capitalista internacional. Para isso, a utilização

dos ciclos da economia capitalista – como o de Kondratieff, dentre outros – pode ser uma

ferramenta útil.

A análise dos ‘ciclos de negócios’ (business cicles, como nomeada pelo economista

Joseph Schumpeter) da economia capitalista foi criada pelo economista russo Nikolai Kondratieff

em um período pouco posterior à Revolução de Outubro e ele acabou sendo morto nos campos de

trabalho forçado de Stalin. Assim como os congêneres de Juglar e outros, tenta dar conta do

caráter cíclico da economia capitalista, alternando ciclos A, de expansão econômica, e B, de

depressão econômica. Essas ondas duram juntas, A e B, um total de aproximadamente 50 ou 60

anos, sendo 25 a 30 anos para cada uma. Imbuído dessas reflexões, Kondratieff conseguiu prever

que a década de 1920 apresentaria problemas para a economia capitalista internacional e que a

década de 30 seria plenamente depressiva, o que de fato ocorreu. Essas conjunturas se devem na

explicação do cientista marxista russo, à própria dinâmica da economia capitalista e da tendência

à queda das taxas de lucro26.

25 Fálcon e Moura descrevem esse processo de maneira sintética: FALCÓN, Francisco Calazans; MOURA, Gerson. A Formação do Mundo Contemporâneo. op. cit. p. 90-100. 26 Uma apresentação interessante sobre as diferentes formas de ciclos econômicos pode ser encontrada em CARDOSO, Ciro Flamarion Santana; BRIGNOLI, Héctor. Métodos da História. 6a ed. Rio de Janeiro: Graal, 2002. p. 268-80.

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Os ciclos são importantes para a análise do capitalismo porque as economias parecem se

reorganizar a cada onda dessas, assumindo novas características e formas de acumulação de

capital, apesar de não modificar o cerne a exploração burguesa, com o trabalho assalariado livre e

a extração da mais-valia. Assim, com a depressão verificada na década de 1870, os governos dos

diversos países europeus passaram a adotar altas taxas de importação de mercadorias estrangeiras

e encetaram vigorosas políticas protecionistas27. Após a crise de 1929, houve grandes

modificações nas políticas de intervenção econômica e na atuação do Estado nas economias

nacionais, com a inauguração de práticas de planejamento e políticas de pleno emprego, em

especial a partir do caso norte-americano28. Com o ciclo depressivo inaugurado na década de 70

do século XX, uma nova forma de política fiscal, monetária e cambial passou a preponderar nos

países capitalistas, o neoliberalismo29.

Apesar de seu caráter dificilmente questionável, muitos duvidam especificamente do ciclo

de Kondratieff por não apresentar uma explicação esmiuçada do motivo pelo qual eles ocorrem.

Josep Fontana os considera fantasiosos e vê-os como uma explicação irracional da evolução da

economia capitalista30. Hobsbawm defende os ciclos, afirmando que, apesar de não terem sido

satisfatoriamente explicados ou analisados por ninguém, são ondas inquestionáveis das

economias capitalistas31. Além de dividir seus livros de síntese sobre o século XIX, as Eras, de

acordo com esses ciclos, ele próprio previu a crise de 1973 no epílogo de um livro de 196832.

Outro historiador marxista de grande expressão que defende a utilização da análise dos

ciclos e das conjunturas nos trabalhos de história é Pierre Vilar. Em seu livro sobre a história

monetária moderna, atenta para os diversos ciclos de expansão e restrição vividos no período,

afirmando que o pesquisador deve se questionar sobre quais grupos sociais são prejudicados ou

beneficiados em um dado ciclo conjuntural. Citando Ernest Labrousse, ele entende que todo

27 Sobre isso, ver HOBSBAWM, Eric J. Era dos Impérios. op. cit. p. 57-85. 28 Ver HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 90-112. 29 Ver ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir (org.). Pós-Neoliberalismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 9-23. 30 FONTANA, Josep. História: análise do passado e projeto social. Bauru, SP: EdUSC, 1998. p. 217-32. 31 HOBSBAWM, Eric J. O que a história tem a nos dizer sobre a sociedade contemporânea. In: Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 36-48. 32 HOBSBAWM, Eric J. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1983 [1ª ed. em inglês de 1968]. p. 293-301.

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12

estudo histórico deve ter em conta a conjuntura e a fase por que passa a sociedade no ciclo

conjuntural33.

A importância da utilização das flutuações econômicas para o estudo do imperialismo se

explica pelo entendimento da própria fase em que vive a economia capitalista e o processo de

expansão e mundialização do capital. Se entendemos o imperialismo como o processo de

expansão geográfica e internacionalização do capital e se algumas características da economia

capitalista se modificam com os períodos cíclicos, o próprio imperialismo também se modifica.

Os ciclos econômicos podem ser vistos como condicionantes gerais dos movimentos do

imperialismo. Nas fases de retração, a integração da economia capitalista internacional e o

movimento expansivo dos capitais pelo mundo parecem ter sofrido uma contração em escala

relativa quando comparados à expansão verificada nos períodos expansivos. Não à toa chamamos

de imperialismo clássico o período que vai aproximadamente da década de 1890 a 1914, a era das

multinacionais do período pós-guerra até os anos 1970 e a ‘globalização’ o período vivido após

os anos 1990, todos esses períodos ascendentes ou A nos ciclos de Kondratieff.

Entendemos que é exatamente esse caráter cíclico da economia capitalista que nos conduz

a entender o imperialismo apenas no período até a Primeira Guerra. A tendência à expansão e

internacionalização é orgânica do capitalismo e ela se mostrou de diversas formas ao longo de

sua história. Imbuído das especificidades em cada período cíclico, podemos entender o

imperialismo como esse processo de exportação de capital que se mostrou de diferentes formas

nos diferentes ciclos da economia capitalista.

Na história brasileira ao longo do século XX podem ser vistos esses diferentes formas

singulares da expansão do capital. O período entre 1914 e 1940/1945 pode ser considerado um

período de relativa latência do imperialismo, com a crise das economias européias, as principais

investidoras de capital no Brasil, e a ascensão dos EUA como principais exportadores de capital

para o país. Octavio Ianni afirma que o período entre 1914 e 1964 é o de lenta passagem do

Brasil da área da libra esterlina para a do dólar34, o que é questionável, visto que desde a própria

vigência da Segunda Guerra o país já estava mais fortemente vinculado aos capitais norte-

americanos, sendo um caso emblemático disso o empréstimo do Eximbank para a construção da

33 VILAR, Pierre. Ouro e Moeda na História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980 [1ª ed. em francês de 1969]. p. 53-9. 34 IANNI, Octavio. O Colapso do Populismo no Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. passim.

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13

usina siderúrgica de Volta Redonda35. Esse caráter de latência foi utilizado por Maria Conceição

Tavares para explicar a industrialização brasileira no período como tendo um caráter de

‘substituição de importações’, termo criticado por Francisco de Oliveira36.

O que se nota é que na fase do imperialismo clássico, as exportações de capital

praticamente se limitavam a investimentos em infra-estrutura, o que não aconteceu no período

inaugurado no pós-2ª Guerra. Nesse período, a aparência mais evidente das exportações de

capital é a realizada em investimentos industriais diretos, com montagens de fábricas para venda

naquele mercado e com remessa de lucros para a matriz37. Apesar de o período clássico dessa

forma de investimento se dar a partir do governo Juscelino Kubitschek, algumas breves

expressões desse movimento se mostraram anteriormente. Isso aconteceu, por exemplo, com a

montagem das fábricas Belgo-Mineira, em Sabará, e cimentos Portland, em São Gonçalo, nos

anos 1920 com capitais estrangeiros38. Parece que nesse período restritivo, o fluxo de capitais

para o Brasil se restringiu, mas já mostrou diferenciação nos investimentos, com alguns casos de

montagem de indústrias no Brasil. Esse processo, no entanto, iria se consolidar com a expansão

capitalista vivida no período A, iniciado a partir de 1940, com a chegada de diversas

multinacionais que instalam principalmente fábricas de bens de consumo duráveis no ABC

paulista39.

Uma comprovação de que essas empresas faziam seus investimentos estrangeiros para

obter maiores taxas de lucro é fornecido por Paul Singer. Esse autor nota que os lucros mais altos

das empresas norte-americanas na América Latina eram no Brasil, na época do “milagre”,

chegando a uma cifra de lucro da ordem de 14,3%, muito mais altas que o lucro obtido na

35 Sobre isso, ver o mesmo autor em Estado e Planejamento Econômico no Brasil. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986. p. 28-82. 36 TAVARES, Maria da Conceição. Da Substituição de Importações ao Capital Financeiro. 7ª ed. Campinas: EdUNICAMP, 1978. p. 27-124; e, para a crítica, OLIVEIRA, Francisco de. A Crítica da Razão Dualista. O Ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003. p. 35-60. 37 Eric Hobsbawm vê três características no processo de transnacionalização vivido no período do pós-guerra: a emergência das transnacionais, uma nova divisão internacional do trabalho e o aumento do financiamento offshore (externo). HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 153-81. 38 IGLÉSIAS, Francisco. A Industrialização Brasileira. 2ª ed. Coleção Tudo é História. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 75-88. 39 Sobre a montagem das instalações industriais das companhias estrangeiras no governo JK, ver MENDONÇA, Sônia Regina de. Estado e Economia no Brasil: opções de desenvolvimento. Rio de Janeiro: Graal, 1985. p. 39-68.

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14

matriz40. Da mesma forma, quando a Ford passou por percalços na década de 1980, o que deu

forças à empresa foi a sua repartição mais lucrativa, a Ford Internacional41.

A partir dos anos 1970, no entanto, emerge um processo diferente do que já ocorrera

anteriormente: empresas brasileiras passam a exportar capitais, o que constitui uma novidade para

um país que sempre foi escoadouro de investimentos externos. Nesse período, empresas

financeiras, de indústria de construção e a Petrobrás fazem investimentos no exterior,

principalmente na América do Sul e outros países chamados ‘subdesenvolvidos’. A tendência

ganha força na década de 1990 e 2000, quando a internacionalização das empresas brasileiras

alcança diversos setores da economia e se torna um elemento não mais marginal da economia

mundial. A crescente exportação de capitais por firmas brasileiros chegou ao ápice em 2006,

quando os investimentos brasileiros no exterior superaram os investimentos de empresas

estrangeiras no Brasil, o que se deve em grande medida à compra da canadense Inco pela

Companhia Vale do Rio Doce42.

As explicações para esse processo de expansão das companhias brasileiras para o exterior

foram muitas, mas uma ganhou maior projeção que outras a de Ruy Mauro Marini43. Baseando-se

nas reflexões de Caio Prado Jr. e Rosa Luxemburgo, Marini entende que devido à falta de

mercado interno na década de 70, as empresas brasileiras resolveram buscar outros mercados em

ambientes em que teriam competitividade, outros países periféricos. No desenvolvimento lógico

proposto pelo autor, países como os latino-americanos acumularam pouco excedente, devido à

subordinação econômica às potências imperialistas centrais, o que fez com que essas nações não

tivessem recursos para se desenvolver, não criando um mercado consumidor nacional, o que

explica a industrialização incipiente vivida nesses locais. Diante desse quadro, os capitais desses

países, em especial os do Brasil, buscam mercados em países vizinhos. Logo, a questão central

para Marini é a da limitação estrutural do mercado consumidor.

40 SINGER, Paul Israel. A Crise do “Milagre”. : interpretação crítica da economia brasileira. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. p. 65-76. 41 Quem traz esse dado é LANDES, David. Dinastias: esplendores e infortúnios das grandes famílias empresariais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. p. 113-46. 42 Um painel geral sobre os IDE – investimentos diretos no exterior – por parte das empresas brasileiras se encontra no artigo TAVARES, Márcia. Investimento Brasileiro no Exterior: panorama e considerações sobre políticas públicas. Santiago: CEPAL / ONU, 2006. p. 1-58. Sobre o caso específico das construtoras, ver CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Origens da internacionalização das empresas de engenharia brasileiras. In: Diálogos & Aproximações: seminário dos pós-graduandos em História da UFRJ. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS/PPGHIS, 2008. p. 1-11. 43 MARINI, Rui Mauro. Dialética da Dependência: uma dialética da obra de Ruy Mauro Marini. Petrópolis / Buenos Aires: Vozes / Clacso, 2000.

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15

Essa explicação se baseia nas tese subconsumista, na qual a produção capitalista tende

sempre a crescer às custas da pauperização da classe operária, o que a priva do mercado

consumidor. Para superar esses entraves, os capitais deixam seus países em busca de mercados

consumidores em regiões ou países ‘pré-capitalistas’. Esse entendimento do imperialismo feito

por Rosa Luxemburgo foi criticado por Lênin no “Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia”,

livro em que o economista russo defende que o imperialismo se deve à busca de altas taxas de

lucro no exterior44, como já havia sido reiterado anteriormente.

É certo que a produção capitalista gera a pauperização relativa da classe trabalhadora,

visto que sua reprodução se dá de maneira desigual, por conta da extração da mais-valia. Porém,

como vimos, o problema é o excessivo investimento em capital constante em desproveito dos

recursos empenhados no capital variável, o que leva ao decréscimo das taxas de lucro. O

imperialismo se dá não pela escassez de mercado, mas pelo excesso de capital para se investir,

sobretudo em capital constante, o que leva à exportação de capitais para outras regiões. As

empresas brasileiras se internacionalizaram devido à sua própria robustez e ao excesso relativo de

capital que havia no país. Ou melhor, a exportação de capitais por empresas brasileiras se dá

menos por deficiências na economia e no mercado do país e mais por qualidade e vigor dos

capitais nacionais. O processo pode ser chamado de imperialismo, visto que se baseia na

exportação de capitais com o objetivo de se alcançar altas taxas de lucro, apesar de termos em

mente que há uma série de especificidades nessa internacionalização em relação ao imperialismo

de passagens dos séculos XIX para o XX.

Ruy Mauro, além de ter criado o principal modelo explicativo para analisar o

imperialismo brasileiro nascente de seu tempo, delineou em sua obra ‘Subdesarrollo y

Revolución’ a tese da superexploração dos trabalhadores dos países subdesenvolvidos, pois estes

trabalham para gerar os lucros imperialistas e também os lucros de seus empregadores nacionais.

Assim, o proletariado do chamado ‘Terceiro Mundo’ seria duplamente expropriado, tanto pelos

capitais das potências imperialistas centrais, como pelo capital nacional ou capital nacional

associado. Esse duplo fardo fica expresso nas condições de vida e trabalho da classe trabalhadora

nesses países periféricos. A superexploração dos trabalhadores seria ainda um agravante na

44 A exposição desse debate foi realizada por MANTEGA, Guido; MORAES, Maria. A economia política brasileira em questão, 1964-75. In: Cadernos do Presente. São Paulo: Aparte, 1978. p. 16.

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formação de mercados consumidores nesses países, que já tinham a tendência a apresentar um

caráter restrito45.

Uma primeira especificidade do imperialismo que começa a tomar forma na fase restritiva

desse ciclo é a participação de capitais de países não-centrais da economia mundial. Assim,

Márcia Tavares nota que os investimentos diretos no exterior feito por países ditos

subdesenvolvidos é crescente nas últimas décadas, mostrando ser mais pronunciado na Ásia, com

grande exportação de capitais feita pela China e pela Índia46. Se os primeiros sinais de

imperialismo por parte dessas nações se mostram nos anos 70, é a partir dos anos 1990 que a

tendência se mostra mais forte, a partir do início de uma fase de expansão da economia capitalista

internacional, de uma fase A de um novo ciclo do capital.

Uma outra característica desse imperialismo é que a expansão das empresas de capital

funcionante está subsumido ao controle do capital financeiro, esse sempre mais poderoso nos

países centrais. Daí, ocorre com o imperialismo brasileiro, por exemplo, o que é uma espécie de

lógica espiral do império, já que o imperialismo brasileiro muitas vezes serve a outros, como o

norte-americano. O processo se dá da seguinte forma: para as empresas industriais brasileiras

investirem no exterior, muitas vezes o financiamento dos empreendimentos são feitos por uma

carteira de empréstimos em que são majoritários como credores os bancos norte-americanos,

europeus e japoneses. Mesmo quando o capital bancário brasileiro participa do processo de

internacionalização, sua inserção, muitas vezes, pode ser considerada dependente. O Banco do

Brasil e o BNDES financiam projetos de empresas brasileiras no exterior, conseguindo, com isso,

uma parcela dos lucros desses empreendimentos, que ficam expressos nos juros. Porém, os lucros

dessas duas estatais são em boa parte desviados, na política econômica adotada nos últimos anos,

para o chamado superávit primário com o objetivo de pagar a dívida pública brasileira. Como os

maiores credores da dívida brasileira continuam sendo bancos estrangeiros, como o National

CitiBank – o maior credor da dívida brasileira – e o BankBoston – o segundo –, parte do lucro

dessas duas empresas bancárias vai para instituições financeiras dos chamados países

desenvolvidos. Daí, podermos chamar a internacionalização das empresas brasileiras inserida em

45 MARINI, Ruy Mauro. Subdesarrollo y Revolución. México: Siglo Veintiuno, 1969 apud MANTEGA, Guido. A Economia Política Brasileira. 5ª ed. Petrópolis: Vozes, 1990. p. 261-81. 46 TAVARES, Márcia. Investimento Brasileiro no Exterior. op. cit. p. 1-58.

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17

uma certa lógica espiral do império47, visto que boa parte de seus frutos é direcionada para

instituições financeiras dos países centrais.

O vigor maior do imperialismo brasileiro se dá em uma nova conjuntura da economia

internacional, inaugurada na década de 1990. O ano de 1991 é um grande marco na história

mundial e na geopolítica global. A queda da União Soviética fortaleceu o capital internacional e

consolidou as políticas neoliberais que vinham sendo implantadas em alguns países do mundo.

No âmbito geopolítico, poderíamos dizer que 1991 representou para os Estados Unidos algo

similar ao que fora 1815 para a Inglaterra, feitas todas as ressalvas históricas. Em 1815, o

exército inglês tem a vitória sobre seu grande arqui-rival, deixando o país sem concorrentes por

aproximadamente meio século. Em 1991, a queda da URSS faz dos EUA a única grande potência

econômica e militar do planeta, abrindo-se um período sem oponentes em curto prazo ou, no

dizer dos estudiosos de relações internacionais, inaugurando um mundo “sem segundo lugar”.

Porém, em 1815, outras pequenas potências pareciam promissoras, como a Prússia, a Rússia, os

EUA e a própria França e, também em 1991, alguns Estados parecem poder representar certa

rivalidade futura para os norte-americanos, como a China, a Índia, a Rússia e, talvez, o Brasil.

A instauração da ordem de uma única potência e a imposição de práticas imperiais típicas,

como a invasão de Estados soberanos à revelia dos protestos de outras nações e da interdição nos

órgãos multilaterais levou diversos autores a se reter no chamado imperialismo militar, territorial

e político. Ellen Meiksins Wood centra a sua análise do imperialismo contemporâneo no poderio

geopolítico e militar norte-americano nos dias atuais, não se atendo à nova organização do capital

ou na nova configuração dos processos de exploração e dominação do trabalho. A autora não

confere muita importância à queda da União Soviética e destaca que desde 1945, foram criadas

instituições para fazer funcionar o novo imperialismo e, desde então, a política externa norte-

americana sempre foi a de almejar a hegemonia mundial. Ela dá relevância à manutenção de

tropas norte-americanas ao redor do planeta, contabilizando aproximadamente 140 países onde as

forças armadas dos EUA mantêm efetivos militares. Nesse imperialismo norte-americano, o

complexo industrial-militar e a indústria do petróleo têm grande importância, apesar de a autora

entender que nessa nova configuração imperial, a dominação econômica é predominante sobre a

47 Um autor que se refere a uma estratificação e hierarquização imperial entre os países sob outro viés é PETRAS, James. Jerarquias Imperiales: el caso de Somália. In: www.revolutas.com.br, acessado em 15 de abril de 2008. p. 1-10.

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dominação extra-econômica, fazendo com que o imperialismo funcione melhor sem ocupação

militar48.

A abordagem de um imperialismo de face territorial e militar já havia sido abordado por

outros autores, como Baran e Sweezy49, que destacavam desde o fim da II Guerra a proliferação

de bases militares norte-americanas pelo mundo. Porém, a predominância quase absoluta dos

EUA pós-1991 correspondem a uma nova organização do capital e a uma nova forma de

expansão internacional que devem ser analisadas. O imperialismo da atualidade é marcado pela

vigência de um certo capital financeiro de novo tipo, o que foi analisado por Virginia Fontes.

Para a autora, o capitalismo de hoje tem o predomínio do capital monetário sobre o

funcionante. Essa separação já existia no tempo de Lênin, quando esse autor se referia ao capital

monopolista financeiro, porém ela se incrementou muito desde então. Esse capital retira dos juros

parte do lucro gerado no processo de produção sob a forma D-d-M-d’-D’, sendo seu objetivo o de

diminuir cada vez mais o tempo de valorização do valor, tendendo a se aproximar de um fictício

D-D’ sem a intermediação do trabalho humano. Esse capital monetário, que é tido por Marx

como a forma mais avançada de capital, mostra-se sob novas formas no dia atual e não mais sob a

forma típica dos bancos. São fundos de pensão, fundos cambiais e fundos financeiros diversos

que são os grandes credores e investidores do capital funcionante, que de fato produz e gera mais-

valia50. Essas novas formas de capital monetário são também proprietárias de empresas

industriais e de outros ramos. Caso conhecido é o da CVRD, segunda maior empresa e

multinacional brasileira, que tem como maior acionista o Previ, fundo de previdência dos

funcionários do Banco do Brasil, sendo os outros acionistas o banco Bradesco, o BNDESpar e o

conglomerado financeiro japonês Mitsui, todos representativos do capital financeiro.

A essa nova forma de organização do capital corresponde toda uma reorganização da vida

social e do próprio trabalho. A acentuação do caráter mundial da produção e também a

participação de membros dos sindicatos nos conselhos desses fundos financeiros resultaram em

uma desmobilização dos sindicatos e de organizações das classes subalternas. Apesar da

propaganda ideológica de massificação do mercado de ações para toda a população, com o

48 WOOD, Ellen Meiksins. Empire of Capital. London: Verso, 2003. p. IX-XIII; XV-XVI; p. 1-7; 118-42. 49 BARAN, Paul; SWEEZY, Paul. O Capitalismo Monopolista: ensaio sobre a ordem econômica e social americana. Rio de Janeiro: Zahar, 1966. p. 180-217. 50 FONTES, Virgínia. O Imperialismo, de Lênin aos dias atuais; nos 90 anos da Revolução Russa. In: Revista Outubro. Rio de Janeiro: 2007. p. 1-30; FONTES, Virgínia. Marx, expropriações e capital monetário – notas para o estudo do imperialismo tardio. In: Crítica Marxista. No 26. Campinas: 2008. p. 1-29.

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crescimento da compra de ações da própria empresa por seus empregados, essa pulverização do

capital sob a sua forma acionária corresponde à acentuação da concentração da propriedade das

condições da produção capitalista51.

O novo consenso é gerado não mais pela social-democracia, como acontecia tipicamente

no imperialismo analisado por Lênin, mas pelas práticas filantrópicas – aí incluídas as ONGs – e

pelas novas igrejas e seitas religiosas, que estão imbuídas de uma ideologia mercantil-

filantrópica. Essa ideologia tem a sua representação máxima na chamada ‘terceira via’ e na

responsabilidade social do empresariado. A autora entende também que a rapidez da forma de

capital D-D’ invade a vida social, influindo nas relações amorosas, familiares, geracionais e ainda

se fazendo pesar sobre a linguagem e a subjetividade52.

O novo caráter mais mundializado ainda do capital tem um efeito perverso sobre os

trabalhadores, em especial a das regiões periféricas do planeta. A mobilidade das empresas é

tanta que crises de desemprego são geradas pela evasão de fábricas e regiões passam rapidamente

da prosperidade à crise social sem qualquer perda substancial por parte dos empresários. Fontes

chega a afirmar que a mobilidade é tão grande que parece indicar uma desvalorização relativa do

capital constante. Além disso, as perdas dos direitos trabalhistas, que se relacionam diretamente

às políticas neoliberais, vêm acompanhadas de seguidas crises econômicas, o que não põe em

xeque a economia capitalista, mas dramaticamente pode retirar mais direitos e conquistas dos

trabalhadores53.

Esse novo imperialismo que mostra seus primeiros indícios nos anos 1970 se apresenta

com todo o seu vigor a partir da década de 1990, quando é iniciado um novo ciclo expansivo da

economia capitalista mundial. A primeira década do século XXI tem mostrado ser de ampla

expansão econômica, apesar de mostrar novos focos de crescimento e de manter as tradicionais

crises, como a vivida atualmente. Tudo leva a crer que o final da década e o decênio posterior

serão de plenas condições para a reprodução do capital. Porém, como lembra Hilferding, além

das crises localizadas, comuns na economia capitalista, há também os ciclos depressivos,

desencadeados por amplas crises econômicas, nada comparáveis às vividas em 1997 e 1998

Ultimamente, o capital tem alcançado um caráter mundial inédito na história humana, além de

51 FONTES, Virgínia Maria Gomes de Mattos. O Imperialismo... op. cit. p. 1-30; FONTES, Virgínia Maria Gomes de Mattos. Marx, expropriações... op. cit. p. 1-29. 52 FONTES, Virgínia Maria Gomes de Mattos. O Imperialismo... op. cit. p. 1-30. 53 FONTES, Virgínia Maria Gomes de Mattos. O Imperialismo... op. cit. p. 1-30; FONTES, Virgínia Maria Gomes de Mattos. Marx, expropriações... op. cit. p. 1-29.

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políticas econômicas de desregulação do capital praticadas pelos bancos centrais e outros órgãos

de regulação econômica, o que pode vir a ser um agravante para o futuro período depressivo.

Como o imperialismo do século XIX mundializou o potencial da luta socialista semeando, por

exemplo, na Ásia de ideais de transformação social e superação do capitalismo, o imperialismo do século

XXI, ainda mais globalizado, pode favorecer a luta dos povos por um mundo em que vigore mais a

liberdade e a igualdade. Para a concretização desse objetivo, pode ser importante como condicionante

geral um cenário de crise aberta e depressão da economia capitalista internacional, o que pode ser o

ambiente vivido nos próximos anos ou décadas.

Conclusão:

Esse artigo tentou percorrer a história do imperialismo desde as últimas décadas do século

XIX, acessando uma bibliografia específica que analisou as diversas fases do imperialismo em

sua história. Nesse momento, é possível recuperar uma passagem de um texto de Marx e Engels:

A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, portanto as relações de produção, e por conseguinte as relações sociais. [...] A transformação contínua da produção, o abalo incessante de todo o sistema mundial, a insegurança e o movimento permanentes distinguem a época burguesa de todas as demais. As relações rígidas e enferrujadas, com suas representações e concepções tradicionais, são dissolvidas, e as mais recentes tornam-se antiquadas antes que se consolidem. Tudo que era sólido desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado. [...] A necessidade de mercados sempre crescentes impele a burguesia a conquistar o globo terrestre [...] Pela exploração do mercado mundial, ela imprime um caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países do mundo.54

Essa citação auxilia de duas formas. Em primeiro lugar, os dois autores deixam claro que é uma tendência

do capital se expandir e mundializar na tentativa de alcançar maiores taxas de lucro, no que a produção

acaba gerando mercado em diversas partes do globo – quando os autores se referem à busca de mercados,

evidenciam uma forma típica da expansão do capital no período analisado, ainda meados do século XIX, o

da exportação de produtos industrializados, em busca de mercados. A partir disso, podemos entender que

o imperialismo é uma conseqüência estrutural da produção capitalista, dada sua tendência expansiva. Em

segundo lugar, o escrito marxiano mostra como a produção burguesa tende a se transformar e revolucionar

54 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto Comunista 150 Anos Depois. Rio de Janeiro / São Paulo: Contraponto / Fundação Perseu Abramo, 1998. p. 11.

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constantemente, adotando novas formas e aparências, apesar de manter o princípio da expropriação do

sobretrabalho dos empregados assalariados. Não há porque pensar que a sua expansão internacional do

capital segue uma lógica distinta. A tendência à mundialização é típica do capital e, tal como ele, tende a

se transformar constantemente. Assim, podemos entender o imperialismo como fenômeno de expansão e

mundialização da economia capitalista caracterizado pela exportação de capitais em busca de maiores

taxas de lucro e que se mostra de diferentes formas ao longo de sua história.

Nesse sentido, a batalha mais importante a ser travada não é a defesa do termo imperialismo como

um conceito capaz de ser utilizado em diferentes períodos históricos, mas o de mostrar que a lógica do

capital de se expandir mundialmente, via exportação de capitais, é parte de seu funcionamento e adota

diferentes características específicas em cada conjuntura histórica. Havendo concordância nesse ponto, o

debate sobre a melhor nomenclatura pode ganhar ares menos polêmicos.