o impacto do desenvolvimento industrial nas relações...

169
Reginaldo Silva O impacto do desenvolvimento industrial nas relações culturais em Nova Serrana Divinópolis Fundação Educacional de Divinópolis - FUNEDI 2007

Upload: vanthien

Post on 29-Sep-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Reginaldo Silva

O impacto do desenvolvimento industrial nas

relações culturais em Nova Serrana

Divinópolis Fundação Educacional de Divinópolis - FUNEDI

2007

Reginaldo Silva

O impacto do desenvolvimento industrial nas

relações culturais em Nova Serrana

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da Fundação Educacional de Divinópolis, unidade agregada à Universidade do Estado de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação, Cultura e Organizações Sociais. Área de concentração: Estudos Contemporâneos Linha de Pesquisa: Cultura e Linguagem Orientador: Prof. Dr. Leandro Pena Catão

Divinópolis Fundação Educacional de Divinópolis - FUNEDI

2007

Silva, Reginaldo S586i O impacto do desenvolvimento industrial nas relações culturais em Nova Serrana [manuscrito] / Reginaldo Silva. – 2007. 207 f., enc. il . Orientador : Leandro Pena Catão Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado de Minas Gerais, Fundação Educacional de Divinópolis. Bibliografia : f. 186 - 200 1. Cultura – Cidades Mineiras. 2. Memória. 3. Nova Serrana – História. 4. Indústria de Calçados. 5. Desenvolvimento Industrial. 6. Igrejas – Arquitetura – Religiosidade. l. Catão, Leandro Pena. ll. Universidade do Estadual de Minas Gerais. Fundação Educacional de Divinópolis. lll. Título. CDD: 306.4

Dissertação defendida e APROVADA pela Banca Examinadora constituída pelos

Professores:

______________________________________________________________

Prof. Dr. Leandro Pena Catão (Orientador) – FUNEDI/UEMG

_____________________________________________________________

Profª. Drª. Batistina Maria de Sousa Corgozinho – FUNEDI / UEMG

_____________________________________________________________

Profª. Drª. Suzana Cristina de Souza Ferreira – UNA/BH

Mestrado em Educação, Cultura e Organizações Sociais

Fundação Educacional de Divinópolis

Universidade do Estado de Minas Gerais

Divinópolis, 13 de dezembro de 2007.

AUTORIZAÇÃO PARA REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DA

DISSERTAÇÃO

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial

desta dissertação por processos de fotocopiadoras e eletrônicos. Igualmente, autorizo sua

exposição integral nas bibliotecas e no banco virtual de dissertações da FUNEDI/UEMG.

Divinópolis, 10 de abril de 2008.

Reginaldo Silva

Aos meus tantos afilhados e amigos, que sempre torcem por mim, especialmente Maísa Sally, Alex Steffen, Leonardo Lacerda e Marcelino Marcos. Que tudo isso sirva de memória para suas vidas.

AGRADECIMENTOS Pela paciência e força para superar os obstáculos, por atender as orações e garantir a caminhada.

Deus, Alá, Yhaveh, o que quer que você O chame.

Pelo incentivo, leitura e correção dos textos: Salete, João Paulo, Alexandre Guimarães, Dona Lucília e Juliana Catão.

Pelo incentivo e acompanhamento durante o trabalho:

Rodrigo Chagas, Márcia e Maurício, Robson Teixeira, Felipe Augusto, Aparecida Gontijo, Aparecida Lopes, Solange Minhanele, Nita, Ernane (Morrão), Neiva Pinto, Orlando Freitas, Beatriz Fonseca, Carminha, Aline Morais, Marcelino, Laine, Leonardo Lacerda e Leandro (Tompson).

Pelo apoio das Instituições: Arquivo Fotográfico Municipal Centro de Memória do Calçado de Nova Serrana Faculdade de Nova Serrana – FANS Fundação Educacional de Divinópolis Paróquia de São Sebastião de Nova Serrana Prefeitura Municipal de Nova Serrana Secretaria Municipal de Educação e Cultura SINDINOVA – Sindicato Intermunicipal das Indústrias de Calçados de Nova Serrana

Pelo apoio e serviço técnico, suas contribuições foram significativas em momentos mais complicados:

Arno Spier Junior (fotografia e filmagem) um parceiro na caminhada e de projetos futuros Lauro Vinícius Aquino (informática e assistência técnica) Lucas Marinho Lacerda (fotografias) Marcelo Aparecido Silva (diagramação, impressão e grande amigo) Moacir Henrique Paiva Pinto (traduções) Vanessa Poeiras e Karina Souza Mendes (arquitetas)

Pela confiança e apoio às pesquisas:

Carmélia Teles da Silva Saldanha (Secretária Municipal de Educação) Joel Pinto Martins (Prefeito Municipal de Nova Serrana) Pe. Paulo Sérgio Diniz Mendes (Pároco da Paróquia de São Sebastião) Rinaldo José Ferreira (Chefe de Gabinete – Prefeitura Municipal)

Minha Família, pelos momentos de partilha e compreensão:

Dona Conceição (minha mãe), Julimar e Adriana, (irmãos) Meu pai, que não pôde estar presente em mais esta vitória.

Pelas pessoas que contribuíram com as entrevistas:

Betânia Gonçalves Figueiredo (Dpto. História da UFMG) Dona Geni Fonseca Martins Dona Geralda Pinto do Amaral (D.Nezinha) Dona Terezinha Duarte Martins Sr. Augustinho Sebastião da Costa Sr. Edson Batista de Freitas Sr. Francisco Roberto Sr. Geny José Ferreira Sr. José Maria Scaldini Garcia Sr. José Pinto Firmino

Sr. José Silva Almeida Sr. Ulisses Amaral

Aos professores da banca de qualificação que ajudaram muito no meu amadurecimento e crescimento:

Prof. Dr. José Geraldo Pedrosa Prof. Dr. Mateus Henrique de Faria Pereira

Pela dedicação exclusiva, acompanhamento, orientação e principalmente pela amizade: Prof. Dr. Leandro Pena Catão

Por aqueles que nos acompanha com olhares inocentes e sem saber por que ficamos tanto tempo em meio a livros e computadores, mas que no futuro entenderão o que foi construído:

Maísa Sally – minha sobrinha e afilhada – 05 anos, meu primeiro anjinho. Pedro Henrique Freitas – meu grande amigo (Miguel) que visitou-me durante o trabalho – 03 anos – outro anjo.

Amigos e Parceiros do Curso de Mestrado, pela troca de informações, amizade e pelos momentos de partilha dos materiais e das frustrações. Professores e Funcionários da FUNEDI, que nos ajudaram, acompanharam e nos escutaram diversas vezes durante esta jornada. Especialmente à Professora Batistina Maria de Souza Corgozinho, que me inspirou muito nesta pesquisa. A todos que em maior ou menor grau contribuíram para o êxito desse trabalho, só resta umas poucas palavras: “Muito Obrigado”.

“O que a memória ama fica eterno” - Adélia Prado -

“pois Minas Gerais é muitas. São, pelo menos várias Minas” - Guimarães Rosa -

RESUMO Situada no Centro Oeste de Minas Gerais, Nova Serrana é a cidade que mais cresceu no

estado nas últimas décadas. Ainda em crescimento a cidade enfrenta os problemas

encontrados nos grandes centros urbanos, principalmente os centros industrializados e de

grande mobilidade social devido a migração. Diante de tamanho desenvolvimento, a cidade

não conseguiu acompanhar e atender as necessidades culturais, prioritariamente no que se

trata da preservação da memória histórica local. As pessoas que chegam todos os dias na

cidade, não receberam informações suficientes para conhecer e entender os processos de

crescimento, industrialização, culturais e sociais que passa a cidade. A vida urbana segue os

princípios da industrialização. Os movimentos da cidade são os movimentos da indústria, a

vida é regida pelo processo industrial, que vai desde o custo de vida até os horários do

comércio, da vida cotidiana dos cidadãos. Falta mão de obra qualificada, mas as escolas

devem seguir a organização das indústrias. O mesmo acontece com a vida eclesial. A igreja é

influenciada pelas fábricas, uma vez que depende dos empresários para realizar suas

campanhas e construções; a arquitetura das igrejas, por sua vez, seguem os padrões das

fábricas de calçados devido aos empresários que fazem parte dos Conselhos e devido aos

baixos custos das construções de galpões. Com características quase que cosmopolita, devido

ao grande número de migrantes vindos de diversas regiões do Brasil, a cidade de Nova

Serrana se destacou no mercado nacional. É considerada a maior fabricante de calçados

esportivos do território brasileiro, continua em crescimento e é um grande desafio para a

administração pública e para as instituições que ali se instalam. Alternativas para melhorias

não faltam, falta na verdade maior investimento na vida social e cultural da população,

valorização do processo histórico e maior conscientização, enraizamento da população na

cidade que vive e retiram o sustento. Nova Serrana continua sendo a pequena cidade em meio

às serras onde paravam os viajantes em busca de ouro e prata, metais preciosos não se

encontra mais nas região, mas continua o sonho de encontrar riquezas.

ABSTRACT

Located in the West-enter side of Minas Gerais, Nova Serrana is the city that most grew in the

state in the last few decades. Still in growth the city faces the problems found in the biggest

urban centers, especially the industrialized centers and the social changes caused by

migration. By this development, the city did not follow and take care of the cultural needs,

primarily in what is about the preservation of the local historic memory. The people who

arrive every day in the city, had not received enough information to know and understand

how the process of growth, industrialization, cultural, and social that the city passes. The

urban life follows the principles of industrialization. The movements of the city are the

movements of the industry; the life is conducted by the industrial process that goes since the

cost of living until the schedules of the commerce and the daily life of the citizens. Lack of

qualified workmanship, but the schools must follow the organization of the industries. The

same happens with the ecclesial life. The factory influence the church, once that depends on

the owners of them to carry through its campaigns and constructions; the architecture of the

churches, follows the standards of these footwear factories due to the businessmen who are

part of the Councils and so by the low cost of construction of sheds. With almost

cosmopolitan characteristics, made by the quantity of foreigners that come to town from all

over the country, the city of Nova Serrana highlighted in the national market. It is considered

the biggest manufacturer of sporting shoes; still in growth it is though challenge to the public

administration and also to the institutions there. Alternative for improvements do not lack, but

in fact lacks investments in the social life and the population’s culture, give value in the

historic process and awareness, make people fell they are part of the city they live and get

them sustenance. Nova Serrana sill being the small city in way of the mountain ranges where

the gold and silver searchers stopped, precious metals do not find anymore, but it continues

the dream to find rewards.

LISTA DAS ILUSTRAÇÕES

01 – Foto – Igreja Matriz e Indústria de Calçados ............................................................................ 17 02 – Foto – Vista parcial da cidade de Nova Serrana ....................................................................... 18 04 – Maquete do Arraial do Cercado em 1930 ................................................................................. 32 07 – Mapa da Evolução Urbana de Nova Serrana............................................................................. 39 09 – Foto – Recepção dos padres carmelitas – Rua do Meio............................................................ 43 13 – Foto – Formação da Banda de Música em 1946/1947 ............................................................ 111 14 – Foto – Vista parcial da cidade e procissão do Santíssimo....................................................... 112 15 – Foto – Recepção dos padres carmelitas – Pça. Tito Pinto....................................................... 118 16 – Foto – Antiga Igreja Matriz – 1962......................................................................................... 126 17 – Foto – Antiga Igreja Matriz – 1964......................................................................................... 127 18 – Foto – Projeto da nova matriz – Maquete – frontal................................................................. 128 19 – Foto – Projeto da nova matriz – Maquete – aérea ................................................................... 129 20 – Foto – Catedral Metropolitana de Brasília .............................................................................. 131 21 – Foto – Igreja do Espírito Santo – Varginha/MG – lateral ....................................................... 133 22 – Foto – Igreja do Espírito Santo – Varginha/MG – interior ..................................................... 134 23 – Foto – Igreja do Espírito Santo – Varginha/MG – frontal....................................................... 135 24 – Foto – Construção Matriz de São Sebastião – 1982 – frontal ................................................. 138 25 – Foto – Construção Matriz de São Sebastião – 1982 – frontal posterior .................................. 139 26 – Foto – Construção Matriz de São Sebastião – 1982 – lateral esquerda................................... 139 27 – Foto – Construção Matriz de São Sebastião – 1984 – Torre................................................... 140 28 – Foto – Construção Matriz de São Sebastião – 1987 – Rampa de acesso ................................ 140 29 – Foto – Construção Matriz de São Sebastião – 1988 – painel interior ..................................... 141 30 – Foto – Matriz de São Sebastião – Painel esquerdo – Criação ................................................. 141 31 – Foto – Matriz de São Sebastião – Painel central – Sacrifícios ................................................ 142 32 – Foto – Matriz de São Sebastião – Painel direito – Fábrica de Calçados ................................. 142 33 – Foto – Matriz de São Sebastião – Presbitério ......................................................................... 143 34 – Foto – Matriz de São Sebastião – Presbitério – Altar ............................................................. 143 35 – Foto – Matriz de São Sebastião – fachada – Praça.................................................................. 144 36 – Foto – Vista parcial da cidade – 1981 ..................................................................................... 144 37 – Foto – Vista parcial da cidade (noturna) – 2005 ..................................................................... 145 38 – Foto – Construção da Torre da Igreja Matriz ......................................................................... 146 39 – Projeto Arquitetônico – Fachada Igreja Matriz ....................................................................... 162 40 – Projeto Arquitetônico – Planta Térreo – Igreja Matriz............................................................ 163 41 – Projeto Arquitetônico – Corte BB e Corte AA – Igreja Matriz............................................... 164 42 – Projeto Arquitetônico – Planta Subsolo – Igreja Matriz ......................................................... 165 43 – Projeto Arquitetônico – 1º Pavimento – Igreja Matriz ............................................................ 166 44 – Projeto Arquitetônico – Planta Cobertura – Igreja Matriz ...................................................... 167

LISTA DE TABELAS

03 – Tabela I – Indicadores de Renda, pobreza e desigualdade........................................................ 20 05 – Tabela II – População de Nova Serrana ................................................................................... 37 06 – Tabela III – Comparativo Inter-censos...................................................................................... 38 08 – Tabela IV – Indústria Manufatureira de Nova Serrana ............................................................ 40 11 – Tabela V – Domicílios em Nova Serrana.................................................................................. 52 12 – Tabela VI - Projeção População futura em Nova Serrana......................................................... 53

LISTA DE GRÁFICOS 10 – Gráfico – Crescimento populacional........................................................................................ 50

LISTA DAS ABREVIATURAS E SIGLAS ABICALÇADOS – Associação Brasileira das Indústrias de Calçados

ACINS – Associação Comercial e Industrial de Nova Serrana

APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

BEMGE – Banco do Estado de Minas Gerais

CADICAM – Computer-Aided Design Computer Aided Manufatoring

CEMIG – Companhia Energética de Minas Gerais

CICA – Curtume e Indústria de Couros e Artefatos

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

COPASA-MG – Companhia de Água e Saneamento de Minas Gerais

CTBC – Companhia Telefônica do Brasil Central

DDD – Discagem Direta

DDI – Discagem Direta Internacional

DETRAN – Departamento de Trânsito

ECT – Empresa de Correios e Telégrafos

EFOM – Estrada de Ferro do Oeste de Minas

ETERJ – Escola Técnica do Rio de Janeiro

FEB – Força Expedicionária Brasileira

FIEMG – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IEPHA-MG – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização

OFM – Ordem dos Frades Menores

PSF – Programa de Saúde da Família

RAIS – Relação Anula de Informações Sociais

SEMEC – Serviço Municipal de Educação e Cultura

SENAI – Serviço Nacional da Indústria

SESI – Serviço Social da Indústria

SINDINOVA – Sindicato Intermunicipal das Indústrias de Nova Serrana

SMEC – Secretaria Municipal de Educação e Cultura

TLC – Treinamento de Líderes Cristãos

UNESCO – Organização das Nações Unidas para Educação

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................14

CAPÍTULO I – Os caminhos da cidade: o arraial que virou capital do calçado .........24

1- O arraial do Cercado: história, memória e cultura ...............................................25

2- O arraial se transforma em pólo industrial: dilemas de uma cidade em

crescimento ...............................................................................................................37

3- Pé na tábua: nasce a capital mineira do calçado...................................................49

CAPÍTULO II – Nova Serrana: Culturas, tradições e contradições de uma cidade

que cresce ............................................................................................................................63

1- Cultura e sociedade neo-serranense: dilemas de uma cidade industrial...............64

2- Memória, migração e desenraizamento: o caso de Nova Serrana........................70

3- Cultura Popular, religiosidade e tradições de Nova Serrana e Oeste de

Minas Gerais .............................................................................................................82

3.1.- A cultura alimentar de Nova Serrana e região......................................84

3.2.- Festa de Reinado de Nossa Senhora do Rosário...................................88

3.3.- Festa do Padroeiro São Sebastião.........................................................89

3.4.- Cultos Marianos....................................................................................90

3.4.1.- Coroação de Nossa Senhora – mês de maio ..........................90

3.4.2.- Festa de Nossa Senhora do Carmo ........................................91

3.4.3.- Festa de Nossa Senhora das Vitórias .....................................91

3.5.-Festa de São José ...................................................................................91

3.6.- Folia de Reis .........................................................................................92

3.7.- Festa de Cruz ........................................................................................92

3.8.- Encontro Celebrando ............................................................................93

3.9.- A Banda de Música...............................................................................94

3.10.- A hospitalidade ...................................................................................95

3.11.- A linguagem oral ................................................................................96

3.12.- O entrudo ............................................................................................97

3.13.- A vida de operário novato ..................................................................97

3.14.- Personagens folclóricos ......................................................................98

CAPÍTULO III – Estudo de caso: Paróquia de São Sebastião de Nova

Serrana ..............................................................................................................................100

1- Catolicismo: Religião e religiosidade nas Minas Gerais....................................101

2- Religião e religiosidade popular: do Arraial do Cercado à cidade de Nova

Serrana (1909-1970) ...............................................................................................106

3- A Nova Igreja Matriz .........................................................................................122

CONCLUSÕES.................................................................................................................149

REFERÊNCIAS ...............................................................................................................151

BIBLIOGRAFIA ..............................................................................................................153

ANEXOS ...........................................................................................................................161

14

INTRODUÇÃO

O lugarejo que viria a ser Nova Serrana surgiu durante o século XVIII, nos

primeiros tempos da colonização das Minas Gerais, época em que aventureiros de todas as

regiões da América Portuguesa e reinóis buscavam novas minas de metais preciosos. Foi

nesse contexto que nasceu o “Cercado”, inicialmente uma paragem que contava apenas com

um curral e uma hospedaria para viajantes e, mais tarde, ao longo do século XIX, viria a se

constituir um arraial. Apesar da proximidade de Pitangui, o Cercado nunca se destacou como

centro produtor de ouro, mas a economia mineira dos séculos XVIII e XIX era muito mais

complexa, sendo as atividades agropastoris muito importantes para a constituição de uma

economia sólida. Os anos passaram, mas a vida, a dinâmica e as relações culturais pareciam

paralisadas no tempo e no espaço. Mas isso mudaria drasticamente, pois a modernidade

atingiu em cheio o pequenino Cercado. De tradicional pólo produtor de artefatos de couro,

que garantia a subsistência de muitos de seus moradores desde o século XIX, a já então Nova

Serrana tornar-se-ia um dos principais pólos produtores calçadista do Brasil. Na segunda

metade do século XX, Nova Serrana (antigo arraial do Cercado) viria se constituir na capital

nacional do calçado esportivo. Uma das conseqüências desse fato foi o rápido crescimento

econômico, demográfico, o que ocasionou transformações urbanísticas, políticas, sociais e

naturalmente, culturais.

O objetivo principal desse trabalho é analisar as alterações no âmbito cultural

advindas desse vertiginoso crescimento, levando em consideração que cultura perpassa todos

os aspectos de uma sociedade, da religiosidade, alimentação à política. Essa pesquisa se

propõe discutir questões como os fatores culturais ou não que alçaram Nova Serrana à

condição de capital do calçado esportivo no Brasil.1 Além disso, o trabalho tem como

objetivos secundários: Ampliar os conhecimentos sobre o crescimento urbano, demográfico,

econômico de Nova Serrana; Despertar e discutir a consciência histórico-cultural da

população local; Abrir espaços para novas pesquisas sobre a cidade de Nova Serrana,

principalmente no que se trata do conhecimento transdisciplinar2; Discutir e analisar o

conceito de identidade cultural a partir do caso de Nova Serrana; Ampliar a historiografia

acerca da cidade de Nova Serrana; Refletir sobre as transformações advindas do processo de 1 Entendemos que este é um ponto crucial a ser estudado neste trabalho não apenas por sua importância no que se refere à elucidação de aspectos relacionados à cultura e tradições locais, mas, sobretudo por ser uma questão que carece de um estudo sistemático até então. 2 A questão da transdisciplinaridade será discutida mais adiante.

15

industrialização, a migração em massa de mão-de-obra para a cidade de Nova Serrana;

Contribuir para a ampliação e sistematização dos dados acerca de Nova Serrana.

Nas três últimas décadas do século XX, Nova Serrana ganha espaço no país e no

mundo, adentrando na era globalizada. A cidade recebe gente de todas as partes das Minas e

do país em busca de trabalho, farto em Nova Serrana. Mas, concomitantemente a isso, instala-

se um dilema na cidade em crescimento, um dilema incomum, a cidade, agora inundada de

“forasteiros” vê seu ritmo de vida bruscamente alterado. Na atualidade, já não se pode mais

deixar a casa aberta em Nova Serrana, pois os índices de violência estão entre os mais altos

das cidades do centro-oeste mineiro. As pessoas já não se conhecem todas como antigamente,

deu-se uma quebra no sentido de comunidade que estreitava os laços entre os habitantes, idéia

essa muito cara e relacionada á questão religiosa. Eis o eixo condutor dessa pesquisa, analisar

em que medida a legião de “estrangeiros”, “forasteiros”, que trouxera seus hábitos e

costumes, marcaram a cultura local, em seus aspectos religiosos, alimentares, políticos e etc...

O conceito de cultura é um dos mais complexos (por conta da imensa variação de

significados que pode incorporar) sendo ao mesmo tempo um dos mais abordados nas

ciências humanas, sendo transdisciplinar quase que por definição. Na contemporaneidade, um

dos principais problemas enfrentado pelos antropólogos é essa “abertura” que esse conceito

comporta, suscitando sempre novas proposições 3.

Câmara Cascudo, em sua obra “Civilização e Cultura”, define cultura como o

conjunto de técnicas de produção, doutrinas e atos, transmissível pela convivência e ensino,

de geração em geração, entendo ser o fenômeno cultural sempre funcional, vigoroso e

mantenedor das condições de vida de povo.4 A cultura é construída ao longo da história, é

construída na coletividade, é permeável, sujeita a influências do meio natural e de outras

culturas5. Cultura diz respeito à espécie humana e ao mesmo tempo a cada um dos povos,

nações, sociedades que a compõem,6 estabelecendo, portanto, o elo entre o local e o global.

Nos nossos dias as possibilidades de trocas de signos e símbolos entre culturas distintas

ampliou-se consideravelmente por conta do desenvolvimento dos meios de comunicação

(mídia de massa) assim como dos meios de transporte entendido como elementos

relacionados à expansão capitalista iniciada em fins do século XVIII e início do XIX.7 Mas

voltemos a nos debruçar sobre o crescimento de Nova Serrana.

3 Quanto ao conceito de cultura Ver: GIDDENS, 2005, p.45; LAPLANTINE, 1986; LARAIA, 2006. 4 CASCUDO, 2004, p.39-43. 5 HOUAISS, 2001; WILLIAMS, 1992. Dicionário. 6 SANTOS, 1990, p.11. 7 SANTAELLA, 2003, p.29.

16

Na atualidade uma das questões mais prementes no que diz respeitos aos

movimentos culturais diz respeito às identidades culturais. Na contemporaneidade as

identidades estão mais permeáveis a múltiplas influencias, e o espaço urbano tende a

aproximar ou minimizar as particularidades de cada cultura. Trata-se de uma redefinição das

fronteiras, promovendo uma aproximação e em alguns casos uma íntima relação entre o

global e o local.8

Na década de quarenta apareceram os primeiros fabricantes de calçados. Antes

disso, desde o século XIX, existiam no Cercado oficinas de artesão especializadas na

fabricação de celas e botinas. O trabalho era artesanal até então. A partir da década de 40 as

pequenas oficinas começaram a dar lugar às primeiras indústrias de calçado, fato que se deu

concomitantemente à emancipação política do município. Daí a cidade cresceu e se

desenvolveu economicamente, alavancada por vários fatores, entre os quais alguns de

natureza cultural, como a instalação de um Seminário, uma Escola particular e ampliação da

rede de Ensino pública. Além disso, a chegada da luz elétrica, da rodovia 262 e da divulgação

na mídia são outros fatores que combinados à cultura calçadista local explicam o surto

industrial da cidade. Como uma colcha de retalhos sendo estendida na cama, que com o

movimento do ar balança seus retalhos multicores que a formam, surge diante dos olhos dos

seus moradores mais antigos, uma nova cidade, com prédios pintados com cores fortes,

inúmeros letreiros que anunciam o calçado a ser vendido, galpões que se misturam às

residências e a torre em espiral, uma espécie de zigurate9, que se destaca no morro em meio à

cidade. Trata-se da igreja matriz de Nova Serrana, que foi construída com características em

meio ao grande crescimento da indústria calçadista e por isso mesmo tem muito de sua cultura

peculiar retratada em seus painéis e na religiosidade que seu povo manifesta no dia-a-dia. A

religiosidade local será um dos temas abordados em nossa pesquisa, religião que é um dos

traços que caracteriza uma determinada cultura.10 Analisaremos, entre outras coisas relativas à

vida religiosa de Nova Serrana, um estudo de caso acerca da Matriz de São Sebastião, que na

década de 1980 foi derrubada para dar lugar um templo novo, completamente reformulado,

que estivesse mais coadunado aos caminhos de Nova Serrana. Abaixo a vista parcial da Igreja

matriz de Nova Serrana cuja arquitetura visa, antes de mais nada, a funcionalidade e o

utilitarismo. Para muitos moradores a Igreja assemelha-se às fábricas de calçados da cidade,

que por sua vez lembram caixas de sapato. 8 HAESBAERT, 2002, p. 29-49. 9 Antigas edificações espiraladas ou em forma de pirâmides que serviam como templos religiosos na Antiga Mesopotâmia. 10 Ver: LAPLANTINE, 1989 pp. 119-129 e 152-156.

17

FOTO 01 – A Igreja Matriz e a Fábrica de Calçados – Fotos: Arno Spier Júnior – Nov.2007.

Nova Serrana é uma cidade que salta aos olhos de quem está longe ou passa por

ela uma vez ou outra, pois há uma grande oferta de emprego frente a atual situação do país,

resultado dos altos índices da produção industrial. A maioria dos trabalhadores da cidade são

migrantes vindos de diversas regiões do Estado de Minas Gerais e de todo o Brasil, resultando

num interessante mosaico de culturas.

Uma das conseqüências do referido processo diz respeito à ampliação dos limites

urbanos, que se deu de forma desordenada. As mudanças que vieram com a modernidade,

fizeram com que a estrutura urbana também fosse alterada, e mais ainda, que a cidade fosse

replanejada, reestruturada e até mesmo reeducada para um novo período e para o

enfrentamento de novas situações. Proporcionalmente se observa uma gama de problemas

diante do crescimento e dos recursos obtidos com arrecadações e convênios, que não

correspondem às demandas existentes. A cidade apresenta um alto índice de violência;

vandalismo, descaso pelo patrimônio público, incluindo aqueles de forte apelo histórico-

cultural; falta de mão-de-obra especializada na produção e no setor de serviços; altíssimos

índices de trabalho informal, entre outros. Em suma, Nova Serrana, vive os mesmos

problemas das grandes metrópoles brasileiras levando-se em consideração a diferença de

escala. As cidades, principalmente as industrializadas, foram tomadas e transformadas pelo

capital, direta ou indiretamente. “As necessidades do capital, suas contradições e

incontrolável força expansiva explodiram os limites da cidade, espalharam-na tanto mais se

desenvolveram as tecnologias de transporte e comunicação”.11 Mesmo não sendo o objetivo

11 BRANDÃO, 2006, p.29.

18

principal dessa pesquisa, os dilemas que extrapolam a esfera cultural também serão abordadas

nessa pesquisa, dada a escassez de trabalhos acadêmicos acerca de Nova Serrana.

Outro aspecto a ser abordado nessa pesquisa será o processo de denraizamento

cultural que a população da cidade vive diante do movimento migratório, fatos diretamente

vinculados a vocação econômica de Nova Serrana. Por isso, podem-se criar iniciativas para

novos estudos, registrar o processo histórico-cultural local; despertar o setor educacional para

que possa ter novos subsídios para o trabalho de pesquisa para que os setores econômico,

político e urbano se beneficiem destes estudos para a elaboração de novos projetos e possíveis

soluções para os desafios que vão surgindo.

FOTO 02 – Vista parcial da cidade – “A colcha de retalhos” – Foto: Arno Spier Júnior – Nov.2007.

Nos dias atuais, a indústria calçadista mantém o desenvolvimento, a economia e de

certa forma ela afeta toda a vida da cidade, inclusive em vários aspectos que dizem respeito à

cultura. Os moradores mais antigos, em geral saudosistas dos tempos em que a cidade era, na

verdade um pequeno arraial, questionam constantemente até que ponto esse desenvolvimento

industrial é benéfico para a população, questionam, a seu modo, o preço pago pelo

desenvolvimento e pela industrialização. Em geral, a entrada na Era Industrial promoveu certo

desconforto em vários setores das sociedades capitalistas, a modernidade que se propagou a

partir da Inglaterra, personificada entre outras coisas pela Revolução Industrial, cobra o seu

preço aonde chega, e em Nova Serrana não foi diferente. Segundo HABERMAS, “o moderno

19

sempre ressurge nos momentos de formação da consciência de uma nova época para designar

a nova situação”.12 Baudrillard argumenta: que não há leis da modernidade, são traços que irradiaram de forma homogênea, da Europa para o mundo, assumindo todo o sentido a partir do século XIX. Para ele, a modernidade conota globalmente toda uma evolução histórica e uma mudança de mentalidade.13

Nesse sentido, entendemos que modernidade diz respeito às transformações

técnico-científicas, às estruturas política, às estruturas econômicas e culturais. Estas

transformações vão mais além, quando atingem a vida social da comunidade, criam um novo

dinamismo na vida cotidiana, “significa a desestruturação de todos os valores antigos sem a

sua ultrapassagem [...] o tradicional não extinto, mas apenas reconstruído”.14 Porém, a

impressão de parte da população neo serranense é a de que esta transformação ocorreu tão

rapidamente que não se deram conta do processo, causando estranheza e desconforto por uma

parte da população, sobretudo àqueles cujas raízes culturais são mais profundas, unindo-os às

antigas projeções da comunidade, a ponto mesmo de alguns não reconhecerem pontos ou a

própria cidade na contemporaneidade.

A modernidade em Nova Serrana foi sinônima, entre outras coisas, de desapego de

parte expressiva da população (sobretudo a flutuante) às antigas tradições locais, algumas das

quais relacionadas à vivência religiosa. A tranqüilidade do antigo “Cercado” foi substituída

pela correria, desenvolvimento, pela produtividade e também a violência da “moderna” Nova

Serrana. Parte dos problemas arrolados acima, sobretudo a violência, estão relacionados a

algumas peculiaridades da industrialização da cidade, que apresenta altas taxas de

empregabilidade, mas com médias salariais baixas e os níveis de trabalho informal também

estão acima da média nacional. (ver tabela abaixo).

12 CORGOZINHO, 2003, p.19. 13 CORGOZINHO, 2003, p.20. 14 CORGOZINHO, 2003, p.20-21.

20

TABELA I – Indicadores de Renda, pobreza e desigualdade, 1991 e 200015

Indicadores 1991 2000

Renda per capita média (R$2000,00) 184,2 371,10

Proporção de pobres (%) 22,8 12,2

Diante destas questões até aqui expostas, vão surgindo novos desafios, conquistas,

e ao mesmo tempo, carências de estudos e pesquisas científicas para sanar algumas destas

dificuldades e ampliar o espaço científico. Há uma carência do conhecimento histórico-

cultural sobre a cidade de Nova Serrana, devido a sua população flutuante, devido ao

crescimento da industrialização e a migração, da mesma forma também existe um certo

descaso e descompromisso com a vida urbana uma vez que a cidade é palco de relações

trabalhistas e de conquista de capitais, isso faz com que o processo histórico-cultural seja

quase que desconhecido entre a população. Neste sentido o local acaba por ser totalmente

transformado em função de uma realidade global, o moderno toma o lugar do antigo sem

valorizar a tradição, sem buscar meios de preservar a história local.

Com relação à metodologia proposta para essa pesquisa, adotar-se-á uma

abordagem transdisciplinar. A abordagem transdisciplinar não trata de estabelecer vários discursos disciplinares isolados sobre um mesmo objeto ou reunir os vários saberes e discursos dentro de um único discurso globalizante. Ela põe em contato as várias disciplinas e saberes específicos até eles compenetrarem-se, transfigurarem-se e formarem um novo campo, tal como aconteceu ao se estudar a energia desde meados do século passado e, realmente ao se estudar as cidades e seus problemas como transporte, violência, espaço físico e educação.16

Entendemos que essa ferramenta metodológica é bastante pertinente para a

pesquisa em questão. Por se tratar de um estudo sobre o impacto sobre as relações culturais

advindas da industrialização em Nova Serrana, foi muito útil contar com o suporte de

conceitos e procedimentos de várias disciplinas das Ciências Humanas como a História, a

Antropologia e a Sociologia.

Essa pesquisa é fruto de um levantamento de documentos gerados pela prefeitura e

demais órgãos do município de Nova Serrana, entrevista com alguns dos moradores mais

antigos da cidade, análise de bibliografia sobre a questão urbana, identidades culturais,

modernidade, industrialização e globalização. As informações dizem respeito ao

15 Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil apud Diagnóstico Municipal de Nova Serrana/MG – Plano Diretor. 16 DOMINGUES, 2005, p.20.

21

desenvolvimento nos mais diversos segmentos da cidade, e entre outras instituições que

colaboraram para esta pesquisa, estão: Prefeitura Municipal, Paróquia de São Sebastião de

Nova Serrana, Cartório de Registro Ulisses Amaral, SINDINOVA – Sindicato Intermunicipal

de Indústria Calçadista de Nova Serrana, Escola Estadual Antonio Martins do Espírito Santo

para onde foram transferidos os documentos do Colégio São José e Secretaria Municipal de

Educação e Cultura – Departamento de Cultura – Arquivo Fotográfico. Com relação às

entrevistas, as mesmas são semi-estruturadas, e as gravações encontram-se à disposição para

futuras averiguações ou pesquisas.17 Os entrevistados são pessoas que acompanharam o

desenvolvimento da cidade e acompanharam as profundas mudanças pelas quais passou a

cidade. As entrevistas podem ser divididas em dois grupos: o primeiro para dar suporte e

mapear o surgimento e crescimento da Indústria Calçadista, que faz parte do Projeto do

Centro de Memória do Calçado (idealizado pela Secretaria de Cultura de Nova Serrana em

associação com outros setores da sociedade civil). O segundo é parte do Projeto Memória que

se encontra em andamento, que visa registrar a memória cultural e social da cidade, com

ênfase para aspectos relativos à religiosidade popular e cultura e tradições locais. Procurou-se

neste trabalho cotejar as fontes clássicas como a memória dos velhos. Segundo

CORGOZINHO, a memória “é uma das possíveis maneiras de focalizar o passado”.18 Como o

trabalho propõe uma análise histórico-cultural, foi necessário o recolhimento de documentos

escritos, fotográficos e publicações, para dar mais reforço a esta visão diante do

desenvolvimento. Entre as fontes documentais inéditas destacamos os livros de tombo da

paróquia e as atas dos Conselhos Paroquiais.

Quando se apresenta a proposta de uma correlação entre as linhas de pesquisa

“Espaço e Sociedade” e “Cultural e Linguagem”, apóia-se no fato de que ao mesmo tempo em

que o processo de transformação urbana se torna tão rápido, faz com que o processo cultural

seja drasticamente alterado pelo fato da cidade receber uma população flutuante. Neste

aspecto, tornou-se necessário uma visão da descontinuidade da identidade cultural. O que

vivemos pode ser entendido como: “[...] um complexo de processos e forças de mudanças,

que, por conveniência, pode ser sintetizado sob o termo ‘globalização’” 19, ou seja, uma

aproximação das situações, das pessoas e das transições. O mundo tornou-se mais próximo, os

meios de comunicação e transporte fizeram com que fronteiras se encurtassem.

17 Uma cópia de todo o material referente às entrevistas será doado para o Centro de Memória da FUNEDI/UEMG. 18 CORGOZINHO, 2003, p.36. 19 HALL, 2004, p.67.

22

A busca por caminhos para os desafios da urbanização/modernização de Nova

Serrana e a compreensão sobre sua transformação rápida, é ao mesmo tempo a apresentação

de idéias para uma melhoria de vida de seus habitantes. Uma das intenções é transformar

parte das informações contidas nessa pesquisa em cartilhas a serem distribuídas aos alunos de

escolas públicas de Nova Serrana.

Outra ferramenta metodológica utilizada nessa pesquisa foi a análise comparativa,

onde exemplos de outras localidades e a definição dos marcos do desenvolvimento se

tornaram importantes para entender o rápido crescimento da cidade. Em se tratando de um

estudo sobre as cidades, a proposta “transdisciplinar deve-se abrir novas vias nos caminhos da

memória e da cidade”.20 As barreiras das metodologias tradicionais devem ser transpostas e

uma rede de conhecimento é aberta para ampliar o número de informações que vão se

somando, ao longo deste movimento: idéias, conclusões e iniciativas vão se abrindo.

Com relação à estrutura da dissertação, no primeiro capítulo será apresentado um

breve histórico da cidade de Nova Serrana desde os tempos do arraial até o rápido

crescimento dos dias atuais, com o título “Os caminhos da cidade: o arraial que virou capital

do calçado”. Tratará do surgimento da cidade e do processo histórico-cultural influenciado

pela indústria e pela migração, os desafios da indústria calçadista, relativos à organização do

espaço urbano, melhoria na produção econômica e uma análise comparativa sobre o

desenvolvimento das cidades no Brasil e no mundo diante desta realidade. É uma visão geral

do que é a cidade de Nova Serrana, seus movimentos culturais e sua localização no contexto

da contemporaneidade.

No segundo capítulo intitulado, “Nova Serrana: Cultura, tradições e contradições

de uma cidade que cresce”, buscará contemplar questões como: o termo “Culturas” no plural

indicando a diversidade cultural que compõe a cidade e suas tradições contemporâneas; o

processo da migração, as implicações desse movimento para identidade cultural local; os

encontros e desafios enfrentados pelos migrantes bem como o problema do desenraizamento.

No terceiro capítulo propõe fazer um “Estudo de caso: Paróquia de São

Sebastião”, uma construção do início do século XX que deu lugar a uma outra maior e

moderna: as questões que envolvem a mineiridade e o catolicismo, religião e religiosidade e a

cultura popular no estado de Minas Gerais; a partir desta análise será apresentado um breve

relato da vida religiosa do Arraial do “Cercado” até a cidade de Nova Serrana (1909-1970);

20 DOMINGUES, Ivan. Anotações - Seminário FUNEDI/UEMG, 24/06/2006.

23

por fim, o processo de construção da nova Igreja Matriz de São Sebastião que terminou em

1994.

A maioria das pessoas que chegam à cidade seja para morarem ou porque ficaram

muito tempo afastadas dela, ficam perplexas diante do crescimento e das inúmeras mudanças

que ocorrem constantemente, principalmente no que se refere á urbanização. A necessidade

de criar laços para com a cidade, uma vez que muitas pessoas construíram algo, mas não

nasceram neste lugar, criam uma nova geração de neo serranenses que são os filhos e netos, e

estes necessitam e necessitarão de uma história, de um registro, enfim, de identidades, o que a

presente dissertação tenta complementar.

CAPÍTULO I

Os Caminhos da Cidade: o arraial que

virou capital do calçado

25

1- O arraial do Cercado: história, memória e cultura

Localizada na região do alto São Francisco, Centro Oeste de Minas Gerais,

Nova Serrana localiza-se na região que outrora correspondia aos sertões da Capitania de

Minas Gerais. A busca do ouro, intimamente ligada a importantes Vilas do período colonial

como Ouro Preto, Diamantina, Sabará, São João Del Rei, Pitangui, dentre outras, se

tornaram centros urbanos importantes. Nova Serrana (Cercado) pertencia ao Termo de

Pitangui21, e apesar de relativa proximidade a um dos mais importantes centros produtores

de ouro da capitania, o Cercado pertencia aos “Sertões22 das Minas Gerais”, ou seja, terras

cuja importância residia em abastecer os centros urbanos mais salientes com víveres e

outros gêneros. O conceito de sertão expressa a cultura do Cercado: Sertão foi um termo bastante empregado ao longo dos mais de três séculos de colonização portuguesa na América, dada as vastidões territoriais que compunham os domínios de Sua Majestade nestas terras. Aliás, sertão é um conceito que possui conotações simbólicas tanto quanto geográficas. O sertão era um “lugar” situado nas margens do mundo conhecido, da civilização, e nele se projetava o imaginário maravilhoso que, desde tempos remotos, estava associado à regiões desabitadas e ignotas.23

O sertão correspondia ao imenso e inóspito interior da América portuguesa,

lugar de animais ferozes, floresta densa e gentio bravo.

O sertão estava quase sempre associado à idéia de “barbárie”, rejeitando e se

opondo à “civilização” e seus códigos. Outra característica do sertão é a sua fluidez. Suas

fronteiras se alteravam à medida que o elemento civilizador o devassava e se estabelecia,

mas continuava a existir com todo o imaginário que o cercava, “deslocando-se em direção

às regiões que permaneciam fora da esfera do poder metropolitano”. Essas características

21 “No arraial de Sant’Ana ouvia a notícia de um ribeiro, que fornecia aos pedaços o ouro de suas areias; e pedaços ele [Bueno] os viu em ornato das índias. Feitas as indagações, o ribeiro ficava ao norte, quatro jornadas além do arraial. Esta nova deliberação de se compensar nesses mananciais foi a sua glória. Posto em marcha, guiado pelos índios de Sant’Ana, quando foi-se aproximando ao ribeiro, as indígenas que se banhavam pressentiram o tropel e, pensando ser traficantes, fugiram aterradas, deixando algumas crianças de peito na margem. O rio tomou por isso o nome de Pintag-i, rio das crianças (1696). VASCONCELOS, 1999, p.131. 22 Para alguns autores, etimologicamente a palavra sertão derivaria do latim desertus, por intermédio do latim vulgar desertanu, que pode significar deserto, abandonado, inculto, selvagem, desabitado ou pouco habitado. ROMEIRO, Adriana. Sertões. In: Dicionário Histórico das Minas Gerais: período colonial. p. 271. 23 CATÃO, 2007, p. 80.

26

conferiam as estas regiões um caráter insubordinado e conflituoso, constituindo assim um

universo regido por regras próprias e fluídas como o próprio sertão. A região do Cercado

era repleta de índios “bravos”, os Cataguases, como apontam os achados em cerâmica

(igaçabas24, panelas e/ou vasos) entre outros artefatos.25 A nação dos Cataguases ocupava

desde a região sul e Oeste de Minas e estavam entre o que mais aterrorizavam os primeiros

habitantes. Esta população indígena foi dividida em dois grupos: um que subiu o rio São

Francisco e outra que desceu o rio Paraíba. Félix Jaques se uniu aos índios Teremembés,

transpôs a Serra da Mantiqueira e entrou em guerra contra os catu-auá (gente boa) para

repelí-los para os sertões de Pium-i e do Tamaduá, “dando tempo a Lourenço Castanho, que

de propósito entrou em luta contra eles, desbaratou-os no lugar, por isso ficou chamado

Conquista, e deixou então livre e desembaraçada a entrada do Rio Grande e dos Campos

Gerais (1675)”.26 É por isso que em várias localidades desta região se encontra uma relação

muito grande com o termo “Conquista”, “Fazenda da Conquista”, “Ribeirão Conquista” e

outras nomeações referentes a este fato.

A maioria dos primeiros habitantes do oeste de Minas era paulista. Ao longo do

século XVII, foram várias as incursões dos paulistas em direção à região que hoje

corresponde às Minas Gerais, território que naquela época era chamado de Sertão dos

Cataguás. Em sua busca pela Serra de Sabarabuçu uma dessas expedições alcançou as

cabeceiras do Rio São Francisco na Serra da Canastra. No caminho de retorno a São Paulo,

o grupo estacionou por algum tempo em Pitangy [Pitangui], primeiro registro do local que

décadas mais tarde viria a ser o principal centro urbano do oeste da Minas Gerais. Em 1602,

outra expedição, liderada por Nicolau Barreto, penetrou os sertões seguindo as trilhas

deixadas pelo grupo anterior, atravessando o “o oeste das Gerais”, e chegando às Margens

do Rio Paracatu.27

Poucos anos antes da descoberta dos primeiros veios auríferos, intensificaram-se as entradas perpetradas pelos paulistas à região das Minas Gerais, consolidando o caminho que ligava São Paulo aos novos sertões, denominado pelos bandeiristas caminho velho. Entre esses sertanistas paulistas, destacamos Mateus

24 NOVA SERRANA, Conselho do Patrimônio Cultural – Ficha de Registro nº 001D – 05/04/2006 25 NOVA SERRANA, Conselho do Patrimônio Cultural – Ficha de Registro nº 002D – 05/04/2006 26 VASCONCELOS, 1999, p.105. 27 CATÃO, 2007, pp. 82-83.

27

Leme, Bartolomeu Bueno da Silva (Anhanguera), Manoel de Borba Gato, Domingues Rodrigues do Prado e João Leite Ortiz, que alem de percorrerem o “oeste mineiro”, estabeleceram na região as primeiras fazendas, no vale entre os Rios Paraopeba e Pará, que à época era chamado Rio Pitangui.28

A descoberta do ouro na região das Minas Gerais desencadeou o deslocamento

de um fabuloso contingente populacional em direção àqueles sertões. Foi a maior corrida

do ouro da História da humanidade. Num curtíssimo período de tempo, a região das Minas

já estava povoada por dezenas de milhares de homens, todos em busca do enriquecimento a

partir da exploração do ouro. Já nos primeiros anos dos setecentos, os paulistas dividiam as

catas auríferas com os emboabas (grupo constituído pelos reinóis e colonos de outras

regiões que não São Paulo) acompanhados de seus cativos negros ou índios, sendo este

último grupo a maioria da população daqueles sertões já na primeira década do século

XVIII.29 Em 1711, era publicada em Lisboa a primeira obra a mencionar notícias acerca das

Minas Gerais. O autor, André João Antonil, padre da Companhia de Jesus, traça um quadro

dos primeiros habitantes das Minas: Cada ano vêm nas frotas quantidade de portugueses e de estrangeiros, para passarem às minas [...]. A mistura é de toda a condição de pessoas: homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, seculares e clérigos, e religiosos de diversos institutos, muitos dos quais não têm no Brasil convento nem casa.30

Com o transcorrer dos anos, à medida que se consolidava a colonização,

assentava-se a população no campo e nos centros urbanos. Esse quadro nos fornece um

interessante paralelo quanto a realidade de Nova Serrana nos nossos dias, onde um imenso

contingente de trabalhadores portadores de diferentes culturas, oriundos de diversas regiões

do país afluem em busca não mais do ouro, mas do emprego.

Os primeiros tempos das Minas Gerais foi marcado por um confronto de amplas

proporções, denominado Guerra dos Emboabas, cujo desfecho marcou profundamente os

destinos dos sertões à oeste das Minas Gerais. Esse episódio se deu por conta da rivalidade

28 Idem, p. 82. 29 Idem, p. 85. 30ANTONIL.Cultura e Opulência do Brasil, p.167.

28

crescente entre paulistas e os emboabas31, por conta da posse dos principais veios auríferos

e controle dos cargos políticos nos primeiros anos de colonização das Minas (1707-1709).

Os paulistas, os descobridores das primeiras catas auríferas, foram os perdedores no

confronto com os emboabas, e se viram obrigados a desocupar os principais centros

mineradores localizados na região central da capitania, vindo a ocupar os sertões do oeste

mineiro.32

Segundo Afonso de Taunay, um dos pioneiros no estudo das Entradas e

Bandeiras dos séculos XVI-XVIII, para os paulistas: A borda do campo era a borda do sertão, do deserto ignoto e do mistério profundo, o primeiro marco da História do Brasil. E como aos paulistas caberia recuar o país pelo continente a dentro, por milhares e milhares de quilômetros, o destino como lhes apontava a marca para o Oeste ...33

Para além da exaltação dos feitos paulistas, numa análise ufanista, Taunay

explicita a sina dos paulistas em sua busca incessante pelo novo, pelos sertões, pelo oeste...

Após a Guerra dos Emboabas os paulistas se lançam rumo à oeste, demandando espaços

onde eles paulistas seriam sempre os soberanos, os sertões incógnitos.34 Como se pode

compreender, Nova serrana e toda a região Oeste de Minas Gerais tem suas origens

culturais fortemente marcadas pela presença e cultura paulista. A maior parte dos sertões a Oeste das Minas Gerais foi uma região tomada pelas matas fechadas e desconhecidas, apinhadas de quilombos, bandoleiros, vadios e gentio bravo, que buscavam refúgio nas imensidões desconhecidas e despovoadas, e por isso distantes do controle da administração metropolitana. A vasta área a oeste do Rio Pará [até a década de 1720 era chamado Pitangui] eram desconhecidas. Todas essas preciosas informações acerca dos primeiros movimentos de ocupação do oeste das Minas Gerais estão dispostos num conjunto de mapas de autoria de sertanistas paulistas denominados Cartas Sertanistas.35 Durante praticamente todo o século XVIII havia apenas dois núcleos urbanos de maior expressividade: a Vila de Pitangui.36

31 Para os paulistas, todos os que não o eram foram designados como emboabas no contexto da descoberta do ouro nas Minas Gerais. 32 CATÃO, 2007, p. 86. 33 TAUNAY, Afonso. Na Era das Bandeiras. p.9 34 CATÃO, 2007, p. 86. 35 A maior parte dos referidos mapas estão reproduzidos e comentados em: 35 COSTA, Antônio Gilberto. Conjunto das Cartas Sertanistas.. In: Os Caminhos do Ouro e a Estrada Real. pp. 57-63. 36 CATÃO, 2007, p. 87.

29

Mais tarde, em meados do século XVIII a região do Cercado foi tomada por

escravos fugitivos (quilombolas). Existiram vários quilombos na região em que hoje se

localiza Nova serrana e sua vizinhança, como o Quilombo da Saúde, chamado também de

Quilombo do Lambari, ou ainda, Quilombo dos Coqueiros. “Estes núcleos de escravos

fugitivos situavam-se, aproximadamente, onde hoje abrange as regiões de Cana do Reino e

Engenho, e chegava até a Cachoeira ou Fazenda dos Crioulos. (..) Não há registro explícito

sobre o fim desses quilombos no território de Nova Serrana nem tampouco sobre os seus

autores.” 37 Eis um dos relatos, que atestam a existência destes Quilombos na região de

Nova Serrana. Em 1809, por ocasião do falecimento de Laurinda Maria Clara, a segunda das três esposas de José Correia de Melo, no seu inventário de partilha constavam terras situadas no Mato Dentro e na Barra do Macuco. A fazenda Mato Dentro era assim descrita: ‘...Huma Fazenda de Agricultura e Campos denominada matto dentro que parte com o Quilombo com Domingos da Costa ou seos erdeiros e com Manoel Antônio Teixeira e com a Boa Vista com suas casas de vivendas cobertas de telhas que sendo vistas e examinadas por elles avaliadores...’.38 Esse Quilombo tomava terras dos atuais municípios de Leandro Ferreira, Conceição do Pará e Nova Serrana.39

Mais tarde havia, na região, fazendas destinadas à agricultura e com o trabalho

escravo largamente explorado na cultura de algodão, mandioca, fumo e cana de açúcar,

bem como nos engenhos de açúcar e nas fábricas de polvilho e de farinha de mandioca.40

Da mesma forma que se encontram ruínas de fazendas de engenho e senzalas, no distrito de

Boa Vista de Minas.

O “Cercado” localizava-se no caminho que ligava São Paulo, na direção das

regiões auríferas do Centro de Minas Gerais e às Minas de Goiás. O “Cercado” foi um

ponto de pousada de viajantes, percorrendo estradas no contrabando de ouro. Como no

lugar existia um cercado para a guarda de animais dos viajantes, o povoado ficou conhecido

com o nome de “Cercado”. “Á época dos primeiros descobertos auríferos nas Minas Gerais,

37 FREITAS & FONSECA, 2002, p.15. 38 Arquivo Judiciário de Pitangui, XXII, 1760. 39 FREITAS & FONSECA, 2002, p.15. 40 Algumas destas atividades ainda são desenvolvidas no município de Nova Serrana. Sobre o registro das fazendas de Engenho, se comprovam pelas ruínas existentes. Arquivo Fotográfico Municipal – Fazenda de Engenho – Distrito de Boa Vista de Minas.

30

o vale do Rio São Francisco se achava povoado e repleto de ‘currais’, denominação das

fazendas dedicadas à criação de gado, dentre as quais muitas pertencentes à Companhia de

Jesus”,41 ao longo das trilhas abertas, surgiram as primeiras hospedarias, fazendas e

povoados. Nesta época “núcleos começam a pontilhar-se pela região [das Minas], e muito

rapidamente se multiplicaram, praticamente por quantas ‘catas’ ou minerações que se

instalavam”.42

Após a abertura de novos caminhos que ligassem o sul da capitania de Minas às

minas de Pitangui e Paracatu, “que se deu a fundação da Fazenda Barra Grande do

Cercado, embrião do Distrito do ‘Cercado’, criada em 1869.”43 O progresso do arraial não

foi incentivado pelas lavras de ouro e sim pela cultura do algodão e criação de gado,

portanto, produtor e fornecedor de couro, incrementada em grande parte por três famílias de

portugueses que aqui se radicaram: os “Pinto da Fonseca”, ”Rodrigues de Carvalho” e os

“Soares Silva”.44 Mais tarde a região foi denominada como Distrito de “Cercado de

Pitangui”. 45 Os ranchos desempenhavam um papel importante à beira das estradas e eram

importantes na economia das regiões transitadas por tropeiros e viandantes. Eram nesses

lugares que as tropas abasteciam para seguirem viagem, compravam milho para as mulas,

se alimentavam e descansavam nessas paradas. Era nesses arredores que se encontrava

também a venda, um comércio que abastecia os moradores da região. Por ali se

encontravam diversas mercadorias como “a cachaça, o sal, o açúcar, o feijão a carne seca,

até ferraduras, fumo em corda, armas de fogo, cabeças de alho e livro de missa.” 46 As

vendas eram espaços quase que mágicos e que duraram por longos períodos, em Nova

Serrana até no final da década de 1980 estas vendas eram parte da vida da comunidade,

onde se podia comprar na caderneta, os cereais se encontravam à granel colocados em

sacos, tudo se misturava, tanto as mercadorias como os cheiros de cada uma delas. Era

necessária uma boa procura para encontrar o que se queria comprar, isso ocorria nas vendas

do Valdeci e do Veli do Tatico, ou na venda do Zé Picolé em Divinópolis, “com seu boneco

41 CATÃO, 2006, p.05. 42 ALBINO, 2006, p.18. 43 FREITAS, 2006, p.3. 44 FREITAS & FONSECA, 2002, p.17. 45 Lei 1622 de 05 de novembro de 1869. Toponímia de Minas Gerais, 1997. 46 FRIEIRO, 1982, p.101.

31

de madeira com colares de lingüiça e balas, onde até os doces de leite na palha de milho se

acomodavam dentro de botinas, as vendas eram mágicas, esotéricas e cheias de surpresas”.

Outro fator importante para a formação do povoado do “Cercado” foi o conserto

de selas, que com o trabalho com o couro iniciou-se o artesanato para o conserto e

fabricação de calçado. Legítimos e pioneiros possuidores do solo “cercadense” foram, sem

dúvida, os valentes construtores das vias que permitiram o acesso aos sertões bravios,47 e

que a duras penas, levantaram seus primeiros ranchos, produziram e povoaram o lugar. Os

primeiros artesãos do couro apareceram na região após a segunda geração dos primeiros

povoadores. Nesta época, quase todas as pessoas andavam descalço, o que ocorreu até

mesmo nos primeiros tempos da emancipação de Nova Serrana. Um Senhor chamado João

Soares Vieira, iniciou o ramo de sapataria fabricando botas. Comprou uma ‘banca’

completa: uma mesa, sovela48, torquês, martelo, avental, lamparina, etc... Existiu um outro

sapateiro, morador do Cercado, por volta de 1844, chamado Antonio Ferreira de Carvalho.

Foi ele o responsável pela confecção de botas durante muitos anos. O sapateiro Antonio era

também seleiro e, ao que tudo indica era um escultor, pois cabia a ele confeccionar as

formas de madeira adequadas para os pés do cliente. Jacinto Martins Vieira, que era seu

cliente, usava a bota chamada, na época, “cano canhão”, com o cano comprido, terminando

próximo aos joelhos com uma dobra para o exterior (...). 49 A Fabricação de botas continuou

por muito tempo, até a chegada da confecção de sapatos.

Numa distância de oito quilômetros da sede até o Distrito da Estação do

Cercado, passava o trem. “Seu apito que ecoava ao longe, de tempos em tempos, alegrava o

cercadense, fazendo-o crer que o progresso chegaria rápido”.50 A estrada de ferro que vinha

de São João Del-Rei até Divinópolis, seguia seu curso passando por São Gonçalo do Pará,

Cercado, Pitangui e Bom Despacho, “a inauguração do trecho até São João Del-Rei com

100 km de extensão, ocorreu em 28 de agosto de 1881, com a presença do imperador D.

47 A etimologia da palavra sertão permanece desconhecida. Para alguns autores, o sertão derivaria do latim desertus, por intermédio do latim vulgar desertanu, que pode significar deserto, abandonado, inculto, selvagem, desabitado ou pouco habitado. ROMEIRO, Adriana. Sertões. In: Dicionário Histórico das Minas Gerais: período colonial. p.271. 48 Instrumento utilizado para furar os cortes e fazer a costura na fabricação de calçados. 49 FREITAS & FONSECA, 2002, p.221. 50 FREITAS & FONSECA, 2002, p.221.

32

Pedro II”.51 Por obra da empresa privada Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM), a

extensão da ferrovia começou a passar pelo Cercado em 01 de fevereiro de 1894. Os trilhos

levavam muitas pessoas para fazerem suas compras, ou no sentido contrário, vender a

produção de sapatos52. CORGOZINHO intitula esse como “o trem do sertão” 53. O Arraial

do Cercado era abastecido através da Estação do Cercado, que trazia produtos como açúcar,

querosene e demais utensílios industrializados. Era também a porta de saída de

mercadorias, como era o caso da produção de algodão do fazendeiro Cipinho.54 A partir de

1940, “o apito [do trem] não mais foi ouvido”,55.

FIGURA 04 – FREITAS, 2006. Maquete do Arraial do Cercado em 1930 – Fonte: Jornal News Serrana

A cultura calçadista tem suas origens nesses tempos, muito antes da instalação

das primeiras indústrias. O movimento das sapatarias tinha suas raízes numa rêmora 51 CORGOZINHO, 2003, p.60. 52 VIANA, Benedito. Exclusiva. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva em 30 de janeiro de 2007. 53 CORGOZINHO, 2003, p.60. 54 AMARAL, Geralda Pinto do. Inédito. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto Memórias, Departamento de Cultura, 29/10/2007. 55 FREITAS & FONSECA, 2002, p.222.

33

tradição local relativa ao artesanato de couro. O início, a primeira iniciativa quanto à

produção de calçados foi marcada por dificuldades e quase não sobreviveu, como bem

descreve José Américo de Lacerda Júnior: Após o ano de 1930, quando o Brasil passou por uma forte crise na sua agricultura, também o Cercado sentiu as dores. Se já era uma região pobre, tornou-se ainda mais. Foi nessa situação que surgiram alguns poucos manufatureiros de couro. Fabricavam botinas, chinelas alpercatas (o povo da região dizia: precatas), arreios e, às vezes sapatos. Era tudo artesanal, desde o processo de curtição do couro até o feitio do calçado. Cada par de calçado era feito sob a medida do pé do comprador. Nesse tempo, ainda não se conheciam as formas para calçados. Segundo informações dos mais antigos, esse foi um tempo difícil no Cercado, muito trabalho, pouco dinheiro e o povo sofrendo muito.56

As sapatarias registradas começaram a existir por volta de 1941. Quando o

Senhor “Geny José Ferreira teve como mestre, Venerando Viana, exímio sapateiro e

proprietário da sapataria Vitória, em Bom Despacho”, onde fazia botinas para a polícia.

Uma vez que não podia mais ficar no povoado do Cercado, devido alguns conflitos com a

família ele foi para Bom Despacho tentar a uma vida melhor. “A produção inicial da

Sapataria de Geny, registrada com o nome de Fábrica de Calçados Oeste, era pequena

fabricava cerca de vinte pares de botinas por dia, de forma muito artesanal (...)” 57 Antes

fazia tudo à mão, depois comprou uma máquina, mas ainda usava pregos e grude para

fabricar suas botinas.58 Este contato trazia a primeira indústria de calçados para o município

e deixava outros sapateiros importantes para a cidade, com o José Pinto Firmino

(‘Pintinho’), José Silva Almeida (‘Zezito’), Valdomiro Amaral (‘Miro’), Alvimar Coelho,

Sebastião Fábio (‘Pedro Rosa’) e Romeu Coelho.59 Fazer sapato não era muito fácil,

mesmo tendo curtumes na localidade era necessário comprar materiais em Belo Horizonte,

faltava luz elétrica, tudo era artesanal, pregado à mão com tachinha, “ia pregando, aparando

e dando acabamento, modelando a botina”60, lixava a botina com cacos de vidros e

queimava as pontas das linhas na lamparina.

56 LACERDA JÚNIOR, 1984, p.23. 57 FREITAS & FONSECA, 2002, p.221. 58 FERREIRA, Geny José: inédito. Divinópolis, 2005. Entrevista concedida a Betânia Gonçalves Figueiredo – Depto. De História da UFMG – Centro de Memória do Calçado – Nova Serrana – MG. 59 ALMEIDA, 1996, p.17. 60 FIRMINO, José Pinto. Inédito. Nova Serrana, 2005. Entrevista concedida a Betânia Gonçalves Figueiredo – Depto. De História da UFMG – Centro de Memória do Calçado – Nova Serrana – MG.

34

O senhor Igerci Ferreira da Silva, irmão do senhor Geny, também montou uma

sapataria e uma loja onde fabricava e vendia seus produtos. Teve mais sucesso e

permaneceu mais tempo na atividade e na cidade. Mais tarde foi para Divinópolis, onde

criou o Curtume CICA, mais tarde denominado Curtidora União Ltda.61 O senhor Igerci

ampliou o sistema de vendas, nas muitas das vezes o produto era levado por ele mesmo aos

compradores, mas já mantiam os primeiros contados com representantes de vendas. O

sistema de transporte era precário e basicamente o único na época, as botinas produzidas

eram levadas para outras cidades em lombos de cavalos e embalados em sacos de

linhagem.62 O Sr. João José de Freitas, conhecido como o João do André, era um destes

vendedores que atendia a região de Conceição do Pará, levava consigo uma tira de papel

para medir os pés do cliente e no mês seguinte voltava entregando as encomendas.

Todo esse crescimento das primeiras manufaturas de calçados coincidia com a

emancipação política de Nova Serrana. As primeiras indústrias surgiram com

características estritamente domésticas, onde a própria família assumia todo o serviço. O

couro era produzido no município e mais tarde era necessário buscar insumos em Belo

Horizonte. As fábricas, em sua simplicidade, produziam pequenas quantidades de calçados

e que atendiam apenas ao mercado da região de Minas Gerais.

Outro precursor da indústria calçadista em Nova Serrana foi o Sr. Horácio

Navarro, que trouxe as primeiras máquinas de costura para o município, a partir de então, o

distrito do Cercado iniciava uma nova era, a do desenvolvimento calçadista. Este

protagonismo deixou dois seguidores e, posteriormente, grandes empresários: Alexandre

José Ferreira Neto (‘Santico’) e Joaquim Pinto Firmino (‘Pintão’). Essas primeiras

sapatarias contaram com um suporte de matérias-primas provenientes do próprio

município, pois havia na região pequeno curtume como o do João do Sinhô63, o que exigia

pouca importação de outros materiais. Era a época da botina confeccionada em couro e

somente após a emancipação político-administrativa do Município e com a implantação de

61 ALMEIDA, 1996, p.18. 62 ALMEIDA, 1996, p.17. 63 AMARAL, Geralda Pinto do. Inédito. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto Memórias, Departamento de Cultura, 29/10/2007.

35

estruturas adequadas para a industrialização é que essa atividade soergueu-se64 e atendeu as

necessidades da indústria local por um período que foi aos poucos sendo substituída pela

fabricação de sapatos e de botas masculinas.

No ano de 1954, o Distrito foi elevado à categoria de cidade65, tendo a

instalação ocorrida em 01 de janeiro de 1954, nas dependências do Grupo Escolar Major

Agenor, com participação popular e com a presença de autoridades como Pedro Martins do

Espírito Santo - Juiz de Paz, Dr. Paulo Campos Guimarães - deputado estadual, Antero

Rocha - Prefeito Municipal de Pitangui, Dr. Sebastião Guimarães - Prefeito Municipal de

Divinópolis, Dr. Gumercindo Gomes Guimarães - advogado em Pitangui e o Pe. Antonio

Pontelo - Pároco de Pitangui.66 Esse foi sem dúvida um importante marco para o

desenvolvimento da cidade, fruto da ação das forças políticas locais, muitas das quais

ligadas aos pioneiros da produção de calçados. O nome da cidade que nascia: Nova Serrana

é uma homenagem à cidade de Pitangui, antes conhecida na região como Velha Serrana.

Curiosa alusão, uma vez que nos dias atuais, Pitangui não possui mais a importância

política e econômica do período colonial, e em contrapartida Nova Serrana é uma das

cidades que mais cresce no Estado.67

Percebe-se que o início da instalação do município a estabilidade política

também se encontrava um tanto conturbada e até mesmo sem estruturas para se manter.

Segundo os dados do Recenseamento Geral de 1950, a população local era de 5.286

habitantes e as estimativas do Departamento Estadual de Estatísticas de Minas Gerais

apresentam 5.630 pessoas como sua provável população e uma densidade demográfica de

64 FREITAS & FONSECA, 2002. – NAVARRO, Horácio. Inédito. Belo Horizonte, 2005. Entrevista concedida a Betânia Gonçalves Figueiredo – Depto. De História da UFMG – Centro de Memória do Calçado. 65 NOVA SERRANA, Lei Nº 1039, de 12 de dezembro de 1953. 66 NOVA SERRANA, CÂMARA MUNICIPAL - Livro de Atas de emancipação do Município de Nova Serrana e posse dos prefeitos – pg 01 – 01/01/1954. 67 O início da administração deveria ocorrer a partir de 1º de janeiro de 1954, e para gerir provisoriamente a nova cidade até as eleições, foi nomeado pelo Governador do Estado, o funcionário público Geraldo Magela Pereira, que cuidou de organizar as bases para o futuro prefeito. Comprou móveis e máquinas; encampou todas as escolas rurais; elaborou o Código de Postura Tributária e demais regulamentos municipais. No final de 1954, foram eleitos, Dr. Rafael Costa Cruz Filgueira e o vice-prefeito Dimas Guimarães. Devido às dificuldades de presença constante no município e o afastamento superior a quinze dias, Dr. Rafael teve seu mandato cassado e substituído pelo vice Sr. Dimas Guimarães, que renunciou o cargo em 09 de julho de 1957. CÂMARA MUNICIPAL DE NOVA SERRANA. Termo de entrega do Cargo, 26 de março de 1958.

36

19 habitantes por quilometro quadrado.68 Dona Geralda alerta sobre as dificuldades da

época, que uma vez que a população era pequena, consequentemente a arrecadação também

era o que comprometia o desenvolvimento do município.69

Após a emancipação política a vida começava a mudar, ainda que timidamente.

Com o crescimento urbano e populacional mudaram-se também os hábitos, as estratégias

políticas, as conquistas de infra-estrutura e a forma de se ver a cidade. Em pouco tempo a

população perceberia que Nova Serrana não era mais um arraial. No próximo sub item

abordaremos e analisaremos o crescimento da cidade a partir de diferentes lugares.

68 IBGE – Enciclopédia dos municípios brasileiros, vol. XXVI, 1959. Censo de 31/12/1955. 69 AMARAL, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto Memórias, Departamento de Cultura, 29/10/2007.

37

2- O arraial se transforma em pólo industrial: dilemas de uma cidade em

crescimento

O crescimento populacional, urbano e econômico da cidade de Nova Serrana é

um fato, crescimento esse alavancado pela indústria calçadista. Entretanto, o ritmo do

crescimento mais acelerado está localizado nas três últimas décadas do século XX, com

ênfase para as décadas de 1980 e 1990.

TABELA II – População Nova Serrana – 283,10km2

Ano População Densidade

ha./km2 Crescimento em %

1940 5.623 19,86 - -

1950 5.286 18,67 5,98 0,598

1960 5.426 19,16 2,65 0,265

1970 6.577 23,23 21,20 2,12

1980 9.275 32,76 41,10 4,11

1991 17.913 63,27 93,13 8,46

1996 27.507 97,16 53,56 10,71

2000 37.447 132,27 36,14 9,03

2007 60.220 212,71 60,81 8,68

FIGURA 05 - Fonte: IBGE

38

TABELA III – Comparativo Inter-censos IBGE

POPULAÇÃO

Ano Araújos Bom

Despacho

Leandro

Ferreira Moema

Nova

Serrana Perdigão

1940 - 16.257 4.350 2.773 5.623 -

1950 - 25.863 - - 5.286 -

1960 - 23.910 4.370 4.169 5.426 -

1970 - 27.825 4.365 4.358 6.577 -

1980 - 29.391 2.771 5.096 9.275 -

1991 - 33.330 2.928 5.505 17.913 -

1996 - 37.669 3.071 5.887 27.507 -

2000 6.217 39.943 3.227 6.513 37.447 5.707

2007 7.203 42.215 2.955 6.746 60.220 7.318

FIGURA 06 - Fonte: IBGE

39

40

Além da cultura da produção de calçados, podemos destacar quatro pontos

significativos e responsáveis pela instalação do pólo industrial calçadista em Nova Serrana.

O primeiro desses marcos no desenvolvimento da cidade foi a instalação da energia elétrica

da CEMIG, o que se deu em 1968. É depois dessa data que a produção de calçados ganha

expressividade. (Ver Tabela IV)

TABELA IV - Produção

INDÚSTRIA MANUFATUREIRA E FABRIL – NOVA SERRANA

Ano Nº de fábricas Produção pares/dia Empregos

1940 1 10 02

1950* 9 - 19

1972 48 - -

1985 400 - -

1998 476 - -

2000 984 330 mil 30 mil diretos

FIGURA 08 - Fontes: RAIS - Relação Anual de Informações Sociais - * Fonte: IBGE

Nos tempos do Cercado o pequeno arraial enfrentou a dificuldade de não ter luz

elétrica, como descreve o Padre Antonio Pontelo, vigário da Paróquia de São Sebastião, no

período de 1952 a 1956: “Apenas devo lamentar, e também os parochianos todos

lamentaram, ter passado um escuro este fim de ano. A inauguração da luz electrica,

marcada para antes do Natal, ainda não se fez. Esperamos não demore este melhoramento,

motivo de alegria e fonte de utilidade para a Villa do Cercado”. 70 A fábrica de polvilho do

Cipinho era mantida por gerador colocado no final do “rego” d’água, que cortava a cidade,

o excedente da energia era distribuído para iluminar a cidade, mas não dava mesmo para

alimentar um rádio.71

70 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião 01, p.78. 71 AMARAL, Geralda Pinto do. Inédito. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto Memórias, Departamento de Cultura, 29/10/2007.

41

Antes da instalação da CEMIG, a energia elétrica que abastecia a cidade vinha

de Cardosos (município de Conceição do Pará) gerada pela Usina Bento Lopes, fornecida

pela Companhia de Tecelagem Pitanguiense, importante salientar que era fornecido o que

sobrava do consumo da companhia de tecelagem, quando chegava a época da seca, não

restava praticamente nada e ainda havia os defeitos nas linhas de transmissão, que

comprometia o fornecimento, chegava a faltar durante uma semana inteira.72 E como visto

era sempre um problema, porque era fraca e não conseguia atender a demanda. Frei

Anselmo relata esta questão quando diz: “como todos os anos festejamos este mês dedicado

a Nossa Senhora com orações e coroação. Porém a falta de luz fez com que foi

relativamente menos freqüentado [...] Infelizmente continuamos na mesma miséria e não

conseguimos aumentar a assistência às Santas Missas e mês de junho. Tanto frio, falta de

luz e desânimo, são razões para a frieza espiritual”.73 Com a instalação da rede elétrica pela

CEMIG, esse quadro não se repetiria, e não apenas um rádio, mas toda uma crescente

demanda industrial teve seus anseios atendidos.

Segundo Frei Ambrósio, a implantação e inauguração do novo sistema elétrico

da Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG), foi “um grande passo para o

desenvolvimento da cidade. Agora as máquinas das sapatarias podem trabalhar a valer”.74

Também datam desta época a instalação dos primeiros aparelhos telefônicos da CTBC,

assim como a criação da Biblioteca Pública Municipal “Aurélio Camilo”, importante marco

cultural para o desenvolvimento da cidade.75 Estes avanços foram acompanhados pelo

crescimento da indústria e da modernização da infra-estrutura da cidade. Dentre os avanços

desta época, a implantação do sistema elétrico da CEMIG foi um marco muito importante

porque através desta melhoria as palavras de frei Ambrósio foram proféticas, as fábricas de

calçados se multiplicaram. 72 ALMEIDA, 1996, p.19. 73 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião 02, p.10. Frei Anselmo se refere às festividades do mês de maio e junho de 1964. Percebe-se aí, certa dificuldade para organizar a escrita, uma vez que Frei Anselmo é holandês e ainda não se adaptou com a língua portuguesa. 74 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião 02, p.27v. 75 Marcou também o mandato do Sr. Benjamim Martins a instalação do Posto de Saúde; aquisição de um trator; abertura de novas ruas; construção de um cemitério em Ripas; instalação do serviço de abastecimento de água em Boa Vista e Gamas; calçamento de ruas; compra de um caminhão;; aquisição de uma motoniveladora; construção de uma escola em Novais e; eletrificação da comunidade de Boa Vista, como aparecem nos arquivos da Prefeitura Municipal.

42

Também data do final da década de 1960 e início da década de 1970, a

construção dos grupos escolares nas comunidades de Ripas e Boa Vista, promoção de

melhorias na organização urbana com a nomeação, numeração e emplacamento das

residências e ruas. Também são desse período as primeiras iniciativas públicas quanto ao

saneamento básico.76

O segundo marco de relevância para o crescimento da cidade foi a chegada dos

freis holandeses da Ordem dos Carmelitas Descalços, que aconteceu em setembro de 1962,

quando chegaram Frei Ambrósio Heyjnen, Frei Tiago Montfortes e Frei Paulo Fonseca.77

“Eram pessoas de uma mentalidade nova, baseada em princípios europeus e que

incentivavam muito o desenvolvimento da cidade em vários planos: desde a educação, o

lazer, a cultura, a urbanização e até mesmo as relações políticas.”78 Sob um certo prisma, a

chegada dos padres alçou a pacata cidadezinha do interior de Minas a um novo patamar

cultural. Era ativa a participação dos clérigos na vida da cidade, e para alguns componentes

da comunidade, a chegada dos padres holandeses foi decisiva para o desenvolvimento do

comércio e da comunidade em geral.

76 Eleito para prefeito em 1958, Francisco Batista de Freitas assumiria o mandato de 1959 a 1962.76 Era farmacêutico, conhecia vários problemas de saúde da população e em seu mandato deu ênfase à questão do saneamento básico, com a construção das primeiras redes de esgoto e distribuição de água canalizada. Outras obras que destacaram neste mandato foram: calçamento de ruas, construção de pontes, elaboração de uma planta cadastral da cidade e implantação do sistema de limpeza urbana semanal. 77 Os frades carmelitas chegaram e se instalaram na cidade no dia 30/09/1962. Frei Paulo Fonseca, era irmão do Sr. Fausto Pinto da Fonseca, filho do Sr. Pacífico Pinto da Fonseca, pessoas que contribuíram significativamente para o crescimento da cidade através de doações e empreendimentos. 78 GUIMARAES, João. Inédito. Nova Serrana, 2005. Entrevista concedida pelos filhos do Sr. Dimas Guimarães à Betânia Gonçalves Figueiredo – Arquivo Municipal – Depto. De Cultura – Centro de Memória do Calçado.

43

FOTO 09 - Recepção dos padres carmelitas (Fr.Tiago, Fr.Paulo, D.Cristiano e Fr.Ambrósio) Rua Frei Anselmo antiga Rua do Meio – 30 setembro de 1962. Foto: Arquivo Paroquial.

Os referidos padres incentivaram muitas mudanças na Paróquia de São

Sebastião79 construíram e coordenaram as atividades do Colégio São José, a primeira

Escola de qualidade de Nova Serrana, onde também eram professores. A instalação do

Colégio São José foi fundamental para a formação de mão-de-obra qualificada,

absolutamente essencial para a construção do pólo industrial calçadista. Mesmo diante de

uma elitização da comunidade escolar, o Colégio foi significativo na formação de uma

grande maioria de empresários constituídos durante as décadas posteriores. Incentivaram a

construção do Centro Social e a formação dos Grupos de Juventude.

Desde sua chegada em Nova Serrana, os frades carmelitas perceberam uma

desvalorização pela busca do conhecimento e descaso pelo estudo pela população local. As

escolas e mesmo a indústria, o comércio e o setor de serviço, enfrentam este problema uma

vez que toda a cidade vive em função da produção e pouco se faz pela formação. Falta

mão-de-obra qualificada80, as relações comerciais são prejudicadas por conta da

desvalorização da educação formal. Nesse movimento, segundo as exigências do

capitalismo em detrimento da cultura, as escolas têm que adaptarem seus calendários ao

79 Essa temática será discutida no capítulo 3. 80 SUZIGAN, 2005, pp.1-19.

44

processo industrial. Muitos cursos, mesmo os profissionalizantes são prejudicados devido a

este movimento da indústria. E como visto, isso gera um descompromisso com a vida

urbana e com a participação política, com a vida social e religiosa, dentre outros fatores.

O terceiro marco para o crescimento econômico, urbano e populacional da

cidade, foi a construção da BR-262, inaugurada em setembro de 1969. As dificuldades da

indústria calçadista eram muitas, faltavam materiais e as distâncias não permitiam muita

mobilidade. A estrada que ligava o povoado do Cercado a Belo Horizonte era precária,

gastava-se o dia todo para chegar à capital, e para ir até Divinópolis, passava-se por uma

estrada chegava a ter vinte e sete mata-burros durante todo o percurso, pois não existia a

BR-494. A “Jardineira”, como era chamado o ônibus, passava poucas vezes no mês e não

atendia as necessidades da população. Surgia neste período uma espécie de cooperativa,

criada por Dulce Amaral que recolhia os pedidos dos fabricantes locais e ia até Belo

Horizonte fazer as compras, o que facilitava o trabalho dos sapateiros, uma vez que não era

possível comprar grandes quantidades de materiais de uma só vez. 81 Antes do final da

década de 1760, além de telefones, o Município também não dispunha de bancos e

escritórios de contabilidade, os serviços eram feitos em Divinópolis, Bom Despacho ou

Pitangui. Da mesma forma, a água tratada era considerada “artigo de luxo” e na maioria

das vezes também faltava, porque o fornecimento através de poços artesianos dependia da

energia elétrica.82 O ano de 1968 foi um ano de bastante progresso para a cidade. Muitas ruas foram abertas e calçadas. Até as estradas no interior melhoraram. O prefeito quer mesmo mudar o aspecto da cidade e está com plano de construir a nova prefeitura e rodoviária. (...) Neste ano multiplicaram-se as sapatarias, que por afinal, são as únicas fontes de renda na cidade. A estrada BR-262 atraiu muitos compradores de sapatos. Se houvesse mais capital livre a produção poderá tomar um impulso muito maior. Desemprego não existe, até as crianças dão uma mão. O apego ao dinheiro é grande, mas o desenvolvimento espiritual e social ainda está no início. 83

Os avanços e o crescimento da cidade ganham novas dimensões com a

construção da rodovia federal, que segundo os planos iniciais passaria por outros

81 AMARAL, Meire. Exclusiva. Nova Serrana, 2005. Entrevista concedida a Reginaldo Silva – Dulce Amaral foi a primeira mulher eleita para o cargo de vereadora em 1958. 82 ALMEIDA, 1996, 13. 83 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião – Volume II – 1962-1990. pg 25 – Texto de Frei Ambrósio.

45

municípios como Araújos, Perdigão e São Gonçalo do Pará em direção a Belo Horizonte, e

que por intervenções da população, o projeto foi alterado, e as cidades de Nova Serrana,

Pará de Minas é que receberam este benefício. Em 1969 foi inaugurada a BR-31, que mais

tarde passou a denominar BR-262. A construção da Rodovia pela empresa ETERJ, filial da

Construtora Andrade Gutierrez, que atraiu inúmeros trabalhadores e que mais tarde

acabaram por fixarem no município. Este pode ser considerado o maior ponto de referência

para o crescimento urbano, econômico e industrial de Nova Serrana. Assim como a

passagem da estrada de ferro pelo Arraial do Espírito Santo do Itapecerica foi a condição

necessária básica que impulsionou seu desenvolvimento no final do século XIX,84 a

Rodovia foi determinante para o crescimento urbano de Nova Serrana com o recebimento

de uma grande massa de trabalhadores, visitantes e comerciantes que passaram a chegar

cada vez mais em todos os anos subseqüentes.

A história dos caminhos, rodovias e ferrovias principalmente, estão muito

ligadas a história das cidades com as quais nasceram, se desenvolveram, estagnaram ou

mudaram seu ritmo de vida com o traçado dessas estradas. A história das penetrações da

colonização portuguesa está muito ligada à abertura e expansão de novos caminhos, sejam

terrestres ou fluviais, nos quais povos foram dizimados, escravizados, mercadorias foram

transportadas e saqueadas, ou povoados abastecidos com cereais, minerais preciosos,

armas, pólvoras, aguardente, ferramentas, roupas, produtos importados da Europa entre

outras tantas mercadorias. “O povoado à beira do caminho, com o cruzeiro, a capela, o

pelourinho, o rancho de tropas, a venda, o pouso, a oficina e as casas de pau-a-pique,

simbolizou durante longos tempos, a urbanização do centro-sul a América Portuguesa.” 85

São os caminhos levando ao desenvolvimento econômico e a transformação cultural.

O crescimento industrial se torna cada vez mais visível, apesar das dificuldades

em relação à aplicação de capital financeiro, como dito antes, os frades holandeses são os

grandes incentivadores deste progresso, quando dizem que “a nossa indústria também

cresceu embora lentamente. Na falta de reservas o que impede indústrias maiores. E por

causa do individualismo ainda não tomaram a iniciativa de fundar cooperativas que

84 CORGOZINHO, 2003, p.62. 85 SANTOS, Márcio apud ROMEIRO, 2003, p.61.

46

poderiam beneficiar muito. Mas a cidade tem futuro, especialmente por causa da estrada

BR-262. Vamos devagar, mas vamos.” 86 Os padres carmelitas foram grandes

incentivadores e exerceram sua influência junto aos políticos locais a fim de que a rodovia

passasse por Nova Serrana.

Os engenheiros que projetaram a estrada delinearam que não deveria cruzar

perímetros urbanos, que seu traçado passasse pelos acostados das cidades, o mais distante

possível, com exceção de Nova Serrana, cujo centro se encontrava a mais ou menos 400

metros de distância. A BR-262, na atualidade, se trata de perímetro urbano, nos horários de

pico, a estrada fica cheia de pessoas que vão para as fábricas ou para suas casas, “nesse ir e

vir turbulento que é a marca registrada das cidades de pólo industrial e comercial”.87 A

estrada atraiu um grande número de trabalhadores e progresso, ampliou o número de

fábricas, aumentou o comércio local, os estabelecimentos de diversão, clínicas e uma

variedade de atividades, como também se tornou rota de criminosos atraídos pelo

movimento financeiro da cidade.88 Em dezembro do mesmo ano foi instalado o posto do

Correio pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, tanto o prefeito municipal como

o representante da ECT, afirmaram em seus discursos a importância desta conquista e “os

benefícios que tal medida acarretou” 89 e ainda “Tal evento seja um motivo real de

progresso para o município” 90 A infra-estrutura necessária para a implantação das

indústrias de calçados vão surgindo à medida das necessidades dos moradores. As moradias

dos operários “eram simples e pequenas, em geral construídas em um pequeno terreno do

grupo familiar”.91

À medida que as indústrias se consolidavam e conquistavam os mercados

nacionais, era necessário um mínimo de organização e mobilização entre políticos e

86 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião – Vol. II - 1962-1990 – Frei Ambrósio. 87 ROCHA JÚNIOR, 2006, p.4. 88 ROCHA JÚNIOR, 2006, p.4. 89 CAMARA MUNICIPAL. Ata de Instalação do Posto do Correio de Nova Serrana – 08/12/1969 – Prefeito Benjamim Martins, 1969. 90 CAMARA MUNICIPAL. Calimério de Souza Ferreira – representante da Regional dos Correios e Telégrafos de Minas Gerais, 1969. 91 SANTOS, 2005, p.63.

47

empresários.92 Após a instalação da CTBC (1972) e do Banco Real S/A. (1974) e mais

tarde o Banco do Brasil S/A. Outro marco fundamental foi a criação da ACINS –

Associação Comercial e Industrial de Nova Serrana, sob a presidência do Sr. Tomaz

Aquino Freitas, que foi o precursor de tal projeto ao reunir outros empresários e propor um

trabalho mais coletivo, isto fortaleceu e promoveu mais respeito pela classe calçadista de

Nova Serrana. A partir deste projeto, foram implantados vários cursos de gerenciamento de

produção e de qualidade dos produtos.

Durante os governos dos prefeitos José Manoel Filho93 e José Maria da

Fonseca94, a cidade ganhava infra-estrutura, quando foram construídas escolas e implantado

o sistema de água tratada pela COPASA-MG (1981), calçamento de ruas, implantação do

sistema DDD e DDI, instalação da Caixa Econômica Federal, dentre outras obras.

O maior crescimento da cidade é registrado na década de 1980, quando a cidade

começa a se recuperar de uma crise financeira95 (Ver FIGURAS 04, 05, 06 e 09). Mas ao

mesmo tempo em que se pensava em crescimento urbano, a indústria passava pela maior

dificuldade econômica com a chegada do Plano Collor96, quando houve um grande número

de demissões e a indústria local se desestabilizou.

O quarto e último marco, talvez o mais significante para o crescimento da

cidade foi a divulgação na mídia. Constantemente realizavam propagandas em horários

nobres para diversas localidades do país, falando do pólo industrial nascente e que não

faltavam empregos, o que trazia cada vez mais, uma massa de pessoas para o trabalho e em

busca de melhores condições de vida. Vinham migrantes trabalhadores de diversas regiões

do Estado e de todo o Brasil, provocando uma aculturação na vida dos habitantes nativos no

município, consequentemente mudanças nas estruturas sociais e econômicas.97 Tornou-se aí

92 No período seguinte, Dr. Jacinto Moreira Filho, foi eleito pelo voto direto, administrou o município no ano de 1971, poucos meses após a posse passou o cargo para o vice João Gonçalves do Amaral. A cada governo que se instalava, se preocupava com o crescimento da cidade. 93 CAMARA MUNICIPAL. Ata de Posse – 02/02/1977 – mandato de 1977-1982. 94 Mandato de 1983-1988. 95 Implantação do Plano Cruzado em 28 de fevereiro de 1986, Plano Cruzado II em Plano Bresser em 1987; Plano Verão em 1989. Sucessivos planos que fracassaram e desestabilizaram a economia, gerando desempregos e altas taxas, o que afetou drasticamente as relações econômicas da cidade de Nova Serrana. 96 Não cabe aqui fazer uma análise dos planos econômicos brasileiros, apenas determinar o contexto histórico nacional para avaliar melhor o crescimento da cidade. 97 O processo de migração e aculturação será tratado no capítulo II deste trabalho.

48

uma cidade de muitos “forasteiros” 98 em busca de melhorias para si mesmos e

automaticamente, pouco compromisso para com o lugar. Quem são estes forasteiros? Não é

aconselhável denominar como forasteiro, alguém que se mudou de uma região a outra, que

construiu uma vida inteira, família e constituiu um patrimônio. Estes, no entanto,

transformaram o lugar onde chegaram e contribuíram significativamente para o

desenvolvimento da região. O “forasteiro” por assim dizer, é aquele que passa pelo lugar e

apenas retira dele o que necessita, vai embora sem muito contribuir. São pessoas que

trabalham durante a semana na cidade e no sábado e domingo voltam para suas casas,

utilizam dos serviços da comunidade, mas não paga impostos e nem mesmo é contado

como população onde mora sua maior parte do mês. Isto é um dado significativo nos

serviços do IBGE, uma vez que a contagem da população determina valor de verbas

financeiras para a cidade.

98 O termo proposto não pode ser utilizado de forma generalizada para todos aqueles que chegam de outras localidades, uma vez que nos remete idéia de pessoas que estão só de passagem pela cidade sem maiores preocupações, nos remete também ao conceito de que todos aqueles que não foram nascidos na localidade não teria compromisso com o lugar. O termo “forasteiros” está associado à idéia daquelas pessoas que vivem de passagem, moram na região por um tempo, não conseguem dissociar da região de onde vieram e acabam por usufruir de todos os serviços da cidade mas não transferem a documentação e acabam por voltar à suas terras, sem participarem da vida da cidade.

49

3- Pé na tábua: nasce a capital mineira do calçado

A década de 1980 marca a entrada de nova Serrana no cenário industrial a nível

não apenas regional, mas nacional. Nesse período deu-se um leve crescimento no setor

agrícola, o que não chegou a representar uma ameaça à vocação econômica da cidade. O

crescimento acelerado da atividade industrial e comercial acelerou por sua vez o

crescimento populacional e urbano. No censo do IBGE de (2000) foi registrada uma

população urbana de 37.447 habitantes, enquanto que a população rural ficou em apenas

2.126 habitantes. Do total de 37.447 habitantes, o município contou 19.076 homens e

18.371 mulheres residentes. Mesmo a diminuta população considerada rural tem boa parte

de deus membros ligados de maneira intensa à vida urbana, muito dos quais trabalhando na

cidade e residindo apenas na zona rural. Outro dado interessante revelado pelo senso, 53%

da população de Nova Serrana ou seja, 19.871 pessoas tinha entre 9 e 29 anos, um

percentual considerado alto pelos especialistas. A cidade do calçado esportivo atraia e ainda

atrai, sobretudo, os jovens, em busca do “tão sonhado emprego”.99

Nem os mais otimistas poderiam imaginar que a tradição originada com a ação

pioneira de pequenas selarias mais tarde iria dar espaço a um total de 854 fábricas, 100 que

vão desde as de pequeno porte até mesmo as que atuam com tecnologias avançadas, o que

se contribui para uma produção média de 330 mil pares por dia, ou seja, 76 milhões de

pares ao ano.101

99 IBGE – Censo Demográfico 2000. 100 Relatório interno SINDINOVA, 2005. Sindicato das Indústrias de Calçados de Nova Serrana. 101 Idem.

50

FIGURA 10 - Fonte: Plano Decenal Municipal de Educação

0

10000

20000

30000

40000

50000

60000

70000

1950

1970

1980

1992

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

Crescimento Populacional de Nova Serrana

A partir da década de 1980, Nova Serrana teve de se adequar a uma nova

realidade. A cada dia, a cada mês, a cidade recebia um imenso número de novos moradores,

em sua maioria migrantes oriundos das mais diversas partes de Brasil102 atrás das

oportunidades de trabalho oferecidas pela cidade que crescia. O processo de

industrialização também provocou outro fenômeno, uma vez que grande parte dos

trabalhadores de Nova Serrana não moram em Nova Serrana, mas nas cidades vizinhas,

incluindo representantes, vendedores e compradores, que ampliaram o turismo de negócios

e acabaram por alterar padrões sociais, comerciais e conseqüentemente os padrões

culturais. Esse processo, a migração em massa, não é nenhum evento novo na

contemporaneidade, pelo contrario, as migrações em massa são um fenômeno comum no

nosso tempo. Graças à globalização tudo está mais próximo, mais rápido e as fronteiras se

102 A cidade recebe também um grande número de migrantes que vêm para usufruir do comércio local, e que acabam por escolher a cidade para residência fixa.

51

estreitam.103 Padrões culturais foram alterados com a chegada de tantas pessoas com visões

diferentes, com idéias diversas da população nativa. O choque de gerações, tão natural nos

processos culturais vão além do mundo contemporâneo, teve um ingrediente novo em Nova

Serrana, uma vez que a uma verdadeira legião de jovens “invadem” a cidade. São

invasores, “forasteiros”, portadores de valores e perspectivas de vida e visão de mundo em

muito distinta da população nativa e já fixada, sobretudo a idade mais avançada. Mas que

fatores explicam essa “invasão” de jovens de todo o Brasil em busca de trabalho? A

resposta a essa indagação diz respeito, a um elemento característica da cultura de massa na

contemporaneidade, cujo alcance extrapola as fronteiras regionais e até mesmo nacionais.

Os empresários locais, sob iniciativa de órgão classista, divulgou a cidade na

mídia regional e nacional durante a década de 1980 até o início da década de 1990. A

propaganda difundia a imagem de que a cidade era um verdadeiro oásis em um país que

vivia momentos de crise no setor de emprego, atraindo a “legião de forasteiros” ao qual já

nos referimos. Em geral os migrantes não tinham qualificação profissional e vinham em

busca de melhores condições de vida. Era comum, e ainda é, observar inúmeras pessoas nas

portas das fábricas buscando uma chance para trabalhar, mas não atendiam as necessidades

das empresas, pois eram pessoas que nunca haviam nem entrado no setor de produção.

Diante da chegada de tantas pessoas, o ritmo de vida da antes pacata cidade do

interior de Minas mudou. Os moradores, antigos e novos viram-se alarmados diante do

número de ocorrências policiais que a cada dia aumentavam. O déficit habitacional em

Nova Serrana é de 579 habitações, correspondendo a 5,96% do total de domicílios, nesse

sentido os aluguéis passam a subir assustadoramente e conseqüentemente sobe também o

custo de vida. O número de loteamentos cresceu e com isso o perímetro urbano foi alterado

(VER FIGURA 07), a especulação imobiliária e o problema da moradia passou a ser uma

preocupação dos governos e de entidades responsáveis pelas questões sociais.

A cidade passou a crescer na ordem de 8.9% ao ano: 104 A urbanização rápida foi seguramente um dos maiores fenômenos globais do século XX e, em que pese o declínio das atividades industriais tradicionais que requerem a urbanização como suporte, as taxas de crescimento urbano vão continuar aumentando de maneira significativa no século XXI, sobretudo no

103 GIDDENS, 2005, pp.220-227. 104 IBGE, Censo Demográfico 2000.

52

contexto do mundo em desenvolvimento. Isso porque a cidade continuará sendo o palco da nova economia pós-industrial e da nova configuração econômica e financeira que já está sendo identificada no contexto do mercado global. 105

Nova Serrana é clássico exemplo de como uma região, outrora ensimesmada e

cujos vínculos econômicos, políticos, sociais e culturais diziam respeito apenas a um

âmbito restrito, com poucas superfícies de contato, abre-se para um universo muito mais

amplo. Os sapatos fabricados em Nova Serrana são vendidos no Brasil e em várias partes

do mundo. É um contraste encontrar na cidade executivos de outras nacionalidades e ao

mesmo tempo em que ainda é possível ver as carroças circulando pelas ruas, cena típica das

cidades interioranas.

TABELA V – Domicílios em Nova Serrana

Município População em 2007 Domicílios IBGE Domicílios com

Energia Elétrica

Nova Serrana 60.220 18.831 17.979

FIGURA 11 – Fonte: IBGE - Censo 2007

Em algumas análises a taxa de crescimento de Nova Serrana parece estabilizar.

Foi apontada pelo IBGE uma taxa de crescimento anual de 8%, o que levaria, segundo tais

projeções, a uma população de 120 mil habitantes em 2015 106. Outras pesquisas,

entretanto, apontam um crescimento anual de 5,6%, desde 2005. 107 Mesmo assim é um

índice elevado levando em consideração as médias nacionais e regionais.

105 BRANDÃO, 2006, p.123. 106 NOVA SERRANA. Sec.Municipal de Educação e Cultura. Plano Decenal Municipal de Educação de Nova Serrana, 2007-2016. Pesquisas elaborada pela FUNEDI/UEMG com fins de composição do Plano Diretor da cidade. 107 NOVA SERRANA. Prefeitura Municipal. Plano Diretor de Nova Serrana

53

TABELA VI – Projeção População futura em Nova Serrana

Plano Decenal de Educação Ano Habitantes

2008 66.831

2009 72.799

2010 79.299

2011 86.380

2012 94.093

2013 102.495

2014 111.647

2015 121.617FIGURA 12 - Fonte: Plano Decenal Municipal de Educação – Crescimento de 8,93% a.a.

Nova Serrana apresenta 78% de sua população oriunda de outras cidades e

estados brasileiros.108 A maior parte da população vem de cidades do norte de Minas Gerais

(Capelinha, Poté, Malacacheta, Paineiras, Governador Valadares, entre outras), vêm em

busca de melhorias ou fugindo de situações de risco como a pobreza existente nessas

regiões. “As cidades são tanto os dados imediatos de suas materialidades, quanto o

impalpável dos sonhos, dos desejos.”109 Esta característica do município ter uma população

itinerante, provoca uma grande diversificação quanto a evolução do índice populacional,

cultural e até mesmo econômico apresentando variações consideráveis de um ano para o

outro. Todos os setores da cidade crescem de forma assustadora e quase que sem controle,

afinal “a cidade é espaço do conflito e da conciliação, da alienação e da luta de classes”.110

Nova Serrana possui três populações distintas: a residente que é fixa; a

trabalhadora que mora nas cidades vizinhas e volta para a cidade onde tem residência ao

final de cada dia (somam até 10 mil pessoas); e a população do fim de semana, que deixa

Nova Serrana nos finais de semana e feriados deixando a cidade vazia, com um aspecto de

108 NOVA SERRANA, Sec. Municipal de Educação e Cultura. Plano Decenal de Educação, 2007/2016. 109 PAULA apud BRANDÃO, 2006, p.22. 110 PAULA apud BRANDÃO, 2006, p.22.

54

“cidade fantasma”. Essa situação faz com que a cidade seja considerada como um hotel,

que é “[...] um lugar de trânsito, não de residência. O hotel como estação, terminal de

aeroporto, hospital e assim por diante: um lugar por onde se passa, onde os encontros são

fugazes, arbitrários.” 111 No hotel não se tem muito compromisso com o espaço, a cama e o

quarto são arrumados pela camareira, que tem a chave do quarto. As “cidades hotéis”

também são assim, seus hóspedes não têm muito compromisso com o lugar, ou quase

nenhum, estão ali porque precisam estar, passam ali porque têm que fazer alguma

transação, ganhar seu dinheiro, fazer seu trabalho, depois simplesmente ir embora e

qualquer desordem será ajeitada pelos funcionários. A cidade se torna um lugar indiferente,

de exílio, transitoriedade, desenraizamento, um lugar de partidas e chegadas. CLIFFORD

(2000) nomeia essa situação “de culturas viajantes (e culturas da viagem) no final do século

XX [...] isso se tornou seriamente problemático, envolvendo classe, gênero, raça,

localização cultural e história , e privilégios, de várias maneiras importantes.” Muitas vezes

a cidade hotel tem que mudar seus hábitos, se mobilizar completamente, apenas para

atender um hóspede, mesmo que seja muito importante isso gera um certo transtorno.

Imagine em Nova Serrana onde o número de hóspedes é grande e muito exigente, porém

estão só de passagem e pouco se importam com a manutenção ou conservação do lugar.

Um outro relato dessa situação foi uma das reuniões da comissão de acompanhamento do

Senso Demográfico 2007, onde foi apontado um problema dessa população flutuante, no

caso, aquelas pessoas que passam a semana toda na cidade e nos finais de semana voltam

para suas casas, durante o recenseamento essas pessoas são abordadas e declaram

moradoras de outras cidades. Essa lógica gera problemas de ordem política e estrutural,

uma vez que utilizam os recursos disponíveis na cidade, relacionados a saúde, educação,

infra-estrutura entre outros recursos, cujas verbas para manutenção oriundas do Estado e do

Governo Federal são concedidos levando-se em consideração os cálculos com base no

número de seus habitantes com residência fixa na cidade. Esse quadro gera, por exemplo,

um alto déficit de vagas em Escolas públicas.

Atualmente o município começa a reestruturar-se nos diversos setores, à medida

que a indústria cresce passa a requerer maior estabilidade e organização nos setores do 111 CLIFFORD apud ARANTES, 2000, p.51.

55

comércio e de serviços, por isso cresce e melhora a qualidade da rede hoteleira,

restaurantes, escolas e comércio. Porém, a cidade foi oprimida pelo capital, “ele

transformou a cidade”,112 o que aconteceu com todo o mundo contemporâneo, tudo passa a

funcionar em prol do movimento e da estabilidade financeira. Não existe um modelo de

cultura original, afinal o processo cultural é multifacetado.

A grande massa de trabalhadores que chega todos os dias, que esquentam seus

alimentos e fazem seu horário de almoço ali mesmo na rua, ilustra bem o número de

pessoas que vivem em função, agora, da industrialização, mas ao mesmo tempo em busca

de riquezas, assim como seus patrões. Paradoxalmente, mesmo sendo uma cidade tão rica,

“Nova Serrana tem um dos maiores níveis de pobreza do estado de Minas Gerais. Entre

1991 e 2000, a renda per capita mensal do município cresceu, em termos acumulados,

101,51%, saltando de R$ 184,00, em 1991, para R$371,11 em 2000.” 113 A cidade tem uma

movimentação financeira grande e praticamente toda a população está empregada, mesmo

que informalmente. Segundo os últimos sensos, tem melhorado a renda média per capita

“Em situação inversa, a pobreza (medida pela proporção de pessoas com renda domiciliar

per capita inferior a R$75,50, equivalente à metade do salário mínimo vigente em agosto de

2000) diminuiu 46,67%, passando de 22,8% em 1991 para 12,2% em 2000.114

Por outro lado, assinalando o contraste característico do sistema capitalista, as

movimentações financeiras bancárias foram da ordem de R$114 milhões, em 2004.115 O

SINDINOVA e ABICALÇADOS estimam que o total de vendas em 2004, foi na ordem de

R$600 milhões, o que retrata a forte informalidade.116 É uma cidade com grande circulação

de dinheiro e que dá uma característica tipicamente da indústria e do desenvolvimento

capitalista. Mas também uma cidade que vive na informalidade, uma vez que as relações de

trabalho não atendem completamente a legislação trabalhista. Trabalham na informalidade

para atenderem as necessidades das bancas de pesponto, que por sua vez, a maioria não é

registrada e nem registra seus funcionários, e estes últimos trabalham na informalidade

112 PAULA apud BRANDÃO, 2006, p.29. 113 SEBRAE, 2005. Relatório interno. 114 Diagnóstico Municipal – Plano Diretor de Nova Serrana, 2007. 115 BANCO CENTRAL DO BRASIL. 116 SINDINOVA, ABICALÇADOS apud Plano Decenal Municipal de Educação.

56

enquanto recebem benefícios do seguro desemprego. “A necessidade de ter uma ocupação

remunerada para compor o orçamento familiar fez com que operárias e operários das

indústrias calçadistas de Nova Serrana, por inúmeras vezes, acomodarem-se e sentirem até

gratos pela oportunidade de trabalhar.”117 Outro problema da ilegalidade na cidade é o fato

da indústria calçadista ainda não ter como prioridade o desenvolvimento de uma

modelagem e marcas próprias, que partem de um processo criativo, a maior parte da

produção é de uma modelagem copiada de revistas, catálogos e até de outras empresas

durante as feiras e exposições de moda. Existe uma “pequena capacidade inovativa: a cópia

de produtos é a principal fonte de informação para a introdução de inovações de produtos.” 118 Essa prática leva as empresas a considerarem como normal recebem intimações, têm

seus produtos e até maquinários apreendidos, mas não mudam a forma de pensar.119 Em

muitos estudos e artigos, a cidade de Nova Serrana ainda não passa uma boa impressão,

como apresentado por BREVE (2006), quando diz que “o município de Nova Serrana

(MG), que organizou todo um parque industrial baseado na falsificação de tênis de marcas

famosas”.120 É importante notar que o processo industrial não parte apenas de uma

originalidade. O mundo da moda é também o mundo da cópia, é o ato de apreciar e

acompanhar desfiles e tendências para alimentar a indústria.

A produção calçadista segue o sistema de produção fordista, “nesse sistema cada

trabalhador faz uma parte do produto, não tem noção do todo, inexiste a necessidade de

muita experiência. Entre as décadas de 80 e 90, os migrantes que chegavam à cidade em um

dia, no outro já estavam trabalhando, em poucos dias aprendiam a função, o que acontece

atualmente.” 121 A maior parte da produção de calçados de Nova Serrana abastece o

mercado nacional, principalmente os estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro.

Em 2003 as vendas totalizaram US$ 1,8 milhão, contra cerca de US$ 900 mil em 2002.122

Hoje se propõe a atingir boa parte do mercado internacional, como já acontece em países

117 SANTOS, 2005, p.35. 118 SANTOS, 2002, p.10. 119 Estado de Minas, Jornal. 22 de agosto de 1996. Caso do processo do Grupo Fiat contra a empresa Dio-Clay Calçados, por falsificar a marca Fila apresentando a marca Fika, porém com o mesmo modelo. 120 BREVE, 2006, pp.45. 121 SANTOS, 2005, p.31. 122 SEBRAE, 2005, p.9.

57

como a Argentina, que absorve entre 50% e 60% das exportações, outros consumidores são

Panamá, México, Paraguai e Uruguai. A indústria calçadista enfrenta o problema da

abertura internacional de mercados, promovida pelo Governo Federal, com é o caso dos

produtos da China.123 Porém as expectativas de crescimento são visíveis e muitas práticas

negativas começam a ser superadas, “Nova Serrana é o terceiro maior pólo calçadista

brasileiro”124. Em um relatório da FINEP, GARCIA apresenta dados sobre o crescimento

de Nova Serrana, comparando com outros pólos calçadistas como o Vale dos Sinos (RS) e

Franca (SP), consideram uma aglomeração importante e “que tem apresentado grande

dinamismo”.125 No seminário do BNDES, LESSA confirma o desenvolvimento de Nova

Serrana em seu discurso: Quando olho para Nova Serrana, o meu coração de brasileiro fica na maior felicidade porque eles conseguiram controlar 56% do mercado de calçados esportivos e têm uma qualidade notável, do meu ponto de vista. [...] é mais fácil no futuro a Nova Serrana comprar a Adidas, do que a Adidas comprar Nova Serrana. [...] espero que Nova Serrana saia dos dez milhões de dólares de exportação para quarenta, e que incomode a Adidas e a Nike.126

A frota de veículos registrada em 2005 foi de 12.045 veículos127, sendo 6.319

automóveis, 286 caminhões, 38 ônibus, 25 microônibus e 4.094 motocicletas, com uma

população de 51.885 habitantes em 2006128, ou seja, são 4,30 habitantes/veículo. É uma

cidade que tem uma população que cabe inteira nos carros registrados. Mesmo que a cidade

tenha tantos carros, estes não pertencem a toda população, existem famílias compostas por

três pessoas e que possuem quatro ou cinco carros. Ainda assim a maioria da população só

tem acesso à terra urbana e à moradia através de processos informais. Nova Serrana já

enfrenta esses problemas, quando registra um grande número de invasões de terrenos,

sejam públicos ou mesmo privados. Essas regiões não têm coleta de lixo, são áreas de risco

ou inundáveis, não estão conectadas aos sistemas de saneamento, o esgoto não é coletado e

as construções estão totalmente irregulares. Outro fator notável é a especulação imobiliária,

que deixam lotes vagos esperando a valorização e sem nenhuma utilidade social, hoje em 123 ABICALÇADOS, SINDINOVA 124 SEBRAE, 2005, p.4. 125 GARCIA, Renato C.. Relatório FINEP, 2003, p.27. 126 LESSA, Carlos, Seminário BNDES, Belo Horizonte, 2006. 127 IBGE, Ministério da Justiça, DENATRAN, 2005. 128 IBGE, estimativa em 01/07/2006, 2007.

58

Nova Serrana, são mais de 17 mil lotes vagos, ou seja, mais de 40% da cidade ainda não foi

adensado e o valor dos aluguéis também não é acessível.129 “O déficit nacional habitacional

em áreas urbanas foi recentemente estimado em 6,4 milhões de unidades no país, sendo que

o número de imóveis vazios nessas áreas foi calculado em cerca de 5 milhões de unidades.

Em suma, o país está enfrentando uma profunda, e crescente, crise urbana.” 130 A

ilegalidade urbana é provocada por uma combinação entre a dinâmica dos mercados de

terras e o sistema político que quer proteger grandes empresários ou mesmo as terras de

parentes e amigos, “mas também pela ordem jurídica elitista e excludente ainda em vigor

nos países em desenvolvimento, e no Brasil, sobretudo no que diz respeito à visão

individualista e excludente dos direitos de propriedade imobiliária.

O maior agravante nestas análises diz respeito às graves desigualdades sociais

existentes na cidade: são muitas áreas públicas invadidas devido ao problema da moradia;

muitas pessoas vivem com salários baixos e acabam por formar verdadeiros guetos; o

atendimento social oferecido pelo poder público não é suficiente diante da demanda; os

grupos sociais como Associações de Bairros, Terceira Idade, Conselho Tutelar do Menor,

Casas de Recuperação de dependentes químicos, hortas comunitárias, Programa Bolsa

Família, Abrigos para migrantes, Asilos, Delegacia da Mulher, entre outros, ou não existem

ou não estão em sua plenitude e acaba por não atender à demanda. 131

Nova Serrana, assim como toda cidade industrial, também vive os seus dilemas

ambientais. Diante dos avanços do capital e a necessidade de alimentar a indústria, pouco

se faz em relação ao meio ambiente. Até então, o lixo produzido, numa média de 1,5kg por

habitante132, tem como destino o lixão e existe um projeto para criação do aterro sanitário,

ainda em andamento. “A produção de lixo excedente natural do consumo, [deveria ser] é

proporcional ao número de habitantes e, portanto, cresce com a área de ocupação,

mantendo a mesma dependência com o raio da mancha urbana”, o que não acontece em

Nova Serrana, porque a produção de resíduos sólidos é muito maior que o número de

129 NOVA SERRANA, Plano Diretor de Nova Serrana. 130 FERNANDES apud BRANDÃO, 2006, p.124. 131 NOVA SERRANA, Diagnóstico Municipal de Nova Serrana, Plano Diretor de Nova Serrana, FUNEDI/UEMG, 2007. 132 NOVA SERRANA, Plano Diretor de Nova Serrana, 2007.

59

habitantes, devido a industrialização. Outro “avanço é o uso de redes subterrâneas de

esgoto”, a capitação segue para as ET’s (estações de tratamento), o que já está em

andamento na cidade. Outro problema enfrentado é a falta de arborização e cuidados com

as nascentes, como será visto no capítulo III, mesmo a fonte tradicional que benzida pelo

Pe. Libério teve seu fim, bem como os poços artesianos que abasteciam a cidade, hoje é

necessário captar água do Rio Pará, a uma distância de 15 km. Neste sentido não foi

despertada na população a necessidade de uma cidade mais limpa, mais arborizada e menos

hipermeabilizada, o que provoca inúmeras inundações. Com a elaboração do Plano Diretor,

a cidade faz uma reflexão sobre o seu crescimento e desenvolvimento. De acordo com a Lei

Federal Nº 10.257 de 10 de julho de 2001, conhecida como Estatuto das Cidades, as

cidades com mais de 20 mil habitantes ou que caracterizam atividades especiais como

patrimônio histórico, potencial turístico, reservas ambientais ou que quiserem, devem

elaborar ou rever seus Planos, com o aumento da população a cidade foi enquadrada nesta

proposta. Assim sendo, e em fase de conclusão e votação, a elaboração do plano

diagnosticou uma série de irregularidades, necessidades e urgências em todo o município,

como os problemas no trânsito devido ao crescimento desordenado e sem planejamento;

inundações devido à impermeabilização do solo, a cidade tem 97% das suas ruas

pavimentadas, não tem sistema de captação pluvial, toda a água da chuva segue diretamente

para os ribeirões inundando todo o centro da cidade; faltam áreas ambientais de

preservação e quase não é arborizada, a maioria das casas são construídas sem o

afastamento devido.

No âmbito educacional a cidade deu um grande salto nos últimos dez anos. Hoje

possui quatro escolas estaduais, quatorze escolas municipais, seis escolas particulares sendo

três de ensino fundamental e médio, uma do ensino especial, uma escola técnica e uma

faculdade atendendo o ensino superior nos cursos de administração de empresas e normal

superior. 133 Contamos ainda com três escolas com o ensino pré-vestibular. Devido ao

grande fluxo de pessoas e o número de empregos disponíveis, a taxa de evasão no

133 NOVA SERRANA. Sec. Municipal de Educação e Cultura. Plano Decenal Municipal de Educação, 2007-2016.

60

município é alta, com um índice de 17% de evasão escolar e 7,10% de analfabetismo.134

Em 2005, com o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), foi feito um

repasse para a Educação no valor de R$161.039,96, ou seja, 4,55% do total arrecadado pelo

Estado.135 Ainda assim, verifica-se que a capacidade de atendimento para a educação na

cidade está esgotada. Segundo a Fundação João Pinheiro, a capacidade é para 3.334 alunos,

enquanto são atendidos 6.649, ou seja, 199% da capacidade.136 O ensino superior sempre

enfrentou problemas quando se trata da profissionalização que tem que recorrer a outras

cidades vizinhas, são mais de 700 alunos que saem todos os dias em três turnos para

estudarem fora, como já acontecia na década de 60 quando buscavam Pitangui para fazerem

os cursos técnicos.

Os equipamentos públicos relacionados à cultura ainda não receberam o devido

apoio da sociedade e do poder público, ainda são priorizadas as atividades da indústria. Os

poucos espaços relacionados à cultura e as práticas de lazer137 que existem não atendem a

demanda, como é o caso da Biblioteca Pública Municipal que recebe em média 500

pessoas/dia e não tem um espaço próprio e um acervo completo; os auditórios existentes

pertencem a instituições de interesse particular como sindicatos ou cooperativas, por isso

não há um espaço para teatros e apresentações constantes; uma tentativa de criar um espaço

para a cultura ficou frustrada, quando um grupo de artistas se reuniu e conseguiu um galpão

de fábrica para isso, era um espaço onde aconteciam aulas de teatro, capoeira, jogo de

xadrez, aulas de desenho e pintura, entre outras atividades, mais tarde um empresário de

renome da cidade comprou o prédio, pediu-o para ser esvaziado pelos artistas, foi demolido

a fim de construir outro empreendimento que nunca aconteceu depois de seis anos da

demolição, era apenas um pretexto para não deixar o grupo continuar as atividades ou medo 134 NOVA SERRANA. Sec. Municipal de Educação e Cultura. Plano Decenal Municipal de Educação, 2007-2016. 135 Receita Estadual, Administração Fazendária de Nova Serrana In Plano Decenal Municipal de Educação. 136 Fundação João Pinheiro, ano base 2004, 2007. 137 As práticas esportistas começam a aflorar buscando novas modalidades além do tradicional Futsal, nas quadras urbanas, ou o Futebol de Campo que é mais praticado nos povoados da zona rural. Hoje aparecem outras práticas como o vôlei, natação, handebol, taekendoo, capoeira e mais recente foi inaugurada a quadra de tênis no Araguaia Campestre Clube. A prefeitura municipal começa a elaborar o projeto de um Centro de Educação Esportiva, onde serão ministradas aulas sobre diversas práticas esportivas, inclusive algumas destinadas ao público da terceira idade; outro projeto que já em fase de execução é o do calçadão destinado à prática de caminhadas diárias realizada por diversas pessoas.

61

de perder o imóvel. Hoje existe o projeto de criação de um Centro Cultural na cidade, mas,

que ainda não foi executado. A cidade necessita de um trabalho mais intenso no sentido de

valorizar as culturas urbanas que surgem a cada dia e são importantes uma vez que

caracterizam melhor a cidade no seu aspecto industrial e com uma população oriunda de

tantos lugares. Os grupos de Skate, Graffitte, Tribos Urbanas, Bandas de Rock, Danças de

Rua como “Street Dance” e “Break” que são grupos que vão surgindo e cada dia exige mais

apoio, 138 da mesma forma que cresceu o turismo de negócios com as feiras de calçados e

de máquinas que acontecem duas vezes ao ano. “Somos herdeiros de uma tradição que

valoriza o trabalho em detrimento do lazer.” 139 Em Nova Serrana, os movimentos visando

a promoção da cultura e da sociabilidade não estão em pé de igualdade quanto ao estágio

atingido pelas indústrias, ainda assim, cresce o número de bares em toda a cidade,

chegando ao ponto de ter de três a quatro estabelecimentos em um único quarteirão. As cidades não se preocupam muito com o lazer nem com as necessidades de relaxamento dos seus habitantes. A maioria são cidades de trabalho, incompatíveis com a vida plena. [...] os esforços desesperados para salvar alguns espaços verdes e implantar algumas instalações para o lazer não altera a situação: as condições de moradia e a qualidade de vida citadina degradam-se a olhos vistos.140

A criação do Centro de Memória do Calçado é um avanço no sentido de

preservar a memória. Os interesses entre Sindicato Intermunicipal da Indústria de Calçados

de Nova Serrana, SESI, SENAI, Conselho do Patrimônio Cultural e Prefeitura Municipal se

convergem. O pólo calçadista que inclui as cidades de Perdigão e Bom Despacho que tem

cursos ligados a moda calçadista, na unidade da UEMG e na UNIPAC, respectivamente,

terão um grande apoio no que diz respeito à produção do calçado. Apesar do evidente

entrelaçamento entre cultura e produção calçadista, os objetivos vão além. A proposta não é

simplesmente construir e manter um museu, onde apenas expõem uma série de objetos e se

torna permanente e estático. O que se propõe é um espaço dinâmico, direcionado a

pesquisas e informações educacionais. E nesse sentido “os museus representam muito mais

138 NOVA SERRANA, Cadastro de artistas - Depto. Cultura da Secretaria Municipal de Cultura, 2007. 139 GOMES In BRANDÃO, 2006, p.171. 140 KRIPPENDORF, p.37 apud BRANDÃO, 2006, p.171.

62

que isso. Eles contribuem decisivamente para a produção de uma determinada memória.”141

A importância do projeto vai de encontro com uma população que pouco sabe sobre a

história do calçado, a importância do processo produtivo para a cidade e menos ainda, sobre

suas origens na região.

Como dizia Edson Batista, ex-presidente do Sindicato da Indústria de Nova

Serrana: “é preciso vender a cidade. Vender a cidade dentro de um projeto”, 142 ou as

esferas econômica, política, social e cultural são estanques em si mesmas. O urbano é hoje

tão fluido quanto a própria contemporaneidade e todos os seu elementos fugazes e

contraditórios. “Não sem razão, afirma Chico Buarque, ‘a cidade não mora mais em

mim’”143. Diante de tantas modificações, transformações, sofrimentos, violências, o espaço

urbano é também o da angústia e inquietação.

Nesse sentido, humanizar a cidade144 é uma alternativa de quem deseje viver

num espaço onde não apenas o trabalho tenha posição destacada. Essa cidade em que

vivemos na contemporaneidade “foi inventada e pode estar em vias de ser desinventada.” 145 Essa cidade não surgiu como algo natural, foi inventada num determinado contexto

histórico e passa por inúmeras crises na contemporaneidade. Repensar a cidade é refletir

sobre seus valores, sua sobreposição sobre o campo, seus movimentos de criação e

destruição do processo cultural, seus organismos de sobrevivência e constante

reorganização da urbanidade. “A cidade é um lugar por excelência da arte, da técnica e da

ciência do mundo contemporâneo” 146. É também o espaço de convivências, de

transformação e busca de soluções para uma sociedade que quer viver melhor e resolver os

problemas ambientais, políticos e sociais. A cidade não é composta apenas de números,

estatísticas, como as que foram apresentadas nesse capítulo, ainda que estes possam auxiliar

no entendimento do que seja a cidade nos nossos dias.

141 FILHO apud BRANDÃO, 2006, p.119. 142 FREITAS, 2005, p.4. 143 GUSTIN apud BRANDÃO, 2006, p.161. 144 GOMES apud BRANDÃO, 2006, p.181. 145 BRANDÃO apud BRANDÃO, 2006, p.10. 146 BRANDÃO apud BRANDÃO, 2006, p.13.

CAPÍTULO II

Nova Serrana: Cultura, tradições e

contradições de uma cidade que cresce

64

1- Cultura e sociedade neo-serranense: dilemas de uma cidade industrial

Cada grupo, cada povo, percebe, entende e constrói a cultura de uma forma

diferente, em diferentes contextos que mudam freqüentemente. Cultura constitui um processo,

uma movimentação no tocante à vida de cada comunidade, sociedade ou nação, e que é

preparada ou construída ao longo do tempo. Por isso, cultura é entendida em cada lugar ou

época, de forma diferenciada já que a humanidade sofre constantes alterações intrínsecas e

exteriores, o que determina as formas de perceber o mundo. Sí la vida humana es continuamente una formación y transformación de bienes culturales según su espontaneidad, es también, al mismo tiempo, un vivir dentro de los bienes transmitidos o reconocidos, un existir dentro de la comunidad historica y de la tradición.147

Cultura está relacionada à formação do ser humano, seu burilamento, seu “refinar-

se”. É entendida ainda como os modos de viver e de pensar cultivados, civilizados,

modificados para atender as necessidades de cada povo e em cada época, como para a Grécia

clássica onde a Cultura era entendida como a “procura e a realização que o homem faz de si,

isto é, da verdadeira natureza humana”148. Cultura é um conceito em constante mutação e que

se forma durante longos períodos. Assim sendo, hoje podemos afirmar que um dos sentidos

que o conceito comporta, diz respeito a um processo coletivo e anônimo de um grupo social e

não individualizado. O processo cultural é coletivo e permeável.

Um grupo influencia e é influenciado pelos grupos com o qual interage. Nesse

sentido, as experiências vêm e vão do local ao global e vice-versa, num processo dialético.

Houve épocas em que se podia se identificar traços de uma cultura local delimitada em seus

territórios, ao ponto mesmo de servir como orientação para definir a extensão de um país, os

costumes de uma nacionalidade e a vida social do povo que vivia na região. Nesse caso

“Cultura deveria, portanto, ser um termo empregado no plural, já que não se constitui num

complexo unificado coerente, mas sim, num conjunto de ‘significados’, atitudes e valores

partilhados e as formas simbólicas em que eles são expressos ou encarnados”.149 A cultura é

entendida como uma multiplicidade de manifestações, uma vez que as raízes se encontram em

147 MORA, José Ferrater. Diccionario de Filosofia, apud CASCUDO, 2004, p.40. “Sim a vida humana e continuamente uma formação e transformação de bens culturais segundo sua espontaneidade, e também, ao mesmo tempo, um viver dentro dos bens transmitidos ou reconhecidos, um existir dentro da continuidade histórica e da tradição.” 148 ABAGNANO, 1962, p.62. 149 COUCEIRO, 2002; in BURITY, 2002, p.15.

65

todas as partes da sociedade; o que nasceu no Continente Europeu e era próprio daquele lugar,

hoje é parte integrante de um grande número de povos e assim sucessivamente acontece com

o africano, o asiático, o aborígine e o americano. “A cultura é o complexo mundo cotidiano

que todos encontramos e pelo qual todos nos movemos”.150 É o que Canclini (2006) chama de

“culturas híbridas151”. O que era então definido como particularidades de cada povo na

contemporaneidade, segundo uma tradição, é entendida como inúmeras manifestações e ações

em um único plano, no qual coexistam inúmeras lógicas de desenvolvimento; onde as mais

diversas culturas se fundiram e encontraram uma nova organização: o campo adquiriu a

modernidade do urbano, as oposições entre o tradicional e o moderno se diluíram. Em meio

ao saudosismo do que antes existia, agora fundido a tantas experiências e situações, não se

sabe mais ao certo o que é cultura local ou global. “A modernização [...] redimensiona a arte e

o folclore, o saber acadêmico e a cultura industrializada, sob condições relativamente

semelhantes”,152 o que podemos dizer de uma nova configuração da cultura e ao mesmo

tempo, uma dificuldade contemporânea no que se trata em definir o que é “culturas”: ... na concepção antropológica a cultura é, por natureza, plural e relativista, quer dizer, o mundo está dividido em diferentes culturas, cada uma delas valiosa em si mesma, para os humanistas, algumas pessoas têm mais cultura do que outras e alguns produtos humanos, tais como artes visuais, música, literatura, são mais culturais do que outros.153

As sociedades contemporâneas são formadas por uma diversidade cultural cujos

indivíduos não têm consciência ou têm pouca consciência desse processo, fator gerador de

desconforto, estranheza, preconceitos e facções.

A cidade de Nova Serrana vive uma situação peculiar, pois se trata de um pólo

industrial calçadista que cresceu significativamente nas últimas décadas, fato que repercutiu

fortemente nos processos culturais locais. Dadas as proporções, o caso de Nova Serrana e de

muitas outras comunidades dispersas pelo espaço global, assemelha-se com o que ocorreu na

Inglaterra, entre os séculos XVIII e XIX, quando o capitalismo constituiu suas bases técnicas

com a chegada do sistema de máquinas que ocuparam o lugar do trabalho tipicamente

artesanal.154

No início do século XX, Nova Serrana contava com umas poucas celarias onde se

produzia botas, celas e outros utensílios a partir do couro, para um montante de quase mil

150 EDGAR, 2003. p.75. 151 GARCÍA CANCLINI, 2006, p.22. Não se propõe aqui analisar o conceito de “hibridação cultural” conforme o referido autor. 152 GARCÍA CANCLINI, 2006, p.22. 153 BERNARD E SPENCER, 1996, p.136 apud SANTAELLA, 2003, p.33. 154 PAULA, 2000, p.86.

66

fábricas de todos os portes no fim do mesmo século. 155 Por outro lado, a Nova Serrana,

capital nacional do calçado esportivo, antenada para os mercados globais, apresenta traços da

tradição das Minas Gerais associados à culinária, religiosidade, e a cultura num aspecto mais

ampliado.

Os lugares industrializados tendem a ligarem-se nostalgicamente às suas raízes:

daí a necessidade de buscar pela história, pelo folclore, pela fotografia e prestigiar a noção de

patrimônio.156 Em grande medida, essa “necessidade” se explica pelo elemento migrante, que

não faz parte daquela comunidade desde sempre, mas passa a integrá-la num movimento

intenso e sem volta. Mas esse migrante não é desprovido de cultura e acaba por se amalgamar

às tradições mineiras, locais, sem se despir, naturalmente de sua cultura de origem, sua

alimentação e costumes oriundos das mais diversas partes do Brasil. Naturalmente, os

migrantes não conhecem a história local, não sabem sobre as origens e do processo de

construção da localidade, e mesmo quando são informados a respeito, em muitos dos casos

não criam identidade facilmente. É imenso o contingente de desenraizados. O sentido de

pertencimento a uma determinada cultura e ou comunidade é um processo relacionado à

memória, entre passado e presente, “pois a história é duração, o passado é ao mesmo tempo

passado e presente”.157 As cidades industrializadas atraem inúmeras pessoas em busca de

novas oportunidades, emprego e melhores condições de vida; ao mesmo tempo em que

crescem, apresentam uma variedade cultural que se mistura e se funde, durante sua formação.

No caso de Nova Serrana, a cidade recebe pessoas de várias regiões do Brasil, cada grupo traz

consigo seu modo de vida, seus costumes e acabam por assimilar aos costumes já existentes

na localidade. “A maioria das sociedades industrializadas, contudo está tornando-se

culturalmente mais diversa ou multicultural.”158 Esta variação cultural que chamamos de

multiculturalismo, são várias facetas de um mesmo processo. Cada grupo é representado por

suas vivências, tem sua lógica interna, vive a seu modo e seus costumes.

Em meio às transformações, muitas coisas se perderam ou acabaram sendo

esquecidas e, nesse caso, as preocupações com a cultura e a memória se intensificaram a partir

do século XIX, quando surgiu aí a necessidade de conquistar novos mercados e espaço

político e cultural: “a conquista do globo pelas imagens, idéias e aspirações transformadas de

minoria ‘desenvolvida’, tanto pela força e pelas instituições como por meio do exemplo e da

155 SUZIGAN, 2005, pp.1-19. 156 LE GOFF, 2003, p.224. 157 LE GOFF, 2003, p.51. 158 GIDDENS, 2005, p.40.

67

transformação social”.159 Isso ocorreu quando houve uma intensificação do poder das nações

européias frente aos povos do mundo. “Aumentaram então os contatos entre as nações da

Europa, industrializadas e sedentas de novos mercados, e populações do resto do mundo.

Sociedades antes isoladas foram subjugadas e incorporadas ao âmbito de influências

européias.”160

Dessa forma, o que se vê durante o processo de industrialização das cidades, aqui

significa o “conjunto determinado de forças produtivas”, “processo de alteração qualitativa e

quantitativa das relações técnicas de produção”. No caso de Nova Serrana juntamente com o

desenvolvimento da indústria acontece também uma variação cultural com a chegada de nova

mão-de-obra, que trouxe consigo um pluralismo cultural, ou como apresentado antes:

“culturas”. Nova Serrana é um caso típico das cidades que constituem pólos “multiculturais”

fruto do caráter de seus migrantes naturais das mais diversas regiões. Isso gera certo

descontentamento dos mais velhos que já viviam na cidade, porque altera os costumes locais,

cria novos paradigmas, dando novos contornos à cultura local.

Mas até que se consolide todo o processo de assimilação dessas transformações

culturais, a sociedade vive momentos de crises, em que inúmeros fatores contribuem para uma

preocupação em relação à preservação da cultura, seja ela global, na qual haja uma “livre

circulação de produtos culturais ou outros originados do estrangeiro”161, onde existe uma

hipermobilidade162, tudo funciona em tempo real e em escala planetária; ou a cultura local

“que têm uma tonalidade conservadora ou progressista”163, própria de cada lugar que se

desenvolveu ao longo da vida da população. Ao que parece, a crise cultural, a rapidez, a

variedade e quantidade com que aparecem as informações, gerou certo transtorno ao que já

estava culturalmente definido e estabilizado em cada região. “Cultura é não só o que os

homens pensam, mas também o que fazem,”164 daí a influência de outras sociedades, do

processo de industrialização, da mídia no processo cultural, e não pode ser entendida (como

querem os cidadãos mais atados às tradições locais) única e exclusivamente como uma

influência negativa e que vem apenas para apagar o que foi construído ao longo do tempo. A

industrialização e a troca mercantil deslocaram a forma de avaliar o processo cultural, a

cidade foi alterada de forma drástica, os conceitos culturais também foram alterados. Afinal,

vivemos em um mundo globalizado, onde “os indivíduos, os grupos e as nações tornaram-se 159 HOBSBAWM, 1988, p.114. 160 SANTOS, 1990, p.23. 161 SANTOS, 2005, p.420. 162 Portal da Educação Pública do Rio de Janeiro. www.cibergeo.org 163 SANTOS, 2005, p.420. 164 SANTAELLA, 2003, p.38.

68

mais interdependentes”165 no qual as relações se aproximaram, bem como o número de

informações, avanços tecnológicos, a velocidade da comunicação, o alcance da interação das

pessoas ao redor do mundo e conseqüentemente as influências culturais. O desenvolvimento

industrial trouxe no seu vácuo novas tecnologias que revolucionaram os meios de transporte e

comunicação.166

Mesmo que as fronteiras no mundo contemporâneo se aproximaram mais, mas

ainda se pode observar um processo cultural espacialmente estruturado, onde “o que definem

certos costumes, artes, religiões etc. como pertencentes às regiões em que existem. Assim,

certo hábito social de uma região pode ser absorvido por outras regiões”167, o que acontece

normalmente diante da quantidade e facilidade com que as pessoas podem mudar de uma

região a outro lugar, chamada de “processo migratório”, o que ocorre nesse caso é que as

pessoas acabam por trazer seus costumes ou levá-los para outras regiões. Mesmo assim o

processo cultural tende a ser padronizado, “envolve a repetição de comportamentos similares

aprovados pelo grupo, de modo que tenha uma forma e estrutura reconhecível”.168

Nesse sentido, o processo cultural se torna perceptível, ou causa certo

estranhamento quando as pessoas que chegaram a uma nova região e retornam ao seu ponto

de origem tendo incorporado ao seu vocabulário trejeitos lingüísticos e regionalismos da

cultura ao qual esteve inserido. Em Nova Serrana esse processo é potencializado por conta do

número e da origem de seus migrantes, assim, as pessoas que chegam aprendem uma nova

linguagem, ou acabam por ceder ao palavreado local, sendo também desestimulados a estudar

por conta das exigências do trabalho, como aconteceu com outras pessoas que já moravam na

cidade. Essas pessoas incorporam a logística do capital, o ritmo acelerado e controlado pelas

sirenes das fábricas, e acabam por não sentirem responsáveis pela conservação e melhoria da

cidade, chegam como migrantes e vivem como migrantes que estão apenas de passagem. Os comportamentos individuais variam, inovações ocorrem, mesmo as configurações básicas da cultura podem mudar. O ritmo das mudanças culturais varia muito, dependendo das possibilidades que se apresenta para o crescimento e o desenvolvimento possa se realizar. Entretanto, para se processar a mudança enfrenta a resistência da estabilidade, um princípio também necessário como garantia de coesão para a sobrevivência da cultura. O princípio da estabilidade está ligado à adaptação. Sistemas culturais sobrevivem porque seus membros estão adaptados à tradição que é reproduzida através de sua tradução em ações. Por outro lado, contudo, sem a mudança, a cultura se estagnaria.169

165 GIDDENS, 2005, p.61. 166 BRANDÃO, 2006, P.29. 167 SANTAELLA, 2003, p.44. 168 SANTAELLA, 2003, p.44. 169 SANTAELLA, 2003, p.45.

69

Para o senso-comum é natural falar de cultura e se identificar com o rádio,

cinema, televisão, ou então festas, cerimônias tradicionais, lendas e crenças de um povo, ou o

modo de vestir, a comida ou mesmo o idioma como suas formas de manifestações. No entanto

a cultura vai muito mais além dos simples gestos ou manifestações que caracterizam a

existência social de um povo ou nação. Ainda podemos caracterizar a cultura com o

conhecimento, idéias e crenças e na maneira como elas existem na vida social, o que envolve

a língua, a literatura, o conhecimento filosófico, científico, empírico e artístico. Aqui podem

ser apresentados temas como a ecologia, o corpo, as relações pessoais e espirituais, a

religiosidade. As culturas são humanas e dinâmicas.170

As transformações que ocorrem a todo o momento são importantes para a

manutenção e formação deste processo, como apresentado no texto de Santaella (2003). Uma

vez que as sociedades enfrentam as mudanças e sofrem as transformações, passam a valorizar

a cultura local, as tradições e conseqüentemente a memória.

Quando tratamos do processo cultural em sua diversidade e principalmente do

desaparecimento dessas fronteiras que delimitavam os espaços culturais, há dois obstáculos

que tornam difícil o acesso do povo à cultura: um é a falta de tempo e de forças. O povo tem

pouco lazer a consagrar a um esforço intelectual; e a fadiga põe um limite à intensidade do

esforço.171 O segundo obstáculo à cultura operária é que a condição operária, como qualquer

outra, corresponde uma disposição particular da sensibilidade e esses não estão preparados

para o exercício do olhar e do ouvir, ou ainda, criaram a seu modo sua própria cultura sem se

envolver com os padrões tradicionais. Por conseqüência, há algo de estrangeiro no que foi

elaborado por outros e para outros. O remédio para isso é um esforço de tradução. Não de

vulgarização, mas de tradução, o que é bem diferente.172

Mesmo que as cidades industrializadas tenham dificuldades em trabalhar o

processo cultural, há ainda outro meio para superação deste problema de tradução, que é a

educação formal, apesar de também produzir um processo de nivelamento e massificação. A

escola e os projetos de educação patrimonial são espaços necessários para o desenvolvimento

cultural, intelectual e de conservação da memória, dilema vivido pela sociedade. Esse ponto é

outra questão que discutiremos no item a seguir.

170 SANTOS, 1990, p.20-22. 171 WEIL, 2001, p.64. 172 WEIL, 2001, p.64-65.

70

2- Memória, migração e desenraizamento: o caso de Nova Serrana

O processo cultural também se forma através da memória. O migrante traz

consigo “a cidade invisível”173 que são os lugares que as pessoas vivenciam com suas

lembranças e afetos, remontam situações e criam novos elementos para melhorarem o espaço

onde estão chegando. A memória não é conservada apenas através das lembranças, mas de

outras formas que nos ajudarão a entender diversas situações do dia-a-dia.

A preservação do patrimônio cultural não se resume a guardar objetos ou imóveis,

é necessário ir “para além da Pedra e Cal”,174 ou seja, preservar a memória, a identidade

garantindo sua cidadania. Sem contar que “saberes próprios de cada cultura, modos de fazer

que já atravessam séculos, antigas tradições de artesanato que remontam as formas medievais

de organização do trabalho estariam correndo o risco de desaparecimento”.175 Assim: [...] valorizar fontes essenciais de identidades culturais ancoradas no patrimônio cultural imaterial ou intangível; fomentar a consolidação do pluralismo cultural, contribuindo para a perpetuação da diversidade cultural sobre a terra (“essa diversidade é a base do desenvolvimento do multiculturalismo, considerado uma das estratégias para a construção da paz no mundo, missão principal da Unesco e das Nações Unidas”); preservar elementos fundamentais para um desenvolvimento humano durável (“a conquista de um desenvolvimento humano durável requer uma adaptação das estratégias de desenvolvimento aos contextos socioculturais de uma comunidade”); preservar e promover culturas tradicionais e populares, como fontes de inspiração para a criatividade contemporânea.176

O que vem a ser o patrimônio? O Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e

Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG) define o patrimônio como sendo material e imaterial

ou intangível. É a soma dos bens culturais de um povo, sua experiência acumulada por um

período de tempo. São as “formas de expressão; modos de criar, fazer e viver; criações

científicas, artísticas e tecnológicas; obras, objetos, documentos, edificações; conjuntos

urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológicos, paleontológicos,

ecológicos e científicos.”177 Da mesma forma que é apresentado pela UNESCO quando diz

que o Patrimônio é “o conjunto de manifestações culturais, tradicionais e populares, ou seja,

as criações coletivas, emanadas de uma comunidade, fundadas sobre a tradição [...] são as

línguas, as tradições orais, os costumes, a música, a dança, os ritos, os festivais, a medicina

173 REYNAUD, 2003. 174 ABREU, 2003, p.56 175 ABREU, 2003, p.81. 176 ABREU, 2003, p.82. 177 BRASIL, 1988. Constituição Brasileira.

71

tradicional, as artes da mesa e o saber-fazer dos artesanatos e das arquiteturas tradicionais.”178

Isso também é cultura. É este patrimônio que confere identidade e reconhecimento da

comunidade, inspira valores “ligados à pátria, à ética e à solidariedade e estimulando o

exercício da cidadania, através de um profundo senso de lugar e de continuidade histórica.”179

São sentimentos que transcendem e ao mesmo tempo povoa o cotidiano das comunidades. “O

patrimônio cultural dos mineiros é o conjunto dos bens culturais de Minas Gerais, portadores

de valores que podem ser legados às gerações futuras.”180 É uma relação afetiva entre o desejo

de esquecer ou de lembrar, é uma relação entre o descartável e o útil, uma forma de superação

da morte. Bem como nas coleções, a sociedade se manifesta também no lixão, é o retrato do

que se produz, do que se guarda ou joga fora.

Memória é “a possibilidade de dispor dos conhecimentos passados (...) a

possibilidade de evocar, na ocorrência, o conhecimento passado e de torná-lo atual ou

presente: que é propriamente a lembrança”.181 Diante disso é importante salientar que o

esquecimento também é importante, em alguns momentos, como forma de sobrevivência da

lembrança. Mas o que é esquecer? Sua importância contrasta com o ato de conservar. “Na

maior parte, conhecemos o ‘esquecer’ na forma do ‘não mais pensar em’”. “... O esquecer é

mais uma vez o escapar, uma perda, para outros, um repelir e afastar, uma fuga.” 182 Esquecer

é ter coragem para lembrar novamente o ocorrido, é buscar o que está mais oculto de algo e

isto é fundamental para a memória. “O que se encontra guardado na memória, seja como

esquecido ou como recordado, está para ser lembrado, para ser pensado. Nesse sentido, poder-

se dizer que o pensamento é memória”183 ou seja, conservar. A memória é o conjunto de

pensamentos, que são apreendidos ou não, por ela. É a própria memória humana que define o

que vai ou não ser lembrado. Manter na memória quer dizer conservar. A linguagem, como expressão do pensamento, conserva o dito do homem, suas crenças, valores, costumes, cultura, etc. a memória, que só tem sentido através da linguagem, reúne e guarda em si o pensamento das vivências e experiências dos homens. O que está guardado na memória é tanto o que se deseja, o que se quer esquecer, ou o que se quer lembrar. 184

178 UNESCO, 1993. Relatório. 179 IEPHA-MG, 2006; in www.iepha.mg.gov.br 180 IEPHA-MG, 2006; in www.iepha.mg.gov.br 181 ABAGNANO, 1962, p.27. 182 FERREIRA, 1999, p.65-85. 183 FERREIRA, 1999, p.65-85. 184 FERREIRA, 1999, p.65-85.

72

O papel da consciência é ligar com o fio da memória as apreensões instantâneas

do real. A memória contrai numa intuição única passado-presente em momentos de

duração.185 Em contrapartida, o mundo atual vive momentos passageiros e sem nexo com o

passado, é o efêmero que sobressai, e o que passou rapidamente ganha cunho de “antigo”,

porque o tempo passa por uma aceleração. O mundo do descartável ao qual vivemos, onde

prevalece o efêmero, sente estranheza ao propor idéias de preservação. O conselho do velho

Gepetto, na história do Pinóquio, não soa bem aos ouvidos da atualidade, quando diz: “__

Não jogue nada fora. Isso um dia pode servir para alguma coisa! (Este conselho os velhos

vivem repetindo: eles não conseguiram assimilar ainda a experiência do descartável que lhes

parece um desperdício cruel. Por isso o armário das vovós é cheio de caixas, retalhos e

vidrinhos...)”.186 Além do mais, esta preservação produz novo enraizamento, valorização da tradição local, viabilização de novos mercados e melhoria da qualidade de vida. Nunca se falou tanto de cultura como agora, “nunca se colecionou tanto, nunca se arquivou tanto, nunca tantos grupos se inquietaram tanto com os temas referentes à memória, patrimônio e museus. Paradoxalmente, os gestos de guardar, colecionar, organizar, lembrar ou invocar antigas tradições vêm convivendo com a era do descartável, da informação sempre nova, do culto ao ideal de juventude. 187

As pessoas pouco sabem das origens da cidade, da história e dos ocorridos até que

a produção calçadista passasse a fazer parte da vida das pessoas. Muitas informações são

desconhecidas como a “época da sovela188, da lamparina para queimar biqueira e contraforte

(colada à vaqueta com grude) [...] as tachinhas para pregar a ‘vira’, a ‘arma de bambu’, o caco

de vidro para lixar a sola; a cera derretida ao fogo da lamparina e aplicada no solado ajudava

no brilho do acabamento; o pé-de-ferro para amassar as pontas dos pregos e, por fim, o saco

de linhagem, para embalar o produto”.189 Desconhece-se esses instrumentos devido à rapidez

que chegou a tecnologia e pouco se fez para preservar a memória.

A família é uma das mais importantes instituições no tocante à transmissão e

conservação da memória, assim como a da cultura, é onde se concentra grande parte de

documentos, memórias e testemunhos do passado que se relacionam e inter-relacionam com o

presente. “A comunidade familiar ou grupal exerce uma função de apoio como testemunha e

intérprete daquelas experiências. O conjunto das lembranças é também uma construção social

do grupo em que a pessoa vive e onde coexistem elementos da escolha e rejeição em relação

185 BOSI, 2003, p.52 186 BOSI, 2003, p.30. 187 ABREU, 2003, p.12. 188 Instrumento que os sapateiros furam o couro para cosê-lo. 189 FREITAS, 2002, p.157.

73

ao que será lembrado.” 190 Nesse contexto familiar é também onde se encontra as origens dos

agrupamentos e conseqüentemente das cidades. O rápido crescimento das cidades, a

velocidade em que correm as informações incita, concomitantemente, fontes para manter viva

a lembrança do passado. Uma síndrome de museus e de práticas de colecionamento estaria

expressando o sintoma de um mundo sem memória, rompido com o passado, em que as

fronteiras são cada vez mais fluidas e móveis.191

Cada geração tem, de sua cidade, a memória de acontecimentos que são pontos de amarração de sua história. O caudal de lembranças, correndo pelo mesmo leito, guarda episódios notáveis que já ouvimos tantas vezes de nossos avós. [...] Mas a memória rema contra maré; o meio urbano afasta as pessoas que já não se visitam, faltam os companheiros que sustentam as lembranças e já se dispersaram. Daí a importância da coletividade no suporte da memória.192

A memória é fonte de desenvolvimento social, de inovação quando se relaciona

com o presente. “O passado reconstruído não é refúgio, mas uma fonte, um manancial de

razões para lutar. A memória deixa de ter um caráter de restauração e passa a ser memória

geradora de futuro”.193 Segundo Walter Benjamin (1985, p.224), “articular historicamente o

passado não significa conhecê-lo ‘como de fato foi’. Significa apropriar-se de uma

reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo”. 194 Nesse sentido é na vida

coletiva e no uso social do bem cultural que reside o sentido e o valor da preservação. Quando

surge o perigo de perder ou esquecer o uso social do bem preservado, implica a possibilidade

de ele ser utilizado como referência de memória, ou como recurso de educação, de

conhecimento, de transformação, de sobrevivência e de lazer, por determinadas coletividades.

Até esse sentido a memória é historicamente construída, a sociedade na atualidade tem a

necessidade de reescrever o passado, a memória, o que se dá normalmente via preservação de

monumentos, prédios antigos e museus, mas nem sempre existiu essa consciência, desde a

década de 1960, o que prevaleceu foi a imposição do novo frente ao antigo. Foi um contexto

em que as pessoas estiveram “preocupadas com o valor da novidade, ou seja, orientadas pelo

olhar que considera belo apenas o novo” 195, pouco se preocuparam com a preservação dos

monumentos históricos e artísticos. Esse traço é bastante marcante em Nova Serrana, onde

prevaleceu uma especulação imobiliária, um desejo pelo novo e que não deixou interesses

190 BOSI, 2003, p.54. 191 ABREU, 2003, p.13. 192 BOSI, 2003, p.70. 193 BOSI, 2003, p.66. 194 ABREU, 2003, p.106. 195 SILVEIRA, 2002,p.28.

74

pela preservação de bens imóveis como aconteceu com a Igreja matriz e com bens tombados,

como é o caso do primeiro espaço escolar da cidade.196

A proposta de uma preservação da memória não se trata de preservar interesses

pessoais, individuais, mas de uma coletividade. A “Memória só pode ser social se puder ser

transmitida e, para ser transmitida, tem que ser primeiramente articulada. A memória social é,

portanto, memória articulada.”197

A transmissão, portanto, implica a atualização da memória. Nesse sentido, memória e preservação aproximam-se. Preservar é ver antes o perigo da destruição, valorizar o que está em perigo e tentar evitar que ele se manifeste como acontecimento fatal. Assim, a preservação participa de um jogo permanente com a destruição, um jogo que se assemelha, totalmente ao da memória com o esquecimento. A adoção de procedimentos, visando a preservação de bens tangíveis ou intangíveis, constitui o que se chama de “política de preservação”.198

Quando se trata da questão de preservação, é necessário manter a história local,

uma vez que ela é que nos dá base, sustentação para entender a realidade, ao mesmo tempo,

também é válido percebermos o que deve ou não ser esquecido.

Percebe-se bem que mesmo em meio à multiplicidade e rapidez das informações

do mundo industrial regido pelo consumo, cada grupo ou comunidade se apresenta como que

sedentos por preservar suas memórias e delas construir uma memória coletiva, uma vez que as

memórias individuais são efêmeras e se desfalecem muito rápido. “Criamos sempre ao nosso

redor espaços expressivos, sendo o processo de valorização dos interiores crescente na medida

em que a cidade exibe uma face estranha e adversa para seus moradores. [...] São tentativas de

criar um mundo acolhedor entre as paredes que o isolam do mundo alienado e hostil de

fora”.199 Uma sociedade necessita de sua memória, uma vez que esta ajuda interligar presente

e passado. “Uma história de vida não é feita para ser arquivada ou guardada numa gaveta

como coisa, mas existe para transformar a cidade onde ela floresceu.” 200 Por isso é que se

torna necessário um trabalho de conscientização para a preservação da cultura e da memória,

é onde reforça o princípio da “polis grega”, o espaço da democracia e do compromisso

coletivo.

O Patrimônio cultural é fonte de preservação da memória, pois nos remete ao

recordar, ao manter-se vivo e ao consciente. A preservação da memória de manifestações,

como interpretações musicais e cênicas, rituais religiosos, conhecimentos tradicionais,

196 Casa do Senhor José Caetano de Freitas, Bem Tombado 001 – Decreto Municipal nº 16/2002. 197 FENTRESS, 1992, p.65. 198 ABREU, 2003, p.164-165. 199 BOSI, 2003. p.25. 200 BOSI, 2003, p.69.

75

práticas terapêuticas, culinárias e lúdicas, técnicas de reprodução e de reciclagem, a que é

atribuído valor de patrimônio cultural, tem uma série de efeitos: 1) o patrimônio cultural

aproxima o passado e o presente; 2) a tradição cultural transmitida oralmente viabiliza uma

leitura da produção cultural dos diferentes grupos sociais, valoriza essa produção, seus

produtores e consumidores, e automaticamente a preservação do patrimônio; 3) cria melhores

condições para o cumprimento legal do “direito à memória”, dos “direitos culturais de toda a

sociedade” seja local ou nacional; 4) contribui para inserção de novos sistemas como o

mercado de bens culturais, turismo, bens produzidos, leituras e releituras e a continuidade

histórica e cultural sem perda de valores e do sentido particular existente.201 Daí a necessidade

de “preservar elementos fundamentais para um desenvolvimento humano durável (...);

preservar e promover culturas tradicionais e populares como fontes de inspiração para a

criatividade contemporânea”.202 Não será possível uma continuidade, ver o que se passou e a

importância de ter o passado como referência, se não houver preservação da memória. Na

verdade, são necessárias novas alternativas, para conciliação entre o antigo e o novo, sem

perder nenhuma das características entre os dois. Mário de Andrade teceu narrativas e desenvolveu propostas preservacionistas. [...] A construção do patrimônio cultural brasileiro constitui também uma narrativa sobre o Brasil, visto que nela estão as marcas dos narradores, como os vestígios das mãos das paneleiras em suas panelas. Mas essas narrativas também nos marcam e nos constroem, condicionando as nossas relações com o patrimônio espiritual brasileiro. É por isso que somos aquilo que somos.203

Essa visão patrimonial atropela o conceito “limitado”, que contempla apenas a

museulogia e a guarda de objetos e coleções, como se algo ficasse parado no tempo. As

propostas de preservação do patrimônio cultural e da memória abrangem mais que isso, nas

palavras de Claude Lévi-Strauss, quando diz que o “patrimônio cultural a ser preservado não

inclui apenas a história e a arte de cada país, mas o conjunto de realizações humanas em suas

mais diversas expressões. A noção de cultura inclui hábitos, costumes, tradições, crenças;

enfim, um acervo de realizações materiais, e imateriais, da vida em sociedade”.204

Na atualidade, é fácil defender a idéia e a importância de preservar a memória e o

patrimônio cultural. Mas quem seriam os responsáveis por essa preservação? “A comunidade

é a verdadeira responsável e guardiã de seus valores culturais”.205 Mas para que isso aconteça

é necessária também uma valorização através dos órgãos competentes, como: Conselhos do

201 ABREU, 2003, p.72. 202 ABREU, 2003, p.73. 203 ABREU, 2003, p.107. 204 Apud ABREU, 2003. p.33. 205 IEPHA-MG, 2006.

76

Patrimônio Cultural e Histórico, Prefeituras e Câmaras Municipais, Igrejas, Arquivos

Públicos, Sindicatos, através de atividades de educação patrimonial nas escolas,

conscientização do poder público sobre a importância deste trabalho, divulgação e

preservação dos arquivos públicos e privados e uma série de atividades possíveis para a

valorização e preservação da memória. É preciso entender e vivenciar a necessidade de uma

memória, de um patrimônio, que vai muito além de objetos, como acontece no mundo oriental

que não vêem nos objetos única forma de tradição cultural, mas no conhecimento necessário

para produzi-los. É mais importante preservar e transmitir o que se produz e manter viva a

tradição do que simplesmente preservar objetos. “De acordo com essa concepção, as pessoas

que detêm o conhecimento, preservam e transmitem tradições, tornam-se mais importantes do

que as coisas que as corporificam.”206 É uma questão de “Educação”, no sentido mais amplo

do conceito. Essa preocupação e dificuldade de preservação são visíveis no município de

Nova Serrana quando Frei Anselmo, um dos frades carmelitas que veio para a cidade na

década de 60, comenta que “a situação econômica da cidade é boa, mas o nível cultural é o

mais baixo da redondeza. As únicas pessoas formadas, na época, são as professoras e estas

não faziam nada para a formação humana.”207

Cultura e memória estão em movimento contínuo, cíclico no qual o velho se

mistura ao novo, mesmo que as fronteiras não existam no mundo contemporâneo. “Usando a

metáfora que diz que, quando morre um ancião numa comunidade tradicional, queima-se uma

biblioteca inteira, a Recomendação da UNESCO entende que a ‘natureza efêmera do

patrimônio imaterial o torna vulnerável. É urgente agir’ (1993)”.208

Depois de tratar das questões sobre a importância de se preservar a memória e o

patrimônio cultural, é necessário reforçar que existem diversos fatores que promovem uma

ação contrária e ao mesmo tempo são necessárias para que esta consciência de preservação se

desperte. A migração é fator importante que cria um desapego do tradicional, como diz Ecléia

Bosi (2003): um “desenraizamento”, no qual o migrante, principalmente o que sai da zona

rural ou lugares menos desenvolvidos, “perde a paisagem natal, a roça, as águas, as matas, a

calça, os animais, a casa, os vizinhos, as festas, a sua maneira de vestir, o entoado nativo de

falar, de viver, de louvar a Deus... Suas múltiplas raízes se partem. (...) Seria justo pensar a

cultura de um povo migrante em termos de desenraizamento”.209 O migrante apresenta duas

206 ABREU, 2003, p.49. 207 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião de Nova Serrana, volume 02, p.23v. 208 ABREU, 2003, p.82. 209 BOSI, 1983, p.405 apud BURITY, 2002.

77

variantes em termos de desenraizamento: ele perde suas raízes de onde veio e acaba por não

se localizar aonde chega. Caso esse processo de enraizamento não se concretize aonde chegou

e não consiga voltar para sua terra de origem, logo terá conseqüências em relação aos filhos,

que também ficarão sem referências históricas. Mais ainda, será através do processo histórico

e da memória dos antigos que as pessoas criam raízes, tanto de onde vêm como aonde

chegam: não haverá uma receptividade muito grande da história do migrante, como também

não consegue se estabelecer e enraizar tão rapidamente aonde chegou, a ponto de não saber

muito ou quase nada sobre o local de sua chegada, raramente existem pessoas que procuram

conhecer completamente a história do local antes de se estabelecerem na região. “Na

condição de migrante, a raiz principal de sustentação do indivíduo se fragmenta: vem

enxertar-se nela uma multiplicidade imediata e qualquer das raízes secundárias que deflagram

um novo processo.” 210 Esse mudar de localidade, muda tudo, a dieta, o trabalho, os hábitos da

casa e até mesmo algumas condições religiosas, o migrante muitas vezes se sente ameaçado

pela diversidade ou variação que o espera na comunidade receptora.

Outra questão importante é o fato das pessoas que voltam da migração, a cidade

que os recebe de volta, os recebe com estranheza, pois “quem voltou da migração traz na sua

fala, em suas malas, nos adornos da vestimenta, nas tatuagens nos braços, nos

eletrodomésticos – rádio, aparelho de som – impressões da ‘modernidade’ que invadem o

povoado como fantasmagóricos”.211 E mesmo assim, “os jovens e os antigos do lugar vivem

esse confronto com diferentes influências que passam a reorientar, na heterogeneidade, as

condições presentes dos indivíduos”212. Tudo se torna monstruoso, assustador, mas ao mesmo

tempo é atraente e propõe uma constante busca e entendimento, com o tempo se acostuma e

as coisas voltam ao seu lugar. “O monstro é transgressivo, demasiadamente sexual,

perversamente erótico, um fora-da-lei: o monstro e tudo o que ele corporifica devem ser

exilados ou destruídos”. É esse outro lado da estranheza que pode levar à repulsão do que é

antigo ou do que é novo. É interessante como é visível esse processo na cidade de Nova

Serrana, por ser uma cidade industrial e de crescimento rápido, atrai inúmeras pessoas de

diferentes lugares do país, são pessoas que vêm tentar melhores condições de vida e acabam

por fixarem ou repudiarem o lugar. A cada final de ano esses migrantes voltam à sua terra de

origem e para lá levam o que adquiriram, são capazes de levar móveis, motocicletas

desmontadas nos bagageiros dos ônibus. A chegada em sua terra natal é de euforia, de sucesso

210 DELEUZE e GUATTARI, 1997 apud BURITY, 2002. 211 BENJAMIN, 1994 apud BURITY, 2002. 212 BURITY, 2002.

78

e de conquista. O novo atrai os olhares de todos, a sensação de conquista toma conta de quem

sonha em melhorar, o que impulsiona novas pessoas a se organizarem ou simplesmente

começarem novas aventuras e virem para esta nova conquista. A cidade é formada por 78%

de migrantes213, a cada ano aumentam 1.500 alunos nas escolas municipais214, na década de

1990, a cidade triplicou o seu tamanho.215

Nesse processo, constantemente, existem pessoas mais velhas e tradicionalmente

moradoras da cidade reclamando que tudo mudou. Reclamam que “não se tem a mesma

segurança”, de “que o mundo está perdido” e na maioria das vezes “não conseguem entender

e muito menos explicarem tamanha transformação”. Dona Geni e Dona Terezinha assinalam

que a chegada de pessoas de fora foi boa e ruim ao mesmo tempo, vieram “joio e trigo” mas

questionam que a tranqüilidade ficou comprometida, “não se pode mais deixar a casa aberta

por um instante”.216 Dona Geralda fala que a chegada do migrante foi importante para o

progresso da cidade, mas “agora do jeito que tá, todo mundo morando é numa cadeia”,

quando se refere a situação de violência que a cidade vive.217 Senhor Agostinho também

reclama que “antes todo mundo conhecia todo mundo” agora não conhecemos mais

ninguém.218 A pouca formação ou os princípios formadores do antigo impedem de entender o

que se passa diante da transformação e da chegada do novo. Certo saudosismo toma conta

dessas pessoas, chegam a pensar que não compensa o desenvolvimento. As relações de

consumismo reforçam mais ainda essa sensação do inexplicável. Vive-se um processo de

globalização na esfera da produção e principalmente na do consumo. A sociedade de consumo

reforça valores como a ganância, a ansiedade pelo ter mais, a busca cega pelo sucesso, reforça

o individualismo e a necessidade de sobreviver no mundo da competição. “Daí a afirmação de

que o capitalismo contribui diretamente na constituição de personalidades narcísicas219 que

213 IBGE, Censo Demográfico 2000. 214 Secretaria Municipal de Educação e Cultura, Plano Decenal Municipal de Educação. 215 Prefeitura Municipal de Nova Serrana, Plano Diretor. 216 MARTINS,Terezinha Duarte. Inédito. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto Memórias, Departamento de Cultura. MARTINS, Geni Fonseca. Inédito. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto Memórias, Departamento de Cultura. 217 AMARAL, Geralda Pinto do. Inédito. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto Memórias, Departamento de Cultura. 218 COSTA, Agostinho Sebastião da. Inédito. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto Memórias, Departamento de Cultura. 219 O narcisista é identificado como aquele que se preocupa mais “com o modo como se apresenta do que com o que sente”; “são egoístas, centrados em seus próprios interesses”; “cultivam a riqueza, a notoriedade e o êxito, em detrimento da sabedoria, da dignidade e do respeito por si próprios”. Não vem ao caso discutir este termo no momento, uma vez que não é este o objeto de estudo.

79

são ‘indiferentes’ aos destinos da vida pública e exclusivamente voltada para um hedonismo

privado, que gira em torno do consumo passivo de bens materiais e de outros [bens].”220

A especulação é a forma de se aproveitar do novo que surge e ao mesmo tempo

roubar o espaço do tradicional, o antigo e o novo se misturam. Os bairros ganham novas

formas através do trabalho de seus moradores, cria-se um contorno humano e

conseqüentemente uma supervalorização do espaço, até mesmo financeira. É nesse momento

em que as imobiliárias passam a comprar todo o espaço, mesmo que os vizinhos queiram

resistir, os edifícios dominam esse espaço, rouba a privacidade, o sol, a luz e o horizonte.

Uma das conseqüências desse movimento é o acuamento das pessoas mais velhas, o processo

de esquecimento e a não percepção da transformação. Suas raízes se rompem e por pouco

tempo sobrevivem. “Mudança e morte se equivalem para o idoso. [...] A sobrevida de um

grupo se liga estreitamente à morfologia da cidade; esta ligação se desarticula quanto a

especulação urbana causa um grau intolerável de desenraizamento.”221 O migrante traz

consigo uma nova configuração do espaço, novas culturas e uma nova realidade.

A cidade começa a se reorganizar de acordo com as origens de seus moradores. Os

bairros ganham características de acordo com as localidades de origem do processo

migratório, em Nova Serrana, essa prática se observa a partir da fala das pessoas, das festas,

da freqüência em praças, bares, igrejas. Os bairros assumem características de cada região do

país, de onde vieram seus moradores. Os sotaques se misturam. A cidade tipicamente mineira,

pacata e tranqüila, agora recebe um grupo de baianos que vendem acarajé e vatapá em plena

praça; ou o cearense que com sua fala e vocabulário convida os vizinhos para uma “buchada”

ou “sarapatel” em sua casa; em plena praça, nos sábados à tarde, é possível encontrar um

grupo de gaúchos tomando “chimarrão”.222 É a formação de uma cultura híbrida223 que se

forma ao longo do processo de migração e transformações das cidades, é a reconfiguração dos

espaços e o desaparecimento das fronteiras.

Como se trata de um processo contínuo da industrialização e sua influência nas

transformações culturais; é importante notar que o “progresso”, principalmente o industrial,

pode também trazer certo retrocesso nas relações sociais, na medida em que avança e acaba

por empurrar para um lado a memória daqueles que ajudaram na construção daquela

220 COSTA, 1986, p.140 apud BURITY, 2002. 221 BOSI, 2003, p.75. 222 O ramo de atividade de Nova Serrana é a produção de calçados, por isso atrai tantas pessoas do Vale dos Sinos no Rio Grande do Sul e tantas outras da região Nordeste do Brasil. Ao mesmo tempo, que se recebe trabalhadores braçais que constroem a cidade, recebe também mão-de-obra especializada ou não para o trabalho na indústria. A malha migratória é ampla, se encontra pessoas das mais diversas regiões do país. 223 CANCLINI, 2002, p.67.

80

realidade. Visto que a indústria transforma o processo cultural, existe ainda outro fator

importante que é o fato de algumas cidades preservarem seus costumes e tradições, seu

folclore e monumentos, uma forma de manter vivo um passado que ajuda a criar raízes,

valorizar o espaço existente.

É mesmo um paradoxo pensar na preservação do patrimônio cultural e encarar o

processo de industrialização para o desenvolvimento, como acontece em Nova Serrana.

Enquanto um se propõe preservar o antigo como fonte de informação, enraizamento e

manutenção das tradições locais, a memória, o outro se propõe a buscar a inovação,

abandonar o que é velho e inútil para uma sociedade que progride constantemente. Em Nova

Serrana, para uma grande parcela da população, as tradições se tornaram antiquadas, uma vez

que todos querem coisas absolutamente novas e que foram produzidas apenas para sustentar o

mundo industrializado e capitalista. Por outro lado, também se torna quase inviável uma

sociedade retrógrada e estagnada nos ideais dos séculos anteriores. Se assim fosse, não

justificaria o desenvolvimento tecnológico e científico adquirido em tão pouco tempo, depois

da Revolução Industrial.

Trata-se do aspecto industrial como principal fator de transformação da cultura, já

que, a partir do momento em que as condições humanas melhoram em um determinado lugar,

automaticamente a notícia se espalha, outros tantos começam a chegar e todo o processo se

reinicializa com seus desafios e necessidades. Segundo Joanildo Burity, “o surgimento de

uma cultura de massa planetária é profundamente importante para a formação de novas

identidades marcadas pela transterritorialidade e pelo multilingüismo” 224, e também pelo

multiculturalismo, poderíamos acrescentar, que a facilidade e a rapidez com que a notícia

chega em todos os lugares faz com que tudo se torne mais rápido e mais próximo, ao mesmo

tempo forma também uma sociedade fragmentada, multifacetada e sem nexos. Não é fácil, então se adivinhar quando esta globalização/ fragmentação é instituinte de um novo modelo cultural mais democrático e antitradicional, ou quando produz um movimento modernizador / conservador que contamina um novo modelo cultural com traços culturais tradicionais e na maior parte das vezes antidemocráticos. [...] Praticamente, não existem mais culturas puras. O mundo da humanidade constitui um total de processos múltiplos interconectados, e os esforços para decompor em partes esta totalidade, que logo não pode ser rearmada, falseiam a realidade.225

224 BURITY, 2002, p.89. 225 WOLF, 1975 apud BURITY, 2002, p.89.

81

A indústria que movimenta a chamada “indústria cultural” necessita da novidade,

da variação. “Na verdade, a renovação do interesse sobre cultura extrapola o que poderia ser

um mero modismo acadêmico para surgir como um novo entendimento da modernidade”226. É verdade, porém, que nossos ritmos temporais foram subjugados pela sociedade industrial, que dobrou o tempo a seu ritmo, “racionalizando” as horas de vida. É o tempo da mercadoria na consciência humana, esmagando o tempo da amizade, o familiar, o religioso... A memória os reconquista na medida em que é um trabalho sobre o tempo, abarcando também esses tempos marginais e perdidos na vertigem mercantil.227

O grau de crescimento acima do desejado por aqueles que prezam as tradições

mais antigas e o número dos migrantes seja cada vez maior, tem levado Nova Serrana a uma

ampliação da discussão quanto aos caminhos para a preservação da memória e tradições

locais. Só assim será possível um presente ligado ao passado. “As chaves do futuro e de

utopia estão escondidas, quem sabe, na memória das lutas, nas histórias dos simples, nas

lembranças dos velhos.”228 Conhecer mais sobre o Brasil, Minas ou Nova Serrana, é buscar

nesses espaços a memória, a trajetória, enfim, memórias que ainda vivem na história de cada

pessoa que chega ou que sai, mas que acabam por fazer história.

226 BURITY, 2002, p.91. 227 BOSI, 2003, p.53. 228 BOSI, 2003, p.208.

82

3- Cultura Popular, religiosidade e tradições de Nova Serrana e Oeste de Minas Gerais

Do ponto de vista étnico e cultural o Brasil é um exemplo único. Mestiço por

natureza, a nação foi e ainda vem sendo amalgamada sob o signo da mistura, das trocas de

natureza sexual, ética e cultural. No século XVI, quando chegou nessas terras o europeu,

imediatamente este se mistura ao índio, em todos os sentidos, e não havia como ser diferente,

uma vez que a empreitada ultramarina era reservada quase que exclusivamente aos homens,

sobretudo nos primeiros tempos. Por uma tradição cara na maior parte das culturas

ameríndias, o menino que nascia dessa relação era criado pela mãe, formava-se nos

primórdios de nossa história, os primeiros casos de hibridismo, cultural e étnico.229 Mais

tarde, o branco introduz nessas terras o negro, que vinha para trabalhar na condição de

escravo. As relações então estabelecidas, entretanto, não eram democráticas nem amenas.

Imperava a hierarquia, tanto assim que a cultura brasileira não é a européia, nem a indígena e

nem muito menos a africana, mas um amalgama das três, não necessariamente equilibrado.

Somos ocidentais. A maior parte de nossas instituições, crenças, valores, religião, aproxima-

se da cultura européia, mais especificamente portuguesa. Não existe uma única característica

que defina de fato a cultura brasileira. O fato é que o país é uma mistura de vários povos,

costumes, raças e crenças. Talvez por essa razão o brasileiro seja tão alegre e festeiro. A Festa

se mistura ao seu sofrimento ajudando a amenizá-lo.

Os Estados de Minas Gerais e São Paulo, antes províncias, e mais remotamente

ainda capitanias se destacaram pelas características da constituição do seu povo, uma mistura

do sertanista que buscava novas terras, do índio que ajudava na busca das minas e do negro

que trabalha no processo da mineração. Ao sabor da procura desenfreada por riquezas

minerais, as bandeiras trazem consigo a transformação, o novo, a civilização. Tudo é abrupto

no início, mas essa não é a maior preocupação dos aventureiros, o objetivo inicial era apenas

buscar riqueza para alcançar a nobreza. Pode-se dizer que as mudanças no processo cultural se

deram como conseqüências das dificuldades encontradas durante o processo de mineração.

Na medida em que o povoamento avança e a população fixa na região das minas, formam-se

também novas tradições e costumes. A região de Minas Gerais passa a ter suas

particularidades, seu modo de viver e de sentir; sua comida, danças, costumes, sua

religiosidade, suas festas. Um povo quieto, desconfiado, mas que na espreita é capaz de

229 FREIRE, 1985, Capítulo 1.

83

produzir e se destacar no que faz. São as minas de Drumond, de Adélia, de Guimarães Rosa,

de Kubitschek, de Tancredo e tantos outros, “pois Minas Gerais é muitas. São pelo menos

várias Minas.”230

Ao longo desse processo, alguns costumes foram preservados, outros

desapareceram ou foram esquecidos ou ainda passaram a ser conservados apenas por uma

pequena memória local. Considerando a mobilidade natural dos processos culturais, podemos

afirmar que o tempo passava mais devagar até certo ponto do século XX. Muitas pessoas que

hoje vivem em Nova Serrana, lembram do tempo em que a cidade não tinha luz elétrica, todos

se conheciam, as casas dormiam abertas e etc.

A industrialização mudou tudo isso relativamente muito rápido. Hoje não há como

conhecer a todos, sequer na sua própria rua, não se pode mais dormir com a casa aberta, e a

movimentação, o barulho e a poluição, entre outras coisas lembram constantemente os

moradores da condição atual da cidade. O objetivo da maioria da população que chegou

durante os anos de crescimento da cidade é trabalhar, melhorar a condição financeira, pouco

se importando em criar raízes com o lugar, com suas tradições. Mas isso é natural, pelo menos

na contemporaneidade, onde os processos migratórios já produzem um desenraizamento231,

um deslocamento na vida das pessoas que chegam ou que saem, esse deslocamento reforça o

esquecimento da memória.

Na contemporaneidade, a população em geral queixa-se de que a Nova Serrana é

uma “cidade é ruim”, “que aqui não tem nada para ser feito nos finais de semana”, “que a

cidade só serve para trabalhar” e “que aqui não tem cultura”. A queixa da população talvez

diga respeito à falta de atrativos como cinemas de última geração, shoping-centers modernos,

boates, danceterias e etc. Tudo é efêmero na cidade do calçado. Nesse sentido, pode-se dizer

que existe certo descompasso temporal. Nova Serrana mantém relativamente acesas e

robustas festas e tradições culturais, que constituíam em outros tempos espaços privilegiados

de sociabilidade e convivência. As festas populares são muitas, ocorre que muitas dessas

manifestações culturais sequer são conhecidas por parte da população, por conta das

características e peculiaridades de Nova Serrana. Por outro lado, como a diversidade

populacional é grande, a cidade apresenta um potencial cultural muito vasto. Esta chegada

incessante de pessoas leve a esse desconhecimento com relação às manifestações culturais e o

processo histórico regional. Pouco se conhece sobre as manifestações culturais locais, até

230 GUIMARÃES ROSA apud PINTO, Bilac. Discurso Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais. Diário do Legislativo, 08 de agosto de 2001. 231 WEIL, 2001, p.54.

84

mesmo os professores de História e disciplinas afins que chegam à cidade para trabalhar estão

à margem do que se passa na cidade ou de sua história.

Esse descompasso entre moradores mais antigos e novos migrantes, natural na

contemporaneidade e diluído em cidades maiores ou que passaram pelo ápice do crescimento

populacional e urbano, é muito sentido em Nova Serrana. A população residente há mais anos

na cidade, que presenciara e vivenciara o processo de desenvolvimento, que viveram os

dramas de uma cidade sem energia elétrica, ruas sem calçamento e falta de água tem uma

relação de outra ordem com a cidade, emocional, com fortes raízes. A cidade é um

componente importante na conformação de sua identidade. Quem chega à Nova Serrana e vê

quão é promissora e como cresce constantemente, não faz idéia do que acontecia na cidade há

vinte anos, hoje é uma cidade que se movimenta a passos largos e se modifica a cada instante

tanto na infra-estrutura como no interior das fábricas, não se usa mais a lamparina nem a

sovela para confeccionar calçados em empresas totalmente informatizadas, muito menos a

faca feita de serra Starrett, uma vez que o balancim já utiliza jatos de água para cortar o couro

e a modelagem que antes era feita à mão, hoje conta com o sistema à laser do CADICAM.232

Diante desse desenvolvimento, a cultura e tradições locais se vêm acuadas e até mesmo

desconhecidas por uma grande maioria da população. O que faremos agora é um mapeamento

da cultura alimentar local, algumas descrições das festas religiosas e mais manifestações da

cultura popular neo-serranense.

3.1. A cultura alimentar de Nova Serrana e região

A alimentação é um dos traços mais característico de uma cultura, assim, não

analisar a cultura alimentar do oeste mineiro seria uma falta inestimável. Era um expediente

do homem colonial e das populações indígenas antes da chegada dos europeus a estas terras, a

hábito de procurar na natureza parcela importante do seu sustento diário. A natureza era uma

fonte praticamente inesgotável de alimentos e outros recursos indispensáveis à vida.233 Saber

como extrair do meio ambiente os meios básicos para a subsistência foi uma vantagem vital

para aqueles que sabiam tirar proveito de tal situação. Neste ínterim os paulistas levavam uma

ligeira vantagem com relação a seus concorrentes reinóis, uma vez que seus laços com as

232 SINDINOVA – Sindicato Intermunicipal da Industria de Calçados de Nova Serrana. O sistema CADICAM facilita o sistema de modelagem através da informatização e do corte das peças através de laser, que mais tarde servirá para transformar em moldes de aço para o corte ou em gabaritos para as máquinas que também utilizam laser ou jato de ar e água para o corte. 233 Para maiores informações a este respeito ver: HOLANDA, Sergio Buarque de. Caminhos e Fronteiras.

85

culturas indígenas lhes legavam conhecimentos extraordinários de como viver naquele meio

tão hostil àqueles que desconheciam os segredos das matas e sertões. Em determinadas

circunstâncias de extrema penúria vivida pelos mineiros durante os primeiros anos de

mineração nas Gerais, tais conhecimentos foram crucias para determinar aqueles que teriam

sucesso naquela dura empreitada da mineração. Para sobreviver, muitos homens “se

aproveitaram até dos mais imundos animais” para se alimentarem.234 O alimento era coletado

na natureza das mais diversas formas. Raízes, animais de pequeno e médio porte, frutos e

legumes de todo o tipo, ovos, mel e até mesmo insetos eram utilizados como fonte de

alimento por aqueles homens que se aventuravam por meses, e não raro anos, no coração do

Continente ainda “selvagem”.235

A partida para as minas era uma aventura, o transcurso da viagem, ás vezes

mortal. Cada um, com o seu comer frugal na sacola, partia, confiante, movidos pela miragem

do ouro. Esperava-o, muitas vezes, o pior dos padecimentos: a fome. Desse início difícil,

paradoxal, nasceu a necessidade de comer de tudo, característica do povo mineiro: Maxixe,

umbigo de bananeira, palma, banana verde refogada, mandioca cozida, frita ou ensopada.

Milho - verde, pamonha, fubá, mingau, broa, cubu. Farinha de mandioca e farinha de milho.

Angu doce, com canela e recheado com queijo curado, servido aos nacos com café.

Refogados de broto de samambaia, broto de abóbora, broto de bambu, chuchu, caruru. Ora-

pro-nóbis. Inhame e cará. Taioba rasgada refogada. Abobrinha batida e refogada. Abóbora

madura. Doce de abóbora. Garapa, melado e mel. Sal e açúcar muito pouco, pois custava

muito dinheiro. Tatu, gambá, capivara, jacu, inhambu e outros da fauna silvestre ajudavam a

completar o cardápio. Mais ou menos isso compunha a alimentação dos homens que saiam de

várias partes de São Paulo e Bahia e se entranhavam pelas florestas das Minas Gerais, para

conquistarem as sonhadas jazidas de ouro. 236

Paulatinamente, a questão do abastecimento de gêneros alimentares na região

mineradora foi equacionada, através da introdução da agricultura em mais larga escala nos

arredores das principais vilas e localidades da Capitania das Minas Gerais e com o afluxo

cada vez maior de gado àquela região, proveniente principalmente dos arredores do Rio São

Francisco e demais terras ao longo do caminho que ligava Salvador às Minas Gerais. A

principal região produtora de alimentos nas Minas era a Comarca do Rio das Mortes, grande

produtora de milho, legumes e suínos, seguida pela Comarca do Sabará. Com o tempo

234 Idem. p. 56. 235 CATÃO; SOUZA. 2007. p. 1. 236 Idem. p. 3.

86

também se estabeleceram nas Gerais redes de comerciantes que garantiram o abastecimento

de todo gênero de mercadorias àquela região, desde gêneros de primeira necessidade, até

utensílios do mais alto luxo que alcançavam ali preços muito maiores do que os observados

no litoral. Com a melhoria da rede comercial, as classes mais abastadas passaram a ter acesso

à oferta mais diversificada de produtos: além da carne de porco e seus derivados, boi,

codornas, pacas, carneiros, frangos, bacalhau, amêndoas, azeite, farinha de trigo, sal, vinhos

entre outras iguarias.237 A estabilidade referente ao abastecimento e o estabelecimento

administrativo da Coroa portuguesa naquela região consolidariam de vez a colonização da

região mineradora. Em meados do século XVIII a população da Capitania de Minas Gerais já

oscilava em torno de 450.000 pessoas. Ao lado da exploração aurífera, a produção de víveres

também foi uma atividade econômica de destaque nas Minas, verdadeira vocação marcante

mesmo nos nossos dias.

Os currais foram lentamente penetrando na capitania, espraiando-se pelos campos

próximos ao rio São Francisco, como um prolongamento natural da pecuária baiana. Da Vila

de Sabará saiam milho, feijão, arroz e cana-de-açúcar; das bandas da Vila Risonha e Bela de

Santo Antonio da Manga de São Romão chegavam gado, peixes e frutas do sertão; a Vila

Nova da Rainha produzia as “mimosas frutas de nosso Portugal”, maçãs, pêssegos e a Vila de

São Jose do Rio das Mortes era a mais abundante de toda a capitania, dela se sustentando, a

maior parte das comarcas, de toucinhos, gado, queijos, milho, feijão e arroz. Cultivado há

7.000 anos, o arroz tem origem asiática, chegando a Península Ibérica durante a ocupação

árabe. O plantio do arroz branco foi introduzido na América portuguesa desde o século XVI.

No século XVIII, ainda raro na mesa dos paulistas, já era comum nas refeições mineiras.238

Os bandeirantes paulistas prestaram grande contribuição à cozinha mineira, em

suas sesmarias (fazendas doadas aos súditos pela Coroa portuguesa) ou pelos caminhos

plantavam suas roças com a ajuda de seus escravos. Cultivavam de tudo um pouco, porém se

destacavam a mandioca e, em maior escala, o milho.239

Nas Minas coloniais, toda casa, mesmo nas principais vilas como Vila Rica,

Sabará, São João Del Rei e outras, o quintal era essencial na alimentação. Ao redor da casa

havia muitas galinhas e uma hortinha cercada para manter os pés de couves, salsas e

cebolinhas protegidos das aves ciscadeiras. No fundo do quintal, além das galinhas, havia

pequenas criações de porcos (heranças portuguesas) além da horta e pomar. Dos produtos da 237 BOXER, Charles R. A Idade de Ouro do Brasil. pp. 70-80. 238 Ver: BOSISIO, Arthur (coord.), CHRISTO, Maria Stella Libanio, ROCHA, Tião. Sabores e cores das Minas Gerais: a Culinária Mineira no Hotel Senac Grogotó. Rio de Janeiro: Ed. Senac Nacional, 1998. 239 CATÃO; SOUZA. 2007, p. 3-5.

87

horta, um dos favoritos era a abóbora, com a qual se preparam receitas salgadas e doces. A

couve também tinha papel de destaque. Dali as cozinheiras tiravam parte importante da

alimentação diária, poucos moradores das Minas podiam dar-se ao luxo de não recorrer aos

fundos de quintal. Numa época em que a troca de mercadorias era tarefa complicada, criar em

casa um animal do qual tudo se aproveita tinha valor inestimável.240

As quitandas são uma marca da cultura alimentar do oeste mineiro. A tradição de

fazer biscoito cozido não estaria também em outras regiões. Mas o importante é registrar o

movimento cultural que a receita exerce, ou melhor, exercia na cidade. Com o tempo e a

modernidade muitos costumes se desfizeram: entre eles a prática de reunir várias senhoras e

crianças para as conversas no sábado à tarde, e enquanto conversavam e discutiam os mais

diversos assuntos, faziam deliciosas quitandas de polvilho, farinha e fubá. O biscoito feito de

polvilho e farinha de trigo era cozido em água fervente, passado em uma leve calda de açúcar

e depois assado no forno de lenha, Dona Geralda conta que sua avó não só fazia para o

consumo da casa, como vendia nas confeitarias da cidade, como eram chamados os bares e

lanchonetes na época.241 No mesmo momento também se fazia broas de fubá de canjica

escaldada com gordura bem quente e misturada com um pouco de queijo fresco, ou ainda, o

“tarequinho” como é chamado o biscoito feito com fubá, farinha de trigo e leite. Outra iguaria

que se destaca na região é o famoso biscoito “pau-a-pique” feito com fubá de munho, leite e

ovos, o segredo é enrolar em uma folha de bananeira, amarrar e assar o pequeno embrulho

que também serve de decoração. As iguarias eram servidas com café, leite ou chá, ali mesmo

onde se encontravam aquelas senhoras e seus filhos. Dona Geni lembra que a “Ção

Biscoiteira” não só fazia as quitandas, como ensinava as pessoas que abriam padarias na

cidade.242

Dentre os pratos servidos nas refeições está o feijão tropeiro, que era prato comum

do dia-a-dia, ninguém convidava ninguém para comer estas coisas. Com o tempo estes pratos

ganharam o cardápio escolhido para as festas. O segredo da comida típica mineira é a sua

simplicidade, o que a torna mais difícil de fazer. O feijão era a comida mais simples e fácil de

preparar para o grupo que viajava com as tropas. O cozinheiro que ia à frente levava consigo

o feijão, a carne seca e farinha. Outro prato à base de feijão, oferecido nesta região é o tutu de

feijão, feito com o feijão estrelado e farinha de mandioca, temperado com cachaça e que vem 240 Ver: BOSISIO, Arthur (coord.), CHRISTO, Maria Stella Libanio, ROCHA, Tião. Sabores e cores das Minas Gerais: a Culinária Mineira no Hotel Senac Grogotó. Rio de Janeiro: Ed. Senac Nacional, 1998. 241 AMARAL, Geralda Pinto do. Inédito. Nova Serraa, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto Memórias, Departamento de Cultura, 29/10/2007. 242 MARTINS, Geni Fonseca. Inédito. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto Memórias, Departamento de Cultura, 05/10/2007.

88

sempre acompanhado de couve refogada e uma boa lingüiça de porco. Nesta mesma

simplicidade também se cozinhava o arroz misturado com galinha caipira, um prato simples,

mas quando feito na panela de ferro e no fogão à lenha ganha outro sabor. Das carnes, Dona

Terezinha recorda que não podia faltar o lombo de porco que depois de frito era colocado em

latas e coberto com gordura para conservar por mais dias até ser servido.243 Depois da

refeição servida não podia faltar sobremesa que ora estava guardada na cristaleira ou no

armário da cozinha. O doce de leite mole ou em pedaços era servido com queijo fresco, ou

como agora se apresenta nos mercados, “queijo minas”, mas junto vinha também o doce seco

de mamão ou abóbora, o doce de mamão enrolado e em compota.

3.2. Festa de Reinado de Nossa Senhora do Rosário

A origem desta manifestação religiosa no município remonta aos primeiros grupos

de Reinado, que foram criados no Distrito de Boa Vista de Minas no início do século XX. Na

cidade de Nova Serrana, a manifestação dessa tradição começou por volta de 1930 e se

consolidou a partir de 1985, quando um grupo de congadeiros e pessoas interessadas no

assunto se reuniram e começaram a organizar a “Festa do Reinado”. Ao que tudo indica, nesse

caso, alguns “forasteiros” identificados com tal manifestação cultural serviram de impulso

para tal festividade em Nova Serrana. Os precursores foram: Sr. Dilico, Padre Lauro, Vinícius

Peçanha e Frei Leonardo Lucas Pereira (ofm), entre outros. Tão logo a Irmandade de Nossa

Senhora do Rosário foi registrada em cartório e realizou-se a primeira Festa de Reinado na

cidade. É um espaço onde cantadores apresentam danças que se misturam aos toques de

caixas e pandeiros.

A Congada ou o Reinado, como se conhece, é um bailado de origem africana,

introduzido no Brasil durante a colonização e que foi utilizado como fonte de catequese pelos

padres jesuítas. A discriminação do negro fez surgir em diversas regiões igrejas dedicadas à

Nossa Senhora do Rosário, uma vez que o negro não podia freqüentar igreja de brancos. A

“Virgem do Rosário”, como ainda é chamada, é a santa do negro, por isso os cantos da

Congada são uma espécie de lamento, de choro que relembram as dificuldades enfrentadas

durante a escravidão. As roupas não só representam a festa com suas cores fortes, mas

também é uma forma de protesto, onde o povo pobre e sofrido passa à condição de reis,

243 MARTINS, Geni Fonseca. Inédito. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto Memórias, Departamento de Cultura, 05/10/2007.

89

rainhas e princesas. Ao toque das caixas, cavaquinhos, pandeiros e baixos, o cortejo segue

pelas ruas com danças, coreografias e cantos para levar a imagem da santa em procissão.

A festa que começou no entorno da Igreja Matriz de São Sebastião em Nova

Serrana, se estendeu ao longo das ruas da cidade, quando foi construída a Capela de Nossa

Senhora do Rosário, passou a ocupar distâncias maiores e ao mesmo tempo, tornou-se uma

dificuldade para manter a estrutura e administração da Festa. Com um número grande de

barracas onde se vende desde alimentos e bebidas, até roupas, calçados, eletroeletrônicos,

artesanato, utensílios domésticos, ferramentas e se completa com jogos de azar, foi necessário

preparar uma estrutura maior e melhor. O mercado livre e informal se transforma em fonte de

diversão e renda. Geralmente, a festa começa na quinta-feira com shows, fogos de artifício e

só vai terminar no domingo, atraindo cerca de quinze a vinte mil pessoas. No domingo pela

manhã, a cidade começa a receber as guardas de congado que chegam de diversas cidades,

cada qual com suas roupas enfeitadas e coreografias diferentes. O convite para que estes

grupos cheguem é feito através de visitas em outras cidades pela Irmandade do Rosário e que

depois em uma relação de compadres o grupo passa de visitado a visitador. A cada cidade que

o grupo de Nova Serrana visita, passa a dever uma visita de volta. Durante toda a manhã do

domingo, durante a festa, estes grupos estão pela cidade com suas danças e músicas, depois se

reúnem nas casas dos “festeiros”, como são chamadas as famílias que oferecem o almoço.

Pela tarde se reúnem novamente na praça para realizarem a procissão e assistirem à missa na

Igreja Matriz. Na volta para a Capela do Rosário, saúdam as imagens veneradas, descem as

bandeiras e assistem ao espetáculo de fogos de artifício, em homenagem aos santos São

Benedito, Santa Efigênia, Nossa Senhora das Mercês e Nossa Senhora do Rosário.

3.3. Festa do Padroeiro São Sebastião

Não se sabe ao certo sobre a chegada da devoção à São Sebastião na região,

porém é possível fazer uma relação com o contexto histórico e a tradição quando analisamos

uma região com tropas de animais e mais tarde com a criação de gado, produção de couro e

artefatos de couro como arreios, selas e enfim, calçados. A tradição de que São Sebastião o

guerreiro que foi martirizado durante o Império Romano é protetor contra a peste e a doença,

ampliou a devoção entre fazendeiros que querem proteger a fazenda e seus animais. Com esta

devoção começam as doações de animais para as igrejas onde o santo é padroeiro. Nova

Serrana tem seu padroeiro desde a construção da capela por volta de 1909, os costumes das

90

missas e a festa com leilões de animais, barraquinhas e shows passaram a fazer parte do

calendário religioso local. Mais tarde, pelo calendário civil com a determinação do feriado

municipal dedicado ao Santo, mesmo que para conseguir a aprovação da Lei Municipal que

determina o dia 20 de janeiro como feriado municipal, foi necessária uma pressão da

comunidade católica, mesmo diante das manifestações contrárias geradas pela Igreja

Protestante local.

3.4. Cultos Marianos 3.4.1. Coroação de Nossa Senhora – mês de maio

“A devoção à Maria, a quem D. Afonso Henrique entregara a Portugal, era uma

crença fundamental na Igreja Católica e teve continuidade no Brasil, notadamente após o

resgate de sua imagem do fundo do Rio Paraíba, na Vila de Guaratinguetá, situada na

Capitania de São Paulo e Minas do Ouro.” 244 Durante o mês de maio as crianças se vestem de

anjos e fazem a coroação de Nossa Senhora da Conceição, o culto à imagem, padroeira de

Portugal, “venerada em Minas, primeiramente na ermida do Ribeirão do Carmo. Até meados

do século XIX, mais de uma centena de arraiais tiveram, em sua toponímia inicial, o nome de

Nossa Senhora, ao qual se acrescentava, às vezes, uma palavra indígena [...] ou que podia

variar com a graça recebida pelo fiel.”245

Em Nova Serrana, houve manifestações contrárias a esta tradição, como

aconteceram em várias reuniões do Conselho Pastoral da Paróquia de São Sebastião, quando

chegaram a afirmar que a “população não queria mais este tipo de manifestação e era preciso

atualizar ou criar algo novo e mais atrativo” 246. Ainda hoje, a manifestação é pertinente e

valorizada pela tradição das mães que participam da coroação e ajudam a organizar as

crianças durante a devoção mariana. Os cantos enchem a igreja e os versos rimados

acompanham o oferecimento de flores, palmas, véu e coroa à Santa. Durante o momento da

apresentação a coroação da santa é aplaudida incessantemente pela população, antes estas

atividades eram incentivadas e acompanhadas pela Sociedade Filhas de Maria e mantinham a

tradição do terço na comunidade durante todo o ano. As festividades duram todo o mês de

maio, é complementada com manifestações de carinho às mães da comunidade, aproveitando

a data festiva do dia das mães. O que ficou para trás foram os gritos de leiloeiros que saiam

244 ANASTASIA, Carla Maria Junho, apud ROMEIRO, 2003, p.265. 245 ANASTASIA, Carla Maria Junho, apud ROMEIRO, 2003, p.266. 246 Livros de Atas do Conselho de Pastoral da Paróquia de São Sebastião.

91

em meio ao povo oferecendo prendas doadas pelas famílias e que depois de leiloadas, os

valores eram revertidos como donativos para a igreja. Eram enormes biscoitos quadrados de

polvilho que circundavam alguma carne assada, seja um frango, pernil ou lombo de porco,

acompanhado de uma garrafa de vinho ou cachaça e coberto por uma delicada renda feita com

papel seda. A criançada que participava da coroação ganhava ao final da atividade, doces e

amêndoas como gratificação pela homenagem oferecida à Santa. Eram na verdade doces e

balas de leite ou cartuchos, como eram chamadas as embalagens, que vinham cheias de

amendoim confeitado em caldas de açúcar.

3.4.2. Festa de Nossa Senhora do Carmo

Destes cultos ficaram também na tradição as festas de Nossa Senhora do Carmo,

que devido à tradição do Padre Libério mobilizar a comunidade para construir a capela no alto

da serra e benzer a água que lá corria, a tradição foi reforçada pelos frades carmelitas que são

devotos da santa. Durante a festa havia novenas, barracas e procissão até a capela no alto da

serra.

3.4.3. Festa de Nossa Senhora das Vitórias

Mais tarde chegou até a comunidade a devoção a Nossa Senhora das Vitórias, que

era mantida por Maria Rocha Aleluia, conhecida como Dona Neguinha, professora e

catequista da comunidade, fazia suas procissões com a santa que visitava as casas dos

devotos. Depois da morte da professora, na década de noventa, a tradição durou pouco tempo

entre as companheiras, existindo apenas na memória de poucos moradores de Nova Serrana.

3.5. Festa de São José

“Venerado em 171 paróquias e dá nome a doze municípios do Brasil.”247 É

protetor dos lares católicos, dando morte serena e cristã aos seus devotos e protetor dos

operários. Segundo a tradição, quem crê em São José tem seu trabalho garantido e jamais lhe

faltará o pão. Sua festa é comemorada no dia 19 de março, quando é véspera do solstício de

inverno, segundo a tradição popular, “se chove pelo São José é quase certo o inverno; se São

247 CASCUDO, 2001, p. 309.

92

José seco, nublado, chuviscando ou molhado, dá condições ao agricultor de fazer sua

meteorologia tradicional”248.

No município de Nova Serrana a Festa de São José é comemorada na Comunidade

de Moreiras, hoje bairro Moreiras. É uma festa composta por barraquinhas, shows e dança de

forró que também é comum por estas bandas onde misturam a mineiridade e outras regiões do

Brasil, principalmente a nordestina.

3.6. Folia de Reis

A tradição portuguesa, de uma dança rápida, ao som de pandeiro ou do adufe,

acompanhada de cantos, fixou-se no Brasil tomando características e modos típicos

diferenciados. No Brasil a Folia é bando precatório que pede esmolas para a Festa do Divino

ou para a festa dos Santos Reis Magos249 A tradição da Folia de Reis em Nova Serrana

começou juntamente com a Festa de Reinado. Os mesmos dançadores da Congada se reúnem

durante os meses de dezembro e janeiro para homenagear famílias, visitarem os presépios e

anunciar a epifania de Jesus (a visita dos Reis Magos ao Menino Deus). Vestidos de reis e

mascarados, estes homens cantam o nascimento do Menino Deus, rendem-lhe homenagens e

anunciam o seu nascimento. No dia seis de janeiro, dia dos Santos Reis, fazem a despedida do

presépio, outra tradição medieval deixada por São Francisco de Assis, na Itália e que faz parte

da maioria dos lares católicos em todo o mundo. Geralmente a Folia de Reis começa no dia 24

de dezembro, vésperas do Natal, e vai até o dia dois de fevereiro, dia de Nossa Senhora das

Candeias. A Folia percorre os sítios e as cidades, angariando auxílios para realizarem uma

ceia no final da festa. “A Folia de Reis não é tão popular como a Folia do Divino, que é viva

em vários estados do Sul do Brasil.” 250

3.7. A Festa de Cruz

As cruzes marcam os lugares de sepulturas e à beira das estradas, os lugares onde

alguém faleceu de morte violenta ou de acidentes. “A cruz de madeira assinalava jurisdição

regular, domínio de quem a chantava sobre a terra adquirida mesmo sem sinais exteriores de

248 CASCUDO, 2001, p. 310. 249 CASCUDO, 2001, p.242. 250 CASCUDO, 2001, p.242.

93

posse efetiva.”251 Nas regiões mineiras o cruzeiro não só demarcava as regiões, caminhos e

limites de terras como também faz parte das tradições religiosas populares. Algumas

comunidades rurais ainda mantêm a tradição de rezar nos cruzeiros que marcam os caminhos

de tropeiros e pequenos povoados. “Para os cristãos, a cruz representa Cristo, simbolizando o

seu suplício. Afugenta os seres diabólicos e os bichos de assombração.”252

A cruz que traz os símbolos da crucificação de Jesus (escada, martelo, torquês,

cravos, coroa de espinhos e um lençol), é enfeitada e com cantos e lamentos os devotos rezam

o terço e jogam água ao pé da cruz, pedindo chuva e melhora nas colheitas. “Em Minas

Gerais, fronteira de São Paulo e Goiás, e em todo o Nordeste, molha-se o cruzeiro para obter-

se chuva do céu, conservando-se desta forma uma tradição européia muito difundida. Na obra

de José A. Teixeira253, vê-se ‘Processo para fazer chover: molhar um cruzeiro – os homens e

mulheres carregam cântaros e cabaços de água: chegados ao cruzeiro, dão-lhe um banho

solene’.”254 Na época das estiagens prolongadas, nas secas do Nordeste e Sudeste, conserva-se

a tradição católica da oração pedindo chuva.255 Em muitos lugares aparecem procissões, onde

as pessoas levam pedras na cabeça, molham o cruzeiro ao meio-dia para salvar a plantação de

milho. Em outras regiões, como no Centro-Oeste de Minas é comum encontrar estes costumes

acompanhados de rezas, encontros entre famílias e o tradicional café, depois das rezas,

acompanhado de quitandas e delícias da culinária mineira. O pedido e a reza acabam seguidos

de iguarias e quase sempre de uma festa.

3.8. Encontro Celebrando

O encontro realizado entre as diversas denominações religiosas da Igreja

Protestante e Evangélica em Nova Serrana assumem uma posição de evangelização entre seus

fiéis, atrai um grande número de pessoas de outras localidades, que se reúnem para a

realização de cultos e louvores. O encontro que se iniciou em um pequeno espaço no centro

da cidade, hoje ocupa o Centro de Convenções e Eventos “Jaime Martins do Espírito Santo”,

com espaço mais amplo e de mais fácil organização. Com pouco mais de quatro anos, o

Encontro faz parte do calendário cultural da cidade.

251 CASCUDO, 2001, p.167. 252 CASCUDO, 2001, p.167. 253 Folclore Goiano, São Paulo, 1941, apud CASCUDO, 2001, p.167. 254 CASCUDO, 2001, p.167. 255 CASCUDO, 2001, p.136.

94

A primeira manifestação da igreja protestante a chegar à Nova Serrana foi a 1ª

Igreja Batista e a segunda foi por volta de 1980 com a Igreja Assembléia de Deus com o

Pastor Generoso. Dona Geralda relata que houve dificuldades para o início dessas igrejas, que

a população repudiava devido a concentração nas manifestações católicas, segundo ela “nem

podia falar” 256 sobre o assunto. Com trabalhos de ajuda e caridade à população, o Pastor

Generoso fundou sua igreja na cidade e incentivou a vinda de vários migrantes da região do

Norte de Minas (cidades como Capelinha, Poté, Malacacheta, entre outras), que passaram a

fazer parte do número de pessoas que compõem a cidade.

Seguidamente, foram instaladas: Igreja Batista Cristo Vive, Igreja Universal do

Reino de Deus, Igreja Presbiteriana, entre outras, o que corresponde a 30% da população,

segundo o Senso Cultural Paroquial realizado em 1996 257. A população protestante cresceu e

cresce em grandes proporções, bem como cresce o número de denominações religiosas em

diversas partes da cidade. Percebe-se que este movimento está diretamente relacionado ao

crescimento da cidade e relacionado à chegada dos trabalhadores, muitos dos quais são de

igrejas protestantes. Na verdade, a década de oitenta marca de fato um crescimento do

protestantismo no Brasil como um todo.

3.9. A Banda de Música

A arte musical esteve sempre presente nas cerimônias religiosas e civis, bem

como nas manifestações populares, surgindo paralelamente à edificação dos primeiros arraiais

e capelas. Os primeiros músicos que chegaram às Minas vieram provavelmente da Bahia e de

Pernambuco.258 A Banda de Música, a Lira Musical São Sebastião passou a fazer parte da

vida de Nova Serrana por volta de 1930, enfrentou dificuldades, chegou a parar as atividades

ora por falta de instrumentos, ora por falta de músicos ou maestro. Em 1972 um grupo de

pessoas resolveu se organizar e registrar a trajetória com vistas ao reconhecimento da Câmara

Municipal, no que foi bem sucedida a iniciativa, sendo assim reconhecida e beneficiada como

utilidade pública. A partir daí passou a prestar serviços para a comunidade, participar de

atividades religiosas e civis; a participar de projetos sociais e filantrópicos, criou-se a

Associação dos Amigos da Banda para receber ajuda financeira da comunidade. O poder

público passou a subsidiar algumas despesas, como é o caso do maestro e a Banda passou a 256 AMARAL, Geralda Pinto do. Inédito. Nova Serraa, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto Memórias, Departamento de Cultura, 29/10/2007. 257 Paróquia de São Sebastião de Nova Serrana, Censo Cultural Missionário, 1996. 258 ROMEIRO, 2003, p.206-7.

95

enviar projetos para os governos Estadual e Federal o que resultou no recebimento de

instrumentos. O Encontro de Confraternização de Bandas de Música passou a fazer parte do

Calendário Cultural da cidade e reúne a cada vez, uma média de quinhentos músicos, que se

apresentam pelas ruas e nas praças, almoçam juntos e trocam partituras, experiências e

contatos, que os incentivam em melhorar e fazer novas apresentações. Afinal “todo mineiro

tem uma montanha brilhando nos olhos, um apito do trem nas veias e uma banda de música

nos ouvidos”.

3.10. A hospitalidade

Mineiro é assim, se a visita é agradável e é de confiança, é recebida na porta da

frente e tão logo levada para a cozinha, se não preenche os requisitos, fica na porta mesmo. O

ato de levar para a cozinha é uma forma de demonstrar o carinho e a confiança existente.

Mineiro pode ser desconfiado, mas quando confia, partilha muito de sua vida. A cozinha é um

livro que conta a vida da família, suas dificuldades e farturas, é onde está o calor do fogão que

também aquece a família à noite, depois do banho, ou de manhã antes de sair para o trabalho.

A xícara de café servida às visitas tem muito mais do que café, tem respeito e confiança, o

selo de acordos e negócios, o compromisso de acolher a quem veio simplesmente para saber

como havia passado depois de uma convalescença, tem o agradecimento pela conversa ou

pela ajuda no serviço que estava atrasado. Assim como as cidades são lugares fabricados para

o encontro, as tradições mineiras nasceram da convivência e das relações históricas. “A

cidade é lugar da criação, da fertilização, [...] na cidade, as densas relações entre os indivíduos

estimulam o conflito e a contradição, mas, também, a aproximação entre o eu e o outro.”259

Saint-hilaire quem se referiu com mais simpatia aos seus habitantes [da província de Minas Gerais]. Manifestou-se o naturalista francês reconhecido à hospitalidade dos habitantes de certas partes da província, tais como as comarcas de Vila Rica, Serro do Frio, Rio das Mortes e Sabará. Gabou-lhes a polidez e a inteligência , tendo-os mesmo como superiores aos outros brasileiros que conhecera.260

“Em geral a hospitalidade é própria dos brasileiros; porém nas estradas de

rodagem, como a que conduz a Minas Gerais, não há mais vestígio dela e o estrangeiro é

muitas vezes sujeito das mais exorbitantes exigências nos lugares em que pousa.”261 Os

antigos casarões quase não existem mais e se existem não estão totalmente abertos, como

eram no período colonial. Com o crescimento das cidades e conseqüentemente da violência, 259 HISSA apud BRANDÃO, 2006, pp.88-90. 260 FRIEIRO, 1982, p. 91. 261 FRIEIRO, 1982, p.82.

96

as casas se fecharam e foram fortificadas com altos muros e cercas elétricas. A hospitalidade

foi restringida. Nossa língua-geral, hoje, é a do medo. Estamos diante de um complexo da violência. [...] O complexo social da violência decorre da vacuidade simbólica produzida pela crescente falta de correspondência entre os mitos modernistas explicadores do Brasil e a imprevista e imprevisível realidade tecida por nossos impasses e pelo atrito inamistosos de nossa convivência econômica, política, social e simbólica. Ele se deve a nossos impasses crônicos: reforma agrária, distribuição de renda, desemprego, fome, mortalidade e prostituição infantis, reconfiguração do universo familiar das ditas “classes populares” em face aos novos desafios.262

Ao mesmo tempo em que a cidade é porto seguro para o viajante, é também “o

foco de difusão, local da partida, área de lazer e de violência”263. É nesse espaço que ajunta

pessoas com interesses, credos, etnias, origens diferentes, em busca de interesses e relações

comuns. Essa hospitalidade faz de Nova Serrana um lugar onde as pessoas são bem recebidas

e ajudadas reciprocamente, mesmo que algumas pessoas resistam a isso. Percebe-se essas

dificuldades entre os moradores mais antigos, quando apontam para os problemas enfrentados

a partir da migração, que consequentemente trouxe consigo “pessoas em quem não se pode

confiar” como descrevem no “Projeto Memória”. Durante os meses de janeiro e fevereiro,

quando notadamente chegam os migrantes, vemos pessoas explicando como funciona a

cidade, onde é o melhor lugar para comprar, onde está cada equipamento público, é migrante

residente apresentando a cidade para o novo morador.

3.11. A linguagem oral

O convívio da população nas fábricas de sapato cria um linguajar próprio da

região. Na maioria das vezes, a linguagem se torna arcaica e quem chega acaba por aprender

um novo sotaque e palavras, e que desaprende as normas da língua culta, uma vez que falar

corretamente é sinônimo de “estar gastando”, ou seja, tentando ser melhor do que as outras

pessoas que já vivem ali. Expressões como “Meus tomates” são comuns neste meio, quando

alguém quer reclamar quando outro dá uma gafe ou fala algo inusitado, considerado estranho

ou até fora de moda. Mas a linguagem que marca mesmo Nova Serrana é a expressão “bater

a capa” ou “torear”. Há uma relação com o esporte das touradas espanholas, mas também

não teria nada que ver com a vida diária da lida com bois. A expressão é usada quando se quer

irritar alguém ou debochar de alguma de suas atitudes. Outra expressão comum é dizer que

262 ARANTES, 2000, pp.299-300. 263 BARROS apud BRANDÂO, 2006, p.101.

97

“está na roia”, quando se está apertado de serviço ou não conseguiu acompanhar o serviço

organizado em série dentro das fábricas.

3.12. O entrudo

Dentre as culturas populares, o carnaval era preparado e esperado pela população,

mesmo sendo a favor ou contra. No início era conhecido como “entrudo”, uma brincadeira

que consistia em entrar nas casas das pessoas com baldes e latas de água, para molhar as

pessoas, muitas das vezes os moradores já estavam esperando com suas vasilhas cheias de

água. Mais tarde a brincadeira foi esquecida e dando lugar às danças, marchinhas e

brincadeiras nas ruas. Por um tempo a população jovem da cidade preferia o carnaval nas

cidades de Bom Despacho, Pitangui ou Pará de Minas. Quando os frades carmelitas chegaram

em Nova Serrana, sentiram a falta do carnaval, reclamaram que tudo estava muito quieto,

acharam que era necessário trazer de volta essa cultura para a cidade. Os motivos eram

simples: manter a juventude na cidade, promover maior segurança para todos, porque era

preferível um pouco de barulho na cidade do que a insegurança das estradas. O carnaval era

promovido pelos alunos do Colégio São José, que vinha acompanhado de encontros e

reflexões, depois foi assumido por um tempo pelo Clube Araguaia e mais tarde pela Prefeitura

Municipal. O crescimento da cidade, da violência e do alto consumo de drogas fez com que a

brincadeira tomasse outro rumo e tão logo acabasse. Hoje a juventude volta para as cidades

vizinhas que assumiram a prática do carnaval, ficam com o lucro do turismo e mantêm a

tradição.

3.13. Vida de operário novato

Como é uma cidade que recebe gente de diversos lugares todos os dias, recebe

também aqueles que nunca estiveram em uma fábrica de sapato e nem sequer tem noção sobre

o sistema produtivo do calçado. Estes funcionários são os que mais sofrem com a “bateção de

capa” dos funcionários mais antigos e até mesmo dos encarregados de produção e patrões.

Quantas vezes pediram ao funcionário recém-chegado na fábrica, para pedir ao vizinho o

martelo de desempenar vidro. Inocentemente a pessoa saia de fábrica em fábrica pedindo

ferramenta que jamais existiu, mas a brincadeira que já era conhecida entre os fabricantes,

fazia com que a pessoa continuasse a procura uma vez que era indicada outra fábrica como

98

referência. Isso só veio diminuir com o aparecimento de grandes fábricas e que não permitem

a saída de funcionários.

Outro costume interessante, e ainda prevalece, é pedir aos operários novatos e

aprendizes para buscarem o balancim de corte, uma das máquinas maiores e mais pesadas da

fábrica. O “pobre coitado” era enviado com uma pequena caixa de papelão para pedir tal

ferramenta. Só mais tarde é que se percebe que é pura embromação, mas tão logo que entra

outro desavisado, a brincadeira começa tudo outra vez.

3.14. Personagens folclóricos

Devido ao fato de ser uma cidade pequena onde a maioria das pessoas ainda se

conhecem e os mais antigos sabem quem é filho de quem e as origens de cada um. Os

professores mais antigos conhecem bem a família de seus alunos, porém com a influência da

indústria e o crescimento populacional, ficou um pouco difícil de localizar e identificar a

todos. Os números aumentaram e quando se chega às salas de aula encontramos pessoas de

várias regiões do Brasil e pouquíssimos alunos que são nascidos na cidade, sem contar que

muitos professores vêm de outras cidades para trabalharem e o distanciamento se torna maior.

A tradição mineira de conhecer a vida, a origem e os atos de cada um se esvai com

o tempo e o crescimento das cidades industrializadas. Os apelidos ainda existem por fazerem

parte da tradição das fábricas e da vida dos operários. A cidade de Cláudio/MG, por exemplo,

vive essa relação sobre apelidos de forma intensa, quando a Secretaria Municipal de Cultura

realizou um trabalho para localizar a origem dos apelidos na cidade e criaram um catálogo

telefônico orientado pelos apelidos, tentaram, inclusive, colocar os apelidos nos talonários de

cheques. Em Nova Serrana essa relação sobre apelidos não é muito diferente, às vezes é mais

fácil encontrar as pessoas por seus apelidos do que pelo próprio nome, como é o caso do Sr.

Zezito (José Silva Almeida), o Carniça (Libério), o Aragalo (Iraci), o Catraca (José

Eustáquio), a Nita (Maria Verônica), a Dodora (Maria Auxiliadora), a Fiica (Dona

Conceição), o Fudeção (Nilson), o Chepa (Ricardo), o Tup-tup (Maurício), o Gudesteu

(Agenor), o Chulapa (Ricardo), o Tiphón (Rodrigo), Tcham (Alexandre), o Buiú (Welerson),

o Taco (José Eustáquio), o Piu (Alex), o Morrão (Ernane), o Babaloo (Geraldo), o Timbó

(Rubens), o Marreco (Antonio), o Queijo (Antônio), o Pudim (Juliano), o Pote ( Marcelo ), o

Bodé (José Maria), o Churrasco (Hélio), o Targola (Tarcisio), o Biscoito (Amilton), o Picolé

(Sr. Antonio), o Jabá (Guilherme), entre tantos outros, que às vezes tem um motivo justo para

99

se apelidar ou mesmo porque tornou-se apenas um costume entre a população. O jornal “O

Popular”, traz um quadro intitulado “Meu apelido é”264, que procura identificar a origem dos

apelidos de pessoas mais populares da cidade, através de entrevistas com a própria pessoa.

Dona Geni conta em sua entrevista que os apelidos eram comuns e que às vezes uma

estripulia servia para ganhar um apelido.265

Outro fator que marcam as pequenas cidades interioranas são as personagens

folclóricas que surgem e passam a fazer parte da vida da população, trazem consigo sua graça

e até mesmo alguns ensinamentos, porque continuam na memória de quem é da localidade por

mais tempo e fazem falta quando adoecem ou mesmo morrem. Assim foi a história de pessoas

como: “Rosinha do Pau”, que com sua bengala de cabo de vassoura, entrava na igreja na hora

dos casamentos e batia nas noivas, batia em quem gritasse com ela no meio da rua, foi

retratada em um dos quadros que decoram o terminal rodoviário e que contam a história da

cidade. Ela só parou de atacar as noivas depois que o Pe. Lauro conversou com ela, diziam

que ela ficou assim depois de uma frustração no casamento.

Assim como existem nomeações nas ruas, de praças e prédios públicos

homenageando pessoas importantes ou que se destacaram em algum momento da história

local, existem também pessoas quase que anônimas que deixaram uma pequena lembrança. A

memória pode ser resgatada através da vida destas pessoas, de seus feitos, de se seus atos. Em

1991 foi criado em São Paulo o Museu da Pessoa, onde reúne fotografias, depoimentos de

cidadãos comuns e a história das pessoas de todo o mundo, para criar uma rede internacional e

virtual de histórias de vida democrática e pluralista. Segundo os idealizadores do museu,

“toda história de vida tem valor e deve fazer parte da memória social”266. Outra proposta é a

do grupo Giramundo Teatro de Bonecos, que realizam oficinas de bonecos na cidade a partir

dos relatos, fotos e informações sobre esses personagens folclóricos, estes bonecos, depois de

confeccionados são apresentados em praças e compõem o acervo de bibliotecas.267 O mesmo

é o projeto de alguns professores da cidade de Nova Serrana, para preservar a memória local,

a proposta é reunir informações e histórias de vidas das migrações que constituíram a cidade,

assim com o resgate da memória a partir do Projeto “Memória dos Bairros” que coleta

informações sobre a formação dos bairros e a história de seus moradores.

264 Jornal “O Popular” – Nova Serrana. O texto citado é apresentado no jornal durante todo o ano de 2007. 265 MARTINS, Geni Fonseca. Inédito. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto Memórias, Departamento de Cultura, 05/10/2007. 266 Museu da Pessoa – www.museudapessoa.com.br 267 Giramundo Teatro de Bonecos – www.giramundo.org

CAPÍTULO III

Estudo de Caso:

Paróquia de São Sebastião de Nova Serrana

101

1- Catolicismo: Religião e religiosidade nas Minas Gerais

Desde o início da ocupação da região das Minas, a questão religiosa esteve entre as

principais preocupações do Estado português, na tentativa de apaziguar os ânimos então

turbulentos por conta da disputa entre paulistas e emboabas. Aliás, a turbulência política e

econômica foi uma constante em todo o período colonial mineiro. O clero sempre ocupou

papel de destaque na sociedade mineira, do século XVIII aos nossos dias, atuando muito além

da esfera estritamente religiosa. Os padres regulares e seculares tiveram forte atuação na vida

política e social das Minas, a ponto da Corte chegar a proibir a entrada de padres regulares

(aqueles pertencentes às Ordens Religiosas) nas Minas. Não obstante os inúmeros

pronunciamentos régios nesse sentido, isso não significou que a vontade da coroa fosse

atendida. 268 Ao contrário, a insistente repetição de tais ordens ao longo de todo o período

colonial pode ser interpretada como um indício do não cumprimento das determinações régias

a este respeito.269 Eventualmente, a coroa credenciou alguns regulares a entrar

temporariamente no território das Minas. Mesmo diante da proibição da instalação de casas

professas naquele território, a presença de padres regulares nas Minas foi fato constante desde

os primeiros anos de colonização, em geral na condição de comissários das inúmeras

Irmandades e Ordens terceiras que infestavam as Gerais nos séculos XVIII e XIX e ainda nos

nossos dias são um traço característico da singularidade da religiosidade mineira. 270

Entre as funções das Irmandades Leigas e Ordens Terceiras estava a de assegurar o

sepultamento dos mortos que a elas pertencessem, promover o culto cristão e prestar

assistência religiosa, além de constituir um dos mais importantes meios de sociabilidade

naquele tempo. Diante do clima de insegurança, do medo da morte e do fascínio pelas

riquezas, os aventureiros buscavam sempre amuletos, rezas e devoções aos santos. Nas

peregrinações, então comuns nas Minas, as cruzes surgiam pelo caminho como forma de

demarcação do trajeto e como forma de devoção. Entre outras razões, as irmandades se

concentravam na região mineradora devido à intensidade e grande número de pessoas ali

existentes.271 Graças à ação das Irmandades e Ordens Terceiras, a partir da segunda metade do

268 Ver CATÃO, Leandro Pena. Sacrílegas Palavras: Inconfidência e presença jesuítica nas Minas Gerais no tempo de Pombal. Belo Horizonte: Tese de Doutorado UFMG, 2005. 269 Caio César Boschi observa tal ponto em sua obra, bem como aponta indícios da presença constante dos regulares nas Minas, sem, no entanto debruçar-se sobre esse assunto. BOSCHI,Caio César.Os Leigos e o Poder. pp. 83-84. 270 CATAO, 2005, Capítulo 1. 271 Sobre esse tema, ver: BOSCHI,Caio César.Os Leigos e o Poder.

102

século XVIII, os templos religiosos passaram a ser construídos em pedra, enquanto as casas

eram na maioria feitas de taipa, frágeis e provisórias. Ao lado das devoções pessoais,

desenvolveram-se também os cultos aos santos, com procissões, crianças vestidas de anjos e

pompas nas festas religiosas. As Irmandades eram divididas segundo a condição social dos

indivíduos, exprimindo dessa forma uma das premissas básicas da sociedade colonial

altamente hierarquizada e estratificada. As classes organizavam-se segundo nascimento dos

indivíduos, gênero, cor da pele e ofício. Os santos eram cultuados de acordo com os anseios

pessoais de cada um desses grupos, conforme as camadas sociais que mais se identificassem. Santo Antonio, santo português popular e miraculoso [...] ajudava as moças a arranjar casamento. Era muito invocado para achar coisas perdidas, domar animais bravos e amansar crianças geniosas. [...] São Sebastião, protetor contra a peste e contra a guerra; São Gonçalo, arranjador de casamento às solteironas; São Caetano, protetor do trabalho; São Miguel, com larga influência entre as almas do purgatório, remédio eficaz contra aparições e mau olhado. [...] Santana, mãe de Nossa Senhora, era encontrada em toda casa velando pela gravidez da dona da casa. [...] Nossa Senhora das Mercês conhecida como “libertação dos cativos”, devido ao fato de a Mercês ser uma ordem de militares fundada para lutar pela libertação dos cristãos escravizados pelos mouros. [...] Nossa Senhora do Rosário, para a qual se fazia o reinado dos pretos do Rosário.272

No início da ocupação da região que mais tarde daria origem a Nova Serrana, na

segunda metade do século XVIII, algumas famílias se confortavam religiosamente em suas

casas, com seus oratórios e santos de devoção, enquanto “outros utilizavam as Capelas de

Nossa Senhora da Saúde (Município da Saúde – Perdigão)273, de Nossa Senhora da Conceição

do Pará (Conceição do Pará), de São Gonçalo (São Gonçalo do Pará)”, ou ainda a Capela de

Nossa Senhora da Conceição, no Povoado de Areias (1770). “A vida social de uma cidade do

interior se desenrolava muito em torno da Igreja, que tinha um papel de destaque tanto na vida

política quanto na vida social da cidade.”274 A igreja era onde se reunia a comunidade. Os

costumes da população mineira não sofreram variações profundas no que se refere à sua

relação com a religião e a religiosidade entre o período colonial e o republicano, sobretudo em

cidades pequenas e interioranas. A tradição e conservadorismo são conceitos fortemente

relacionados à esfera religiosa em Minas Gerais. “Na igreja, no adro ou no cemitério, reunia-

se a assembléia da comunidade, pelo menos até a construção de um edifício apropriado: [...]

era na igreja que nos momentos de perigo, que pessoas e bens encontravam refúgio.”275 Uma

vez que as Irmandades eram responsáveis pelo sepultamento de seus entes, o cemitério

272 PAULA, 1999, p.59-61. 273 O Município da Saúde é hoje Perdigão-MG. 274 PAULA, 1999, p.82. 275 CHERUBINI. O camponês e o trabalho no campo & LE GOFF. O homem medieval, p.94. apud SILVEIRA, 2002, p.26.

103

construído ao lado tinha uma ligação importante com a igreja, pois alimentava a memória

coletiva da comunidade. Em 1872, Antônio José Rabelo, autorizou ao seu inventariante, por

meio de testamento, doar para as obras do “Cemitério do Cercado”, uma quantia de

50.000$00 (cinqüenta mil réis), porém não foram encontrados registros ou referências à

construção de uma capela, no povoado, nessa época. Em alguns registros de casamentos

datados de 1899, já se encontram referências sobre a Capela de São Sebastião do Cercado

(Nova Serrana). Mas a utilização dos oratórios na promoção do culto religioso ainda era a

opção e ou condição dos moradores cujas moradas não eram servidas por padres, sobretudo

nas preces cotidianas. Tais populações se dirigiam às Igrejas mais próximas nas ocasiões em

que o calendário cristão exigia, ou quando a necessidade do sacerdote era urgente. Nesse

sentido, como contam os “alunos da primeira professora do Cercado que transmitiram aos

descendentes a informação relacionada aos cultos religiosos daquela época: que além de ceder

espaço para a escola, Dona Joana Genoveva cedia, ainda, as dependências de sua residência

para a realização de missas.”276 É importante lembrar que foi ao redor e em função de

pequenas capelas erigidas nos caminhos do ouro, que famílias acabaram se fixando e dando

origem aos primeiros arraiais.277

Os templos desempenhavam uma função importante na vida cotidiana dos

mineiros, traço que sofreu poucas alterações com o passar do tempo em algumas regiões das

Gerais. Em torno da Igreja as pessoas se reuniam e ainda se reúnem para celebrações

religiosas e cívicas também em alguns casos, desempenhando destacado papel no lazer da

população. Era sempre no templo aos domingos e dias de missa que a comunidade se reunia,

transmitia as informações, as crianças se encontravam para brincar e muitos adultos acabavam

realizando negociações importantes. “O templo católico busca representar ainda a

tranqüilidade, a segurança, a luz e a estabilidade da fé.”278 Nesse período a igreja ainda

representava o centro da vida da maioria das pessoas, as torres marcavam o centro das cidades

e o sino do campanário que orientava o tempo dos cidadãos.

Desde o processo de colonização no Brasil a Igreja exerceu uma posição

significativa na formação do imaginário político, social e cultural das pessoas. “Tinha em suas

mãos a educação das pessoas, o ‘controle das almas’ na vida diária, era um instrumento muito

eficaz para veicular a idéia geral de obediência e, em especial, a de obediência ao poder do

276 FREITAS & FONSECA, 2002, p.89. 277 SILVEIRA, 2002, p.21. 278 SILVEIRA, 2002, p.22.

104

Estado”279. Assim sendo, “sob o ponto de vista da religião, todas as esferas da vida social e

política diziam respeito e estavam subordinados sob certo prisma à reflexão religiosa, por

tanto, careciam de cuidados por parte da Igreja”.280 Essa instituição cuja influência marca em

profundidade as organizações políticas e sociais brasileiras, constitui um dos pontos de partida

para a análise da cultura e sociedade brasileira. A Igreja estava e ainda está presente na vida e

na morte de grande parcela da população, nos ritos de passagem e nos episódios marcantes

como o nascimento, o casamento, morte, orientando os princípios morais, padrões de vida, a

idéia de pecado e principalmente as idéias pós-morte281. Regulava a vida dos indivíduos, suas

orientações influenciavam fortemente as orientações políticas do Estado pelo menos até a

primeira República. Essa relação entre Igreja e Estado ainda é perceptível quando se

observam as discussões e negociações sobre terrenos, isenções de impostos e até mesmo os

cuidados com os prédios destinados aos cultos, ajudas para construir os templos e construções

de praças que acabam por beneficiar as pessoas que freqüentam estes templos, o que

recentemente não se destinam apenas ao catolicismo como também a Igreja Cristã Protestante

e até mesmo outras religiões.282

Quanto à ação política do clero, Boris Fausto assinala o seguinte: Padres seculares buscaram fugir ao peso do Estado e da própria Igreja, quando havia oportunidade, por um caminho individual. Exemplo célebre é o de alguns padres participantes da Inconfidência Mineira, que se dedicavam a grandes lavouras, a trabalhos de mineração, ao tráfico de escravos e diamantes. A presença de padres pode ser constatada praticamente em todos os movimentos de rebelião, a partir de 1789, prolongando-se após a independência do Brasil até meados do século XIX.283

A proclamação da República marcou a separação entre Estado e Igreja (fim do

padroado), e ocorrências como as assinaladas acima se tornaram mais raras ou menos

noticiadas, mas isso não quer dizer que a influência do clero tenha diminuído, sobretudo no

que diz respeito à vida cultural.

A religião tem exercido uma forte influência na vida das pessoas, municiando os

fieis com um ferramental que lhes permite perceber o entorno e agir segundo os mais variados

problemas nos mais diversos ambientes. No mundo moderno e pós-moderno, onde

prevalecem variados estados de tensão, para expressiva parcela da população há uma

279 FAUSTO, 2006, p.60. 280 CATÃO, 2006. 281 FAUSTO, 2006, p.60. 282 É importante notar que as praças das igrejas não são conhecidas pelos nomes oficiais, são sempre marcadas pelos templos construídos próximos às mesmas, como a Praça Benedito Valadares – Divinópolis (Praça do Santuário); Praça João Notini – Divinópolis (Praça da Catedral); Praça José Batista de Freitas – Nova Serrana (Praça da Matriz); Praça Pastor Generoso – Nova Serrana (Praça da Igreja Assembléia de Deus). 283 FAUSTO, 2006, p.61.

105

profunda necessidade de se apoiar nos princípios religiosos como forma de alívio, reflexão e

recuperação de forças para enfrentar a vida cotidiana. Segundo Giddens, Marx “tinha razão ao

declarar que a religião tem implicações ideológicas, servindo para justificar os interesses dos

grupos dominantes à custa dos demais”284. Nesse sentido é pertinente averiguar em que

medida as ações da Igreja e do clero repercutem para além dos aspectos relativos à

religiosidade nos nossos dias.

Na Modernidade, a religião influenciou a transformação social e promoveu a

coesão social. Também podemos notar os efeitos causados pelo processo religioso quando se

trata da disputa de poderes ou a influência desses poderes sobre a cidade. A religião marca

profundamente a vivência e experiências durante a transição da vida como “o nascimento,

ingresso na fase adulta, casamento e morte”.285 Mesmo diante do processo de secularização da

sociedade moderna, é importante notar que “a igreja ocupava destaque central nas questões

locais, e era uma forte influência dentro da família e da vida pessoal”.286 Este processo nos

ajuda a entender melhor o papel da religião na cultura e na estruturação da família mineira.

284 GIDDENS, 2005, p.433. 285 VAN GENNEP, 1971; apud GIDDENS, 2005, p.433. 286 GIDDENS, 2005, p.438.

106

2- Religião e religiosidade popular: do Arraial do Cercado à cidade de Nova

Serrana (1909-1970)

A origem do “Arraial do Cercado” está intimamente relacionada à ação religiosa

de seus moradores e pela Igreja Católica. “Por volta de 1908, o major Francisco de Assis de

Freitas adquiriu de Pacífico José Pinto da Fonseca (Cipinho) uma enorme gleba de terras, que,

iniciando-se na Sobra, se estendia até a região do atual centro da cidade, abrangendo a Vila

Ozanãn”.287 Mais tarde estas terras foram doadas às autoridades eclesiásticas da época. Dom

Silvério Gomes Pimenta, bispo de Belo Horizonte, respondeu aceitando bem a doação: ...Haveremos por bem lhe conceder como pela presente lhe concedemos o pedido de autorização para receber por si, ou por seu legítimo Procurador a dicta escriptura fazela registrar no Livro de Notas Públicas, dar quitação e fazer (Ilegível) validade da mesma contando que não contenha para a Igreja ônus que desconheçamos ou que não seja por nós explicitamente aprovado e aceito... 288

Logo após a doação das terras, por volta dos anos de 1909 a 1912,289 foi construída

a capela de São Sebastião no centro do “Arraial do Cercado”. Uma construção sólida, sem

estilo definido, com duas capelas laterais e sacristia290. Depois o antigo “Arraial do Cercado”

passou a ser denominado como Distrito do “Cercado de Pitangui”291 e por volta de 1920, a

população começou a se organizar para constituir seu Curato292, porque assim era possível um

trabalho mais independente, o pároco ficaria mais disponível para atender a “Freguesia do

Cercado” e ainda facilitaria as atividades da nova paróquia, uma vez que tudo dependia da

Paróquia de Nossa Senhora do Pilar, em Pitangui293. Várias pessoas do lugar integraram uma

comissão que fizeram todos os estudos necessários para que a emancipação religiosa

acontecesse, contando inclusive com o apoio dos vigários de Pitangui. Várias

correspondências foram trocadas com o Arcebispo de Mariana sobre a mudança. Mas os

287 FREITAS & FONSECA, 2002, p.76. As áreas aqui descritas compreendem a região central da cidade de Nova Serrana. 288 Arquivo Judiciário de Pitangui, Livro XL, pg.260. em 27 de janeiro de 1911. 289 O primeiro livro de registro de casamentos é datado em 12 de junho de 1909, assinado pelo Sr. Pe. Américo Epiphanis Pereira, vigário de Pitangui. O primeiro registro é do casamento de José Rodrigues de Araújo e Maria Januária de Jesus, em 23 de junho de 1909. 290 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião de Nova Serrana vol. 01 – 1924-1962 – Anotações Pe. Libério Rodrigues – pg.41. 291 Lei 1622 de 05 de novembro de 1869. Toponímia de Minas Gerais, 1997 292 Antepositivo do latim cur (cura) cuidado, preocupação, direção, administração, curatela (linguagem jurídica). Esp. Cura (Pároco) – Curato (cargo que tem um pároco) - território que está abaixo da jurisdição espiritual de um pároco, freguesia, paróquia. MALDONATO GONZÁLEZ, 2000; HOUAISS, 2001. 293 A paróquia de Nossa Senhora do Pilar foi criada juntamente com a Vila de Pitangui em 1715, de acordo com a Ata da reunião realizada na Vila do Ribeirão do Carmo. MINAS, 1998, p.179; ROMEIRO, 2003, p.230.

107

esforços da população do “Cercado” foram interrompidos devido a criação da Diocese de

Belo Horizonte, que então demandava grandes esforços das autoridades eclesiásticas.

Contudo, mais tarde os esforços para a criação da paróquia tiveram êxito, e em 20

de janeiro de 1924, foi erigida294 a Paróquia de São Sebastião do Cercado295, que pertencia a

“Freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Pitangui”, diocese de Belo Horizonte, sob o

comando do Bispo diocesano Dom Antonio dos Santos Cabral. Nesta época, a Freguesia de

São Sebastião do Cercado, possuía uma população de sete mil habitantes, sendo dois mil na

sede e o restante nos povoados vizinhos, conforme os registros no Livro de Tombo da

Paróquia. Antes de gozar a autonomia política, os moradores do Cercado alcançaram uma

relativa “autonomia” religiosa perante Pitangui.

O primeiro vigário, com o título de “Encomendado”, foi o Padre José Luiz da

Silva Diniz,296 a quem coube o trabalho de organizar a nova paróquia, onde ficou até sua

morte, ocorrida no povoado e ocasionada por uma epidemia de Tifo, que ceifou também a

vida de um grande número de pessoas.297

Em 31 de dezembro de 1927, foi substituído pelo Padre José Augusto Dias

Bicalho. Neste vicariato foi construída a Capela de Santo Antônio no Campo Alegre, região

próxima ao “Cercado”, no terreno doado por João José de Freitas. A licença para a edificação

da capela foi dada em 1929.298 Logo depois e durante poucos meses, depois que o padre José

Augusto Bicalho foi transferido, a paróquia ficou sob os cuidados do Padre José Augusto

Cerdeira.299 Um padre enérgico, franco, destemido e que costumava andar armado com uma

carabina que ficava na sela do cavalo, o que era típico dos padres que trabalhavam no

sertão.300 As dificuldades eram grandes para tomar conta de uma paróquia grande, com

294 Código de Direito Canônico – Decreto nº 06 de 20/01/1924 – Diocese de Belo Horizonte. 295 A paróquia de São Sebastião do Cercado, cujo território compreendia também uma parte do districto civil de Conceição do Pará e assim será limitada: com a freguesia de Pitangui, partindo da foz do Ribeirão da Charneca, no Rio Pará e seguindo pelo dito Ribeirão em direcção de suas nascentes até a Fazenda Cajutinga e dali em linha recta ao morro do Peão e delle até o morro Agudo, prosseguindo d’esta em busca das vertentes dos cunhas e Sandoval para o Rio Pará, continuando até as aguadas do Ribeirão das Areias e pelo seu curso até a foz do mesmo Rio Pará, com as Parochias de São Gonçalo do Pará, Divinópolis e Abbadia, desta Diocese de Bello Horizonte e as de Saúde e Bom Despacho, da Diocese de Aterrado continuam os mesmos limites, que até então os dividiam com a Freguesia de Pitangui. Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião 01 - 1924-1962. Mapa anual de 1928. É importante notar que a “Freguesia da Parochia de São Sebastião”, compreendia os distritos de Perdigão (Saúde), Santana da Prata, Leandro Ferreira e Conceição do Pará 296 Foi provisionado para a nova parochia o sacerdote Pe. José Luiz da Silva Diniz no dia 19 de fevereiro de mil nove centos e vinte e quatro pelo Ex.mo. Sr. Bispo Diocesano D. Antonio dos Santos Cabral, tomando posse da nova parochia no dia nove (9) de março do mesmo anno (1924) – Provisão do primeiro pároco – Livro de Tombo 1 – p.1v. 297 FREITAS & FONSECA, 2002, p.203. 298 Despacho 537p.p. Belo Horizonte, 24 de agosto de 1929 pelo Monsenhor João Rodrigues de Oliveira. 299 Provisão de 31 de dezembro de 1929. Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião 01, p.10v-11v. 300 FREITAS & FONSECA, 2002, p.237. Orlando Freitas (2002), relata em seu livro um episódio interessante sobre o padre que: “num certo domingo, na hora costumeira dos sermões inflamados, o suor principiou a correr

108

poucas estradas, onde os trajetos eram feitos a cavalo. Durante os anos de 1931 a 1939, a

Paróquia ficou sob a coordenação do Padre José Soares de Siqueira, conhecido popularmente

como Padre Nonô. Foi um período de organização da paróquia e da casa paroquial, quando foi

assistida também a paróquia de Nossa Senhora da Saúde301 e foi também concedida a licença

para a construção de uma capela em honra ao Sagrado Coração de Jesus, na comunidade de

Novais, e a permissão para a bênção da pedra fundamental da referida capela.302

Em 1938, a paróquia recebeu a “visita de todos os franciscanos de Divinópolis. Era

24 de junho, festa de São João Batista. Os frades vieram de caminhão e foram recebidos por

todo o povo, festivamente. À porta da casa paroquial, foram saudados por dona Hilda

Eleutério do Amaral, respondendo à saudação o Revmo. Frei Orlando Álvares (ofm.).”303 Frei

Orlando foi capelão da Força Expedicionária Brasileira e morreu vitimado de um tiro

acidental, quando já estava em solo italiano.304 A presença da Igreja na comunidade,

principalmente de visitantes que trouxeram suas variadas impressões e incentivos para a

comunidade local, foi de vital importância para a manutenção de “fatores de sociabilidade,

aglutinação e unidade entre as pessoas”,305 bem como uma influência espiritual e temporal na

localidade.

No ano de 1939, tomou posse o Padre Libério Rodrigues Moreira306. Suas

primeiras providências foram de ordem prática e burocrática: organizou o patrimônio

paroquial, tratou de inventariar os bens e responder aos questionários da Diocese, mostrando

seu interesse em manter os registros em ordem no livro de tombo. Em dezembro de 1943,

pelo rosto do enérgico sacerdote. O seu gesto rápido para sacar um lenço do bolso da calça, sob os paramentos, provocou uma debandada geral dos fiéis, temerosos da ira do padre.” Ver também: CATÃO, 2006. Vastos, Ignotos e Indomados: Histórias do Sertão Oeste de Minas Gerais nos séculos XVII-XVIII. 301 Saúde (Perdigão) pertencia a Diocese de Aterrado (Luz). 302 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol. 01, pagina 21. 303 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.01, pagina 23. Frei Orlando (Antonio Álvares da Silva – nome de batismo), nascido em Morada Nova (MG), se ingressou no seminário de Divinópolis (MG) e seguiu para a Holanda de onde retornou para sua ordenação sacerdotal. Trabalhou como professor em São João Del Rei e com 24 anos se ingressou no 11º Regime de Infantaria e mais tarde na Força Expedicionária Brasileira (FEB), quando seguiu para a Europa. Foi morto quando estava em Monte Castelo visitando a linha de frente. Hoje é considerado como Patrono do Serviço de Assistência Religiosa do Exército Brasileiro, criado em caráter permanente, por decreto-lei em 1946. (Exército Brasileiro, 2007) 304 Entrevista concedida no documentário “Notícias do Front”, 2004. Boletim nº 52 do 11º RI de 22/02/1945, Itália. 305 CORGOZINHO, 2003, pp.47. 306 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.01, pagina 27. “Tomei posse da Paroquia do Cercado aos 30 de janeiro de 1939. Padre Libério Rodrigues Moreira.” Provisão dada em 01 de janeiro de 1939. Pe. Libério é filho de uma família simples e humilde, nascido em 1884, em Lagoa Santa-MG, se ingressou no seminário de Mariana-MG em 1906, foi ordenado padre em 1916, assumiu os trabalhos nas paróquias de Pitangui, Pequi, São José da Varginha, Leandro Ferreira, Nova Serrana, Divinópolis e Pará de Minas, onde morreu em 21/12/1980. Na região a pessoa de Pe. Libério é muito respeitada e venerada, os fatos, depoimentos e os “milagres” estão presentes na vida da população. A tradição leva muitos romeiros até a cidade de Leandro Ferreira-MG para orações e pedidos de graças nas vidas ao túmulo do padre. ANTONIO, 2004.

109

recebeu a doação do terreno na Fazenda do Cercado na Serra da Pedra Grande (Serra da

Capelinha) e na região da Fartura307, pertencente ao Senhor Acácio Martins Fagundes doado

à Capela de Nossa Senhora do Carmo do Cercado. 308 A construção da capela de Nossa

Senhora do Carmo foi iniciada com uma grande procissão que levava o cruzeiro que ficava na

Praça da Igreja Matriz até o alto da serra da Bagaceira ou da Pedra Grande como era

chamada. Era o lugar perfeito, pois tinha uma boa vista da cidade e proximidade com o céu.

Porém a grande pedra dificultava a chegada do material e faltava água para a construção. O

padre abençoou um veio d’água, que corria nas proximidades e mais tarde foi construída uma

fonte no local. Com a falta de cuidados e os desmatamentos, a fonte secou, deixando apenas a

placa como lembrança.309 Com esse e outros tantos episódios da vida do padre começaram

uma série de tradições e religiosidades que seguem até os dias atuais. As “benzeções” que se

aplicam às pessoas, animais e objetos, são práticas que permanecem na vida de muitos

católicos da região, mesmo diante da forte institucionalização da esfera religiosa. O

catolicismo popular, na região Centro-Oeste de Minas, principalmente nas cidades de

Divinópolis, Bom Despacho, Pará de Minas, Leandro Ferreira, Nova Serrana, Pitangui, etc.

padre Libério ainda é motivo de preces e pedidos, constituindo uma espécie de beato para

muitos fieis ainda hoje 310.

Quando Padre Libério se ordenou padre em 1916, por Dom Silvério Gomes

Pimenta, já havia recebido outras ordens em anos anteriores, como as ordens menores de

Hostiário, de Leitorato, de Exorcista e de Acolitato.311 Padre Libério tornou-se popular entre a

população do Centro-Oeste mineiro, “além de benzedor, passou a ser solicitado para

aconselhamentos, disputas de famílias, problemas conjugais e desavenças de todos os

307 A Serra da Pedra Grande, hoje Serra da Capelinha e a Fartura, hoje bairro Fartura e Bairro Esperança, estão no perímetro urbano da cidade. 308 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.01, p.49. Registro em cartório sob nº 6304 f.199, livro 3 – 31 de dezembro de 1943. 309 Jornal Correio da Serra, nº 00, junho/1993. 310 LEITE, 2004, p.15. 311 ETELVINO, 1989, p.173. Estas ordens menores como são chamadas são autorizações dadas aos seminaristas ou Diáconos (funções exercidas antes do sacerdócio) e que podem sem ministradas sem o Sacramento da Ordem. É importante notar que a função de “Exorcista” é permitida apenas ao padre e no entanto, segundo o relato, o padre Libério já o exercia. “Há toda uma série de exigências a serem cumpridas por quem quer enxotar demônios do corpo alheio. Antes de mais nada é preciso pedir permissão ao bispo da diocese. E o padre designado precisa ser dotado de uma série de atributos: piedade, ciências, prudência, integridade de vida e preparo específico. Existe ainda outra qualidade que diferencia o bom exorcista dos demais padres bons, prudentes etc.: a vocação.” (Superinteressante, Nov.2006). Neste sentido nota-se a importância e carisma do padre Libério, diante da população da região. “A pessoa de Pe. Libério não é oficialmente considerada um santo, o processo de canonização iniciou-se em 20 de janeiro de 1996, pelo bispo diocesano de Divinópolis, Dom José Belvino do Nascimento. Mas o culto cresce a cada ano, seus devotos passam para outras gerações suas crenças e esperanças junto à pessoa do padre” (LEITE, 2004, p.16).

110

tipos.”312 A bênção que teve mais crédito foi a benção da água, que até os dias de hoje tem

uma forte repercussão entre a população. Não só as benzeções tiveram tanta importância para

as crenças no padre, os acontecimentos em sua vida o fizeram aclamado religiosamente,

tornando-o popularmente conhecido como milagreiro beato do centro-oeste mineiro.

Uma das histórias mais antigas relatadas pela população é o fato de o padre ter

sido convidado para uma reunião do clero, quando chegou atrasado todos os cabides para

pendurar chapéus estavam lotados, padre Libério sentiu que já estava atrapalhando a reunião,

colocou seu chapéu na parede, normalmente. “Para espanto de todos ao saírem, verificaram

que não havia cabide no lugar onde padre Libério colocou seu chapéu.313 Este fato deve ter

acontecido no início de sua vida sacerdotal, em meados dos anos 30 a 40, por se tratar de uma

das histórias mais antigas sobre o padre. Contudo, com toda história contada pelo povo, padre

Libério nunca assumiu seus feitos como milagres, sempre que perguntavam ele dizia: “Eu não

faço milagres, não. É história do povo.” 314

O mapa do movimento religioso da paróquia em 1939 apresenta dados importantes

para uma visão mais ampla do Arraial do Cercado; possuía uma população de 15 mil pessoas,

sendo duas mil na sede e o restante no campo. A população “cercadense” era formada por um

povo religioso, que atendia bem aos apelos do vigário, fazendo doações generosas para a

manutenção do templo.315 A “família” católica nos anos 30 prevalecia como maioria na

formação social da sociedade brasileira, nesta família o papel do padre era muito significativo,

pois o padre era considerado parte da família, o conselheiro, um mediador, a quem se devia

obediência e satisfações.316 Para muitas famílias católicas no interior de Minas a figura de

devoção e a fé eram associadas à pessoa do padre. Temer a Deus, obedecer à Igreja, para

muitos, significava admirar e respeitar o padre. O Padre Carlos Pinto da Fonseca, era nascido

no Cercado, assumiu o vicariato em janeiro de 1946 e era um admirador das artes e promoveu 312 LEITE, 2004, p.17. 313 ANTONIO, 1997, p.35. 314 LEITE, 2004, p.20. 315 Segundo o registro no Livro de Tombo, “em abril de 1943, a Matriz de São Sebastião de Cercado ganhou duas imagens próprias para procissão da Semana Santa, ambas de tamanhos natural, de madeira de lei e mui perfeitas: - a primeira de N. Senhor Morto, que foi doada pelo Sr. Pacífico Pinto da Fonseca; a segunda, de N. Senhora das Dores, que foi doada pelo Sr. Fausto Pinto da Fonseca” (página 43). Ainda se encontra, “Doação de terreno para construção da Capela de N.Senhora do Carmo” (31/12/1943 – página 49). “Doação de terras para a Capela de N.Senhora de Lourdes na Estação do Cercado” (11/06/1940 – página 50). “Doação de terras de Major Francisco Batista de Freitas à Capela de São Sebastião de Leandro Ferreira” (página 56.v.). “Foi colocado no altar mor, um sacrário de metal dourado que foi doado à Matriz pelo Sr. Joaquim Pinto da Fonseca” (out.1946 – página 68). “Foi doada a esta matriz uma formosa imagem do Senhor dos Passos, Foi ofertante o Sr. Aristides do Amaral com sua exma. Esposa D. Rosa Pinto do Amaral” (31/12/1946 – página 68). Padre Antonio Pontelo ainda se refere a estas doações registrando: “Em março (1952), o povo doou-me u’a motocicleta nova BSA 4 ½ HP. Muito serviço prestou esta machina, sobretudo no que diz respeito às capellas filiaes – na rapidez em atender os doentes e na pontualidade em cumprir os compromissos de missas e festas” (página 77.v.). 316 LEITE, 2004, p. 21.

111

a criação de grupos teatrais e da banda de música. Por ser nascido no Cercado era mais

respeitado pela população e tinha muito crédito para este desenvolvimento cultural. Porém,

em suas anotações faz um alerta diante da cidade em crescimento: “Há muita bebida e

jogatina desenfreada”.317 Em outras localidades como o “Cercado”, a relação do povo com a

Igreja não havia sofrido alterações profundas em relação às práticas dos séculos XVIII e XIX,

como nos grandes centros urbanos, no entanto, a relação entre a religiosidade e participação

da população não poderia dizer o mesmo, pois já não despertava tanta devoção como antes.

FOTO 13 Formação da Banda de Música em 1946-1947 com Pe. Carlinhos Foto: Arquivo Fotográfico Municipal

1. Tião do Zé da Camila 2. Sebastião Fábio Amaral (Pedro Rosa) 3. Luiz Gonzaga de Freitas (Luiz do João André) 4. André de Freitas (André do João André) 5. Rubens do Filisberto 6. Rafael do Geraldo Elias 7. João Ferreira Filho 8. Zé da Sanforosa 9. Zé Galinha 10. Ildeu Luiz Faria (Ildeu do Procópio) 11. Veríssimo Amaral 12. José de Freitas (Zé da Rosa) 13. José Nunes Sobrinho (Zé do Quito) 14. Padre Carlinhos 15. Filisberto 16. Manoel Ferreira dos Santos 17. Zezé do Zé da Camila 18. José Luiz Brandão 19. Antonio Batista (Toizinho do Zeca)

Fonte: Revista Nossa Historia, nº 002 – Conselho do Patrimônio Cultural de Nova Serrana

317 Ao ser transferido para a cidade de Itapecerica, Padre Carlos deixa sua impressão da terra natal: “Depois de servir esta Paróquia, durante quatro anos, fui transferido de Cercado para Itapecerica. Deste intimo povo, guardo vivas impressões. Não só como filho desta terra, de que me honro de o ser, mas como padre. Enfrentei franca colaboração da parte de todos. Nobreza para separarem as diferenças do meu vigário até esta data. As associações religiosas e aos fiéis em qual deixo escrito meus cordiais agradecimentos por tantas pessoas de amor e veneração a mim manifestadas com os melhores votos de minha alma para que o nosso Pároco encontre os mesmos sentimentos do povo e se sinta satisfeito entre dóceis ovelhas. Ao Sr. Padre Josimas cujo amigo de sempre me honrou, os meus votos de frutos do paroquiato nesta futurosa abençoada paróquia. Cercado, 01 de janeiro de 1950. Padre Carlos Pinto.” Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião. Vol.01, p.46.

112

Após a transferência do Padre Carlos para Itapecerica, Padre Josimas Gonçalves

Cerqueira tomou posse em fevereiro de 1950. Seu vicariato foi curto, ficando na paróquia até

dezembro do mesmo ano. Em janeiro de 1951, Padre José Viegas assumiu a Paróquia até

dezembro de 1952. Durante este período o vigário começou a convidar pessoas de outras

localidades para realizar as festividades e tentar motivar a comunidade. Neste período

aconteceram as “Cruzadas Eucarísticas” e as “Entronizações do Coração de Jesus” nas casas,

nota-se que a comunidade começou a se desinteressar pela Igreja e nem todas as comunidades

participavam das atividades propostas pela Igreja. Segundo o Padre Viegas foram

“incalculáveis os benefícios trazidos por este trabalho de religião a domícilio, por meio da

enthronização, guarda noturna ao Stmo, feita na própria casa, Cruzada Eucharistica, pregação

de verdadeira cathechese deste grande missionário do Coração de Jesus”, quando se referia ao

Padre José Timotheo, que estava de visita na cidade. 318

FOTO 14 - Vista parcial da cidade (região central – Rua Frei Anselmo antes Rua do Meio). Procissão do Santíssimo – Cruzada Eucarística – 1952 – Foto: Arquivo Fotográfico Municipal

Ao que parece a indústria calçadista começou a tomar forma e ganhar os espaços e

os ânimos da vida religiosa. Ocorreram transformações na vivência religiosa do povo. Ao

mesmo tempo, a população não consegue viver o processo religioso apresentado pelo

catolicismo, que aponta como princípio ético “o estranhamento do mundo e uma educação de

seus fiéis a uma indiferença maior pelos bens deste mundo”319 como aponta Max Weber.

318 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião. Vol.01, p.48. 319 WEBER, 2004, p.34.

113

As dificuldades enfrentadas no pequeno “Cercado” eram constantes, em todos os

segmentos: religioso, político e econômico. E o clero, como tradição de nossa cultura política,

sempre opinava e participava das questões “políticas”. Apesar do fim do padroado no início

do período republicano, as esferas política e religiosa continuaram muito próximas nas

décadas seguintes. Como afirmou o Pe. Antonio Pontelo, ao assumir os trabalhos na paróquia,

dizia que era uma “paróquia florescente e a sede tomava impulso de progresso cada vez mais

activo.”320 O crescimento do “Cercado” na década de cinqüenta, se tornara visível e as

necessidades da população, principalmente de infra-estrutura, apareceram com mais nitidez.

Durante o ano de 1953 a Paróquia ficou sem vigário e o Padre Antônio continuou trabalhando

na paróquia com a intenção de ajudar o lugar. Via-se claramente que o crescimento da cidade

comprometia a vida paroquial e que era necessário mais pessoas para atender à população. Era

a modernidade afetando a vida religiosa e social da comunidade em transformação. O

surgimento da indústria e o crescimento populacional fizeram com que os trabalhos de vários

segmentos tivessem de ser reforçados para garantir melhor atendimento a todos.

Conseqüentemente, a vida paroquial também foi e é, alterada diante do crescimento da cidade.

Durante o vicariato, de Pe. Antonio Pontelo, ele concluiu a construção da capela de Santa Rita

em Areias e reformou completamente a casa paroquial; recebeu ajuda da população local,

apesar de alguns “se julgarem dispensados de fazer casa para tal vigário”.321

Padre Antonio Pontelo trabalhava em Pitangui e dava uma pequena assistência na

“Freguesia de São Sebastião do Cercado” como era chamada a paróquia. Em 1956, o Pe.

Altamiro de Faria322 assumiu a Paróquia, e na sua chegada, a casa paroquial ainda estava na

fase final da construção, por isso ficou hospedado, aproximadamente um mês, na casa do Sr.

Pacífico Pinto da Fonseca, o “Cipinho”, um grande fazendeiro que comandava a região, um

régulo nos moldes do período colonial e imperial.323 Padre Altamiro promoveu novas

festividades para a paróquia através das quermesses, “barraquinhas e praças de animais e

aves,”324 o que mais tarde se tornou tradicional no município. Promoveu também

320 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.01, p.78v. 321 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.01, p.80. 322 Padre Altamiro vive na cidade de Itaúna-MG. Com uma vida ativa em função da Igreja, Pe.Altamiro assumiu um papel de guia para os novos padres que se formam na Diocese de Divinópolis. 323 Sr. Pacífico Pinto da Fonseca (O Cipinho) era pai do Sr. Fausto Pinto da Fonseca e casado com a Sra. Zeli Diniz Fonseca. Estas pessoas tiveram uma participação muito importante no crescimento da cidade e na manutenção da paróquia. O Sr. Cipinho, era um grande fazendeiro que produzia algodão e mais tarde administrou uma fábrica de polvilho. Mantinha em sua fazenda um gerador de energia que distribuía a sobra da mesma, para a população do Arraial; colocou um chafariz em frente ao casarão no centro do Arraial que atendia a população com o abastecimento de água. O filho Sr. Fausto, contribuiu com muitas doações para o município e Dona Zeli, ainda viva, tem contribuído muito para o crescimento da cidade. 324 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.01, p.82.

114

apresentações de teatro nas liturgias, reorganizou a casa paroquial, comprou a imagem do

Senhor Morto para as celebrações da Semana Santa e reformou os instrumentos musicais para

Banda de Música. Durante o ano de 1958, foi autorizado o ritual bilíngüe em português e

latim. Segundo Pe. Altamiro, “isto facilitou naturalmente, um melhor conhecimento e amor,

por parte dos leigos, para com a Sagrada Liturgia da Igreja.”325 Estas e outras mudanças

introduzidas na paróquia foram decorrência da visão progressista do padre. É importante

salientar que o vicariato de Padre Altamiro se deu antes do Concílio Vaticano II e as

mudanças ocorriam por conta do vigário.

Desde o início da década de 1940, Dom Antonio Cabral, arcebispo de Belo

Horizonte, estava cogitando a criação de um bispado em Divinópolis. O pedido foi

encaminhado ao papa em 1958. Em 14 de agosto do mesmo ano, foi criada a Diocese de

Divinópolis pelo Papa Pio XII, pela bula “Qui a Christo”, e o vigário de Divinópolis, Padre

Cristiano, foi nomeado, sete meses depois, o primeiro bispo da Diocese. 326 A participação e o

entusiasmo da população na cerimônia de posse do novo bispo evidenciaram a presença da

Igreja Católica entre os habitantes da região, “a multidão de fiéis era imensa, todas as

paróquias do novo bispado estavam representadas. Compareceram numerosos bispos e

sacerdotes”.327 A criação do bispado em Divinópolis, demonstra também quão foi grande o

crescimento da cidade neste período, o que indiretamente representa uma influência na vida

religiosa do antigo “Cercado”, que agora emancipada politicamente passava a se chamar

“Nova Serrana”, como descrito no capítulo primeiro deste trabalho.

Com o falecimento do papa Pio XII em 09 de outubro de 1958, foi eleito em 28 de

outubro do mesmo ano, o Papa João XXIII, que abriu um novo Concílio na história da Igreja

Católica, concluído pelo Papa Paulo VI em 08/12/1965, o Concílio Vaticano II. O movimento

causado na sociedade pós-Concílio foi de grande transformação na vida cultural e religiosa

em todos os Estados em que o catolicismo era influente, principalmente no que se refere às

mudanças na vida litúrgica da Igreja. Segundo o Papa João XXIII, no discurso de abertura diz

que “o Vaticano II coloca-se frente aos desvios, às exigências e às oportunidades da idade

moderna.”328 A Constituição “Sacrosanctum Concilium, [...] ditava as diretrizes para uma

renovação litúrgica, formulava uma série de princípios teológicos (centralidade da Palavra de

Deus) e eclesiológicos (destaque da Igreja local).” 329 A vida nas igrejas mudava

325 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.01, p.90v. 326 DIOCESE de Divinópolis (1984) p.19-21 apud CORGOZINHO, 2003, p.164-165. 327 CORGOZINHO, 2003, p.165 – Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião, vol.01, p.94. 328 ALBERIGO, 1995, p.400. 329 ALBERIGO, 1995, p.415.

115

completamente: as celebrações seriam, a partir de então, em língua vernácula330, o padre não

celebraria mais de costas para a assembléia, que também passava de expectadores a

participantes das celebrações, respondendo aos mais diversos momentos da liturgia

eucarística.331 Porém, o “Papa Paulo VI [...] advertiu contra as impaciências e iniciativas

arbitrárias na aplicação da reforma litúrgica,”332 o que poderia causar muita estranheza na

população. Outra mudança ocorrida no Concílio vaticano II, foi em relação aos altares das

igrejas que agora não poderiam ser da mesma forma que eram cheios de imagens de santos,

estas imagens deveriam ser colocadas para veneração e com moderação quanto ao número. 333

Esta prática levou ao desaparecimento de muitas imagens das igrejas e até mesmo de obras de

arte, que foram doadas ou simplesmente levadas para casa dos fiéis sem o mínimo registro das

mesmas. Imagine-se a dificuldade inicial para aplicar na sociedade tamanhas mudanças

sociais, políticas, culturais e religiosas.

O Concílio Vaticano II não só alterou a vida litúrgica como também a vida social,

a igreja tornava-se mais participativa na vida das pessoas e da localidade onde atuava. Nessa

época a evolução social do episcopado foi determinada pela evolução reformista dos governos

desde o governo de Getúlio Vargas em 1950 até o governo de João Gulart interrompido pelo

golpe militar. Os programas sociais desses governos tinham o apoio de alguns setores da

Igreja e movimentos sociais católicos.334 As reformas sociais e políticas afetaram a vida da

paróquia de São Sebastião, a mais significante foi a reforma litúrgica, mas também não

deixaram de se manifestar em atividades e pregações dos padres atuantes, nas criações de

grupos como o TLC (Treinamento de Líderes Cristãos), Clube de Mães e movimentos de

juventude que foram algumas destas transformações sociais influenciadas pelo Concílio e

também a criação da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil em 1952). O Vaticano II apontou para uma abertura diante do mundo moderno. Este significava, naquele momento, um neocapitalismo com traços sociais, no aspecto econômico, uma democracia de tintura cristã, no aspecto político, e uma ciência menos arrogante e mais dialogante, no aspecto cultural. Até o ateísmo mostrava-se sensível a um diálogo com a fé cristã.335

330 Sacrosanctum Concilium, Nº 54. 331 “Para promover uma participação ativa, trate-se de incentivar as aclamações do povo, as respostas, as salmodias, as antifonias e os cânticos, bem como as ações e os gestos e o porte do corpo. A seu tempo, seja também guardado o sagrado silêncio. Sacrosanctum Concilium, Nº 30. 332 ALBERIGO, 1995, p.416. 333 Sacrosanctum Concilium, Nº 125. 334 COMBLIN, 2002, p.20. 335 LIBÂNIO, 2005, p.27.

116

Diante destas transformações no âmbito interno da Igreja, a tradição das festas de

São Sebastião na Paróquia de Nova Serrana,336 sofreu algumas transformações que foram

muito sentidas pela população. A festa ocorria tradicionalmente em janeiro337, podendo variar

o dia devido à ocorrência das chuvas. No ano de 1958, entretanto, a festa aconteceu em 19 de

outubro, quando a pequena imagem do santo padroeiro, em madeira foi reformada e sua

chegada “foi recebida com pompa extraordinária [...] veio acompanhada desde a Capela [da

comunidade] de Canjicas para cá, de um imponente cortejo de carros, motocicletas e

bicicletas. Ao chegar na Praça do Largo [da Matriz], foi saudada pelo Sr. Joaquim Piradeles,

que falou em nome do povo em geral.”338 Porém a data de 20 de janeiro sempre foi lembrada

na cidade com celebrações, procissões, leiloes e homilias.339 A tradição se estendeu até os dias

atuais quando foi instituído feriado municipal.340 Isto mostra novamente a importância do

catolicismo e a religiosidade existente na então Nova Serrana. A instalação das primeiras

indústrias na cidade não alterou significativamente a religiosidade local.

No ano de 1959 (28 de fevereiro) foi eleito o primeiro bispo da Diocese de

Divinópolis, a qual a paróquia pertencia, o Revmo. Sr. D. Cristiano de Araújo Portela Pena:

“fato que causou profunda alegria nos corações de todos, pois [...] já era bastante conhecido e

estimado entre a população [da região]”. Na festa de Pentecostes foi sagrado bispo (17 de

maio) pelo Núncio Apostólico. “Foram grandiosas as solenidades, nunca vistas em

Divinópolis; a multidão de fiéis era imensa, todas as paróquias do novo bispado estavam

representadas. Compareceram numerosos bispos e sacerdotes.”341 Nos dias 24, 25 e 26 de

outubro a paróquia recebeu a primeira visita pastoral de D. Cristiano, que foi recebido por um

grande número de pessoas. E no mês de novembro, ele visitou a Capela de Nossa Senhora da

Conceição, na comunidade de Ripas, um dos povoados do município. O fato de criar um

bispado em Divinópolis garantiu mais proximidade entre as paróquias e o clero instalado na 336 Passou à condição de cidade em 01/01/1954, como apresentado no capítulo I, deste trabalho. 337 A festa de São Sebastião é comemorada em 20 de janeiro, de acordo com o calendário litúrgico da memória dos santos. (SGARBOSSA, 1996) 338 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião, vol.01, p.91. 339 São Sebastião, nascido em Milão, passou a maior parte de sua vida em Roma. Amigo do Imperador Romano teria aproveitado para socorrer os irmãos na fé, os cristãos. Fazia um apostolado para converter soldados e prisioneiros ao cristianismo. O centurião Sebastião teve que comparecer diante do imperador para dar satisfação sobre o seu procedimento. Foi condenado sem apelação por ter traído a confiança do imperador. Foi amarrado em um tronco e criado de flechas, porém foi encontrado por uma mulher chamada Irene, que cuidou do soldado, restabelecido voltou à sua missão e comparecendo novamente diante do imperador foi condenado ao açoite até a morte e jogado na cloaca de Roma. O corpo foi encontrado por outra mulher, Luciana, que avisada em sonho providenciou o sepultamento do santo nas catacumbas romanas ao lados dos apóstolos. Há em Portugal 92 igrejas em honra ao santo e no Brasil são 144 paróquias, entre elas a do Rio de Janeiro, cujo nome canônico é São Sebastião do Rio de Janeiro, devido as batalhas dos portugueses contra os franco-tamoios na região da Guanabara, em 20 de Janeiro. SGARBOSSA, 1996, p.23 – WIKIPEDIA, 2006. 340 Lei Municipal Nº1.695, de 10 de dezembro de 2002. 341 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.01, p.94.

117

região. A presença da autoridade do bispo trouxe maior participação dos fiéis na comunidade.

“Os Bispos governam as Igrejas Particulares que lhes foram confiadas, com conselhos,

exortações e exemplos, mas também com autoridade e com sacro poder. [...] Em virtude desse

poder os Bispos têm o sagrado direito e o dever perante Deus de legislar para seus súditos, de

julgar e de ordenar tudo o que se refere à organização do culto e do apostolado.342

Durante o ano de 1961, foi realizada uma campanha para comprar um Jeep para a

casa paróquia, o resultado foi surpreendente devido a colaboração de todos os paroquianos.

As campanhas aparecem com mais freqüência na cidade, devido ao fato do processo de

industrialização gerar condições econômicas melhores entre a população. Observa-se que a

indústria passa a fazer parte também do processo administrativo da paróquia e não se mostra

como um entrave diante das mobilizações em torno das questões relativas à comunidade

religiosa. Durante o mês de junho de 1963, aconteceu uma nova campanha na paróquia, desta

vez para comprar uma fazenda para os padres Carmelitas que iriam se instalar na cidade e

tinham como proposta construir um seminário e um ginásio. A religião ainda era um elemento

agregador do ponto de vista da tradição cultural de Nova Serrana, os retiros e encontros para

os paroquianos marcaram a participação das pessoas na Igreja e o sucesso das campanhas

realizadas. A chegada dos padres carmelitas passa a ser um ponto marcante na vida religiosa,

política e social da cidade. A vinda dos padres Carmelitas se deu através de Frei Paulo que era

filho do Senhor Pacífico Pinto (O Cipinho), e que foi responsável pelo contato com a ordem

dos Carmelitas, a qual também pertencia. Padre Altamiro deixou a paróquia no dia 30 de

setembro, e é possível observar a participação da comunidade em sua saudação: [...] deixo aqui um agradecimento respeitoso, cheio de admiração, para todos aqueles, e foram tantos, que me auxiliaram com esmolas, com trabalhos ou com orações. No meu paroquiato de Nova Serrana. Que Deus, Nosso Senhor, pague e recompense e abençoe a todos, no meu lugar. Para os Revmos. Padres Carmelitas Descalços, valentes soldados de Nossa Senhora , deixo aqui também os meus votos de boas vindas e de felicidade em Nova Serrana. Que eles encontrem aqui um terreno bom e propício para os seus trabalhos apostólicos e para o seu futuro Seminário que será uma das glórias desta boa oferta querida terra de Nova Serrana. Que sejam benvidos, que sejam felizes, é o que desejamos. 29 de setembro de 1962.343

O trabalho realizado na Paróquia, pelos frades holandeses recém-chegados, foi em

prol da criação de um Colégio e um Seminário. A chegada dos frades causou grande

impressão em toda a população. A presença do bispo Diocesano, padres de outras

342 Lumen Gentium, Nº 27. 343 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.4.

118

comunidades e autoridades fizeram deste momento algo incomum à pequena cidade de Nova

Serrana. Vejamos a descrição do evento segundo o relato do Padre Altamiro: Celebraram missa deste a madrugada até a Missa Pontificial às onze horas [...] as 19:00 horas houve uma solene e piedosa procissão das velas e consagração oficial do Município e da Paróquia de Nova Serrana à Nossa Senhora do Carmo; a oração congratulatória foi proferida pelo Exmo. Sr. Bispo Diocesano e causou grande impressão. Por fim todos receberam sensivelmente emocionados a Benção do Santíssimo Sacramento.344

FOTO 15 - Recepção dos padres carmelitas (Pe.Altamiro, (?), D.Cristiano, Fr.Tiago, Fr.Ambrósio, Cipinho, (?), João Sebastião, Francisco Batista de Freitas, (?)) Praça Tito Pinto em frente ao casarão do Cipinho – 30 setembro de 1962. Foto: Arquivo Paroquial.

Em novembro de 1962, chegaram outros padres holandeses carmelitas: Frei

Domingos Deneyere, frei Teodardo Mensink, frei Anastásio Martes e frei Anselmo Baltissen,

este último esteve como pároco e professor do Colégio São José criado por estes padres,

durante um largo período.

Em março de 1963, começava o funcionamento do Colégio São José, uma das

propostas dos novos frades e um novo marco cultural para a cidade. Tal iniciativa foi

importante para a formação de lideranças políticas, empresariais e culturais. Pessoas

influentes do lugar apoiavam mais a criação de escolas, do que de Seminários porque “quase

todos achavam difícil de fundar aqui um Seminário em estilo moderno”345 e não se via muita

vocação da população em formar padres apesar do forte vínculo ao catolicismo e às tradições

mineiras. Mesmo assim, a pedido dos frades, ruas foram abertas para dar acesso ao local da

construção do seminário, ou seja, mesmo sem o apoio de parte da população, os frades

344 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.5v. 345 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.13.

119

levavam a cabo a criação do seminário. Foram feitas também melhorias no entorno da Igreja

Matriz, tais como: calçamento de ruas, modificação no adro (de onde retiraram as escadarias e

colocaram rampas para melhorar o acesso), além da tentativa de ampliar as salas laterais.

As mudanças e inovações propostas pelos frades ocorriam em todos os sentidos,

não se restringindo às novas edificações e instituições. A vida social da cidade foi objeto de

atenção e intervenção dos mesmos. De acordo com as determinações do Concílio Vaticano II,

também ocorria reformas na liturgia, o que alterava a rotina dos padres e da população.

Percebem-se bem as dificuldades das mudanças quando frei Anselmo dizia que estava

“tentando antes de mais nada adaptar às modificações da liturgia”346 e nem sempre as

modificações atendiam as expectativas dos fiéis: “as renovações na liturgia foram bem

aceitas, mas especialmente o povo do interior achava mais graça nos costumes antigos”, que

eram as celebrações em latim, a reza do terço e os costumes da semana santa, e ainda: “parece

que no interior os fiéis apreciam mais e participam melhor com as orações em português”.347

Era necessário criar novas estratégias e uma delas foi incentivar a vinda de congregações e

ordens religiosas para o Brasil. Com a influência do catolicismo francês, alemão, holandês e

italiano, novas práticas religiosas surgiam diferentemente das que predominavam até então,

como as de origem portuguesa tradicional. “Ordens religiosas variadas intensificaram suas

atividades, modificaram qualitativamente sua forma de atuação e aumentaram

quantitativamente seu número no Brasil”.348 Da mesma forma que os franciscanos trouxeram

um dinamismo cultural para Divinópolis, os carmelitas descalços também dinamizaram a vida

de Nova Serrana através de suas idéias revolucionárias e voltadas para o desenvolvimento

cultural e intelectual vindo da Holanda.

Tanya Pitanguy nos apresenta uma definição interessante sobre esta divisão das

Minas, uma que está ligada aos sertões, à vida sertaneja, de uma realidade distante da urbe e

que vive a esperança e a busca de melhorias, “a Minas da ocupação da terra, da luta pela

sobrevivência, da terra/corpo, das boiadas”349; do outro lado a urbanidade, a busca pelo ouro,

“a Minas da riqueza fácil, da sorte, dos aventureiros”350, a qual podemos definir também do

mundo que recebeu mais depressa os avanços da tecnologia e da informação, o litoral ou a

capital.

346 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.11. 347 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.13-14. 348 CORGOZINHO, 2003, p.146-151. 349 PAULA, 1999, p.20-21. 350 PAULA, 1999, p.20-21.

120

As discussões, dilemas e modificações sociais experimentadas com a construção

da Igreja Matriz estão relacionadas aos eventos políticos, econômicos e transito em Nova

Serrana. Visto que a vida no interior dependia de ajuda mútua entre a população e faltavam

recursos até mesmo para o conserto dos veículos, que muitas vezes dependia da ida à outras

localidades. Nova Serrana estava entre a vida do sertão e o desenvolvimento da urbanidade. A

cidade não cresceu e desenvolveu como ocorreu com as regiões de mineração, mas também

não ficou presa na luta pela vida do sertão, ao mesmo tempo estava também distante de uma

série de facilidades devido às distâncias das localidades mais desenvolvidas, as estradas e os

meios de locomoção ainda não respondiam às necessidades do lugar.

Agora “a maior luta estava no Ginásio [que foi criado e mantido pela igreja]

devido a “falta de luz e [de] professores. [...] E logo depois uma tentativa de arquitetura para a

colocação do Tabernáculo [na igreja], que, simples, agradou a todos e deu mais impulso para

colaborar com a campanha do piso que agora parecia mais desejado [pela população da

cidade]. ”351 O desenvolvimento urbano da cidade trouxe paulatinamente alterações na esfera

cultural e religiosa. Isso explica o empenho da população e da Igreja na construção de um

espaço educacional, mesmo sendo particular e que atendesse uma elite da população.

Mesmo atendendo a população de maior poder aquisitivo e por melhorar a vida

dos estudantes que tinham que ir para Pitangui ou Divinópolis, não havia muita participação

da comunidade no ensino e nas atividades do Ginásio, o que é uma preocupação ainda na

atualidade: a população de Nova Serrana não valoriza muito o estudo, dá mais valor ao

trabalho, a cidade passou a valorizar mais a indústria do que se preparar para um trabalho

qualificado. Os padres carmelitas se empenhavam na assistência religiosa e social, se

preocupavam com a formação intelectual da população, o que era uma característica da vida

européia, na qual eram formados. “Assim compreende perfeitamente a soma de sacrifícios

que o ginásio local lhes tem pedido. Lastima-se que essa atividade social não tenha sempre

encontrado a colaboração desejada por parte da população beneficiada.”352 Ao contrário de

outras localidades, em Nova Serrana quem mais se empenha em qualificação profissional é a

população operária, porém faltam recursos para investirem em estudos, já a população dona

da indústria não se sente tão motivada para tal tarefa porque já se encontra estabilizada em

seus negócios ou receberam hereditariamente uma estrutura industrial já montada. Este é um

fenômeno notado em outros estudos como aponta Wilson Suzigan, quando se refere ao

sistema educacional em Nova Serrana: “Há também deficiência no sistema educacional e de

351 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.17. 352 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.19. Visita pastoral de Dom Cristiano em 25/04/1967.

121

formação profissional, que se revelam na falta de trabalhadores qualificados [...] os próprios

empresários reconhecem a necessidade de ‘cursos para melhorar o conhecimento dos

empresários sobre o setor calçadista’”.353 Mesmo com a reabertura do Ginásio São José, os

ânimos para o estudo em Nova Serrana ainda eram bem baixos, como observou Frei

Anselmo354: Não se olha para o futuro. O número de alunos podia ser o dobro, mas o lucro nas sapatarias atrai mais. A situação econômica de nova Serrana é bastante boa. Nunca surgiram tantas sapatarias. Mas achamos que o nível cultural em nossa cidade é o mais baixo da redondeza. As únicas pessoas formadas são as professoras e estas não fazem nada para a formação humana e não tomam nenhuma iniciativa.

O Ginásio São José trazia para a cidade novos propósitos para estudar, de criar

uma geração mais consciente, um exemplo era o caso da primeira associação estudantil da

cidade, fundada pelos estudantes Alcioni Maria do Amaral, Rossini José Duarte, Tomaz de

Aquino Freitas, Carlos Pinto da Fonseca e Antonio de Souza Pinto, em 21 de setembro de

1966.355 Bem como os trabalhos dos grupos de jovens que ajudavam na igreja e realizavam

diversas atividades culturais, como teatros, festas, encontros e tardes de reflexão, liderados

por Divino Azevedo e Olinda Pinto. O colégio, de certo modo, foi um dos primeiros e

pioneiros meios pelo qual parte da população teve contato com a “modernidade”, mesmo que

sob o prisma da Igreja.

353 SUZIGAN, 2005, p.112. 354 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.23v. 355 Livro de Atas do Grêmio Estudantil do Ginásio São José.

122

3- A nova Igreja Matriz

Frei Ambrósio assumiu a paróquia no contexto em que se iniciava a

industrialização, época em que já se discutia no Conselho Paroquial a necessidade da

construção da nova Matriz. Durante uma destas reuniões “o assunto estendeu no recinto e

obteve o apoio total de todos os membros” 356 O próximo passo agora seria a verificação das

verbas existentes, a possibilidade de adquirir empréstimo no banco e entrar em contato com a

prefeitura municipal para apresentar a planta da praça e divulgar para a população a iniciativa

da construção. Os cálculos iniciais e a elaboração da planta seriam feitos pelo Dr. Rubens

Caetano. Algumas questões começavam a aparecer em relação à demolição da antiga igreja.

“Quanto ao engenheiro que iriam conseguir para a elaboração da planta da matriz, o referido

profissional sugeriu que não deveria ser demolida a Igreja antiga.” 357

Novos grupos surgiam para os trabalhos na paróquia, que reforçava a idéia de ter

um espaço melhor para atividades recreativas e culturais do que construir uma nova igreja.

Em Abril 1973, o Conselho Pastoral discutiu a necessidade de construir um Centro Social, e

frei Ambrósio comentou: “É interessante ver. Em nossa cidade corre bem mais dinheiro do

que nas cidades vizinhas. Mas a paróquia não tem nada. O único local para reunir é o salão

[vicentino], aliás, pequeno demais e feio.”358 Ainda segundo o referido padre, tal quadro não

condizia com a condição da cidade, afinal “Nova Serrana, uma cidade em franco progresso, só

tem o pequeno salão dos vicentinos, aliás mal cuidado, sem conforto e com bancos”359. Era

quase unanimidade entre a população, segundo o eclesiástico, a necessidade de se construir

um templo, uma casa paroquial e um centro Social “à altura da cidade”.

Frei Ambrosio entendia que, naqueles anos, primeiro a população pensava no seu

bolso, nas necessidades capitalistas, deixando em um segundo plano as questões culturais e

sociais da comunidade. Mesmo com tanto dinheiro em circulação, pouco se fazia segundo ele,

pela preservação cultural do lugar. As questões religiosas e espirituais também viam sendo

deixadas em segundo plano. O dízimo era uma preocupação constante nas reuniões do

Conselho Pastoral e cada vez mais era preciso fazer campanhas para angariar fundos, como

exemplo foi a criação de uma lojinha, organizada para vender calçados. Os industriais doavam

calçados com leves defeitos ou até mesmo novos para a lojinha, mas não contribuíam com o

356 Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.02. 12/11/1972. 357 Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.03. 19/11/1972. 358 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.44v. 359 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.49v.

123

dízimo. A dificuldade em se angariar o dízimo refletia uma mudança de caminho rumo à

“modernidade”, reflexo da chegada do capital e seus valores.

Data de 1973 a primeira menção à construção de uma nova matriz para a cidade

em crescimento. As discussões sobre a nova igreja matriz ganhavam forma. “Ficou decidido

[na reunião do conselho], com o último parecer de frei Ambrósio de construir [a igreja] na

praça onde se encontra a atual. Neste ponto ficou o Dr. Walter Batista, que também estava

presente, de nos ajudar a conseguir o engenheiro para a elaboração da planta, sendo que o

cálculo ele mesmo o fará.360

Entretanto, os ânimos da comunidade voltaram-se primeiramente à construção de

um centro social, desejo antigo. “Ficou decidido [...] que será construído [o Centro Social] no

local do ex cinema, sendo que esse será demolido e vendido o material.” 361 Porém, mais tarde

foi “transferido o local para construção do centro social para a Rua Divinópolis [hoje Rua

Dimas Guimarães]. Ficou criada uma comissão destinada aos trabalhos da construção [...]

José Silva de Almeida, Tomaz de Aquino Freitas, Romeu Coelho e José Lino Ferreira.”362

Mas as dificuldades continuavam, uma vez que as construtoras não se interessavam em

investir no interior e os recursos disponíveis ainda não eram suficientes, o que levou a

comissão a comprar alguns materiais que poderiam ser guardados, para que mais tarde

começasse a construção do referido salão.

Os planos para a construção tiveram de esperar, pois o então bispo de Divinópolis

era contra a demolição do antigo templo, além disso, entendia que a comunidade deveria se

preocupar mais com a ereção de uma capela dedicada a São Cristóvão, cuja devoção era

grande na cidade. Anualmente era consagrada grande festa em comemoração ao dia desse

santo. As festas religiosas eram e ainda são o ponto importante na socialização da população

da cidade. Ainda na década de 1970 fora construída uma pequena capela dedicada a São

Cristóvão, responsável também pelo crescimento da cidade na região sul, juntamente com a

criação da Escola Estadual Antonio Martins do Espírito Santo, que ampliou a rede de ensino

no município.

Ao mesmo tempo em que a cidade se desenvolvia, a pequena igreja de São

Sebastião não conseguia comportar a população que freqüentava as missas. “Depois de

inaugurado o Centro Social, é preciso pensar na Igreja; se deveriam reformar esta ou construir

360 Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.06v. 11/02/1973. Grafia atualizada. Optei pela atualização da linguagem do texto. 361 Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.07. 11/02/1973. 362 Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.15. 23/09/1973. – Atualmente a Rua Divinópolis passou a denominar Rua Dimas Guimarães.

124

outra”363, era o que discutia nas reuniões do Conselho. As preocupações surgiam e as

opiniões se dividiam: “na reunião do Conselho Pastoral no dia 28 de dezembro (1975) foi

lançada novamente a idéia da construção de uma nova Matriz. Mas o Conselho pediu primeiro

para divulgar a idéia e ver se era a vontade de toda a comunidade.”364 As discussões sobre a

nova matriz eram constantes; propostas para ajudar nas campanhas em prol da construção não

faltavam, [...] mas dependia fundamentalmente da opinião pública. O Conselho é simplesmente uma representação do povo, devendo agir de acordo, como tal [mas que teria poder de decisão]. O primeiro passo a ser dado foi uma enquête com o objetivo de saber o que o povo queria, e, se esse mesmo povo estaria disposto a colaborar com a nova construção. Eram necessários também o apoio dos órgãos administrativos municipais e a opinião dos engenheiros.365

Precisava de muita cautela uma vez que a dúvida dividia a comunidade e o próprio

Conselho. O Conselho propôs pedir uma opinião ao bispo sobre a construção da nova igreja, e

este se opôs a demolir a igreja antiga. Segundo o bispo era preferível construir uma nova em

outro local. Por isso a festa de São Sebastião não teve muito sucesso financeiro, pois “a

reunião com o Senhor Bispo no dia 22 de julho prejudicou bastante a animação e a

generosidade do povo. Percebe-se um claro descompasso entre a opinião da autoridade

religiosa, considerada por boa parcela como conservadora e retrógrada e a vontade de boa

parte de população, que ansiava por ver uma nova matriz, algo que representasse a nova fase

vivida pela cidade. O povo queria mesmo uma matriz nova no centro da cidade. Estava com

sua opinião formada.”366 O fato foi a dificuldade de estabelecer um denominador comum

entre uma população dividia entre o novo e o tradicional. A polêmica envolvendo a

substituição de uma velha matriz por uma nova e moderna igreja não foi uma exclusividade

de Nova Serrana, muito antes pelo contrário. Ao que parece, esse tipo de polêmica foi

bastante comum na segunda metade do século XX em Minas Gerais. Vejamos o curioso caso

de Ferros/MG, que apesar de não se tratar de uma cidade em franco crescimento econômico

como Nova Serrana, viveu um dilema quase idêntico quanto ao destino de sua igreja matriz.

Localizada na região metropolitana de Belo Horizonte, Ferros/MG abrigava a

pequena igreja de Sant’Ana, construída no século XVIII, foi substituída por um templo

moderno em 1961. As discussões sobre a nova construção alteraram completamente a vida da

população, movimentou pessoas da capital mineira e atraiu a atenção de jornais e repórteres

363 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.57. 364 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.57. 365 Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.68v. 21/03/1976. 366 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.62v.

125

da época. Diante do estado precário de conservação da igreja matriz, o padre José Cassimiro

apresentou sua proposta de construir o novo templo, comunicou ao bispo de Mariana e tão

logo começou a arrecadar fundos para o empreendimento. O nível de cooperação e harmonia

era satisfatório, porém quando se anunciou a demolição do antigo templo, a população se

manifestou não aceitando tal proposta. O impasse resultou em um plebiscito, com formação

de partidos e campanhas a favor e contra. Com características de um grande movimento

político, o resultado foi de 68 votos contra, 22 abstinências e 3590 a favor da nova construção.

O povo comemorou naquele dia com passeatas e fogos. Contrariando a uma série de opiniões,

a antiga matriz foi demolida e depois disso era necessário uma série de campanhas para dar

continuidade ao projeto, porém, os escombros parecia ter soterrado os ânimos das mesmas

pessoas que comemoravam os resultados do plebiscito. A imagem da praça vazia e a demora

para construir o novo templo passou a incomodar a população, e mesmo depois que tudo se

concluiu ainda prevalecia um sentimento de culpa, e mesmo nos tempos atuais a população de

Ferros parece se incomodar com o violento contraste verificado em sua praça principal.367 A

nova matriz em Nova Serrana não causou grandes impactos visuais diante da cidade, mas

gerou um sentimento nostálgico e até mesmo revoltante por parte de alguns moradores e o

sentimento pesaroso de quem compara as fotos da antiga matriz e da atual faz o comentário

que deveriam ter preservado tal monumento e construído a nova em outro lugar.

Nas reuniões do Conselho Pastoral permaneciam as dificuldades sobre o tamanho

da igreja. E a semana santa era um dos agravantes, pois fora da igreja a assembléia não

participava como devia e dentro “a igreja não comportava o povo”.[...] era necessário

aumentar duas coisas [na paróquia]: a igreja e o cemitério.368

367 SILVEIRA, 2002, p.78. 368 Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.75v. 06/03/1976.

126

FOTO 16 – Antiga Igreja Matriz de São Sebastião, 1962 – durante a chegada dos frades carmelitas. Foto: Arquivo Paroquial.

As igrejas antigas já não são mais suficientes para o número sempre maior de fiéis; precisam ser reformadas ou ampliadas; e muitas já foram (às vezes de maneira infeliz), e outras o estão sendo bem ou mal, nascendo como cogumelos sem critério sério artístico e religioso. [...] Raros são o exemplos de esforços interessantes e, mesmo neste caso, se de um lado os artistas têm entusiasmo, do outro eles não conhecem os mais elementares princípios litúrgicos e realizam extravagâncias que põem perplexos o senhores bispos que devem sagrar igrejas tão esquisitas!369

369 SILVEIRA, 2002, p.52 apud OSWALD. mar.abr.1953, p.173.

127

FOTO 17 – Antiga Igreja Matriz de São Sebastião, 1964 – depois da reforma realizada pelos frades carmelitas. Foto: Arquivo Fotográfico Municipal.

Em Nova Serrana, a discussão sobre a construção da nova matriz ocorreu em toda

a comunidade por um largo período e uma pesquisa foi lançada pelos participantes do

Conselho e aplicada pelos grupos de juventude no “dia 20 [março de 1977]. Foram

entrevistadas 2.603 pessoas, parcela considerável da população. Na consulta popular foi

questionado qual seria o melhor local para a nova Matriz e se deveria ou não ser demolida a

antiga matriz. 1941 pessoas se expressaram para desmanchar a matriz, 662 para não

desmanchar, 1851 pessoas eram a favor de construir a nova matriz no mesmo local no centro,

556 entendiam que a nova matriz deveria ser construída em outro local.370 Ao contrário do

caso de Ferros, onde a consulta popular teve peso efetivo na tomada das decisões, em Nova

Serrana a discussão e a pesquisa não foram suficientes para a tomada de decisão. Havia uma

forte oposição de alguns setores do clero local.

Em 1976 Walter Batista apresentou uma proposta arquitetônica para a nova matriz

representada por uma maquete ofertada pelo Sr. Edson Batista de Freitas em modelo

circular371. (Ver fotos 18 e 19) Como tinha um custo elevado, o projeto não chegou a decolar.

370 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.61. Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.75v. 06/03/1976. 371 O projeto apresentado constava de um modelo com o telhado triangular com seis águas, as paredes estariam apoiadas em um espelho d’água. O jardim seria composto de ipês amarelos plantados pelas famílias da cidade, o que criaria um efeito diferente no mês de agosto quando florissem. A maquete se encontra em uma sala da torre

128

Apesar de ter agradado a população em geral, o projeto pareceu um tanto quanto inadequado a

parte do clero, sobretudo ao bispo. O clero local, por sua vez, dizia “que não poderiam pensar

na construção antes de ouvir Dom Cristiano.”372

FOTO 18 – Igreja Matriz de São Sebastião – Maquete do projeto da nova matriz – Vista frontal – Foto: Arno Spier Junior – Novembro/ 2007.

da matriz. (Entrevista concedida a Betânia Gonçalves Figueiredo, Departamento de História da UFMG, em 01/07/2005 – Conselho do Patrimônio Cultural de Nova Serrana – Ficha 0001E) 372 Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.77. 15/05/1977.

129

FOTO 19 – Igreja Matriz de São Sebastião - Projeto da nova matriz – Vista aérea – Detalhe dos Ipês - Foto: Arno Spier Junior – Novembro/ 2007.

Dom Cristiano era contra a derrubada da velha matriz, entendia que a cidade em

crescimento, com a população aumentando, necessitava duas igrejas. O dinheiro gasto para

demolir a igreja velha não seria pouco. O “melhor seria” construir outra em outro local e

depois reformar a antiga igreja de São Sebastião. Mas a nova igreja deveria ser grande e num

local onde tivesse mais terreno para que futuramente se construísse ao lado a casa paroquial,

salas para catequese, salão de reuniões e banheiros. A verdade era que todo o clero se

colocava contra as idéias até então ventiladas pela população que queria um templo arrojado,

como se viu pela maquete. Frei Ambrósio e o Sr. Romeu Coelho estavam convencidos de que

a idéia do bispo era melhor do que a da comunidade e basicamente “convenceram” o

Conselho disso.

Os planos para a nova matriz era para uma igreja bem maior. Na sondagem de

dados sobre a igreja antiga, “Frei [Ambrósio] disse que não saberia quantas pessoas assistiam

à missa. Julgava ser umas 1800, nas três missas; portanto a igreja a ser construída precisaria

comportar umas mil pessoas, pois caso contrário, depois de alguns anos, ela não comportaria

novamente todas as pessoas que assistem à missa.”373 Na procura de uma construção com

373 Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.78. 15/05/1977.

130

menor custo a arquitetura da igreja a ser construída não teria mais o estilo clássico das igrejas

mineiras (barroco, rococó) mas assumiria as características dos galpões da indústria

calçadista, Sr.Romeu Coelho disse “que as igrejas atuais são quase todas estilo caixote. Essas

são mais simples e ficam mais baratas. Wandick [Batista de Freitas] sugere entregar a

construção a uma companhia empreiteira. Mas para isto precisaria de ter antes todo o

dinheiro, portanto não é possível. A construção da igreja deverá ser feita aos poucos.”374

Observa-se que as negociações e propostas para a construção da nova matriz são influenciadas

pelo processo produtivo local. A escolha do estilo arquitetônico e a forma de pagar o

empreendimento são como os moldes da indústria calçadista: para a construção da igreja

sempre se propõem financiamentos, materiais mais baratos e até mesmo as campanhas e

carnês para contribuição. A escolha dos moldes a serem construídos vai de encontro às

necessidades comunitárias, mas também, com as experiências de pessoas que estão à frente da

comunidade, que eram empresários que estavam à frente do Conselho Administrativo da

Paróquia. A prática e a economia não devem levar a construir as nossas igrejas como se fossem fábricas, nem dar-lhes um aspecto de armazéns. De modo algum, devemos equiparar as Casas de Deus a casas de negócios. Não é raro vermos modelos de igrejas a serem construídas e algumas já edificadas que, retiradas a cruz ou o monograma de Cristo em grego geralmente, em nada se diferem de magazines. Falta-lhes até a harmonia de linhas. [...] Americanismo, mania da época.375

Uma das características importantes da modernidade é o livre pensamento e a

vontade da inovação. Segundo HABERMAS, “moderno sempre ressurge nos momentos de

formação da consciência de uma época para designar a nova situação.”376 No caso “da

arquitetura moderna é um fruto de nossa sociedade, dos progressos da técnica, da mentalidade

nova: condiz, portanto, com o pensamento do homem moderno, na sua faina de afirmações

positivas, na busca de respostas claras e incisivas aos problemas que o torturam.”377 Sob um

certo prisma, as iniciativas dos paroquianos de Nova serrana e demais cidades mineiras na

segunda metade do século XX estão em consonância com o movimento criado pelo Concílio

Vaticano II no que diz respeito a estruturação dos lugares da celebração. “A liturgia é

renovada, o que acarreta profundas modificações na organização dos espaços e na forma das

igrejas.”378

374 Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.75v. 06/03/1976. 375 SILVEIRA, 2002, p.57 apud COSTA LIMA, REB.p.533, set.1950 376 CORGOZINHO, 2003, p.19. 377 SILVEIRA, 2002, p.29 apud PASSOS. REB, p.599, set.1944. 378 MACHADO, 2001, p.25.

131

É importante destacar que, em meio às discussões sobre o estilo arquitetônico ideal

para a matriz de Nova Serrana, a Igreja Católica recomendava na Constituição sobre a

Sagrada Liturgia do Vaticano II aos representantes do clero, arquitetos e engenheiros para

que os edifícios, qualquer que fosse o estilo empregado, não causassem estranhamento aos

fiéis, bem como um alerta sobre a necessidade de preservar estilos anteriores que contam a

história local. Assim como em Ferros MG, a comunidade de Nova Serrana, sob os auspícios

dos novos tempos, entendiam que era lícito recorrer a uma gritante linguagem de formas a fim

de atrair a atenção dos transeuntes para a igreja.379 Dadas as proporções, é o caso da Catedral

Metropolitana de Brasília, que atrai a atenção de todos, é de uma arquitetura surpreendente,

apesar de pouco funcional.

FOTO 20 – Catedral Metropolitana de Brasília – Vista frontal – noturna – Foto: Reginaldo Silva – Abril/ 2007.

Enquanto isso, em Nova Serrana, instalou-se um grande impasse com relação ao

local onde deveria ser construída a Nova Igreja ou se a mesma deveria ser erigida no local

onde se encontrava a velha matriz. Foram mais de três anos (1776-1779) de discussões

inócuas, estando de um lado o bispo e os padres locais defendendo a manutenção da velha

matriz e a construção de uma nova em outro local; e de outro a maior parte da população,

379 SILVEIRA, 2002, p.47 apud KLAUSER. REB, p.372, jun.1955.

132

incluindo o empresariado, defendendo a construção de um templo grande e arrojado no

mesmo local da antiga igreja, que deveria ser demolida. 380

O quadro começa a se alterar com a saída do bispo Dom Cristiano e a posse de

Dom José Costa Campos na Diocese de Divinópolis. Dom Cristiano era um dos principais

opositores a idéia de se construir um novo templo no mesmo local da antiga matriz. 381 Dom

José tomou posse em maio de 1979,382 no “dia 12 de setembro visitou pela primeira vez a

cidade [de Nova Serrana] e a casa paroquial.”383 A visita se estendeu até os dias 14, 15 e 16

de março de 1980. Depois de passar pelas comunidades rurais, a visita foi encerrada com uma

missa “e outra vez a pequena igreja ficou superlotada. [...] o bispo falou sobre a necessidade

de uma nova e maior Igreja Matriz.”384 O novo bispo apoiava a idéia de demolir a igreja velha

e construir a nova no mesmo lugar. Finalmente o projeto da Nova Matriz ganharia vida.

Enquanto isso, a indústria ampliava e tomava conta da cidade com o ramo

calçadista, tudo agora dependia da fabricação de calçados. A festa de São Sebastião e as

campanhas estavam completamente direcionadas para a construção da nova matriz. Com o

sinal verde do bispo Dom José Costa, seria necessário apenas verificar se o local era favorável

e se o espaço comportava uma nova igreja.385 Segundo os membros do Conselho, era

necessário “obedecer a opinião do bispo” e isso justificaria a decisão de demolir a antiga

igreja.386 Ainda assim havia setores da sociedade, sobretudo os mais velhos, que eram contra a

demolição da antiga matriz.387

Outro fator importante para consolidar a decisão de demolir a igreja era a chegada

do novo vigário. O Conselho se preocupava com a recepção e todo o aparato para isso, ao

mesmo tempo em que esperavam também uma opinião do mesmo sobre a construção da

igreja. Em 1980, Frei Ambrósio, que era o vigário, foi para a Holanda e sua volta seria para a

Bahia.

380 Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.95. 28/01/1978; Livro de Atas Conselho Pastoral 02, p.06. 05/08/1978. 381 Dia 08 de abril recebemos uma carta de despedida de Dom Cristiano [...] foi livre e espontaneamente que apresentou à Santa Sé o pedido de renuncia e insistiu para que fosse aceito. [...] Padre Ordones foi eleito vigário capitular da diocese até a chegada do novo bispo. Dom José Costa Campos marcou sua posse para o dia 20 de maio (1979).Livro de Tombo 02, p.73. 382 A missa de posse do novo bispo reuniu muitos padres e bispos das cidades vizinhas. “A Igreja estava superlotada de fiéis. A presença do vice-presidente da nação documentou mais ainda a importância e brilho da festa.”Livro de Tombo 02, p.73v 383 Livro de Tombo de São Sebastião , vol.02, p.75. 384 Livro de Tombo de São Sebastião , vol.02, p.79. 385 Livro de Ata Conselho Pastoral 02, p.20v. 15/03/1980. 386 Livro de Ata Conselho Pastoral 02, p.23. 20/04/1980. 387 Livro de Ata Conselho Pastoral 02, p.23v.20/04/01980.

133

“[...] nesse mesmo dia, chegou à Nova Serrana, o novo vigário Padre Lauro Geraldo de Resende Pinto388. [...] foi recebido no trevo e vieram em carreata até a praça da matriz, onde o povo o aguardava com banda de música, discursos e apresentações. [...] onde foi apresentado o relatório financeiro [...] Pe. Lauro sugeriu que o dinheiro [disponível no caixa da paróquia] fosse aplicado na compra de material utilizável na construção da nova matriz, que era um problema que se arrastava há muito tempo. [...] O Conselheiro Romeu Coelho comunicou a todos que a maquete da nova matriz já estava sendo feita em Belo Horizonte [...]389

Com a chegada de Padre Lauro, as propostas começavam a ganhar forma e as

decisões da comunidade começavam a se concretizar. “Ficou marcada a festa de São

Sebastião para os dias 25 e 26 de julho (1981), com novena preparatória e nessa festa foi

lançada a pedra fundamental da nova matriz. Ficou decidido também que o vigário e o

Sr.Valdomiro Amaral iriam à Varginha para verem a igreja de lá, que parecia ser muito

funcional”390 e serviria de modelo para construir a nova matriz (fotos em anexo). O

Engenheiro Dr. Idehean (Itaúna/MG), estava com muita dificuldade em fazer a planta da nova

igreja na Praça José Batista de Freitas, devido ao desnível do terreno.

FOTO 21 – Vista lateral da Igreja do Espírito Santo – Varginha/MG - Foto: Arquivo Paroquial.

388 Padre Lauro nasceu em Resende Costa – MG, em 15 de agosto de 1939. Desde criança tinha a vocação de ser padre e queria ir para o convento, com onze anos de idade seguiu para o Seminário em São João Del Rei. Foi ordenado em 1969, como padre Salesiano, onde trabalhou em vários colégios. Depois disso foi para Silvânia – GO, em seguida para Córdoba na Argentina. Em 09 de julho de 1980, chegava em Nova Serrana. Texto enviado pela família de Padre Lauro. 389 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião, vol.02, p.79v-80. 390 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião, vol.02, p.82.

134

FOTO 22 – Vista interior da Igreja do Espírito Santo – Varginha/MG – Foto: Arquivo Paroquial.

135

FOTO 23 – Vista frontal da Igreja do Espírito Santo – Varginha/MG – Foto: Arquivo Paroquial.

O Jornal Diário do Oeste apresentou um artigo contra a demolição da antiga igreja.

Com a manchete “Nova Serrana: população não quer igreja demolida” apresentava em seu

texto que a população se encontrava revoltada com a notícia da demolição da igreja e que

136

faziam um movimento para que isto não ocorresse.391 Tal fato evidencia a forte oposição de

parte da população, mais saudosista. Entretanto, o novo vigário, padre Lauro, dizia que a

demolição só não aconteceria com a ordem do bispo, que também era a fovaor da demolção. No dia 06 (outubro 1981), começou a terraplanagem do terreno para a construção da nova matriz. Parece que agora o sonho começa a ter contornos de realidade. A matriz velha será totalmente demolida uma vez que não tem nada que aproveite; nem tamanho, nem arquitetura, nem obras de arte, nem nada de nada. Houve alguma polêmica por parte daquela minoria que nada faz, só sabe azucrinar. Mas a vontade do povo e a lógica venceram.392

A construção do novo templo com uma arquitetura moderna demonstrava ser uma

melhoria no aspecto da cidade, mas ao mesmo tempo, seria importante preservar um bem que

contava a história de tantas pessoas que ajudaram na construção. Acreditar desta forma teria

levado à desvalorização de templos cujos aspectos predominantes, considerados de pouco ou

nenhum valor artístico, fossem capazes apenas de remeter ao passado, reforçando a angústia

naqueles que se incomodavam profundamente com o descompasso entre suas expectativas de

desenvolvimento e a realidade efetivamente compartilhada.393 “As igrejas antigas de Minas

nada têm de estilo barroco e muitas vezes são rústicas, mas fazem parte da paisagem mineira e

são documentos da história do povoamento.”394 Ao mesmo tempo “as perspectivas abertas à

arquitetura pelo concreto armado não deveriam ser desprezadas em favor de um apego

exagerado à tradição”.395 Percebe-se aqui que nem toda a população era a favor da demolição

da antiga igreja, mas ao mesmo tempo, também não se opinavam e nem faziam por onde para

que a obra tomasse outro rumo, ao contrário do que ocorreu em Ferros-MG, onde a população

opinou, criou grupos de campanha e realizaram um plebiscito, teve a influência de escritores e

jornais do Estado de Minas Gerais. É notado uma insatisfação da população diante da

demolição, mas não se encontra nenhuma outra manifestação, além do jornal, para impedir tal

ato, o que se vê é apenas uma reclama sobre a situação.

A Semana Santa seria celebrada no local onde ficava a igreja matriz como forma

de sensibilização da população sobre a construção da nova matriz, e muitas pessoas do

Conselho Paroquial era contra transferir as celebrações para o Centro Social, porque as

pessoas poderiam se acomodar e não ajudar nas campanhas para a construção396 e para que os

ânimos da população não ficassem junto aos escombros da demolição. Foram usados os mais

391 Diário do Oeste, 06 de agosto de 1981. 392 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião, vol.02, p.82v. 393 SILVEIRA, 2002, p.19. 394 AUGUSTO... Ultima hora. p.3, 14/03/1961 apud SILVEIRA, 2002, P.153. 395 SILVEIRA, 2002, p.48. 396 Livro de Ata Conselho Paroquial 02, p.40v. 20/03/1982.

137

diversos meios para angariar fundos: foram sugeridos livros de ouro e prata, como fonte de

recursos, cartas para os comércios, contatos com as fábricas de calçados, doações de lotes

pelo Sr. Fausto Pinto da Fonseca, e mais ainda as festas nas comunidades, promoção do

carnaval, festa de são Sebastião e o recolhimento do centésimo, que era ainda uma

dificuldade. Como aconteceu no caso de Sant’Ana de Ferros, em Nova Serrana a demolição

da igreja velha causou um profundo desgosto na população, principalmente nos mais antigos

do local. 397 Para agravar o quadro de desolação e amargura dos antigos, mais tarde os restos

mortais do velho cemitério, localizado bem próximo à Matriz, também foram transferidos

para o cemitério novo.

A construção começou em 1981 e foi concluída em 1987, procurou-se construir

uma igreja grande, de custo menor e com estilo moderno. “A arquitetura dos novos templos e

daqueles a serem reformados deveria atender dois objetivos básicos e precisos: ser funcional

para a celebração litúrgica e facilitar a participação dos fiéis.”398 A nova igreja impressionava

pela arquitetura e dimensões. As paredes em concreto armado criavam uma harmonia através

de suas formas geométricas e que deixavam grandes aberturas para as janelas

complementarem; o adro constituído de rampas composta das letras alfa, delta e ômega e uma

grande área dá vistas para o leste que recebe o sol ao nascer levando a luz até o altar; a

assembléia com um vão muito grande impressiona os novos engenheiros, e constitui um

espaço para mil pessoas sentadas como queriam os primeiros idealizadores; o presbitério

ladeado por painéis em argila descreve as cenas bíblicas e do dia-a-dia da cidade, traz consigo

a mesa da Palavra e Eucarística, em mármore branco com os pés em forma de botas

representando todo trabalho calçadista existente na paróquia; o batistério original não durou

muito tempo, composto de uma gruta em pedras, trazia a imagem de São João Batista, em

madeira e com uma concha na mão, por onde passava uma mangueira que levava água benta

até a concha e sumia no próprio solo; a sacristia à direita e uma sala para confissões à

esquerda compõem o conjunto do presbitério; o coro da igreja antiga desapareceu; a cruz que

é um dos mais antigos símbolos, mesmo antes de Cristo já era representada399, localizada logo

acima do sacrário, toda em argila compondo o painel, ao pé o sacrário em forma de

ostensório, ladeado por dois anjos que levam nas mãos turíbulos com incenso, e o Espírito

Santo representado em forma de pomba traz no bico a luz em forma de chama que se mantém

acesa constantemente. A nova igreja não traz consigo um grande número de imagens. De

397 SILVEIRA, 2002, p.106. 398 MACHADO, 2001, p.25. 399 MACHADO, 2001, p.42.

138

acordo com a Sacrosanctum Concilium e a Instrução Geral sobre o Missal Romano, “deve-se

manter o costume de propor nas igrejas imagens sagradas à veneração dos fiéis, mas em

pequeno número e corretamente dispostas, para não induzir os fiéis em erro, nem causar

estranheza ao povo cristão”,400 Foram colocado uma imagem do padroeiro São Sebastião e

outra de São Crispim e Crispiniano ladeando a entrada principal. Mais tarde a imagem de São

Sebastião foi levada para o fundo ao lado do presbitério.

FOTO 24 – Vista frontal da Igreja Matriz de São Sebastião – Nova Serrana, 1982. – Foto: Arquivo Paroquial

400 Sacrosanctum Concilium, Nº125.

139

FOTO 25 – Vista frontal posterior da Igreja Matriz de São Sebastião – Nova Serrana, 1982. – Foto: Arquivo Paroquial

FOTO 26 – Vista lateral da Igreja Matriz de São Sebastião – Lateral esquerda – Local da Torre - Nova Serrana, 1982. – Foto: Arquivo Paroquial.

140

FOTO 27 – Vista frontal da Igreja Matriz de São Sebastião – Lateral esquerda – construção da Torre - Nova Serrana, 1984. – Foto: Arquivo Paroquial. – Detalhe: a torre em forma de espiral lembra os Zigurates

FOTO 28 – Vista frontal da Igreja Matriz de São Sebastião – Construção da rampa de acesso - Nova Serrana, 1987. – Foto: Arquivo Paroquial. – Detalhe: o jardim é composto pelas letras do alfabeto grego Delta (canteiro no início da rampa), Ômega (segundo canteiro) e Alfa (terceiro canteiro) e assim sucessivamente.

141

FOTO 29 – Interior Igreja Matriz de São Sebastião - Montagem do Painel (direito) – 1988 - – Foto: Arquivo Paroquial

FOTO 30 – Interior Igreja Matriz de São Sebastião – Painel esquerdo – “Criação” – Foto: Francisco de Assis – Arquivo Fotográfico Municipal - Detalhe: em primeiro plano aparece Deus ordenando a criação, na seqüência aparece o anjo expulsando Adão e Eva do Paraíso.

142

FOTO 31 – Interior Igreja Matriz de São Sebastião - Painel central - “Sacrifícios” – Foto: Francisco de Assis – Arquivo Fotográfico Municipal – Detalhes: Sacrifício de Noé (canto superior esquerdo), Sacrifício de Abraão (canto superior direito), Sacrifício de Melquisedec (canto inferior direito) Sacrifício dos dias atuais (canto inferior esquerdo) e Sacrifício da Cruz (centro) ladeado por anjos. Abaixo da cruz está o Sacrário em forma de ostensório.

FOTO 32 – Interior Igreja Matriz de São Sebastião - Painel direito – “Fábrica de Calçados” – Foto: Francisco de Assis – Arquivo Fotográfico Municipal – Detalhes: este painel retrata vários momentos da fabricação de calçado: o corte (canto superior esquerdo), o pesponto (parte superior do centro), furo dos cortes (canto superior direito), prensa (canto inferior esquerdo), lixação (canto inferior direito) e na parte central inferior estão São Crispim e Crispiniano (padroeiros dos sapateiros).

143

FOTO 33 – Interior Igreja Matriz de São Sebastião – Presbitério – Foto: Francisco de Assis – Arquivo Fotográfico Municipal

FOTO 34 – Interior Igreja Matriz de São Sebastião – Presbitério – Detalhe: pés do altar em forma de botas - – Foto: Francisco de Assis – Arquivo Fotográfico Municipal

144

FOTO 35 – Igreja Matriz de São Sebastião – Fachada – Praça José Batista de Freitas – Foto: Arquivo Paroquial.

FOTO 36 – Vista parcial da cidade – 1981 – Foto: Arquivo Fotográfico Municipal.

145

FOTO 37 – Vista parcial da cidade noturna – 2005 - – Foto: Francisco de Assis – Arquivo Fotográfico Municipal

As inovações diante do novo templo começavam a aparecer: nos dias 09 e 10 de

dezembro de 1983 acontecia a 1ª Festa de São Crispim e Crispiniano, padroeiros dos

sapateiros. Era a forma de valorizar o ramo de atividade da cidade e ao mesmo tempo

promover uma participação dos empresários na vida da comunidade paroquial.401 A maior

meta a ser atingida era o acabamento da construção da nova Matriz de São Sebastião. Não

havia nada parecido em toda a Diocese: “a modificação na arquitetura das igrejas acompanha

sempre a evolução da sociedade.”402 A nova matriz ganhava forma à medida que o tempo

passava e toda a comunidade participava. Padre Lauro sempre saia por todas as comunidades

rurais, mesmo as que não eram da paróquia e pedia doações de animais para os animados

leilões da festa de São Sebastião. Tudo era realmente festa, desde as farofas que eram servidas

durante os leilões, a cachaça que animava o povo e a velha sanfona que o padre tocava ao

final de tudo.

No dia 16 de dezembro de 1984, “foi doada uma imagem de São Sebastião,

esculpida em cedro, pelo casal Fausto Pinto da Fonseca e Dona Zeli, estava na comunidade de 401 Livro de Ata Conselho paroquial 02, p.49. 22/08/1983. 402 MACHADO, 2001, p.23.

146

Gamas e deveria vir para a matriz, em procissão no dia 20 de janeiro.403 A imagem em

tamanho natural, é obra de um artista de Resende Costa.”404 Os detalhes e o tamanho da

imagem são de grande qualidade. A imagem compõe o cenário moldado em argila no

presbitério, onde retrata em três painéis a cena da criação, os sacrifícios da Bíblia juntamente

com o de Jesus e no terceiro painel, a realidade da fábrica de sapato e os padroeiros Crispim e

Crispiniano, foi confeccionado pelo Padre Antonio Lisboa (Pará de Minas-MG).405 Era

necessário procurar lustres que combinavam com a arquitetura. A vida do pároco estava em

torno das variações e complementos para o novo templo, nas pastorais e movimentos, nos

doentes e nas celebrações, nas necessidades de todas as pessoas e necessidades da paróquia.

No final de 1985, começava a construção da torre da igreja matriz. O projeto foi

entregue para a engenheira Maria Regina e os lustres foram elaborados por um especialista de

Belo Horizonte.406

FOTO 38 – Construção da torre – Foto: Arquivo Paroquial

403 Livro de Tombo 02, p.89. 404 Livro de Tombo 02, p.89v. 405 Os painéis em argila colocados no presbitério, descrevem passagens bíblicas: no primeiro aparece a cena da criação do mundo por Deus e em seguida a expulsão de Adão e Eva do paraíso pelo Anjo do Senhor; no segundo aparecem os sacrifícios realizados na Bíblia, como Noé, Melquisedec, Abraão e Isaac e sacrifício da cruz; no terceiro painel aparecem pessoas da comunidade que foram fotografas e reproduzidas no painel, juntamente com as imagens de São Crispim e Crispiniano. Revista Nossa História – Patrimônio Cultural de Nova Serrana – nº001. 406 Livro de Atas Conselho Paroquial 02, p.68. 17/11/1985.

147

A paróquia recebeu uma nova visita pastoral do bispo diocesano e a igreja recém

construída lhe causou admiração pelo tamanho e pelo estilo arquitetônico moderno. Dom José

Belvino do Nascimento, novo bispo da Diocese de Divinópolis, elogiou a organização e

avanços da paróquia, os bons salários recebidos em Nova Serrana e principalmente o fato de

menores terem trabalho e seu próprio salário.

Em 1988, a nova igreja começava a ser mais funcional, principalmente pelo fato de

ter salas no subsolo, o que facilitava as reuniões da catequese e principalmente do Conselho

Paroquial.407 Mais tarde estas salas foram utilizadas pela secretaria paroquial.

O progresso na construção era visível. A igreja matriz adquiria sua forma e ganhou

acabamento, com forro branco no teto, até que no dia 25 de “junho de 1989, a cidade foi

violentamente atacada por uma chuva de granizo. A devastação fez a gente lembrar filmes

com cenas de pós-bombardeio. Não houve vítimas fatais. Graças a Deus, era domingo e as

fábricas estavam vazias. Agora, é reconstruir. Mas esse povo é forte, corajoso e trabalhador.

Tudo voltaria ao normal.” 408 E se comprovava o que foi dito por padre Lauro, um povo

capaz de se unir e ajudar uns aos outros. Viam-se funcionários da prefeitura, das fábricas e

famílias se unindo para recuperar telhados, casas e a vida, que por um instante de vinte

minutos foi devastado pela chuva. Dias depois, ainda se encontrava em buracos, feitos pela

enxurrada, blocos de gelo das pequenas pedras que se ajuntaram e se conservaram em meio a

areia. Da mesma forma que toda a cidade [...] “as reformas da igreja, dos estragos da chuva de

granizo estão indo, tendo recebido uma pequena ajuda do governo.”409 Como disse padre

Lauro, “tudo voltaria ao normal”. O que acontece sempre diante da população q eu se

empenha em campanhas e atende os apelos do vigário, como nos tempos antigos em que fazia

generosas doações para a paróquia.

No início dos anos de 1990 a cidade continuava em seu pleno crescimento. A

paróquia também crescia na proporção da cidade. Eram necessários construir uma capela no

Bairro Romeu Duarte e outra no Bairro Planalto, porque a cidade crescia nas regiões oeste e

norte da cidade. Nesta época foram instalados o relógio e os sinos na torre da igreja. O relógio

digital, que toca parte de uma música a cada quinze minutos e o sino antigo que se juntava ao

novo, fabricado em Resende Costa, passaram a marcar o ritmo da cidade em consonância com

as sirenes das fábricas de calçados.

407 Livro de Atas Conselho Paroquial 02, p.80. 17/01/1988. 408 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.97v; Livro de Atas Conselho Paroquial 02, p.91v. 16/07/1989. 409 Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.97v; Livro de Atas Conselho Paroquial 02, p.90v. 20/05/1989.

148

Padre Lauro faleceu em setembro de 1994. O cortejo que reuniu pessoas de todas

as classes sociais, políticos, familiares, congadeiros, amigos e fieis, demonstraram o quanto o

padre foi importante para a vida dos paroquianos e da cidade, como apresentado no jornal

local: “Padre Lauro vai ficar na memória dos fiéis como um homem extremamente

carismático. Foi também um grande conciliador. Não agradou a ninguém em particular, mas

agradou a todos. Um líder religioso que entendeu como poucos, o povo de Nova Serrana.”410

O ritmo do crescimento da cidade continuou, hoje são três paróquias para atender as

necessidades religiosas da população católica e continuar crescendo com o desenvolvimento

da cidade, uma vez que o seu crescimento recebeu um grande número de igrejas de diversas

denominações, seja evangélica ou protestante, mas que também cresce em grandes

proporções, mas que seria objeto para um outro estudo.

410 Jornal Correio da Serra, nº16, p.17. Setembro/ 1994

149

CONCLUSÕES

Para muitas pessoas viver em uma cidade que bate recordes de crescimento pode

ser sinônimo de status, porém, lidar diretamente com uma população que muda

constantemente, que trás consigo inúmeras idéias e problemas, nos fazem pensar nos

constantes desafios e possíveis soluções. Ao mesmo tempo em que se vê tudo por fazer e

muito por construir pode causar desânimo ou buscar espaço para a inovação, para a

criatividades e principalmente para a superação de desafios. Afinal, não estamos mais na

época do trabalho braçal e sim na época da informação, da tecnologia e novamente, da

valorização do pensar.

Propor um basta ao crescimento de Nova Serrana, para que se possa consertar e

equilibrar situações, é quase impossível. Esbarraríamos na lei, nas idéias, no movimento

interno que a cidade vive e mais ainda, na vida de sessenta mil habitantes querendo ou não já

estão embrenhados nesse movimento frenético que a cidade vive. É possível apresentar a

cidade na sua realidade e mostrar que antes não tínhamos tantas pessoas sem trabalho pelas

praças durante o dia, via-se mulheres sentadas às portas costurando sapatos enquanto

trocavam seus comentários, não se via inúmeros crimes como apontados nos jornais locais e

que a mão-de-obra era necessária de qualquer forma, qualificada ou não, agora é necessário

atender os mais diversos padrões de qualidade, sejam ecológicos, tecnológicos ou de recursos

humanos, o que exige mão-de-obra especializada.

Quando se depara com o crescimento e com as novas perspectivas, se depara

também com novos novo-serranenses ou neo-serranenses, como queiram usar o termo, que já

necessitam saber a história local, seja para satisfazer a curiosidade ou para preencher a lição

de casa que foi dada pela professora, que também não sabe a história de onde apenas trabalha.

A formação do processo histórico cultural é de responsabilidade de todos, principalmente os

que são forasteiros, porque assim se toma consciência da realidade, passa a ter condições para

ajudar nas possíveis soluções e consequentemente, ajudar a criar novas consciências que

construirão e propagarão suas histórias e seus feitos. Farão memória ou pelos menos estarão

aptos a mantê-la viva ou quem sabe, produzir o esquecimento.

A cidade de Nova Serrana foi e continua sendo construída por muitas pessoas e de

diversas localidades e idéias. Não será a igreja demolida que irá reconstruir todo o conjunto

de passado, dificuldades e superações. Não serão as discussões do passado que irá retroceder

150

o avanço desenfreado e descompromissado de seus moradores, mas ações de preservação, de

resgate e elo entre o passado e o presente. Escolas, instituições e Poder Público é que poderão

ajudar nesse processo. Ações como as das escolas que participam do Projeto “Memória dos

bairros” que resgatará a memória dos moradores vizinhos e despertará neles o gosto pelo

lugar, o compromisso e a participação na comunidade; é o arquivo fotográfico que coleciona

histórias, porque a foto em si mesma já nos conta muita coisa, mas falar de fotografia nos

remete a fatos, emoções e desejos, pode-se perceber isso no comentário do Senhor Elizeu

quando participava de um “Chá Cultural” e viu algumas fotos antigas juntamente com outras

pessoas nativas da cidade, promovido pela Biblioteca Pública Municipal “Aurélio Camilo”,

disse: “vocês me tornaram mais jovem uns sessenta anos”; foi o pedido de Dona Geni para

voltar na entrevista, porque depois que o grupo saiu da casa dela, “ela se lembrou de muitas

outras coisas e era preciso registrar, porque depois quem iria contar?”. É necessário reforçar

os Conselhos de Cultura, valorizar os artistas existentes, discutirem financiamentos e

empreendimentos culturais, promover a construção histórico-cultural e criar pessoas que

gostem e se responsabilizem, não necessariamente por Nova Serrana, mas pelo Planeta onde

vivem.

Porém, o que se vê constantemente é que ainda prevalece o papel da indústria, a

produção e o desejo de conquistar mercados, pouco ou quase nada se faz para alimentar a

cultura, a melhoria da qualidade de vida. Nas reuniões, as questões culturais ainda estão em

segundo plano, completou-se três anos de discussão sobre a criação do Centro de Memória do

Calçado, era o assunto da moda quando começava a dissertação, faz quatro anos que se

discute a criação do Centro Cultural pela Prefeitura, o Projeto Memória não havia saído do

papel quando começavam as primeiras entrevistas, bem como coletar as primeiras fotografias.

Sabemos que tudo isso não trará de volta o apito do trem da antiga Estação do Cercado, nem a

Igrejinha que mais parecia presépio, nem a jardineira que passava por tantos mata-burros até

Divinópolis, menos ainda o sapateiro que usava pregos, cacos de vidro e lamparina para

fabricar apenas dez pares de botinas por dia. Mas são essas e outras tantas lembranças que

trazem de volta a memória dos fatos e feitos do povo forte do sertão bravio. Fazer sapatos

sustenta a cidade, promove as pessoas, dá empregos e gera rendas, mas é preciso mostrar que

existe uma ligação entre as dificuldades dos primeiros fabricantes e suas famílias e o sistema

produtivo que cresce a cada dia, que trazem novas culturas e transforma o Antigo Cercado em

Nova Serrana.

151

REFERÊNCIAS

FONTES

1. CAMARA MUNICIPAL DE NOVA SERRANA. Ata de Instalação do Posto do

Correio de Nova Serrana – 08 de dezembro, 1969.

2. CAMARA MUNICIPAL DE NOVA SERRANA. Livro de Atas de Posse e

transmissão de cargos.

3. CORREIO DA SERRA, Jornal. Número 16. Nova Serrana, setembro 1994.

4. DIÁRIO DO OESTE, Jornal. 06 de agosto de 1981 – Divinópolis, 1981.

5. SINDINOVA – Depto. De Cultura, 01 de julho de 2005.

6. NEWS SERRANA, Jornal. Ano 01, número 07. Nova Serrana, Dezembro, 2006.

7. NOVA SERRANA, Conselho do Patrimônio Cultural de Nova Serrana – Arquivo

documental e fotográfico. Nova Serrana, Secretaria Municipal de Educação e Cultura

– Departamento de Cultura, 2006.

8. NOVA SERRANA, Livro de Atas do Conselho Administrativo da Paróquia de São

Sebastião de Nova Serrana. Volume 01 (1992-1998)

9. NOVA SERRANA, Livro de Atas do Conselho Pastoral da Paróquia de São Sebastião

de Nova Serrana. Volume 01 (1972-1978).

10. NOVA SERRANA, Livro de Atas do Conselho Pastoral da Paróquia de São Sebastião

de Nova Serrana. Volume 02 (1978 -1992).

11. NOVA SERRANA, Livro de Tombo – Paróquia de São Sebastião de Nova Serrana.

Vol 01 (1924-1962).

12. NOVA SERRANA, Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião de Nova Serrana.

Volume 02 (1962-1995).

13. NOVA SERRANA, Plano Decenal Municipal de Educação: 2006-2016. Nova

Serrana, Secretaria Municipal de Educação e Cultura, 2006.

14. NOVA SERRANA, Prefeitura Municipal. Plano Diretor, gestão 2006-2016.

15. NOVA SERRANA. Jornal O POPULAR,.

16. NOVA SERRANA. Diagnóstico Municipal de Nova Serrana – Plano Diretor de Nova

Serrana. FUNEDI / UEMG - Divinópolis, 2007.

17. SINDINOVA – Sindicato da Intermunicipal Indústria de Calçados de Nova Serrana.

Site desenvolvido para informações do sindicato da indústria calçadista e informações

152

sobre Nova Serrana. Consultado em 30 de maio de 2006. Disponível em

www.sindinova.com.br

ENTREVISTAS

1. ALMEIDA, José Silva. Entrevista concedida à Betânia Gonçalves Figueiredo.

Conselho do Patrimônio Cultural de Nova Serrana. Nova Serrana, 2005.

2. AMARAL, Geralda Pinto do. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo

Silva, Projeto Memórias, Departamento de Cultura, 29 de outubro de 2007.

3. AMARAL, Meire. Inédito. Entrevista concedida à Reginaldo Silva. Nova Serrana,

2005.

4. AMARAL, Ulisses. Entrevista concedida à Betânia Gonçalves Figueiredo. Conselho

do Patrimônio Cultural de Nova Serrana. Nova Serrana, 2005.

5. FERREIRA, Geny José. Entrevista concedida à Betânia Gonçalves Figueiredo.

Conselho do Patrimônio Cultural de Nova Serrana. Ficha Nº0004E. Nova Serrana,

2005.

6. FIRMINO, José Pinto. Nova Serrana, 2005. Entrevista concedida a Betânia Gonçalves

Figueiredo – Dpto. História da UFMG. Projeto Centro de Memória do Calçado –

COSTA, Agostinho Sebastião da. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto

Memórias, Departamento de Cultura, 29 de outubro de 2007

7. FREITAS, Edson Batista. Entrevista concedida à Betânia Gonçalves Figueiredo.

Conselho do Patrimônio Cultural de Nova Serrana. Ficha Nº0001E. Nova Serrana,

2005.

8. FREITAS, Orlando Ferreira de. Nossa Estrada Real. Jornal NEWS SERRANA,

Pompeu, Dezembro 2006. p.06.

9. GARCIA, José Maria Scaldini. Entrevista concedida à Betânia Gonçalves Figueiredo.

Conselho do Patrimônio Cultural de Nova Serrana. Nova Serrana, 2005.

10. GUIMARAES, João. Entrevista concedida à Betânia Gonçalves Figueiredo. Conselho

do Patrimônio Cultural de Nova Serrana. Nova Serrana, 2005.

11. MARTINS, Geni Fonseca. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto Memórias,

Departamento de Cultura, 05 de outubro de 2007.

12. MARTINS, Terezinha Duarte. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto

Memórias, Departamento de Cultura, 19 de setembro de 2007.

153

13. VIANA, Benedito. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva

(exclusiva) em 30 de janeiro de 2007.

BIBLIOGRAFIA

1. ABAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo, Mestre Jou, 1962. 2ª ed.

2. ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (org.). Memória e Patrimônio: ensaios

contemporâneos. Rio de Janeiro, DP&A, 2003.

3. ABRIL CULTURAL, Coleção Caras, vídeo. Vol. Brasil Geral, 30 minutos, cor

4. ALBERIGO, Giuseppe (org.). História dos Concílios Ecumênicos. São Paulo, Paulus,

1995.

5. ALBINO, Washington. Minas do Ouro e do Barroco: as raízes históricas da cultura

mineira. Belo Horizonte, Barlavento, 2006.

6. ALMEIDA, José Silva. História do Calçado. Nova Serrana, Centro de

Desenvolvimento Empresarial, 1996. (Brochura).

7. ANDRADE, Luciana Teixeira de. A Belo Horizonte dos modernistas: representações

ambivalentes da cidade moderna. Belo Horizonte, PUC Minas, 2004.

8. ANTONIO, José. A vida santa de Padre Libério: Milagres e Orações. Leandro

Ferreira, Gráfica Sidil, 2004. 4ª ed.

9. ARANTES, Antonio A.. O espaço da diferença. Campinas, Papirus, 2000.

10. ARRUDA, Maria A. do Nascimento. Mitologia da Mineiridade. São Paulo,

Brasiliense, 1999.

11. BARCELOS, Willian Carlos Ferreira. Do Global ao Local: Reflexos do capitalismo

tardio na economia industrial calçadista de Nova Serrana (MG). 2006. Mestrando em

Educação, Cultura e Organizações Sociais – Área de Concentração: Estudos

Contemporâneos – Espaço e Sociedade – FUNEDI/UEMG, 2006, Divinópolis.

12. BHABHA, Homi K.. O local da cultura. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 1998.

13. BOOTH, Wayne C.. A arte da pesquisa. São Paulo, Martins Fontes, 2005. 2ª ed.

14. BOSI, Ecléa. O que é desenraizamento? Revista de Cultura Vozes. Petrópolis, Vozes,

ano 77, vol. LXXVII, n. 6, ago. 1983.

15. BOSI, Ecléia. Memória e Sociedade: Lembranças de velhos. São Paulo, Cia. das

Letras, 1994. 3ª ed.

16. BOSI, Ecléia. O tempo vivo da Memória: ensaios de psicologia social. São Paulo,

Ateliê Editorial, 2003.

154

17. BRANDÃO, Carlos Antonio Leite. As cidades da cidade. Belo Horizonte, Editora

UFMG, 2006.

18. BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Petrópolis, Vozes, 1989. vol.2, 3ª ed.

19. BRASIL, Câmara dos Deputados. A Diversidade Cultural. Brasília/DF, Coordenação

de Publicações, 2006.

20. BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

21. BRASIL. MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES – site desenvolvido pelo Governo

Federal para fornecer informações sobre as rodovias no Brasil. Acessado em 26 de

novembro de 2006. Disponível em http://www.transportes.gov.br/bit/trodo/br-262/gbr-

262.htm

22. BRESCIANI, Stella & NAXARA, Márcia Regina. Memória e (res) sentimento:

indagações sobre uma questão sensível. São Paulo, UNICAMP, 2004.

23. BREVE, Nelson. Agenda do desenvolvimento (artigo). Revista Carta Maior, 27 de

agosto de 2006.

24. BURITY, Joanildo A. (org.). Cultura e Identidade: perspectivas interdisciplinares. Rio

de Janeiro, DP&A, 2002.

25. CASCUDO, Luiz da Câmara. Civilização e Cultura: pesquisas e notas de etnografia

geral. São Paulo, Global, 2004.

26. CASCUDO, Luiz da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. São Paulo, Global

Editora, 2001.

27. CATÃO, Leandro Pena. A Igreja e o Estado em Portugal no Antigo Regime. Belo

Horizonte, 2006. Não Publicado.

28. CATÃO, Leandro Pena. Vastos, Ignotos e Indomados: Histórias do Sertão Oeste de

Minas Gerais nos séculos XVII-XVIII. Divinópolis, 2006. Não Publicado.

29. CEVASCO, Maria Elisa. Dez lições sobre estudos culturais. São Paulo, Boitempo

Editorial, 2003.

30. COMBLIN, José. Um novo amanhecer da Igreja? Petrópolis, Vozes, 2002.

31. CONNOR, Steven. Cultura pós-moderna: Introdução às teorias do contemporâneo.

Trad. Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo, Loyola, 2000.

32. CORGOZINHO, Batistina M. Nas linhas da modernidade: continuidade e ruptura.

Divinópolis, 2003.

155

33. CROCCO, Marco. Diretrizes para formulação de políticas de Desenvolvimento

Regional e de Ordenação de Território Brasileiro. 2004. Belo Horizonte, FACE /

CEDEPLAR-UFMG, 2004.

34. DAVIS, Natalie Zemon. Culturas do Povo: Sociedade e cultura no início da França

moderna. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1990.

35. DÉAK, Csaba. & SCHIFFER, Sueli Ramos. O processo de urbanização no Brasil. São

Paulo, EDUSP, 2004.

36. DOMINGUES, Ivan. Conhecimento e Transdisciplinaridade II: aspectos

metodológicos. Belo Horizonte, Ed.UFMG, 2005.

37. EDGAR, Andrew & SEDGWICK, Peter. Teoria Cultural de A a Z: conceitos-chave

para entender o mundo contemporâneo. Trad. Marcelo Rollemberg. São Paulo,

Contexto, 2003.

38. ELIADE, Mircea. Dicionário das Religiões. São Paulo, Martins Fontes, 1999.

39. EXERCITO BRASILEIRO – site desenvolvido pelo Exército Brasileiro destinado à

divulgação e informações sobre o mesmo. Acesso em 11 de janeiro de 2007,

disponível em htpp://200.181.6.49/01Instit/Historia/patronos/orlando.htm .

40. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo, EDUSP, 2006. 12ª Edição.

41. FAUSTO, Boris. Memória e história. São Paulo, Graal, 2005.

42. FENTRESS, J.; WICKHAM, C. Memória social. Lisboa, Teorema, 1992.

43. FERREIRA, Acylene M.C. Linguagem originária e pensamento. (p.65-85). In:

Atualidade e Ética [síntese: revista de Filosofia]. São Paulo, Loyola, 1999. vol.26, nº

84. Janeiro – Abril.

44. FRANÇA, Júnia Lessa. Manual para normalização de publicações técnico-científicas.

Belo Horizonte, UFMG, 2004. 7ª ed.

45. FRANÇA, Júnia Lessa. Manual para normalização de publicações técnico-científicas.

Belo Horizonte, UFMG, 2007. 8ª ed.

46. FREITAS, Orlando Ferreira de. & FONSECA, Maria Beatriz de Freitas. As origens de

Nova Serrana. Nova Serrana, Gráfica Sidil, 2002.

47. FRIEIRO, Eduardo. Feijão, angu e couve: ensaio sobre a comida dos mineiros. São

Paulo, EDUSP, 1982.

48. FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO – site desenvolvido para fornecer informações aos

municípios mineiros sobre as questões Imposto de Circulação de Mercadorias (ICMS)

e os devidos repasses aos municípios sobre o mesmo. Desenvolvido pela própria

Fundação, acessado em 01 de março/07. Disponível em www.fjp.mg.gov.br .

156

49. GARCÍA CANCLINI, Néstor. Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais da

globalização. Rio de Janeiro, UFRJ, 2006. 6ª ed.

50. GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da

modernidade. São Paulo, EDUSP, 2006. 4ª ed.

51. GARCÍA CANCLINI, Néstor. Revista do patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

52. GARCIA, Renato C.. FINEP – Financiadora de Estudos e Pesquisas. Relatório

Setorial Preliminar sobre calçados e Insumos. 23 de junho de 2003.

53. GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre, Artmed, 2005. 6ª ed.

54. GIFFONI, Maria Amália Correa. Reinado do Rosário de Itapecerica. São Paulo, Palas

Athena, 1989.

55. GIRAMUNDO TEATRO DE BONECOS – Site desenvolvido para divulgar as

informações, ações e agenda do grupo teatral. Desenvolvido pelo Grupo Giramundo,

acessado em 06 de novembro/2007. Disponível em www.giramundo.org .

56. GOMES, Ângela de Castro. Minas e os fundamentos do Brasil moderno. Belo

Horizonte, Ed.UFMG, 2005.

57. GRUPIONI, Luis Donisete Benzi. Indios do Brasil. São Paulo, Global Ed., 2005.

58. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva

e Guaracira Lopes Louro. Rio de Janeiro, DP&A, 2004. 9ª ed.

59. HARWEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo, Ed. Loyola, 2005.

60. HOBSBAWM, Eric J.. A era dos impérios. Trad. Sieni Maria Campos e Yolanda

Steidel de Toledo.São Paulo, Paz e Terra, 2005. 9ª ed.

61. HOBSBAWM, Eric J.. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo,

Cia. das Letras, 1995.

62. HOBSBAWM, Eric J.. Sobre história. São Paulo, Companhia das Letras, 1998.

63. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo, Cia. das Letras, 1995.

26ª ed.

64. HORKHEIMER, Max & ADORNO, Theodor W.. Dialética do esclarecimento:

fragmentos filosóficos. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro, Jorge Zahar

Ed., 1985.

65. HOUAISS, Antonio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua

Portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2001.

66. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – site desenvolvido para

fornecer informações sobre pesquisas sobre a população brasileira e sua ocupação.

157

Desenvolvido pelo próprio Instituto, acessado em 01 de março/07. Disponível em

www.ibge.gov.br .

67. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo Demográfico, 2000.

68. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. FERREIRA, Jurandyr Pires,

Presidente. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, Rio de janeiro, IBGE, 1959.

69. IEPHA-MG, site destinado às informações sobre o patrimônio histórico e cultural de

Minas Gerais. Consultado em 20 de abril de 2006. Disponível em

www.iepha.mg.gov.br

70. LACERDA JÚNIOR, Carlos Corrêa. O Pólo Calçadista de Nova Serrana (MG), sob a

ótica do conceito teórico de Cluster Formal. 2005. Mestrado em Administração e

Desenvolvimento Organizacional – Área de Concentração: Gestão Estratégica de

Negócios – CNEC/FACECA, Varginha, 2005.

71. LACERDA JÚNIOR, José Américo. Nova Serrana: um modelo ameaçado. In:

Almanaque do Seminário Santo Antonio, Betim, 1984.

72. LACERDA, Iracy Antonio. Meu Roteiro. Nova Serrana, Gráfica Juliana, 2000.

Brochura.

73. LE GOFF, Jacques. História e Memória. Trad. Bernardo Leitão. Campinas, Editora da

UNICAMP, 2003. 5ª ed.

74. LEFEBVRE, Henry. O direito à cidade. São Paulo, Centauro, 2001.

75. LEITE, Andréa Aparecida Santos. Devoção e Fé: o catolicismo popular através de

Padre Libério. 2004. Licenciatura em História – FUNEDI/UEMG, 2004, Divinópolis.

76. LESSA, Carlos. Seminário BNDES, 23 de março de 2006.

77. LIBÂNIO, João Batista. Concílio Vaticano II: os anos que se seguiram. Revista

Pastoral, número 243, julho/agosto de 2005. São Paulo, Paulus, 2005. pp.23-28.

78. LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero:a moda e seus destinos nas sociedades

modernas. MACHADO, Maria Lúcia (trad.).São Paulo, Companhia das Letras, 1989.

79. LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro, José Olympio,

2004. 8ª ed.

80. MACHADO, Regina Céli de Albuquerque. O local da celebração: arquitetura e

liturgia. São Paulo, Paulinas, 2001.

81. MAIA, Jader. NOTÍCIAS do Front. Direção: Jader Maia. Divinópolis: produção

independente, 2004. DVD, (38 min.), cor.

82. MALDONATO GONZÁLEZ, Concepción. Clave: Diccionario de uso del español

actual. Madrid, Ediciones SM, 2000.

158

83. MARTINS, Geraldo Magela. O perfume das acácias. Belo Horizonte, Casa

Cambuquira, 1997.

84. MENDES, Cândido. Pluralismo Cultural, identidade e globalização. Rio de Janeiro,

Record, 2001.

85. MINAS, Enciclopédia dos Municípios Mineiros. Vol.01. Belo Horizonte, Armazém

das Idéias, 1998.

86. MOURA, Antonio de Paiva. As Minas Gerais: Dicionário Bibliográfico. Cataguases,

Ed. Francisco Peixoto, 2000.

87. MURTA, Stella Maris. & ALBANO, Celina. Interpretar o Patrimônio: um exercício

do olhar. Belo Horizonte, Ed.UFMG, 2002.

88. MUSEU DA PESSOA – Site desenvolvido para divulgar as informações obtidas no

museu e transforma-las em um Portal de informações. Desenvolvido pelo Museu da

Pessoa, acessado em 27 de fevereiro/2007. Disponível em

www.museudapessoa.com.br .

89. PASTRO, Cláudio. Guia do Espaço Sagrado. São Paulo, Loyola, 2001. 3ª ed.

90. PAULA, João Antonio de. Raízes da modernidade em Minas Gerais. Belo Horizonte,

Autêntica, 2000.

91. PAULA, Tanya Pitanguy de. Abrindo os baús: tradições e valores das Minas e das

Gerais. Belo Horizonte, Autêntica, 1999.

92. POERNER, Arthur José. Identidade Cultural na era da globalização: Política federal

de cultura no Brasil. Rio de Janeiro, Revan, 1997.

93. PORTAL DA EDUCAÇÃO PÚBLICA DO RIO DE JANEIRO. Curso interativo de

Geografia Cibergeo – Site desenvolvido para o ensino e democratização das

informações sobre geografia. Elaborado por Hindenburgo F. Pires – professor adjunto

do Departamento de Geografia UERJ, 2004. Acessado em 26 de novembro de 2006.

Disponível em: http://www.cibergeo.org/modulo3/Modgwl3-1.htm

94. PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo, Brasiliense,

2004. 23ª ed.

95. REYNAUD, Ana Tereza Jardim. Memória e espaço. 2003. Artigo disponível em

http://br.monografias.com/trabalhos/cultura-relatos-migrantes-rio-janeiro/cultura-

relatos-migrantes-rio-janeiro2.shtml . MONOGRAFIAS: Site desenvolvido para

disponibilizar monografias, desenvolvido por Lucas Moreira, 1997. Acessado em 25

de novembro de 2006.

159

96. RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e sentido do Brasil. São Paulo,

Companhia das Letras, 1995.

97. ROCHA JÚNIOR, Aguinaldo Olímpio. NEWS SERRANA, Jornal. Ano 01, número

07. Nova Serrana, Dezembro, 2006.

98. ROMEIRO, Adriana. Dicionário Histórico das Minas Gerais: Período Colonial. Belo

Horizonte, Autêntica, 2003.

99. SANTAELLA, Lúcia. Culturas e artes do pós-humano: da cultura das mídias à

cibercultura. São Paulo, Paullus, 2003.

100. SANTOS, Boaventura de Sousa. A globalização e as ciências sociais. São Paulo,

Cortez, 2005. 3ª ed.

101. SANTOS, Delsa Honória dos. Memória dos trabalhadores da Indústria Calçadista de

Nova Serrana (1970-1990). 2005. Licenciatura em História – FUNEDI/UEMG, 2005,

Divinópolis.

102. SANTOS, Fabiana. CROCCO, Marco. SIMÕES, Rodrigo. Arranjos produtivos locais

informais: uma análise de componentes principais para Nova Serrana e Ubá – Minas

Gerais. 10º Seminário sobre a Economia Mineira, Belo Horizonte, 2002.

103. SANTOS, José Luiz dos. O que é cultura. Coleção Primeiros Passos. São Paulo,

Círculo do Livro, 1990. vol.14.

104. SEBRAE. Unidade de Estratégias e Diretrizes. Relatório do perfil setorial de calçados.

2005.

105. SETUBAL, Maria Alice. Terra Paulista: A formação do Estado de São Paulo, seus

habitantes e os usos da terra. São Paulo, Imprensa Oficial, 2004.

106. SETUBAL, Maria Alice. Terra Paulista: Manifestações artísticas e celebrações

populares no Estado de São Paulo. São Paulo, Imprensa Oficial, 2004.

107. SETUBAL, Maria Alice. Terra Paulista: Modos de vida dos paulistas: identidades,

famílias e espaços domésticos. São Paulo, Imprensa Oficial, 2004.

108. SGARBOSSA, Mario & GIOVANNINI, Luigi. Um santo para cada dia. São Paulo,

Paulus, 1996. 4ª ed.

109. SILVEIRA, Marcus Marciano Gonçalves da. Templos modernos, templos ao chão:

trajetória da arquitetura religiosa modernista no Brasil e o caso de Ferros-MG. 2002,

p.234. História, Tradição e Modernidade: Política, Cultura e Trabalho. Faculdade de

Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, Belo Horizonte, 2002.

110. SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Capitalismo e urbanização. São Paulo,

Contexto, 2004. 14ª ed.

160

111. SUZIGAN, Wilson. FURTADO, João. GARCIA, Renato. SAMPAIO, Sérgio E.K.. A

indústria de Calçados de Nova Serrana (MG). Revista Nova Economia. Belo

Horizonte, nº 15 (3) 97-116 – Setembro-dezembro, 2005.

112. TRINDADE, José da Santíssima. Visitas Pastorais de Dom Frei José da Santíssima

Trindade (1821-1825). Belo Horizonte, Centro de Estudos Históricos e Culturais.

Fundação João Pinheiro: IEPHA-MG, 1998.

113. UNESCO. Material de divulgação do sistema de tesouros humanos vivos, 142ª reunião

do Conselho Executivo. Paris, 1993. Mineorg.

114. VASCONCELOS, Diogo de. História antiga das Minas Gerais. Belo Horizonte,

Itatiaia, 1999.

115. VIER, Frei Frederico (OFM). Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e

Declarações. Petrópolis, Vozes, 1997. 26ª ed.

116. WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Trad. José Marcos

Mariani de Macedo. São Paulo, Companhia das Letras, 2004.

117. WEIL, Simone. O Enraizamento. Bauru, EDUSC, 2001.

118. WIKIPEDIA enciclopédia livre destinada a pesquisa. SÃO SEBASTIÃO (santo).

Acesso em 19 de novembro de 2006. Site disponível em http://pt.wikipedia.org

119. WILLIAMS, Raymond. Cultura. São Paulo, Ed. Paz e Terra, 2000. 2ª ed.

161

ANEXOS

Sovela – Utilizada para perfurar os cortes de couro para a costura do sapato e para

passar o cadarço.

Pé-de-ferro – utilizado para pregar o solado com pregos e estes ao serem batidos

têm as suas pontas entortadas.

162

DISSERTAÇÃO - O IMPACTO DO DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL NAS REALÇõES CULTURAIS DE NOVA SERRANA.

LINHA DE PESQUISA CULTURA E LINGUAGEMMESTRADO EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ORGANIZAÇÕES SOCIAIS - FUNED/UEMG - DIVINÓPOLIS

Orientador: PROFESSOR DOUTOR LEANDRO PENA CATÃONome: REGINALDO SILVA

Autor do Projeto Arquitetônico: DESCONHECIDO

28 de junho de 2007

FACHADA

163

ATERRO

RADIO

TORRE

W.C.

DEPOSITO

DEPOSITOGARAGEM

W.C.

ALTAR

ÁREA DESCOBERTA

ADRO

RAMPA

COZINHA

PRAÇA JOSÉ BATISTA DE FREITAS

RUA

FREI

ANS

ELM

O

R UA

21

DE

ABR

IL

SACRISTIASALA DE

CONFISSÕES

PRESBITÉRIO

NAVE CENTRAL

NAS REALÇõES CULTURAIS DE NOVA SERRANA.

LINHA DE PESQUISA CULTURA E LINGUAGEM28 de junho de 2007

DISSERTAÇÃO - O IMPACTO DO DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL

MESTRADO EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ORGANIZAÇÕES SOCIAIS - FUNED/UEMG - DIVINÓPOLIS

Orientador: PROFESSOR DOUTOR LEANDRO PENA CATÃONome: REGINALDO SILVA

Autor do Projeto Arquitetônico: DESCONHECIDO

1 5 10PLANTA - TÉRREO

A A

B

B

164

Autor do Projeto Arquitetônico: DESCONHECIDO

Nome: REGINALDO SILVAOrientador: PROFESSOR DOUTOR LEANDRO PENA CATÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ORGANIZAÇÕES SOCIAIS - FUNED/UEMG - DIVINÓPOLIS

28 de junho de 2007LINHA DE PESQUISA CULTURA E LINGUAGEM

NAS REALÇõES CULTURAIS DE NOVA SERRANA.DISSERTAÇÃO - O IMPACTO DO DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL

51 10

CORTE BB

CORTE AA

165

Autor do Projeto Arquitetônico: DESCONHECIDO

Nome: REGINALDO SILVA

MESTRADO EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ORGANIZAÇÕES SOCIAIS - FUNED/UEMG - DIVINÓPOLIS

Orientador: PROFESSOR DOUTOR LEANDRO PENA CATÃO

DISSERTAÇÃO - O IMPACTO DO DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL

28 de junho de 2007LINHA DE PESQUISA CULTURA E LINGUAGEM

NAS REALÇõES CULTURAIS DE NOVA SERRANA.

1 105

RUA

FR

EI A

NSEL

MO

PRAÇA JOSÉ BATISTA DE FREITAS

RUA

21 D

E A

BRIL

SALA SALA

SALA

ENTRADA

ATERRO

VARANDA

RECEPÇÃOSECRETARIA

SALA

GARAGEMATERRO

PLANTA SUBSOLO

166

RU

A 21

DE

ABR

IL

PRAÇA JOSÉ BATISTA DE FREITAS

RAMPA

TORRE

RUA F

REI

ANS

ELM

O

SALA SALA

W.C.

RAMPA DESCEVARANDA

W.C.

Orientador: PROFESSOR DOUTOR LEANDRO PENA CATÃO

NAS REALÇõES CULTURAIS DE NOVA SERRANA.

MESTRADO EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ORGANIZAÇÕES SOCIAIS - FUNED/UEMG - DIVINÓPOLISLINHA DE PESQUISA CULTURA E LINGUAGEM

DISSERTAÇÃO - O IMPACTO DO DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL

28 de junho de 2007

Nome: REGINALDO SILVA

Autor do Projeto Arquitetônico: DESCONHECIDO

51 10

ADRO

PLANTA 1º PAVIMENTO

167

28 de junho de 2007

DISSERTAÇÃO - O IMPACTO DO DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL

LINHA DE PESQUISA CULTURA E LINGUAGEMMESTRADO EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ORGANIZAÇÕES SOCIAIS - FUNED/UEMG - DIVINÓPOLIS

NAS REALÇõES CULTURAIS DE NOVA SERRANA.

PRAÇA JOSÉ BATISTA DE FREITAS

LAJE IMPER.

LAJE IMPER.

VARANDA

Orientador: PROFESSOR DOUTOR LEANDRO PENA CATÃOAutor do Projeto Arquitetônico: DESCONHECIDO

Nome: REGINALDO SILVA

CALHA

R UA

21

DE

ABR

IL

LAJE IMPER.

CALHA

LAJE

IMPE

R.

1 5 10

RUA

FREI

AN

SEL

MO

RAMPA DESCE

PLANTA DE COBERTURA