o homem holístico - francisco di biase (1)

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Cura Quântica como descobrir um sistema de autocura

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  • EDITORA VOZES

    I S C O D L B I J

  • Francisco Di Biase

    O H O M E M H O L I S T I C O A UNIDADE MENTE-NATUREZA

    Prefcio de Pierre Weil

    3a Edio

    EDITORA VOZES

    Petrpolis 2002

  • N s no viemos a este mundo: viemos dele, como as folhas de uma rvore. Tal como o oceano produz ondas, o universo produz pessoas. Cada indivduo uma expresso de todo o reino da natureza, uma ao singular do universo total. Raramente este fato , se que alguma vez chega a ser, sentido pela maioria dos indivduos.

    Alan Watts O Livro do Tabu

  • SUMRIO

    PREFCIO, 9

    INTRODUO, 11

    PARTE I - A NATUREZA DA CONSCINCIA, 17 O modelo cientfico de conscincia, 19 O modelo mstico de conscincia, 22 Mente e matria, 24 Seria o universo uma mente?, 27 O crebro holstico, 28 Neurologia dos estados alterados de conscincia, 35 Eletroencefalografia da meditao, 38 O campo auto-interativo da conscincia, 45 Um modelo quntico de conscincia, 50 Conscincia "pura" e meditao, 52 A conscincia hologrfica universal, 54 Conscincia e universo hologrfico, 57 O modelo hologrfico da conscincia, 61 Um modelo holstico de conscincia, 65 Um modelo multidimensional de conscincia, 68 A concepo sistmica de conscincia, 70

  • PARTE II - CAMINHOS PARA UMA MEDICINA HOLSTICA, 75

    O modelo mdico cartesiano-newtoniano, 77 O modelo psicanaltico de Freud, 80 A psicologia analtica de Jung, 84 A medicina psicossomtica, 93 O conceito de estresse, 97 Psiconeuroimunologia, 110 A psicologia transpessoal, 113 A programao neurolingstica, 119 Imunologia auto-organizadora holstica, 122 A medicina homeoptica, 127 A medicina chinesa, 130 A medicina ayurvdica hindu, 142

    PARTE III - O HOMEM HOLSTICO, 163 Valores e civilizao, 165 A revoluo cultural dos anos 60, 170 Civilizao e meio ambiente, 186 Ecologia e economia, 196 O Movimento Holstico Internacional, 201

    BIBLIOGRAFIA, 204

    APNDICE, 209 Cincia Conscincia e Espiritualidade, Informao Auto-organizao e Conscincia, 211

  • PREFCIO

    com muito prazer que atendo o pedido do Dr. Francisco Di Biase para introduzir o seu manual de conhecimento hols-tico brasileiro.

    O Dr. Di Biase atravs desse livro O Homem Holstico nos apresenta uma viso integrada da mente e do universo atravs do conceito de auto-organizao que une a mente e o universo. Chamamos recentemente este conceito de holopoiesis.

    Tudo indica que existe o que chamamos de holognsis, isto , uma natureza comum entre a nossa mente individual e essa fabulosa sistmica da mente do universo.

    Tudo indica que a natureza da inteligncia a inteligncia da natureza1.

    Assim sendo, espao, vida e conscincia parecem ser completamente inseparveis embora se apresentem aos nossos sentidos como fragmentados.

    Os dados apresentados minuciosamente por Dr. Francisco Di Biase demonstram de maneira convincente que o universo e a mente humana constituem um vasto holograma, em que o

    X. Weil, Pierre - "Axiomtica transdisciplinar para um novo paradigma holstico", in Rumo nova transdisciplinaridade: sistemas abertos de conhecimento/Pierie Weil, Ubiratan D'Ambrosio, Roberto Crema, So Paulo, Summus, 1993.

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  • sistema triunitrio de espao, vida e conscincia se encontram em todas as suas partes.

    A literatura holstica est crescendo. A presente obra de Francisco Di Biase de certo se transformar num precioso instrumento de estudo e consulta para todos os interessados.

    E este o nosso voto.

    Pierre Weil 13/01/94

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  • INTRODUO

    N a d a d o que h u m a n o me indiferente.

    Terencio

    O nascimento de minha cosmoviso holstica

    Sempre sonhei com as estrelas, com outros mundos, em conhecer os segredos da natureza e do universo, em compreen-der o sentido da vida. O primeiro "estremecimento" que me conduziu por esta senda ocorreu por volta dos 13 anos, quando convalescendo de uma hepatite, e necessitando permanecer mais ou menos 30 dias em repouso, meu pai, que mdico, filsofo e escritor, me presenteou com uma enciclopdia, e ali descobri o cosmos, a astronomia, a maravilhosa organizao da vida, e o universo subatmico. Desde ento minha existncia tem sido uma vertiginosa aventura procura de significado para a vida, o homem e o universo. H anos venho estudando, publicando artigos, realizando cursos sobre a organizao da vida, do crebro, da mente e da conscincia, sobre a ciberntica dos sistemas biolgicos, a inteligncia biolgica e artificial, a evoluo csmica, e trabalhos mais especficos da rea neuro-lgica, sempre em busca do sentido oculto por trs da imensa ordem existente em nossa mente e no universo. Minha forma-o mdica, e mais especificamente a residncia e especializa-o em neurocirurgia/neurologia, eletroencefalografia e poste-riormente tomografia computadorizada no foram capazes de saciar a sede de absoluto, a busca da verdade que sempre

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  • norteou a rainha vida. Essa busca da verdade demonstrou-me que o mtodo cientfico, cartesiano-newtoniano, lgico-mate-mtico, de procura de significado na natureza, no qual fui treinado, corresponde a uma viso parcial e fragmentada do universo, incapaz de apreender a verdadeira natureza da vida e da conscincia. Ao mesmo tempo percebi que a natureza intuitiva da arte da medicina humanstica praticada com pureza de inteno, entrega e compaixo, era to ou at mais impor-tante na apreenso do sofrimento e no tratamento de meus pa-cientes, do que o conhecimento puramente racional. Pessoas so um todo biopsicossocial dinmico, integrado com a natu-reza e o cosmo, e no somente clulas e rgos trabalhando juntos. Um todo, cuja dinmica global auto-organizadora gera propriedades novas, refletindo no microcosmo do organismo a ordem macrocsmica do organismo universal.

    Esta viso sistmica, holstica, e unificadora do homem, da conscincia e do universo, nascida em mim durante a revo-luo cultural dos anos 60, desenvolveu-se, desabrochando e suavizando minha sede de absoluto, atravs da unio entre a cincia ocidental e as filosofias orientais, na senda aberta por autores como Fritjof Capra, David Bohm, Karl Pribram, Stanis-lav Grof e Rupert Sheldrake. Hoje percebo as profundas relaes e a complementaridade destas duas formas de pensamento e interpretao da realidade. Sinto mesmo que seria incapaz de viver sem uma delas, pois cada uma satisfaz um aspecto diferente de meu ser. Por meio do conhecimento e da cincia, fluo com meu crebro esquerdo, analtico e linear, reducionista e Igico-mate-mtico, vivenciando o que Pierre Weil denomina holologia. Por meio da sabedoria da intuio, do Tai Chi Chuan e da meditao, vivencio a holopraxis, fluindo com meu crebro direito, sinttico, intuitivo, musical e pictrico, integrador e holstico. Estes dois aspectos se complementam, permitindo ao meu Ser uma percep-o mais ampla e dinmica da natureza da vida e do universo. A sabedoria escondida em vises milenares, como o Tao Chins, o Brahman hindusta, ou o Dharmakaya budista, nos conduzem a uma unio com a natureza, e com o prprio processo csmico universal que pode ser percebido como uma conscincia csmica, envolvendo todas as coisas em um fluxo contnuo de transforma-

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  • es do qual somos parte ativa. Essa dana csmica, como nos mostra Capra, possui uma significao profunda, expressa no hindusmo pelo deus danarino Shiva, smbolo dos ciclos csmi-cos, de criao e destruio, e hoje compreendida pela fsica quntica como uma dana energtica universal. Um processo dinmico e interativo, explicado pela teoria dos campos qun-ticos e pelo modelo "bootstrap" (autoconsistente) do universo.

    Percebi com o tempo que conhecimentos dispersos nas mais diversas reas cientficas revelam convergncias com os mais antigos pensamentos da humanidade, permitindo conce-ber o universo como uma mente csmica, uma memria holo-grfica universal da qual nossas conscincias so partes inte-grantes, como se atravs de ns o universo tentasse compreen-der-se a si mesmo. Acredito hoje que participamos ativamente desta conscincia csmica, que o prprio universo auto-or-ganizando-se, em um jogo infinito de interaes dinmicas, e tomando conscincia de si mesmo. Nesta aventura da conscin-cia, fluindo como um rio atravs do conhecimento e da sabe-doria da vida, e repleto de idias e intuies, vislumbro o limiar de uma nova era, que percebo emergindo e transforman-do a decadente ordem yang atual do mundo agressiva e com-petitiva, cujo paradigma cartesiano-newtoniano parece estar atingindo o seu clmax. Tal como lemos no I Ching: "o yang tendo alcanado o seu clmax, retrocede a favor do yin\ o yin tendo alcanado o seu clmax retrocede a favor do yang".

    Hoje tenho a plena compreenso de que a aplicao indis-criminada do paradigma cartesiano-newtoniano com seu dua-lismo reducionista gerou uma concepo de homem fragmen-tado e separado do universo (a fantasia da separatividade descrita por Pi erre Weil), conseqncia de termos confundido a cincia com a realidade. A compreenso desta esquizofrenia, desta ciso homem/universo, corpo/mente, crebro/conscin-cia, conduziu-me a um estudo profundo da natureza do cosmo, da vida e da conscincia, e a uma reavaliao da viso de mundo fragmentadora caracterstica de nossa civilizao oci-dental. Com a conscincia agora situada em um nvel mais elevado e abrangente da espiral do conhecimento, retomei o tempo perdido, mergulhando com o corao e mente nas pro-

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  • fundezas do vastssimo oceano das tradies espirituais, des-cobrindo suas relaes com a conscincia com o auxlio de disciplinas diversas como as neurocincias, a fsica quntica, a teoria da informao, as teorias auto-organizadoras, a teoria da complexidade e a teoria hologrfica. Este mergulho reve-lou-me que vida e conscincia so o modo que o universo desenvolveu para olhar a si mesmo, e que a cincia apenas um dos olhos possveis nesta imensa busca de significado. Intuio, meditao, estados alterados de conscincia, emoes e sentimentos so outras maneiras de olhar o universo, to ou mais importantes at do que a cincia.

    Neste livro sintetizo as bases desta cosmoviso holstica desenvolvida por mim nos ltimos vinte anos. A interpenetra-o desta nova viso de mundo com meu universo mdico-cientfco veio fortalecer o terapeuta inato (o mdico-guru de Graf Durckheimer) j existente em meu corao, confirmando que minha no-adaptao s condutas e atitudes racionalistas ridas, e desprovidas de afeto, emoo e sentimento, caracte-rsticas da formao mdica ocidental cartesiano-newtoniana, era na verdade uma profunda manifestao de humanidade e compaixo pelo meu semelhante, um reencontro com minhas fontes, com o Ser do qual na verdade nunca me afastara! Consegui conciliar minha vida pessoal e profissional com esta viso mais abrangente e sistmica, da vida, do homem e da conscincia, de uma maneira to simples e natural, que fre-qentemente me pego vivenciando as atribulaes, as doenas, o sofrimento e a misria humana do meu dia-a-dia no hospital, como um verdadeiro mergulho no Ser. A prtica diria desta terapia holstica de doao, da meditao e do Tai Chi Chuan e o desenvolvimento da ateno plena, e uma aprendizagem contnua facilitou o desenvolvimento em meu ser de uma percepo cada vez mais ampla das coincidncias significati-vas que a todo momento revelam o universo conspirando a nosso favor. Este modo natural e inclusivo de olhar o mundo, a todo instante realizando o que denomino uma Leitura Espi-ritual da realidade, constitui-se na verdade em um mtodo teraputico (no sentido mais amplo dos Terapeutas de Alexan-dria, descritos por Flon) que desenvolvi em conjunto com o psiclogo Mrio Srgio F. Rocha no livro Caminhos da Cura

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  • publicado pela Editora Vozes, na coleo Novos Terapeutas. Neste livro descrevemos aspectos cientficos relacionados ao uso da orao, da meditao, da visualizao, das metforas teraputicas e outras prticas e mtodos do que vimos denomi-nando Terapia Auto-organizadora (TAO) que trata-se, em lti-ma anlise, de uma forma de terapia holstica, orientada para o equilbrio do fluxo informacional vital que perspassa os diversos nveis auto-organizadores do cosmos (cdigo nu-clear), da vida (cdigo gentico), do crebro (cdigos neurais), e da conscincia (cdigo hologrfico). Aos leitores interessa-dos no "hard core" cientfico que fundamenta esta viso sist-mica e teraputica do cosmos, do homem e da conscincia, remeto ao apndice final includo nesta nova edio onde inclu a verso em portugus de nosso trabalho Information Self-Or-ganization and Consciousness - Towards a Holoinformational Theory of Consciousness, publicado na revista europia World Futures - The Journal of General Evolution, 1999, vol. 53, p. 309-327, e na revista americana The Noetic Journal, 1999,vol. 2 n. 3. Este trabalho est sendo pu- blicado tambm pela Noetic Press, nos USA, como parte do livro Science and the Primacy of Consciousness - Intimation ofa2V Century Revolution, que tem como co-autores Stanislav Grof, psiquiatra, um dos pais da Psicologia Transpessoal, Karl Pribram, neurocientista, cria-dor da teoria holonmica do funcionamento cerebral, Rupert Sheldrake, bilogo, criador da teoria dos campos morfogen-ticos, e os fsicos qunticos Henry Stapp, Fred A. Wolf, Amit Goswami, e Richard Amoroso, entre outros.

    A profunda necessidade de participar e contribuir de forma ativa na criao desta nova cultura emergente que vem minando o stablishment em todos os campos motivou-me a organizar este livro, resultante de idias, leituras, reflexes e opinies que no conjunto compem uma viso holstica e auto-organizadora da vida, do homem, da conscincia e do cosmos. Compusemos estas reflexes holsticas em uma seqncia de conhecimentos fsicos, cibernticos, biolgicos, neurolgicos, psicolgicos e sociolgicos, com alguns aspectos relacionados meditao, medicina holstica, capacidade de autocura, ao conceito de stress, psicologia transpessoal, ecologia e poltica. Aque-

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  • les que no se interessarem por algum dos assuntos abordados podem saltar a seqncia estabelecida e ler os captulos sepa-radamente, sem prejuzo para sua compreenso. A prpria estrutura holstica do livro acabou por revelar um contexto geral de certo modo hologrfico, sendo possvel aos iniciados perceber o todo em cada uma de suas partes.

    A vastido dos temas abordados, o contexto mdico-cient-fico, a responsabilidade intelectual, e os preconceitos que ainda hoje existem, acerca de muitos dos temas aqui abordados, deixa-ram-me durante muitos anos hesitante em divulg-los. Mas, os tempos so chegados, e uma nova ordem vem desabrochando lentamente do caos circundante, iluminando nossos caminhos.

    Espero que o prazer e o sentimento de busca da verdade que me proporcionou a elaborao deste livro seja capaz de envolver o leitor em busca de sabedoria, de expanso da conscincia, e de um "caminho com corao".

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  • PARTE I

    A NATUREZA DA CONSCINCIA

    N a d a move o m u n d o seno a prpr ia mente. Sutra Hindu

    A matr ia de que o m u n d o fei to matr ia menta l . Sir Arthur Eddington

    C o m um t o m o de m im mesmo sustento o universo. Krishna falando a Arjuna

    no Bhagavad-Gita

  • O MODELO CIENTFICO DE CONSCINCIA

    A nossa conscincia no rma l em estado de vigl ia apenas um t ipo especial de conscincia. . .

    Williom James pai da Psicologia americana

    O estudo da interao crebro-conscincia fundamenta-se em duas linhas de pensamento tradicionalmente divergentes. Para a primeira, a matria primordial, e a conscincia resul-tante dos processos neurobiolgicos. Neste modelo a conscin-cia se manifesta atravs de padres energtico-materiais com-plexos, em estruturas auto-organizadoras como o crebro. Essa abordagem reflete a concepo cientfica, ocidental, nascida na Renascena, e desenvolvida segundo o paradigma cartesia-no-newtoniano. E um modelo dualista (divide o homem em corpo e mente), reducionista (reduz o funcionamento do uni-verso e do homem s interaes atmico-moleculares), e me-canicista (concebe o universo como um imenso e complexo mecanismo de relgio). Neste enfoque, a conscincia emergi-ria como um epifenmeno dos processos neurofisiolgicos. A expresso mxima desta concepo cientfica de conscincia pode ser vista no seguinte trecho do livro L'homme neuronal, de Jean-Pierre Changeux, neurobilogo do Instituto Pasteur e professor do Collge de France: "As operaes sobre os objetos mentais e sobretudo seus resultados sero 'percebidas' por um sistema de supervisionamento constitudo por neurnios muito divergentes, como os do tronco cerebral, e de suas reentradas. Esses encadeamentos e embutimentos (emboitements), essas

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  • 'teias de aranha', esse sistema de regulaes, funcionaro como um todo. Devemos dizer que a conscincia 'emerge' de tudo isso? Sim, se tomarmos a palavra 'emergir' ao p da letra, como quando dizemos que o iceberg emerge da gua. Mas suficiente para ns dizermos que a conscincia esse sistema de regulaes em funcionamento. O homem no tem, conse-qentemente, mais nada a fazer do 'Esprito', lhe basta ser um Homem Neuronal" (p. 211).

    A aplicao indiscriminada do paradigma cartesiano-new-toniano foi responsvel pela dicotomia, caracterstica da cul-tura ocidental, que separou artificialmente a conscincia e o homem da natureza e do cosmo, ocasionando toda a tragdia ecossistmica e a violncia do mundo de hoje. A cincia, tal como praticada hoje, desta forma dualista, reducionista e mecanicista no tem como lidar com experincias vivenciais, nem com valores, tica, ou tudo que se refira qualidade. Lang expressou brilhantemente esta crtica em seu dilogo com Capra e Stan Grof na conferncia de Saragoa: "essa situao provm de algo que ocorreu na conscincia europia na poca de Galileu e Giordano Bruno. Esses dois homens so eptomes de dois paradigmas: Bruno, torturado e queimado na fogueira por afirmar que havia um nmero infinito de mundos, e Galileu, dizendo que o mtodo cientfico consistia em estudar este mundo como se nele no houvesse conscincia ou criaturas vivas. Galileu chegou a afirmar que somente os fenmenos quantificveis eram admitidos no domnio da cincia. Ele disse 'aquilo que no pode ser medido e quantificado no cientfi-co'; e na cincia ps-galilaica isso passou a significar: 'O que no pode ser quantificado no real'. Este foi o mais profundo coirompimento da concepo grega da natureza como physis, que algo vivo, sempre em transformao e no divorciado de ns. O programa de Galileu nos oferece um mundo morto, desvinculado da viso, da audio, do paladar, do tato e do olfato - e junto com isso se relegou a sensibilidade e a esttica, os valores, a qualidade, a alma, a conscincia, o esprito. A experincia em si foi lanada para fora do discurso cientfico. E certo que nada modificou tanto o nosso mundo nos ltimos

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  • quatrocentos anos quanto o audacioso programa de Galileu. Tivemos de destruir o mundo em teoria, antes que pudssemos destru-lo na prtica."

    As neurocincias demonstram uma relao bastante ntima entre conscincia e funcionamento cerebral. Processos fisiol-gicos e patolgicos como o sono, a meditao, traumas, tumo-res, infeces etc., so capazes de alterar o estado normal de conscincia. Tais fatos, no entanto, no provam necessariamen-te que a conscincia um produto do crebro. "Seria o mesmo que dizer que o programa de televiso gerado dentro do apare-lho", afirma Wilder Penfield, que por meio de estimulaes eltricas durante neurocirurgias com pacientes despertos ma-peou todo o crtex cerebral, e levantou dvidas quanto possibilidade da conscincia ser um produto do crebro. Grof nos lembra que imaginar a inteligncia humana com todos os seus refinamentos matemticos, artsticos, religiosos, ticos e cientficos, uma conseqncia da evoluo de processos ran-dmicos nascidos das profundezas do oceano primitivo, j foi comparado possibilidade de um ciclone, soprando atravs de um ferro-velho, produzir, por acidente, um Jumbo 747.

    A imagem do universo criada pela cincia tem sido con-fundida geralmente com a realidade em si, quando na verdade ela somente um conjunto de observaes que nos permitem mostrar um quadro aproximado da realidade. A cincia somente uma pequenina janela atravs da qual olhamos a vastido do universo sempre de uma perspectiva limitada e incompleta. Vida e conscincia so o modo que o universo desenvolveu para olhar a si mesmo. A cincia apenas um dos olhos possveis nesta imensa busca de significado. Intuio, meditao, estados alterados de conscincia, emoes, senti-mentos so outras maneiras de olhar o universo, to ou mais importantes at do que a cincia.

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  • O MODELO MSTICO DE CONSCINCIA

    A outra abordagem sobre as interaes crebro-conscin-cia de carter espiritual e filosfico. Nesta concepo a conscincia considerada a realidade primordial, a essncia do universo, e o fundamento de todo ser. Todas as formas de matria e todos os seres vivos seriam manifestaes involudas dessa conscincia pura, hierarquizados na chamada Grande Ca-deia do Ser. uma viso baseada na apreenso da realidade por modos holsticos de percepo e cognio, tais como a intuio, a meditao, e outros estados alterados de conscincia.

    As prticas yogues das filosofias orientais demonstram que a conscincia normal em viglia apenas um dos muitos estados possveis de conscincia. Segundo estas tradies espiri-tuais, dependendo de suas funes e natureza, a conscincia centralizada em centros corporais denominados chakras, que so receptores energticos, que transformam e distribuem, "como as ptalas de um ltus", as foras que fluem atravs deles.

    O lama Anagarika Govinda referindo-se concepo bu-dista tibetana de conscincia descreve assim a doutrina das cinco camadas ou bainhas (Kosa) da conscincia humana: "... se cristalizam numa sempre crescente densidade do nosso ser, em volta do seu centro mais profundo. De acordo com a psicologia budista, este centro o ponto incomensurvel de relao sobre o qual todas as nossas foras interiores conver-gem, mas o mesmo vazio de qualificaes e alm de todas as definies. A mais densa e a mais externa dessas camadas a do corpo fsico, desenvolvida atravs da nutrio (anna-maya-Kosa)\ a seguinte a camada material fina sutil (prna-maya-Kosa), consistindo de prna, sustentada e nutrida pela respira-o, e penetrando o corpo fsico. Podemos tambm cham-la de prnica ou coipo etreo. A camada seguinte, mais fina, a

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  • do nosso corpo pensante (mano-maya-Kosa), nossa "persona-lidade", formada atravs do pensamento ativo. A quarta cama-da o corpo da nossa conscincia potencial (vijnana-maya-Kosa), que se estende muito alm do nosso pensamento ativo pela incluso da totalidade das nossas capacidades espirituais. A ltima camada e a mais fina, que previamente penetrou todas as anteriores, o corpo da mais alta conscincia universal, nutrido e mantido pela alegria do xtase (ananda-maya-Kosa). S experimentada no estado de iluminao, ou nos mais altos estados de meditao (dhyna). Corresponde, na terminologia do Mahyana ao "Corpo da Inspirao" ou "Corpo da Bem-Aven-turana": o Sambhoga-Kya. Estas "bainhas" no so, portan-to, camadas separadas, que sucessivamente, uma aps outra, se cristalizam em volta de um ncleo slido, porm mais precisa-mente uma natureza de formas de energia, mutuamente pene-trantes, desde a mais fina "toda radiante", onipenetrante, cons-cincia luminosa, at, em sentido descendente, a forma mais densa de "conscincia materializada", que se manifesta ou nos aparece como nosso corpo fsico visvel. Analogamente, as camadas mais finas ou sutis penetram, e assim incorporam as "mais grosseiras".

    Algumas concepes fsicas modernas identificam a cons-cincia pura transcendental mais profunda e universal, com o campo quntico universal, o oceano de energia que preenche o espao vazio do universo. Uma dimenso oculta, qual no teramos acesso com nossa conscincia tridimensional (cf. mais adiante a ordem implcita de Bohm). Para o sbio oriental Maharishi Maheshi Yogi, esta conscincia pura, ou transcen-dental, o campo unificado da fsica moderna.

    Como veremos no decorrer deste livro, os modelos ocidental e oriental se inteipenetram em uma viso ampla e complementar que engloba a vida, o homem, a conscincia e o universo em uma unidade psicofsica dinmica e auto-organizadora.

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  • MENTE E MATRIA

    Veri f icamos que o n d e a c inc ia progrediu mais, a mente apenas recuperou da natureza aqui lo que nela colocara. Descobrimos uma pegada estranha nas praias do desconhecido. Cr iamos teorias profundas, uma atrs da outra, para esclarecer sua or igem. Con -seguimos, por f im, reconstru i r criatura que fez a pegada. E ve-jam! E a nossa p e g a d a !

    Sir Arthur Eddington astrnomo ingls

    Werner Heisenberg desencadeou uma mudana de para-digma na histria do conhecimento ao demonstrar que a cons-cincia humana desempenha um papel fundamental nos expe-rimentos atmicos, determinando as propriedades dos fenme-nos durante o processo de observao. Esta concepo, com-provada e formalizada no clebre Princpio da Incerteza, lhe proporcionou o Prmio Nobel de Fsica. Capra sintetiza assim este fenmeno: "A caracterstica fundamental da teoria qun-tica que o observador imprescindvel no s para que as propriedades de um fenmeno atmico sejam observadas, mas tambm para ocasionar essas propriedades. Minha deciso cons-ciente acerca de como observar, digamos um eltron, determi-nar, em certa medida, as propriedades do eltron. Se formulo uma pergunta sobre a partcula, ele me d uma resposta sobre a partcula; se fao uma pergunta sobre a onda, ele me d uma resposta sobre a onda. O eltron no possui propriedades objetivas independentes da minha mente. Na fsica atmica,

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  • no pode mais ser mantida a ntida diviso cartesiana entre matria e mente, entre o observado e o observador. Nunca podemos falar da natureza sem, ao mesmo tempo, falarmos sobre ns mesmos". Sustenta ele que na teoria quntica os modelos da realidade material so reflexos de modelos men-tais, elaborados por meio da capacidade essencial da mente de reconhecer ordem no universo.

    A teoria da ordem implcita e do holomovimento de David Bohm, como veremos adiante, considera a conscincia e a matria como interdependentes, mas no ligadas causalmente. Seriam manifestaes de uma realidade implcita oculta, dife-rente tanto da matria quanto da conscincia.

    O importante a ser considerado no modelo quntico a compreenso de que o pensamento pode modificar a intensi-dade da "funo de onda quntica" que uma onda capaz de viajar mais rpido do que a luz. Eugene Wigner, Prmio Nobel de Fsica, escreveu: "a impresso que se ganha numa interao, tambm denominada resultado de uma observao, modifica a funo de onda do sistema. Alm disto, a funo de onda mo-dificada , em geral, imprevisvel antes que a impresso obtida em decorrncia da interao penetre em nossa conscincia: a entrada de uma impresso em nossa conscincia que altera a funo de onda, porque ela modifica nossa avaliao das probabilidades para diferentes impresses que esperamos re-ceber no futuro. nesse ponto que a conscincia, inevitvel e inalteravelmente, entra na teoria". Quando ocorre um salto quntico (tambm denominado colapso da funo de onda) um objeto desaparece de sua posio original, sem percorrer o espao reaparecendo instantaneamente em outra posio. A conscincia realiza tambm neste momento um salto quntico, pois tornamo-nos conscientes da nova posio do objeto no instante mesmo em que ocorre o salto. Quando intumos ou conhecemos algo subitamente num insight ou num processo de iluminao mstica realizamos um salto quntico da conscin-cia, mudando a prpria estrutura do universo. A conexo entre pensamento e realidade estruturada de tal forma que o uni-verso fsico no existe sem os nossos pensamentos. Illya Pri-

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  • gogine tambm afirma que "seja o que for que chamemos realidade, ela s nos revelada atravs de uma construo ativa da qual participamos".

    Em um dos modelos da fsica quntica o universo con-cebido como um continuum de universos individuais que con-figuram todas as realidades possveis, as quais esto constan-temente gerando e afetando todas as outras realidades alm do tempo comum. Nosso tempo e universo comum so o caminho de menor ao possvel, segundo Feynman. Neste universo, a vontade estaria limitada ao continuum espao-temporal, no ultrapassando suas fronteiras. No entanto, como sustentam Toben e Wolf: "a essncia do princpio quntico 'querer alguma coisa modifica a coisa que voc quer'; voc no pode querer flutuar no ar e ser bem sucedido; no entanto, voc pode amar o ato de flutuar e estar ciente da beleza e da harmonia desse ato, e um dia, talvez, a camada de universo em que voc est flutuando ir ligar-se sua percepo, e ento voc levi-tar! Basta permitir que a conscincia universal o encontre. Permita conscincia unir-se a voc, e algum dia no parare-mos de sorrir... quando caminharmos, flutuaremos... e a luz jorrar de nossos olhos..."

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  • SERIA O UNIVERSO UMA MENTE?

    O Universo comea a se parecer mais c o m u m a g rande mente, d o que c o m u m a g rande mqu ina .

    S/r James Jeans astrnomo

    No somos diferentes da estrutura do universo. Nossas clulas e nosso crebro so feitos de matria estelar. Constitu-mos com o cosmo uma imensa unidade psicofsica, e no uma dualidade homem-universo ou mente-universo. Os padres do crebro humano so parte ativa e integrante de uma rede auto-organizadora universal, uma mente ou conscincia cs-mica que a tudo abrange. Somos o universo que se auto-orga-nizou e tomou conscincia de si prprio, e se olha atravs de nossos olhos, tentando se compreender, num fantstico jogo ("lila") de interaes csmicas. Crebro e universo, microcos-mo e macrocosmo so duas faces de uma mesma realidade, inextricavelmente interconectados. A existncia de conexes qunticas no-locais, permitindo comunicao instantnea com todo o universo, nos transforma em parceiros dos proces-sos da natureza. Como sustenta Wheeler, "num certo sentido um tanto estranho, este um universo participativo". A expe-rincia da existncia neste universo participativo pode ser entendida como um reflexo da conscincia universal, como veremos mais adiante, quando falarmos sobre o conceito de mente hologrfica universal.

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  • O CREBRO HOLSTICO

    O contedo informacional do crebro humano

    A complexidade do contedo informacional do crebro humano praticamente infinita, possuindo aproximadamente 100 bilhes de clulas denominadas neurnios que podem fazer contatos (sinapses) em mdia com mil a dez mil outros neurnios. Se, como nos computadores, uma sinapse s pudes-se processar respostas sim ou no (on/off), o que no a realidade, e considerssemos somente mil, o numero mximo de contatos possveis para cada neurnio, o numero mximo de respostas, ou unidades de informao (bits ) possveis, seria 10" x 103 = IO14, isto , 10 quatrilhes de bits. O nmero de estados mentais sim/no possveis seria ento igual a 2 elevado a IO14, ou seja, 2 multiplicado por ele mesmo 10 quatrilhes de vezes. Um nmero fantstico, maior do que o nmero de tomos do universo! Acrescente-se a isso a existncia de mi-crocircuitos neurais de transmisso de informao analgica e hologrfica, e teremos um nmero muito maior ainda de res-postas possveis. E claro que nem todos os neurnios esto transmitindo informaes ao mesmo tempo, o que toma este clculo inexato, sendo apenas uma tentativa de demonstrar a capacidade, provavelmente infinita, de processamento de in-formaes do sistema nervoso.

    O crebro trino

    Os conhecimentos acerca da filognese do sistema nervoso nos demonstram que nosso crebro o resultado da superpo-sio de trs crebros em um. Segundo o neurofisiologista Paul MacLean, nosso crebro constitui a herana evolutiva de trs crebros organizados em um, conjunto a que ele denomina crebro trino: "uma notvel associao de trs tipos de cre-

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  • bro, radicalmente diferentes tanto na estrutura como na qumi-ca, e separados por incontveis geraes. Sua parte mais antiga (reptiliana) surgiu h cerca de 250 milhes de anos, na idade dos rpteis, quando estes animais iniciaram sua lenta progres-so em direo ao crebro humano... possumos uma hierarquia de trs crebros em um, uma associao de trs computadores biolgicos, cada um com seu tipo de inteligncia, seu prprio senso de espao, sua prpria memria, suas prprias funes motoras e outras". A etapa seguinte da evoluo desenvolveu no crebro dos mamferos primitivos um envoltrio (um cr-tex) sobre o crebro reptiliano. Este crtex paleomamfero corresponde em nosso crebro atual ao sistema lmbico que se relaciona s funes emocionais. Enquanto o crebro reptilia-no, segundo o neurocientista Henri Laborit, "domina funes instintivas como a demarcao do territrio, a caa, o cio e o estabelecimento de relaes sexuais, a aprendizagem estereo-tipada da descendncia, as hierarquias sociais, e a seleo dos chefes", o crebro dos mamferos primitivos, ou paleocrtex, atua por meio de sensaes emocionais relacionadas ao com-portamento de autoconservao e de preservao da espcie. Numa terceira etapa evolutiva, emerge o neocrtex ou crebro mamfero moderno, que surge na evoluo envolvendo os outros dois sendo constitudo pelos chamados hemisfrios cerebrais que so unidos por um feixe de fibras nervosas denominado corpo caloso. "Emerge tarde na evoluo e atinge seu pice no homem, onde transforma-se no crebro da leitura, da escrita e da aritm-tica. Me da inveno e pai do pensamento abstrato, controla a conservao e a criao de idias" (MacLean).

    A partir da constatao da existncia desses estgios neuro-evolutivos do sistema nervoso, cada um com suas caractersticas neuropsicolgicas e bioqumicas prprias, MacLean concluiu que em situaes de instabilidade entre esses sistemas poderiam ocorrer dificuldades de integrao entre nossos pensamentos, emoes, afetos e instintos, fenmeno por ele denominado esqui-zofisiologia. Estes desequilbrios funcionais poderiam contribuir para a emergncia de uma srie de distrbios psicossomticos, que vo desde os descontroles emocionais s disfunes neu-

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  • rovegetativas, o stress, e os vrios tipos de neurose tais como: ansiedade, depresso, histeria, sndrome do pnico, sndrome obssessivo-compulsiva, at os casos mais graves de psicoses, como a esquizofrenia e as personalidades psicopticas.

    Desconexo hemisfrica e lateralidade cerebral

    E importante, neste contexto, considerarmos aqui as expe-rincias de Sperry e Gazzaniga de desconexo neurocirrgica dos hemisfrios cerebrais, por meio da seco do corpo caloso, um conjunto de milhes de fibras nervosas com um imenso trfego de informaes unindo os dois hemisfrios. Os pacien-tes que sofreram essas cirurgias de desconexo dos hemisfrios cerebrais foram submetidos a estudos neuropsicolgicos que evidenciaram a existncia de diferenas fundamentais entre as funes do hemisfrio esquerdo, dominante em aproximada-mente 90% das pessoas, e do hemisfrio direito, dominante em aproximadamente 5% das pessoas. Essas diferenas na latera-lidade cerebral foram estudadas e sistematizadas por Sir John Eccles neurofisiologista Prmio Nobel de Medicina, no livro The Selfandlts Brain, que descreve as funes caractersticas de cada hemisfrio do seguinte modo:

    Aritmtico/como computador Geomtrico-espacial

    HEMISFERIO DOMINANTE ESQUERDO

    HEMISFRIO NO-DOMINANTE DIREITO

    Ligado conscincia Verbal Lingstico Ideacional Similaridades conceituais Analtico Fragmentador

    No ligado conscincia Quase no verbal Musical Pictrico Similaridades visuais Sinttico Holstico-imagens

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  • claro que o crebro, como um todo, funciona de uma maneira holstica, trocando informaes continuamente entre todos os seus sistemas. Isso ocorre no s entre o hemisfrio esquerdo mais analtico-racional, e o hemisfrio direito mais sinttico-intuitivo, mas tambm entre os dois hemisfrios e o sistema lmbico, mais relacionado s funes emocionais, e o crebro reptiliano relacionado s funes instintivas. Toda essa interao contnua gera um modo global, "triuno", integrado, de funcionamento, um pouco diferente do observado nos pacien-tes com desconeco dos hemisfrios. No entanto, esses resulta-dos mostram que a comunicao entre os dois hemisfrios pode, em determinadas situaes, apresentar algumas dificuldades de integrao, como por exemplo, a "autoconscincia" do he-misfrio esquerdo em oposio "inconscincia" do direito, ou a preponderncia do hemisfrio esquerdo lingiistico-anal-tico, sobre o direito intuitivo-sinttico e mais holstico.

    Sincronizao cerebral inter-hemisfrica

    Com efeito, no estado normal de viglia apresentamos um certo grau de dessincronizao eletroencefalogrfica entre os hemisfrios cerebrais, e at mesmo entre os crebros de vrios indivduos, fenmeno que se manifesta como uma falta de conscincia coletiva e de unidade psicossocial. Estudos expe-rimentais sobre sincronizao cerebral individual, interpessoal e coletiva, realizados pelo Dr. Nitamo Federico Montecucco no Cyber Holistic Research, na Itlia, e em dois monastrios indianos, entre 1990-1994, evidenciaram que em uma anlise da sincronizao inter-hemisfrica mdia de um grupo de mais de mil pacientes com doenas psicossomticas, quando com-parado sincronizao inter-hemisfrica de um grupo-contro-le, constitudo por pessoas saudveis, "elevados ndices de sin-cronizao esto significativamente correlacionados com esta-dos de sade e bem-estar, enquanto baixos ndices esto asso-ciados com estados de depresso psicofsica. Baixos ndices de sincronizao cerebral so o efeito de uma instabilidade da atividade entre os dois hemisfrios, comumente demonstrando aumento de atividade no hemisfrio esquerdo. Foi demonstra-

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  • do que os dois hemisfrios podem se comunicar mais ou menos sincronicamente de acordo com diferentes estados de cons-cincia e sade psicossomtica. Consideramos o valor da sin-cronizao como um indicador gral da comunicao e integra-o hemisfrica. A sincronizao pode ser de grande importn-cia no diagnstico de patologias neurolgicas e psicossomti-cas e pode ajudar na quantificao da integridade psicolgica, criatividade e equilbrio psicofsico".

    Em nossa prtica clnica confirmamos estes resultados atravs da realizao sistemtica de eletroencefalogramas di-gitais com mapeamento cerebral computadorizado ("brain mapping") em pacientes portadores de distrbios psicossom-ticos e neurolgicos. Nos pacientes portadores de ansiedade, depresso, transtorno de pnico, transtorno obsessivo-compul-sivo, transtornos conversivos (por exemplo crises ou paralisias histricas), e sndrome de stress, evidenciamos um grau eleva-do de dessincronizao inter-hemisfrica, no mapeamento ce-rebral, o qual melhora significativamente, aps o aprendizado da meditao. Desde os anos 70, o Dr. Herbert Benson e o psiclogo Robert K. Wallace demonstraram que a meditao melhora a sincronizao inter-hemisfrica conforme veremos no captulo seguinte. Em nossos pacientes meditantes uma maior sincronizao das ondas cerebrais se correlacionou diretamen-te com uma maior melhora da sintomatologia clnica.

    Lateralidade cerebral e paradigmas civilizatrios

    Acredito que, devido s presses de seleo cultural ocorridas durante o processo civilizatrio, a lateralizao das funes des-crita acima, caracterstica do crebro humano, foi responsvel pela emergncia de dois diferentes paradigmas civilizatrios:

    O primeiro, representado pelas civilizaes com tradies espirituais que podem ter evoludo a partir de fenmenos cul-turais, de natureza intrinsecamente holstica, desencadeados por uma pessoa ou uma minoria, tal como prope Prigogine (veja adiante, o captulo sobre sistemas auto-organizadores e estruturas dissipativas) e que se relacionam s funes mais

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  • sintticas e intuitivas do hemisfrio direito. O segundo para-digma o representado por nossa civilizao cientfico-tecno-lgica, de natureza intrinsecamente reducionista que nos lti-mos quatrocentos anos foi catalisada pelo mtodo cientfico que se fundamenta eminentemente na fragmentao e anlise do conhecimento, funes mais relacionadas ao hemisfrio esquerdo. O processo civilizatrio atual a nosso ver favoreceu os aspectos masculinos (yang), competitivos, a agressividade, a anlise e a gueixa, mais relacionados ao hemisfrio esquerdo e com isso ficaram relegados os aspectos femininos (yin) par-ticipativos, integrativos, sintticos e holsticos, mais relaciona-dos ao hemisfrio direito. A conseqncia desta esquizofrenia psico-cultural foi a separao artificial do homem da natureza, dividindo artificialmente o ser em corpo e mente, e ocasionan-do toda a agresso psicolgica, a violncia social e a tragdia ecossistmica que hoje vivenciamos.

    A unidade mente-natureza

    A compreenso da natureza holonmica (hologrfica) do funcionamento cerebral demonstrada pelo neurocientista Karl Pribram, e da estrutura quntico-hologrfica do universo de-monstrada pelo fsico David Bohm, conforme veremos mais detalhadamente nos captulos posteriores, revelou-nos que c-rebro e universo so partes de um mesmo sistema informacio-nal, holograficamente interconectados por uma dinmica quntico-informacional instantnea no-local. Os padres qunticos do crebro humano so parte ativa da rede (mente) auto-organizadora universal.

    O cosmos constitudo por matria vida e conscincia, que so atividades significativas, isto , processos quntico-infor-macionais inteligentes, ordem transmitida atravs da evoluo csmica. Este tipo de universo estruturado em um campo quntico pleno de informao (holoinformacional), e signifi-cao, um universo inteligente funcionando como uma men-te, como o astrnomo ingls Sir James Jeans j tinha observa-do: "o universo comea a se parecer cada vez mais com uma grande mente, do que com uma grande mquina". Nessa viso

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  • holoinformacional do universo, conscincia, informao e in-teligncia se confundem e podemos afirmar que a conscincia sempre esteve presente nos diversos nveis de organizao da natureza. Matria, vida e conscincia no podem ser consideradas como entidades separadas, capazes de serem analisadas em um arcabouo conceituai cartesiano fragmentador. Com efeito, de-vem ser melhor consideradas como uma unidade indivisvel, com todos os seus processos quntico-informacionais interagindo por meio de relaes no-locais (qunticas), internas, e simultanea-mente por meio de relaes externas locais (mecanicsticas). Esta viso de um "continuum" holoinformacional, de uma ordem geradora fundamental, com um fluxo quntico-informacional criador, permeando todo o cosmos, permite compreender a natu-reza bsica do universo como uma totalidade inteligente auto-or-ganizadora indivisvel, algo que podemos denominar de campo da conscincia ou conscincia universal.

    A unidade homem-universo est codificada no prprio funcionamento do cosmos (cdigo nuclear), da vida (cdigo gentico), do crebro humano (cdigo neural) e da conscincia (cdigo hologrfico).

    Para as tradies espirituais, "a verdade est dentro de ns", e "tudo que est em cima igual a tudo que est embai-xo". Para a cincia, a unidade est na prpria estrutura da mente e da natureza.

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  • NEUROLOGIA DOS ESTADOS ALTERADOS DE CONSCINCIA

    A rigidez e o dualismo da viso cientfica que nos afastou da sabedoria sistmica, holstica e no-fragmentadora do uni-verso, ocasionou conseqncias graves para a cultura e medi-cina ocidentais. Grof sustenta que esse erro epistemolgico, "a congruncia percepto-cognitiva com a viso de mundo newto-niana-cartesiana considerada essencial para a sade mental e a normalidade. Qualquer desvio marcante dessa 'percepo precisa' da realidade visto como psictico". Qualquer desvio desta "normalidade", como por exemplo um estado alterado de conscincia, considerado desordem mental!

    Neurologicamente, considera-se a existncia de trs esta-dos clssicos de conscincia: a viglia, o sono e o sonho. Nos anos 70, K. Wallace, em sua tese de doutorado, na Universidade da Califrnia, props um quarto estado, caracterstico da me-ditao profunda, o estado de "alerta em repouso" ou "cons-cincia transcendental".

    O ciclo sono-viglia

    O estado de viglia mantido pelo chamado "tnus corti-cal", um estado contnuo de estimulao eltrica difusa de todo o crtex cerebral, proporcionado pelo sistema reticular ativa-dor ascendente, situado no tronco cerebral. A estimulao do sistema reticular provoca a dessincronizao do eletroencefa-lograma ocasionando um comportamento de viglia e alerta. A diminuio da sua atividade por meio de drogas, leses trau-mticas, hemorragias ou tumores, ocasiona sonolncia, e, em graus mais acentuados, o estado de coma. Um ncleo do tronco cerebral, o ncleo da rphe, rico em serotonina, um mensageiro qumico cerebral, quando estimulado desencadeia uma inibi-

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  • o do sistema reticular ativador ascendente, provocando uma inibio cortical, com aparecimento de padres eletroencefa-logrficos caractersticos do sono. A leso dos neurnios pro-dutores de serotonina do sistema da rphe ocasiona insnia total e suprime tanto o sono quanto o sonho.

    O estado de sonho

    Nos mamferos e nos pssaros durante o sono observa-se 0 aparecimento peridico de um outro estado de funcionamen-to do sistema nervoso, to diferente do sono, quanto este da viglia, denominado sono paradoxal ou perodo dos movimen-tos oculares rpidos (sono - REM - rapid eye moviment sleep), relacionado ao sonho. Durante este estado observamos:

    1 - aumento do limiar de despertar e da atividade eltrica cerebral que se torna semelhante de viglia no animal, ou do estdio I do sono no homem. Semelhana que levou Dement e Kleitman a considerarem o sonho como uma reapario do estdio I, e no um estado diferente do sono, como prope Jouvet;

    2 - movimentos oculares rpidos; 3 - atonia muscular total demonstrada pelo desaparecimento

    de toda atividade eletromiogrfica na maioria dos msculos do corpo;

    4 - alteraes vegetativas tais como irregularidade respiratria, hipotenso arterial, ereo, etc., e endocrinas, de origem hipotlamo-hipofi sria.

    Um homem adulto sonha em mdia 100 minutos divididos em 5 perodos de 20 minutos, separados por intervalos de mais ou menos 90 minutos. O sono paradoxal, caracterstico do perodo de sonho, no suprimido pela ablao do crebro acima da ponte (situada no tronco cerebral). No entanto, a leso dos ncleos ou complexos coeruleus e subcoerideus, situados na ponte e produ-tores do mensageiro qumico noradrenalina, suprime seletiva-mente o sono paradoxal. A privao do sonho, despertando-se um animal ou homem do incio de cada perodo de sono paradoxal,

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  • desencadeia um estado de estresse no especfico que ocasiona alguns distrbios inespecficos de comportamento, e um efeito rebote de sonho ao final do perodo de privao.

    O estudo de gatos lesados na poro caudal do sistema locus coemleus e subcoeruleus, poro responsvel pela atonia muscular, demonstra episdios espetaculares de comportamen-tos onricos do tipo "alucinatrio", em que o animal parece estar caando ou se defendendo, manifestando comportamentos de raiva, agresso e defesa. Para Jouvet trata-se de uma "reprogra-mao" orgnica que ocorreria durante o estado de sonho, de caractersticas genticas, cuja finalidade seria nos reprogramar para sermos diferentes uns dos outros, em oposio cultura que tenta nos igualar. "De certa maneira, afirma ele, toda vez que sonhamos a natureza retoma a vantagem sobre a cultura". Sustenta ainda que "sob o plano eco-etolgico, sono significa ausncia de perigo", pois os animais s dormem em territrios livres de perigos, em zonas de segurana. Com efeito, neurofi-siologicamente o animal est sob uma paralisia peridica total, com ausncia de excitao do sistema de despertar, apesar de um estado elevado de atividade cerebral, o que implica em uma incapacidade total para se defender.

    Resumindo, o sonho relaciona-se com a liberao do neu-rotransmissor noradrenalina pelo locus coeruleus e subcoeru-leus, que so sistemas celulares situados no tronco cerebral, e corresponderia a uma reprogramao gentica em oposio aos "automatismos" culturais.

    O crtex frontal e o sistema lmbico, por meio do circuito de Papez, so capazes de modular a atividade do sistema reticular ativador ascendente e do sistema reticular inibidor descendente. O hipotlamo, que parte integrante do sistema lmbico e do circuito de Papez, controla as manifestaes fisiolgicas neuro-vegetativas e hormonais do organismo, relacionadas ao ciclo sono-viglia atravs do eixo hipotlamo-hipfise-glndulas su-pra-renais. Gelhorn, em 1967, sugeriu que o hipotlamo e o sis-tema reticular ativador ascendente seriam as estruturas respon-sveis pela modulao dos estados de conscincia.

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  • ELETROENCEFALOGRAFIA DA MEDITAO

    Em 1957, Das e Gastaut evidenciaram em indivduos em estado meditativo aumento da freqncia e diminuio da amplitude do ritmo alfa, e aparecimento de atividade rpida, beta, nas regies frontais. Ocorre posteriormente uma lentifi-cao do ritmo alfa para 7 Hz, freqncia teta, geralmente observada em estados de relaxamento intenso. Concomitante-mente observa-se ausncia de atividade muscular no eletromio-grama e reduo da freqncia cardaca. Gelhom postula que nos indivduos em estado de relaxamento meditativo a reduo dos impulsos sensitivos diminui a atividade do hipotlamo posterior, liberando o hipotlamo anterior, e provocando aumento da ativi-dade do sistema nervoso parassimptico e da sincronia do ele-troencefalograma. A manuteno do estado de alerta ocorreria atravs da estimulao de centros reticulares por meio de impul-sos originrios do crtex cerebral. Segundo Ananda, as alteraes eletroencefalogrficas observadas durante a meditao decorre-riam da influncia recproca entre o crtex e o sistema reticular ativador ascendente, e no somente da ativao do sistema re-ticular por estmulos aferentes externos e internos.

    Para explicar o aumento da atividade alfa lenta no crtex frontal durante a meditao, Andersen e Anderson postularam que a atividade alfa no seria gerada por um marca-passo central situado no sistema talmico difuso, como comumente aceito, mas por vrios ncleos talmicos. O aumento da ativi-dade alfa nas reas fronto-centrais decorreria do deslocamento de um marca-passo talmico dominante, de projeo occipital, onde normal a ocorrncia do ritmo alfa, para um ou outros ncleos de projeo frontal.

    Wallace em sua tese sobre o estado de conscincia trans-cendental ou "alerta em repouso" resume da seguinte maneira

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  • as alteraes fisiolgicas que ocorrem durante a meditao: "... a) o hipotlamo interage com ncleos talmicos para faci-litar ondas de freqncia alfa especficas em certas reas do crtex; b) interage com o sistema reticular ativador, para inibir certos centros neurais que agem sobre o sistema talmico difuso, e para diminuir os inputs sensrios irrelevantes sobre os ncleos talmicos; c) o hipotlamo, ou diretamente integra atividades autnomas e somticas, ou indiretamente age sobre os centros medulares atravs do sistema reticular, para produzir ou influenciar as alteraes vistas no consumo de oxignio, no dbito cardaco, na freqncia cardaca, na presso arterial, na resistncia epidrmica e na concentrao do lactato sangneo".

    Os diversos trabalhos de Banquet e colaboradores sobre a atividade eltrica cerebral durante a meditao sugerem que, como durante o estado meditativo ocorre uma elevada sincro-nizao (coerncia) do ritmo cortical, semelhante resposta recrutante difusa, dos estados epilpticos, na meditao deve ocorrer ativao dos ncleos talmicos inespecficos, e simul-taneamente bloqueio dos inputs externos e sinpticos. Banquet sustenta que a prtica regular da meditao ocasiona uma melhor integrao funcional de reas corticais e subcorticais, pois observa-se "uma melhor integrao em todos os nveis de funcionamento neural - entre funes perceptivas e ativas, entre os dois hemisfrios, e entre funes corticais e funes visuo-emocionais subcorticais". A melhoria da integrao fun-cional do crebro dependeria de trs diferentes processos de organizao cerebral: 1 - purificao de freqncia e correlao de fase que parece

    estar ligada ao hemisfrio esquerdo. 2 - difuso da sincronia s regies frontais, aparentemente

    relacionado ao hemisfrio direito. 3 - sincronizao entre centros corticais e subcorticais, prova-

    velmente ligada ao tlamo.

    Kasamatsu e Hirai estudaram os registros eletroencefalo-grficos de monges zen-budistas durante a meditao zen, exa-

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  • minando as respostas a estmulos sensoriais diversos, entre eles a medida do tempo de bloqueio do ritmo alfa a repetidas estimulaes de cliques. Evidenciaram quatro estgios de mo-dificaes eletroencefalogrficas nos mestres zen: Estgio I: aparecimento de ondas alfa (de 8-9 Hz de 70-100

    uV), a despeito do sujeito estar de olhos abertos, cerca de 24 a 50 segundos aps o incio da meditao.

    Estgio II: aumento da amplitude de ondas alfa persistentes. Estgio III: diminuio progressiva da freqncia alfa. Estgio IV: aparecimento de ritmos teta (6-7 Hz, 60-70 uV em

    surtos que se distinguem dos perodos estveis de ondas alfa grandes e lentas.

    Os resultados da reao de bloqueio do ritmo alfa aos estmulos - cliques repetidos a intervalos regulares - revelou que nos sujeitos-controles o tempo de bloqueio do ritmo alfa diminui rapidamente, mas nos mestres zen ele razoavelmente constante, concluindo que "quase no h nenhuma habituao da reao de bloqueio do ritmo alfa durante a meditao zen".

    Compararam ainda o padro eletroencefalogrfico do transe hipntico com as modificaes do EEG durante a meditao zen concluindo que o ritmo lento do transe hipntico mais seme-lhante ao padro de sonolncia, no se observando a atividade teta rtmica vista na meditao zen, durante a qual no se observa tambm perda da conscincia do mundo exterior ou interior, diferentemente do sono ou da hipnose. No estado de meditao zen, o sujeito, apesar de ser capaz de responder aos estmulos internos ou externos, no afetado por eles sendo o estmulo tratado sem envolvimento afetivo emocional.

    Um mestre zen descreveu este estado para Kasamatsu e Hirai, como "semelhante ao estado mental em que se nota cada uma das pessoas que se v na rua, mas sem curiosidade emo-cional". Estes autores denominam este estado mental, em que o nvel de excitao cortical torna-se mais lento, no alcanan-do porm um nvel to baixo quanto o do sono, de "viglia relaxada com responsividade constante".

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  • A organizao das ondas cerebrais durante a prtica do / e u e da Yoga

    Existem dois grandes grupos de alteraes eltricas evi-denciadas durante os estudos eletroencefalogrficos dos esta-dos meditativos. O primeiro grupo constitudo pelos estados alterados de conscincia que levam ao surgimento de um ritmo alfa mais sincrnico, mais abundante e de maior amplitude que com o tempo substitudo por ritmos de faixa teta, mais lentos. O segundo grupo constitudo pelos estados meditativos que levam ao aparecimento de ondas de elevada amplitude, extre-mamente rpidos, na faixa beta. Geralmente se acompanham de um estado de insensibilidade aos estmulos exteriores. Estes modos de organizao eietroencefalogrfi ca correspondem, de maneira geral, aos dois tipos de processos meditativos orientais conhecidos como zen e yoga.

    Quando estimulamos os sistemas sensoriais primrios do crebro, ocorre um perodo denominado refratrio, com dura-o de 300 a 500 milissegundos, durante o qual o sistema est em recuperao eletroqumica, no respondendo a nenhum estmulo. Para desencadear uma nova resposta, necessrio aguardar o trmino do perodo refratrio, quando o sistema se toma novamente sensvel estimulao. Pribram demonstrou que possvel manipularmos o tempo de recuperao do sistema, dependendo da rea cerebral estimulada. Se o estmu-lo for produzido na regio frontal, a recuperao muito mais rpida "funcionando o canal como sincronizador, e processan-do tudo ao mesmo tempo." Se o estmulo for desencadeado nas reas posteriores, ocorre uma diminuio da velocidade de recuperao do sistema, "mas o canal ento do tipo mltiplo e transporta muito mais informaes." Segundo Pribram, esta poderia ser a diferena neurofisiolgica entre os mtodos de meditao zen e yoga. Um se relacionaria estimulao das reas frontais, e o outro estimulao das reas posteriores do crebro. Esta uma das poucas explicaes cientficas satisfa-trias descritas na literatura. Para um maior aprofundamento, necessrio referirmo-nos aos textos espirituais.

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  • O silncio do pensamento

    Nas tradies hindu e islmica, particularmente o cnon budista, com mais de dois mil e quinhentos anos de coment-rios sobre este assunto, constatamos a existncia de dois dife-rentes grupos de tcnicas de meditao. O primeiro corres-ponde chamada Via da tranqilidade, ou da concentrao que culmina no Samadhi descrito pela yoga. O segundo correspon-de ao que se denomina a Via da viso penetrante ou da intuio espiritual, e que conduz ao Satori do zen. A postura mental do meditante nestes dois grupos profundamente diferente. No primeiro, o sujeito concentra-se em um nico ponto, ou um nico som, eliminando voluntariamente toda atividade mental, alcanando estados de relaxamento profundo com diminuio dos batimentos cardacos e do consumo de oxignio. o estado de "alerta em repouso" de Wallace. Neste grupo evidencia-se o aparecimento de ondas rpidas, de elevada amplitude, e por vezes uma ciso entre a conscincia e os estmulos exteriores, e estados de transe e de xtase inefvel e o desaparecimento da reatividade dor. No segundo grupo, em que o zen a forma mais conhecida de meditao, a postura do sujeito a de uma atitude mental lcida, no intencional, sem julgamento ou escolha. Uma posio de puro espectador, no engajado experincia que vivncia, processando-a como surge. Durante esta postura mental observa-se no eletroencefalograma um ritmo alfa de elevada amplitude com receptividade permanente aos estmulos exteriores. Pode-se desencadear vinte, trinta, quarenta estimulaes auditivas consecutivas, e mesmo na quadragsima estimulao observa-se a reao de bloqueio do ritmo alfa, como se fosse a primeira, indicadora de uma vigi-lncia permanente que no se fatiga.

    Conscincia, ordem e desordem

    A conscincia parece funcionar de modo auto-organiza-dor, transformando o caos em ordem. Sabemos, da fsica qun-tica e da termodinmica, que mesmo ao nvel macroscpico numerosos fenmenos so governados pelo aleatrio, pelo

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  • caos. Esta transformao do aleatrio em ordem se processa sem transferncia de energia, como na termodinmica das estruturas dissipativas de Prigogine em que o sistema gera uma flutuao gigante, uma amplificao natural geradora de or-dem. Neste modelo, a conscincia simplesmente utilizaria a energia presente de forma desorganizada na matria, ordenando-a e amplifcando-a. O estado normal de funcionamento do sistema nervoso exige muitas disposies aleatrias, pois o crebro uma estrutura dissipativa, um sistema auto-organizador que necessita de "rudo" para processar coerentemente, e de forma ordenada, a imensa complexidade de suas redes neurais e atmico-molecula-res. Esta imensa complexidade dos fluxos energticos cerebrais gera flutuaes sbitas e intensas, que segundo A. Katchalsky so "capazes de unir os padres dinmicos do crebro s transies da mente". As flutuaes de energia que detectamos por exemplo em um eletroencefalograma, ou em um PET scan, so processos dissipativos. Quando estas flutuaes atingem um limiar crtico suficientemente grande, desencadeiam uma reorganizao do sistema em um nvel energtico mais elevado, permitindo a emergncia de um estado alterado de conscincia. A meditao gera no crtex cerebral um estado de sincronizao, com uma elevada coerncia das ondas cerebrais na faixa teta, caracterstica de estados de relaxamento profundo. Prigogine lembra que "a reestruturao da personalidade de um indivduo pode ocorrer de forma sbita, como nos lampejos de compreenso, ou ao aprender uma nova habilidade, ou ao se apaixonar, ou a experincia de converso de So Paulo". Estas transies de fase, caractersticas dos sistemas dissipativos e que permitem a emergncia da capa-cidade de autotranscendncia no homem, ocorrem em todos os nveis de organizao do universo, desde molculas, ondas cere-brais e pessoas, at conceitos, estrelas e galxias. Segundo Prigo-gine, "demonstram uma forma sutil de realidade, uma forma que envolve leis e jogos, tempo e eternidade... Em lugar da clssica descrio do mundo como algo automtico, retornamos ao antigo padro grego: o mundo com uma obra-de-arte".

    Por meio da prtica de meditao, sustenta Ikemi, pode-mos atingir um estado de maior equilbrio homeosttico, um

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  • estado mais ordenado do funcionamento cerebral e do coipo. Portanto, atravs dos estados alterados de conscincia, o dese-quilbrio homeosttico, a "desordem", o stress, poderiam ser transformados em estados mais coerentes e mais harmoniza-dos. "Os centros auto-reguladores do encfalo seriam liberados da modulao exercida pelo crtex durante o silncio do pen-samento", o que denominado modulao zero por Pgand.

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  • O CAMPO AUTO-INTERATIVO DA CONSCINCIA

    Rendo-me crena de que meu conhec imen to uma pequena parte de um conhec imento inte-g r a d o mais a m p l o que man tm unida toda a biosfera ou a criao.

    Gregory Bateson

    Segundo a fsica moderna, o que d origem e significao matria o campo quntico subjacente a ela. Nas regies do espao, em que o campo extremamente intenso, a matria como que se "condensaria". O campo visto como um conti-nuum, presente em todo o espao, e uma partcula subatmica como uma descontinuidade na estrutura do campo. So descri-tas quatro foras fundamentais no universo, a fora fraca, a fora eletromagntica, a fora forte e a fora de gravidade, todas entendidas como campos de fora. Nos ltimos anos foram elaborados modelos matemticos que permitiram uma unificao da fora eletromagntica com a fora fraca a nveis fundamentais de funcionamento da natureza, na escala de IO"16 cm, cem vezes menores que as dimenses nucleares. A este nvel as foras fraca e eletromagntica se tornam indistingu-veis e surgem propriedades de auto-referncia (auto-interao) do campo com ele mesmo. Posteriormente a fora forte foi includa em uma teoria denominada Grande Unificao, sendo as trs foras unificadas a uma escala de IO"29cm. Finalmente, em 1974, a introduo do conceito de supersimetria permitiu a unificao dos campos ao nvel da escala da constante de Planck (IO"33 cm). a Teoria do Campo Unificado com Super-simetria e Supergravidade. A propriedade de auto-interao desencadeia a este nvel uma transio de fase na estrutura do

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  • espao-tempo, em que o espao e o tempo desaparecem dando lugar a um oceano infinitamente dinmico de energia denomi-nada "espuma" quntica, constitudo por microburacos negros e brancos interconectando todo o universo.

    Na tradio vdica hindu o estado de pura conscincia (veda) descrito como completamente auto-suficiente, auto-referente e infinitamente dinmico. Maharishi Maheshi Yogi, durante o Congresso sobre Cincia Vdica realizado em 1991 em Maastricht, na Holanda, descreveu este estado como o estado unificado do conhecedor, do conhecido e do processo de conhecimento. Segundo o fsico John Hagelin, um dos expoentes em fsica do campo unificado, esse estado de trs-em-um (samhita, na tradio vdica), similiar ao que se observa em fsica na estrutura do campo unificado. Nesta concepo, o estado de pura conscincia seria o prprio campo unificado que conteria potencialmente todas as leis da nature-za. O acesso a este nvel, por meio da meditao profunda, permitiria ao meditante o controle das leis da natureza e de todos os fenmenos descritos por nossa cincia ocidental como msticos ou paranormais (os sidhis, da tradio hindu).

    Auto-referncia, coerncia e evoluo

    As propriedades auto-referenciais e auto-interacionais, ob-servadas no campo unificado, esto tambm presentes ao nvel fisiolgico, na estrutura molecular do ADN, cujo pareamento complementar de bases nitrogenadas auto-referencial. E um mecanismo altamente conservador na preservao da integri-dade da informao gentica, e altamente estvel (coerente) em termos de estrutura atmico-molecular. Em sistemas fisiolgi-cos mais complexos, como por exemplo o sistema imunolgi-co, o sistema endcrino e o sistema nervoso, estes mesmos mecanismos auto-referenciais esto presentes, na forma de sistemas homeostticos auto-regul adores e auto-organizadores (neuroimunomodulao), os quais permitem ao organismo funcionar mantendo-se livre da desordem.

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  • Esta concepo unificada das leis da natureza, ao nvel fsico e fisiolgico, nos mostra que as qualidades de auto-inte-rao (auto-referncia) e de coerncia constituem uma carac-terstica fundamental da dinmica da evoluo csmica que surge em diversos patamares de organizao.

    Conscincia e inteligncia

    Os atributos do campo unificado e dos sistemas fisiolgi-cos, de auto-suficincia e auto-interatividade refletem uma compactao imensa, em nveis diferentes, das leis da natureza que estruturam o universo. Sistemas auto-referenciais, com a capacidade de agir sobre si mesmo, e conhecer a si mesmo de modo espontneo, so sistemas que apresentam qualidades de conscincia e inteligncia. uma concepo de conscincia, que permite atribuirmos nveis de conscincia a sistemas fsi-cos ou sistemas biolgicos simples. Descries de conscincia mineral, vegetal e animal, so relatadas durante terapias em estados transpessoais de conscincia (cf. por exemplo os rela-tos dos pacientes de Grof durante as terapias com LSD, e outros estados alterados de conscincia). Este argumento, baseado na analogia entre as qualidades do campo unificado, e do estado subjetivo de "pura" conscincia, ou "pura" inteligncia, o que Hagelin apresenta em sua teoria do campo unificado da cons-cincia. De um estado inicial de completa auto-referncia e pura inteligncia, o universo teria evoludo por meio de estru-turas auto-referenciais e altamente coerentes, como os sistemas biolgicos, at o nvel de interatividade e autoconscincia representado pelo sistema nervoso central do homem. poss-vel entendermos que a partir de um certo ponto de desenvolvi-mento estes sistemas conscientes (auto-referenciais e alta-mente coerentes) comecem a assumir vida prpria, autoprogra-mando-se por meio de seus sistemas parciais.

    Bentov, em seu livro Stalking the wildpendulum - on the mechanics of consciousness, descreve a relao entre o nmero de respostas de um sistema a um estmulo, que denomina "quantidade de conscincia", e o nvel de conscincia, ou "qualidade da conscincia", que exprime em termos de respos-

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  • ta-freqncia. Quanto mais elevada a qualidade da conscincia, maior o leque de respostas - freqncias possveis e o seu refinamento. Neste modelo, o absoluto seria a soma total, e a fonte, de todas as conscincias do universo, e todas as realida-des seriam nveis de conscincia caracterizados por limiares especficos de trocas energticas com o meio ambiente, que se situariam abaixo do absoluto. Deste modo possvel com-preendermos o espectro de realidades da natureza como um espectro de nveis de conscincia, de tal forma que um mineral ou vegetal podem ser vistos como portadores de conscincia. Nos nveis mais elevados, a interao com o meio ambiente maior, sendo possvel alcanar-se o controle das leis da natureza.

    Podemos imaginar o absoluto como um infinito e profundo oceano em que a freqncia das ondas to elevada e seu tamanho to infinitamente pequeno, que sua superfcie nos pareceria calma e invisvel. No entanto, conteria uma tremenda energia, plena de inteligncia, potencial criativo e capacidade auto-organizadora. Quando na superfcie deste oceano de "pura" conscincia surgem movimentos e vibraes (ondas) maiores e com freqncias mais baixas, a realidade fsica se torna manifesta. Assim, um quantum de eletricidade - o eltron -nada mais do que um pacote de ondas na superfcie do campo de energia - conscincia que permeia todo o universo. "O eltron, afirma Bentov, uma unidade de pura conscincia que vibra". A matria, sendo constituda por quanta de energia, seria o componente vibratrio, visvel e manifesto, da pura cons-cincia. Matria e conscincia seriam simplesmente aspectos diferentes de uma mesma realidade energtica universal.

    A conscincia implica na capacidade de manifestar inteli-gncia. Wiener afirmou que "informao informao, no matria ou energia," e que ela estaria relacionada entropia negativa. Como o notou Brillouin, este ponto de vista estende o conceito de entropia a todas as formas de inteligncia. Castaneda tambm refere-se a nveis de conscincia, como "realidades separadas", s quais seria possvel ter acesso por meio do conhecimento, tal como os brujos Don Juan e D. Genaro, descritos por ele, que possuam o conhecimento de

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  • realidades mais elevadas. O homem de conhecimento "encon-tra-se disponvel por inteiro, pronto a alcanar todo o seu ser no abismo de cada acontecimento, aceitando completamente o incompreensvel fluxo da vida", vivenciando outros padres de percepo e percorrendo outros patamares da existncia, at atingir o pleno entendimento.

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  • UM MODELO QUNTICO DE CONSCINCIA

    A mecn ica qun t i ca nos obr i -g o u a cons iderarmos c o m serie-dade , e a exp lorarmos o pon to de vista, segundo o qua l o obser-vado r to essencial c r iao d o universo, quan to o universo o c r iao d o observador.

    John Wheeler

    Estados alterados de conscincia e transies de fase

    Os estados de transcendncia, relatados pelos meditantes, desencadeiam efeitos a longo prazo, com alteraes metabli-cas e eletrofisiolgicas que poderiam estar relacionadas a um processo progressivo de reorganizao neurofisiolgica. Ke-terson sugere que conforme o indivduo progride para estados mais elevados de conscincia, estes efeitos se tornariam mais e mais pronunciados, desenvolvendo-se estilos novos de fun-cionamento neuronal. Durante este processo de desenvolvi-mento ocorreriam diferentes transies de fase, para novos estados mais elevados de conscincia.

    Em 1975, Domash desenvolveu um modelo de conscincia baseado nas propriedades fundamentais dos sistemas fsicos. Segundo este modelo, o sistema nervoso, do mesmo modo que os sistemas fsicos, passaria por processos de transies de fase. Nos sistemas fsicos o grau de ordem molecular depen-dente da temperatura. A gua, por exemplo, passa pelos estados slido, lquido e gasoso dependendo do grau de temperatura, que aumenta a energia cintica das molculas. Estados de superfluidez e supercondutividade, que ocorrem prximo ao

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  • zero absoluto (-273C), decorrem de transies de fase para estados de alto grau de ordem e coerncia. Nestes estados a capacidade de condutividade do sistema infinita, no havendo resistncia ao fluxo de eltrons. Nestes casos, a ordem quntica oculta ao nvel microscpico se manifesta ao nvel macrosc-pico. Segundo Domash, o mesmo fenmeno poderia ocorrer no crebro durante os estados de "pura" conscincia, quando observamos um elevado grau de coerncia (sincronicidade) dos ritmos eltricos cerebrais no eletroencefalograma. A medita-o seria uma espcie de tcnica de diminuio da "tempera-tura mental" do crebro, provocando uma transio de fase para um estado altamente ordenado do sistema nervoso. Domash cita diversos pesquisadores que propem a existncia destes estados qunticos macroscpicos em sistemas biolgicos: Bohr (1961) sugeriu que o grau de energia envolvido no pro-cesso de pensamento seria to pequeno que poderia ser gover-nado por efeitos qunticos. Stuart e col. (1979) descreveram modelos de memria cerebral baseados em sistemas qunticos. E.H. Walker (1970) sugeriu que na fenda sinptica poderia ocorrer o efeito de tunelamento quntico de Josephson. Wigner (1962) postula uma relao entre a funo ondulatria quntica e a conscincia humana. Domash postula como Walker que o melhor local para a atividade quntica no sistema nervoso seria a sinapse. Em 1996, Haneroff e Penrose propuseram um mo-delo de conscincia baseado na emergncia de coerncia qun-tica nos microtbulos neurais.

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  • CONSCINCIA "PURA" E MEDITAO

    Para m i m , o m u n d o assombro-so po rque es tupendo, assusta-dor, mister ioso, insondvel ; meu interesse convencer voc a to-mar cincia de que est aqui , nes-te mundo maravi lhoso, neste deserto maravi lhoso, neste tempo maravi lhoso. Q u e r o convencer voc a aprender a tornar cada ato importante e vl ido, j que vai fi-car aqui por u m curto espao de tempo. Na verdade, curto demais para conhecer todas as marav i -lhas que nele existem.

    D. Juan ( " b ru jo " yaqu i descri to po r Castaneda)

    Brian D. Josephson, fsico ingls, Prmio Nobel de Fsica, e professor da Universidade de Cambridge, em um paper intitulado "A experincia da conscincia e seu lugar na fsica", apresentado no colquio Science et Conscience, les deux lec-tures de Vunivers, define esprito como "o campo de fenme-nos da experincia consciente, sobre o qual o espao-tempo no possui quase nenhuma relao com a matria e a energia que lhe so associados". Segundo ele, "assim como uma estre-la, condensada a partir da matria interestelar, tem proprieda-des completamente diferentes daquelas do meio que lhe deu origem, da mesma forma a fsica possui poucas relaes com a fsica original do esprito e da conscincia, que deve ser explorada com a ajuda de tcnicas como a meditao". A meditao seria o modo de alcanarmos o estado de pura

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  • conscincia, livre de toda ateno e de todo estmulo exterior. Os outros estados de conscincia seriam estados autocoerentes, excitados sob a influncia de um estmulo externo. Josephson afirma que seria inverossmil postular a elaborao no sistema nervoso de caracteres especficos ligados a toda idia matem-tica possvel, e, com base nas exposies do sbio oriental Maharishi Mahesh Yogi, prope que o sistema nervoso humano possui a capacidade de atingir o estado de pura conscincia, e que todas as idias possveis poderiam emergir na mente, a partir de uma perturbao neste estado. Maharishi postula que este estado de conscincia pura ou transcendental seria o campo unificado ou campo quntico primordial, o que se coaduna com os desenvolvimentos da fsica realizados por David Bohm e por Hagelin.

    A sabedoria "akashica" da tradio hindu atribuvel pura conscincia pode ser vivenciada por meio de experincias controladas, baseadas nas tcnicas de meditao transcenden-tal (MT) e de MT-Sdhi, fundamentadas nos Yoga Sutra de Patan-jali que remontam a aproximadamente dois mil anos. Nestas tcnicas, utiliza-se a meditao para atingir o estado de conscin-cia pura, que ento perturbamos por meio da repetio mental de uma srie de palavras ou frases simplificadas por Maharishi, a partir dos sutras de Patanjali. Desta forma possvel desenca-dear-se fenmenos de ampliao das percepes e de levitao sbita {flying), durante os quais se evidencia um acentuado aumento da coerncia (sincronizao) das ondas cerebrais no eletroencefa-lograma, sugerindo um estado mais elevado de funcionamento cerebral, uma transio de fase. Em teimos qunticos, possvel imaginarmos que o tecido quntico, a "espuma quntica" for-mada por pares de microburacos negros e microburacos bran-cos, com massa positiva e negativa, incessantemente apare-cendo e desaparecendo, possa ser afetado pelos nossos pensa-mentos. Se com nossas mentes formos capazes de criar "ondula-es" neste mar de energia, alinhando as "bolhas" da espuma de tal forma que os buracos de massa negativa fiquem tempo-rariamente juntos, seremos elevados no ar, levitando!

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  • A CONSCINCIA HOLOGRAFICA UNIVERSAL

    Eu e todas as coisas no universo somos um s.

    Chuang-Tz

    O holograma: memria da natureza

    O holograma um tipo de sistema de registro ptico, em que todas as partes da imagem contm a imagem completa sob forma condensada. Se em uma placa hologrfca que projeta a imagem de um homem cortarmos a parte da placa referente cabea, esta parte da placa continuar refletindo a imagem do homem inteiro, e no somente a cabea. Se dividirmos por sua vez esta imagem, o mesmo fenmeno ocorrer, e assim suces-sivamente, demonstrando que num sistema hologrfico a parte est no todo e o todo em cada parte. Outro modo de compreen-dermos este paradoxo hologrfico, relatado por Bentov, ima-ginarmos um lago com a superfcie lisa e tranqila, no qual jogamos trs seixos simultaneamente. Ao tocarem a gua, os seixos provocaro a formao de ondas concntricas que se espalharo uniformemente, entrecruzando-se e interagindo en-tre si, criando um padro complexo denominado padro de interferncia. Se congelarmos instantaneamente a superfcie do lago, obteremos um padro impresso no gelo, que ser o registro daquele padro de interferncia, ou seja, um hologra-ma. Se dirigirmos um foco de luz coerente (em que todas as ondas tm a mesma freqncia, p. ex., um laser), para su-perfcie ondulada do gelo, iluminando-a obteremos uma ima-gem tridimensional dos trs seixos suspensos no ar. A superf-cie ondulada do gelo, ou seja, o padro de interferncia, regis-

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  • trou a informao sobre os limites e a forma dos seixos, funcionando como uma lente distorcida que focaliza a luz nos pontos elevados pelas ondas. A superfcie aparentemente ca-tica do gelo , na verdade, um fantstico sistema de estocagem de informao: o modo como a natureza estoca informaes. Este mecanismo natural de memria o mais compacto meca-nismo de armazenamento de informao da natureza, afirma Bentov. Se quebrarmos o gelo em partes menores, e iluminar-mos estas partes com a mesma luz coerente, obteremos, com todas elas, a imagem exata dos trs seixos. A realidade fsica do holograma nos demonstra que na natureza o todo est na parte, assim como a parte est no todo. Do mesmo modo, cada clula de nosso corpo possui em seu ncleo toda a informao gentica sobre todo o corpo. O essencial compreender que possvel provar, experimentalmente, que a parte tem acesso ao todo, e que o todo est presente em todas as partes do sistema.

    A mente hologrfica universal

    As implicaes do modelo hologrfico so imensas. Nesta concepo, todas as freqncias de ondas existentes no univer-so formam um padro universal de interferncia, que inclui todas as conscincias. Quando pensamos, nossos crebros emitem ondas eltricas que com seus componentes magnticos disseminam-se pelo espao velocidade da luz. Os sons e ondas eltricas produzidos por nossos coraes e nossas clu-las apresentam o mesmo comportamento. Conseqentemente, todas as ondas, de todos os seres vivos, misturam-se formando um grande padro de interferncia que espalha-se para fora de nosso planeta. O mesmo ocorre em todos os lugares do univer-so onde existam outras formas de vida e conscincia. A inter-ferncia de todos estes padres de ondas gera um imenso holograma universal que podemos perfeitamente denominar mente universal, pois contm todas as informaes existentes sobre a estrutura inteira, ou seja, sobre todo o universo, sobre tudo o que se passa, ou se passou, em todo o cosmo. Como em qualquer holograma, a informao completa est distribuda em todas as partes desta mente ou holograma universal. Isso

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  • permite a qualquer conscincia do universo o acesso ao conhe-cimento completo estocado neste holograma universal, pois cada conscincia parte desse holograma, estando a totalidade do universo contida em cada indivduo. A ressonncia de cada conscincia com esta mente universal s ocorre em estados intensificados de percepo, nos quais se aquieta o funciona-mento cerebral como ocorre, por exemplo, na meditao. O fsico David Bohm acredita ser a meditao uma forma de acesso dimenso oculta ou ordem implcita de sua teoria hologrfica do universo.

    O modelo de Bohm um modelo em que a mente apresenta uma estrutura similar do universo. O universo se manifesta por meio de pequenas ondas, vindas de uma ordem oculta, um "vazio pleno", que lhe d significao mas que incapaz de ser apreendido pelo processo de nossa conscincia tridimensional. Segundo Bohm, a nica maneira de apreender esta dimenso cessar o funcionamento da conscincia por meio da meditao, como vem sendo proposto pelas grandes tradies espirituais da humanidade, h milhares de anos.

    Bentov sustenta que somos todos partes de um imenso holograma denominado criao, em que cada mente cria a sua prpria realidade num fantstico jogo csmico. Tudo o que existe voc e o universo, unidos em uma rede csmica de interaes dinmicas em que a parte o todo. Voc e o universo constituem uma totalidade, uma unidade indissolvel. Ou seja, voc o universo! Neste contexto, afirma ele: "aforismos msticos como 'somos todos um s', 'assim na terra como no cu', 'Deus est dentro de ns', e 'o universo num gro de areia', assumem um novo significado quando vistos luz do modelo hologrfico".

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  • CONSCINCIA E UNIVERSO HOLOGRFICO

    Todas as coisas, desde o princ-p io , so em sua natureza o pr-pr io ser.

    Ashvaghosha

    A concepo do universo hologrfico de Bohm se funda-menta na existncia de uma dimenso oculta, ou ordem impl-cita, que seria a fonte de toda a matria visvel ou ordem ex-plcita. A matria e a conscincia se originariam de forma unificada nas profundezas dessa ordem implcita por meio de um movimento de recolhimento e desdobramento denominado holomovimento, diferente do modelo newtoniano de movi-mento que um deslocamento no espao ou no tempo, ou seja, uma entidade que se move de um ponto a outro. Neste modelo a existncia basicamente um holomovimento com "nuvens" de matria que se manifestariam aos sentidos e ao pensamento. Bohm resume assim sua teoria: "Deve-se considerar a ordem implcita como uma esfera alm do tempo, uma totalidade, a partir da qual cada momento projetado na ordem explcita. Para todo momento projetado na ordem explcita haver outro movimento em que esse mesmo momento ser injetado ou "introjetado" na ordem implcita. Se tivermos um grande n-mero de repeties desse processo, comearemos a elaborar um componente constante dessa srie de projees e injees. Ou seja, ficar estabelecida uma disposio fixa. O importante que, por meio de tal processo, formas passadas tenderiam a repetir-se no presente - o que lembra bastante aquilo que Sheldrake denomina campo morfogentico e ressonncia mr-fica. Acresce que esse campo no estaria situado em lugar

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  • algum. Ao regressar totalidade (ordem implcita), conside-rando-se que nem o espao nem o tempo so relevantes nesse ponto, todas as coisas de natureza semelhante devem estar interligadas ou ter ressonncia na totalidade. Quando a ordem explcita se envolve na ordem implcita que no tem localiza-o especfica, todos os tempos e espaos como que se fundem, de modo que o que acontece num lugar e o que acontece em outro se interpenetram"... "Provocamos minsculas mudanas no todo, cruciais para que essa ordem se transforme. Somos parte do movimento, no h separao entre ns e ele, somos parte da maneira com que ele se molda a si prprio." Partici-paramos ativamente por meio de nossa conscincia, portanto, do que pode ser denominado conscincia hologrfica universal. Cada clula de nosso crebro contm o universo inteiro!

    Posteriormente a teoria de Bohm sofreu novos desenvol-vimentos, vindo ele a postular a ordem superimplcita, uma dimenso ainda mais sutil da organizao do universo. Segundo este modelo, um campo de superinformao da totalidade do uni-verso organizaria o primeiro nvel, implcito, em diversas estru-turas, em ondas no vcuo, que se desdobram. Na teoria hologr-fica da ordem implcita nada organizava essa ordem, o que a tomava matematicamente linear e de difcil desdobramento. A ordem implcita uma funo ondulatria, e a ordem superimpl-cita, ou campo superior, uma funo da funo ondulatria, ou seja, uma funo superondulatria, que torna a ordem implcita no linear, organizando-a em estruturas complexas e relativamen-te estveis. Segundo Bohm, existe ummodelo fsico desenvolvido por De Broglie que prope um novo tipo de campo, cuja atividade dependente do contedo da informao que conduzido a todo o campo experimental, o qual se for estendido mecnica quntica resulta na ordem superimplcita.

    Como modelo de organizao da ordem implcita atra-vs do campo potencial de informao quntica, o modelo hologrfico colocava de lado a capacidade de auto-organi-zao da ordem implcita, crucial para a compreenso do pensamento e da mente. A ordem superimplcita supre esta necessidade, permitindo entendermos a conscincia como uma

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  • forma mais sutil de matria. A interao matria-conscincia ocorreria no interior da ordem implcita, e a conscincia estaria presente nos diversos nveis de desdobramento e recolhimento da natureza. "At uma pedra de alguma maneira viva", afirma Bohm. Vida, matria e conscincia no so entidades separadas mas um continuam envolvido em toda parte pela totalidade indivisvel do universo.

    Significao e inteligncia

    O conceito de soma-significao de Bohm enfatiza as duas faces de um processo. Nessa conceituao o processo tratado como somtico ou significativo, como no exemplo do papel que somtico como tinta impressa, mas que possui tambm significao. O crebro, por exemplo, possui processos fsico-qu-micos de natureza somtica, mas tambm elabora significados. Para Bohm, a questo essencial para compreendermos a inte-ligncia a atividade de significao, pois toda a natureza est organizada de forma significativa. O tomo, por exemplo, or-ganizado pelo campo informacional superior ou quntico que lhe d significado.

    Em um dilogo com a filsofa e escritora Rene Weber, Bohm afirma categoricamente que "atravs de nossos proces-sos cognitivos estaramos apenas imitando a natureza e am-pliando-a sob certos aspectos".

    "Seria o mesmo que dizer que a natureza pensa?", indaga Rene.

    "No exatamente", responde Bohm, "mas ela possui infor-mao ativa, como ns; pelo menos ao nvel de pensamento inconsciente existe uma semelhana".

    "A ordem superimplcita no seria um eufemismo para Deus"?, pergunta Weber.

    "Impossvel", responde Bohm, "pois no a podemos apreen-der mentalmente. Coloquemos de outra maneira: as pessoas intuem do passado uma forma de inteligncia que organizou o universo e a personalizam dando-lhe o epteto de "Deus". A

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  • mesma intuio existe hoje, sem no entanto ser personalizada e nomeada assim".

    "Persiste entretanto uma espcie de inteligncia superior a que o senhor j se referiu como benevolente e compassiva, jamais neutra?", insiste Rene.

    E Bohm conclui: "Est bem, podemos nos ater a isso".

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  • O MODELO HOLOGRFICO DA CONSCINCIA

    O que est dent ro de ns est t a m b m fora. O que est fora de ns est tam-bm dentro.

    Upanishads

    Na dcada de 60, Karl Pribram, neurocirurgio de Stan-ford, percebeu no holograma um sistema fsico capaz de servir de modelo para uma memria distribuda em todo o crebro, fato comprovado experimentalmente, mas nunca explicado pelas neurocincias. Em 1966 publicou um artigo propondo esta analogia, e por esta poca tomou conhecimento da Teoria do Universo Hologrfico de David Bohm, especulando que "talvez a realidade no seja a que vemos com nossos olhos. Se no tivssemos este mundo objetivo - as matemticas execu-tadas pelo nosso crebro - talvez conhecssemos um mundo organizado no domnio das freqncias, sem espao, sem tempo, somente de eventos. A realidade pode ser lida a partir deste domnio?" Ferguson resume assim a teoria de Pribram: "nossos crebros constroem matematicamente a realidade "concreta", interpretando as freqncias vindas de uma dimen-so que transcende o tempo e o espao. O crebro um holograma interpretando um universo hologrfico".

    Na holografia no existe uma correspondncia unvoca entre a imagem hologrfica e a realidade percebida pelos nossos olhos. "O holograma de uma flor, qualquer que seja sua beleza, aparecer com uma rede defronts de ondas, pois que a realidade apresentada em uma ordem diferente", afirma Bentov. O processamento da imagem da retina para o crtex

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  • visual no crebro mais ou menos semelhante: a imagem decomposta, de tal forma que reas vizinhas na retina distri-buem-se em locais separados no crtex cerebral. A realidade hologrfica decorre da interao dinmica dos padres de ondas que distribuem a informao atravs de toda a estrutura. A informao distribuda em cada parte da superfcie ou do volume da estrutura contm a informao compreendida na estrutura inteira.

    Pribram vem demonstrando, nos ltimos anos, que a infor-mao se distribui no crebro por um processo semelhante holografia. Sustenta ele que a distribuio da informao se realiza por meio de interaes de ondas em todo o crtex cerebral. Estas ondas, por sua vez, decorrem de um holograma constitudo por ondas de comprimento muito mais curto com origem a nvel subatmico. Temos, portanto, um holograma no interior de outro holograma, cuja interao permite o nasci-mento das imagens em nosso crebro. Ele sintetiza assim sua teoria: "Essencialmente, a teoria diz que o crebro, a um certo estgio do tratamento, executa suas anlises no domnio da freqncia. Isto realizado nas junes entre os neurnios, e no no interior dos neurnios. Assim, so as elevaes e diminuies locais e graduadas de potenciais (ondas), ao invs de impulsos nervosos, que so responsveis por elas. Os im-pulsos nervosos so criados no interior dos neurnios e so utilizados para propagar os sinais que constituem a informao, atravs de grandes distncias, via as fibras nervosas longas. A