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MARMANILLO, Jesus; CARNEIRO, Antonia Eliane Lobo; PEREIRA, Ana Paula Pinto. O Google street e
as imagens da cidade: Experiências e diálogos de pesquisas urbanas no sudoeste do Maranhão. . Sociabilidades
Urbanas – Revista de Antropologia e Sociologia, v.3, n.7, p. 83-96, março de 2019. ISSN 2526-4702.
DOSSIÊ
http://www.cchla.ufpb.br/sociabilidadesurbanas/
O Google street e as imagens da cidade: Experiências e diálogos de
pesquisas urbanas no sudoeste do Maranhão
Google street and city pictures: Experiences and dialogues of urban research in the southwest of Maranhão
Jesus Marmanillo Pereira
Antonia Eliane Lobo Carneiro
Ana Paula Pinto Pereira
Resumo: Como pensar o Google Street View a partir de uma sociologia da imagem e urbana?
Partindo dessa questão, o presente artigo se valeu de teóricos como Becker (2009), Frúgoli e
Chizzolini (2017), entre outros, para pensar o lugar das imagens nos processos tecnológicos e
virtuais desenvolvidos sobre a urbe e nas suas relações objetivas e subjetivas com a cidade. Assim,
trazemos uma reflexão sobre o processo de mediação da experiência urbana, dos locais de
produção e usos das imagens da cidade, destacando a possibilidade da existência de outros
sentidos e imaginários urbanos, produzidos a partir delas, e como foram utilizadas em duas
pesquisas de etnografia urbana realizadas nas cidades de Imperatriz-MA e Açailandia-MA.
Palavras chave: Cidade, representação, Googlestreet, etnografia
Abstract: How to think Google Street View from an image sociology and urban? Based on this
question, the present article used theorists such as Becker (2009), Frúgoli and Chizzolini (2017),
among others, to think about the place of images in the technological and virtual processes
developed on the city and its objective and subjective relations with the city. Thus, we bring a
reflection about the process of mediation of the urban experience, of the places of production and
uses of the images of the city, highlighting the possibility of the existence of other urban senses
and imaginaries, produced from them, and how they were used in two researches of urban
ethnography carried out in the cities of Imperatriz-MA and Açailandia-MA. Keywords: City,
representation, Googlestreet, ethnography
Computadores fazem arte
Artistas fazem dinheiro
Computadores avançam
Artistas pegam carona
Cientistas criam o novo
Artistas levam a fama
(Fred Zero Quatro)
Partindo dos estudos de Becker (2009), podemos dizer que a cidade já foi representada
nas mais diversas formas, em contextos organizacionais que permearam os campos da
literatura, das artes, das ciências e vários outros que buscaram expressar o homem em
sociedade, em suas aflições, relações e construções nos cotidianos urbanos. Josué Montello,
João Cabral de Melo Neto, Aluísio Azevedo são apenas uns alguns exemplos de como as ruas,
cotidianos e espaços urbanos do Brasil ganharam espaço poesia literária. Na música e nas
produções audiovisuais são inúmeros os exemplos nos quais a cidade aparece como um
importante cenário onde se desenrolam as diversas tramas, e se expressam as características
das próprias sociedades que as constituem.
Com a popularização dos recursos comunicacionais, em especial dos computadores
conectados à World Wide Web (WWW), ocorreu uma maior intensificação dos fluxos de
informação que possibilitou outras formas de contato entre pessoas e também com a própria
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cidade. Grosso modo, para alguns autores como Castells (1999) e Santos (2009), esse
processo pode ser compreendido dentro de um novo paradigma técnico científico
informacional que possibilita que a informação alcance distancia globais em poucos
segundos. Nesse contexto, o presente artigo se traduz em um esforço de ruptura com o
binarismo entre novas e antigas formas de representação sobre as cidades, e pretende analisar
os usos do Google Street View na pesquisa etnográfica sobre os espaços públicos e privados
urbanos. Trata-se de um recurso disponível na web que é produzido por uma empresa privada
e que exerce um papel de mediação entre o internauta e a cidade. Oferece assim, antes de
tudo, uma experiência visual com a urbe por meio de imagens que são captadas por carros,
dessa empresa, que são equipados com câmeras.
Dessa forma, transitando entre uma sociologia urbana e da imagem, a pesquisa se
deteve a parte gráfica e as possíveis interações que constituem os bastidores tanto das
produções da imagem, quanto de seus usos no âmbito da pesquisa etnográfica. Nesse viés
foram considerados estudos como os de Frúgoli e Chizzolini(2017), Diogenes(2015), Eckert e
Rocha(2016) e Hine(2004) que, grosso modo, consideram o ambiente web como
possibilidade de construção etnográfica, já que pode ser compreendido tanto como cultura
quanto como artefato cultural, representando um tipo de “Cultura de tela” que também
mantém relação com práticas sociais desenvolvida nas paisagens urbanas, e que podem ser
captadas na própria web, como é o caso do Google Street view.
Assim, o presente estudo foi organizado em duas partes onde serão apresentados
algumas considerações e estudos que se valem do ambiente virtual, e outra em que
demonstraremos os usos desenvolvidos no âmbito do Laboratório de Estudos e Pesquisas
sobre Cidades e Imagens (LAEPCI)
O Google Street View e algumas considerações sobre a produção imagética
Primeiramente é importante esclarecer que o Street View (Visualização da rua) é um
produto oriundo de um projeto da Universidade de Stanford chamado “The Stanford City
block” patrocinado pela Google. A primeira experiência surgiu quando um dos fundadores da
empresa solicitou que um grupo de estudantes transformassem uma gravação de vídeo sobre
uma área de São Francisco (E.U.A) em um conjunto simplificado de frames(imagens) cujos
ângulos e enquadramentos possibilitassem a captura total dos cenários. Segundo Levy (2012)
o Street View surgiu como um desenvolvimento do Google Maps e o objetivo era mostrar
lugares para os usuários transmitindo uma ideia de teletransporte real para os locais que
buscassem. Com uma combinação de mapas e fotografias, esse produto gera a sensação de
imersão na paisagem urbana, pois possibilita ao usuário navegar por um mapa e, com dois
cliques, “descer” para as ruas e quadras, visualizando casas, pessoas e as paisagens urbanas a
partir da perspectiva de um observador terrestre. Sobre essa relação entre espaço geográfico e
imagens, Levy (2012) relata uma situação na qual Mike Jones, um dos engenheiros da
empresa, explica:
O Street View nasceu como consequência da fome onívora por geodados.
“Desde o dia em que chegamos ao Google,nosso pedido constante era por mais
dinheiro para comprar mais dados porque queríamos quetodos tivessem a
oportunidade de ver suas casas”, diz ele. “As pessoas vão querer voar até omeio
do Congoe ver suas casas ou suas cabanas, ou algo assim. E nós precisávamos
tirarfotos disso. Íamos para as reuniões de estratégia de produto e dizíamos que
nosso objetivo erareunir muitas imagens e talvez dar um passo louco de colocar
câmeras sobre carros efotografar todas as ruas”. (LEVY,2012,p.301, grifos
nossos).
As imagens possuem um papel principal nessa estratégia de imersão. Elas podem
promover uma ideia de deslocamento espacial de grandes distâncias e também um
deslocamento temporal mais subjetivo, já que possibilita ao usuário buscar locais relacionados
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às memórias passadas e acompanhar as próprias atualizações temporais e imagéticas das
paisagens urbanas, no programa. Vinculadas aos mapas tem-se um conjunto de representações
que toma o mundo por meio de um mapa, que pode ser navegado, e que serve como uma
espécie de localizador ou sumário onde estão dispostas uma diversidade de imagens de
paisagens urbanas, em diferentes pontos e distâncias do mapa. Sendo um produto vinculado a
World Wide Web, as ideias de alta velocidade dos fluxos de informação e fim das fronteiras
espaciais, apontadas por autores como Castells (1999) e Santos (2009), estão totalmente
presentes nesse produto cuja monetização é associada ao conjunto de geodados obtidos e
disponibilizados pela empresa.
Se valendo das contribuições de Becker (2009) podemos dizer que o contexto
organizacional está diretamente voltado para os interesses do mercado, e consequentemente,
da relação da Google com outras empresas concorrentes. Sobre isso, verificamos a existência
do site1 da IMG360, que é uma representante da Google no Brasil. Nele, a essa representante
oferece o serviço de tour virtual em 360º para empresários que tiverem interesse em inserir o
próprio negocio e empreendimento, literalmente, no mapa. Como vantagens, são apontados o
baixo rendimento e alto retorno, a incorporação da empresa na realidade virtual e a
possibilidade dos clientes poderem visualizar as fachadas, os estabelecimentos e expor “seu
negócio para milhares de usuários de todo o mundo”.
É importante notar que quando pensamos a relação entre o street view e a cidade,
podemos observar dois tipos de ações: 1) a apropriação virtual das paisagens urbanas, e 2) a
mediação entre usuários e a representação de cidade. A questão do aspecto econômico do
aplicativo em relação à cidade remonta diretamente as inquietações de Lojkine (1997) quando
notava que:
Essa abordagem do urbano como condição geral da produção capitalista permitiu-
me apreender uma das originalidades da revolução informacional com respeito à
revolução industrial, a saber: o papel crucial dos serviços urbanos no crescimento
da produtividade global. Ao mesmo tempo, essa abordagem inseria o processo de
socialização urbana numa tríplice contradição entre seu valor de uso coletivo e sua
apropriação privada (LOJKINE, 1997, p.16, grifos nossos).
Embora dialoguemos sobre tecnologias de ponta, o autor nos remete para uma questão
fundamental que são as relações sociais e suas implicações com o espaço urbano, entendido
aqui como descontinuo, organizado e sistematizado de acordo com um conjunto atores
sociais, conflitos e tensões. De forma direta, há o deslocamento de um enquadramento a
respeito da cidade acessível pela experiência, oferecida aos sentidos de qualquer cidadão, para
uma cidade observada a partir de um conjunto de imagens sistematizadas nas telas de
computadores, e nos aplicativos dos celulares.
Nesse sentido, “as pessoas só poderiam voar até o meio do congo e ver suas casas ou
cabanas” de acordo com as condições de acesso às tecnologias, ou seja, a democratização
dessa experiência visual depende da difusão das tecnologias de informação e
consequentemente da expansão das empresas que operam nesse campo.
Pretende-se deixar mais claro que tais imagens urbanas produzidas seguem uma lógica
de monetização e que não estão afastadas de um viés crítico das formas de apropriação do
espaço urbano, já que mobilizam uma serie de atores sociais - como engenheiros, empresários
fotógrafos, motoristas e usuários – que são vinculados ao contexto organizacional do Street
View.
Por outro lado, a situação de mediação nos remete aos estudos de Simmel (2003) em
seus estudos sobre o dinheiro e sobre as cidades italianas. Sobre o dinheiro ele observa que
1IMG. Google Maps Street View para Empresas: sua empresa em destaque na internet. Disponível em:
http://img360.com.br/servicos/google-maps-street-view-para-empresas/. Acessado no dia 18 de dezembro de
2018, as 23:00.
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este desempenhou um papel de mediação nas relações na cidade moderna. Mais que um
artefato monetário, ele foi necessário para expandir as relações econômicas para além das
fronteiras da cidade e alcançar novos mercados, tornando-se um elemento de mediação das
relações e um marcador de impessoalidade nos contextos em que as relações diretas passaram
a ser pensadas segundo as lógicas de discursos de racionalização.
De forma metafórica, as ideias modernas de expansão, de novos mercados, de contatos
com pessoas desconhecidas e impessoalidade constituem valores necessários para que o Street
View alcance seu lugar no mercado de geo informações e marketing empresarial. Mas para
isso, há uma necessidade de se colocar como espaço de mediação entre os homens e a
“cidade” representada. Dessa forma a produção de representações imagéticas difundidas por
meios tecnológicos é um importante ponto para se refletir sobre o significado do flaneur e a
própria experiência de se viver a cidade.
Como todo debate a respeito das condições de pesquisa, é necessário esclarecer ao
leitor sobre as condições de produção das fontes, é necessário enfatizar que a produção de
imagens necessita de processos de negociação e do estabelecimento de laços de confiança.
Tal ponto é importante para enfatizar que nem sempre a relação da Google com estados
nacionais ou com cidadãos se desenvolveu de forma harmônica, ocorrendo situações de
conflito relacionadas à privacidade dos fotografados. Sobre esse ponto Pedrosa (2018)
explica:
Conceitualmente, as fotografias do Google Street View não registram somente
lugares, mostram também o acaso de transeuntes, revelam detalhes por entre janelas,
guardam momentos decisivos como acidentes, mortes e apontam, incessantemente,
para o inusitado. O flagrante, a curiosidade, a invasão do privado são alguns
temas que geram polêmica no Brasil e em outros países graças ao funcionamento
desse serviço (PEDROSA, 2018, p. 24, grifos nossos).
A citação representa bem um caso2 ocorrido em 2015 quando a Google foi condenada
a pagar uma indenização de R$ 50.00 ao paulistano Cristiano Araujo pelo fato da imagem
dele, em frente à própria residência, ter sido capturada e utilizada pela empresa. Segundo
Levy (2012) eles também tiveram resistências na índia, onde ocorreu à proibição do
mapeamento por questões de segurança, e na China cujo governo exigiu um tipo de licença
para que a empresa pudesse atuar. Sobre a implementação desse serviço no Brasil, a
representante da Google explica:
Em 2009 o Google Brasil fez uma parceria com a Fiat para trazer o Street View
para o país. Para a primeira leva de fotos foram utilizados 30 carros, que
percorreram mais de 150 mil quilômetros de vias, captaram milhões de
imagens que foram tratadas e processadas, consumindo muitos meses de trabalho.
No lançamento do Street View no Brasil, no dia 4 de outubro de 2010, 51 cidades
estavam disponíveis no Street View, que incluíam as ruas de São Paulo, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte e suas áreas metropolitanas, cidades históricas de Minas e
outras mais. (IMG, janeiro de 2016, grifos nossos).
Além de trazer um breve histórico da empresa no Brasil, a citação também nos faz
esclarecer que existem dois tipos de produção de imagens, realizadas pela empresa: a mais
tradicional em que carros guiados e equipados com várias câmeras passam e capturam as
imagens, e outra personalizada para empresários nas quais se faz necessário o fotógrafo.
Sobre o modo preponderante de acesso as ruas, produzidos pelos carros equipados, Pedrosa
(2018) destaca o fato da mecanização do processo fotográfico e eliminação da subjetividade
2Google terá de indenizar paulista que apareceu no Street View. Disponível
em:https://www.tudocelular.com/android/noticias/n57495/Google-Processo-Street-View.html. Acessado no dia
18 de dezembro de 2018, as 23:00.
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do fotógrafo. Ele explica que mesmo que o motorista compreenda de fotografia, não há como
interagir no processo de produção (direcionamento, foco e enquadramento). Em relação ao
segundo caso, utilizando a analogia entre o “olhar fotográfico” e o olhar produzido de acordo
com os interesses da empresa, ou seja, orientado para o mercado, é importante lembrar que,
Para Becker, a representação e os significados da imagem podem ser entendidos
de acordo com o contexto organizacional no qual se insere, por exemplo, os usos
antropológicos da imagem buscam cientificizá-la de acordo com pressupostos
teóricos e etnográficos fundamentais na construção no campo da Antropologia
Visual (BARBOSA, CUNHA, 2006); já na Sociologia Visual, ocorre uma
operacionalização similar em relação aos pressupostos da teoria sociológica.
(PEREIRA, 2016, p.300, grifos nossos)
No referido caso, tais imagens embora sejam inseridas no contexto da economia,
ocorre também diferentes usos e atribuições de significados oriundos de outros contextos, que
recaem sobre as mesmas imagens. Se para um empresário elas representam um baixo
investimento e uma possibilidade alta de obtenção de lucros, para um sociólogo tal produção
imagética simboliza, entre outras coisas, a interação entre os usuários e consumidores da web,
empresários que contratam o serviço e a Google. Assim, seguindo essa linha de raciocínio, e
concordando com o estudo de Pedrosa (2018), acreditamos que são inúmeras as motivações e
apropriações dos usuários.
No âmbito dos estudos que servem de referência para se problematizar a questão das
relações entre cidades materiais e virtuais, e dos processos etnográficos com novas
tecnologias podemos citar a pesquisa de Diógenes (2015) que buscou analisar os fluxos de
informação da arte urbana em Lisboa, a partir de uma etnografia sobre a produção e
circulação dos grafites e painéis de pintura entre os muros da cidade e as telas da web. Na
relação entre homem e máquina a autora observar um conjunto de ações: ver registrar e
compartilhar que caracterizam um contexto de apagamento das artes nos muros da cidade, e
do desejo de eternidade da arte urbana, por meio das fotografias que são postadas e
compartilhadas nas redes.
Para tanto, ela acompanhou um artista conhecido como Tinta Crua, e sua arte, nos
dois ambientes (off-line e online) descrevendo quais as estratégias dos artistas de rua, e como
todo esse movimento possibilita compreender que a cidade e o ciberespaço, não são apenas
espaços distintos, mas também se combinam em planos de mútua reflexibilidade. Sobre a
ideia de ciberespaço, Dornelles (2004) explica:
A formação de um espaço se dá na imersão nas imagens que se sucedem na
tela do computador. É aí que o meio de comunicação atinge o status de lugar,
de ciberespaço. Há a possibilidade de “mergulho” nessas imagens
disponibilizadas virtualmente. Entendo que seja nesse movimento que a
simulação produzida na interface gráfica adquire um poder de
envolvimento do usuário do computador/Internet. (DORNELLES, 2004,
p.252, grifos nossos)
Embora tal autor, utilize essa definição para pensar a cidade como um campo na
internet, por meio dos chats de bate-papo, é possível contextualizar o mergulho nas imagens e
o processo de imersão tanto com a problematização do Street View, como também pensar os
processos de territorialização de Lisboa por meio das artes urbanas materializadas nas
imagens digitais disponíveis na web, e também no Street View.
Outro estudo importante tem sido desenvolvido por Eckert e Rocha (2016) por meio
da criação de um Banco de Imagens e Feitos Visuais (BIEV) produzido pelo Núcleo de
Antropologia Visual da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (NAVISUAL-UFRGS).
Segundo as pesquisadoras, o referido grupo tem se especializado no uso de tecnologias de
informática para a produção de narrativas etnográficas hipertextuais, multimídia visando
traduzir configurações de memória e da vida cultural da cidade de Porto Alegre. Nesse
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sentido, explicam que o BIEV foi criado, em 1997, por meio de uma mescla de práticas
museológicas e etnográficas no estudo do mundo urbano, focadas na produção de imagens
disponibilizadas no ambiente multimídia (ECKERT e ROCHA, 2016). Dentro desse contexto
organizacional analítico e acadêmico, vale destacar que elas percebem:
No processo de tornar digital uma informação (dados agrupados que geram sentido),
a imagem-síntese (processada, armazenada e tratada por um computador) diferencia-
se dos usos da imagem técnica na descrição da experiência etnográfica ao permitir
organizar sua representação segundo novos arranjos de tempo, espaço e causalidade.
Ao contrário de sinais contínuos, a imagem-síntese, tratada por meio de processos
computacionais, é representada matematicamente, através do uso de matrizes
multidimensionais, como uma sequência infinita de números. (ECKERT e ROCHA,
2016, p. 74 - 75).
O que há em comum entre a produção dessas imagens nos âmbitos do BIEV e do
Street View é justamente a questão da instantaneidade de encaixes de imagens que agrupadas
possibilitam sentidos convergentes que geram significação para os usuários e pessoas que
consultam tais acervos.
Por fim, nos chamou atenção o estudo de Frúgoli Jr e Chizzolini(2017) sobre as
relações entre etnografia face a face e imagens do Google Street View, em uma pesquisa
sobre os usuários de crack nas ruas do centro de São Paulo. O estudo desses autores traz uma
etnografia realizada no âmbito do Grupo de Estudos de Antropologia da Cidade (GEAC-USP). Nela são abordados os usuários da cracolandia, e narrados uma serie de eventos e situações que caracterizam a dinâmica sócio-espacial daqueles agrupamentos. Nesse sentido,
descrevem eventos, contatos e situações; e também por um acompanhamento dos
deslocamentos dos usuários, das práticas, das intervenções públicos nos espaços. Trata-se de
uma rica narrativa visual ancorada em uma sequência de imagens do Street View, que ficaram
disponíveis em janeiro de 2010, fevereiro de 2011, março, julho e dezembro de 2014, e maio de 2016.
O caso do LAEPCI: usos do Street View em Imperatriz e Açailândia
Na cidade de Imperatriz-MA, o Laboratório de Estudos sobre Cidades e Imagens da
Universidade Federal do Maranhão (LAEPCI-UFMA) tem se dedicado aos estudos e
experimentações de materiais da web para auxiliar nas pesquisas de campo realizadas na
região. Nesse sentido, podemos destacar dois estudos realizados tanto na área urbana da
própria Imperatriz, quanto da cidade vizinha Açailândia, localizadas no sudoeste Maranhense
a aproximadamente 500 KM da capital. Tratam-se das primeiras experiências de um grupo
criado em 2016, que resultam de um plano de iniciação científica e de um trabalho de
conclusão de curso que foram orientados no âmbito do referido grupo.
Uma primeira observação necessária é a da diferenciação do número de atualizações
fotográficas a depender do local acessado no Street View, por exemplo, no centro comercial
de imperatriz na Simplício Moreira foi possível verificar duas atualizações de março de 2012
e de março de 2018. Já na área estigmatizada da Farra Velha que é conhecida por ter um
histórico vinculado à presença de prostitutas e casas noturnas, na cidade de Imperatriz,
notamos atualizações mais antigas na Rua Antonio de Miranda, ocorridas em novembro de
2011 e setembro de 2012. No caso da Avenida Bernardo Sayão, onde se localiza a Praça da
Bíblia em Açailandia, há apenas uma atualização de 2012.
A questão das atualizações é compreendida como uma vantagem por de Frúgoli Jr e
Chizzolini (2017), por possibilitar o alargamento o tempo instantâneo em relação à
observação etnográfica tradicional, pois em cidades como São Paulo é possível observar um
maior adensamento das sequências de imagens em uma perspectiva temporal, contudo na
Praça da Bíblia ou na Farra Velha tal alargamento foi restrito devido ao menor número de
atualizações. Os autores orientam a necessidade GSV ser combinados com uma etnografia
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face a face, podendo assim, relacionar tais registros com as caminhadas etnográficas e
deslocamentos do pesquisador, sistematizar visualmente a recorrência dos fenômenos e
mapear regiões de difícil acesso. Por outro lado os autores também enfatizam que a
abordagem por esse recurso não substitui a etnografia tradicional, pois não possibilitam ao
pesquisador adentrar nas especificidades da dinâmica urbana, possuem limites éticos quanto
ao uso da imagem, e limites técnicos já que a frequência das atualizações está sujeita aos
interesses da própria empresa. (FRÚGOLI JR. E CHIZZOLINI, 2017)
No projeto de iniciação “Histórias e visualidades urbanas do Ciclo do arroz: imagens e
memórias na área da Farra Velha” desenvolvido pela discente Ana Paula Pinto Pereira, e no
trabalho de conclusão “A cidade e a Praça- Interações, práticas e atores sociais da Praça da
Biblia-ACD”, as alunas foram orientadas para o uso das imagens do Street View com o
objetivo de sistematizar e comparar as habitações e estruturas comerciais dos locais
analisados, no ano de 2012 e em 2018. Grosso modo, o trabalho de campo seguiu
metodologias proposta por Park (1967) e as etnografias influenciadas por Donald Pierson,
bem apontadas nos estudos de Mendonza(2005).
Dessa forma, o GSV foi utilizado como auxílio para a realização de uma descrição
minuciosa do cenário urbano estudado, com vista a identificar relações ecológicas,
morfologias e mudanças ao longo do tempo que sinalizassem práticas e formas de
organização social nos locais.
Imagem 1 – Delimitação. Fonte: Google Maps, 2017.
No estudo da “Farra Velha” foram realizadas observações diretas, estudos
documentais e entrevistas com quatro pessoas que viviam no quarteirão (imagem1) composto
pelas ruas João Lisboa, Antonio de Miranda, Amazonas e Sousa Lima, e que compõem a área
do referido lugar. Cada rua do quarteirão trazia consigo características próprias e um tipo de
morfologia preponderante que se integrava em um conjunto maior. Nesse sentido observamos
que a Rua João Lisboa é marcada, de forma preponderante, pela presença de antigos galpões
de usinas de beneficiamento e∕ou armazém de arroz. Na quadra foram contabilizadas cinco
usinas, dois galpões fechados e um local de eventos que antes era o prédio da “Cerealista
Sales”. Há ainda 3 comércios variados, duas residências, e uma residência com comércio,
contabilizando um total de 14 estruturas físicas. A Rua João Lisboa durante a década de 1960
era totalmente tomada por usinas, por conta disso é conhecida também, como “rua das usinas”
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Imagem 2 - Rua João Lisboa ou Rua das Usinas. Fonte: Google Maps (2012).
Desse local tivemos contato com o senhor Antônio Batista Filho, ou Nozinho, como é
popularmente conhecido. Ele é um usineiro Paraibano que chegou a Imperatriz na década de
1960, e desde então passou a trabalhar na referida rua. Sobre o local ele explica que a escolha
ocorreu por conta do baixo valor dos terrenos na área da Farra Velha, e que lá ocorria uma
forte presença de mulheres que trabalhavam nas casas de prostituição. Quando comparamos a
imagem de 2012 com as produzidas recentemente, e com a observação direta, notamos que
apesar das mudanças, ainda há uma preponderância dos galpões das usinas e locais de
armazenamento ligados a historia da produção de arroz local.
Se uma rua do quarteirão era caracterizada como “rua das usinas”, a rua paralela,
chamada Antonio de Miranda, era considerada o eixo principal da Farra Velha, pois era onde
havia a concentração de bares e casas de prostituição, principalmente, na década de 1980. Na
imagem de 2017 observamos, apenas, três bares, já nas imagens do GSV, de 2012, foram
contados sete bares, demonstrando uma diminuição dos estabelecimentos comerciais no
intervalo de cinco anos. Sobre esse trecho da rua, um dos entrevistados Sr. Batista de Oliveira
Filho, professor da UFMA e morador da Rua Amazonas há 35 anos, relatou que apesar das
mudanças o estigma sobre o lugar ainda produz uma desvalorização que resulta na existência
de casas desocupadas no lugar.
Imagens 3 e 4 – R. Antônio de Miranda nos anos de 2017 e 2012. Fonte: Pereira (2017) e GSV (2012).
As imagens demonstram que o prédio na quadra seguinte é o limite com as edificações
que marcam a memória dos entrevistados e o estigma que se mantêm sobre o lugar. Na
imagem 4 vale destacar a casa azul como uma provável estrutura comercial dos tempos de
grande movimentação dessa rua e , em ambos registros, é possível ver casas humildes,
terrenos vazios e um ambiente fortemente marcado por pouco recursos econômicos.
As ruas Souza Lima e Amazonas que fecham a quadra possuem uma característica
mais residencial. A primeira é composta por uma usina, uma igreja, seis residências, uma
residência com comércio, e três residenciais em forma de prédios, dos quais, 2 é possível
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identificar comércios no 1º andar. Portanto, o pedaço da Rua Amazonas é mais diversificado,
mas com característica marcantemente residencial. Já o pedaço da Souza Lima e formado por
um comércio, três residências com comércio, 11 residências, um residencial em forma de
prédio, um terreno e as delegacias.
Da Rua Souza Lima, tivemos contato com Dona Cecília de noventa anos. Natural de
São João dos Patos (MA), ela chegou a Imperatriz aos 33 anos de idade no dia 13 de outubro
de 1961 onde passou a desenvolver o oficio de costureira. Ela relata que aquela área teve um
tempo de grande circulação de dinheiro e que fazia muitos vestidos para as “garotas” que
chegavam para trabalhar na região. Sobre a paisagem urbana da década de 1960 ela explica:
Nesse tempo tinha os cabaré que era tudo ali pra cima, onde era aquelas casas, tudo
era cabaré, tinha um que era nessa esquina bem aí, onde era o campo do futebol
bem aí onde era a praça (Jesus: a praça Tiradentes) um rum, ali era o campo de
futebol, [...]Só tinha aquela casa da esquina, quando eu cheguei aqui só tinha
aquela casa da esquina, e diz que era um salão de dança, mas não tinha mais
ninguém [...]. (Entrevista Realizada no dia 12 de Dezembro de 2017, grifos nossos)
A entrevistada traz uma memória do espaço que é completamente distinta dos
registros do GSV. A esquina a que se refere é a atual delegacia da cidade (imagem 5)
localizada na esquina com a rua João Lisboa, lugar onde ficam os galpões descritos
anteriormente. Com uma narrativa próxima da obtida com a Dona Cecília, tivemos contato
com dona Maria Gomes, mais conhecida como Maria Gordinha de 67 anos de idade. Uma
piauiense que reside na Rua Sousa Lima há 44 anos, tendo habitado anteriormente 10 anos a
Rua Antônio de Miranda a qual ela denomina de Farra Velha propriamente dita. Ela também
era costureira e conhecia bem a realidade daquele lugar, e nos relata:
Antigamente quando eu cheguei pra cá eu já tinha parece que uns 14 anos, aqui era
cabaré, ali onde hoje é as usinas, sabe, aculá chamava farra velha, e aqui chamava
rua dos cornos, quando eu cheguei pra cá só tinham 3 casinhas só de palha...
(Entrevista realizada no dia 17 de Abril de 2018, grifos nossos)
As usinas e os cabarés fazem parte do imaginário imagético a respeito da quadra
analisada. Foram duas referências espaciais obtidas nas entrevistas que, também, nos
orientaram na navegação pelo GSV. Nesse sentido, compartilhamos com a ideia de Frúgolli e
Chizzoline (2017) de que a pequisa face a face deve ser combinada com a realizada no GSV,
mas nunca substituida. Por outro lado, por mais que não tenhamos as sequencias temporais, o
diálogo entre os relatos e as imagens possibilitam ao pesquisador ter uma noção dos antigos
cenários, como é possível notar na imagem 5, onde a delegacia da esquina está no lugar onde
era um antigo cabaré, segundo o relato de Dona Cecilia.
Imagem 5- Esquina da Delegacia (Souza Lima/ João Lisboa). Fonte: GSV (2012).
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Por meio dessa imagem de 2012 é possível observar a delegacia à esquerda e os
galpões à direita, e imaginar por meio dos relatos, uma imagem pretérita de casas de
prostituição e mulheres durante a noite no canto esquerdo da imagem, e trabalhadores e
caminhões durante o dia, no canto direito da imagem. As memórias, a tecnologia e os relatos
se mesclam em alguns momentos da pesquisa.
Já na pesquisa sobre a Praça da Bíblia em Açailândia, o GSV foi fundamental na
compreensão da área circunvizinha a referida praça analisada, já que o referido logradouro
público está localizado ao lado do bairro Jacu, um conjunto habitacional cujas primeiras casas
foram construídas em 1974(NASCIMENTO, 1998). A relação entre a praça e o bairro ocorre
tanto geograficamente por conta dos 650 metros de largura que acompanham seis quadras do
conjunto, localizada na Avenida Bernardo Sayão, quanto por uma mudança no perfil do
conjunto habitacional, já que as caras voltadas para o lado da Praça passaram a ter
características comerciais, ao longo do tempo.
Nesse sentido o GSV foi um importante auxílio na contagem dos estabelecimentos, no
diálogo com as observações diretas e na análise dessa mudança de característica do conjunto,
que na pesquisa estava associada ao crescente processo de centralidade da referida Praça. Um
exemplo disso pode ser observado com as imagens do Google street View de janeiro e junho
de 2012. Na primeira quadra, em 2012, o GSV demonstra uma residência de muro marrom,
um ponto comercial de venda de churrasquinho, uma lanhouse, um local de venda de galetos,
uma academia de musculação e um restaurante (imagem 6).
Imagem 6 - Instalações Comerciais. Fonte: Google street View, 2012.
Na imagem 6 acima, notamos a presença de uma única estrutura com características
residenciais, no trecho da quadra que faz fronteira com a praça. Já durante uma caminhada de
observação no local, na manhã de 10 de setembro de 2016, foi observado que a residência de
muro marrom sofreu uma alteração, pois os donos construíram um ponto comercial onde
funciona uma farmácia, e foram morar nos fundos da casa. Em seguida, há o ponto comercial
que vende churrasquinho e possui música ao vivo toda às terças-feiras, porém não é mais
seguido de uma lanhouse, mas de um lava jato. Em outra observação realizada em 2018,
verificamos que no local onde era a academia de musculação, funciona atualmente um
quiosque de venda de Cerveja. Vale enfatizar que, no restante desta quadra que não faz
fronteira com a Praça há uma predominância das edificações residenciais.
No ano de 2012, o segundo quarteirão iniciava com uma estrutura que foi dividida em
duas: uma parte mantinha apenas características residenciais e outra servia de base para um
trailer de venda de cachorro quente que funcionava durante a noite. Após esse ponto, existem
quatro casas simples, duas maiores e a Sorveteria Vitória, considerada o ponto comercial mais
antigo, com aproximadamente 17 anos.Hoje em dia, esse ponto está alugado para dois outros
empresários que comercializam churrasquinhos e açaí. Tal como o proprietário do ponto da
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farmácia, o senhor Sebastião também mora nos fundos do terreno. Depois da sorveteria existe
uma residência sem vínculos comerciais, na segunda casa funciona um comércio de
churrasquinhos, a terceira casa é uma lanchonete e logo ao lado está o único posto da gasolina
do bairro - o Posto Econômico 3 que foi inaugurado em 7 de novembro de 2015. Antes a área
do posto era ocupada por uma propriedade que continha um terreno e uma lanchonete de
esquina. Em 2012, a terceira e quarta casa após a Sorveteria Vitória eram compostas por uma
lanchonete e um salão de beleza.
Em 2012, a terceira quadra iniciava com uma lanchonete que vendia pastel e
milkshakes, seguida de uma residência que funciona como lanchonete, logo depois outra
residência com vínculo comercial. Em 2018 ele começa com o Espetus e Cia que foi aberto
praticamente no mesmo período do posto de gasolina, e que subindo na Rua 21 de Abril
encontram-se alguns pontos comerciais, tais como: Top Sorvete e Mini Salgados. Nos últimos
6 anos, observamos que ocorreu um maior investimento comercial, pois os locais onde antes
existiam essas lanchonetes mais simples, hoje são um ponto fechado de venda de
churrasquinhos, uma sorveteria chamada Frozen Açaí e uma lanchonete denominada de Maria
Coxinha, responsável pela venda de mini salgados. Logo após há uma residência e ao lado, a
Igreja Assembléia de Deus, que vem seguida do Edifício São Rafael. Seguindo o quarteirão
foi verificado mais uma residência que à noite funciona como pizzaria e pastelaria, bem como
três residências que não são pontos comerciais. Seguindo o quarteirão foi verificado mais uma
residência que à noite funciona como pizzaria e pastelaria, bem como três residências que não
são pontos comerciais. A residência seguinte é um imóvel que aglutina mais de um comércio,
onde funciona um salão de beleza e um escritório de locação de ônibus. Ao lado, uma
residência sem vínculos comerciais, seguida da Igreja Batista Memorial. O ponto comercial
que em 2012 funcionava um supermercado, em 2014 foi comitê eleitoral de um candidato
deputado estadual e atualmente são dois pontos comerciais, onde um é Aquarela Park uma
loja que loca brinquedos infantis, e na outra parte, uma pizzaria.
Desde 2012 um lava jato dá início o quarto quarteirão onde também se vendia
salgados e onde residiam os donos. Ao lado estava o Mercadinho da Guida que foi inaugurado
em meados de 2016, e que aos fundos possuía a casa da proprietária. Ao lado estava uma
estrutura que foi modificada ao longo dos anos, tendo sido utilizada como lugar de
Congregação Evangélica, como Bar e pode ser considerado o lugar mais transitório dessa
quadra. Anterior a Escola Municipal Pingo de Gente, está um prédio que funciona como
condomínio, e mais adiante, uma casa abandonada que foi residência de um dos radialistas
mais antigos da cidade. A quadra segue com o prédio onde funciona atualmente a Clínica de
Nefrologia de Açailândia, que antes era um Hospital Particular, o São Braz e que por muito
tempo ficou abandonado. A partir de 2015 a prefeitura iniciou a reforma desse prédio para ser
o centro de tratamento para pacientes que fazem hemodiálise. Ainda no mesmo quarteirão, ao
lado da Clínica estão três residências e o Bar da Elisa que também vende churrasquinhos e é o
mais antigo da praça. Já dentro da praça estão situados dois traileres, os quais funcionam
como Bar e Lanchonete, possuindo praticamente o mesmo tempo de existência que o bar da
Elisa. E por fim, mais uma residência, seguida da Academia do Granola onde se pratica Artes
Marciais, Jui-Jutsi e Muai- Thay.
Em 2018, observamos que o quinto quarteirão começa com o Bar Bate Papo e ao lado
uma residência, que também é lava jato. Logo em seguida, existem nove casas residenciais
que são de um salão de beleza que finaliza a quadra. O sexto e último quarteirão conta com
uma residência que em 2016 funcionava como ponto comercial, mas atualmente é apenas
moradia. Há depois mais uma residência e a Igreja Presbiteriana que faz limite com um
terreno murado, que por fim, finaliza o cenário das quadras laterais que fazem limite com a
praça.
O quinto e sexto quarteirão conforme a análise comparativa de imagens e observação
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foram os que menos sofreram mudanças nas estruturas, predominando até hoje a característica
residencial.
Ao longo dessa Avenida Bernardo Sayão e seus 650m (delimitação oeste da Praça)
verificou-se também sessenta e seis estruturas físicas, valendo ressaltar, que podem ter mais
de sessenta e seis funções, tendo em vista que uma estrutura pode ser usada para mais de uma
finalidade, e, portanto, concentra mais de um tipo de comercialização3. De maneira detalhada
observamos a existência de 29 residências sem vínculo comercial; 12 residências com
vínculos comerciais; 20 pontos comerciais dissociados do residencial; três igrejas; uma
escola; uma clínica. Destaca-se, assim, neste cenário, um total de 32 pontos comerciais, dos
quais 18 vendem lanches e comidas.
Dessas 66 estruturas físicas, 27 encontram-se nas primeiras três quadras onde foi
delimitada a nossa área de observação. Trata-se da área de maior concentração de pessoas. O
local que representa aproximadamente metade dos 650m e bem menos da metade de
residências, pois só possui 10 residências sem vínculo comercial. É o lugar que oferece 16
tipos de produtos alimentares, produtos para carro, entretenimento, entre outros, os quais
possuem capacidade de gerar concentração de pessoas, principalmente no período noturno.
Dentro da Praça, nessa mesma região, existem quatro trailers, sendo que um deles é
uma pastelaria e os outros três são sorveterias, além de uma Kombi que vende lanche. A
presença dos vendedores ambulantes no local tem maior visibilidade à noite, concentrados às
margens da Rodovia principalmente nos finais de semana, vendendo infinidades de produtos
que vão de comida à locação de brinquedos infantis. Enquanto na outra metade da praça,
verificamos espaços de menor concentração, compostos por quadras de esporte, menor
iluminação noturna e relatos de violência4 de pessoas dados por pessoas que trabalham na
área mais comercial do logradouro público.
Na etnografia realizada foram utilizados recursos virtuais, conforme visto
anteriormente no conjunto de imagens do GSV, que com intermédio do conhecimento
preestabelecido mediante as observações realizadas tornaram-se, sem dúvida um instrumento
bastante útil a fim de aprimorar o mapeamento da área que delimita a praça. Além das
contribuições dita anteriormente, o uso do GSV como ferramenta visual na pesquisa ajudou a
sistematizar de modo visual uma breve temporalidade histórica do lugar, conferindo assim, o
que é chamado por Frugolie Chizzolini(2017, p. 30) de espacialidade visual às observações,
não limitando apenas às imagens obtidas em campo.
Conclusão
Se a cidade sempre foi representada nas mais variadas formas de expressão humana,
chegamos ao momento em que a difusão, velocidade e todas as características atribuídas ao
que muitos chamam de revolução tecnológica ou avanços do paradigma técnico científico
informacional passaram a significar diferentes formas de se apropriar, perceber e dialogar
com imagens urbanas, mobilizadas pelos mais variados sentidos subjetivos, ligados as
historias de vida, temporalidades e espacialidades variadas, e objetivas quando se estruturam
em elementos e valores próprios da sociedade ocidental: razão, mercado, homogeneização da
3Assim como o ocorrido no ponto da antiga sorveteria vitória, localizada no segundo quarteirão e na casa que
funciona como salão de beleza e escritório de locação de ônibus, situada no terceiro quarteirão. 4QUADRO, Jorge. Chico Sergipano é morto a tiros próximo a praça da bíblia em Açailândia. Disponível em:
http://jqnoticias.com.br/plantao-chico-sergipano-e-morto-a-tiros-proximo-a-praca-da-biblia-em-acailandia.Acessado
em 29 de junho de 2018 às 16:20.
LOPES, Isisnaldo. Jovem é morto a tiros em Açailândia. Disponível em Disponível em
http://inoticiama.com/noticias/4726/jovem-morto-a-tiros-em-a-ail-ndia. Acessado em 29 de junho de 2018 às 16:30.
MARCOS, Antônio. Jovens são flagrados vendendo drogas em Praça Pública e „em plena luz do dia‟, no centro de
Açailândia. Disponível em <http://www.amarcosnoticias.com.br/elemento-e-preso-vendendo-droga-na-praca-e-em-
plena-luz-do-dia-em-acailandia. Acessado em 29 de junho de 2018 às 16:40.
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experiência etc.
Na relação entre a cidade virtual e a urbe vivida cotidianamente pelos citadinos, as
imagens são um elemento comum que transitam das memórias construídas a partir de um
imaginário de cidade até os processos computacionais que permitem aos indivíduos ter uma
sensação de interação e experiência urbana. Dentre as mais variadas representações
mobilizadas, mapas, imagens de satélite e demais símbolos gráficos presentes no GSV, as
fotografias e frames são a matéria prima que permite a sensação de imersão na cidade. Podem
ser consideradas um elemento de mediação entre o usuário e as paisagens urbanas do presente
e do passado, colocando-o na posição de observador de um mundo estático capturado a partir
de câmeras “enquadradas” a partir do movimento de um carro. Imagens cujo olhar fotográfico
cujo sentido manifesta o interesse empresarial da Google. Nesse sentido a sociologia e a
antropologia e seus métodos tradicionais são extremamente necessário para problematizar o
local de construção da fonte, o que muitos traduzem como “o local de fala”. Pelo papel de
mediação da experiência e dos sentidos presentes nos bastidores da produção das imagens
tem-se ai uma necessidade clara de problematizar os contextos organizacionais de onde
emergem tais produções.
Por outro lado, observamos que apesar da objetividade do mercado, a imagem como
elemento possui diferentes mensagens em relação aos seus observadores, ou seja, não é
possível prever os usos nem mesmos os sentidos atribuídos a experiência com as imagens.
Nesse sentido, alguns especialistas e núcleos de estudos urbanos e visuais tem dedicado
pesquisas a fim de refletir sobre os limites e potencialidades das imagens da cidade virtual, e
também do GSV, para tanto para a produção de narrativas etnográficas, quanto para o
desenvolvimento das próprias pesquisas. Temos assim, um campo complexo onde dialogam
pesquisas da comunicação, da sociologia e antropologia urbanas e da imagem.
No âmbito do Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Cidades e Imagens, nos
valemos do GSV e de uma experiência do Grupo de Estudos de Antropologia da Cidade
(GEAC-USP) como forma de difusão do debate, como maneira de se pensar alguma
especificidade de duas cidades no sudoeste do Maranhão, e de promover, localmente, o debate
em torno da imagem como estimulo para a iniciação cientifica discente. Além dessas questões
de ordem prática, verificamos que apesar do número menor de atualizações de alguns locais, a
combinação da pesquisa face a face com a observação no GSV possibilitou ricas descrições
etnográficas, comparações temporais de curta duração, o exercício de reflexão e critica das
fontes e o estimulo para a prática de uma etnografia urbana desenvolvida por meio de
caminhadas. Por ser compreendido como um tipo de complemento da pesquisa tradicional e
um incentivo importante para a própria iniciação etnográfica discente.
De modo direto, esse recurso auxiliou na observação das mudanças temporárias nas
paisagens de um quarteirão, localizado em uma área estigmatizada de Imperatriz, e de uma
Praça na cidade de Açailandia. Isso, seguindo uma orientação de descrição geográfica e social
do cenário estudado e uma metodologia descritiva baseada nos teóricos clássicos da escola de
Chicago. Enfim, esse exercício possibilitou uma boa combinação entre técnica e teoria, no
processo de construção etnográfica.
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