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O GOOGLE É O LOBO DO HOMEM? Pesquisadores estudam o ‘Efeito Google’: estamos ficando dependentes demais da virtualidade e, assim, ajudando a tornar nossos cérebros ‘obesos’? por ANDERSON ROCHA foto: Leo Fontes

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Pesquisadores estudam o ‘Efeito Google’: estamos ficando muito dependentes da virtualidade e, assim, ajudando a tornar nossos cérebros ‘obesos’? Reportagem da revista virtual O Tempo Livre.

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O GOOGLE É O LOBO DO HOMEM?Pesquisadores estudam o ‘Efeito Google’: estamos ficando dependentes demais da virtualidade e, assim, ajudando a tornar nossos cérebros ‘obesos’?

por ANDERSON ROCHA

foto: Leo Fontes

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A Bruna tem WhatsApp, mas o número do namorado não está na lista de contatos. “É um jeito de nos fazer se falar

apenas pelo telefone, ouvir a voz”. Matthew é americano e, em férias em Belo Horizonte, prefere explorar a cidade sem fazer fotografias. Tipo, nenhuma. “Aproveitar o momento é mais importante. Só assim se dá va-lor ao que é autêntico”.

Cada um à sua maneira, o duo rema contra ondas de um imenso mar cha-mado virtualidade. É que há estudos comprovando que tanto aplicativo,

tanto site de buscas e de banco de dados e tanta fotografia feita, o tem-po todo, estão fazendo mais mal do que bem ao cérebro. É o Efeito Goo-gle, nomearam.

Funciona assim: de forma análoga a um HD externo (equipamento usado para armazenar dados e, consequen-temente, poupar a memória do disco rígido do computador), nosso cérebro estaria preguiçosamente utilizando o Google como uma ‘memória externa do homem’. Assim, ao invés de guar-dar e associar questões importan-tes, testemunhadas com os próprios olhos, a mente está se acostumando a recorrer ao site de buscas.

Assim, se você esqueceu o nome da-quela atriz ou daquele filme, pesqui-se no Bing (o Google da Microsoft)! Quer registrar aquele instante lindo? Fotografe a paisagem, mil vezes se for preciso. Perfeito, né?

Em tese, sim. Afinal, já que passamos a não reter determinadas informa-ções ‘inúteis’ no cérebro, aumenta-mos o espaço disponível para a gra-vação de outros tipos de dados, mais válidos. Só que não.

Foto Bruna: Acervo pessoal

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Quem é o cantor?

Foto, foto, foto

Foi a partir de um esquecimento pes-soal que a psicóloga Betsy Sparrow, professora adjunta da Universidade de Columbia, em Nova York, passou a estudar o tema. Ela não lembrava o nome de alguns filmes e recorria sem-pre ao IMDb, site com a maior coleção de filmes da internet, para conseguir informação sobre TV e celebridades da internet. Ela viu que poderia ha-ver algo errado nisso. E havia.

O que Sparrow percebeu - e publicou em pesquisa há três anos (mas mais atual do que nunca) na revista cien-tífica “Science” - é que o homem está se tornando cada vez mais depen-

dente das informações online. Assim, quando precisam lembrar de algo, as pessoas não se recordam da informa-ção em si (a resposta), mas apenas sobre onde podem encontrar aquele dado. É a comodidade. Ou uma espé-cie de obesidade cerebral.

“Nós nos tornamos dependentes dos gadgets conectados no mesmo grau que dependemos do conhecimento obtido de nossos amigos e colegas de trabalho – e que perdemos sem man-ter contato com eles. Nós temos que nos manter conectados para saber o que o Google sabe”, afirma Betsy, em seu artigo.

O Efeito Google foi testado recente-mente na Nova Zelândia. Por lá, pes-quisadores da Victoria University of Wellington acompanharam um dia inteiro de estudantes em um Museu: metade do grupo podia usar câmeras e a outra metade, não. As memórias foram testadas no dia seguinte e a conclusão é interessante: o grupo de fotógrafos reteve menos detalhes so-

bre objetos e fatos quando compara-dos com a outra equipe.

A explicação dos estudiosos é que o fato de poder “registrar” em fotos é mais eficiente do que a gravação ce-rebral. Na prática, porém, as fotos tiram essa função da mente e viram lixo, guardadas entre outras milha-res, nas pastas do seu Windows.

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No pics

O músico americano Matthew Rea-ddick, 21, não tira fotos em viagens. Nunca. “O que me importa é me di-vertir e aproveitar bem o passeio. Não acho necessário mostrar ou até provar para os outros que tive uma boa experiência de viagem. E é isso o que as pessoas fazem quando tiram milhares de fotos e publicam em vá-rios lugares”, afirma.

A ação não agrada a todos. A mãe do menino, por exemplo, recorre ao pri-mo brasileiro de Matthew, o jornalis-ta João Henrique Eugênio, 23, para a tarefa. “Quem tira as fotos dele sou eu. Eu tiro e mando para ela ver”,

conta, aos risos. O estadunidense até tem um smartphone, mas o uso é re-gulado pelas necessidades.

“Se preciso falar com alguém rápido, ótimo. Se tenho uma espera de 10 horas em um aeroporto, também, é claro que vou usar meu telefone ce-lular. Mas quando estou explorando a Serra do Cipó, conhecendo o Topo do Mundo, ou tomando uma caipi-rinha no Maletta, tirar fotos não vai melhorar minha experiência”, diz. “Se ao invés de aproveitar o momen-to, você preferir tirar muitas fotos de um belo por do sol, você vai perdê--lo”, complementa. Aprenderam?

Foto Matthew: Acervo pessoal

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Se tivesse bom, não estaria fotografando

Há algumas semanas, a estudante de arquitetura Bruna Monteiro, 26, de Belo Horizonte, estava conversando com uma amiga sobre a necessidade que algumas pessoas têm de fotogra-far tanto, o tempo todo.

Conversa vai, conversa vem, eis que surge uma teoria: “se o momento es-tivesse tão bom assim, a pessoa não pararia apenas pra tirar uma foto e postar nas redes sociais. Mesmo que eu esteja errada e essas pessoas es-tejam realmente felizes naquele mo-mento, a preocupação que elas têm de mostrar o tempo todo essa alegria

acaba fazendo com que elas percam minutos sagrados de felicidade. Afi-nal, toma um certo tempo fazer isto”, diz.

Por isso, com ela não tem essa de foto, foto, foto. “Se vou em algum lugar aqui em BH mesmo, nem lembro de pegar o celular pra tirar uma foto. Tiro quan-do viajo e conheço lugares bonitos e, claro, quero guardar aquele momento pra sempre. Não deixo de curtir nada pra poder parar e tirar uma foto super produzida. Ah, e direto me pego ven-do fotos de viagens antigas pra dar uma recordada”, afirma.

Os cientistas já sabem há alguns anos que as emoções exercem um papel es-sencial no ranking das memórias. Ou seja: quanto mais emoção há em um fato ou evento, mais ele terá chances de ser guardado - inesquecível.

É uma forma que a mente encontrou para aprender a lidar com o excesso de informação. Segundo pesquisadores, ao fazer uma foto, a emoção do mo-mento é diluída porque o foco mental está dividido com o processo da foto, em si.

Emoção

valE mais

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Compreender mais e não só reter

Para Marcelo Gomes, psicólogo e pro-fessor da área na Universidade Fumec, o Efeito Google não representa, de todo, uma diminuição da capacidade da memória e sim uma utilização di-ferente da mesma, que pode ser, inclu-sive, positiva. “A mente passa a cuidar da busca de informação. Isso é benéfi-co, pois significa que estamos nos ocu-pando mais com a organização crítica e compreensão de informações do que com a mera gravação e retenção.

E é justamente a capacidade de traba-lhar a hierarquia de dados que preo-

cupa o pesquisador. Segundo ele, o excesso de informações presentes no Google pode nos fazer ter dificuldade em organizá-las, em definir qual é mais relevante e mais confiável. Esse é um exercício diário, afirma o profissional.

“Eu sou muito ‘internético’. Hoje eu leio muito mais do que eu lia antes do Google. Quando eu quero saber sobre uma informação, eu posso ler quatro ou cinco versões e pontos de vista do mesmo fato. Tudo isso permite maior crítica”, afirma Gomes.

Não para, Não para, Não para Não O que você pensa sobre pessoas que não largam o smartphone?

Matthew Readdick: Acho que muita gente é viciada em seus telefones. Pes-soas naturalmente querem estar rode-adas de pessoas e as redes sociais per-mitem que estejam sempre conectadas. Mas é uma ilusão de contato. Acho que do jeito que está, é exagerado. Deve-mos aprender a usar smartphones e re-des sociais mais ocasionalmente.

Bruna Monteiro: As pessoas usam de maneira muito exagerada. Nin-guém mais conversa pelo telefone e numa mesa de bar as atenções ficam mais voltadas para os celu-lares que para as pessoas que es-tão em volta. Eu acho o fim dos tempos isso!