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Março de 2009 Ano 6 nº 48 Exemplar de Assinante www.desafios.ipea.gov.br DÉCIO MUNHOZ Governo federal precisa implantar políticas para assegurar emprego e renda para a população brasileira BRASIL As turbulências chegaram com maior velocidade do que se pensava, mas não pegaram o País desprevenido NORDESTE Fórum de Governadores conhecerá, em março, o plano integrado de desenvolvimento, que inclui educação O gigante do oriente Em meio à crise mundial, a China não desiste. Quer ser a maior economia do planeta, superando os Estados Unidos

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M a r ç o d e 2 0 0 9 • A n o 6 • n º 4 8

Exemplar de Assinante

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arço de 2009 • Ano 6 • nº 48

DÉCIO MUNHOZGoverno federal precisa implantarpolíticas para assegurar emprego erenda para a população brasileira

BRASILAs turbulências chegaram com maiorvelocidade do que se pensava, masnão pegaram o País desprevenido

NORDESTEFórum de Governadores conhecerá,em março, o plano integrado dedesenvolvimento, que inclui educação

O gigante do oriente

Em meio à crisemundial, a China

não desiste. Querser a maior

economia do planeta,

superando osEstados Unidos

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4 Desafios • março de 2009

Governo FederalSecretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da RepúblicaMINISTRO Roberto Mangabeira Unger

PRESIDENTE Marcio Pochmann

URL: http://www.ipea.gov.brOuvidoria:http://www.ipea.gov.br/ouvidoria

www.desafios.ipea.gov.br

DIRETOR-GERAL Jorge Abrahão de CastroASSESSOR-CHEFE DE COMUNICAÇÃO Estanislau MariaCOORDENADORA ADMINISTRATIVA Dóris Magda Tavares GuerraCONSELHO EDITORIAL Carlos Sávio, Estanislau Maria, JorgeAbrahão, Junia Conceição, Marcio Bruno Ribeiro, Mariada Piedade, José Aparecido Ribeiro, Luciana Acioly, DórisGuerra e Geraldo Seabra.

RedaçãoEDITOR-CHEFE Marco Antônio Moreira EDITOR-EXECUTIVO Gilson Luiz EuzébioEDITOR DE ARTE Thiago Luis GomesBRASÍLIA Erich Decat, Márcio Falcão, Fábio Lino, PedroHenrique Barreto e Márcio OliveiraRIO DE JANEIRO Paulo Márcio VazJORNALISTA RESPONSÁVEL Marco Antônio Moreira

ColaboradoresFOTOGRAFIA Josemar Gonçalves / Andressa AnholeteTEXTO Lúcia BerbertILUSTRAÇÃO Antônio SchonartFOTO DA CAPA Fotomontagem sobre imagens da Dreamstime e Stock.xchng

Cartas para a redaçãoSBS Quadra 01, Bloco J, Edifício BNDES, sala 1514 CEP 70076-900 - Brasília, [email protected]

[email protected](061) 3315-5251

ImpressãoGáfica Artprinter

AS OPINIÕES EMITIDAS NESTA PUBLICAÇÃO SÃO DE EXCLUSIVA E DE INTEIRA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES, NÃO EXPRIMINDO,NECESSARIAMENTE, O PONTO DE VISTA DO INSTITUTO DE PESQUISAECONÔMICA APLICADA (IPEA).

É NECESSÁRIA A AUTORIZAÇÃO DOS EDITORES PARA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DO CONTEÚDO DA REVISTA.

DESAFIOS (ISSN 1806-9363) É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DO IPEA,PRODUZIDA PELA VIRTUAL PUBLICIDADE LTDA.

VIRTUAL PUBLICIDADE LTDA

RUA DESEMBARGADOR WESTPHALEN, 868, CURITIBA-PR

CEP. 80230-100 – FONE:(41) 3018-9695E-MAIL: [email protected]

Carta ao leitorPrimeiro país em população, terceiro em extensão territorial, a China

viveu, por longo período do século passado, praticamente esquecida peloOcidente. Em apenas algumas décadas, registrou crescimento econômicobem acima da média mundial. Um desempenho que a coloca em posiçãode destaque diante das demais nações, mesmo em período conturbado decrise como todas enfrentam.

Reportagem de capa desta edição mostra que a China tem uma metaambiciosa: tornar-se a maior potência econômica do planeta, ocupando acadeira cativa que ainda pertence aos Estados Unidos. Beneficiados, emparte, pela retração global, os chineses, que já eram os maioresconsumidores de celulares do mundo, passaram a possuir, também, omaior mercado de automóveis. A economia será abalada, de acordo comtodas as projeções. No entanto, o crescimento, ainda assim, estará acimados demais países, provocando reflexos positivos, principalmente entre osvizinhos da Ásia.

No Brasil, a crise também chegou, de maneira mais rápida do queimaginado. De acordo com estudo realizado pelo Ipea, as medidasanticíclicas adotadas pelo governo desde o final do ano passadoprocuraram evitar que o país entrasse em recessão. Na América Latina,segundo a Cepal, os demais países igualmente estão em melhorescondições de enfrentar as adversidades que em situações idênticas nopassado. A região, ao longo dos últimos anos, ampliou seus mecanismosde proteção social – a Aposentadoria Rural e o Bolsa Família são exemplosno caso brasileiro – que serão elementos fundamentais para amenizar osefeitos das dificuldades, principalmente entre os mais pobres.

São fatos que, sem dúvida, merecem ser acompanhados por todos.

Boa leitura.

Jorge Abrahão de Castro, diretor-geral da revista Desafios do Desenvolvimento

Cartas ou mensagens eletrônicas devem ser enviadas para desaf [email protected] de redação: SBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 1515 - CEP 70076-900 - Brasília, DFVisite nosso endereço na internet: www.desaf ios.ipea.gov.br

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Desaf ios • março de 2009 5

GiroDescomplicandoo economêsControvérsiaPerfilCircuitoAgendaEstanteIndicadoresCartas

Seções Artigos6

18

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Entrevista – Décio Munhoz Garantir emprego e renda, uma necessidade em ambiente de crise

Macroeconomia – O dragão chinês contra a criseChina só faz crescer. E sonha em ser a maior potência econômica do mundo

Brasil – O risco da contaminaçãoAs turbulências externas chegaram antes do previsto

América Latina – Ninguém estava dormindoRegião está em melhores condições para retomar o desenvolvimento

Combustíveis – A euforia (arriscada?) do álcoolProdução de estanol cresce acima da demanda

Desenvolvimento – A maldição do petróleoGoverno mudará critérios na repartição de royalties para inibir abusos

História – Seca, fenômeno secular na vida dos nordestinosDesde Pedro II, governos prometem acabar o f lagelo. Até agora, pouco mudou

Integração – Uma nova cara para o NordestePlano de desenvolvimento econômico da região priorizará também a educação

Melhores práticas – Por um ensino de qualidadeAmazonas inova na capacitação de professores. E consegue bons resultados

Resgate – Articulação integradaPrograma Territórios da Cidadania muda a vida de milhões de brasileiros

Sumário10

20

30

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48

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64

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PAC e o desafio da implementaçãoCid Blanco Júnior

Mercado de terras e governançaAlberto Lourenço

Os royalties e o pré-salBruno de Oliveira e Márcio Bruno

PLR no Brasil: ainda um desafioDiana Coutinho

Desafios e oportunidades da criseSalvador Werneck Vianna, Eliane Araújo e André Modenesi

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GIRO

O Ministério da Ciência eTecnologia, o Conselho Nacio-nal de Desenvolvimento Cientí-fico Tecnológico (CNPq) e asfundações estaduais de amparoà pesquisa lançam, em meadosde março, chamada pública pa-ra projetos de pesquisa dentrodo Acordo Cooperação emCiência e Tecnologia entre oBrasil e a União Européia (UE).Esta chamada apoiará propostasconjuntas de pesquisa, desen-volvimento e inovação em bio-combustíveis, executadas em co-laboração científica entre pes-quisadores brasileiros e de paí-ses-membro da UE.

Será dada prioridade a pro-jetos relevantes para a segundageração de biocombustíveis queenvolvam pesquisadores de nomínimo três países, sendo umdeles obrigatoriamente o Brasil.Espera-se que as propostas con-juntas tenham como foco o de-senvolvimento de tecnologiasavançadas para produção decombustíveis de segunda gera-ção a partir de recursos naturaisbrasileiros e europeus.

Os pesquisadores brasileirosinteressados em participar doEdital Brasil-UE deverão sub-meter suas propostas direta-mente ao CNPq.

Em vez do desmatamento,peixes. O governo federal pre-tende lançar, até março, umprograma de incentivo ao de-senvolvimento da pesca naAmazônia. O assunto envolvedois ministérios – Pesca e As-suntos Estratégicos – como par-te do Plano Amazônia Susten-tável, que se propõe a desenvol-ver o crescimento econômicoda região sem agredir o meioambiente.

De acordo com ambientalis-tas, em muitos casos os nativosda região optam por agredir afloresta por falta de outrosmeios que lhe garantam as mí-nimas condições de sobrevi-vência. O projeto, para ter su-cesso, precisará contar com oapoio de governadores e prefei-tos. Os governadores, inclusive,serão convidados para uma reu-nião em Brasília, quando deba-terão o tema.

Pesquisa

Amazônia

desenvolvimento

Governo estimula pesca para combater desmatamento

Brasil e UEdesenvolvemação conjunta

A partir da primeira semana de março, to-dos os assinantes de telefonia – fixa e móvel– no Brasil contarão com a portabilidade nu-mérica, serviço que permite a troca de ope-radora sem mudar o número do telefone. Nosúltimos dois meses, foram beneficiadas com onovo serviço as cidades com os maiores con-tingentes de assinantes, como Brasília, Rio deJaneiro e São Paulo.

A portabilidade é considerada como umdos principais instrumentos de competição,porque dá ao consumidor a possibilidade deescolher a operadora de acordo com a suaconveniência. Ao mesmo tempo, força as em-presas de telefonia a oferecer melhores servi-ços para manter e conquistar novos clientes.

A troca de operadora, segundo regula-mento da Agência Nacional de Telecomuni-cações (Anatel) é sem burocracia: o assinan-te liga para operadora que quer migrar e estatomará todas as providências para concre-tizar a mudança. A taxa para o serviçofoi fixada em R$ 4, mas as opera-doras, para aumentar a sua car-teira de clientes, não estão co-brando nada.

Mesmo com todas asvantagens, o número detelefones portados até o

final de 2008, não ultrapassou o índice de0,3% do total de assinantes atendidos até de-zembro. A previsão é de que a procura pelaportabilidade numérica aumente, a partir domomento em que essa alternativa ganhe maisdivulgação.

Atualmente, o Brasil tem 43 milhões de as-sinantes da telefonia fixa e mais de 150 mi-lhões de celulares habilitados. Por enquanto,a portabilidade só é possível entre operado-ras que atuem na mesma área (com o mesmoDDD).

Portabilidade

Mude de operadora. E mantenha número do telefone

com agências

Angela Peres / Secom-AC

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O governo definiu a data pa-ra realização da Conferência Na-cional de Comunicação, que vaidebater uma nova política para osetor, será no dia 2 de dezembrodeste ano e será precedida de de-bates regionais. “A convocaçãovem com um ano de atraso, mas éum passo importante para a de-mocratização do debate sobre ascomunicações no País", avalia odeputado Walter Pinheiro (PT-BA) (foto), que presidiu a Comis-são de Ciência e Tecnologia, Co-missão e Informática da Câmarae um dos ativistas do evento.

Pinheiro, trabalhou, ao ladodos deputados da comissão, in-tensamente pela aprovação deemendas aos orçamentos de2008 e 2009 que garantissem osrecursos necessários para a rea-lização do evento. Como resul-tado desse esforço, foi aprovadoo remanejamento de R$ 8,2 mi-lhões para a realização de con-ferências estaduais e nacional.

Segundo o deputado, a pres-

são da sociedade para rediscutiro setor também mobilizou osministros Hélio Costa (Comu-nicações) e Dilma Rousseff (Ca-sa Civil), que terão papel impor-tante nos debates. Ele defendeque a conferência discuta a des-criminalização das rádios co-munitárias; os termos do novomarco regulatório do setor; asregras para o serviço de televi-são por assinatura, inclusive coma revisão da Lei do Cabo e umamplo debate sobre o conteúdo.

O assessor especial da CasaCivil, André Barbosa, ressaltaque a data escolhida é emble-mática para as comunicaçõesbrasileiras. "Nesse mesmo diafoi implantada a TV digital bra-sileira e criada a TV pública",lembra. Os estados deverão fa-zer eventos preparatórios paraenriquecer a temática, mas paraos municípios a realização é op-cional. "A expectativa é de queas etapas regionais sejam con-cluídas até agosto", disse.

Comunicação Economia

Bispo emérito de Caxias (RJ), domMauro Morelli iniciou, pelo Ministérioda Defesa, uma série de visitas a autori-dades federais com o objetivo de conse-guir apoio para o Projeto Galiléia, de suaautoria, que pretende capacitar jovens deregiões de risco na produção de alimen-tos. Ex-membro do Conselho Nacionalde Segurança Alimentar Nutricional Sus-tentável (Consea), dom Mauro manterácontatos também com outros ministros,como os de Desenvolvimento Social, De-senvolvimento Agrário, Integração Re-gional, Educação e Saúde.

Para dom Mauro, a falta de alimentoprovoca instabilidade e violência. Por is-so, defende que se forneça, à populaçãocarente, condições para que possam tra-balhar no campo de forma sustentável.

O bispo sugere a criação cursos de for-mação técnica, com trêsanos de duração, pa-ra jovens entre 15 e24 anos. Após o cur-so, este contingente sereuniria em associa-ções ou cooperativas,que receberiam incen-

tivos públicos paracomeçar a produzir.

Educação

Dom Mauro propõe alternativas para amenizar a violência

Baixa renda teráestímulo paratrocar geladeira

Terá início, no segundo se-mestre, o programa do governofederal que permitirá a troca, apreços subsidiados e juros maisbaixos, de geladeiras antigas,que emitem gás CFC (cloro-fluorcarbono), por outras, mo-dernas e econômicas. A meta ésubstituir 10 milhões de refri-geradores velhos e pretendeatingir, principalmente, a po-pulação de baixa renda.

A troca será financiada peloBanco do Brasil e Caixa Econô-mica Federal. Caso seja neces-sário, o Banco Nacional de De-senvolvimento Econômico eSocial (BNDES) será acionado.De acordo do estudos do Mi-nistério de Minas e Energia, odesembolso público no progra-ma será compensado com aeconomia de energia obtidacom a utilização dos novosequipamentos.

Edson Santos/Agência Câmara

Secretaria de Estado da Educação do Paraná/Divulgação

Sociedade pressiona e conferência será em dezembro

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Medida provisória assinadapelo presidente Luiz Inácio Lulada Silva assinou assegura, a par-tir do início do ano letivo, me-renda e transporte escolar ao en-sino médio da rede pública. Ogoverno reservou R$ 574,6 mi-lhões que garantirão a ampliaçãodas ações federais neste setor, in-clusive do programa DinheiroDireto, que permite aos diretoresdas escolas tomarem a iniciativade realizar pequenas melhorias

em suas instalações. Segundo o Ministé-

rio da Educação, 7,3milhões de alunos doensino médio terãomerenda e 1,1 milhãodos níveis infantil e mé-dio, da zona rural, con-tarão com o transpor-te escolar, deixando de caminharlongas distâncias para estudar.

Antes, só estudantes do ensi-no fundamental e educação in-

fantil tinham direito ao benefí-cio. Por intermédio do programaDinheiro Direto, as escolas pú-blicas também receberão peque-

nas quantias para serem aplicarem pequenas reformas na estru-tura física ou na aquisição deequipamentos.

Educação

Merenda e transporte grátispara alunos do ensino médio

Portaria que proíbe o uso doamianto em obras públicas e veí-culos de todos os órgãos vincu-lados à administração pública foianunciada pelo ministro doMeio Ambiente, Carlos Minc.Ele tomou a decisão por se tra-tar de substância que mata pormeio da inalação da fibra, acres-centando que existem outrosmateriais, de origem mineral, ve-getal ou sintética, que não re-presentam risco à saúde.

No Brasil, quatro es-tados fizeram leis contrao uso do amianto: Rio deJaneiro, Pernambuco, SãoPaulo e Rio Grande do Sul.Segundo Minc, com a por-taria, o governo brasileirofaz sua parte para a preser-vação do meio ambiente.

O amianto causa doen-ças como a asbestose (queprovoca o endurecimentodos pulmões) e diversos tiposde câncer.

Saúde

Administraçãofederal não usamais o amianto

O Efavirenz, um dos17 medicamentosque compõem ocoquetel antiaids,passou a ser produzido noBrasil. A Agência Nacional deVigilância Sanitária (Anvisa) au-torizou o Instituto de Tecnologiade Fármacos, ligado à FundaçãoOswaldo Cruz, a produzir a ver-são genérica do medicamento. Aentrega do primeiro lote, com 2,1milhões de comprimidos, estavaprevista para a segunda quinze-na de fevereiro. Segundo a Anvi-sa, das 185 mil pessoas no Brasilque estão em tratamento contra aaids, 85 mil tomam o remédio.

A fabricação do genérico na-cional foi possível por causa dolicenciamento compulsório de-cretado, em 2007, pelo ministroda Saúde, José Gomes Temporão.O Brasil tomou esta decisão emfunção do alto custo do medica-mento importado, com impactono tratamento.

Técnicos da PrevidênciaSocial intensificaram ope-ração pente fino no progra-ma que permite ao segura-do requerer aposentadoriano prazo máximo de 30 mi-nutos. O sistema vem fun-cionando, mas apresenta al-guns gargalos que precisamser corrigidos.

Um dos problemas refe-re-se aos chamados “homô-nimos complexos” – segu-rados e ascendentes com

nomes iguais. Ou-tro diz respeitoao trabalhadorque iniciou suasatividades na

iniciativa privada, migroupara o serviço público du-rante determinado períodoe retornou a seu setor deorigem. Se a migração ocor-reu para uma prefeitura pe-quena, por exemplo, há cer-ta dificuldade de comprovaro tempo de serviço.

Por isto, os técnicosaconselham que todos guar-dem a carteira profissionale outros documentos simi-lares como um verdadeirotesouro. Serão muitoúteis caso seja neces-sário fazer algumtipo de com-provação.

Previdência

Auditoria tenta melhorar aaposentadoria simplificada

Aids

Anvisa dá sinalverde para novogenérico

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Divulgação

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Construção civil

A construção de um nívelexpressivo de casas popularesao longo do ano é umas das me-didas que o governo federal pre-tende adotar este ano dentro dopacote de combate à crise eco-nômica. A sugestão, apresenta-da pelo ministro do Desenvol-vimento, Indústria e ComércioExterior, Miguel Jorge, contacom integral apoio do presi-dente Luiz Inácio Lula da Silva.

Há divergências, dentro dogoverno, sobre o total de habi-tações a serem construídas. Fa-

la-se no mínimo de 500 mil aum teto de 1 milhão de novasmoradias. Com isto, serão atin-gidos dois objetivos: reduzir dé-ficit habitacional, que ainda émuito elevado, principalmenteentre as pessoas de baixa renda,

e abrir novos postos de trabalho. Os projetos deverão ser to-

cados, preferencialmente, porpequenas e médias empresas dosetor de construção civil, quesão grandes absorvedoras demão-de-obra.

Habitação paramais carentesserá ampliada

Depois do recorde de inves-timento em 2008, o Banco Na-cional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES)pretende repetir o desempenhoeste ano. No ano passado, in-vestiu R$ 92,2 bilhões e regis-trou consultas de novos proje-tos de investimento de R$ 175,8bilhões. Em 2009, a instituiçãoprevê R$ 199,4 bilhões de in-vestimentos, com base nos pro-jetos aprovados no exercício an-terior. A aplicação desses re-cursos, segundo o banco, teráforte impacto no desenvolvi-mento econômico e social e nageração de emprego e renda noPaís. A instituição calcula queos desembolsos de 2008 acres-cidos aos investimentos das em-presas resultaram na criação oumanutenção de 2,8 milhões deempregos.

Os desembolsos para as in-dústrias em 2008 cresceram 48%em relação ao ano anterior e atin-giram R$ 39 bilhões. Na área deinfraestrutura foram investidosR$ 35 bilhões, 37% de aumento.O volume de recursos dos proje-tos industriais aumentou 51%,com destaque para a área de ali-mentos e bebidas (R$ 11,3 bi-lhões), de metalurgia (R$ 10,4 bi-lhões) e indústria extrativa mi-neral (R$ 12,7 bilhões).

Na avaliação da instituição,o cenário para 2009 é de expan-são: grandes projetos de energiaelétrica e a garantia de manu-tenção do Programa de Acele-ração do Crescimento (PAC) in-dica boas perspectivas para o in-vestimento. Esses dados, segun-do o BNDES, não indicam im-pacto da crise internacional.

Contra a crise

BNDES tem R$175 bilhões parainvestimentos

Valter Campanato/ABr

O ministro de Minas e Energia, Edson Lo-bão, disse que o governo brasileiro não temnenhum preconceito em diversificar a matrizenergética nacional, hoje concentrada na ge-ração hidráulica. Para atingir este objetivo, es-tá disposto a fazer investimentos em outrasalternativas igualmente rentáveis, incluindo-se aí as matrizes nuclear, solar e eólica.

No entanto, o Brasil não pretende aban-donar a sua fonte tradicional. Tanto assim queo Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-nômico e Social (BNDES) aplicará em 2009

entre R$ 10 bilhões e R$ 12 bihões para am-pliar a capacidade do complexo hidrelétrico.Para projetos no Rio Madeira (RO), serão li-berados este ano R$ 4 bilhões, destinados àsobras das usinas Santo Antonio e Girau, re-cursos que atingirão R$ 27 bilhões até 2015.

Hoje, o BNDES financia a construção de20 usinas, que empregam 20 mil trabalhado-res. A maioria delas entrará em operação en-tre 2012 e 2014. Com isto, está afastada a pos-sibilidade de haver problemas no forneci-mento.

Energia

Ministro defende outras fontes de geração

Valter Campanato/ABr

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ENTREVISTA E c o n o m i s t a p r o p õ e m e d i d a s i n t e r n a s d e p r o t e ç ã o a o

Aradiograf ia da economia brasileira diante da crise no sistema bancárioglobal, traçada pelo economista Décio Munhoz, não é nada animadora.Munido de planilhas, estudos e mergulhado em uma imensidão de números,

o professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB) avalia: é um errodesprezar ações que possam ser responsáveis por uma política de recuperaçãoe proteção salarial da população. Sustenta, também, que a economia brasileira estámais instável, por causa do que chama de “equívoco” que assegura mais poderesà autoridade monetária do que às áreas fazendária e de planejamento. Ementrevista a Desafios, no final de janeiro, Munhoz disse que, se o governo acordarpara questões salariais, mantiver “as pessoas no supermercado e nas feiras” einvestir, será mais fácil driblar as turbulências internacionais

P o r M á r c i o F a l c ã o , d e B r a s í l i a

“É preciso manter aspessoas nas feiras e

nos supermercados”

Décio Munhoz

10 Desafios • março de 2009

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e m p r e g o e d e f e n d e l i m i t a r o s p o d e r e s i n v e s t i d o s p e l o B a n c o C e n t r a l

Josemar Gonçalves

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Desafios - Ao longo do último ano, o debate que se fezno país em relação à crise no sistema bancário global erase os efeitos seriam ou não sentidos na economia brasi-leira. O governo chegou a dizer que a crise seria uma “ma-rolinha”. Mas a crise já chegou à economia real. Que ce-nário o senhor vê para o Brasil neste ano?

Décio Munhoz - Ainda prefiro lançarmão da cautela. Não vou ficar me es-forçando em fazer esse jogo de adivi-nhação. É claro que nós seremos afe-tados, porque a crise é muito grande.É tão grande que, até hoje, não sabe-mos o tamanho dela. Sô temos notí-cias e avaliações sobre muitas incerte-zas. O Fundo Monetário Internacio-nal, por exemplo, já fala em cresci-mento de 1,5% para o Brasil. Qualqueravaliação que se faz tenta lançar mãode uma bola de cristal. Tudo vai de-pender do programa do novo presi-dente dos Estados Unidos [BarackObama]. Ele ainda não definiu comovai subsidiar as famílias que estão per-dendo imóveis, assim como não ficouclaro como vai fazer para repor a ren-da e nem como vai aumentar o em-prego. Nós ainda precisamos acompa-nhar os movimentos da China, que eraa grande locomotiva mundial e tam-bém foi puxada para o centro da crise.Nossas exportações dependem muitodisso. Se os chineses se reposiciona-rem, os Estados Unidos e a Europa ti-verem maior controle sobre suas cri-ses e também estejam atentos ao mer-cado externo excedente é capaz de oBrasil, com a adoção especialmente demedidas internas, ter uma situaçãomais confortável no final do ano.

Desafios - Quais seriam as medidas para o país blindara economia?

Munhoz - São necessárias medidas in-ternas. Não podemos ficar esperan-do os movimentos ao redor do mun-do para tomarmos posição. É preci-so avaliar as atuais condições e tra-balhar em cima delas. Isso porque acrise, no Brasil, não teve a mesma ca-racterística em termos de propaga-ção inicial do que nos Estados Uni-dos e na Europa. Por lá, entrou no sis-

tema financeiro pela questão de in-solvência e tratativas dos bancos. NoBrasil, atingiu o sistema financeiropelo lado passivo. Eles tiveram pro-blemas para receber o que tinhamemprestado e isso gerou desconfian-ça nos títulos dos bancos, que tive-ram perdas muito grandes. Os títu-los ficaram desvalorizados. Quemcomprou título dos bancos tambémperdeu, ou seja, operações ativas, em-préstimos e aplicações que colocaramos Estados Unidos nesta situaçãoatingiram, também, o setor real noBrasil. Por aqui, as turbulências en-traram pelo passivo, porque os ban-cos tiveram dificuldades de renovaroperações de captação de recursos.

Mas os bancos não tinham grandesposições externas. Não houve efeitosprofundos no Brasil, porque não ha-via grandes fontes internas mal apli-cadas no exterior. A partir disso, in-clusive, criou-se a ilusão de que oBrasil ficaria fora da crise interna-cional. Mas foi só ilusão.

Desafios - Por que o Brasil também foi lançado na crise?Munhoz - É preciso olhar mais atrás.O Brasil não tinha como ficar intactodiante da crise por vários motivos. Acrise americana no setor real já vinhaem aceleração há mais de um ano.Eram evidentes as dificuldades naárea da construção civil. Você tinhaos primeiros problemas financeiros,

Economista e professor universitário aposentado,

Décio Garcia Munhoz, 74 anos, nascido em Bauru

(SP), formou-se bacharel em Economia, no ano de

1966, pela Universidade de Brasília (UnB). No ano

seguinte, recebeu o título de pós-graduação em

Economia do Instituto de Pesquisas Econômicas da

Universidade de São Paulo (USP).

De volta à capital federal, tornou-se professor

titular do Departamento de Economia da UnB.

Permaneceu lecionando por 28 anos. Em 1979,

concluiu seu mestrado pelo Instituto de Pesquisas da

USP. Foi agraciado pelo Conselho Federal de

Educação, em 1980, com o título de Notório Saber.

Dividiu as salas de aula com as atividades do Banco

do Brasil, onde trabalhou de 1954 a 1983.

Presidiu o Conselho Federal de Economia, em

1986, e o Conselho Superior da Previdência Social,

nos anos de 1987 e 1988. Em 2007, tornou-se um

dos integrantes do Conselho de Orientação do

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Desde 1971, publicou 270 artigos em revistas

especializadas e séries monográf icas. Seu texto mais

recente: “Desnudando o elitismo monetarista” pode

ser conferido na publicação Ensaios de História do

Pensamento Econômico do Brasil Contemporâneo.

Trajetóriaprofissional

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O Brasil não tinha comoficar intacto diante da crisepor vários motivos. A crise americana no setorreal já vinha em aceleraçãohá mais de um ano. Eram evidentes asdificuldades na área daconstrução civil. Você tinhaos primeiros problemasfinanceiros porque o bancos financiavam com total liberdade.Surpreendentemente, até facilitavam para aspessoas que não tinhambase de renda. Eles tiveramproblemas para receber o que tinham emprestado e isso gerou desconfiança

porque o bancos financiavam comtotal liberdade. Surpreendentemen-te, facilitavam para as pessoas quenão tinham base de renda. Os ban-cos chegaram a oferecer até condi-ções vantajosas no início. Depois, vi-nham as taxas e condições reais.Houve uma euforia de empréstimos.Quando isso mudou, afetou o setorreal da economia. As grandes perdasatingem os aplicadores e também ademanda. Com isso, neste segundomomento, começa a ter problema dolado da renda e do emprego. Por ou-tro lado, a economia americana re-duz as atividades. Não afeta tanto aeconomia brasileira. Mas afeta a Chi-na, que estava puxando o crescimen-

to mundial. O Brasil começa a sentiro lado real da economia. A crise fi-nanceira mundial fez com que o flu-xo de capital de especulação tivessereversão. O Brasil se tornou um dosgrandes centros de especulação fi-nanceira mundial. O governo ofere-cia estímulos fiscais, com ganho fácile valorização da bolsa, que puxavama economia sem uma base real. Aeconomia não vinha recuperandopor melhoria de salário, de emprego,de um programa de investimentosgovernamentais. O governo não con-seguia investir porque a relação Te-souro e Banco Central é impressio-nante e o governo não teve atençãoem criar a base real da economia.

Desafios - Que relação é esta entre o Banco Centrale o Tesouro?

Munhoz - O Banco Central suga o Te-souro de recursos e o governo nãotem como investir. Basta dizer que, noano passado, o BC levou R$ 100 bi-lhões do Tesouro. Em 2007, foram R$70 bilhões. Esses recursos são aque-les que o Tesouro passou para o Ban-co Central. O que estava penduradopara o Tesouro e mais emissões emeios circulantes que ele não paga ju-ros. Então, esse tipo de relação maisa Taxa Selic representam ganhos parao Tesouro. Enquanto isso, o Progra-ma de Aceleração do Crescimento(PAC) não tem capacidade de inves-timento. São R$ 17 bilhões por ano.

Josemar Gonçalves

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O programa é extraordinário no ladoda Petrobras e, também, nos emprés-timos na área da Caixa EconômicaFederal, que o governo não colocourestrições para financiamentos no se-tor de saneamento. Mas não tem fô-lego para mover a economia.

Desafios - O que representa essa falta de fôlego nosinvestimentos que o senhor diz para a economia?

Munhoz - A economia acaba não sen-do puxada pelo crescimento interno.As iniciativas governamentais nãotêm impacto para isso. Você melhoraa partir do investimento privado, queaumenta a demanda em áreas comgrande densidade de capital. Quan-do um porto é feito, por exemplo, elenão gera empregos permanentes. Asempresas iniciadas no setor externo,especialmente na área de minério,não têm um impacto permanente edireto na economia com geração erenda. Significa que a nossa econo-

mia crescia sustentada pela boa es-peculação financeira. Em parte pelofinanciamento facilitado. Quandotem a crise, você é afetado primeirono mercado externo, porque todomundo para de importar. Segundoporque aqueles que ganham dinheirofácil sustentando a indústria auto-

mobilística, a indústria de constru-ção civil com grandes projetos, de re-pente vêm abaixo. Com isso, a eco-nomia brasileira ficou nua.

Desafios - A política econômica brasileira está no ca-minho errado?

Munhoz - Estamos em uma situaçãodifícil. Não tínhamos uma políticareal de recuperação de renda e nãotemos investimentos governamen-tais. Estávamos no vácuo da econo-mia chinesa, que puxava todo mun-do. Esse é o problema.

Desafios - O governo erra na condução das medidas decombate à crise?

Munhoz - Comete um erro clássicoque o outro governo vinha come-tendo há dez anos: não promoveruma política de proteção aos salá-rios. Toda vez que a economia estáfraca, você acaba lavando a econo-mia e provocando a redução das ren-

O Banco Central suga oTesouro de recursos e ogoverno não tem como

investir. Basta dizer que, no ano passado, o BC levouR$ 100 bilhões do Tesouro.

Enquanto isso, o PAC não tem capacidade

de investimento

Josemar Gonçalves

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das das famílias por meio dos incen-tivos e da redução fiscal das empre-sas. Empresas precisam de mercado.Toda política fiscal tem que ser paraa empresa investir. Não se pode jo-gar a zero o investimento da empre-sa. Com essa política fiscal, não seconsegue repor a economia brasilei-ra nos trilhos do crescimento sus-tentável. O governo tem que ter emmente que, diante dos atuais proble-mas, é preciso colocar as pessoas nosupermercado e na feira. Hoje, o go-verno tem esta dificuldade de perce-ber e de pensar a macroeconomia.

Desafios - O que o senhor quer dizer exatamente comesta crítica?

Munhoz - Em todos os países há umsério problema entre os pensadoreseconômicos. Não se pensa mais namacroeconomia. As escolas deixaramde discutir, há muito tempo, qual ofuncionamento da economia real.Passaram, apenas, a valorizar o usodas calculadoras, levando o sujeito ater habilidade para chegar aos cálcu-los de ganhos dos derivativos finan-ceiros. Como se as operações dosmercados de capitais fossem a essên-cia exclusiva da economia. Com isso,destruiu-se uma linha de pensamen-to nas escolas e abriu-se espaço parapessoas com capacidade de ingressarnesse mundo virtual. É um fenôme-no mundial. A economia americanavai sendo dirigida por pessoas domercado de capitais. Por lá, você ti-nha um assessor de Davos [FórumEconômico Mundial], representantede grandes banqueiros, participandoe ditando as negociações. Mas não ti-nha um nome da Organização Mun-dial do Comércio. Aos poucos, issofoi diminuindo a capacidade de sedefinir políticas macroeconômicas.As pessoas são obrigadas a não pen-sar nisso. No final, você descobre queas pessoas que pensam na economiaamericana, na européia e na brasilei-ra acabam com uma deformaçãomental.

Desafios - Muitos economistas atribuem a uma visãoprogressista dos bancos centrais, americano e europeus,os problemas da crise. O senhor concorda?

Munhoz - Foi uma postura neoliberal.A economia mundial normalmenteconta com um sistema financeiro vol-tado para a intermediação financei-ra. Os bancos servem poupando em-presas e indivíduos e remuneram osetor produtivo, que remunera os ju-ros e amplia, a partir do lucro, a suacapacidade de reinvestir, enquanto osbancos reforçam os recursos das em-presas. Mas este universo começou aser atropelado na década de 1970,com as políticas petrolíferas e os fun-dos de pensão acumulando grandesvolumes de recursos para atenderaposentadorias futuras. Diante do no-vo cenário com grandes volumes deprodução, os países começaram a serforçados a permitir o ingresso livre decapitais, com a especulação nas bol-sas, que envolve a possibilidade de al-tas remunerações desses fundos forado setor produtivo. Algo virtual mes-mo. Comenta-se nos Estados Unidosque os derivativos, que em sua maio-ria são especulativos, chegaram a US$500 bilhões. Isso teve um forte im-pacto nas economias emergentes. Osfundos procuravam circular com es-

sas operações que davam ganhos fá-ceis. O problema é que os ganhos des-sas movimentações, que são grandes,não são reais. São papéis. E isso é quelevou o FMI [Fundo Monetário In-ternacional] a fazer um novo sistemade operações nos anos 1990, comaquele empréstimo de prateleira, pa-ra ser como uma garantia ao capitalespeculativo. Em nome disso você te-ve uma arquitetura para facilitar o ca-pital especulativo e o Brasil entrou na-dando de braçada nisso. Em 2007, oBrasil se tornou centro de especula-ção internacional, registrando maisfluxo do que nos oito anos do gover-no do Fernando Henrique. Foram se-te vezes o índice de 2004. A partir dis-so, o Brasil não conseguiu se armarcontra a crise. Ficou sem visão para apolítica macroeconômica, com visãopara renda, demanda e emprego.

Desafios - As medidas contra a crise não atingem ocentro do problema?

Munhoz - Ficamos mais dependentesde medidas internas. O governo pre-cisa acordar para a renda do trabalha-dor. O índice de desemprego registra-do em dezembro, com mais de 600mil fechamentos de postos de traba-lho, reflete a falta dessa política ma-croeconômica. Desde os anos 1990havia taxas de crescimento medíocresque, aos poucos, melhoraram. Masmelhoravam para atender à especula-ção. Com as novas restrições do mer-cado, por causa da crise, é natural quea taxa de desemprego aumente.

Desafios - Quais são os outros setores que podem seratingidos?

Munhoz - Tivemos dez anos de redu-ção de salários. Entre 1994 e 2004, otrabalhador sofreu. Depois, o gover-no começou a ter uma tímida recu-peração. Mas começou a mutilar omercado interno, com o inchaço daespeculação financeira, financia-mento livre, crédito consignado. Is-so não permite o crescimento conti-nuado. Não há demanda nem base na

O governo precisa acordarpara a renda do

trabalhador. O índiceregistrado em dezembro,

com mais de 600 milfechamentos de postos de

trabalho, reflete a falta dessapolítica macroeconômica.Com as novas restrições, é natural que a taxa de

desemprego aumente

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renda permanente, que são dois com-ponentes essenciais para o cresci-mento. Sem dúvida, outros setoresvão começar a indicar prejuízo.

Desafios - Qual a sua receita para o Brasil ultrapas-sar esta crise?

Munhoz - Primeiro tem que retomaro pensamento macroeconômico eacordar para um erro na conduçãoda nossa política econômica. A polí-tica econômica tem que estar aliadaa programa político. Só atrelado aum projeto global político e econô-mico é que um país conseguirá umaboa política econômica. Mas está tu-do invertido. A área monetária temautonomia demais. O Banco Centraltem uma Diretoria de Política Mo-netária. Se o Obama [presidente dosEstados Unidos] fosse o presidentedo Brasil, acabava com ela em seuprimeiro dia de governo. O BancoCentral tem autonomia demais. Estácom o controle de toda a política fis-cal e econômica. O Banco Centraltem que estar subordinado as autori-dades fazendárias. Tem, sim, de ter oaval da Fazenda e do Planejamento.

Desafios - Pressionado, o Banco Central reduziu emum ponto percentual a Taxa Selic. Será uma tendência?

Munhoz - Não sou dos mais otimistas.O Banco Central continuou conser-vador. Não vai ser tendência. Para seter uma idéia, a taxa de inflação re-gistrou, nos últimos seis meses, 5%.Eles recuaram apenas um ponto. Na-da significativo.

Desafios - Quais seriam as principais medidas que oPaís deveria adotar para se fortalecer diante da crise?

Munhoz - Implementar uma políticapara a recuperação de renda e ganhodos ativos. A renda da família estácomprimida. Vinha melhorandocom a farta oferta de crédito, bene-fício que você tinha e talvez não vol-te. O governo precisa rearranjar es-tas questões, procurando uma ma-neira de garantir renda na praça,além de rever políticas de proteção a

salários. É preciso uma recomposi-ção pela inflação a cada 12 meses.Não se pode inventar e tentar re-compor a curto prazo. Desse jeitoacaba encurtando o salário, que éuma variável de ajuste, porque ospreços sobem todos mês e, com isso,você começa a fragilizar a economia.O Brasil precisa fazer uma recupera-ção salarial. Não tem como o gover-no chegar para a indústria e falar quetem que pagar melhor. Mas, em ou-tra frente, pode aumentar o saláriomínimo, sem puxar muito para nãocriar desemprego, forçando, ainda, oempregador a pagar mais. Outroponto importante é fazer investi-mentos governamentais, que criamempregos, reduzem o excedente demão-de-obra desempregada e valo-rizam o mercado interno.

Desafios - O que mais? Munhoz - É preciso acordar a tempopara a composição dos inativos. His-toricamente você massacra os inati-vos. Mas tenho que pensar macro. Euposso até não gostar da recomposiçãodos inativos, mas tenho que dizer queé um componente para manter a de-manda e o comércio. Por isso, digoque as escolas perderam a capacida-de de pensar a macroeconomia.

Desafios - Uma tendência seguida pelos governos emtodo mundo no combate à crise é o investimento. O Bra-sil deve seguir a mesma linha?

Munhoz - Tem que investir. Mas in-vestir por verdade. A política mone-tária não tem nada a ver com dívidapública. Você tem que ter recursospara investir, mas não como essePAC, que não tem força. Repito: en-quanto o governo deu R$ 100 bilhõespara o Banco Central no ano passa-do, pretende investir em quatro anosapenas R$ 64 bilhões. E não pode-mos esquecer ainda que o País temdinheiro. O governo lucrou pelo me-nos R$ 150 bilhões com a crise, aomexer nas reservas para cobrir per-das do Banco Central em operaçõescom derivativos cambiais. Agora, on-de foi parar este dinheiro?

Desafios - O senhor falou que os bancos podem nãovoltar a oferecer linhas de crédito e destacou que podehaver uma estatização ainda maior no setor nos EstadosUnidos. O setor bancário brasileiro pode sofrer os efeitosda crise?

Munhoz - Não acredito que passempelas mesmas proporções das insti-tuições americanas e européias. Osmais prejudicados foram os bancospequenos, que tinham posições ex-ternas e tiveram dificuldades emmanter a captação de recursos. Deuma forma geral, o setor, no Brasil,se defendeu internamente. Segura-ram as operações até que a poeirabaixasse. Foi uma posição estratégi-ca de autodefesa para sentir a tem-peratura do mercado. E olha que asnossas instituições poderiam termergulhado de forma complexa nes-ta crise. A sorte foi que os bancosbrasileiros não tinham posições ex-ternas significativas, era algo em tor-no de R$ 50 milhões, mesmo comaquela decisão esdrúxula da CVM[Comissão de Valores Mobiliários],que permitiu a criação de um fundode investimento aqui para ampliarno exterior. Graças a Deus isso nãoocorreu com força, assim como aqueda nas operações dos bancos eu-

A renda da família estácomprimida. Vinha

melhorando com a fartaoferta de crédito, benefícioque você tinha e talvez não

volte. O governo precisarearranjar estas questões,procurando uma maneira

de garantir renda na praça,além de rever políticas de proteção a salários

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ropeus praticamente não atingiu osbrasileiros, porque não se tinhagrandes fontes internas mal aplica-das no exterior.

Desafios - Deixando um pouco de lado a questão dacrise f inanceira mundial, o Brasil tem a mais uma pro-messa do Congresso em relação à reforma tributária. Sãounif icações de impostos e até promessa a longo prazo deredução da carga tributária. O senhor apostaria no avan-ço desta proposta?

Munhoz - Tenho que ser sincero. Es-sa reforma traz uma mudança mui-to importante no que diz respeito àunificação do Imposto sobre Ope-rações relativas à Circulação de Mer-cadorias e Prestação de Serviços deTransporte Interestadual e Intermu-nicipal e de Comunicação (ICMS).Se isso entrar em vigor, seria umamaravilha. Outro ponto interessan-te diz respeito às mudanças sobre acobrança na origem e no destino.Mas sou cético em relação a refor-mas em geral. Alguns falam que re-forma é coisa de neoliberal, que querprejudicar o trabalhador e reduzirsalário. Mas, independentementedisso, sou cético sobre a reforma tri-butária, porque participei de umgrupo de trabalho na época do ex-presidente Fernando Collor, asses-sorando parlamentares. Percebi,desde lá, que os interesses são con-flitantes. O governo federal quermais receita, quer criar contribui-ções. Os estados querem aumentarsuas receitas, querem atrair indús-tria. Os empresários querem umareforma para pagar menos. São mui-tos interesses em jogo e pouco en-tendimento. Acho pouco provávelque a reforma seja coloca no papel.As reformas não tendem a fazer mi-lagres. Do jeito que as coisas estão,ela quer fazer milagres. A reformatem que modernizar, reduzir im-posto, baixar a carga tributária, paradeixar a economia nos trilhos, coma demanda sendo o guia e a fontedas famílias, que gera emprego erenda permanente.

Sou cético sobre a reforma tributária, porque participei de um grupo de trabalho na época do ex-presidente

Fernando Collor, assessorando parlamentares. Percebi,desde lá, que os interesses são conflitantes

Josemar Gonçalves

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Crítica do monetarismo, a professora da Universidade de Brasília (UnB) Mariade Lourdes Rollemberg Mollo, acredita que o modelo, que vem dominando omundo, está em xeque em grande medida por causa da falta de regulamenta-ção dos mercados, o que provocou a crise econômica mundial. “Todo esse

mercado especulativo cresceu em função da falta de regulamentação”, disse. Ela ex-plica, nesta entrevista, o que é teoria quantitativa da moeda e o que acham seus de-fensores quanto à política monetária mais adequada.

A professora Maria Mollo graduou-se em economia pela UnB em 1973. Quatro anosmais tarde, defendeu a tese de mestrado também na UnB e fez doutorado em moneta-rismo, finanças e bancos na Universidade de Paris. Tem publicações e pesquisas nasáreas de economia monetária, economia política, história do pensamento econômicoe, mais recentemente, na área de economia do turismo. Trabalha atualmente com os te-mas: instabilidade financeira, política monetária, papel do Estado, controvérsias emeconomia monetária e turismo e combate à pobreza.

Desafios – O que é monetarismo?Maria Mollo – É a corrente de pensa-mento que se apóia na chamada teo-ria quantitativa da moeda, tirandoconclusões a partir dela para a políti-ca monetária mais adequada. Ou se-ja, a inflação, para esta corrente, é cau-sada por um excesso de moeda emcirculação. Segundo seus partidáriosa inflação é ainda culpa do governo, jáque é ele o responsável pela emissãodesse dinheiro e pelos gastos.

Desafios – Como eles chegaram a esta conclusão?Maria – Partiram de alguns pressupos-tos onde estão os acordos e desacor-

dos entre economistas. Há uma igual-dade simples sobre a qual nenhumeconomista discorda. A quantidade demoeda em uma economia multiplica-da pela velocidade de circulação des-ta moeda tem que ser suficiente paracomprar a produção total de um paísmultiplicada pelos seus preços. Essa éa chamada igualdade de trocas.

Desafios – Onde reside o problema?Maria – Os problemas são os pressu-postos que os monetaristas fazem emrelação a essa igualdade. Eles vêemque o aumento da quantidade demoeda vai elevar proporcionalmente o

nível geral de preços, que é a inflação,ao invés de estimular também a pro-dução dos bens e serviços. Ou seja, aquantidade de moeda é vista afetan-do de forma duradoura apenas a de-manda de bens e serviços, e não aoferta, o que provoca inflação. È o queos economistas chamam neutralida-de da moeda. Isso significa que se euinjetar mais dinheiro, não consigo am-pliar de forma permanente a atividadeprodutiva real. Só amplia os preços,ou a inflação.

Desafios – O que acham os outros pensadores?Maria – Os críticos a essa visão mos-tram que a produção também podeaumentar, se houver crédito a taxasmais baixas de juros, contrabalançan-do as pressões de demanda e, então,não é preciso haver inflação sempreque há aumento de moeda ou de cré-dito na economia. Por isso não con-cordam com a política monetária detaxas de juros altas para reduzir amoeda e o crédito na economia, por-que isso cria problemas sérios para aprodução e para o emprego. Acham,por exemplo, que se a quantidade damoeda e de crédito da economia cai,como é o caso quando a política mo-netária é apertada e as taxas de jurossão altas, a economia real e o desem-prego aumentam de forma duradourae ampla, com custo social muito ele-vado. Isso, que parece uma discussãoconstante nos jornais, é então umabriga de pressupostos teóricos: se amoeda afeta a produção real ou se écausadora da inflação. Os autores quenão são monetaristas dizem que o go-verno tem que estimular em determi-nados momentos a produção, pormeio de taxas de juros baixas e estí-mulo ao crédito, para reduzir o de-semprego. Quanto aos monetaristas,acham que a inflação é o resultado depolíticas monetárias expansionistasque ampliam a demanda sem ampliara oferta de bens e serviços. Daí por-que a teoria de inflação deles é tam-bém chamada inflação de demanda.

ECONOMÊSdescomplicando o

Monetarismo, a causa da criseP o r F á b i o L i n o , d e B r a s í l i a

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Desafios – O que causa a inf lação para os críticos domonetarismo?

Maria – É o aumento de custos ou oconflito distributivo entre salários elucros. Por exemplo, se aumentou opetróleo lá fora, aumenta o custo aquidentro. O governo aumentou o pre-ço do telefone ou energia elétrica, oscustos subiram. Não foi a quantida-de de moeda que causou a inflação.Quanto ao conflito distributivo,acham que a busca de lucros maiorespor parte de setores oligopolizados,por exemplo, pode levar a aumentosde preços de alguns produtos. Quan-do esses aumentos se generalizam ostrabalhadores pressionam por au-mentos de salários, para poder com-prar as mesmas coisas com os seussalários. Se os salários sobem, au-mentam os custos e novas pressõespara aumentos de preços surgirão, eassim sucessivamente. Esse conflito, eo aumento de preços e salários que odefine, está por trás do crescimentodos preços em geral, e então da infla-ção. Os monetaristas, porém, achamque só aumento da quantidade demoeda ou gasto de governo causa ainflação.

Desafios – Quando surgiu essa teoria?Maria – Surgiu no século 19 e é do-minante até hoje. É para controlar,justamente os governos e os seus gas-tos que são prescritas regras mone-tárias. As metas inflacionárias sãoum tipo de regra monetária usadapara constranger o governo a nãogastar para não ter que aumentar aemissão de moeda e, com isso, nãoprovocar inflação.

Desafios – A crise econômica mundial põe em xequeessa teoria?

Maria – Em certo sentido, sim. A cri-se econômica mundial é tambémfruto do neoliberalismo. Os neolibe-rais são os que acham os mercadosdevem ficar livres de regulamenta-ção, e foi entre outras razões a faltade regulamentação que levou a essa

crise. Uma das razões pelas quais osneoliberais prescrevem liberdade pa-ra os mercados é para controlar osgovernos e impedir que gastem e,com isso, provoquem inflação. Paraos neoliberais, por exemplo, se osmercados de capitais forem livres,abertos a movimentações, ou não re-gulados, há sempre a possibilidade

dos capitais fugirem dos países on-de os governos não agem, como osmercados querem. Assim, os merca-dos disciplinam o governo. Segundoos neoliberais, usando os argumen-tos monetaristas, se os governos gas-tam e, para isso, se endividam, po-dem, como vimos, segundo eles, ge-rar inflação. A possibilidade de fugade capitais com o movimento de ca-pitais generalizado é que impede is-so. É isso que obriga os governos amanterem a taxa de juros alta paraimpedir a fuga de capitais quando osmercados de capitais são liberaliza-dos, ou não contam com controlesde capitais. Mas se a visão for a doscríticos do monetarismo, esse au-mento da taxa de juros é responsávelpor queda do crescimento e desem-prego, como vemos há anos.

As metas inflacionárias sãoum tipo de regra monetáriausada para constranger ogoverno a não gastar para

não ter que aumentar aemissão de moeda e, com

isso, não provocar inflação

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MACROECONOMIA

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O dragão chinês contra a criseCrescimento acima da média mundial nas últimas três décadas.Com esta credencial, o país não esconde seu desejo de tomar dosEstados Unidos a posição de maior potência econômica do planeta

P o r M á r c i o O l i v e i r a , d e B r a s í l i a

Ocrescimento econômico dos países asiáticos e os sinais de saturação da eco-nomia americana criaram a possibilidade de se vislumbrar uma nova or-dem econômica no planeta no século 21: o surgimento da China como maiorpotência mundial. Muito já se falou sobre o poder de fogo do “dragão chinês”.

Seu Produto Interno Bruto (PIB), por exemplo, avançou a taxas surpreendentes nasúltimas três décadas, com percentuais acima de dois dígitos em alguns anos. Só en-tre 1992 e 2008, último período das reformas econômicas no país, o crescimentoanual médio foi de 10,36%, com destaque para os 14,2% de 1992. A média do cres-cimento anual dos últimos 30 anos é de 9%, incluído o recorde de 15,2% de 1984.Mas os sinais recentes da desaceleração global, reforçados pela crise financeira ini-ciada nos Estados Unidos, principal parceiro comercial chinês, trouxeram dúvidassobre o futuro do gigante asiático.

Fotomontagem sobre imagens da Stock.xchng

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Nas ú l t imas t r ê s décadas , o P IB ch i n ês c r esceu ac ima da méd i a mund i a l . Em

Com a economia extremamente aber-ta, a China figura entre os países mais glo-balizados e está exposta à crise e à desace-leração econômica dos últimos anos. Ain-da cresce a taxas elevadas para os padrõesmundiais de hoje. Fechou 2008 com 9%de expansão e foi guindada à condição deterceira maior economia mundial, com arevisão dos números de 2007. Ainda as-sim, os especialistas já não projetam mais,para os próximos anos, um vôo de cruzei-ro para os chineses. Como o resto domundo, prepara-se para um pouso suave.Mas ainda há riscos de um pouso força-do, manobra bastante arriscada para umaeconomia tão robusta.

Diante de um cenário de deflação emeconomias importantes, não é de se es-pantar o interesse dos países centrais pe-lo desempenho da China – gigante quepuxou o crescimento mundial duranteas últimas décadas até aqui, mais espe-cialmente em meados dos anos 1980 ede 2005 para cá. Em 2003, voltou a al-cançar 10%, e bateu em 13% em 2007 –depois de uma segunda revisão do nú-mero. Como principal pólo de cresci-mento, regional e global, o gigante asiá-tico chama atenção para seu futuro. Amanutenção do crescimento chinês empadrões que mantenham a atividadeeconômica em expansão será crucial pa-ra o futuro do planeta.

DESACELERAÇÃO O problema é que indi-cadores econômicos de 2008 também jáapontam para uma desaceleração rápidada economia. No quarto trimestre do anopassado, o crescimento chinês deu umafreada brusca, caindo para 6,8% entre ou-tubro e novembro, quase metade do rit-mo do final de 2007. Analistas mais pes-simistas apostam em um crescimentoabaixo dos 7% para a China 2009. Esta-tísticas do Fundo Monetário Internacio-nal (FMI) apontam para uma taxa 6,7%de expansão para o PIB chinês, cenárioainda bastante positivo diante da proje-ção para a média mundial, de 0,5%, piorprevisão do fundo em 60 anos.

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Desaf ios • março de 2009 23

a l g uns anos , c hegou a supe ra r do i s d í g i to s . Mas 2009 de ve rá se r d i fe r en te

Em tempos de crise, porém, nem mes-mo o expressivo mercado interno chinês,de 500 milhões a 600 milhões de consu-midores, será capaz de sustentar o cresci-mento do país em um cenário de desace-leração grave, diz o especialista em econo-mias asiáticas e professor do Departamen-to de Ciências Econômicas da Universida-de Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),André Moreira Cunha. Doutor em econo-mia pela Universidade de Campinas (Uni-camp) e estudioso de temas como globa-lização e crises financeiras, Cunha nãoacredita que a China possa voltar a crescer

a taxas anuais de dois dígitos. “A China nãoconsegue manter um crescimento de 11%a 12% ao ano só com o mercado interno.Se o mundo inteiro cair junto com a região,especialmente países como Índia, Japão,Taiwan, a economia chinesa terá que fazerum pouso forçado, o que significa cresceralgo como 5% ao ano, uma forte desacele-ração”, analisa. Ironicamente, a taxa do “no-caute” chinês em 2009 seria, no caso bra-sileiro, um avanço diante da expectativa deretração do crescimento por aqui. Com-parações à parte, o termômetro da redu-ção da expansão da China será exatamen-te a eficácia das medidas anticíclicas re-centemente adotadas pelos líderes chine-ses, a exemplo do que fizeram países cen-trais e emergentes na tentativa de deter acontaminação do sistema financeiro e a fal-ta de crédito para investimentos.

Em novembro, o Partido ComunistaChinês (PCC) anunciou ao mercado pa-cote de estímulos fiscais de US$ 586 bi-lhões, pouco mais do que 17% do PIB chi-nês, de US$ 3,38 trilhões em 2007. O di-nheiro deverá ser aplicado até 2010, comfoco na sustentação da demanda interna.Terão prioridade, segundo o governo lo-cal, os investimentos em habitação de bai-xa renda, infraestrutura do setor rural,construção e reforma de ferrovias, aero-portos e estradas. Estão incluídos no pa-cote cerca de US$ 14 bilhões para a re-

construção das áreas atingidas pelo terre-moto na província de Sishuan, em 2008.

Preocupado com a carga tributária dosetor privado, o governo também anun-ciou redução de impostos para compra demáquina e equipamentos. Também im-primirá nova onda de subsídios para a agri-cultura e isenções fiscais para setores ex-portadores, além da ampliação do crédito,pelo Banco da China a todos os setores es-timulados pelo pacote fiscal. “A questão ésaber o timing das medidas. Além disso, osinvestimentos anunciados estão concen-trados nas regiões mais pobres do país. Nãose sabe se eles conseguirão absorver a mão-de-obra desempregada”, alerta o professorda UFRGS.

EMERGENTES Antes da crise internacional,o último ciclo de crescimento da econo-mia mundial, no intervalo entre 2003 e2007, foi puxado pelos países emergentes,especificamente pela China. De acordocom estimativas do FMI, os chineses res-ponderam por, pelo menos, um quarto daexpansão do crescimento mundial no pe-ríodo, enquanto só as economias emer-gentes foram responsáveis por três quar-tos do crescimento médio de 5% ao ano. Aexpansão chinesa, com a consolidação deum mercado consumidor de 500 milhõesa 600 milhões de pessoas, gerou deman-da intensiva por alimentos, água, energiae matéria prima produzidas no planeta.

Sem dúvida, a rápida transformaçãopor que passa a China, marcada princi-palmente pela migração de cerca de 1%da população, 13 milhões de pessoas, ru-mo às grandes cidades a cada ano, expli-ca muito o fenômeno asiático. Para fazerfrente a esse imenso mercado em forma-ção, os investimentos vêm crescendo a ta-xas reais de 20% ao ano e uma relação quesupera os 40% do PIB desde 2003. Não éde se estranhar que os chineses já são osmaiores consumidores de celulares domundo. E, em janeiro, a China assumiu aliderança também como maior mercadomundial de automóveis, posição ocupa-da antes pelos Estados Unidos.

O milenar Palácio Imperial (alto), na Cidade

Proibida, é o cartão postal da China de ontem

que contrasta com os prédios contemporâneos

da moderna Beijing (E) de hoje. Os dirigentes do

Partido Comunista Chinês, apesar da abertura

econômica, tentam preservar as tradições, como

o culto a Mao Tse-Tung (D) e a outros heróis

Dreamstime Stock.xchng

Dreamstime

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Toda essa pujança significou rearran-jo da economia do leste asiático. A Chi-na representa papel preponderante napropagação de investimentos na região.Entre os países emergentes, os chama-dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e Chi-na) foi a nação que mais atraiu investi-mento externo direto (IED) desde 1990.Nos últimos anos, o gigante tambémpassou a carrear investimentos, US$ 11bilhões em 2005, para o exterior, princi-palmente para sua periferia. A Chinatransformou-se, sem dúvida, no centrodinâmico da economia da Ásia, com pa-pel catalisador preponderante.

A extensa rede de relações comerciaise financeiras garante uma situação pri-vilegiada para a região. Incluindo o Ja-pão, mais de 40% das exportações dospaíses asiáticos em desenvolvimento têmcomo destino a própria Ásia, a metadepara a China. Confirma a supremacia do“dragão” o fato de que os chineses con-seguem manter os Estados Unidos comodestino de suas exportações, enquantoos vizinhos perdem espaço. O fenôme-no pode ser o reflexo de outro movi-mento: a China vem aumentando im-portações de matérias-primas e compo-nentes industrializados em sua região e,na outra ponta, elevando a exportaçãode produtos finais para os EUA. O gi-gante asiático já ocupou o papel de cen-tro regional. Catalisa as economias da re-gião para seu projeto exportador.

TROCA QUALITATIVA Além disso, o país re-vela, a cada ano, uma vocação para ala-vancar a economia asiática a partir deuma troca qualitativa no comércio regio-nal. Segundo análise do professor AndréCunha, esse comportamento se reflete,por exemplo, pela exportação de produ-tos temperados para os países da Asso-ciação das Nações do Sudeste Asiático(Asean) e pela importação de produtostropicais. Outro exemplo é a importaçãode máquinas e equipamentos do Japão,Taiwan e Coréia, países que apresentamestruturas positivas complexas.

Os chineses importam, em média, US$100 bilhões a cada mês, desde 2007, emmáquinas e equipamentos e matérias-pri-mas. No início de 2002, essa conta ficava,em média, em US$ 20 bilhões. Para ga-rantir a ampliação de seus investimentosindustriais, a China retribui com recur-sos financeiros ou investimentos diretosnos países da região. Em contrapartida,Hong Kong, Japão, Coréia do Sul e Tai-wan recebem, em média, 60% dos inves-timentos diretos carreados para a China,que responde, ainda, por 40% de todos osrecursos estrangeiros que vão para a Ásia.

“A China posiciona-se como importado-ra líquida de insumos e equipamentosmais sofisticados dentro da região, e ex-portadora líquida de manufaturas para osmercados ocidentais. Na média do perío-do 2000-2004, a China, sozinha, respon-deu pela absorção de cerca de 11% do to-tal exportado na região, contra 8% do Ja-pão”, escreveu Cunha, em trabalho aca-dêmico sobre o gigante asiático.

Desde o recrudescimento da crise in-ternacional, há três meses, centenas defábricas do leste do país paralisaram suaslinhas de produção e despejaram milhõesde chineses nas ruas. Toda a região lestedo país está enfrentando problemas coma retração. Fábricas de brinquedos, pro-dutos eletrônicos e calçados, principal-mente, estão fechando e demitindo. In-dicadores mostram que, como no restodo mundo, na China também, a deterio-ração dos sistemas produtivos e a des-confiança no futuro econômico estáocorrendo de forma muito rápida. Semtrabalho, o contingente de operários semrenda já contribui para o enfraqueci-mento do consumo interno. Entre osanalistas mais pessimistas, há quem digaque a desaceleração da economia chine-sa é uma questão de tempo.

Dados do FM I r e ve l am que o pa í s fo i r e sponsáve l po r pe l o menos um qua r to

Migração do campo para a cidade obrigou o governo a investir em habitação popular para atender à demanda

Dreamstime

20%ao ano

É a taxa real de investimento desde2003. Com o aumento da renda, os

chineses são os maiores consumidoresde celulares do mundo e, agora, têm omaior mercado de automóveis também

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do c r esc imen to mund i a l . Quem ma i s l u c rou com i s so fo i a e conom i a as i á t i c a

Vista como uma espécie de tábua de salvação

pelos outros países no início da crise planetária,

que começou nos Estados Unidos, a China também

fraqueja e deixa sua população preocupada. “Lá,

eles estão sentindo bastante”, conta Renato Yang,

que administra, com sua família, o restaurante Pa-

cífico, em Brasília. Ele veio para o Brasil ainda crian-

ça, na companhia dos pais. Mas mantém contato

frequente por telefone com os outros membros da

família, que continuaram na China. Todos estão preo-

cupados: os salários, que já eram baixos, caíram

ainda mais, e estima-se que o desemprego já che-

gou à casa de 20 milhões de pessoas no país. “A

crise é mundial”, comenta.

Já a acupunturista Rula Rao E está otimista:

formada em medicina chinesa, deixou Pequim há

nove anos com o filho e instalou-se em Brasília. Seu

trabalho limita-se à acupuntura. No Brasil, explica,

há ainda poucos prof issionais nessa área, há bas-

tante procura e ela trabalha por conta própria, es-

tabelecendo ela mesma seus horários. Na China,

conta ela, o médico formado em medicina chinesa

trabalha nos hospitais junto com os colegas de for-

mação ocidental, que são mais valorizados. Os es-

trangeiros ganham mais do que os chineses, mes-

mo executando a mesma função. É o caso do bra-

sileiro Gabriel Camatari, que trabalhou em uma em-

presa chinesa e, por não ser nativo, ganhava mais

que o próprio chefe. Mesmo assim, voltou.

Yang telefona com frequência para os

parentes na China. Está preocupado

No Brasil, já há preocupaçãocom os parentes

Stock.xchng

Andressa AnholeteO aumento da frota de veículos mudou o perfil das cidades chinesas, com novos viadutos e pontes

REAÇÃO Estudiosos e especialistas emChina alimentam, contudo, a expectati-va de que, mais uma vez, a ação decisivados líderes chineses afastará o risco, co-mo em ocasiões recentes da história na-cional. Para o diplomata Amaury Portode Oliveira, ex-embaixador do Brasil emCingapura e observador atento das re-centes transformações chinesas, a qua-lidade dos governantes, da revolução de1949 aos dias atuais, tem sido uma va-riável política capaz de neutralizar to-dos os sobressaltos da economia.

Foi assim com o fundador da Repú-blica Popular da China, Mao Tsé-Tung,em 1949, que levou o país a mergulharno regime comunista e instituiu novospadrões de educação e saúde no país. Amudança de patamar veio com outro lí-der, Deng Xiaoping, responsável pelasprimeiras reformas econômicas e a aber-tura comercial do país, que se conven-cionou chamar, por alguns, de EstadoDesenvolvimentista Revolucionário. Pa-ra integrar a Organização Mundial doComércio (OMC), em 2001, a China ce-

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deu, depois de longa negociação, às exi-gências mais rigorosas da entidade. Doisanos mais tarde, o país já liderava a ex-portação de grãos.

“A China vem surpreendendo. O paísde Mao foi reinventado por Xiaoping. Ogrande trunfo da China é a qualidade deseus dirigentes”, sustenta Oliveira. O di-plomata atesta que o atual presidente,Hu Jintao, e o primeiro-ministro, WenJiabao, também possuem qualidades po-líticas e administrativas suficientes pa-ra lidar com os desafios que se impõemà China de hoje. Soma-se ao históricode sucesso em crises recentes a apostado PCC no crescimento da economia, aprioridade número um do país.

SOB RISCO Aliás, a manutenção do cres-cimento é mais do que uma prioridadepara os líderes comunistas da China, éum imperativo. O presidente Hu Jintaoe o primeiro-ministro Wen Jibao, têm

dado demonstrações que não medirãoesforços para manter a continuidade daexpansão a taxas que assegurem o nívelda atividade econômica e reduzam o im-pacto da crise internacional.

A expectativa é de que se tomem to-das as medidas necessárias contra umpouso forçado da economia. Do sucessodessa empreitada depende o equilíbrio deforças dentro do PCC. No pior cenário, o

poder dos líderes chineses poderia serameaçado; o regime, questionado; e a ins-tabilidade social virar uma realidade.

Deter a desaceleração chinesa não éuma tarefa impossível quando se olhapara a situação fiscal do país. Além decontar com ferramentas poderosas, o Es-tado chinês ainda tem “gorduras” paraqueimar. Após 20 anos de déficit, o re-sultado fiscal chinês tornou-se superavi-

PCC d e ve fa z e r d e t u d o p a r a man t e r a e s t a b i l i d ad e e c o n ôm i c a . O s a t u a i s

As proporções aterradoras alcançadas pela crise in-

ternacional no final de 2008 – que já queimou riquezas da

ordem de US$ 40 trilhões – não deixam dúvidas sobre o

acerto da estratégia dos países emergentes, por exemplo,

de se voltarem para seus mercados internos em busca da

preservação da saúde econômica. Poucos são os que po-

dem fazer isso, entre eles a China, estima o coordenador

do Grupo de Trabalho sobre Crise Internacional e assessor

da presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplica-

da (Ipea), Milko Matijascic. Doutor em Ciência Econômica

pela Universidade de Campinas (Unicamp), Matijascic tam-

bém não tem dúvidas que será impossível, para a China,

como qualquer outro país do mundo, manter o mesmo ní-

vel de crescimento antes da crise.

Mas lembra que a elevada taxa de investimento do gi-

gante asiático, quase 40% do Produto Interno Bruto (PIB)

e o estímulo ao consumo, podem fazer a diferença para os

chineses em 2009. A previsão do Fundo Monetário Inter-

Aposta no mercadointerno pode salvarchineses de catástrofe Taxa de desemprego

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008Índia 8,8 8,8 9,5 9,2 8,9 7,8 7,2

China 4,0 4,3 4,2 4,2 4,1 4,0 4,2

Rússia 8,1 8,6 8,2 7,6 7,2 6,0 6,3

EUA 5,8 6,0 5,5 5,1 4,6 4,6 5,8

Brasil 11,7 12,3 11,5 9,8 10,0 9,3 7,9

Fonte: Macrodados, IBGE e Asian Development Bank

nacional (FMI) é de um crescimento bastante aquém dos 9% de

2008: uma projeção de 6,7% de expansão neste ano, um cená-

rio preocupante. “Uma expansão de 6,7% para a China pode re-

presentar um quadro explosivo do ponto de vista social”, prevê Ma-

tijascic. Ele acredita que a taxa ideal, ante a necessidade de ge-

ração de dez milhões de empregos por ano, seria de 8,5%. “Qual-

quer taxa de crescimento abaixo disso compromete a obrigação

deles de criar os empregos necessários para absorver os chi-

neses que chegam ao mercado de trabalho”, justif ica.

O representante do Ipea admite que, realizar projeções sobre

a China, ou mesmo sobre a economia global, pode não ajudar mui-

to neste momento, já que o mundo vive, ao que parece, um mo-

mento de ruptura. “Não adianta analisar o que vai acontecer a par-

tir do conhecimento acumulado sobre o passado da China. Em mo-

mentos como o atual, isso vai dizer muito pouco ou nada sobre o

que estar por vir”, sugere. A única certeza para a China, e a apos-

ta do país parece ser a mais sensata, é aumentar os gastos com in-

fraestrutura no interior para gerar renda e estimular o consumo.

Crescimento anual de países selecionados (%)

Projeções FMI

2007 2008 2009 2010Mundo 5,2 3,4 0,5 3,0

Economias desenvolvidas 2,7 1,0 -2,0 1,1

Estados Unidos 2,0 1,1 -1,6 1,6

Zona do Euro 2,6 1,0 -2,0 0,2

Japão 2,4 -0,3 -2,6 0,6

Reino Unido 3,0 0,7 -2,8 0,2

Rússia 8,1 6,2 -0,7 1,3

Ásia em desenvolvimento 10,6 7,8 5,5 6,9

China 13,0 9,0 6,7 8,0

Índia 9,3 7,3 5,1 6,5

Brasil 5,7 5,8 1,8 3,5

Fonte: FMI

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l í d e r e s d o p a í s c o r r em o r i s c o d e s e r em c o n t e s t ad o s em c a s o d e f r a c a s s o

tário em 0,7% do PIB em 2007. Em 2008,o superávit foi de US$ 290 bilhões, mes-mo com crescimento menor das receitaspúblicas. A dívida pública do país é bai-xa, pouco mais do que 20% do PIB. Asreservas internacionais fecharam o anopassado em US$ 1,95 trilhão. Segundo oeconomista e professor da UFRGS An-dré Cunha, essa situação garante a am-pliação dos gastos em infraestrutura.

Além disso, a liquidez favorável ajuda areduzir o impacto negativo da crise sobre ofinanciamento da economia chinesa. O sis-tema bancário chinês está mais sólido ho-je do que em 2003, quando os grandes ban-cos estatais precisaram ser capitalizados.Cunha lembra que somente 15% dos flu-xos de financiamento dependem dos mer-cados de capitais e menos de 5% dos chi-neses aplicam seus recursos em renda va-riável, com os preços em queda. “É esse ce-nário que permite acreditar em um pousosuave, e não forçado, para a China”, diz.

CONSUMO Novas medidas deverão ser to-madas pelo governo de Hu Jintao no sen-tido de garantir o crescimento da rendae sustentação do consumo interno. Combaixa pressão inflacionária e taxa de ju-ros em queda, o país ganhou com a re-cente estabilização de sua moeda, o yuan,em relação ao dólar, o que rendeu acusa-ções do secretário do Tesouro norte-ame-ricano, Timothy Geithner, de uma “ma-nipulação” chinesa para aumentar artifi-cialmente as exportações. Acusações àparte, o fato é que o comércio exterior daChina já vem sentindo o impacto da re-tração das economias centrais, especial-mente Estados Unidos e países da Euro-pa. Em 2008, o saldo da balança, acumu-lado em 12 meses, caiu de US$ 266 bi-lhões em janeiro para US$ 224 bilhõesem agosto. É no comércio internacional,sobretudo, que a China revela o peso desua influência na economia mundial, es-pecialmente na relação dinâmica com os

Estados Unidos, que têm o país asiáticocomo seu principal parceiro econômico.

A relevante participação chinesa nofluxo de comércio exterior da era atual –no passado, a nação já liderou o comér-cio internacional nos séculos 16 e 17 – érelativamente recente. Em 1985, a Chinarespondia por apenas 1,3% das exporta-ções mundiais – mesmo patamar do Bra-sil atualmente, nível que, aliás, pouco sealterou desde os anos 1990, de acordocom dados da Conferência das NaçõesUnidas sobre Comércio e Desenvolvi-mento (Unctad). Já a China aumentou deforma tão substancial suas exportaçõesque, em 2007 – último dado disponível –atingiu o patamar de 8,8% do fluxo de co-mércio internacional.

Além de aumentar sua presença, aChina vem de um processo de diversifi-cação dos destinos de seus produtos. Aestratégia se confirmou na comparaçãoentre 1995 e 2005, quando os Estados

MODERNIZAÇÃO Matijascic lembra que o país gigante, o

terceiro maior em extensão territorial do planeta, fala em “ras-

gar” seu território com a implantação de trens de alta veloci-

dade, os chamados trens-bala. A estratégia é investir na in-

fraestrutura de base – o que não diferencia muito dos pro-

pósitos do plano do presidente dos Estados Unidos, Barack

Obama, nem mesmo, guardadas as proporções devidas, do

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) brasileiro. Con-

ta também a favor da China uma taxa de desemprego ainda

baixa, apesar da pequena elevação de 2008, de 4% para 4,2%.

Entre os propósitos favoráveis, soma-se ainda a intenção do

governo de Hu Jintao de estimular a criação de uma rede de

proteção social, com seguro-desemprego e previdência social

– instrumentos ainda incipientes no país. “Lá não há cober-

tura para o trabalhador desempregado”, lembra Matijascic,

especializado em assuntos de seguridade social.

Outra medida já considerada pelo governo chinês é a re-

dução da poupança interna do país, com queima de parte da

reserva de quase US$ 2 trilhões, e a dos chineses, a partir do

estímulo ao consumo. O risco é criar um comportamento con-

sumista que se torne insustentável no futuro. Af inal, não seria

tarefa fácil, lá na frente, inibir o consumo de um mercado in-

terno formado por algo 500 milhões a 600 milhões de pessoas,

incluídas as classes D e E. Um pouco abaixo do abaixo do avan-

ço de 2007, a renda per capita dos chineses ainda cresceu

8,4% no meio urbano e 8% no campo em 2008, mais um fa-

tor a estimular a aposta no aquecimento interno.

“O salário na China cresceu muito, embora ainda seja um

pouco menor do que a média brasileira”, diz o assistente de

pesquisa da Diretoria de Cooperação e Desenvolvimento do

Ipea, Rodrigo Ferreira Leão. Os dados disponíveis, de 2005,

mostram que a renda per capita anual dos chineses alcançou os

US$ 6.012 por habitante, pouco abaixo dos US$ 7.470 anuais

de cada brasileiro. Considerando-se uma população total de 1,3

bilhão de chineses, contra 190 milhões de brasileiros, os nú-

meros ganham outra proporção. A taxa média de 9% do cres-

cimento do PIB em três décadas levou a China a ocupar, em

2006, a condição de segunda maior economia do mundo em

paridade de poder de compra, atrás apenas dos Estados Uni-

dos. O governo chinês sabe do que está falando quando apos-

ta suas f ichas no consumo interno.

DESTAQUES Para a assessora da presidência do Banco Na-

cional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Ana

Cláudia Alem, China e Brasil serão os destaques do crescimento

econômico mundial em 2009. A avaliação dela vai além dos fun-

damentos que apontam os países emergentes, os BRICs

(Brasil, Rússia, Índia e China) especialmente, em melho-

res condições de enfrentar a crise internacional. “China e

Brasil são os dois países que têm mercados internos ro-

bustos. Se eles conseguirem manter o consumo, terão

grandes chances de sobressaírem à crise”, prevê. Co-

mo os técnicos do Ipea, a representante do BNDES tam-

bém vê na alta taxa de investimento sobre o PIB chinês o

maior aliado do gigante asiático contra a crise. A tese de

que, entre os emergentes e em relação às potências, Chi-

na e Brasil têm mais fôlego contra a crise se sustenta

ao menos quando se olha para trás, o terceiro trimestre

de 2008, por exemplo. Na comparação com o terceiro

trimestre de 2007, a China cresceu 9% entre julho e se-

tembro do ano passado. O Brasil, 6,8%; a Índia, outro

emergente, apenas 2,5%. A Rússia ainda não divulgou

os números até o fechamento desta edição. Os Estados

Unidos, mergulhados na crise, apresentaram resultado

negativo de 0,5%. A previsão de um pouso forçado pa-

ra a China, a taxas de 5% em 2009, parece ser uma

ameaça distante. “Creio que a expansão da economia chi-

nesa está mais para 7% do que para os 5% em 2009”,

diz Ana Cláudia Alem.

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Pa r a c o n t i n u a r e x p o r t a n d o , o g o v e r n o d e c i d i u r e d u z i r a c a r g a t r i b u t á r i a

Unidos sofreram ligeira queda na parti-cipação, de 22% para 20%, como merca-do de destino das exportações chinesas.Ganham espaço os países europeus –Alemanha, Holanda, Grã-Bretanha e Itá-lia, principalmente – que, em conjunto,já têm para o gigante asiático peso equi-valente ao dos EUA.

A estratégia chinesa de diversificaçãopode representar nova barreira para oBrasil, que embora tenha uma pauta dis-tinta dos chineses – o Brasil exportamais commodities, com preços em que-da, e a China, manufaturados de alta tec-nologia – também vem buscando novosmercados para seus produtos. Melhoraro fluxo de comércio específico entre osdois países será um desafio para o Bra-sil. Do total das importações da China,apenas 0,6% são produtos brasileiros –o que, para o Brasil, é metade de tudo oque exporta. A China, por sua vez, au-mentou as exportações com destino aoBrasil em 2008, o que gerou saldo nega-tivo para o país.

Diante do baque econômico dos últi-mos meses, os chineses assistiram o fluxode comércio internacional recuar em2,8% no último mês de dezembro. Paraenfrentar o desafio de continuar expor-tando mais, os líderes locais não têm dú-vida de que o principal a fazer é reduzira tributação de toda a cadeia exportado-ra, estratégia que, em época recente,inundou os principais mercados mun-diais de produtos made in China.

DEMOCRACIA O ex-embaixador AmauryOliveira conta que, anos atrás, usou aimagem de uma bicicleta em alta veloci-dade sobre uma corda bamba para definira força e fragilidade do gigante asiáticorumo ao futuro. Para ele, a imagem aindaé bastante atual. “Acho que essa situaçãopermanece. Na China, eles são, sobretu-do, pragmáticos. Precisam manter a bi-cicleta andando”, compara. Segundo ele,a imagem não vale só para a economia,mas também para os costumes, e comojustificativa para manter um regime po-lítico hermético, sem liberdade de opo-sição ou expressão. Oliveira acredita que,se houvesse democracia no país, a Chinanão iria a lugar nenhum.Não funcionaria. Nãohaveria unidade.

É suportada sobre essa “unidade” im-posta, mas com uma economia aberta,que o gigante asiático deverá ir em bus-ca de conquistas que sua população – aparcela que compra, pelo menos – aindanão teve acesso. Se os Estados Unidos,que respondem por algo entre 8% e 9%da população mundial, consomem 30%dos combustíveis fósseis produzidos nomundo, por que a China, que abriga cer-ca de 21% dos habitantes do planeta nãopode ter acesso aos mesmos insumos?A China tem população cinco vezesmaior do que a dos EUA e agora diz quequer viver tão bem como os americanos,diz Oliveira. Para a solução do proble-ma, o diplomata acredita no efeito dopresidente dos Estados Unidos, BarackObama. “Espera-se que o Obama tragao mundo para a situação anterior à cri-se. Mas, para mim, só terá sucesso seconseguir encaixar a China na situaçãoda nova ordem econômica mundial”,analisa. A nova ordem certamente pas-sará pela capacidade de China e EUAem adquirir combustíveis fósseis ousubstituí-los por energia de fontes re-nováveis para alimentar o apetite de suaseconomias.

Sinais de uma nova realidade podem ser sentidos

em quase todas as frentes. Xangai, por exemplo,

em foto de julho de 2006, exibe modernos prédios,

erguidos nos espaços antes

ocupados por habitações

da velha China

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Stoc

k.xch

ng

28 Desafios • março de 2009

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ARTIGO C i d B l a n c o J ú n i o r

O PAC constituiu-se,assim, como resposta

aos desafios apontadospelo balanço citado ecomo passo inovador

de grande impactodestinado a reverter o

quadro dedesigualdade social eterritorial, tornando

efetivo o direito àcidade dos habitantesdestes assentamentos

Os desafios a serem enfrentados no setorhabitacional ainda são vários, mas é im-portante destacar o trabalho desenvol-vido desde 2003, quando da criação do

Ministério das Cidades. No primeiro governoLula, foram lançadas as bases que permitiram aestruturação do Ministério, bem como a for-mulação da nova Política e do Sistema Nacionalde Habitação.

Aprovada pelo Conselho Nacional das Ci-dades (ConCidades), em dezembro de 2004, aPolítica Nacional de Habitação (PNH) tem co-mo principal objetivo garantir à população, es-pecialmente de baixa renda, o acesso à habita-ção digna, tendo por base o conceito de desen-volvimento urbano integrado, visando garantiro “direito à cidade”.

É importante destacar, na construção daPNH, a revisão geral dos programas habitacio-nais, a ampliação da participação do poder pú-blico local e de recursos com priorização da po-pulação de baixa renda, com destaque para oFundo de Garantia de Tempo de Serviço, cujasdiretrizes de aplicação foram revistas, gerandogrande mudança no uso dos subsídios para fi-nanciamentos à população com renda familiarmensal bruta até cinco salários.

Já o Sistema e o Fundo Nacional de Habita-ção de Interesse Social (SNHIS/FNHIS), cria-dos pela Lei nº. 11.124/05, visam somar e arti-cular ações e recursos e direcioná-los para aten-der famílias de baixa renda. Com recursos doOrçamento Geral da União (OGU) são conce-didos subsídios diretos e de abrangência cole-tiva, buscando a articulação com os entes fede-rativos num sistema nacional abrangente, re-passando recursos para programas que têm co-mo eixo fundamental a urbanização de assen-tamentos precários.

A consolidação do SNHIS, por meio da cria-ção de conselhos gestores e fundos públicos dehabitação, bem como do desenvolvimento deplanos locais de habitação, objetiva a estrutura-ção e efetiva-ção da PNH.

No primeiro governo Lula foram investidos

mais de R$ 6 bilhões em recursos não onerosose quase R$ 30 bilhões em recursos onerosos, be-neficiando com produção e aquisição de mora-dias, urbanização de favelas, aquisição de mate-rial de construção, reforma e ampliação de uni-dades habitacionais, produção de lotes urbani-zados e requalificação de imóveis para uso ha-bitacional, cerca de 2 milhões de famílias. Des-se total, R$ 2,5 bilhões foram recursos do FGTSpara subsídios. Além disso, 75% dessas famíliastêm renda até cinco salários mínimos.

No início do segundo governo Lula foi lan-çado o Programa de Aceleração do Crescimen-to (PAC), que inaugurou uma nova fase na po-lítica econômica brasileira. Dividido em três ei-xos de infraestrutura (logística, energética e so-cial e urbana), o PAC prevê investimentos da or-dem de R$ 503,9 bilhões até 2010.

Com relação à infraestrutura social e urba-na, os recursos somam R$ 170,8 bilhões, sendodesse total, R$ 106,3 para habitação, benefi-ciando 4 milhões de famílias. Desse montante,R$ 10,1 bilhões são oriundos do OGU, sendoR$ 5,7 bilhões para urbanização de favelas. Ade-mais, também foram previstos recursos federaisna área de saneamento integrado de favelas (R$3 bilhões), além de R$ 4 bilhões para financia-mento de obras em favelas.

A implementação dessas ações, demandouprocessos de cooperação entre o governo fede-ral, estados e municípios, priorizando investi-mentos em 12 regiões metropolitanas, capitaise municípios com mais de 150 mil habitantes,num total de investimento em urbanização defavelas de R$ 11,1 bilhões. Além disso, foramgarantidos R$ 4 bilhões para o FNHIS até 2010.

O PAC constituiu-se, assim, como respostaaos desafios apontados pelo balanço citado e co-mo passo inovador de grande impacto, desti-nado a reverter o quadro de desigualdade sociale territorial, tornando efetivo o direito à cidadedos habitantes destes assentamentos.

PAC e o desafio da implementação

Cid Blanco Júnior é arquiteto, mestre em arquitetura e urbanismo e chefe

de gabinete da Secretaria Nacional de Habitação

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BRASIL

Acrise financeira internacional chegou aoBrasil com maior rapidez e intensidadedo que esperavam até os mais pessimis-tas, com fortes impactos na produção,

no emprego e na arrecadação tributária. O pri-meiro susto veio em dezembro, com o fecha-mento de 650 mil postos de trabalho. Os segui-dos anúncios de férias coletivas e de demissõesem massa neste início de ano não deixam dú-vida quanto à gravidade da situação. As medidasadotadas até agora pelos governos não foramsuficientes para fazer surgir uma luz no fim dotúnel. Todos concordam, porém, que desta vezo Brasil está em melhores condições do que ou-tros países para enfrentar a adversidade. Masnem por isso está livre das consequências.

A crise se apresentou com sérias ameaças deretrocesso na área social: a melhora dos indica-

dores sociais, nos últimos anos, esteve atreladaaos programas do governo e ao aquecimentodo mercado de trabalho, que entrou em baixaa partir de novembro. Assustados com a possi-bilidade de desemprego, os brasileiros estãoabrindo mão de conquistas históricas. “O graude contaminação do Brasil pela crise econômi-ca internacional pode sustar o ciclo de cresci-mento econômico e social recente”, alerta o Ins-tituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)no estudo A crise internacional e possíveis re-percussões: primeiras análises, divulgado em ja-neiro. A situação exige, segundo o Ipea, açõespara contrabalançar o contexto desfavorável:“As medidas adotadas até o momento pelo go-verno brasileiro evitaram o pior. Todavia, ain-da não é possível delinear um quadro precisodos efeitos da crise”, salienta o documento.

P o r G i l s o n L u i z E u z é b i o , d e B r a s í l i a

A crise chegou ao Brasil com rapidez e intensidade impressionantes.Especialistas temem retrocesso nas conquistas obtidas na área social, em

especial o desaquecimento do mercado de trabalho, que já registra aumentodo desemprego. Medidas preventivas procuram amenizar a situação

O risco dacontaminação

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José Paulo Lacerda/CNI

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I p ea p ro j e t a aumen to do desemprego, s e o P IB c r esce r 4%, con fo rme p re vê o

O total de desempregados, segundoas projeções do Ipea, aumentará nesteano, mesmo que a economia cresça 4%,como espera o Ministério da Fazenda.Se confirmada essa expectativa, seriamcriados 1,3 milhão de novos postos detrabalho, número insuficiente para ab-sorver o contingente de 1,45 milhão denovos trabalhadores que chegam anual-mente ao mercado. Entretanto, o mer-cado financeiro projeta crescimento deapenas 1,8% do Produto Interno Bruto(PIB), de acordo com levantamento doBanco Central. As simulações do Ipeademonstram, ainda, que a participaçãoda massa salarial no PIB cairá, se o cres-cimento econômico for inferior a 4%.

POBREZA EXTREMA Projeções da Orga-nização Internacional do Trabalho(OIT) indicam que entre 30 milhões e50 milhões de trabalhadores no mundoficarão sem emprego até o final de 2009,em decorrência da retração da econo-mia. Nesse cenário, 200 milhões de pes-soas seriam levadas à pobreza extrema.No cenário mais otimista, a OIT prevêo fechamento de 18 milhões de empre-gos. A discussão, portanto, é sobre o ta-manho do impacto, pois não há maisdúvida: trata-se de uma crise de di-mensões gigantescas. “A crise chegou àeconomia real brasileira, e está impac-tando o carro-chefe da economia, que éa indústria automobilística”, diz Salva-dor Werneck Vianna, técnico de Plane-jamento e Pesquisa do Ipea. “Os pri-meiros impactos foram muito grandes”.

Mas não se pode dizer, porém, que2009 esteja perdido: tudo dependerá dacapacidade de reação do governo e dosetor privado, pondera Cláudio Dedec-ca, professor da Universidade de Cam-pinas (Unicamp). “A situação está com-prometida neste início de ano”, reco-nhece. Mas pode haver uma acomoda-ção nos próximos meses, que permita amanutenção do emprego. Dedecca dis-corda das projeções do Ipea sobre em-prego. Para ele, uma taxa de crescimen-

to de 3% será suficiente para manter oemprego e os indicadores sociais estabi-lizados no mesmo patamar de 2008.Cláudio Hamilton Matos dos Santos,coordenador de Finanças Públicas doIpea, também acredita que a situaçãopode não ser tão ruim quanto aparenta:os setores mais dependentes de créditoreduziram produção e estão demitindo,mas outros segmentos estão bem. Tra-dicionalmente, muitas empresas redu-

zem a produção e concedem férias co-letivas em início de ano, mas agora tu-do é jogado na conta da crise.

“Evidentemente, alguns setores vãosentir mais fortemente o impacto”, afir-ma Santos. “A crise não é generalizada”,confirma Patrick Carvalho, chefe da Di-visão de Estudos Econômicos da Fede-ração das Indústrias do Estado do Riode Janeiro (Firjan). E cita como exem-plo o setor de confecções no estado, que

Indústria automobilística vinha crescendo acima das possibilidades da economia. Terá de se adaptar à realidade

Mercedes Benz/Divulgação

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Min i s t é r i o da Fa zenda . Pequenas empresas te r ão d i f i c u l d ades de f i n anc i amen to

está expandindo a produção: “A palavracrise não existe para eles”. A indústria debens de capital também projeta cresci-mento de 5% a 10% na produção desteano, segundo a Associação Brasileira daInfraestrutura e Indústria de Base (Ab-dib). Alguns setores vinham num ritmode crescimento muito acelerado, comofoi o caso da indústria automobilística:de 2007 para 2008, o Brasil passou de 8ºpara 5º maior produtor mundial de au-tomóveis, informa Carvalho. No pri-meiro semestre do ano passado, houvequeda na exportação de automóveis,porque a produção foi redirecionada aomercado interno.

INSUSTENTÁVEL Os dados demonstramque a indústria automobilística mante-ve, nos últimos anos, um patamar decrescimento que não poderia ser sus-tentado indefinidamente. Parte dos si-nais da crise poderia, portanto, ser atri-buído à reacomodação do setor a umritmo mais condizente com a economiado País. Na mesma linha de raciocíniode Cláudio Santos e de Patrick Carva-lho, Francisco Baroni, professor da

Fundação Getúlio Vargas, explica: “Emperíodo de crise, o capitalismo se re-nova, as empresas se reestruturam”. Emoutras palavras: as empresas esquecemos projetos de reestruturação que esta-vam na gaveta. Tudo é debitado na con-ta da crise.

O próprio Baroni, porém, acrescen-ta: o movimento das grandes empresas,seja de reestruturação ou simplesmen-te por causa da crise, provoca uma rea-

ção em cadeia que chega às pequenas emicroempresas e à economia informal.Esses segmentos, segundo ele, são osprimeiros a reagir em fase de cresci-mento. E também são os que mais so-frem com a crise, embora demoremmais a aparecer nas estatísticas. A es-cassez do crédito, por exemplo, atingediretamente esses segmentos, porqueos bancos ficam mais seletivos e só fi-nanciam as grandes corporações, queapresentam menor risco. “Eles (peque-nas e microempresas) ficam no piordos mundos”, afirma. Na sua avaliação,o fundo do poço para o Brasil foi o mêsde dezembro, com forte impacto nosindicadores sociais de curto prazo, mascom a provável retomada da atividadeeconômica nos próximos meses. Já Pa-trick Carvalho acredita que os indica-dores do segundo trimestre ainda se-rão negativos.

RESERVAS “Pela primeira vez na históriabrasileira, não estamos fadados ao de-semprego em 2009 e 2010”, afirma Cláu-dio Dedecca. Nas crises anteriores, o Bra-sil foi afetado pela baixa capacidade de ex-portação e pela dependência energética.Hoje, o País produz petróleo e biodiesel,dispõe de reservas internacionais, as con-tas públicas e a inflação estão sob contro-le e o financiamento da dívida está equa-cionado. Mesmo com todos esses fatoresfavoráveis, a crise vai impor uma mudan-ça de rumos na economia brasileira: “É omercado interno que vai comandar o de-sempenho da economia”, diz. E o gover-no tem agido nesse sentido: reajustou ovalor do salário mínimo de R$ 415,00 pa-ra R$ 465,00 (6,39% acima da inflação),aumentou o valor e a abrangência do Pro-grama Bolsa Família, o Banco Nacionalde Desenvolvimento Econômico e Social(BNDES) terá mais R$ 100 bilhões parainvestimentos, a Petrobras anunciou pla-no de investir US$ 174 bilhões entre 2009e 2013, sem contar um conjunto de me-didas já anunciadas anteriormente e aspromessas de novas ações.

Remy Steinegger/Divulgação

“Desglobalização” foi o termo cunhado pelo premier Gordon Brown para definir medidas protecionistas

100bilhões de reais

Foi quanto o BNDES reservou a maispara f inanciamentos ao longo do ano.

A Petrobrás pretende investir R$ 174 bilhões até 2013

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C o m a r e d u ç ã o d a t a x a d e j u r o s , o g o v e r n o g a s t a m e n o s n o p a g a m e n t o d a

Mas está faltando coordenação na po-lítica econômica: o Ministério da Fazen-da atua para aumentar e o Banco Cen-tral (BC) age para contrair a demanda.“É uma esquizofrenia”, diz Salvador Wer-neck, referindo-se aos aumentos da taxabásica de juros após a crise. Somente emjaneiro autoridade monetária brasileirareduziu os juros, quando o mundo in-teiro já havia adotado reduções sucessi-vas. “O Banco Central tem imposto umcusto demasiado ao País, é um erro quetem custado caro à economia brasileira”,alerta. Ao reduzir a taxa, o governo gas-ta menos com juros e teria mais recur-sos para investir na rede de proteção so-cial e amenizar os efeitos da crise sobrea população. Apesar da queda na pro-dução industrial e no emprego, comenta,o BC age como se houvesse pressão dedemanda. É uma medida que tem diver-sos efeitos colaterais. Além do elevadogasto público com juros, a retração daeconomia empurra os trabalhadores queentraram no setor formal nos últimosanos de volta à informalidade, com re-flexos, por exemplo, na sustentabilidadeda Previdência Social.

“Há espaço para afrouxamento daspolíticas monetária e fiscal”, ressalta Cláu-dio Santos. Para Werneck, o governo po-deria até manter o aperto fiscal, desde queadotasse uma política monetária mais fle-xível. Embora o BC tenha sinalizado comnovas reduções da taxa de juros, a medi-da já vem tarde, porque demora para pro-duzir efeito. “O fato é que a desacelera-ção é muito forte e está afetando muitorapidamente o mercado de trabalho”, co-menta Marcelo Nonnenberg, coordena-dor do Grupo de Análise e Previsões doIpea. O governo está fazendo o que po-de, mas, para ele, o espaço de manobrana área fiscal “não é muito grande”, umavez que a desaceleração da economia sig-nifica também menos arrecadação.

MERCADO INTERNO Não há, porém, al-ternativa a não ser apostar no mercadointerno, já que o mercado externo vem

se deteriorando rapidamente, o que sig-nifica encolhimento do mercado para asexportações brasileiras. No ano passa-do, o saldo da balança comercial caiu38,2%, embora ainda tenha fechado comsuperávit de US$ 24,7 bilhões. Em ja-neiro, houve déficit comercial de US$518 milhões – pela primeira vez desde2001. As exportações caíram mais de20% no mês.

As grandes economias mundiais - Es-tados Unidos, União Européia e Japão –vão continuar em recessão e isso signi-fica menos mercado para as exportaçõesbrasileiras, lembra Marcelo Nonnen-berg. “A gente tem que se preparar parauma desaceleração da economia que de-ve prosseguir até o ano que vem”, alerta.Há alguns meses esperava-se que a Chi-na mantivesse o seu ritmo de expansãoeconômica e absorvesse parte do que vaideixar de ser exportado para os paísesdesenvolvidos. As últimas informações,entretanto, mostram a economia chine-sa sob forte impacto da crise. “A crise vaiser mais intensa e mais prolongada doque imaginávamos”, comenta. “As pers-pectivas são bastante preocupantes”,acrescenta Salvador Werneck.

Por enquanto, não há qualquer sinalde reorganização da economia mundial.A reunião do Fórum Econômico Mun-dial terminou, no início de fevereiro, domesmo jeito que começou: só incerte-zas. A esperança agora passou para areunião do G-20, grupo formado pelasmaiores economias mundiais, previstapara abril. Enquanto isso, cada país faz,de forma isolada, o que pode para sal-var sua economia que teima no cami-nho da recessão. Há estimativas de queUS$ 7 trilhões já tenham sido injetadosnas economias pelos diversos governos,sem resolver o problema do sistema fi-nanceiro internacional. Isso significaque a restrição do crédito externo vaicontinuar, lembra Nonnenberg.

EFEITO OBAMA O presidente dos EstadosUnidos, Barack Obama, promete novasmedidas para amenizar os impactos dacrise, além do pacote de US$ 825 bilhões.Mas os governos em geral estão sob for-te pressão da sociedade e do empresa-riado para adotar medidas protecionis-tas e restringir as importações em bene-fício dos produtos nacionais. O Con-gresso dos EUA, por exemplo, incluiu,

O Fórum Econômico Mundial reuniu-se mais uma vez em Davos e acabou como começou. Cheio de incertezas

WEF/Divulgação

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d í v i d a p ú b l i c a . C o m i s t o , s o b r a m r e c u r s o s a d i c i o n a i s p a r a o s i n v e s t i m e n t o s

no pacote, cláusula proibindo o uso deaço importado, forma de reservar o mer-cado para as empresas norte-americanasde siderurgia. Durante a reunião do Fó-rum Econômico, o primeiro-ministrobritânico, Gordon Brown, apelidou a on-da protecionista de “desglobalização”. Ofenômeno tem ocorrido também no sis-tema financeiro que, independente dosgovernos, passou a concentrar o créditonos países desenvolvidos, onde está se-diado. A onda protecionista agrava a si-tuação da economia mundial, já que fe-cha mercados e corta o crédito para aprodução e o consumo.

Com a deterioração da balança co-mercial, o governo brasileiro caiu natentação protecionista, mas desistiu deir em frente. Portaria do Ministério doDesenvolvimento, Indústria e Comér-cio Exterior ressuscitou o mecanismo dalicença prévia de importação, que dá aogoverno o direito de definir o que podeou não ser importado. Embora o minis-tério tenha alegado que o objetivo era oaperfeiçoamento das estatísticas, a li-cença prévia poderia atrasar o processode importação. Resta agora esperar quea desvalorização da moeda nacional sir-va de freio às importações.

AJUSTE NECESSÁRIO A desvalorizaçãocambial no Brasil era um ajuste espera-do e necessário, afirma Salvador Wer-neck. O Banco Central, embora não ad-mitisse, mantinha o real valorizado emrelação ao dólar com o único objetivode segurar a inflação. “A economia esta-va caminhando para um desequilíbriopreocupante nas contas externas, pode-ríamos ter uma crise no balanço de pa-gamentos”, diz. A valorização cambial,destaca, tem inúmeras desvantagens, in-clusiva a de retardar o desenvolvimen-to tecnológico.

“A crise pode representar oportuni-dade para a economia brasileira”, afir-ma. Isto se o Brasil superar a crise emantiver o câmbio desvalorizado. Paratransformar o desafio em oportunida-

O melhor remédio em época de crise é não se deixar

abater nem se entregar ao desânimo. Esta é a receita de

Ana da Aparecida Pena, mais conhecida em Brasília por do-

na Netinha. Aos 82 anos de idade, ainda ajuda a filha Eliane

na administração do Toca da Mata, restaurante e loja de do-

ces e salgados. As duas montaram o negócio há 22 anos,

e já enfrentaram várias trocas de moeda, pacotes econô-

micos e o famigerado confisco do governo Collor. Não se

assustam mais com as notícias sobre crise.

“Acho que um pouco é barulho”, comenta dona Netinha. “A

gente tem que ir fazendo as coisas, o necessário”. Sua neta, Ana

Luíza Ferreira, montou há pouco mais de um ano uma loja se-

melhante numa cidade satélite de Brasília, com a mesma mar-

ca e a tradição da família em salgados e doces. Começou com

cinco funcionários. Agora, tem 12, e já planeja instalar mais

uma loja no mesmo bairro. Está adiando o plano, não por cau-

sa da crise, mas por falta de pessoal qualificado.

Segundo Ana Luíza, as vendas de fim de ano não foram

como esperava: “Dezembro era para ser um mês muito bom,

mas não foi excepcional”. O faturamento ficou na média dos

demais meses, ou seja, sem crise. “Sabendo contornar a

crise, a gente sai bem lá na frente”, explica dona Netinha.

Em época de crise, é fundamental “ver onde está escorren-

do”, tampar os buracos e tocar o negócio, receita Eliane.

Ela conta que estava gastando muito com gás. Então, trocou

o forno e reduziu as despesas. “A gente tem que se tornar

mais profissional e não se abater com isso”, afirma.

BLINDAGEM Além da coragem, elas contam também

com a vantagem de estar numa atividade ainda não afetada

pela crise. “Não se pode falar em crise no setor de servi-

ços e de comércio”, afirma Tiago Oliveira, economista do

Departamento de Intersindical de Estatística e Estudos So-

cioeconômicos (Dieese). Outra vantagem é que a economia

do Distrito Federal tem certa blindagem contra a crise: “É

uma economia bastante concentrada na administração pú-

blica e em serviços, que acabam sendo um colchão amor-

tecedor”. Como os salários e emprego dos funcionários pú-

blicos estão preservados, alguns ramos da iniciativa privada

se beneficiam, explica Oliveira. A taxa de desemprego no

Distrito Federal caiu em dezembro, quando foram fechados

650 mil postos de trabalho no País.

Neste primeiro trimestre, segundo ele, demissões em

Brasília devem aumentar por causa da sazonalidade e um

pouco por causa da crise. O Sindicato dos Servidores Pú-

blicos, porém, já está preocupado: é que a Medida Provisó-

ria 441, já convertida em lei, condiciona o pagamentos das

futuras parcelas do reajuste salarial ao desempenho da ar-

recadação. Se houver queda de receitas, o reajuste previs-

to para junho será cancelado. É um problema que vai atingir

os trabalhadores em geral, em todo o País: nas negociações

coletivas, o máximo que os sindicatos vão conseguir será a

reposição da inflação, prevê Oliveira. Para ele, o que está

acontecendo no Brasil é a antecipação do cenário de crise:

na expectativa da piora dos negócios, as empresas adiam

planos de investimento e esse adiamento repercute ao lon-

go da cadeia produtiva. E os governos dão uma mãozinha

para agravar a situação: o preço da passagem do metrô no

Distrito Federal subiu 50%. Eliane e dona Netinha gastam

mais de R$ 7 mil por mês com passagem dos cerca de 50

empregados. Ana Luíza gasta R$ 12 por dia com uma única

funcionária. Mais de R$ 300 por mês só com transporte.

Dona Netinha, ao lado da nela Ana Luiza Ferreira (E), que já tem o seu próprio negócio, e a filha

Eliane. Aos 82 anos, ensina que, em situações de crise, a melhor receita é não deixar se abater

Para Dona Netinha, 82, nada de desânimo

Andressa Anholete

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Câmb i o s o b r e v a l o r i z a d o p r o vo c a a p e r d a d e c ompe t i t i v i d ad e d a s ex p o r t a ç õ e s

de, é preciso reformular a política eco-nômica e retirar o foco dos preços e dainflação e ter como alvo o crescimento.Nos países asiáticos, lembra Werneck, apolítica econômica é usada para atingiro crescimento econômico e promover odesenvolvimento. O câmbio desvalori-zado aumenta a competitividade nomercado internacional e estimula a in-corporação de tecnologia na produção.No caso do Brasil, o problema está navolatilidade do câmbio.

O câmbio valorizado trouxe proble-mas para a economia brasileira, commudança estrutural nas exportações,conclui Eliane Araújo, pesquisadora doIpea. Em estudo ainda a ser publicado,demonstra que a apreciação do real é de-terminada pela política de controle dainflação: “O patamar do câmbio no Bra-sil tem contribuído para manter a infla-ção baixa. O câmbio apreciado diminui opreço das importações, sejam matérias-primas ou produtos finais. As matérias-primas diminuem os preços finais deprodutos nacionais que as usam como

insumos e os produtos finais importa-dos pressionam para baixo os preços dosbens nacionais concorrentes”, diz.

Na avaliação de Eliane Araújo, “a va-lorização cambial provoca perda de com-petitividade, contribui para os déficitsem transações correntes e abre espaço àpossibilidade de crise de balanço de pa-gamentos”. A perda de competitividade,segundo ela, fica evidente no perfil dasexportações brasileiras, que vem se con-centrando em commodities e bens demenor valor agregado. Mesmo entre osprodutos industrializados destinados aomercado externo, predominam aquelesque agregam pouca tecnologia. “É pos-sível verificar que o saldo da balança co-mercial da indústria é sustentado porprodutos de baixa e média-baixa tecno-logia”, afirma. O setor de alta tecnologiarepresenta apenas 8,4% das exportações.

De 2005 a 2007, os ganhos de expor-tação se deram pelo aumento dos pre-ços no mercado internacional, e não pe-lo maior volume exportado. Do lado dasimportações, o processo é inverso: 60%

do que o Brasil importa são bens de altatecnologia e o volume importado cres-ceu. “O câmbio apreciado reprime ocrescimento das exportações e as opor-tunidades de investimentos”, relata. Apartir de 2005, as vendas no mercado in-terno cresceram acima da taxa de cres-cimento da produção industrial. A dife-rença entre consumo e produção tem si-do atendida pelas importações, que setornaram competitivas devido ao câm-bio valorizado.

A apreciação, segundo Eliane, pro-vocou também uma mudança estrutu-ral na produção da indústria nacional,que passou a utilizar mais insumos im-portados e a produzir bens com baixovalor agregado. No estudo, a pesquisa-dora alerta também para o custo fiscalda política de acumulação de reservasinternacionais: ao acumular reservas, ogoverno emite títulos em reais e pagapor eles taxa de juros superior ao querendem as reservas. A crise forçou oajuste cambial, explica, e criou a opor-tunidade de rever essa política.

A sobrevalorização do real, um dos pilares da política econômica, já prejudicava as exportações brasileiras, antes mesmo da crise

José Paulo Lacerda/CNI

d

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AMÉRICA LATINA

Ninguém estava

dormindoDesta vez, a região não será surpreendida com mais esta crise econômica, diz Juan Carlos Feres, da Cepal.

Todos os países sofrerão seus efeitos, em menor ou maior grau. Mas, com a implantação de políticaspúblicas eficientes, terão condições de superar as dificuldades e retomar o rumo do desenvolvimento

P o r P e d r o H e n r i q u e B a r r e t o , d e B r a s í l i a

Ilustrações: Antônio Schonarth

38 Desafios • março de 2009

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Desaf ios • março de 2009 39

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AA turbulência financeira inter-nacional, que estourou no finalano passado, já mostra impactosna economia e no nível de vida

da população em todos os continentes.No entanto, ao contrário de cenáriosadversos anteriores, a América Latinanão foi pega de surpresa. Após umquinquênio de saltos concretos na dis-tribuição de renda e em seus indicado-res sociais, a região está mais bem pre-parada para lidar com os efeitos da cri-se. É o que garante Juan Carlos Feres,chefe da Unidade de Estatísticas Sociaisda Divisão de Estatística e ProjeçõesEconômicas da Comissão Econômicapara a América Latina e o Caribe (Ce-pal), que faz parte da Organização dasNações Unidas (ONU). Ele esteve noInstituto de Pesquisa Econômica Apli-cada (Ipea) para apresentar, em janei-ro, seminário com base no relatório Pa-norama Social da América Latina, edi-ção 2008. “Em outras crises, era comose a chuva tivesse nos atingido enquan-to dormíamos”, assegurou. “Nesta, tam-bém nos molharemos, mas se tomar-mos as medidas corretas, não pegare-mos resfriado”.

Os países da América Latina conse-guiram importantes avanços no desen-volvimento social nos últimos anos.Queda no desemprego, mercado de tra-balho com mais qualidade, maiores in-vestimentos em educação, saúde e in-fraestrutura vêm permitindo a dimi-nuição da desigualdade entre os gruposmais ricos e os mais pobres na região.O Panorama Social traz dados que com-provam que o enfrentamento da po-breza está em ascensão em praticamen-te todas as nações. Em 2002, eram cer-ca de 221 milhões de pobres e indigen-tes (44% da população total) na Amé-rica Latina mais o Haiti. Ao final de2007, o número caiu para 184 milhões(34,1% da população total). O país quechegou à maior variação nesse períodofoi a Argentina: queda de seis pontospercentuais anuais.

EMPREGO A dinâmica que tem possibi-litado a redução da desigualdade, se-gundo Feres, é reflexo do crescimentoeconômico sustentável, que está pro-porcionando significativa evolução domercado de trabalho. “Houve aumentono número de assalariados nas áreas ur-banas e na remuneração real em todosos setores, de baixa, média e alta pro-dutividade. O emprego decente tem pa-pel fundamental no compromisso demelhorar a distribuição de renda, e ospaíses estão investindo nisso”, afirma.O desemprego beirava os 11% da po-pulação em 2003. Hoje, está em 7,5%.

Entre os 17 países da América Latina,nove fecharam o ano de 2007 dentro dameta que se propõe a erradicar a fome ea miséria, o primeiro dos oitoObjetivos do Milênio estabe-lecidos pela Organização dasNações Unidas (ONU). São eles:Brasil, Chile, Costa Rica, Equa-dor, El Salvador, México, Nicará-gua, Peru e Venezuela. A ex-pectativa da ONU é que,até 2015, os 189 paísesque firmaram o pactoreduzam pela metadeo percentual da po-pulação que so-brevive com ren-da per capita infe-rior a um dólarpor dia.

O gasto públicovoltado para o so-cial, sobretudo nasáreas de seguridadee assistência, tambémtem feito sua parte paramelhorar o bem estar dos maisnecessitados em toda a região. Deacordo com a publicação da Ce-pal, os países vem subindo esseinvestimento social nos últimosanos e superaram a marca de 16% dototal do Produto Interno Bruto (PIB)médio em 2007.

Feres relembra que essas iniciativas

de proteção social têm papel prioritáriono combate à pobreza. No caso brasi-leiro, ele citou o programa Bolsa Famí-lia, que tem ajudado a garantir rendaimediata às famílias mais carentes. “Adiminuição da desigualdade entre ricose pobres depende da atuação do Esta-do, com políticas sociais que garantameducação, saúde e direitos básicos, co-mo forma de gerar empregos e garantira base para um crescimento econômi-co sustentável”, explica.

CONSEQUÊNCIAS No entanto, o quadropositivo foi exposto a um duro golpe emsetembro do último ano. A crise finan-ceira sem precedentes nos Estados Uni-dos criou um ambiente de pessimismo e

retração na economia mundial,ameaçando a continuida-

de deste cenário favo-rável construído pela

América Latina. Uma dasprincipais preocupações é

a alta no preço dos alimentos.O seminário no Ipea mos-

trou que o Índice de Pre-ços ao Consumidor(IPC) de produtos ali-mentícios de consumo

básico, no final de2008, ficou acima doIPC geral em quasetodos os países da re-

gião, exceção feita ape-nas à Argentina. Ali-

mentos como arroz,soja e trigo tiveram

grande aumento,que está tendo im-pacto no poder

aquisitivo da popula-ção em todo o conti-nente, principalmenteentre os mais pobres.

A alta faz com que aluz amarela seja acesa naAmérica Latina. Segundo pro-jeção da Cepal, 11 milhões de

pessoas serão impedidas de

A A m é r i c a L a t i n a v a i s o f r e r c o m a c r i s e . M a s n ã o f o i p e g a d e s u r p r e s a .

40 Desafios • março de 2009

Page 41: O gigante do oriente - Repositório do …repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6997/1/Desafios...De acordo com estudo realizado pelo Ipea, as medidas anticíclicas adotadas pelo

P r e ç o d o s a l i m e n t o s , q u e j á r e g i s t r a a l t a , é u m a p r e o c u p a ç ã o d a C e p a l

18,0

16,0

14,0

12,0

10,0

8,0

6,0

4,0

2,0

0,0

20,0

Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em informações provenientes da base de dados de gastos sociais.A Média ponderada dos países B Dados provisórios

Gasto social (total) Gasto em educação Gasto em saúde Gasto com segurança e bem-estar

Gasto com moradias e outros

1990-1991 1992-1993 1994-1995 1996-1997 1998-1999 2000-2001 2002-2003 2004-2005 2006-2007 B

América Latina e Caribe (21 países): evolução das despesas sociais do PIB para 2006-2007 a 1990-1991 A (%)

16,3

4

12,9

2

3,29 4,

40

3,06 3,

53

5,26

7,09

1,28 1,32

1,10

3,43

0,47

1,83

0,04

América Latina e no Caribe: emprego e desemprego, 1990-2008 (%)

56,0

55,0

54,0

53,0

52,0

51,0

50

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 20032002 2006 20082001 2005 200720042000

Taxa de emprego (eixo esquerdo) Taxa de desemprego (eixo direito)

Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), com base em dados of iciais.

12,0

11,0

10,0

9,0

8,0

7,0

6,0

Desaf ios • março de 2009 41

Page 42: O gigante do oriente - Repositório do …repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6997/1/Desafios...De acordo com estudo realizado pelo Ipea, as medidas anticíclicas adotadas pelo

sair da linha da pobreza devido à infla-ção nos alimentos. “Este é um dos prin-cipais problemas dessa crise. Em nenhu-ma outra conjuntura negativa desse tipotivemos um reflexo tão grande nos pre-ços alimentícios, o que certamente vai de-teriorar parte do que alcançamos nos úl-timos anos”, assinala Feres.

A crise terá impacto diferenciado emcada país, mas os efeitos seguirão o mes-mo eixo para todos. O mercado de tra-balho será afetado, principalmente asocupações informais, atingindo de for-ma mais severa os grupos mais pobres.As demissões crescerão e a probabilidadeé que os salários reais fiquem estagnados.Além disso, pequenas e microempresasdevem enfrentar escassez de crédito, oque vai impor barreiras ao crescimentoeconômico da região. A projeção é queele fique em 1,9% em 2009.

GÊNERO E RAÇA Outro grande obstáculopara a transferência de renda na Amé-rica Latina que poderá ser agravado coma crise é a disparidade de oportunidadessob a ótica de gênero e raça. Atualmen-te, o desemprego e a informalidade sãomais elevados entre as mulheres, sobre-tudo nas localidades mais pobres. Em2001, o Brasil tinha 54% de suas mulhe-res e 81% de seus homens em idade ati-va com participação na atividade eco-nômica. Em 2007, essa distância dimi-nuiu muito pouco. O percentual mas-culino caiu um ponto percentual e o fe-minino passou a ser de 58%. “A atençãocom essa dura realidade tem que ser re-forçada em todos os países para que nãoentremos em um estágio ainda maispreocupante no futuro”, aponta SolangeSanches, coordenadora da área de Gê-nero e Raça da Organização Internacio-nal do Trabalho (OIT), que participoudo encontro no Ipea.

O Panorama Social da América La-tina alerta que a crise econômica teráressonância em atividades do mercadode trabalho que têm alta participaçãodas mulheres: comércio, serviços fi-

nanceiros, indústria manufatureira(principalmente a têxtil), turismo eemprego doméstico. Com um possí-vel aumento da informalidade equeda na disponibilidade derecursos fiscais, a proteçãosocial se tornará maisdifícil, o que se traduzem uma pressão adi-cional para os laresmais necessitados.

Segundo NatáliaFontoura, pesqui-sadora da Direto-ria de EstudosSociais (Di-soc) do Ipea,a região ca-minha paraacabar comas desigualda-des, mas ainda há um lon-go caminho a ser percorrido.Ela lançou a publicação Re-trato das Desigualdades de Gê-nero e Raça, 3ª edição, no finaldo ano passado, em parceriacom a Secretaria Especial dePolíticas Para as Mulheres, dogoverno federal, e o Fundo de Desen-

volvimento das Nações Unidas Para aMulher (UNIFEM).

O relatório do Ipea traz dados de 1993a 2007 sobre o Brasil e comprova que osindicadores sociais melhoraram. Masquando é feito o corte de gênero e raça,fica claro que as políticas universais ain-da não têm conseguido promover opor-tunidades iguais. “Quando comparamosanos de estudo, por exemplo, vemos quea média vem subindo, mas a distância en-tre brancos e negros ainda é a mesma. Omesmo ocorre com a participação nomercado de trabalho e nível salarial.Quanto a homens e mulheres, tambémvemos que elas ainda estão muitos pas-sos atrás deles”, afirma a pesquisadora.

A parte final da exposição no Ipeaguardou um debate entre os presentes so-

bre as medidas que devem seradotadas pelo Brasil e paísesvizinhos para se blindar damelhor forma possível dos

arranhões provocados pelacrise financeira mundial. Umadas preocupações imediatas é

a manutenção dos níveis dogasto público social.

Mesmo com os avançosno último quinquênio, aestrutura e a distribuiçãode investimentos dessanatureza ainda não

reúnem elementossuficientes para fa-

vorecer os maispobres em tem-pos que fler-tam com a re-cessão. O Pano-

rama Social indi-ca que os seguros de

desemprego precisam serampliados e programas

de transferência de rendanecessitam ter fortalecidos

o financiamento, a coberturae a institucionalidade.

O alerta é que os gover-nos na América Latina, na

O d e s emp r ego c r e s c e . A t i n ge , em ma i o r e s c a l a , a s mu l h e r e s , s o b r e t u d o n a s

Feres, da Cepal, recomenda que os governos latino

americanos se preocupem com o custo dos alimentos

Cepal/Divulgação

42 Desafios • março de 2009

Page 43: O gigante do oriente - Repositório do …repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6997/1/Desafios...De acordo com estudo realizado pelo Ipea, as medidas anticíclicas adotadas pelo

14

12

10

8

6

4

2

0

-2

-4

16

Fonte: Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), com base em informações provenientes da base de dados de gastos sociais e de contas nacionais.A Média ponderada dos países B Dados provisórios do total da despesa pública

Variação anual do produto interno bruto Variação anual do total de gasto público social

América Latina e Caribe (21 países): variação anual da despesa pública e do total do produto interno bruto A (%)

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 B

l o c a l i d ad e s ma i s p o b r e s . O g r a n d e d e s a f i o , h o j e , é a c a ba r c om a d i s p a r i d ad e

Os investimentos públicos em áreas como saúde tem

conseguido proporcionar uma nova realidade para as po-

pulações mais carentes. Em Brasília, o Hospital de Base

tem problemas mas já esteve em situação pior. Criado em

1960, a unidade atende mais de 40 mil pacientes por mês,

muitos vindos de outros estados. Comparado ao início da

década, o serviço prestado hoje está em outro patamar.

Quem af irma são as irmãs Antônia Rodrigues, 45

anos, e Elizabete Rodrigues, 43. Elas vieram do Ceará há

30 anos e desde então vivem em Santo Antônio do Des-

coberto (GO). Desde 2008, frequentam o hospital com a

mãe, Maria Rodrigues, 73. Ela sofria de câncer até o f i-

nal do passado. Está curada, e agora cuida dos efeitos

da radioterapia.

“Realmente, a infra-estrutura e o atendimento do hos-

pital são bastante diferentes”, conta Antônia. “Nove anos

atrás, eu vim nesse mesmo hospital com minha sogra, que

também tinha câncer. Não conseguimos qualquer medica-

mento pelos doutores. Visitamos todas as instituições de

saúde do Distrito Federal e nada. Ela morreu após três

meses”, relata.

A história de Maria Rodrigues é diferente. “Quando che-

gamos aqui com minha mãe, após 15 dias tivemos a con-

sulta. Voltamos periodicamente e, graças a Deus, a doença

foi curada no f im do ano passado. O local é o mesmo, mas

parece que viemos a um outro hospital”, conta Antônia.

Duas irmãs, umhospital. E doisresultados muitodiferentes

Pedro Henrique

Dona Maria, 73, ao lado das filhas Antônia (D) e Elizabete, volta para casa com o câncer curado

Desaf ios • março de 2009 43

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P r o g r a m a s d e e m p r e g o e p r o t e ç ã o s o c i a l p r e c i s a m a j u d a r o s p o b r e s

hora de injetar dinheiro em melhoriassociais, continuam seguindo um padrãojá tido como altamente perigoso. Sãogastos procíclicos, que dependem daevolução do PIB para se manter. “É umcomportamento que tem que ser muda-do. O reforço em programas de empre-go e de proteção social é fundamentalpara que os grupos mais vulneráveis se-jam protegidos em crises econômicascomo essa”, sustenta Renato Baumann,diretor do escritório da Cepal no Brasil.

Feres explica que este novo entendi-mento vem ganhando espaço entre es-pecialistas no tema: o próprio mercadode trabalho, como base para frear osefeitos da crise. “Os governos podem en-carar a turbulência como uma chancede melhorar as condições de emprega-bilidade. Colaborar com empregadoresoferecendo subsídios e capacitar a mãode obra, para que a população esteja pre-parada quando crise terminar”, diz. Oíndice mais alto de desemprego na Amé-rica Latina está hoje na República Do-minicana: 15,6%, segundo dados de2007 da Cepal.

Ele citou o Chile, que recentementeadotou uma série de medidas anticrisefocadas no mercado de trabalho. O pa-cote dará 20% da remuneração comosubsídio ao empregador e mais 10% porcada nova contratação de unidade demão-de-obra. “A reação do mundo em-presarial foi bastante positiva e a expec-tativa é que os indicadores sociais fi-quem mais bem protegidos a partir deiniciativas como essa”, disse. Outro pon-to lembrado pelo palestrante é que osgovernos devem se esforçar para man-ter o crédito oferecido às pequenas e mi-croempresas, de modo a contribuir pa-ra a abertura de mais vagas de trabalho.

LONGO PRAZO Já as medidas de médio elongo prazos estão voltadas para a coo-peração entre os países latinos e entre go-verno e sociedade. A publicação sugereque sejam firmados novos contratos so-ciopolíticos para se chegar a acordos fis-

cais mais solidários. Alémdisso, estabelecer estratégiasde apoio aos países daregião que apresen-tem maior vulnera-bilidade social fren-te à crise. O relatóriosustenta, também, que o desen-volvimento dos organismosmultilaterais será imprescindí-vel para ajudar no desenvolvi-mento mútuo das nações.

Segundo Renato Bau-mann, ainda não é possívelmedir a dimensão dos efei-tos da crise econômica. Masessa integração ajudará o con-tinente latino-americano a sereerguer. “O impacto será dife-renciado em cada país, mas esta-mos otimistas após o desenvolvi-mento obtido nos últimos anos”,previu. “Se conseguirmos promo-ver essas iniciativas de cooperação,temos tudo para voltar a crescersustentavelmente após essa crise”.

Uma das ações defendidaspelo documento apresentado noIpea para que a economia voltea crescer após essa turbulência é

o aumento da estrutura de tributos. Osgovernos terão menor receita, mas nãopoderão deixar cair o nível de arrecada-ção para que os investimentos sociaisnão sejam prejudicados. Comparada aosoutros continentes, a média de 18% doPIB da carga tributária na região é maisalta apenas que a da Ásia. A exceção é oBrasil, que tem uma carga tributária dasmais elevadas: 35% do PIB.

Um dado promissor para o futuro daAmérica Latina é a transição demográ-fica. Os países caminham para uma con-siderável diminuição da população in-fantil e adolescente, fato que abre umajanela de oportunidades para que sejamrealizados investimentos com maior fo-co na educação secundária, e não mais

primária. “Este novo pa-pel da educação se-rá a chave paraconstruir uma ba-

se mais sólida de ca-pital humano em nos-

sas sociedades, reduzin-do as brechas sociais em uma

velocidade maior”, afirma Feres.Em mais da metade dos países, in-

cluindo o Brasil, esta realidadejá vigora.

A mudança será umimportante aliado paraque a nova agenda so-cial da América Latina

consiga atender commais eficiência a juven-

tude. “Vamos concen-trar o foco em pro-gramas que comba-

tam o abandono escolar,a violência juvenil, e quegarantam direitos comoo primeiro emprego. Odiálogo permanente coma juventude é de funda-mental importância paragarantir um futuro cada

vez mais igual entrenossos cidadãos”, ex-

plica Feres.

Para Baumann, da Cepal, integração latino

americana será importante contra acrise

d

Gervásio Baptista/ABr

44 Desafios • março de 2009

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ARTIGO A l b e r t o L o u r e n ç o

A proibiçãogeneralizada do

mercado de terras foi oregime que vigorou nasúltimas décadas e que

nos legou o caosfundiário atual.

Apesar da proibição,terras públicas são

vendidas e compradasabertamente em toda

a Amazônia, inclusivee em larga escala

dentro dos Projetos deAssentamento do Incra

Ogoverno Lula decidiu enfrentar o prin-cipal entrave ao desenvolvimento naAmazônia e fazer a regularização fun-diária. Regularizar as centenas de mi-

lhares de posses geradas nas últimas décadas écriar as bases para o ordenamento territorial,para a gestão ambiental das propriedades e pa-ra organizar a produção em bases mais racio-nais e avançadas.

No entanto, todo o imenso esforço de orde-namento fundiário pode resultar em pouco ounada, caso prevaleça certa visão equivocada darelação causal entre mercado de terras e con-centração fundiária. A regularização fundiáriaprovocaria uma corrida de grandes empresáriosbrasileiros e internacionais à Amazônia, com-prando as posses regularizadas dos produtoresfamiliares e transformando a região em um gi-gantesco latifúndio. O antídoto para tal desfe-cho sinistro seria simples: proibir o mercado. Aspropriedades regularizadas não poderiam sercompradas ou vendidas por dez anos, contadosapós o pagamento da última parcela devida àUnião. O mercado de terras ficaria congeladopelas próximas décadas.

A proibição generalizada do mercado de ter-ras foi o regime que vigorou nas últimas déca-das e que nos legou o caos fundiário atual. Ape-sar da proibição, terras públicas são vendidas ecompradas abertamente em toda a Amazônia,inclusive e em larga escala dentro dos Projetosde Assentamento do Instituto Nacional de Co-lonização e Reforma Agrária (Incra). O resulta-do é que hoje não se sabe quem ocupa que área.Por isso a decisão de regularizar. Por isso trans-formar o caos atual em governança fundiáriacompatível com o desenvolvimento sustentável.

Proibir o mercado de terras apenas força asubstituição da escritura pública pelo contratode gaveta, do legítimo titular pelo “laranja”. Aproibição de compra e venda apenas transfor-ma mercado legal em mercado negro.

A diferença entre mercado legal e mercadonegro de terras é que só o primeiro permite go-vernança fundiária e ambiental. As transações

são registradas em cartório e pagam imposto. Aautoridade fundiária, sabendo, em tempo real,onde e porque a posse da terra está se concen-trando, pode agir de forma adequada. Os ocu-pantes são os proprietários, que, como tal, po-dem mais facilmente acessar o crédito. Com aregularização, o preço da terra aumenta, induzintensificação e gera aumento de produtividade.

O mercado negro beneficia os agentes commenor aversão ao risco e afugenta os que prefe-rem operar dentro da lei. Troca os mais eficien-tes pelos oportunistas e violentos. Restringe eencarece o crédito, além de estimular o uso ir-racional dos recursos naturais.

A preocupação com o futuro da propriedadefamiliar na Amazônia é justa. Ali, mais que noresto do Brasil, o déficit de infraestrutura, o qua-dro de endemias, a frágil extensão rural e a dis-tância dos mercados, entre outros fatores, au-mentam as chances de fracasso e desistência pa-ra os pequenos, favorecendo grandes fazendasde pecuária extensiva. O problema demandapolíticas públicas adequadas, tais como: inves-timentos em estradas vicinais, eletrificação, saú-de, assistência técnica, acesso a mercados e, prin-cipalmente, Projetos de Assentamento de me-lhor qualidade. Não se deve descartar sequer oestabelecimento de limites à concentração, sejapor lei ou por tributação diferenciada.

A mera proibição da compra e venda das ter-ras regularizadas em nada melhora as chancesda produção familiar. Quando premidos por ra-zões econômicas, familiares ou de saúde, os pe-quenos vendem suas terras de qualquer forma,legalmente ou não. Mas a ilegalidade da transa-ção lhes custa caro: o preço do hectare é muitomais baixo do que poderiam obter em uma tran-sação legítima. Os compradores, frequentementeoutros produtores familiares, não têm qualquerdireito. O mercado, mesmo proibido, prevale-ce, mas clandestino, descontrolado e restrito àsua sua pior face. Não é o que a Amazônia quer.

Mercado de terras e governança

Alberto Lourenço é diretor de Amazônia da Subsecretaria de

Desenvolvimento Sustentável da SAE/PR

Desaf ios • março de 2009 45

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CONTROVÉRSIADESENVOLVIMENTO O melhor je ito de acabar com as

A teoria econômica ensinaque o desenvolvimento de

uma região é fruto de umacombinação virtuosa de

capital físico (infra-estrutura e investimento

privado), capital humano(escolaridade da mão-de-

obra local e saúde) einstituições locais (normas

formais e informais queregulam o ambiente de

negócios local)

Há um grande debate no Brasilquanto à necessidade de uma po-lítica regional. Os que se colocamcontra esse tipo de política argu-

mentam que o importante é a igualdadede oportunidades, que se traduz no aces-so a bens e serviços públicos como edu-cação e saúde independentemente do lo-cal onde a pessoa tenha nascido. Essemesmo grupo defende a tese que, em vezde dar subsídios para atrair capital pararegiões pobres, seria mais barato e eficazadotar programas de transferência derenda para os mais pobres. Acontece queo debate está longe de ser tão simples.

A dicotomia entre política social ver-sus política regional é falsa. A existênciade políticas sociais em nada desqualifi-ca a necessidade de uma política regio-nal. Hoje, o Brasil continua com um pa-drão de crescimento regional muito de-sigual. Quando olhamos o Produto In-terno Bruto per capita por região, che-gamos à conclusão que o PIB per capitano Sudeste, em 1985, foi quase três vezessuperior (2,8 para ser exato) ao PIB percapita do Nordeste, diferença que semanteve em 2006; o que significa que adesconcentração da produção entre a re-gião mais rica e a mais pobre no Brasilpraticamente não existiu.

Mas o que explicaria a persistênciadessa diferença? A teoria econômica en-sina que o desenvolvimento de uma re-gião é fruto de uma combinação virtuo-sa de capital físico (infraestrutura e in-vestimento privado), capital humano (es-colaridade da mão-de-obra local e saú-de) e instituições locais (normas formaise informais que regulam o ambiente denegócios local) que conduzem a um am-

biente mais favorável ao empreendedo-rismo, pesquisa e inovação. É impossí-vel promover o crescimento quando seatua em apenas um dos três fatores aci-ma; vide o exemplo de Cuba que focouapenas no capital humano e o exemplodas políticas regionais no Brasil dos anos70 que focavam apenas no incentivo aocapital privado. O que precisamos é deuma nova política regional, que leve emconta essa concepção moderna de cres-cimento econômico e aumente os inves-timentos públicos em educação, infra-estrutura e subsidie a descoberta de no-vas atividades produtivas e a moderni-zação daquelas que já existem por meiode maiores incentivos à inovação.

Por exemplo, o pólo de fruticulturairrigada de Petrolina-Juazeiro, que con-tou com um forte programa de investi-mento público por mais de duas déca-das, tornou-se um caso de sucesso de ex-portação nos anos 90. O recente progra-ma do governo federal de compra de na-vios pela Transpetro levou à formaçãodo maior estaleiro do hemisfério sul noporto de Suape, em Pernambuco comimpacto positivo na geração de empre-go local. Mesmo o setor de calçados, quecontou com incentivos fiscais estaduais,teve um crescimento muito forte na re-gião Nordeste e responde, hoje, por 30%dos trabalhadores do setor no Brasil, an-te 3% em 1985. Da mesma forma que oeconomista Dani Rodrick de Harvard fa-la que a política industrial do século 21deve facilitar o processo de descobertade atividades produtivas em cada país, anova política regional deve ter tambémo mesmo enfoque. Assim, ainda preci-samos de políticas regionais.

Precisamos de umapolítica regional? Sim

Mansueto Almeida é técnico de Planejamento e Pesquisa da

Diretoria de Estudos Setoriais (Diset) do Ipea

46 Desafios • março de 2009

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desigualdades hoje veri f icadas no País é por meio de pol í t icas públ icas local izadas?

Segundo dados do IBGE, arenda per capita do

Sudeste é 270% maior quea do Nordeste. Podemosafirmar que o problema

da desigualdade social é,aproximadamente, 6,5

vezes mais importante doque o problema

da desigualdade regionalda renda

Écomum, no Brasil, que os econo-mistas se refiram aos dois grandesdesequilíbrios de nossa economia,a desigualdade social e a desigual-

dade de renda. Tudo se passa como se am-bos fossem irmãos siameses: aonde um vaio outro tem que ir atrás. Argumento queos problemas são distintos.

Há dois tipos de desigualdade regional.No primeiro há forte desigualdade na dis-tribuição geográfica da produção. No ou-tro, forte desigualdade regional da rendaper capita. O primeiro representa um ge-nuíno fenômeno regional, e o segundo não.A maior parcela da desigualdade da rendaper capita representa, na verdade, desi-gualdade social.

Quando tomamos um avião e cruza-mos os EUA de leste a oeste a partir da Fi-ladélfia, sobrevoamos uma enorme regiãocom baixíssima densidade populacional.Há pouquíssimas cidades de expressão.Boa parte do PIB americano é produzidana região da Nova Inglaterra e em umaporção da Califórnia. Há, portanto, nosEUA, forte concentração espacial da pro-dução. O mesmo não pode ser dito comrelação à renda per capita. A renda per ca-pita do meio oeste é muito elevada. Assim,não é verdade que a baixa densidade daprodução implique baixa renda per capita.Por este motivo tenho muita dificuldadede imaginar justificativas econômicas paraque o setor público americano gaste re-cursos na tentativa de alterar a distribui-ção regional da produção.

Quando o problema da desigualdaderegional no Brasil é mencionado, a preo-cupação que há é com a disparidade darenda per capita entre as regiões. O quemais incomoda é que a produtividade do

trabalho em algumas regiões é muito me-nor do que em outras.

No entanto, é possível que a desigual-dade regional de renda per capita não sejaexatamente um problema regional, mas se-ja desigualdade de algum outro atributoque esteja fortemente correlacionado à re-gião. O candidato mais óbvio é a desigual-dade educacional. Assim, a política deveser uma política educacional que priorize asregiões mais carentes e não políticas típi-cas de subsídio.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE), a renda per ca-pita do Sudeste é 270% maior que a doNordeste. Podemos afirmar que o proble-ma da desigualdade social é, aproximada-mente, 6,5 vezes mais importante do que oproblema da desigualdade regional da ren-da. Esta é uma questão menos prioritária.

O motivo para esta fortíssima reduçãoda desigualdade regional de renda per ca-pita quando se controla por diferenças nascaracterísticas embutidas nos indivíduos,deve-se à forte tendência à equalização dasrendas introduzida pela mobilidade do tra-balho. Os diferenciais de salários sustenta-dos pela segmentação regional do merca-do de trabalho não devem ser muito maio-res do que 20 ou 30%, o que explica os re-sultados no estudo citado.

Assim, acredito que no atual estágio dedesenvolvimento de nossa sociedade, po-líticas que priorizem fortemente a altera-ção da distribuição regional da produçãonão são prioritárias. Evidentemente, quan-do tivermos um nível de desenvolvimen-to sócioeconômico maior, pode chegar omomento no qual estas políticas passema ser prioritárias. Ainda estamos longedeste ponto.

Política regional éprioritária? Não

Samuel Pessoa é pesquisador do Instituto Brasileiro de

Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV)

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COMBUSTÍVEIS

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Produção mundial ficou acima da demanda. Com isto, os preços caíram nos mercados externo e interno.No Brasil, venda de veículos f lex continua em alta. Segundo a CNA, cotação média da tonelada

de cana está em R$ 38 no Centro Sul, enquanto os custos de produção chegam a R$ 47

P o r D é b o r a C a r v a l h o , d e B r a s í l i a

Em 2006, mesmo ano em que o presidente Luiz Inácio Lu-la da Silva começou a percorrer o mundo para apresentaro potencial brasileiro na produção de biocombustíveis, oagricultor rural Gustavo Rattes tomou, no interior de

Goiás, uma decisão que refletia a euforia do mercado e a espe-rança de muitos produtores rurais e usineiros na aposta de que oetanol brasileiro conquistaria o mundo. Desde sempre, a famí-lia Rattes viveu da terra, no município de Paraúna, a 150 quilô-metros da capital, plantando soja, milho e sorgo. Os atuais mem-bros do clã decidiram mudar de cultura, pressionados pelo au-mento dos custos, principalmente dos fertilizantes. Segundo oMinistério da Agricultura, entre novembro de 2006 e maio doano seguinte, o preço desses insumos subiu quase 20%. E a pers-pectiva era de manutenção dos reajustes, que prejudicariam ain-da mais a rentabilidade da produção de grãos.

Em feiras e congressos agropecuários, Gustavo Rattes já ti-nha ouvido falar da competitividade inigualável do Brasil naprodução de biocombustíveis e do interesse dos países ricosem uma fonte de energia que fosse, ao mesmo tempo, reno-vável e mais limpa que o petróleo. O mercado interno tam-bém parecia ter demanda mais que suficiente, já que em 2008,os carros flex fuel representavam mais de 7 milhões de auto-móveis, ou seja, 25% da frota de veículos leves do País. O pro-dutor decidiu fazer um estudo para verificar a viabilidade da la-voura de cana-de-açúcar. Mas a decisão final veio mesmoquando saiu a notícia de que um grupo de investidores fran-ceses construiria, na região, uma usina de açúcar e álcool. Com260 hectares de cana plantados, entrou em contato com osfranceses e fechou uma parceria para o fornecimento de ma-téria-prima para a usina.

Stock.xchng

A euforia(arriscada?)

do álcool

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Naquela época, a União da Indústria deCana-de-Açúcar (Unica) estimava que, atéa safra 2012/13, seriam investidos US$ 14,6bilhões na construção e expansão de usinasde açúcar e álcool. Daria para construir, emmédia, uma nova unidade industrial a ca-da mês durante seis anos. Tanta empolga-ção era explicada pela competitividade doetanol brasileiro em relação, por exemplo,ao produzido nos Estados Unidos, a partirdo milho. No Brasil, cada hectare de canaproduz 7,5 mil litros de etanol. No caso domilho, são três mil litros. Outra vantagem éa limpeza. Para cada litro de gasolina utili-zado na lavoura ou na indústria são produ-zidos 9,2 litros de etanol. A relação cai para1,4 litro por unidade de combustível fóssil,empregado para processar o milho.

TURBULÊNCIA Mas os problemas de Rattescomeçaram já em 2007, quando a usinafrancesa, que já deveria estar moendo, sóabriu as portas no ano seguinte. Nessemomento, a produção mundial de açúcare álcool começou crescer, o preço dos pro-dutos acumulou queda e, por consequên-cia, também o valor pago ao produtor pe-la tonelada e a rentabilidade de toda acadeia produtiva. “A queda nos preços éresultado de três safras de excesso de ofer-ta no mundo”, explica a pesquisadora daEscola Superior de Agricultura Luiz deQueiroz, na Universidade de São Paulo(Esalq/USP) Márcia Azanha. Segundoela, na safra 2006/07 sobraram 12 milhõesde toneladas de cana. Na seguinte o exce-dente foi de seis milhões de toneladas. “Osestoques de passagem chegaram a ser su-ficientes para cinco meses”, lembra.

As promessas de aumento de consumodo etanol nos Estados Unidos e União Eu-ropéia fizeram até mesmo países que têmcusto de produção maior que o Brasil, co-mo a Índia, sentirem-se tentados a expor-tar. Dados do Conselho de Produtores deCana-de-Açúcar de São Paulo (Conseca-na-SP) mostram que o preço do metro cú-bico de álcool caiu de R$1,2 mil reais, emmarço de 2006, para menos de R$ 700 emmaio do ano seguinte.

SEM DINHEIRO A crise financeira que ex-plodiu nos Estados Unidos, trouxe aindamais obstáculos para a produção de eta-nol. “Há seis meses o setor tinha dinheiro arodo. Com a crise, a torneira fechou, nãotem capital de giro. E se a usina não rodahá reflexos em toda a cadeia”, comenta oprodutor de cana. Os investimentos seca-ram e, com isso as empresas, que têm dí-vidas no mercado internacional, enfren-tam dificuldade de refinanciar. Só emGoiás, quatro usinas já entraram com pe-dido de recuperação judicial. As empresasque dispunham de capital de giro, obtidocom as boas safras de 2006 e 2007, inves-tiram na expansão da atividade produtivae na agregação de novos negócios, como aco-geração de energia. Agora, com preçosbaixos e em meio à escassez de crédito, pre-cisam formar caixa para quitar os débitos.Dados do Banco Central mostram que, noano passado, pela primeira vez desde 2002,o Brasil registrou fluxo cambial negativode US$ 983 milhões. A situação se agravounos últimos meses do ano. Após ter regis-trado a saída de US$ 7,159 bilhões em no-vembro, o saldo negativo ficou em US$6,373 bilhões em dezembro.

Além da fuga dos investimentos es-trangeiros, que precisaram voltar aos paísesde origem para cobrir os rombos causados

pela bolha imobiliária, o petróleo come-çou a ficar cada vez mais barato. Em me-nos de seis meses, o preço caiu cerca de70%, ao passar do recorde de US$ 147, emmeados de 2008, para aproximadamenteUS$ 40 por barril, no início deste ano. Apesquisadora da USP explica que o valordo petróleo é importante para o etanol, porque são produtos substitutos. “A preocu-pação ambiental existe, mas o consumidorcompra combustível pelo preço”, diz. Elaafirma que se valor do álcool estiver até75% do preço da gasolina ainda é vantajo-so escolher o primeiro. Mas se o barril dopetróleo ficar abaixo do patamar de US$35 pode se tornar difícil manter a compe-titividade do álcool.

Com tantas variáveis, os especialistasreconhecem que o cenário de crise criaincertezas e dificulta a formulação deperspectivas para 2009, sobretudo quan-do se trata de temas como a oferta de cré-dito e a política de juros do governo. Se-gundo a Confederação da Agricultura ePecuária do Brasil (CNA), o produtor queinvestiu por conta própria para expandira produção da lavoura também fica semsaída com a crise e os problemas de ren-tabilidade. A entidade estima que devahaver cerca de 40 milhões de toneladas decana que sobraram do ano passado para

N a s ú l t i m a s t r ê s s a f r a s , a p r o d u ç ã o m u n d i a l d e a ç ú c a r e á l c o o l f o i

Aumento do número de veículos flex intensifica a procura por álcool nos postos de combustíveis

Fotos: Josemar Gonçalves

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s u p e r i o r à d e m a n d a . P r o d u t o r n a c i o n a l d i z q u e p r e ç o n ã o c o b r e c u s t o s

serem colhidas nesta safra. Até as usinasque, tradicionalmente, param de moer emdezembro e janeiro não interromperamo funcionamento este ano, na tentativa deformar caixa para honrar os compromis-sos. “O que estava ruim ficou pior. Desdea safra 2004/05, a produção vinha au-mentando em média 8%. Mas a partir dasafra passada quem produz não conseguesequer pagar os custos operacionais”, afir-ma José Ricardo Severo, assessor técnicoda Comissão Nacional de Cana-de-açúcar da CNA.

CUSTO E PREÇO De acordo com levanta-mento da CNA, o preço pago pela tone-lada de cana no Centro-Sul está a R$ 38,em média, mas o custo de produção che-ga a R$ 47. No Nordeste, fechar as contasparece ainda mais difícil para o produtor.

A tonelada de cana custa em média R$ 33,mas o custo operacional ultrapassa R$ 50.“Isso acontece por causa da grande que-da de preços. O álcool também está abai-xo do custo de produção para a usina.Mas em época de crise elas vendem aqualquer preço para fazer capital de giro”,completa Severo.

A principal reclamação dos produtoresé da falta de sustentabilidade do setor. Elesreivindicam ao governo a inclusão da ca-na-de-açúcar e derivados na política depreços mínimos do Ministério da Agri-cultura, para que sejam beneficiados porprogramas de subvenção, como o que co-bre parte dos custos para apoiar a comer-cialização do produto. “Funcionam maisde 400 usinas no País sem nenhuma regu-lação. O governo só sabe o quanto é pro-duzido pelo que a usina informa. Vinho e

uva estão no programa de preços mínimose a cana não”, comenta Severo. A Compa-nhia Nacional de Abastecimento (Conab)está trabalhando no cálculo do preço mí-nimo para a tonelada de cana. De acordocom o técnico da CNA, esse valor deve serde cerca de R$ 40 para o Nordeste. “Aindaestá abaixo do que o agricultor gasta paraproduzir. A metodologia da Conab preci-sa ser aperfeiçoada, porque não consideraquestões como a depreciação da lavoura”,observa. Para a CNA, o produtor precisado benefício, pois vem de duas safras deprejuízos acumulados, que o tornaram oelo mais fraco dessa cadeia.

O produtor Gustavo Rattes, que trocoua soja pela cana, sabe bem como funcionaisso. Ele conta que com a queda nos pre-ços de insumos, de outubro até agora, asperdas foram amenizadas. Porém, a la-

Qual o combustível que você prefere?

“Pref iro o álcool porque é mais barato e nãopolui. Sou taxista há dez anos e utilizo estecombustível há oito. Fiz as contas e o preçocompensa. Se em algum momento parar decompensar, mudo para gasolina. Mas, por

enquanto, estou satisfeito. O desempenho doveículo f ica até melhor”

Rosivaldo Pereira Sales, 33 anos, taxista

“Atualmente, estou usando gasolina. Duranteoito meses utilizei álcool, mas percebi que estava

gastando mais. Com um tanque de álcool eurodava quatro dias e com um tanque de gasolina

rodo uma semana. Além disso, apesar doreservatório de gasolina, tinha dif iculdade para

ligar o carro pela manhã”

Manoela Alcântara, 24 anos, jornalista

“Dou preferência à gasolina porque acreditoque rende bem mais. Com esse combustível possorodar mais com o carro. Não tenho nada contra o

álcool, é mais uma opção pela economia. Atéporque o desempenho do carro com álcool é bem

melhor. Há algum tempo, compensavaf inanceiramente utilizar o álcool, agora não mais”

Alessandro de Oliveira Alves, 32 anos, analista de sistemas

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M i n i s t é r i o d a A g r i c u l t u r a é p r e s s i o n a d o p a r a i n c l u i r a c a n a n a p o l í t i c a

voura dele, em Goiás, chegou a ficar umano com custo de produção mais alto doque o preço recebido pelo produto. “O pre-juízo chegou a R$ 10 por tonelada, mais deR$ 700 mil”, lamenta. Como o financia-mento para investimento na lavoura de ca-na é diluído em cinco anos, por causa dociclo da cultura, Rattes ainda tem esperan-ça de que as perdas possam ser absorvidasaté o fim desse prazo.

Em tempos de desconfiança no merca-do financeiro, os agricultores ainda recla-mam da falta de crédito oficial. De acordocom o Plano Agrícola e Pecuário da Safra2008/2009, que apresenta as diretrizes dapolítica agrícola do governo, o limite de fi-nanciamento de custeio por produtor pa-ra culturas, como a soja, é de R$ 400 mil.Para a cana, esse valor é de R$ 200 mil. Osprodutores dizem que o dinheiro é pouco.Em Goiás, por exemplo, o custo de produ-ção da cana é de cerca de R$ 4 mil por hec-tare, enquanto da soja não passa de R$ 1,8mil/ha. Antes da crise internacional, os re-cursos complementares para o custeio daplantação eram retirados direto nas usinase, depois pagos em cana. Os juros dessaoperação não compensam: chegam a 12%ao ano, enquanto a taxa do crédito oficialestá em 6,75% ao ano. “Mas o agricultor fi-ca sem saída. Se o governo aumentasse aoferta de financiamento, daria um fôlegomaior”, diz Rattes.

As críticas ao governo também apon-tam a falta de coerência entre o discursode defesa e propaganda dos biocombustí-veis e a inexistência de uma política ener-gética de longo prazo para o País. “Se temmeta de verdade para aumentar a produ-ção de biocombustíveis, é preciso cumprirum papel de definição do preço da gasoli-na e de uma taxa de juros num patamarcompatível com retorno de investimentose controle da inflação”, afirma a pequisa-dora da USP. Outra demanda das usinas épor mais facilidades nas exportações. Umaalternativa que tem ajudado é o aumentoda oferta de Adiantamentos de Contratosde Câmbio (ACC), por meio de leilões deempréstimo de dólar, promovidos pelo

Banco Central. No entanto, o volume derecursos repassados via ACC apresentouforte queda durante a fase mais aguda dacrise, caindo de US$ 5,254 bilhões em se-tembro para US$ 3,695 bilhões, mantidosaté o final de 2008. Desde o primeiro lei-lão, realizado pelo BC no dia 5 de novem-bro de 2008, já foram colocados no mer-cado US$ 6,267 bilhões, o equivalente a84,47% do total de US$ 7,419 bilhões em-prestados pelos bancos nas linhas de ACCde novembro até os seis primeiros diasúteis de janeiro de 2009.

O trabalho do BC, entretanto, não estáse refletindo em aumento do volume deoperações via ACC, que somaram apenasUS$ 659 milhões até o dia 9 de janeiro, con-tra US$ 854 milhões no mesmo período de2008. Nem todo o recurso comprado nosleilões sai dos bancos direto para as em-presas. As instituições financeiras têm até30 dias para emprestar os dólares. O quesobrar pode ser devolvido à autoridade mo-netária. Segundo economistas, esse volu-me baixo de contratos de ACC pode signi-ficar retração das exportações para 2009.

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d e p r e ç o s m í n i m o s . C o m i s s o , p r o d u t o r t e r i a m a i o r a c e s s o a o c r é d i t o

EXPORTAÇÕES Mesmo com as dificuldades,o Brasil tem aumentado a cada ano as ven-das externas de etanol. Os bons resultadossão percebidos tanto em quantidade, quan-to em receita. Na safra 2004/2005, o Paísexportou 2,478 bilhões de litros de álcool,com receita de US$ 541 milhões. Na tem-porada 2007/2008, esse volume pulou para3,624 bilhões de litros, ultrapassando a bar-reira de US$ 1,4 bilhão. A estimativa do go-verno para a safra 2008/09 é de crescimen-to de mais de 60% em quantidade, com ex-portações da ordem de US$ 2,390 bilhões.

Apesar dos obstáculos, o diretor doDepartamento de Assuntos Comerciaisdo Ministério da Agricultura, BeneditoRosa, acredita que há perspectivas satis-fatórias para 2009. “A redução dos custosde produção, sobretudo dos fertilizantes,a valorização do dólar e a demanda inter-na dos veículos flex fuel ainda podemconferir uma expectativa positiva”, afir-ma. Segundo ele, um período de retraçãogeral é normal em tempos de crise, por is-so não devem se cumprir as estimativasde que até 56% da próxima safra seria des-

tinada para a produção de álcool. “Não seespera mais uma safra alcooleira para2009. O setor deve apostar na remunera-ção melhor do açúcar”, explica Rosa.

Há quem diga que o início da crise derenda no setor tem menos influência daturbulência econômica internacional, quedo excesso de otimismo de quem produzetanol no País. Em 2006, o preço do pro-duto no mercado internacional era deUS$ 469,69 por m3, mas caiu para US$418,58 em 2007. Isso não foi entendidocomo um sinal de alerta, e os principaispaíses produtores seguiram aumentandoa produção e as exportações, seduzidospelas promessas de crescimento da de-manda na União Européia e no Japão.

ALIMENTOS A imagem do etanol de canabrasileiro no mercado internacional, en-tretanto, sofreu baques, que acabaram porfrustrar ainda mais a penetração do pro-duto nos planos de consumo em larga es-cala no mundo todo. Um dos maioresproblemas foi a acusação da comunidadeinternacional de que as lavouras de cana-de-açúcar estariam ocupando áreas des-tinadas à produção de alimentos. No pri-meiro semestre de 2008, com a queda daprodução de alimentos e os preços dascommodities agrícolas em alta, o mundoenfrentava uma escassez de comida e a te-se ganhou ainda mais visibilidade. O mi-nistro da Agricultura, Reinhold Stepha-nes, saiu com números em defesa do se-tor. Segundo ele, a área destinada ao cul-tivo de cana na safra 2007/2008 foi de 7milhões de hectares, sendo que parte damatéria-prima (em torno de 45%) eradestinada à produção de açúcar.

Com isso, a produção de etanol utili-zou aproximadamente 3,5 milhões dehectares. No caso da produção de pro-dutos agrícolas, destinados a alimenta-ção, o Brasil ocupa uma área aproxima-da de 50 milhões de hectares. Para a pes-quisadora do Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada (Ipea) Junia Peres, naverdade, o Brasil tem uma vantagemcompetitiva em relação aos outros paí-

Ministro Stephanes diz que o Brasil poderá aumentar a produção de álcool, sem afetar a de alimentos

Janine Moraes/ABr

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P e s q u i s a d o r a s u g e r e q u e e t a n o l u t i l i z e t a m b é m o u t r a s m a t é r i a s - p r i m a s

ses, porque não precisa reduzir a produ-ção de alimentos para ser um grandeplayer no mercado de etanol. “O proble-ma é que os outros países transpõem arealidade deles para cá, sem conhecerbem o potencial brasileiro”, pondera. Emmeio à polêmica, Stephanes chegou até adevolver a acusação aos norte-america-nos, dizendo que o etanol de países de-senvolvidos é que ameaça a oferta de ali-mentos, por não terem matéria-prima eainda subsidiarem a produção.

ESCRAVIDÃO Há ainda a acusação de queo corte da cana é feito com o uso de tra-balho escravo. Entre engenheiros, agrô-nomos, produtores e cortadores de ca-na, o setor canavieiro emprega mais de3,5 milhões de pessoas no Brasil. Destas,cerca de 2,5 milhões são trabalhadorestemporários. No corte da cana são cercade 600 mil em todo o País. Segundo da-dos da Unica, 90% dos empregados dacana que trabalham na lavoura são for-malizados. “Se comparada com outrasculturas, é a melhor. Trabalhar na canaé difícil, mas tem todos os benefícios pre-vistos na lei”, argumenta a pesquisadorada USP Márcia Azanha, que tambémcoordena um grupo de estudos sobre oassunto. Ela garante que não existe maistrabalho escravo no setor e que a ima-gem de hoje é fruto do passado escrava-gista. “Houve um enorme ganho socialna última década no setor canavieiro”,completa. Para ela, é necessário divulgarmelhor o setor e dar garantias de boaspráticas socioeconômicas e ambientais,por meio de selos e certificados. A pe-quisadora também faz um alerta para asdemissões que o avanço tecnológico po-de acarretar. A previsão é de que 150 milpessoas fiquem sem emprego no corteda cana até 2014, por causa da mecani-zação. Cada colheitadeira substitui cer-ca de 50 pessoas e cria apenas oito em-pregos para trabalhadores com qualifi-cação, considerando que 70% das pes-soas que estão no corte da cana são anal-fabetos. Segundo Junia Peres, as consi-

derações sobre o avanço da formaliza-ção no campo não significam uma defe-sa à atividade canavieira, mas tambémuma forma de cuidar da imagem do pro-duto brasileiro no exterior. “O próprioavanço tecnológico na lavoura de canajá vem garantindo uma relação de tra-balho que não explora”, completa.

A vigilância dos ambientalistas paragarantir que as plantações de cana-de-açúcar não avancem sobre as florestas,provocando mais destamatamento, tam-bém é um desafio para o setor. Em res-posta a isso, os ministérios da Agricul-tura e do Meio Ambiente desenvolvemtrabalho conjunto para definir o zonea-mento agroecológico da cana no Brasil.Chegou-se a falar em banir a cultura dosnove estados que compõem a Amazô-nia Legal, o que gerou reação dos pro-dutores. A proposta foi entregue à CasaCivil e aguarda deliberação do Paláciodo Planalto. Mas o ministro da Agricul-tura garantiu que a intenção é alocar aprodução de cana em áreas degradadasde pastagem.

IMAGEM Quando o assunto é a imagemdo etanol brasileiro lá fora, os especialis-tas atribuem parte desses questionamen-tos ao lobby dos produtores de outrospaíses menos competitivos. “Apesar de

não haver mensuração disso, existe a in-fluência de interesses de concorrentes pa-ra que o Brasil não produza tanto e comtanta competitividade, para que o álcoolproduzido a partir de outras matérias-primas também vingue”, completa JuniaPeres. No Brasil, cada hectare gera de 60a 120 toneladas de cana, dependendo dafertilidade e do cultivo. Já para o milho,nos Estados Unidos, um hectare produzcerca de três toneladas. Isso mostra co-mo o produto brasileiro é superior aoprincipal concorrente. No balanço ener-gético, que é o rendimento da fonte deenergia, ou seja, quanto de energia é pro-duzido além do necessário para gerar oetanol, a cana tem um índice alto, 8,4. Jáo milho corresponde a 1,3, ou seja, qua-se cinco vezes inferior. Essas vantagenscompetitivas trazem outro obstáculo àsexportações: as barreiras tarifárias. O go-verno norte-americano impõe uma tari-fa de US$ 0,14 por litro de etanol, alémde gastar mais de US$ 20 bilhões por anoem subsídios aos produtores.

Toda essa argumentação, aliada às os-cilações do mercado interno, gera inse-gurança no importador. “Falta confiabi-lidade ao produto brasileiro. Nenhumpaís quer depender de um combustívelsujeito aos riscos de sazonalidade e cli-ma das atividades agrícolas, além do in-teresse em desenvolver produção pró-pria”, lembra o assessor técnico da CNA.

O governo admite que a desorganiza-ção da cadeia produtiva impede que oetanol se torne uma commodity. Benedi-to Rosa, diretor do Ministério da Agri-cultura, cita a Rodada Doha da Organi-zação Mundial do Comércio (OMC) co-mo alternativa para ampliar o comérciode etanol com os EUA e a União Euro-péia e acelerar esse processo. “O mundoquer se certificar primeiro de que não vaisair de um produto problema como o pe-tróleo, para outro”, pondera. Na sua opi-nião, o governo pode interferir para evi-tar quebra de produção, ajudando a ad-ministrar a oferta e apoiando, por exem-plo, a comercialização.

50milhões

de hectaresÉ a área que o Brasil dispõe para aprodução de alimentos. O País não

precisará reduzir esta extensão territorialpara se tornar player importante no

mercado mundial de etanol

d

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DESENVOLVIMENTO

A maldição dopetróleoGoverno cria grupo de trabalho para dar nova ordem jurídica àdistribuição das receitas de petróleo entre estados e municípios.Modelo atual é considerado inadequado, porque abre espaço parao uso inadequado dos repasses. Medida se torna ainda maisnecessária após o pré-sal, a bilionária descoberta da Petrobras

P o r E r i c h D e c a t , d e B r a s í l i a

56 Desafios • março de 2009

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Petrobras/Divulgação

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As j a z i d a s , a 7. 000 me t r o s a ba i xo d o n í v e l d o ma r, s ã o g i g a n te s c a s . O s c i l am

OBrasil vive hoje um grande dile-ma: definir o que será feito com asriquezas, de valores ainda inesti-máveis, oriundas das reservas pe-

trolíferas na camada do pré-sal. As jazi-das, encontradas pela Petrobras, situadas a7.000 metros abaixo da superfície do mar,se concentram entre o litoral do EspíritoSanto a Santa Catarina, ao longo de 800quilômetros de extensão por até 200 qui-lômetros de largura. O petróleo encontra-do na região engloba três bacias sedimen-tares – Santos, Campos e Espírito Santo.O governo entende que, para atingir o ob-jetivo, o atual modelo precisa ser inteira-mente revisto. A maioria das cidades pe-quenas e médias que recebem anualmen-te milhões de reais por meio de royalties,por exemplo, apresenta baixíssimo Índicede Desenvolvimento Humano (IDH). É oque os especialistas chamam de “a maldi-ção do petróleo”.

Não há uma estimativa concreta do po-tencial do pré-sal. Os mais pessimistas fa-lam em algo entre 30 bilhões e 50 bilhõesde barris, o que elevaria em cerca de qua-tro vezes as reservas do País. Mas há quemdiga que esse valor pode ser seis vezesmaior. Segundo o ex-diretor da AgênciaNacional do Petróleo (ANP) NewtonMonteiro, o pré-sal pode guardar 338 bi-lhões de barris. Caso esse número se con-firme, o Brasil poderá ser o maior detentorde reservas provadas do mundo. De acor-do com os cálculos de Monteiro, se as es-timativas estiverem corretas e conside-rando-se uma produção inicial de 1 mi-lhão de barris por dia e 45 milhões de me-tros cúbicos de gás diários, o pré-sal po-derá render mais de R$ 47 bilhões em ar-recadação de royalties, participação espe-cial e impostos, nos próximos 50 anos.

Diante dessa perspectiva, o presidenteLuiz Inácio Lula da Silva considera a des-coberta como “uma ponte direta entre ri-queza natural e erradicação da pobreza".Mas, para que essa transformação, de fa-to, ocorra, as autoridades do setor, a clas-se política e a sociedade organizada têmpela frente o desafio de construir os ali-

cerces dessa plataforma. No centro do de-bate está a necessidade de uma atualiza-ção do sistema regulatório de exploraçãode petróleo e gás do País. A necessidadede mudança se torna cada vez mais ur-gente, visto que as regras atuais incenti-vam a concentração das compensações fi-nanceiras pagas pelo uso das jazidas. Asdistorções dos repasses são reveladas noestudo Sobre Maldições e Bênçãos: é possí-vel gerir recursos naturais de forma susten-tável? Uma análise sobre os royalties e ascompensações financeiras no Brasil, rea-lizado pelos pesquisadores do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Bru-no Cruz e Márcio Bruno Ribeiro.

A pesquisa revela que, apenas em 2007,o Estado do Rio de Janeiro recebeu, semincluir os recursos do Fundo Especial,

mais de 80% dos royalties arrecadadoscom o petróleo. Mais de 70% do montan-te foram distribuídos entre os municípios.O Fundo Especial é formado por uma par-cela dos royalties paga pelas concessioná-rias que atuam na plataforma continental.A alíquota cobrada pode variar de 7,5% a10% das compensações. O recurso é re-passado para todos os estados, territóriose municípios, para ser aplicado em políti-cas públicas. Em 2008, o valor distribuídofoi de R$ 855 milhões.

Levantamento feito por Desafiosmostra que, no ano passado, o quadrode concentração dos royalties no Rio deJaneiro praticamente se manteve. DosR$ 3,2 bilhões repassados aos estadosprodutores de hidrocarbonetos, R$ 2,2bilhões foram destinados ao Rio. Em

O presidente Lula, em recente visita a uma plataforma da Petrobras, está decidido. Pretende transformar o...

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en t r e 30 b i l h õ e s e 50 b i l h õ e s d e ba r r i s . Há q u em d i g a q u e p odem s e r ma i o r e s

2008, segundo a ANP, um total de R$10,9 bilhões de royalties foi rateado entreos estados, municípios, Comando daMarinha, Ministério de Ciência e Tec-nologia e o Fundo Especial.

Do montante destinado aos municí-pios (R$ 3,7 bilhões), apenas 908 (16,3%),divididos em 17 estados (RJ, SP, ES, MG,RN, SE, BA, PE, CE, AL, PB, RS, SC, PR,PA, AM e AP), receberam compensaçãofinanceira pela exploração do petróleo ederivados. Os royalties, que incidem sobrea produção do campo produtor, são re-colhidos mensalmente pelas empresasconcessionárias por meio de pagamen-tos efetuados, em moeda nacional, paraa Secretaria do Tesouro Nacional (STN),até o último dia do mês seguinte em queocorreu a produção.

RISCOS GEOLÓGICOS A partir de 1997, apósa instituição da Lei do Petróleo, a alíquotados royalties passou de 5% para até 10% daprodução, podendo ser reduzida a um mí-nimo de 5%. No cálculo desses percentuaissão considerados os riscos geológicos, asexpectativas de produção e outros fatorespertinentes. Para se chegar ao valor finaldos royalties, é preciso avaliar o preço demercado do petróleo, gás natural ou con-densado; as especificações do produto e alocalização do campo, que pode estar naplataforma continental ou em alto mar.Atualmente, a maior parte do petróleo ex-traído no País vem dessa segunda alterna-tiva. Nesse caso, o repasse dos royalties dasempresas que pagam alíquotas acima de5% é feito da seguinte forma: 25% para oMinistério da Ciência e Tecnologia; 22,5%para os estados confrontantes com cam-pos; 22,5% para os municípios confron-tantes com campos; 15% para o Coman-do da Marinha; 7,5% para o Fundo Espe-cial; e 7,5% para os municípios afetados poroperações nas instalações de embarque edesembarque de petróleo e gás natural.

Além dos royalties, as concessionáriasdevem pagar ao governo bônus de assina-tura realizado no ato do contrato e pelaocupação ou retenção de área. Apenas noano passado, a arrecadação desse últimodispositivo foi de R$ 139 milhões. Os cam-pos mais rentáveis e de larga produçãotambém pagam participação especial deaté 40% sobre a receita líquida trimestral.As alíquotas dependem da localização dalavra (onshore ou offshore), do número deanos da produção e do volume trimestralde produção. Em 2008, foram arrecadadosR$ 11,7 bilhões com a participação espe-cial. Desse total, R$ 5,8 bilhões foram trans-feridos para a União.

Em 2008, a produção de petróleo e gásnatural da Petrobras no País (em barris deóleo equivalente) foi de 2.175.896 bar-ris/dia. Esse volume é 5,4% superior ao re-gistrado em 2007. De acordo com a com-panhia, a produção exclusiva de petróleoatingiu a média diária de 1.854.655 barris,com um aumento de 3,5% sobre 2007, e a

de gás natural chegou a 51 milhões de me-tros cúbicos diários e ficou 17,8% maior doque a média do ano passado.

LUGAR ERRADO Além da disparidade na dis-tribuição dos recursos, outra questão quechama a atenção dos pesquisadores do Ipeaé o fato de o maior volume das compensa-ções financeiras ficarem com as cidadesconsideradas ricas. “Quando se analisa a si-tuação econômica dos municípios, observa-se que, além dos recursos dos royalties es-tarem concentrados em poucos, grandeparte deles estaria em regiões classificadascomo Alta Renda e Dinâmica segundo a ti-pologia adotada pelo Ministério da Inte-gração Nacional e, portanto, consideradosnão elegíveis segundo os critérios da Polí-tica Nacional de Desenvolvimento Regional(PNDR)”, destaca trecho do estudo.

No topo da lista dos que tiveram os co-fres recheados pelos royalties do petróleoestão cinco cidades do Rio de Janeiro:Campos dos Goytacazes (R$ 559 milhões),Macaé (R$ 406 milhões), Rio das Ostras(R$ 162 milhões), Cabo Frio (R$ 144 mi-lhões) e Quissamã (R$ 101 milhões). Ovalor dos repasses realizados, em 2008, pa-ra as prefeituras dessas localidades é maiordo que o total transferido a todos os ou-tros municípios dos 16 estados beneficia-dos pelos royalties.

Apesar de ser líder em volume de re-passes, Campos dos Goytacazes aparecena 445º posição no ranking nacional de de-senvolvimento municipal realizado pelaFederação das Indústrias do Estado do Riode Janeiro (Firjan). Já o município de Quis-samã é apenas o 1.290º da lista. O levanta-mento realizado pela entidade abrange,com igual ponderação, as três principaisáreas de desenvolvimento humano: em-prego e renda, educação e saúde. Em rela-ção aos municípios fluminenses, Camposdos Goytacazes e Quissamã ocupam a 17ºe a 45º colocação, respectivamente.

“A literatura empírica mais recente trazalgumas evidências que apontam que osrecursos recebidos não têm gerado retor-nos às localidades beneficiadas na área so-

...pré-sal em instrumento para acabar com a pobreza

Ricardo Stuckert/PR

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V i t am i n ada s p e l o s r oy a l t i e s , a s p r e fe i t u ra s fa zem po l í t i c a d e b oa v i z i n h a n ça .

cial e ambiental. Tampouco, não têm pro-movido a justiça intergeracional, no senti-do de compensar as gerações futuras, sob aforma de poupança ou de investimentos,pela exploração presente de uma fonte deenergia esgotável”, adverte Ribeiro.

CUSTEIO DA MÁQUINA Pesquisa realizada pe-lo economista Sérgio Gobetti revela queparte dos royalties é aplicada para cobrirgastos com o custeio da máquina pública.Tal iniciativa fere a Lei 7.990/89 que vedaa aplicação dos recursos em pagamento dedívida e no quadro permanente de pessoal.“As despesas com pessoal do Poder Legis-lativo, por exemplo, estão limitadas ao te-to de 6% da Receita Corrente Líquida(RCL) na esfera municipal. Isso significaque o aumento das transferências prove-nientes de royalties cria um estímulo, viaaumento da RCL, para que as Câmaras deVereadores utilizem o espaço fiscal quepossuem para elevar suas despesas”, desta-ca Gobetti, doutor em Economia pela Uni-versidade de Brasília (UnB).

Após analisar dados do Tesouro Na-cional, o economista constatou que o gas-to per capita com os legislativos é maior en-tre os municípios mais beneficiados pelasrendas do petróleo. Na amostra, feita com4.364 localidades, a despesa com vereado-res representa R$ 32,34 por habitante namédia total. Esse valor sobe para R$ 49,09entre os 100 maiores beneficiários pelosroyalties do petróleo. Já entre os beneficiá-rios de outros tipos de royalties, a média éde R$ 36,28. E entre os que chamados “semroyalties”, R$ 30,90.

De acordo com o estudo, de maneirageral, os gastos totais com pessoal são maiselevados no grupo dos 100 principais be-neficiários dos royalties, ultrapassando em33% a média per capita dos demais muni-cípios recebedores desse tipo de compen-sação financeira. Gobetti revela, ainda, queo montante destinado para investimentospraticamente é o mesmo entre os gruposde municípios. Ou seja: os que recebemmais tendem a gastar em obras o mesmovalor daqueles com menor repasse.

“As evidências reunidas indicam, por-tanto, que há um sobrefinanciamento dealguns nichos da esfera municipal e que is-so não está gerando nem retorno social àpopulação das localidades impactadas pe-las atividades petrolíferas, nem ações pre-ventivas no sentido de preparar economi-camente essas regiões para um futuro sempetróleo. Mais do que isso, podemos dizerque, em alguns casos específicos, há fortesindícios de desperdício de recursos públi-cos, o que coloca na ordem do dia a dis-cussão sobre novos critérios de partilha dasrendas do petróleo”, ressalta.

ECONOMIA A diferença entre volume deroyalties e o crescimento da economia localtambém é outra realidade que chama aten-ção. Pesquisa realizada pelo economistaFernando Postalis mostra que os municí-pios contemplados com tais recursos cres-cem menos do que aqueles que não rece-bem os repasses. Além disso, segundo o es-tudo, quanto maior o volume de royalties

transferidos, menor tende a ser o cresci-mento econômico do município.

“Os resultados confirmam a chamada‘maldição dos recursos naturais’ da litera-tura mundial, mostrando que os municí-pios contemplados com royalties cresce-ram menos que os municípios que não re-ceberam tais recursos. Em geral, para ca-da 1% adicional de royalties observa-seuma redução de cerca de 0,06% na taxa decrescimento do município”, destaca Posta-lis, doutor em Economia pela Universida-de de São Paulo (USP).

Um dos exemplos clássicos da maldi-ção dos recursos naturais, lembrada porPostalis, ocorreu na Holanda na década de1960. Na ocasião, a descoberta de jazidasde gás natural gerou resultados pífios nocampo social e econômico. O boom ex-portador do produto levou à valorizaçãoda moeda local e consequentemente a umcrescimento das importações. A busca pormercadorias importadas tirou a competi-tividade dos produtos holandeses e levou

Em 1960, a Holanda apostou tudo no gás natural. Obteve pífios índices de desenvolvimento econômico e social

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No Cong r e s so , p a r l amen t a r e s c omeçam a d i s c u t i r o t ema , a i n d a s em consen so

a indústria local à recessão. Esse fenôme-no é conhecido como “doença holandesa”.“Acho que de certa forma estamos passan-do por essa maldição. E se nada for feito,principalmente quanto à divisão dos re-cursos, a situação pode se agravar”, avaliaMarcio Bruno.

FANTASMAS Diante do desafio de espantara maldição dos recursos naturais, pelomenos em relação ao pré-sal, a União co-meça a preparar o terreno. Desde o anopassado, técnicos do Palácio do Planaltoestudam a criação de uma estatal queatuará nos moldes do sistema implantadona Noruega, terceiro maior exportadorde petróleo do mundo. Entre as medidasadotadas pelo país nórdico está a criaçãode um fundo centralizado no governo fe-deral. Caso esse modelo seja adotado noBrasil, as empresas privadas, a princípio,não participarão da exploração do pré-sal, ou seja, as novas descobertas ficariamtotalmente com a União. A proposta, noentanto, ainda deve ser concluída e enca-minhada ao Congresso Nacional.

Nesse meio tempo, congressistas bus-cam apoio para a aprovação dos própriosprojetos que tramitam na Câmara e no Se-nado. Atualmente, apenas no Senado, exis-tem 30 projetos de lei sobre royalties. Qua-se a metade foi criada no ano passado. Em-bora a maioria dos autores das propostasdefenda mudanças do atual modelo de dis-tribuição, não há consenso quanto ao des-tino dos repasses.

Para o senador Cristovam Buarque(PDT-DF), os recursos provenientes daparticipação especial e dos royalties exce-dentes a 5% do valor da produção de pe-tróleo e gás deveriam ser aplicados emações nas áreas de educação de base e deciência e tecnologia. “Diferentemente dosimpostos, cujas receitas não podem servinculadas, nada há a obstar a previsão oudeterminação de que os royalties sejamutilizados na implementação de ações quebeneficiem a população e o desenvolvi-mento de novas tecnologias. É com essapreocupação que vislumbramos a possi-

bilidade de atrelar esses recursos, exclu-sivamente, a ações na área de educação debase e de ciência e tecnologia, conferin-do uma aplicação mais nobre para essesrecursos”, diz. “Quem sabe, com isso, es-taremos acenando para um futuro maispromissor para um segmento significati-vo da população”.

O senador também é autor de um se-gundo projeto que cria o “royalty verde”.De acordo com a proposta, a parcela queexceder os 10% da produção deve ser des-tinada à conservação da Floresta Amazô-nica. Os recursos seriam geridos pelo Mi-nistério do Meio Ambiente.

Já o senador Expedito Júnior (PR-RO)

defende que o dinheiro repassado ao Fun-do Especial do Petróleo seja aplicado naárea de saúde. “No ano de 2007, o FundoEspecial arrecadou R$ 576 milhões. Não émuito, se considerarmos as carências desaúde em nível nacional. Mas o Fundo po-derá alcançar um montante muito maiorem futuro próximo, se considerarmos opotencial dos gigantescos campos de pe-tróleo recém-descobertos em nossa plata-forma continental”, ressalta o parlamentar.

Os pesquisadores do Ipea Márcio Bru-no Ribeiro e Bruno de Oliveira Cruz res-saltam que a maior parte destes projetos, aprincípio, não assegura às futuras geraçõesos benefícios provenientes das riquezas dopetróleo. “Quando se analisa as propostasmais recentes de mudança na legislaçãoque tratam das compensações financeirasno Brasil, percebe-se que, em sua maioria,procuram combater ou reduzir as distor-ções ocasionadas pela legislação em vigor,buscando estabelecer maior destinação derecursos para as áreas de educação, saúde,previdência social e infraestrutura e, aomesmo tempo, uma redução dos recursosdestinados aos entes subnacionais. Contu-do, ainda são minoria as propostas que te-nham alguma preocupação com as gera-ções futuras, visando objetivos como a pre-servação ambiental ou a formação de pou-pança”, asseguram os pesquisadores.

Senador Cristovam Buarque defende a destinação de recursos para as áreas de educação, ciência e tecnologia

Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

30projetos

de leitramitam no Congresso Nacional

mudando a destinação dos royaltes. Mas não existe consenso

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d

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ARTIGO B r u n o d e O l i v e i r a e M á r c i o B r u n o

Mais de 80% dosrecursos foram

destinados amunicípios

localizados emregiões de alta renda

ou dinâmica.Portanto, não seriamfoco de uma políticade desenvolvimento

regional. Ademais, ocontrole social sobre

a aplicação dosrecursos é difuso,

não sendo possívelobter uma avaliação

consistente sobreseus impactos

William S. Jevons, já no século 19, quan-do discutia a possibilidade de esgota-mento das reservas de carvão, base damatriz energética inglesa, classifica-

va a questão da utilização responsável de recur-sos energéticos não-renováveis a uma impor-tância “quase religiosa”. Atualmente, uma ques-tão de dimensão “quase religiosa” se apresentapara o Brasil pelo fato de o País ter sido agracia-do com a descoberta de reservas petrolíferas nachamada camada pré-sal. Neste sentido, alémdas possíveis consequências positivas, há de selembrar dos efeitos macroeconômicos perver-sos decorrentes da abundância de recursos na-turais, o que torna importante repensar como éo atual sistema de tributação e a distribuição dosrecursos.

A Lei 9.478/1997, que regulamenta tais ati-vidades, prevê quatro tipos de tributação em to-do contrato de concessão. Dentre esses, os royal-ties e a participação especial são as compensa-ções diretamente relacionadas ao volume deprodução.

O total das compensações financeiras pelautilização de recursos naturais chegou a R$ 16, 9bilhões em 2007, sendo que os royalties e as par-ticipações especiais do petróleo representaram85% do total. A título de comparação com ou-tras políticas, o montante arrecadado com a ex-ploração de petróleo superara em quase três ve-zes o total destinado a políticas explícitas de de-senvolvimento regional, a exemplo dos fundosconstitucionais e isenções fiscais. A este total cor-responderam , aproximadamente, 60% das ver-bas do Ministério destinadas ao Fundo de Ma-nutenção e Desenvolvimento do Ensino Fun-damental e de Valorização dos Profissionais daEducação (Fundeb), repassadas aos municípios.

Quando se observa a distribuição dos recur-sos arrecadados com o petróleo entre 2000 e2007, constata-se que mais de 60% foram paraestados e municípios. A distribuição é extrema-mente concentrada. O índice de Gini da con-centração da distribuição de recursos atingiu ototal de 0,986 para o ano de 2007. Do total de

5564 municípios, 906 receberam auxílio finan-ceiro naquele ano. Os dez maiores beneficiadoscom royalties entesouraram mais de 48,6% dototal destinado a todos os municípios. Do bolodistribuído entre os governos estaduais (R$ 5,2bilhões), 84,4% ficaram com o Rio de Janeiro.

Além de concentrados espacialmente, maisde 80% dos recursos foram destinados a muni-cípios localizados em regiões de alta renda oudinâmica, segundo o Ministério da IntegraçãoNacional. Portanto, não seriam o foco de umapolítica de desenvolvimento regional. Ademais,o controle social sobre a aplicação do dinheiroé difuso, não sendo possível obter uma avaliaçãoconsistente sobre os seus impactos.

No que se refere à extração de recursos na-turais, a literatura econômica enfatiza a chama-da regra de Hartwick: uma gestão socialmentejusta seria a da transformação das riquezas na-turais em insumo produtivo, para que as gera-ções futuras não sejam prejudicadas pelo con-sumo do recurso esgotável no presente. Existemalgumas experiências internacionais bem-su-cedidas dos chamados fundos permanentes, quevisam reduzir a volatilidade das receitas prove-nientes dos recursos naturais ou atuar como ins-trumento que permita a transformação de re-cursos finitos em verdareiros insumos perma-nentes para as gerações futuras.

Diante da atual sistemática de distribuiçãodas compensações e das perspectivas de explo-ração do petróleo do pré-sal, o País deveria de-bater a melhor forma de como proceder. Certa-mente, uma alocação mais clara e transparenteparece ser o caminho para que a população te-nha uma percepção da boa gestão destes recur-sos e que os mesmos possam, efetivamente, con-tribuir para o desenvolvimento. Finalmente, acriação de um fundo permanente pode ser umindicativo de gestão responsável, para que nãose repitam os erros de outras nações em situa-ções similares, como mostra a história.

Os royalties e o pré-sal

Bruno de Oliveira e Márcio Bruno (foto) são técnicos de Planejamento

e Pesquisa do Ipea

62 Desafios • março de 2009

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ARTIGO D i a n a C o u t i n h o

A lei não prevêqualquer punição

para as empresas quedeixarem de negociar

a PLR. Ainda queoptem por fazê-la,

possuem forteassimetria em seu

favor no processo denegociação, já que

não é prevista aabertura das contas

patrimoniais

Oatual arcabouço legal da participaçãodos trabalhadores nos lucros ou resul-tados da empresa (doravante chamadaPLR), expresso na Lei 10.101/00, vem

se mostrando insuficiente para garantir efetiva-mente este direito, constitucional.

A lei atual é tão vaga que não é possível vis-lumbrar com clareza seus propósitos e os acor-dos ou convenções vigentes assumem as maisvariadas formas. Muitas vezes inexiste qual-quer nexo causal entre a performance das em-presas e o que elas de fato distribuem a seus tra-balhadores, sendo frequentemente calculadacomo n x salário, em caso de cumprimento demeta. Há casos extremos em que as empresasconcedem a PLR sob a forma de abono semvinculação a qualquer meta.

Além disso, a lei não prevê qualquer puniçãopara as empresas que deixarem de negociar aPLR. Ainda que optem por fazê-la, possuem for-te assimetria em seu favor no processo de ne-gociação, já que não é prevista a abertura dascontas patrimoniais, tampouco qualquer ga-rantia de estabilidade aos trabalhadores que par-ticiparem diretamente das negociações, o queeleva o risco de ameaça ou captura por parte daempresa. Portanto, é evidente que a lei precisaser reformulada, devendo tornar-se expressa-mente compulsória, com a previsão de puniçãosevera às empresas que não negociarem.

Outra característica desejável é a obrigato-riedade da abertura das contas patrimoniais dasempresas que, além de diminuir a assimetria deinformação entre as partes, aumenta a gover-nança e a transparência nas corporações.

A proposta de nova legislação para PLR pre-cisa preservar os interesses, tanto dos trabalha-dores como das empresas, devendo pautar-seem três premissas conceituais: uma primeira, decaráter distributivo, objetivando o aumento deequidade social; uma segunda, de incentivo àprodutividade, objetivando reduzir o problemado Principal-Agente; e uma terceira, de cons-trução de identidade e relação de parceria entreo trabalhador e a empresa.

Com respeito à parte distributiva, um per-centual mínimo do lucro deveria ser estabeleci-do para distribuição compulsória aos trabalha-dores, para que as empresas não lhes impuses-sem metas inexequíveis, o que acabaria portransferir-lhes valores irrisórios, e para que serecriasse o nexo causal entre o desempenho daempresa e o montante repassado.

Além disso, seria interessante que, deste per-centual mínimo, uma parte fosse obrigatoria-mente distribuída de forma igualitária entre to-dos os trabalhadores . A parte igualitária, de ca-ráter fortemente progressivo, funcionaria comouma dupla distribuição: da empresa para os tra-balhadores e dos trabalhadores de faixas sala-riais mais altas àqueles situados nas faixas sala-riais mais baixas. Dado que no Brasil, como re-gra geral, os trabalhadores mais qualificados ecom maior produtividade são aqueles que tive-ram a sorte de serem “bem nascidos”, uma re-distribuição entre estes e os menos qualificadoscompensa um pouco a distorção de origem.

Para preservar o caráter de incentivo à pro-dutividade da PLR, deveria ser mantida a pos-sibilidade de distribuição diferenciada, poden-do, neste caso, observar parâmetros individuaisou setoriais. Contudo, é desejável que exista umlimite na quantidade de parâmetros observadospara facilitar a compreensão e assimilação peloconjunto de trabalhadores.

Pode ser interessante, também, que o per-centual acompanhe o crescimento do lucro, pa-ra estimular os trabalhadores a serem mais pro-dutivos.

Cabe ressaltar, por fim, que um acordo fir-mado em termos percentuais de lucratividadepermite à empresa compartilhar seus ganhos, etambém parte do risco do negócio com os tra-balhadores, pois o montante da PLR tenderá avariar conforme o ciclo macroeconômico maisfavorável ou desfavorável, reduzindo, inclusive,a necessidade de dispensas ou reduções salariais.

PLR no Brasil ainda é um desafio

Diana Coutinho é economista e gestora da Secretaria de Assuntos

Estratégicos/PR

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HISTORIA

Mortes, migração desenfreada, fome, epidemias, sede e miséria. Em maior ou menor grau,a cada ano milhões dos habitantes de uma das regiões mais pobres do País sofrem com

a falta de água. Promessas de solução são quase tão antigas quanto o flagelo

P o r P e d r o H e n r i q u e B a r r e t o , d e B r a s í l i a

Seca, fenômenosecular na vidados nordestinos

Ahistória das secas na região Nordeste é uma prova defogo para quem lê ou escuta os relatos que vêm desde oséculo 16. As duras consequências da falta de águaacentuaram um quadro que em diversos momentos da

biografia do semiárido chega a ser assustador: migração de-senfreada, epidemias, fome, sede, miséria. Os relatos de pes-quisadores e historiadores datam da época da colonizaçãoportuguesa na região. Até a primeira metade do século 17,quem ocupava as áreas mais interioranas do semiárido brasi-leiro era a população indígena. Uma das primeiras secas quese tem notícia aconteceu entre 1580 e 1583. As capitanias ti-veram seus engenhos prejudicados, as fazendas sofreram coma falta de água e cerca de 5 mil índios desceram o sertão embusca de comida.

Somente no século seguinte é que os chamados “sertane-jos” passaram a ocupar a região conhecida como o Polígonodas Secas – parte de Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernam-buco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e também Nortede Minas Gerais. A presença foi intensificada após uma Car-

ta Régia que proibia a criação de gado em uma faixa de dezléguas desde o litoral em direção aos sertões.

Nos anos 1700, diversas estiagens atingiram a região, dei-xando rastros alarmantes nas capitanias. A do Maranhão, Cea-rá e Rio Grande do Norte foram as mais prejudicadas. Reba-nhos, homens, mulheres e crianças morreram em grande nú-mero. A infraestrutura dos engenhos não acompanhou coma mesma velocidade o crescimento populacional e a fome seespalhou de forma acelerada. Segundo Irineu Pinto, um dosfundadores do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, fis-cais da Câmara chegaram a pedir ao rei que enviasse escra-vos, pois os que habitavam a região haviam morrido de fome.

Décadas mais tarde, se abateria sobre a região o períodoque foi conhecido como a “Grande Seca”. Teve início em 1877e durou pouco mais de dois anos. Os efeitos foram catastrófi-cos. Há quem estime que doenças, fome e sede dizimarammais da metade da população do Ceará, que tinha 800 mil ha-bitantes. Mesmo considerando-se exageros na estimativa, ocenário causou choque em estudiosos dessa época.

64 Desafios • março de 2009

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NA ESQUINA Rodolfo Teófilo, historiador eescritor que foi um dos fundadores da Aca-demia Cearense de Letras, publicou umadas mais realistas visões sobre essa seca. Nolivro a A Fome, de 1890, relata: “A peste e afome matam mais de 400 por dia! O que teafirmo é que, durante o tempo em que es-tive parado em uma esquina, vi passar 20cadáveres: e como seguem para a vala! Fazhorror! (...) E as crianças que morrem nosabarracamentos, como são conduzidas! Pe-la manhã os encarregados de sepultá-lasvão recolhendo-as em um grande saco: e,ensacados os cadáveres, é atado aquele su-dário de grossa estopa a um pau e condu-zido para a sepultura”.

A migração também foi um dos pontosagravados. Um enorme contingente de ha-bitantes dessa área, castigados pela estia-

gem, partiu para a Amazônia e estados vi-zinhos. Foi daí que o conceito de retirantesurgiu. Quem explica é a pesquisadora Isa-bel Guillen, que coleciona diversos artigose estudos sobre o tema em instituições aca-dêmicas de Pernambuco. “Quando se tratade migração nordestina, tudo se passa comose fosse uma decorrência econômica socialnatural, levando-se em conta a construçãoimaginária do tripé Nordeste-seca-mi gra -ção. De certo modo, essa representação so-cial contribui para criar a invisibilidade his-tórica em torno do migrante”, diz.

J0IA DA COROA Após a catástrofe de 1877,as autoridades do Império começaram ater uma maior preocupação com o as-sunto. O imperador D. Pedro II chegou acunhar a célebre frase: “Não restará uma

única joia na Coroa, mas nenhum nor-destino morrerá de fome”. Criou-se co-missão imperial para desenvolver medi-das que pudessem atenuar futuras secas.Da adaptação de camelos, construção deferrovias e açudes e a abertura de um ca-nal para levar água do Rio São Franciscopara o Rio Jaguaribe, no Ceará, muitopouco saiu do papel.

Nas décadas seguintes, a escassez daschuvas permaneceria constante na regiãoNordeste, e os desníveis sociais, alarmantes.Foram tomadas providências para se com-bater o problema. Como a construção deestações pluviométricas e a criação da Ins-petoria de Obras Contra as Secas (IOCS),em 1909. No entanto, o efeito prático não setraduziu em melhorias significativas para odia-a-dia da população.

Na seca seguinte, em 1915, o governodo Ceará criou uma espécie de camposde concentração nas margens das grandescidades para impedir a migração. A fome ea falta de higiene provocaram um quadrotrágico. “Eram locais para onde grandeparte dos retirantes foi recolhida a fim dereceber comida e assistência médica. Nãopodiam sair sem autorização dos inspeto-res do campo. Ali ficavam retidos milha-res de retirantes a morrer de fome e doen-ças'’, relata a professora Kênia Rios, douto-ra em História pela Pontifícia Universida-de (PUC) de São Paulo.

Em 1932, outra estiagem iria devastaro semiárido nordestino. Foi nessa épocaque se tornou conhecida a indústria da se-ca: as oligarquias econômicas e políticas daregião que usavam recursos do governoem benefício próprio, com o pretexto decombater as mazelas do fenômeno climá-tico. Outras secas atingiriam o Nordestenas décadas seguintes. A mais abrangentedelas teve início em 1979 e durou quasecinco anos. Fome e saques se espalharampela região. Estima-se que não houve co-lheita em nenhuma lavoura dentro de umaárea de 1,5 milhões de km2. Dados oficiaisdão conta de que, nessa época, morreram3,5 milhões de pessoas por conta de enfer-midades e desnutrição.

Henrique Vedana

Até hoje, em muitas situações a chegada de caminhões-pipa pode ser a diferença entre a vida e a morte

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PALIATIVOS De lá pra cá, o fenômeno vol-tou a se repetir com mais intensidade nosanos de 1993, 1998 e 2001. No fim da dé-cada de 1990, Pernambuco viveu o piorracionamento de água de sua história: aregião metropolitana, incluindo Recife,passou a receber água encanada apenasuma vez por semana. Em 2001, aliada àcrise de energia elétrica que colocava emrisco todo o País, a estiagem tornou-seainda mais preocupante.

Clóvis Cavalcanti, professor do Insti-tuto de Pesquisas Sociais da FundaçãoJoaquim Nabuco e da Universidade Fe-deral de Pernambuco, lembra ações eprogramas de emergência dos governosnesses períodos. Obras de combate à se-ca foram abandonadas e diversos proje-tos não caminharam. “Tivemos em nos-sa história idéias como a Transamazôni-ca, o Proterra e outras frentes de traba-lho. Sempre foram remédios paliativos,não soluções. Reuniam bastante propa-ganda, mas o efeito prático não mudoua vida do cidadão nordestino. A Sudeneera uma grande ação, mas o golpe de1964 pôs abaixo”, afirma.

Um dos projetos iniciados pelo atualgoverno para possibilitar maior irrigaçãona área do semiárido, em 2007, é a trans-posição do Rio São Francisco. É uma obrabastante polêmica, tanto por sua viabili-dade econômica como por seu impactoambiental, que já havia sido discutida emgovernos anteriores. A previsão é de que osistema de transposição esteja em plenofuncionamento entre 15 a 20 anos a par-tir do início do projeto.

Clóvis Cavalcanti defende que o poderpúblico tenha uma visão estratégica sobrea questão da seca no Nordeste para que odesequilíbrio social na região seja comba-tido de forma eficaz. “Falta uma colunadorsal, um programa de desenvolvimentoque compreenda ações específicas, cadaqual com seu objetivo, mas todas estrutu-radas. O semiárido dispõe de recursos na-turais para crescer economicamente comrapidez, há que saber como governá-losem benefício próprio”. d

Testemunhaocular dahistória

A biografia da seca na re-

gião Nordeste mereceu espe-

cial atenção do escritor Eucli-

des da Cunha em seu livro OsSertões, lançado em 1902.

Testemunhou de perto o co-

tidiano do semiárido brasileiro

durante a cobertura, como repór-

ter do jornal A Província de S. Pau-lo – hoje O Estado de S. Paulo– da Guerra dos Canudos,

entre 1896 e 1897, liderada

por Antônio Conselheiro, e

analisou as caracterís-

ticas do local e seus habi-

tantes em três capítulos

da obra: A Terra, O Ho-mem e A Luta. E assim des-

creveu o fenômeno climático:

“Depois de dois ou três anos, co-mo de 1877-1879, em que a insolação rescalda in-tensamente as chapadas desnudas, a sua própria in-tensidade origina um reagente inevitável. Decai afi-nal, por toda a parte, de modo considerável, apressão atmosférica. Apruma-se maior e mais bem de-f inida, a barreira das correntes ascensionais dos aresaquecidos, antepostas às que entram pelo litoral. E en-trechocadas umas e outras, num desencadear de tufõesviolentos, alteiam-se, retalhadas de raios, nublando emminutos o f irmamento todo, desfazendo-se logo depoisem aguaceiros fortes sobre os desertos recrestados.

Então parece tornar-se visível o anteparo das colu-nas ascendentes, que determinam o fenômeno, na colisãoformidável com o nordeste.

Segundo numerosas testemunhas — as primeirasbátegas despenhadas da altura não atingem a terra. Ameio caminho se evaporam entre as camadas referventesque sobem, e volvem, repelidas, às nuvens, para, outra vezcondensando-se, precipitarem-se de novo e novamente re-fluírem; até tocarem o solo que a princípio não umedecem,tornando ainda aos espaços com rapidez maior, numa va-porização quase como se houvessem caído sobre chapas in-candescentes, para mais uma vez descerem, numa per-

muta rápida econtínua, até que se

formem, afinal, os primeiros f ios de água de-rivando pelas pedras, as primeiras tor-rentes em despenhos pelas encos-tas, afluindo em regatos já avoluma-

dos entre as quebradas, concentrando-setumultuariamente em ribeirões corrento-

sos; adensando-se, estes, em riosbarrentos traçados ao acaso,à feição dos declives, em cu-

jas correntezas passam veloz-mente os esgalhos das árvores ar-

rancadas, rolando todos e arrebentando na mesma onda,no mesmo caos de águas revoltas e escuras...

Se ao assalto subitâneo se sucedem as chuvas re-gulares, transmudam-se os sertões, revivescendo. Pas-sam, porém não raro, num giro célere, de ciclone. A dre-nagem rápida do terreno e a evaporação, que se estabe-lece logo mais viva, tornam-nos, outra vez, desolados eáridos. E penetrando-lhes a atmosfera ardente, os ven-tos duplicam a capacidade higrométrica, e vão, dia a dia,absorvendo a umidade exígua da terra – reabrindo o ci-clo inf lexível das secas...”

O r e pó r t e r E u c l i d e s d a Cunha v i r o u e s c r i t o r e s e imo r t a l i z o u c om Os S e r t õ e s

Antônio Schonmart

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INTEGRAÇÃO

Pindorama /DivulgaçãoDivulgação

Divulgação

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Uma novacara para o Nordeste

Governadores da região se reunirão em Brasília no mês de março. Na oportunidade, tomarão conhecimento doplano de desenvolvimento integrado que está sendo finalizado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos.

Além de ações na área econômica, está prevista a melhoria do Ensino Médio profissionalizante

P o r E r i c h D e c a t

Codevasf /Divulgação Codevasf /Divulgação

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Ag r i c u l t u ra i r r i g ada , po l í t i c a i n du s t r i a l p a ra pequenas empresas , E ns i n o Méd i o

Opróximo Fórum dos Governa-dores do Nordeste pode criarnovo paradigma de desenvolvi-mento da região. O encontro de-

verá ocorrer no final deste mês de mar-ço, no Rio Grande do Norte. Idealizadopelo ministro de Assuntos Estratégicos,Mangabeira Unger, o modelo de desen-volvimento que está em pauta propõe adiscussão de cinco vertentes: expansãoda agricultura irrigada; política indus-trial voltada à formação de redes de pe-quenas e médias empresas; associaçãodo Ensino Médio a uma formação pro-fissional; evolução dos programas so-ciais e uma nova maneira de pensar osgrandes projetos industriais.

As teses receberam apoio da maioriados governadores nordestinos, que rei-vindicaram a sua inclusão na agenda doCongresso Nacional, ainda neste ano. Ca-so contrário, o projeto corre o risco de fi-car só no papel. O ministro informou aosgovernadores que apresentará um textooficial na abertura do Fórum. O docu-mento servirá de base para que os gover-nadores criem propostas concretas quedeverão ser executadas em conjunto pe-lo governo federal e os estados. Até queisso ocorra, Mangabeira promete conti-nuar a campanha por uma mudança naforma de pensar o Nordeste.

“Há um vazio intelectual, que épreenchido por um conjunto de ilusões.De um lado, a busca justificável e de-senfreada por incentivos e subsídios.Eles são necessários, claro, mas eles sãoapenas um instrumento de um projetoestratégico. Na falta deste, a busca dosincentivos e dos subsídios se enfraquecenum jogo de pressões políticas em quecada um procura defender seus interes-ses pessoais, sem um plano para o to-do”, ressalta o ministro, que comandouuma caravana por sete estados da região– Bahia, Alagoas, Rio Grande do Norte,Pernambuco, Maranhão, Piauí e Ceará.Mangabeira foi acompanhado por umaequipe integrada por técnicos da CasaCivil e dos ministérios da Agricultura,

do Desenvolvimento Social e Combateà Fome, da Educação e da IntegraçãoNacional. Participaram também, repre-sentantes do Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada (Ipea), do Banco Na-cional de Desenvolvimento Econômicoe Social (BNDES) e da ConfederaçãoNacional da Indústria (CNI).

O desafio do grupo é tornar as tesesviáveis e levar a sociedade ao centro dodebate. “Estamos nos reunindo com vá-rios setores para abrir uma perspectivade diálogo com a sociedade. É verdadeque temos problemas muito heterogê-neos. Talvez até haja um descrédito, de-vido aos problemas estruturais de lon-

go prazo. Mas o que é apresentado ago-ra é uma ação coordenada, articuladaem que o povo será protagonista e capazde monitorar as ações”, destaca o presi-dente do Ipea, Marcio Pochmann. “Seerrarmos, que seja com erros novos”.

VIA SUDENE Satisfeito com as propostasapresentadas, o governador da Bahia, Ja-ques Wagner (PT), defendeu que o planoseja implantado pela Superintendênciapara o Desenvolvimento do Nordeste(Sudene). A autarquia tem, entre outrasatribuições, o papel de definir objetivose metas econômicas e sociais que levemao desenvolvimento sustentável.

Com a agricultura irrigada, os nordestinos esperam criar um novo padrão de desenvolvimento. Nas áreas...

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pro f i s s i o na l i z a n te , p rog ramas soc i a i s e i n du s t r i a l i z a ção no r tea rão o p rog rama

“Temos uma possibilidade muitogrande de sermos uma vertente de de-senvolvimento do País. Só chamo a aten-ção que, por mais que cada um – setorempresarial, sociedade e conjunto polí-tico representativo do Estado – se es-force para promover o desenvolvimento,a participação do governo federal é fun-damental”, afirmou Wagner.

Para o governador de Pernambuco,Eduardo Campos (PSB), esta será umaoportunidade para refletir sobre a ques-tão nordestina. “O momento obriga nãosó medidas de curto prazo, mas umolhar no horizonte, num momento emque a questão nordestina ganha impor-

tância no debate político nacional”, sa-lientou. Segundo ele, é fundamental aadoção de um conjunto de ações ime-diatas para dar efetividade ao projeto.

TESES A primeira vertente da proposta dogoverno tem como objetivo dar à agricul-tura familiar aspectos cada vez mais em-presariais, não perdendo de vista a ligaçãocom a policultura e a descentralização dapropriedade. O fomento à indústria ruraltambém está inserido no conjunto de ini-ciativas previstas no programa do gover-no. O terceiro ponto é o fortalecimento daclasse média rural, que poderá servir debase para o acúmulo de capital social.

Segundo trabalho do Escritório Téc-nico de Estudos Econômicos do Nor-deste (Etene), a escassez de matéria-pri-ma é um dos principais entraves ao for-talecimento da economia regional. “Osuprimento de matérias-primas in na-tura próprias vem declinando em todasas categorias de agroindústrias no Nor-deste, tornando-as dependentes de ter-ceiros, já que a produção local restrin-ge-se a poucas agroindústrias e em ní-veis modestos”, revela o estudo.

Cereais, cacau e subprodutos da in-dústria de moagem foram os principaisitens importados pelo Nordeste no anopassado. O agrônomo Aílton Santos, um

...já beneficiadas, a produção aumentou Ministro Mangabeira Unger elogia o Bolsa Família e pretende utilizá-lo como instrumento de transformação

Idaf/Divulgação Divulgação

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Pequenas empresas ag ro i ndu s t r i a i s e n f r en t am d i f i c u l d ade com ba i x a o fe r t a de

dos autores do estudo, destaca tambémque há carência de embalagens, rótulose etiquetas. A falta de produção dessesinsumos na região deixa os produtoresnordestinos dependentes de fornecedo-res do Centro-Sul do País.

PRODUÇÃO A produção de insumos lo-cais não se desenvolve porque a deman-da é insuficiente. Ou seja, não viabiliza aprodução em grande escala a preçosmais baixos. De acordo com a pesquisa,a falta de escala no setor de embalagensreflete na elevação dos preços dos ali-mentos entre 30% e 40%.

Outro problema constatado pela pes-quisa é a informalidade dos contratosrealizados entre produtores e os comer-ciantes. Isso acontece, por exemplo, nafruticultura: falta ao fruticultor nordes-tino o profissionalismo no cumprimen-to de obrigações contratuais relaciona-das à qualidade da fruta. O resultado éo pouco aproveitamento da matéria-pri-ma e consequentemente uma baixa pro-dutividade. Já os fruticultores argu-mentam que os preços são insuficientespara cobrir os custos de produção e ge-rar receitas para investir em produtivi-dade e qualidade.

Mesmo com o embate entre produ-tores rurais e agroindustriais, o saldo dabalança do agronegócio nordestino che-gou a US$ 2,2 bilhões, em 2008. Alagoas,Bahia e Ceará aparecem como os prin-cipais estados exportadores, responsá-veis por 79,8% das vendas externas doagronegócio regional. Entre os princi-pais produtos estão a celulose, o açúcare a soja em grão.

ÁGUA ABUNDANTE O governador de Ala-goas, Teotônio Vilela (PSDB), vê no pro-jeto a possibilidade concreta de ampliara produção de cana-de-açúcar. Para is-so, reivindicou ao ministro Mangabeirarecursos para investimento em infraes-trutura do setor, que, segundo ele, podeampliar muito a sua participação na eco-nomia do Estado. “Temos muita água.

O problema é que ela vai toda para omar, porque não temos uma represa. Osetor sucroalcoleiro pode duplicar a pro-dução somente com irrigação”.

O crescimento das receitas com acommodity foi significativo na balançacomercial brasileira de 2008. De acordocom dados da Companhia Nacional deAbastecimento (Conab), a produção na-

cional de cana-de-açúcar, no ano passa-do, foi de 571,4 milhões de toneladas, oque representa 13,9% a mais que a co-lheita de 2007. A área ocupada para oplantio foi de 8,5 milhões de hecta-res. Segundo o presidente da Conab,Wagner Rossi, a valorização do dólarcontribuiu para o produtor recuperar opreço de venda. Atualmente, o maiorprodutor de cana é o estado de São Pau-lo, com 340,5 milhões de toneladas decana. Em seguida aparece Minas Geraiscom 44,1 milhões de toneladas.

INFRAESTRUTURA No projeto de desen-volvimento do Nordeste, também estãotraçadas algumas vertentes na área decapacitação de profissionais. Para Man-gabeira, a melhora do desempenho la-boral ocorrerá a partir da implantaçãode um novo plano de educação. Esseplano deverá associar o Ensino Médio auma formação técnica flexível.

O governador Eduardo Camposapoia a tese, mas defende uma avaliaçãodo desenvolvimento industrial ocorri-

Fruticultores reclamam do baixo preço dos produtos. Alegam que os prejuízos estão se acumulando

79,8%das vendasao exteriorrealizadas pelo Nordeste no ano

passado f icaram concentradas amtrês estados: Alagoas, Bahia e Ceará,

segundo estudo do Etene

Stock.xchng

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emba l agens . Sem o i n sumo, o cu s to f i n a l do p rodu to f i c a menos compe t i t i vo

do na região nas últimas décadas paraque não ocorram novos erros. “Na au-sência de uma política industrial nós fo-mos submetidos a uma situação inter-na, do ponto de vista dos custos, extre-mamente desvantajosa”, disse. “Em ra-zão disso, os estados entraram na cha-mada guerra fiscal”.

Também favorável à iniciativa de ca-pacitação, o superintendente do Etene,José Sydrião, constata que, atualmente,mesmo com os bancos de fomento dis-

pondo de recursos, a maioria das açõespropostas não segue pré-requisitos téc-nicos adequados. “Recursos existem”, ga-rantiu. “No entanto, a qualidade dos pro-jetos é um dos principais entraves. Hátambém uma questão importante noNordeste que se chama organização e ca-pacitação dos produtores que tem rela-ção direta com a qualidade dos projetos”.

Outra vertente do Projeto Nordesteé a política industrial focada não em mi-croempreendimentos ou em grandes

empresas, mas em redes de pequenas emédias empresas. Em algumas situa-ções, elas serão organizadas em torno deempresas maiores e às vezes dispensa-rão empresas âncoras. “O que é impres-cindível para soerguer tais empresas éorganizar uma prática de coordenaçãoestratégica entre os governos e as em-presas que seja descentralizada, plura-lista, participativa e experimental. E pro-mover entre os produtores as práticas deconcorrência cooperativa: competir ecooperar ao mesmo tempo. É o início dareconstrução institucional da economiade mercado, a serviço da inclusão sociale da ampliação de oportunidades”, afir-ma Mangabeira.

MODELO Durante a caravana pelo Nor-deste, o ministro conheceu alguns proje-tos exitosos que poderão ser dissemina-dos em outras regiões. Entre eles está otrabalho realizado pela Cooperativa Pin-dorama, localizada entre os municípiosde Coruripe e Penedo, em Alagoas. Con-siderada modelo de sucesso na região,conta atualmente com 1.100 associados,que trabalham em 1.400 lotes de 20 hec-tares. A cooperativa é comandada por pe-quenos produtores que, além de forne-cedores de matéria-prima, são donos donegócio e têm participação nos lucros.“Nós queremos mostrar que no Brasil épossível uma reforma agrária decente”,ressalta o presidente da organização, Klé-cio Santos.

Também fazem parte da cooperativafuncionários, técnicos e agrônomos querealizam consultorias específicas nasáreas de irrigação e de solos. Além dasaulas, os produtores têm acesso a hospi-tal, agência de bancos e dos Correios. Jáas crianças participam de projetos vol-tados para a produção de hortaliças episcicultura. Com a estrutura, no anopassado foram produzidas 20 mil sacasde açúcar e 370 mil caixas de suco.Atualmente, a cooperativa é o 58º maiorcontribuinte do Imposto sobre Circula-ção de Mercadorias e Serviços (ICMS)

Cooperativa Pindorama, em Alagoas, tem 1.100 associados e é o 58º contribuinte de ICMS no Estado

Pindorama/Divulgação

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A l agoas c omemora r e s u l t ad o s n o s e to r t u r í s t i c o . Há 30 h o t é i s em con s t r u ç ão

do Estado. Segundo Santos, essa posi-ção no ranking só foi alcançada após aeliminação dos atravessadores.

Outras ações empreendedoras de pe-quenas empresas do semiárido foramapresentadas ao ministro no interior doRio Grande do Norte. No município deCaicó, a comitiva conheceu fábricas debonés e de panos de prato. Parte dosprodutos é exportada para São Paulo.Na ocasião, o proprietário de uma dasempresas, Francisco Alves, cobrou em-penho do governo federal para que oprojeto do senador Cícero Lucena(PSDB-PB), que obriga o uso do uni-forme nas escolas públicas, seja aprova-do no Congresso. O interesse de Alvesestá na emenda de autoria do senadorFlávio Arns (PT-PR) que inclui o bonéentre os itens obrigatórios. A propostafoi aprovada no Senado e atualmentetramita na Comissão de Finanças e Tri-butação da Câmara, onde aguarda pa-recer. “Eu acho que é uma grande saídapara nós, fabricantes de bonés”, defen-deu Alves.

PROGRAMAS SOCIAIS Um dos pontos maisousados do projeto de desenvolvimentodefendido por Mangabeira é relativo àspolíticas sociais. O ministro vê no forta-lecimento dos programas de transferên-cia de renda, como o Benefício da Pres-tação Continuada e o Bolsa-Família, par-te integrante de uma estratégia para oNordeste que ajude a apontar a direçãopara o resto do Brasil. “Tais programasresgatam cidadania”, insiste ele. Agora oobjetivo seria o de agregar a eles inicia-tivas destinadas a fortalecer capacitaçõese a multiplicar oportunidades.

“A experiência mundial demonstraque é muito difícil o núcleo duro dosmiseráveis conseguir se capacitar, por-que eles são cercados de um conjunto deinibições de ordem cultural e familiar.No entanto, entre o núcleo duro da po-breza e a pequena burguesia empreen-dedora, há um grupo intermediário detrabalhadores que poderiam ser cha-

mados de os batalhadores. São pessoasque vêm do mesmo meio pobre, masque, às vezes, em vez de não ter qualqueremprego ou meio emprego, têm dois outrês empregos. Eles já demonstraramque são resgatáveis porque já começa-ram a se resgatar e é a eles que se devedirigir, em primeiro lugar, esse esforçode capacitação”, defende o ministro.

TURISMO QUALIFICADO Também está napauta de discussão o papel do turismono Nordeste. Segundo o governadorTeotônio Vilela, o modelo que Alagoaspretende implantar nos próximos anosnão será o mesmo explorado em PortoSeguro, na Bahia, o qual considera de-sordenado. “Hoje, em Alagoas tem 30novos hotéis se instalando, são investi-mentos indianos, ingleses, a ideia des-ses hotéis é trazer o turista rico, euro-peu, para sair do inverno de lá e passar overão aqui. Não temos interesse em ummodelo de turismo massificador. A nos-sa proposta é um turismo qualificado”,salientou.

Mesmo bem recebido, num primei-ro momento, pela maioria dos governa-

dores do Nordeste, há ainda um longocaminho a ser percorrido até que o pro-jeto tenha unanimidade. Para a gover-nadora do Rio Grande do Norte, Wilmade Faria (PSB), o verdadeiro poder deconvencimento da equipe do governoserá testado quando a proposta for dis-cutida pelo Congresso Nacional, onde abancada da região não é maioria.

“Temos um grande problema de re-presentação na Câmara Federal, isso pe-sa muito, porque onde se tem maior re-presentação se tem mais dinheiro”, ava-lia a governadora para em seguida lem-brar que mesmo entre os estados da re-gião não há consenso quanto aos re-passes de recursos. “As grandes obrasestruturantes se concentrarem apenasem três Estados: Bahia, Ceará e Per-nambuco. Dessa forma não temos co-mo competir”.

Por outro lado, Jaques Wagner con-sidera que há um quadro político favo-rável para que as teses ganhem impulso.“Temos uma nova geração de governa-dores, da qual eu sou o vovô, que chegacom maturidade política, administrati-va e democrática”, salienta.

Roosewelt Pinheiro/ABr

d

Jaques Wagner, da Bahia, diz que a nova geração de governadores facilitará a implantação do programa

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ARTIGOS a l v a d o r W e r n e c k V i a n n a ,

E l i a n e A r a ú j o e A n d r é M o d e n e s i

A falta de coordenaçãoque tem marcado a

política econômica dogoverno Lula tornou-

se ainda maisproblemática. A

política monetáriacontinua sendo

fortemente restritiva,com o Brasil se

mantendo naliderança no ranking

das taxas de juros reais

Passado o que (espera-se) tenha sido opior momento da crise financeira, fortesimpactos já estão ocorrendo no setor realdas economias desenvolvidas. EUA, Ja-

pão e as principais nações européias enfrentamo duplo desafio de prover o resgate de seus sis-temas financeiros e de mitigar as consequênciasda crise: recessão prolongada, deflação e de-semprego em massa.

Quanto às respostas, de curto e médio pra-zos, aos efeitos da crise sobre a economia real,importa observar que, na maioria dos países –incluindo os principais emergentes, como Chi-na e Índia – essas têm se baseado, essencial-mente, na combinação entre políticas fiscais emonetárias visando a reativação da demanda.Assim é que diversos programas de gasto públi-co (o mais vultoso, o chinês) têm sido anuncia-dos, e as taxas de juros vêm sendo reduzidas sis-tematicamente (a destacar o caso americano). Ésob este prisma que se deve examinar o impac-to da crise sobre o Brasil.

Os efeitos começaram a se fazer sentir sobrea economia brasileira em meados de setembro,e concretizaram-se de maneira mais intensa nomercado de câmbio, quando teve início um pro-cesso de depreciação do real cujos limites aindaparecem incertos. A cotação do dólar saltou deR$ 1,6 para R$ 2,3, patamar em torno do qualtem oscilado bastante, tendo já sido registradosvalores próximos a R$ 2,5

Todavia, a crise traz impactos que podem serinterpretados como positivos e, mais importan-te, abre uma janela de oportunidades que, se cor-retamente aproveitada, pode deixar a economiabrasileira numa posição privilegiada quando aeconomia global se restabelecer. Primeiro, porquea desaceleração econômica fará grande parte dotrabalho de combate à inflação que de outro mo-do, certamente, adviria da depreciação cambial.

Segundo, e mais importante, essa deprecia-ção cambial pode ser positiva para as exporta-ções brasileiras em um momento em que a con-corrência externa será muito maior. A taxa decâmbio mantida em nível mais competitivo po-

de implicar maiores investimentos no setor ex-portador, desenvolvimento de um setor de pro-dutos manufaturados com maior valor agrega-do e independente do setor de commodities, bemcomo estimular a produtividade dos setores debens comercializáveis. Ressalte-se que os pro-blemas ligados ao setor externo são de extremarelevância para a economia brasileira, pois deforma geral, pode-se afirmar que, desde os anos1960, as interrupções no processo de cresci-mento da economia brasileira se deram, emgrande medida, devido às restrições externas.

A questão central, no entanto, é que o apro-veitamento das oportunidades que a crise ofe-rece dependerá de maneira crucial da estratégiade política econômica adotada, que passa, antesde tudo, por uma coordenação entre as políti-cas fiscal e monetária. Nesse sentido, a falta decoordenação que tem marcado a política eco-nômica do governo Lula tornou-se ainda maisproblemática. A política monetária continuasendo fortemente restritiva, com o Brasil semantendo na liderança no ranking das taxas dejuros reais. Concomitantemente, as políticas cre-ditícia e fiscal têm sido flexibilizadas.

O esforço em se evitar uma maior contraçãono crédito somado ao aumento da renda dispo-nível – decorrente da redução do IPI, do IOF eda criação de uma nova faixa do IRPF – aque-ce a demanda agregada. O efeito anticíclico des-sas medidas é usado pelo BC como justificativapara a manutenção elevada da Selic.

Cria-se, assim, um círculo vicioso. As políti-cas fiscal e creditícia atuam no sentido de evitaruma maior desaceleração econômica. O BC, porsua vez, justifica a rigidez monetária com baseem um suposto descompasso entre a oferta e de-manda agregada. Quanto mais eficazes foremas primeiras políticas , mais munição tem o BCpara justificar a não redução da taxa de juros.

Desafios e oportunidades da crise

Salvador Werneck Vianna (foto), Eliane Araújo e André Modenesi

são, respectivamente, coordenador do Grupo de Regimes Monetário e Cambial da

Diretoria de Estudos Macroeconômicos (Dimac) do Ipea, técnica de Planejamento

e Pesquisa do Ipea e professor do Ibmec

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PERFILEu

gêni

o Gu

din

A economiabrasileiraagradeceFundo Monetário Internacional (FMI), Banco Interamericanopara a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), primeirafaculdade de economia do País. Tudo isso e muito maistiveram participação direta daquele que é considerado, até hoje, o expoente da escola monetarista nacional

P o r P e d r o H e n r i q u e B a r r e t o , d e B r a s í l i a

Antônio Schonarth

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Eugênio Gudin é um dos ícones dahistória econômica brasileira. Nas-cido no Rio de Janeiro, em 1886,ocupou cargos importantes na aca-

demia, na iniciativa privada e no governofederal. Foi ministro da Fazenda entre1954 e 1955, durante a presidência de Ca-fé Filho. Por seu pioneirismo no ensinosuperior de economia no País, foi desig-nado pelo então ministro da Educação,Gustavo Capanema, em 1944, para a re-digir a lei que institucionalizava o cursono Brasil. É considerado o principal ex-poente da escola monetarista nacional.

O monetarismo ortodoxo defendidopor ele baseava-se no rígido controle dainflação, nos cortes em investimentos pú-blicos e na restrição do crédito como re-ceita para o desenvolvimento. Sempre semostrou contrário às medidas protecio-nistas da economia. Acreditava na igual-dade de tratamento que deveria ser dadoao capital – nacional ou estrangeiro.

Gudin, no entanto, considerava corre-tas as idéias de John Keynes para analisarperíodos de depressão econômica. Foi, in-clusive, um dos primeiros a divulgá-las emportuguês, em seu livro Princípios de eco-nomia monetária, lançado originalmenteem 1943. A obra foi a primeira sobre mo-netarismo publicada no País e se tornouchave para as gerações de economistas.Sua trajetória foi também marcada pelaautoria de artigos para jornais e publica-ções técnicas e participação em impor-tantes conferências no Brasil e no exterior.

Ele sustentava posturas bem definidassobre as grandes questões da economiapolítica brasileira e global. Partidário dachamada corrente neoliberal, pregava anão intervenção estatal na economia. Emseus textos, ponderava que a doutrinaeconômica para países desenvolvidos esubdesenvolvidos era uma só. Com umaressalva: do ponto de vista da formula-ção de políticas econômicas, “As diversi-dades de estrutura são bastante marca-das para que seja preferível tratar de ca-da caso separadamente”.

A preocupação com os problemas dosubdesenvolvimento norteou estudos epesquisas do economista. Como presidentedo Instituto de Economia da Fundação Ge-túlio Vargas, nos anos 1950, trouxe ao Paíseconomistas renomados internacional-mente. “Trata-se de um dos mais conheci-dos e respeitados pensadores economistasdo País. É um dos responsáveis pelo forta-lecimento da discussão de assuntos eco-nômicos nas universidades e, consequen-temente, na sociedade”, diz José Luis Orei-ro, professor do Departamento de Econo-mia da Universidade de Brasília (UnB).

ESTABILIZAÇÃO No governo federal, Gu-din instituiu novidades: o sistema de des-conto na fonte do imposto sobre os assa-lariados e o imposto sobre energiaelétrica. Enquanto ministro, numa épocade inflação nas alturas, promoveu umapolítica de estabilização econômica ba-seada em um regime fiscal duro e no re-cuo da oferta de crédito. Acabou batendode frente com setores da indústria. A fa-cilitação de investimentos estrangeiros,no entanto, foi uma de suas determina-ções que acabou sendo utilizada ampla-mente nos governos posteriores, espe-cialmente o de Juscelino Kubitscheck, eque acabou sendo uma das bases para o

chamado “milagre econômico” brasileiro. Em 1943, Gudin participou do I Con-

gresso Brasileiro de Economia. No ano se-guinte, foi o delegado brasileiro na Confe-rência Monetária Internacional, em Bret-ton Woods, nos Estados Unidos. O en-contro foi o ponto de partida para a cria-ção do Fundo Monetário Internacional(FMI) e do Banco Internacional para a Re-construção e o Desenvolvimento (BIRD).Gudin soube marcar posição: a conferên-cia abraçou postulados neoliberais em re-lação ao comércio internacional, afastan-do o protecionismo que predominava naépoca e refutado pelo brasileiro. Entre 1951e 1955, representou o governo brasileirojunto ao FMI e ao BIRD.

Fernando Carlos Lima, professor doDepartamento de Economia da Universi-dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),lembra que Gudin foi um dos precursoresda idéia de que o País precisava ter umBanco Central para atuar na economia. “Apartir do encontro de Bretton Woods essepensamento ganhou força. Gudin é, semdúvida, um dos alicerces do desenvolvi-mento da economia brasileira”, afirma.

Gudin formou-se em Engenharia Civilpela Escola Politécnica do Rio de Janeiro,em 1905. Desde então, construiu umagrande carreira acadêmica. O interesse poreconomia o levou ao curso em 1922. Em1938, foi um dos fundadores da Faculda-de de Ciências Econômicas e Administra-tivas. Mais tarde, a faculdade seria incor-porada à Universidade do Brasil, hoje aUniversidade Federal do Rio de Janeiro. Lá,a biblioteca do Instituto de Economia ho-menageia o intelectual. “Quando comeceia dar aulas, nos anos 1970, os livros de Gu-din eram sempre os mais usados. Hoje, nãoé diferente. É um pensador que reuniu teo-rias que possibilitaram grandes avançosem nossa economia”, salientaLima. Gudinfoi professor até a aposentadoria, em 1957.Na Fundação Getúlio Vargas, criou o Ins-tituto Brasileiro de Economia e a EscolaPós-Graduação em Economia. Faleceu noRio de Janeiro, em 1986.

“As teorias dodesenvolvimento econômico

são, como sabemos, múltiplase variadas. [...] O que se pode

dizer da maioria dessasteorias é que há nelas muitaimaginação. Ao passo que a

teoria do comérciointernacional aí está há século

e meio com seus postuladosfundamentais de pé”. (1962)

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Professores da rede pública do Amazonas são submetidosa teinamento de qualif icação, por meio do Programa deValorização de Prof issionais de Educação. Iniciativapretende levar questões sociais à sala de aula e nãoapenas o ensino clássico. Nível de aprendizagem noEstado já registra melhoria signif icativa

P o r M á r c i o F a l c ã o , d e B r a s í l i a

MELHORES PRÁTICAS

Por um ensino

Arealidade de 434.550 estudantes amazonenses começou a passarpor uma transformação em sala de aula. Desde 2001, 8.840 pro-fessores das redes municipal e estadual de ensino, responsáveispela educação destes alunos, colocam em prática uma nova ma-

neira de ensinar, que tem como pilar o lado social, além de destaques pa-ra questões regionais. Este ano, eles receberão, ainda, o reforço de mais7.221 educadores, que fazem parte da segunda turma do Programa deFormação e Valorização de Profissionais de Educação (Proformar), ha-bilitada no final do ano passado.

O Proformar é desenvolvido pela Universidade do Estado do Amazo-nas (UEA), em parceria com o governo estadual e prefeituras municipais,e tem chamado à atenção de educadores no Brasil e no mundo. O dife-rencial é a metodologia de ensino. Voltado para professores da educaçãoinfantil e de séries iniciais do ensino fundamental, o programa acaboucriando um novo conceito de ensino a distância: o ensino presencial me-diado pela televisão. A nova proposta surgiu diante da dificuldade do go-verno em formar profissionais na área por causa das peculiaridades geo-gráficas, culturais, econômicas e sociais presentes na região.

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de qualidade

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Divulgação

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D i f i c u l d ade em a t i ng i r a s comun i dades r u ra i s e r i b e i r i n has fo i s upe rada com a

Sem conseguir chegar à populaçãodas comunidades rurais e ribeirinhas,após uma lei estadual determinando quetodos os professores tivessem curso su-perior, a universidade decidiu inovar naformação dos professores e passou a ofe-recer uma graduação, em Curso NormalSuperior, licenciatura plena, por meiode videoconferências transmitidas ao vi-vo de um estúdio da universidade. Ocurso tem duração de três anos e é for-mado por 40 disciplinas, ministradas emseis módulos, em um regime de oito ho-ras diárias de segunda a sexta-feira e dequatro horas aos sábados. Os professo-res, que voltam a ser alunos, assistem àsvídeoaulas acompanhados de monito-res assistentes – geralmente um profes-sor com pós-graduação. As 151 turmasno interior e as 12 da capital do Estadocontam com aparelhos de televisão, ge-radores de energia, vídeos cassetes, an-tenas, computadores com acesso à in-ternet e impressoras.

AVALIAÇÃO O conteúdo das aulas é ad-ministrado por professores titulares que,além de apresentarem as aulas a partirde um estúdio, produzem textos auxi-liares e avaliam o desempenho indivi-dual de cada aluno. Os monitores tam-bém acompanham a frequência dos alu-nos, organizam e supervisionam as di-nâmicas locais e orientam o caminhoque os estudantes devem seguir para al-cançar bons resultados. No Proformar,os alunos, para obter aprovação preci-sam demonstrar eficiência na aprendi-zagem e assiduidade – sendo necessárioregistrar média mínima de seis pontose 75% de presença em sala de aula.

Para comparecer às aulas, alguns dosprofessores-alunos enfrentam uma sé-rie de dificuldades pela falta de umtransporte escolar eficiente, custeado pe-lo Estado. Alguns se deslocam por bar-cos ou andam quilômetros de bicicletapara assistir às aulas. Durante todo ocurso são aplicadas provas objetivas,provas dissertativas, assim como semi-

nários e painéis. Ao longo do curso, 97%dos alunos foram aprovados.

Atualmente alcançando 62 municí-pios do Amazonas, o programa começaa conquistar novos territórios e prêmiosem reconhecimento pelo esforço paramelhorar a qualidade de vida da popu-lação, com mais educação e políticas so-ciais. Representantes da Fundo das Na-ções Unidas para a Educação, Ciência eCultura (Unesco) já demonstraram in-teresse em desenvolver sistema pareci-do na África e na Ásia. No ano passado,o Proformar foi um dos 20 trabalhos es-colhidos pelo Prêmio Objetivos de De-senvolvimento do Milênio (ODM) Bra-sil 2007, que avaliou ações de organiza-ções da sociedade civil e governos mu-nicipais que atuam em projetos de in-clusão social e promoção dos direitoshumanos.

O ODM é uma iniciativa da Presi-dência da República, coordenado pelaCasa Civil e com avaliação técnica doInstituto de Pesquisa Econômica e Apli-cada (Ipea) em parceria com a EscolaNacional de Administração Pública(Enap). Em 2008, avaliou critérios co-mo contribuição para o alcance dos ob-jetivos do milênio, caráter inovador;possibilidade de tornar-se referência pa-ra outras ações similares; perspectiva decontinuidade ou replicabilidade; inte-gração com outras políticas; participa-ção da comunidade; existência de par-cerias; e manutenção da qualidade nosserviços prestados.

O técnico de Planejamento e Pesqui-sa do Ipea Emmanuel Porto encarrega-do de conferir para o ODM os efeitos doProfomar, conta que ficou impressiona-do com a dimensão do projeto. Em fe-vereiro de 2008, durante uma semana,Porto visitou municípios amazonenses,como Parintins, Careiro da Várzea, Iran-duba, Manacapuru e Manaus, e ficouimpressionado com o alcance do Profo-mar. “É um projeto fabuloso. É impres-sionante como atinge todos os municí-pios do Estado, nos recantos mais dis-

tantes, com forte impacto sobre as co-munidades mais carentes. Fiquei sur-preso com a logística que o programadesenvolveu capaz de transmitir as au-las simultaneamente, em tempo real, su-perando as dificuldades de acesso, a dis-tância e adversidade climática.”

ÍNDIOS Outro ponto forte do projeto,sustenta Porto, é a preocupação doscoordenadores do Proformar em incluirmulheres, indígenas e deficientes visuaisentre os beneficiários. As aulas do pro-grama também estão adaptadas paraoferecer apoio a deficientes visuais e au-ditivos, por intermédio de monitores eserviços de especialistas em Sistema de

Uma das turmas que concluiu o curso de...

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adoção de v i d eocon fe r ênc i a s t ransm i t i d as ao v i vo . Resu l t ados são an imadores

Libras. Dos mais de 15 mil professoresgraduados, 551 são representantes de et-nias indígenas, 153 na primeira etapa e398 na segunda fase. Esses professoresem formação são de 22 etnias indígenas,presentes em 14 municípios do Amazo-nas. “A adesão da comunidade é signifi-cativa. Nas visitas ficou claro o entu-siasmo das comunidades envolvidascom o programa, indicando uma fortemobilização em torno da iniciativa. Semcontar na importância dessa capacita-ção de representantes das etnias paraque tenham acesso a cultura brasileira erepassem”, destaca.

Segundo o governo do Amazonas, anova formação dos professores tem umresultado importante para o desempe-nho dos alunos. O Amazonas foi um dosestados que registraram melhora no de-sempenho no Índice de Desenvolvi-mento da Educação Básica (Ideb), ava-liado pelo Ministério da Educação. Nasséries finais do ensino fundamental, oAmazonas melhorou a nota em 21,39%,subindo de 2,7 (2005) para 3,3 (2007).Nas séries iniciais, o Estado saltou de 3,1para 3,6. O Ideb mostra, ainda, que 172escolas amazonenses conquistaram mé-dias iguais ou superiores a 4,0 (em umaescala que vai de zero a seis). Na avalia-ção de 2005, apenas 39 escolas haviamadquirido esta média. “Os inúmeros de-poimentos que ouvi durante as visitas,nas salas de aula, de pessoas que se be-neficiariam do programa atestam a suaqualidade”, aponta o técnico do Ipea.

Ao longo dos anos, o Proformar tam-bém ganhou destaque entre os alunos eprofessores da Universidade do Estadodo Amazonas na área de educação e pe-dagogia, que acabaram transformandoo programa em uma espécie de labora-tório de estudos, testando métodos deaprendizado e dinâmicas. “O Proformarestá inteiramente consolidado e as pers-pectivas de continuidade são positivas.Há um compromisso bastante sólido daUniversidade com o aperfeiçoamentodo programa”, avalia Porto.

...capacitação volta à sala de aula com o ânimo renovado e novas técnicas de ensino

As escolas amazonenses estão sendo reequipadas, para oferecer aos estudantes algo mais que teoria

Fotos: Divulgação

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Por causa dos ataques da Al-Qaeda, em 11 setembro, o governodos Estados Unidos usou seu po-der de convencimento para obri-gar as empresas operadoras de sa-télites de telecomunicações a re-posicionarem os equipamentos,alegando questões de segurançanacional. Com isto, o Brasil ficousem receber informações impor-tantes, referentes, por exemplo, aquestões climáticas e ao desmata-mento da Amazônia. A situação teriase normalizado em poucos dias, se-gundo as autoridades americanas,mas houve graves danos para oPaís. O setor de agronegócio, porexemplo, contabiliza prejuízo de R$2 bilhões, por não dispor de mapasde tempo confiáveis.

Quem faz estas afirmações é opresidente da Agência EspacialBrasileira (AEB), Carlos Ganem (fo-to), ferrenho crítico do modelo bra-sileiro de privatização. Ele lembraque, quando a Embratel era esta-tal, possuía cinco satélites geoes-tacionários, que foram incluídos nonegócio. Hoje, a ex-estatal perten-ce ao grupo Telmex, do bilionáriomexicano Carlos Slim.

Para evitar a repetição de si-tuações como esta, os ministériosdo Planejamento e da Ciência e

Tecnologia assinaram termo decooperação para contratar os es-tudos de modelagem de um novosatélite, que será construído pormeio de Parceria Público-Provada(PPP) e com alto índice de partici-pação da indústria nacional. O em-preendimento é importante, porquepermitirá que o País tente retomaro seu projeto espacial, que sempreesbarra na falta de recursos, e ago-ra pode ser resolvido com a ajudada iniciativa privada.

“O Brasil tem um laboratóriode integração de testes de saté-lite, que é o único do hemisfériosul do planeta; o Brasil forma gen-te que é responsável por progra-

mas da Nasa em Marte. Então, onosso problema não é nem capi-tal humano nem capacidade desaber fazer. O nosso problema épersistência, foco e prioridade”,diz Ganem, que está decidido a fa-zer o projeto andar.

Os satélites geoestacionáriostêm significativa importância pa-ra várias atividades, porque fi-cam parados relativamente a umponto fixo sobre a terra, geral-mente na linha do equador. Ocusto para construção e lança-mento de um satélite desses es-tá avaliado em US$ 300 milhões.É caro, mas necessário, diz o pre-sidente da AEB.

Projeto espacial

Pesquisas têmfinanciamentodo exterior

CIRCUITOciência&inovação

Os governos do Brasil e do Haitideram início à execução de maisuma etapa acordo bilateral de coo-peração. Desta vez para a implanta-ção, naquele país, de duas ações de-senvolvidas pelo Ministério do De-senvolvimento Social e Combate àFome. São elas: a implantação de

cisternas, semelhante ao trabalhoexecutado no semiárido nordestinobrasileiro, e o Programa de Aquisi-ção de Alimentos da Agricultura Fa-miliar (PAA).

Os programas atenderão, princi-palmente, famílias da zona rural, queenfrentam sérias dificuldades na ob-

tenção de água potável e alimentos.Os pequenos agricultores locaisplantam arroz, feijão, milho e man-dioca. Por intermédio PAA, a produ-ção excedente poderia ser adquiri-da pelo governo, o que representaforte estímulo para a melhoria daqualidade de vida.

Cooperação

Experiência nacional será implantada no Haiti

Biotecnologia

O Centro Internacional de Enge-nharia Genética e Biotecnologia (IC-GEB, sigla em inglês) está selecio-nando interessados em desenvolverprojetos em biotecnologia. A insti-tuição, que no Brasil é representa-da pelo Ministério de Ciência e Tec-nologia (MCT), apoiará programasem três áreas: desenvolvimento decursos e encontros para pesquisasem biotecnologia avançada, promo-ção de pesquisas colaborativas ebolsas de estudo.

No primeiro caso, as propostasdeverão ser encaminhadas ao MCTaté o dia 15 de março. O ICGEB sepropõe a financiar, com até 20 mileuros, workshops, simpósios e con-ferências de natureza científica, quedeverão disseminar o conhecimen-to e expandir a interação de pesqui-sadores dos países-membros da or-ganização.

O edital da Chamada de Propos-tas de Pesquisa, que também rece-be inscrições até 15 de março, exigeque os resultados obtidos pelas pes-quisas tenham aplicação prática. Osprojetos aprovados terão financia-mento até 25 mil euros anuais.

Já o Programa de Bolsas de Es-tudo selecionará, até o dia 31 demarço postulantes aos cursos dedoutorado e pós-doutorado. Para oscandidatos ao doutorado sanduíche– quando o estudante realiza a pri-meira fase do programa em seu paísde origem e conclui os estudos noexterior, não há prazo final.

com agências

Brasil voltará a ter satélite geoestacionárioMarcello Casal JR/ABr

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Resolução do Conselho Nacionaldo Meio Ambiente (Conama) estabele-ce critérios para a classificação daságuas subterrâneas, de acordo comseus níveis de poluição e caracterís-ticas hidrogeoquímicas. A medida ob-jetiva determinar a forma adequada deuso deste recurso natural. O mesmo jáacontece com as águas de superfície.

Segundo nota publicada no sitedo Ministério do Meio Ambiente, a des-contaminação de lençóis subterrâ-neos, por ser um processo lento eoneroso, exige que as autoridades dosetor adotem medidas preventivas.Uma das medidas recomendadas éimplantar áreas de proteção, restri-ção e controle do uso.

Meio ambiente

Conama regulauso das águassubterrâneas Será submetida a consulta

pública, até o final de março, aproposta de reforma do Códigode Processo Penal, que objetivamodernizar e dar mais celerida-de à Justiça. O trabalho está sen-do finalizado por comissão de ju-ristas criada pelo Senado. Ela épresidida pelo ministro Hamilton

Carvalhido, do Superior Tribunalde Justiça (STJ).

Entre as inovações, está o fimda participação dos juízes na fa-se de inquérito policial. Esta fun-ção ficaria sob a responsabilida-de da autoridade policial e do Mi-nistério Público. Outro ponto do

anteprojeto deve despertar polê-mica: o fim da prisão especial pa-ra todos os portadores de diplo-ma de nível superior. O benefícioficaria restrito a algu-mas autoridades.

Justiça

Proposta do Código de Processo Penal vai a consulta

STF/Divulgação

A produtividade do etanol bra-sileiro é resultado de décadas depesquisas, que continuam buscan-do alternativas para melhorar orendimento e baratear as etapas deprodução. Uma delas é a mandiocadoce, conhecida no Norte do Paíscomo mandiocaba. O pesquisadorda Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária (Embrapa) Luiz Joa-quim Castelo Branco redescobriuo tubérculo há dez anos, enquantofazia pesquisa na Amazônia sobrea origem da mandioca. Segundoele, a variedade é diferente da usa-da para fazer farinha e tapioca, por-que possui 25% de glicose e, pelomenos, 10% de sacarose. Até hojeessa característica era exploradapara produzir mingau e um tipo demel de amido. A planta é mais co-

mum em solo paraense, principal-mente na região nordeste do Esta-do e na Ilha de Marajó.

Castelo explica que a concen-tração de açúcar confere mais ra-pidez à conversão em álcool, alémde dispensar o uso do processo dehidrólise por enzimas, que é dis-

pendioso e requer técnicos espe-cializados. Outra vantagem damandiocaba é a produtividade. Ca-da hectare rende 14 metros cúbi-cos de álcool. Pelo processo con-vencional, o rendimento é de cer-ca de 6,4 metros cúbicos de ál-cool por um processo de fermen-

tação que dura até 70 horas. Já oprocesso tradicional da cana-de-açúcar gera 8 metros cúbicos em48 horas.

A pequisadora do Instituto dePesquisa Econômica Aplicada(Ipea) Junia Peres explica que de-fender a produção em larga es-cala do etanol não deve significara exclusão da agricultura familiardesse processo. Para ela, a faltade escala na produção familiarpode ser compensada pelo inves-timento em tecnologias mais ba-ratas, que tornem a produção demenor porte viável. “O governo po-de apoiar a compra de maquiná-rio e a implantação de tecnologiasque reduzam custos e processos,como é o caso da mandioca do-ce”, argumenta.

Embrapa

Mandioca doce, ou mandiocaba, uma nova matriz energéticaEmater/Divulgação

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RESGATE

Representantes de 25 ministérios realizam trabalho conjunto com estados e munícípios, dentro doProjeto Territórios da Cidadania. A iniciativa está presente em 1.830 localidades e atende a mais de40 milhões de pessoas do meio rural, desenvolvendo 133 projetos específ icos em variadas áreas

Os gestores dos diversos órgãos do go-verno federal estão com uma difícil mis-são: coordenar e integrar ações em tor-no do Plano Territorial de Ações Inte-

gradas do Programa Territórios da Cidadania,que envolve também a articulação com estados,municípios e com organizações sociais para le-var serviços públicos e promover o desenvolvi-mento econômico de microrregiões rurais. Noano passado, 19 ministérios integravam o pro-grama. Em 2009, serão 25 organismos federaisacostumados a trabalhar de forma isolada, queterão de compartilhar informações e projetos.Os estados e municípios têm que passar pelomesmo processo ao aderir ao programa. Emdiscussão com a sociedade, é definido o planode desenvolvimento do território, e os agentesdas três esferas de poder se empenham em daro apoio necessário.

“É um esforço enorme do governo para inte-grar as ações”, afirma Juliana da Silva Pinto Car-neiro, da Secretaria de Assuntos Federativos daPresidência da República. “O grande mérito [doprograma] é justamente a integração de ações,a articulação de políticas públicas”. Não é fácilarticular ações dispersas em todos esses órgãos:“Cada ministério foi assumindo seu papel e suaresponsabilidade de atuar melhor em parceriacom os municípios, de identificar onde está a ca-rência”, explica Carlos Guedes, coordenador ge-ral do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvol-vimento Rural do Ministério do Desenvolvi-mento Agrário. “Temos a cultura de trabalharsetorialmente, os ministérios voltados para seuspróprios públicos”, comenta Luiz Carlos Ber-nardi, da Casa Civil da Presidência da Repúbli-ca. O Territórios da Cidadania pressupõe o rom-pimento com essa cultura.

P o r G i l s o n L u i z E u z é b i o , d e B r a s í l i a

84 Desafios • março de 2009

Articulaçãointegrada

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O desafio maior, porém, é, depois defazer a articulação federal, repetir o mes-mo processo nos estados e municípios eimplantar ações conjuntas dos três níveisde governo. Em tese, todos concordam: aintegração é a melhor forma de dar eficá-cia à oferta de serviços públicos às comu-nidades da zona rural, muitas delas ex-cluídas dos benefícios mínimos de cida-dania. “A tarefa de implementação do Ter-ritórios da Cidadania exigirá uma inédi-ta competência política e técnica para quepossa ter sucesso”, adverte a publicaçãoPolíticas Sociais – acompanhamento eanálise, do Instituto de Pesquisa Econô-mica Aplicada (Ipea). O Territórios da Ci-dadania, ressalta o estudo, depende da ar-ticulação dos agentes públicos federais,estaduais e municipais e privados: “Pro-postas anteriores que visavam à conver-gência de ações de tantos atores políticose sociais nunca chegaram a cumprir to-dos os objetivos preestabelecidos”.

COMITÊ GESTOR Na área federal, o progra-ma está estruturado em um comitê ges-tor, formado pelos secretários executivosdos ministérios, e um comitê executivo,com representantes da Casa Civil, da Se-cretaria de Relações Institucionais, e dosministérios do Desenvolvimento Agrárioe do Planejamento. Há, ainda, um comi-tê técnico informal, formado pelos en-carregados da operacionalização dasações. Esses estão articulados com coor-denadorias estaduais e com os colegiadosterritoriais, integradas por representantesdos governos e da sociedade. Cada terri-tório elabora um plano de desenvolvi-mento rural sustentável, com a participa-ção da comunidade e de entidades locais,como associações comerciais, e apoio deum técnico contratado pelo MDA. Combase nesse plano, governos e comunida-de trabalham para o desenvolvimento doterritório. Entretanto, ainda falta ao pro-grama uma metodologia para a efetiva in-

tegração das ações, ressalta Fábio Alves,pesquisador do Ipea.

Até agora, segundo os técnicos do go-verno, a articulação com estados e muni-cípios está caminhado bem. Apenas trêsgovernadores ainda não assinaram o con-vênio com a União, mas por questão deagenda, ressalva Bernardi. “Todos prefei-tos receberam muito bem a proposta, e oscomitês estaduais de coordenação esta-duais estão funcionando”, diz Juliana Car-neiro. Como houve eleição municipal noano passado e os novos prefeitos tomaramposse em janeiro, houve a retomada dasconversas com os representantes munici-pais no mês passado, durante a reuniãocom o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em geral, a reação dos gestores tem si-do muito positiva, porque identificam aoportunidade de dar maior efetividade asuas ações, diz Guedes. “Tanto que, em2009, novos órgãos vão aderir e estão am-pliando as ações e os recursos para o pro-

Andr

essa

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olete

José Eustáquio, técnico da Emater, na horta utilizada para treinamento de pequenos agricultores na região de Brasília e entorno

Desaf ios • março de 2009 85

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P r og rama s u rg i u a p a r t i r d a c o n s t a t a ç ã o d e q u e a ç õ e s s o c i a i s t i n h am meno s

grama. É sinal concreto de que é uma so-lução para o órgão do ponto de vista dagestão administrativa e dos resultados”,acrescenta. O Ministério das Comunica-ções e a Agência Nacional de Telecomuni-cações (Anatel) vão levar a infraestruturade comunicação aos territórios. O Minis-tério da Ciência e Tecnologia deve contri-buir com inclusão digital e na criação decentros tecnológicos.

PRIORIDADES O governo federal identifi-cou um conjunto de 133 ações para os ter-ritórios, e espera que os governos estaduaise municipais definam também suas ações.Com esses dados, as partes vão verificaronde uma ação pode complementar a ou-tra e eliminar eventuais superposições. De-finidas as ações, o governo promete ajudara encontrar fontes de financiamento paraestados e municípios. O Banco Nacionalde Desenvolvimento Econômico e Social(BNDES), por exemplo, pode financiar in-vestimentos em infraestrutura, como aconstrução de estradas para escoamentoda produção. A Fundação Nacional deSaúde (Funasa) pode ajudar no sanea-mento básico.

“É a solução”, resume Elaine Tozzi. “Ainovação é fazer acontecer na prática, a efe-tivação no território”. O Territórios da Ci-dadania nasceu de uma experiência do Mi-nistério do Desenvolvimento Agrário, queimplantou em 2003 um programa de de-senvolvimento sustentável de territóriosrurais, com o envolvimento da comunida-de e organizações sociais. “Um mínimo deorganização social aumenta as chances deêxito das iniciativas: você tem uma rede departicipação social interessada e motivadapara mudar a realidade”, comenta Guedes.

Lançado oficialmente em fevereiro de2008 pelo presidente Luiz Inácio Lula daSilva, o programa começou a ser implan-tado em 2007, com 30 territórios. No anopassado, o projeto foi implantado em 60territórios, que agregavam quase mil mu-nicípios e oito milhões de pessoas, o equi-valente a 27% da população rural. Nesteano, a meta é dobrar o número de territó-

rios com projetos de desenvolvimento pa-ra 1.830 municípios, atendendo a 40 mi-lhões de pessoas no meio rural, pelo con-ceito que inclui os moradores de pequenascidades como população rural. “Semprecom ênfase nas regiões com maior con-centração de pobreza”, diz Guedes. A prio-ridade do Territórios da Cidadania é levaras políticas sociais e de desenvolvimentoàs regiões com os piores indicadores eco-nômicos e sociais, que são mais comunsno Norte e Nordeste.

A estratégia é agregar municípios po-bres de uma determinada região em tornode um projeto comum de desenvolvimen-to, e unir as ações municipais, estaduais efederais, de forma a dar maior efetividadeàs políticas públicas e levar infraestrutura,serviços públicos e apoio para o desenvol-vimento econômico da micorregião. “Oobjetivo do programa é fazer um processomais articulado, um esforço maior de le-var as políticas públicas a regiões com di-ficuldade de acesso a serviços básicos”, ex-plica Luiz Carlos Bernardi, da Casa Civilda Presidência da República.

IMPACTO Foi a partir de análises e estudosdo Ipea e de dados do IBGE, segundo Gue-des, que o governo descobriu que as políti-cas sociais tinham menor impacto na árearural do que nos centros urbanos: “O pro-grama foi gerado para responder a esse de-

safio. Quais sãos os gargalos, quais são oselementos estruturantes que estão desa-fiando a ampliação dos benefícios das polí-ticas públicas no meio rural brasileiro?” Osdados indicam maior redução nas desi-gualdades na área urbana. O Territórios daCidadania surge para combater a pobrezarural e tem como princípio básico a inte-gração de políticas públicas, a participaçãosocial e a pactuação federativa (com estadose municípios). “É um programa pensadopara a questão do desenvolvimento dasáreas rurais, fazendo um contraponto como PAC”, explica Juliana Carneiro.

“A proposta do programa não é de cur-to prazo. Reduzir as desigualdades é umtrabalho de longo prazo”, pondera LuizCarlos Bernardi. O primeiro passo é levarserviços básicos de cidadania às pessoas,como documento de identidade, Cadastrode Pessoa Física (CPF), e programas comoo Bolsa Família e de assistência à saúde ede acesso à educação. Estima-se que 80%dessas ações são executadas por estados emunicípios. “Estamos mobilizando os ato-res da União, dos estados e municípios pa-ra discutir o assunto e priorizar essas re-giões”, diz Bernardi. O Territórios da Ci-dadania é, na verdade, uma estratégia deação, e não propriamente um programa degoverno. Fora o MDA, que dispõe de do-tação adicional de R$ 1,5 bilhão neste ano,não há dinheiro novo no programa. Mas,somados os recursos pulverizados em to-dos os órgãos, o programa envolveu re-cursos de R$ 12,9 bilhões em 2008, segun-do as contas do governo.

Agora, o governo quer ver resultado daaplicação do dinheiro público. “Nós esta-mos cada vez mais convencidos de que nósestamos construindo uma trajetória posi-tiva de ampliação de indicadores sociais,principalmente na questão dos investi-mentos públicos em saúde, educação, as-sistência social, saneamento”, comentaGuedes. Embora ainda não tenha um ba-lanço das ações, ele afirma que estão sur-gindo “iniciativas muito interessantes” deinclusão produtiva dos territórios. Algunsformaram centrais para comercialização

133ações

coordenadas foram identif icadas pelo governofederal. Isto não impede que osestados e municípios proponham

outras iniciativas

86 Desafios • março de 2009

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e f i c á c i a n a á r e a r u r a l . Pa r a t e r r e s u l t a d o s , é p r e c i s o e l i m i n a r a b u r o c r ac i a

Lucindo Alves é o típico agricultor familiar:

planta com arroz, feijão e milho para a subsis-

tência num assentamento do programa de re-

forma agrária no município de São Domingos, em

Goiás, na divisa com a Bahia. Para obter alguma

renda, cultiva também melancia e hortaliças, que

vende a preços baixos para os atravessadores.

“Eles determinam o preço”, conta. Esse é o dra-

ma de milhares de pequenos agricultores brasi-

leiros que trabalham duro na enxada e outros lu-

cram com o resultado de seu trabalho. Agora,

com o Programa Territórios da Cidadania, Alves

está decidido a mudar essa relação, que sempre

foi desfavorável ao pequeno agricultor.

“Vamos ter uma central de comercialização

dentro do Ceasa de Brasília”, anima-se. A obra

ainda não começou, mas há um terreno reserva-

do para a construção da central, que pode ser a

grande oportunidade para que a renda da agri-

cultura familiar fique realmente com os pequenos

produtores: “Vamos estar em contato com os

grandes compradores e aí pode surgir um con-

trato”, diz. O projeto nasceu no Território da Ci-

dadania de Águas Emendadas, que abrange o Dis-

trito Federal e municípios e Goiás e Minas. O ter-

ritório já conta com uma central de comercializa-

ção de produtos orgânicos – grãos, frutas e hor-

taliças produzidas sem o uso de agrotóxicos e adubos quími-

cos, que antes não tinham espaço no Ceasa.

“A central de comercialização vai receber produtores

também de Goiás e Minas”, explica Alves, que também é di-

retor da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do

Distrito Federal e Entorno, e trabalha pela criação de um

Território da Cidadania na região de São Domingos, ani-

mado pelo que viu em outros municípios: em Unaí (MG), ti-

nha uma escola agrícola construída pelo governo de Minas

que estava fechada. Com a articulação dos diversos ór-

gãos dos governos federal, estadual e municipal, por meio

do Programa Territórios da Cidadania, a escola voltou a

funcionar e oferece cursos específ icos para a agricultura

familiar. Segundo ele, por intermédio do colegiado territo-

rial foi construído um centro de capacitação, com laboratório

de informática e conexão com a Internet. Outra conquista

foi a construção de uma agroindústria para processamen-

to de frutas e formação de técnicos.

“Em Buritis (MG), o prefeito montou uma fábrica de pol-

vilho de mandioca, mas está parada”, relata. O colegiado ter-

ritorial decidiu concluir a obra. Na região de Planaltina (GO),

decidiu-se ampliar os pontos de comercialização de alimentos

ao longo das rodovias. “Em Mimoso (GO), a demanda era a

construção de um laticínio. Depois de discutido no colegiado, o

Ministério do Desenvolvimento Agrário, junto com a prefeitura

e o governo do estado, liberou recursos”, exemplifica.

BONS RESULTADOS “Apostamos nessa política e temos

alguns resultados positivos”, diz Paulo Caralo, secretário de

Política Agrária e Meio Ambiente da Confederação dos Tra-

balhadores na Agricultura (Contag). Antes, havia ações iso-

ladas dos municípios, estados e União em benefício dos agri-

cultores, mas com pouco resultado. “O Territórios da Cida-

dania vem com foco na articulação de políticas públicas”,

comenta. A ação articulada, segundo ele, tem proporciona-

do melhores condições de vida à população de municípios

de diversos territórios. Além dos serviços bási-

cos de educação e saúde, o Territórios tem levado

ao pequeno agricultor assistência técnica para

melhorar a qualidade e a produtividade de suas

propriedades, de forma a aumentar a renda das

pessoas do campo.

A melhoria da qualidade dos produtos é uma

das tarefas da Empresa Técnica de Extensão

Rural do Distrito Federal (Emater). No início des-

te ano, a Emater instalou um centro de higieni-

zação de hortaliças e treinamento de produto-

res na Feira do Produtor. A iniciativa, que con-

tou com apoio de diversos órgãos públicos e da

administração do local, é de grande importân-

cia para consumidores e produtores. José Eus-

táquio Vieira, técnico da Emater, explica que há

barreira sanitárias entre os estados, que impe-

dem o trânsito de mercadorias que não tenham

passado pelo processo de higienização. Além da

higienização do produto e das caixas, os técnicos

orientam os produtores a ter cuidados com a

qualidade da água utilizada na produção, ao uso

de agrotóxicos e de adubos.

“Os supermercadistas exigem higienização

das caixas”, explica Luciana Umbelino Tiemann,

engenheira agrônoma da Emater. O processo de

higienização, comenta, elimina “grande parte dos

coliformes”, o que resulta num produto de qualidade para o

consumidor. E também traz vantagens para o produtor, que po-

de comercializar livremente sua produção. No centro de hi-

gienização, as hortaliças, depois de lavadas, são imersas num

tanque com água e cloro para eliminar bactérias. Feito esse

processo, os produtos devem ser levados para o mercado

consumidor em carro fechado para evitar contaminação.

Dessa forma, governos municipais, estaduais e federal,

junto com a sociedade, contribuem para melhorar a quali-

dade e a renda do pequeno agricultor. “Acredito que o Ter-

ritórios da Cidadania vai virar política de Estado”, diz o pro-

dutor Alves. Ninguém acreditava no Pronaf, lembra. Em 1996,

o Grito da Terra, manifestação anual que a Contag promo-

ve em Brasília para levar ao governo as reivindicações do

setor, não se contentou em ocupar a Esplanada dos Minis-

térios. Invadiu o gabinete do então ministro da Fazenda, Pe-

dro Malan, e conseguiu a implantação do Programa Nacio-

nal de Agricultura Familiar (Pronaf). Que está aí.

Para chegar aos grandes centros consumidores, agricultores são

orientados a higienizar não apenas a hortaliça, mas a embalagem

Andressa Anholete

Agricultor familiar decreta guerra ao atravessador

Desaf ios • março de 2009 87

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C o m a ç õ e s i n t e g r a d a s s e r á p o s s í v e l d a r m a i s e f i c i ê n c i a à m a q u i n a p ú b l i c a

da produção da agricultura familiar. Comapoio do Serviço Brasileiro de Apoio à Mi-cro e Pequena Empresa (Sebrae), serão fei-tas este ano experiências de agregação devalor e renda em Goiás e Amapá. “São ini-ciativas que asseguram uma trajetória po-sitiva do ponto de vista da alteração da rea-lidade social nessas regiões”, avalia.

O trabalho em conjunto permite a re-moção de obstáculos e entraves burocrá-ticos com maior rapidez. São entraves mui-tas vezes criados pela falta de sintonia daprópria máquina pública. O Ministério daEducação, por exemplo, enfrenta proble-mas de regularização fundiária na cons-trução de escolas. Então, passou a traba-lhar de forma integrada com a Secretariade Patrimônio da União e com o Institutode Colonização e Reforma Agrária (Incra),que se encarregam da regularização quan-do o terreno é da União. O programa Luzpara Todos, do Ministério das Minas eEnergia, cumpriu sua meta inicial de levarenergia ao campo, mas identificou poste-riormente que havia áreas descobertas.

DESCONHECIMENTO Muitas políticas públi-cas não chegam às comunidades rurais pordesconhecimento da população e dos pró-prios gestores municipais. Por isso, a pri-meira iniciativa do Ministério da Saúde foiexplicar o funcionamento do Sistema Úni-co de Saúde nos colegiados territoriais. “Oque vi foi muita falta de informação sobreo trâmite das políticas públicas”, conta Elai-ne Tozzi, do Departamento de Atenção àSaúde, que acompanhou a implantação doprograma no Amazonas. Nas áreas de saú-de e educação, principalmente, o governofederal é apenas repassador de recursos.Cabe aos estados e municípios a execuçãodas ações e fazer com que os benefícioscheguem à população rural. “Informamoso que é preciso para montar uma equipede saúde e a responsabilidade de cada en-te”, relata Elaine. Este ano, o Ministério daSaúde ampliará a oferta de serviços aosTerritórios. “Os órgãos estão buscando al-ternativas para aumentar a eficiência emsuas políticas”, diz Guedes. O Ministério

da Cultura, por exemplo, criou uma espé-cie de cineclube para os Territórios.

A expectativa do governo é que a inte-gração traga ganhos de eficiência na ges-tão pública, a partir da identificação de fa-lhas nas políticas e da correção de rumos, eda eliminação de superposição de ações.Uma primeira experiência será feita como cruzamento dos dados dos beneficiáriosdo Bolsa-Família em três territórios comos do Programa Nacional de Fortaleci-mento da Agricultura Familiar (Pronaf).Segundo Luiz Carlos Bernardi, há agricul-tores que tomaram o crédito do Pronaf erecebem o Bolsa-Família. Uma hipótese,segundo ele, é que tenha faltado orienta-ção adequada na concessão do crédito, quenão resultou em renda para o agricultor. Aidéia é trabalhar com essas famílias paraque seus negócios gerem renda e elas saiamda dependência da assistência social. Ou-tra iniciativa fundamental para o desen-volvimento dos territórios, que está em dis-cussão no governo, é a regularização fun-diária, o que possibilita aos agricultores oacesso ao crédito.

CADEIA PRODUTIVA Segundo Bernardi, nes-te ano o governo vai fazer um piloto como fortalecimento da cadeia produtiva de

cinco territórios. Identificada a potencia-lidade, a idéia é intensificar os esforços pa-ra a obtenção de resultados nessas unida-des. “O esforço de articulação de ações épositivo. Se está dando resultado é o quevamos analisar”, comenta Fábio Alves,pesquisador do Ipea. No boletim Políti-cas Sociais, o Ipea faz diversas ressalvasao programa Territórios da Cidadania: es-te ano, os número de territórios subirá pa-ra 120, mas somente 60 integram a Agen-da Social por terem os menores índicesde desenvolvimento humano (IDH) e bai-xo dinamismo econômico. “A inclusão naagenda social é uma proteção contra cor-tes no orçamento”, lembra Juliana Car-neiro. É um benefício que pode criar dis-torções, na avaliação do Ipea, porque mui-tos órgãos podem aderir ao programaapenas para fugir do contingenciamentode recursos. Para o Instituto, a criação doTerritórios da Cidadania evidencia a “ca-rência de vínculo entre os diferentes pro-cessos de planejamento dos órgãos fede-rais: o programa não foi incluído no PPA2008/2011, entretanto faz parte da Agen-da Social. Assim, a iniciativa evidencia afragilidade do atual modelo do plano plu-rianual como instrumento de planeja-mento de longo e médio prazo.

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Programa Luz para Todos leva energia ao campo, que melhora a qualidade de vida de milhões de pessoas

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88 Desafios • março de 2009

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AGENDAPrograme-seEvento Data Local Informações

Seminário Internacional sobre Desenvolvimento 5 e 6 Ipea, Brasília-DF www.ipea.gov.br

Reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) 10 e 11 Banco Central, Brasília-DF www.bcb.gov.br

Lançamento do segundo número do SensorEconômico pelo Ipea

10 Brasília-DF www.ipea.gov.br

Divulgação da Pesquisa Mensal de Emprego peloInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

26 Rio de Janeiro-RJ www.ibge.gov.br

Curso de Especialização em Políticas Públicas daUniversidade Cândido Mendes (12 meses de duração)

13 Rio de Janeiro-RJ www.candidomendes.edu.br

1º Seminário Febraban de Gestão de Custos deTelecomunicações

10 Hotel Maksoud Plaza, São Paulo-SP

www.febraban.org.br

Divulgação da Pesquisa Mensal de Emprego peloInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

24 Rio de Janeiro-RJ www.ibge.gov.br

1º Seminário Nacional de Sociologia Econômica 19 a 22 UFSC, Florianópolis-SC www.anpocs.org.br

4º Congresso Argentino e Latinoamericano deAntropología Rural - CALAAR

25 a 27 Mar del Plata, Argentina www.antropologia.ar.com

Divulgação da Pesquisa Mensal de Emprego peloInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

21 Rio de Janeiro-RJ www.ibge.gov.br

3rd Conference on Micro Evidence on Innovation inDeveloping Economies (Meide)

10 a 12 Rio de Janeiro-RJ www.ipea.gov.br

MARÇO

ABRIL

MAIO

Reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) 28 e 29 Banco Central, Brasília-DF www.bcb.gov.br

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ESTANTElivros e publicações

“Antropologia é uma palavrailuminante” – eis como ini-cia seu livro o antropólogoe ex-presidente da Funai,

Mércio Pereira Gomes, derramando, aolongo de 10 capítulos, o sentimento deque a Antropologia é alguma coisa es-pecial no mundo do conhecimento dohomem. Mércio, que é professor de An-tropologia da Universidade Federal Flu-minense e autor de diversos livros sobreíndios e meio ambiente, considera que,além de ser uma ciência social, na me-dida em que se baseia na empiria parapropor hipóteses e testar teorias, a An-tropologia, também, faz parte da linha-gem da filosofia, na medida em que tra-ta da cultura, da discursividade, da ine-fabilidade do conhecimento, da criati-vidade, do diálogo entre os homens e daintencionalidade da vida.

Antropologia é um livro que chama aatenção, em primeiro lugar, pela quali-dade do texto que se faz compreensíveltanto para estudiosos quanto para lei-gos. Impressiona também pela abran-gência de questões sociais e filosóficasque o autor considera como matéria daAntropologia. O livro cobre temas quevão desde as conexões da reflexão an-tropológica com as ideias iluministas,passando pelo evolucionismo cultural,de inspiração darwiniana e marxista, re-conhecendo a força da descoberta do in-consciente coletivo, a afirmação do pri-mado da cultura sobre a natureza, atéchegar aos temas atuais e pós-moder-nos, como a incerteza do conhecimen-to do Outro, a dissolução do estrutura-

lismo, o hiper-relativismo cultural e aresponsabilidade ética da Antropologia.

Por outro lado, Antropologia segueum roteiro mais ou menos tradicionaldo que se constitui a Antropologia co-mo disciplina acadêmica. Cabe a essadisciplina o estudo tanto da cultura, dasociedade, do parentesco, de rituais esimbolismo, matérias tradicionais daAntropologia Social, quanto da evolu-ção e dispersão do homem na Terra, pe-la Antropologia Biológica, do desen-volvimento das sociedades, pela Ar-queologia, e especialmente, do estudoda variedade das línguas, suas especifi-cidades e sua unicidade na capacidadedas sociedades e culturas pensarem pormeios próprios e também por noçõesuniversais.

Na década de 80, lembro-me, e até re-centemente, a Antropologia se coloca-va no Brasil como a encarregada de darsentido aos temas marginais à sociedadedominante: índios, mulheres (no iníciodo feminismo), racismo, favelas, mino-rias as mais diversas. A Antropologiacontinua a tratar desses temas, masavançou sobre temas antes atribuídos àSociologia e à Ciência Politica, e até à Fi-losofia. A influência de autores comoFoucault, Deleuze e Derrida evidencia-se nos textos mais escalafobéticos daAntropologia pós-moderna, especial-mente aqueles que vêm do pós-moder-nismo praticado nos Estados Unidos eque emula alguns autores brasileiros.

O livro de Mércio trata esses velhostemas não como assuntos marginais àsociedade brasileira, e sim, em muitos

casos, como questões fundantes do Bra-sil e da nossa nacionalidade. Essa é umadiferença essencial de atitude intelec-tual, ética e política em relação a outrosautores.

Ao final de um livro que cobre todoo espectro da Antropologia, desde es-tudos de parentesco até as contribuiçõesda Antropologia Política, Econômica,Urbana, da Religião e dos Mitos, Mér-cio propõe repensar a Antropologia porum novo viés teórico, que ele chama de“hiperdialético”, algo que, aparente-mente, ele já vem discutindo em suasaulas na UFF e que promete desenvol-ver em todas as suas possibilidades emfuturo próximo. Não dá para analisar oque é hiperdialético em tão curta rese-nha. Cabe ao leitor descobri-lo e notranscurso apreciar esse livro, digamos,também iluminante.

Paulo César de Araújo

AntropologiaMércio Pereira GomesEditora Contexto – 237 páginas – R$ 35

A antropologia esclarecida

90 Desafios • março de 2009

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Em seu discurso de abertura do en-contro anual da Associação Ameri-cana de Economia em 2003, RobertLucas, ganhador do Nobel de Eco-

nomia de 1995, ressaltava, que, enquantoa macroeconomia nasceu como uma res-posta à grande depressão dos anos 30, oproblema central de prevenção de tais ca-tástrofes econômicas tinha sido resolvido.Lucas afirmava que a macroeconomia mo-derna desenvolvera mecanismos sofistica-dos de política fiscal e monetária para mi-nimizar os efeitos do ciclo econômico denegócios (business cycle). A idéia é que ociclo já estaria tão suavizado, que esforçosadicionais trariam apenas ganhos irrisó-rios de bem-estar. Portanto, os esforços daciência deveriam ser direcionados a temasmais relevantes, como o crescimento.

Tais argumentos são contrapostos pelorecente livro publicado pelo economista,também ganhador de Nobel Paul Krug-man, The Return of Depression Economics.Em linguagem descontraída, Krugmanapresenta uma série de episódios da histó-ria econômica mundial recente, que têmem comum quedas acentuadas da produ-ção, falências generalizadas, e o desapare-cimento de centenas de milhares de pos-tos de trabalho. São episódios como a cri-se Tequila do México em 1995, a estagna-ção japonesa dos anos noventa, o crash dosTigres Asiáticos de 1997, e, sobretudo, acrise atual originada no mercado imobi-liário dos Estados Unidos.

Apesar de terem surgido de contextosdistintos, em economias bastante diversas,essas crises têm alguns pontos em comum.Primeiramente, todas elas foram crises ini-cialmente financeiras, mas que se alastra-ram com efeitos devastadores sobre a eco-nomia real. Segundo, todas as crises vie-ram acompanhadas de reversões brutaisde expectativas dos agentes econômicos.Essas mudanças repentinas de humoresnão teriam grandes consequências se aseconomias estivessem assentadas em“equilíbrios bons”. Num equilíbrio bom,quando o pessimismo toma conta dos

agentes, os pessimistas perdem dinheiro,e o pessimismo é rapidamente revertido.Ocorre que em todos esses episódios re-centes, as economias estavam assentadasem “equilíbrios ruins”, sujeitos a bolhas es-peculativas. Por uma casualidade qualquer,os agentes tornam-se pessimistas, passan-do a acreditar que o pior vai acontecer.

Tome-se por exemplo as crises latino-americanas . O recurso usado por essaseconomias para dominar a herança de for-tes hiperinflações foi, via de regra, a ado-ção de políticas de câmbio fixo. Como asinflações têm forte componente inercial,durante algum tempo após a adoção da pa-ridade cambial os preços domésticos con-tinuaram aumentando numa velocidadesuperior à dos preços em dólares. O resul-tado foi uma apreciação do câmbio real.Os equilíbrios ruins germinaram com aajuda de dois fertilizantes: o câmbio fixo, ea moeda domestica sobrevalorizada. O cír-culo vicioso das profecias autorealizáveisacontecia da seguinte forma: por uma ca-sualidade qualquer um investidor ameri-cano, digamos, na bolsa mexicana, passa aachar que o câmbio peso-dolar é irreal, eque o peso deve valer menos. Então ele re-tira imediatamente suas aplicações em pe-sos e, por via das dúvidas, as transformaem dólares. O peso então é desvalorizado.Assim, a expectativa pessimista, que podeter surgido sem necessariamente estar em-basada em fundamentos econômicos, tor-na-se real. No caso mexicano, os efeitos fo-ram catastróficos: queda de 7% no PIB, ede 15% na produção industrial de 1995.

Na crise de crédito que teve como epi-centro os mercados imobiliários Norte-Americanos, os problemas surgiram noperíodo em que Alan Greenspan era pre-sidente do FED, o banco central america-no. Por um lado, as taxas de juros perma-neceram muito baixas por muito tempo,gerando uma corrida por ativos imobiliá-rios, e como consequência, uma valoriza-ção vertiginosa desses ativos. A falta de re-gulamentação mais rigorosa permitia aconcessão de crédito sem que o compra-

dor da casa comprovasse a capacidade dehonrar o empréstimo (as subprime loans).

Para o emprestador não importavamuito o alto risco do empréstimo, porqueele era revendido a instituições financeirasque o somavam a outros empréstimos, e,por fim, dividiam o bolo de empréstimoshipotecários em ativos conhecidos comoCDO’s (Collateralized Debt Obligations).Esses ativos lastreados em hipotecas eramentão revendidos a investidores. Os CDO’sfuncionavam da seguinte forma: quem ti-vesse comprado os papéis lastreados emhipotecas mais cedo recebia os pagamentosprimeiro. Quem tivesse ativos com menorsenioridade, somente recebia os dividen-dos após o primeiro grupo ter sido pago.Essa engenharia financeira contribuiu pa-ra a formação do círculo vicioso. No mo-mento em que mudaram-se os humores,e formou-se a expectativa de que os CDO’sde menor senioridade sofreriam perdasacentuadas, houve uma corrida de vendas,e o preço desses ativos despencou. Quemos detinha perdeu tudo, num processo deprofecia autorealizável. As perdas foram seacumulando em cascata, levando ao co-lapso do que Krugman denomina sistemabancário das sombras. Esse sistema ban-cário das sombras escapava da regula-mentação tradicional imposta pelo FEDsobre os bancos comerciais, que freava atomada de riscos excessivos.

The Return of Depression Economics Paul KrugmanEditora W. W. Norton – 224 páginas – R$ 64,64

A economia da depressão revisitada

Desaf ios • março de 2009 91

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INDICADORES

Discriminação de sexo e raçaainda sobreviveno País

Desigualdades

Distribuição de domicílios urbanos em favelas, segundo sexo e cor/raça do chefe. Brasil, 2007

Renda média da população, segundo sexo e cor/raça. Brasil, 2007

Média de anos de estudo da população ocupada com 16 anos

ou mais de idade, segundo sexo e cor/raça.

Brasil, 1996 e 2007

A terceira edição da publicação Retrato dasDesigualdades de Gênero e Raça, realizaçãoconjunta do Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (Ipea), Secretaria Especial de Políti-cas para as Mulheres e Fundo de Desenvolvi-mento das Nações Unidas para a Mulher cons-tata que persiste, no País, discriminação mo ti-vada por sexo ou grupo racial em diversos cam-pos da vida social. No sistema educacional, seusimpactos incidem na reprodução de estereóti-pos ligados às convenções de gênero e de raçaoriginando e reforçando uma segmentação se-xual do mercado de trabalho e das ocupaçõessociais, que atrapalham o acesso e a perma-nência dos alunos negros.

Na área de saúde, entre os indivíduos comrendimentos acima de três salários mínimos,21% dos atendimentos e 23,8% das interna-ções da população negra são cobertos peloSUS, enquanto estas mesmas proporções sãode 14% e 13,5% para brancos. Quando sãoanalisados os dados de cobertura por planosde saúde privados, a situação 33,2% são bran-cos, enquanto apenas 14,7% dos negros estãona mesma situação.

De outro lado, e mesmo com todas as difi-culdades, ao longo dos últimos 15 anos obser-va-se a manutenção da tendência de aumentona proporção de famílias chefiadas por mulhe-res, que passou de 22,3%, em 1993, para 33%,em 2007. Tal indicador se verifica tanto nas zo-nas urbanas quanto nas rurais. No campo, as mu-lheres chefiam somente 19,3% dos lares, umpouco mais da metade dos 35,4% encontradosnas áreas urbanas. Enquanto o grau de cresci-mento neste caso foi de 11,1 pontos percentuaisem 15 anos, nas áreas rurais foi de 5,8.

Ilustrações dos infográf icos: Flavia Amadeu

92 Desafios • março de 2009

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Número de famílias formadaspor casais com filhos echefiadas por mulheres.Brasil, 1993 e 2007

Taxa de desemprego da população de 16anos ou mais de idade, segundo sexo e

cor/raça. Brasil, 2007

Distribuição dos domicílios que recebem Bolsa Família,segundo cor/raça do chefe. Brasil, 2006

Distribuição de domicílios que não possuem geladeira, segundo cor/raça do chefe da família e localização. Brasil, 2007

Proporção de trabalhadoras domésticas com carteira detrabalho assinada, segundo cor/raça. Brasil, 1996 e 2007

Desaf ios • março de 2009 93

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94 Desafios • março de 2009

CARTASCASSINO

Agora que o “Cassino Mun-dial” quebrou com a crise ex-portada pelos EUA peço que aDesafios procure os defensoresdo livre mercado para assinarartigos. O que estes senhores esenhoras que tripudiavam con-tra o Estado tem agora a dizer?...

Jessé Albuquerque deFreitas, professor, Recife (PE),

por e-mail

NO PAPEL

Estou encantada com o quevenho descobrindo nas publi-cações da revista Desafios. Seique posso acessá-las na inter-net, mas é sempre bom tê-lasem casa para que outras pessoastambém possam ter acesso.

Dalva Rodrigues, orientadora educacional em MG,

doutoranda em desigualdades eintervenção social, por e-mail

CONSULTA

Sou economista e professoruniversitário. Tomei contatocom a revista Desafios do De-senvolvimento na casa de umamigo há uns dois anos. Desdeentão a revista é fonte de con-sulta e de referência para meusalunos de monografia e mesmopara minhas aulas.

Fábio Vieira, São Paulo (SP), por e-mail

VISUAL

Gostaria de parabenizar a equipe da revista Desafios pelas óti-mas reportagens e pelo visual bonito da revista.

Melissa Diniz, empresária, Goiânia (GO), por e-mail

CODEVASF

Senhores

A revista Desafios é degrande valia para o estudo eacompanhamento das ações noâmbito das politicas de desen-volvimento regional para a Uni-dade de Arranjos ProdutivosLocais da Superintendência daCompanhia de Desenvolvi-mento dos Vales do São Fran-cisco e do Parnaiba (Codevasf),em Petrolina (PE).

Marcio Araújo Silva, Chefe da Unidade de Arranjos Produtivos da Codevasf, por e-mail

N.R. Petrolina foi citada, de forma indireta, na reportagem da vi-sita do ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, ao Nor-deste, para discutir o plano de desenvolvimento da região.

A correspondênc ia para a redação deve ser env iada para desaf [email protected]

ou para SBS Quadra 01 - Ed i f í c io BNDES - Sa la 906 - CEP: 70076-900 - Bras í l i a - DF

Acesse o conteúdo da revista Desaf ios do Desenvolvimento no endereço:

www.desafios.ipea.gov.br

TERCEIRA IDADE

No site do Ipea, o TD 1371diz que 65% dos idosos commais de 80 anos precisam deauxílio nas atividades diárias.“De acordo com os dados daPnad de 2003, aproximada-mente 84% dos idosos queapresentam alguma dificulda-de para a realização das ativi-dades do cotidiano são porta-dores de pelo menos umadoença crônica”, diz o texto dosite. Já vi matérias sobre idososna Desafios, mas não com esseenfoque. É um tema muito im-portante para a saúde pública,ainda mais diante de uma po-pulação que envelhece.

Diogo Mendes Schneider,servidor público, Florianópolis

(SC), por e-mail

N.R. Em nossa última edição,de número 47, abordamos o te-ma. Noticiamos que o Brasil es-tava, rapidamente, deixando deser um país de jovens. Sua po-pulação está envelhecendo, comqualidade de vida.

Aos leitores,Desafios do Desenvolvimento agradece as pautas sugeridaspor diversos leitores que escreveram. Todas aquelas que aten-derem à linha editorial da revista serão analisadas e apuradaspela equipe de reportagem no devido tempo.

Codevasf/Divulgação

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www.combatadengue.com.br

Se você tiver febre alta com dor de cabeça, dor atrás dos olhos, no corpo e nas juntas, vá imediatamente a uma unidade de saúde.

Você sabe que dengue mata.Você sabe como combater.

Então você já sabe o que fazerdepois de ler a revista.Mobilize sua família e seus vizinhos.

Esta luta é de todos nós.

Encha de areia atéa borda os pratinhos dos

vasos de planta.

Mantenha a caixa d‘água bem fechada. Coloque também uma tela no

ladrão da caixa d‘água.

Mantenha bem tampadostonéis e barris d‘água.

Remova folhas, galhos e tudo que possa impedir a

água de correr pelas calhas.

Não deixe a água da chuva acumulada sobre a laje.

Secretarias Estaduaise Municipais de Saúde

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