o gato malhado e a andorinha sinhÁƒ (empolgada) – era uma vez, muito antigamente, numa manhã...

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O GATO MALHADO E A ANDORINHA SINHÁ Texto de Jorge Amado “Era uma vez, antigamente, mas muito antigamente, nas profundas do passado, quando os bichos falavam, os cachorros eram amarrados com lingüiça, alfaiates casavam com princesas e as crianças chegavam no bico das cegonhas... Aconteceu, naquele então, uma história de amor.”

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Page 1: O GATO MALHADO E A ANDORINHA SINHÁƒ (Empolgada) – Era uma vez, muito antigamente, numa manhã como essa, e num parque muito bonito, que tudo começou. O vento (suspiros.) soprava

O GATO

MALHADO

E A

ANDORINHA

SINHÁ

Texto de Jorge Amado

“Era uma vez, antigamente, mas muito antigamente, nas

profundas do passado, quando os bichos falavam, os cachorros

eram amarrados com lingüiça, alfaiates casavam com princesas e

as crianças chegavam no bico das cegonhas... Aconteceu, naquele

então, uma história de amor.”

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PERSONAGENS

*MANHÃ

*VENTO

*TEMPO

*GATO

*ANDORINHA

*VACA

*PAPAGAIO

*CORUJA

*SAPO

*CASCAVEL

*PATA

*ROUXINOL

*GALO

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COREOGRAFIA INICIAL

PRIMEIRA CENA

Manhã chega atrasada, e muito sonolenta. Palco semi-escuro.

Somente as estrelas brilham.

MANHÃ – Ai, que vontade de dormir sem despertador, até não ter

mais sono! (Manhã vai apagando as estrelas e é surpreendida

pelo Vento.).

VENTO – Olá, linda donzela.

MANHÃ – Olá Vento...

VENTO – Precisa de uma ajuda, princesa?

MANHÃ – Claro. O que seria de mim, sem a sua ajuda e suas

histórias todos os dias?

VENTO – E o que seria de mim sem vê-la todas as manhãs? (Ela

fica sem graça.) Por falar em histórias, hoje te contarei uma das

histórias mais bonitas que já aconteceu nesse mundo.

MANHÃ – É de amor?

VENTO – Sim, mas de um amor proibido, por tudo e por todos.

MANHÃ – Conta logo.

VENTO – Ela foi-me transcrita por um velho amigo, o Doutor Sapo

Cururu.

MANHÃ – Conta logo, Vento!

VENTO – Está bem: era uma vez, muito antigamente, numa manhã

como essa, e num parque muito bonito, que tudo começou. O vento

soprava nas árvores e as folhas caíam, formando uma linda dança.

(Vento tira Manhã para dançar e continua a contar a história,

num tom baixo, até acabar a dança e a história. A música que

dançam é um tango.).

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MANHÃ (Emocionada) – Tadinho dos dois.

VENTO (Aproveitando a situação) – O amor, às vezes, é assim.

(Ele abraça-a.).

MANHÃ – Que história linda, mas triste. (Tempo entra em cena.).

TEMPO – Que bonito, Manhã, atrasada novamente.

VENTO – Até breve, princesa. (Sai.).

MANHÃ – Até.

TEMPO – Deve ter uma boa desculpa para esse atraso.

MANHÃ – Fiquei ouvindo o Vento contar uma linda história, e perdi

a hora. Desculpa!

TEMPO – Uma história?

MANHÃ (Entusiasmada) – Sim, uma linda história de amor.

TEMPO – De amor?

MANHÃ – É...

TEMPO – Está bem: conta, e se for, realmente, uma boa história,

não só te desculparei como te darei uma rosa azul, que medrou há

muitos séculos, e hoje já não se encontra mais.

MANHÃ – Está bem, mas tenho certeza que não irá se arrepender,

Mestre.

TEMPO – Espero.

MANHÃ (Empolgada) – Era uma vez, muito antigamente, numa

manhã como essa, e num parque muito bonito, que tudo começou.

O vento (suspiros.) soprava nas árvores e as folhas caíam.

(Manhã se envolve numa dança, pensando no Vento.) Era

primavera, e o parque enchia de cores... (Saem.).

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SEGUNDA CENA

O Gato está deitado. Andorinha entra cantando uma canção.

Após vê o Gato e se esconde. Joga gravetos nele. O Gato olha

para os lados e não vê nada, mudando de lugar. Entra a Vaca.

VACA – Oi, gatinho! (Gato nem bola. Brava.) Sujeito metido. Não

faz nem idéia de que está frente a uma figura respeitada por todos e

com descendência castelhana. Mas ele me paga. (Vaca aproxima-

se.) Un tipo tan chiquito y ya de bigotas!

GATO (Irônico) – Uma sujeita tão grandona e sem porta-seios.

(Gato sai, rindo.).

VACA – Seu mal-educado.

ANDORINHA (Saindo do esconderijo) – O que aconteceu, dona

Vaca?

VACA (Chorando) – Aquele mal-educado do Gato Malhado me

ofendeu.

ANDORINHA – Mas, o Gato?

VACA – Sim. Tem criatura mais hostil que ele?

ANDORINHA – Mas ele me parece só solitário.

VACA – E agressivo.

ANDORINHA – Mas pela manhã eu o acordei jogando gravetos - e

ele me pareceu bem amigável.

VACA – Deveria ter jogado calhaus enormes no crânio dele,

liquidando-o de uma vez.

ANDORINHA – Que horror. Eu só queria conversar com ele.

VACA – Hablar con el Gato? Piensas, Boquita, en realmente? Por

Diós, no seas tonta! (Cansada.) Então tu não sabes que ele é um

Gato, e um Gato mau, e que jamais uma Andorinha pode... manter

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relações com eles, pois com isso pode comprometer a honra da

família? Não pode sequer cumprimentar um Gato. Eles são inimigos

das andorinhas. Sendo eles malhados ou não.

ANDORINHA – Mas ele não me fez nada...

VACA – É um Gato. Ainda por cima, malhado!

ANDORINHA – Só por ser um Gato, ainda por cima malhado? Mas

ele tem um coração, como todos nós...

VACA – Coração? (Indignada.) Coração? Quem lhe disse que ele

tem coração? Quem?

ANDORINHA – Eu pensei...

VACA – Você viu o coração dele? Diga!

ANDORINHA – Ver, não vi...

VACA – E então? Agora me jure que não conversará e nem se

aproximará dele.

ANDORINHA – Sim, eu juro. (Dedos cruzados.).

VACA – Agora, vamos, minha filha, que irei falar com o Reverendo

Papagaio, para realizarmos uma reunião no parque, com os

demais, para alertarmos sobre o gato.

ANDORINHA – Mas...

VACA – Não tem mas... (Saem.).

TERCEIRA CENA

Todos entram: papagaio, coruja, sapo, galo, pata, cascavel e a

vaca. Após um tempo e por fim, o gato, que se deita.

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PAPAGAIO – Bem, como todos sabem, convoquei esta reunião, em

nome da Senhorita Vaca Mocha, que foi muito ofendida pelo Gato

Malhado.

CORUJA – Por falar na Vaca, onde está ela?

VACA (Entrando em cena, toda de luto) – Desculpe a demora. É

que estava me recompondo.

PAPAGAIO – Pois vamos ao assunto. (Algazarra total. Entra o

Gato, sem dar bola, e deita-se.).

CORUJA (Para o Gato) – Oi... (Ele não responde e deita-se.).

SAPO – Calma. Vamos organizar um de cada vez.

PAPAGAIO – Eu começo. Dizem que, certa vez, derrubara, com

uma patada, um tímido lírio branco, pelo qual se haviam enamorado

todas as rosas.

CORUJA – Não há provas.

CASCAVEL – Diz ter sido o Gato Malhado, o malvado que roubara

o pequeno sabiá do seu ninho de ramos.

PATA – A mamãe sabiá, ao encontrar o filho, para o qual trazia

alimento, suicidou-se, enfiando o peito no espinho de um

mandacaru.

SAPO – Eu lembro. Foi um enterro triste, e naquele dia, muitas

pragas foram pronunciadas em intenção do Gato Malhado.

CORUJA – Não existem provas.

CASCAVEL – Mas que outro teria sido?

ROUXINOL – Basta olhar a cara do bichano para localizar o

assassino. Bicho feio.

PATA – Dizem que ele matará para comer a mais linda pomba-rola

do pombal, e desde então, certo pombo-correio perdeu a alegria de

viver.

CORUJA – Faltam provas.

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PAPAGAIO – Quem podia tê-lo feito, senão aquele sinistro

personagem, sem lei nem Deus, tipo à toa?

GALO – Sem falar nos ovos que aquele assassino roubara dos

ninhos, para alimentar seu ignóbil corpanzil.

VACA – Sem falar que ele me agrediu.

SAPO – Agrediu?

VACA – Sim, mas de forma verbal. (Gato começa a acordar.).

GATO – Miauuuuuu... (Todos fogem e de longe comentam.).

GALO – Não parece que ele está rindo?

PATA – Santo Deus! Está rindo mesmo.

PAPAGAIO – Creio que ele enlouqueceu.

CASCAVEL – Ele está preparando alguma maldade. (Gato

levanta-se, estira o braço e as pernas, abre os olhos e aspira o

ar, profundamente, e sorri.).

GATO – Por que fogem todos, se o parque é tão belo na chegada

da primavera? Não há tempestades e nem vento frio derrubando as

folhas. A chuva não desaba em lágrimas sobre os telhados. Como

fugir e esconder-se, quando a primavera chega trazendo consigo a

doçura de viver? (Encontra a Andorinha.) Tu não fugiste com os

outros?

ANDORINHA – Eu? Fugir? Não tenho medo de ti. Os outros são

todos uns covardes... Tu não me podes alcançar, não tens ossos

para voar. És um gatarrão ainda mais tolo do que feio. E olha lá,

que és feio...

GATO – Feio, eu? (Ri.).

SAPO (Do fundo do cenário) – Ela o insultou e ele vai matá-la.

PAPAGAIO – Não quero testemunhar a tragédia.

PATA – Não posso ver sangue.

PAPAGAIO – Rezarei pela alma da pobre Andorinha.

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GATO – Tu me achas feio? De verdade?

ANDORINHA – Feiíssimo.

GATO – Não acredito. Só uma criatura cega poderia me achar feio.

ANDORINHA – Feio e convencido. (Gato vai se aproximando e o

Rouxinol entra e tira a Andorinha de cena.) Até logo, seu feio...

QUARTA CENA

Final da Primavera

Entram Andorinha e Rouxinol.

ROUXINOL – Você se arriscou demais, Andorinha.

ANDORINHA – Que nada! Ele nem é tão mau.

ROUXINOL – Mas, por via das dúvidas, não quero vê-la perto

daquele bichano feio. Combinado?

ANDORINHA (Sussurra) – Feio, mas simpático.

ROUXINOL – O que foi?

ANDORINHA (Dedos cruzados) – Combinado.

ROUXINOL – Como anda a música que te ensinei?

ANDORINHA – Estou praticando.

ROUXINOL – Agora vamos, porque senão nos atrasaremos para a

aula de canto. (Saem Andorinha e Rouxinol, e após, entra o

Gato.).

GATO – Creio que estou doente. Estou ardendo em febre... (Após

um tempo, ele começa a cantar, apaixonado. Após a canção é

surpreendido pela Coruja.).

CORUJA – Estás feliz, seu Gato?

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GATO (Assustado) – Feliz, eu?

CORUJA – Sim, estás a cantar, e uma melodia romântica.

GATO – É verdade. Sabe Dona Coruja, acho que estou doente.

Nunca me senti assim. Conhece algum remédio que eu possa

tomar?

CORUJA – Não é doença, seu Gato, e sim amor.

GATO (Bravo) – Não é amor.

CORUJA – Calma, seu Gato. Estar apaixonado é uma das

melhores coisas da vida.

GATO (Curioso) - Você já amou alguém na vida, dona Coruja?

CORUJA – Sim, há muitos anos. Um ser encantador.

GATO – E o que houve?

CORUJA – Ia tudo bem, mas, aí, certo dia acordei, e havia só uma

carta de despedida, onde dizia que ele havia tido uma conversa

com o Reverendo Papagaio, e tinha entendido tudo.

GATO – Tudo o quê?

CORUJA – O Reverendo Papagaio que – sabe, toda aquela pose

de religioso -, não passa de um devasso, falou para ele que eu

estava de caso com outro, mas na verdade, ele é que estava me

fazendo propostas indecentes.

GATO – Que sujeito sem caráter.

CORUJA – Dizem que ele fizera propostas indecorosas à pequena

pata branca, à galinha carijó e a uma rolinha, a qual ensinara o

catecismo.

GATO – E com toda aquela pinta de religioso.

CORUJA – E o caso do pombogaio?

GATO – Pombogaio?

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CORUJA – Dizem que a pomba-correio teve um filho estranho: um

pombo que falava a língua dos homens. Só o pombo-correio,

aquele tolo, não via quem, além do papagaio, falava a língua dos

homens.

GATO – Que sujeito hipócrita.

CORUJA – Até mais, seu Gato. Devo ir, estou atrasada. (Gato

deita-se e adormece. Luz dando diferença entre dia e noite.

Papagaio entra em cena.).

PAPAGAIO (Rezando, avista o Gato) – Bom dia, meu caríssimo

doutor Gato Malhado. Como vai o amigo? Graças a Deus, bem?

(Gato nem se digna a responder e mostra-lhe a língua. Saindo

de cena.) Sujeito mal-educado. (Após algum tempo deitado, em

busca de Andorinha, ele resolve ir embora. É surpreendido pela

Andorinha que está no alto de uma árvore.).

ANDORINHA – Não me diz bom dia, seu mal-educado?

GATO (Feliz) – Bom dia, Sinhá.

ANDORINHA – Senhorita Sinhá, faça o favor. (Gato fica triste.) Vá

lá... pode me chamar de Sinhá, se isso lhe dá prazer... E eu lhe

chamarei de feio.

GATO – Já lhe disse que não sou feio.

ANDORINHA – Puxa! Que convencido! É a pessoa mais feia que

eu conheço. Junto de você, minha madrinha coruja é prêmio de

beleza...

GATO – Até logo...

ANDORINHA – Ai - se ofendeu? Ainda é mais convencido do que

feio... (Após os dois ficarem se olhando um tempo, caem na

risada.) Não precisa ir embora. Não lhe chamo mais de feio. Agora

só lhe trato de formoso.

GATO – Não quero também...

ANDORINHA – Então como vou lhe chamar?

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GATO – Gato.

ANDORINHA – Gato: não posso.

GATO – Por quê? Por que não pode?

ANDORINHA (Triste) – Não posso conversar com nenhum gato.

Os gatos são inimigos das andorinhas.

GATO – Quem lhe disse?

ANDORINHA – É verdade. Eu sei.

GATO (Muito triste) – Mas nós não somos inimigos, não é?

ANDORINHA – Nunca.

GATO – Então nós podemos conversar!

ANDORINHA – Vai embora daqui, que papai está vindo. Depois eu

procuro você para conversar. Até, feioso... (Gato sai de cena,

rindo.).

QUINTA CENA

Gato deitado. O Rouxinol, de longe, observando, canta uma

canção. Após, aparece a Andorinha e acorda o Gato.

ANDORINHA – Bom dia, seu feio.

GATO – Bom dia, Sinhá. Que fizeste de ontem para hoje? Hoje

estás ainda mais linda do que ontem, e, mesmo mais linda do que

estavas essa noite, no sonho em que te vi...

ANDORINHA – Conta-me o teu sonho. Eu não te conto o meu,

porque sonhei com uma pessoa muito feia: sonhei contigo... (Os

dois riem.).

ROUXINOL (Parecendo não saber) – Ah, Andorinha, você está aí?

Está todo o mundo lhe procurando para a aula de canto.

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ANDORINHA – Perde a hora, já estou indo. (Para o Gato.) Até,

feio.

ROUXINOL (Dando o braço para ela) – Vamos minha flor. (O

Gato fica morrendo de ciúmes, e tem uma reação agressiva,

sem imaginar que ao longe, está sendo observado pelo Sapo

Cururu e pelo Galo. Sai.).

SAPO – O que aconteceu?

GALO – Ele está louco...

SAPO – Precisamos avisar a todos para se cuidarem.

GALO – Eu vou logo para casa, e você avisa a todos sobre esse

fato.

SAPO – Pode deixar para mim. (Saem.).

SEXTA CENA

Estação do verão

Gato já em cena. Todos, menos o Rouxinol, o observam.

Andorinha chega.

SAPO – Eu disse que ele está louco.

GALO – É. Nós vimos a raiva em seus olhos.

CORUJA – Mas, não me parece isso.

CASCAVEL – Ele tem a maldade no coração. Não esqueçam o que

ele já fez aqui no parque.

PATA – Isso é verdade. (Andorinha entra em cena.).

ANDORINHA – Oi...

TODOS – Oi... (Andorinha vai em direção ao Gato.).

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VACA – Aonde você vai, menina?

SAPO – Pare, menina! Ele está louco.

PAPAGAIO – Não posso nem olhar...

CORUJA - Calma pessoal: eles só irão conversar...

ANDORINHA – Oi, seu feio.

GATO – Oi, bela Andorinha.

ANDORINHA – Como você está?

GATO – Melhor agora, que te avistei.

ANDORINHA – Pare: assim eu fico com vergonha.

GATO – Que nada: se eu não fosse um gato, te pediria para

casares comigo. (Andorinha fica surpresa e sai correndo de

cena. O Gato vai atrás dela.) Espere Andorinha!... (Todos

invadem o espaço, menos o Rouxinol.).

VACA – Onde já se viu uma coisa igual? Uma Andorinha de raça

volátil, casar com um gato, da raça dos felinos!

PATA – Onde já se viu? Não é certo!

PAPAGAIO – Onde já se viu Padre Nosso que estais no céu, uma

andorinha andar pelos cantos, escondida com um gato? Ave Maria

cheia de graça, andam dizendo – e eu não acredito, creio em Deus

Padre -, mas pode ser, mas pode ser, Salve Rainha, Mãe de

Misericórdia, que ele anda querendo casar com ela, Deus me livre e

guarde. Ora se tá querendo, ora se amém!

GALO – Onde já se viu uma andorinha, linda andorinha, louca

andorinha, às voltas com um gato?

SAPO – Onde já se viu uma andorinha noivando com um gato?

PATA – É um desrespeito à velha lei. Só pode pato com pata,

cachorro com cadela, pombo e pomba, pássaro ou pássaro e gato

com gata.

VACA – É o fim do mundo. Perdeu-se o respeito às leis.

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CASCAVEL – Ele só está preparando tudo para matá-la.

CORUJA – Calma pessoal: eles se gostam.

PATA – Não pode.

SAPO – Não é permitido.

VACA – Isso foge das regras.

PAPAGAIO – Eu desaprovo. É feio.

CASCAVEL – Ele é ruim. Não gosta de ninguém. Lembra das

coisas ruins que ele já fez?

GALO – É. E ela conversa com ele como se eles fossem iguais.

Como se ela não soubesse que ele é um criminoso.

PATA – Não pode: pato com pata, pássaro com pássaro.

SAPO – Calma. (Algazarra. Gritando.) Temos que arranjar uma

solução.

PAPAGAIO – É isso que precisamos.

VACA – Mas qual? (Todos ficam andando pelo palco, em busca

de uma solução. Coruja tenta explicar a todos, que não

precisam ser radicais.).

CORUJA (Indo de um em um) – Eles se amam, deixem-nos serem

felizes... (Rouxinol entra em cena.).

VACA (Olha para o Rouxinol) – Achei a solução para esse

problema. (Todos olham para ele.).

ROUXINOL – O que houve pessoal?

VACA – Temos que casá-la com outro.

ROUXINOL – Casar quem?

PATA – É isso mesmo.

SAPO – Claro. Como não pensei nisso? Ele é perfeito.

VACA – É belo, ágil, sabe cantar.

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GALO – É de raça volátil e gosta dela.

ROUXINOL – Não estou entendendo nada.

SAPO – Calma meu filho: já te explicaremos.

VACA (Intrometida) – É que o Gato Malhado pediu a Andorinha

Sinhá em casamento.

ROUXINOL (Rindo) – Os dois casarem? Isso só pode ser

brincadeira. Não tem como. Onde já se viu isso? É brincadeira, né?

PATA – Não. O pior é que não.

ROUXINOL (Bravo) – Não pode. Não tem como.

SAPO – Nós sabemos disso, e por isso precisamos da sua ajuda.

VACA – Precisamos casá-lo com ela. Só assim as coisas voltam ao

normal.

PAPAGAIO – Vamos começar os preparativos. (Saem todos de

cena.).

SÉTIMA CENA

Outono

Cascavel entra em cena. Após, o Gato.

CASCAVEL – Aqueles tolos já estão ficando com pena daquele

Gato. Mas eu vou dar um jeitinho nisso. (Cascavel prepara-se para

roubar os ovos do casal de sabiás, quando chega o Gato.).

GATO – Deixe isso aí, sua coisa ruim.

CASCAVEL (Debochando) – Oh, o gatinho tem coração bom.

GATO – Solta esses ovos, agora...

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CASCAVEL – Seu gato tolo. Acha que vou perder a oportunidade

de faze mais uma maldade em seu nome?

GATO – Pare. Você já arrumou problemas demais para mim, no

parque.

CASCAVEL – E vou arrumar mais, até você ser expulso por todos.

GATO – Mas dessa vez vai ser diferente. (Começa um duelo.).

CASCAVEL (Vítima) – Socorro, socorro! Ele quer me matar! (Os

animais do parque, com o barulho, vêm correndo para ver o

que está acontecendo.).

TODOS – O que houve?

CASCAVEL – Ele quer me matar. (Chorando.).

GATO – Não é verdade.

CASCAVEL – Ele estava roubando os ovos e eu cheguei na hora.

Então ele tentou me agredir.

PAPAGAIO – Seu gato mau.

PATA – Como você tem coragem? (Gato sai, sem tentar

argumentar.).

VACA – Eu sempre falei que esse gato era mau, e que nunca

mudaria.

CORUJA – Temos que averiguar o caso. Vocês podem estar sendo

injustos.

SAPO - Averiguar o quê? Está tudo bem claro aos nossos olhos.

GALO – Esse gato não tem mais jeito. Temos que tomar uma

providência já.

ANDORINHA – Calma pessoal! Ele não é o culpado. Ele sempre

me falou que era a cobra que fazia suas maldades.

CASCAVEL – Menina tola. Ele a iludiu. Eu nunca seria capaz.

VACA – É verdade. A cobra sempre foi nossa amiga.

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PATA – E sabemos da índole do gato.

ROUXINOL (Chegando depois) – O que houve?

VACA – O gato que tentou roubar os ovos do casal de sabiás, e

após, tentou matar a nossa amiga dona Cobra.

ROUXINOL – Agora aquele sujeito passou dos limites.

SAPO – Calma, meu amigo.

ROUXINOL – Não tem calma. Agora chega. Vou colocar um fim

nisso.

ANDORINHA – Ele não teve culpa.

ROUXINOL – Pare de defendê-lo. Ele a hipnotizou, para só você

não ver o mal que ele faz.

PAPAGAIO – É isso aí. Vamos colocar um fim nisso. (Olha ao seu

redor. Ninguém apóia. Para Rouxinol.) É isso: você vai colocar

um fim em tudo.

ROUXINOL – Faz tempo que ele foi?

PATA – Não, foi agorinha.

ROUXINOL – Então eu o acho. (Saem todos, com o Rouxinol. A

Andorinha e a Coruja tentam pará-lo, sendo vencidas pelo

grande grupo.).

OITAVA CENA

Andorinha entra cantando e é acompanhada pelo Gato, que

entra logo depois. Ao fim da música, os dois já estão sendo

observados pelo Rouxinol.

ANDORINHA – Não Podemos.

GATO – Por que não?

ROUXINOL – Porque ela se casará comigo.

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GATO (Para Andorinha) – Isso é verdade? (Andorinha sai

correndo. Gato tenta ir atrás e é interceptado pelo Rouxinol.

Duelo musical entre ambos, que é interrompido pela dona

Coruja.).

CORUJA – Parem já com isso...

ROUXINOL (Saindo de cena) - Nos veremos de novo.

GATO – Estou esperando.

CORUJA – O que você está tentando fazer?

GATO – Ele que começou.

CORUJA – Você quer ser expulso do parque?

GATO – Antes isso ao ver os dois juntos.

CORUJA – Não adianta lutar contra isso: é a lei, e tem que ser

respeitada.

GATO – Mas não é justo.

CORUJA – Eu sei meu amigo, mas contra a lei não se pode nada.

GATO – Me deixe sozinho.

CORUJA – Mas você ficará bem?

GATO – Por favor. (Coruja sai e Gato fica só. Começa a escrever

uma poesia para a Andorinha. Pega o livro do Gramático

Tamanduá.) Para minha adorada Andorinha Sinhá:

A Andorinha Sinhá

A Andorinha Sinhá

A Andorinha bateu asas e voou.

Vida triste minha vida

Não sei cantar nem voar

Não tenho asas nem penas

Não sei soneto escrever

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Muito amo a Andorinha

Com ela quero casar

Mas a Andorinha não quer

Comigo casar não pode

Porque sou Gato Malhado

Oi!

Assina – Gato Malhado.

NONA CENA

Andorinha em cena. Gato entra.

GATO – Estava à sua procura.

ANDORINHA – Aconteceu alguma coisa?

GATO – Não. É só pra te entregar essa carta. (Andorinha pega, e

quando vai abri-la, escuta o barulho de alguém se

aproximando.).

ANDORINHA – Agora vai: que vem vindo alguém. Até mais.

GATO – Até, minha princesa. (Gato sai de cena. Entram a Vaca, a

Pata e o Sapo.).

TODOS – Oi, Andorinha!

ANDORINHA – Oi!...

PATA – O que fazes perdia a essas horas, por aqui?

ANDORINHA – Resolvi dar uma volta pelo parque.

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VACA – O que é isso na sua mão?

ANDORINHA – Nada, dona Vaca. (Vaca pega o papel de

Andorinha, e começa a ler em voz alta.).

PATA – Mas não é possível.

SAPO – Um gato escrevendo sonetos de amor: aí tem coisa.

VACA – Como assim?

SAPO – Me empresta isso, um pouco.

ANDORINHA – Parem com isso.

SAPO – Calma menina. Deixe-me dar uma olhada nisso. (Sapo

pega a carta e começa a analisá-la. Entra em cena o Papagaio,

o Rouxinol, o Galo e a Coruja.).

PAPAGAIO – O que está acontecendo?

VACA – Imagina o Gato Malhado: escreveu um soneto apaixonado

para a Andorinha.

ROUXINOL – Mas esse sujeitinho não tem mais jeito.

CORUJA – Calma, meu filho.

GALO – Esse mundo está perdido.

SAPO – Terminei... Eu, como membro da Academia e do Instituto

Crítico e Universitário, e professor de comunicação, sinto-me no

direito de dizer que a peça poética em discussão é carente de

idéias profundas, e tem inúmeros defeitos em sua forma. A

construção gramatical não obedece ao padrão e a métrica é fraca.

Mas, o imperdoável - sobretudo, porém -, é o fato criminoso

evidenciado no primeiro quarteto do aludido soneto de autoria do

Gato Malhado, claro e clamoroso plágio, de inconveniente canção

carnavalesca, que assim se escreve:

A baratinha Yayá

A baratinha Yoyô

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A baratinha bateu asas

E voou.

Esse Gato, perante o Tribunal da opinião pública é um

ladrão, que não satisfeito em plagiar, copiou versos de baixa

extração, já que seu intelecto é de uma grande fragilidade. Pelo

menos plagiasse grandes Mestres da Literatura.

ROUXINOL – Cópia. (Ri.).

GALO – Coitadinho.

VACA – Quem não sabia?

ANDORINHA (Brava) – Dá-me isso. Parem todos. (Andorinha sai

de cena e Rouxinol vai atrás.).

CORUJA – Vocês conseguiram. (Sai de cena.).

VACA – Agora não tem mais jeito.

PATA – Vamos preparar tudo.

PAPAGAIO – A parte religiosa é comigo.

VACA – Irei falar com as aranhas tecedeiras para terminarem logo

o vestido.

SAPO – Prepararei todos os convites.

PATA – Eu cuidarei da decoração.

GALO – Eu, eu irei para casa. (Sai de cena.).

VACA – Estamos todos combinados: será amanhã à noite.

DÉCIMA CENA

Gato e Andorinha encontram-se em cena.

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GATO – Oi, princesa...

ANDORINHA – Oi!...

GATO – O que houve?

ANDORINHA – Vim me despedir de você.

GATO – Por quê?

ANDORINHA – Hoje à noite me casarei com o Rouxinol, e nós não

poderemos nos ver mais.

GATO – Mas eu gosto de você.

ANDORINHA – Um gato não pode casar com uma andorinha.

Adeus! (Sai.).

GATO – Espere, espere!... (Canta uma música triste. Após, os

animais entram, todos preparando as coisas para o casamento.

Entra o Rouxinol.).

TODOS – Viva o noivo!... (Pausa.).

GATO – Será que ela vem?

VACA – Cale a boca... (Andorinha entra, abatida. Gato

acompanha tudo.).

TODOS – Viva a noiva!...

PAPAGAIO – Estamos todos reunidos, em prol da união desse

lindo casal, onde, perante a visão do Senhor e de todos aqui

presentes, celebraremos essa união. Em nome do Pai, do Filho e

do Espírito Santo. Eu pergunto – Rouxinol: aceita a Andorinha

Sinhá, para amá-la e respeitá-la até que a morte os separe?

ROUXINOL – Sim.

PAPAGAIO – Andorinha Sinhá: aceita o Rouxinol, para amá-lo e

(enfático.) respeitá-lo...

CORUJA – Seu Reverendo...

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PAPAGAIO – Até que a morte os separe? (Pausa. Todos se

olham. Andorinha contrariada.).

ANDORINHA – Sim.

TODOS – É...

PAPAGAIO – Se estiver alguém, aqui presente, que seja contra...

SAPO – Não há ninguém.

PAPAGAIO – Eu os declaro casados. (Papagaio organiza um

coral, e os noivos vão saindo de cena, juntos. O Gato morre de

tanta tristeza. Várias pétalas caem sobre o seu corpo.).

O mundo só vai prestar

Para nele se viver

No dia em que a gente ver

Um gato maltês casar

Com uma alegre andorinha

Saindo os dois a voar

O noivo e sua noivinha

Dom Gato e Dona Andorinha.

FIM

Observação - As músicas do espetáculo devem ser

Originais.