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Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Constitucional Sidraque David Monteiro Anacleto O Federalismo Brasileiro e a Jurisdição Constitucional Brasília – DF 2008

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Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em

Direito Constitucional

Sidraque David Monteiro Anacleto

O Federalismo Brasileiro e a Jurisdição Constitucional

Brasília – DF 2008

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Sidraque David Monteiro Anacleto

O Federalismo Brasileiro e a Jurisdição Constitucional

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Direito Constitucional, no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP.

Orientador: Prof. Paulo Gustavo Gonet Branco

Brasília

2008

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Sidraque David Monteiro Anacleto

TÍTULO: O Federalismo Brasileiro e a Jurisdição Constitucional

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Direito Constitucional, no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP.

Orientador: Prof. Paulo Gustavo Gonet Branco

Aprovado pelos membros da banca examinadora em ____/____/____, com menção_____ (__________________________________________).

Banca Examinadora:

______________________________

Presidente: Prof. Dr.

Instituição a que pertence

______________________________ ______________________________

Integrante: Prof. Dr. Integrante: Prof. Dr.

Instituição a que pertence Instituição a que pertence

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Dedico o presente trabalho à minha esposa Cris, minhas filha Débora, Júlia e Natalia, minha irmã Vânia e aos meus amigos de IDP Cristiane, Noemy e Augusto....

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Agradeço a Vânia e Edivagner pelo insubstituível auxílio na discussão do

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tema e pela revisão do trabalho. Minha sincera gratidão.

“A União tornou-se absolutista na sua ambição de poder, e para servir ao autoritarismo do Governo Central a Constituição cancelou a autonomia do Estado-Membro” – Raul Machado Horta.

“The Power to tax is the Power to

destroy” – Marshall “O princípio federativo é uma das

vigas mestras sobre as quais se eleva o travejamento constitucional. É mesmo tão encarecido e enfatizado pela lei maior, a ponto de ser subtraído da possibilidade de ser alterado até mesmo por via de emenda constitucional. No entanto, a realidade não confirma a significação dada à federação. É muito provável que nenhum princípio tenha sido tão fortemente degradado quanto o federativo”. Celso Bastos

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RESUMO

O Federalismo é uma forma de partilhar o poder do Estado dentre vários entes num determinado território. Possui um forte componente democrático. Surgiu na experiência histórica das antigas Colônias Inglesas da América do Norte e foi adotado na primeira Constituição Brasileira da República de 1889. O Federalismo como forma de Estado deve ser entendido como um processo, em razão de seu constante aperfeiçoamento. Constitui cláusula pétrea na Carta Política atual. O Constituinte de segundo grau alterou vários dispositivos do texto constitucional de 1988 que afetaram o modelo de federalismo definido pelo Constituinte originário, aumentando o poder da União, reduzindo a autonomia dos Estados e Municípios. O Supremo Tribunal Federal que tem a competência para examinar as emendas constitucionais e decidir se maculam ou não o núcleo essencial do federalismo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal aponta para uma centralização cada vez maior de poder em torno da União Federal em face dos demais entes federais.

Palavras-chave: Federalismo, democracia, jurisdição constitucional.

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Sumário

TÍTULO: O FEDERALISMO BRASILEIRO E A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ..................................................................................................... 3

RESUMO ........................................................................................................ 7

INTRODUÇÃO .............................................................................................. 17

PRIMEIRA PARTE ....................................................................................... 18

O FEDERALISMO, ONTEM E HOJE, COMO INSTRUMENTO DE GARANTIA DA DEMOCRACIA ................................................................................ 18

CAPÍTULO 1 ................................................................................................. 19

ESTADO, FORMAS DE ESTADO, PODER, GOVERNO, ESTADO DEMOCRÁTICO E DEMOCRACIA – NOÇÕES ELEMENTARES ........................... 19

1.1 ESTADO ................................................................................................. 19

1.2 FORMAS DE ESTADO .......................................................................... 19

1.3 PODER ................................................................................................... 20

1.4 GOVERNO .............................................................................................. 21

1.5 FEDERALISMO ...................................................................................... 21

1.6 ESTADO DEMOCRÁTICO E DEMOCRACIA ........................................ 23

CAPÍTULO 2 ................................................................................................. 26

O FEDERALISMO ........................................................................................ 26

2.1 O FEDERALISMO HISTÓRICO ............................................................. 27

2.2 MODELOS DE FEDERALISMO ............................................................. 28

2.3 A CRISE DO FEDERALISMO ................................................................ 29

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CAPÍTULO 3 ................................................................................................. 31

O FEDERALISMO BRASILEIRO ................................................................. 31

3.1 O FEDERALISMO NO BRASIL ............................................................. 33

3.2 DIAGNÓSTICO DOUTRINÁRIO DO FEDERALISMO BRASILEIRO PRÉ-CONSTITUINTE DE 1988 ................................................................................. 37

3.3 EXPECTATIVAS DOUTRINÁRIAS PRÉ-CONSTITUINTE DE 1988 ..... 39

CAPÍTULO 4 ................................................................................................. 43

O ESTADO FEDERAL BRASILEIRO ATUAL ............................................. 43

4.1 UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS ................................................................................................................................... 43

4.2 COMPETÊNCIA ..................................................................................... 44

4.3 RECEITAS .............................................................................................. 46

4.4 DESPESAS ............................................................................................ 47

CAPÍTULO 5 ................................................................................................. 49

PODER CONSTITUINTE .............................................................................. 49

5.1 CONCEITO, ESPÉCIES E NATUREZA ................................................. 49

5.2 LIMITAÇÕES DE CONTEÚDO OU MATERIAIS ................................... 51

5.3 CLÁUSULA PÉTREA EM ESPÉCIE – FORMA FEDERATIVA DO ESTADO .................................................................................................................... 52

5.4 MÍNIMO FEDERATIVO E CLÁUSULA PÉTREA ................................... 53

5.5 MODIFICAÇÕES CONSTITUCIONAIS .................................................. 56

5.6 EMENDAS CONSTITUCIONAIS QUE ENVOLVEM O FEDERALISMO ................................................................................................................................... 57

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SEGUNDA PARTE ....................................................................................... 61

JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E O FEDERALISMO ............................ 61

CAPÍTULO 6 ................................................................................................. 62

A JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ........................................................... 62

6.1 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ..................................................... 63

6.2 A CRIAÇÃO DO DIREITO PELA CORTE CONSTITUCIONAL ............ 63

CAPÍTULO 7 ................................................................................................. 68

TEMAS FEDERALISTAS E JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ................. 68

7.1 A AUTONOMIA DO ENTE FEDERATIVO ............................................. 68

7.1.1 .............................................. AUTONOMIA FINANCEIRA E TRIBUTÁRIA 68

7.1.2.1 DESCARACTERIZAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS – EC 20/98, QUE PERMITIRAM A UNIÃO MUDAR A DESTINAÇÃO DOS RECURSOS DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS – ART. 167, XI ................................................... 72

7.1.2.2 INSTITUIÇÃO DE RESTRIÇÕES AO PODER DE ISENTAR DOS MUNICÍPIOS ............................................................................................................. 73

7.1.3 A AUTO-ORGANIZAÇÃO E A CRIAÇÃO E O DESMEMBRAMENTO DE MUNICÍPIOS ....................................................................................................... 76

7.1.3.1 CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS ENTRE 5 DE OUTUBRO DE 1988 ATÉ 10 DE SETEMBRO DE 1996, VÉSPERA DA PROMULGAÇÃO DA EC 15/96 ....... 77

7.1.3.2 CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS APÓS 11 DE SETEMBRO DE 1996, PROMULGAÇÃO DA EC N. 15/96, QUE ALTEROU O § 4º DO ART. 18 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ATÉ O JULGAMENTO DA ADI 3682 ......................... 81

7.1.3.3 CRIAÇÃO DE MUNICÍPIOS APÓS 11 DE SETEMBRO DE 1996, PROMULGAÇÃO DA EC N. 15/96, QUE ALTEROU O § 4º DO ART. 18 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM QUE O STF NÃO DECLAROU A NULIDADE DAS LEIS ESTADUAIS ..................................................................................................... 84

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7.1.4 ANÁLISE CRÍTICA – AUTO-ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS-MEMBROS ................................................................................................................ 84

7.1.5 LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE VEREADORES PELA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL ................................................................................... 85

CONCLUSÃO ............................................................................................... 87

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .................................................................. 90

ALMEIDA, F. D. COMPETÊNCIAS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 (3ª EDIÇÃO ED.). SÃO PAULO: ATLAS, 2005. ............................................................ 90

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Introdução O trabalho tem por escopo definir e apresentar os institutos, de direito

constitucional, intimamente ligados ao federalismo, evoluindo para a análise desses

nas Constituições Republicanas Brasileiras e em especial na Carta Magna de 1988.

Identificar o processo de enfraquecimento e, numa análise mais profunda, de

superação do federalismo, como forma de organização do Estado Brasileiro na

Constituição de 1988.

A metodologia consiste no exame dos principais institutos que dão forma e

identidade a essa forma de Estado no texto original da Carta Política atual, e a

evolução trazida pelas emendas constitucionais, à luz dos principais institutos que a

doutrina denomina de: núcleo essencial do federalismo.

A caracterização desse núcleo essencial exige o cotejamento dos textos das

Constituições Republicanas passadas, exceto a Carta de 1934, para a seleção dos

dispositivos normativos mais relevantes sobre o tema, segundo a ótica doutrinária

que auxiliarão no refinamento da pesquisa e na eliminação de informações em

duplicidade.

Por último, o autor tem a consciência de que alterações constitucionais são

inevitáveis e ocorrem por múltiplos fatores: a maleabilidade do próprio federalismo,

aplicado em países com cultura e com instituições tão díspares; e velocidade das

transformações num mundo globalizado. Sem, contudo, abrir mão do dogma da

intangibilidade do núcleo essencial do federalismo brasileiro sob risco de sufragação

do próprio modelo. Sem esquecer ainda o exame das decisões proferidas pelo

Supremo Tribunal Federal em temas relacionados com o presente estudo.

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PRIMEIRA PARTE

O Federalismo, ontem e hoje, como instrumento de garantia da democracia

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Capítulo 1

Estado, Formas de Estado, Poder, Governo, Estado Democrático e Democracia – noções elementares

1.1 Estado

O termo Estado, na acepção moderna adotada por Maquiavel em sua obra O Príncipe1, pode ser entendido como o domínio ou império sobre os homens, sem desconhecer a noção de Estado como ordem política da Sociedade desde a antiguidade2. Jellinek3 define os elementos do Estado como: “a corporação de um povo, assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando”.

O Estado pode ser caracterizado segundo a posição filosófica, sociológica ou ainda pelo lado jurídico. Quanto a esse último, “o Estado se forma quando o poder assenta numa instituição e não num homem” e “o Estado só existirá onde for concebido como um poder independentemente da pessoa dos governantes” 4. Chega-se a esse resultado mediante uma operação jurídica chamada de “a institucionalização do Poder” 5.

1.2 Formas de Estado

O Estado evoluiu ao longo da história, sem obedecer um curso uniforme, muitas vezes exercendo influência em períodos descontínuos. Por uma questão didática, esse processo evolutivo é disposto cronologicamente para que o leitor descubra os movimentos constantes, dando um apoio valioso, “à formulação das probabilidades quanto à evolução futura do Estado”6.

1 p. 10. 2 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política, p. 62. 3 Apud BONAVIDES, ibid,pp. 66-67.. 4 Id.ibid. p. 63. 5 Jena-Yves Calves apud, BONAVIDES, Ciência Política, p. 64. 6 DALLARI, Dalmo de Abreu, Elementos de teoria geral do Estado, p. 60.

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Dallari7 aponta uma seqüência cronológica, que compreende as seguintes fases: “Estado Antigo, Estado Grego, Estado Romano, Estado Medieval e Estado Moderno”. O Estado Moderno8 tem como ponto de partida a “forma unitária”, que é a mais simples, lógica e homogênea, pois a ordem jurídica, política e administrativa se acham conjugados em perfeita unidade orgânica, referidas a um só povo, território e titular do poder público de império9.

A superação do Estado centralizador que cede e decai historicamente,

“quando as concepções mais democráticas e menos autoritárias do poder, fundadas

nos postulados do consentimento de algumas doutrinas contratuais [...]”10, terminam

por separar o Estado da pessoa do soberano. Nessa marcha a organização do

Estado evolui da forma unitária, passando pela confederação e sedimenta-se no

federalismo. O federalismo, como forma de Estado, se ocupa em organizar e em

partilhar esse “poder originário de mando”3, num dado território, pelos entes que o

compõe.

1.3 Poder

“O poder representa sumariamente aquela energia básica que anima a

existência de uma comunidade humana num determinado território, conservando-a

unida, coesa e solidária” 11. Com o poder se entrelaçam a força e a competência,

compreendida esta última como a legitimidade oriunda do consentimento. A

prevalência de uma ou de outra transmuda a natureza do poder entre poder de fato

ou poder de direito. Sendo este último apoiado, “menos na coerção do que no

consentimento dos governados”11. Relevante ainda, a assertiva que: “O governo

depende, se não da aprovação ativa, pelo menos da submissão dos governados” 12.

Dentro do federalismo o poder é partilhado por determinação expressa na

constituição, dentre os entes federais, que no Brasil estão sedimentados em três

7 Id.ibid., p. 62. 8 Que após intenso debate doutrinário, Dallari identifica quatro características – a soberania, o território, o povo e a finalidade, Ibid.,p. 72. 9 BONAVIDES, Ciência Política, p. 149. 10 Id.ibid. p. 150. 11 BONAVIDES, Ibid. p. 106. 12 LUCAS, John Randolph, Democracia e participação, p. 207.

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níveis13. “O Estado moderno resume basicamente o processo de despersonalização

do poder, a saber, a passagem de um poder de pessoa a um poder de instituições,

de poder imposto pela força a um poder fundado na aprovação do grupo, de um

poder de fato a um poder de direito”11.

1.4 Governo

Santi Romano14 define a palavra governo15 como o “conjunto dos indivíduos

que detêm tal poder ou o seu exercício e que são seus governantes”. O termo

governo, em termos atuais, pressupõe um Estado Democrático e Constitucional,

democrático por deitar raízes no século XVIII, quando ocorreu a afirmação de

valores fundamentais da pessoa humana, bem como a exigência de organização e

funcionamento do Estado tendo em vista a proteção daqueles valores16; e

constitucional, em razão de um sistema normativo fundamental que consagra três

objetivos: a afirmação da supremacia do indivíduo, a necessidade de limitação do

poder dos governantes e a crença quase religiosa nas virtudes da razão, apoiando a

busca da racionalização do poder17.

Essa divisão entre os governantes se faz mediante regras estabelecidas

pela Constituição Federal, em face de princípios e fundamentos por ela erigidos que

serão capitais para a análise e solução dos problemas do federalismo brasileiro.

1.5 Federalismo

O Federalismo, tema comum à ciência política e ao direito constitucional,

abrange uma pluralidade de aspectos intimamente ligados aos destinos da liberdade

e da segurança humana, dentro do contexto contemporâneo, caracterizado pelo

13 CF, art. 1º. 14 Princípios de direito constitucional geral, p. 64. 15 O termo governo possui vários significados. 16 DALLARI, Elementos de teoria geral do Estado, p. 145. 17 DALLARI, Ibid., p.198.

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lento esforço dos que promovem, tanto quanto possível, uma organização sábia e

racional do poder, e ainda mais ostenta traços tão sedutores para aqueles que se

ocupam com a partilha de poder num dado território sobre uma mesma população.

Há, segundo Georges Scelle18, dois princípios capitais que são a chave de

todo o sistema federativo: a lei da participação e da autonomia. Sendo que a

participação e a autonomia são processos que se inserem na ampla moldura da

Federação, envolvidos pelas garantias e pela certeza do ordenamento constitucional

superior – a Constituição federal, cimento de todo o sistema federativo. Tanto a

participação como a autonomia existem em função das regras constitucionais

supremas, que permitem ver na Federação, como viu Tocqueville18 no século XIX,

duas sociedades distintas, “encaixadas uma na outra”, a saber, o Estado federal e

os Estados federados harmonicamente superpostos e conexos.

Os baldrames do Estado federal assentam-se no direito constitucional,

quando o Poder Constituinte soberano dispõe na Constituição Federal os

lineamentos básicos da organização federal, traça ali o raio de competências, dá

forma às suas instituições e estatui órgãos legislativos com competência para

elaborar regras jurídicas de amplitude nacional, cujos destinatários diretos e

imediatos não são os Estados-membros, mas as pessoas que vivem nestes,

cidadãos sujeitos à observância tanto das leis específicas dos Estados-membros a

que pertencem, como da legislação federal19.

A presença do Estado Federal nos demais entes, segundo os termos que lhe

faculta a Constituição Federal, não se faz tão-somente por via legislativa, mas

alcança o exercício de atribuições administrativas, que variam segundo o modelo da

organização federal, e por último, em razão da disposição pelo Estado Federal de

um terceiro poder próprio – o poder judiciário, com seus tribunais e sobretudo com

uma Corte de justiça federal, de caráter supremo, destinada a dirimir os litígios da

Federação com os Estados-membros e destes entre si19.

Toda organização federal possui um lado unitário característico, pois o

Estado federal, sede da soberania summa potestas, aparece por único sujeito de

direito na ordem internacional, e do outro, Estados-membros dotados de autonomia,

18 Apud BONAVIDES, Ciência Política, p. 181. 19 BONAVIDES, Idib.p. 182.

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poder que lhes consente organização própria, “uma vez que o poder de que são

titulares é da mesma natureza, da mesma espécie e da mesma substância daquele

de que se compõe o poder do Estado federal”19. A capacidade de auto-

organização20 do Estado federado “decorre de um direito próprio, de uma faculdade

autodeterminativa, de uma autonomia constitucional”21.

A supremacia do Estado federal sobre o Estado federado se manifesta

indeclinavelmente, mediante três pontos fundamentais: observância obrigatória de

princípios básicos ou mínimos da organização federal pelos Estados-membros,

adoção de um sistema de competência pela Constituição Federal, que as reparte no

seio da ordem federativa e, por último, a instituição de um tribunal supremo,

guardião da Constituição Federal22.

Alexis de Tocqueville23 expressava que o sistema federativo é “uma das

mais poderosas combinações a favor da prosperidade e da liberdade humana”,

invejando as nações a que coubera a sorte de poder adotá-lo.

1.6 Estado Democrático e Democracia

A base do conceito de Estado Democrático é, sem dúvida, a noção de

“governo do povo”24, revelada pela própria etimologia do “termo democracia”, que

chegou à supremacia da preferência pelo governo popular após um longo e penoso

processo histórico-evolutivo marcado por guerras, lutas e revoluções.

O Estado Democrático moderno nasceu das lutas contra o absolutismo,

sobretudo através da afirmação dos direitos naturais da pessoa humana. É através

de três grandes movimentos político-sociais que se transpõem do plano teórico para

o prático os princípios que iriam conduzir o Estado Democrático: a Revolução

Inglesa, fortemente influenciada por Locke e que teve sua expressão mais

20 Segundo traço essencial que deriva da existência do poder estatal em Bonavides, Idib.p. 108. Que se manifestará posteriormente no estudo da auto-organização do ente federal. 21 BONAVIDES, Idib. p. 106. 22 BONAVIDES, Ciência Política, pp. 184-185. 23 Apud BONAVIDES, Teoria do Estado, p. 77. 24 DALLARI, Elementos de teoria geral do Estado, p. 145.

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significativa no Bill of Rights, de 1689; o segundo foi a Revolução Americana, cujos

princípios foram expressos na Declaração de Independência das treze colônias

americanas, em 1776; e o terceiro foi a Revolução Francesa, que teve sobre os

demais a virtude de dar universalidade aos seus princípios, os quais foram

expressos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, sendo

evidente nesta a influência direta de Rousseau25.

Democracia, na precisa síntese de Bobbio26 “foi sempre empregado (sic)

para designar uma das formas de governo, ou melhor, um dos diversos modos com

que pode ser exercido o poder político”. Tendo presente a tônica sobre a distinção

entre a democracia direta (dos antigos) e a democracia representativa (dos

modernos)27, em que o voto28 é exercido “não para decidir, mas sim para eleger

quem deverá decidir” 29.

O advento do federalismo sucedendo o Estado Unitário tem um caráter

essencialmente democrático, em face da repartição do poder estatal entre os

diversos representantes eleitos nos diversos entes federais com a finalidade de

melhor atender os anseios da população. Tais anseios aumentaram

exponencialmente com o incremento das sucessivas “Eras do Direito30 31”, que

serviram de mola propulsora da partilha do poder e ao mesmo tempo como germe

de enfraquecimento do federalismo, diante da incapacidade econômico-financeira

dos entes parciais de suprir as crescentes necessidades de seus residentes.

Celso Bastos32 defende a idéia de que o federalismo e assim como a

democracia não é um esquema jurídico que se transforma em realidade “tão-só pela

sua enunciação no Texto Constitucional” [...] “ mas um processo que necessita

constante aperfeiçoamento e adaptação a novas realidades”, e “serve ao mesmo

princípio de que o poder repartido é mais difícil de ser arbitrário”.

25 DALLARI, Elementos de teoria geral do Estado, p. 147. 26 BOBBIO, Norberto, Estado, Governo, Sociedade, p. 135. 27 Id.,Teoria geral da política, p. 371. 28 Entendido como relevante ato de uma democracia atual. 29 Id.ibid., p. 372. 30 O termo identifica a doutrina desenvolvida por Norberto Bobbio sobre os processos de evolução na história dos direitos do homem, conversão em direito positivo, generalização, internacionalização. 31 Id.,A Era dos direitos, p. 50. 32 Curso de direito constitucional, p. 249.

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Existe um movimento diuturno tendente ao fortalecimento do ente central do

Estado em detrimento dos demais. Isso pode ser explicado em face das novas

exigências da sociedade em bens e serviços que demanda um aumento das

atribuições do poder central em extensão e em profundidade, que passa a tomar a

iniciativa, inclusive no campo econômico. Mas há também a exigência de que esse

fortalecimento seja democrático, com uma permanente atenção à vontade do povo,

sem degenerar numa ditadura33.

Os especialistas, cujas observações críticas devem ser respeitadas porque

são úteis ao próprio povo, na sua inteireza, evidenciam que só no Estado

Democrático o povo é senhor de seus interesses34.

33 DALLARI, Elementos de teoria geral do Estado, pp. 251-252. 34 DALLARI, Ibid., p. 253.

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Capítulo 2

O Federalismo

Louis Le Fur35 aponta a Grécia Antiga como a terra clássica das

confederações surgidas em decorrência de tratados civis e políticos, em termos

temporários ou perpétuos, em alianças ofensivas ou defensivas. Tais características

não são suficientes para identificá-las como a gênesis do federalismo em razão da

independência de cada ente confederado e da inexistência de um poder central

instituído.

Quando se analisa as raízes da Cidade Antiga mais o estudioso se afasta do

Estado Nacional Moderno36, pois aquela tem sua razão de ser no espírito municipal,

enquanto este último, representado pelos Estados Unitários e pelas Confederações

que se localizam em vasto território37, identifica-se por ocupar vasto território.

O Estado federal, como conceito ou forma de organização surge apenas em

1787 com a Constituição Americana38. A organização do Estado Federal é tarefa de

laboriosa engenharia constitucional 39, e suas modificações resultam de experiências

passadas. Por isso, é importe divisar que o federalismo surgiu nos Estados Unidos

sem um esquema prévio, mas com o escopo de atender necessidades práticas, por

meio de uma fórmula híbrida capaz de compatibilizar a existência de Estados

individuais com um poder central dotado de faculdades para bastar-se por si mesmo

na esfera de suas funções, tornando possível a organização política racional de

grandes espaços, debaixo de relações de paridade entre as partes componentes, ao

35 Apud BARACHO, Teoria Geral do Federalismo, p. 12. 36 Trata-se de uma diferenciação do conceito de Estado, que consiste na progressiva centralização do poder segundo uma instância sempre ampla, que termina por compreender o âmbito completo das relações políticas. Que se funda, por sua vez sobre a concomitante afirmação do princípio da territorialidade da obrigação política e sobre a progressiva aquisição da impessoalidade do comando político, através da evolução do conceito de officium, nascem os traços essenciais de uma nova forma de organização política: precisamente o Estado moderno. BOBBIO, Dicionário de Política, v. I, p. 426. 37 BARACHO, Teoria Geral do Federalismo, p. 13. 38 José Luiz de Anhaia Mello apud BARACHO, Teoria Geral do Federalismo, p. 11. 39 HORTA, Estudos de Direito Constitucional, p. 346.

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mesmo tempo em que é particularmente próprio para salvaguardar a existência de

nações culturais, dentro de uma organização estatal ou nação política40.

2.1 O Federalismo histórico

Os Estados Unidos é apontado pela maioria da doutrina constitucional como

o berço do federalismo. Comulsando sua história verificamos que as treze colônias

inglesas da América do Norte revoltadas contra a matriz, adotaram em 1781, os

“Artigos de Confederação”. Onde cada Estado conservava sua soberania, liberdade

e independência.

A Confederação surgida em razão de um tratado de direito internacional

firmado pelas antigas colônias britânicas, em que se preservava a soberania a cada

um de seus membros revelou-se muito flácida na formação de uma identidade

nacional própria e coesa de modo a satisfazer as necessidades parciais, sem o risco

de esfacelamento do todo. Por isso, diante da manifesta ineficácia do governo

federal das antigas treze colônias britânicas, os representantes dos Estados foram

“chamados a deliberar sobre uma nova Constituição para os Estados Unidos da

América”41.

O Federalismo propriamente dito, tal como o conhecemos, pode ser

examinado na Constituição resultante da Convenção de Filadélfia de 178742, quando

os antigos Estados confederados e soberanos abdicaram da soberania individual,

mas conservaram a sua autonomia, criando uma nova entidade, a União, com

poderes bastantes para exercer tarefas necessárias ao bem comum de todos os

Estados reunidos. Criando ainda um órgão em que os Estados compunham a

vontade da União, por meio de representantes no Senado43.

40 GARCIA-PELAYO apud BARACHO, Teoria Geral do Federalismo, p. 35. 41 MADISON, HAMILTO M e JAY, Os artigos federalistas, p. 93. 42 Carlos Maximiliano, Comentários à Constituição brasileira de 1891, p. 132, explica que elaborada uma Constituição, ratificaram-na onze Estados em 1788; mais um (Carolina do Norte, em 1789, e por fim Rhode Island, em 1790. 43 MENDES, COELHO e GONET BRANCO, Curso de direito constitucional, p. 753.

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2.2 Modelos de Federalismo

Gonet Branco44 entende que: “O modo como se repartem as competências

indica que tipo de federalismo é adotado em cada país”.

Pinto Ferreira propõe a seguinte classificação para os tipos de federalismo:

a) o federalismo clássico ou de equilíbrio, que é o federalismo norte-

americano interpretado segundo a Emenda X da reserva de poderes aos

estados-membros;

b) o federalismo neoclássico, que é o novo federalismo norte-americano,

aumentando gradativamente os poderes da União perante os estados-

membros, e que é também o atual federalismo brasileiro;

c) o federalismo racionalizado ou hegemônico, como ocorreu na

Constituição social-weimariana e nas vigentes constituições da República

Democrática da Alemanha, URSS, Áustria, Canadá e Índia.

Machado Horta45 sustenta que, em função do tempo, o federalismo evoluiu

de um tipo originário, chamado federalismo dualista, para outro tipo mais recente, o

federalismo contemporâneo ou novo federalismo. O federalismo dualista surgiu nos

fins do século XVIII, identificou-se com os objetivos anti-intervencionistas do Estado

Liberal e o seu declínio coincide com o desfavor dessa filosofia governamental.

O federalismo contemporâneo, por outro lado, surge com o Estado

intervencionista, para oferecer a este último, nova repartição de competências,

funcionalmente vinculada aos objetivos econômicos e sociais do intervencionismo. A

amplitude nacional das intervenções requer centro decisório dotado de competência

correspondente e no Estado federal o intervencionismo encontra pré-determinado

esse centro de poder. Nos Estados Unidos, o período de Franklin Roosevelt

assinalou o fim do federalismo dualista e inaugurou a expansão do federalismo

contemporâneo ou new federalism.

44 Curso de direito constitucional, p. 755. 45 Perspectiva do Federalismo Brasileiro, p. .

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O federalismo segregador, entricheirado nas resistências estaduais, cedeu

lugar ao federalismo cooperativo, fundado na ajuda financeira federal e na

intensidade das relações intergovernamentais. Sendo que este último, não é

antinômico com o federalismo contemporâneo servindo tal classificação como uma

evolução do segundo.

Atualmente, segue a tendência de um federalismo cada vez mais centrípeto

ou por agregação, com predomínio da União em face dos entes federados, sob a

tônica cooperativa, “fundado na ajuda financeira federal e na intensidade das

relações intergovernamentais”46. Outras categorias ou modelos existentes na

doutrina constitucional brasileira, ou derivam da ora exposta ou não acrescentam

questões relevantes para o presente estudo.

2.3 A Crise do Federalismo

Paulo Bonavides47 sintetiza com precisão e espírito.

Afigura-se nos todavia que não é tanto o federalismo como fenômeno político associativo que está em crise senão uma forma doutrinária do federalismo, aquela a que se prende desde as origens e que gerou determinada moldura jurídica aparentemente intocável, ainda agora subsistente e no interior da qual porém se vão processando as inevitáveis transformações do sistema, ditadas pela mudança dos tempos e por imperativo das necessidades políticas e sociais, mais poderosas talvez que a vontade dos propugnadores das teses federalistas rigorosas do século XIX.

A mencionada crise decorre da decadência do Estado liberal e de sua

ideologia, o que reflete nessa forma de Estado no mundo inteiro48.

46 MACHADO HORTA, Perspectivas do Federalismo Brasileiro, p. 22. 47 BONAVIDES, Ciência Política, p. 187.

48 BONAVIDES, Ciência Política, pp. 189-190, sustenta que: a expansão industrial do século XX, o considerável alargamento das vias de comércio entre os Estados, o imenso progresso tecnológico de caráter unificador, a propagação das ideologias que apagam e crestam as variações do particularismo político, erigindo camadas maciças e uniformes de opinião, o conseqüente incremento da legislação social apaziguadora do conflito entre o trabalho e o capital e o excesso de dirigismo econômico se apresentam como fatores principais da transformação já operada. Tal transformação, sacrificando a competência efetiva dos Estados-membros, deixou quase revogada a lei da autonomia, fez do intervencionismo estatal necessidade indeclinável à subsistência mesma do Estado federal, tornou o poder central mais sensível e sujeito ao influxo maior da massa nacional dos

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cidadãos que ao influxo dos Estados-membros, colocou os Estados, em face da deficiência de seus recursos, debaixo da servidão financeira do poder federal (de sorte que já não podem estes sobreviver fora das subvenções do erário da União) e desenvolveu em suma nos cidadãos mesmos certo sentimento de menoscabo ou de ruinosa indiferença às prerrogativas autonomistas das unidades componentes, o que em algumas Federações, como o Brasil e os Estados Unidos, veio avolumar as correntes de opinião mais favoráveis aos interesses da União, identificados portanto com o interesse nacional, contraposto ao dos Estados, o qual se principiou a condenar por representativo de formas de egoísmo e particularismo.

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Capítulo 3

O Federalismo Brasileiro

O Estado Federal “é criação jurídico-política e pressupõe na sua origem a

existência da Constituição Federal, para institui-lo”49. O federalismo no Brasil foi

adotado com o advento do movimento republicano por influência e determinação de

Ruy Barbosa, que, sob os auspícios do sistema adotado nos Estados Unidos da

América, transpôs para os primeiros atos normativos dos vencedores50 e

posteriormente para a constituição republicana aquele modelo de Estado, dissociado

da experiência histórica vivenciada nas terras do norte.

O novo sistema de governo e a nova configuração estatal foi inaugurada

totalmente desagregada da realidade política, social e econômica brasileira. Nelson

Saldanha51 anota com precisão “não foi [...] uma revolução propriamente”. A

realidade social ante e depois do “movimento político”52 , pouco progresso

apresentou em relação ao tipo de vida correspondente aos tempos de plenitude da

monarquia: “o povo era o mesmo, o atraso igualmente, e uma minoria culta, mas

uma minoria possuidora, pairava sobre as populações ignorantes e desamparadas.

[...] No interior,[...], abrigavam-se formas de vida ainda em chocante atraso [...].”53

Assim, como a campanha abolicionista se fez através de uma série de medidas

legais, de interferências inglesas, iniciativas, obstáculos, gestões, conciliações,

concessões54.

49 HORTA, Estudos de direito constitucional, p.345. 50 Brasil. Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889. Proclama provisoriamente e decreta como forma de governo da Nação Brazileira a República Federativa, estabelece as normas pelas quais se devem reger os Estados Federaes. O Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brazil decreta: Art. 1º Fica proclamada provisoriamente e decretada como a forma de governo da nação brazileira a República Federativa. Art. 2º As províncias do Brazil, reunidas pelo laço da Federação, ficam constituindo os Estados Unidos do Brazil. [...]. 51 SALDANHA, Nelson Nogueira, História das Idéias Políticas no Brasil, Brasília: Senado Federal, 2001, p. 229. 52 SALDANHA, p. 229. 53 SALDANHA, p. 230. 54 SALDANHA, p. 230.

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O enfrentamento de um tema tão tormentoso na história brasileira quanto à

abolição da escravatura, que teria custado a coroa da Princesa Isabel nas palavras

do Barão de Cotegipe55, sem merecer dos governantes um exame mais acurado

com formulação de políticas governamentais seja para indenizar os antigos

proprietários seja para organizar e direcionar os libertos para atividades laboriais

produtivas.

Depois de um desfile militar e de um ato normativo, o Império alça vôo para

uma mudança do sistema de governo: da monarquia para a república, do

parlamentarismo para o presidencialismo e do Estado unitário para o Estado

Federal.

O Federalismo Brasileiro e os demais institutos nasceram sob a prática

condenável da copilação de sistemas jurídicos dissociada de seu contexto histórico

e cultural. Por todos, Juary C. Silva56:

Aliás, o próprio transplante de instituições jurídicas de um para outro país tem-se revelado na prática como algo muito falível, sobremodo sujeito a fracassos e desvirtuamentos. Como o Direito é fenômeno por excelência cultural, na verdade a transmutação de um instituto jurídico para outro país exigiria, por assim dizer, a implantação neste da própria cultura do país transmitente, ao menos em parte. As normas jurídicas, não sendo apenas proposições lógicas, mas segmentos de vida humana objetivada, como o acentuou RECASENS SICHES 57, pouco se prestam a vicejar num meio onde não foram criadas, nem submetidas ao crisol do tempo. O provável, pois, se não certo, é que, ao serem transplantadas para outro solo, elas se modifiquem profundamente, a ponto de perderem a individualidade originária. Uma coisa que se modifique muito, embora conserve o nome que antes portava, decerto não terá, da primitiva situação, senão o nome”.

Fundado ainda no pensamento de Torquato Jardim58, percebe-se

claramente que existe uma grande revolução inacabada com a derrocada da

monarquia brasileira, que não é a República, mas a Federação. Porque:

“[...], falta ainda o grande acerto político do contrato que é o pacto federativo, no que ele tem de mais sensível e característico que é a repartição constitucional de competências. Não a repartição formal, que lança a unidade da federação à inércia e o governo central à execução de tarefas locais; mas, sim, aquela substantiva, na qual à responsabilidade

55 SALDANHA, p. 233. 56 O Federalismo semântico no Brasil, alguns aspectos do romantismo do equilíbrio político-jurídico entre União e os Estados-membros no período pós-revolucionário. 57 Nueva Filosofia de La Interpretación del Derecho, 1956, p. 132. 58 A tridimensionalidade da descentralização do Estado brasileiro, p. 214-223.

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política da escolha da política pública corresponda a competência legislativa, e à competência legislativa corresponda a capacidade de implementação da política e da lei”.

As Constituições Republicanas foram incapazes de corrigir as a realidade

política, econômica e financeira dos entes federados e o modelo de federalismo

implantado em cada período de suas vigências.

3.1 O Federalismo no Brasil

Observando a premissa de que o federalismo como forma de organização

do Estado pressupõe uma constituição que discipline a repartição de poder entre os

entes do próprio Estado, necessário se faz um exame das Cartas Políticas da

República, exceto a de 1934, para identificar as feições do federalismo brasileiro –

núcleo essencial – sob a ótica da auto-organização do ente parcial quanto a

competência, os bens e a receita/despesa, e ainda as hipóteses de intervenção seja

federal ou estadual.

Prescreve o artigo 1º da Constituição da República dos Estados Unidos do

Brasil, de 24 de fevereiro de 189159, verbis:

“Art. 1º. A Nação brasileira adota como forma de governo, sob o regime representativo, a República Federativa proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas províncias, em Estados Unidos do Brasil”.

O ato do poder central de 1891 é desprovido de qualquer tradição legislativa

e administrativa autônoma das províncias proclamadas em unidades federadas60.

“Não houve jamais Estados independentes, nem confederação voluntária”. [...], mas

um “imperio ferrenhamente unitário" 61.

59 BRASIL. Constituição (1891). Constituições Brasileiras: 1891/Aliomar Baleeiro - Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001, p. 77. 60 A tridimensionalidade da descentralização do Estado brasileiro, p. 214. 61 Comentários à Constituição brasileira de 1891, pp. 133-134.

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Os Estados-membros da Federação brasileira de 1891 reger-se-iam pela

Constituição Estadual e pelas leis que adotassem, respeitados os princípios

constitucionais da União62; poderiam incorporar-se entre si, subdividir-se ou

desmembrar-se, anexar-se a outros, ou formar novos Estados desde que

obtivessem a aquiescência das respectivas assembléias legislativas, em duas

sessões anuais sucessivas e aprovação do Congresso Nacional63.

Pertenciam aos Estados64 as minas e terras devolutas situadas nos seus

respectivos territórios, cabendo à União somente a porção de território que fosse

indispensável para a defesa das fronteiras, das fortificações, das construções

militares e das estradas de ferro federais. Aos Estados era facultado ainda todo e

qualquer poder ou direito que lhes não fosse negado por cláusula expressa ou

implicitamente contida nas cláusulas expressas daquela Carta65.

Os Estados podiam decretar impostos66 com exclusividade sobre a

exportação de mercadorias de sua própria produção, sobre imóveis rurais e urbanos,

sobre transmissão de propriedade, sobre indústrias e profissões, taxa de selo quanto

aos atos por eles emanados e negócios de sua economia, contribuições

concernentes aos seus telégrafos e correios. À União cabia criar impostos sobre a

importação de procedência estrangeira67, taxas de selo68, taxas de correios e

telégrafos federais69. Incumbia a União prestar socorro aos Estados que o solicitasse

em caso de calamidade pública70, e ainda, intervir em negócios peculiares aos

Estados nas hipóteses71: para repelir invasão estrangeira, ou de um Estado em

outro; para manter a forma republicana federativa; para restabelecer a ordem e a

tranqüilidade nos Estados, a requisição dos respectivos governos, e para assegurar

a execução das leis e sentenças federais.

62 Ob. cit., art. 63, p. 94. 63 Ob. cit., art. 4º, p. 78. 64 Ob. cit., art. 64, p. 94. 65 Ob. cit., art. 65, 2º, p. 95. 66 Ob. cit., art. 9º, p. 79. 67 Ob. cit., art. 7º, 1º, p. 78. 68 Ob. cit., art. 7º, 3º, p. 78. 69 Ob. cit., art. 7º, 4º, p. 78. 70 Ob. cit., art. 5º, p. 78. 71 Ob. cit., art. 6º, p. 78.

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Os municípios, por seu turno, teriam assegurada sua autonomia e respeito

ao seu peculiar interesse72; e ao Supremo Tribunal Federal competia as causas e

conflitos entre a União e os Estados, ou entre estes uns com os outros73.

Percebe-se uma hipertrofia dos Estados-membros, sobretudo aqueles

dotados de uma economia mais pujante, em detrimento da União, o que propiciou no

campo político o surgimento da política do “café-com-leite”74, em que representantes

de Minas Gerais e São Paulo revezavam-se na Chefia do Poder Executivo Federal,

que impunham ao restante do país. O Federalismo Brasileiro adotado

conceitualmente na Carta de 1891, é denominado federalismo dualista, datando

seus primeiros abalos da reforma constitucional de 192675.

Sobre a Carta de 1937, oriunda do golpe de Estado, precisa a síntese de

Celso Bastos76 [...]“volta o Brasil à forma unitária de Estado”. O Estado Federal

Brasileiro era constituído pela união indissolúvel dos estados, do distrito federal e

dos territórios77. A auto-organização territorial dos Estados seguia o modelo da Carta

de 1891 (art.4º), porém, com o acréscimo da regra de que “a resolução do

Parlamento poderá ser submetida pelo Presidente da República ao plebiscito das

populações interessadas”78. Aos estados cabia decretar a Constituição e as leis por

que deveriam reger-se, exercendo todo e qualquer poder que lhes não fosse

negado, expressa ou implicitamente, pela Constituição79, e ainda a organização e o

72 Ob. cit., art. 68, p. 95. 73 Ob. cit., art. 59, 1, c), p. 92. 74 Era a alcunha que davam, antes de 1930, ao pacto silencioso entre Minas e São Paulo, pelo qual os dois mais populosos e fortes Estados se revezavam por seus filhos na presidência da República, que, como já vimos, esteve por 12 anos nas mãos de estadistas do primeiro daqueles dois Estados, isto é, nos 3 quatriênios seguidos de Prudente, Campos Sales e Rodrigues Alves (1895-1906). BALEEIRO, p. 49. 75 Baleeiro, ob. cit. p. 61, assim resume essa emenda constitucional: “O movimento revisionista de Rui e outros, há vários anos, buscava corrigir os defeitos da Constituição de 1891, no sentido de sua melhoria em prol da democracia e do liberalismo. A elas, opunha-se o establishment político. Por ironia da história, o primeiro Presidente revisionista, Artur Bernardes, tomou a iniciativa de empreender a reforma, exatamente para dar mais vigor aos poderes incontrastados do Chefe da Nação, no sentido oposto aos do reformador”. 76 Curso de direito constitucional, p. 257. 77 BRASIL. Constituição (1937). Constituições Brasileiras: 1937/Walter Costa Porto - Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001. Art. 3º, p. 70. 78 Ob. cit., Art. 5º, parágrafo único, p. 70. 79 Ob. cit., Art. 21, p. 76.

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custeio dos serviços de seu peculiar interesse80, sendo que aqueles entes com

incapacidade financeira por três anos seriam transformados em território81.

Quanto à competência legislativa, estabelece a Carta de 1937 um extenso

rol privativo da União82, é interessante anotar a possibilidade de delegação por lei da

faculdade de legislar aos estados, seja para regular a matéria, seja para suprir as

lacunas da legislação federal, quando se trata-se de questão de interesse

predominante de um ou alguns estados; no entanto, tal legislação só entraria em

vigor mediante o crivo do Governo Federal83. A competência legislativa dos estados

poderia ser exercida desde que não dispensassem ou diminuíssem as exigências da

lei federal, ou, em não havendo lei federal e até que esta os regule84. A edição de lei

ou regulamento expedido pelo Poder Legislativo Federal ou pelo Presidente da

República sobre a matéria legislada pelos estados derrogaria as partes com elas

incompatíveis85.

Os estados poderiam decretar impostos86 sobre a propriedade territorial

rural, transmissão de propriedade causa mortis; transmissão da propriedade inter

vivos, inclusive a sua incorporação ao capital da sociedade; vendas; exportação de

mercadorias de sua produção; indústrias e profissões; atos emanados do seu

governo e negócios da sua economia; taxas de serviços estaduais. Os estados

possuíam ainda uma competência tributária residual, mas, na hipótese de

bitributação reconhecida pelo Conselho Federal, prevaleceria o imposto decretado

pela União87. Os bens dos estados seriam aqueles por exclusão que não

pertencessem por algum título ao domínio federal, municipal ou particular88. O

domínio federal estava presente em razão de extensão a mais de um estado, limites

com outros países ou se estendam a territórios estrangeiros e as ilhas fluviais e

lacustres nas zonas fronteiriças89.

80 Ob. cit. Art. 8º, caput, p. 70. 81 Ob. cit., Art. 8º, parágrafo único, p. 70. 82 Ob. cit., Art. 16, p. 73. 83 Ob. cit., Art. 17, p. 75. 84 Ob. cit., Art. 18, p. 75. 85 Ob.cit., Art. 18, parágrafo único, p. 75. 86 Ob. cit., Art. 23, p. 76. 87 Ob. cit., art. 24, p. 77. 88 Ob. cit., art. 37, p. 79. 89 Ob. cit., art. 36, p. 79.

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As demais Cartas repetiram a fórmula com algumas variações semânticas,

interessa-nos para o presente estudo o modelo de federalismo vindicado nas

Constituições de 1967 e a Emenda nº 1, de 1969 e a Constituição Federal de 1988,

na sua redação original.

3.2 Diagnóstico doutrinário do federalismo brasileiro pré-constituinte de 1988

Diagnóstico está intimamente relacionado com a investigação criteriosa e

honesta dos fatores endógenos e exógenos que podem indicar as causas da

patologia ou da enfermidade. O federalismo brasileiro pré-1988 passou pelo crivo da

doutrina constitucional e o resultado não foi nada alentador.

Para Fernanda Dias Menezes de Almeida90:

Assiste-se, na prática, à negação da Federação que, na teoria, se quer intocável. E seu esvaziamento completo não será surpresa, se não houver a reversão do movimento pendular que hoje acusa excessiva concentração de poder político e financeiro no governo central, em detrimento das autoridades estaduais e municipais. [...]. É que, por mais que o sistema comporte adaptações, não pode sobreviver onde se abdique da autonomia das unidades federadas, peça vital da delicada parceria que é, em última análise, a Federação.

Juary C. Silva91 visualiza uma implosão do modelo e sua substituição por um

sistema unitário:

A conclusão genérica a extrair de tudo isso é a de que o sistema federativo viu-se sobremodo esvaziado, mormente em decorrência das vicissitudes experimentadas pelo ordenamento constitucional brasileiro a partir de 1964. Valido o chamar-se a isso de implosão não em decorrência da subitaneidade do fenômeno (pois ele é até lento, em confronto com a implosão física), mas porque a desnaturação do federalismo se passa por dentro, através de pertinaz e progressivo esvaziamento, não por fora, em virtude de ataque direto, aberto e frontal aos cânones do sistema federativo.

90 Considerações sobre os rumos do federalismo nos Estados Unidos e no Brasil, p. 64. 91 O Federalismo semântico no Brasil, alguns aspectos do romantismo do equilíbrio político-jurídico entre a União e os Estados-membros no período pós-revolucionário, p. 61.

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O federalismo brasileiro apresenta-se, pois, como semântico, aferrado à enunciação nominal dos princípios que o informam, mas descoincidentes estes da praxe constitucional e da realidade política do País, que só pode ser a concretitude das forças políticas que operam a nível nacional, ou cuja atuação local seja capaz de repercutir sobre o Poder central.

Trata-se-á, então, de modalidade de sistema unitário? Não,porque tampouco o arcabouço constitucional do País e sua realidade empírica mostram adequação ao protótipo do sistema. No entanto não seria ousado dizer que a realidade constitucional brasileira denota indícios de aproximar-se do sistema unitário, gradualmente. Caso se ultime essa evolução, ter-se-á, dentro de alguns anos, em vigor no nosso País, de direito a de fato, um regime unitário. Por ora, nada há a afirmar, exceto que o País parece tender para adoção do regime unitário, à vista dos veementes indícios de menosprezo a princípios basilares do federalismo, podendo, contudo, externar uma previsão, dada a imponderabilidade das variáveis em jogo na problemática concreta do federalismo.

Mártires Coelho92 destaca a importância da realidade social subjacente no

processo de escolha do modelo federativo que seria implantado na novel Carta

Política, para “efetivamente dar nascimento à primeira República Federativa no

Brasil”:

Quais os fatores reais de poder que, neste momento de vida nacional, poderão condicionar a decisão política a ser tomada no seio da Constituinte, quando esta se debruçar sobre o problema das relações entre o Poder Central e os poderes locais; que forças prevalecerão ou deverão prevalecer quando se for definir o modelo normativo que doravante irá reger as relações entre a União, os Estados e os Municípios, decorridos mais de 90 anos de uma experiência federativa centralizadora e compressiva das autonomias locais; enfim, identificar quem poderá efetivamente dar nascimento à primeira República Federativa no Brasil, sepultando o Estado unitário, que PAULO BONAVIDES afirma ter nascido a 15 de novembro de 1889 sobre as ruínas da monarquia, e que, mesmo desprovido de legitimidade formal, tem tido eficácia na Constituição real do País.

Machado Horta93 94, por sua vez, combate o hibridismo presente no

federalismo brasileiro:

Tornou-se generalizada a impressão de que, não obstante as características formais do Estado Federal que a Constituição acolheu, o federalismo brasileiro encontra-se esmagado pela exarcerbação centralizadora de poderes e de competências da União, convertendo o federalismo constitucional em federalismo puramente nominal e aparente.

A difundida insatisfação com o modelo federal brasileiro está reclamando a proposta de reconstrução federativa, objetivando eliminar o conflito entre a Federação intangível na norma abstrata da Constituição e a

92 Política e Constituição. Os caminhos da democracia, p. 86. 93 Reconstrução do federalismo, pp. 14-28. 94 Conferência proferida no Seminário de Direito Constitucional promovido pelo Instituto dos Advogados de Minas Gerais em 19 de maio de 1981.

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Federação desfigurada pela centralização autoritária e absorvente dos poderes federais.

[...] A forma federal de Estado pressupõe a existência de requisitos

que lhe definem a fisionomia no quadro das formas estatais. A forma híbrida – federal e unitária ao mesmo tempo – equivale a um aleijão que torna irreconhecível a criatura assim concebida. A reconstrução do federalismo brasileiro impõe a eliminação desse hibridismo para que das cinzas dessa destruição possam renascer as instituições de um federalismo renovado e vigoroso. A tarefa de reconstrução reclama a modernização do edifício federal, sem o sacrifício iconoclasta das fontes permanentes da concepção federal brasileira, e assim o novo federalismo constitucional se converterá em instrumento duradouro do desenvolvimento político, cultural, econômico e social da nação brasileira.

3.3 Expectativas doutrinárias pré-constituinte de 1988

No tópico anterior percorremos o pensamento da doutrina de vanguarda e

com coragem para apontar de forma madura e criteriosa as mazelas do federalismo

brasileiro pré-1988. Agora, examinaremos as aspirações dos estudiosos do tema

com o processo constituinte que efervescia naquele período.

Tendo como referencial teórico inicial, não exclusivo, a obra de Machado

Horta95 que preconizava, desde 1958, “a solução de problemas do federalismo

brasileiro reclama revisão da organização federativa de 1946”.

A revisão da organização federativa há de preservar o federalismo

cooperativo e financeiro, que não poderá ser sacrificado em benefício do federalismo

político. No entender de Machado Horta, a correção da centralização manifestada no

Estado Federal é problema cuja solução depende, em grande parte, da repartição

das rendas federais. Impõe-se substituir a repartição fragmentária e dissipadora por

uma repartição sistematizada, obediente a critérios legais previamente

estabelecidos. O critério legal prévio, pela impessoalidade e obrigatoriedade de que

se reveste, impedirá a repartição caótica, geralmente vinculada a compromissos e

decisões de natureza política e partidária.

O critério legal da repartição preserva as posições partidárias, quando

eventualmente antagônicas as situações dominantes no Governo Federal e no

Estado membro, poupando constrangimentos recíprocos, e permite observância

95 Perspectivas do Federalismo Brasileiro, Estudos Sociais e Políticos, p.

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objetiva do caráter compensatório da repartição financeira das rendas federais.

Prossegue o autor, com efeito, a fórmula da repartição das rendas federais,

mediante a generalização do sistema da participação em cotas tributárias dos

demais impostos, afigura-se-nos solução capaz de corrigir o federalismo

centralizador.

Em 198196, o mestre mineiro97, diante da penúria em que viviam os

Municípios brasileiro, retratada no Relatório do Tribunal de Contas da União de

197898, e partindo da verificação generalizada de que a concentração tributária da

União agigantou o orçamento federal e empobreceu os orçamentos estaduais e

locais, extraiu três significativas conclusões: da repartição tributária federal então

adotada.

Primeira: os percentuais constitucionais da participação dos Estados, dos Municípios, dos Territórios e do Distrito Federal devem ser majorados em função da grandeza dos recursos tributários da União e de seu processo de concentração; Segunda: simplificar o processo de entrega dos recursos captados nos Fundos de Participação e na receita federal da tributação única, de forma a eliminar a subordinação das entidades beneficiadas às autoridades federais; Terceira: impõe-se devolver ao Estado-Membro a plena competência legislativa em matéria do ICM, removendo a abundante legislação federal de regulamentação exaustiva do imposto estadual, notoriamente sacrificado na sua função fiscal de suporte do sistema tributário do Estado pela intromissão do comando federal.

Em 1985, mais uma vez vaticinava Machado Horta99 100.

96 Conferência proferida no Seminário de Direito Constitucional promovido pelo Instituto dos Advogados de Minas Gerais em 19 de maio de 1981. 97 Reconstrução do federalismo brasileiro, p. 26. 98 Síntese do Relatório, Diário Oficial da União – Seção I – Parte I, pág. 9.601. 99 Organização constitucional do federalismo, p. 22.

100 Estrutura da Federação, pp. 53-56. Para aprofundar no assunto, veja palestra proferida pelo mestre mineiro. Entre as grandes tarefas da geração atual destaca-se a de reconstruir a Federação, modelando instituições que possam projetá-la no próximo milênio. O centro da reconstrução da Federação Constitucional reside na repartição de competências, para redefinir as áreas de atuação da União Federal, dos Estados-membros e de outros níveis de Governo. A Federação projetada para o futuro requer repartição de competências ajustada a tal objetivo. A repartição clássica, que fomos buscar no Federalismo norte-americano dos fins do Séc. XVIII, deve ser abandonada. Ela conduziu à centralização dos poderes federais e à negação dos poderes locais. A técnica da repartição de competências adotada originariamente pela Constituição norte-americana – poderes enumerados à União e poderes reservados aos Estados – presumia que no seu desdobramento saíssem os Estados-membros beneficiários dos acréscimos futuros de matéria legislativa. [...] A evolução do Estado Federal caminhou em direção contrária. A União Federal ampliou os poderes enumerados, explicitou os poderes implícitos e esse processo de dilatação e de concentração dos poderes federais acabou reduzindo cada vez mais o volume dos poderes reservados aos Estados. O processo de dilatação dos poderes federais é intenso nos Estados de mudança constitucional freqüente, como é o caso do Brasil. A reconstrução do Federalismo brasileiro reclama a reformulação da repartição de competência. É necessário encontrar uma fórmula de

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[...] Esperamos que a reconstrução da República federal restaure na sua plenitude os poderes dos Estados, sem prejuízo da missão nacional da Federação, para, sob a égide inovadora do federalismo de equilíbrio, preservar a integridade da Nação, a indissolubilidade do vínculo federativo, o desenvolvimento da União e dos Estados e associar o Estado federal à realização dos objetivos do Governo democrático.

equilíbrio, que não sacrifique os poderes nacionais e soberanos da União, mas que, ao mesmo tempo, seja capaz de oferecer aos Estados maiores fontes para exercício de sua competência legislativa. É a solução que oferece o campo da legislação comum, a ser explorado conjuntamente pela União e pelos Estados. No Brasil, esse caminho novo aflorou na Constituição de 1934 (art. 5º, § 3º). E a competência legislativa dual foi mantida na Constituição Federal de 1946 (art. 6º).[...]. Impõe-se substituir o Federalismo hegemônico e centralizador pelo Federalismo de equilíbrio, que ainda não praticamos. No Federalismo de equilíbrio as áreas de competência geral e exclusiva da União, localizando nesse âmbito os poderes nacionais e soberanos, inerentes à União. Prosseguindo no processo constitucional de competências, a etapa posterior identificará na própria Constituição Federal a competência comum à União e aos Estados-membros, de modo que as matérias incluídas nesse campo submetam a dupla atividade de legislação e administração, em momentos separados: a União Federal no domínio da legislação de normas gerais e os Estados-membros no domínio da legislação suplementar. A competência legislativa dual se exercerá no quadro de verdadeiro condomínio legislativo, explorado conjuntamente pela União e pelos Estados, e nesse condomínio da legislação de normas gerais e suplementares ingressará a matéria que o constituinte federal designar. A repartição de competências, assim concebida em suas linhas estruturais, ultrapassará a secular distinção entre poderes enumerados da União e poderes reservados dos Estados e implantará a descentralização dentro da Constituição Federal. A descentralização não se deteria na repartição renovada de competências. Prosseguiria na ampliação dos níveis de competências e de organização das entidades do governo local. [...]. É claro que essa transformação do Federalismo , que registraria a passagem do Federalismo hegemônico e centrípeto do passado ao Federalismo de equilíbrio e regionalizado do futuro, imporia, também alterações no esquema constitucional da repartição financeira e tributária, de modo a superar a concentração fiscal do Federalismo hegemônico e alcançar a descentralização tributária do Federalismo de equilíbrio. A redistribuição de impostos e receitas federais, estaduais e municipais, cujos percentuais da arrecadação fiscal evidenciam a centralização danosa aos Estados e aos Municípios: União = 65,5%; Estado = 30,4%; Municípios = 4,1%. O Sistema Tributário Nacional seria redimensionado, atribuindo maiores receitas aos Estados e aos Municípios. O processo da repartição da Receita Federal, que é múltiplo, ampliaria os percentuais do fundo de participação, introduzindo nesse domínio do chamado Federalismo Cooperativo as Regiões Metropolitanas. Acrescentaria outros impostos ao elenco da distribuição dos impostos especiais, para destinar parcela significativa dos impostos federais aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. [...] A federação real, com a qual sonharam os republicanos de 1889, dissolveu-se na Federação nominal de nossos dias, tornando-se a Federação uma lembrança do passado distante em conflito com a realidade. A inversão da tendência centralizadora, que abalou o Federalismo brasileiro, e a retomada do Federalismo real pressupõe a aceitação de fundamentos que poderão coroar os esforços de reconstrução do Federalismo brasileiro, tarefa irrecusável da futura Assembléia Constituinte. A estrutura da Federação brasileira experimentará alterações significativas e o seu perfil constitucional possivelmente resultará da aglutinação dos seguintes fundamentos: Primeiro: a associação indissolúvel da União e dos Estados-membros na composição dual da Federação. Segundo: a repartição de competências desdobrável em quatro níveis distintos: a competência geral da União, a competência legislativa exclusiva da União, a competência comum à União e aos Estados-membros e a competência dos poderes reservados aos Estados autônomos. Terceiro: a flexibilidade da repartição de competências, mediante regras dispondo sobre o exercício dos poderes implícitos pela União Federal; a legislação estadual sobre matérias da competência exclusiva da União e o exercício primário da legislação suplementar estadual, inexistindo lei federal de normas gerais. Quarto: o tratamento constitucional autônomo aos níveis de governo que não integram a Federação: o Distrito Federal, os Territórios Federais e os Municípios. Quinto: a introdução das regiões na Constituição Federal, consagrando as diferentes formas do regionalismo econômico, territorial e político: regiões de desenvolvimento econômico, regiões metropolitanas e regiões autônomas.

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Para Celso Ribeiro Bastos101 a União teria atuação restrita, mas relevante de

definir princípios basilares, de forma genérica, abstrata, reservando inteiramente aos

Estados a possibilidade de entrar em detalhes, em minúcias e complementar

realmente esta legislação, segundo os seus interesses e segundo as suas

particularidades locais. Por fim, propõe:

[...] um federalismo desigualitário, um federalismo flexível e um federalismo despreocupado com essas formalidades [...].

Fernanda Almeida102 informa que durante o processo constituinte103 “os

relatórios que acompanham os respectivos anteprojetos demonstram claramente a

posição dos membros dessas Subcomissões104, favorável à modificação da

estrutura federativa no sentido de uma descentralização maior que levasse à

recuperação das autonomia periféricas”.

101 Propostas para a Constituinte, p. 74. 102 Competências na Constituição de 1988, p. 65. 103 Fernanda Almeida, Competências na Constituição de 1988, p. 63. Relata que por intermédio da Emenda Constitucional nº 26, de 27 de novembro de 1985, o Presidente da República convoca a Assembléia Nacional Constituinte, que seria composta pelo Congresso Nacional a ser eleito em 15 de novembro de 1986. Nos termos do ato convocatório, dá-se a instalação da Constituinte em 1º de fevereiro de 1987, seguindo-se um processo de gestação longa e difícil, ao cabo do qual é promulgada a nova Constituição em 5 de outubro de 1988. 104 Subcomissão da União, Distrito Federal e Territórios, a Subcomissão dos Estados e a Subcomissão de Municípios e Regiões vinculadas à Comissão da Organização do Estado durante a Constituinte.

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Capítulo 4

O Estado Federal Brasileiro Atual

A forma do Estado brasileiro é a federal. A federação consiste na união de

coletividades regionais autônomas que a doutrina chama de Estados federados105 106. O cerne do conceito de Estado federal está na configuração de dois tipos de

entidades: a União e as coletividades regionais autônomas (Estados federados), e

ainda os Municípios, no caso brasileiro.

A União é a entidade federal formada pela reunião das partes componentes,

constituindo pessoa jurídica de Direito Público interno, autônoma em relação aos

Estados e a que cabe exercer as prerrogativas da soberania do Estado brasileiro. Já

Estado Federal, com o nome de República Federativa do Brasil, é o todo, ou seja, o

complexo constituído da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios, dotado

de personalidade jurídica de Direito Público Internacional107.

4.1 União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios

Os Estado-membros108 são entidades federativas componentes, dotadas de

autonomia e também de personalidade jurídica de Direito Público interno109. O

Distrito Federal surgiu da transformação do antigo Município neutro, que era a sede

105 SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, p.100. 106 Essas coletividades denominam-se Estados no Brasil, Estados Unidos, México e Venezuela; Províncias, na Argentina; Cantões, na Suíça e Länders, na Alemanha. SILVA, ob. cit., pp. 99-100. (SILVA J. A., 2003, pp. 99-100). 107 SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 491. 108 Machado Horta identifica dois processos de formação de Estados: por aglutinação histórica e real ou por imputação normativa, mediante a criação jurídica dos Estados no documento de fundação do Estado Federal, in O Estado-membro na Constituição Federal Brasileira, p. 61. Sendo esse último a experiência brasileira. 109 SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 100.

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da corte e capital do Império. A Constituição nos arts. 1º e 18 o inclui como um dos

componentes da República Federativa do Brasil, considerado sempre como unidade

federada ou unidade da Federação, onde essas expressões foram usadas110. A

autonomia municipal, por seu turno, é assegurada pelos arts. 18 e 29, e garantida

contra os Estados no art. 34, VII, “c”, da Constituição.

Autonomia significa capacidade ou poder de gerir os próprio negócios,

dentro de um círculo prefixado por entidade superior. Foi reconhecido aos

municípios o poder de auto-organização, ao lado do governo próprio e de

competências exclusivas111. Os Estados federados são titulares tão-só de

autonomia, compreendida como “governo próprio dentro do círculo de competências

traçadas pela Constituição Federal”. A autonomia assenta-se em dois elementos

básicos: a) na existência de órgãos governamentais próprios, que não dependam

dos órgãos federais quanto à forma de seleção e investidura; b) na posse de

competências exclusivas, um mínimo, ao menos, que seja ridiculamente reduzido112.

O Estado federal é caracterizado por duas tendências: a unitária

representada pela União e pela disjuntiva (federativa) representada pelos Estados

federados. O Estado federal significa a síntese jurídica de um processo político-

social caracterizado pela antítese disjunção-integração. A tensão entre esses dois

aspectos contraditórios tem proporcionado, ao longo de nossa história, as variações

do federalismo brasileiro. Ora predominando a disjunção do estadualismo na

Primeira República, ora a integração do centralismo no regime de 1964-1988113.

4.2 Competência

Competência é a esfera delimitada de poder que se outorga a um órgão ou

entidade estatal, mediante a especificação de matérias sobre as quais se exerce o

110 SILVA, ob. cit., p. 629. 111 SILVA, ob. cit., p. 620. 112 SILVA, ob. cit., p. 100. 113 SILVA, ob. cit., p. 492.

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poder de governo, sendo que a repartição de poderes autônomos constitui o núcleo

do conceito do Estado federal114.

A doutrina defende o princípio geral da predominância do interesse que deve

nortear a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado

federal115. O princípio geral que norteia a repartição de competência entre as

entidades componentes do Estado federal é o da predominância do interesse. Celso

Bastos116 propõe uma regra de ouro: “nada será exercido por um poder de nível

superior desde que possa ser cumprido pelo inferior. [...], o município prefere ao

Estado e à União. O Estado, por sua vez, prefere à União”.

A Constituição de 1988 adota um sistema complexo de repartição de

competências que busca realizar o equilíbrio federativo117, por meio de uma

repartição de competências que se fundamenta na técnica da enumeração dos

poderes da União (arts. 21 e 22), com poderes remanescentes para os Estados (art.

25, § 1º) e poderes definidos indicativamente para os Municípios (art. 30), mas

combina, com essa reserva de campos específicos (nem sempre exclusivos, mas

apenas privativos), possibilidades de delegação (art. 22, parágrafo único), áreas

comuns em que se prevêem atuação paralelas da União, Estados, Distrito Federal e

Municípios (art. 23) e setores concorrentes entre União e Estados em que a

competência para estabelecer políticas gerais, diretrizes gerais ou normas gerais

cabe à União118, enquanto se defere aos Estados e até aos Municípios a

competência suplementar119 120.

A repartição de competências entre a União e os Estados-membros forma o

fulcro do Estado Federal, e constituem-se em duas esferas governamentais sobre a

114 SILVA, ob. cit., p. 494.

115 segundo o qual à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local. José Afonso da Silva, ob. cit., p. 476. 116 BASTOS, Celso Ribeiro, Curso de Direito Constitucional, p. 249. 117 Percebe-se que esse equilíbrio é apenas formal e permite uma concentração de poderes em torno da União. 118 CF, arts. 21, XIX, XX, XXI; 22, IX, XXI, XXIV, e 24, § 1º. 119 CF, art. 24, §§ 2º e 3º, e art. 30, II. 120 SILVA, ob. cit., p. 477.

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mesma população e o mesmo território: a da União e a de cada Estado-membro,

sendo que no Brasil, ainda há a esfera governamental dos Municípios121.

4.3 Receitas

A Constituição de 1988 estabeleceu quanto à receita, duas fontes principais,

oriunda de tributos122, e ainda a derivada de exploração de bem ou atividade, que

incremente receita para a Administração. O sistema tributário foi escalonado para

discriminar competências exclusivas para a União, os Estados, o Distrito e o

Municípios criarem impostos, taxas e contribuições de melhoria123; a Constituição

Federal também permitiu o incremento financeiro exclusivo para a União que foi

autorizada instituir empréstimos compulsórios124, contribuições sociais, contribuições

de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou

econômicas125; já os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir

contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de

sistemas de previdência e assistência social126.

À União compete ainda instituir a contribuição social do salário-educação127,

e aos Estados compete explorar os serviços locais de gás canalizado128 e aos

Municípios os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte

coletivo129.

Repartição das receitas tributárias130 da União aos Estados e ao Distrito

Federal131, e dos Estados aos Municípios132 incide sobre tributos previamente

definidos no próprio texto constitucional; e ainda, na participação dos Estados e

Municípios no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos

121 SILVA, ob. cit., p. 101. 122 Entendidos em sentido lato, para incluir todas as exações: impostos, taxas, contribuições de melhoria, inclusive as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico. 123 CF de 1988, arts. 145 e seguintes. 124 CF, art. 148, I e II, sendo que no inciso II os Estados e o DF participam do resultado. 125 CF, art. 149, caput. 126 CF, art. 149, parágrafo único. 127 CF, art. 212, § 5º. 128 CF, art. 25, § 2º. 129 CF, art. 30, V. 130 Do produto da arrecadação de impostos, inclusive de impostos não previstos (CF, art. 154, I). 131 CF, de 1988, art. 157. 132 CF, de 1988, art. 158, III e IV.

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hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no

respectivo território; ou compensação financeira por essa exploração133.

Por último, ainda dentro do espectro da tributação, a imunidade recíproca

atinge apenas os impostos.

4.4 Despesas

Quanto a despesa, destaco apenas aquelas concernente à Seguridade

Social e Educação, a escolha não foi alheatória, tendo em vista a existência de

encargos para a União, Estados e DF e Municípios e arrecadação apenas para a

União, fruto de uma interpretação equivocada dos dispositivos constitucionais.

Inicio analisando o título da Seguridade Social, na Constituição Federal de

1988, que contempla três grandes áreas: Saúde, Previdência Social e Assistência

Social. A Previdência Social por ter características próprias de caráter retributivo e

securitário não merecerá a análise pormenorizada. Detenho-me inicialmente quanto

à Saúde.

A saúde é direito de todos e dever do Estado134 135, garantido mediante

políticas sociais e econômicas, o acesso universal e igualitário às ações e serviços

para sua promoção, que integram uma rede regionalizada e hierarquizada e

constituem um sistema único de saúde financiado, nos termos do art. 195, com

recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Município, além de outras fontes136.

Conforme foi examinado anteriormente, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios não instituem contribuições sociais, mas financiam o sistema com

recursos próprios compreendidos na seguridade social137.

A assistência social será prestada pela União a quem dela necessitar,

independentemente de contribuição, o que inclui no ensino fundamental, através de

programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e

133 CF, art. 20, § 1º. 134 CF, art. 196. 135 Estado entendido nas três esferas: federal, estadual e municipal. 136 CF, art. 198, parágrafo único. 137 Pois o orçamento da seguridade social é único, nos termos do art. 165, § 5º, III da CF.

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assistência à saúde138 139, mas financiada também por Estados, Distrito Federal e

Municípios140:

Quanto à educação141, estabelece a Constituição que o Município atuará

prioritariamente no ensino fundamental e pré-escolar aplicará juntamente com os

Estados, o Distrito Federal vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante

de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e

desenvolvimento do ensino, enquanto que a União aplicará nunca menos de dezoito

por cento142.

Esse, em linhas gerais, é o modelo de Estado Federal Cooperativo pelo

constituinte de 1988. Convém registrar, que não se tem a pretensão de que o

modelo idealizado inicialmente pelo legislador constituinte de 1988 ficasse imune a

aprimoramentos e modificações, porque desde muito, prevalece a idéia de que é

possível alterar o texto constitucional segundo o rito previsto pela própria

constituição, o problema ocorre quando as modificações deturpam de tal forma as

relações entre os entes-federais, que a conclusão seguinte sobressai, o Brasil

permanece uma Federação? Por isso é preciso, examinar, ainda que

superficialmente, o Poder Constituinte, suas características, tipos, limites etc.

138 CF, art. 208, VII. 139 Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários. 140 CF, art. 203

I – proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua

integração à vida comunitária. V – benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não

possui meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, de um salário mínimo. 141 Direito de todos e dever do Estado e da família – art. 205, CF. 142 CF, art. 212, caput.

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Capítulo 5

Poder Constituinte

Adverte-nos Bonavides143 “poder constituinte sempre houve em toda

sociedade política”, sua teorização que o legitimasse, numa de suas formas ou

variantes, só veio a existir desde o século XVIII, por obra da sua reflexão iluminista,

da filosofia do contrato social, do pensamento mecanicista anti-historicista e anti-

autoritário do racionalismo francês, com sua concepção de sociedade.

5.1 Conceito, espécies e natureza

Nas palavras de Gonet Branco144, “poder constituinte originário [...] é a força

política consciente de si que resolve disciplinar os fundamentos do modo de

convivência na comunidade política” .

Possui três características básicas e essenciais: inicial, ilimitado (ou

autônomo) e incondicionado)145. Em razão da primeira característica o conflito de

leis com a Constituição Federal encontrará solução na prevalência desta, por ser

obra suprema que inicia o ordenamento jurídico. Interessa-nos, apenas a primeira

característica para o nosso estudo em razão da conseqüência advinda de sua

atuação e os problemas práticos que resultam: supremacia da Constituição.

143 BONAVIDES, Curso de Direito Constitucional, p. 120. 144 MENDES, COELHO e GONET BRANCO, Curso de Direito Constitucional, p. 187. 145 MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., p. 188.

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Gonet Branco146 resume com precisão:

O conflito de leis com a Constituição encontrará solução na prevalência desta, justamente por ser a Carta Magna produto do poder constituinte originário, ela própria elevando-se à condição de obra suprema, que inicia o ordenamento jurídico, impondo-se, por isso, ao diploma inferior com ela inconciliável.

Preliminarmente convém registrar que o estudo do poder constituinte de

reforma somente tem qualquer sentido prático para a compreensão de suas

características e limitações, quando se trata de constituição rígida. “Rígidas são as

constituições que somente são alteráveis por meio de procedimentos especiais,

mais complexos e difíceis do que aqueles próprios à atividade comum do Poder

Legislativo”147.

A Constituição flexível equipara-se, no que tange ao rito de sua reforma, às

leis comuns. Sendo um poder instituído, o poder de reforma está sujeito a limitações

de forma e de conteúdo148.

Gonet Branco149 esclarece:

Dois conjuntos de fatores influenciam a adoção desse tipo de Lei Maior. De um lado, a convicção de que as constituições não devem pretender ser imodificáveis – já que isso seria um convite ao recurso fatal das revoluções -; de outro, a impressão de que a vontade do constituinte originário não deve ficar ao alvedrio de caprichos momentâneos ou de maiorias ocasionais no poder.

Baracho150 adverte para a ação do Poder Constituinte Derivado no

federalismo

No Estado federal, as formas que promovem reforma, revisão ou emenda, pelas conseqüências que advêm para a estrutura do poder central ou da organização do Estado membro, tornam-se mais complexas. Uma reformulação que venha atentar para as particularidades da própria forma federal, mesmo que entendesse apenas modificação da União, normalmente poder repercutir no seu relacionamento com os Estados particulares.

146 MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., pp. 192-193. 147 J.H. Meirelles Teixeira apud MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., p. 203. 148 Denominada de cláusula pétrea. 149 MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., pp. 203-204. 150 BARACHO, ob. cit., p. 60.

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As emendas constitucionais são concebidas para assegurar uma certa

estabilidade ao texto da constituição e ao mesmo tempo permitir uma evolução

diante dos novos vetores sociais, denominados por Lassale151 por fatores reais de

poder “que atuam no seio de cada sociedade, [...] ativa e eficaz, que informa todas

as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando que não possam ser, em

substância, a não ser tal como elas são”, que poderiam transformar a Constituição

numa “folha de papel”152.

Por isso, é perfeitamente aceitável que o poder constituinte originário

reserve uma parcela intangível do texto promulgado, que lhe confere identidade, o

que a doutrina denomina de cláusula de imutabilidade, ou também cláusula pétrea.

5.2 Limitações de conteúdo ou materiais

O tema é tormentoso e provoca polêmicas sobre as restrições impostas ao

poder de reforma. Pois se de um lado a reforma da Constituição evita seu

engessamento e tem por objetivo revitalizá-la como um todo, eliminando as normas

que não mais se justificam política, social e juridicamente; do outro, é preciso

preservar a identidade básica do texto, “como forma de manter a unidade no tempo

do [...] trabalho” do poder constituinte originário153.

Gonet Branco154 com sua argúcia explica que as cláusulas de perpetuidade

“perfazem um núcleo essencial do projeto do poder constituinte originário, que ele

intenta preservar de quaisquer mudanças institucionalizadas”. E o fundamento

jurídico de tal restrição decorre da posição de superioridade jurídica do poder

151 LASSALLE, ob. cit., pp. 10-11. 152 Nota do Editor: Alusão à célebre frase de Frederico Guilherme IV, que disse: Julgo-me obrigado a fazer agora, solenemente, a declaração de que nem no presente nem para o futuro permitirei que entre Deus do céu e o meu país se interponha uma folha de papel escrita como se fosse uma segunda Providência. LASSALLE, p. 23. 153 MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., p. 206. 154 MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., p. 207.

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constituinte originário em face do poder de reforma, e, em suma, visa prevenir uma

processo de erosão da Constituição155 .

A cláusula pétrea não tem por escopo preservar a redação de uma norma

constitucional – “ostenta, antes, o significado mais profundo de obviar a ruptura com

princípios e estruturas essenciais da Constituição”156. Gonet Branco157 sintetiza com

extrema lucidez: “A garantia de permanência em que consiste a cláusula pétrea, em

suma, imuniza o sentido dessas categorias constitucionais protegidas contra

alterações que aligeirem o seu núcleo básico ou debilitem a proteção que fornecem”.

5.3 Cláusula pétrea em espécie – forma federativa do Estado

O parágrafo quarto do artigo 60 da Constituição Federal enumera em quatro

incisos as cláusulas de perpetuidades da Carta de 1988, das quais interessa-nos,

por limitação teórica, apenas a forma federativa do Estado158.

Aborda Gonet Branco159

Não é passível de deliberação a proposta de emenda de desvirtue o modo de ser federal do Estado criado pela Constituição, em que se divisa uma organização descentralizada, tanto administrativa quanto politicamente, erigida sobre uma repartição de competência entre o governo central e os locais, consagrada na Lei Maior, onde os Estado federados participam das deliberações da União, sem dispor do direito de secessão.

Toda modificação constitucional, feita com desrespeito do procedimento

especial estabelecido (iniciativa, votação, quorum etc), ou de preceito que não possa

ser objeto de emenda, padecerá de vício de inconstitucionalidade formal ou material,

155 MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., p. 208. 156 MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., p. 209. 157 MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., p. 211. 158 Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: LTr, 1988. Art. 60, § 4º, inciso I. 159 MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., p. 212.

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conforme o caso, e assim ficará sujeita ao controle de constitucionalidade pelo

Judiciário, tal como se dá com as leis ordinárias160.

5.4 Mínimo Federativo e cláusula pétrea

É sabido que a cláusula pétrea visa proteger o núcleo essencial do instituto

de alterações que terminem por mutilar e desconfigurar o produto elaborado pelo

constituinte originário. Para se analisar suposta violação ou não ao art. 60, § 4º, I da

CF de 1988, é preciso divisar o que seja esse núcleo essencial do federalismo ou

“Mínimo Federativo”, que pela originalidade e pelo ineditismo merecem ser

transcritas as palavras de Orlando Bitar161 162

Eis o MÍNIMO FEDERATIVO – os 20 Estados que constituem a União se mantêm unidos e sua FEDERAÇÃO – seu pacto, seu foedus repousa sobre a aceitação solene e consentida (seus representantes elaboraram a Constituição – participando da vontade estatal) daquelas BASES UNIFORMES. Tais Bases nós a denominamos O EIXO DA FEDERAÇÃO. É em torno delas que a Nação gira, enquanto o Estado, sua forma institucionalizada, é FEDERATIVO. Quebrado um daqueles princípios – é DEVER DA UNIÃO (na qual estão hipostasiadas as demais entidades membros) INTERVIR – não para punir, nem se concebe hoje a intervenção neste caráter repressivo de <<morra por ello>>, mas para restaurar, para refazer o equilíbrio, para REAMOLDAR A ESTRUTURA COMPROMETIDA (v. Temistocles e Pontes de Miranda). Aqueles princípios, então, são cardiais, são medulares, são AXIAIS.

Georges Scelle163 citado por Machado Horta, oferece as características

gerais do Estado Federal: I – participação do Estado-membro na formação da

vontade federal; II – autonomia constitucional do Estado-membro; III – existência de

atribuições exclusivas na área do Estado-membro164 165.

160 SILVA, ob. cit., p. 68. 161 Prova escrita do autor, no concurso de Direito Constitucional a que se submeteu na Faculdade de Direito da Universidade do Pará, tendo sido realizada na ligação legal de seis houras, das 20,00 horas do dia 15 às 2,00 do dia 16, de junho de 1955. 162 BITAR, ob. cit., p. 45. 163 Georges Scelle – “Précis de Droit dês Gens”, Recueil Sirey, Paris, 1932, p. 198 apud HORTA, p. 14. 164 HORTA, Perspectivas do Federalismo Brasileiro, p. 14.

165 Melhor explicando, HORTA, Perspectivas do Federalismo Brasileiro, p. 14: “A tipicidade do Estado Federal pode ser sustentada com fundamento nas seguintes características dominantes da

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Gonet Branco166 esmiúça melhor o tema:

1) Autonomia, que importa necessariamente em descentralização do poder, não apenas administrativa, como também política; 2) Existência de uma Constituição Federal167; 3)Repartição de competências previstas constitucionalmente; 4) Participação dos Estados-membros na vontade federal; 5) Inexistência de direito de secessão e 6) Conflitos: o papel da Suprema Corte e a intervenção federal.

Retomando a idéia de Bitar, a intervenção federal e a atuação da Corte

Constitucional são fundamentais para a preservação e o funcionamento do sistema,

funcionando como os baldrames do Federalismo, uma vez que revelam sua

importância nos momentos de crise ou conflito, pois quando ocorrer uma quebra dos

princípios federativos, pelos Estados-membros, o Distrito Federal ou Municípios, “é

DEVER DA UNIÃO168 [...] INTERVIR – não para punir, nem se concebe hoje a

intervenção neste caráter repressivo de <<morra por ello>>, mas para restaurar,

para refazer o equilíbrio, para REAMOLDAR A ESTRUTURA COMPROMETIDA”169

(BITAR, 1978, p. 45). Por outro, lado quando a violação decorre de ato170 da União,

por ação do Poder Constituinte Derivado171 é dever do Supremo Tribunal Federal

intervir para sanar o conflito federativo.

As características básicas da federação citadas pelos autores são

complementares e não excludentes; para o nosso mister, interessa-nos, o exame da

autonomia em seus aspectos essenciais: administrativa172 e financeira.

organização federativa: I – dualidade de ordens governamentais e sua co-existência, cada uma dotada de órgãos próprios de expressão; II – repartição constitucional de competências, a ser feita de acordo com o método preferido pelo constituinte federal. No Brasil, a forma mais freqüente de repartição é a que enumera a competência da União e reserva aos Estados os poderes não delegados, isto é, os poderes que, implícita ou explicitamente, não lhes sejam proibidos pela Constituição Federal; III – autonomia constitucional do Estado-membro, com maior ou menor limitação ao poder de auto-organização, segundo critério do constituinte federal; IV – organização peculiar do Poder Legislativo federal, permitindo participação destacada do Estado-membro na formação de órgão daquele poder; V – existência de técnica específica, a intervenção federal, destinada a manter, em caso de violação, a integridade territorial, política e constitucional do Estado Federal” (HORTA, Perspectivas do Federalismo Brasileiro, Estudos Sociais e Políticos, 1958, p. 14). 166 MENDES, COELHO e GONET BRANCO, ob. cit., pp. 754-757. 167 Segundo Gonet Branco, p. 755: “alguns autores sustentam, ainda, que a Constituição Federal deve ser rígida e que o princípio federalista deve ser cláusula pétrea, para prevenir que a União possa transformar a Federação em Estado Unitário”. 168 E dos Estados nos Municípios. 169 BITAR, ob. cit., p. 45. 170 Compreendido como ato legislativo, pois os atos administrativos são protegidos por ação judicial originária movida perante o Supremo Tribunal Federal. 171 Que no Brasil por opção constitucional é exercido pelo Poder Legislativo Regular. 172 Que resulta na existência de atribuições exclusivas do Estado-membro.

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Quanto a repartição de competências, bem ou mal, a Carta de 1988,

procurou repartir poder, sem contudo, atribuir qualquer competência material aos

Estados, DF e Municípios, que para não cansar o leitor apresento as palavras do

saudoso mestre Machado Horta173.

O que caracteriza a autonomia administrativa, política e financeira do

Estado-membro?

Mais uma vez apregoa o mestre mineiro174:

A autonomia do Estado-Membro é requisito básico para qualificar a natureza do Estado Federal e sem ela a coletividade estadual não se distinguiria da Província do Estado unitário dotada da descentralização administrativa. Desde a Constituição Federal de 1891 (art. 63), a autonomia do Estado pressupõe, necessariamente, a capacidade de auto-organização, mediante a elaboração da Constituição e das leis que vão preencher o ordenamento autônomo do Estado. É certo que essa capacidade de auto-organização, sendo peculiar a ente autônomo, não pode exteriorizar-se em competência incondicionada, de que os Estados não dispõem. É natural que se submeta o poder constituinte do Estado-Membro às limitações impostas pelos princípios constitucionais que definem a fisionomia do federalismo constitucional e assegurem a primazia da União na matéria de sua competência.

A auto-organização não esgota-se com a elaboração de leis e da

Constituição Estadual, mas espraia-se pelas demais áreas administrativas e

financeira.

Francisco Campos175 advertiu, quando examinava a imunidade recíproca da

União, dos Estados e dos Municípios na Constituição de 1946, a respeito da

173 Preleciona Machado Horta, Reconstrução do federalismo brasileiro, pp. 14-15: “Pela

ordem de grandeza, impõe-se rever a técnica constitucional da repartição de competências, pois nela reside a fonte de onde brota a tendência centralizadora da Federação. Em noventa anos de federalismo republicano poucas inovações se introduziram na técnica brasileira da repartição de competências. Continuamos fiéis ao sistema norte-americano dos poderes enumerados da União e dos poderes reservados aos Estados. Na sua origem, admitiu-se que essa técnica não só explicitaria, desde logo, os poderes nacionais da União, como também permitiria que, no tempo, os Estados-Membros fossem progressivamente absorvendo os poderes novos e não incluídos na expressa catalogação dos poderes federais. A dinâmica dos fatos frustou essa expectativa, seja pela revelação judiciária dos poderes implícitos da União, na área da Constituição estática, seja pela mudança constitucional freqüente, fazendo com que toda Constituição ulterior alargasse progressivamente o campo dos poderes da União com reflexos negativos no domínio dos poderes reservados aos Estados, submetidos ao sucessivo retraimento qualitativo e quantitativo de sua matéria. É hora de abandonar a rigidez da técnica do federalismo clássico para consagrar soluções modernas, dotadas de maior flexibilidade operacional e que, assegurando o primado da União soberana nos assuntos de sua competência nacional, não inibam, de outro lado, a exploração das potencialidades dos Estados-Membros”. 174 HORTA, Reconstrução do federalismo brasileiro, p. 20.

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interdependência entre autonomia do ente federativo e sua capacidade tributária,

que pela pertinência merece destaque

[...] Nenhum campo, porém, como o tributário, mais propício ao conflito de poderes, mais fértil em oportunidades para a concorrência prejudicial entre os governos, seja conscientemente orientada no mau sentido, e, portanto, desleal ou ilícita, seja por motivo da fluidez ou da indeterminação da matéria tributária, que, sendo a mesmo e uma só, por mais precisamente que se recortem no mapa constitucional os contornos da sua divisão, comportará sempre a espécie esquiva e fugidia dos casos marginais, cuja ambigüidade dá lugar a que sôbre êles se concentrem os fogos cruzados dos fiscos concorrentes. [...] No regime federativo é essencial que um dos governos não possa regular as atividades do outro. O poder de regulamentar envolve o de constranger, limitar, reduzir, ou cercear. E não existe instrumento mais eficaz de regulamentação do que o poder de tributar. Quem tributa pode constranger, limitar, reduzir, cercear, impedir, obstruir ou anular as faculdades do tributado. Na discrição de quem tributa está a escola da natureza e da medida do tributo. O poder político que passasse a incidir sob a competência tributária de outro, estaria, inquestionavelmente, a êste avassalado, submetido à sua mercê, dependente da sua vontade, escravo das suas exigências, arregimentado ao seu serviço, com a própria subsistência material ameaçada, incapaz de deliberar sôbre os fins, por não ser senhor dos meios e instrumentos necessários à sua realização.

Assim, o grande tema a ser examinado diz respeito à autonomia do Estado-

membro em seus múltiplos aspectos, financeiro, tributário e das despesas

obrigatórias.

5.5 Modificações Constitucionais

É importante destacar que “a federação não é um esquema jurídico que

possa ser transformado em realidade tão-só pela sua enunciação no Texto

Constitucional. A federação, como a democracia, é um processo que necessita

constante aperfeiçoamento e adaptação a novas realidades”176. Com isso percebe-

se, que o modelo de federação implantado no texto original da Constituição de 1988

não ficaria imune a alterações. A reflexão que se busca é examinar se as

modificações produzidas pelo Constituinte de segundo grau poderia descaracterizar

totalmente a opção adotada inicialmente pelo Constituinte. Pois, “a federação nada

175 CAMPOS, Direito Constitucional, vol. I, pp. 18-21. 176 BASTOS, ob. cit., p. 293.

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mais é do que a transplantação para o plano geográfico da tripartição de poderes do

plano horizontal, de Montesquieu. Portanto, ela serve ao mesmo princípio de que o

poder repartido é mais difícil de ser arbitrário”177.

Ao comentar o agigantamento da União em face dos demais entes

federativos Ribeiro Bastos178 destaca a “intromissão incomensurada levada a cabo

pelo poder central na esfera normalmente reservada aos particulares sobretudo em

matéria econômica” e conclui que “um poder central estatizante é inconvivente com

uma autêntica federação, que pressupõe um equilíbrio entre as diversas esferas

governamentais”.

5.6 Emendas Constitucionais que envolvem o Federalismo

Cabe inicialmente a advertência de Baracho179 “uma reformulação que

venha atentar para as particularidades da própria forma federal, mesmo que

entendesse apenas modificação da União, normalmente poder repercutir no seu

relacionamento com os Estados particulares”.

Toda a discussão em torno de federalismo deve examinar a dicotomia entre

o centro e a periferia, em menos de 20 anos de vigência da Carta Política de 1988, o

poder constituinte reformador foi pródigo em alterá-la em mais de meia centena de

emendas, sendo que as alterações incidem, sobretudo em dois temas caros ao

federalismo: autonomia administrativa e financeira dos entes federais.

As primeiras emendas constitucionais ao texto da Carta de 1988, remontam

a 1993, modificaram substancialmente o modelo de federalismo proposto pelo

constituinte originário180.

177 BASTOS, ob. cit., p. 293. 178 BASTOS, ob. cit., p. 293. 179 BARACHO, ob. cit., p. 60.

180 1. Emenda Constituição n. 3, de 17 de março de 1993: i. alterou o § 6º do art. 150, para acrescentar a regra de que isenções, incentivos e benefícios

fiscais concedidos ou revogados relativos ao ICMS atenda aos critérios estabelecidos em lei complementar para que os Estados e o Distrito Federal deliberem.

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ii. Extinguiu o adicional de até cinco por cento do imposto de renda pago à União, incidente sobre

lucros, ganhos e rendimentos de capital – previsto no inciso II do art. 155 - de competência dos Estados e Distrito Federal.

iii. Extinguiu a incidência do ISS sobre operações relativas a energia elétrica, combustíveis líquidos e gasosos, lubrificantes e minerais do Pais – previsto no § 3º do art. 155 - de competência dos Municípios .

iv. Extinguiu o imposto sobre vendas a varejo de combustíveis líquidos e gasosos, exceto óleo diesel – previsto no inciso III do art. 156 - de competência dos Municípios.

v. Excluiu a regra de que o ISS não excluía a incidência do ICMS sobre a mesma operação – prevista no § 3º do art. 156180 – de competência dos Estados.

vi. Criação pela União do imposto sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira (IPMF) – art. 2º da EC n. 3, de 17/3/1993.

2. Emenda Constitucional de Revisão n. 1, de 1º de março de 1994, institui o Fundo Social de Emergência incluindo os artigos 71, 72 e 73 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

3. Emenda Constitucional n. 10, de 4 de março de 1996, prorrogação do Fundo Social de Emergência cuja denominação mudou para Fundo de Estabilização Fiscal a partir do início do exercício financeiro de 1996 (art. 71, § 2º do ADCT).

4. Emenda Constitucional n. 12, de 15 de agosto de 1996, permite a União instituir contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira incluindo o art. 74 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

5. Emenda Constitucional n. 14, de 12 de setembro de 1996, que modifica vários dispositivos da Constituição Federal que afetam Estados e Municípios:

6. Emenda Constituição n. 15, de 12 de setembro de 1996, dispõe sobre a criação, incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios.

7. EC n. 17, de 22 de novembro de 1997, prorrogação do Fundo de Estabilização Fiscal. 8. EC n. 20, de 15 de dezembro de 1998, que autorizou a União a utilizar os recursos provenientes das

contribuições sociais para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 – inciso XI acrescentado ao art. 167.

9. EC n. 21, de 18 de março de 1999, que prorrogou por trinta e seis meses a cobrança da CPMF. 10. EC n. 25, de 14 de fevereiro de 2000, que instituiu limites para os subsídios dos vereadores e para o

total da despesa do Poder Legislativo Municipal. 11. EC n. 27, de 21 de março de 2000, que desvincula de órgão, fundo ou despesa, as receitas da União. 12. EC n. 29, de 13 de setembro de 2000, que cria novas hipóteses de intervenção federal nos Estados e

no Distrito Federal, e dos Estados nos Municípios em face de não aplicação do mínimo exigido na manutenção e desenvolvimento do ensino.

13. EC n. 31, de 14 de dezembro de 2000, criação do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, inclusive pelos Estados e Municípios.

14. EC n. 33, de 11 de dezembro de 2001, alterou a redação do § 3º do art. 155, com a redação dada pela EC n. 3, de 1993, para substituir a vedação de tributo para imposto, e permitir a criação de contribuições de intervenção no domínio econômico pela União Federal (§ 4º do art. 177 – criado na EC 33/01) sobre energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País, sendo que as regras necessárias à aplicação do ICMS sobre combustíveis e lubrificantes serão estabelecidas mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal (§ 2º, XII, g do art. 155).

15. EC n. 37, de 12 de junho de 2002, cria: i. Regras para as isenções dos municípios; ii. Prorroga o prazo da CPMF; iii. Fixa as alíquotas mínimas para o ISS – art. 88, I do ADCT iv. Proibe isenção, incentivos e benefícios fiscais – art. 88, II do ADCT;

16. EC 42, de 19 de dezembro de 2003 – Altera o Sistema Tributário Nacional e dá outras providências; 17. EC 43, de 15 de abril de 2004 – prorroga a aplicação, por parte da União, de percentuais mínimos do

total dos recursos destinados à irrigação nas Regiões Centro-Oeste e Nordeste; 18. EC 44, 30 de junho de 2004 – Altera o Sistema Tributário Nacional e dá outras providências; 19. EC 53, de 19 de dezembro de 2006 – Dá nova redação aos arts. 7º. 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da

Constituição Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; 20. EC 55, de 20 de setembro de 2007 – Altera o art. 159 da Constituição Federal, aumentando a entrega

de recursos pela União ao Fundo de Participação dos Municípios. 21. EC n. 56, de 20 de dezembro de 2007 – Prorroga o prazo previsto no caput do art. 76 do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias e dá outras providências.

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As emendas constitucionais listadas afetam em múltiplos aspectos a

autonomia dos Estados-membros e Municípios que serão abordados no

desenvolvimento do presente trabalho.

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SEGUNDA PARTE

JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E O FEDERALISMO

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CAPÍTULO 6

A Jurisdição constitucional

“A jurisdição constitucional emergiu historicamente como um instrumento de

defesa da Constituição, não da Constituição considerada como um puro nome, mas

da Constituição tida como expressão de valores sociais e políticos”181.

Segundo José Afonso182, o Brasil seguiu o sistema norte-americano,

evoluindo para um sistema misto e peculiar que combina o critério de controle difuso

por via de defesa com o critério de controle concentrado por via de ação direta de

inconstitucionalidade, incorporando também agora a ação de inconstitucionalidade

por omissão (art. 102, I, “a”, e III, e 103).

A jurisdição constitucional tem como objeto a constituição compreendida

“não apenas como a Lei Fundamental do Estado183, mas também como o principal

instrumento de construção da sociedade do porvir”184. Ou seja, compreendendo que

a constituição brasileira possui elementos: orgânicos185, limitativos186, sócio-

ideológicos187 e de estabilização constitucional188.

181 SILVA, Direito constitucional positivo, p. 554. 182 Direito constitucional positivo, pp. 554-555. 183 Sem qualquer embargo às teorias que se debruçam sobre o tema. 184 GONET BRANCO, Curso de direito constitucional, p. 14. 185 “Orgânicos, que se contêm nas normas que regulam a estrutura do Estado e do Poder”, GONET BRANCO, p. 13. 186 “Limitativos, assim denominados porque limitam a ação dos poderes estatais e dão a tônica do Estado de Direito, consubstanciando o elenco dos direitos e garantias fundamentais: direitos individuais e suas garantias, direitos de nacionalidade e direitos políticos e democráticos”, GONET BRANCO, p. 13. 187 “Sócio-ideológicos, consubstanciados nas normas sócio-ideológicas, normas que revelam o caráter de compromisso das constituições modernas entre o Estado individualista e o Estado Social, intervencionista”, GONET BRANCO, p. 13. 188 “De estabilização constitucional, consagrados nas normas destinadas a assegurar a solução de conflitos constitucionais, a defesa da Constituição, do Estado e das instituições democráticas, premunindo os meios e as técnicas contra sua alteração e infringência, a não ser nos termos nela própria estatuídos”, GONET BRANCO, pp. 13-14; e Formais de aplicabilidade, consubstanciadso nas normas que estatuem regras de aplicação das constituições, assim o preâmbulo, o dispositivo que contém as cláusulas de promulgação e as disposições transitórias” SILVA apud GONET BRANCO, p. 14.

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6.1 O Supremo Tribunal Federal

Existe um consenso, seja nos países que adotam a forma federativa, quanto

naqueles que descentralizaram seu Estado, ainda que tenha permanecido unitário,

de atribuir-se a um Tribunal a solução dos possíveis conflitos que possam surgir

entre as diversas entidades estatais189.

Daniel Reis sintetiza, com propriedade e clareza, a fecunda história da Corte

Constitucional Brasileira.190 O Supremo Tribunal é composto onze ministros,

escolhidos dentre pessoas de notável saber jurídico e reputação ilibada, maiores de

35 anos e menores de 65 anos, nomeados pelo Presidente da República, após a

aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal.

6.2 A criação do direito pela Corte Constitucional

Superado o dogma a respeito da criação judicial do Direito em face do

cânone hermenêutico da autonomia do objeto e do princípio constitucional da

separação dos Poderes191, a interpretação das normas constitucionais “é um

189 SAMPAIO, A Constituição reinventada pela jurisdição constitucional, p. 564. 190 O Supremo Tribunal de Justiça foi criado pela Constituição do Império, no art. 163. Posteriormente, lei de 18 de setembro de 1828 organizou o Supremo Tribunal de Justiça, a ser composto de dezessete juízes tirados das Relações por antigüidade, e com as atribuições fixadas no art. 164 da mesma Constituição de 1824. Os juízes foram nomeados em 19 de outubro de 1828, e decreto de 2 de janeiro de 1829 determinou que o Tribunal se instalasse em 9 desse mês. O Supremo Tribunal de Justiça vinha substituir, na jurisdição e competência, a Casa da Suplicação do Brasil, criada por alvará de 10 de maio de 1808, pelo Príncipe Regente. Os primeiros juízes, tendo como Presidente, nomeado também pelo Imperador, O Conselheiro José Albano Fragoso – eles tinham esse título e o tratamento de Excelência, dados por aquela lei. O Tribunal exerceu suas atribuições até a promulgação do decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, data em que passou a denominar-se Supremo Tribunal Federal, constituído, já aí, de apenas quinzes juízes, com o tratamento de Ministros. Foram aproveitados dez dos dezessete juízes do antigo Tribunal. O Supremo Tribunal Federal se instalou a 28 de fevereiro de 1891 e a respectiva ata de instalação pode ser lida na antiga <Revista do Supremo Tribunal>, vol. 49, p. 400. O número de juízes foi diminuído para 11, pelo decreto n. 19.656, de 3 de fevereiro de 1931. Foram, posteriormente, aposentados, compulsoriamente, em decorrência desse decreto, seis magistrados. Permaneceram nove, sendo preenchidas duas vagas e ficando constituído o Tribunal, apenas, de onze membros, número que permanece até hoje. In O Supremo Tribunal do Brasil, p. 522. 191 Sobre o tema remeto o leitor ao item 5.3. do capítulo 1 da obra: Curso de Direito Constitucional, de GONET BRANCO.

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conjunto de métodos e de princípios, desenvolvidos pela doutrina e pela

jurisprudência com base em critérios ou premissas – filosóficas, metodológicas,

epistemológicas – diferentes mas, em geral, reciprocamente complementares” 192.

Com o advento do constitucionalismo moderno, o direito que aspira a

conotação de democrático, obra da persuasão e da razão, deve procurar uma

“adesão pensante”193. Nesse sentido defende Cristina Queiroz “Faz parte da

moderna teoria da interpretação determinar os fundamentos ‘racionais’ da sentença

decisória para que a partir desta a decisão possa ser controlável”194.

As decisões do Supremo Tribunal Federal por provirem do tribunal

constitucional brasileiro possuem um peso muito grande, “na medida em que o seu

conteúdo se ‘incorpora’ ao preceito constitucional na qualidade de ‘norma sub-

constitucional’”195. Significa dizer, que as decisões da Corte Suprema fixam

definitivamente o desenho do federalismo brasileiro a partir de suas decisões. Por

isso a análise dos acórdãos referente ao tema discorrido ganha relevo, identificando

a “natureza dos tribunais de justiça constitucional como ‘órgãos heterónomos’ de

produção jurídica”196.

Esse processo de produção jurídica é explicado por Cristina Queiroz197

Os tribunais de justiça constitucional quando invalidam a norma legislativa “criam” a “norma constitucional parâmetro” ou “norma sub-constitucional”. A passagem de uma “disposição significado-abstracto” ao “valor-significado concreto” leva à “transformação” de um “princípio” em “norma”, feito justamente através da fundamentação”198. “Por isso se afirma que a grande “arte” da interpretação constitucional se encontra na “transformação” dessa justificação-motivação do juiz na fundamentação das decisões judiciais”.

Sobre os limites da interpretação constitucional, Mártires Coelho desvela a

imprecisão, pontuando inicialmente que os limites da interpretação, coloca-se

primeiramente nos “domínios da comunicação humana”199. Prossegue o autor

192 CANOTILHO apud GONET BRANCO, Curso de direito constitucional, p. 90. 193 PERELMAN apud QUEIROZ, Interpretação Constitucional e Poder Judicial, p. 161. 194 Interpretação Constitucional e Poder Judicial, p. 161. 195 KELSEN apud QUEIROZ, Interpretação Constitucional e Poder Judicial, p. 162. 196 AULIUS AARNIO apud QUEIROZ, Interpretação Constitucional e Poder Judicial, p. 163. 197 Interpretação Constitucional e Poder Judicial, p. 165. 198 ESSER apud QUEIROZ, Interpretação Constitucional e Poder Judicial, p. 165. 199 ECO apud GONET BRANCO, Curso de direito constitucional, p. 115.

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relembrando a lição de Kornrad Hesse sobre a importância do texto como algo firme

e vinculante, a despeito da diversidade e da influência desses complicadores200 no

processo de concretização constitucional200. Para concluir que a norma (= o que se

extrai do texto) seja resultado e não pressuposto da interpretação201 das cortes

constitucionais.

Cabe aqui a advertência de Mártires Coelho: “não soa descabida a

advertência de que estamos caminhando para uma onipotência judicial ou, se

preferirmos, para um novo governo dos juízes, em que as grandes decisões

políticas,[...], vão se deslocando do âmbito do Legislativo e do Executivo para o do

Poder Judiciário”202. Conclui o ilustre professor com as palavras de Rubio Llorente203

que

[...] atualmente, a doutrina da interpretação é o núcleo essencial da Teoria da Constituição e do Direito Constitucional e do Direito Constitucional, assim, como da Teoria do Estado e, de certa forma, até mesmo da própria Teoria do Direito, na medida em que os traços fundamentais do novo constitucionalismo, a depender do ponto de vista em que os encaremos, podem ser causa ou conseqüência da interpretação constitucional.

Nesse contexto, “o que é relevante na sentença decisória não é a decisão

(“holding”), mas a sua fundamentação”204. Percebe-se que a fundamentação dos

processos relativos ao tema do federalismo brasileiro, o Tribunal Constitucional

Brasileiro reiteradamente pendeu para uma interpretação restritiva da autonomia dos

Estados-membros, prestigiando argumentos que desemborcam num federalismo

centralizador, mesmo diante de um novo texto constitucional que de uma certa

maneira evoluiu substancialmente em face da constituição anterior.

Esse aspecto foi ressaltado por Celso Ribeiro Bastos205 em palestra

proferida no período pré-constituinte de 1988:

200 Abertura dos enunciados e dos problemas de sentido que o texto possa suscitar quando de sua interpretação, GONET BRANCO, Curso de direito constitucional, p. 116. 201 Conclusão de Hesse, o que explica o seu empenho – como doutrinador e, sobretudo, como juiz constitucional -, em estabelecer alguns limites, mínimos embora, para a criatividade dos intérpretes da Constituição, GONET BRANCO, Curso de direito constitucional, p. 116. 202 GONET BRANCO, Curso de direito constitucional, p. 119. 203 Apud GONET BRANCO, Curso de direito constitucional, p. 122. 204 QUEIROZ, Interpretação Constitucional e Poder Judicial, p. 166. 205 BASTOS, Propostas para a Constituinte, p. 72.

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[...] o que interessa é que não há órgão tão centralizador no País quanto o nosso Supremo Tribunal Federal. Se pegarem os nossos repertórios de jurisprudência, vão ver que não há órgão realmente tão obsecadamente centralizador quanto o Supremo Tribunal Federal. Nas grandes decisões, a Professora Ada trouxe aqui pelo menos esses casos mais notoriamente conhecidos, da castração, da ação de representação no campo estadual, da subtração, na verdade autêntica de lei complementar, e nós poderíamos ir assim infindavelmente diante de um dilema; escolher entre autonomia estadual e a prerrogativa federal. O Supremo Tribunal Federal tranquilamente opta pela segunda e crê que está cumprindo uma função importante, isso é que é grave.

Diante desse quadro, mister concluir que ansiava-se que a Corte

Constitucional Brasileira diante de suas novas competências produzisse uma

interpretação capaz de assegurar o equilíbrio entre os diversos membros da

federação brasileira, nos moldes do modelo estabelecido no texto original da

Constituição Federal de 1988. Mesmo porque, a “forma federativa de Estado”206 foi

erigida a cláusula pétrea, que constitui um limite imanente ao poder constituinte

sendo postulado superior do texto constitucional coberto pelo manto da

intangibilidade207.

Como não poderia deixar de ser, a obra do Poder Constituinte Derivado não

ficou imune ao controle exercido pela Corte Suprema, que sempre entendeu

passível de exame208 as modificações por meio de emenda constitucional. Esse

controle termina por moldar o texto constitucional, o que Francisco Campos209

apregoava há mais de meio século: “O poder de interpretar a Constituição envolve,

em muitos casos, o poder de formulá-la. A Constituição está em elaboração

permanente nos tribunais incumbidos de aplicá-la [...]”.

É importante salientar que o Supremo Tribunal Federal desempenha um

papel fundamental no equilíbrio dos poderes numa prática cotidiana entre os

diversos atores envolvidos: governos estaduais, distrital, municipais e federal210.

Quando a Corte precisa esforçar-se para erigir critérios capazes de fundamentar

206 CF, art. 60, § 4º, I. 207 MENDES, Controle de Constitucionalidade, p. 113. 208 Na ampla reforma constitucional de 1925/1926 suscitou-se dúvida quanto à constitucionalidade do processo de revisão, em torno do art. 90 da Constituição de 1891 [...], o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, declarou a constitucionalidade da revisão, reconhecendo, assim, a sua competência para aferir a compatibilidade da lei de revisão com o Texto Magno – HC 18.178, de 27-9-1926, RF, 47:748. 209 Direito constitucional, p. 403. 210 SAMPAIO, A Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional, p. 565.

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suas posições contra ou a favor do Governo Federal, todos orientados,

deliberadamente ou não para identificação de uma base racional da atuação do

Congresso ou do Estado210. Nesse sentido salutar a conclusão de José Adércio

Sampaio211 “a simples obrigação de justificar já redunda em uma (sic) certa margem

de contenção e cria a necessidade de uma aparente coerência, contribuindo para

realização aproximada da pretensão de racionalidade”.

Machado Horta212 identifica duas tendências na atuação da Corte Suprema

Brasileira em temas federativos213: no rumo da maior liberdade organizatória no

âmbito das competências exclusivas dos Estados, que abrandará o controle, ou a

tendência ao controle mais intenso dessa competência organizatória, seja em

decorrência do maior volume dos temas que se espraiam na Constituição Federal

expansiva, ou pela amplitude conceitual dos princípios constitucionais, assim os

princípios estabelecidos na Constituição, que dispõem de sede pletórica no campo

dos Direitos e Garantias Fundamentais, e os princípios constitucionais de

observância obrigatória pelos Estados.

O Supremo Tribunal Federal, exercendo sua competência precípua de

“guarda da Constituição214”, consolidou ao longo de quase vinte anos de vigência da

Carta Política atual um modelo de Estado Federalista, que se identifica com uma

excessiva predominância do centro em face da periferia. Essa tendência

jurisprudencial tem como característica uma interpretação inicial muito favorável aos

interesses do ente central e desfavorável aos demais entes; no entanto, diante de

uma renovação da composição da Corte, é possível identificar uma tênue

modificação de entendimento no sentido de valorizar a atuação dos demais

membros da federação.

211 A Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional, p. 566. 212 O Estado-membro na Constituição Federal Brasileira, pp. 88-89. 213 O autor comenta sobre o controle da constitucionalidade das Constituições dos Estados e de seu poder de organização, o que não deixa de ser um tema ligado ao Federalismo, imbricado com a autonomia do ente federal. 214 Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: LTr, 1988, expressão mantida mesmo após a EC n. 45/04.

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Capítulo 7

Temas Federalistas e Jurisdição Constitucional

Atual e escorreito o pensamento do saudoso constitucionalista Celso Bastos

que alardeava com pesar que o federalismo “não tem muito glamour” diante de

outros temas de direito constitucional, e apontava com visão crítica para uma

derrocada dessa forma de governo no Brasil pré e pós Constituição de 1988.

Apresentaremos um panorama da jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal sobre temas federalistas, que possuem caráter puramente indicativo, que

em certa medida confirmam a prédica de Celso Bastos, destacadamente em torno:

(I) Autonomia financeira e tributária; (II) Auto-organização dos entes federais: criação

de municípios ; (III) Auto-organização: fixação do número de vereadores.

7.1 A autonomia do ente federativo

Segundo José Afonso215, “a autonomia federativa assenta-se em dois

elementos básicos: a) na existência de órgãos governamentais próprios216; [...] b) na

posse de competências exclusivas, um mínimos, ao menos, que não seja

ridiculamente reduzido”.

7.1.1 Autonomia financeira e tributária

A autonomia financeira e tributária dos entes federais, um dos pilares

centrais do edifício federal brasileiro, é continuamente danificado pela obra diuturna

do constituinte derivado que concentra renda em torno da União, por meio do

sistema tributário nacional e aumenta os encargos obrigatórios dos entes parciais.

215 Direito constitucional positivo, p. 100. 216 Compreendida também como auto-organização.

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Desde a advertência de Marshall permanece a máxima de que o poder de

taxar é o mesmo poder de destruir, que no Federalismo pátrio atua para “destruir” a

autonomia dos demais entes da federação em prol da União.

O sistema tributário nacional dispõe de institutos que em razão das

alterações produzidas potencializam os poderes da União. O processo é muito sutil

e laborioso de ser demonstrado diante da multiplicidade de elementos que dificultam

sua compreensão sistêmica, mas é altamente eficaz na concentração de Poder em

torno do ente central da Federação Brasileira – a União.

Mesmo para o idealizador da Carta Política Brasileira de 1937217 que mais

atentou contra a autonomia dos entes federais entendia que: “Quem tributa pode

constranger, limitar, reduzir, cercear, impedir, obstruir ou anular as faculdades do

tributado”218. No mesmo sentido, Mártires Coelho219 220 alertou para a conseqüência

oriunda do controle da economia e das finanças pela União que “acabou reduzindo

as demais entidades políticas à humilhante condição de verdadeiros mendigos, que

a todo instante se vêem obrigados a bater às portas do Tesouro Nacional, em busca

de recursos para a satisfação das necessidades mais elementares de suas

populações”.

A Constituição Federal disciplinou a questão fiscal em dois títulos diferentes:

Título VI – Da Tributação e do Orçamento – Capítulo I – Do Sistema Tributário

Nacional (arts. 145-162) e Título VIII – Da Ordem Social – Capítulo II – Da

Seguridade Social (arts. 194-203).

O primeiro instituto a ser examinado diz respeito à proibição de instituição de

impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros (CF, art. 150, VI, a),

a denominada imunidade221 recíproca, vedação essa extensiva às autarquias e às

fundações instituídas e mantidas pelo poder público, no que se refere ao patrimônio,

à renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas

decorrentes (CF, art.150, § 2º).

217 O doutrinador Francisco Campos. 218 CAMPOS, Direito constitucional, p. 21. 219 Palestra proferida em 28-3-85, no Seminário “Propostas para a Constituinte”, promovido pela Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo. 220 Federalismo e Descentralização, p. 28. 221 Essa supressão (interna) “de uma parcela do poder de tributar por meio de norma constitucional recebe o nome de imunidade” (ÁVILA, 2006, p. 214).

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Alerta Humberto Ávila222: “o dever de o Estado garantir a estrutura federativa

implica excluir de cada ente federado o poder de tributar o patrimônio, renda ou

serviços dos outros (art. 150, VI, “a”).

É interessante anotar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem

normalmente aplicado as normas relativas à imunidade, de modo teleológico, no

sentido de examinar os fins subjacentes às normas constitucionais, de sorte a

abranger na imunidade os fatos necessários à garantia dos fins públicos referentes

às imunidades (garantia e promoção da federação, da liberdade religiosa, do

processo democrático, da educação, da liberdade de manifestação do

pensamento)223. No entanto, quando envolve a imunidade em face dos demais entes

federais quanto às contribuições, o Supremo Tribunal Federal interpretou o

dispositivo que utiliza o termo “impostos” privilegiando o elemento literal224 e ainda,

que a imunidade não pode ser excluída, caso contrário a função pública das

instituições seria restringida225.

A imunidade qualifica-se como meio para garantir a promoção de

determinados fins públicos e nos termos do artigo 150 da Constituição limita-se aos

impostos. As taxas, as contribuições (sociais e de intervenção no domínio

econômico) não estão abrangidas pela imunidade.

Humberto Ávila226 aprimora o argumento e mergulha no tema ao traçar um

paralelo entre imunidade e autonomia financeira dentro de um quadro de “paridade

financeira”: O fundamento constitucional da imunidade recíproca é o princípio

federativo, que funciona, por sua fez, como um fundamento jurídico-político do ordenamento constitucional. Nesse sentido, o princípio federativo exige autonomia das pessoas políticas. Pressuposto necessários dessa autonomia é a autonomia financeira. Isso implica dizer que a proibição de as pessoas políticas instituírem impostos sobre patrimônio, renda ou serviços umas das outras decorre implicitamente do princípio federativo.227 A

222 Sistema Constitucional Tributário, p. 214. 223 ÁVILA, Sistema Constitucional Tributário, p. 215. 224 Brasil. Supremo Tribunal Federal.AIAg N. 174.540, STF, 2ª Turma, Rel. Min. Maurício Corrêa, julg. 13/2/96, DJ 26/4/96, ver também, RE 170.717, 129.930 – RTJ 136/846. 225 Brasil. Supremo Tribunal Federal. RE 70.572/BA, STF, 1ª Turma, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, julg. 28/9/71, DJ 10/3/72. 226 Sistema Constitucional Tributário, pp. 219-220. 227 Sobre isso, ver: CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 183; CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 103 e 492; LACOMBE, Américo Lourenço Masset. Imunidade Tributária Recíproca. Estudos Jurídicos em homenagem a Vicente Ráo. São Paulo: RT, 1976, p. 213 e ss apud ÁVILA, p. 219.

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continuidade da autonomia política das pessoas políticas é causa da imunidade recíproca.228

A problemática da tributação dos demais entes federais pela União se

apresenta com toda a pujança no financiamento da Seguridade Social que engloba

“os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (CF, art. 194,

caput). Encaixando a Seguridade Social no Federalismo Brasileiro, tem-se que os

Municípios atuam229 diretamente na área de saúde230 e de previdência social de

seus servidores públicos, quando organiza sistema próprio, ou por meio indireto,

quando contribuem para a assistência social e previdência social de seus servidores

no regime geral. Os Estados seguem as regras dos municípios, e a União por seu

turno, atua nos três segmentos.

Apenas a União pode instituir contribuições sociais, e segundo a

jurisprudência do STF os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem

contribuir para a seguridade social que deve ser financiada por toda a sociedade

(CF, art. 195, caput), e o produto dessas contribuições são arrecadas e

administradas exclusivamente pela União, sem qualquer rateio com os demais entes

federais.

Humberto Ávila apresenta substancioso estudo sobre as contribuições na

Constituição Federal, que apesar de relevante foge ao escopo do presente trabalho,

mas que merece registro.231

228 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1960. p. 95 apud ÁVILA, p. 219. 229 Atuar no sentido de prestar o serviço com recursos próprios. 230 Por meio de ações do Sistema Único de Saúde.

231 Sistema Constitucional Tributário, p. 256-259. As contribuições sociais, cuja instituição é autorizada pela Constituição, especialmente pelos artigos 149 e 195, são tributo. [...] Isso não significa que as contribuições tenham o mesmo regime jurídico das outras espécies. [...], o regime jurídico distinto não conduz a naturezas jurídicas discordantes. [...] A definição das contribuições como espécie de tributo é relevante. Apesar de cada espécie tributária ter seu regime jurídico constitucional (umas devem ser instituídas por lei complementar, outras por lei ordinária; umas sujeitam-se à regra da anterioridade geral, outras à da anterioridade de noventa dias; umas têm sua hipótese de incidência expressamente delimitada, outras apenas implicitamente e assim por diante), a sua conceituação como tributo sujeita-se às normas gerais de direito tributário e aos princípios constitucionais relativos à proteção da dignidade, da igualdade, da propriedade e da liberdade.[...] O que existe no regime jurídico constitucional das mesmas231 e que lhes confere identidade específica é a circunstância de serem instrumento para a promoção de finalidades constitucionalmente postas em caráter permanente. [...], as contribuições são devidas para promover ideais, independentemente de valores específicos. Os ideais não são esgotáveis. Eles devem ser, de modo incessante e inesgotável, buscado. [...], pode-se concluir que o que caracteriza as contribuições não é

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7.1.2.1 Descaracterização das contribuições sociais – EC 20/98, que permitiram a União mudar a destinação dos recursos das contribuições sociais – art. 167,

XI

Em resumo, os Estados, Distrito Federal e Municípios financiam com

recursos próprios a seguridade social nas áreas de saúde e assistência social, e

ainda contribuem para a previdência social de seus servidores públicos quando

desprovidos de regime previdenciário próprio.

As distorções se avolumam quando de um lado, por meio de alterações

constitucionais, muitas vezes casuísticas, permite-se à União a desvinculação de

receitas para a seguridade serem aplicadas em destinações outras para as quais

foram criadas, e de outro a vinculação de receitas tributárias dos Estados, Distrito

Federal e Municípios em percentuais de aplicação em despesas com saúde, o que

fulmina com a auto-organização e a autonomia financeira dos entes federados,

pedra angular do sistema.

Conforme salientado por Humberto Ávila232, as contribuições sociais visam

financiar ideais, independentemente de valores específicos, não esgotáveis, em

caráter permanente que devem ser buscados de modo incessante e inesgotável.

Essa característica essencial é o que lhe dá identidade e lhe permite sua

criação nos moldes estabelecidos na Constituição Federal, sendo aquilo que os

exclusivamente a sua vinculação a uma finalidade, o que é verdadeiro, mas não exclusivo. O que as diferencia é a sua vinculação a uma finalidade ideal, com grau de abstração maior, em determinada área (social, econômica ou profissional). Lembre-se que, apesar de as contribuições de intervenção no domínio econômico possuírem um fim mais concreto (a intervenção), que as diferencia das demais contribuições, esse mesmo fim serve de meio para a promoção de uma finalidade mais abstrata: promover os princípios gerais da atividade econômica. [...] No caso das contribuições, o elemento distintivo é a sua vinculação a uma finalidade qualificada como aspecto graduável de um estado de coisas (graduell abstufbaren Aspekt Von Zuständen) ou critério de gradução (Rangkriterium). A desvantagem preliminar dessa finalidade ser menos definida está no fato de que ela é mais dificilmente controlável, pois não permite avaliar um ponto específico em que pode ser considerada realizada: a fiscalização profissional, a assistência, a previdência e a saúde e as finalidades econômicas deverão ser continuamente buscadas, não se sabendo exatamente o ponto em que podem ser consideradas atingidas ou não. 232 Sistema Constitucional Tributário, p. 258.

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economistas denominam de verbas carimbadas, que diante de sua finalidade

específica somente podem ser utilizados os recursos arrecadados para atender

aquelas finalidades.

Ávila233 destaca a prática nefasta de se trazer o desvio de finalidade234 para

o texto da Constituição e referendar a aplicação da contribuição social dissociada de

sua finalidade constitucional que lhe serve de fundamento criativo 235.

Outro aspecto do problema diz respeito à superação da separação

estabelecida pelo legislador constituinte, apontada pelo saudoso Miguel Reale236

entre o social e o estatal, “ao disciplinar os meios e modos de financiamento da

Seguridade Social, confere status autônomo a seu orçamento, claramente distinto

dos outros dois abrangidos pela lei orçamentária anual”. A desvinculação das

receitas da União agrediram diretamente esse princípio-mor da Carta de 1988, o que

de certa maneira demandaria um exame aprofundado que foge ao escopo do

presente trabalho.

7.1.2.2 Instituição de restrições ao poder de isentar dos Municípios

Em 1981237, a genialidade de Machado Horta238 já demonstrava a íntima

imbricação entre o federalismo e o poder de isentar, e que a intromissão da União

na competência tributária do Estado, para conceder isenções de impostos mutila a

233 Sistema Constitucional Tributário, p. 270. 234 Que constitui fundamento de validade e elemento característico da contribuição.

235 Humberto Ávila anota que: É preciso atentar, porém, para o fato de que a Constituição Federal tem sido sucessivamente alterada por emendas constitucionais que terminam por colocar, ao nível constitucional, o desvio de finalidade. [...] O mesmo ocorreu recentemente com a Emenda Constitucional n. 44/04 – que ao inserir novo inciso ao art. 159 da CF, reserva determinado percentual do produto da arrecadação da contribuição de intervenção no domínio econômico para os Estados e o Distrito Federal, em flagrante desvio de finalidade original das contribuições. Isso significa entre outras coisas, que a própria Constituição está permitindo que a destinação constitucional seja desviada, inclusive com relação a contribuições cuja constitucionalidade, no momento da sua instituição, dependia da vinculação a determinadas finalidades. Trata-se de um atentado superveniente (após a instituição das contribuições) e retroativo (com eficácia relativa às contribuições já instituídas) à promoção das finalidades constitucionais. 236 Aplicações da Constituição de 1988, p. 63. 237 Conferência proferida no Seminário de Direito Constitucional promovido pelo Instituto dos Advogados de Minas Gerais em 19 de maio de 1981. 238 Reconstrução do federalismo brasileiro, p. 20.

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autonomia estadual, “não obstante os invocáveis propósitos de harmonização

tributária”238, que apesar sob a ótica da constituição pretérita permanece atual seu

pensamento

É fora de dúvida que, não obstante os invocáveis propósitos de harmonização tributária, a regra que subtraiu a cada Estado-Membro o poder de isentar na área do principal imposto de sua política fiscal fere e lesa o exercício da competência tributária estadual.

No regramento do ISS pelo constituinte originário cabia à lei complementar

fixar as alíquotas máximas239 e excluir da incidência do imposto exportações de

serviços para o exterior240. O constituinte reformador inseriu no Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias o art. 88 que estabeleceu a alíquota mínima de dois por

cento, exceto para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da Lista de

Serviços anexa ao Decreto lei n. 406, de 31 de dezembro de 1968241, e proibição de

isenção, incentivos e benefícios fiscais, que resulte, direta ou indiretamente, na

redução da alíquota mínima estabelecida no inciso I242.

A restrição imposta pelo legislador constituinte padece de pelo menos dois

vícios graves, o primeiro, por criar novas hipóteses das regras transitórias no Ato

das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta de 1988243, que por sua

natureza são aquelas presentes e necessárias no advento da nova ordem jurídica

inaugurada pelo novel texto constitucional244. O segundo e não menos importante,

239 Art. 156, § 4º, inciso I da CF/88, na redação original. 240 Art. 156, § 4º, inciso II da CF/88, na redação original. 241 Art. 88, inciso I do ADCT da CF/88, acrescido pela EC n. 37, de 12 de junho de 2002. 242 Art. 88, inciso II do ADCT da CF/88, acrescido pela EC n. 37, de 12 de junho de 2002.

243 Uma das maneiras perniciosas usadas para modificar a Constituição Federal consistiu em descaracterizar os Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, permitindo a eternização de situações efêmeras, o que no histórico constitucional brasileiro ocorreu apenas em momentos de ditadura nas Cartas de 1937 e 1967.

244 O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988 engloba estipulações quanto à providências a serem adotadas no período de transição entre a ordem constitucional pregressa e a promulgada em 5 de outubro. Consigna mandamentos que se extinguirão por terem cumprido sua tarefa no tempo e no espaço. As disposições transitórias incidem sobre um determinado ato ou fato socioconstitucional relevante. A efemeridade desses preceitos não lhes subtrai a força das disposições permanentes, no que tange à aplicabilidade e cogência, embora localizadas e fixadas em um determinado lapso de tempo, ou até que ocorrida certa condição de exigibilidade fática (nesse sentido: Sérgio A. Frazão do Couto, A atual Constituição explicada, 5. Ed., Belém, Cejup, 1989, p. 205) apud BULOS, Constituição Federal Anotada, p. 1446. Índole jurídica das disposições transitórias. As disposições transitórias veiculam-se através de atos, que se exteriorizam por um conjunto de normas, incumbidas de cuidar do direito transitório ou intertemporal. - Tais atos, convertidos pelo legislador em normas, desempenham efeito integrativo porquanto procuram conciliar os efeitos da ordem constitucional venha com o produto positivado advindo da manifestação

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constituinte originária nova. O objetivo desse verdadeiro mecanismo de engenharia jurídica é simples: harmonizar as pendências herdadas do passado com as disposições voltadas para o futuro, evitando incompatibilidades, situações desastrosas, violações ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Seria impossível, do pondo de vista técnico, existir, no tempo e no espaço, duas constituições simultaneamente. Note-se que a técnica de redação das Disposições Transitórias “é diversa da técnica redacional da parte permanente. Não há divisão da matéria em Títulos, Capítulos ou Seções, de modo a agrupar em cada um os assuntos diferenciados. Os temas são tratados indistintamente, sem a preocupação de ordenação, unidade e sistematização. É o terreno do depósito residual, da miscelânea e da mistura normativa. O traço que aproxima as normas heterogêneas é a temporalidade e a transitoriedade. São normas que vão desaparecer. Esse desaparecimento que as torna mais efêmeras ou de menor duração no tempo advirá do prazo fixado para cumprimenot de atos ou de determinações do constituinte, ou , ainda, pela sucumbência no tempo do direito, da garantia ou da situação assegurada aos respectivos titulares e que findarão com eles. Norma permanente nas disposições transitórias é norma anômala. Foi dessa categoria o conhecido art. 180 da Carta de 1937, que, prevendo competência transitória do Presidente da República – ‘enquanto não se reunir o Parlamento Nacional’ - , como a condição não se verificou na vigência da Carta de 1937, o art. 18u0 tornou-se regra permanente, para fundamentar a pletórica atividade legislativa do Presidente da República na via de Decretos-leis” (Raul Machado Horta, Estudos de direito constitucional, Belo Horizonte, Del Rey, 1995, p. 327) apud (BULOS, Constituição Federal Anotada, 2007, pp. 1446-1447). Ato das Disposições Transitórias e normas de eficácia exaurida. Os atos das disposições transitórias evidenciam aquelas normasque desapareceram por já terem realizado a função para a qual foram criadas. São exauridas, porque: a) exerceram seu papel, não estando sujeitas a termo ou condição proveniente de manifestação legislativa; b) esgotaram a duração temporária prevista para realizar seus fins, quer através da concreção dos benefícios ou direitos que nelas se continham, quer através do decurso dos prazos constitucionais estabelecidos; c) cumpriram a condição de normas receptoras, nada mais tendo para recepcionar (BULOS, Constituição Federal Anotada, 2007, pp. 1448-1449). Ato das Disposições Transitórias e Reforma Constitucional. Seria possível uma reforma constitucional, através de emenda, revalidar atos transitórios que já perderam seus efeitos? Parece-nos que a resposta a essa indagação só pode ser no sentido de proibir-se reformas constitucionais de disposições transitórias de eficácia exaurida. Logo, os atos transitórios que cumpriram suas funções não estão sujeitos à incidência do poder de reforma constitucional. Aceitar emendas às disposições do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que já esgotaram seus efeitos, é o mesmo que defender o emprego da repristinação, prática que deve ser combatida em nome da certeza e segurança das relações jurídicas. Ademais, as disposições transitórias participam da técnica jurídica da intertemporalidade. Não se pode renegar o cunho passageiro, efêmero e até precário de tais disposições, voltadas a solver possíveis e prováveis antinomias normativas, e de curta duração. Ao cumprirem seu mister, desvanecem-se, perdem a razão de ser, porque solucionaram conflitos entre normas antigas e normas atuais, conciliando os efeitos imediatos e os efeitos retroativos disseminados. Por isso, emendá-las, a fim de restaurar-lhes a produção de eficácia, é desvirtuar o fim para o qual se propuseram. A reforma das disposições transitórias de eficácia exaurida, através da técnica da emenda, espécie do gênero reforma, muito mais do que mero desvio de competência, é contumélia execrável, vício irremissível, corrosão ao caráter originário, inicial, autônomo e incondicionado do poder constituinte, que as concebeu para durar momentaneamente. Lídimo atentado à supremacia do poder constituinte originário, a reforma constitucional de atos transitórios, de eficácia exaurida, recai naquilo que se pode cognominar fraude à Constituição. Excetuando-se a condenável e excepcional hipótese, aliás inaplicável ao Estado brasileiro, em que o próprio poder constituinte originário insere cláusula expressa no texto da Constituição, permitindo modificações formais de disposições transitórias esvaídas, está totalmente descartada, do ângulo lógico-jurídico, a possibilidade de o poder reformador alterar atos transitórios de eficácia exaurida. [...] Noutra esfera, poderiam ser reformulados, por via de emenda à Constituição, aqueles dispositivos transitórios que ainda não concretizaram seus efeitos? A situação aí é diferente, porque levam-se em conta preceitos que ainda desempenharão efeitos. Nesse caso, emendas constitucionais, inclusive aditivas, podem ser propostas, mas com rigorosa observância aos limites expressos e implícitos, condicionadores do exercício da competência reformadora, à luz do juízo de conveniência e oportunidade, subjacentes às cláusulas irreformáveis do art. 60, § 4º, I, II, III, IV, integrantes do núcleo imodificável do Texto de 1988 (BULOS, Constituição Federal Anotada, 2007, p. 1449).

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por violação à autonomia do município de estabelecer sua política fiscal, o poder de

isentar encontra-se dentro dessa autonomia.

7.1.3 A auto-organização e a Criação e o desmembramento de municípios

A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil foi

idealizada pelo constituinte de 1988 em três níveis: a União, os Estados e o Distrito

Federal e os Municípios (art. 18, caput) 245, e previu a reorganização interna em dois

níveis, a dos Estados, com a aprovação da população diretamente interessada,

através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar (art. 18, § 3º),

e a dos Municípios, consulta prévia às populações diretamente interessadas, por lei

estadual, obedecidos os requisitos previstos em lei complementar estadual (art. 18,

§ 4º 246).

Esse modelo foi modificado substancialmente com a Emenda Constitucional

n. 15, de 12 de setembro de 1996, que deu nova redação ao § 4º do art. 18 da

Constituição Federal247, ao prevê a edição de lei complementar federal estipulando

um período para a criação, incorporação, fusão e o desmembramento de Municípios,

consulta prévia, às populações dos Municípios envolvidos, após a divulgação dos

Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei. Tal

modificação leva a efeito pelo Poder Constituinte Derivado viola de forma categórica

e expressa a cláusula pétrea constante do art. 60, § 4º, inciso I da Constituição

Federal de 1988, na medida em que concentra poderes na União e retira dos

Estados o poder de auto-organização de seu território, retornando ao modelo da

constituição anteriormente revogada de cunho eminentemente centralizador.

A análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal envolverá três

períodos distintos: de 5 de outubro de 1988 até 11 de setembro de 1996; após 12 de

setembro de 1996, que por seu turno, subdivide-se em antes e depois da declaração

245 Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: LTr, 1988. 246 Redação vigente entre 5/10/88 e 12/9/96. 247 Brasil. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 15, de 12 de setembro de 1996. Dá nova redação ao § 4º do art. 18 da Constituição Federal. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

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de omissão constitucional do Congresso Nacional de editar a lei complementar

prevista no § 4º do art. 18 da CF, com a redação dada pela EC n. 15, de 1996.

7.1.3.1 Criação de municípios entre 5 de outubro de 1988 até 10 de setembro de 1996, véspera da promulgação da EC 15/96

O primeiro processo envolvendo a problemática de criação de municípios,

delimitação de território, alteração de limites e outros pontos afins, analisado pelo

Supremo Tribunal Federal após a Constituição Federal de 1988, em seu texto

original, diz respeito à ADI 188248, com pedido de liminar, em que se argüia a

inconstitucionalidade do art. 2º, incisos I, II, III e IV e parágrafo único da Constituição

Estadual do Ceará, que “em razão da construção de açude público do Castanhão,

redefiniu o espaço físico do Município de Jaguaribara”, em detrimento de outros

municípios da região. A medida liminar foi deferida, ad referendum do Plenário, no

período de férias, pelo Sr. Min. Sydney Sanches e referendada em julgamento de 7

de fevereiro de 1990, no voto do Min. Moreira Alves que destacou como fundamento

do periculum in mora, “[...] problemas políticos, administrativos e financeiros que

advirão se a causa for julgada procedente”. O mérito da ação não foi examinado

pela Corte, em razão de prejudicialidade declarada em julgamento de Questão de

Ordem argüida pelo relator249.

Na ação direta de inconstitucionalidade nº 222250, com pedido de liminar,

novamente foi levado ao Supremo Tribunal Federal o tema relativo a criação,

desmembramento de municípios no Rio de Janeiro, em face do art. 91, caput, e seus

incisos e parágrafos do ADCT da Constituição Estadual e dos arts. 1º e 2º das

248 Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 188-4 Ceará (liminar). Alteração de limites de municípios impugnada à vista do disposto no art. 18, parágrafo 4º da Constituição Federal. Relator: Min. Moreira Alves, Pleno, julgamento em 7/2/90, DJ 16/3/90. 249 Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI-QO nº 188-4 Ceará. “[...] seja por perda do objeto decorrente da derrogação da norma impugnada, seja por ter sido substancialmente alterado o dispositivo da Constituição Federal em face do qual se fez a arguição de inconstitucionalidade -, a presente ação direta está prejudicada”. Relator: Min. Moreira Alves, Pleno, julgamento em 6/12/2001, DJ 22/2/2002. 250 Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC nº 222-8 Rio de Janeiro (liminar). Realização de plebiscitos em vários municípios do Estado do Rio de Janeiro, para deliberação sobre a disposição da população local em transformar distritos em novos Municípios. Relator: Min. Aldir Passarinho, Pleno, julgamento em 28/3/90, DJ 27/4/90.

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disposições transitórias da Lei Complementar nº 59, de 22 de fevereiro de 1990.

Esse julgamento pode ser apontado como o primeiro exame de mérito pela Corte

Suprema Brasileira dos limites da auto-organização dos Estados-membros da

Federação Brasileira de criarem seus municípios. O que torna o precedente como

valioso objeto de estudo.

Na assentada em que o mérito foi apreciado, o relator original Min. Aldir

Passarinho entendeu que o artigo 91 e seus incisos e parágrafos do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Estadual do Rio de Janeiro

não violavam a Constituição Federal (art. 18, § 4º), pois, na verdade, o artigo

impugnado determinava a convocação de plebiscito das populações interessadas

para manifestarem-se sobre a criação de municípios no estado do Rio de Janeiro.

No entanto, o relator para o acórdão Min. Sepúlveda Pertence julga inconstitucional

o art. 91 do ADCT da CE/RJ por afrontar ao “processo de mecanismo de decisão”

que teria sido estabelecido pelo constituinte de 1988 no art. 18 § 4º em sua redação

original. Todavia, nos parece que o nobre julgador analisou o novo modelo

constitucional de criação de municípios que deferiu aos Estados-membros a fixação

dos critérios desde que se preserva-se a “continuidade e a unidade histórico-cultural

do ambiente urbano [...], obedecidos os requisitos previstos em lei complementar

estadual, e de dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações

diretamente interessadas”251 sob o prisma da Constituição de 1967 e a Emenda n. 1

de 1969, regulamentada pela Lei Complementar Federal n. 1, de 9 de novembro de

1967. No início de seu voto, o nobre Ministro Sepúlveda Pertence, faz um breve

histórico da matéria nas constituições brasileiras e pontua que “a primeira restrição à

plena autonomia dos Estados-membros para a criação dos Municípios [...] deve-se

ao Ato Institucional n. 2 de 1965 (artigo 22)”, prossegue defendendo que a

Constituição Federal estabelece uma apuração prévia da satisfação dos requisitos

objetivos da criação dos Municípios, e que o art. 91 do ADCT da Constituição

Estadual do Rio de Janeiro não poderia autorizar a realização do plebiscito para

alguns municípios antes da verificação daqueles requisitos252.

251 Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: LTr, 1988. 252 Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 222-8 Rio de Janeiro (mérito). Realização de plebiscitos em vários municípios do Estado do Rio de Janeiro, para deliberação sobre a disposição da população local em transformar distritos em novos Municípios. Relator para acórdão: Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, julgamento em 24/5/90, DJ 6/9/91.

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Para justificar sua tese, defende o nobre relator designado que

[...] sempre que a Constituição impôs, explicita ou implicitamente, um processo como mecanismo de tomada de uma decisão, o que se tem de presumir é que impôs, por via de conseqüência, que esse procedimento siga a ordem lógica, coerente, do objeto das várias decisões que se sucedem nesse procedimento.

[...] Se, nesse processo do art. 18, § 4º, a Constituição impôs

requisitos objetivos à validade da dúplice decisão política – plebiscito mais lei estadual – de criar município, a mim me bastaria a consideração de que se haveria de concluir que a Constituição pretendeu verificá-los antes do ato de vontade, cuja validade e cuja eficácia dependem da sua apuração252.

Na verdade, existe uma fundamentação implícita baseada nas regras da Lei

Complementar Federal n. 1, de 9 de novembro de 1967 253, que estabelecia um

procedimento com requisitos objetivos de número mínimo de habitantes, casas,

eleitores e arrecadação proporcional à estadual (art. 2º)254 e culminava na realização

do plebiscito (art. 3º)255. Ou seja, o nobre relator designado fez uma análise do

processo à luz de dispositivos legais editados sob a égide da Constituição de 1967 e

253 Brasil. Lei Complementar n. 1, de 9 de novembro de 1967. Estabelece os requisitos mínimos de população e renda pública e a forma de consulta prévia às populações locais, para a criação de novos Municípios. Diário Oficial da União – Seção I – Parte I – de 10 de novembro de 1967. 254 Brasil. Lei Complementar n. 1, de 9 de novembro de 1967. Diário Oficial da União – Seção I – Parte I – de 10 de novembro de 1967.

Art. 2º - Nenhum Município será criado sem a verificação da existência, na respectiva área territorial, dos seguintes requisitos:

I - população estimada, superior a 10.000 (dez mil) habitantes ou não inferior a 5 (cinco) milésimos da existente no Estado;

II - eleitorado não inferior a 10% (dez por cento) da população; III - centro urbano já constituído, com número de casas superior a 200 (duzentas); IV - arrecadação, no último exercício, de 5 (cinco) milésimos da receita estadual de

impostos. § 1º - Não será permitida a criação de Município, desde que esta medida importe, para o

Município ou Municípios de origem, na perda dos requisitos exigidos nesta Lei. § 2º - Os requisitos dos incisos I e III serão apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística, o de nº II pelo Tribunal Regional Eleitoral do respectivo Estado e o de número IV, pelo órgão fazendário estadual. § 3º - As Assembléias Legislativas dos Estados requisitarão, dos órgãos de que trata o parágrafo anterior, as informações sobre as condições de que tratam os incisos I a IV e o § 1º deste artigo, as quais serão prestadas no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data do recebimento. 255 Brasil. Lei Complementar n. 1, de 9 de novembro de 1967. Diário Oficial da União – Seção I – Parte I – de 10 de novembro de 1967.

Art. 3º - As Assembléias Legislativas, atendidas as exigências do artigo anterior, determinarão a realização de plebiscito para consulta à população da área territorial a ser elevada à categoria de Município.

Parágrafo único - A forma da consulta plebiscitária será regulada mediante resoluções expedidas pelos Tribunais Regionais Eleitorais, respeitados os seguintes preceitos:

I - residência do votante há mais de 1 (um) ano, na área a ser desmembrada; II - cédula oficial, que conterá as palavras "Sim" ou "Não", indicando respectivamente a

aprovação ou rejeição da criação do Município.

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a Emenda n. 1, de 1969, que adotava uma posição totalmente restritiva a autonomia

dos Estados-membros na federação brasileira.

Na verdade, como bem assinalou o Min. Aldir Passarinho, o legislador

estadual não criou qualquer município na Constituição Estadual, apenas autorizou o

plebiscito.

Na ADI nº 192256, o Supremo Tribunal Federal, no voto do Min. Moreira

Alves, concedeu a liminar após considerar relevante a fundamentação jurídica do

pedido e a fixação de datas para as eleições municipais em calendário divulgado por

meio de resolução do Tribunal Regional Eleitoral. No mérito257, a Corte, por

unanimidade, julgou procedente a ação de declarou a inconstitucionalidade dos

dispositivos da constituição estadual impugnados que criava o município de Ana

Rech, desmembrado de Caxias do Sul. Destaca-se, por oportuno, do voto do relator

Min. Moreira Alves o seguinte trecho

[...] a criação de Município por lei constitucional estadual é inconstitucional, uma vez que, tendo a Constituição Federal determinado que ela se faria por lei ordinária, impõe aos Estados-membros a participação, em sua feitura do Chefe do Poder Executivo estadual, que pode, inclusive vetá-la.

Percebe-se, claramente a criação pela Corte Suprema de uma teoria que

enxerga um princípio sensível de reprodução obrigatória pelos Estados-membros e

pelo Distrito Federal, de observância compulsória do processo legislativo federal.

Essa questão foi profundamente abordada por Leo Ferreira Leoncy258.

Na verdade, o Supremo Tribunal Federal impôs aos Estados, Distrito Federal

e Municípios a observância do processo legislativo federal, no que se refere as

256 Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 192 Rio Grande do Sul (liminar). Criação do município de Ana Rech, distrito de Caxias do Sul, no art. 45, parágrafos e inicisos do ADCT da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul. Relator: Min. Moreira Alves, Pleno, julgamento em 9/3/90, DJ 6/4/90. 257 Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 192 Rio Grande do Sul (mérito). Criação do município de Ana Rech, distrito de Caxias do Sul, no art. 45, parágrafos e inicisos do ADCT da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul. Relator: Min. Moreira Alves, Pleno, julgamento em 4/12/92, DJ 6/9/01. 258 Controle de Constitucionalidade Estadual. As normas de observância obrigatória e a defesa abstrata da Constituição do Estado-membro/ Léo Ferreira Leoncy. São Paulo: Saraiva, 2007.

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regras de iniciativa, previsto como de observância obrigatória, expressa na

Constituição de 1967 e na Emenda Constitucional nº 1, de 1969, art. 13, III259.

7.1.3.2 Criação de municípios após 11 de setembro de 1996, promulgação da EC n. 15/96, que alterou o § 4º do art. 18 da Constituição Federal até o

julgamento da ADI 3682

No intervalo da promulgação da CF/88 e a Emenda Constitucional n. 15, de

1996, o Supremo Tribunal Federal apreciou a criação de novos municípios, e

declarou a inconstitucionalidade de município gaúcho criado por lei constitucional

estadual, por violação ao modelo de processo legislativo insculpido na Constituição

Federal de que prevê a participação do Chefe do Executivo Estadual no processo de

elaboração da lei260.

O que não existiu durante a vigência do texto original, muito menos poderia

ocorrer com as modificações processadas no § 4º do art. 18 da Carta Magna261 atual

que assim expressa:

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

[...]

§ 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei.

259 Brasil. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal – Subsecretaria de Edições Técnicas, 10 ed.,1986. Art. 13. Os Estados organizar-se-ão e reger-se-ão pelas Constituições e leis que adotarem, respeitados, dentre outros princípios estabelecidos nesta Constituição, os seguintes: [...] III – o processo legislativo; 260 Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 192, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, voto. 261 Brasil. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 15, de 12 de setembro de 1996. Dá nova redação ao § 4º do art. 18 da Constituição Federal. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

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Essa fase é caracterizada por uma cristalização da jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal, capitaneada pelo julgamento da ADI-MC 2381262 263, que

fulminou qualquer tentativa de criação, incorporação, fusão e ou o desmembramento

de Municípios enquanto não editada a lei complementar federal prevista no § 4º do

art. 18 da Constituição Federal, com a redação dada pela EC n. 15/96.

Desse momento, é possível destacar como relevante a análise levada a

efeito pelo Ministro Sepúlveda Pertence, em seu voto quando do julgamento liminar

da ADI 2381, quanto a inconstitucionalidade da EC n. 15/96, por violar o art. 60, § 4º,

I da Constituição Federal. O d. relator arrostou a tese de inconstitucionalidade da

emenda constitucional levantada pela Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul

em suas informações, que mesmo sendo em obiter dictum merece destaque.

Por fim, não me convenci da densidade da argüição – pelas razões da Assembléia Legislativa – malgrado articulado com argúcia – da inconstitucionalidade da EC 15/96, por desrespeito ao princípio intangível da Federação (CF, art. 60, § 4º, I), dado haver transferido dos Estados para a União o poder de regular o desmembramento de municípios. Por diversas vezes tenho tido a oportunidade de ressaltar, com o respaldo do Plenário, que o limite material invocado ao poder de emenda constitucional não implica vedar qualquer alteração do modelo positivo originário da forma federativa do Estado, mas apenas de seus núcleos essenciais de identificação (v.g., MS 23.047, 11.2.98, Pertence, Inf 99, voto na ADInMC 1.749, 18.12.97, Gallotti; ADInMC 2.024, 27.10.99, Pertence, DJ 1º.12.2000; ADInMC 1.196, 16.2.95, Pertence, DJ 24.3.95). Nesse núcleo essencial do federalismo brasileiro, conforme o texto de 1988, não creio se devesse incluir a integralidade da redação primitiva do § 4º do art. 18 da Constituição, no que subtraía da União qualquer interferência normativa no processo de criação de novos municípios. No ponto, é preciso não se abstrair o intérprete da posição singular do Município da estrutura federal pátria, que enfatizei no voto proferido na Rcl 383 (16.6.92, relator o em. Ministro Moreira Alves, RTJ 147/404, 488 ss). De tudo, resulta que, no modelo federativo brasileiro – no ponto acentuado na Constituição de 1988 – os temas alusivos ao Município, a partir das normas atinentes à sua criação, há muito não constituem – ao contrário do que, na Primeira República, pudera sustentar Castro Nunes (Do Estado Federal e sua Organização Municipal, 2ª ed., Câmara dos Deputados, 1982, passim) – uma questão de interesse privativo do Estado-membro. Ente da Federação (CF, art. 18), que recebe da Constituição Federal numerosas competências comuns (art. 23) ou exclusivas (art. 30) – entre elas a de instituir e arrecadar tributos de sua área demarcada na Lei Fundamental (art. 156) – além de seu direito próprio de participação no produto de impostos federais e estaduais (art. 157-162) – o Município, o seu regime jurídico e as normas

262 Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 2381 Rio Grande do Sul (liminar). Criação do município de Pinto Bandeira, pela Lei n. 11.375, de 28 de setembro de 1999, do Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Min. Sepulveda Pertence, Pleno, julgamento em 20/6/01, DJ 14/12/01. 263 Acórdãos no mesmo sentido: ADI-MC 2632, ADI-MC 2702, ADI 2967, ADI 2812, ADI 3013 e ADI 3149.

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regentes de sua criação interessam não apenas ao Estado-membro, mas à estrutura do Estado Federal total 264. Certo, a Constituição de 1988, ao mesmo tempo em que elevava o status de Município na Federação, em sentido inverso, confiara ao Estado-membro não apenas a decisão política da criação de novas comunas autônomas, mas também a disciplina normativa de seu processo, à qual não impôs limites centrais265 . A experiência de descentralização, no ponto, teve resultados reconhecidamente desastrosos; a natural incapacidade de resistência das assembléias legislativas aos movimentos emancipacionistas levou a proliferação de municípios inviáveis. Nesse contexto, o recuo da EC 15/96 – ao restabelecer, em tópicos específicos, a interferência refreadora da legislação complementar federal – não parece ter atingido, em seu núcleo essencial, a autonomia dos Estados-membros266. Certo, admitiu a imposição de limites ao desmembramento de municípios, mas – satisfeitas as exigências mínimas de consulta a toda a população do Município ou municípios envolvidos, precedida de estudo prévio de viabilidade da entidade local que se pretende erigir em município – restrições que respondem ao princípio da razoabilidade, e parecem legitimar as inovações -, a decisão política concreta permanece reservada ao Estado-membro267.

Na linha do precedente o STF declarou a inconstitucionalidade de várias leis

estaduais que criaram, fundiram, desmembraram municípios antes da edição da lei

complementar federal.

Em 9 de maio de 2007, o que parecia ter caído no esquecimento do mundo

jurídico, em face da orientação pacificada do STF e da omissão reiterada do

Congresso Nacional em editar a lei complementar reclamada no § 4º do art. 18 da

Carta Política de 1988, com a redação da EC n. 15/96, sofreu uma reviravolta. O

STF reconheceu a mora do legislador federal e declarou a inconstitucionalidade por

omissão na ADI 3682268.

264 Comungo do mesmo entendimento do em. Ministro relator, apenas esse aspecto não é bastante para legitimar um retrocesso. 265 Ouso discordar, pois a continuidade e a unidade histórico-cultural do ambiente urbano é precisamente um limite constitucional explícito, conforme reconhecido no voto do Min. Moreira Alves na ADI-MC 192. 266 Caberia a indagação: o que restou do poder de autoconformação de seu território para os Estados-membros? Se os Estados-membros estão jungidos pelas amarras impostas pelo legislador constituinte de emenda. 267 Mais uma vez caberia a indagação: Será que permanecerá com o Estado a autoconformação de seu território, se o dispositivo impugnado permite ao legislador federal fixar um prazo para o processo de desmembramento. 268 Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 3682 Mato Grosso. Inatividade do legislador quanto ao dever de elaborar a Lei Complementar a que se refere o § 4º do art. 18 da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional 15/96. Relator: Min. Gilmar Mendes, Pleno, julgamento em 9/5/07, DJ 6/9/07, fixando o prazo de 18 (dezoito) meses para a aprovação da norma reclamada no dispositivo constitucional.

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7.1.3.3 Criação de municípios após 11 de setembro de 1996, promulgação da EC n. 15/96, que alterou o § 4º do art. 18 da Constituição Federal em que o STF

não declarou a nulidade das leis estaduais

Seja por razões fáticas, seja diante da mora legislativa do Congresso

Nacional em editar a lei complementar reclamada para a criação de novas comunas

nos Estados-membros, ou mesmo em face da nova composição da Corte Suprema.

O Tribunal julgou procedente as ações diretas, por unanimidade, e por maioria, não

pronunciou a nulidade do ato impugnado269, mantendo sua vigência pelo prazo de

vinte e quatro meses até que o legislador estadual estabeleça novo regramento270.

Compartilham essa solução as seguintes ADI’s: ADI 3316 (MT), rel. Min. Eros, Lei

Estadual n. 6.893/98; ADI 2240 (BA), rel. Min. Eros , Lei Estadual n. 7.619/00; ADI

3489 (SC), rel. Min. Eros, Lei Estadual n. 12.294/02 e ADI 3689 (PA), rel. Min. Eros,

Lei Estadual n. 6.066/97.

7.1.4 Análise crítica – auto-organização dos Estados-membros

Por outro lado, o constituinte reformador271 esvaziou o poder de auto-

organização do Estado-membro de criação de municípios ao estabelecer que

“dentro do período determinado por lei complementar federal, [...], e após divulgação

dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei”272.

É interessante pontuar que a Corte não utiliza o mesmo critério para criação de

tributo federal por Emenda Constitucional, em que o Chefe do Poder Executivo

encontra-se alijado do processo legislativo, sem qualquer inconstitucionalidade

reconhecida.

269 Leis estaduais criadoras de municípios. 270 Interessante notar que o problema de criação dos municípios não está no plano estadual e sim no federal, portanto a decisão do Tribunal ainda causará perplexidades. 271 Brasil. Constituição (1988).Emenda Constitucional n. 15, de 12 de setembro de 1996. Dá nova redação ao § 4º do art. 18 da Constituição Federal. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2005. 272 Redação do § 4º do art. 18 dada pela EC n. 15, de 12 de setembro de 1996.

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Durante a vigência da Constituição de 1967 e sua EC n. 1/69, que também

previa lei complementar federal (art. 3º), pontuou Machado Horta com precisão

não se deseja, como se acentuou, autonomia estadual sem limitações, pois estas são inerentes ao conceito jurídico-político da autonomia. Propõe-se a revisão da tendência de centralização normativa que se aclimatou na Constituição Federal de 1967 e suas emendas, anulando o exercício da competência de auto-organização do Estado-Membro (HORTA, Reconstrução do federalismo brasileiro, 1981, p. 21).

7.1.5 Limitação do número de vereadores pela Constituição Estadual

O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do parágrafo

1º, incisos I a X e parágrafo 2º, ambos do art. 67 da Constituição Estadual de Goiás,

na ADI 692273 (liminar), por violar a autonomia municipal prevista no inciso IV do art.

29 da Constituição Federal.

Por outro lado, o Tribunal ainda se manifestou diante de um dispositivo da

Lei Orgânica do município de Mira Estrela de São Paulo, que diante do precedente

da Corte Suprema, fixou em 11 (onze) o número de vereadores de sua Câmara

Municipal, malgrado qualquer regra na Constituição Federal ou na Constituição

Estadual. O STF julgou inconstitucional a norma por entender que violava a

proporcionalidade fixada na Constituição Federal (art. 29, IV)274.

Esses precedentes são sintomáticos, e demonstram a opção restritiva da

Corte com relação a autonomia do ente federal. Se o Estado não poderia fixar a

proporcionalidade em sua carta estadual, teria o Tribunal Superior Eleitoral a

competência para fixar a proporcionalidade por resolução? Não seria uma violação

da autonomia municipal?275, ou ainda, poderia atuar o poder judiciário como

273 Brasil. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 692 Goiás (liminar). Fixação dos limites de vereadores na Constituição Estadual. Relator: Min. Moreira Alves, Pleno, julgamento em 29/6/02, DJ 28/8/92. 274 Brasil. Supremo Tribunal Federal. RE 197.917/SP. Fixação do número de vereadores proporcional à população. Relator: Min. Maurício Corrêa, Pleno, julgamento em 6/6/02, DJ 7/5/04. 275 Essa afirmação tem respaldo em decisões do Supremo Tribunal Federal em temas afetos aos municípios.

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legislador positivo276, inovando o ordenamento jurídico? Deixo essas questões para

um próximo enfrentamento da questão.

276 Juízes Legisladores/Mauro Cappelletti. Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1993.

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Conclusão

O federalismo não se petrificou no tempo, não se imobilizou na rigidez

dogmática e continua a florescer num processo de evolução que ainda não se

interrompeu. A compreensão do federalismo reclama a idéia de que existe um

movimento de sístole e diástole, tal qual no homem, entre a ordem central e a

periferia, com a prevalência da União ou dos Estados-membros, sem que se possa

afirmar pela superação dessa forma de Estado. A gênese do Federalismo está

ligada à noção básica de divisão de poder, que se identifica com o ideal

democrático.

A doutrina pré-constituinte de 1988 conforme visto prenunciou as mudanças

requeridas para se equilibrar a dicotomia entre o poder central e o poder periférico

dos Estados e Municípios. O texto original da Carta de 1988, de certa maneira

contemplou os reclamos mais contundentes; no entanto as emendas constitucionais,

que funcionam como autênticas válvulas de segurança do sistema, para aliviar as

pressões advindas da realidade, produziram um autêntico Federalismo Unitário, que

concentra em torno do ente central todas as competências materiais, os recursos

financeiros e poder político para produzir as maiorias ocasionais no parlamento e

perenizar ainda mais o modelo.

Por obra e arte do Poder Constituinte Derivado, o Federativo Brasileiro

implantado na Constituição Federal de 1988 foi maculado de forma substancial e

perniciosa, em um de seus elementos caracterizadores, a autonomia do ente

federativo e com isso rompido o equilíbrio entre o centro e a periferia. Essa

conclusão é fruto de uma análise criteriosa acerca do núcleo essencial do modelo,

anteriormente identificado e o que se entende por cláusula de imutabilidade no texto

constitucional de 1988 estabelecida no art. 60, § 4º, I.

As modificações promovidas pelas emendas repercutiram no relacionamento

da União com os Estados propiciando um agigantamento do poder central, que por

razões políticas e eleitoreiras, dotou o ente central de recursos financeiros e

atribuições administrativas que interferem nas atividades do menor componente da

federação, a ponto de vermos o Poder Executivo Federal promover ações

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administrativas a nível municipal. Esse ponto reflete em todos os demais aspectos

do funcionamento do poder nas demais divisões geográficas.

Retomando a idéia de Baracho, a dificuldade maior na análise das

alterações no federalismo de 1988 decorre do fato de que as emendas produzidas

pelo constituinte revisor ou de 2º grau, visaram aspectos pontuais da prática

constitucional, o que embaraça a compreensão de todo o quadro, com suas

nuances. Esse óbice resulta numa dispersão das modificações, e conseqüente

fragmentação da análise frente ao núcleo imutável do texto constitucional.

Esse ponto é relevante diante do entendimento do STF que considera a

tangibilidade da cláusula pétrea, desde que preserve seu núcleo essencial. O

problema decorre justamente desse fato, de per si, as emendas constitucionais não

atingem o núcleo do federalismo pois preservam competências, autoorganização e

uma autonomia formal, sem descurar do conceito aberto do que seja núcleo

essencial, reunidas, no entanto, terminam por mutilar seus elementos fundamentais,

descaracterizando o instituto tratado, o federalismo.

É preciso, mais uma vez reinventar o Federalismo Brasileiro, sobretudo pela

atuação proativa da Corte Constitucional Brasileira, no sentido de julgar tendo como

preocupação exclusiva de assegurar os grandes princípios constitucionais, e entre

eles, o próprio princípio federativo; desde que se tenha a predisposição de se

interpretar com o presuposto teórico de que o nada será exercido por um poder de

nível superior desde que possa ser cumprido pelo inferior, e ainda, o aforismo de

que não existe igualdade entre os entes federados no Brasil, para aplicar o princípio

da isonomia dos Estados-membros dentro de suas diversidades.

Sob essa nova perspectiva, sem dúvida é possível a suplantação do critério

da literalidade até então adotado para conferir uma interpretação mais progressista

ao tema relacionados com o federalismo, tais como : imunidade tributária, incluindo

as contribuições sociais, nos molde do que ocorre com o art. 52 da CF, o que

certamente deslocará o eixo do equilíbrio federativo em favor da autonomia dos

estados-membros,permitindo uma sobre-vida do modelo.

Em suma, o Federalismo Brasileiro padece de patologias graves e

suficientemente capazes de sucumbir esse princípio cardeal da Carta Política de

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1988 em sua redação original, por outro lado, diante do diagnóstico funesto e

tenebroso, possuímos o remédio, a atuação pujante da Corte Suprema Brasileira

comprometida com a preservação do tênue equilíbrio entre o Poder Central e a

periferia, que em última ratio é a preservação da própria Constituição Federal de

1988.

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