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Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de Pós-Graduação Lato Sensu Direito Constitucional MIGUEL ARCANJO NETO A INDÚSTRIA DE CARTÕES DE PAGAMENTO NO BRASIL: desafios da regulação econômica Brasília – DF 2009

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Page 1: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

Instituto Brasiliense de Direito Público - IDPCurso de Pós-Graduação Lato Sensu

Direito Constitucional

MIGUEL ARCANJO NETO

A INDÚSTRIA DE CARTÕES DE PAGAMENTO NO BRASIL: desafios da regulação econômica

Brasília – DF2009

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MIGUEL ARCANJO NETO

A INDÚSTRIA DE CARTÕES DE PAGAMENTO NO BRASIL: desafios da regulação econômica

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Especia-lista em Direito Constitucional no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu do Insti-tuto Brasiliense de Direito Público – IDP.

Orientador: Professor Bruno Dantas Nascimento

Brasília – DF

2009

MIGUEL ARCANJO NETO

i

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A INDÚSTRIA DE CARTÕES DE PAGAMENTO NO BRASIL: desafios da regulação econômica

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Especia-lista em Direito Constitucional no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu do Insti-tuto Brasiliense de Direito Público – IDP.

Aprovado pelos membros da banca examinadora em 08/10/2009, com men-ção máxima e recomendação de publica da obra.

Banca Examinadora:

_________________________________________________________

Presidente: Prof.

__________________________________________________________

Integrante: Prof.

___________________________________________________________

Integrante: Prof.

ii

Page 4: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

Dedicatória

À esposa, Lucimar, e aos filhos, Ana Carolina, Au-

gusto e Gustavo, pela cumplicidade e capacidade de

relevar os momentos de impaciência e isolamento

próprios da produção acadêmica.

Aos meus Pais, Irmãos e familiares pelo incentivo

sempre renovado.

iii

Page 5: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

Agradecimentos

Ao Ricardo Mourão pela disponibilidade e pelas con-

tribuições revisionais e de conteúdo, com a ressalva

de que eventuais erros devem ser debitados ao au-

tor.

Aos colegas do Deban2, em especial ao Marciano e

à Adriana Soares, Chefe e Chefe Adjunto do Depar-

tamento, respectivamente, pelo apoio e incentivo.

Ao Professor Bruno Dantas pela orientação segura.

2 Departamento de Operações Bancárias e de Sistema de Pagamentos do Banco Central do Brasil.

iv

Page 6: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

RESUMO

O trabalho aborda tema que está na ordem do dia das discussões técnicas e

políticas no Brasil: a indústria de cartões de pagamentos, campeã de reclamações

dos consumidores. Enfrenta duas das questões mais polêmicas que permeiam os

debates doutrinários e jurisprudências, o enquadramento do negócio como atividade

de intermediação financeira e a ausência de marco legal que autorizaria o agir das

Autoridades Monetárias. Conclui que o negócio com cartão de pagamento não só

envolve atividade tipicamente bancária como o marco legal existente autoriza a atua-

ção do Estado-regulador.

Palavras-chave: atividade bancária; autoridades monetárias; Bacen; car-tão bancário; cartão de crédito; cartão não bancário; car-tão de pagamento; CMN; consumidor; poder normativo; regulação.

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Page 7: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

ABSTRACT

The present paper addresses that issue is on the agenda of political and

technical discussions in Brazil: the card payments industry, champion of consumer

complaints. The study faces two of the most controversial issues that permeate the

doctrinal debates and jurisprudences, the framework of the business and activity of

financial intermediation and the lack of legal framework that permits the act of Monet-

ary Authorities. The conclusion is that the deal with payment card activity typically in-

volves not only the bank as existing legal framework empowering the role of state-

regulator.

Keywords: banking, monetary authorities; Bacen; bank card, credit card, no bank card, payment card; CMN; consumer, legal power, regulation.

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Page 8: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

SUMÁRIOINTRODUÇÃO ___________________________________________ 2 1 BREVE HISTÓRIA _____________________________________ 9 2 A PLATAFORMA DE NEGÓCIO DO CARTÃO DE CRÉDITO _ 15

2.1 A organização da indústria de cartões ______________________ 17

2.2 Os tipos de cartões de crédito em função do emissor __________ 18

2.3 As partes intervenientes _________________________________ 21 3 A EMISSÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO E A ATIVIDADE FINANCEIRA ___________________________________________ 26

3.1 A natureza financeira da atividade do Cartão de Crédito ______ 29

3.2 A Atividade de intermediação da indústria de cartões e a legislação do Sistema Financeiro Nacional __________________ 31

3.3 Os emissores não bancários e a cláusula mandato ____________ 37

3.4 Os emissores bancários __________________________________ 41

3.5 O guardião da legislação infraconstitucional e a indústria de cartões ________________________________________________ 42

4 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E O PODER NORMATIVO DAS AUTORIDADES MONETÁRIAS _______________________ 48

4.1 A função regulamentadora da Administração Pública no domínio econômico _____________________________________ 52

4.2 O marco da Lei de Reforma Bancária e o poder normativo das Autoridades Monetárias _________________________________ 56

4.3 A adequação constitucional do poder normativo das Autoridades Monetárias _________________________________ 60

_______________________________________________________ 68 5 CONCLUSÃO _________________________________________ 69 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _______________________ 72

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Page 9: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

INTRODUÇÃO

O trabalho de pesquisa discute desde a perspectiva da regulação econômica

a indústria de cartões de pagamento no Brasil, segmento econômico que tem atingi-

do considerável grau de desenvolvimento e penetração como elemento que reúne

dois predicados: a concessão de um crédito pré-definido e instrumento de pagamen-

to substituto quase perfeito do papel-moeda3.

A pujança da indústria de cartões de pagamento tem relação intrínseca com

o desenvolvimento tecnológico e a busca de eficiência na realização de pagamen-

tos, o que redunda numa tendência cada vez mais forte de eletronização dos instru-

mentos de pagamentos de varejo.

No mercado, quer nacional, quer internacional, são encontrados cartões de

pagamentos de diversos tipos e finalidades, tais como os cartões de crédito4, os car-

tões de débito5 em sentido estrito, a moeda eletrônica (e-money), os cartões de loja

(private label) e os cartões pré-pagos. Sem dúvida, os cartões modificaram a forma

como se faz pagamento de bens e serviços, ensejando melhorias de bem-estar soci-

al.

No âmbito internacional, o rápido crescimento da indústria de cartões de pa-

gamento tem induzido entidades de defesa da concorrência e bancos centrais a atu-

arem nesse mercado, visando, particularmente, a defesa dos usuários finais do sis-

tema (consumidores e fornecedores de bens ou serviços).

No Brasil, só recentemente o tema passou a ser tratado de forma mais siste-

mática, sendo certo, porém, que de há muito gera discussões doutrinárias, jurispru-

dências e legislativas (iniciativas), particularmente no que concerne o cartão de pa-

gamento na sua vertente creditícia.

3 Os outros meios de pagamentos são o cheque, as transferências de crédito interbancárias e débito direto em conta-corrente.4 Na modalidade crédito, o cartão de pagamento comporta, no mínimo, o pagamento diferido da des-pesa feita, entendido como diferido o termo da fatura que, se paga integralmente, não gera nenhum ônus financeiro (juros) para o titular, e não necessariamente tem vinculação com a existência de con-ta corrente bancária. Pode, contudo, converter-se em financiamento se o titular opta por pagar ape-nas parte da fatura. 5 Na modalidade débito, o cartão de pagamento pressupõe a sua vinculação a uma conta corrente bancária, haja vista que a despesa é imediatamente subtraída da disponibilidade do titular junto a uma instituição financeira bancária, ou seja, não há diferimento do pagamento, salvo por alguma falha operacional do sistema de pagamentos.

Page 10: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

3

O escopo da pesquisa restringir-se-á a explorar o segmento de cartões de

pagamento na modalidade crédito.

A razão de ser do recorte investigativo no cartão de pagamento, modalidade

crédito, reside no fato de que a doutrina, a jurisprudência e o próprio Estado, na sua

função reguladora, divergem a respeito do enquadramento jurídico que deve ser

conferido à indústria de cartões de crédito, ou seja, se o negócio com o cartão carac-

terizaria ou não uma atividade imbricada com o direito bancário, logo atividade priva-

tiva de instituição financeira.

Na perspectiva da regulação econômica, exame mais acurado da postura de

órgãos e entidades do Estado revela ausência de políticas públicas claras em maté-

ria de regulação e fiscalização desse importante segmento econômico num mundo

globalizado e de substituição do papel-moeda pela moeda eletrônica.

Simples pesquisa no sítio do Banco Central do Brasil6, link “Serviços ao ci-

dadão”, “Perguntas mais freqüentes”, ou no de uma empresa intitulada “Cosife Ele-

trônico”, revela a ambivalência do tema. Confiram-se:

.O papel do Banco Central

1. O Banco Central fiscaliza as administradoras de cartão de crédito?Nos termos do disposto pelo artigo 17 da Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964, o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central não detêm com-petência para regulamentar e supervisionar as atividades das administra-doras de cartões de crédito, por não serem consideradas instituições fi-nanceiras.

No entanto, quando a emissão e administração desses cartões são exer-cidas por instituições financeiras, a atividade está sujeita à ação normati-va e fiscalizadora do Banco Central. Os serviços prestados pelas institui-ções devem observar o disposto na Resolução 2.8787, de 26 de julho de 2001, alterada pela Resolução 2.892, de 27 de setembro de 2001. (desta-cou-se).Cosife Eletrônico8

Segundo o site do Banco Central, Cartão de Crédito é um serviço de inter-mediação que permite ao consumidor adquirir bens e serviços em estabe-lecimento comerciais previamente credenciados mediante a comprovação de sua condição de usuário. ... O cartão é emitido pelo prestador de serviço

6 Banco Central do Brasil, disponível em: http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/cartao.asp?idpai=faqcidadao1, acesso em 16 de maio de 2009.

7 Rotulada pelo sistema financeiro como o Código de Defesa do Consumidor Bancário (CDCB), foi re-vogada pela Resolução nº 3.694, de 31.3.2009, porque o Supremo Tribunal Federal a considerou ile -gal no julgamento da ADI nº 2.591-1/DF, proposta pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif), que perseguia a declaração da inconstitucionalidade, formal e material, da expressão “inclu-sive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária” contida na parte final do § 2º do art. 3º da Lei nº 8.078, de 1990 (Código de Defesa do Consumidor). 8 http://www.cosif.com.br/mostra.asp?arquivo=admcartaocred#, acesso em 16 de setembro de 2008.

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de intermediação, chamado genericamente de administradora de cartão de crédito.

O Banco Central menciona em seu site que somente supervisiona as insti-tuições financeiras e assemelhadas. Assim, não autoriza e nem fiscaliza o funcionamento das empresas administradoras de cartão de crédito. E conti-nua explicando:

1. Quando o usuário do cartão de crédito opta por não pagar total ou par-cialmente a fatura mensal, as instituições financeiras são as únicas que podem conceder financiamento para quitação desse débito junto a empresa administradora.

2. É importante esclarecer que as operações realizadas pelas instituições financeiras, inclusive o financiamento referido aos usuários para o pa-gamento da fatura mensal, estão sujeitas à legislação própria e às nor-mas editadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central.

Por isso, o Banco Central Adverte: Reclamações sobre cartões de crédito deverão ser encaminhadas à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, ou às suas representações nos Estados (PROCON ou DECON)–destacou-se.

A aridez do tema sobreleva de simples leitura do esclarecimento sobre o

“Papel do Banco Central” e da interpretação da entidade privada que se propõe a

aclarar a mensagem. Para os usuários finais da indústria de cartões (titulares e esta-

belecimentos filiados) resta a dúvida: afinal, os emissores de cartão de crédito estari-

am ou não sujeitos ao dever-poder normativo e de fiscalização da autoridade mone-

tária?

Essa ausência ou falta de clareza de políticas públicas, por seu turno, gera

novas distorções, posto que as disputas entre os titulares de cartões e as entidades

emissoras terminam por desaguar no Poder Judiciário, dando ensejo a decisões não

menos conflitantes.

A confusão e o desconhecimento sobre a própria gênese da indústria de car-

tões é fato, a ponto de o Superior Tribunal de Justiça, por uma construção que teve

como pêndulo decisório a “cláusula mandato” e a interpretação integrativa do art. 17

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da Lei 4.595, de 19649, e do § 1º do art. 1º da Lei Complementar 105, de 200110, ter

sumulado o seguinte verbete: “Súmula 283. As empresas administradoras de cartão

de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas

cobrados não sofrem as limitações da Lei da Usura.”

Na doutrina a questão também é confusa. Elege-se às vezes determinado

ângulo de análise, porém focado na figura da “administradora de cartões de crédito”

para sustentar ou afastar da ação reguladora e fiscalizadora do Estado no negócio

com cartões de crédito.

Tome-se, a título ilustrativo, a doutrina de RONCAGLIA11 que se dispõe a es-

tudar o negócio com cartões de crédito sob a perspectiva da tributação. Logo no iní-

cio do capítulo que discorre sobre “O sistema de cartões de crédito e as atividades

privativas de instituições financeiras”, assim se posiciona esse autor:

Antes de abordamos as diversas modalidades de cartões de crédito existen-tes, cabe analisar se a emissão e administração de um sistema de cartões de crédito configura atividade privativa de instituição financeira. E a respos-ta, na nossa opinião, é negativa, tendo em vista que essa atividade não en-volve o trinômio coleta, intermediação e aplicação de recursos financeiros.

Esses três requisitos têm sido enumerados pela doutrina como os necessá-rios para identificação da prática de atividades financeiras, além de estarem expressamente previstos no artigo 17, caput, da Lei nº 4.595, de 31 de de-zembro de 1964.

E prossegue:

Com base nesse dispositivo, e de acordo com uma interpretação puramente literal de seus termos, poder-se-ia concluir que qualquer pessoa que reali-

9 A Lei nº 4.595, de 1964, “Dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditíci-as, Cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências”, constando de seu “Art. 17. Consi -deram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públi-cas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplica -ção de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições finan-ceiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma per-manente ou eventual.10 A Lei Complementar nº 105, de 2001, “Dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financei-ras e dá outras providências”, assim se expressando o seu “Art. 1o As instituições financeiras conser-varão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

§ 1o São consideradas instituições financeiras, para os efeitos desta Lei Complementar:(...)VI – administradoras de cartões de crédito;

11 RONCAGLIA, Marcelo Marques. Tributação no Sistema de Cartões de Crédito. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 110-111.

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zasse, isoladamente, a coleta, a intermediação ou aplicação de recursos fi-nanceiros, ainda que próprios, seria caracterizada como instituição financei-ra e estaria submetida às regras previstas naquela lei e à fiscalização das autoridades do Banco Central do Brasil

Maria Helena Diniz12, por seu turno, destaca a inexistência, nos ordenamen-

tos jurídicos, quer pátrio, quer alienígena, de legislação específica sobre a emissão e

o uso do cartão de crédito, aplicando-se-lhes, por analogia, “o Código de Defesa do

Consumidor, uma vez que é um instrumento para operacionalizar a concessão de

crédito pelo fornecedor ao consumidor. Urge que se providencie uma regulamenta-

ção especifica, contendo normas que visem proteger o usuário.”

Como se pode notar, sob qualquer dos três ângulos de abordagem do tema

sobressaem visões díspares a respeito de qual diretriz regulamentar deveria ser

adotada visando a harmonizar ou pelo menos minimizar os conflitos entre emissores

e titulares/usuários do sistema de cartões de crédito.

O próprio Banco Central do Brasil passa idéia dúbia sobre o papel que lhe

cabe em sede de regulação e fiscalização do setor, sobressaindo uma espécie de

sentimento público de que os consumidores13 estariam desamparados, afinal não se

sabe, claramente, qual órgão do Estado teria o dever-poder de regular e fiscalizar a

indústria de cartões de crédito.

Uma coisa, porém, é fato: a indústria de cartões de pagamento tem mereci-

do, nos últimos tempos, destacada atenção do Poder Legislativo14 e de entidades da

sociedade civil organizada.

A explicação para esse fenômeno visando a enquadrar as “administradoras

de cartões de crédito” como instituição financeira repousa em duas constatações, a

saber:

i) o marco teórico, o Poder Judiciário e órgãos e entidades do Estado têm vi -

são desencontrada a respeito do enquadramento legal do negócio com cartão de

crédito; e

12 DINIZ, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos Contratos, vol. 3, 6ª edição revista, ampliada e atualizada de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10.1.2002). São Paulo: Saraiva, 2006, p. 120. 13 O direito do consumidor visto sob a perspectiva macroeconômica, isto é, da organização, funciona-mento e fiscalização da indústria de cartões.14 A título ilustrativo: i) no Senado Federal: Projetos de Lei nºs 213, 538, 677, 678 (complementar) e 680, todos de 2007, de autoria do Senador Adelmir Santana; ii) na Câmara dos Deputados: Projetos de Lei Complementar nºs 106, de 2007, de autoria da Comissão de Legislação Participativa, e 392, de 2008, de autoria do Deputado Federal Vital do Rego Filho.

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ii) o senso comum tem percepção dúbia a respeito da figura da “administra-

dora de cartões de crédito”, ora associando-a aos proprietários (bandeiras) da marca

de determinado cartão, ora associando-a ao ente que se relaciona com o titular do

cartão (emissor) ou ora associando-a ao ente que se relaciona com o comerciante-

prestador de serviços (credenciador).

O interesse do autor pela pesquisa reside na esperança de poder trazer para

o debate público aspectos que têm passado ao largo das discussões doutrinárias, ju-

risprudências e legislativas (iniciativas) que envolvem o tema da indústria de cartões,

ressalvado que as opiniões constantes do documento são de exclusiva responsabili -

dade do autor e não refletem necessariamente as do Banco Central do Brasil.

Como objetivo geral pretende-se abordar as principais características da

plataforma de negócios que sustenta o cartão de crédito e sistematizar o debate das

correntes doutrinárias e jurisprudenciais que pregam a existência de duas categorias

de cartões de crédito: o cartão de crédito bancário e o cartão de crédito não bancá-

rio, categorização essa que tem sua centralidade na análise estanque das relações

jurídicas bilaterais entre os intervenientes da indústria.

É dizer, a investigação tentará averiguar se uma tal postura analítica seria

bastante para identificar se a indústria de cartões de crédito deveria submeter-se à

tutela reguladora e fiscalizadora das autoridades monetárias.

Como objetivo específico a pesquisa tem a pretensão de evidenciar que a

definição da natureza jurídica do emissor do cartão de crédito não deve ser extraída

a partir do predicado atribuído ao emissor (nomen juris), mas, contrariamente, da atividade que exerça em caráter permanente e com abrangência universal.

Mais que isso, pretende-se demonstrar que o Conselho Monetário Nacional

é titular de capacidade normativa que lhe autoriza a dispor sobre a organização, o

funcionamento e a fiscalização da indústria de cartões, mesmo na ausência de nor-

ma primária e específica, lei em sentido formal.

Numa sentença: o trabalho tem por escopo demonstrar que o instituto do

cartão de crédito envolve matéria imbricada com a atividade bancária e que a regu-

lação e a fiscalização da atividade poderiam ser materializadas pelas Autoridades

Monetárias sem nenhuma usurpação da competência institucional do legislador pri-

mário e, por conseguinte, de transgressão aos princípios da separação de poderes e

da legalidade.

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O trabalho está estruturado em quatro capítulos. No primeiro é feito breve

apanhado histórico a respeito do surgimento e da evolução do cartão de crédito na

perspectiva de pontuar a mutação ocorrida com a entrada de novos participantes e

que possibilitou que o cartão de crédito revolucionasse o modo de relacionamento

comercial. O segundo capítulo enfoca a plataforma de negócio da indústria de car-

tões, a tipologia dos cartões de crédito, a organização da indústria sob o olhar dos

usuários finais e dos participantes diretos e a natureza das relações jurídicas bilate-

rais. O terceiro e o quatro capítulos retratam a razão de ser da investigação e cami-

nham na perspectiva de contribuir para a ação do Estado na sua função reguladora

e fiscalizadora. Por fim, a conclusão, que constitui a síntese das principais idéias dis-

cutidas no trabalho.

Page 16: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

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1 BREVE HISTÓRIA

Expostas as grandes linhas da investigação inicia-se com breve história a

respeito do surgimento do cartão de crédito e a sua transmutação temporal, que

evoluiu de uma relação bilateral, elitizada e de utilização com cunho eminentemente

mercantil e restrita às grandes redes de negócios para uma dimensão trilateral ou

quadrilateral, a depender do arranjo da plataforma de negócio, de uso massivo e

aceito como instrumento de pagamento nacional e internacionalmente.

O recurso à contextualização histórica tem por objetivo exclusivamente evi-

denciar que o negócio com cartões de crédito sofreu mutação com a inserção de um

terceiro agente como intermediário entre o titular do cartão e os fornecedores de

bens ou serviços, isto é, a partir do momento em que o modelo organizacional se

desgarra da relação bilateral emissor/fornecedor de bens ou serviços e o titular do

cartão.

Em obra que explora diversos ângulos da indústria de cartões, MANAUT15

faz interessante abordagem numa ligação do passado e do presente para mostrar o

surgimento e a evolução do cartão de crédito.

Sob a perspectiva histórica, o autor aponta os Estados Unidos da América

como sendo o berço do nascimento e institucionalização do hoje difundido e quase

indispensável cartão de crédito, destacando que quando surgiu no início do século

passado (1914) o cartão de crédito trazia ínsita função similar a uma carta de crédi-

to, credenciando o seu portador a receber dinheiro ou adquirir determinados bens16.

No período que medeia o início do século passado e a Segunda Guerra

Mundial, entrecortado pela grande depressão dos anos 30 e as restrições creditícias

próprias desses momentos de turbulências econômicas e beligerantes, o instrumen-

to do cartão de crédito sofreu significativo encolhimento, a par de se caracterizar por

15 MANAUT, Charles Barutel. Las Tarjetas de Pago y Crédito. Barcelona: Bosch, Casa Editorial, S.A., 1997. 16 La tarjeta de crédito surge en los Estados Unidos de América (EE.UU.) a princípio de este siglo como um instrumento cuja presentación permite aplazar obligaciones de pago en determinadas transaciones. La exhibición de la tarjeta acreditará a su titular para disponer de bienes o servicios sin entrega de dinero efectivo. Realiza así, em sentido econômico, uma función similar a la que efectuó desde hace siglos la carta de crédito, para la entrega de dinero o de determinados bienes al designado em la misma.

Page 17: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

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seu caráter eminentemente bilateral, logo limitado. São palavras textuais de MA-

NAUT17:Su empleo desciende durante la crise de 1929, com la restricción creditícia y el aumento de la morosidad ocasionados por el desplome de La Bolsa de Valores em octubre de esse año (Crack del 29). Sin embargo, a partir de 1932 com la nueva era presidencial marcada por Roosevelt, se relanzan las tarjetas como um instrumento de promoción de las ventas empresariales. Y em 1936 se inicia su extensión a outro tipo de emisores como las compañías aéreas y las de ferrocarriles.

De nuevo decae su uso, esta vez a causa de la Segunda Guerra Mundial. Las tarjetas llegan casi a desaparecer, debido a la enorme limitación del acceso al crédito durante la economia de guerra, y como consecuencia de las medidas restrictivas adoptadas por el gobierno de EE.UU.

Hasta esse momento, podemos considerar que nos encontramos en el “primer pedaño de la etapa evolutiva” de la tarjeta de crédito, en el cual es utilizada únicamente en el mercado estadounidense e práticamente desconocida fuera de los EE. UU. Hasta ese momento tenía un simple caráter bilateral, mediando el empresário que venda bienes o prestaba servicios, el cual facilitaba también la financiación.

Esse caráter de bilateralidade apontado pelo autor denuncia, a rigor, que o

cartão de crédito nasceu sob o signo do que a literatura passou a denominar de car-

tão private label, isto é, aquela modalidade de cartão de crédito, que persiste até

hoje, emitido por empresas comerciais como instrumento de fidelização da clientela

e de uso restrito e exclusivo interna corporis.

Nessa modalidade de cartão de crédito, o fornecedor de bens abre ao cliente

preferencial um crédito fixo, não rotativo, e que propicia a ele, cliente, adquirir produ-

tos e serviços exclusivamente naquele fornecedor, implicando dizer que o fornece-

dor autoriza o diferimento do pagamento das despesas feitas pelo cliente para uma

data futura, sem possibilidade de financiamento.

MARTINS18 identifica esse momento como a primeira etapa evolutiva do sis-

tema de cartões de crédito, particularmente porque nada mais eram do que uma es-

pécie de cartões de identificação de bons pagadores, distribuídos entre os clientes

das empresas com a finalidade de prender esses clientes às mesmas, facilitando-

lhes um pagamento posterior das compras feitas em determinado período.

Após a Segunda Guerra Mundial o cartão de crédito toma novo impulso a

ponto de se projetar para além-fronteira dos Estados Unidos da América, particular-

17 MANAUT, Charles Barutel, cit. pp. 26-27. 18 MARTINS, Fran. Cartões de Crédito:natureza jurídica, cit. p. 26.

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mente por plagas do Velho Continente (Europa do Norte, Central, do Leste e do Sul)

e da América Latina19.

Essa projeção geográfica, por seu turno, impõe a busca de associações e o

alargamento do espectro de utilização do cartão de crédito, que adquire novas funci-

onalidades, desgarrando-se da embrionária relação bilateral e dando origem a arran-

jos empresariais que vão desaguar nas hoje conhecidas marcas internacionais Ame-

rican Express, MasterCard e Visa Internacional.

Nesse novo desenho, rotulada como segunda fase evolutiva dos cartões de

crédito, o papel de emissor do cartão de crédito ganha autonomia e passa a ser feito

por uma companhia especializada na emissão e administração do cartão de determi-

nada marca, que, embora integrante da associação, se dissocia do fornecedor de

bens e serviços.

É dizer, o fornecedor de produtos ou serviços e o portador do cartão de cré-

dito passam a se reportar, em termos financeiros, diretamente à companhia especia-

lizada na emissão e administração de cartões, mas ainda sem vínculo, pelo menos

direto, com as instituições financeiras. Cabe à novel companhia fixar o limite de cré-

dito do portador, emitir o cartão, cobrar e receber as despesas e ressarcir os forne-

cedores de produtos ou serviços, apropriando-se de determinada taxa de administra-

ção.

Segundo MANAUT, o Diners Club teria sido a primeira empresa especializa-

da na emissão de cartões (1951), seguindo-se a American Express Company (195820), a Sears Card (1958), e a Carte Blanche (1959) da rede hoteleira Hilton e as prin-

cipais cadeias de fornecedores de produtos no atacado.

Com a inserção da companhia especializada na emissão e administração de

cartões, o sistema passou a contar, no dizer de MARTINS21, com um intermediário

entre o comprador e o vendedor, percebendo essa empresa duas espécies de remu-

neração: a primeira, pertinente ao fornecimento de cartão, a cargo do titular do car-

tão e cobrada a cada renovação contratual, constituindo-se receita da intermediado-

19 Para apanhado abrangente da evolução história, inclusive com dados estatísticos e por marca de cartão, que não constitui objeto deste trabalho, recomenda-se MANAUT, Charles Barutel., ob. cit., Ca-pítulo I, EVOLUCIÓN HISTÓRICA DE LAS TARJETAS. 20 Data de 1850 o surgimento da American Express como empresa especializada no transporte de mercadorias, correspondências e valores e em 1891 iniciou a emissão de cheque de viaje. MANAUT, p. 68.21 Ob. cit. p. 102

Page 19: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

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ra; a segunda, uma comissão sobre as vendas pagas de acordo com percentagem

fixada pelo emissor e aceita pelo fornecedor de bens ou serviços, com o objetivo de

contrabalançar o risco da obrigação assumida pela companhia emissora.

Percebendo as potencialidades do mercado de cartões, a instituições bancá-

rias, num interregno de varia entre autores22, aderem ao sistema na condição de

emissores, administradores e garantidores de seus melhores clientes e aí a idéia ori-

ginal de criação de empresa com o objetivo assegurar exclusividade na emissão e

na administração de determinada marca de cartões é colocada em xeque.

De fato, segundo DRURY e FERRIER in Credit cards, citado por MANAUT23,

a National BankAmericard Incorporated (NBI)24, de propriedade do Bank of America

da Califórnia, emissora do cartão de crédito bancário de maior aceitação (BankAme-

ricard), “[...] intentó sin êxito prohibir a sus miembros, los bancos emisores de la

marca BankAmericard (después Visa), que pudieran adherirse a otros sistemas de

tarjetas. La batalla legal duró seis años, pero finalmente, em 1976, um Tribunal de

Arkansas declaró la prática de la NBI discriminatoria y atentatória a la libre

competencia.”

Por outro lado, a adesão dos bancos e a política agressiva de expansão do

sistema de pagamentos, com foco no uso massivo do cartão de crédito, desencadei-

am processo similar ao que, por exemplo, se verifica no Brasil nos dias de hoje, isto

é, as instituições financeiras praticavam abusos do tipo: emitir cartões sem prévia

solicitação dos clientes, cobrar anuidade mesmo que o titular não o tivesse ativado,

etc., ensejando a intervenção das autoridades financeiras federais e decisões judici-

22 Segundo MANAUT, Charles Barutel., Las Tarjetas de Pago y Crédito, p. 29, a primeira instituição fi-nanceira a emitir cartão de crédito foi o Flatbush National Bank de Nova York (1947), denominado Charge-it, porém os portadores eram clientes seu; o Franklin National Bank (1951) teria sido a primei-ra instituição financeira a admitir portadores de outras instituições financeiras. 23 Ob. cit. p. 30.24 A NBI, predecessora da atual Visa e que congregava vários bancos, dá origem à organização inter-nacional IANCO (1974), posteriormente denominada Visa Internacional (1977). A atual MasterCard, por outro lado, surgiu, segundo MANAUT, p. 31, da fusão da originária California Bank Card Associa-tion (associação dos principais bancos da Califórnia, Wells Fargo Bank, United Carlifornia Bank, Bank of California e Crocker Naticional Bank) e a confederação denominada Interbank Card Associatión (1966), que congregava 17 bancos que tinham seus próprios sistemas de cartões.

Page 20: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

13

ais dando razão aos clientes, mesmo se tivessem feito uso do cartão não solicitado.25

A grande diferença nessa terceira etapa do processo evolutivo dos cartões

de crédito foi a possibilidade de concessão de crédito financeiro aos titulares dos

cartões, que não mais precisavam pagar o total do valor correspondente às suas

compras na data definida contratualmente, podendo fazer uso de uma linha de crédi-

to. Cabe ressaltar, todavia, que mesmo essa inovação não impediu que os cartões

de crédito não bancários (private label) continuassem a se desenvolver. Prova disso

é que continuam a existir entidades emissoras de cartões de crédito que não exer-

cem suas atividades em parceria com instituições financeiras.

O aspecto relevante dessa mutação da indústria de cartões de pagamento

consiste num processo paulatino e contínuo de desmaterialização, abstração e subs-

tituição da moeda genericamente considerada na sua tríplice função: intermediária

das operações comerciais, instrumento de aferição e medição de valores e instru-

mento que possibilita a liquidação de obrigações. Assim, o próprio papel-moeda, os

cheques e as letras de câmbio parecem coisas de um passado cada vez mais dis-

tante.

Daí porque não mais causa espanto encontrar placas com dizeres do tipo:

“Este estabelecimento não aceita pagamento com cheque.” Como pontua LACERDA

FILHO26, “A utilidade da confiança é tanta como a desconfiança de um vendedor

com relação à pessoa de um comprador ... O cartão de crédito dissocia esses ele-

mentos ao assumir o lugar da confiança e essa pode, então, em certo modo, substi-

tuir o dinheiro e não o contrário.”

O cartão de crédito penetra no Brasil no início da década de 50 (1956), atri -

buindo-se a iniciativa ao empresário tcheco Hanus Tauber que teria adquirido a fran-

quia do Diners Club nos Estados Unidos e se associado ao empresário brasileiro

Horácio Klabin.

25 Diz MANAUT, p. 29: “Para fomentar más esa expansión del sistema de pago, a mediados de los años sesenta, los bancos americanos utilizaram la técnica de remitir tarjetas a clientes sin su previa solicitud, de forma que lãs autoridades financeiras federales tuvieron que intervenir para cortar esta prática. Hubo abuso de los bancos y críticas de los clientes, que incluso se negaram a aceptar los cargos por no Haber solicitado La tarjeta. Y los tri bunales les deron La razón, fallando que si la tarjeta no había sido solicitada por El cliente, no procedia El cargo em cuenta, a pesar de haberse utilizado aquélla.” 26 LACERDA FILHO, Fausto Pereira de. Cartões de Crédito. Curitiba: Juruá, 1990, p. 22.

Page 21: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

14

Com a saída da Família Klabin da associação, o Banco Sul Brasileiro S/A

entrou no circuito associativo, mas tal relação se alterou com a intervenção no banco

sulista e a sua transformação no Banco Meridional resultou na negociação do título

para a Credicard S/A – Administradora de Cartões de Crédito.

Na seqüência, segundo registro de LACERDA FILHO27, surgiram o Cartão

Nacional do Banco Nacional S/A, o Cartão Elo (Bradesco), associado ao sistema

Bankamericard, o Cartão Passaporte, associado ao sistema Interbank, sucedido

pela atual MasterCard, o American Express e o Ourocard, do Banco do Brasil S/A,

associado ao sistema Visa.

Atualmente no Brasil, afora os cartões emitidos na modalidade private label

(cartões de empresas), existem as seguintes principais marcas (bandeiras) de car-

tões de pagamentos: Visa, MasterCard, Cheque Eletrônico, American Express, Aura,

Hipercard e Diners, além de outras de menor penetração no mercado.

27 Ob. cit. p. 41.

Page 22: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

15

2 A PLATAFORMA DE NEGÓCIO DO CARTÃO DE CRÉDITO

Atribui-se parcela das divergências doutrinárias, jurisprudenciais e dispersão

de política pública à ausência de conhecimento ou de perquirição sobre a gênese or -

ganizacional da indústria de cartões de crédito.

As abordagens são sempre pontuais e tentam descortinar determinada rela-

ção jurídica sem vislumbrar o modelo organizacional no seu conjunto28.

Primeiro é preciso ter presente que o sistema de cartões de crédito existe

em função de dois atores principais: o titular e o fornecedor de bens ou prestador de

serviços; sem eles, por óbvio, o sistema não subsiste. É que o consumidor desem-

penha o papel principal dentro do enredo econômico, sendo o protagonista da reali-

dade e das soluções.

Daí se pode deduzir que o sistema de cartões de crédito, nos moldes atual-

mente conhecidos, se estruturou sob dupla face, que reciprocamente se imbricam e

são interdependentes, com desdobramentos econômicos e jurídicos próprios, des-

vencilhando-se do tradicional modelo bilateral de negócio.

Isso porque um terceiro ou mais atores se interpõem no circuito econômico-

jurídico criando novas relações jurídicas e obrigacionais.

A literatura econômica, mas não a jurídica, já se deu conta de que o negócio

com cartões de pagamento é autocondicionado, significando dizer que o sucesso da

indústria depende do equilíbrio das relações quer sob a perspectiva do titular (lado

da demanda) quer sob a ótica do fornecedor de bens ou serviços (lado da oferta).

O recém-divulgado Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamentos,

trabalho conjunto desenvolvido pelo Banco Central do Brasil, pela Secretaria de

Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda e pela Secretaria de Direito

Econômico do Ministério da Justiça, analisa, com base em vasta literatura econômi-

ca internacional, a natureza singular do mercado de dois lados (M2L) que caracteri-

28 A bem da verdade o recém divulgado Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamentos, obra conjunta do Banco Central do Brasil (Bacen), da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda e da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, dispo -nível em: http://www.bcb.gov.br/htms/spb/Relatorio_Cartoes.pdf, embora ainda tímido na questão do enquadramento legal, pelo menos evidencia que a indústria de cartões de pagamentos merece aten-ção do Estado na sua função indutora da economia, ante a evidência de importantes falhas de merca -do atribuíveis à atual configuração estrutural (falta de contestabilidade, de interoperabilidade na pres-tação de serviço de rede, de transparência na definição da tarifa de intercâmbio, da taxa de desconto e da tarifa do titular do cartão e poder de mercado dos credenciadores) e que infirmam a autodiscipli-na do mercado, p. 150.

Page 23: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

16

za a indústria de cartões de pagamento e a imperiosa necessidade de equilíbrio des-

se mercado sob o olhar regulamentar, concorrencial e negocial.29

A singularidade do mercado de dois lados (M2L) reside no objetivo da plata-

forma de negócio da indústria de cartões de atrair (conectar) o interesse de dois usu-

ários finais: os titulares de cartões e os estabelecimentos filiados, ou seja, a platafor-

ma deve ser capaz de atrair muitos estabelecimentos e muitos titulares, sob pena de

o esquema perder sentido e não se auto-sustentar.

Em segundo plano, é imperioso descortinar as relações bilaterais que nas-

cem da operação com cartão de crédito com o olhar na unidade complexa, atípica 30

e sui generis da estrutura da indústria (arranjos jurídicos e econômicos) e não sim-

plesmente como relações jurídicas estanques e autodeterminantes ou autônomas,

pois, insista-se, o conjunto das relações é que faz a diferença e justifica cada uma

isoladamente.

O tronco comum da estrutura criada com a indústria de cartões de pagamen-

to repousa na figura central do emissor do cartão e a partir dele todas as demais

relações (jurídicas e econômicas) se justificam, independentemente de a formação

basear-se no modelo de três ou quatro partes.

É dizer, nenhum estudo será suficientemente lúcido e apto a conduzir a re-

sultados condizentes com as exigências da vida contemporânea na sua complexida-

de e busca de inovação, enquanto se mantiver na visão interna e estanque das rela-

ções bilaterais individualmente consideradas31.

Noutros termos, é preciso considerar os modos de conexão dos valores jurí-

dicos e econômicos imbricados na formação da indústria de cartões de pagamento, 29 Para melhor entendimento sobre os aspectos econômicos do M2L, vide Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamentos, cit., pp. 33-41, e FREITAS, Paulo Spring de. Mercado de Cartões de Crédito no Brasil: problemas de regulação e oportunidade de aperfeiçoamento , Consultoria de Estu-dos do Senado, Texto para discussão nº 37, Brasília: dezembro de 2007, disponível em http://www.-senado.gov.br/conleg/textos_discussao/textoParaDiscussao37paulospringer.pdf, acesso em 14 de maio de 2009. 30 A atipicidade dos contratos bilaterais decorre da ausência de regulação específica.31 LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Cartões de Crédito, cit. p. 99, entende que “o cartão de crédito configura em si mesmo um sistema operativo, constituído por diversas relações jurídicas cuja unida-de se alcança e se consuma na finalidade comum do instituto, muito difícil de enquadrar-se em uma única natureza ou identidade jurídica. As várias correntes focalizadas e que não estão esgotadas em seu rol, como vimos, explicam essa ou aquela particularidade do cartão, distinguindo as relações que o instituto propicia no seu aspecto trilateral já exposto, mas não são capazes de enquadrá-lo como um todo harmônico. ... O cartão de crédito como instituto, implica, portanto, na configuração de um sistema jurídico operacional conformado pela unidade ou complementação de diversas relações jurí-dicas independentes, que se integram na busca de uma finalidade que, representando os interesses multifacetados dos intervenientes, é comum a todos eles.”

Page 24: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

17

saindo dos padrões geralmente empregados pelos especialistas do direito que mui-

tas vezes se contentam em edificar isoladamente suas colunas de valores, omitindo

ou ignorando a observação, não muito longe e umbilicalmente atrelada, daqueles es-

tudiosos dos fenômenos econômicos.

2.1 A organização da indústria de cartões

A indústria de cartões de crédito, de modo geral, congrega quatro ou cinco

participantes, dos quais três são participantes diretos da indústria e dois usuários fi-

nais. A literatura denomina o arranjo de três partes como modelo fechado, enquanto

a organização com quatro partes de modelo aberto. A diferença entre um e outro ar-

ranjo reside no fato de que no modelo fechado as atividades de emissão de cartão e

de credenciamento dos fornecedores de bens ou de serviços são realizadas por um

único agente, o próprio emissor.

No Brasil a Visa e a MasterCard estão estruturalmente organizadas como

modelo aberto (bandeira, emissor, credenciador, titular e fornecedor), enquanto a

American Express, o Diners e o Hipercard retratam estruturas de um modelo fecha-

do (bandeira, emissor/credenciador, titular e fornecedor). O diagrama a seguir mos-

tra o funcionamento do modelo aberto:

Proprietário do esquema

Comprador Vendedor

Banco Emissor Credenciador

-

Comprador Vendedor

Emissores Credenciadores

,

Encarados sob a perspectiva de interesses, seriam participantes diretos da

indústria: a bandeira, empresa proprietária e cedente da marca, que define as re-

gras de funcionamento do negócio; o emissor, cessionário da marca, responsável

Page 25: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

18

pela emissão do cartão e pelo relacionamento com o titular no que se refere à habili-

tação, à identificação e autorização, à fixação de limite de crédito e dos encargos fi-

nanceiros, à cobrança da fatura e à definição de programas de benefícios; o creden-ciador, entidade responsável pelo credenciamento de fornecedores de bens ou de

serviços, que, no caso do modelo fechado é exercido pelo próprio emissor. O titular

do cartão e o fornecedor de bens ou de serviços formam o par de usuários finais

(demanda).

Os participantes diretos, por óbvio, se estruturam com o objetivo de atrair os

dois usuários finais: o titular do cartão e o fornecedor de bens ou prestador de ser-

viços. Sem eles a engrenagem não se justifica, nem jurídica, nem economicamente.

E é por causa desses dois usuários finais (titular do cartão e fornecedor de

bens e serviços) que surge a singularidade do mercado de dois lados (M2L) da in-

dústria de cartões, a reclamar análise integrada, contextual e conseqüente de cada

uma das relações bilaterais (emissor/titular; emissor/fornecedor; titular/fornecedor),

porém com foco nas ramificações de cada uma per se com a figura central do mode-

lo, isto é, no emissor, particularmente porque a indústria de cartões se caracteriza

pela interação, interdependência e existência de externalidades positivas de rede32

entre os dois lados do mercado (oferta e demanda).

Essa característica da indústria de cartões de pagamentos, que reflete ape-

nas o aspecto econômico do problema, tem implicações relevantes em termos de

formulação de políticas públicas (regulação), implicando dizer que os dois lados do

mercado devem ser analisados de forma conjunta, sob pena de eventual desequilíb-

rio regulamentar comprometer o próprio funcionamento da indústria de cartões.

2.2 Os tipos de cartões de crédito em função do emissor

Em termos amplos é possível classificar os cartões de pagamentos, modali-

dade crédito, em duas categorias: os cartões de crédito não bancários e os cartões

de crédito bancários, classificação essa que se atém à origem das entidades emis-

soras do cartão.

32 Segundo Roson (2005) apud Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamentos, obra conjunta Bacen/SEAE/SDE, Brasília, 2009, p. 18, externalidade positiva de rede ocorre quando a utilidade de um consumidor (produtor) em um mercado depende do consumo (produção) do mesmo produto ou serviço fornecido por outros agentes.

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19

Por cartão de crédito não bancário se deve entender aquele grupo de car-

tões emitidos diretamente pelos fornecedores de bens ou serviços. Trata-se da-

quela categoria conceituada como private label e que retrata o modus operandi do

cartão de crédito na sua origem, qual seja a bilateralidade da relação entre o titular e

o emissor do cartão/fornecedor de bens ou serviços, a desnudar a natureza tipica-

mente mercantil do negócio.

A princípio pode-se enquadrar na mesma categoria os cartões emitidos e ad-

ministrados por empresa especializada no interesse de grupo de fornecedores de

bens ou serviços para uso exclusivo de seus clientes, desde que inexista a possibili-

dade de parcelamento das despesas realizadas pelo titular num determinado perío-

do de tempo, mas, ver-se-á, na prática é algo meio impossível de suceder.

Por outro lado, deve-se entender por cartão de crédito bancário os cartões

emitidos por instituição financeira em sentido amplo, isto é, não somente instituição

financeira de natureza bancária, espécie da qual aquela é gênero, mas, também,

as empresas instituídas com o propósito específico, permanente, de emitir e ad-

ministrar cartões de crédito nos moldes discutidos na literatura, pertençam ou não os

emissores a conglomerados financeiros.

Não há como negar, no entanto, que é tênue a linha divisória entre uma e

outra modalidade de cartões de crédito, sendo certo que pelo menos para fins de es-

clarecimento público o Banco Central do Brasil passa a idéia de que se o ente não

carregar o predicado (nomen juris) instituição financeira, não se sujeita às regras do

sistema financeiro nacional.

A dificuldade de enquadramento decorre do fato de que tanto o cartão de

crédito não bancário quanto o cartão de crédito bancário trazem implícita a idéia do

crédito diferido, ou melhor, permitem que o titular pague as despesas realizadas

em determinado período em prazo futuro, geralmente um mês, sem incidência de

nenhum ônus financeiro (juros).

E nesse ponto é imperioso distinguir o crédito em sentido amplo do crédi-to em sentido estrito. O crédito em sentido amplo traduz a confiança que uma pes-

soa, física ou jurídica, deposita em outra quanto ao cumprimento de uma obrigação

assumida pela segunda. Daí dizer-se na linguagem coloquial que “crédito é

dinheiro”.

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20

Já o crédito em sentido estrito33, significa que uma pessoa coloca à disposi-

ção de outra certa soma em dinheiro e que geralmente se aperfeiçoa por intermédio

de contrato de mútuo ou abre linha de crédito que possibilita ao credor interagir com

o mercado de consumo e adquirir bens e serviços, a exemplo do cartão de crédito.

Note-se, porém, que o fator crédito (confiança) antecede o mútuo, ou seja, esse

nada mais é do que a conseqüência do crédito aberto pela pessoa que confiou em

outrem.

A segunda dificuldade reside na constatação de que os emissores de car-tões não bancários passaram a firmar parcerias com instituições financeiras com o

objetivo de terceirizar o serviço de cobrança (ou agregaram a figura da cláusula-

mandato) e dessa interação surge a possibilidade de financiamento aos titulares que

eventualmente não tenham condições de pagar a fatura integralmente no vencimen-

to, numa operação que se desgarra do desenho original dessa modalidade de

cartão, qual seja a obrigatoriedade do titular do cartão liquidar integralmente o débito

constante da fatura de despesas, o que permite especular a respeito de uma catego-

ria intermediária34. A criatividade e a inovação operacional próprias das instituições

financeiras falam mais alto e novas possibilidades negociais se abrem, particular-

mente quando o convênio entre a instituição financeira e o emissor do cartão não

bancário incorpora a cobrança via débito na conta corrente do titular do cartão junto

à própria instituição financeira.

Na ocorrência do fenômeno da concessão de crédito, porém, a operação cai

na vala comum de atividade privativa de instituição financeira. É o que será demons-

trado mais adiante.

33 MANAUT, Charles Barutel, Las Tarjetas de Pago y Crédito, cit. p. 119, ensina que ‘Las tarjetas de crédito strictu sensu (pues el término es empleado también como género), son aquellas que permitem dispor de un límite de crédito determinado en el contrato. Están vinculadas a una línea de crédito otorgada por ele emisor, que permite al titular efectuar compras a plazos. La devolución del crédito se efectuará mediante cargos convenidos en una cuenta bancaria, o de otra forma acordada con el emisor.’34 LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Cartões de crédito, cit. p. 47, classifica como intermediários os cartões “quando, não obstante privativos de lojas ou magazines, funcionam acoplados a uma empre-sa de financiamento, própria ou não.”

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21

2.3 As partes intervenientes35

Linhas atrás restou enfatizado que o arranjo organizacional da indústria de

cartões, pelo fato de reunir idiossincrasias próprias do que a literatura econômica

identifica como mercado de dois lados (M2L), precisa ser estudado como resultante

de um conjunto de relações bilaterais com foco no tronco comum do modelo: o emis-

sor do cartão36.

Isso porque o modelo de negócio precisa propiciar um mínimo de equilibro

que possibilite atrair e conciliar interesses aparentemente antagônicos dos dois usu-

ários finais do cartão de crédito, isto é, do titular e do fornecedor de bens ou de ser-

viços.

As principais obras disponíveis no Brasil a analisar em profundidade as rela-

ções jurídicas bilaterais que surgem do negócio com cartão de crédito são de autoria

de FRAN MARTINS (1976) e FAUSTO PEREIRA DE LACERDA FILHO (1990).

Embora publicadas numa época em que instrumento cartão de crédito ainda

era um produto elitizado no Brasil, são obras que se mantém atuais, desde que o

instituto seja interpretado em coerência com a Constituição Federal e com as mu-

danças advindas com o novo Código Civil e com o Código de Defesa do Consumi-

dor.

Tendo como ponto de referência o emissor, pode-se dizer que o negócio jurí-

dico que movimenta o cartão de crédito se consubstancia, em regra, por três contra-

tos bilaterais, autônomos, típicos, porém interdependentes entre si, haja vista que,

sob a ótica da circulação de bens e serviços, a inércia de um dos usuários finais (ti -

tular ou fornecedor de bens e de serviços) frustra o empreendimento.

As relações jurídicas emergentes da forma mais usual do sistema são entre:

o emissor e o titular do cartão; o emissor e o fornecedor de bens ou de serviços; o ti -

tular do cartão de crédito e o fornecedor de bens ou de serviços.

35 O presente trabalho não tem por escopo discutir a natureza jurídica das relações bilaterais per se, razão por que para eventual aprofundamento ver, dentre outras, as seguintes obras citadas: LACER-DA FILHO, Fausto Pereira, Cartões de Crédito; MANAUT, Charles Barutel, Las tarjetas de pago y crédito; e MARTINS, Fran, Cartões de crédito: natureza jurídica. 36 No dizer de LACERDA FILHO, Fausto Pereira, Cartões de Crédito, cit. p. 58, “O instituto do cartão de crédito, que a maioria dos autores concorda em qualificar como complexo, não obstante essa pri-meira imagem, produz uma clara coordenação das relações das partes que nele intervém, integran-do-as em sua própria finalidade e, também, ao vértice do sistema, que é a entidade emissora. Essa parte é o único interveniente nas relações que o instituto cria que, de modo geral é singular.”

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22

A relação entre o emissor e o titular, de caráter duradouro, cria dentro da es-

trutura multiforme da indústria uma série de direitos e obrigações regulados pelas

cláusulas do contrato de adesão e pelo Código de Defesa do Consumidor, podendo-

se destacar a concessão de crédito rotativo, previamente definido e aprovado, em

favor do titular e a garantia do emissor37 de que pagará as despesas que o titular re-

alizar junto aos estabelecimentos comerciais filiados ao sistema. O cartão de crédito

é utilizado pelo titular como meio de pagamento, liberando-o, sob a ótica da relação

estritamente financeira, de qualquer obrigação junto aos fornecedores de bens ou de

serviços aderidos ao sistema.

Comparativamente aos demais instrumentos de pagamentos, isto é, uso do

papel-moeda e cheque, o cartão de crédito reúne os atributos de praticidade, rapidez

e segurança e menor custo38 para os titulares (consumidores). A praticidade e a rapi-

dez estão associadas à portabilidade do instrumento e o acesso, sem burocracia de

cadastro, avaliação de riscos, idoneidade do portador, ao mercado de produtos e

serviços. A segurança vincula-se à própria substitutibilidade entre o cartão de crédito

e os outros instrumentos de pagamento, minimizando os efeitos de fraudes e roubo

associados ao manuseio do instrumento.

A par das vantagens de ordem prática, o cartão de crédito proporciona ao ti-

tular, via crédito diferido, potencial disponibilização de recursos sem a incidência de

custo do dinheiro pelo período que medeia entre a aquisição de bens e serviços e o

vencimento da fatura.

Da interação entre o emissor e o fornecedor de bens ou de serviços nasce

outra gama de direitos e obrigações, cabendo destacar a obrigação do estabeleci-

mento filiado de aceitar o cartão de crédito como meio de pagamento e do emissor

de garantir o pagamento das despesas realizadas pelo titular. Dito de outra forma, o

emissor assume os riscos de insolvência do titular pelos gastos realizados com o

cartão de crédito.

37 No modelo aberto, no qual o serviço de credenciamento é realizado por entidade autônoma, dife-rente do emissor, e.g., Visanet e Redecard, o emissor se responsabiliza perante o Credenciador que paga aos estabelecimentos filiados.

38 Estudo realizado pelo Banco Central do Brasil indica que os instrumentos de pagamento eletrônico são mais baratos que os não-eletrônicos (papel-moeda, cheque, etc.) e os resultados obtidos mos-tram que o uso intensivo de meios de pagamento eletrônicos geraria ganho social de aproximada-mente 0,7% do PIB brasileiro de 2005. Vide a propósito Custo e Eficiência na Utilização de Instrumen-tos de Pagamento de Varejo, julho de 2007, disponível em: http://www.bcb.gov.br/htms/novaPagi-naSPB/Nota%20T%E9cnica%20-%20Custo%20Eficiencia.pdf.

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23

O instituto do cartão de crédito, de igual forma, traz benefícios para os esta-

belecimentos filiados ao sistema na medida em que potencialmente amplia o merca-

do consumidor com a possibilidade de venda a prazo diferido, possibilita a redução

de custos operacionais em face da desnecessidade de manter departamentos de

análise de crédito próprios, de cadastro e de cobrança, a par de diminuir os riscos de

crédito e de liquidez dos consumidores, presente que o emissor responde pela obri-

gação do titular do cartão (garantia), e de reduzir os riscos por conta de cheques

sem fundo, notas falsas, roubo de numerário.

Do ponto de vista da prestação de serviço, LACERDA FILHO39 vislumbra

que a relação entre emissor e o fornecedor de bens ou de serviços “poderia ser es-

tudada, em certos aspectos, pelas disposições disciplinadoras da estipulação em favor de terceiro.” e nesse ponto diverge de MARTINS40 que entende que se trata

de cessão de crédito futuro.A divergência aberta por LACERDA FILHO aponta no sentido de que não se

poderia conceber uma cessão de crédito com base num negócio que não houve, afi-

nal o “Código Civil, com efeito, diz que ‘o credor pode ceder o seu crédito’. Ora, se

não houve negócio, não há crédito e, por conseguinte, não pode haver sua ces-

são.”

Embora a análise de ambos os autores tenha por base o Código Civil de

1916, razão assiste a MARTINS. A questão é meramente temporal, ou seja, a eficá-

cia da cessão de crédito, no particular, é dependente de uma condição futura, qual

seja a ativação do cartão de crédito pelo titular junto a rede de estabelecimentos fili-

ados.

De fato, no tratamento que dispensa ao art. 295 do Código Civil, LOTUFO

distingue crédito futuro, expectativa de direito e crédito inexistente para afirmar que

a expectativa é a situação em que existe na esfera jurídica do cedente, e a cessão

compreende a posição que poderá transformar-se num direito de tal natureza. Sus-

tenta, pois, no que tange ao crédito futuro, que a transferência da situação jurídica

39 LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Cartões de crédito, cit. p. 68. 40 MARTINS, Fran, Cartões de crédito: natureza jurídica, cit. pp. 119-128. DINIZ, Maria Helena. Trata-do Teórico e Prático dos Contratos, v. 3, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 111, também entende que pelo contrato de filiação “O fornecedor, ao firmar o contrato com o emissor, abrirá uma conta em seu favor, para que nela se creditem todas as quantias que lhe forem pagas e se debitem as co-missões devidas. Nas relações entre o emissor e fornecedor haverá uma prestação de serviços, pois o emissor angariará fregueses em favor do fornecedor, e uma promessa de cessão de crédito, aceita pelo emissor”

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24

não se opera desde logo, pois esse efeito só se produzirá se e quando o crédito for

existente no âmbito do cedente.41‾42

Por fim, a relação entre o titular e o fornecedor de bens ou de serviços. Tra-

ta-se de relação jurídica eventual e espontânea que tem o mérito de ativar o sistema

e fechar o circuito no tronco comum do sistema, o emissor. Dessa interação nascem

direitos e obrigações dissociados do pagamento, ligando-os segundo características

próprias e a natureza de cada operação entre eles realizada.

Surgem, na espécie, relações de índole eminentemente consumeristas na-

quilo que concerne à qualidade, quantidade ou vício do produto ou serviço e ampa-

radas na celebração de contratos de compra e venda de mercadorias ou de presta-

ção de serviços. De fato, pelos vícios e defeitos no fornecimento de bens ou na pres-

tação de serviços responde o fornecedor perante o titular do cartão de crédito, pon-

tuado ARNALDO RIZZARDO:Mas diferente é a situação do comprador. Não se lhe permite a reclamação contra o banco ou agente emissor. Cumpre-lhe pagar, nos prazos estabele-cidos, as quantias que este desembolsou, sem qualquer responsabilidade pelos defeitos. O banco ou emissor nenhuma vinculação firmou quanto à qualidade ou quantidade dos produtos. Sua obrigação é pagar até o limite convencionado, contra a apresentação das faturas. (...)Se, no entanto, os bens contiverem defeitos, o usuário do cartão não ficará sem o respaldo do direito. Compete-lhe agir contra o vendedor, a fim de res-sarcir-se dos prejuízos, ou mesmo anular a transação.43

O aspecto relevante a descortinar é que o cartão de crédito configura um sis-

tema jurídico operacional, complexo, conformado pela unidade ou complementação

de diversas relações jurídicas bilaterais, mas que se integram na busca de uma fina-

lidade comum e representativa dos interesses multifacetados dos intervenientes.

41 LOTUFO, Renan, apud Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência, Coordenador Cezar Pe-luso, 2ª ed. rev. e atual. Barueri, SP: Saraiva, Manole, 2008, p. 298.42 SILVA, Orlando. Contratos, 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 475, entende que haveria sub-rogação de crédito, enquanto SANTOS, Marília Benevides. Cartão de Crédito nos Dias Atuais, 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p. 77, 90/91, considera que haveria sub-rogação. Diz Marília: “Diante dessas obrigações, a doutrina tem perquirido sobre a natureza do contrato de filiação que constitui o emissor devedor do fornecedor e credor do titular. (...). Diante de todas as teorias apresen-tadas: estipulação em favor de terceiro, mobilização de dívidas, sub-rogação convencional, comissão mercantil, mandato, cessão de crédito, assunção de dívidas e negócio jurídica complexo, pode-se concluir que as mais plausíveis seriam a assunção de dívidas, apresentada pelo eminente Desem-bargador Joaquim Antônio Penalva Santos, e o negócio jurídico complexo, apontado pelo autor Fausto Pereira de Lacerda Filho.” 43 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.1003.

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25

A engenhosidade do instituto do cartão de pagamento nas suas diversas

conformações (crédito, débito, e-money, etc.) vem ao encontro da incessante busca

do ser humano por simplificação, comodidade e segurança nas relações mercantis.

Trata-se, pois, de sistema cujas bases são eminentemente econômicas e

que se destina a incrementar o desenvolvimento da produção, do crédito e do con-

sumo.

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26

3 A EMISSÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO E A ATIVIDADE

FINANCEIRA

Há uma segunda área de atuação do Banco Central que tam-bém contribui para o desenvolvimento do País: zelar por uma intermediação financeira eficiente e segura. Numa economia de mercado cumpre ao sistema financeiro estimular a poupança e canalizá-la de forma eficiente para as melhores oportunidades de investimento.

O trabalho do Banco Central, nessa área, é complementar aos esforços da CVM e da Susep e abarca desde os aspectos de-fensivos da supervisão prudencial e da proteção ao consumi-dor, até os aspectos institucionais necessários ao desenvolvi-mento de mercados como os de crédito habitacional e agrícola.

Armínio Fraga Neto44

O marco teórico faz distinção entre o cartão de crédito bancário e o cartão

de crédito não bancário tomando por elemento divisor o predicado atribuído ao

emissor, isto é, trazer ou não o título de instituição financeira.

Nesse sentido, LACERDA FILHO45 classifica os cartões de crédito, tendo por

referencial “A origem ou a natureza jurídica das entidades emissoras ou opera-doras dos cartões”, em: 1. cartões bancários, quando a entidade emissora é um

banco ou uma instituição financeira, considerada autonomamente ou em associação

com outros bancos ou empresas congêneres; 2. cartões não-bancários, quando

emitidos por empresas ou instituições estranhas ao mercado financeiro ou de capi-

tais, (por exemplo, Mesbla, Hermes Macedo, Muricy, etc..) ou rede de lojas especia-

lizadas, (H. Stern), que não dependem de instituições financeiras para a concessão

de financiamento aos seus clientes. Algumas dessas, inclusive, dispõem de suas fi-

nanceiras próprias, embora o grosso de seus negócios seja concentrado nas ven-

das; 3. cartões intermediários, quando, não obstante privativos de lojas ou magazi-

nes, funcionam acoplados a uma empresa de financiamento, própria ou não. (desta-

ques do original)

MARTINS46 reforça a idéia de cisão entre os tipos de cartão afirmando que

embora, “[...] em regra, os contratos relativos à mobilização do crédito são da área

44 FRAGA NETO, Armínio. O papel do Banco Central no século XXI, apud WALD, Arnoldo. Revista do Direito do Estado, Rio de Janeiro: Renovar, nº 6, pp. 300-308, abr.-jun./2007. 45 LACERDA FILHO, Fausto Pereira. Cartões de crédito, cit. p. 47. 46 MARTINS, Fran. Cartões de crédito: natureza jurídica, cit. pp. 91 e 139.

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do direito bancário (Lei nº 4.595, de 1965, arts. 17 e 18), não quer isso dizer que to-das as operações de créditos só possam ser realizadas por instituição financeira. Os

estabelecimentos comerciais vendem a crédito, mesmo com pagamentos parcela-

dos, sem ser instituições financeiras.”

No fundo o autor sustenta que o crédito em sentido amplo não pressupõe

disponibilizar certa quantia de dinheiro ao titular do cartão de crédito (mútuo), retra-

tando apenas o elemento confiança, próprios da atividade comercial.

HUMBERTO THEODORO et al advoga que “O cartão de crédito não pode

ser confundido com mera abertura de crédito bancário, onde há um empréstimo de

dinheiro ao titular. Na verdade, no cartão de crédito há uma concessão de crédito.”47

Sem dúvida que o conhecido adágio popular “Quem tem crédito na praça

tem dinheiro no bolso” não implica, necessária e obrigatoriamente, avançar na ativi-

dade privativa de instituição financeira.

O aspecto relevante para fins de análise do cartão de crédito não bancário,

não enquadrável no conceito private label, contudo, reside no fato de que o modelo

que se discute para traçar as diversas relações jurídicas alberga um terceiro perso-

nagem –o emissor– que se interpõe entre o titular do cartão e o fornecedor de bens

ou serviços e assume a obrigação perante esse de honrar as despesas realizadas

pelo titular do cartão.

Mais que isso, exerce a atividade de forma habitual, profissional e com fins

lucrativos, tipificada como prestação de serviços nos exatos termos do § 2º do art. 3º

do Código de Defesa do Consumidor, isto é, “Serviço é qualquer atividade fornecida

no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancá-

ria, financeira, de crédito e securitária (...).”

É, a todo sentir e sob a ótica econômica, uma atividade de intermediação,

mormente porque ele, emissor, se dispõe a financiar, ainda que pela via transversa

da cláusula-mandato, as despesas realizadas pelo titular do cartão. Implica dizer

que, se a entidade emissora depende da captação de recursos junto ao mercado fi-

nanceiro para viabilizar o próprio negócio, descabe afastar a prática de atividade

própria do sistema financeiro.

47 THEODORO JÚNIOR, Humberto, MELLO, Adriana Mandim Theodoro e THEODORO, Ana Vitória Mandim. O contrato de cartão de crédito e a cláusula-mandato em face do Código de Defesa do Con-sumidor. Revista do Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, ano 5, nº 16, abril-ju-nho de 2002. São Paulo: RT, pp. 165-182.

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Mesmo admitindo a hipótese de que as despesas constantes da fatura se-

jam integralmente liquidadas no prazo do diferimento, logo sem nenhum tipo de par-

celamento por parte do emissor e sem cobrança de encargos, ainda assim não é

possível afastar, in totum, o exercício de atividade subordinada às regras próprias do

direito bancário.

Primeiro porque a atividade de emissão e administração de cartões incorpo-

ra garantia de dupla face, seja pelo fato de deferir ao titular do cartão de crédito um

limite de crédito rotativo, seja porque assegura o pagamento (aquisição de crédito)

das despesas realizadas pelo titular do cartão perante os fornecedores de bens ou

de serviços filiados ao sistema.

Segundo porque não há vinculação ou condicionalidade entre o pagamento

da obrigação ao fornecedor de bens ou serviços e o correspondente recebimento do

titular do cartão.

Terceiro porque a posição credora dos estabelecimentos filiados decorrente

do fornecimento de bens ou da prestação de serviços é transferida ao emissor em

caráter pro soluto, ou seja, ele, emissor, assume o risco da insolvência do titular do

cartão.

Ora, se no mundo dos fatos a transação assim se passa e a atuação do

emissor “não bancário” é massificada, logo não é um ato isolado, implica dizer que

mesmo na ausência de parcelamento do débito contraído com o cartão de cré-dito o emissor estará, por algum lapso temporal, efetivamente financiando o ti-tular do cartão.

Não sendo o emissor o próprio fornecedor de bens ou serviços, mas um ter-

ceiro que tem na atividade de emissão, que é o centro irradiador do instituto do car-

tão de crédito, o lucro econômico, a habitualidade e o exercício profissional como ve-

tores do negócio, é irrelevante a singularidade do diferimento do pagamento (crédito

em sentido amplo), comum a qualquer dos modelos, como justificativa bastante para

afastar a atividade de intermediação financeira.

A atividade de intermediação pelo emissor restará caracterizada em razão

de exercê-la em caráter permanente, de não empregar recursos/capitais próprios e

de figurar na dupla função de garante –do titular do cartão e obrigado junto aos esta-

belecimentos filiados pelas despesas realizadas pelo titular do cartão– e na circuns-

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tância de que o cumprimento da obrigação independe de qualquer condição associa-

da à solvência do titular do cartão.

A posição de centralidade assumida pelo emissor, razão de ser da engrena-

gem jurídico-operacional do instituto do cartão, provoca mutação qualitativa na ativi -

dade desenvolvida, haja vista que não é ela, atividade de intermediação, exercida

em caráter singular, esporádica, mas com escopo profissional, habitual e com espíri-

to de lucro.

3.1 A natureza financeira da atividade do Cartão de Crédito

Uma indagação desde logo se impõe: é possível identificar no negócio com

cartão de crédito atividade bancária típica?

Como é sabido, as operações bancárias podem ser classificadas como típi-

cas e acessórias, razão por que o art. 17 da Lei nº 4.595, de 1964, conceitua como

instituição financeira toda pessoa jurídica, pública ou privada, que exerça, em cará-

ter principal ou acessório, as atividades de captação, intermediação ou aplicação de

recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a

custódia de valor de propriedade de terceiros.

As operações típicas são aquelas que implicam a intermediação de crédito e

consistem em transferência de moeda (circulação monetária) ou de crédito, tendo

por elementos de sustentação a confiança e a administração de riscos.

As operações bancárias típicas, portanto, são capazes de gerar impactos

não desprezíveis na política monetária e econômica do País.

As operações acessórias, por seu turno, podem ser definidas como verda-

deiras prestações de serviço (custódia de valores, cobrança de títulos, aluguel de

cofre, negócio em bolsa de valores, etc.), logo são atividades de natureza não-finan-

ceira, sem vinculação com a política monetária, haja vista que não possibilitam nem

a concessão de crédito e nem a captação de recursos.

Para GALENO LACERDA48 “[...] a atividade bancária se desdobra em duas

categorias distintas: uma, a principal, consistente em operações, e outra, secundá-

ria, caracterizada pela prestação de serviço. As operações têm por objeto o dinheiro,

48 LACERDA, Galeno. Direito Comercial, Obrigações e Contratos, vol. III. Rio de Janeiro: Forense, p. 14.

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ou créditos que se traduzem em dinheiro; os serviços, ao contrário, atendem a inte-

resses acessórios do cliente, como cofres de aluguel, cobrança de títulos etc.” (des-

tacou-se)

CARLOS COVELLO49, abordando a questão mais amiúde sustenta:A classificação tradicional e, ao mesmo tempo, mais acolhida na prática bancária é aquela que divide as operações de Banco, de conformidade com o crédito, em fundamentais e acessórias.

As operações fundamentais, ou típicas, são as que implicam a intermedia-ção do crédito, função precípua dos Bancos, que, como vimos, recolhem di-nheiro de uns para concedê-lo a outros.

Dividem-se em passivas (as que têm por objeto a procura e provisão de fun-dos, sendo assim denominadas por importarem em ônus e obrigações para o Banco, que, na relação jurídica, se torna devedor) e ativas (as que visam à colocação e ao emprego desses fundos; por meio dessas operações, o Banco se torna credor do cliente).

Constituem operações passivas os depósitos, as contas correntes, os re-descontos, enquanto as principais operações ativas são os empréstimos, os financiamentos, as aberturas de crédito, os descontos, os créditos do-cumentários, as antecipações, etc.

As operações acessórias ou neutras (assim chamadas por não implicarem nem a concessão e nem o recebimento do crédito) possuem significado me-nor para os Bancos, que só as realizam com o fito de atrair clientela. Defi-nem-se como verdadeiras prestações de serviços: custódia de valores, cai-xa de segurança, cobrança de títulos e outras. (destacou-se)

É fácil perceber, pois, que as operações típicas de instituições financeiras

estão submetidas à regulamentação do Conselho Monetário Nacional e, por conse-

guinte, à autorização, controle e fiscalização do Banco Central do Brasil.

Numa sentença: as operações típicas envolvem atividade de natureza finan-

ceira, diferentemente das acessórias cujas atividades são de natureza não-financei-

ra.

E são operações típicas, de natureza financeira, porque pela abertura ou a

concessão de crédito, cujo respectivo limite é definido com suporte na prévia análise

da capacidade econômico-financeira do portador, o emissor se obriga a satisfazer as

despesas contraídas pelo titular do cartão junto aos estabelecimentos filiados.

Trata-se, portanto, de crédito em sentido estrito como espécie de facilidade

creditícia que não se confunde com o contrato real de empréstimo. Na modalidade

de crédito própria do cartão de crédito não há nenhuma entrega de dinheiro, como

contrariamente ocorre com o empréstimo.

49 COVELLO, Sérgio Carlos. Contratos bancários, 4ª edição. São Paulo: Leud, 2001, p. 38.

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31

3.2 A Atividade de intermediação da indústria de cartões e a legislação do Sistema Financeiro Nacional

A Lei nº 4.595, de 1964, conhecida como “Lei da Reforma Bancária”, que

dispõe sobre a Política, as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, e o Con-

selho Monetário Nacional, traça como objetivos de política do Conselho Monetário

Nacional, dentre outros: i - regular o valor interno da moeda, para tanto prevenindo

ou corrigindo os surtos inflacionários ou deflacionários de origem interna e externa,

as depressões econômicas e outros desequilíbrios oriundos de fenômenos conjuntu-

rais (art. 3º, II); e, ii - propiciar o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos

financeiros, com vistas à maior eficiência do sistema de pagamentos e de mobiliza-

ção de recursos (art. 3º, V).

Em sede de poder de polícia o art. 10, incisos VI e IX, e o art. 11, inciso VII,

da Lei nº 4.595, de 1964, estatuem ser da competência do Banco Central do Brasil,

respectivamente, “VI - Exercer o controle do crédito sob todas as formas”; IX - Exer-

cer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas”; e

“VII - Exercer permanente vigilância nos mercados financeiros e de capitais sobre

empresas, que, direta ou indiretamente, interfiram nesses mercados e em relação às

modalidades ou processo operacionais que utilizem.” (destacou-se)

A definição de instituição financeira, por seu turno, pode ser extraída da con-

jugação dos arts. 17 e 18 da Lei nº 4.595, de 1964, que dispõem, in verbis:

Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como ativi-dade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recur-sos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equipa-ram-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.

Art. 18. As instituições financeiras somente poderão funcionar no País me-diante prévia autorização do Banco Central da República do Brasil ou decre-to do Poder Executivo, quando forem estrangeiras.§ 1º Além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das socieda-des de crédito, financiamento e investimentos, das caixas econômicas e das cooperativas de crédito ou a seção de crédito das cooperativas que a te-nham, também se subordinam às disposições e disciplina desta lei no que for aplicável, as bolsas de valores, companhias de seguros e de capitaliza-ção, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, merca-

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dorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qual-quer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta pró-pria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições finan-ceiras.

§ 2º O Banco Central da Republica do Brasil, no exercício da fiscalização que lhe compete, regulará as condições de concorrência entre instituições financeiras, coibindo-lhes os abusos com a aplicação da pena (Vetado) nos termos desta lei. (destacou-se)

Do cotejo dos dispositivos transcritos é possível divisar que instituição finan-

ceira de natureza bancária é espécie do gênero instituição financeira, isto é, na con-

formação do sistema financeiro nacional há instituições financeiras bancárias e insti-

tuições financeiras não bancárias. É da espécie bancária toda instituição financeira

autorizada a captar recursos do público, ou seja, os conhecidos bancos comerciais

ou bancos múltiplos detentores de carteira comercial.

A própria Lei nº 4.595, de 1964, em diversas passagens e para propósitos

específicos (art. 4º, XVII, art. 10, V, art. 19, XI, art. 49, § 9º, e art. 58, § 2º) se encar -

rega de realçar a singularidade da espécie bancária, sendo ilustrativo o preceito que

define que as operações de redesconto do Banco Central do Brasil são franqueadas

às instituições financeiras, públicas ou privadas, de natureza bancária (art. 4º, XVII,

e art. 10, V).50

É possível, de igual forma, extrair da exegese contextual dos arts. 17 e 18 da

Lei nº 4.595, de 1964, que a caracterização e a subordinação à lei, para fins de regu-

lação e fiscalização das Autoridades Monetárias, repousam no exercício profissional,

habitual e com espírito de lucro, em caráter principal ou acessório, das atividades de

coleta (captação de recursos), intermediação ou aplicação de recursos financeiros

próprios ou de terceiros e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

50 “Art. 4º Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presiden-te da República:

(...)

XVII - Regulamentar, fixando limites, prazos e outras condições, as operações de redesconto e de empréstimo, efetuadas com quaisquer instituições financeiras públicas e privadas de natureza bancá-ria;

Art. 10. Compete privativamente ao Banco Central da República do Brasil:

(...)

V - Realizar operações de redesconto e empréstimos a instituições financeiras bancárias e as referi -das no Art. 4º, inciso XIV, letra "b", e no § 4º do Art. 49 desta lei;”

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Noutros termos, em razão da estrutura rudimentar do sistema financeiro de

então (estabelecimento bancários oficiais e privados, as sociedades de crédito, fi-

nanciamento e investimento, as caixas econômicas, as cooperativas de crédito e a

seção de crédito das cooperativas mista), o legislador deixou em aberto o conceito

de instituição financeira, de sorte que a caracterização deve ter como base de sus-

tentação não o predicado, nomen juris, mas a atividade que desenvolva.

A segunda modelagem do conceito de instituição financeira pode ser encon-

trada na Lei nº 7.492, de 1986 (Lei do Colarinho Branco). Embora a lei trate de cri -

mes contra o Sistema Financeiro Nacional, o art. 1º, caput, qualifica como instituição

financeira toda pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como ativida-

de principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou

aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira,

ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de

valores mobiliários.

A redação original do art. 1º da Lei nº 7.492, de 1986, aludia também a “re-

cursos financeiros próprios”, porém pela Mensagem nº 252 o Presidente da Repúbli-

ca vetou tal expressão sob o fundamento de que:

No art. 1º, (veto) a expressão ‘próprios ou’, porque é demasiado abrangen-te, atingindo o mero investidor individual, o que obviamente não é o propósi -to do legislador. Na aplicação de recursos próprios, se prejuízo houver, não será para a coletividade, nem para o sistema financeiro; no caso de usura, a legislação vigente já apena de forma adequada quem a praticar. Por outro lado, o art. 16 do Projeto alcança as demais hipóteses possíveis, ao punir quem opera instituição financeira sem a devida autorização.

Não há como desconhecer a abrangência do conceito de instituição financei-

ra tanto na Lei da Reforma Bancária quanto na Lei do Colarinho Branco, fato que por

si só impõe ao intérprete exegese não burocrática, literal da lei, afinal ensinava RUI

BARBOSA há quase um século que “Boa é a lei, quando executada com retidão.

Isto é: boa será, em havendo no executor a virtude, que no legislador não havia.

Porque só a moderação, a inteireza e eqüidade, no aplicar das más leis, as poderi-

am, em certa medida, escoimar da impureza, dureza e maldade, que encerrarem.”51

e EROS GRAU, para quem “[...] a interpretação do direito realiza-se não como mero

51 BARBOSA, Rui. Oração aos moços, edição popular anotada por Adriano da Gama Kury, 6ª ed. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 2003, p. 36.

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exercício de leitura de textos normativos, para o quê bastaria ao intérprete ser alfa-

betizado.”52

Uma terceira tentativa pode ser extraída da Lei Complementar nº 105, de

2001 (Lei do Sigilo Bancário), que inovando em relação às Leis nº 4.595, de 1964, e

nº 7.492, de 1986, não somente relaciona as operações financeiras que têm correla-

ção com as atividades privativas de instituições financeiras (art. 5º, § 1º) como quali-

fica, nomina, quem deve ser considerado instituição financeira (art. 1º, § 1º).

Há quem advogue interpretação restritiva da Lei do Sigilo Bancário com rela-

ção às entidades que não tenham o predicado instituição financeira, sob o funda-

mento de que tais entidades, a exemplo das “administradoras de cartões de crédito”,

não seriam instituições financeiras no sentido estrito do termo e que a Lei Comple-

mentar nº 105, de 2001, não teria inovado e muito menos alargado a competência

prevista na Lei nº 4.595, de 1964.

Análise contextual dos arts. 1º e 5º da lei do sigilo bancário não autoriza tal

raciocínio. Primeiro porque o legislador dispôs tanto sobre o sujeito quanto sobre o

objeto, a atividade, imbricados com o mister próprio do sistema financeiro. Para tan-

to arrolou doze entidades conceituadas como instituição financeira, inclusive as “ad-

ministradoras de cartões de crédito” (art. 1º, VI), e quatorze operações próprias da

atividade de intermediação financeira, aí incluídas as “operações com cartão de cré-

dito” (art. 5º, 1º, XIII).

Não só isso. Coerente com a Justificativa do PLC, que não descartava “... a

possibilidade de criação, no futuro, de novas instituições financeiras, bem como o

surgimento de novas modalidades operacionais, no âmbito das instituições hoje

existentes.”, o legislador deu um passo à frente e previu, com relação ao sujeito e ao

objeto (atividade), respectivamente, que:

i) o Conselho Monetário Nacional poderá considerar como instituição fi-

nanceira “outras sociedades” “em razão da natureza” das operações que realizar

(art. 1º, § 1º, XIII); e

ii) o Banco Central do Brasil, Comissão de Valores Mobiliários ou outro ór-

gão competente poderão considerar como operações financeiras “quaisquer outras

operações de natureza semelhantes que venham” a autorizar (art. 5º, § 1º, XV).

52 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, 3ª ed. São Pau-lo: Malheiros, 2005, primeira parte, discurso XI.

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Segundo porque um sujeito passivo atípico, ou seja, não rotulado como insti-

tuição financeira, foi incluído como destinatário do dever de sigilo. Trata-se, na espé-

cie, das empresas de fomento comercial ou factoring (art. 1º, § 2º), que “obedecerão

às normas aplicáveis às instituições financeiras previstas no § 1º.” É dizer, o legisla-

dor distinguiu quem é instituição financeira (§ 1º) e quem a ela se equipara para fins

do sigilo (§ 2º).

HAGSTRÖM embora critique a redação do § 1º do art. 1º da Lei Comple-

mentar nº 105, de 2001, por repetir a fórmula de ‘considerar’ as entidades que enu-

mera como instituições financeiras, ressalva que:Impõe-se observar, porém, a própria evolução e diversificação das ativida-des financeiras, que passaram de banqueiro individual, pessoa física, às sociedades comerciais e aos grupos empresarias, conduziram à ampliação do círculo de pessoas obrigadas ao dever do sigilo. 53

Mais adiante ao comentar a competência atribuída ao Conselho Monetário

Nacional para qualificar, como instituição financeira, outras sociedades “em razão da

natureza de suas operações” (art. 1º, § 1º, XIII), completa HAGSTRÖM:A norma é justificável. Há que considerar, por um lado, que o legislador, mesmo pretendendo estabelecer uma enumeração exaustiva, fatalmente acabaria por “esquecer” alguma entidade que deveria estar obrigada a man-ter sigilo. Além disso, a enumeração legal acabaria, com o passar do tempo, por ficar superada.54

Assim, fazendo-se um recorte qualitativo da norma, é possível identificar que

o exercício da atividade de intermediação constitui o elemento fundamental para

efeito de caracterização e subordinação de determinada entidade às regras do direi-

to bancário.

E nesse ponto ganha especial relevo na análise a distinção doutrinária entre

ato e atividade. O ato consiste numa ação isolada praticada por alguém. Trata-se,

pois, de algo episódico, ocasional. Na atividade, ao contrário, há uma sucessão de

atos, praticados de maneira organizada e repetidos no tempo, e que resultam numa

constante oferta de bens ou de serviços à coletividade, que é, por excelência, o tra-

ço característico do empresário.

SYLVIO MARCONDES assim se posiciona a respeito da caracterização de

determinada atividade empresarial:

53 HAGSTRÖM, Carlos Alberto. Comentários à Lei do Sigilo Bancário: Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2009, p. 212.54 Idem, idem, p. 215.

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Ora, não obstante serem os atos negociais facultados a todas as pessoas e, por essa razão, cabíveis num direito objetivo comum, é certo que sua práti-ca, quando continuadamente reiterada, de modo organizado e estável, por um mesmo sujeito, que busca uma finalidade unitária e permanente, cria, em torno desta, uma série de relações interdependentes que, conjugando o exercício coordenado de atos, o transubstancia em atividade.55 (grifos do original)

VERÇOSA56, por sua vez, destaca que a diferença entre ato e atividade

pode ser entendida da seguinte forma: em relação ao ato, ele se reveste da conota-

ção de exaurimento, de completude ou de resultado. Isto significa que ele atinge a fi -

nalidade para a qual foi praticado sem a necessidade de algum outro ato. Já a ativi-

dade caracteriza-se pela insuficiência de um ou alguns atos, pela incompletude no

sentido da realização do objetivo, pela falta de se alcançar o resultado. Tudo isto so-

mente ocorrerá na seqüência orgânica dos atos praticados, ou seja, na atividade que

se prolonga no tempo.

FRANCO aduz que “Atividade, como o próprio termo indica, é um conjunto

de atos, posto que movimento. Porém não é qualquer conjunto de atos. Somente

quando os atos são coordenados, conseqüentes e tendentes a um mesmo objetivo é

que se pode visualizar a atividade.”57

Não se alegue que a evolução conceitual trazida pelas leis do colarinho

branco e do sigilo bancário não guardam relação de pertinência com a própria reali-

dade do Sistema Financeiro Nacional, porque, reafirme-se, a atividade exercida com

habitualidade, o tipo de operação, é que constitui o substrato seguro para definir se

determinada pessoa jurídica exerce função privativa de instituição financeira.

E é atividade privativa de instituição financeira porque com a habilitação e a

entrega do cartão de crédito ao titular, o emissor o autoriza, pela via da concessão

de limite de crédito, a estabelecer relações de consumo com terceiros.

Incide em grave erro quem enxerga na relação jurídica do cartão de crédito

simples prestação de serviço e não típica intermediação financeira. Tal raciocínio de-

corre do fato de achar que a coleta (captação) de recursos junto ao público é condi-

ção sine qua non, prévia, para que a intermediação financeira se estabeleça. Ou

55 MARCONDES, Sylvio. Problemas de direito mercantil. São Paulo: Max Limonad, 1971, cap. V, p. 129 e ss. 56 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial: Teoria geral do direito comercial e das atividades empresariais mercantis – Introdução à teoria geral da concorrência e dos bens ima-teriais, vol. 1. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 120. 57 FRANCO, Vera Helena de Mello. Manual de direito comercial, vol. 1, 2ª ed. revista, atualizada e ampliada: São Paulo: RT, 2004, p. 43.

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37

seja, se inexistente precedentemente a fonte (recurso, passivo) a atividade não se

configuraria.

Nada mais sem nexo! O próprio cartão de crédito se encarrega de desmoro-

nar a falsa tese, haja vista que a simples portabilidade de um limite de crédito é bas-

tante para viabilizar que o titular interaja com o comércio e adquira bens e serviços,

sem que antes o emissor tenha realizado qualquer captação junto ao titular ou a

quem quer que seja. Nas palavras de ARNOLDO WALD58 “Assim, ao princípio tradi-

cional ‘deposits make loans’, acrescentou-se a sua inversão” ‘loans make deposits’.”

A atividade de intermediação financeira, portanto, se materializa tanto pelos

condutos do passivo (fontes, captação) quanto pelos condutos do ativo (usos, opera-

ções de crédito) do balanço do Sistema Financeiro Nacional. Não sem razão por di-

versas vezes ao longo da história as Autoridades Monetárias, visando a conter a ex-

pansão do crédito ou a evasão de divisas via compras internacionais, impuseram

restrições às “operações com cartões de crédito”.

3.3 Os emissores não bancários e a cláusula mandato

O instituto da cláusula-mandato, utilizado pelas entidades emissoras de car-

tão de crédito que não carregam o predicado de instituição financeira, tem gerado

acaloradas discussões na doutrina, particularmente em razão de o Código de Defe-

sa do Consumidor prever a nulidade das cláusulas contratuais relativas ao forneci-

mento de bens e serviços que “[...] imponham representante para concluir ou realizar

outro negócio jurídico pelo consumidor” (art. 51, VIII).

HUMBERTO THEODORO sustenta que o regramento especial da defesa do

consumidor não pode ser considerado, in limine, refratário ao instituto da cláusula-

mandato, isto é, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 1990) não

pode ser interpretado de forma “[...] simplesmente a impedir ao empresário práticas

negociais lícitas enquadráveis nas atividades econômicas próprias da livre iniciativa

em torno da produção e circulação de bens e serviços.“, afinal, prossegue o autor,

58 WALD, Arnoldo. O direito da regulação monetária e bancária. Revista do Direito do Estado, Ano 2, nº 6:299-308, abr/jun 2007. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

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38

citando Ives Gandra da Silva Martins, “[...] não é possível examinar o Direito do Con-

sumidor senão à luz de uma visão amplificada da ordem econômica, até porque não

tem ele vida autônoma, em relação a todo o complexo institucional brasileiro, quanto

às questões econômicas.”59

De fato, a livre iniciativa reflete um dos fundamentos da República Federati-

va do Brasil (art.1º, IV) e um dos fundamentos da ordem econômica (art. 170, caput),

enquanto a defesa do consumidor comparece como um princípio fundamental (art.

5º, XXXII) e um dos princípios da ordem econômica (art. 170, V).

O intérprete, pois, há de ponderar um e outro valor (livre iniciativa e defesa

do consumidor) na busca do equilíbrio capaz de conferir sentido ao postulado maior

do fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana

(art. 1º, III, e 170, caput).

Idealmente falando, correta a visão daqueles que sustentam que o micro-sis-

tema de defesa do consumidor não pode ser encarado como uma ilha isolada dos

valores jurídicos adotados pelo Direito Privado para os contratos em geral.

Na prática dos emissores de cartão de crédito não bancários, contudo, há

evidente descompasso entre o mundo do dever ser e o mundo do ser, a realidade, a

revelar a violação do princípio da boa-fé objetiva e a caracterização de abusividade

na utilização do instituto da cláusula-mandato.

Primeiro porque o instituto da cláusula-mandato serve, na hipótese, para dar

azo à exploração de uma atividade que nada tem de mercantil, contrariamente ao

que sustenta, e.g., HUMBERTO THEODORO60 para quem:As prestações devidas pelas Administradoras de cartões de crédito são, pois, de natureza mercantil e não se confundem com atividades de especu-lação monetária exclusivas dos bancos. Daí a completa desnecessidade e ausência de fiscalização e controle das atividades emissoras pelo Banco Central. (destacou-se)

Raciocínio, aliás, contraditório, haja vista que noutra passagem o próprio au-

tor reconhece que o sistema do cartão de crédito “[...] constitui um negócio jurídico

59 THEODORO JÚNIOR, Humberto, MELLO, Adriana Mandim Theodoro e THEODORO, Ana Vitória Mandim. O contrato de cartão de crédito e a cláusula-mandato em face do Código de Defesa do Con-sumidor. Revista do Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, ano 5, nº 16, abril-ju-nho de 2002. São Paulo: RT, pp. 165-182.60 THEODORO JÚNIOR, Humberto, MELLO, Adriana Mandim Theodoro e THEODORO, Ana Vitória Mandim. O contrato de cartão de crédito e a cláusula-mandato em face do Código de Defesa do Con-sumidor. Revista do Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, ano 5, nº 16, abril-ju-nho de 2002. São Paulo: RT, pp. 165-182.

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complexo, de conteúdo lucrativo e que tem como função primordial fomentar a aqui-

sição de bens ou prestação de serviços e expandir o crédito.”61 (destacou-se)

A tese de que a relação jurídica entre o emissor do cartão e o fornecedor de

bens ou de serviços encerra simples atividade mercantil deve ser afastada porque o

sistema de cartões de crédito, como negócio complexo que é, não pode ser interpre-

tado, insista-se, sem a visão conjunta e coordenada das relações jurídicas que unem

titular do cartão e os estabelecimentos filiados ao centro irradiador do negócio, o

emissor.

De mais a mais, o emissor não adquire produtos e serviços dos estabeleci-

mentos filiados ao sistema, mas, sim, cumpre com a obrigação que assumiu na con-

dição de contraparte central garantidora e asseguradora da plena eficiência do siste-

ma de cartões de crédito, enquanto instrumento que congrega dois predicados: a

portabilidade de um crédito pré-aprovado e meio de pagamento de aceitação nos

planos nacional e internacional.

Se isso é verdade, e de fato o é, o instituto da cláusula-mandato viabiliza,

nas hipóteses em que o emissor não é instituição financeira, o exercício de atividade

à margem da Lei da Reforma Bancária, porque carentes de prévia autorização das

Autoridades Monetárias.

O segundo aspecto a fragilizar a pretensa licitude do instituto da cláusula-

mandato pelos emissores de cartão de crédito não bancário tem conexão com o fato

de que descabe falar ser ele utilizado pela administradora para contrair, junto ao sis-

tema financeiro, empréstimo/financiamento que permita o parcelamento do débito do

titular do cartão de crédito.

Para os adeptos dessa tese com a materialização do parcelamento da fatura

do cartão “O titular, com a abertura de crédito, passa a ser devedor do banco credi-

tador, pagando-lhe juros, taxas e impostos devidos na operação, por intermédio da

Administradora de cartões, que assume a gestão dos negócios.”62

Entre o mundo ideal e o mundo dos fatos a realidade é bem outra. Veja-se o

que diz a CLÁUSULA 9 – OPÇÕES DE FINANCIAMENTO, itens 9.3. e 9.7. Custo do Financiamento, constante do contrato de adesão ao sistema PAGGO ADMINIS-

TRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO LTDA:

61 Idem, idem.

62 HUMBERTO THEODORO et al, ob. cit. p. 174.

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40

9.3. O custo financeiro será determinado pelo PAGGO, através dos melho-res esforços, segundo regras do mercado financeiro, e será integralmente cobrado do CLIENTE.

9.7. O custo de financiamento máximo e a remuneração máxima da garantia referente ao próximo ciclo são informados na FATURA MENSAL.

Não precisa grande esforço interpretativo para perceber a autonomia da ad-

ministradora na antecipação e fixação dos encargos financeiros do financiamento

que cobrará do titular do cartão por eventual financiamento da fatura. Em termos re-

ais, objetivos, são reveladores da exploração profissional da moeda, enquanto mer-

cadoria, os dados periciais arrolados no voto vencido do Ministro Ruy Rosado de

Aguiar na qualidade de relator do Recurso Especial nº 296.678/RS, que, inclusive,

transcreve as cláusulas contratuais sobre o financiamento da fatura de determinada

“administradora de cartão de crédito”. Confiram-se os dados extraídos do voto e a

seguir resenhados63:

Data Custo de Captação (%)

Custo da Garantia ( % )

Custo Serviço de Captação (%)

05/10/1997 2,41 4,00 4,0005/11/1997 2,53 4,00 4,0005/12/1998 2,48 4,15 4,1505/01/1998 3,11 4,15 4,1505/02/1998 3,66 4,15 4,1505/03/1998 3,11 4,15 4,1505/04/1998 3,67 4,15 4,15

No voto vencido, o Ministro Rui Rosado de Aguiar conhecia parcialmente do

recurso para limitar a taxa de juros ao que a “Administradora” havia efetivamente

pago à instituição financeira, que, curiosamente, era o próprio banco controlador,

mas a Quarta Turma, reafirmando tanto a legalidade da cláusula-mandato quanto a

condição de instituição financeira de qualquer emissor de cartão de crédito não ban-

cário, decidiu pela liberdade de incidência de juros remuneratórios superiores a 12%

ao ano, bem assim de juros moratórios de 1% ao mês, desde que previstos contratu-

almente. A ementa do acórdão está assim redigida:

63 Reprodução parcial da prestação da prestação pericial, esclarecido que no recurso a CREDICARD havia sido adquirida pelo Banco Bradesco S/A. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200001421735&dt_publicacao=01/12/2008, acesso em 04/06/2009.

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DIREITO CIVIL. CARTÃO DE CRÉDITO. CLÁUSULA-MANDATO. LEGALI-DADE. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO. DESCABIMENTO. JU-ROS DE MORA. PERCENTUAL.

1 - O entendimento da Segunda Seção desta Corte, a partir de 25/6/03, quando do julgamento do REsp nº 450.453/RS, Relator o Min. Aldir Passari-nho Junior, firmou-se no sentido da legalidade da cláusula-mandato e do en-quadramento das empresas administradoras de cartão de crédito como ins-tituições integrantes do sistema financeiro nacional, a elas não se aplicando a limitação dos juros prevista no Decreto nº 22.626/33.

2 - Juros de mora no percentual de 1% ao mês, desde que pactuados. Pre-cedentes.

3 - Recurso especial conhecido e parcialmente provido para afastar a limita-ção dos juros remuneratórios em 12% ao ano e autorizar os juros de mora nos termos mencionados.” (STJ, DJ de 1º/12/2008, rel. p/acórdão o Ministro Fernando Gonçalves)

A sutileza do voto do relator original, que a Turma não chancelou, residia no

fato de que negava a possibilidade de o emissor de cartão de crédito não bancário

triplicar o ônus financeiro do titular do cartão pela via transversa do custo da ga-rantia e do custo de serviço de captação, logo intromissão especulativa com o re-

curso captado no exercício de atividade típica de instituição financeira.

3.4 Os emissores bancários

Independentemente da segregação que o marco teórico faz entre o cartão

de crédito bancário e cartão de crédito não bancário, que, como demonstrado, perde

substância quando se isola a modalidade private label e se faz a devida contextuali-

zação a respeito de natureza bancária típica do negócio com cartão de crédito, há

uma nota característica da indústria de cartões de pagamentos no Brasil que merece

reflexão.

Segundo dados constantes do já citado Relatório sobre a Indústria de Car-

tões no Brasil as três principais bandeiras (Visa, MasterCard e American Express)

respondem por mais de noventa por cento do mercado de cartões emitidos no território nacional.

Há que se ter presente, todavia, que o arranjo organizacional dos cartões de

crédito rotulados universais, hipótese que se enquadra as três bandeiras menciona-

das, tem uma característica singular, qual seja, os emissores de cartão dessas mar-

cas são, necessariamente, instituição financeira em sentido amplo ou empresa espe-

cializada sob controle do próprio conglomerado financeiro.

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42

Implica dizer, pois, que os emissores de cartões de crédito na sua quase to-

talidade estão diretamente subordinados à Lei da Reforma Bancária e regulamenta-

ção complementar.

Sob essa perspectiva, soa estranho a posição vacilante do Banco Central do

Brasil sobre o dever-poder de fiscalização que lhe incumbe nessa atividade de inter-

mediação financeira e a ausência de regulação do Conselho Monetário Nacional fi-

xando regras de funcionamento da indústria e sua adequabilidade aos valores e

princípios constitucionais da ordem econômica.

A título ilustrativo, o Anexo K – Informações do SINDEC64 sobre reclamações

atinentes ao Cartão de Crédito deixa às escâncaras que a atividade é recordista em

termos de reclamação perante os Procons, quer se considere a estratificação por

“Área de Assuntos Financeiros”, quer no ranking dos assuntos mais demandados,

independentemente da área, na frente, inclusive, do sistema de telefonia.

Pode-se dizer, em conclusão, que a ausência reguladora das Autoridades

Monetárias escudada no fundamento de que “não autoriza e nem fiscaliza as admi-

nistradoras de cartões de crédito”, passando a idéia de que só marginalmente o ne-

gócio pode adentrar, pela via do controle da expansão do crédito, na seara de sua

competência, carece de higidez.

A referência à figura da “administradora de cartões de crédito”, a rigor, termi-

na por encobrir uma porção da realidade que, por definição, já nasce com a ingerên-

cia direta de instituição financeira no seu conceito estrito, espécie bancária, o que,

com mais razão, desnatura a postura descompromissada do Estado-regulador.

3.5 O guardião da legislação infraconstitucional e a indústria de cartões

No âmbito da doutrina e da jurisprudência, as discussões envolvendo o car-

tão de crédito passaram sempre pela limitação dos encargos financeiros em 12% ao

ano e a proibição de capitalização (Lei da Usura, Decreto 22.626, de 1933), sendo

possível identificar pelo menos três correntes:

64 Anexo do Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamentos, cit. pp. 290-297.

Page 50: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

43

i) a corrente jurisprudencial e doutrinária que considerava que as administra-

doras de cartões de crédito não pertenciam ao sistema financeiro e, portanto, não

estariam livres para cobrar juros acima do limite de 12% ao ano;

ii) a corrente jurisprudencial e doutrinária que considerava que se a adminis-

tradora de cartões de crédito integra Grupo Financeiro não se submeteria à limitação

da Lei de Usura; e

iii) a corrente jurisprudencial e doutrinária que considerava que as adminis-

tradoras de cartões de crédito seriam instituições financeiras, logo estariam livres

para cobrar encargos financeiros no financiamento das despesas realizadas pelos

usuários.

No leading case (REsp. nº 450.453/RS65), que deu ensejo à Sumula nº 28366,

o Superior Tribunal de Justiça, no âmbito do Poder Judiciário, consolidou o entendi-

mento da segunda e terceira correntes.

A tese prevalecente para enquadrar os emissores de cartão de crédito não

bancários como instituições financeiras teve por pêndulo decisório a declaração da

legalidade da cláusula mandato e a constatação de que, a teor do art. 17 da Lei

4.595, de 1964, e do § 1º do art. 1º da Lei Complementar 105, de 2001, tais entida-

des exercem atividade de intermediação financeira quando captam, “junto ao merca-

do, os recursos do financiamento da compra do usuário.”67

No seu voto-vista, o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira vislumbrou que a

atividade principal do negócio com cartão de crédito é “o pagamento de uma fatura”

e como atividade acessória os emissores “financiam o valor da despesa não co-berta pelo contratante do cartão.” Eis as principais conclusões, no particular:

Isso significa que captam dinheiro no mercado, mediante remuneração típi-ca de operações financeiras, a fim de fazer frente à despesa em aberto, que será oportunamente recomposta pelo cliente. Essa atividade acessória constitui tipicamente intermediação financeira, a enquadrar essas enti-dades no comando abstrato do dispositivo legal acima transcrito.

Não se pode olvidar, ademais, que a própria dicção legal inclui, no § 1º do art. 1º da Lei Complementar nº 105/2001, as administradoras de cartão de crédito entre as instituições financeiras abrangidas no âmbito de sua norma-

65 Superior Tribunal de Justiça, Segunda Seção, DJ de 25/02/2004, disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200200940763&dt_publicacao=25/02/2004, acesso em 04/06/2009.66 “As empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da Lei de Usura.” 67 Voto-vista do relator p/acórdão Ministro Aldir Passarinho Junior.

Page 51: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

44

tividade. Essa norma, aliás, não diz que as administradoras de cartão de crédito se equiparam a instituições financeiras para os seus fins; ao contrário, estabelece que são elas “consideradas instituições financei-ras”. (destaques do original)

Não se pode desconhecer que se trata de interpretação do órgão constituci-

onalmente guindado à condição de guardião da legislação federal ordinária, sendo,

pois, detentor de autoridade para decidir de forma terminativa a matéria.

A exploração profissional da atividade de intermediação no mercado finan-

ceiro, pela via da captação e aplicação de recursos e da concessão de crédito, res-

tou demonstrada ao longo do presente capítulo e confirmada pelo Superior Tribunal

de Justiça, motivo por que carece de higidez a tese que, analisando isoladamente a

relação jurídica entre o emissor de cartão de crédito e o fornecedor de bens ou de

serviços, apregoa que se trata de simples atividade mercantil.

É preciso ter presente, contudo, que, mercê da autoridade interpretativa do

Superior Tribunal de Justiça em sede de legislação infraconstitucional, o enunciado

nº 283, por não reunir o caráter de eficácia atribuído às súmulas do Supremo Tribu-

nal Federal (CF, art. 103-A), não tem força para vincular e obrigar o seu cumprimen-

to pelos órgãos e entidades da Administração Pública.

Mas aí se estabelece situação inusitada e contraditória, haja vista que os

emissores de cartão de crédito “não bancários”: i) estão livres para cobrar encargos

financeiros sem a limitação da Lei da Usura; ii) estão fora do alcance de qualquer re-

gulação e fiscalização das Autoridades Monetárias; e iii) podem exercer atividade de

intermediação financeira em nítida vantagem concorrencial com as instituições finan-

ceiras legalmente habilitadas.

A recente decisão proferida pela Justiça Federal no bojo da ação civil públi-

ca68 ajuizada pelo Ministério Público Federal contra a União (Conselho Monetário

Nacional) e o Banco Central do Brasil é sintomática da confusão reinante sobre a

gênese mesma da indústria de cartões.

Na referida ação civil pública, pretende o Ministério Público Federal que as

“sociedades operadoras de cartão de crédito” sejam declaradas “instituições finan-

ceiras e assim submetidas e subordinadas à disciplina da Lei 4.595.” e, por conse-

guinte, condenados tanto o Conselho Monetário Nacional quanto o Banco Central do

68 Ação Civil Pública nº 2006.61.00.011828-2 movida pelo Ministério Pública Federal e processada perante a Sétima Vara Federal da Justiça Federal na Capital do Estado de São Paulo, Sentença tipo A proferida pela Juíza Federal Diana Brunstein, de 13.03.2009.

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45

Brasil “ao cumprimento da obrigação de fazer consistente em exercer em caráter

permanente e definitivo a atividade administrativa de fiscalização em relação às soci-

edades operadoras de cartão de crédito.”69

A confusão começa na própria inicial, haja vista que o Ministério Público Fe-

deral circunscreve a causa de pedir à pessoa, “sociedades operadoras de cartão de

crédito”, e não à atividade de intermediação financeira.

Como demonstrado em 3.4 Os Emissores Bancários, mais de noventa por

cento dos cartões de crédito em circulação no território nacional carregam a marca

das bandeiras Visa, MasterCard e American Express e são emitidos por instituições

financeiras bancárias ou empresa do conglomerado especializada nesse mister.

Dito de outra forma, por definição e exigência dos cedentes das marcas

(bandeiras), os cartões de crédito já nascem sob o signo da atividade de intermedia-

ção financeira. Simples pesquisa no sítio da Visa na internet, seção Visa Respon-

de70, é suficiente para confirmar tal assertiva. Extraem-se, e.g., as seguintes pergun-

tas e respostas, in verbis:

.Como faço para obter um cartão Visa pela internet?

No modelo Visa, todo o processo de operação do cartão é descentralizado. Ou seja, cada um dos bancos emissores de produtos Visa é responsável pela venda, manutenção e relacionamento desses produtos com os seus clientes. Dessa maneira, você deve informar-se com nossos emissores se pode pedir um cartão pela internet. Conheça a lista de emissores de car-tões Visa clicando aqui.

.É possível adquirir um cartão que seja apenas Visa, sem vínculo com ban-cos?

No modelo Visa, todo o processo de operação do cartão é descentralizado. Ou seja, cada um dos bancos emissores de produtos Visa é responsável pela venda, manutenção e relacionamento desses produtos com os seus clientes. Dessa maneira, você só pode obter um cartão de crédito Visa soli-citando-o a um de nossos emissores. Conheça a lista de emissores de car-tões Visa clicando aqui.

.Como faço para aumentar o limite do meu cartão crédito Visa?

Para solicitar um aumento no seu limite de crédito, entre em contato direto com o banco emissor do seu cartão Visa. Clique aqui para consultar os tele-fones da Central de Atendimento a Clientes Visa do seu banco.

.Gostaria de obter um cartão de crédito Visa, mas meu banco não trabalha com essa bandeira. Como devo proceder?

No modelo Visa, todo o processo de operação do cartão é descentralizado. Ou seja, cada um dos bancos emissores de produtos Visa é responsável pela venda, manutenção e relacionamento desses produtos com os seus clientes. Dessa maneira, você deve solicitar um cartão de crédito Visa a um

69 Excertos do relatório da sentença de 13.03.2009.70 Disponível em: http://www.visa.com.br/visaresponde/, acessado em 22 de junho de 2009.

Page 53: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

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de nossos emissores. Conheça a lista de emissores de cartões Visa clican-do aqui.

.Como faço para saber qual é o banco emissor do meu cartão?

Caso tenha dúvidas sobre qual é o banco emissor do seu cartão, olhe o verso do mesmo. Nele, consta a frase: "... Este cartão é de propriedade do Banco (nome)..." Este é o banco emissor de seu cartão.

O desconhecimento sobre o funcionamento da indústria de cartões de crédi-

to e das possibilidades inventivas próprias do negócio bancário se projeta no exame

do mérito do pedido na medida em que, tomando como base de apoio à dicção do

art. 17 da Lei nº 4.595, de 1964, o juízo federal avança em conclusões que retratam

pouca familiaridade com o tema71, a começar pelo fato de que pressupõe que a ativi-

dade de intermediação financeira é necessária e indelevelmente dependente da co-

leta (captação) prévia de recursos. Esse é um falso pressuposto, pois, como visto, o

processo de expansão do crédito pode ocorrer autonomamente pela simples con-

cessão de um limite de crédito acoplado a um cartão de crédito que credencia seu

portador a interagir com o comércio e adquirir produtos e serviços de que necessite.71 Eis o inteiro teor do mérito da decisão:

“Passo ao exame do mérito.

Nos termos do artigo 17 da lei 4595/65 consideram-se instituições financeiras as pessoas jurí-dicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

Essa atividade não é exercida pelas administradoras de cartão de crédito, pois estão não captam, intermediam (sic) ou aplicam recursos próprios ou de terceiros.

Quando ocorre pagamento parcelado as administradoras devem recorrer às instituições fi-nanceiras, agindo em nome do usuário, sempre amparadas por mandatos outorgados na ocasião da assinatura do contrato de adesão ao cartão de crédito.

Não detêm ingerência sobre a taxa de juros praticada.

Dessa forma, a Súmula 283 do STJ limita-se a excluir da lei da Usura as administradoras de cartão, pois estas submetem-se ao (sic) encargos ditados pelas instituições financeiras.

No entanto, a interpretação adotada pelo STJ não tem efeito em casos diversos a discutidos nos autos que deram ensejo à sua edição.

O que pretende o Ministério Público Federal não é apenas uma interpretação extensiva, mas a inclusão de novas pessoas jurídicas no âmbito de fiscalização do Banco Central e do Conselho Mo-netário Nacional, sem amparo em lei, que inclusive deveria, acaso aprovada, criar estrutura organiza-cional própria de modo a abarcar o incremento de atribuições daí decorrente.

Saliente-se, que há diversos projetos legislativos em tramitação na Câmara dos Deputados, no sentido de inclusão das atividades das administradoras de cartões no rol de fiscalização do Banco Central.

Essa inclusão somente pode ser feita por lei, pois não se restringe à mera atividade interpre-tativa.

Por estas razões, rejeito a pretensão formulada e julgo improcedente a ação civil pública pro-posta nos termos do artigo 269, I do CPC. (...) São Paulo, 13/03/2009, DIANA BRUNSTEIN, Juíza Federal.” (destacou-se)

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47

Numa segunda perspectiva a decisão contrasta com a realidade. Sim, por-

que se os cartões de crédito bancários dominam mais de noventa por cento do mer-

cado brasileiro (marcas Visa, MasterCard e American Express), como então susten-

tar que o negócio nada tem de atividade de intermediação financeira e que as “admi-

nistradoras” são simples mandatárias, “Não detém ingerência sobre a taxa de juros

praticada.”, etc.?

Ora, se os emissores de mais de noventa por cento dos cartões de crédito

no Brasil são, por definição, instituições financeiras bancárias, como bem escla-

rece a seção Visa Responde, é impróprio falar de “administradoras de cartões de

crédito” ou coisa que o valha.

Mesmo na hipótese de cartão de crédito não bancário, exceto na modalidade

private label, é insustentável o fundamento que afasta a atividade de intermediação

financeira e de ingerência “sobre a taxa de juros praticada” pelas “administradoras

de cartões”, consideradas meras repassadoras dos “encargos ditados pelas institui-

ções financeiras”.

Primeiro porque, insista-se, é um falso pressuposto a tese que condiciona a

atividade de intermediação financeira à prévia coleta de recursos, haja vista que pela

sistemática do cartão de crédito é possível impulsionar o processo de expansão do

crédito autonomamente.

Segundo porque a prática de mercado infirma o fundamento de neutralidade

e passividade das “administradoras de cartões de crédito”, haja vista que são elas

próprias que definem os encargos cobrados dos titulares do cartão e em patamares

muito superiores ao custo de captação junto às instituições financeiras, como deixa

às claras os dados da perícia técnica transcritos no corpo do voto no Recurso Espe-

cial nº 296.678/RS, da relatoria do Ministro Rui Rosado (3.3 Os Emissores Não Ban-

cários e a Cláusula Mandato). Observe-se que no momento do parcelamento é que

surge a captação de recursos, confirmando-se a inversão do princípio tradicional

“deposits make loans” para “loans make deposits”.

Page 55: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

4 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E O PODER NORMATIVO DAS AU-

TORIDADES MONETÁRIAS

A interpretação constitucional está submetida ao princípio da ótima concretização da norma (Gebot optimaler Verwirklichung der Norm). Evidentemente, esse princípio não pode ser aplica-do com base nos meios fornecidos pela subsunção lógica e pela construção conceitual. Se o direito e, sobretudo, a Consti-tuição, têm a sua eficácia condicionada pelos fatos concretos da vida, não se afigura possível que a interpretação faça deles tábula rasa. Ela há de contemplar essas condicionantes, corre-lacionando-as com as proposições normativas da Constituição. A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situ-ação. (destacou-se) Konrad Hesse72

A separação dos poderes tem inspiração na doutrina desenvolvida por Mon-

tesquieu no Livro XI da sua obra O Espírito das leis, segundo a qual um bom gover-

no deveria reger-se pelo princípio da separação dos poderes: o executivo, o legislati-

vo e o judiciário, cada um exercendo funções estanques, próprias, e sem nenhuma

interferência de um poder no outro, implicando dizer que aquele que legisla não

pode aplicar a lei (sentido judicial e executivo), quem executa não pode legislar nem

julgar e quem julga não pode executar nem legislar.

Como bem esclarece CANOTILHO, hodiernamente considera-se que a teo-

ria da separação dos poderes engendrou um mito, haja vista que Montesquieu nun-

ca advogou tal modelo teórico dos três poderes rigorosamente separados, seja por-

que o executivo pode interferir no legislativo (poder de veto), seja porque o legislati-

vo exerce vigilância sobre o executivo, seja porque o legislativo interfere no judiciário

(nomeando e julgando seus titulares)73.

De forma mais enfática, EROS GRAU sustenta que a separação exposta na

obra de Montesquieu a partir do conteúdo do art. 16 da Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão, de 1789, segundo o qual “qualquer sociedade em que não

72 A força normativa da Constituição (Die Normative Kraft der Verfassung), tradução de Gilmar Ferrei-ra Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991, p. 22. 73 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7º ed. Portugal: Almedi-na, 2003, pp. 114-115.

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esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos pode-

res, não tem Constituição.”, encerra um dos mitos mais eficazes do Estado liberal74.

Isso porque Montesquieu jamais teria cogitado de uma efetiva separação

dos poderes, afinal detida análise do capítulo VI do Livro IX de O espírito das leis re-

leva que Montesquieu “na verdade enuncia a moderação entre eles como divisão

dos poderes entre as potências e a limitação ou moderação das pretensões de uma

potência pelo poder das outras: daí por que, como observa Althusser (1985/104), a

‘separação dos poderes’ não passa da divisão ponderada do poder entre potências

determinadas: o rei, a nobreza e o ‘povo’.” (destaques do original)

A idéia subjacente ao mito da separação dos poderes teria assento no prin-

cípio da legalidade do séc. XII, de tradição inglesa e conhecido como rule of law75‾76.

Transportada para a visão moderna de Estado constitucional democrático de

direito, que procura estabelecer uma conexão interna entre democracia e Estado de

direito, com mais razão perde sentido pretender cisão absoluta entre os poderes

constituídos.

Como ressalta CANOTILHO, “A constitucionalística mais recente salienta

que o princípio da separação de poderes transporta duas dimensões complementa-

res: (1) a separação como ‘divisão’, ‘controlo’, ‘limite’ do poder –dimensão negativa;

(2) a separação como constitucionalização, ordenação e organização do poder do

Estado tendente a decisões funcionalmente eficazes e materialmente justas (dimen-

são positiva).”

74 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 6ª ed., revista e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 225.75 Para EROS GRAU, O direito posto e o direito pressuposto, cit. pp. 225-228, a doutrina da separa-ção dos poderes como “lei eterna” pode ser atribuída à exposição de Marx e Engels (1986/72) a res-peito das idéias de classes dominantes. De passagem da citação de Marx e Engels sobreleva: “Por exemplo, numa época e num país em que a aristocracia e a burguesia disputam a dominação e em que, portanto, a dominação está dividida, mostra-se como idéia dominante a doutrina da divisão de poderes, enunciada então como ‘lei eterna’.” 76 CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit. pp. 93-94, entende que, embora o sentido da fórmula Rule of Law tenha variado no tempo, é possível quatro dimensões básicas. “The Rule of Law significa, em primeiro lugar, na sequência da Magna Charta de 1215, a obrigatoriedade da observância de um processo justo legalmente regulado, quando se tiver de julgar e punir os cida-dãos, privando-os da sua liberdade e propriedade. Em segundo, lugar Rule of Law significa a proemi-nência das leis e costumes do ‘país’ perante a discricionariedade do poder real. Em terceiro lugar, Rule of Law aponta para a sujeição de todos os actos do executivo à soberania do parlamento. Por fim, Rule of Law terá o sentido de igualdade de acesso aos tribunais por parte dos cidadãos a fim de estes aí defenderem os seus direitos segundo os princípios de direito comum dos ingleses (Common Law) e perante qualquer entidade (indivíduos ou poderes públicos).”

49

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Na dimensão negativa (divisão de poderes), ou seja, como forma e meio de

limite do poder, o princípio asseguraria uma medida jurídica ao poder do Estado e,

por conseguinte, garantiria e protegeria a esfera jurídico-subjetiva dos indivíduos, a

par de evitar a concentração de poder. Na dimensão positiva (separação de pode-res), isto é, como meio e forma viabilizadores da funcionalidade do Estado, o princí-

pio assegura a adequada ordenação das funções estatais e, conseqüentemente, in-

tervém como esquema racional de competências, tarefas, funções e responsabilida-

des dos órgãos constitucionais de soberania.

Noutros termos, dual e imbricadamente consideradas, “separação ou divisão

de poderes significa responsabilidade pelo exercício de um poder.”77

A propósito, a Constituição Federal de 1988, bem assim quase todas as an-

teriores, consagra o entrosamento e a coordenação no desempenho das funções es-

tatais. De fato, nos termos do “Art. 2º. São Poderes da União, independentes e har-mônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”, donde se conclui que,

além de suas funções principais, cada órgão colabora, em caráter secundário, com

os demais na busca do bem comum.

Se nem a história das Constituições e muito menos o idealizador da Separa-

ção dos Poderes revelaram a cisão absoluta no exercício das funções estatais, é

igualmente falsa a idéia de que todo o agir estatal deve reger-se pela lei em sentido

formal e material (princípio da legalidade em sentido estrito).

O princípio da legalidade, segundo CANOTILHO, foi erigido, muitas vezes,

em ‘cerne essencial’ do Estado de direito, afinal corporifica dois princípios funda-

mentais: o princípio da supremacia ou prevalência da lei e o princípio da reserva de

lei. O princípio da prevalência da lei significa que a lei aprovada pelo Poder Legislati-

vo tem superioridade e preferência em relação aos atos da administração, enquanto

o princípio da reserva de lei significa que as restrições aos direitos, liberdades e ga-

rantias, bem assim o regime jurídico de determinadas matérias somente podem ser

feitas por lei ou mediante autorização desta.

Ressalva o autor que, embora tanto o princípio da legalidade quanto o princí-

pio da reserva de lei permaneçam válidos, mesmo porque num Estado democrático-

constitucional a lei emanada do Poder Legislativo “[...] é, ainda, a expressão privile-

giada do princípio democrático (daí a sua supremacia) e o instrumento mais apropri-

ado e seguro para definir os regimes de certas matérias, sobretudo dos direitos fun-

77 CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit. p. 250.

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damentais e da vertebração democrática do Estado (daí a reserva de lei).”, não se

pode desconhecer que “O princípio da prevalência ou preferência da lei sofreu um

processo de ‘erosão’ e de ‘relativização’ que importa ter em conta para se com-

preenderem muitas das questões a tratar em sede de parâmetro de constitucionali-

dade e da legalidade.” 78

A relativização opera-se, de um lado, porque surgiram outros atos com força

de lei e, de outro lado, porque em muitos casos o princípio da legalidade é substituí-

do pelo princípio da constitucionalidade, fato que não ocorre nas situações em que a

reserva de lei se impõe.

Importa averiguar se o princípio da legalidade encerra ‘reserva de lei em

sentido estrito’ (reserva da lei) ou ‘reserva de lei em termos relativos’ (reserva da

norma). Tome-se o enunciado do art. 5º, inciso II, da Constituição brasileira: “nin-

guém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de

lei”. O texto constitucional revela que o princípio da legalidade é tomado em termos

relativos, haja vista que, nas palavras de EROS GRAU:

[...] há visível distinção entre as seguintes situações: i) vinculação às defini-ções da lei; ii) vinculação às definições decorrentes –isto é, fixadas em virtu-de dela– de lei. No primeiro caso estamos diante da reserva da lei; no se-gundo, em face da “reserva da norma” (norma que pode ser tanto legal quanto regulamentar; ou regimental).

Na segunda situação, ainda quando as definições em pauta se operem em atos normativos não da espécie legislativa –mas decorrentes de previsão implícita ou explícita em atos legislativos contida–, o princípio estará sendo devidamente acatado.

No caso, o princípio da legalidade expressa reserva da lei em termos relati-vos (=reserva da norma), razão pela qual não impede a atribuição, explícita ou implícita, ao Executivo para, no exercício de função normativa, definir ob-rigação de fazer e não fazer que se imponha aos particulares – e os vincule. 79 (destaques do original)

Na exegese do autor, portanto, o art. 5º, inciso II, da Constituição alberga o

princípio da legalidade em termos relativos (reserva de norma), sendo plenamente

consentâneo com o ordenamento jurídico o exercício do poder normativo pela Admi-

nistração Pública para definir obrigações aos administrados.

78 CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit. p. 256, e no Capítulo 2, intitulado A Lei, p. 713 e ss., CANOTILHO mostra que a relativização do princípio da legalidade decorre de sua substituição pelo princípio da constitucionalidade.79 GRAU, Eros Roberto. O Direito posto e o direito pressuposto, 6ª edição revista e ampliada. São Paulo:Malheiros, 2005, pp. 246-247.

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Noutros termos, há que examinar, no caso concreto, se determinada norma

afronta os princípios da reserva constitucional de lei formal e de competência legisla-

tiva (e.g, CF, arts. 5º, XXXIX; 150, I; 170, parágrafo único).

4.1 A função regulamentadora da Administração Pública no domínio econômico

Uma vez realçado o vácuo regulamentar no que concerne à indústria de car-

tões e contextualizado, ainda que em largas passagens, a conotação do princípio da

separação de poderes e do princípio da legalidade, cabe indagar se as Autoridades

Monetárias (Conselho Monetário Nacional e Banco Central do Brasil) disporiam de

poder normativo não refratário à ordem constitucional.

A indagação tem sua razão de ser ante o fato de que não se podem ignorar

os desafios da regulação econômica num mundo globalizado e tendencialmente

marcado por mudanças estruturais da sociedade, particularmente no campo finan-

ceiro, com desdobramentos no “complexo processo juris-sociológico de produção do direito.”, sendo

“[...] inegável que não existe um monopólio estatal de normação constitucio-nalmente consagrado. Pelo contrário: vários preceitos constitucionais apon-tam para a necessidade de desconcentração e descentralização da regula-ção jurídica e para a indispensabilidade de articular, em moldes inovadores, o direito interno com os fenómenos da internacionalização e supranaciona-lização.”80

O pano de fundo da inexistência de um monopólio estatal de normação (di-

mensão positiva do princípio da separação dos poderes) repousa na legitimidade en-

carada sob o ponto de vista da constitucionalidade do agir estatal. Daí porque asse-

verar CANOTILHO: “O que importa num estado constitucional de direito não será

tanto saber se o que legislador, o governo ou o juiz fazem são actos legislativos,

executivos ou jurisdicionais, mas se o que eles fazem pode ser feito e é feito de for-

ma legítima.”81

No Capítulo X82 da obra O direito posto e o direito pressuposto, citada,

EROS GRAU faz interessante análise crítica a respeito do poder normativo de con-

80 CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit. p. 703.81 CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit. p. 251.82CRÍTICA DA “SEPARAÇÃO DOS PODERES”: AS FUNÇÕES ESTATAIS, OS REGULAMENTOS E A LEGALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO, AS “LEIS-MEDIDA”, pp. 225-255.

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juntura de determinados órgãos e entidades da Administração Federal à luz do prin-

cípio da legalidade (art. 5º, II83, da CF/88), sobressaindo a idéia de que conjuntura se

contrapõe a estrutura. Conjuntural é toda situação advinda do encontro de circuns-

tâncias vinculadas ao “agora”, sem, contudo, ter força suficiente para alterar metas e

objetivos (estrutura), implicando dizer que a capacidade normativa conjuntural viabili-

za a conformação das atividades ao momento presente no intuito de assegurar que

as metas e os objetivos pré-definidos sejam alcançados.

A análise aborda as técnicas de intervenção do Estado no domínio econômi-

co84‾85, classificando-as em: i) atuação na economia (CF, art. 173), isto é, quando o

Estado assume diretamente a posição de agente econômico, quer monopolistica-

mente (atuação por absorção), quer em regime de concorrência com os particulares

(atuação por participação); ii) atuação sobre a economia (CF, art. 174), ou seja, o

Estado age indiretamente sobre o comportamento dos sujeitos privados e públicos

que estiverem exercendo atividade econômica em sentido estrito (domínio econômi-

ca da esfera privada), sobressaindo o caráter regulador-normatizador.

A atuação do Estado como agente disciplinador pode assumir o caráter im-

perativo, isto é, o Estado estabelece mecanismos e normas de comportamento com-

pulsório, cogentes, a serem observados pelos agentes econômicos (atuação por di-

reção), ou a feição fomentadora, pela qual o Estado induz os agentes econômicos a

adotar determinados comportamentos (atuação por indução).

Para fins da inquietude que conduziu ao presente trabalho, há particular inte-

resse na análise de um dos modos de intervenção do Estado na economia, qual

seja, a intervenção por direção –de atuação estatal sobre o domínio econômico–, e

sua conexão com a função normativa (aspecto material) enquanto expressão do po-83 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasi-leiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualda-de, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;” 84 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, cit. p. 27.

85 Na obra A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica), 9ª edição, revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 84 e ss., ao tratar das três modalidades de intervenção (por absorção ou participação, por direção e por indução), o autor faz distinção entre os termos inter-venção e atuação estatal. Intervenção em sentido forte conotaria atuação estatal em área de titulari-dade do setor privado (atividade econômica em sentido estrito), enquanto atuação estatal significaria simplesmente ação do Estado tanto na área de titularidade própria quanto em área de titularidade do setor privado (ação do Estado no campo da atividade econômica em sentido amplo). A distinção visa a apartar o campo dos serviços públicos do campo da atividade econômica em sentido estrito.

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der estatal preordenado às finalidades de interesses coletivos e objeto de um dever

jurídico, isto é, o Estado exercendo pressão sobre a economia, estabelecendo me-

canismos e normas de comportamento compulsório para os sujeitos da atividade

econômica em sentido estrito.86

Isso porque, como visto na exposição do capítulo anterior, o marco teórico a

respeito da indústria de cartões aborda a matéria com visão eminente privatista das

relações jurídicas bilaterais per se, a ponto de se defender o exercício profissional

de atividade privativa de instituição pela via transversa da cláusula-mandato.

Chega-se mesmo a traçar dicotomia entre o cartão bancário e o cartão não

bancário com foco na simplória identificação se o emissor traz ou não o rótulo de

instituição financeira, logo autorizada pelo Banco Central do Brasil. Esquecem os

adeptos da auto-regulação da atividade que o nomen juris é o que menos importa para tipificação do negócio como atividade de intermediação financeira.

A questão de fundo, contudo, repousa no indiscutível interesse público e nas

repercussões em termos de bem-estar do negócio com cartões de crédito para a co-

letividade, o que, de plano, afasta a tese da autonomia contratual. Isso porque não

mais impera o voluntarismo contratual do Estado liberal, caracterizado por um largo

poder de auto-regulação no negócio jurídico, posto que com a ampliação das fun-

ções do Estado sobre o domínio econômicoOs contratos, então, se transformaram em condutos da ordenação dos mer-cados, impactados por normas jurídicas que não se contêm nos limites do Direito Civil: preceitos que instrumentam a intervenção do Estado sobre o domínio econômico, na busca de soluções de desenvolvimento e justiça so-cial, passam a ser sobre eles apostos.87

O contrato individualista e subjetivista não é uma verdade universal, inaces-

sível à lei da evolução.88

De fato, a conclusão do trabalho de parceria entre a Autoridade Monetária e

dois órgãos que integram a estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrên-

cia evidencia que a indústria de cartões de pagamento apresenta importantes falhas

de mercado, com destaque para “a falta de contestabilidade na atividade de creden-

ciamento e o significativo poder de mercado das credenciadoras Visanet e Rede-

card” e “forte evidência de que a regra de não sobrepreço traz distorções ao merca-

86 Eros Grau, A Ordem Econômica na Constituição de 1988, cit. p. 133.87 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica da Constituição de 1988 (Interpretação e crítica), 9ª edi-ção, revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 85-86. 88 KHALIL, Magdi Sobhy apud Eros Grau, ob. cit. p. 91.

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do e prejuízo ao consumidor.”89, aspectos bastantes em si mesmas para infirmar a

autodisciplina defendida pelo mercado.

São, pois, falhas que têm interconexão com os princípios constitucionais da

livre iniciativa, da livre concorrência e da defesa do consumidor (CF, art. 170, caput,

IV e V) e com a própria estrutura do Sistema Financeiro Nacional, que deve ser ins-

trumento viabilizador da promoção do desenvolvimento equilibrado do País e servir

aos interesses da coletividade (CF, art. 192).

Sob essa perspectiva, não se pode perder de vista, inclusive, que enquanto

instrumento de pagamento que dia-a-dia adquire projeção como substituto quase

perfeito da moeda, fomenta a expansão do crédito e dos negócios e tem o potencial

de propiciar bem-estar social para a coletividade, a atividade relacionada com o car-

tão de crédito não mais pode ser encarada com indiferença pelo Estado, haja vista

as implicações: i) na atividade de intermediação financeira; ii) no sistema de paga-

mentos; iii) na defesa da concorrência; e iv) para a defesa do consumidor encarada

do ponto de vista da autorização, funcionamento e fiscalização da atividade.

É dizer, o debate e as soluções não podem desconhecer a verdadeira simbi-

ose porque passou o Sistema Financeiro Nacional pós-reforma bancária de 1964 e a

própria evolução do cartão de crédito como instrumento de pagamento e substituto

do papel-moeda e do cheque no rastro da revolução tecnológica.

O exercício da atividade normativa de intervenção por direção sobre domínio

econômico tem o mérito de dinamizar a função normativa atribuída, por lei, a órgãos

e entidades da Administração. Como ressalta EROS GRAU, “Cumpre aos titulares

da função normativa, no caso, observar os critérios e parâmetros estabelecidos na

lei que lhes autorizou esse mesmo exercício. Observe-se que não há, na hipótese,

atribuição de função legislativa, mas sim de função normativa (regulamentar) a es-

ses órgão e entidades.”90

Mas o próprio autor destaca que o exercício dessa função normativa pode

assumir contornos mais abrangentes, verdadeiro dever-poder, a depender da singu-

laridade da atividade sob regulação: Diz ele:

Resultam enriquecidas, destarte, as funções atribuídas à Administração, que já não se bastam no mero exercício do poder de polícia, consubstancia-do na fiscalização do exercício de atividades pelos particulares, mas agora

89 BRASIL: Banco Central do Brasil, Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fa-zenda e Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. Relatório sobre a Indústria de Car-tões de Pagamentos, cit.150, disponível em: http://www.bcb.gov.br/htms/spb/Relatorio_Cartoes.pdf. 90 EROS GRAU, O direito posto e o direito pressuposto, cit. pp. 231-232.

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compreendem também o poder de estatuir normas destinadas à regulação desse mesmo exercício. Ao exercerem a função normativa que lhes incum-be –efetivo dever-poder, em verdade, no qual são investidos–, órgãos e en-tidades da Administração dinamizam o que tenho denominado capacidade normativa de conjuntura. (...) Descortina-se, assim, a evidência de que o di-reito –tal qual o divisou Von Ihering, em sua teoria organicista– necessita, como todo organismo vivo, estar em constante mutação, impondo-se a su-peração do descompasso existente entre o ritmo de evolução das realida-des sociais e a velocidade de transformação da ordem jurídica. Nesse clima de instabilidade de determinadas situações e estados econômicos, sujeitos a permanentes flutuações –flutuações que definem o seu caráter conjuntu-ral–, impõe sejam extremamente flexíveis e dinâmicos os instrumentos nor-mativos de que deve lançar mão o Estado para dar correção a desvios ocor-ridos no desenrolar do processo econômico e no curso das políticas públi-cas que esteja a implementar.

4.2 O marco da Lei de Reforma Bancária e o poder normativo das Autoridades Monetárias

A indústria de cartões, como referido anteriormente, tem propiciado dis-

cussões de ordem várias na doutrina, na jurisprudência e no seio legislativo enquan-

to catalisador dos anseios da sociedade, sobressaindo a reverberação de sentimen-

to de orfandade regulamentar da atividade. Não sem razão a doutrina conceitua a

atividade com cartão de crédito como negócio complexo e atípico, a ponto de no

Convite para Seminário – Os cartões de crédito e o consumidor, realizado em abril

de 2008, a Associação Brasileira de Defesa do Consumidor – PRO TESTE consig-

nar:

O tema é bastante relevante na sociedade brasileira, dando ensejo a milha-res de ações judiciais e coletivas no Brasil, questionando as variadas práti-cas das administradoras de cartões de crédito e o relacionamento com os consumidores. No entanto, o que mais aflige os operadores do direito e to-das as partes envolvidas é a ausência de normas específicas, que possam regulamentar adequadamente a questão, de modo a prevenir e também re-solver os conflitos de forma célere e equânime. (destacou-se)

CANOTILHO91 chama a atenção para o fato de que o princípio da democra-

cia social e econômica, quer na sua configuração geral, quer nas concretizações re-

ais, constitui um limite e um impulso. Como limite, o legislador não pode executar

uma política econômica e social de sinal contrário ao imposto pelas normas constitu-

cionais; como impulso, o princípio da democracia econômica e social exige positiva-

mente do legislador (e aos órgãos concretizadores) a prossecução de uma política

em conformidade com as normas concretamente impositivas da Constituição. 91 CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit. p. 346.

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No mesmo sentido EROS GRAU92 sustenta que na nova ordem econômica e

social instaurada com o advento do Estado constitucional “A ‘mão invisível’ de Smith

é substituída pela mão visível do Estado.”, posto que o Estado assume a responsa-

bilidade pela condução do processo econômico pela via da dinamização de técnicas

específicas de atuação, quais sejam, atuação na economia (por absorção e por par-

ticipação) e atuação sobre a economia (por direção e por indução).

Resta então averiguar se o atual marco legal sobre a atividade de intermedi-

ação financeira e de sistema de pagamentos (Leis nº 4.595, de 1964, e nº 10.214,

de 2001) atribui poder normativo às Autoridades Monetárias com aptidão de inovar

na ordem jurídica em sede de sistema financeiro, independentemente de inovação

legiferante primária.

Não está em discussão aqui o princípio da prevalência ou preferência da lei

sobre todos os outros atos do Estado, afinal “num Estado democrático-constitucional

a lei parlamentar é, ainda, a expressão privilegiada do princípio democrático”93.

Importa apurar se o atual marco legal legitima a atuação regulamentar das

Autoridades Monetárias independentemente de nova atividade legiferante originária,

particularmente em face do sentimento geral de vácuo regulamentar denunciado

pelo marco teórico.

A denominada Lei da Reforma Bancária (Lei nº 4.595, de 1964), recepciona-

da pela atual Constituição com status de lei complementar, consagra o Conselho

Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil como autoridades máximas do Sis-

tema Financeiro Nacional.

O legislador de 1964 concebeu o Conselho Monetário Nacional com claro

perfil normatizador, haja vista que lhe atribuiu a responsabilidade pela formulação da

política da moeda e do crédito, objetivando o progresso econômico e social do País

(art. 2º), objetivo esse que é referendado pelo art. 192 da atual Carta Política quando

preceitua que o sistema financeiro deve ser instrumento promotor do desenvolvi-

mento equilibrado do País e servir aos interesses da coletividade.

A política do Conselho Monetário Nacional deve perseguir e conciliar diver-

sos objetivos (art. 3º), inclusive a regulação do valor interno da moeda pela via da

prevenção ou correção dos surtos inflacionários ou deflacionários de origem interna

ou externa, as depressões econômicas e outros desequilíbrios oriundos de fenôme-

92 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto,cit. pp. 26-27. 93 CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, cit. p. 256.

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nos conjunturais (inciso II) e o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos

financeiros, com vistas à maior eficiência do sistema de pagamentos e de mobiliza-

ção de recursos (inciso V), questões que mais diretamente se imbricam com o tema

sob dissertação.

Para que bem possa desempenhar sua missão, o legislador atribuiu ao Con-

selho Monetário Nacional competência, para, “segundo diretrizes do Presidente da

República”, dentre outras atribuições (art. 4º): i - disciplinar todas as modalidades de

crédito e as operações creditícias em todas as suas formas (inciso VI); ii -regular a

constituição, funcionamento e fiscalização dos entes que exercerem atividades pri-

vativas de instituição financeira e a aplicação das penalidades (inciso VIII).

Observe-se que a Lei nº 4.595, de 1964, legitima, habilita, o Conselho Mone-

tário Nacional para regulamentar a constituição, o funcionamento e a fiscalização de

qualquer entidade que exerça atividade de intermediação financeira e a disciplinar

todas as modalidades de crédito e todas as formas de operações creditícias. É dizer,

o Conselho Monetário Nacional é competente para regular —além da constituição e

da fiscalização— o desempenho das entidades que exercerem atividades de inter-

mediação financeira no plano do sistema financeiro, de molde que funcionem em co-

erência com certas diretrizes de políticas públicas (art. 3º) e com os princípios consti-

tucionais condicionadores da própria ordem econômica (CF, arts. 5º, XXXII, 170, V,

e 192).

Leitura atenta do art. 4º da Lei da Reforma Bancária permite concluir que o

legislador de 1964 tinha clara percepção de que a atividade de intermediação finan-

ceira reúne singularidades e idiossincrasias que a distingue dos demais ramos da

atividade econômica, razão por que as atribuições normativas e de fiscalização são

amplas e de molde a possibilitar que as Autoridades Monetárias dispusessem de

instrumental para acompanhar a diversificação e sofisticação crescentes da indústria

da fidúcia. De fato, lê-se no Relatório nº 22, de 1965, de autoria do Senador Mem de

Sá, in verbis:O anteprojeto não só determina a observância de critérios razoáveis, ..., como arma o órgão controlador de poderes adequados à fiel observância do determinado na lei. As prescrições legais amplas relativas à organização de Bancos, casas bancárias, cooperativas de crédito, companhias de financia-mento e investimento foram redigidas tendo em vistas a consecução dos objetivos citados, a par de defender os interesses dos indivíduos e firmas privadas que cedem seus recursos financeiros a estas instituições. (desta-cou-se)

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É a capacidade normativa de conjuntura de que fala EROS GRAU, que, não

refratária ao princípio da separação dos poderes e, por conseguinte, ao princípio da

legalidade, porque ungida de legalidade e ativada nos quadrantes da lei e da Consti -

tuição, instrumenta as Autoridades Monetárias para enfrentar o descompasso exis-

tente entre o ritmo de evolução das realidades sociais e a velocidade de transforma-

ção da ordem jurídica. Por isso mesmo o citado autor sustenta enfaticamente:

A doutrina brasileira tradicional do direito administrativo, isolando-se da rea-lidade, olimpicamente ignora que um conjunto de elementos de índole técni-ca, aliado a motivações de premência e celeridade na conformação do regi-me a que se subordina a atividade de intermediação, tornam o procedimen-to legislativo, com seus prazos e debates prolongados, inadequado à orde-nação de matérias essencialmente conjunturais. No que tange ao sistema fi-nanceiro, desconhece que o caráter instrumental da atuação dos seus agen-tes, e dele próprio, desenha uma porção da realidade à qual não se pode mais amoldar o quanto as teorias jurídicas do século passado explicavam. (...) Não é estranho, assim, que essa doutrina –no mundo irreal em que se afaga– não avance um milímetro além da afirmação, por exemplo, de que todas as resoluções do Conselho Monetário Nacional, editadas pelo Banco Central do Brasil, são inconstitucionais! 94

Coube ao Banco Central do Brasil, autarquia especial dotada de personali-

dade jurídica própria e vinculada ao Ministério da Fazenda, por seu turno, o exercí-

cio de atribuições precipuamente executivas. Nesse terreno, pela sua visibilidade,

destaque-se as competências para, atendidas as disposições que lhe são atribuídas

pelas leis em vigor e pelo Conselho Monetário Nacional (art. 9º), privativamente:

exercer o controle de crédito sob todas as suas formas (art. 10, VI); exercer a fiscali-

zação das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas, regulando as

condições de concorrência (art. 10, IX, c/c o art. 18, § 2º); conceder autorização às

instituições financeiras (art. 10, X); exercer permanente vigilância nos mercados fi-

nanceiros e de capitais sobre empresas que, direta ou indiretamente, interfiram nes-

ses mercados e em relação às modalidades ou processos operacionais que utilizem

(art. 11, VII).

É igualmente amplo o dever-poder do Banco Central do Brasil na seara da

atividade de intermediação financeira.

Pois bem. O aperfeiçoamento dos instrumentos financeiros e a maior eficiên-

cia do sistema de pagamentos, como destacado, integram os objetivos de política do

Conselho Monetário Nacional (Lei nº 4.595, art. 3º, V). A Lei nº 10.214, de 2001, que

dispõe sobre a atuação das câmaras e dos prestadores de serviços de compensa-

94 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, cit. pp. 232-233 .

59

Page 67: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

ção e de liquidação, veio ao encontro desse desiderato possibilitando a reestrutura-

ção do sistema de pagamentos brasileiro, reconhecido internacionalmente como um

dos mais sofisticados.

Outra vez o legislador, curvando-se às particularidades inerentes à indústria

da fidúcia, conferiu amplo poder normativo ao Conselho Monetário Nacional e de

execução ao Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários (Lei nº

10.214, art. 10), afinal nos termos do art. 2º da Lei nº 10.214, de 2001, o sistema de

pagamentos brasileiro compreende as entidades, os sistemas e os procedimentos

relacionados com a transferência de fundos e de outros ativos financeiros, ou com o

processamento, a compensação e a liquidação de pagamentos em qualquer de suas

formas, o que autoriza a concluir que as operações com cartão de crédito, sob a óti -

ca do sistema de pagamentos, também estão sob a tutela dos órgãos reguladores.

Assim, na linha do Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamento,

resta concluir que falhas na organização da indústria denunciam que a auto-regula-

ção da indústria é incapaz de viabilizar o bem-estar para o conjunto da coletividade,

o que demanda a conformação do direito de liberdade econômica da indústria aos

valores constitucionais da Ordem Econômica (CF, art. 170), desde a perspectiva da

regulação e da fiscalização da atividade de intermediação financeira que ela, indús-

tria de cartões, alberga.

Com vistas, por fim, a dar consistência fática à tese do amplo poder normati-

vo em sede de regulação da atividade de intermediação financeira far-se-á incursão

na jurisprudência assente no Supremo Tribunal Federal.

4.3 A adequação constitucional do poder normativo das Autoridades Monetárias

Nas quase cinco décadas e vigência de regimes políticos antagônicas –a

Carta Política de 1967, alterada pela EC 1/69, e a de 1988– o Supremo Tribunal Fe-

deral, por diversas vezes, foi chamado a se manifestar sobre a adequação constitu-

cional do modelo de amplo poder normativo que a Lei da Reforma Bancária confere

às Autoridades Monetárias.

A análise dos julgados catalogados evidencia que, independentemente de

sua composição, a Corte Suprema tem legitimado tanto as funções normativas do

60

Page 68: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

Conselho Monetário Nacional quanto a natureza das funções executivas e fiscaliza-

tórias atribuídas ao Banco Central do Brasil, a par de reconhecer a singularidade da

atividade de intermediação financeira.

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 78.953/SP95, no qual se discutia

a incidência da limitação de juros da Lei de Usura (Decreto nº 22.626, de 1933) nas

operações bancárias, o Pleno firmou o entendimento de que a Lei nº 4.595, de 1964,

revogara o art. 1º do Decreto nº 22.626, de 1933.

No seu voto o relator, ministro Oswaldo Trigueiro, explicita as incumbências

do Conselho Monetário Nacional na Lei nº 4.595, de 1964, particularmente no que se

refere: à formulação da política da moeda e do crédito, objetivando o progresso eco-

nômico e social do País (art. 2º); aos objetivos de política de regulação do valor in-

terno da moeda com o objetivo de prevenir ou corrigir os surtos inflacionários ou de-

flacionários (art. 3º, II) e de orientação de aplicação dos recursos das instituições fi -

nanceiras públicas e privadas (art. 3º, IV); à competência para disciplinar o crédito

em todas as suas modalidades (art. 4º, VI) e limitar as taxas de juros, descontos, co-

missões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários

e financeiros (art. 4º, IX).

O ministro Xavier de Albuquerque, por seu turno, destacou que o legislador

da Lei nº 4.595, de 1964, “adotando nova técnica para a formulação da moeda e do

crédito, criou o Conselho Monetário Nacional e, conferindo-lhe poderes normativos

‘quase-legislativos’, cometeu-lhe o encargo de ‘limitar, sempre que necessário, as ta-

xas de juros, descontos, comissões e qualquer forma de remuneração de operações

e serviços bancários ou financeiros’ (art. 4º, IX).”

No Recurso Extraordinário nº 90.636/SP96, em que se discutia se o instituto

da alienação fiduciária poderia ou não ser utilizado nas operações de consórcios, a

Corte decidiu que “A garantia real (propriedade fiduciária) decorrentes da alienação

fiduciária em garantia pode ser utilizada nas operações de consórcio, que se situam

no terreno do sistema financeiro nacional, ..., da mesma forma como ocorre com as

operações celebradas pelas financeiras em sentido estrito”. (destacou-se)

95 STF, Seção de Jurisprudência, Pleno, julgamento 05.05.1975, Aud. Publicação de 09.04.1975, dis-ponível em: http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado, acesso em 11.06.2009. 96 STF, Serviço de Jurisprudência, Pleno, julgamento 02.05.1979, DJ de 18.06.1979, Ementário nº 1136-2, disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado, acesso em 12.06.2009.

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Page 69: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

O precedente é interessante porque discute tanto a natureza da atividade

quanto a higidez do poder normativo do Conselho Monetário Nacional.

Com relação à atividade, o relator, ministro Moreira Alves, após fazer longa

abordagem sobre a alienação fiduciária e sua extensão, por norma infralegal, às

operações de consórcios que integrariam matéria própria do Sistema Financeiro Na-

cional “o que, aliás, decorre da natureza mesma das coisas”, destaca:

Observo, ademais, que ainda que não houvesse tal delegação, nada impe-diria, no caso, que, por meio de interpretação impropriamente denominada extensiva, se aplicasse o disposto no Decreto-lei nº 911 às operações como a de consórcio, uma vez que, (...). Essa incompatibilidade não ocorre em operações como as de consórcio, que se situam no terreno do sistema fi-nanceiro nacional, e que se realizam sob fiscalização do Poder Público, da mesma forma como ocorre com as operações celebradas pelas financeiras em sentido estrito.

No ponto em que discute a capacidade normativa de conjuntura do Conselho

Monetário Nacional e o dever-poder de fiscalização do Banco Central do Brasil, o

voto realça a necessidade de flexibilização da política que disciplina as matérias de

índole econômico-financeiras, nesses termos:

c) – tanto o regulamento quanto os atos normativos complementares são, desde que não se contraponham a princípios estabelecidos na própria lei delegante, normas com força de lei (o que, também, se tem admitido especi-almente no terreno econômico-financeiro, dada a necessidade de flexibilida-de da política que a disciplina, o que não se pode alcançar com a rigidez de textos legais de caráter permanente).

Na Representação nº 1.172/CE97‾98, na qual se discutia a inconstitucionalida-

de da Lei nº 10.551, de 1981, do Estado do Ceará, que reconhecia o dia 28 de agos-

to como o “Dia Nacional dos Bancários” e decretava o fechamento das “empresas

bancárias e creditícias estabelecidas no Território do Estado” nesse dia, veio à tona

questionamento sobre a legitimidade do Conselho Monetária Nacional para regular a

constituição, o funcionamento e a fiscalização das entidades que exercerem ativida-

des de intermediação financeira.

97 STF, Serviço de Jurisprudência, Pleno, julgamento 31.05.1984, DJ de 03.08.1984, Ementário nº 1343-1, disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado, acesso em 12.06.2009.98 No mesmo sentido a MC na ADI nº 1.277-SP requerida pelo Governador do Estado de São Paulo em face da Lei Estadual nº 9.084, de 1995, que dispunha sobre a criação de Cooperativa de Crédito pelas Entidades de Classe dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo. STF, Serviço de Juris-prudência, Pleno, julgamento 27.09.1995, DJ de 23.02.1986, Ementário nº 1817-01, disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado, acesso em 12.06.2009.

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Page 70: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

O relator, ministro Rafael Mayer, num voto objetivo em que reconhece a

competência legislativa exclusiva da União para legislar sobre a política de crédito,

assim aborda a questão:

No exercício dessa competência privativa, cabe à União legislar sobre a po-lítica e as instituições monetárias, creditícias e bancário, como efetivamente fez, editando a Lei 4.595/64, em vigor, onde se dispõe, de modo específico, ser atribuição do Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabele-cidas pelo Presidente da República, “regular a constituição, funcionamento e fiscalização dos que exercerem atividades subordinadas a essa Lei” (art. 4º, VIII).

E arremata:Ora funcionamento tem a ver com o desempenho da função, com o exercí-cio das atividades, com o andamento dos trabalhos, e esse ponto que cabe ser disciplinado exclusivamente pela lei federal é que faz objeto da norma estadual, ao dispor diretamente sobre a sua suspensão ou interrupção, usurpando atribuição conferida a órgão federal.

No Conflito de Atribuição nº 35-1/RJ99, suscitantes o Banco Brasileiro de

Descontos S/A e outros, suscitados o Juiz de Direito da 20ª Vara Cível da Comarca

da Capital do Estado do Rio de Janeiro, Conselho Monetário Nacional e Banco Cen-

tral e como interessado e agravante o Ministério Público do Estado do Rio de Janei-

ro (Curadoria de Justiça dos Consumidores), o Pleno do Supremo Tribunal Federal

confirmou o poder normativo do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central.

Confiram-se excertos do voto do ministro relator, Sydney Sanches:

Esse poder de criar direito material é, em princípio, do Legislativo, segundo as competências constitucionalmente distribuídas, cabendo, em outros ca-sos, delegações de poderes normativos complementares a órgãos adminis-trativos, que os exercem como atribuições. É o que acontece com o Conse-lho Monetário Nacional e o Banco Central do Brasil, no campo ora focaliza-do. (...)

Normas genéricas, que, além de não competirem ao Judiciário, no estrito exercício de sua função jurisdicional, colidem frontalmente com as já baixa-das pelos órgãos administrativos competentes, no exercício de poder nor-mativo legalmente conferido (Conselho Monetário Nacional e Banco Central do Brasil).

Não se trata, pois, apenas de incorreta interpretação de lei, no exercício de estrita jurisdição, mas de exercício indevido de poder normativo delegado a órgãos administrativos, que já o exerceram. (destaques do original)

99 STF, Serviço de Jurisprudência, Pleno, julgamento 02.12.1987, DJ de 1º.12.1989, Ementário nº 1565-1, disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado, acesso em 12.06.2009.

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Page 71: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

Na vigência da atual Constituição temas relevantes também foram aprecia-

dos pela Corte Suprema em matéria de atividade de intermediação financeira e a ca-

pacidade normativa de conjuntura das Autoridades Monetárias.

No Recurso Especial nº 242.550-2/DF questionava-se a constitucionalidade

de resoluções do Conselho Monetário Nacional que disciplinavam as operações com

ouro como ativo financeiro.

O aspecto relevante do voto do relator, ministro Ilmar Galvão, que conclui

que a captação de recursos do público para aplicação em ouro ou em certificados de

depósito em ouro, caracteriza, sim, atividade privativa de instituição financeira, resi-

de exatamente na diferença entre ato eventual e esporádico de compra ou venda do

ativo financeiro e o exercício continuado, especulativo, da atividade, bastante para

descaracterizar o negócio mercantil puro. Confira-se:

[...], a questão que aqui se coloca para análise é a de saber se a comerciali-zação de ouro, programada ao longo do tempo, sem finalidade industrial, (...), configura, ou não, atividade privativa de instituição financeira, sujeita, conseqüentemente, à prévia autorização do Banco Central.

A resposta, na verdade, não pode ser senão afirmativa. Com efeito, trata-se, no caso, de operações motivadas por interesse não na aquisição do ouro, ainda que para entesouramento, mas no investimento financeiro lastreado no referido metal e voltado, principalmente, à preservação do valor aquisiti-vo de disponibilidades financeiras. (destacou-se)

Com relação ao poder normativo do Conselho Monetário Nacional e ao de-

ver-poder de fiscalização do Banco Central do Brasil, endossa os fundamentos da

decisão da Justiça Federal que não vislumbrara nem ilegalidade nem ofensa ao prin-

cípio da livre iniciativa. A uma, porque “ambas as resoluções foram baixadas ao am-

paro de competência expressamente delegada pela Lei 4.595/64”; a duas, porque

“não se pode, em nome dessa liberdade [de iniciativa], pretender-se que o exercício

de todas as atividades não se sujeitam ao ordenamento jurídico validamente estabe-

lecido.”

Em sede de ação direta de inconstitucionalidade alguns temas importantes

foram enfrentados pelo Supremo Tribunal Federal, sendo bastantes a título de fecho

do tópico a abordagem da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade

nº 1.376-9/DF e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.591-1/DF, afirmativas

da adequação constitucional do modelo da Lei da Reforma Bancária100.

100 No mesmo sentido: ADI nº 4-7/DF, requerida pelo Partido Democrático Trabalhista, sobre a imedia-ta aplicação dos juros de 12% ao ano (CF, art. 192, § 3º, na redação original); MC na ADI nº 1.398-0/DF, requerida pelo Partido dos Trabalhadores, questionando a criação do Fundo Garantidor de Cré-

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Page 72: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

Na ADI nº 1.376-9/DF101, perseguia-se a declaração de inconstitucionalida-

de integral da Medida Provisória nº 1.779, de 1995, convertida na Lei nº 9.710, de

1998, que referendava o “Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortaleci-

mento do Sistema Financeiro Nacional, instituído pelo Conselho Monetário Nacional

com vistas a assegurar liquidez e solvência ao referido Sistema e a resguardar os in-

teresses de depositantes e investidores”.

O fundamento do pedido residia no argumento de que a medida provisória

teria legislado sobre matéria reservada a lei complementar (CF, arts. 192), a lei es-

pecífica (CF, art. 150, § 6º) e violado os princípios da isonomia, do direito adquirido e

da não obrigatoriedade de associação (CF, art. 5º, XX) e todos foram afastados pelo

Plenário.

O voto o relator, ministro Ilmar Galvão, deixa antever que a pretensa incons-

titucionalidade não subsistia porque a medida provisória se limitou a definir os con-

tornos de programa criado por ato do Conselho Monetário Nacional, no exercício de

atribuição que lhe foi conferida pela Lei nº 4.595/64, a quem compete zelar pela liqui-

dez e solvência (art. 3º, VI) e regular a constituição e o funcionamento (art. 4º, VIII)

das instituições financeiras. São esses os dizeres:

Como se vê, trata-se de dispositivos que se limitam a definir os contornos de programa criado por ato do Conselho Monetário Nacional, instituição in-tegrante do Sistema Financeiro Nacional, tal como concebido na Lei nº 4.595/64, que, por haver sido editada com o objetivo justamente de organi-zar o referido Sistema, é de ser tida por recebida pela Carta de 1988, se-gundo orientação consagrada nesta Corte.

De efeito, referida lei, no art. 2º, criou o Conselho Monetário Nacional, inte-grado ao Ministério da Fazenda, (...), conferindo-lhe, entre outras atribui-ções, a de “zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras” (inc. VI), o que se acha em perfeita consonância com a norma do art. 192, IV, da Carta de 1988, onde está expressamente previsto que lei complementar dis-porá sobre “as atribuições do Banco Central e demais instituições financei-ras públicas e privadas”, entre as quais indubitavelmente se acha o Conse-lho Monetário Nacional.

Por último, a ADI nº 2.591-1/DF. O diferencial do julgamento dessa ação di-

reta de inconstitucionalidade reside no ponto de que, de forma explícita, a Corte Su-

prema adotou a tese acadêmica de EROS GRAU, como integrante do órgão máximo

dito (FGC) por resolução do Conselho Monetário Nacional; ADI nº 449-2/DF, requerida pelo Procura-dor-Geral da República, contra o art. 251 da Lei nº 8.212, de 1990, que excluía os servidores do Ban-co Central do regime jurídico único. 101 STF, Coordenação de Análise de Jurisprudência, Pleno, julgamento 11.12.1995, DJ de 31.08.2001, Ementário nº 2041 -1, disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarIn-teiroTeor.asp#resultado, acesso em 12.06.2009.

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Page 73: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

do Poder Judiciário, da capacidade normativa de conjuntura atribuída a determina-

dos órgãos do Poder Executivo.

Na ação direta, entidade de classe do Sistema Financeiro Nacional pleiteava

a declaração de inconstitucionalidade formal e material da expressão “inclusive as

de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária”, constante do § 2º do art.

3º da Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 1990), por entender que os ser-

viços ali veiculados envolviam matéria dependente de disciplinamento por lei com-

plementar (CF, art. 192).

A Corte Suprema, na sua conformação plenária e por maioria, afastou o pe-

dido veiculado na ação direta de inconstitucionalidade por entender que a exigência

de lei complementar prevista no art. 192 da Carta Política “abrange exclusivamente

a regulação da estrutura do sistema financeiro”, sendo certo que as relações particu-

lares entre instituição financeira e cliente não se enquadram nesse escopo estrutu-

ral.

Noutros termos, o art. 192 da Constituição “consubstancia norma-objetivo

que estabelece os fins a serem perseguidos pelo sistema financeiro nacional, a pro-

moção do desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos interesses da co-

letividade.”, o que significa dizer que todas as matérias que digam respeito ao funci-

onamento do sistema financeiro nacional podem ser regulamentadas por intermédio

de resoluções do Conselho Monetário Nacional ou lei ordinária, sem nenhuma ofen-

sa à Constituição Federal.

De fato, os Juízes da Corte Suprema debateram explicitamente a capacida-

de normativa de conjuntura das Autoridades Monetárias, concluindo que o Conselho

Monetário Nacional está habilitado a regulamentar tudo que disser respeito ao funci-

onamento do sistema financeiro nacional. No voto vencedor o ministro EROS GRAU

assim se expressou:

O artigo 4º, inciso VIII, da Lei nº 4.595/1964 estabelece que compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presi-dente da República (redação da Lei n. 6.045/74), “regular a constituição, funcionamento e fiscalização dos que exercerem atividades subordinadas a este lei, bem como a aplicação das penalidades previstas”.

(...) O titular do exercício da chamada capacidade normativa de conjuntura é o Conselho Monetário Nacional.

A questão a considerar respeita à determinação do significado, no contexto do preceito –isto é, no mencionado artigo 4º, inciso VIII– do vocábulo funci-onamento. É unicamente sobre esta matéria que o Conselho Monetário Na-cional está autorizado a dispor texto normativo.

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Os que exercem atividades subordinadas à Lei n. 4.595/1964 são as institui-ções financeiras. Logo, é do funcionamento das instituições financeiras que se trata. (...) O vocábulo funcionamento é, porém,mais forte, na medida em que expressivo da circunstância de as instituições cumprirem uma função no quadro do sistema financeiro nacional.

O vocábulo tem a virtude de tornar bem explícito o fato de a lei ter estabele-cido que para funcionar, para desempenhar a atividade de intermediação fi-nanceira, a empresa deverá cumprir o que determina o Conselho Monetário Nacional no que concerne a sua adequação a esse desempenho. (...) Digo mais: esse exercício há de ser empreendido de modo que a empresa –isto é, a instituição financeira– funcione em coerência com certas diretrizes de políticas públicas, suas prerrogativas sendo exercidas conforme definições, estruturais e conjunturais, (...).

Pode-se dizer que a regulação da atividade da indústria de cartões pode ser

materializada por resolução do Conselho Monetário Nacional sem nenhuma violação

aos princípios da separação de poderes e da legalidade. Isso porque não há falar de

autorização ampla e indefinida, mas de definição clara e objetiva de que tudo que

disser respeito ao funcionamento das entidades que exerçam a atividade de interme-

diação financeira pode ser instrumentalizada por norma infralegal, independente-

mente da regulamentação do disposto no art. 192 da Constituição.

Aliás, mesmo que o marco legal que conforma a atividade de intermediação

financeira não explicitasse a capacidade normativa do Conselho Monetário Nacional,

o ordenamento constitucional, no dizer do ministro Celso de Mello102, “outorgou ao

Estado, o poder de intervir no domínio econômico, assistindo-lhe, nesse especial

contexto das funções estatais, competência para proceder como agente normativo

e regulador da atividade negocial (art. 174).”, de sorte que lei ordinária bastaria para

regular o funcionamento da atividade de intermediação financeira.

É que, como ressaltou o ministro Joaquim Barbosa103, a modificação promo-

vida pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003, no art. 192 da Constituição “au-

mentou, portanto, o grau de vagueza do campo de competência relativo ao sistema

financeiro nacional.”, particularmente porque foram removidos da redação original

“elementos que permitiam caracterizar o âmbito das normas do sistema financeiro

nacional, limitando-se à definição da lei complementar como instrumento para dispor

sobre o assunto, ‘de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a

servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem’.”

102 Voto proferido na ADI nº 2.591-1/DF.103 Idem, idem.

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Posto isso, pode-se concluir com a afirmação de que a recente decisão pro-

ferida na Ação Civil Pública nº 2006.61.00.011828-2 julgando: i) que “a interpreta-

ção adotada pelo STJ não tem efeito em casos diversos”; ii) que a submissão da ati-

vidade de cartões de crédito ao dever-poder de regulação e fiscalização das autori-

dades monetárias “somente pode ser feita por lei, pois não se restringe à mera ativi-

dade interpretativa”; e iii) se faz necessário “criar estrutura organizacional própria de

modo a abarcar o incremento de atribuições daí decorrente.”104, não encontra resso-

nância nem no marco legal regente da atividade de intermediação financeira e nem

na firme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito do amplo poder nor-

mativo atribuído pela Lei da Reforma Bancária às Autoridades Monetárias.

Noutros termos, mercê de gestado há quase cinqüenta anos, o modelo da

Lei da Reforma Bancária continua atual porque o legislador de então tinha clara per-

cepção a respeito das singularidades e idiossincrasias inerentes à indústria da fidú-

cia, tanto que hodiernamente o Brasil é destaque nos fóruns internacionais que de-

batem um “novo modelo de regulação” para o sistema financeiro internacional diante

do fracasso da prática de auto-regulação adotada mundo afora.

104 Ação Civil Pública nº 2006.61.00.011828-2 movida pelo Ministério Pública Federal e processada perante a Sétima Vara Federal da Justiça Federal na Capital do Estado de São Paulo, Sentença tipo A proferida pela Juíza Federal Diana Brunstein, de 13.03.2009.

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Page 76: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

5 CONCLUSÃO

O presente trabalho teve a pretensão de discutir tema que tem permeado as

discussões, nos últimos anos, no âmbito do Poder Legislativo, de entidades da soci-

edade civil organizada, do comércio e de defesa dos consumidores, qual seja, a sub-

missão ou não da indústria de cartões de pagamento à regulação e à fiscalização do

Estado e mais especificamente das Autoridades Monetárias.

As discussões, de um modo geral, se concentram em dois pontos: i) enqua-

dramento ou não do negócio com cartão de crédito como atividade de intermediação

financeira, logo matéria do direito bancário; ii) edição de norma primária para subme-

ter a indústria de cartões à tutela regulamentar das Autoridades Monetárias ante o

sentimento de ausência do Estado-regulador.

As inquietações, portanto, são mutuamente condicionadas.

No que concerne à tipicidade do negócio, o trabalho aborda, na perspectiva

histórica e da organização da indústria, a mutação qualitativa ocorrida com a entrada

no circuito negocial de empresa especializada na emissão e administração de car-

tões e, num segundo momento, do sistema bancário, o que possibilitou desnaturar a

relação eminentemente mercantilista da origem do cartão de crédito, deslocando-a

para o campo de incidência da atividade de intermediação financeira própria do direi -

to bancário.

Nesse desiderato o trabalho explora as relações que emergem do relaciona-

mento do emissor do cartão de crédito com os usuários finais (titular do cartão e for-

necedor de bens ou de serviços), consistentes na abertura ou concessão de crédito

em sentido estrito e na concessão de garantia, além do fato de que no Brasil mais

de noventa por cento do mercado tem como emissores, por definição, instituições fi -

nanceiras bancárias.

O trabalho tenta desmistificar o entendimento chavão que apregoa que a in-

tromissão especulativa na exploração do dinheiro somente ocorre se houver prévia

captação (coleta) de recursos, isto é, a intermediação financeira seria condicionada

e dependente de captação, mostrando que a expansão do crédito pode ocorrer auto-

nomamente pelos condutos do ativo (usos) e o sistema de cartão de crédito é a pro-

va insofismável dessa realidade, haja vista que a captação de recursos, nos casos

em que o emissor não é a própria instituição financeira ou entidade que integra o

69

Page 77: Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP Curso de

próprio conglomerado financeiro, somente ocorre por ocasião do parcelamento do

débito da fatura.

Mostra-se, de outra banda, que o instituto da cláusula-mandato serve para

encobrir uma porção da realidade e possibilitar um jogo de informações e contra-in-

formações que contraria os interesses da coletividade e possibilita o exercício de ati-

vidade à margem da lei, razão por que conclui, no particular, que, salvo na hipótese

da modalidade de cartão private label, a distinção que o marco teórico faz entre car-

tão de crédito bancário e o cartão de crédito não bancário é irrelevante para fins de

enquadramento do negócio como próprio e privativo da atividade bancária.

No que concerne à pretensa lacuna no ordenamento jurídico brasileiro de

norma específica, o que justificaria a ausência normatizadora do Estado-regulador

em relação à indústria de cartões e a imperiosa necessidade de atuação do legisla-

dor primário, demonstra-se que se trata de um falso problema, quiçá desdobramento

da não menos falaciosa tese que apregoa que o negócio com cartão de crédito nada

tem de intermediação financeira.

Muito embora se reconheça a primazia e a maior legitimidade de norma

emanada do legislador primário, comprova-se, com arrimo em forte doutrina sobre o

princípio da separação de poderes e de seu consectário, o princípio da legalidade, e

sólida jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que o marco legal que paira sob-

re o sistema financeiro nacional não é refratário à ordem constitucional vigente, pois

a Lei da Reforma Bancária atribui ampla competência normativa ao Conselho Mone-

tário Nacional para regular a constituição, o funcionamento e a fiscalização dos que

exercerem atividade de intermediação financeira (Lei nº 4.595, de 1964, VIII).

Claro que a questão não se exaure na atividade de intermediação financeira.

Como negócio complexo que é, a atividade com cartões de crédito tem reflexos tam-

bém sobre os sistemas regulatórios: i) da compensação e liquidação de obrigações,

matéria submetida à regência da Lei nº 10.214, de 2001, que também confere amplo

poder normativo às Autoridades Monetárias; ii) da defesa da concorrência sob a óti-

ca das atividades preventiva e repressiva (Lei nº 4.595, de 1964, art. 18, § 2º, e Lei

nº 8.884, de 1994); e iii) do micro sistema de defesa do consumidor (Lei nº 8.878, de

1990) sob o olhar do fornecimento de bens e da prestação de serviços, tanto mer-

cantis puros quanto financeiros.

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A rigor, pois, o problema não é de orfandade de legislação, mas de falta de

compreensão a respeito do negócio complexo que permeia a atividade com cartões

de pagamento ou de ausência de política pública transparente.

Objetivamente, portanto, o dever-poder do Estado poderia ser exercido com

respaldo na legislação em vigor sem que disso resultasse mácula a nenhum princí-

pio consagrado na Constituição de 1988.

Tenha-se presente que as conclusões do estudo desenvolvido pela Autorida-

de Monetária e pelos dois órgãos que integram a estrutura do Sistema Brasileiro de

Defesa da Concorrência105 denunciam que:

i) mais de noventa por cento dos cartões de pagamento em circulação no

território brasileiro são de emissão de instituições financeiras, o que por si só esva-

zia o jogo de desinformação nutrido e centralizado na figura da “administradora de

cartões de crédito” –tida como catalisadora de todas as relações tanto do lado da

oferta quando do lado da demanda–, quando, a rigor, o emissor do cartão é que é a

figura central do arranjo operacional; e

ii) a indústria de cartões no Brasil apresenta importantes falhas de mercado,

com destaque para “a falta de contestabilidade na atividade de credenciamento e o

significativo poder de mercado das credenciadoras Visanet e Redecard” e “forte evi-

dência de que a regra de não sobrepreço traz distorções ao mercado e prejuízo ao

consumidor.”

Numa sentença: a atuação do Estado-regulador é imperativo de ordem públi-

ca a fim de conformar a realidade da indústria de cartões aos valores da ordem eco-

nômica (CF, art. 170, caput, IV e V, art. 174) e à norma-objetivo do art. 192 da Cons-

tituição Federal, segundo a qual o Sistema Financeiro Nacional deve estar a serviço

da promoção do desenvolvimento equilibrado do País e dos interesses da coletivida-

de.

105 Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamentos, obra conjunta Bacen/SEAE/SDE, Brasília, 2009.

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