o faz-de-conta e sua contribuiÇÃo no desenvolvimento
TRANSCRIPT
1
O FAZ-DE-CONTA E SUA CONTRIBUIÇÃO NO DESENVOLVIMENTO
PSÍQUICO DO PRÉ- ESCOLAR E O PAPEL DO PROFESSOR MEDIADOR NA
ATIVIDADE. Angela Agulhari Martelini Gabriel. Prefeitura Municipal de Bauru.
[email protected] .Gislaine Rossler Rodrigues Gobbo. Grupo de pesquisa
Implicações Pedagógicas da Teoria Histórico-Cultural; Programa de Pós-Graduação em
Educação Marília – FFC. Prefeitura Municipal Bauru. gislainerrgobbo@g mail.com.br.
Eixo Temático: 3- Teoria Histórico-Cultural e Educação
MAKES BELIEVE CONTRIBUTION TO OWN YOUR PSYCHIC DEVELOPMENT
OF PRE- SCHOOL AND TE TEACHER'S ROLE MEDIATOR IN ACTIVITY .
RESUMO: Entre três a seis anos, idade denominada pré-escolar, a brincadeira mais
utilizada pelas crianças é o faz-de-conta, sendo a atividade principal desse período. A
criança, sujeito social, no desejo de vivenciar os afazeres e as relações sociais que
presencia na vida em sociedade, brinca para satisfazer as necessidades de imitar o mundo
adulto. Tal atividade tem grande influência na formação da personalidade, da consciência,
dos sentimentos, dos motivos e dos traços de caráter. Nessa perspectiva, a mediação do
adulto é relevante, pois motivará e ofertará situações para a sua ocorrência. Desse modo,
o objetivo geral deste trabalho é investigar a brincadeira do faz-de-conta como elemento
potencializador da formação e do desenvolvimento da personalidade da criança em idade
pré-escolar e especificamente, revelar a importância do professor como mediador na
apropriação do conhecimento teórico da brincadeira pelo professor. A metodologia
adotada para a geração de dados fundamenta-se em referenciais bibliográficos e,
posteriormente, pesquisa exploratória de crianças em situações da brincadeira de faz-de-
conta. Os participantes frequentavam no período da pesquisa uma escola de educação
infantil pública municipal, com a idade de quatro e cinco anos. Nossa hipótese prevê que
a brincadeira de faz de conta é uma ação que contribui para o desenvolvimento da
personalidade desde a infância.
Palavras-chave: Faz-de-conta. Professor mediador. Teoria Histórico-Cultural.
ABSTRACT: Between three to six years, called preschool, play more used by children
is make-believe, the main activity of this period. The child, a social subject, the desire to
experience the business and social relationships that presence in society, sports to meet
the needs of imitating the adult world. Such activity has great influence on the formation
of personality, consciousness, feelings, motives and character traits. From this
perspective, adult mediation is relevant because motivate and will offer opportunit ies to
their occurrence. Thus, the aim of this study is to investigate the game of make-believe
as enhancer element of the training and development of the child's personality in
preschool and specifically reveal the importance of ownership of the theoretical
knowledge of the game by Professor. The methodology for generating data is based on
bibliographic references and later exploratory research of children in situations of the
game of make-believe. Participants attending the survey period a school of munic ipa l
early childhood education, and between four and five years. Our hypothesis states that
the game of make-believe is an action that contributes to the development of personality
since childhood.
2
Keywords: Make-believe. Teacher's role mediator. Historical-Cultural Theory.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa surgiu da necessidade de aprofundamento teórico sobre a
brincadeira do faz-de-conta. Durante os trabalhos com crianças em idade de quatro e
cinco anos, observamos o interesse e o prazer com que crianças, dessa faixa etária,
brincavam imitando os afazeres e as relações que observavam ao seu redor. Desse modo,
tal temática nos instigou a buscar a compreensão desse momento.
De acordo com o aporte teórico adotado neste estudo, a Teoria Histórico -
Cultural, o processo de humanização, conquistado após o nascimento, é dinâmico e está
em constante movimento, ultrapassando o caráter inatista genético e biológico. Ou seja,
há a superação desses elementos, já que o ser humano se desenvolve a partir de suas
relações sociais e culturais, cujas influências afetam seu psiquismo.
Para Leontiev (2006), a criança aprende desde o nascimento, mas de forma
diferente a cada momento de sua vida. Tais momentos são denominados “estágios” de
desenvolvimento psíquico, nos quais a relação entre a criança e a realidade acontece por
uma atividade principal dominante, ou atividade guia, como forma de interagir com o
mundo, o que interfere diretamente na forma como ela organiza seus processos psíquicos
e mudanças em sua personalidade. Gamba (2009, p.73), citando Leontiev (2006), afirma
que essa atividade “governa as mudanças mais importantes nos processos psíquicos e nos
traços psicológicos da personalidade da criança, em um certo estágio de seu
desenvolvimento”, sendo por meio dessa atividade dominante que ela consegue melhor
se relacionar com a realidade.
Nosso estudo priorizou a periodização pré-escolar em busca da compreensão das
ações dominantes das crianças dos três aos seis anos, que tem como atividade guia faz-
de-conta. Essa atividade se concretiza pela presença de uma situação imaginária, na qual
a criança passa a imitar atitudes e relações sociais que observa à sua volta. Impossibilitada
de realizar as mesmas atividades efetuadas na rotina adulta, a criança apossa-se do mundo
por meio da reprodução das ações dos adultos que a cercam. Dessa forma, a representação
na brincadeira do faz-de-conta, na idade pré-escolar, permite que a criança modele seu
desenvolvimento psíquico. A relação dialética que existe entre observar e imitar as ações
3
e relações vivenciadas pela criança em seu cotidiano, ou seja, o faz-de-conta, proporciona
seu desenvolvimento e formação de sua personalidade.
Assim, surge o problema que norteou nossa pesquisa: qual seria a contribuição
da brincadeira de faz de conta, orientada pela ação mediadora docente, para o
desenvolvimento da personalidade na idade dos três aos seis anos?
Nossa hipótese é a de que a brincadeira é um conteúdo vital para o
desenvolvimento infantil. Sob sua estrutura lúdica, há conteúdos educativos que
contribuem para a apropriação do mundo adulto no universo infantil. É um ensaio de
papéis e valores que, em alguns anos, será a realidade do futuro adulto, em suas várias
dimensões, inclusive na formação da personalidade.
Para comprovar essa hipótese, detemo-nos em estudos de Vigotski (2000),
Leontiev (2006) e Elkonin (1998, 1987), que revelam o potencial educativo da brincadeira
de faz de conta, como valor estrutural e dimensional para o desenvolvimento da
personalidade da criança, estabelecendo nesse percurso, a relação entre a atividade e a
prática pedagógica.
Após constatar a importância da brincadeira de faz de conta no desenvolvimento
pré-escolar, detalhamos na sequência a brincadeira de faz de contas na idade pré-
escolar; a atividade principal do pré-escolar e o desenvolvimento da personalidade; a
metodologia da pesquisa; os resultados; e discussão dos dados.
1. A brincadeira de faz de conta na idade pré-escolar
Ao aprofundarmos nossos estudos acerca da brincadeira de faz de conta,
apropriamo-nos de conteúdos que indicam essa atividade como dominante, ou guia, da
criança em idade pré-escolar, dos três aos seis anos, devido à periodização do
desenvolvimento psíquico a que pertence tal faixa etária.
Segundo Facci (2004), a periodização infantil se caracteriza por atividades
principais, cada qual correspondente a um estágio, nas quais a criança se utiliza de
situações dominantes que movem o desenvolvimento.
O período da infância denominado de idade pré-escolar, entre três a seis anos, é
marcado pelo fascínio da criança pelo mundo adulto, seus afazeres, objetos utilizados e
relações sociais. É quando a atividade dominante se torna a brincadeira do faz-de-conta.
4
Segundo Vigotski (2000), a criança pequena tem necessidade de satisfação imediata dos
desejos e, na idade pré-escolar, há mais desejos imediatos.
Desse modo, as crianças desejam imitar as atividades realizadas pelos adultos.
Por isso, na maioria das vezes, as crianças imitam, ou reproduzem tudo o que existe no
mundo objetivado, o cotidiano, como afazeres domésticos, cuidam de bonecas da maneira
como são cuidadas; as que frequentam a escola, imitam as atitudes da professora;
conduzem seu automóvel, falam ao telefone, etc. Tais ações são uma maneira encontrada
pela criança para que seus desejos sejam realizados imediatamente. Trata-se de um jogo
imaginário e ilusório, que é denominado por Vigotski de “brinquedo”. (VIGOTSKI
2000,). Pelo “brinquedo”, a criança pré-escolar representa a realidade. Por meio do faz-
de-conta, a criança utiliza os objetos para expressar situações sociais observadas e as
ações produzidas pelo adulto com esses objetos. Dessa forma, a criança só reproduzirá o
que observa ao seu redor, inclusive o que é observado por meio da mídia, filmes, desenhos
animados. Facci (2004) considera que o processo em que a criança se esforça em agir
como adulto satisfaz suas necessidades imediatas:
Ela ainda não dominou e não pode dominar as operações exigidas pe las
condições objetivas reais da ação [...]. Mas na brincadeira, na atividade lúdica,
ela pode realizar essa ação e resolve a contradição entre a necessidade de agir,
por um lado, e a impossibilidade de executar as operações exigidas pela ação,
de outro (FACCI, 2004, p.69).
Um fator interessante é que, com o avanço do desenvolvimento, além das
atividades, serão reproduzidas também relações e o modo como elas são concebidas
culturalmente. Para Facci (2006, p.15), “o principal significado do jogo é permitir que a
criança modele as relações entre as pessoas”, conduzindo a brincadeira com atitudes e
relacionamentos que observa ao seu redor. Nessa percepção, os elementos da brincadeira
adquirem um novo sentido. A atividade, que antes reproduzia os objetos e ações, passa a
refletir um novo sistema de relações. A criança utiliza os mesmos objetos, mas com um
novo sentido. Sobre isso, escreve Elkonin (1998):
A criança dava banho à boneca, dava-lhe de comer e punha-a na caminha para
dormir. Agora faz o mesmo, no aspecto exterior e com a mesma boneca. O que
aconteceu então? Todos esses objetos e atos com eles realizados estão agora
inseridos num novo sistema de relações da criança com a realidade, [...] Graças
a isso adquiriram objetivamente um novo sentido. A conversão da menina em
mamãe, e da boneca em filha, dá lugar a que os atos de dar banho, dar de comer
e preparar a comida se transformem em responsabilidades da criança. Nessas
ações, manifesta-se, então, a atividade da mãe com o filho, seu amor e sua
5
ternura, ou até o contrário: isso depende das condições de vida da criança, das
relações concretas que a circundam (ELKONIN, 1998, p. 404- 405).
Como mencionado pelo autor, com o desenvolvimento da brincadeira, que
adquire aspectos de representação dos objetos e relações, as crianças compreendem
melhor a vida social, as funções sociais e as regras pelas quais são regidas as relações dos
adultos. Quanto mais desenvolvidos se tornarem os argumentos e conteúdos da
brincadeira, maior a compreensão da criança sobre as relações observadas.
Concomitantemente, quanto maior e mais variado o número de participantes, maior a
percepção sobre o mundo circundante. A troca entre os pares ampliará o repertório
infantil, pois as experiências e vivências de outras crianças contribuirão para o
aparecimento de outras temáticas para a brincadeira. “A experiência de cada criança é
limitada, pois ela só conhece algumas das muitas atividades dos adultos. No jogo, há um
intercâmbio de experiências e ele se torna mais interessante e variado.” (MUKHINA,
1995, p.163).
Além de compreendermos como as atitudes e as relações são reproduzidas pela
criança pela brincadeira de faz de conta, analisaremos a seguir quais as influências que
essa brincadeira pode ter sobre a formação da personalidade infantil.
2. A atividade principal do pré-escolar e o desenvolvimento da personalidade
Ao se considerar a brincadeira de faz de conta como atividade principal do pré-
escolar e mediadora na compreensão do mundo adulto, é essencial entender como e se ela
exerce influência na formação da personalidade da criança. Em consonância com a Teoria
Histórico-Cultural, pode-se afirmar que:
Os homens se realizam por meio da história que constroem, desenvolvendo suas
propriedades humanas a partir das condições sociais. Tais condições representam as bases
a partir das quais [...] o psiquismo humano desenvolve-se. [...] É no interior de tais
processos que a personalidade se desenvolve (MARTINS, 2006, p.27).
Essa concepção é confirmada pelas palavras de Martins (2006), que considera
que, na atividade humana consciente, o indivíduo adquire sua existência psicológica.
Sendo assim, a personalidade de cada indivíduo não se constrói isoladamente, mas na
trama de suas relações sociais.
6
Entre as várias particularidades da personalidade, por meio da consciência
conquistada, a criança de três a seis anos inicia sua compreensão de si e de seu meio
social. Ela passa a entender, aos poucos, o que representa para outras pessoas, limites,
possibilidades, qualidades, percepções e desejos.
As atitudes impulsivas, nesse período, são substituídas, gradativamente, por
motivos que movimentam as ações desejadas, as quais possuem finalidades muito
específicas e pontuais. É verificado um desenvolvimento gradual da esfera motivaciona l,
que de início é mais instável, mas ao longo de seu desenvolvimento apresenta maior
estabilidade e coerência nas operações.
Os sentimentos também adquirem maior estabilidade e profundidade durante o
desenvolvimento infantil. Nos estágios iniciais, a criança externaliza os sentimentos de
impetuosidade, intensidade e impulsividade. Nas etapas subsequentes, “crescem as
tendências de maior regularidade, tanto em relação aos eventos que os estimulam quanto
às formas e/ou meios pelos quais são comunicados” (MARTINS, 2006, p. 39). Esses
sentimentos se tornam mais estáveis e compatíveis com base nas experiências e
conquistas intelectuais pessoais, enriquecendo a estrutura emocional de sua
personalidade.
Os traços de caráter estruturam-se nas relações que são vivenciadas no curso do
desenvolvimento psíquico. “São sistemas de reação da pessoa à realidade, [...] padrões de
respostas que se tornam típicos de dado indivíduo, expressando atitudes relativamente
estáveis frente a determinadas circunstâncias e aspectos da realidade.” (MARTINS, 2006,
p. 36). Nas relações sociais que estabelece durante sua vida, a criança compreende
modelos orientados por normas, regras, costumes e moralidade do grupo a que pertence,
agindo de acordo com eles. Dependendo da vivência social e cultural, existem parâmetros
constituídos pela sociedade, orientando as ações efetuadas.
Nas questões gerais do desenvolvimento da personalidade na infância, interessa -
nos verificar como a brincadeira do faz-de-conta influencia e interfere nos aspectos
relacionados à personalidade (consciência, motivos, emoções, sentimentos e traços de
caráter).
De acordo com o contexto, na brincadeira do faz-de-conta, a criança exercita a
independência que tanto deseja e que não lhe é conferida. Esse exercício facilitará a
compreensão do comportamento e das relações dos adultos que a cercam, isto é, dos
modelos de conduta mais próximos dela.
7
Analisando as particularidades da personalidade descritas até o momento e a
influência da brincadeira em seu desenvolvimento, consideramos que a brincadeira se
processa na consciência, permitindo a realização de um ato, que para a criança é apenas
teórico. Com o avanço do domínio da brincadeira, o que era um ato específico, como
segurar uma boneca, passa a articular várias ações ligadas à boneca, como cuidados
normalmente dispensados a um bebê. Assim, a criança exercita e amplia seu
conhecimento de mundo, desafiando seu domínio e reestruturando sua consciência.
Começa a pensar de maneira mais complexa, passando a compreender o significado social
dos objetos. Essas relações que se desenvolvem por meio da brincadeira possibilitam à
criança a compreensão de si mesma:
[...] suas próprias qualidades, sobre o que representa para os outros, sobre as consequências de seus atos, enfim, caminha na
direção da superação de uma autoconsciência afetiva (sente-se diferente dos demais) para uma autoconsciência racional (sabe-se diferente dos demais) (MARTINS, 2006, p.43).
Como dito, por haver no faz-de-conta fatores relacionados à personalidade,
graças ao desenvolvimento da consciência racional, a criança passará a buscar fins e
motivos para suas atitudes durante a atividade. O fundamento psicológico da brincadeira
passa a ser a adoção do imaginário como mediador na realização dos motivos que agora
existem no consciente da criança.
A brincadeira também influencia a compreensão, pela criança, das relações
afetivas nela representadas, os sentimentos. As experiências vivenciadas afetam
beneficamente a estrutura afetivo-motivacional da personalidade infantil, desenvolvendo
sua estabilidade, diante das ações e situações exercitadas. Consideramos que a imitação
presente na brincadeira é um processo que “[...] gesta, ao nível de desenvolvimento
funcional, a integração entre os motivos da atividade e sentimentos por ela mobilizados”
(MARTINS, 2006, p. 44).
Em uma situação frequentemente observada, por exemplo, a garotinha enrola a
boneca no pano porque ela está com frio. Nesse caso, o motivo é o frio, mas a situação
afetiva é demonstrada pela criança ao preocupar-se com a boneca, qualidade gerada na
brincadeira, mas que, experimentada desde a infância, mesmo que somente pela
representação, provavelmente se desenvolverá durante sua vida.
O desenvolvimento dos traços de caráter depende decisivamente das condições
de experiências e aprendizagem vivenciadas individualmente. Brincando, a criança lança -
8
se em desafios e busca formas de resolvê-los, o que exigirá dela uma série de habilidades
sociais e submetê-la-á a experiências de interação e socialização com o grupo que
participa da brincadeira, como: “coletivismo, autenticidade, humanismo, individualismo,
iniciativa pessoal, negligência etc.” (MARTINS,2006, p.46). Em tais ações, fluirão
atitudes subjetivas em formação como “autocrítica, autoestima, prepotência,
segurança/insegurança pessoal, expansividade, timidez etc.” (MARTINS, 2006, p.46).
Sendo assim, a brincadeira de faz-deconta contribuirá para que a criança aprenda a se
comportar e atuar em diversas situações, exercitando tipos de postura que ditarão seus
traços de caráter, interferindo, desde a infância, em sua compreensão dos comportamentos
aceitos socialmente.
Elkonin (1998) analisa que, na brincadeira, a criança passa para o mundo adulto,
com suas regras e normas, o que orienta seus traços do caráter, cuja formação moral se
integra às particularidades da personalidade do indivíduo, as quais futuramente
influenciarão as relações da vida familiar, profissional e afetivas. “As normas em que se
baseiam essas relações convertem-se, por meio do jogo, em fonte do desenvolvimento
moral da própria criança. [...] O jogo é a escola moral, não de moral na ideia, mas de
moral na ação.” (ELKONIN, 1998, p. 420-421).
Por meio das representações sociais, a criança não só imita, mas reflete o que
observa. Ao assumir um papel, sente-se na obrigação de cumprir os deveres
correspondentes. Quando reproduzidas, as regras observadas passam automaticamente a
ser assimiladas como parâmetros de valores que devem ser obedecidos, “contribuindo
para a construção de motivações sociais orientadoras de inúmeros traços de caráter, [...]
vivências associadas aos conteúdos morais que possibilitam a elaboração pessoal desses,
condição para que se consolidem como disposições da personalidade” (MARTINS, 2006,
p.47). Entende-se, assim, que as atitudes, antes copiadas, passam a fazer parte integral da
criança e de sua personalidade, o que propicia o automatismo no cumprimento das regras.
Como analisado, a constituição dos aspectos individuais relacionados à personalidade não
são fatores fragmentados, mas formadores da personalidade do indivíduo, em todas as
etapas do desenvolvimento, dependendo das relações às quais o sujeito é submetido desde
a infância.
Ao considerarmos a relevância do faz-de-conta qual atividade guia durante o
período pré-escolar, analisaremos qual o papel do professor qual mediador intenciona l
durante tal atividade.
9
3- A mediação intencional embasada na teoria Histórico-Cultural
Ao compreendermos, mediante embasamento teórico, o papel atribuído ao
ambiente escolar, de sistematização da educação e intencionalidade educacional das
objetivações culturais da humanidade, analisamos essa brincadeira como prática
pedagógica. Pasqualini (2013, P. 89), ao nomear o faz-de-conta de jogo
protagonizado,declara que “o jogo protagonizado eleva o conhecimento que a criança tem
da realidade social a um nível de compreensão consciente e generalizado.” Mas, salienta
que “não é qualquer brincadeira que de fato provoca o desenvolvimento psíquico”.
(PASQUALINI, 2013, P.89). Se no faz-de-conta a criança utiliza seu repertório social e
cultural para representar, a variedade ou restrição de temas, falas e ações durante a
brincadeira dependem das condições sociais e culturais dessa criança. Uma criança
estagnada social e culturalmente terá conteúdos empobrecidos, e seu desenvolvimento
psíquico, que seria garantido por meio do faz-de-conta, também estará estagnado. Nessa
questão, o papel da escola e do professor torna-se essencial. Pasqualini defende que,
é tarefa da escola de educação infantil ampliar o círculo de contatos com a
realidade da criança. É tarefa do professor transmitir à criança conhecimentos
sobre o mundo, não só porque a criança tem direito de conhecer o mundo em
que vive para além dos domínios estreitos de sua experiência individual, mas
porque esses conhecimentos serão justamente a matéria-prima da brincadeira
infantil. (PASQUALINI, 2013, p.90)
A autora ainda comenta que negar essa apropriação variada dos elementos
culturais e sociais à criança seria o mesmo que roubar dela possibilidades ampliadas de
desenvolvimento. O faz-de-conta no contexto escolar deve ser orientado por
embasamento teórico, por finalidades intencionais e conscientes, primando pela
apropriação cultural e do desenvolvimento psíquico, “cabendo ao professor não só
ampliar o conhecimento de mundo da criança, [...] mas enriquecer a atividade lúdica e
promover sua complexificação”. (PASQUALINI, 2013, p.91). No papel do profissiona l
de educação não admite-se um observador passivo. Não significa que o professor deva
interferir ativamente durante a brincadeira, devido ao caráter imaginativo que deve ser
incentivado. Porém, o mediador pode oferecer condições para proporcionar o
enriquecimento da brincadeira. Conforme especificado no Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998, p.49), a brincadeira deve ser
organizada em um espaço separado para essa atividade. Orienta que
10
Nesse espaço, pode-se deixar à disposição das crianças panos coloridos,
grandes e pequenos, [...] cordas, caixas de papelão para que as crianças
modifiquem e atualizem suas brincadeiras em função das necessidades de cada
enredo. [...] Podeser fixado um espelho de corpo inteiro, de maneira que as
crianças possam reconhecer-se, imitar-se, olhar-se, admirar-se. Pode-se, ainda,
agregar um pequeno baú de objetos e brinquedos úteis [...] um cabideiro
contendo roupas velhas de adultos ou fantasias. Fundamentais, também, são os
materiais e acessórios para casinha, tais como uma pequena cama, um fogão
[...], louças, utensílios variados. (BRASIL,1998, p.49)
Como mediador, além de prover subsídios materiais, como os citados acima, o
professor tem o papel de orientar o aluno sobre regras sociais, fazendo referências
pontuais a elas conforme surgirem oportunidades, no decorrer da brincadeira, até que
essas regras sejam naturalmente internalizadas pela criança. Segundo Elkonin,
O jogo também se reveste de importância para formar uma coletividade infantil
bem ajustada, para inculcar independência, para educar no amor ao trabalho,
para corrigir alguns desvios comportamentais [...] e para muitas coisas mais.
(ELKONIN, 1998, p.421).
Nesse processo de ensino-aprendizagem da criança pré-escolar, por meio da
brincadeira do faz-de-conta, “cabe ao educador conhecer a possibilidade de diferentes
recursos pedagógicos [...], buscar o conhecimento sobre o que faz e sobre por que motivo
o faz”. (RAU, 2011, p.38). Quanto maior o conhecimento e embasamento teórico do
adulto mediador, sobre os processos de construção da personalidade pela criança e a
influência da brincadeira sobre tais processos, mais proveitosas se tornarão suas
intervenções.
Em resumo, percebe-se que a função do mediador será a de organizar e orientar
a brincadeira para que, por seu intermédio, a criança assimile regras e princípios aceitos
social e culturalmente, os quais nortearão suas atitudes e suas ações ao longo da vida.
Após essas considerações, faz-se mister entender a brincadeira do faz-de-conta
como instrumento imprescindível ao desenvolvimento do psiquismo infantil, auxiliando
a criança em sua compreensão do mundo adulto em situações socioculturais e
fortalecendo vínculos afetivos e a formação de sua personalidade e moralidade.
A seguir, apresentamos a metodologia adotada para a fundamentação dos fatores
até aqui demonstrados.
11
METODOLOGIA DA PESQUISA
A metodologia utilizada na realização deste trabalho foi, inicialmente, a pesquisa
bibliográfica em livros e artigos científicos. Tal método procura recuperar o
conhecimento científico acumulado sobre um problema. Ao levantar as hipóteses sobre o
problema, Gressler (2003, p.132) enfatiza que essas devem ser “geradas em teorias, [...].
É por meio do conhecimento de estudos relacionados que o investigador aprende quais
os procedimentos e instrumentos que têm demonstrado ser eficientes ou não”
(GRESSLER, 2003).
Com esse foco, iniciamos a busca por autores que pesquisam o tema. O material
foi analisado e estudado minuciosamente para identificação do que era relevante. Após
tal fundamentação teórica, procuramos escrever um texto sobre o tema escolhido,
articulando constantemente as ideias que defendemos e nas quais acreditamos, baseados
nos autores que estudamos (MELO e URBANETZ, 2009, p.93-94).
Nos estudos dos procedimentos pedagógicos, interessou-nos principalmente a
área do desenvolvimento psicológico humano. As ideias sobre a brincadeira do faz-de-
conta na Educação Infantil, presentes em Rau (2011) e Arce (2006) orientaram a decisão
do aprofundamento no tema selecionado para este trabalho. Após a leitura de diversas
obras, foi feita a seleção de argumentos e citações de teóricos respeitados, que
aprofundaram nossa fundamentação pela relevância da brincadeira do faz-de-conta no
desenvolvimento psíquico do pré-escolar. Trata-se de uma pesquisa básica que objetiva,
de forma explicativa, gerar novos conhecimentos que possam ser úteis à área da educação.
Tal pesquisa “visa identificar os fatores que determinam ou contribuem para a ocorrência
dos fenômenos [...], a razão, o “porquê” das coisas”. (SILVA E MENEZES, 2001, p.21).
Por meio de uma abordagem qualitativa, considerando que há uma relação dinâmica entre
o ambiente social e o sujeito, buscou-se analisar a influência do meio no processo do
desenvolvimento infantil.
Após a conquista do aporte teórico e da fundamentação, projetamos uma
pesquisa exploratória em uma unidade escolar pública municipal no interior de São Paulo,
buscando:
A Geração de dados deu-se por meio dos instrumentos: observação sistemática
das situações de brincadeira do faz-de-conta nas situações livres (parque) e tarefas
intencionais propostas pela professora-mediadora durante a brincadeira denominada
"casinha da boneca";
12
Análise e interpretação dos dados ocorreu de acordo com materiais obtidos e
interpretados perante a fundamentação teórica.
Sujeitos da pesquisa:
Participantes da pesquisa: 25 crianças com idade entre quatro e cinco anos.
Turma nomeada Infantil IV e V. Unidade Escolar pública Municipal em uma cidade do
interior do Estado de São Paulo.
Na presente pesquisa exercemos o papel de pesquisadora participante.
Salientamos que nossa atuação na presente unidade escolar aconteceu motivada pela
substituição da professora efetiva pelo período de quatro meses. Nesse tempo em
exercício da docência, notamos que não havia um local apropriado à pratica do faz-de-
conta, nem instrumentos que possibilitassem tal atividade.
Situação desencadeadora: orientamos as crianças que uma vez por semana
trouxessem de suas casas brinquedos para organizarmos uma ação chamada de faz-de-
conta. Coletamos, também, alguns brinquedos e instrumentos de nosso acervo pessoal
para que a brincadeira fosse possibilitada.
De início sofremos resistência por parte da gestora da unidade, que proibiu que
as crianças trouxessem seus brinquedos, alegando que isso causaria desentendimentos.
Disse que em um depósito havia brinquedos, e constamos que estavam sujos e em péssimo
estado. Ao organizarmos os materiais, na medida do possível, iniciamos os momentos do
faz de conta. Por meio de doações, a cada semana aumentávamos os instrumentos.
Após observações sistemáticas, geramos considerações pertinentes à pesquisa.
RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS DADOS
Antes da promoção dos momentos de faz-de-conta observávamos que as
crianças imaginavam situações a todo momento, mesmo sem os instrumentos
apropriados. Após a organização dos momentos em local planejado e com a inserção dos
instrumentos, a euforia das crianças ficou evidente. Os repertórios foram ampliando-se,
nas falas, ações e relações representadas entre eles. Permitimos que eles sugerissem
outros locais, variando os ambientes. A esse respeito notamos que os temas e estratégias
de brincadeiras se modificaram, tornando-se cada vez mais ricas as situações lúdicas. Os
papéis sociais começaram também a serem alterados, de modo que as experiências sociais
e culturais ampliavam-se, surgindo oportunidades para mediarmos várias relações
conflitantes, oportunizando a apropriação de noções sócio-culturais.
13
Em conformidade com o aporte teórico, por meio das representações sociais
oportunizadas pelo faz-de-conta, a criança não só imita, mas reflete o que observa. Como
afirmado por Martins (2006), a amplitude e a complexidade do mundo humano são
detectadas pela criança, e o seu domínio e reestruturação ofertam a compreensão das
ações e atitudes desempenhadas pelos adultos. Ao assumir um papel, sente-se na
obrigação de cumprir os deveres correspondentes. Quando reproduzidas, as regras
observadas passam automaticamente a ser assimiladas como parâmetros de valores que
devem ser obedecidos, “contribuindo para a construção de motivações sociais
orientadoras de inúmeros traços de caráter, [...] vivências associadas aos conteúdos
morais que possibilitam a elaboração pessoal desses, condição para que se consolidem
como disposições da personalidade” (MARTINS, 2006, p.47).
Entende-se, assim, que as atitudes, antes copiadas, passam a fazer parte integral
da criança e de sua personalidade, o que propicia o automatismo no cumprimento das
regras. No direcionamento da atividade principal, quando enriquecida, potencializa o
desenvolvimento da personalidade e de outras funções psíquicas superiores.Durante os
momentos desfrutados pelas crianças no faz-de-conta planejado e organizado,
evidenciou-se a veracidade dessas afirmações.
Nesse aspecto, percebe-se a relevante atuação do professor, que tem a função de
mediador, de orientar a brincadeira para que, por seu intermédio, a criança assimile regras
e princípios aceitos social e culturalmente, os quais nortearão suas atitudes e suas ações
ao longo da vida.
O faz-de-conta no contexto escolar deve ser orientado por embasamento teórico,
por finalidades intencionais e conscientes, primando pela apropriação cultural e do
desenvolvimento psíquico, “cabendo ao professor não só ampliar o conhecimento de
mundo da criança, [...] mas enriquecer a atividade lúdica e promover sua
complexificação” (PASQUALINI, 2013, p.91). Nesse âmbito, o papel do profissional de
educação não admite-se um observador passivo. Além de proporcionar o conhecimento
de mundo, o mediador pode oferecer condições para proporcionar tanto a brincadeira
como o enriquecimento da mesma.
Após as explanações dos conteúdos acima apresentados, é possível elaborar
algumas considerações a respeito desse tema.
14
CONSIDERAÇÕES
Considerando a brincadeira como atividade principal na infância, buscamos
investigá- la como elemento potencializador na formação e no desenvolvimento da
personalidade infantil. Neste estudo, na brincadeira do faz-de-conta, foi considerado,
além do prazer e entretenimento que provoca, o caráter do desenvolvimento do psiquismo
que engendra.
Vincular às crianças os valores e relações aceitos pela sociedade é um processo
gradual em que a brincadeira se torna protagonista. Durante a brincadeira, a criança utiliza
a imaginação, criando e recriando a vida à sua maneira, expondo seus sentimentos e
consciência relacionados aos motivos que provocam os repertórios da ação.
Desse modo, procuramos demonstrar várias particularidades que contribuem
para a formação da personalidade, que inicia seu processo nas tramas de relações sociais
das quais a criança participa. Por meio da consciência conquistada, a criança de três a
seis anos inicia sua compreensão de si e de seu meio social. Pelos motivos e sentimentos,
realiza objetivações ao brincar e apresenta controle de impetuosidade, intensidade e
solidariedade com os pares. Revela, também, traços de caráter que estão em formação.
Quando a criança imita os adultos, conhecemos as vivências e experiências sociais das
quais participa.
Por todas as especificidades e potencialidades observadas na brincadeira do faz-
de-conta, procuramos salientar que entre as objetivações dessa ação está a formação da
personalidade infantil. Sendo assim, durante o brincar na escola, o professor mediará a
ação para que seja uma proposta efetiva e resulte em repertórios adequados, pois este
conhece o sentido e a importância dessa prática para o desenvolvimento psíquico infanti l.
Diante dessas considerações, relatamos algumas vivências em uma unidade
escolar e como o faz-de-conta foi promovido. De acordo com os resultados, confirma mos
nossa hipótese inicial de que a brincadeira do faz-de-conta contribui para a formação da
personalidade, já que as crianças expressam sua cultura e relações históricas, revelando
níveis de consciência, motivos, sentimentos e traços de seu caráter quando brincam, e
evidenciou-se o papel mediador imprescindível do professor, em proporcionar a atividade
que desencadeará um desenvolvimento efetivo em idade pré-escolar, o faz-de-conta.
15
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação e do desporto. Secretaria de Educação
Fundamental.Referencial curricular nacional para educação infantil. V.2. Brasília :
MEC/SEF; 1998.
ELKONIN, D. Psicologia do jogo. São Paulo, Martins Fontes, 1998.
_______. La psicologia evolutiva y psicológica em La URSS. (Antologia). Moscou:
Editoral Progresso, 1987. 15
FACCI, M. G. D. Os estágios do desenvolvimento psicológico segundo a psicologia
Sociohistórica. In, Brincadeira de papéis sociais na educação infantil. São Paulo,
Xamã, 2006.
GAMBA, L. M. F. A formação continuada de professores na perspectiva histórico-
cultural: Reflexões a partir de uma experiência na educação infantil. 2009.185 f.
Dissertação (Mestrado em Educação)-Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade
Estadual Paulista, Marília, 2009 .
GRESSLER, L. A. Introdução à Pesquisa – Projetos e Relatórios. 2ª Edição. São
Paulo: Loyola, 2003.
LEONTIEV, A. Uma contribuição à teoria da psique infantil. In: VIGOTSKII, L. S.;
LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São
Paulo: Ícone, 2006. p. 59-84.
MARTINS, L. M. A brincadeira de papéis sociais e a formação da personalidade. In,
Brincadeira de papéis sociais na educação infantil. São Paulo, Xamã, 2006.
MUKHINA, V. Psicologia da idade pré-escolar. São Paulo, Martins Fontes, 1995.
MELO, A. e URBANETZ, S. T. Trabalho de conclusão de curso em pedagogia.
Curitiba, Ibpex, 2009.
PASQUALINI, J. C. Periodização do desenvolvimento psíquico à luz da escola de
Vigotiski: a teoria Histórico-Cultural do desenvolvimento infantil e suas implicações
pedagógicas. In MARSIGLIA. A. C. G. Infância e Pedagogia Histórico-Crít ica.
Campinas: Autores Associados, 2013
RAU, M. C. T. D. A ludicidade na educação: uma atitude pedagógica. Curitiba, Ibpex,
2ª edição, 2011.
SILVA, E. L; MENEZES, E. M. Metodologia da pesquisa e elaboração de dissertação.
3. Ed. Florianópolis; Laboratório de ensino à distância da UFSC, 2001.
VIGOTSKI, L. Formação social da mente, o desenvolvimento dos processos
psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2000.