o expoente comanda a vida !

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O expoente 3 4 comanda a vida ! Luis Gustavo Mendes Tour da Matemtica - UFRGS - abril 2010 – p. 1/49

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O expoente34 comanda a vida !

Luis Gustavo Mendes

Tour da Matemtica - UFRGS - abril 2010 – p. 1/49

Metabolismo x massaQuestão 1: Quem produz mais calor ao longo de dia,estando em repouso, um homem ou um rato ?

Questão 2: Quem tem a maior taxa de produção decalor por unidade de peso, um homem ou um rato ?

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Metabolismo versus massaOs biólogos se interessam pela relação entre ocrescimento damassa corporale o crescimento dometabolismo basaldos organismos vivos.

O metabolismo basalB é o consumo de oxigênio porunidade de tempo (medido em kcal/dia).

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Rubner - 1883• É preciso haver uma superfície de áreaA para as

trocas deO2 entre o organismo e o ambiente. Ouseja

B = τ1 · A,

(τ1 constante que não depende da massa).• Por outro lado, a massa corporalM verifica

M = τ2 · V .

• MasA = τ3 · L2 enquantoV = τ4 · L

3, ondeL éuma medida de comprimento.

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RubnerOu seja

B = τ5 · L2 e M = τ6 · L

3.

Conclusão: não há Aranha - Godzilla !

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Escalas log/logA massa de um elefante é1021 vezes a massa de umaameba.

Por isso, quando se plotaM versusB se usalog10(M)versuslog10(B).

Pois então se poder desfrutar da propriedade:

log10(ak) = k · log10(a).

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Um experimento

Escolha um grupo de seres vivos qualuer. Depreferência com bastante variabilidade de massacorporal.

Suponha que voce tem então sua lista

( log10(Mi), log10(Bi) ), i = 1...k

e plote esse pontos.

Trace a Retay = a0 · x + b0 que minimiza a soma dosquadrados das distâncias verticais até essesk pontos.

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Reta de ajustePara isso considere:

φ(a, b) :=k∑

i=1

( a · log10(Mi) + b − log10(Bi) )2,

e resolva as duas equações em(a, b):

∂φ

∂a=

∂φ

∂b= 0.

(note que isso é fácil, pois são duas equaçõeslinearesem(a, b)).

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Kleiber - 1947Se verificaexperimentalmente(parak suficientementegrande, etc) que:

O coeficiente angulara0 da reta de ajuste não dependedo grupo de seres vivos escolhidos e vale:

a0 =3

4.

Obs.: Como3

4< 1 há uma lentificação do

metabolismo à medida que a massa corporal aumenta.

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EvidênciasM. Kleiber se baseia numa tabela dek = 26 pontos,com MassaM dada em kg eB dado em kcal/dia.

Da sua tabela: camundongo(M, B) = (0.021, 3.6),gato(M, B) = (3, 162) e vaca(M, B) = (435, 8166).

Usando sua tabela, se obtém (conferi !)

a0 = 0.7497881511 ∼3

4.

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EvidênciasNo livro de Dawkins (2004) a lei de Kleiber éaplicada em três grupos:

• organismos unicelulares,• organismos de sangue frio e• de sangue quente.

Aí se vê que os coeficientes linearesb0 das retas deajuste mudam bastante.

Além disso ele usa a lei de Kleiber para estudar outracorrelação:massa cerebralversusmassa corporal.

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Lei de KleiberDas retas de ajustelog10(B) = 3

4log10(M) + b,

obtemos:B = 10b · M

34 = τ · M

34 .

Vou introduzir a notação

B ∝ M34

para expressar a Lei de Kleiber.

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Gráficosy = x (vermelho),y = x

23 (verde) ey = x

34 (amarelo).

10

6

8

4

2

x

8 1062 4

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WBEAté 1997 não havia nenhuma justificaçãoteóricadalei experimentalde Kleiber.

Então o físico West e os biólogos Brown e Enquisttrataram deprovara lei de Kleiber, em artigopublicado na Revista Science.

A idéia deles foi de que aeficiência de um sistemametabólicoestá intimamente relacionada àeficiênciado sistema respiratório/circulatório.

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WBEA "demonstração"’ deles se baseou em:

• hipóteses sobre a geometria do sistemacirculatório.

• hipóteses da física de fluidos, sobre a eficiênciado processo de distribuição (ou seja, minimizaçãodas perdas, resistência, etc)

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ImpactoWEB teve um grande impacto. Em 2004, R. Dawkinsdiz:

(...) A Lei de Kleiber, seja para plantas, animais ou atémesmo no nível do transporte dentro de uma únicacélula, encontrou finalmente sua base racional. Elapode ser derivada da física e da geometria das redesde suprimento.(...)

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CríticasNo entanto, houve críticas. Fora debates sobre as"contas"que fizeram, criticou-se

• que há hipóteses fortes sobre a geometria dossistema circulatório (algumas retomaremos maisadiante)

• que o postulado de eficiência do sistemacirculatório parece sugerir que a Evolução jáacabou, já estaríamos otimamente adaptados ...

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EAOO artigo de Etienne, Apol e Olff, de 2006, esclarecequais as suposições de WBE, destaca pontos obscurosde WBE e permite dar uma versão "light"’ de WBE.

Seguirei EAO, mas visando apenas explicar algumasdas muitas idéias de WBE, aquelas que dispensam afísica dos fluidos.

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Hipótese 1Hip. 1: Os sistemas circulatórios sãoárvores, onde:

• Cada ramo de ordemk pode ser considerado umcilindro, de comprimentolk, cuja base é um discode raiork.

l _k

r _k

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Hipótese 1• Há1 =: N1 ramo de ordem1 (aaorta), que se

subdivide emν1 ≥ 2 ramos de ordem2,• cada ramo de ordemk se subdivide emνk ≥ 2

ramos de ordemk + 1. HáNk ramos de ordemk.

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Hípótese 1• Observe que

Nk =Nk

Nk−1

· . . . ·N2

1= νk−1 · . . . · ν1

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Capilares• o processo de ramificação da aorta em artérias e

depois arteríolas continua até ramos finais,chamados decapilares.

• cuja ordem na ramificação será designada porC ecujo número total seráNC .

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Capilares• Saiba que as paredes dos capilares são

unicelulares ! 0 diâmetro externo de um capilar éde5 a10 µ m (micrômetros,10−6m).

• Nos capilares se dão os processos físicos comodifusão, osmose, etc. Através dos quais oxigênio/ nutrientes passam para os tecidos enquanto gáscarbônico/ dejetos passam para o sangue.

• esses dados dos capilares são praticamenteuniversais.

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Capilares• Se sabe que no ser humano há≈ 20 bilhões de

capilares.• As hemáceas humanas tem8 µ m de diâmetro.

Para trafegarem pelos capilares elas formam filaindiana !

• Para se ver o grau de ramificação do sistemacirculatório, a aorta de uma baleia pode chegar a23 cm de diâmetro.

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Relação com os CapilaresComoνk := Nk+1

Nk

, defino analogamente:

λk :=lk+1

lke ρk :=

rk+1

rk.

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Relação com os capilaresNote que vale

rk · ρk · ρk+1 . . . · ρC−1 = rk ·rk+1

rk· . . . ·

rC

rC−1

= rC ,

Ou seja:

rk =rC∏C−1

i=k ρi

e exatamente do mesmo jeito se obtém:

lk =lC∏C−1

i=k λi

e Nk =NC∏C−1

i=k νi

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VolumesImagine cada ramo cheio de sangue ou de seiva(sistema não-pulsátil ...).

Considereπr2k · lk o volume de cada ramo de ordemk.

A soma de todos os volumes de ramos de nívelk éportanto:

Vs,k := Nk · (πr2

k · lk) = πNC · r2

C · lC∏C−1

i=k νi ρ2i λi

.

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Volume totalLogo o volume total no sistema

Vs :=C∑

k=1

Vs,k

é:

Vs = π NC · r2

C · lC · (C∑

k=1

1∏C−1

i=k νi ρ2i λi

).

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S1

Chame

S1 :=C∑

k=1

1∏C−1

i=k νi ρ2i λi

.

Com essa notação temos:

Vs = πNC · r2

C · lC · S1.

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Ak eEk

Considere

• Ak o quociente das somas de áreas de seçõestransversas dos ramos

• Ek o quociente de somas de volumes de esferascujos diâmetros são o comprimento dos ramos.

Ak :=Nk+1 πr2

k+1

Nk πr2k

= νk · ρ2

k,

Ek :=Nk+1

4

3π( lk+1

2)3

Nk4

3π( lk

2)3

= νk · λ3

k.

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Esferas servidasEssa esferas de volume4

3π( lk

2)3 serão osvolumes

servidos pelos ramos.

l _k

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S2

E agora defino outra grandeza:

S2 :=C∑

k=1

1

N1/3

k

∏C−1

i=k Ai · E13

i

,

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S1 eS2

Afirmação:

S1 = N13

C · S2

(só usar as definições).Portanto:

Vs = π N43

C · r2

C · lC · S2.

Ou seja:

NC = (Vs

π r2C · lC · S2

)

34

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Hipótese 2Essa hipótese faz mais sentido em sistemasnão-pulsáteis, mas a tomo para simplicar a exposição:

Hip. 2 O metabolismo basalB é proporcional aofluxo total pela aortaQ1:

B = τQ1,

onde a constanteτ não depende da massaM .

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Hipótese 2Se pode mostrar que aincompressibilidadedo fluido(sangue/seiva) implica:

Q1 = NkQk, ∀k = 1, . . . C,

ondeQk é fluxo em cada ramo de ordemk.Logo:

B = τNCQC

ondeQC é o fluxo por cada capilar.

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Hipótese 3Obtemos da expresão anterior deNC :

B = τQC(Vs

π r2C · lC · S2

)

34

.

Em mamíferos, o volume de sangue ocupa6 − 7Há evidências experimentais para:

Hip. 3 Vs = ηM , ondeη nãodepende da massaM .Ou seja:

B ∝ QCM

34

(r2C · lC · S2)

34

.

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Hipótese 4O caráter universal dos capilares:

Hip. 4 As grandezasQC , rC , lC não dependem damassaM .

• Ou seja, os dados dos capilares de uma baleia ede um rato são essencialente os mesmos !

• Deve estar ligado ao fato de que, a partir doscapilares, o sistema de distribuição só se baseiaem processos físicos universais, como a difusão.

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S2 versusM

Ou seja, agora:

B ∝M

34

(S2)34

.

EAO dão argumentos no sentido de que a dependênciaentreS2 eM é negligenciável, o que concluiria adedução da Lei de Kleiber.

Mas eu gostaria de seguir a exposição na linha doargumento original de WBE, pondo hipóteses (fortes)extra.

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Hipótese 5A suposição a seguir está ligada à diminuição daresistência ao fluxo de sangue/seiva:

Hip. 5 A soma dasáreas das seções transversaisépreservada a cada ramificação.

Ou seja :

Ak = 1, ∀k = 1, . . . , C.

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Hipótese 6A hipótese a seguir diz que a soma de volumes deesferas servidas permanece constante:

Hip. 6 As quantidadesNk ·4

3π( lk

2)3 são preservadas

nas ramificações.

Ou seja:Ek ≡ 1, ∀k = 1, . . . C.

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CríticasEsta última hipótse deu origem a muita controvérsia.

Como mostra EAO, as Hipóteses 5 e 6 são fortes, maspoderiam ser enfraquecidas pois em

S2 =C∑

k=1

1

N1/3

k

∏C−1

i=k Ai · E13

i

,

osAi eEi podem se compensar, mesmo que mudem acada etapa.

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Hipótese 7Com as Hipóteses 5 e 6,S2 se reduz a:

S2 =C∑

k=1

Nk−1/3.

A hipótese a seguir diz que ou sempre há dicotomias,ou sempre tricotomias , etc:

Hipótese 7:νk = ν, ∀k = 1, . . . , C (onde o Natural

ν ≥ 2 não depende deM ).

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Número de ramificaçõesPortanto da Hipótese 7,

Nk = νk−1, k = 1 . . . C.

Por exemplo, em seres humanos,NC ≈ 2 × 1010, deonde obtemos:

ν = 2 ⇒ C ≈ 35 e ν = 3 ⇒ C ≈ 22.

Ou seja, chegamos da aorta ao capilar em35dicotomias !Ou chegamos da aorta ao capilar em22 tricotomias !

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Soma geométricaEntãoS2 se transforma em soma geométrica:

S2 =C∑

k=1

Nk−1/3 =

=C∑

k=1

ν−(k−1)

3 =

=1 − ν

−C

3

1 − ν−13

.

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S2 como função deCAgora precisamos ver que a dependência entreS2 e

o número de níveisC énegligenciável.

Vamos plotarS2 = S2(C), bem como a assíntotahorizontal:

y = limC→+∞

1 − ν−C

3

1 − ν−13

=1

1 − ν−13

,

(ondeν−13 < 1).

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y = S2(C), para ν = 2

4

2

3

1

x

351510 305 20 25

Note que a escala no eixoy é menor que no eixox.Tour da Matemtica - UFRGS - abril 2010 – p. 46/49

y = S2(C), para ν = 3

15

3

2

105

1,5

1

x

20

2,5

Note que a escala no eixoy é menor que no eixox.Tour da Matemtica - UFRGS - abril 2010 – p. 47/49

ConclusãoA velocidadecom queS2 = S2(C) se aproximam dolimite é o que EAO consideram adependêncianegligenciávelentreS2 eC.

E obtemos de

B ∝M

34

(S2)34

o resultado:B ∝ M

34 .

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Referências• R. Dawkins, A grande história da Evolução,

Companhia das Letras, 2009.• M. Kleiber, Body size and metabolic rate,

Physiological Reviews, vol. 27, n.4 , 1947.• J. West, J. Brown, B. Enquist,

A general model for the originof allometric scaling laws in biology, Science,1997.

• R. Etienne, M. Apol, H. Olff,Demystifying West, Brown, Enquist modelof the allometry of metabolism, FunctionalEcology, 2006.

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