o exercício e o lucro da piedade
TRANSCRIPT
2
O Exercício e o
Lucro da Piedade
Título original: The Exercise and Profit of
Godliness
Por J. C. Philpot (1802-1869)
Traduzido, Adaptado e
Editado por Silvio Dutra
Mar/2017
3
P571
Philpot, J. C. – 1802-1869 O exercício e o lucro da piedade / J. C. Philpot (1802- 1869) Tradução , adaptação e edição por Silvio Dutra – Rio de Janeiro, 2017. 30p.; 14,8 x 21cm Título original: The Exercise and Profit of Godliness 1. Teologia. 2. Vida Cristã 2. Graça 3. Fé. 4. Alves, Silvio Dutra I. Título CDD 230
4
"Exercita-te a ti mesmo na piedade. Pois o
exercício corporal para pouco aproveita, mas a
piedade para tudo é proveitosa, visto que tem a
promessa da vida presente e da que há de vir."
(1 Tim. 4: 7, 8)
O homem foi chamado, e talvez com alguma
verdade, um ser religioso. De qualquer modo, a
religião de algum tipo parece quase
indispensável à sua própria existência; pois
desde a nação mais civilizada até a tribo mais
bárbara sobre a face da terra, encontramos
alguma forma de religião praticada. Se isto se
enraíza na própria constituição do homem, ou
se é recebido pelo costume ou pela tradição,
não vou fingir decidir; mas que algum tipo de
religião é quase universalmente predominante,
é um fato que não pode ser negado.
(Nota do tradutor: Deus criou o homem para ser
adorado por ele, e assim há uma inclinação
natural em toda pessoa para a adoração.
Todavia, quando falta o verdadeiro
conhecimento de Deus esta adoração é
direcionada para falsos deuses ou mesmo para
pessoas e objetos que são constituídos como
ídolos para serem adorados, e isto pode ser
5
visto até mesmo naqueles que afirmam não crer
na existência de Deus. A sua inclinação para
adorarem algo supremamente testifica que
apesar de negarem a Deus com a boca,
confirmam que foram de fato por Ele criados
uma vez que manifestam esta tendência para a
adoração.)
Mas, não há religião verdadeira, assim como
falsa religião? Se o grande volume da
humanidade está envolto numa falsa religião,
não há um "remanescente segundo a eleição da
graça", que possui a verdadeira? Será que essa
promessa falhou em sua realização: "Chegarão
e anunciarão a justiça dele; a um povo que há
de nascer contarão o que ele fez."? (Salmo
22:30). O Senhor Jesus Cristo ainda não reina à
direita de Deus, cheio de dons e graça? E ele não
prometeu estar com sua igreja e povo até o fim
do mundo? Assim, embora seja perfeitamente
verdade que o grande volume da humanidade
segue após as sombras, contudo existem
alguns cujas almas estão realmente atentas à
substância. Se há aqueles que estão dispostos a
acreditar em uma mentira, há aqueles que
amam a verdade; e se há aqueles que adoram o
que eles não conhecem, ainda há "a verdadeira
6
circuncisão, que adora a Deus no espírito, se
alegra em Cristo Jesus, e não tem confiança na
carne".
Penso que encontramos esses dois tipos de
religião, falsa e verdadeira, terrena e celestial,
carnal e espiritual, natural e sobrenatural,
discriminados nas palavras que temos diante de
nós. Pois parece que o Apóstolo chama a
religião falsa de "exercício físico", e diz a
Timóteo que esse exercício corporal "para
pouco aproveita"; e por meio de um contraste
com esta falsa religião, esse exercício corporal
que "pouco aproveita", o exorta a "exercitar-se
na piedade", assegurando-lhe que "a piedade é
proveitosa para todas as coisas, tendo
promessa da vida que agora é, e daquela que há
de vir."
Nosso texto, então, se divide em dois ramos.
I. "Exercício corporal", que "para pouco
aproveita". E,
II. "Piedade", que é "proveitosa para todas as
coisas, tendo a promessa da vida que agora é, e
da que há de vir".
7
I. Exercício corporal, que para pouco aproveita.
Mas, por que o Apóstolo deveria aplicar o termo
"exercício corporal" à falsa religião? O que há na
expressão que parece descritiva de sua
natureza? Vamos examiná-la até o fundo e ver
se ela não é descritiva de uma religião da qual
Deus não é a origem nem o fim.
Por "exercício corporal", então, entendo o
emprego de nossas meras faculdades naturais
no serviço e adoração de Deus. E se você olhar
para a religião falsa em suas várias formas e
sombras, você verá o quanto há nela deste mero
"exercício físico". Veja, por exemplo, os
sacerdotes de Baal, cortando-se com lancetas,
gritando de manhã à noite: "Ó Baal, ouça-nos!"
E pulando sobre o altar que haviam feito. O que
era isso, senão "exercício físico"? Olhe para os
fariseus no Novo Testamento, orando nos
cantos das ruas, fazendo amplos seus
filactérios, deixando com ostentação seus dons
no tesouro, subindo ao templo em certas horas,
jejuando em certos dias e escrupulosamente
dando dízimos de hortelã, anis e cominho. O
que era isso, senão "exercício físico"? Olhe para
todas as formas e cerimônias do Papismo; as
reverências, adorações, genuflexões, mudanças
8
de roupa, jejuns e maceração do corpo. O que é
tudo, exceto "exercício físico"? Olhe para o
Puseísmo, que observa certos dias, horas,
vestimentas, posturas do corpo, cantos e
entoações, murmúrios, e meros movimentos
exteriores de órgãos corporais, e todos
derivando sua suposta virtude do toque
consagrado, o "exercício corporal" da mão de
um bispo.
Não é tudo isso mero "exercício físico"? Nada
tendo de espiritual, celestial ou divino? E não
somente estes, mas a grande maioria dos
professantes em geral, que discordam das
tradições meramente humanas e seguem um
culto mais bíblico, não é a religião deles
frequentemente composta de "exercício
corporal"? Eles exercitam seus pés andando a pé
até a capela; eles exercitam sua voz cantando;
seus ouvidos em ouvir; a língua na conversação;
os joelhos na genuflexão; eles exercitam
também seus olhos ao ler os hinos, ou os
cotovelos em cutucar o sono; eles exercitam
suas mãos talvez em dar; mas, em tudo, é
apenas "exercício físico". Tudo isso talvez sendo
feito por milhares, sem um grão da graça de
Deus em suas almas.
9
Mas, o "exercício físico" também pode ser
entendido como compreendendo o exercício de
faculdades mentais, bem como corporais.
Assim, há o exercício do entendimento na
compreensão da Palavra de Deus; o exercício do
julgamento sobre os dons ou habilidades do
pregador; o exercício da memória ao recordar
textos e sermões; o exercício das afeições em
receber a Palavra com alegria; o exercício da
consciência, como lemos sobre aqueles que
foram "condenados pela sua própria
consciência"; e dos gentios, "a sua consciência
também testemunhando, e os seus
pensamentos entretanto acusando ou
desculpando uns aos outros." (Romanos 2:15).
E, no entanto, todo esse exercício é meramente
mental e intelectual. Os homens não são
necessariamente participantes da graça,
embora exercitem seus corpos para chegar a
um lugar de verdade, ou exercitar suas mentes
em ouvir o que é entregue a partir do púlpito.
O apóstolo diz sobre esse "exercício físico" (pelo
qual compreendo o exercício do corpo e da
mente juntos, como algo distinto e separado da
graça de Deus na alma); que, "para pouco é
proveitoso". "Ele lucra pouco". Ele somente
10
aproveita enquanto ele dura. Ele beneficia o
corpo, mas não beneficia a alma. Pode
beneficiar o intelecto, mas não beneficia o
coração. Beneficia para o tempo, mas não para
a eternidade. Beneficia para as impressões
momentâneas, mas não para a salvação eterna.
Beneficia por uma hora ou por um dia; mas não
beneficiará no leito da morte, no juízo ou numa
eternidade sem fim. Pode ter valor para reprimir
convicções, endurecer o coração, prender a
consciência, amortecer os sentimentos,
encerrar a alma numa profissão sem a graça.
Pode-se lucrar até agora (se a palavra "lucro"
pode aqui ser usado consistentemente com o
significado do termo), mas "pouco aproveita", e
lucra por um pouco de tempo, pois "o fim
dessas coisas é a morte".
Agora, quando você olha para a sua religião,
analise-a, avalie-a e considere-a; você não
consegue encontrar muito deste "exercício
físico" inerente a ela e combinado com ela? E
aqui reside, de fato, uma coisa que muitas vezes
deixa a mente perplexa e a consciência de um
verdadeiro participante da graça, que embora
tenha piedade vital, ele tenha tanto deste
"exercício físico" com ele. Na verdade, toda a
11
religião que não é forjada em sua alma de
tempos em tempos, pelo poderoso poder de
Deus é apenas "exercício corporal". Como então
temos uma grande parte da religião que não é
de Deus e, portanto, nada além de "exercício
físico" (e a consciência de um filho de Deus só
pode receber a religião que é operada em seu
coração por um poder divino), acontece que,
quando ponderamos nossa religião nas escalas
do santuário, somos obrigados a escrever
"Tekel" (pesado na balança e achado em falta)
talvez em nove décimos.
Isso deixa perplexo o julgamento, exercita a
mente e tenta a alma de muitos do povo de
Deus; porque eles, tendo a luz para ver, a vida
para sentir, o juízo para compreender, afeições
para abraçar e uma consciência para receber,
senão o que é de Deus, suas mentes estão
perplexas com a estranha mistura de "exercício
físico" com piedade vital e espiritual. Mas há
essa distinção entre o filho de Deus e aquele
que está completamente envolvido no "exercício
corporal", de que um homem que não tem nada
além de "exercício corporal" está satisfeito com
ele; não tem ânsia de nada melhor, celestial ou
divino; enquanto um filho de Deus conta toda a
12
sua justiça como trapos imundos, atropela toda
a sua falsa religião, assim como as suas próprias
obras, e não se satisfaz senão com aquilo que a
mão de Deus deposita no seu coração e a boca
de Deus fala à sua alma.
II. A piedade, que é proveitosa para todas as
coisas. Mas, passamos ao nosso segundo
ponto, que é considerar essa "piedade", que é
tão eternamente distinta do "exercício físico",
que lucra pouco; e da qual o apóstolo diz, é "útil
para todas as coisas".
Mas, o que é "piedade"? Devemos distinguir
entre "piedade" e "exercício de piedade”. O
Apóstolo faz essa distinção. Ele diz a Timóteo:
"Exercita-te na piedade, porque a piedade é
proveitosa para todas as coisas". Ele, portanto,
estabelece uma distinção entre "piedade" e um
"exercício" na piedade. Vamos primeiro, então,
ver o que é "piedade", e então seremos mais
capazes de ver o que é "exercício" na piedade.
Por "piedade", então, devemos entender o que
vem imediatamente do céu; aquilo de que o
próprio Deus é o autor; que "desce do Pai das
luzes, em quem não há variação, nem sombra
13
de variação". (Tiago 1:17). O Senhor Jesus é "o
autor", que é o iniciante, bem como "o
consumador da fé"; e da "boa obra" que Deus
prometeu cumprir, é dito também ser "iniciada"
por ele. Todo grão, portanto, de verdadeira
religião, toda centelha de piedade vital, vem
direta e imediatamente de Deus.
Mas, essa "piedade" tem ramos, partes, graças,
dons, ensinamentos e operações ligados a ela.
Porque a piedade é um assunto muito amplo;
abraça toda a obra da graça do primeiro ao
último, desde o primeiro suspiro de convicção
até o último aleluia de um santo partindo. A
piedade abarca toda a obra do Espírito; e já que
o trabalho é tão abrangente e diversificado,
deve ser um assunto muito extenso.
Compreende arrependimento, fé, esperança,
amor, oração, humildade, contrição,
quebrantamento, paciência; em uma palavra,
todo ato do Espírito abençoado sobre a alma e
todo fruto que brota da ação do Espírito Santo
sobre o coração.
Mas, a principal coisa que o Apóstolo dirige a
seu filho Timóteo, e a qual desejo dirigir às suas
mentes, é o "EXERCÍCIO" da piedade. A piedade
14
às vezes parece estar ainda no coração. Está lá,
mas sem muito movimento aparente. A vida de
Deus nunca morre na alma; mas tem os seus
rebentos e fluxos, as suas pulsações, os seus
movimentos, os seus despertares, os seus
desejos, os seus sentimentos, os seus atos, as
suas saídas, as suas condições. Esta é a vida da
religião na alma. De fato, só sabemos que
somos participantes da piedade ao sentir o
exercício dela no coração.
O exercício, também, da piedade é conhecido
pela oposição que encontra. Toda graça da alma
é de vez em quando atraída para o exercício;
mas é atraída geralmente pela oposição feita a
ela, pelas dificuldades que tem que superar,
pelos inimigos que tem que encontrar, pelos
conflitos que tem que atravessar. E como o
corpo só é mantido saudável pelo exercício;
como um homem pode ficar deitado na cama
até morrer nela por falta de exercício, então a
religião deve ser continuamente exercitada para
que a alma possa estar viva e saudável para
Deus. Todos os frutos e graças do Espírito
estão, por assim dizer, ficam estagnados na
alma, exceto na medida em que são levados a
um exercício vivo, individual e ativo.
15
A. Examinemos um pouco mais de perto essas
várias graças, e vejamos como elas são levadas
ao exercício.
1. Há a graça do arrependimento, a tristeza pelo
pecado, o santo luto pelas iniquidades do nosso
coração, lábios e vida. Mas não é esta tristeza
santa, essa contrição, este arrependimento, este
luto pelo pecado? Esta graça do Espírito não está
estagnada, por assim dizer, e adormecida na
alma? Tem então que ser extraída, e ser
exercitada. E é de vez em quando atraída para o
exercício, como Deus tem o prazer de colocar
sobre nossas consciências a sujeira e culpa, o
peso e carga do pecado; para colocar diante de
nossos olhos o Senhor Jesus Cristo em seus
sofrimentos no madeiro do Calvário; ou para
derreter e suavizar o nosso coração com alguns
toques suaves do Espírito; e assim fazer-nos
sentir o arrependimento. Aqui está o exercício
do arrependimento.
2. Assim com a fé. Você pode ter fé; e sem
dúvida há aqueles a quem me dirijo que a
possuem. Mas não está esta preciosa graça e
dom da fé muitas vezes, por assim dizer, em
suas almas tão adormecida, que você não pode
16
despertá-la? Tão estagnada, que você não pode
movê-la? Mas, o Senhor se deleita de tempos em
tempos, colocando as coisas eternas com peso
e poder sobre a consciência, aplicando alguma
verdade ao coração, visitando a alma com seu
Espírito e graça, colocando Jesus diante dos
olhos, dirigindo nossos desejos para si mesmo;
o Senhor fica satisfeito em chamar em exercício
esse princípio latente de fé, que antes estava
enterrado e escondido no peito. É atraído para
o exercício; olha para Jesus, crê e paira sobre o
Senhor Jesus Cristo. Ele recebe de sua plenitude;
ele vem a ele pobre, necessitado, nu, fraco,
desamparado, e recebe força para acreditar em
seu nome; olhar para ele; e lançar-se totalmente
sobre ele.
Olhe para Jonas no ventre do grande peixe,
quando ele chora como se fosse do próprio
ventre do inferno; como achamos a fé sob os
exercícios de sua alma; "Mas eu voltarei a olhar",
diz ele, "para o seu santo templo!"
Olhe para Ezequias em cima de seu leito de
enfermidade e, para seus sentimentos, no leito
da morte; como ele se virou para a parede e
clamou: "Lembra-te agora, ó Senhor, peço-te, de
17
que modo tenho andado diante de ti em
verdade, e com coração perfeito, e tenho feito o
que era reto aos teus olhos."
Olhe para Davi através de todas as suas diversas
tribulações, aflições e perseguições; como seus
olhos e coração continuamente erguiam a fé
para o Senhor e descansavam inteiramente
sobre ele! E, de fato, Deus coloca seu povo de
vez em quando em tais situações e
circunstâncias difíceis, em que eles não têm
mais ninguém para olhar. Eles não têm outra
ajuda, abrigo ou refúgio; mas por pura
necessidade são obrigados a lançar suas almas
sobre Aquele que é capaz de salvar. E nisso
frequentemente encontramos o exercício da fé.
3. Assim, com o exercício da esperança. Como
o pobre filho de Deus afunda, às vezes, em tal
angústia e desânimo que quase não lhe resta
mais um grão de esperança!
Quando Satanás tenta, e a culpa pressiona sua
consciência, como sua alma é agitada dentro
dele! E quando Deus esconde o seu rosto, e não
sente ajuda nem forças permanecendo em si
mesmo, como o seu coração fica desanimado e
18
quase desesperado! Mas como, também, nestas
ocasiões é a sua esperança reavivada! Como o
Senhor pode e aplica uma promessa adequada
ao seu coração desanimado! Como ele pode
trazer à sua lembrança o que ele fez por ele nos
tempos antigos; as colinas de Mizar em que ele
esteve; o Ebenézer que ele foi habilitado a
levantar! Como o Senhor, colocando seu braço
secretamente debaixo de sua alma, pode
sussurrar uma esperança em seu peito para que
não se envergonhe, e lhe dá uma âncora segura
e firme dentro do véu.
4. Então, quanto ao amor; quão fria, quão
morta, quão insensível, quão inanimada é a
alma, às vezes, em relação a Deus e à piedade,
como se nunca tivesse havido uma faísca de
afeto espiritual nem a Deus nem ao seu povo!
Mas, como o Senhor pode, às vezes, derreter a
alma em afeição e amor, e tornar Jesus
verdadeira e realmente querido, próximo e
precioso! Como somos dependentes do Senhor,
não só pelas comunicações da piedade, mas
também pelo exercício da piedade! E como Ele
próprio precisa exercitar suas próprias graças
na alma!
19
B. Mas, passamos a considerar como esta
"piedade", ou melhor, o "exercício" da piedade é
"proveitoso para todas as coisas". O apóstolo
falando de "exercício físico" declara que "para
pouco aproveita; mas a piedade", ele diz, "é
proveitosa para todas as coisas". Que termo
abrangente; "todas as coisas!" De modo que não
pode surgir uma única circunstância em que a
piedade não será rentável. Todos os estados,
todas as circunstâncias, todas as condições;
adversidade ou prosperidade; o que o mundo
chama de felicidade, ou o que o mundo chama
de miséria - de todas as circunstâncias
complicadas que acontecem a um filho de Deus
através de sua peregrinação aqui embaixo; e em
todas elas, a piedade é proveitosa.
Nem sempre aos seus sentimentos, nem sempre
ao seu julgamento, nem sempre à sua
apreensão; pois, em geral, as coisas mais
lucrativas são para os nossos sentimentos as
mais dolorosas. E, no entanto, "a piedade é
proveitosa para todas as coisas". Você não pode
ser colocado em qualquer circunstância adversa
em que a piedade não seja proveitosa; você não
pode sofrer qualquer aflição ou provação em
que a piedade não seja rentável. Não há um
20
único evento que possa acontecer a você, na
providência ou na graça, para o qual a piedade
não será encontrada no final real e
verdadeiramente rentável.
Mas, o que é "rentável?" Eu posso defini-lo em
uma frase curta; é o que faz a alma boa. Agora
a "piedade" é proveitosa para todas as coisas,
como fazendo a alma boa em todas as
circunstâncias. Aqui está separada de tudo de
uma natureza mundana. Aqui se distingue do
"exercício físico que para pouco é proveitoso",
pois ela é "proveitosa para todas as coisas". Na
doença, na saúde; na luz do sol, na tempestade;
sobre o monte, no vale; sob qualquer
circunstância o filho de Deus pode ser,
"piedoso", ou melhor, se "exercitar" na piedade,
que é rentável. E ela é tirada destas
circunstâncias. Vive diante das provações; é
reforçada pela oposição; torna-se vitoriosa pela
derrota; ganha o dia apesar de todos os
inimigos; ela "está em cada tempestade, e vive
por fim."
Não morre como o "exercício físico"; não
floresce e desaparece em uma hora; não é como
a aboboreira de Jonas que cresceu e murchou
21
em uma noite; não deixa a alma nos horrores do
desespero quando mais precisa de conforto;
não é um amigo inconstante e falso que vira as
costas nos dias escuros e nublados da
adversidade. É "um amigo que ama em todos os
momentos", pois o Autor dela "fica mais perto
do que um irmão". Ela pode chegar a um leito
de doença quando o corpo está cheio de dor; ela
pode entrar em uma masmorra, como fez com
Paulo e Silas, quando seus pés estavam no
tronco; pode ir, e foi com mártires para a estaca;
acalma o travesseiro da morte; leva a alma para
a eternidade; e, portanto, é "útil para todas as
coisas". É um amigo firme; um companheiro
abençoado; a vida da alma; a saúde do coração;
sim, "o próprio Cristo em vós, a esperança da
glória". É a própria obra de Deus, a própria graça
de Deus, o próprio Espírito de Deus, a própria
vida de Deus, o próprio poder de Deus, os
próprios tratos de Deus, que terminam na
própria felicidade de Deus; e, portanto, é "útil
para todas as coisas".
Mas, compare esta obra de graça com a alma,
este ensinamento de Deus no coração, esta vida
de fé no interior; compare esta religião vital,
espiritual, celeste, divina, sobrenatural, com
22
aquela frágil falsidade do "exercício corporal".
Compare os atos de fé real, esperança real,
amor real; os ensinamentos, as relações, as
orientações e as operações do Espírito Santo na
alma, com rodadas de deveres, formas
supersticiosas, cerimônias vazias e uma religião
teórica, por mais enrugada que seja, por mais
envernizada que seja. Compare a vida de Deus
no coração de um santo, em meio a todo o seu
abatimento, desânimo, provações e tentações;
compare esse precioso tesouro, a própria graça
de Cristo na alma, com toda religião exterior,
superficial, frágil e nocional. Oh, não é mais
para ser comparado do que um grão de pó com
um diamante; não mais para ser comparado do
que um criminoso em uma masmorra ao
soberano no trono. Na verdade, não há
comparação entre elas.
Oh, que misericórdia para você e para mim, se
formos participantes da piedade; se a graça do
Senhor está em nossa alma; se há algo divino
em nosso coração! Nós o acharemos "proveitoso
para todas as coisas". Não vai sair na escuridão;
não expirará como uma lâmpada tremulante;
mas queimará mais brilhantemente até ser dia
perfeito. Não precisamos invejar ninguém, se
23
formos participantes de um só grão de piedade
vital. Não precisamos invejar nenhum
professante, por mais elevado que seja; não,
não precisamos invejar nenhum filho de Deus,
por mais favorecido que seja. Se houver
verdadeira graça em nossas almas, será achada
"proveitosa para todas as coisas." Ela vai fazer
boa a alma. Há uma realidade nela; uma bênção
nela; pois há vida eterna e bem-aventurança
imortal nela. É de Deus; veio de Deus, e conduz
a Deus. Ela começa na terra, mas é consumada
no céu. E, portanto, dizemos, é "proveitosa para
todas as coisas."
C. Mas há outra coisa dita disso; que tem "a
promessa da vida que é AGORA". O que é "a vida
que agora é?" E como a piedade é a promessa
disso tanto quanto do futuro?
1. "A vida que agora é"; a vida que vivemos na
carne; a vida desses corpos mortais; é, na maior
parte, uma vida de AFLIÇÃO. Porque o Senhor
escolheu a sua Sião na fornalha da aflição. Se
sofremos com ele, devemos ser glorificados
juntamente. Ora, a piedade tem "a promessa da
vida que agora é", como uma vida de aflição. E
ó, como a aflição real nos amortece para tudo
24
mais! Quando não há aflição, o mundo dança
diante de nós com um raio de sol sobre ele;
atraente, deslumbrante, e bonito; e nós, em
nossas mentes carnais, podemos voar de flor
em flor como uma borboleta ao sol. Nossa
religião está em baixa quando este é o caso;
pode haver uma profissão decente; mas quanto
a qualquer vida e poder, quão pouco há, exceto
quando a aflição pressiona a alma para baixo! A
verdadeira religião está no fundo; não é um
balão pairando sobre nós a quilômetros no ar. É
como a verdade; está no fundo do poço.
Precisamos então descer para a religião, se
quisermos ter isso realmente em nossos
corações.
O Senhor Jesus Cristo era "um homem de dores,
e familiarizado com o sofrimento". Ele tomou o
lugar mais baixo, último e menor. Ele estava
sempre embaixo; de modo que, se quisermos
ser companheiros do Senhor Jesus Cristo,
devemos descer com ele, descer ao vale, descer
aos sofrimentos, descer à humilhação, à
provação. Quando ficamos inchados pela alegria
mundana, ou exaltados pela excitação carnal,
não simpatizamos com o Senhor Jesus Cristo em
sua condição sofredora; nós não vamos com ele
25
então para o jardim do Getsêmani, nem o vemos
como "o Cordeiro de Deus" sobre o madeiro
maldito.
Nós podemos fazer sem Jesus muitas coisas
quando o mundo sorri, e as coisas carnais são
superiores em nosso coração. Mas venha a
aflição, uma pesada cruz, um fardo para nos
pesar, então cairemos no lugar onde somente o
Senhor Jesus Cristo pode ser encontrado.
Encontramos então, se o Senhor se agrada de
trazer um pouco de piedade para a alma, e para
atrair esta piedade em exercício vital, que tem
"a promessa da vida que agora é". Há promessas
ligadas a ela de apoio, força, conforto,
consolação e paz, dos quais o mundo inteiro
nada conhece; há uma verdade nela, um poder,
uma realidade, uma bênção nela, que a língua
nunca pode expressar. E quando a alma é
pressionada no vale da aflição, e o Senhor se
agrada em encontrá-la lá, e visitá-la então, e
atrair a piedade em sua atuação e exercícios,
então se descobre que tem "a promessa da vida
que agora é." Fé, esperança, amor,
arrependimento, oração, humildade, contrição,
longanimidade e paz; todos esses dons e graças
do Espírito são exercitados principalmente
26
quando a alma está em aflição. Aqui está "a
promessa da vida que agora é", na elaboração
destas graças celestiais no coração.
2. "A vida que agora é", é uma vida de
TENTAÇÃO. "Ele foi tentado em todos os pontos
como nós somos, mas sem pecado." (Hebreus
4:15). "Jesus foi levado ao deserto para ser
tentado pelo diabo". (Mateus 4: 1). E devemos
compartilhar com ele também nestes
sofrimentos. É, então, uma vida de tentação. Ó,
como continuamente o pobre filho de Deus é
tentado! E que fortes tentações! Quão
dolorosas, quão poderosas! Como enredam!
Como assediam! Como enfeitiçam com satânica
escuridão! Mas, quão mais satânico é o diabo
quando se transfigura em anjo de luz! Como
continuamente o filho de Deus é exercitado com
a tentação! Tentação tão adequada, tão
poderosa, tão avassaladora, que nada além da
graça de Deus pode subjugá-la ou livrar a alma
dela.
Mas a piedade tem a promessa da "vida que
agora é", embora "a vida que agora é", em sua
maior parte, seja uma vida de tentação. Pois é
quando a piedade está em exercício, que a força
27
da tentação é derrotada. Mas onde estamos? O
que nós somos? O que nós fazemos? O que não
devemos fazer? Quando o pecado e a tentação
se encontram, e a graça do Senhor não
intervém? Ora, "a piedade tem a promessa da
vida que agora é", para que "não sejais tentados
acima do que podereis suportar, mas com a
tentação Deus fará um caminho para escapar,
para que possais suportá-la". E assim livrar
(porque o Senhor sabe como livrar) o piedoso da
tentação. Ele pode quebrar a tentação em
pedaços, ou então livrá-lo da tentação por
completo.
3. Mas é uma vida de PROVAÇÃO. "O Senhor
prova os justos". (Salmo 11: 5). De fato, uma
vida justa é, em sua maior parte, uma vida
provada. Não há um filho de Deus, cujas graças
sejam vivas e ativas, que não sejam provadas
em sua alma. Eu não tenho mais a crença de que
a alma possa viver sem exercício do que o corpo
possa. Quanto mais a alma for exercitada, mais
saudável ela será. A provação é uma das
principais fontes de exercício. Se você é provado
quanto à sua posição, provado quanto ao seu
estado, provado quanto à realidade da obra da
graça sobre a sua alma, provado na sua
28
experiência; provado quanto às suas
manifestações, libertações e evidências;
provado pelos seus pecados, por Satanás, por
professantes; e, acima de tudo, provado por seu
próprio coração, e isso continuamente; manterá
sua alma em exercício.
D. E isto é "exercício na piedade". Se estes
exercícios são para a piedade, eles levam à
piedade, eles te levam para o caminho da
piedade, eles te aproximam da piedade, eles te
levam à piedade; e, acima de tudo, trazem
piedade à tua alma. E assim, há um exercício da
alma na piedade. O seu coração às vezes parece
sem um grão dela? Vocês veem o que é a
piedade em sua natureza, em seus ramos, em
seus frutos, em suas graças, no que um cristão
deve ser, prática, experimentalmente e real;
externa e internamente; na igreja e no mundo.
Você diz: "Sou cristão? Sou uma pessoa piedosa?
Deixe-me comparar-me com a piedade. Eu sou
piedoso? Há graça em meu coração? Eu vivo? Eu
falo? Eu acho? Eu ajo? Eu ando? Eu vivo como
deve um cristão? A minha vida, a minha
profissão, a minha conduta; na família, no
mundo; nos negócios, na igreja; em casa, no
exterior; abertamente, em segredo; em
29
particular, em público; é tal que posso tomá-la
e colocá-la passo a passo, com a piedade vital,
real, experimental, bíblica? Ó, você diz, eu me
encolho na hora da prova. Há muitas coisas em
mim interna e externamente que não
suportarão ser pesadas pela piedade como
revelada nas Escrituras da verdade.
Bem, sua mente é exercitada, eu suponho,
quando você tem estes funcionamentos. Agora
qual é o resultado? É um exercício para a
piedade. Você quer isso; você se esforça para
ele; você chora por isso; você pressiona para
alcançá-lo; você sabe que ninguém, senão o
Senhor, pode trabalhar isto em sua alma; você
se sente necessitado, nu e destituído; você sabe
que sem a piedade você não pode nem viver ou
morrer feliz; e que deve perecer corpo e alma
para sempre.
Agora, se isto está acontecendo no coração de
um pobre pecador dia após dia, será um
exercício para a piedade. E esta piedade tem "a
promessa da vida que agora é", porque a
piedade é "proveitosa para todas as coisas"; e
tem promessas preciosas para aqueles que são
assim exercitados. "Minha graça é suficiente
30
para você." (2 Coríntios 12: 9). "Como é o vosso
dia, assim será a vossa força." (Deuteronômio
33:25). "As minhas ovelhas nunca perecerão,
nem as arrancarão da minha mão." (João 10:29).
"Aquele que começou uma boa obra em vós a
completará até o dia de Jesus Cristo". (Filipenses
1: 6). "Nunca te deixarei, nem te desampararei".
(Hebreus 13: 5). "Vinde a mim, todos os que
estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei".
(Mateus 11:28). "Olhai para mim, e sereis
salvos, todos os confins da terra, porque eu sou
Deus, e não há outro." (Isaías 45:22). Assim, a
piedade tem "a promessa da vida que agora é",
tendo tais promessas adequadas às almas que
são exercitadas na piedade.
Sua alma é exercitada? Se a sua alma é
exercitada, você verá que é para a piedade; e
você verá às vezes uma beleza em santidade,
que comparada a tudo o mais, faz com que
sejam nada. Pois Cristo é a própria piedade, o
Autor e o Finalizador; a cabeça e o objeto; o
começo, o meio e o fim; e, portanto, ter
piedade, é ter Cristo.
Mais algumas palavras, e concluo. A piedade
tem a promessa também da "vida que deve vir".
31
Apoia na vida e na morte; e leva a alma para uma
feliz e abençoada eternidade; e, portanto, tem
"a promessa da vida que há de vir". A graça
terminará em glória; fé à vista; esperança em
fruição. A alma ensinada de Deus verá Jesus
como ele é. Assim, a piedade tem "a promessa
da vida que há de vir", quando a paz eterna
abundará, as lágrimas serão enxugadas de
todos os rostos e a graça consumada em
felicidade infinita!