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Campus de Presidente Prudente PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO SIMONE BRANDOLT FAGUNDES O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUA CONTRIBUIÇÃO NA FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR Presidente Prudente 2015

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Campus de Presidente Prudente PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

SIMONE BRANDOLT FAGUNDES

O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUA CONTRIBUIÇÃO NA FORMAÇÃO

INICIAL DO PROFESSOR

Presidente Prudente

2015

SIMONE BRANDOLT FAGUNDES

O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUA CONTRIBUIÇÃO NA FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Mestrado em Educação da

Faculdade de Ciências e Tecnologia da

Universidade Estadual Paulista, Campus de

Presidente Prudente.

Orientador: Professor Dr. Alberto Albuquerque

Gomes

Presidente Prudente

2015

O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUA CONTRIBUIÇÃO NA FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR

SIMONE BRANDOLT FAGUNDES

DISSERTAÇÃO APRESENTADA PARA AVALIAÇÃO

Banca Examinadora

______________________________________________

Orientador: Prof. Dr. Alberto Albuquerque Gomes

Programa de Pós-Graduação em Educação

Faculdade de Ciências e Tecnologia – Presidente Prudente

Universidade Estadual Paulista

____________________________________________________

Profa. Drª Renata Junqueira de Souza

Programa de Pós-Graduação em Educação

Faculdade de Ciências e Tecnologia – Presidente Prudente

Universidade Estadual Paulista

___________________________________________________

Profa. Drª Cyntia Graziella Guizelim Simões Girotto

Programa de Pós-Graduação em Educação

Faculdade de Filosofia e Ciências – Marília

Universidade Estadual Paulista

Presidente Prudente, 24 de agosto 2015.

FICHA CATALOGRÁFICA

Fagundes, Simone Brandolt.

F143e O Estágio Supervisionado e sua Contribuição para a Formação Inicial do

Professor / Simone Brandolt Fagundes. - Presidente Prudente: [s.n], 2015

122 f.

Orientador: Alberto Albuquerque Gomes

Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de

Ciências e Tecnologia.

Inclui bibliografia

1. Formação Inicial. 2. Estágio Supervisionado. 3. Experiência Formativa. 4.

Teoria e Prática. 5. Práticas Educativas. I. Fagundes, Simone Brandolt. II. Gomes,

Alberto Albuquerque. III. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências e

Tecnologia. IV. O Estágio Supervisionado e sua Contribuição para a Formação

Inicial do Professor.

DEDICATÓRIA

Aos que me precederam e já

estiveram/estão de alguma forma

comigo, compondo minha história.

Ao meu pai e minha mãe, dos quais

carrego mais coisas em mim do que

reconheço.

Aos meus filhos Alana e Raul.

Parceiros na caminhada, amores

indecifráveis, a continuidade...

AGRADECIMENTO

Ao Tempo, Senhor de todas as obras.

A meu Professor Orientador Alberto Albuquerque Gomes, pela

competência, disponibilidade e parceria dedicadas a esse projeto. A

generosidade própria dos grandes mestres habita em ti, por isso tens meu

respeito, admiração e amizade.

As professoras Doutoras Renata Junqueira de Souza e Cyntia Graziella

Guizelim Simões Girotto, por comporem a banca examinadora desta

Dissertação e pelas ricas contribuições incorporadas a este trabalho desde

nossa qualificação.

Aos queridos primos, irmãos e amigos Glauce, Neíta e Rui, que me

emprestaram os ombros onde recuperei forças para prosseguir.

Aos grandes professores que marcaram minha trajetória. Minha

homenagem a todos na pessoa da professora Margarete, minha alfabetizadora,

que me aceitou com menos idade do que era permitido na época, me ensinou a

ler e escrever com a poesia de “Pé de Pilão”, do poeta Mário Quintana, um

conterrâneo cuja obra me acompanhou desde então. A vida nunca me deu

oportunidade de encontrá-la, não lembro o sobrenome, mas as marcas

deixadas pelo seu trabalho se tornaram indeléveis.

Aos funcionários da Pós-Graduação e biblioteca, sempre solícitos em

seu trabalho.

E para não denunciar qualquer lapso de memória, aos amigos e

colegas com quem convivi e aprendi coletivamente. Todos que em algum

momento dessa caminhada sentaram para um café e uma boa conversa e já

me possibilitam sentir saudades com gosto de café.

A todos ofereço a epígrafe que segue.

Gratíssima.

Mais coisas sobre nós mesmos nos ensina a terra que todos os livros.

Porque nos oferece resistência. Ao se medir com um obstáculo o homem

aprende a se conhecer; para superá-lo, entretanto, ele precisa de ferramenta.

Uma plaina, uma charrua. O camponês, em sua labuta, vai arrancando

lentamente alguns segredos à natureza; e a verdade que ele obtém é universal.

Assim o avião, ferramenta das linhas aéreas, envolve o homem em todos os

velhos problemas.

Trago sempre nos olhos a imagem de minha primeira noite de voo, na

Argentina - uma noite escura onde apenas cintilavam, como estrelas, pequenas

luzes perdidas na planície.

Cada uma dessas luzes marcava, no oceano da escuridão, o milagre

de uma consciência. Sob aquele teto alguém lia, ou meditava, ou fazia

confidências. Naquela outra casa alguém sondava o espaço ou se consumia

em cálculos sobre a nebulosa de Andrômeda. Mais além seria, talvez, a hora

do amor. De longe em longe brilhavam esses fogos no campo, como que

pedindo sustento. Até os mais discretos: o do poeta, o do professor, o do

carpinteiro. Mas entre essas estrelas vivas, tantas janelas fechadas, tantas

estrelas extintas, tantos homens adormecidos...

É preciso a gente tentar se reunir. É preciso a gente fazer um esforço

para se comunicar com algumas dessas luzes que brilham, de longe em longe,

ao longo da planura.

(Saint-Exupéry in "Terra dos Homens")

RESUMO

FAGUNDES, Simone Brandolt. O estágio supervisionado e sua contribuição

na formação inicial do professor. 2015. 120 f. Dissertação (Mestrado em

Educação) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual

Paulista/SP.

Este trabalho, vinculado à Linha de Pesquisa ‘ Políticas Públicas, Organização Escolar e Formação de Professores” foi elaborado tendo por base as dificuldades e experiências vivenciadas pela pesquisadora no contexto da sua própria formação e dos estudos empreendidos na direção de contribuir com a reflexão necessária a respeito da formação inicial e práticas docentes. Teve como objetivo central analisar como as experiências vivenciadas na formação inicial, especialmente nos Estágios Supervisionados, interferem no processo de atuação profissional dos professores em início de carreira. Como colaboradores da pesquisa participaram docentes dos anos iniciais do ensino fundamental (1º-5º ano) com no mínimo dois e no máximo seis anos de carreira. Além disso, propusemos refletir sobre as contribuições dos Estágios Supervisionados para o desempenho inicial na carreira; averiguar se e como as experiências vivenciadas no contato com a escola campo, durante a realização do Estágio Supervisionado, influenciaram a prática educativa destes profissionais; investigar como esses (as) professores (as) concebem e representam o Estágio Supervisionado realizado ao longo da formação inicial. O encaminhamento da pesquisa seguiu uma perspectiva qualitativa, já que essa abordagem se relaciona com os significados que cada sujeito atribui a suas vivências e ao mesmo tempo com a relação que cada registro individual estabelece com os demais registros dos sujeitos envolvidos. Como técnica de coleta de dados realizamos entrevistas semiestruturadas, apoiadas em roteiro pré-elaborado, possibilitando que os entrevistados se sentissem livres para exporem ideias, sentimentos e opiniões que pudessem responder nossas indagações. Ideias centrais nos encaminharam para algumas convergências e a partir daí elegemos algumas categorias abertas que interpretadas nos auxiliaram na compreensão do fenômeno que investigamos. Houve unanimidade na constatação do distanciamento entre os espaços promotores do Estágio Supervisionado, os professores formadores nas escolas, os profissionais responsáveis pela supervisão e acompanhamento do Estágio na Universidade e os estudantes em formação que o realizam. Em raras situações esses elementos têm a oportunidade de realmente construírem alternativas integradas de formação. Apesar das críticas a certas situações vividas no decorrer do curso as professoras consideram que tiveram uma base importante na formação inicial. Sentiram falta de uma maior proximidade com a prática e consideram que apesar de incipiente o Estágio é importante, porém não lhes proporcionou uma experiência formativa, na medida em que não refletiram a respeito do vivenciado nas escolas campo e sentiram grande angústia e insegurança no início da carreira, A maioria não buscou nas aprendizagens do curso e sim nos colegas a mais tempo na carreira, apoio e embasamento para sobreviver aos primeiros tempos de profissão.

Palavras-chave: Formação Inicial. Estágio Supervisionado. Experiência Formativa. Teoria e Prática. Práticas Educativas.

ABSTRACT

FAGUNDES, Simone Brandolt. The supervised internship and its

contribution in teachers early formation. 2015. 120 f. Thesis (Master’s

Degree in Education) – College of Science and Technology, Universidade

Estadual Paulista/SP.

This essay, linked to the Research Line – Public Politics, Academic Organization and Teachers Formation, was elaborated based on the difficulties and experiences experienced by the researcher in the context of her own formation and the studies undertaken in the direction of contributing with the needed reflection for the early formation and the teaching practice. Had as central goal analyze how the experiences lived during early formation, especially in Supervised Internships, interfere in the professional’s process of professional acting. As research collaborators took part initial years teachers of elementary school (1st to 5th year) with at least two and maximum six career years. Besides, we purposed the reflection about the Supervised Internships contribution to the inaugural career performance; ascertain if and how the contact school-field lived experiences, during the Supervised Internship, influenced the educational exercise of these professionals; inquire how these professionals conceive and represent the Supervised Internship realized during the early formation. The forwarding of the research trailed a qualitative perspective, since this approach connects to the meanings that each subject gives to its experiences at the same time that the relation that each individual register establish with others of the other subjects involved. As data collecting technique we realized semi-structured interviews, backed up in pre elaborated script, allowing the interviewed to feel free to expose hers/his ideas, feelings and opinions that favored answering our quests. The central ideas that forwarded us to some convergences and from there we elected some open categories that when interpreted would help us comprehend the investigated phenomenon. There was unanimity when finding the detachment between the places where Supervised Internship was promoted, the teachers trainers in schools, the professionals responsible for the supervision and accompaniment of the Internship in College and the students that perform it. In few situations these elements have the opportunity of really build integrated formation alternatives. Although the critiques and certain experienced situations during graduation, the teachers ponder that they had an important early foundation. Missed a bigger proximity with practice and consider that although incipient the Internship is important, however didn’t provide them a training experience, as they didn’t consider about what was experienced in the field schools and felt anguish and insecurity at their career beginning. Most of them didn’t aim in their course learning, but in their colleagues with more career experience, support and foundation to survive the first professional times.

Keywords: Early Formation. Supervised Internship. Formative experience.

Theory and practice. Educational Practices.

LISTA DE SIGLAS

ABE - Associação Brasileira de Educadores

ANFOPE - Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação

ANPED – Associação Nacional de Pesquisas em Educação

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

CE – Conselho de Educação

CEB – Câmara Educação Básica

CEE – Conselho Estadual de Educação

CEFAM – Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério

CES – Câmara de Estudos Superiores

CNE – Conselho Nacional de Educação

CP – Conselho Pleno

CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito

DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais

DEEP – Diretoria de Estatísticas Educacionais

FCT – Faculdade de Ciências e Tecnologia

HEM – Habilitação Específica para o Magistério

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

ISEs – Institutos Superiores de Educação

LDB – Lei de Diretrizes e Bases

MEC – Ministério da Educação e Cultura

MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização

PIB – Produto Interno Bruto

PLC – Projeto de Lei Complementar

SNE – Sistema Nacional de Educação

UNESP – Universidade Estadual Paulista

Sumário

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................12

1. FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL ..................................................................17

1.1 A escola pública na República .........................................................................................17

1.2. Formação de Professores: trechos do percurso .............................................................34

1.2.1. A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996....................................................................36

2. AS DIMENSÕES DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO .........................................................43

2.1. A Dimensão Legal do Estágio Supervisionado ................................................................43

2.1.1. A LDB 9394/96 e a Formação de Professores ..............................................................44

2.1.2. As Diretrizes Curriculares Nacionais ............................................................................48

2.1.3. As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Pedagogia .......................................52

2.1.4. Deliberações 111/2012 e 126/2014 (leis modificam a realidade?) .............................55

2.2 A DIMENSÃO PEDAGÓGICA DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO ..........................................59

2.2.1. Relação Teoria-Prática.................................................................................................60

2.2.2. O Estágio como “Experiência Formativa” ....................................................................65

3. OS CAMINHOS DA PESQUISA ......................................................................................70

3.1. As Opções Metodológicas ..............................................................................................70

3.2 Percalços no Caminho da Pesquisa .................................................................................74

3.3. Prosseguindo a caminhada .........................................................................................77

4. A VOZ DOS INICIANTES ......................................................................................................80

ARREMATANDO ..................................................................................................................104

REFERÊNCIAS .......................................................................................................................111

ANEXOS ...............................................................................................................................119

Anexo 1 ...............................................................................................................................120

Anexo 2 ...............................................................................................................................121

Anexo 3 ...............................................................................................................................122

12

INTRODUÇÃO

O interesse em investigar temáticas referentes à formação de

professores, com ênfase nas práticas de ensino e no Estágio Supervisionado

na formação inicial decorre, em parte, da emergência da questão no contexto

contemporâneo, pois as “mudanças no papel do professor e as profundas

modificações no contexto social e nas relações interpessoais ao nível do

ensino obrigam-nos a repensar o período de formação inicial” (ESTEVE, 1999,

p. 93); além disso, a formação para o Magistério em nível médio e a

licenciatura em História - ocasiões em que realizamos os Estágios

Supervisionados, foram momentos em que nos defrontamos com a

precariedade e a desarticulação dessa etapa da formação em relação aos

demais momentos dos cursos. Essas experiências me provocaram a seguinte

questão: por que em duas situações tão distintas (formação em nível médio X

formação em nível superior) houve dificuldades para desenvolver as atividades

programadas e atender a contento as exigências legais do curso Normal e da

Licenciatura?

No primeiro momento, percebemos que alguns dos fatores verificados

foram a pouca proximidade entre a Supervisão do Estágio da instituição

formadora e a escola campo, a ênfase total nas atividades de docência e a

ausência de participação do professor titular da sala, além da imaturidade

emocional para assumirmos a responsabilidade sobre o ensino e a

aprendizagem de uma classe de 2ª série (hoje 3º ano) das Séries/anos Iniciais,

sendo que também não havia uma estrutura na instituição formadora que

oferecesse o suporte pedagógico adequado para atender essas demandas.

Na segunda ocasião constatou-se um número restrito de escolas para

realização do Estágio, o mesmo distanciamento entre as instituições envolvidas

no programa e uma maior concentração da carga horária a ser cumprida na

atividade de observação, em detrimento do planejamento e execução de

atividades coletivas junto aos estudantes da escola campo. O fato do trabalho

realizado pelo grupo de estagiários nas escolas e dos resultados obtidos não

serem objeto de estudo e análises no curso de formação, pelos departamentos

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de educação ou pelos próprios professores (as) das disciplinas do curso ou

responsáveis pelo Estágio, também foi um obstáculo.

Esse contato com a docência através dos Estágios possibilitou

entender o quanto o processo de formação inicial é marcante na vida do

professor e pode ser decisivo em sua conduta no decorrer da carreira. Sem

dúvida, um dos problemas detectados em nossa formação inicial foi a

precariedade do desenvolvimento do Estágio Supervisionado, pois o

distanciamento entre universidade e escola campo inviabilizava qualquer

trabalho integrado de formação inicial dos docentes.

Como trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Gestão

Educacional1, realizamos uma pesquisa, cujo principal objetivo foi conhecer as

percepções dos estudantes do 6º termo do Curso de Pedagogia, de duas

instituições privadas de Presidente Prudente, sem experiência docente, sobre o

desenvolvimento das atividades de Estágio Supervisionado em sua formação

inicial, momento que os colocou em contato com o universo onde atuariam e se

propunha a oferecer um espaço de trocas enriquecedoras para seu futuro

profissional.

Com base nos dados coletados neste trabalho de especialização,

inferimos que os projetos de Estágio das instituições pesquisadas

apresentavam algumas diferenças, porém ambos seguiam um modelo

pragmático de planejamento e execução, que situava o Estágio como a parte

prática do programa de formação, realizada nas etapas finais do curso e sem

uma proposta de articulação entre todas as áreas do conhecimento e todos os

sujeitos que nele se inseriam; apesar de apontarem certa precariedade no

suporte ao planejamento das atividades e no acompanhamento do trabalho

desenvolvido na escola campo, evidenciando o distanciamento entre as

instituições implicadas na formação e desenvolvimento do Estágio, foi possível

constatar que a maioria dos estudantes valorizava o trabalho e buscava na sua

realização conhecer aspectos da realidade de sua futura profissão.

[...] tudo indica que estes valores presentes e manifestos na prática cotidiana são elementos de formação muito mais poderosos do que os conteúdos desenvolvidos. As tradicionais

1.Curso de Gestão Educacional IV Edição – 2010/2011 -FCT/UNESP Presidente Prudente.

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dicotomias entre sujeito e objeto, conteúdo específico e matérias pedagógicas, saber e saber fazer, ciências naturais e ciências sociais, teoria e prática, mesmo que negadas no campo discursivo dos docentes, revelam-se com intensidade assustadora na formação dos licenciandos, porque vão construindo os constructos imaginários sobre os quais sua futura docência se alicerçará. (CUNHA, 2001, p.104)

A pesquisa junto aos estudantes já referidos despertou nosso interesse

em relação aos docentes em exercício refletindo sobre as seguintes questões:

qual a contribuição dos Estágios Supervisionados no curso de formação para o

desempenho inicial na carreira? Como tem sido articulada a complexa relação

entre teoria e prática no decorrer do curso de formação? Até que ponto as

experiências vivenciadas no contato com a escola campo, durante a realização

do Estágio Supervisionado, têm ação questionadora e transformadora em

relação à formação e futura prática educativa destes profissionais? Em algum

momento de sua carreira docente, as experiências do Estágio Supervisionado

comparecem subsidiando sua atuação? Como esses (as) professores (as)

concebem e representam o Estágio Supervisionado que realizaram ao longo da

formação inicial?

Com base nessas indagações para executar o estudo proposto

estabelecemos como objetivo central analisar como as experiências

vivenciadas na formação inicial, especialmente nos Estágios Supervisionados,

interferem no processo de atuação profissional dos professores dos anos

iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano) em início de carreira.

Além disso, propusemos refletir sobre quais as contribuições dos

Estágios Supervisionados para o desempenho inicial na carreira; averiguar

se/como as experiências vivenciadas no contato com a escola campo, durante

a realização do Estágio Supervisionado, influenciam a prática educativa destes

profissionais; investigar como esses (as) professores (as) concebem e

representam o Estágio Supervisionado realizado ao longo da formação inicial.

O encaminhamento da pesquisa seguiu uma perspectiva qualitativa, já

que essa abordagem se relaciona com os significados que cada sujeito atribui

a suas vivências e ao mesmo tempo com a relação que cada registro individual

estabelece com os demais registros dos sujeitos envolvidos, pois toda ação se

dá no campo social e sendo assim está vinculada ao contexto na qual ocorre.

15

Acreditamos que não basta conhecer técnicas, métodos e modos de

fazer sem uma vivência que acrescente aos resultados obtidos certa

descoberta e enriquecimento. Nessa perspectiva, dentro do universo de

processos possíveis organizamos este trabalho em unidades. A primeira

unidade, intitulada A Formação de Professores no Brasil, traz uma breve

retrospectiva histórica sobre a escola pública desde a República, por

entendermos que é nesse contexto que a institucionalização da escola pública

elementar tornou-se mais definida. Também relacionamos um breve relato

sobre o processo de formação de professores no Brasil e da elaboração da Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96, como referenciais

para o entendimento dos interesses públicos e privados que concorrem na

estruturação do Sistema Educacional Brasileiro, considerando que o contexto

histórico e político, onde são forjadas determinadas estruturas institucionais e

culturais, reflete na educação e por consequência na formação dos

profissionais para comporem seus quadros até os dias atuais.

A segunda unidade aborda As Dimensões do Estágio Supervisionado e

está dividida em dois aspectos, uma que trata da dimensão legal do Estágio

Supervisionado com relação à Lei de Diretrizes e Bases - LDB 9394/96 e os

aspectos relativos à formação de professores; na sequência o Estágio

Supervisionado disciplinado pelos diplomas legais que tratam sobre o tema, as

DCN de Pedagogia e as Deliberações 111/2012 e 126/2014 que alteraram

algumas proposituras desses diplomas; e outro aspecto que aborda a

dimensão pedagógica do Estágio, onde tecemos algumas reflexões sobre a

relação teoria e prática na formação docente e sobre o Estágio enquanto

espaço formador. Também nos fundamentamos nas ideias de Josso (2004) e

seus estudos sobre a experiência para olhar o Estágio como uma possibilidade

de experiência formativa.

Na unidade três expusemos as opções metodológicas que orientaram a

escolha pela realização de entrevistas semiestruturadas com professores em

início de carreira, como instrumento de coleta de dados. O critério para definir o

tempo de carreira a ser considerado como “início” vincula-se aos Ciclos de Vida

Profissional dos Professores, descrito por Huberman (1992). No referido

estudo, as fases pelas quais passa o professor ao longo da carreira, são: a

16

entrada na carreira; a fase estabilização, a fase de diversificação, pôr-se em

questão, serenidade e distanciamento afectivo, conservantismo e lamentações

e o desinvestimento.

A fase de entrada na carreira compreende os aspectos da

sobrevivência, descoberta e indiferença, trata-se dos 2 a 3 primeiros anos de

ensino, quando os profissionais ao mesmo tempo em que têm o “choque do

real” (sobrevivência), frente ao distanciamento do que idealizavam com a

realidade diária da sala de aula, experimentam também uma sensação de

descoberta com essa mesma nova realidade ou de indiferença pela falta de

outras opções. Após esse período ocorre a fase de estabilização, durante os

quatro aos seis anos de carreira, quando já com certa segurança, o professor

estabeleceu uma metodologia própria para promover seu trabalho. É entre

essas fases que situamos os sujeitos entrevistados.

Na unidade quatro apresentamos a análise dos dados coletados junto

aos entrevistados em fase de entrada na carreira, relativa às suas percepções

sobre a formação inicial, especialmente sobre o Estágio Supervisionado

realizado no decorrer do curso de licenciatura, onde buscamos conhecer em

que dimensão essa atividade contribuiu efetivamente para subsidiar sua prática

pedagógica.

Também compõe a estrutura desta Dissertação de Mestrado as

considerações e apontamentos acerca das discussões apresentadas ao longo

dos capítulos e, por fim, as referências e anexos concernentes ao trabalho.

Gatti (2014, p.260) comenta que os processos de comunicação são

porosos, entremeados de nuances e ruídos e é dessa forma que ocorrem as

representações, que os conhecimentos são disseminados e a informação é

decodificada com sua interpretação, e tudo isso ocorre “num dado contexto de

forças sociais em conflito”. A formação de professores comparece nesses

processos de comunicação onde teorias, práticas e saberes conversam com as

variadas realidades que constroem o cotidiano da profissão docente, sendo

indispensável pensar sobre esses elementos que constroem a educação,

buscando colaborar para que as mudanças programadas sob a forma de leis

se articulem aos programas de formação das Instituições de Ensino Superior e

ao exercício da profissão docente.

17

1. FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL

O cenário educacional brasileiro ao findar os oitocentos apresentava-se

pouco animador no que se refere à instrução pública. Desde os primórdios com

os padres jesuítas até o Segundo Reinado, as tentativas de reformas e de

estabelecimento de uma política nacional de educação ou de um sistema

organizado de instrução pública não lograram êxito; por esta razão optamos

por um recorte histórico a partir dos acontecimentos datados de 1889, com o

advento da República, para neste capítulo estabelecer um breve panorama

sobre as condições e em que medida a escolarização alcança a população

como um investimento público apontando a Primeira República não como lugar

de origem, mas no qual a institucionalização da escola pública elementar

tornou-se mais definida. Assim como a escola, a formação de professores sofre

transformações que se relacionam com a lógica política e econômica do tempo

em que acontecem, porém determinadas estruturas institucionais e culturais,

refletem na educação e na formação dos profissionais nos dias atuais.

Apresentamos um pequeno retrospecto do processo de formação de

professores no Brasil e da elaboração e aprovação da LDB 9394/96 – Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, na intenção de situar esses

processos ao longo da História.

1.1 A escola pública na República

Muitas alterações políticas, sociais e econômicas tiveram início nos

últimos anos do Império. Estas alterações estavam relacionadas entre outras

coisas ao aumento populacional gerado pelo êxodo rural, a abolição da

escravatura, que inseriu mão-de-obra escrava no mercado de trabalho e a

imigração subvencionada que começou nesse período.

Com a Abolição houve um deslocamento do poder político. Acelerou-se a decadência da oligarquia tradicional que detivera o poder durante o Império e se identificara com a Monarquia. Abalaram-se os fundamentos sociais do sistema monárquico no Brasil. No ano seguinte, era proclamada a República. O poder econômico concentrou-se nas áreas mais dinâmicas. No Oeste Paulista o café cultivado nas terras roxas produzia safras nunca vistas. Tinham-se aperfeiçoado os métodos de beneficiamento de café, construído ferrovias que

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revolucionaram o sistema de transportes e experimentara-se o trabalho livre. Formara-se um novo grupo social, uma nova oligarquia que irá controlar o poder político durante a Primeira República. (COSTA, 1999, p. 340)

No âmbito das ideias que circularam no fim do Império, as teorias, em

sua maioria, provenientes da Europa, faziam parte dos discursos e dos

registros de vários ideólogos da época. O Liberalismo, o Socialismo, o

Anarquismo, o Positivismo foram base para discursos inflamados, para a

propaganda republicana e para as promessas democratizantes despertadas

em alguns segmentos da população. Esses fatores atuaram nas tensões que

se estabeleceram diante desse processo histórico.

A transição do Império para a República marca o primeiro grande

momento de transformação da ordem política desde que o Brasil atingiu a

independência. Tratou-se de um acontecimento que na sua base propunha a

participação do povo, cuja ausência de direitos era contestada pelos

propagandistas da República, conforme podemos verificar no registro abaixo:

O jornal Revolução, publicado no Rio em 1881 por um funcionário demitido da Alfândega, Fávila Nunes, conclamava o povo, segundo ele roubado em seus direitos pelo governo monárquico, a empunhar “o estandarte da liberdade” – a bandeira da República [...]. (CARVALHO, 1987, p. 11)

Uma grande questão colocada por autores como Carvalho (1987;

2001); Vieira e Farias (2003); Lessa (2001); Costa (1999) refere-se à ausência

do fervor cívico e da participação do povo nos momentos finais da Monarquia,

o que para tais autores não representa motivo de estranhamento, pois em 1881

foi introduzida a eleição direta (Lei Saraiva), cujas regras reduziram para

menos de 1% a participação do total da população brasileira. No caso da

República não houve mudança significativa nesse sentido, sendo o percentual

da eleição presidencial de 1894 de 2% da população. Segundo Carvalho (1987,

p. 43):

No que se refere aos direitos civis, pouco foi acrescentado pela constituição de 1891. O mesmo se pode dizer dos direitos políticos. As inovações republicanas referentes à franquia eleitoral resumiram-se em eliminar a exigência de renda, mantendo a de alfabetização.

O mesmo autor é enfático em afirmar que

19

No Império como na República, foram excluídos os pobres (seja pela renda, seja pela exigência de alfabetização), os mendigos; as mulheres, os menores de idade, as praças de pré, os membros de ordens religiosas. Ficava fora da sociedade política a grande maioria da população. A exclusão dos analfabetos pela Constituição republicana era particularmente discriminatória, pois ao mesmo tempo se retirava a obrigação do governo de fornecer a instrução primária, que constava do texto imperial. Exigia-se para a cidadania política uma qualidade que só o direito social da educação poderia fornecer e, simultaneamente desconhecia-se esse direito. Era uma ordem liberal, mas profundamente antidemocrática e resistente a esforços de democratização. (CARVALHO, 1987, p. 45)

Várias concepções de cidadania surgiram no início da República,

juntamente com a perspectiva de expansão dos direitos políticos e sociais,

porém, a ideologia liberal se consolidou como a melhor teoria econômica para

servir aos propósitos que reforçavam o poder oligárquico e a cidadania política

teve prerrogativa maior diante dos acontecimentos.

Nossa República, passado o momento inicial de esperança de expansão democrática, consolidou-se sobre um mínimo de participação eleitoral, sobre a exclusão do envolvimento popular no governo. Consolidou-se sobre a vitória da ideologia liberal pré-democrática, darwinista, reforçadora do poder oligárquico. (CARVALHO, 1987, p. 161)

Dos grupos participantes do golpe que instituiu a República, as

oligarquias cafeeiras, preferencialmente as de São Paulo, foram beneficiadas

em detrimento dos militares. Foi um período agitado por grandes revoltas e

manifestações na disputa pelo poder do país, tiveram início as primeiras

greves, lideradas pelos anarquistas e surgiram as primeiras ideias comunistas

no país.

A instituição oligárquica que se implantou durante a Primeira República

teve como base o Coronelismo e a alternância do poder entre os membros de

um grupo bastante restrito, o que se denominou “política dos governadores”.

Em termos legais, as reformas trazidas pela Constituição Republicana

de 1891 implantaram um sistema federativo descentralizado, com forte

influência positivista e seguindo o modelo estadunidense para melhor atender

os interesses dessa classe. Na base deste sistema estava o coronel, que pela

20

sua ordem subordinava a vontade dos eleitores e os currais eleitorais,

representava o Estado e fazia uso das benesses que deveriam chegar a todos

os cidadãos segundo seus interesses particulares.

A implantação do regime republicano não provocou a destruição dos clãs rurais e o desaparecimento dos grandes latifúndios, bases materiais do sistema político coronelista. Ainda mais, instituindo a Federação, o novo regime viu-se obrigado a recorrer às forças representadas pelos coronéis, provocando o desenvolvimento das oligarquias regionais que, ampliando-se, se encaminharam para a ‘política dos Governadores’. Assim, os “homens mais importantes do lugar”, pelo seu poderio econômico, politico e social, mantiveram-se mais fortemente ainda como chefes das oligarquias regionais e, dessa forma, atuaram como as principais forças sociais no âmbito dos Governos Estaduais e Federal. (NAGLE, 1974, p. 04)

A cidadania social passava sem dúvida pela participação política que

era limitada pela escolaridade; nesse sentido a educação era um fator

importante a ser considerado para a manutenção do status quo. Conforme

Schueler e Magaldi (2008, p. 40):

De fato, a Constituição de 1891 não trouxe alterações significativas no que tange à distribuição de competências. O princípio federativo fundamentava a determinação de que cabia aos estados e municípios a tarefa de criar e desenvolver o ensino primário e secundário e à União cabia a responsabilidade pelo ensino superior, além do ensino primário e secundário na capital do país, atribuição que repartiria, em regime de colaboração e concorrência, com o poder municipal, o Distrito Federal.

É possível inferir nesse sentido, que a pouca ênfase dada às questões

da escolarização pública nos primórdios da República está intimamente ligada

à necessidade de manutenção do sistema político oligárquico, uma vez que

sua criação e desenvolvimento estavam atrelados ao poder local. A urgência

maior era consolidar o regime, manter a ordem e buscar a estabilização

financeira, abalada fortemente nos primeiros anos da República. Nesse período

as iniciativas de reformas na educação “não correspondem a um conjunto

orgânico de medidas”, podem ser consideradas mais como “decretos com o

intuito de reformar aspectos relativos à organização do ensino.” (VIEIRA e

FARIAS, 2003, p. 76-77).

21

Outro ponto a se considerar nesse momento histórico é que a

reconstrução da nação através da consolidação do republicanismo precisava

de uma escola primária que desenvolvesse além da instrução, uma consciência

cívica; isso configurava ao povo certa unidade e cidadania garantindo uma

base de legitimidade ao novo sistema. Essas ideias ficam explícitas nos

programas dos partidos políticos2 à época. Nesse sentido, Schueler e Magaldi

(2008,p. 45), relatam que

Um outro elemento-chave a ser observado no projeto da escola primária republicana diz respeito ao papel assumido por essa instituição na formação do caráter e no desenvolvimento de virtudes morais, de sentimentos patrióticos e de disciplina na criança. Mensagens de caráter moralizante e cívico foram amplamente propagadas pela escola pública primária, por meio de formas diversas, como a presença de símbolos patrióticos no dia-a-dia da escola e nas situações festivas, o enlaçamento do tempo escolar ao calendário cívico, as leituras prescritas aos alunos, entre outras.

Apesar de constar nos programas e discursos do primeiro período

republicano, as reformas educacionais que se processam giravam em torno de

orientações voltadas ao ensino secundário e superior, como na Reforma

Benjamim Constant3, que aprovou o Regulamento da Instrução Primária e

Secundária no Distrito federal e procedeu a instituição do exame de madureza,

“cujo objetivo era identificar a capacidade intelectual do aluno ao concluir o

ensino secundário.” (VIEIRA e FARIAS, 2003, p. 78). Na reforma Epitácio

Pessoa4, foi aprovado o Código de Institutos Oficiais de Ensino Superior e

Secundário e o Regulamento para o Ginásio Nacional: novamente o ensino

secundário e o superior são enfatizados.

2. O Programa apresentado em 1913, pelo Partido Republicano Liberal, que tem autoria de Rui

Barbosa: “Acreditando não haver inimigo maior da liberdade, no seio de um povo, do que a baixa do nível da sua inteligência e da sua cultura, o PRL vê, na reconstituição do ensino nacional, pela volta à seriedade e à solidez nos estudos, pelo desenvolvimento das capacidades e aptidões sob um regime contrário à vadiaria, à especulação e ao charlatanismo, uma das questões de atualidade mais grave e de mais viva urgência no problema de nossa regeneração” (BARBOSA, 1946, p. 12).

3. Decreto nº 981, de 8 de novembro de 1890.

4. Decreto nº 3.890 de 01 de janeiro de 1901; Decreto 3.914 de 26 de janeiro de 1901.

22

Mais adiante, a Reforma Rivadávia Corrêa5 retoma a ideologia

positivista; consta dessa reforma a aprovação da Lei Orgânica do Ensino

Superior e do Ensino Fundamental na República e o Regulamento do Colégio

Pedro II. A criação de institutos e a desoficialização do ensino com a autonomia

concedida aos estabelecimentos para a realização dos exames de admissão

suprimiram o caráter oficial do ensino. A medida de desoficialização foi desfeita

pela Reforma Carlos Maximiliano6, em 1915, quando foi reimplantada a

oficialização do ensino, reforma do ensino secundário e regulamentação do

ensino superior.

As disparidades educacionais entre os estados brasileiros na década

de 1920 eram enormes e nos estados onde a herança escravagista era mais

evidente, os índices de analfabetismo eram maiores.

Segundo dados analisados por Carvalho (2001, p. 69):

Fora o Distrito Federal, só o Rio Grande do Sul superava os 30% de alfabetizados. Os índices mais altos desse estado, assim como os de São Paulo e de Santa Catarina, devem-se sem dúvida à presença de imigrantes europeus e seus descendentes. A taxa de alfabetização dos estrangeiros era mais que o dobro da dos brasileiros (52% e 23%, respectivamente). Havia no país 1,6 milhão de estrangeiros, concentrados no Distrito Federal, em São Paulo e nos estados do Sul. O estado de São Paulo, sozinho, abrigava 53% deles.

Esse quadro, resultante da primeira grande guerra e das modificações

no cenário político e econômico mundial provocaram reflexos que atingiram os

países periféricos. A mudança no sistema econômico fez crescer a

necessidade de mão-de-obra assalariada e com isso a classe operária passou

a se constituir nos centros urbanos. Atrelada ao processo de industrialização,

uma burguesia industrial incipiente iniciou a composição de um quadro de

forças sociais, sendo seus interesses muitas vezes divergentes em relação aos

dos produtores cafeeiros e dos sistemas oligárquicos dominantes. Essa nova

burguesia influenciará a decadência destes sistemas e as mudanças na

organização social, política e econômica durante os anos da nova fase da

República implantada a partir da década de 1930. 5. Decreto nº 8.659 de 5 de abril de 1911.

6. Decreto nº 11.530 de 18 de março de 1915.

23

A partir de 1920, podemos identificar uma série de mudanças nos

sistemas de ensino dos estados, decorrentes das novas exigências impostas

no país, de atender culturalmente as necessidades de transição do sistema

agrário comercial para o urbano industrial. Em 1925, no compasso dessas

transformações aconteceu a reforma João Luís Alves7; essa reforma criou o

Departamento Nacional de Ensino, instituiu uma reformulação no ensino

secundário e superior e estabeleceu a responsabilidade da União na

propagação do ensino primário, uma de suas principais contribuições.

O que distingue a última década da Primeira República das que a antecederam, foi justamente isso: a preocupação bastante vigorosa em pensar e modificar os padrões de ensino e cultura das instituições escolares, nas diferentes modalidades e nos diferentes níveis. [...] De fato, enquanto o tema da escolarização era proposto e analisado de acordo com um amplo programa desta ou daquela corrente ou movimento, ela servia a propósitos extra-escolares ou extra-pedagógicos; era uma peça entre outras, peça importante, sem dúvida, mas importante justamente pelas suas ligações com problemas de natureza política. (NAGLE, 1974, p. 100)

Historicamente os aspectos políticos e econômicos foram sempre os

definidores das transformações na sociedade. O período de “entusiasmo pela

educação”, sugerido por Nagle (1974) que vigorou desde o começo da terceira

década da Primeira República, esteve diretamente relacionado ao contexto

político e econômico de “uma República que não foi”, já que a mudança de

regime político não rompeu com as estruturas autônomas de poder local. A

revolução republicana instalou um “liberalismo oligárquico”8, manteve os

domínios do poder privado, com base na posse da propriedade e nos laços

patrimoniais, mantendo grande parcela da população alheia às decisões

políticas.

A falta de representatividade e participação popular gerou alguns

momentos turbulentos durante a República com conflitos internos

principalmente na capital do país - Rio de Janeiro e em São Paulo, como a

Revolta da Chibata e as greves operárias de 1917-1919. A violência esteve

7. Decreto nº 16.782-A, de 13 de janeiro de 1925.

8. Liberalismo oligárquico – expressão derivada do regime onde coexiste uma Constituição

liberal com práticas políticas oligárquicas. (RESENDE, 2008, p. 91)

24

presente no combate aos movimentos de contestação, tanto na cidade como

no campo.

O povo da rua nas cidades era formado de militares, operários, trabalhadores. No campo, era de beatos e bandidos. Mais controlada nas regiões da grande agricultura, a população rural conseguia, às vezes, se fazer ouvir onde predominava a pecuária ou a pequena produção de subsistência. Na tradição do Segundo Reinado e do início da República, os sertanejos eram frequentemente movidos por mistura de motivação religiosa e política. Os dois exemplos mais importantes desse tipo de manifestação, no período, foram os movimentos do Contestado e do Juazeiro. (CARVALHO, 2001, p.79)

No último quartel do século XIX a elite ilustrada que fundou a República

fundamentava seus princípios nas ideias da ciência, civilização, modernidade e

progresso. Parte dessa elite, contudo, não acreditava que a população

brasileira composta “racial e culturalmente” de maneira tão diversificada,

pudesse atingir tais propósitos. Outra parte dessa elite via na ação do Estado

a possibilidade de regeneração e civilidade do povo; contudo, fazia-se

necessário que o Brasil acompanhasse o avanço industrial que já corria a

passos largos na Europa e Estados Unidos e que pudesse desenvolver-se

culturalmente.

Algumas alterações no plano econômico trouxeram certa instabilidade

ao país em 1920. O declínio do preço do café no mercado internacional afetou

a economia brasileira, que após certo período voltou a ter um crescimento

expressivo até a crise mundial de 1929. O maior desenvolvimento da

agricultura e da indústria e o aumento da oferta de trabalho geraram também o

crescimento das camadas médias da população, o desenvolvimento da classe

trabalhadora e o surgimento de novos interesses no interior dos diversos

grupos que integravam a sociedade brasileira. Aliado a essas mudanças um

sentimento de nacionalidade fez emergir esforços para o avanço cultural do

Brasil a partir de 1920. O desenvolvimento da escolarização era visto como

caminho pelo qual o país poderia atingir o desenvolvimento e o progresso.

Souza e Faria Filho (2006, p.29), afirmam que:

[...] Por todas as regiões do país verificam-se semelhanças nas representações e nas práticas discursivas em torno da importância política e social da instrução pública vinculada às

25

expectativas de desenvolvimento econômico, de progresso, de modernização e de manutenção do regime republicano [...].

Em Nagle (1974, p. 112), encontramos a confirmação desse

sentimento de regeneração da sociedade que a escola primária passou a

representar nesse momento histórico.

A década dos vinte herdou, do decênio anterior, a bandeira de luta contra o analfabetismo. Os dados levantados pelo recenseamento de 1920, as discussões e os estudos resultantes da conferência sobre o ensino primário de 1921 e o constrangimento que dominou o ambiente espiritual em 1922, quando, ao mesmo tempo que se procurava comemorar o primeiro centenário da independência, pesava sobre a Nação uma quota de 80% de analfabetos – conforme os cálculos da época – transformaram o analfabetismo na grande vergonha do século, no máximo ultraje de um povo que vive a querer ingressar na rota da “moderna civilização”.

Toda a movimentação em torno da importância e necessidade de

tornar a escolarização acessível à população não rompeu o distanciamento

existente entre o acesso ao ensino primário e o secundário, já que o

secundário demarcava a separação entre a “elite” e o “povo” e a escola

secundária não se alterou durante os anos 1920. Nesse tempo a escola

técnico-profissional também foi considerada em muitos planos e reformas

levando-se em conta a necessidade de formar mão-de-obra nacional.

Seguindo a ideia de difundir o ensino a toda a população o modelo da

escola graduada (ou grupo escolar), seriada, organizada e institucionalizada

como forma moderna de escolarização, implantada com a reforma educacional

paulista de 1893 orientada pelo governador Caetano de Campos, foi o modelo

que atendeu ao ideal republicano de propagar seus ritos e signos.

A escola graduada fundamentava-se essencialmente na classificação dos alunos pelo nível de conhecimento em agrupamentos supostamente homogêneos, implicando a constituição das classes. Pressupunha, também, a adoção do ensino simultâneo, a racionalização curricular, controle e distribuição ordenada dos conteúdos e do tempo (graduação dos programas e estabelecimento de horários), a introdução de um sistema de avaliação, a divisão do trabalho docente e um edifício escolar compreendendo várias salas de aula e vários professores. O modelo colocava em correspondência a distribuição do espaço com os elementos da racionalização pedagógica – em cada sala de aula uma classe referente a

26

uma série; para cada classe, um professor. (SOUZA, 2004, p. 114)

Os grupos escolares passaram a ser o modelo organizacional de

escola a ser adotado em outros estados sendo o modelo paulistano a

referência para os demais. A partir de 1916 até 1929 a implantação dos grupos

escolares em diversos estados brasileiros seguiu um ritmo constante. A

seriação do ensino, a divisão do tempo e de conteúdos e a preparação dos

professores que nela atuariam, passou a ser parâmetro de organização do

espaço escolar.

Embora tenham ficado sem cumprir muitas promessas, os vários

movimentos populares, sejam políticos ou culturais favorecerem as condições

para que em 1924 fosse criada a Associação Brasileira de Educadores (ABE),

marcando o surgimento de um novo grupo de educadores e intelectuais, que

estimulados pelas propostas da Escola Nova9,passou a promover discussões

nacionais que aliavam as várias facções ligadas à educação, como liberais que

defendiam o Plano Nacional de Educação e os católicos que se posicionavam

contra sua laicidade.

Dentro das questões referentes aos projetos educacionais que

estiveram em curso durante a Primeira República, também têm destaque

algumas reformas de instrução pública que ocorreram nos estados brasileiros,

reformas estas que apresentam certas particularidades referentes ao espaço

onde ocorrem, mas que estão ligadas ao ensino primário e a formação dos

professores para essa escola. Schueler e Magaldi (2008, p. 50), afirmam que:

Podem ser situadas, nesse quadro, as reformas conduzidas por Carneiro Leão (1922-1926), Fernando de Azevedo (1927-1930) e Anísio Teixeira (1931-1935), no Rio de Janeiro; Sampaio Dória (1920), Lourenço Filho (1930 -1931), Fernando

9. O movimento Escola Nova foi corrente de pensamento pedagógico que surgiu entre o final

do século XIX e o início do século XX, na Inglaterra, seu objetivo era construir uma escola que atendesse as necessidades da sociedade capitalista, e as transformações técnicas promovidas pela Revolução Industrial. O movimento defendia uma escola que valorizasse o espírito de iniciativa e a independência, virtude de uma sociedade democrática. No campo epistemológico, esta escola deveria buscar fundamentos filosóficos e científicos para um aprendizado mais eficaz. Para o movimento escola nova, a escola tradicional valorizava o elitismo e para a obediência, em detrimento da busca pelo conhecimento. Dentre alguns pensadores importantes para este movimento destacam-se John Dewey, Maria Montessori e Celestin Freinet (ARANHA, 2006, p. 263).

27

de Azevedo (1933) e Almeida Jr. (1935-1936), em São Paulo; Francisco Campos (1927-1930), em Minas Gerais; Lourenço Filho (1922-1923), no Ceará; Anísio Teixeira (1925-1927), na Bahia e Carneiro Leão (1928-1930), em Pernambuco.

As reformas desencadeadas nos estados impulsionaram um amplo

movimento de discussões e debates no campo educacional que ao longo dos

anos 1930 tinha como pensamento pedagógico dominante, o ideário

escolanovista.

O panorama internacional influenciou fortemente a economia brasileira

com a quebra da bolsa de Nova York e a crise de 1929, que gerou violenta

queda nas exportações. A Revolução de 1930 marcou o momento em que o

Brasil abandona o modelo agrário-exportador vigente até então, e passa para

um ciclo econômico de substituição de importações, pois o país adquiriu a

capacidade de produzir os bens que antes importava. O contraponto é que o

mercado interno se equilibrou sem que houvesse desenvolvimento científico e

tecnológico; ficamos dependentes da importação de tecnologias e

conhecimentos.

Segundo Tavares (1982, p. 38):

Na realidade, o termo “substituição de importações” adotado para designar o novo processo de desenvolvimento dos países subdesenvolvidos, é pouco feliz por que dá a impressão de que consiste em uma operação simples e limitada de retirar ou diminuir componentes da pauta de importações para substituí-los por produtos nacionais [...] Nada está tão longe da realidade, porém, quanto a esse desideratum. Em primeiro lugar, por que o processo de substituição não visa diminuir o quantum de importação global; essa diminuição, quando ocorre, é imposta pelas restrições do setor externo e não desejada [...] Por outro lado, no lugar desses bens substituídos aparecem outros à medida que o processo avança isso acarreta um aumento da demanda derivada por importações (de produtos intermediários e bens de capital) que pode resultar numa maior dependência do exterior, em comparação com as primeiras fases do processo de substituição.

A autora faz clara referência ao equívoco de que seria um processo

simples nacionalizar a economia e substituir importações. Na verdade o grande

obstáculo, além do complexo processo de criar condições materiais e

econômicas de produção, era criar condições de desenvolvimento de uma

28

estrutura educacional que suportasse a demanda pelo desenvolvimento de

tecnologias e conhecimentos que apoiasse essa substituição de importações.

Entretanto, embora façamos ressalvas a esse processo, consequência

imediata da quebra da bolsa de valores (1929), “oligarquias do café-com-leite”

foram enfraquecidas e derrotadas com a chegada de Getúlio Vargas e da

Aliança Liberal ao poder, período conhecido como “Era Vargas”, sendo a

princípio um governo provisório e depois com a eleição pelo Congresso

Nacional em 1934. Entre 1930 e 1937 Vargas encaminha projetos e

negociações políticas que garantem apoio para sua permanência no poder

através de um golpe de Estado levado a efeito em 1937, quando tem início o

Estado Novo. Esse momento é de grande efervescência do pensamento

pedagógico brasileiro que convive com a centralização e o autoritarismo do

governo Vargas.

[...] é interessante lembrar que todo esse período de 1930-45 já é nomeado Era Vargas, pois os componentes de autoritarismo e nacionalismo que costumam ser vistos como marcas do Estado Novo (1937-1945) já estavam presentes na própria Revolução de 1930, devido a influências das Forças Armadas e da Igreja Católica, que concorreram, entre outros fatores, para tornar viável este movimento na medida em que viam nele uma oportunidade de colocarem em prática os seus projetos de “educação do povo”. (HILSDORF, 2005, p. 91-92)

O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, publicado em 1932

marca o momento em que se propõe para o país um projeto de renovação

educacional, cujas bases seriam uma escola pública única, laica, obrigatória e

gratuita. Esse documento foi gerado em torno do processo turbulento de

reestruturação política e econômica dos anos 1930.

O projeto da “Educação Nova” apresentava um amplo programa de

política educacional como pode ser verificado no trecho a seguir:

A seleção dos alunos nas suas aptidões naturais, a supressão de instituições criadoras de diferenças sobre base econômica, a incorporação dos estudos do magistério à universidade, a equiparação de mestres e professores em remuneração e trabalho, a correlação e a continuidade do ensino em todos os seus graus e a reação contra tudo que lhe quebra a coerência interna e a unidade vital, constituem o programa de uma política educacional, fundada sobre a aplicação do princípio unificador que modifica profundamente a estrutura intima e a

29

organização dos elementos constitutivos do ensino e dos sistemas escolares. (Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, p. 414)

Uma das contribuições do Manifesto dos Pioneiros da Educação foi sua

influência na inclusão de um capítulo específico sobre educação na

Constituição Federal de 1934, o que denota o Estado assumindo neste

momento sua responsabilidade sobre a educação da população. Neste

contexto duas forças disputam espaço na definição do tipo de educação que

seria ofertado; de um lado os reformadores, pioneiros do Manifesto e pessoas

que desejavam o fim do modelo arcaico de escola e do mando oligárquico, bem

como a estabilização do Estado Burguês. Por outro lado os conservadores,

formados por um grupo remanescente da Primeira República e membros

representantes da Igreja Católica que nesse momento tinha sob sua tutela

parte significativa das escolas da rede privada. Esse segundo grupo defendia a

manutenção da escola para certos grupos, excluindo desse direito a parcela

mais pobre da população. Saviani (2004, p.34-35) comenta que o Manifesto

“provocou o rompimento entre o grupo de renovadores e o grupo católico, que

decidiu se retirar da ABE e fundar, em 1933, sua própria associação,

materializada na Conferencia Católica Brasileira de Educação”.

Durante o Governo Provisório, em 1934 foi organizada a Reforma

Francisco Campos10, na forma de um conjunto de seis decretos que criou o

Conselho Nacional de Educação, organizou o Ensino Superior, o Normal, o

Médio, o Profissionalizante e o Comercial, sendo a primeira com caráter

nacional. Em 1942, já sob a égide do Estado Novo ocorreu a Reforma Gustavo

Capanema11, organizada através de Leis orgânicas.

As reformas educacionais que se sucederam não modificaram o

panorama da educação no país, o modelo de escola que se estabeleceu foi

implantado do centro para a periferia, ou seja, atendia a realidade das capitais,

principalmente das regiões sul e sudeste, não atendendo uma grande parte da

população distanciada desses centros. O grau de exigência para o ingresso

10

. Ministro da Educação e Saúde Pública no primeiro governo Vargas, nomeado em 1931. 11

. Ministro da Educação da Ditadura Vargas.

30

nos níveis de ensino, feito por exames admissionais gerava evasão e

reprovação em altos índices e beneficiava uma parcela elitizada da sociedade.

No primeiro período do Governo Vargas (1930-1945) a educação não

apresentou resultados tão expressivos no que se refere à sua expansão,

conforme desejavam os Pioneiros e previam os documentos legais do período.

Porém, ela passa a fazer parte da agenda pública, a partir do crescimento da

demanda pela instrução e das lutas ideológicas pelo controle do sistema.

Sanfelice (2007, p. 544) argumenta que

Os interlocutores essenciais da discussão, no âmbito das elites econômicas ou culturais, representavam basicamente o velho e o novo. O velho Brasil pré-1930 tinha como sua expressão maior, em questões educacionais, a Igreja Católica. O novo, emergente a duras penas no interior do velho, se fazia representar, grosso modo, por intelectuais identificados genericamente como liberais e outros homens da administração pública. Foram anos e anos de embates que levaram os envolvidos a uma produção literária imensa sobre suas posições, seus argumentos, princípios e opções filosóficas ou ideológicas. Também aconteceram ações políticas, legislativas, administrativas, manifestações públicas e outras. Naquele quadro, as elites decadentes ou ascendentes discutiram a educação em nome de todos os segmentos sociais, pois o que lhes parecia bom para os seus próprios interesses deveria ser bom também para cada cidadão. O Estado, dada a sua autonomia relativa face às determinações dos interesses antagônicos, das elites e classes dominadas, foi ampliando seu papel na educação, caminhando em direção a um Estado cada vez mais educador do povo.

O contexto das disputas pela organização e financiamento da

educação no país corresponde a um longo período que se estende de 1946 a

1961, intercalado por turbulências políticas intensas, entre elas o suicídio de

Getúlio Vargas. No governo de Juscelino Kubitschek o debate em torno da Lei

de Diretrizes e Bases da Educação retorna à pauta, juntamente com as

disputas ideológicas. Integrantes dos Pioneiros e pensadores sociais brasileiros

defendiam a escola pública, financiada fundamentalmente pelo Estado, gratuita

e universal. Este grupo liderou a Campanha em Favor da Escola Pública e o

Manifesto dos Educadores. Sanfelice (2007, p. 545) aponta que o “Manifesto

de 1959, de certa maneira, dá sequência ao Manifesto de 1932, o

complementa e atualiza, com uma visão histórica mais de vinte anos depois”.

31

Os representantes das escolas privadas, um grupo integrante da Igreja

Católica e políticos conservadores constituíam o grupo conservador que

defendia a proposta de uma escola que complementasse a educação familiar,

sendo que à família caberia escolher entre as diversas opções de escola

pública ou privada a que melhor atendesse suas necessidades. Esta posição

justifica a defesa da liberdade de organização de estabelecimentos escolares

no país, sem a intervenção do Estado. Nessa proposta conservadora ficam

evidentes os interesses privatistas, que se posicionavam contra as ideias de

democratização das oportunidades educacionais.

Com uma maioria na representação política no Congresso Nacional as

forças conservadoras lograram êxito na aprovação da Lei de Diretrizes e

Bases, Lei 4.024, em 1961, que manteve o sistema educacional vigente no

país, propedêutico e estratificado. Conforme Assis (2012, p. 326):

O sistema se organizava, segundo a legislação anterior, da seguinte forma: ensino pré-primário, constituído de escolas maternais e jardins de infância; ensino primário, de 4 anos com chance de ter 2 anos acrescidos com programa artes aplicadas; ensino médio, subdividido em dois ciclos – o ginasial de 4 anos, (com as subdivisões de secundário, comercial, industrial, agrícola e normal), e o colegial de 3 anos (subdividido em comercial, industrial, agrícola e normal), ambos compreendendo o ensino secundário e o ensino técnico; e ensino superior, com a mesma estrutura já consolidada anteriormente.

Nesse sentido, os grandes problemas de acesso, evasão e

analfabetismo, principalmente nas regiões do interior do país não encontraram

solução na nova legislação.

Concretamente, a legislação proposta pela Lei n. 4.024/61 conciliaria interesses dos privatistas e defensores da escola pública (estatal), como era de se esperar de um embate em que os principais envolvidos representavam frações de uma mesma classe social. Os interesses realmente antagônicos estavam sendo forjados no movimento operário, no movimento dos camponeses, em certos setores das camadas médias ou de grupos de intelectuais que foram derrotados na seqüência dos acontecimentos políticos ocorridos no transcorrer dos governos de Jânio Quadros e João Goulart, culminando com a vitória do movimento civil-militar de 1964. (SANFELICE, 2007, p. 555)

32

O golpe militar ocorrido em 1964 colocou em cena grupos políticos que

deram sustentação e legitimidade ao novo regime. Novos dispositivos legais

foram organizados para orientar a educação no país: a Lei nº 5.540/68

regulamentou a reforma universitária, instituiu os princípios sob os quais o

ensino superior passou a ser organizado e as condições para seu

funcionamento, bem como as formas de articulação com o ensino médio, em

resposta à demanda que existia por ensino superior; a Lei nº 5.692/71,

concebida no auge do chamado “milagre econômico”12, fixou as bases para o

funcionamento do ensino de 1º e 2º Grau; esta priorizava a educação primária

e a formação técnica, visando atender uma grande parcela da população

excluída do ensino superior. Segundo essa lei foi definido um currículo pleno

para o 1º e 2º Graus que compreendia uma parte geral e outra de formação

especial, voltada para habilitar profissionalmente qualquer jovem estudante a

ingressar no mundo do trabalho como técnico. Na opinião de Romanelli (1989,

p.235), a “profissionalização do nível médio, portanto, era vista como uma

exigência que teria como resultado selecionar apenas os mais capazes para a

Universidade, dar ocupação aos menos capazes, e, ao mesmo tempo, conter a

demanda de educação superior em limites mais estreitos”. Este projeto, contudo, não atingiu os resultados esperados, já que as

escolas não possuíam a estrutura para implantar os cursos técnicos ou

optavam por cursos baratos que não encontravam correspondência no

mercado de trabalho vindo a ser extinto em 1983.

O sistema técnico e racional é totalmente coerente com um regime que

deseja retirar da escola e do seu currículo o caráter social e histórico que ela

possui. A racionalidade técnica e utilitária impressa na linha de produção

industrial foi implantada no setor educacional e contribuiu para a preservação

do controle e dominação, bem como para a reprodução das desigualdades e

injustiças sociais. Nessa mesma perspectiva cresceram propostas pedagógicas

como microensino, tele ensino, a instrução programada e o ensino à distância.

Nessa perspectiva Veiga (1989, p.35) relata que

12

. Período do governo Médici que entrou para a história como o período em que se registraram os maiores índices de desenvolvimento e crescimento econômico do país.

33

O período compreendido entre 1960 e 1968 foi marcado pela crise da Pedagogia Nova e articulação da tendência tecnicista, assumida pelo grupo militar e tecnocrata. O pressuposto que embasou esta pedagogia está na neutralidade científica, inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade. Buscou-se a objetivação do trabalho pedagógico da mesma maneira que ocorreu no trabalho fabril. Instalou-se na escola a divisão do trabalho sob a justificativa de produtividade, propiciando a fragmentação do processo e com isso, acentuando-se as distâncias entre quem planeja e quem excuta.

Outra iniciativa do Regime Militar que merece destaque refere-se à

educação de jovens e adultos, que foi tratada através da criação do MOBRAL

(Movimento Brasileiro de Alfabetização); este projeto serviu como meio de

publicidade do governo para suas iniciativas educacionais. Também nesse

período foi dada ênfase ao ensino supletivo. Teve início um movimento em

direção ao incremento de matrículas, visto que a expansão da educação básica

verificada no período populista entrou em crise no estabelecimento do Estado

autoritário e burocrático em 1964. Para Rosa (2006, p.50):

[há] uma tendência muito forte no ensino durante a Ditadura Militar no Brasil, que foi, fundamentalmente, a ênfase em uma educação de caráter técnico-funcional, ou seja, preocupada estritamente com aspectos específicos e práticos, no jogo do capitalismo internacional, associando a toda uma política econômica em curso.

A política educacional que vigorou durante os anos de 1964 até 1985

esteve atrelada a um processo histórico, político e cultural que aparelhou a

escola com vistas a reproduzir as ideias de moral e civismo, bem como de

segurança nacional, através de uma falsa democratização com ênfase na

questão quantitativa e total exclusão no que se refere à participação política da

população. A realidade da educação brasileira pode ser sintetizada nas

palavras de Gatti e Barreto (2009, p. 11), quando afirma que

A escolarização no Brasil foi durante séculos apanágio das elites, em que pese a existência de propostas educacionais em documentos e estudos, em debates entre teóricos, filósofos, políticos e religiosos, e em algumas poucas escolas, porém sem um correspondente em política inclusiva da população como um todo na escola (UNESCO/INEP, 2009, p.11).

Em 1985, os ventos da democracia varreram o país, porém os

discursos oficiais que colocavam a educação como agenda do Estado não se

34

consolidaram em ações que garantissem uma educação gratuita e de

qualidade a toda população. O processo de formação de professores para os

diferentes níveis da educação também acompanha a trajetória histórica,

apresentando periodicamente alterações coerentes com o perfil de professor

que se desejava formar, conforme discorremos a seguir.

1.2. Formação de Professores: trechos do percurso

Os primeiros professores brasileiros foram os padres jesuítas, que

integravam a Companhia de Jesus; o trabalho se baseava nos ensinamentos

religiosos, num processo catequético. Logo após a expulsão da Companhia de

Jesus no ano de 1759, houve a implantação do sistema denominado aulas

régias na colônia, sendo essa a primeira iniciativa de constituir um sistema

público de ensino, pois seria o Estado o responsável pela contratação de

mestres leigos, apesar de não haver qualquer compromisso com a formação

específica deles. A maioria dos mestres leigos se formou nas escolas jesuíticas

que, mesmo tendo alterado o currículo, mantiveram as mesmas características

na forma de ensinar.

No Império, foram estabelecidos os sistemas de ensino provinciais e

fundadas as escolas normais, segundo o modelo europeu, para atender a falta

de professores verificada no território. Surgiram os primeiros mestres

profissionais, com um saber sistematizado, formados em uma dinâmica de

transmissão-recepção dos conteúdos através de métodos oficiais reproduzidos

nas escolas de educação básica. É também próximo ao advento da República

que a primeira escola normal brasileira foi criada na Província do Rio de

Janeiro, em meados do século XIX.

Após a proclamação da República, ocorreu uma reforma do ensino

evidenciando a influência positivista nas escolas normais com produção de

currículos planejados tecnicamente. Para Saviani (2005, p. 2):

O advento da República não chegou a trazer modificações substantivas no campo educativo. Mas as preocupações manifestadas no final do Império no que se refere ao desenvolvimento da instrução se mantiveram e, de certo modo, se aprofundaram ao menos na década de 1890, quando da implantação do novo regime político. É nesse quadro que podemos detectar o primeiro momento decisivo da formação

35

docente no Brasil, cujo epicentro pode ser localizado na reforma da escola normal do Estado de São Paulo.

Desde o início do século XX, foram muitas reformas empreendidas no

ensino que geraram novas orientações na formação dos professores.

Resultaram desse processo novos paradigmas de formação docente dentre os

quais o paradigma técnico-racional que se tornou hegemônico no Brasil.

Aqui consideramos necessária uma definição do modelo da

racionalidade técnica que segue o paradigma ao qual nos referimos acima.

Para tanto nos apoiamos nas ideias de Contreras (2002, p.90):

A ideia básica do modelo de racionalidade técnica é que a prática profissional consiste na solução instrumental de problemas mediante a aplicação de um conhecimento teórico e técnico, previamente disponível, que procede da pesquisa científica.

É instrumental porque supõe a aplicação de técnicas e procedimentos

que se justificam por sua capacidade para conseguir os efeitos e resultados

desejados. Como ideia geral entende que a prática profissional é um caso

particular de qualquer ocupação ou ação racional, enquanto pretende a

aplicação de meios disponíveis a fins definidos; o que diferencia as profissões

é a forma com que se aborda a solução de problemas, os meios de que se

dispõe para isso, são meios técnicos baseados no conhecimento científico

especializado.

Os princípios tecnicistas passaram a reger a educação brasileira, no

período da ditadura militar. O direcionamento ideológico da ditadura se

contrapôs à tendência escolanovista, pois implantou a obrigatoriedade da

profissionalização a todos os alunos em nível de 2º grau.

Assim, a formação de professores para as séries iniciais e educação

infantil passou a ser efetivada em cursos técnicos- Habilitação Específica para

Magistério em nível de 2º grau (HEM). A organização legal dessa formação

definiu a constituição do currículo tendo uma base comum, obrigatória, em

âmbito nacional e uma parte de formação especial que representava o mínimo

necessário à habilitação profissional.

Em 1983, como projeto experimental foi implantado em seis estados

brasileiros o Projeto CEFAM (Centro de Formação e Aperfeiçoamento do

36

Magistério), que apresentava práticas inovadoras para a formação inicial de

professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental, somadas a

pesquisa e a formação inicial e continuada. No estado de São Paulo estas

instituições foram extintas pela Resolução SE 119, de 7/11/2003.

A partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional - LDB/EN 9394/96 a formação exigida para exercer funções de

docência passou a ser em nível de licenciatura. Levando em conta os

interesses em disputa no cenário político, econômico e educacional à época

em que a LDB 9394/96 foi promulgada e passou a orientar a Educação do país,

consideramos importante apresentar uma síntese dos acontecimentos que

compuseram esse momento, pois não podemos perder de vista que a

formulação de leis e demais mecanismos que organizam o sistema educacional

brasileiro são formas concebidas e modificadas considerando as necessidades

do capital e aos interesses políticos de quem disputa o comando do Estado.

1.2.1. A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996

A IV Conferência Brasileira da Educação, ocorrida em 1986, deu início

um longo processo de oito anos de debates e negociações relacionados à

educação brasileira, que passou pela elaboração do anteprojeto de LDB nº

1.258-C/88 defendido por movimentos sociais e educadores, que pleiteavam

entre outras garantias a universalização do ensino fundamental e um sistema

nacional organizado de forma a garantir a articulação entre os vários níveis e

modalidades de ensino, nas três esferas administrativas - federal, estadual e

municipal, assim como a permanente melhoria da sua qualidade.

A tramitação do projeto de LDB (PL nº 1.258-A/88), na Câmara dos

Deputados, foi paralisada pela situação de crise e de instabilidade econômica

que se agravou durante o governo Collor (1990/1992), juntamente com os

constantes escândalos e denúncias de corrupção no governo, provocando a

instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar as

denúncias feitas. O resultado foi impeachment do presidente, conduzido pelo

Congresso Nacional. No transcurso dessas negociações o primeiro anteprojeto

de LDB foi substituído, em 1992, por outro de autoria do então senador Darcy

Ribeiro. A respeito dessa mudança Lobo Neto (2010, p.2) explica que:

37

[...] em 20 de maio de 1992, enquanto as Comissões da Câmara processavam as emendas do Plenário, o Senador Darcy Ribeiro apresentava um outro Projeto de Lei (PLS nº 67/1992). Elaborado com alguns assessores seus e outros do Ministério da Educação, e com o apoio dos Senadores Marco Maciel e Maurício Corrêa, o Projeto Darcy Ribeiro tenta concorrer, em tramitação paralela no Senado, com o Projeto que seguia seu curso na Câmara dos Deputados. Na Câmara dos Deputados, somente em 13 de maio de 1993, o texto com redação final da Relatora Deputada Ângela Amim é aprovado por acordo de lideranças. E, no dia 26 de maio, é remetido ao Senado Federal, identificado como Projeto de Lei n° 101/1993.

Após cinco anos de discussões na Câmara dos Deputados o Projeto de

Lei nº 1.258/88 – C chegou ao Senado e passou a ter a identificação de PLC nº

101/93. Neste mesmo ano o projeto recebeu 251 emendas e mais 11 em 1994.

Do total dessas emendas, o Parecer nº 250/94 – CE foi apresentado pelo

senador Cid Sabóia com substitutivo em 30/11/1994, incorporando na íntegra

as proposições de 79 emendas, parcialmente acatou 29 e rejeitou todas as

demais, indo ao plenário em dezembro do mesmo ano. Através de artifícios

regimentais a LDB foi remetida para ser apreciada no ano seguinte, visto que

findava a legislatura. Em 1995, devido a não reeleição do senador Cid Sabóia,

o novo relator designado, senador Darcy Ribeiro exibiu um parecer pela

rejeição do PLC nº 101/93, ao mesmo tempo em que ofereceu um substitutivo

ao projeto. Após muitos debates e manobras no plenário, o relator Darcy

Ribeiro concluiu pela aprovação do PLC 101/93 considerando a versão de seu

substitutivo e pelo descarte do substitutivo Cid Sabóia.

Em outubro de 1995 o plenário do Senado aprovou o substitutivo Darcy

Ribeiro, após oferecer 316 emendas, tendo destas, 67 emendas aprovadas e

108 parcialmente aprovadas. Em março de 1996 o projeto com redação final

aprovada foi remetido à Câmara dos Deputados.

O complicado processo de elaboração, a forma arbitrária como o

projeto apresentado foi remetido ao Senado, as discussões e inúmeras

emendas que gerou, dividiu opiniões sobre a nova LDB 9.394/96, aprovada em

20 de dezembro de 1996. O diploma legal não atendeu as propostas dos

educadores que uma década antes já discutiam as medidas necessárias para

promover uma potencial mudança na educação brasileira. Ao mesmo tempo as

condições históricas em que esse documento foi formulado e os interesses dos

38

diversos setores envolvidos conduziram a acordos nos quais uma classe

hegemônica dominante buscou afirmar-se por todos os meios possíveis.

O sociólogo, à época deputado Florestan Fernandes, em artigo

publicado no jornal Folha de São Paulo, fez as seguintes declarações sobre os

acontecimentos do período:

[...] O que é um projeto de lei que se apresenta dentro de um ponto de vista renovador, e coloca o legislador no âmago das diversas situações educacionais concretas, junto aos agentes do ensino -professores, estudantes, proprietários, funcionários, órgãos oficiais, privados ou de interesse coletivo, o Fórum Nacional de Defesa da Escola Pública, a comunidade adjacente e a nação como um todo- e das orientações pedagógicas frustradas ou vivas dentro do horizonte intelectual desses agentes. Darcy Ribeiro preferiu optar pelos caminhos batidos das nossas tradições parlamentares, entregando-se a uma concepção cerebrina e elitista do processo de elaboração legislativa, segundo a qual os que "sabem" e "devem cuidar" das leis, com exclusividade, são os políticos consagrados pelo sufrágio eleitoral. Aqueles que possuem vivência pedagógica das escolas não teriam um lugar próprio para participar da atividade produtiva do legislador. Faltar-lhes-ia "competência" para tanto [...]. (FERNANDES, Folha de São Paulo,1995)

Em relação a essas declarações o senador Darcy Ribeiro rebateu no

mesmo jornal, dez dias depois, considerando as críticas recebidas:

[...] O projeto de lei geral da educação elaborado na Câmara é um diploma de consolidação do sistema educacional que temos, em que a escola básica não alfabetiza, a média não ensina e a superior simula ensinar. Chegamos, por essa via, a fazer papel notável no mundo como o país que oferece a seu povo a pior educação. Pior até que a de Bangladesh. Congelar por lei esse sistema é um crime. Sobretudo neste tempo em que países como França, Argentina, Portugal e Espanha reformaram sua legislação para abrir as escolas à experimentação e utilizar a nova tecnologia educativa. A lei de que Florestan gosta consagra o sistema educacional que herdamos da ditadura e entrega o comando das universidades ao aventureirismo das votações de alunos e funcionários [...]. (RIBEIRO, Folha de São Paulo, 1995)

As argumentações de ambos os autores fazem parte de um conjunto

de polêmicos debates e enfrentamentos ocorridos durante o processo de

elaboração e aprovação da LDB 9394/96, que deixam evidentes os diferentes

posicionamentos suscitados pelo documento e as diferentes concepções de

39

educação que estavam sendo defendidas. Cury (1997, p. 15), ressalta as

condições diversas que acompanham o processo de elaboração de uma lei:

Toda Lei nova carrega algum grau de esperança, mas carrega alguma forma de dor, já que nem todos os interesses nela previamente depositados puderam ser satisfeitos. Esta lei, de modo especial, registra as vozes que, de modo dominante, lhe deram vida. Mas registra, também, vozes recessivas umas, abafadas outras, silenciosas tantas, todas imbricadas na complexidade de sua tramitação. Por isso a leitura da LDB não pode prescindir desta polifonia presente na Lei, polifonia nem sempre afinada, polifonia dissonante.

Os embates entre as duas casas legislativas, Câmara e Senado,

tornaram lento o processo de aprovação da LDB e de certa forma

possibilitaram as disputas entre a esfera pública e a privada que fortaleceram o

ideário neoliberal. A LDB 9394/96 foi aprovada num contexto de

transformações políticas e econômicas internacionais, nas quais os maiores

países capitalistas e instituições multilaterais (Banco Mundial, Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID), Organização Internacional

Comércio, entre outros), exerciam pressão junto aos países periféricos para

que reformassem suas economias, a fim de garantir o equilíbrio das relações

comerciais e o pagamento de suas dívidas externas.

A nova legislação representou alguns avanços que possibilitaram uma

autonomia entre as instituições de ensino, municípios e estados, sem, contudo,

retirar a supremacia do Estado no que se refere à garantia da educação

brasileira. A LDB 9394/96 (BRASIL, 2014) explicita a responsabilidade do

Estado como fiscalizador e regulamentador das instituições públicas e privadas

no que tange aos aspectos da educação nacional, definindo ações e objetivos

a serem alcançados. Esse papel fica definido desde o título primeiro da LDB

9394/96, onde o aspecto social se sobrepõe ao da vida pessoal dos indivíduos:

Art. 1º. A educação abrange os aspectos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. § 1º. Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.

40

§ 2º. A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social (BRASIL, 2014, p.)

A LDB 9394/96 foi uma lei estruturada para organizar a educação

escolar e a coloca, conforme seu texto, diretamente ligada ao mundo do

trabalho e à prática social; estabelece também o dever da família e do Estado

sobre o acesso e permanência na escola e os princípios em que o ensino

deverá estar assentado para que o educando atinja seu desenvolvimento

pleno. Nos primeiros capítulos a lei formulada retoma os princípios

constitucionais, o caráter universal desses princípios torna o texto

inquestionável, porém, o mesmo texto não esclarece quem serão os agentes

responsáveis para concretizá-los e determinadas obrigações são apenas

conceituadas.

Outro ponto a ser destacado quando nos referimos à LDB 9394/96 é a

permanência do conflito público x privado que historicamente permeia a

educação brasileira. Esse conflito permanece no campo educacional brasileiro,

disfarçado em defesa da “liberdade de ensino”, uma disputa ideológica, que

reforça o aspecto excludente de nossa sociedade, visto que o privado se

articulou com a educação voltada para as elites e sempre foi marca de quem

detém o poder. Os artigos 16, 17, 18, 19 e 20 especificam a participação das

instituições privadas de ensino nos sistemas federal, estadual e municipal de

ensino, bem como as categorias em que o sistema se organiza e que tais

instituições são classificadas.

Art. 19. As instituições de ensino dos diferentes níveis classificam-se nas seguintes categorias administrativas:

I. públicas, assim entendidas as criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo poder público;

II. privadas, assim entendidas as mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. (BRASIL, 2014, p. 16)

Desde que foi promulgada, a LDB passou por várias atualizações,

sendo a última no ano de 2013, oficializada através da lei 12.796, de 4 de abril

de 2013. Tais alterações tiveram o propósito de adequar as diretrizes à

realidade da educação atual. As mudanças ocorridas nos últimos anos em

torno da escola, especialmente a pública, torna necessária a revisão nas

41

Diretrizes e Bases da Educação Nacional de forma a contemplar uma série de

situações que nas condições sócio históricas em que foram elaboradas não se

faziam presentes.

Em 2009 a Emenda Constitucional 5913 proporcionou mudanças

significativas em relação ao período de obrigatoriedade escolar, que passou a

ser dos 4 aos 17 anos, criou o Sistema Nacional de Educação (SNE) e

estabeleceu metas de ampliação do investimento do PIB na educação. As

novas exigências na obrigatoriedade escolar coloca aos municípios a

necessidade de ampliarem a oferta de vagas em pré-escola e ensino

fundamental, para cumprirem até 2016 com o prazo da universalização,

utilizando a metodologia do recenseamento. Ao SNE cabe a tarefa de organizar

um sistema que vá além do estabelecimento de competências e da

redistribuição de recursos nos estados com relativo apoio do governo federal.

O Sistema Nacional deve considerar a igualdade de condições de oferta,

independentemente de quaisquer condições do estudante, pois ele deve ser

atendido em suas necessidades básicas de aprendizagem com a qualidade.

A ampliação do investimento das verbas do PIB, recentemente elevada

para 10% com a aprovação do novo Plano Nacional de Educação em 25 de

junho de 2014, reafirmou a insuficiência de recursos destinados à educação e a

necessidade de sua ampliação, visto que sem isso, mais crianças serão

incluídas na escola em condições precárias de trabalho e aprendizagem.

A Lei 12.796/2013 promoveu ajustes na redação da LDB 9394/96 e

acrescentou novos parâmetros de obrigatoriedade prevendo que as crianças

com 4 anos deverão ingressar na escola, sendo os pais incumbidos de efetivar

esse ingresso. O currículo da educação infantil também foi alterado, devendo

seguir a mesma base comum em todo o país, considerando e respeitando a

diversidade cultural regional. O educador deverá acompanhar o

13

. Emenda Constitucional 59:Acrescenta § 3º ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias para reduzir, anualmente, a partir do exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas da União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao § 4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI.

42

desenvolvimento das crianças, mas sem a finalidade de aprová-las ou

reprová-las.

As transformações sociais em curso nas sociedades contemporâneas

pressupõem que as leis e diretrizes educacionais são elaboradas sob a

sujeição de decisões políticas, o que significa dizer que os detentores do poder

político e econômico também possuem poder para intervir nas decisões

educacionais. Confirmar alguns aspectos ideológicos da LDB 9394/96 e a

influência deles no encaminhamento das questões educacionais no país, não

diminui o reconhecimento da importância que deve ser dada a esse

ordenamento legal e organizacional do sistema de ensino. Nossa intenção foi

fazer uma breve avaliação sobre as condições históricas em que foi elaborada

a LDB 9394/96 salientando alguns pontos importantes dessa construção.

É na prática histórica que as mudanças se efetivam e que verificamos a

consistência das leis e normas elaboradas para organizar a vida das pessoas e

instituições. A LDB traz em seu bojo aspectos relacionados à formação dos

professores, entre eles normas que se referem ao Estágio Supervisionado,

dimensão diretamente ligada à qualidade da educação que se deseja ofertar.

Sem a pretensão de um maior aprofundamento, apresentamos alguns pontos

desse assunto na unidade a seguir.

43

2. AS DIMENSÕES DO ESTÁGIO

SUPERVISIONADO

O Estágio Supervisionado foi instituído como componente legal e

obrigatório dos cursos de formação de professores a partir do Parecer 292, de

14 de novembro de 1962, do extinto Conselho Federal de Educação. Pela

primeira vez a Prática de Ensino era estabelecida sob a forma de Estágio

Supervisionado, sendo componente curricular mínimo e obrigatório a ser

cumprido em todos os cursos de formação de professores daquela época.

Antes a prática de ensino era um componente facultativo dos programas de

formação docente. Ao longo de algumas décadas muitos documentos foram

elaborados evidenciando importância do Estágio como espaço privilegiado de

aprendizagem na formação inicial, entre eles a LDB 9394/96 e as Diretrizes

Curriculares Nacionais.

2.1. A Dimensão Legal do Estágio Supervisionado

Conforme o artigo5º da LDB 9304/96 a Educação é um direito social

público e subjetivo consagrado da mesma forma no inciso VII do Art. 208 da

Constituição Federal da República de 1988.

Art. 5º. O acesso à Educação básica obrigatória é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o poder público para exigi-lo. (BRASIL, 2014, p. 11)

A Lei de Diretrizes e Bases, cujo processo de elaboração já foi

apresentado na primeira unidade desta dissertação, foi embasada em diversos

dispositivos constitucionais. Composta de vários eixos estruturantes normatiza

o Sistema Educacional Brasileiro e reserva título específico para a formação de

professores dentro desse sistema. Além da LDB outros diplomas legais foram

elaborados instituindo normas educacionais que visam organizar os sistemas

de ensino em todas as modalidades, destacando-se o ensino superior no que

tange a formação de professores, através das Diretrizes Curriculares

Nacionais, as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Pedagogia e as

44

Deliberações 111/2012 E 126/2014 que alteram essas Diretrizes. Também o

Estágio Supervisionado, previsto como etapa da formação docente está

disposto no ordenamento legal do ensino.

2.1.1. A LDB 9394/96 e a Formação de Professores

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/96)

consagra o Título VI aos Profissionais da Educação. Em seus artigos 61 e 62

prescreve que a formação de profissionais da educação para os diferentes

níveis e modalidades de ensino dar-se-á considerando-se a associação entre

teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço e o

aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de

ensino e outras atividades em nível superior, licenciatura, graduação plena,

admitida como formação mínima para o exercício do magistério na educação

infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em

nível médio, na modalidade Normal. (BRASIL, 2014, p. 35-36).

Assegura ainda a esses profissionais, no artigo 67, o aperfeiçoamento

contínuo e se for o acaso um período de licença remunerada para essa

formação. Da mesma forma prevê um “piso salarial profissional” e "progressão

funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho";

também um "período reservado a estudos, planejamento e avaliação” a ser

incluído nas horas de trabalho; e as "condições adequadas de trabalho"

(BRASIL, 2014, p. 37).

No texto legal é possível verificar uma valorização dos profissionais da

educação, contudo, não são especificadas as condições para que tal

propositura se estabeleça na prática, já que não apresenta dispositivos que

garantam a valorização socioeconômica e cultural da profissão, ao mesmo

tempo em que não especifica um projeto de melhoria da qualificação dos

profissionais e a organização dos planos de carreira.

A LDB 9394/96 contempla no artigo 65 a previsão da prática de ensino

considerando “no mínimo, trezentas horas” para esse fim, excetuando a

formação para o nível superior; porém, as definições mais específicas sobre

essa prática e algumas alterações importantes que se somaram a legislação

sobre o Estágio Supervisionado são conteúdo de pareceres, diretrizes e

45

deliberações que alteraram as proposições do artigo 65 no tocante as horas de

prática e desenvolvimento de programas e atividades que possibilitem a

articulação da teoria com a prática educativa, nos cursos de formação de

professores. Um deles, a Resolução CNE/CP 02/2002, contém entre outras as

seguintes normativas:

Art. 1º A carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, será efetivada mediante a integralização de, no mínimo, 2800 (duas mil e oitocentas) horas, nas quais a articulação teoria-prática garanta, nos termos dos seus projetos pedagógicos, as seguintes dimensões dos componentes comuns: I. 400 (quatrocentas) horas de prática como componente

curricular, vivenciadas ao longo do curso; II. 400 (quatrocentas) horas de estágio curricular

supervisionado a partir do início da segunda metade do curso;

III. 1800 (mil e oitocentas) horas de aulas para os conteúdos curriculares de natureza científicocultural;

IV. 200 (duzentas) horas para outras formas de atividades acadêmico-científico-culturais. (BRASIL, 2002)

O § 4º do art. 87da LDB 9394/96, descreve a possibilidade dos

profissionais serem formados em serviço com aproveitamento de experiências

anteriores: “§ 4º Até o fim da Década da Educação somente serão admitidos

professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em

serviço.”(BRASIL, 2014, p.44). A letra da lei é bastante genérica, possibilitando

uma formação debilitada ou uma semiformação, na medida em que

“treinamento em serviço” poderá conduzir a uma formação superficial e

compartimentada, atendendo à lógica mercantilista (BANDEIRA; OLIVEIRA,

2012). Também estão ausentes dispositivos explícitos que tratem da identidade

desses profissionais. Entendemos que é a partir dela [da identidade] que são

definidas as demais atribuições desse profissional, o que em parte ocorre no

art. 13 da LDB, que trata dessa matéria.

I. participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

II. elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

III. zelar pela aprendizagem dos alunos; IV. estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de

menor rendimento;

46

V. ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à a avaliação e ao desenvolvimento profissional. (BRASIL, 2014, p.15)

Logo em seguida à aprovação da LDB 9394/96 tornou-se evidente as

várias lacunas apresentadas pelo documento, que já no ano seguinte

começaram a ser preenchidas através de resoluções, decretos e demais

mecanismos legais que se prestassem a essa necessidade. Um exemplo é a

Resolução 3/97 que define quem são os profissionais que integram o

Magistério:

Art. 2º Integram a carreira do Magistério dos Sistemas de Ensino Público os profissionais que exercem atividades de docência e os que oferecem suporte pedagógico direto a tais atividades, incluídas as de direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional. (BRASIL, 1997).

Neste mesmo documento fica especificada a qualificação mínima para

o exercício da docência e a delimitação de prazo para que os profissionais já

em exercício se enquadrem nessas exigências.

Art. 4º. O exercício da docência na carreira de magistério exige, como qualificação mínima: I. ensino médio completo, na modalidade normal, para a

docência na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental;

II. ensino superior em curso de licenciatura, de graduação plena, com habilitações específicas em área própria, para a docência nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio;

III. formação superior em área correspondente e complementação nos termos da legislação vigente, para a docência em áreas específicas das séries finais do ensino fundamental e do ensino médio. § 1º. O exercício das demais atividades de magistério de que trata o artigo 2º desta Resolução exige como qualificação mínima a graduação em Pedagogia ou pós-graduação, nos termos do artigo 64 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. § 2º. A União, os Estados e os Municípios colaborarão para que, no prazo de cinco anos, seja universalizada a observância das exigências mínimas de formação para os docentes já em exercício na carreira do magistério (BRASIL, 1997)

47

Na esteira da aprovação da nova LDB discutiram-se propostas para

formação de professores. Também em 1997 o Conselho Nacional de Educação

aprovou o Parecer 04/97 apresentando uma “proposta de resolução referente

ao programa especial de formação de Professores para o 1º e 2º graus de

ensino - Esquema I”, visando atender a uma grande carência de professores

para as séries iniciais naquele momento. Nos chama atenção o destaque

abaixo, pois percorridos 17 anos da elaboração do documento, as afirmações

permanecem atuais.

Há uma história já longa em torno da formação de professores em nosso país, que não pode ser ignorada, ao nos voltarmos para a busca de soluções dos problemas atuais, sob pena de repetirmos erros já cometidos e não aproveitarmos lições já aprendidas. Sob este aspecto é bom lembrar os problemas desencadeados com a instalação da licenciatura curta nos anos 70, que procurava também atender à falta de professores, mas produziu, e produz ainda, efeitos negativos sobre sua formação, tanto no que se refere à preparação nos domínios específicos das disciplinas científicas, quanto no pedagógico. [...] Enfatizamos a importância da definição de uma política nacional ampla para a formação profissional de docentes, que trate integradamente a formação inicial, as condições de trabalho, as questões salariais e de carreira e a formação continuada (BRASIL, 1997, p. 2-3).

Na LDB 9394/96, Título IX (Disposições Transitórias), ficou instituída

pelo Art. 87 a Década da Educação, com início, conforme Parecer homologado

151/98, em 20 de dezembro de 1997 e término em 19 de dezembro de 2007.

Os números da pesquisa, acima citados, demonstram que os objetivos

propostos não foram atingidos. No parágrafo 4º do Art. 87, está disposto que

ao final da Década da Educação somente seriam admitidos professores

habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço nas

funções docentes e a ausência de clareza nas questões referentes à “formação

por treinamento em serviço” gerou muitas discussões, sendo necessária a

elaboração de vários Pareceres e Resoluções para tratar da matéria, entre eles

o Parecer CNE/CES nº 151/98, Parecer CNE/CEB nº 1/2003, CNE/CEB nº

3/2003, Resolução CNE/CEB n.º 1 e Parecer CNE/CP nº 8/2009.

Periodicamente os processos relacionados à educação são envolvidos

por novas ideias que se relacionam ao ensino e a aprendizagem, mas tudo que

ocorre nesse sentido é resultado de longos processos históricos que emergem

48

de discussões, retrocessos, estranhamentos, avanços, experimentos que por

fim dão origem a algumas mudanças. Por isso neste trabalho buscamos

contribuir para o diálogo relativo às situações de formação inicial - neste caso o

Estágio Supervisionado - buscando reafirmar nossa opinião sobre sua

importância como momento de aproximação da prática profissional, que se dá

em um tempo e lugar situado historicamente.

2.1.2. As Diretrizes Curriculares Nacionais

O recente processo de democratização do acesso e expansão da

escola pública brasileira aumentou sensivelmente a demanda por novos

professores para atender a parcela da população que foi historicamente dela

excluída. Em decorrência, assistimos a uma grande expansão dos cursos de

licenciatura, em especial os cursos de Pedagogia em instituições privadas.

Dados divulgados no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

“Anísio Teixeira” (INEP)14 indicam que em 2011 o Brasil contava com 7.911

cursos de licenciatura, sendo 4.065 (51,4%) desses cursos em instituições

públicas e 3.846 (48,6%) em instituições privadas. Os números indicam ainda a

existência de 1.801 cursos de Pedagogia, sendo 611 (33,9%) oferecidos em

instituições públicas e 1.190 (66,1%) em instituições privadas.

A expansão do ensino superior, destacadamente, dos cursos de

formação de professores tem fomentado a discussão e o debate sobre o tema

entre autores como Libâneo; Oliveira; Tochi (2011); Ferraço, (2008); Maciel;

Shigunov Neto (2011); Saviani (2011). No bojo dessa temática, os estudos

sobre Práticas de Ensino e Estágio Supervisionado na formação inicial tem tido

especial relevância nos trabalhos de Pimenta (1994, 1999, 2005); Pimenta;

Ghedin, (2002); Silva (2011); Rios (2001); Calderano (2001); Pimenta; Lima

(2012); Guimarães (2004) e Lima (2012). Entretanto, autores estrangeiros

como Nóvoa (1995, 1999, 2000), Altet; Perrenoud; Paquay (2003), Sacristan

(1999, 2005, 2012) e Schön (2000) colocam em questão problemas que

atingem a formação de professores, em contextos específicos, além de

tratarem sobre a profissionalização dos formadores de professores em diversos

países.

14

. < http://portal.inep.gov.br/superior-censosuperior-sinopse>

49

Com a finalidade de dar organicidade ao Sistema Nacional de Ensino,

foi criado, através da Lei 9.131/95, o Conselho Nacional de Educação – CNE,

que substituiu o antigo Conselho Federal de Educação. A Câmara de Estudos

Superiores – CES, um dos órgãos constituintes do CNE desenvolveu propostas

para a constituição de Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de

graduação - as DCN, substituindo, assim, os antigos currículos mínimos.

As DCN, embasadas pelos Pareceres CNE/CP 09/2001 e 27/2001 e

instituídas pela Resolução CNE/CP 1/2002 compõem um conjunto de normas

doutrinárias que definem princípios, fundamentos, procedimentos e

regulamentam os cursos de graduação que formam futuros profissionais em

nível superior no território nacional.

O objetivo das DCN é definir um padrão de aprendizagem que garanta

a todos os estudantes o acesso aos conteúdos básicos considerando a

diversidade dos contextos onde se inserem. Essa busca permanece, embora

muitos avanços tenham ocorrido. Vale destacar que o estabelecimento das

DCN

[...] consolidou a direção da formação para três categorias de carreiras: Bacharelado Acadêmico; Bacharelado Profissionalizante e Licenciatura. Dessa forma, a Licenciatura ganhou, como determina a nova legislação, terminalidade e integralidade própria em relação ao Bacharelado, constituindo-se em um projeto específico. Isso exige a definição de currículos próprios da Licenciatura que não se confundam com o Bacharelado ou com a antiga formação de professores que ficou caracterizada como modelo “3+1”. (BRASIL, Parecer CNE/CP 09/2001, p. 6).

O Parecer CNE/CP 9/2001 é o documento que dá sustentação às

DCN; em seu teor formula críticas específicas sobre a formação dos

profissionais docentes e reforça a concepção de que a educação deve vigorar

como promotora de um desenvolvimento sustentável e base para a superação

das desigualdades sociais.

Entre as inúmeras dificuldades encontradas para que a formação

docente ofereça o preparo adequado aos professores, está na estrutura de sua

formação, que de modo geral, manteve predominantemente um formato

tradicional, que não contempla muitas das características consideradas, na

atualidade, como inerentes à atividade docente, entre as quais se destacam:

50

orientar e mediar o ensino para a aprendizagem dos alunos; comprometer-se com o sucesso da aprendizagem dos

alunos; assumir e saber lidar com a diversidade existente entre os

alunos; incentivar atividades de enriquecimento cultural; desenvolver práticas investigativas; elaborar e executar projetos para desenvolver conteúdos

curriculares; novas metodologias, estratégias e materiais de apoio; desenvolver hábitos de colaboração e trabalho em

equipe.(BRASIL, 2002, p.8).

Nesta mesma direção o Art. 3º do Parecer CNE/CP 09/2001, prevê que

a formação de professores deverá considerar que os sujeitos em formação

sejam preparados obedecendo aos

[...]princípios norteadores desse “preparo profissional específico”, considerando: I. a competência como concepção nuclear na orientação do curso; II. a coerência entre a formação oferecida e a prática esperada do futuro professor, tendo em vista: a. a simetria invertida, onde o preparo do professor, por ocorrer

em lugar similar àquele em que vai atuar, demanda consistência entre o que faz na formação e o que dele se espera;

b. a aprendizagem como processo de construção de conhecimentos, habilidades e valores em interação com a realidade e com os demais indivíduos, no qual são colocados em uso capacidades pessoais;

c. os conteúdos, como meio e suporte para a constituição das competências;

d. a avaliação como parte integrante do processo de formação, que possibilita o diagnóstico de lacunas e a aferição dos resultados alcançados, consideradas as competências a serem constituídas e a identificação das mudanças de percurso eventualmente necessárias.

III. a pesquisa, com foco no processo de ensino e de aprendizagem, uma vez que ensinar requer, tanto dispor de conhecimentos e mobilizá-los para a ação, como compreender o processo de construção do conhecimento. (BRASIL, Parecer CNE/CP 09/2001).

Refletindo sobre tais princípios temos que a formação é concebida

como um processo que se dá no espaço da prática docente, ou seja, as

expressões “o lugar onde vai atuar”, “interação com a realidade e com os

demais indivíduos” e “dispor de conhecimentos e mobilizá-los para ação” no

nosso entendimento, definem o Estágio Supervisionado como um princípio

51

norteador do preparo profissional, pois é nesse espaço da formação que ocorre

a aproximação do estagiário do seu futuro ambiente de trabalho.

As DCN centralizam a formação dos professores estabelecendo como

principal pressuposto o desenvolvimento de competências, sendo elas o fio

condutor no que se refere à estrutura, planejamento e organização curricular de

cada instituição formadora, aos princípios que norteiam o preparo para o

exercício profissional específico, aos processos de avaliação e demais

situações inerentes à prática educativa. É no Parecer CNE/CP 09/2001 que

está explicitado o entendimento conceitual de competência, que não fica claro

nas DCN, sugerindo entendimentos como capacidade de refletir na ação;

capacidade de organização e gestão da aprendizagem; capacidade de

mobilizar saberes e o conhecimento pedagógico ou de superar o

distanciamento que envolve a dicotomia teoria e prática na formação docente.

Neste mesmo parecer consta que A concepção de competência é nuclear na orientação do curso de formação de professores. Não basta a um profissional ter conhecimentos sobre seu trabalho. É fundamental que saiba mobilizar esses conhecimentos, transformando-os em ação. Atuar com profissionalismo exige do professor, não só o domínio dos conhecimentos específicos em torno dos quais deverá agir, mas, também, compreensão das questões envolvidas em seu trabalho, sua identificação e resolução, autonomia para tomar decisões, responsabilidade pelas opções feitas. Requer ainda, que o professor saiba avaliar criticamente a própria atuação e o contexto em que atua e que saiba, também, interagir cooperativamente com a comunidade profissional a que pertence e com a sociedade. Nessa perspectiva, a construção de competências, para se efetivar, deve se refletir nos objetos da formação, na eleição de seus conteúdos, na organização institucional, na abordagem metodológica, na criação de diferentes tempos e espaços de vivência para os professores em formação, em especial na própria sala de aula e no processo de avaliação. A aquisição de competências requeridas do professor deverá ocorrer mediante uma ação teórico-prática, ou seja, toda sistematização teórica articulada com o fazer e todo fazer articulado com a reflexão (BRASIL, 2001, p.29).

O documento reafirma a necessidade de se considerar o conhecimento

como uma das ferramentas fundamentais, para acompanhar a dinâmica das

relações sociais, políticas, culturais e econômicas que se estabelecem neste

novo século.

52

2.1.3. As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso

de Pedagogia

As DCN para o Curso de Pedagogia foram instituídas pela Resolução

CNE/CP 01/2006 e estabelecem que a formação a ser oferecida no curso

abrangerá de maneira integrada a docência, a gestão, a pesquisa, os

processos de avaliação dos sistemas e instituições de ensino, bem como a

elaboração, execução e acompanhamento de programas e das demais

atividades educativas.

Art. 4. O Curso de Licenciatura em Pedagogia destinase à formação de professores para exercer funções de Magistério na Educação Infantil e nos Anos Inicias do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. Parágrafo único. As atividades docentes também compreendem participação na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando: I planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de tarefas próprias do setor da Educação; II planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas não-escolares; III produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo educacional, em contextos escolares e não-escolares (RESOLUÇÃO CNE/CP nº 1/2006).

A elaboração deste dispositivo tem origem no processo de mobilização

iniciado em 1999, acompanhado de ampla discussão, que contou com a

participação de muitas entidades ligadas a área, entre elas a Associação

Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação – Anfope e a

Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação – Anped.

O embate quanto à definição de diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia estava evidente: por um lado, a nova regulamentação trazida pela LDB/96, descaracterizando o curso e sua finalidade; por outro, a variedade de configurações presentes nos cursos em funcionamento no país. Não obstante o esforço da Comissão de Especialistas de Ensino de Pedagogia para articular uma proposta com vistas à organização curricular do curso, a definição foi tomada pelo Conselho Nacional de Educação, responsável pela sua regulamentação, somente uma década após a aprovação da LDB/ 96. Nesses anos, estiveram em declarada disputa distintas concepções a respeito da identidade e da organização do curso. À concepção de formação expressa nas reformas instituídas a partir do Governo de Fernando Henrique Cardoso,

53

na esteira das mudanças educacionais neoliberais desenvolvidas na América Latina durante a década de 1990, contrapôs-se o pensamento social-crítico dos movimentos organizados pelos educadores em busca de uma formulação de políticas públicas de caráter democrático (SCHEIBE, 2007, p, 47).

De acordo com o deliberado no documento, o Curso de Pedagogia tem

a docência como base para a formação, uma carga horária superior as demais

licenciaturas – 3.200 horas. A composição do curso acontece através de três

núcleos: núcleo de estudos básicos; núcleo de aprofundamento e diversificação

de estudos e estudos integradores. As mudanças ocasionadas com a

aprovação das DCN de Pedagogia implicaram a elaboração de novos projetos

pedagógicos e consequentemente a necessidade de adequação dos currículos

de formação.

Art. 7º O curso de Licenciatura em Pedagogia terá a carga horária mínima de 3.200 horas de efetivo trabalho acadêmico, assim distribuídas: I 2.800 horas dedicadas às atividades formativas como

assistência a aulas, realização de seminários, participação na realização de pesquisas, consultas a bibliotecas e centros de documentação, visitas a instituições educacionais e culturais, atividades práticas de diferente natureza, participação em grupos cooperativos de estudos;

II300 horas dedicadas ao Estágio Supervisionado prioritariamente em Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, contemplando também outras áreas específicas, se for o caso, conforme o projeto pedagógico da instituição;

III 100 horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos alunos, por meio, da iniciação científica, da extensão e da monitoria. (RESOLUÇÃO CNE/CP nº 1/2006).

Na Resolução CNE/CP 02/2002 (citada à página 46), a carga horária

destinada ao Estágio Curricular Supervisionado perfazia 400 horas, e outras

atividades acadêmicos-científico-culturais tinham previstas 200 horas para sua

realização. No texto das DCN de Pedagogia o curso deve contemplar 300

horas para o Estágio e 100 horas para atividades teórico-práticas, passando as

demais atividades, a comporem o restante da carga horária total, de 3.200

horas previstas para o curso. Nota-se que há uma diminuição do tempo de

Estágio, que, a nosso ver, compromete a possibilidade de uma maior presença

54

do estudante no espaço escolar e na sua convivência com situações reais e

com práticas de formação que permitem pensar as teorias estudadas.

Para Saviani (2005, p. 24) a opção por conceder aos Institutos

Superiores15 a manutenção de cursos para formação de profissionais para

educação básica, possibilitou que os mesmos oferecessem o Curso de

Pedagogia, “podendo fazer tudo o que estes fazem, porém, de forma mais

aligeirada, mais barata, com cursos de curta duração”, uma lógica que atende

principalmente aos interesses institucionais privados.

O ritmo das leis não é o mesmo das ações. Questões como estas

remetem para a necessidade de pensar na complexidade que existe para que

as mudanças postas no ordenamento legal se concretizem na prática. É

preciso considerar além dos sujeitos envolvidos diretamente nas reformas de

determinado curso, a totalidade dos sujeitos (docentes, não docentes,

estudantes) que fazem parte do processo de realização efetiva dessas

reformas. Estabelecer as políticas públicas de melhoria da qualidade da

formação docente e por consequência da escola depende em grande parte dos

sujeitos profissionais e acadêmicos envolvidos com o curso. Novas propostas

só trarão mudanças reais se forem dinamizadas e construídas pelo coletivo que

constitui os espaços administrativo, financeiro e pedagógico da instituição

acadêmica e escolar.

Recentemente significativas alterações nos Estágios supervisionados

das licenciaturas foram propostas por resoluções do Conselho Estadual de

Educação (Deliberação CEE N° 111/2012 e Deliberação CEE Nº 126/2014) no

estado de São Paulo fixando “[...] Diretrizes Curriculares Complementares para

a Formação de Docentes para a Educação Básica nos Cursos de Graduação

de Pedagogia, Normal Superior e Licenciaturas, oferecidos pelos

estabelecimentos de ensino superior vinculados ao sistema estadual”. (SÃO

PAULO, 2012). Na sequencia tratamos desses dispositivos.

15

. Instituto Normal Superior - Trata-se de institutos que deveriam oferecer cursos de licenciatura plena de formação de professores para atuar na educação infantil e/ou nos anos iniciais do ensino fundamental, de acordo com as políticas educacionais do ensino superior brasileiro, expressas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 20/12/1996 e em seus desdobramentos.

55

2.1.4. Deliberações 111/2012 e 126/2014 (leis

modificam a realidade?)

A Deliberação CEE 111/2012 propôs alterações nas DCN do curso de

Pedagogia visando promover avanços nos projetos e práticas de formação

inicial para que garantam a aquisição dos saberes necessários a atender os

diferentes níveis de escolaridade, visando maior competência pedagógica.

Nessa esteira o texto da Deliberação CEE 111/2012 altera o disposto

na DCN do curso de Pedagogia e retoma às 400 horas previstas para o Estágio

Supervisionado.

Art. 4º - A carga total dos cursos de formação de que trata este capítulo terá, conforme a legislação em vigor, no mínimo 3.200 (três mil e duzentas) para o Curso de Pedagogia e 2.800 (duas mil e oitocentas) horas para o Curso Normal Superior, assim distribuídas: I. 800 (oitocentas) horas para formação científico-cultural; II. 1.600 (mil e seiscentas) horas para formação didático-

pedagógica específica para a pré-escola e anos iniciais do ensino fundamental;

III. 400 (quatrocentas) horas para estágio supervisionado; IV. 400 (quatrocentas) horas do Curso de Pedagogia para a

formação de docentes para as demais funções previstas na Resolução CNE/CP n. 01/2006 (SÃO PAULO, 2012, p.46).

O Art. 7º especifica como essa carga horária de Estágio deve ser

distribuída, consagrando a maior parte do tempo para a efetiva docência.

Art. 7º - O estágio supervisionado obrigatório, previsto no inciso III do art. 4º, deverá incluir no mínimo: I. 200 (duzentas) horas de apoio ao efetivo exercício da

docência na pré-escola e anos iniciais do ensino fundamental;

II. 100 (cem) horas dedicadas às atividades de gestão do ensino, nelas incluídas, entre outras, as relativas a trabalho pedagógico coletivo, conselho de escola, reunião de pais e mestres, reforço e recuperação escolar, em pré-escola e nos anos iniciais do ensino fundamental;

III. 100 (cem) horas de atividades teórico práticas e de aprofundamento em áreas específicas (SÃO PAULO, 2012, p.46).

A Deliberação CEE 111/2012 foi questionada pelo Fórum das

Universidades Públicas do Estado de São Paulo que em 2013 solicitou ao CEE

sua revogação alegando sua inconstitucionalidade, ao passo que o Conselho,

após análise da solicitação, deliberou pelo não vislumbramento de tal

56

inconstitucionalidade, ficando em vigência por 15 meses quando foi suplantada

pela Deliberação CEE 126/2014.

A Deliberação126/2014alterou alguns dispositivos da Deliberação

111/2012. O Conselho Estadual de Educação, com base em amplo

levantamento de documentos e pesquisas elaboradas nos últimos anos sobre a

Formação de Professores, com destaque para os trabalhos de Gatti, Barretto e

André (2011) e Gatti e Nunes (2008) que embasam parte do relatório16 que

acompanha a Indicação CEE 127/2014, a qual homologa a Deliberação CEE

126/2014 e altera dispositivos da Deliberação CEE 111/2012, busca com a

elaboração da norma suprir, pelo menos no que se refere a normatizar,

deficiências na qualidade de formação ofertada pelos cursos em vigência no

país.

A redação dos artigos da Deliberação CEE 111/2012 sofreu alterações,

a exemplo do Art. 4º, que suprimi o termo “pré-escola” no item II, inserindo

essa modalidade como primeiro ano da “Educação Infantil”: “Art. 4º. [...] II -

1.600 (mil e seiscentas) horas para formação didático-pedagógica específica

para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental”. O Art. 7º trata

do Estágio Supervisionado e enfatiza o trabalho articulado que deve

acompanhar o estágio, envolvendo os profissionais formadores tanto da

instituição superior de formação, como os da escola formadora.

Art. 7º [...] I. 200 (duzentas) horas de estágio na escola, compreendendo

o acompanhamento do efetivo exercício da docência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental vivenciando experiências de ensino, na presença e sob supervisão do professor responsável pela classe na qual o estágio está sendo cumprido e sob orientação do professor da Instituição de Ensino Superior;

II. 200 (duzentas) horas dedicadas às atividades de gestão do ensino, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, nelas incluídas, entre outras, as relativas ao trabalho pedagógico coletivo, conselhos da escola, reunião de pais e mestres, reforço e recuperação escolar, sob orientação do professor da Instituição de Ensino Superior e supervisão do profissional da educação responsável pelo estágio na escola, e, atividades teórico-práticas e de aprofundamento em áreas específicas, de acordo com o

16

. INDICAÇÃO CEE 127/14 – Publicada no DOE em 05/6/2014 - Seção I - Página 28 refere-se à alteração da Deliberação CEE 111/2012.

57

projeto político-pedagógico do curso de formação docente (SÃO PAULO, 2014, p.26).

A articulação prevista para o Estágio Supervisionado, entre a instituição

formadora e as escolas campo que recebem os estudantes em formação deve

oferecer oportunidades de participação no planejamento do Estágio do

professor responsável pela classe na qual ele irá se desenvolver, permitindo

que os mesmos organizem seu trabalho considerando a presença do futuro

profissional em sua classe. Comumente os estagiários são alocados nas

escolas em que realizarão o Estágio, sem qualquer contato prévio com os

professores que os receberão em sala, uma das razões pelas quais o

estagiário ainda é recebido com certa resistência pelos professores. O Estágio

Supervisionado, uma relação de parceria, que precisa ser um referencial para a

formação dos futuros professores, acaba por assumir papel secundário nesse

processo e não cumprir com tais finalidades.

Libâneo; Oliveira; Toschi (2011, p. 272), afirmam que as alterações da

LDB proporcionaram o aligeiramento da formação docente comprometendo o

discurso da importância e pela melhoria da qualidade da educação nas escolas

de educação básica propagada pelos discursos oficiais. Os mesmos autores

consideram que a “criação dos ISEs enfraquece o papel da universidade como

local privilegiado de formação docente, uma vez que podem ser ou não

vinculados à universidade”. No caso de nossa pesquisa, os sujeitos são

licenciados em Pedagogia, habilitados para trabalharem na educação infantil e

nos primeiros anos (1º ao 5º ano) do Ensino Fundamental; essa formação

segundo a LDB 9394/96, pode ocorrer em universidades e institutos superiores

de educação (ISEs).

Apesar da constatação da multiplicação dos cursos de formação para

Educação Básica no Brasil e das exigências da LDB 9394/96 de uma formação

mínima para o exercício da docência ser a licenciatura em Pedagogia, segundo

dados do Censo da Educação Superior de 2013/MEC/INEP/DEEP, o perfil dos

professores da Educação Básica apresenta-se conforme a seguir:

- 2.148.023 funções docentes.

- 1.607.181 funções docentes ocupadas por licenciados.

- 297.880 funções ocupadas por normalistas.

58

- 236.524 funções ocupadas por professores com ensino médio sem

formação pedagógica.

- 6.438 funções docentes ocupadas por professores que cursaram

apenas o ensino fundamental.

- 540.842 não possuem curso superior (grifo nosso).

Conforme os dados apresentados 74,82% dos profissionais em

funções docentes possuem licenciatura e 25,18% não atendem esse perfil,

sendo que, dentro deste total de professores que mesmo sem apresentar a

formação em nível superior, enquadram-se nas prerrogativas da LDB 9394/96,

que admite para o exercício da docência na Educação Básica a modalidade

normal oferecida em nível médio, temos 13,87% de docentes em atuação. O

destaque nesses números é a considerável presença de professores da

Educação Básica, que perfazem 11,01 %, ocupando a função com uma

formação de Ensino Médio sem formação pedagógica, além dos 0,3 % que

possuem, apenas, o Ensino Fundamental. É impossível não nos atermos à

situação de precariedade da formação e às inúmeras dificuldades que

certamente advêm dessa realidade.

É grande o volume de documentos elaborados com vistas a definir

formas e conteúdos de formação docente, para todos os níveis da educação;

grande parte deles é desconhecida dos profissionais docentes, apesar de

serem as leis que normatizam seu ofício. Existe uma dificuldade histórica de

tornarmos real aquilo que legalmente é estabelecido. As políticas públicas

necessárias para viabilizar o que é proposto nos conteúdos dos textos legais

são sempre fruto de grandes conflitos políticos e sociais, advindos tanto das

diferenças plurais da sociedade brasileira, quanto dos interesses de diferentes

agentes na disputa pelo Estado.

As considerações de Sacristán, (2006, p. 23), servem de reflexão

diante de uma realidade tão distante das normas:

Independientemente de que debamos plantearnos si es conveniente o no que se sucedan las leyes em tan poco espacio de tiempo, cabría hacerse la pregunta de si, literalmente hablando, realmente una ley equivale a una reforma, pues se puede paralizar una ley, pero no tan fácilmente se puede cambiar una reforma por otra. Si realmente una reforma es una especie de gran máquina que se puede poner en marcha o pararla a voluntad y com control tan

59

eficiente, sería conveniente interrogarse sobre su entidad;, es decir, ¿ a que clase de reforma se está aludiendo? ¿De qué naturaliza es ese fenómeno que, de una manera tan aparentemente tan determinante, se puede iniciar y detener? ¿Puede ser um movimiento profundo, enraizado en el mundo real, sí es entendido de esa manera? ¿O es un puro y superficial juego de lenguajes que aparecen y desaparecen a voluntad de quienes pueden declararlo obligatorio o eximirnos del uso de los mismos?17

Todas as proposições que compõem um conjunto de dispositivos legais

que envolvem a educação em suas diversas instâncias tratam da relação

teoria-prática, promovem a ação reflexiva, discutem a produção do

conhecimento e a participação social, porém podem não passar de simples

adequação legal, pois dependem das transformações nas práticas pedagógicas

vivenciadas em todos os espaços de aprendizagem, seja o acadêmico ou o

escolar.

2.2 A DIMENSÃO PEDAGÓGICA DO ESTÁGIO

SUPERVISIONADO

Ser professor é construir-se professor, num movimento constante de

acréscimos a esse edifício, sabendo-se que na verdade, nunca estará pronto.

De fato não há como definir o princípio, nem o fim dessa construção, porém a

formação inicial se configura como alicerce dessa obra que tem no Estágio

Supervisionado um dos seus momentos fundamentais, já que pode ser a

primeira oportunidade de contato com a escola, na condição de futuro

professor, de muitos estudantes em formação. Além disso, é uma possibilidade

de articulação entre a teoria acadêmica e a reflexão dessa teoria na ação,

mediada pelo cotidiano da escola e o inédito que ele pode oferecer.

17

. Independentemente de que devamos considerar se é conveniente ou não que as leis

aconteçam em tão curto espaço de tempo, cabe na verdade, fazermos a pergunta, realmente uma lei equivale a uma reforma, pois uma lei pode ser paralisada, mas não tão facilmente uma reforma pode ser substituída por outra. Se realmente uma reforma é uma espécie de grande máquina que se pode colocar em movimento e pará-la à vontade e com um controle tão eficiente, seria conveniente questionarmos sua autoridade e dizer: a que tipo de autoridade estamos nos referindo? Qual a natureza desse fenômeno que aparentemente é tão determinante e se pode iniciar e deter? Pode ser um movimento profundo, enraizado no mundo real, se entendido dessa maneira? Ou é um puro e superficial jogo de linguagens que aparecem e desaparecem pela vontade de quem pode declará-lo obrigatório ou nos eximir de usá-los? (tradução livre da autora).

60

Schön (1995, p.91) precursor do conceito de reflexão, através de seus

trabalhos sobre experiência e reflexão na prática argumenta que:

Na formação de professores, as duas grandes dificuldades para a introdução de um praticum reflexivo são, por um lado, a Epistemologia dominante na Universidade, por outro, o seu currículo profissional normativo: Primeiro ensinam-se os princípios científicos relevantes, depois a aplicação desses princípios e, por último, tem-se um praticum cujo objetivo é aplicar à prática cotidiana aos princípios da ciência aplicada.

Essas aprendizagens significadas podem transformar-se em

experiências formativas que contribuirão para a futura atuação profissional.

Este capítulo apresenta algumas considerações sobre a relação teoria e prática

e as experiências formativas.

2.2.1. Relação Teoria-Prática

Concomitante à discussão sobre a qualidade do ensino ministrado

nas escolas públicas, ocorre uma busca por novos sentidos para as práticas

escolares, para que ela (a escola) possa cumprir efetivamente com seu papel

social de emancipar crianças e jovens, começando pela apropriação dos

códigos linguísticos e simbólicos da leitura e escrita até o entendimento de

temas acumulados historicamente, necessários à leitura da sociedade atual;

essa busca implica, sem dúvida na aceitação do outro, da escola que está ao

nosso alcance, com a população heterogênea que a compõe e as contradições

e demandas resultantes desse processo e geradas no interior das relações que

aí se estabelecem.

Repensar a escola pública atual começa por admitir que ela é uma

nova escola, com novos estudantes, novas demandas e, portanto, novas

possibilidades. Também é necessário entender que ela permanece sendo o

espaço capaz de promover mudanças sociais, porém, sozinha não poderá

transformar a sociedade, como se propusera no passado. A escola faz parte de

um conjunto de instituições, tais como família, igreja, organizações de classe,

organizações sindicais, organizações não governamentais que são

corresponsáveis pela organização e manutenção da estrutura social.

Pimenta (2012, p.12-13) considera que:

61

Na sociedade contemporânea, as rápidas transformações no mundo do trabalho, o avanço tecnológico configurando a sociedade virtual e os meios de informação e comunicação incidem com bastante força na escola, aumentando os desafios para torna-la uma conquista democrática efetiva. Transformar as escolas e suas práticas e culturas tradicionais e burocráticas que, por intermédio da retenção e da evasão, acentuam a exclusão social, não é tarefa simples nem para poucos. [...] Entendendo que a democratização do ensino passa pelos professores, por sua formação, por sua valorização profissional e por suas condições de trabalho [...].

O Estágio Supervisionado é um momento especial no processo de

formação do futuro professor, já que boa parte dos estudantes em formação

tem seu primeiro contato com a escola através da realização do Estágio,

embora já tenham tido uma experiência primária na condição de estudantes

desta mesma escola. Sua importância reside principalmente na possibilidade

que se lhes oferece de fazer uma ponte entre o conhecimento teórico

desenvolvido no decorrer do curso e a realidade prática do cotidiano escolar.

O trabalho na escola é uma prática social e histórica, pois é uma

construção que se dá em várias dimensões. A participação política é

necessária, visto que o cidadão professor inserido no espaço escolar precisa

refletir sobre seu papel como profissional diante de seus estudantes e da

sociedade, consciente das situações conflitantes que emergem nesse espaço e

das possibilidades de transformação que sua prática pode subsidiar. Dessa

forma o Estágio Supervisionado também exerce função social na medida em

que afeta a realidade, forma/transforma saberes e coloca o estagiário em

contato com o conhecimento da experiência que lhe dá o sentido social e

histórico da profissão docente.

Oliveira e Santos (2011, p. 45), ao se referirem à questão da formação

profissional e participação do estagiário no ambiente da escola campo de

Estágio, reconhecem no professor da Educação Básica um produtor de

conhecimento educacional; significa reconhecer outra natureza para a inserção

e participação do licenciando na escola, local de sua futura atuação

profissional. Nessa natureza, a inserção e a participação do estagiário nos

contextos escolares não mais se justificam unicamente por um trabalho de

observação e crítica, feitas por este, com critérios de validade somente sob os

aspectos universitários, e isto quando existem critérios que possam assim ser

62

designados. Nessa natureza o que predomina é a ideia de participação, de

colaboração, de trabalho conjunto entre o professor experiente e o aprendiz da

profissão professor.

Essas dificuldades vivenciadas nos levam a inferir que o Estágio

permanece como uma obrigação burocrática, com um roteiro definido a partir

de algumas atividades agendadas, as quais são colocadas aos estudantes em

formação de maneira desarticulada com os temas que estão sendo estudados

nas disciplinas do curso. Ou seja, se soma ao modelo técnico racional que

permeia a educação brasileira, pois

O fortíssimo enraizamento histórico-cultural da docência no ensino superior em matrizes de trabalho individualísticas, dotadas de grande autonomia e poder sobre a sua própria acção, tem gerado condições de perpetuação inquestionada (também, por vezes, considerada inquestionável) de modos de organizar o trabalho pedagógico que, por um lado asseguram a fragmentação da formação e a hipertrofia da dimensão do saber conteudístico, assegurando também aos docentes o poder que advém do seu saber disciplinar específico. (HAMIDO; LUÍS; PISCALHO, 2011, p. 152)

Sendo assim, o Estágio não tem correspondido à premissa de ser um

momento de contato direto com o futuro campo de trabalho, um momento

privilegiado para que os estagiários transitem no ambiente escolar e possam a

partir da troca de experiências compreenderem melhor o conjunto de práticas

institucionais e as atividades que são desenvolvidas pelos profissionais, a fim

de acrescer saberes à sua prática pedagógica, bem como utilizar-se desse

processo de construção coletiva e social para forjar uma identidade profissional

própria.

A formação inicial é o começo da busca de uma base para o exercício

da atividade docente. Concebida assim, deve assentar-se em concepções e

práticas que levem à reflexão, no sentido de promover os saberes da

experiência, conjugados com a teoria, permitindo ao professor uma análise

integrada e sistemática da sua ação educativa de forma investigativa e

interventiva. (BARREIRO; GEBRAN, 2006)

A inserção do estudante em formação nas rotinas escolares serve para

compartilhar construções de aprendizagem, bem como para uma reflexão a

respeito do referencial teórico apreendido durante o curso em relação à prática

63

da profissão. O primeiro momento na escola possibilita observar o

funcionamento da escola, tanto na parte da gestão, quanto na sala de aula. O

contato com os estudantes, com a comunidade e com todos os envolvidos no

cotidiano escolar proporcionará uma leitura das relações dentro da escola e

fora dela. Estar na escola e participar da dinâmica que compõe esse organismo

possibilita apreender que ele é constituído por múltiplas determinações –

políticas, econômicas, sociais, culturais, psicológicas, éticas, institucionais,

técnicas, afetivas, estéticas, entre outras.

A formação inicial precisa encarar as questões de ordem política e

social em sua programação, discutindo os problemas que permeiam a prática

docente e as relações institucionais de maneira franca. A precarização da

profissão docente: salários, condições de trabalho, carreira, desvalorização

social, baixa atratividade da carreira, perda da autonomia profissional,

deficiência na infraestrutura das escolas, péssimas condições de trabalho,

abandono da carreira (principalmente na educação básica), diminuição do

ingresso de estudantes nas licenciaturas e atitudes de professores das

escolas-campo que desestimulam os estagiários, estão entre as pautas que

precisam ser discutidas. O que não pode se admitir são professores

formadores na universidade, que ironizam as condições de trabalho e

“aconselham” estudantes a buscarem outra profissão. Nesse sentido é

importante considerar que

O descompasso entre leis, projetos pedagógicos de cursos de licenciatura e estrutura e funcionamento das escolas tem possibilitado que muitos procedimentos de estágio se identifiquem com aqueles oriundos de um modelo de formação, que prima pela imitação de atitudes e procedimentos dos professores das escolas e objetiva a aplicação linear dos saberes aprendidos nos cursos de licenciatura nas escolas estagiadas. Portanto, sem se referir ao contexto escolar, aos saberes e experiências dos professores da escola e muito menos às reais necessidades dos alunos que lá se encontram distanciando-se das oportunidades de construção de saberes situados em relações muito mais próximas daquelas que serão vivenciadas pelos estagiários quando se tornarem professores (OLIVEIRA, 2011, p. 225).

O Estágio pode ser um importante espaço de debate sobre a formação

docente à medida que encaminhe reflexões coletivas pautadas na

64

heterogeneidade das condições de carreira e permita encaminhamentos

adequados às necessidades de cada contexto. A prática concebida como um

diálogo com a teoria precisa ocorrer numa dimensão integradora, que

considere as diversas áreas do conhecimento, principiando no momento em

que inicia a licenciatura e se estendendo por todo o período da formação, não

cabendo apenas ao Estágio Supervisionado. É tarefa coletiva a ser

desenvolvida pelo conjunto dos professores formadores de maneira

interdisciplinar.

A aproximação entre os dois polos formadores, a universidade e a

escola campo é essencial para que reflexões sobre a teoria, a estrutura

curricular do curso, os projetos e atividades desenvolvidas durante o período

de formação cumpram com o propósito de, através de recortes da realidade

docente, colocar o estudante em situações de construir e reconstruir saberes

que lhes servirão de base para a futura profissão. Nessa direção o trabalho de

formação reforça a ideia de que

Para que as novas gerações sejam inseridas no mundo elas precisam ser formadas para debater a sua vida em sociedade; para criar melhores alternativas de viver/conviver; para fazer também o imprevisível; para buscar o conhecimento autonomamente; para atuar no mundo do trabalho; e para por meio de um constante processo reflexivo, construir-se acreditando em si mesmas. O currículo, as práticas didáticas e o convívio escolar são mediações necessárias à realização dessa formação, cujas palavras de ordem são reflexão e diálogo. (PONCE, 2009, p.2)

A formação não ocorre somente a partir de um curso preparatório, ela

se dá ao longo de um processo de exercício da profissão, porém, necessita de

uma base fundamentada de conhecimentos teóricos e técnicos necessários ao

desempenho dessa atividade. Nesse sentido é a universidade que precisa

oferecer essa base e permitir, através de projetos que estreitem suas relações

com as escolas, que seus estudantes em formação conheçam as práticas que

ocorrem no interior dessas instituições, numa construção de consciência dos

vários compromissos que a atividade docente impõe a quem decide segui-la.

A escola pública que se expandiu e hoje atende quase que a totalidade

das crianças e jovens brasileiros, mantém a mesma estrutura, fundamentada

na racionalidade técnica e reprodutora das desigualdades sociais e

65

econômicas do universo mais amplo da sociedade. A ausência de

componentes curriculares nos Projetos Pedagógicos de Pedagogia, que

possam atender a compreensão dessa nova escola pública e fazer frente aos

novos desafios que a impactam e influenciam nas relações que envolvem todos

os sujeitos da educação, tem ocasionado consideráveis lacunas na formação

dos professores e por consequência no desenvolvimento do trabalho docente,

da gestão e da pesquisa no interior da escola básica e para além dos espaços

escolares. As resistências para romper com um modelo de Estágio que dificulta

o envolvimento e as vivências significativas dos estagiários no contexto escolar

não permitem que esse trabalho no espaço escolar possa se caracterizar

efetivamente uma experiência formativa. Sobre o que entendemos por

experiência formativa falaremos na próxima unidade.

2.2.2. O Estágio como “Experiência Formativa”

As grandes transformações científicas e tecnológicas ofereceram ao

mundo contemporâneo um ritmo acelerado. Nos dias atuais as experiências

sofrem o impacto dessa temporalidade e dos conceitos disseminados pela

revolução tecnológica que parece imprimir um valor efêmero às ideias e

situações vividas. A experiência assume contornos de acontecimentos

isolados, desconectados do passado e de um futuro, para ser algo que ocorre

num presente instantâneo, regulado pelo excesso de trabalho ao qual somos

submetidos, estimulados pela competitividade do mercado, pela velocidade e

intensidade das informações que recebemos (SILVA, 2011).

A escola é espaço de reprodução dos diversos setores da sociedade e

por assim ser, reflete em seu interior esse ritmo acelerado dos acontecimentos

e a superficialidade das relações. Há claramente um descompasso entre o que

o estudante busca na escola ou os motivos para lá estarem e o que lhes é

ensinado e cobrado.

Galeano (1991, p.71) nos possibilita uma metáfora sobre a realidade de

milhares de estudantes que adentraram a escola pública em seu poema “os

Ninguéns”:

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada. Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos: Que não são, embora sejam.

66

Que não falam idiomas, falam dialetos. Que não praticam religiões, praticam superstições. Que não fazem arte, fazem artesanato. Que não são seres humanos, são recursos humanos. Que não têm cultura, têm folclore. Que não têm cara, têm braços. Que não têm nome, têm número. Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local. Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.

A diversidade de questões (sociais, familiares, emocionais,

psicológicas) com as quais o professor se depara atualmente e as exigências

em termos de avaliações e índices de aprendizagem tornam o ambiente

escolar sufocante, o que tem gerado o adoecimento desses profissionais.

Se a educação tem como premissa auxiliar na formação de cidadãos e

profissionais para uma sociedade mais justa e igualitária, é necessário pensar

a formação docente como um processo continuo que precisa estar conectado

ao projeto de sociedade e de educação necessária para que essa sociedade

seja edificada; a formação assim concebida tem na experiência formativa uma

das formas de se constituir.

O Estágio no período de formação é uma situação nova para a maioria

dos estudantes, que em sua trajetória conservam o olhar sobre a escola a partir

de suas vivências nessa condição, ou seja, tendo como base os anos em que

foram estudantes e frequentaram esse espaço. O trabalho a ser realizado

enquanto estagiário lhe proporciona observar a escola de outro ponto de

referência. O que entendemos por Estágio como experiência formativa está

ligado às formas de enfrentamento dessa aproximação da escola.

Para tanto “a reflexão é vista aqui como elemento capaz de promover

esses nexos” (MIZUKAMI et al, 2002, p. 15); o contexto acadêmico da

formação inicial é o espaço onde o professor em formação poderá integrar a

prática à reflexão, sendo necessário que se ofereçam condições para que ele

(o estudante) experiencie situações que lhe possibilitem refletir, enfrentar

situações cotidianas, buscar soluções, entender as relações que se

estabelecem entre os diferentes saberes, além de perceber-se capaz de

colaborar e transformar, se necessário, a realidade que se manifesta.

67

Piconez (2004, p.25) ao comentar sobre a prática da reflexão afirma

que:

A prática da reflexão tem contribuído para o esclarecimento e o aprofundamento da relação dialética prática-teoria-prática; tem implicado um movimento, uma evolução, que revela as influências teóricas sobre a prática do professor e as possibilidades e/ou opções de modificação na realidade, em que a prática fornece elementos para teorizações que podem acabar transformando aquela prática primeira. Daí a razão de ser um movimento na direção da prática-teoria-prática recriada. (PICONEZ, 2004, p.25)

Tendo em vista o exposto, ao longo deste trabalho tecemos

considerações sobre a importância do exercício reflexivo na prática docente,

pois o consideramos a base para as intervenções que se façam necessárias no

efetivo exercício da docência, isto é, quando o profissional professor assume a

tarefa de intermediar relações de ensino e aprendizagem que despertem os

estudantes para a construção de conhecimentos que lhes permitam manusear

as tecnologias e interpretar as informações que lhes são disponibilizadas,

dentro do contexto social em que habitam.

Ao falar sobre suas aprendizagens, das escolhas, dos caminhos

percorridos durante a formação, daquilo que foi significativo nas atividades

desenvolvidas, entre elas o Estágio Supervisionado, professores e estagiários

podem narrar suas vivências, e a partir de processos de reflexão, elaboração e

reelaboração destas, construir experiências formativas. Josso (2004, p. 51),

comenta sobre três modalidades da experiência:

a) “ter experiência” é viver situações e acontecimentos durante a vida, que se tornam significativos, mas sem tê-los provocado.

b) “fazer experiências” são as vivências de situações e acontecimentos que nós próprios provocamos, isto é, somos nós mesmos que criamos, de propósito, as situações para fazer experiências.

c) “pensar sobre as experiências” tanto aquelas que tivemos sem procurá-las (modalidade a), quanto aquelas que nós mesmos criamos (modalidade b).

A autora esclarece que essas definições são “apenas convenções”,

que permitem distinguir as “experiências feitas a posteriori (modalidade a)” e as

“feitas a priori (modalidades b e c)”. A modalidade “a” refere-se às

aprendizagens inesperadas, não planejadas; a modalidade “b” está relacionada

68

às aprendizagens construídas em um movimento de intencionalidade e a

modalidade “c” constitui a experiência formativa elaborada e significada a partir

da reflexão e organização dos saberes construídos no processo de

aprendizagens individuais e coletivas. O Estágio enquadra-se na modalidade

“b” por configurar-se como atividade programada e planejada. O estagiário,

nesse sentido percebe a possibilidade da experiência antecipadamente, mas

necessita transitar entre as demais modalidades, para que ao surpreender-se

com o inusitado que a relação estagiário/escola/Estágio pode apresentar, sinta-

se afetado e estabeleça uma relação pessoal e ao mesmo tempo coletiva com

os acontecimentos/fatos/sensações, percebendo a experiência como

propulsora de aprendizagens e transformações.

A experiência formativa acontece quando o vivido, o observado e o

realizado adquirem importância, despertam reflexões e provocam mudanças.

Assim considerando, nos questionamos se o Estágio formulado e

orientado sob os moldes atuais tem proporcionado a experiência necessária à

formação do professor, oportunizando um espaço em que o docente em

formação possa ultrapassar as questões técnicas e burocráticas impostas pela

racionalidade institucional.

Dar voz ao (à) professor (a) e pesquisar sobre os aspectos que

envolvem sua formação, conhecer como são aproveitados os conteúdos

aprendidos no curso de formação, tanto teóricos como práticos, pode contribuir

para a construção de práticas formativas mais adequadas frente às novas

demandas que emergem no cenário educacional contemporâneo e as novas

exigências imputadas ao professor.

Ao empreendermos esta pesquisa que trata de aspectos da formação

docente enfatizando o Estágio Supervisionado buscamos colaborar com uma

discussão que não é nova, mas nos parece atual; parece-nos extremamente

necessário pensá-la sob o viés da relação entre os espaços de formação inicial

do professor e as escolas de ensino básico, considerando os entraves que

surgem nessa relação e as formas de aproximá-las, com vistas a contribuir

para a formação de boa qualidade dos professores, principalmente

considerando que os diplomas legais referem-se à “[...] experiência docente

[como] pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções

69

de magistério, nos termos das normas de cada sistema de ensino”. (BRASIL,

2014, p.37)

70

3. OS CAMINHOS DA PESQUISA

As técnicas estatísticas, em grande parte generalizam os resultados; as

dificuldades de manipular certas variáveis que surgem no decorrer da

investigação e o compromisso com a validade dos resultados, muitas vezes

dificultaram adentrar no universo das especificidades da educação, considerando-

a na sua concepção dialética.

As Ciências Humanas e Sociais requerem aportes teóricos e

metodológicos que permitam a inserção no universo das atividades humanas

considerando sua diversidade, imprevisibilidade e buscando compreender seus

códigos e significados. Nesta unidade exporemos nossas opções metodológicas,

discorrendo sobre os caminhos que percorremos para definir nossos sujeitos e os

instrumentos de coleta e análise dos dados.

3.1. As Opções Metodológicas

Durante muito tempo a pesquisa quantitativa foi o referencial que orientou

as pesquisas em educação; o trabalho postulado por Galileu, ao introduzir a

matemática para descrever os fenômenos estudados, permitiu aos “cientistas”, à

época, realizarem trabalhos sem a fiscalização inquisitorial; traçou as

características dominantes nas Ciências a partir do século XVII e imprimiu uma

valorização às propriedades que pudessem ser medidas e quantificadas.

Entretanto, essa visão primeira de ciência moderna focou-se

prioritariamente numa abordagem generalizante em detrimento de uma visão

qualitativa e particular.

Segundo Laing (1978 apud Capra, 1986, p. 41) este olhar resultou na

desvalorização da experiência como forma de conhecimento, pois,

[...] perderam-se a visão, o som, o gosto, o olfato e o tato, e com eles foram-se a sensibilidade estética e ética, a qualidade, os valores; todos os sentimentos, motivos, intenções, a alma, a consciência, o espírito. A experiência, como um fato vivido pelo sujeito, foi expulsa do domínio do discurso científico.

Encaminhamos esta pesquisa sob uma perspectiva qualitativa,

considerando as ideias expressas por Chizzotti (2003. P. 221) quando define que

“o termo qualitativo implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que

71

constituem objetos de pesquisa, para extrair desse convívio os significados

visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível.”.

Ainda segundo o mesmo autor:

A pesquisa qualitativa recobre, hoje, um campo transdisciplinar, envolvendo as ciências humanas e sociais, assumindo tradições ou multiparadigmas de análise, derivadas do positivismo, da fenomenologia, da hermenêutica, do marxismo, da teoria crítica e do construtivismo, e adotando multimétodos de investigação para o estudo de um fenômeno situado no local em que ocorre, e enfim, procurando tanto encontrar o sentido desse fenômeno quanto interpretar o significado que as pessoas dão a eles. (CHIZZOTTI, 2003, p. 221)

Minayo (1995) reforça essa concepção ao afirmar que

[...] a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 1995, p.21-22).

Da mesma forma Pádua (2007) refere que com auxilio do método

dialético e o embasamento da fenomenologia “as pesquisas qualitativas têm se

preocupado com o significado dos fenômenos e processos sociais, levando em

consideração as motivações, crenças, valores, representações sociais, que

permeiam a rede de relações sociais.” (PADUA, 2007, p. 36). Nossa pesquisa

apresenta bases fenomenológicas, pois considera a noção de intencionalidade

que orienta este método, no que se refere a “conduzir para algo”, a trazer à

consciência os objetos do conhecimento da forma como se apresentam,

considerando que consciência é para Husserl (1966, p.28 apud COELHO

JUNIOR, 2002, p. 99) “consciência de alguma coisa”.

[...] na fenomenologia de Husserl a noção de intersubjetividade ocupará lugar central em sua discussão sobre a possibilidade de se conhecer a experiência que temos de um outro, assim como do mundo objetivo, em geral. Coerente com a recusa em conceber a fenomenologia como um simples idealismo, Husserl reconhece que o outro, uma outra consciência, ou um outro ego existem independentes de minha consciência. (COELHO JUNIOR, 2002, p. 99).

72

A fenomenologia só considera a busca de entendimento e significado de

dado objeto em sua relação com o sujeito que conhece. Portanto,

[...] a fenomenologia visa à descrição da realidade e coloca como ponto de partida de sua reflexão o próprio ser humano. No esforço de encontrar o que é dado na experiência, descreve “o que se passa” efetivamente do ponto de vista daquele que vive determinada situação concreta. (ARANHA; MARTINS, 2009, p. 198).

Assim, buscando produzir entendimentos que conduzam à compreensão

dos fatores que contribuem para a socialização profissional dos professores e

consequente adaptação e desempenho no início da carreira, buscamos

entrevistar docentes em atuação, que tenham no mínimo dois e no máximo seis

anos de carreira, a respeito de suas vivências ao longo da formação inicial,

incluindo o Estágio supervisionado verificando quais os aspectos dessa formação

recebida no curso de licenciatura são referenciais para sua profissionalização.

Este trabalho busca contribuir para as reflexões sobre a formação

docente e o Estágio Supervisionado como espaço/tempo para o aprendizado

profissional de docentes em formação, cuja experiência necessita ultrapassar a

racionalidade técnica que tem sido a premissa até então, para assumir,

efetivamente, o papel de eixo articulador da teoria e prática nos cursos de

formação.

Os critérios para a escolha dos sujeitos da pesquisa fundamentam-se no

“ciclo da vida profissional dos professores” sugerido por Huberman (2000).

Segundo esse autor, em seu estudo sobre “o ciclo da vida profissional dos

professores”, o professor ao iniciar sua trajetória profissional vivencia uma fase de

exploração, que ocorre nos dois ou três primeiros anos de atuação, resultando

dela três possíveis motivações: sobrevivência, decorrente de fracassos ocorridos

nesse período; descoberta, quando as vivências com a realidade são positivas e

geram uma experiência enriquecedora e indiferença, resultante do ingresso na

profissão docente por falta de outra opção profissional.

Após esse período ocorre a fase de estabilização, durante os quatro aos

seis anos de carreira; nela o professor já sente maior segurança no desempenho

das atividades como docente, pois já estabeleceu uma metodologia própria para

promover seu trabalho e consegue administrar os conflitos e dificuldades que

surgem no cotidiano profissional de forma mais equilibrada.

73

Portanto, o tempo de carreira dos sujeitos (entre dois e seis anos de

exercício profissional) justifica-se por considerarmos que nesse período, os

saberes da experiência, os da formação inicial acadêmica e a realidade do

cotidiano da profissão já se mesclaram, possibilitando a cada docente elaborar

novos saberes e modos de fazer próprios sem, contudo, tê-los distanciados tanto

do período de sua formação.

A escolha por um caminho para buscar as respostas necessárias à

concretização de nosso trabalho não foi algo fácil. As escolhas estão sempre

vinculadas ao nosso projeto político-existencial, às condições históricas da

sociedade em que vivemos, à nossa vontade de contribuir para sua

transformação, ao mesmo tempo em que visamos nosso crescimento enquanto

profissionais.

A partir de estudos prévios escolhemos como técnica de coleta de dados

a entrevista individual semiestruturada, que oferece maior aprofundamento de

determinados tópicos abordados e favorece a compreensão mais aprofundada do

universo investigado.

Conforme Selltiz e Deutsch (1967, p. 271-272):

Numa entrevista existe a possibilidade de repetir as perguntas, ou apresentá-las de outro modo para que se possa ter a certeza de que são compreendidas, ou fazer outras perguntas a fim de esclarecer o sentido de uma resposta. [...] O entrevistador pode observar não apenas o que diz o entrevistado, mas também como o diz.

Ainda sobre a entrevista é pertinente considerar que é a técnica mais

adequada para tratar de assuntos mais complexos que envolvam as emoções e

os sentimentos que subjazem as opiniões expressas.

As escolhas metodológicas que fizemos são resultantes da revisão da

literatura, de participações em projetos ao longo do Programa de Mestrado e das

imersões preliminares que efetuamos no campo, assim como das entrevistas-

piloto que realizamos com o objetivo de aprimorar os instrumentos a serem

usados na pesquisa, visto que é necessário atentar para as possibilidades de

interferência da subjetividade, inerentes às relações e ao trabalho pedagógico. Se

junta a esta investigação os conhecimentos prévios adquiridos com os trabalhos

74

realizados como pesquisadora no curso de graduação e nas duas especializações

já concluídas.

A entrevista semiestruturada foi orientada pelo roteiro previamente

definido (anexo 1, p. 120), após termos testado o instrumento através das

entrevistas-piloto, nas quais utilizamos um pré-roteiro, buscando averiguar se as

questões eleitas para a entrevista seriam adequadas aos sujeitos para que

tivessem liberdade de exposição de ideias e abordassem os assuntos que

buscamos esclarecer, favorecendo a compreensão do universo a ser investigado.

As entrevistas-piloto foram previamente agendadas e utilizamos o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (anexo 3, p. 122), garantindo assim o sigilo

dos dados fornecidos pelos participantes, conforme resolução 001/2013, que

dispõe sobre as normas para pesquisas envolvendo seres humanos. Após análise

da primeira entrevista-piloto percebemos que era preciso rever o instrumento

elaborado e acrescentar algumas questões que norteassem melhor o

procedimento, além de revermos alguns princípios referentes à técnica a ser

empregada a fim de atingirmos os objetivos propostos, conforme comentaremos a

seguir.

3.2 Percalços no Caminho da Pesquisa

Ao optarmos pela entrevista individual semiestruturada como técnica de

coleta de dados vislumbramos as possibilidades de maior aproximação das

entrevistadas e a flexibilidade que ela nos daria para ouvirmos os professores em

começo de carreira dando-lhes liberdade para contar a respeito de sua trajetória

no curso de formação, sem, contudo, perder o foco da questão que desejávamos

conhecer.

Após as leituras e orientações para organização de um roteiro guia para a

entrevista, nos colocamos a caminho para testar o instrumento, a partir da

entrevista-piloto; assim poderíamos averiguar a eficiência do mesmo em

despertar as lembranças das professoras sobre o que se passou no período da

formação, principalmente em relação ao Estágio Supervisionado, e nos auxiliasse

a entender as imagens registradas/relatadas desse período e seus significados.

Parecia-nos tarefa da qual daríamos conta, mesmo não tendo realizado

entrevistas em nenhum outro momento em que realizamos pesquisas em nossa

75

formação, pois nos trabalhos anteriores, o instrumento utilizado foi sempre o

questionário. Sabemos que a relação que se estabelece entre o entrevistador e o

entrevistado não é uma relação neutra. Nessa troca ficam condicionados muitos

aspectos implícitos, pois tratar de vivências, sentimentos, passagens de vida que

envolve a subjetividade de ambos os participantes da pesquisa. Entre

entrevistador e entrevistado acontece um processo de interação que se

estabelece através da intencionalidade subjacente a ação.

Para Yunes e Szimansky (2005, p.1):

Seja qual for o tipo de entrevista escolhida pelo investigador, encontrar-se-á certo grau de intencionalidade e interação social como aspectos essenciais do processo de organização e construção tanto das perguntas (no caso do entrevistador), como das narrativas (no caso do entrevistado). A entrevista face a face é fundamentalmente uma situação de interação humana, na qual estão em jogo as percepções do outro e de si, expectativas, sentimentos, preconceitos, interpretações e constituição de sentido para os protagonistas - entrevistador/es e entrevistado/s. Da mesma forma que quem entrevista tem/busca informações, quem é entrevistado também está processando um conjunto de conhecimentos e pré-conceitos sobre o interlocutor e organizando suas respostas para aquela situação. (YUNES; SZIMANSKY, 2005,p1)

Nesse espaço de nosso trabalho queremos comentar e dessa forma

compartilhar algumas experiências do período de coleta de dados de nossa

pesquisa.

Em data agendada para a entrevista-piloto, fomos ao encontro da

entrevistada em sua residência, explicamos sobre o que tratava a pesquisa,

entregamos-lhe o termo de consentimento livre e esclarecido e de posse de uma

cópia do roteiro iniciamos a conversar. Na verdade, nessa primeira tentativa não

conseguimos nos desvincular do roteiro e a entrevista careceu de informações,

que talvez fossem expostas pela entrevistada, se devidamente provocada com

perguntas adicionais relacionadas ao tema.

Ao ouvirmos e transcrevermos o material da primeira entrevista

constatamos que parte das questões que desejávamos responder ficaram vagas,

sem muitos argumentos que nos possibilitariam entender as percepções da

entrevistada de forma mais segura. De fato, o fazer com o outro é sempre

carregado de subjetividade. Embora soubéssemos o que buscávamos na

76

entrevista (intencionalidade) e da entrevistada ter consentido com a gravação,

logo que principiamos a conversa, nos pareceu que esse elemento novo à

situação causou-lhe certo desconforto. Com relação ao uso desses recursos Boni

e Quaresma alertam que:

A presença do gravador, como instrumento de pesquisa, em alguns casos pode causar inibição, constrangimento, aos entrevistados. Em outros casos o pesquisado poderá assumir um papel que não é o seu, assumir um personagem que nada tem a ver com ele, ou seja, ele pode incorporar o personagem que ele acha que o pesquisador quer ouvir. (BONI; QUARESMA, 2005, p.77)

Logo na primeira análise do material detectamos essa carência e uma das

sensações foi comprovar o quanto os conhecimentos necessitam de

operacionalização para adquirirem eficácia. Propomo-nos nova entrevista-piloto

na busca por aperfeiçoar nossa forma e o conteúdo. Ao fazermos o novo contato

tomamos o cuidado para esclarecer sobre a gravação da conversa, ao

realizarmos a entrevista.

Fomos para o encontro com a nova entrevistada com a ideia de nos ater

ao roteiro, porém conduzir a entrevista de maneira menos formal. Novamente

falhamos na tentativa, pois, num dado momento nossa intervenção tornou-se

muito incisiva, contaminando em grande parte a fala da entrevistada. Ainda não

estávamos devidamente preparadas para manipular as variáveis dessa técnica,

pois nossa maior dificuldade foi não conseguirmos nos distanciar das questões

investigadas no decorrer da entrevista, tecermos comentários em excesso e

possivelmente influenciarmos suas respostas.

Retomamos as leituras, revimos o instrumento de pesquisa/roteiro pré-

elaborado e realizamos mais algumas entrevistas que foram nos trazendo maior

segurança e domínio na realização da técnica. Encontramos um ponto de

equilíbrio nos diálogos com as entrevistadas e dessa forma, após a transcrição

minuciosa dos diálogos gravados, produzimos os dados que nos possibilitaram

seguir adiante no caminho da pesquisa. Foi necessário dispensar parte do

material produzido; porém, se esse trabalho inicial não produziu dados relevantes

que nos permitissem elucidar as questões que buscamos responder, foram de

extrema importância para refletirmos sobre a prática científico-acadêmica e a

77

atenção necessária que o pesquisador deve ter com forma e conteúdo na busca

pelo rigor nas pesquisas de natureza qualitativa, com bases fenomenológicas.

Entendemos que o que nos aconteceu nessa fase do trabalho pode ser

associado ao que precisa acontecer em todo o processo de formação e já

postulado nos itens 2.2.1 e 2.2.2 da unidade anterior que tratam sobre a relação

teoria x prática e sobre a experiência formativa. Realizamos no período de coleta

de dados, a partir das entrevistas-piloto, esse movimento de levar para o campo

de atuação o conhecimento teórico e mediante as condições em que a ação

acontece refletir sobre seus resultados para reconstruir novas possibilidades de

construção de conhecimentos.

O processo é dialético, sem dúvida: leituras/preparo do roteiro/entrevistas-

piloto/análise da entrevista/reelaboração do roteiro/novas entrevistas-

piloto/análise das entrevistas/descarte de material/novas entrevistas/ transcrição

das entrevistas/leitura e análise ideográfica dos discursos. Temos consciência de

que só foi possível obter êxito no trabalho de entrevistas porque refizemos o

caminho apoiados pelo conhecimento teórico aliado á reflexão sobre a prática

vivenciada.

A trajetória no caminho de investigação e construção do trabalho de

dissertação, etapa indispensável da formação do Programa de Pós-Graduação

em Educação, nos colocou frente a um grande e novo momento de Estágio. As

grandes descobertas e os confrontos com que nos deparamos ao longo de todo o

processo desencadearam longas reflexões, grandes conflitos e significativas

transformações em nossa prática profissional e existencial.

3.3. Prosseguindo a caminhada

Os discursos dos docentes, primeiramente gravados em áudio, foram

transcritos18 e já nesse processo percebemos certas informações que já se

evidenciavam importantes nos seus discursos. Ao principiarmos o trabalho de

leitura e análise ideográfica dos discursos nos apoiamos nas pré-categorias

18

. Trechos das entrevistas transcritas compõem esta dissertação.

78

elaboradas para o roteiro da entrevista19. A partir daí realizamos sucessivas

leituras que nos possibilitaram uma sistematização dos dados produzidos.

Seguindo a premissa de que o importante nessa análise é o ponto de

vista do entrevistado, precisamos considerar que seus discursos são formas de

interpretação dos significados que atribuem às suas vivências.

O pesquisador vai, então, ao encontro dos depoimentos ingênuos do sujeito, do seu falar espontâneo, sem interpretações ou reflexões prévias do que este possa estar vivendo no seu "mundo-vida" [...]. Para isso, os depoimentos não devem partir de roteiros ou perguntas diretas, mas de uma questão aberta, geral, que seja capaz de nortear sem, contudo, restringir a exposição dos sujeitos sobre o tema investigado. Uma questão que abra possibilidade para um fluir livre do relato, permitindo ao fenômeno se mostrar tal como é, na sua própria linguagem, sem se direcionar pelos pressupostos do pesquisador (GRAÇAS, 2000, p. 29).

A análise dos discursos individuais nos permitiu encontrar ideias centrais

ligadas diretamente ao que buscamos responder. A interpretação dessas

expressões nos encaminhou para algumas convergências.

Machado (1994, p. 42) explica:

O pesquisador busca determinar quais aspectos das estruturas individuais manifestam uma verdade geral, podendo ser tomadas como afirmações verdadeiras [...] As convergências passam a caracterizar a estrutura geral do fenômeno. As divergências indicam percepções individuais resultantes de modos pessoais de reagir mediante agentes externos.

As convergências, porém, são “uma perspectiva do fenômeno,

considerada a inesgotável abrangência do seu caráter perspectival” (MACHADO,

1994, p. 43).

Nossa interrogação sobre “como as experiências vivenciadas na

formação inicial, especialmente nos Estágios Supervisionados, interferem no

processo de atuação profissional dos professores dos anos iniciais do ensino

fundamental (1º ao 5º ano) em início de carreira”, guiou nosso diálogo com as

formulações expressas nos discursos e na medida em que ele nos comunicava os

dizeres das entrevistadas fomos percebendo as expressões que davam

significado e apontavam convergências.

19

. As pré-categorias referidas (anexo 1, p. 120): escolha da carreira; dúvidas, dificuldades e ansiedades; Estágio; avaliação do curso; cotidiano da profissão.

79

Dessa forma obtivemos um conjunto de dados significativos que

expressavam as motivações para o ingresso na carreira, certos acontecimentos

vivenciados no decorrer do curso, as impressões sobre os conhecimentos

adquiridos na formação inicial e sobre a realização do Estágio Supervisionado e

os sentimentos experimentados no início da carreira. O movimento de leitura e

análise dos discursos nos levou as seguintes categorias abertas: a escolha do

curso; a formação inicial; o Estágio e a relação teoria x prática e o ingresso na

carreira. As categorias que elencamos não representam de maneira alguma o

esgotamento das possibilidades de interpretação das ideias apreendidas no

discurso das entrevistadas. A nosso ver atendem a busca que empreendemos por

responder nossa interrogação com relação à importância do Estágio

Supervisionado na formação inicial do professor, pois,

[...] como a estrutura vivida tem uma estrutura temporal ela nunca é tomada na sua imediaticidade de sua ocorrência, mas sempre é revelada na recolha e reunião do passado vivido que também se projeta a um porvir. Portanto, jamais em suas riquezas de nuanças que diriam da totalidade da vida, mas sempre em destaques de aspectos tidos intencionalmente como relevantes por aqueles que as expressa. Estamos, humanamente falando, fadados ao movimento parte/todo, intuindo a totalidade e, assim, deixando sempre encoberto algo não dito e acrescentando algo, mediante o já expresso e culturalmente aceito e presente nos modos de dizer. [...] os modos de expressão das experiências vividas podem assumir diferentes destaques, conforme a intenção de dizer daquele que as vivencia. (BICUDO, 2011, p.43)

Na próxima unidade apresentaremos a análise e interpretação dos

discursos dos sujeitos, com base nessas categorias.

80

4. A VOZ DOS INICIANTES

O escritor gaúcho Érico Veríssimo marcou nossa adolescência com

grandes obras, entre elas, “O Tempo e o Vento”. Nela a personagem Ana Terra

dá origem à saga de uma família que perpassa três gerações. Ana Terra é

mulher, mãe, parteira, curandeira, tecelã, muitas “anas” em uma só. Ela legou às

mulheres da sua família a roca com que aprendeu a fiar e tecer com sua mãe.

Esse legado possibilitou o recomeço, a subsistência material e cultural da família.

O som da roca tornou-se uma espécie de fantasma ouvido pelas gerações que

sucederam Ana Terra.

Tecer é ofício que remonta o começo da história humana. Essa é uma

simbólica alusão do autor à construção humana, que entrelaça o eu e o coletivo.

Tecemos fios de afetos, conhecimentos, palavras, emoções, ações. Tecemos

todo tempo os fios da vida, a nossa história. Ao mesmo tempo nossos fios se

entrelaçam aos de outras tecelagens, outras vidas e outras histórias. Novas

tecelagens.

Tecer tem sua origem etimológica no latim texere, que significa fazer

tecido, trançar, construir. A palavra texto possui a mesma origem latina. Tecer

envolve a trama, escrever envolve o enredo. Quem tece trama o fio, quem

escreve conduz o fio narrativo.

Escrever textos numa perspectiva qualitativa é tecer com o fio de ideias

que se entrelaçam dando sentido e entendimento às questões que queremos

conhecer e que têm significado para nós e para aqueles/aquelas que

estão/estiveram envolvidos de alguma forma nessa construção, bem como para

os interessados em conhecer. É construir/reconstruir conhecimentos imprimindo

os tons das cores a partir da qualidade e quantidade dos fatos experenciados.

Tecer a partir das histórias relatadas e escritas passa pela leitura, releitura e

compreensão dos discursos com base nas nossas experiências de estudo,

leituras, vivências e envolvimento como objeto sobre o qual tecemos. Ao mesmo

tempo, aquele que nos revela sua história pode revisitá-la e assim fazendo se

permite um exercício de reflexão sobre o que foi construído, o que é feito dessa

trama e o que a partir dela poderá ser tecido.

81

Considerando o princípio enunciado na introdução desse texto,

propusemo-nos tecer, construir, enfim, interpretar algumas coisas ditas... e outras

não ditas, a partir dos discursos construídos pelas jovens professoras que nos

concederam as entrevistas, buscando compreender qual o sentido que atribuem

ao Estágio Supervisionado, atividade compulsória, na sua formação inicial.

Conforme o critério previamente definido, “o ciclo da vida profissional dos

professores” (HUBERMAN, 2000), já evidenciado em capítulo anterior, as

entrevistas de nossa pesquisa foram feitas com sete (7) professoras que

atualmente exercem função docente na rede pública municipal de ensino de

Presidente Prudente há no máximo seis anos, com idade que variam entre 25 e

35 anos. Destaque-se que todas as entrevistadas são mulheres, dada à presença

majoritária do gênero feminino no curso de Pedagogia conforme explicitado por

vários autores, dentre eles, Almeida (1998); Arce (1997); Carvalho (1996 e 1999);

Novaes, (1984); Lopes (2001a e 2001 b). Além deste critério, em comum nas

suas trajetórias, as entrevistadas possuem a formação no curso de Pedagogia da

Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente da Universidade

Estadual Paulista (FCT/UNESP).

Como procedimento complementar além do roteiro de entrevistas

semiestruturadas, apresentamos às entrevistadas um texto elaborado por

Pimenta; Lima (2012, p.33) (anexo 2, p. 121), sobre o qual formulamos questões

complementares. O excerto da obra “Estágio e Docência: diferentes concepções”

questiona a dicotomia entre a teoria e a prática na formação de professores e tece

críticas a respeito da compartimentação dos currículos nos cursos de formação,

organizados em disciplinas desassociadas e do tratamento dado ao Estágio

Supervisionado nesse contexto.

Para apresentar os resultados da pesquisa optamos por identificar nossas

entrevistadas com nomes fictícios, garantindo dessa forma o sigilo na pesquisa e

a transparência no discurso20. Abaixo traçamos um pequeno quadro com alguns

dados referentes às entrevistadas para melhor situar o leitor quando da

apresentação de suas opiniões.

20. As descrições são feitas de acordo com a fala dos sujeitos, tomadas tal qual foram transcritas,

entendendo-as como uma forma dos sujeitos dizerem do que viveram e como perceberam o vivido.

82

Nome Fictício

Idade Estado Civil Ano de Formação

Participou de Grupo de Pesquisa

Lia 31 Casada 2012 Sim

Ana 29 Solteira 2012 Não

Mila 26 Solteira 2012 Sim

Dora 28 Solteira 2011 Não

Mara 25 Solteira 2012 Sim

Léa 25 Solteira 2012 Sim

Bia 27 Solteira 2009 Sim

Quadro I – Perfil da população entrevistada

Fonte: Pesquisa de campo – 2014/15.

Conforme anunciamos no item 3.3 deste trabalho, as categorias abertas:

a escolha do curso; a formação inicial; o Estágio e a relação teoria x prática e o

ingresso na carreira, resultaram da análise das entrevistas. Procedemos à

interpretação dessas categorias buscando compreender o fenômeno, ou seja,

responder a questão que norteou essa pesquisa.

A escolha de uma profissão, talvez seja um dos momentos mais

significativos do início da trajetória do jovem ingressante num curso de

graduação, no caso do nosso estudo, um curso de graduação que forma

professores.

Vários autores (LÉVI-STRAUSS, 1997; MEIRA, 2009; RODOLPHO, 2004;

EVANS-PRITCHARD, 1978) referindo-se a diferentes contextos apontam a

importância dos rituais de passagem no amadurecimento social e até mesmo

profissional dos jovens.

Nesse sentido, Meira (2009) nos chama a atenção argumentando que

Do nascimento até a morte, cada indivíduo passa por diferentes fases etárias: infância, juventude, maturidade e velhice. Em cada uma são executadas diversas tarefas e têm-se diferentes posições em relação aos outros membros da sociedade. A estrutura etária promove a integração social, sugere comportamentos sociais e cria uma interação entre os indivíduos. Não se conhece nenhuma sociedade que não distinga as várias “idades” e não as defina por meio de normas e valores de sua tradição cultural. (MEIRA, 2009, p.186)

Aqui nos referimos aos rituais de passagem como uma forma de pertença

do iniciado; é como se o grupo o autorizasse a “ser”. Podemos considerar que foi

criada uma cultura de encerrar o período médio de aprendizagem e considerar o

83

jovem apto a escolher uma profissão. Conforme a condição do jovem é ao mesmo

tempo imposição e necessidade que acabe o ensino médio e vá trabalhar ou

escolha uma carreira que preceda de graduação e possa permanecer em

formação, ou ainda, aliar ambas as realidades. Por vezes essa certa imposição

influencia uma escolha mais viável, teoricamente mais fácil e de retorno

profissional mais rápido. Aceitar fazer parte do rito é se considerar apto, capaz e

diferenciado, mesmo que fazer parte desse rito não corresponda à verdadeira

aspiração do participante; por isso boa parte dos jovens aceita fazer um

determinado curso, ao invés de encarar outras variáveis pelo que realmente

deseja.

Uma de nossas entrevistadas expôs “Eu pensei Veterinária, pensei

Psicologia, né. Mas aí, analisando no que eu poderia tá trabalhando, onde eu

estaria ingressando, aí eu optei pela Pedagogia (Léa).” Fica explícito no discurso

de Léa, que um dos fatores que influenciou a escolha pelo curso de graduação foi

a rápida absorção do profissional formado nas licenciaturas pelo mundo do

trabalho. Mila, outra de nossas entrevistadas, também comenta que sua opção

não era pela Pedagogia, porém as possíveis dificuldades com o processo seletivo

e certa garantia de oferta de trabalho embasaram sua escolha.

[...] E aí a principio eu gostaria de prestar Educação Física, na época eu gostava de vôlei e eu achava que era isso. Aí minha mãe que já era professora, me orientou a prestar Pedagogia, como minha irmã, por ser um campo, né, professor, que sempre tá

precisando de profissionais. [...] Se fosse pra eu optar, eu teria

optado pela Educação Física. E uma das coisas que minha mãe alegou foi a questão do vestibular, que talvez o vestibular de Educação Física eu teria mais dificuldade na parte específica que era biológicas, que na época era separado, um dia de Português, um dia de conhecimentos gerais e um específico. (Mila)

Socialmente um jovem que entra na faculdade assume uma

responsabilidade, passando a ser visto de forma diferenciada pelo grupo (família,

amigos, trabalho), é promovido à vida adulta. Por outro lado como a consciência

dessa mudança de status não é proporcional ao ato de cursar a graduação é

comum os professores se espantarem com a falta de base e comprometimento

dos estudantes no primeiro ano de curso, assim como se verifica grande evasão,

conforme tem sido apontado por diversos autores (LOBO, 2012; RODRIGUEZ,

84

2011; DIAS SOBRINHO, 2008; SILVA FILHO, 2007; GOMES, 1998) além de

outros fatores determinantes, inclusive devido a essa imaturidade.

Assim sendo, a categoria escolha do curso, reúne as ideias expressas

pelas nossas entrevistadas quando indagamos sobre quais as razões/motivos da

escolha pelo curso de Pedagogia numa universidade pública, pois, quando nos

referimos aos cursos de formação de professores acrescentamos mais um

elemento fundamental, ou seja, o que se denomina escolha ou opção,

eventualmente também pode ser interpretado como falta de escolha/opção. Isto é,

a escolha/opção em muitas situações recai sobre a impossibilidade de

deslocamento e permanência em outra cidade ou impossibilidade financeira de

arcar com os custos de uma Instituição de Ensino Superior (IES) particular, onde

por ventura exista o curso de preferência do candidato.

A limitação para a escolha/opção pode ser apreendida na afirmação de

Léa: “é um ensino de qualidade na região que a gente mora, por isso a gente

optou, eu optei tá fazendo aqui mesmo”, embora “não para ser professora, optei

pela área de gestão”. (Léa)

Tais condições também foram determinantes para o encaminhamento da

escolha de Dora:

Além de ser um sonho eu fui a primeira da família, tanto por parte de pai, como por parte de mãe, a ingressar numa universidade pública, então não bastava pra mim apenas um sonho, mas também a condição. Eu não tinha condições de me manter numa faculdade particular [...] de todo modo eu ia acabar na Pedagogia, porque Educação Física era uma área que me interessava na época por ser atleta, cheguei a pensar em Fisioterapia, mas, sabendo também dos valores do curso, não caberia no meu orçamento, tentei fazer letras, por estar dando aulas de inglês, então tudo foi indo de acordo com um caminho do meu campo de atuação. (Dora)

Estudos como o de Gatti e Barreto (2009, p. 159) já se referiram às

razões que norteiam a escolha pelo curso de graduação. Na pesquisa realizada

sob patrocínio da UNESCO/INEP as autoras afirmam que “Quando indagados

sobre a principal razão que os levou a optarem pela licenciatura, 65,1 % dos

alunos de Pedagogia atribuem a escolha ao fato de querer ser professor [...]”.

85

Referem-se ainda que dentre os estudantes de Pedagogia, percentual

significativo já tem trabalho na área e/ou pretendem buscar atividade na área de

graduação. (GATTI; BARRETO, p.160)

Dentre as respostas obtidas, as entrevistadas revelaram que

[...] desde pequena já pensava em ser professora, independente de qual fosse a área, se fosse sendo professora universitária e tal, eu sempre pensei em ser professora [...]. Mas aí eu fui, nunca tirei isso da cabeça, passei por outras profissões também, quando eu entrei aqui na UNESP eu fazia uma outra coisa, trabalhava na área de saúde, tive oportunidade de ter ido para a área da saúde mas eu optei por vir para faculdade. (Bia)

Olha que pergunta mais difícil, né? Eu... acho que eu sempre gostei, né. Só para entender, assim, os cursos que eu teria escolhido se tivesse possibilidade de fazer seria Pedagogia, Geografia e Educação Física, né. Dos que eu tinha pensado de fazer, acabei escolhendo Pedagogia por ser uma área mais ampla, né. (Ana)

Observando os depoimentos acima, nota-se que a escolha das

entrevistadas remete-se em todos os casos aos cursos de licenciatura,

destacando-se ainda, a presença da universidade pública nessa escolha.

A escolha pela universidade pública é reforçada pelo depoimento de Léa:

Em primeiro lugar eu tinha em vista que se tivesse um curso aqui na universidade que eu me interessasse, em vez de fazer na privada eu iria estudar pra fazer na pública, ia prestar vestibular e fazer na pública [...]. Mas assim, na universidade privada tinha o curso de Pedagogia, mas eu pensei se tem na pública, eu quero fazer na pública e entrei. (Léa)

Outra característica marcante na fala das entrevistadas refere-se à

influência familiar na escolha/opção pelo curso. Essa influência é reiterada por

Mila como uma motivação para sua escolha quando relata que

Porque como assim, eu venho de uma família de professores eu sempre acompanhei muito a minha mãe, em preparar aula, no planejamento, sempre... acho que assim, por ser caçula também eu sempre fui muito apegada a minha mãe, então eu sempre vi assim ela e as amigas dela preparando aula, com um monte de livro, com planejamento, então assim, eu ficava ansiosa em saber como, como começar [...]. (Mila)

Há o caso de Lia, cuja opção principal não era o curso de Pedagogia,

sendo sua escolha amparada no fato de conhecer a natureza da área de

formação, pois sua irmã era professora e o trabalho na igreja lhe trazia certa

familiaridade, bem como a aprovação deste trabalho pelo grupo.

86

Pra Pedagogia eu passei de primeira, mas eu prestava antes

Psicologia, prestei 3 anos. Dois de Psicologia e 1 de Pedagogia.

[...] por estar também na área de humanas, Psicologia em Assis

era na área de humanas, então achei que daria um suporte maior

pra eu conseguir a transferência, de fazer a transferência do

curso. Mas Pedagogia não foi assim aleatória a escolha também.

A minha irmã fez o Magistério, ela dava aula, isso sempre me

encantou. Eu sempre trabalhei com catequese na igreja, sempre

via que de certa forma eu estaria inserida [...]apesar de já gostar

de dar aula, de estar a frente de grupos, da comunidade da igreja.

Todo mundo me falava que eu era uma boa professora. (Lia)

Isso nos leva a crer que o jovem vive um grande conflito quando se vê

diante da situação de escolher um curso de graduação, que, embora não seja,

necessariamente, definidor de seu futuro ou da carreira que venha a seguir,

implica em um momento que marca a sua condição de arcar com

responsabilidades e com o status de “adulto”. Essas condições subjetivas, sem

dúvida, refletem no seu desempenho como estudante e na sua futura atuação

profissional.

Anteriormente nos referimos a alguns obstáculos que permearam a

escolha/opção de nossas entrevistadas. Outros momentos do discurso das

docentes revelam sobre a trajetória de formação no curso de Pedagogia e

convergiram para a categoria formação inicial. Por suas falas é possível constatar

com certa segurança que suas trajetórias escolares ao longo do curso foram

marcadas majoritariamente por atividades extracurriculares, como por exemplo,

estágios remunerados, programas de iniciação científica e atividades de

extensão.

Dora, ao ser indagada sobre sua participação extra curso nos disse que

Eu já iniciei um projeto de estágio ainda no primeiro ano da graduação, assim que eu ingressei na universidade, no curso de Pedagogia; eu iniciei como estagiária num colégio privado e desde então, ainda no terceiro ano da graduação, eu já fui contratada pelo colégio como professora efetiva [...]. (Dora)

Além dessa referência Lia nos informou que participou de um projeto

sobre literatura.

Sim, sim. Quando eu transferi pra cá, pra Prudente, eu comecei com a professora X, no CELLIJ, eu pesquisava sobre as bibliotecas públicas, primeiro eu comecei pesquisando sobre letramento literário. Nós pesquisamos algumas instituições não formais de educação, a gente ia e desenvolvia o projeto ali e

87

também desenvolvi o projeto no CELLIJ. Era de uma mestranda dela na época e eu ajudava né, contribuía dessa forma e tinha bolsa também. Comecei com bolsa núcleo de pesquisa, aí no ultimo ano comecei a pesquisar sobre bibliotecas escolares, também desenvolvi em duas escolas municipais. (Lia)

Esses depoimentos revelam que a participação em projetos

extracurriculares do grupo de entrevistadas, atualmente professoras efetivas da

Rede Pública de Presidente Prudente, de alguma forma influenciou em suas

decisões profissionais. Tal assertiva está baseada no tipo de atividades

desempenhadas ao longo do curso, que as influenciaram positivamente em

relação à carreira do magistério.

Um exemplo dessa influência pode ser observado nas expressões de

Mila:

[...] Assim sempre soube, estou indo pra faculdade porque eu vou ser professora. No decorrer da faculdade que aí eu fiz a pesquisa científica, tive bolsa de iniciação científica, depois o mestrado, mas mesmo no mestrado eu sempre disse: eu vou terminar o mestrado e não vou cair direto no doutorado, viver seis, dez anos da minha vida só pesquisando, falando e lendo e apontando o que deve ser feito, não. Eu quero ir pra prática, eu quero conhecer a prática. [...] só por status não, se um dia eu chegar a ser professora universitária, é pra realmente formar professores [...]. (Mila)

Embora esse trabalho tenha como foco principal o Estágio

Supervisionado como espaço privilegiado para a formação inicial, podemos

perceber certa inquietação de nossas entrevistadas, apontando por vezes que

outras atividades não ligadas exatamente à estrutura curricular do curso,

exerceram importante papel em suas trajetórias escolares e futuras trajetórias

profissionais como visto no depoimento anterior.

Mila nos chama atenção quando ao avaliar o curso no seu conjunto,

afirma que

E quando eu tava assim, primeiro ano aquela estrutura Sociologia, Filosofia, Psicologia. No segundo ano também não vi nada da prática, então começou a me dar uma certa angústia, senti um pouco a falta da prática, de como fazer, né? Até porque você chega na escola ninguém te fala o que você tem que fazer. Ninguém fala como você tem que preencher uma caderneta, ninguém fala que você tem que fazer um cartaz, ninguém fala que você tem que fazer o planejamento e não tem da onde você tirar [...].

88

Não temos a pretensão de sugerir que o curso de formação de

professores tenha que se ater a esses pormenores que poderíamos chamar de

“burocráticos”. Porém, os depoimentos colhidos em nossas entrevistas apontam

para variadas críticas à ausência de certos conteúdos e a pouca ou nenhuma

articulação dos Estágios com os demais conteúdos do curso.

Sobre isso, Lia tece a seguinte crítica quando perguntamos quais foram

as contribuições do curso para sua atuação profissional:

Assim, aquilo que todo mundo fala, né. A gente sai da faculdade, e é verdade, a gente sai da faculdade, mas a gente não sai preparada. É óbvio que você não vai sair com uma apostilinha debaixo do braço e fala: vou na sala de aula e vou ter que fazer isso, isso e isso. Então a faculdade? A faculdade ela me deu parâmetros, me deu uma boa base teórica. Quando a gente sai da faculdade você fala “nossa, o que é que eu vi na faculdade? Eu não vi nada. Eu me sentia perdida, totalmente perdida. E agora? O que fazer? Porque que eu tive todas aquelas disciplinas?” [...] É um curso muito bom, é óbvio tem as suas lacunas, como qualquer outro curso, né. [...] percebo que ainda tem lacunas, né. Tem muito que ser melhorado, porque pelo menos nas universidades públicas é uma realidade, se prepara muito pra pesquisa e pouco pra... vamos colocar aí, pra situações de sala de aula, você vê muito pouco. Então assim, te prepara muito pra pesquisa e pouco pra você lidar no dia-a-dia, não que a gente precisava, né, de algo pronto, mas pelo menos algo que fosse mais próximo da realidade da escola, porque a gente só sentia isso no estágio. (Lia)

Essa crítica nos remete à nossa questão principal - qual a contribuição

dos Estágios Supervisionados no curso de formação para o desempenho inicial

na carreira? Como as experiências vivenciadas na formação inicial,

especialmente nos Estágios Supervisionados interferem no processo de atuação

profissional dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º

ano) em início de carreira?

Dentre os temas que elencamos previamente para nosso roteiro de

entrevistas, incluímos a questão dos Estágios no corpo do curso e elegemos

como categoria para tratar das questões a ele relacionadas o Estágio e relação

teoria x prática. Embora não seja uma questão consensual, nossas entrevistadas

apontaram para a importância desse momento em sua formação, sem, no

entanto, deixarem de apontar algumas dificuldades estruturais e conjunturais para

sua realização.

89

O Estágio Supervisionado no curso de Pedagogia da Faculdade de

Ciências e Tecnologia (FCT/UNESP) de Presidente Prudente está incorporado à

estrutura curricular em forma de disciplina a partir do segundo ano do curso,

conforme Quadro I abaixo.

Disciplina Ano Semestre C H

Estágio Supervisionado em Gestão Educacional I 2º 1º 30

Estágio Supervisionado em Gestão Educacional II 2º 2º 75

Estágio Supervisionado de Prática de Ensino na Educação Infantil II

2º Anual 75

Estágio Supervisionado de Prática de Ensino na Educação Infantil I

3º 1º 30

Estágio Supervisionado de Prática de Ensino nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental I

4º 2º 30

Estágio Supervisionado de Prática de Ensino nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental II

4º Anual 75

Total da carga horária 315

Quadro II – Estrutura Curricular do Curso de Pedagogia

Fonte: FCT/UNESP, 2011.

Essa programação foi elaborada no ano de 2011, quando foi alterada a

proposta curricular do curso de Pedagogia, visando atender algumas

necessidades observadas pelo conjunto dos docentes do curso e atender as

modificações propostas pela Resolução CNE/CP Nº 1, de 15 de maio de 2006.

Esta proposta curricular prevê um Estágio Supervisionado que, em sua totalidade

perfaz 315 horas de atividades e apresenta uma defasagem estrutural em relação

à norma vigente, a Deliberação CEE 126/2014, que propôs alterações nas DCN

do curso de Pedagogia, conforme exposto no capítulo 2, item 2.2.2, desta

dissertação e define que os Estágios Supervisionados precisam atender 400

horas de atividades, sendo 200 delas voltadas para “o acompanhamento do

efetivo exercício da docência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino

fundamental” e as 200 horas restantes “dedicadas às atividades de gestão do

ensino, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental”. (SÃO

PAULO, 2014, p. 28)

A distribuição do Estágio Supervisionado na estrutura curricular é

explicitada no Projeto Pedagógico do curso de Pedagogia da seguinte forma:

90

As 105 horas do Estágio Supervisionado de Prática de Ensino na Educação Infantil serão divididas entre as disciplinas Metodologia e Prática de Ensino em Educação Infantil de 0 a 3 anos e Metodologia e Prática de Ensino em Educação Infantil de 4 a 6 anos. Das 105 horas do Estágio Supervisionado de Prática de Ensino nos anos iniciais do Ensino Fundamental, 45 serão destinadas às disciplinas: Conteúdos, Metodologia e Prática de Ensino de Matemática, de Língua Portuguesa e de Alfabetização. As demais horas serão distribuídas entre as demais disciplinas metodológicas alocadas no 3° e 4° anos.

A parte burocrática (orientação quanto ao preenchimento de documentos, encaminhamento de listas de alunos à SEDUC- Secretaria de Educação Municipal) ficará centrada em um docente, mas haverá um rodízio anual entre eles para o exercício desta função. Entretanto, a orientação sobre as atividades a serem desenvolvidas durante o estágio será feita e avaliada por cada docente responsável por sua disciplina metodológica. Ao final, o resultado desta avaliação será repassado ao responsável pela disciplina de estágio que fará a média das notas.(UNESP, 2011, p. 16-17).

O mesmo documento informa que o programa de Estágio foi

implementado por uma Comissão de Estágios criada especificamente para tal

tarefa, a fim de garantir a integração das atividades nas três áreas a serem

contempladas: Estágio Supervisionado de Prática de Ensino na Educação Infantil,

Estágio Supervisionado de Prática de Ensino nos anos iniciais do Ensino

Fundamental e Estágio Supervisionado em Gestão Educacional.

Atualmente existe na Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP,

uma Comissão de Estágio designada pelo Diretor da unidade universitária,

através da Portaria Nº 187/2014, constituída por diversos membros dos cursos de

licenciatura em obediência à Lei 1788 de 25 de setembro de 1988 promulgada

pela Presidência da República e regulamentada pelo regimento interno dos

Estágios Curriculares dos cursos de licenciatura da FCT/UNESP que estabelece

as finalidades do Estágio e as atribuições da Comissão Permanente de Estágios.

Tal documento, produzido no âmbito da Comissão Permanente de Ensino

local, teve como finalidade regulamentar a realização e Estágios Supervisionados

à luz da legislação federal retro citada. A despeito de questões mais amplas como

estrutura, duração, preceitos legais de proteção ao estagiário, o referido

regulamento estabelece princípios gerais como: 1. Os Estágios Supervisionados

obrigatórios dos cursos de licenciatura deverão ser disciplinados de acordo com

91

as Diretrizes Curriculares para formação de professores amplamente divulgadas

pelo Governo Federal; 2. A carga horária desses Estágios deverá estar

determinada no projeto Político Pedagógico dos cursos; 3. O Estágio caracterizar-

se-á como um conjunto de atividades de aprendizagem e formação profissional de

acordo com as especificidades dos cursos de formação inicial; 4. esses Estágios

Supervisionados têm por finalidade, possibilitar vivencias em ambientes

institucionais (escolas); interação com futuros ambientes profissionais; relação

entre teoria e prática; oportunizar ao estagiário a experiência em ambientes

institucionais, equipes profissionais, uso de novas tecnologias, dentre outros

aspectos fundamentais para sua formação (FCT/UNESP, s/d).

O que nos chama atenção é o fato do Projeto Pedagógico supracitado

não abordar qualquer situação de construção coletiva nesse processo que tenha

envolvido os estudantes em formação e as escolas que recebem esses

estudantes para o Estágio. No período em que essa proposta foi apresentada

(2011) e passou a vigorar (2012), parte das nossas entrevistadas ainda cursava

Pedagogia no campus de Presidente Prudente.

As necessidades e/ou dificuldades sentidas pelas estudantes que já

estavam em processo de Estágio Supervisionado não foram consideradas nessa

construção. Os discursos de nossas entrevistadas abordam lacunas importantes

nessa etapa da formação.

Ah, não foi planejado. Tem que cumprir, chega um determinado momento do curso, acho que terceiro ano, na minha época. Mudou muita coisa, mas a partir do terceiro ano que a gente vai pro estágio. É óbvio, tem algumas orientações do professor que está responsável pelo estágio, mas muito pouco pelo que eu me lembre assim. Você tem que ir e cumprir as suas horas e fazer um relatório, é isso, do que você observou lá. Algumas disciplinas de regência, outras não (Lia).

O modelo de Estágio Supervisionado em vigência segue o tradicional

modelo baseado na tríade observação, planejamento e regência e posiciona-se

desarticulado das demais disciplinas do curso; aqui nos parece que as afirmações

de Pimenta e Lima (2012, p. 33) podem clarear o que acontece no curso de

formação de professores, pois ele acaba por não fundamentar teoricamente a

atuação do futuro profissional e também não faz da prática a referência para a

fundamentação teórica. Ou seja, carece de teoria e de prática.

92

Tomando por base o modelo empregado no curso de Pedagogia da

FCT/UNESP de Presidente Prudente constatamos através dos discursos das

professoras entrevistadas que grande parte da carga horária prevista para o

trabalho na escola centra-se na atividade de observação. Nosso entendimento

das ideias expostas pelas entrevistadas é que esse foco na observação se

restringe à sala de aula, ao trabalho do professor e a algumas poucas

circunstâncias que se referem à gestão.

Os relatórios posteriormente entregues resumem-se em um relato de

procedimentos e ações do cotidiano daquelas horas de estadia na escola e de

algumas situações que o estagiário sente estranhamento imaginando que atuaria

de forma diferenciada da observada. Cremos que advém daí essa cultura de que

o Estágio e a observação têm o objetivo de supervisionar e avaliar o que está

sendo apresentado à sala.

Desmistificar essa cultura de que o estagiário/a desempenha o papel de

espião na sala ou na escola em que realiza o Estágio é uma das premissas de um

trabalho integrado entre os professores formadores do curso e da escola. Será a

partir de um planejamento articulado entre eles que o professor da escola campo

terá a clara percepção das possibilidades do Estágio como espaço para refletir

sobre sua prática e das intervenções possíveis que somarão positivamente nos

resultados de seu trabalho.

Por outro lado o estudante em condição de estagiário deve ser orientado

para ter clareza da natureza dessa estratégia de formação, dos objetivos que ela

pretende e fundamentalmente, de que no período após o Estágio, precisa de um

espaço para dialogar com seus colegas sobre os apontamentos que fizer em seus

relatórios, refletindo sobre o que foi observado com a orientação do supervisor do

Estágio, que poderá aproximar as teorias estudadas das práticas observadas.

Nesse ponto de nossa análise reforçamos constatações explicitadas no

capítulo que trata dos aspectos legais do Estágio Supervisionado, quando

buscamos demonstrar o descompasso histórico existente entre a organização

legal, em nosso caso, no que se refere especificamente à formação de

professores e a realidade dos cursos de formação e dos Estágios

Supervisionados, que não têm atendido à premissa de articularem efetivamente a

teoria e a prática desde o começo do curso, haja vista a ausência de aproximação

93

e participação entre a universidade e a escola campo do Estágio, a questão do

pouco tempo previsto para sua realização e a ausência de supervisão nas

atividades.

Nessa direção as entrevistadas pontuam:

Então eu acredito que ainda há esse distanciamento, justamente por isso, porque falta o trabalho do pedagogo que tá se formando, ali dentro da escola. Por exemplo, a gente vai pro estágio, mas a gente vai e faz um estágio de observação e mesmo assim ainda se difere, porque você observar o trabalho de alguém que tá ali há mais anos que você é diferente. Ele tem o domínio daquela prática, daquele momento. Ele sabe contornar uma situação ou outra e a gente ainda não. Então eu acredito que pra teoria ela estar andando juntamente com a prática, a gente teria que ter um trabalho mais aprofundado nesse estágio. (Léa)

[...] eu acho que se o estágio também tivesse nos acompanhando desde o primeiro ano e se fosse um estágio de fato supervisionado, porque tem alguns alunos que não precisaram de um professor em cima, mas aqueles que como eu, mais inseguros, precisam de um professor próximo. (Bia)

Alguns aspectos conjunturais também precisam ser considerados quando

analisamos as dificuldades comentadas pelas entrevistadas em seus

apontamentos. O desconhecimento do espaço escolar e de suas rotinas básicas

podem tornar estressantes os importantes momentos de aprendizagens no

decorrer do Estágio; assim sendo, a recepção do estudante estagiário pela equipe

gestora é um importante momento de inserção no seu futuro espaço de trabalho

que pode contribuir na disposição com que esse trabalho será realizado e para o

significado que essa experiência terá em sua trajetória. Sobre esse aspecto de

seu Estágio Mara nos conta que:

[...] na minha grade curricular estágio de gestão era o primeiro estágio que nós fizemos. Então meu estágio de gestão, assim, não foi muito bom porque eu fiz estágio numa escola estadual e geralmente eu tinha contato com a orientadora, a diretora da escola eu vi poucas vezes. Era um estágio de análise do projeto político pedagógico, da estrutura da escola, participação do conselho, participação da HTPC, então muitas vezes eu ia e exemplo: fui na HTPC e não tinha muita ideia do que tava acontecendo, né. Por quê? Porque a orientadora estava realmente ocupada, a diretora não vi ela muitas vezes, então ela não tinha muito tempo pra me atender, né. Tanto que pra começar a fazer o estágio eu fui duas vezes na escola, fiquei esperando um tempão pra ser atendida porque não tinha, eles não me deram um pouco de atenção, não tinha um tempo pra me dar a atenção que eu precisava. Então estágio de gestão eu não gostei muito. (Mara)

94

O curso de Pedagogia da FCT/UNESP de Presidente Prudente é

oferecido em dois turnos: matutino e noturno. As dificuldades com relação aos

horários e possibilidades diferenciadas para realizar as atividades previstas no

Estágio Supervisionado, são comentadas por Mila:

Meu estágio foi precário. Olha meu estágio foi super precário, porque na época do estágio, porque a gente fez estágio de gestão, na educação infantil e no ensino fundamental. Na gestão, na época, era no segundo ano, segundo ou terceiro ano... no segundo ano. Eu fazia, como eu falei anteriormente, eu busquei um estágio não obrigatório. E na época, eu não tinha horário e falei pra professora que era responsável pelo estágio “posso fazer essa parte de gestão na escola que eu trabalho?”, “pode, pode”, “porque lá eu trabalho professora, com reforço escolar, mas tem orientação, o diretor, eu posso tá conversando, ver se consigo tá fazendo essa troca de ideias, de saber, né. Ou então eu tento na cidade onde eu moro, que minha mãe trabalha na escola, e tal,”, “não, não precisa disso não. É só você fazer um relato da sua experiência enquanto professor de reforço escolar. Peraí. O que é que tinha a ver o reforço escolar com o estágio em gestão? Mas foi isso. (Mila)

Léa também relata sobre a questão de conciliar o tempo destinado ao

Estágio Supervisionado com as atividades a serem desenvolvidas e também cita

a resistência encontrada para aceitação do estagiário pelo professor da sala.

O estágio que mais foi prático, eu acredito, foi o de educação infantil, que eu tive uma prática ali, eu preparei uma atividade, eu fiz com eles a atividade, né. Já senti dificuldade nisso aí. [...] No fundamental os professores disseram pra gente fazer isso. Se possível fazer uma atividade com as crianças, dirigi (sic) uma aula. No fundamental já foi mais difícil, tanto no acesso as disciplinas que eram necessárias assistir pro estágio, pra concluir o estágio, como até mesmo pra preparar uma aula e dá (sic), foi complicado mesmo. Porque o estágio, ele foi direcionado pra gente assistir um total de horas de cada disciplina. Por exemplo, eu tinha que assistir acho que era 5 horas de Ciências, só que pra eu assistir essas 5 horas de Ciências eu tinha que tá frequentando na escola uma semana, duas semanas, três semanas, porque eu tinha que conciliar os dias que eu podia ir na escola com os dias que tinha essa disciplina pra eu assistir, entendeu? [...] Aí conforme foi passando que foi ficando realmente difícil, o pessoal não estava conseguindo, aí os professores foram falando, olha então faz o que conseguir fazer. [...] Só que além dessa dificuldade de estar assistindo disciplinas específicas, ainda teve a dificuldade de você ir na escola, conseguir uma professora que se dispusesse, a tá permitindo, abrindo a sala dela pra você tá assistindo. (Léa)

95

As entrevistadas não têm uma noção clara do curso, de suas finalidades e

programação quando entram na faculdade, não entendem o Estágio como

momento de conexão da teoria com a prática, pois que ele é constituído de

prática e teoria ao mesmo tempo, na medida em que ao deparar-se com

situações concretas, o estudante em formação tem a oportunidade de pensar os

conhecimentos desenvolvidos em sala de aula em conexão com seus

conhecimentos prévios sobre a escola, refletindo sobre o lugar dessa teoria no

espaço concreto da atividade docente.

Sobre essas dúvidas e dificuldades de entendimento, Bia é incisiva ao

contar que:

O meu estágio foi um estágio assim, mal feito, porque eu tinha terror da sala de aula, então o que eu pude fugir da sala de aula durante a minha faculdade, eu fugi. Eu poderia ter feito, como muitas alunas do curso de Pedagogia, que praticamente desde o primeiro ano faziam pesquisas relacionadas à formação de professor, e eu nem quis saber disso, professor tava assim, muito distante de mim [...] Eu ficava meio na minha ali entendeu, não queria saber muito daquilo não, é eu achava, parecia que era um apêndice. Meu estágio docente foi assim, sabe o apêndice lá? Uma coisa que não tinha conexão [...]. (Bia) [...] Eu acredito que ele tem que ser feito em conjunto com as disciplinas, porque o estágio do jeito que ele tá sendo oferecido, ele é oferecido assim: a gente tem a noção que tem que fazer estágio, a gente tem a noção que tem que entregar o relatório de estágio, as documentações de estágio até o final do ano, só que assim você vai no seu tempo, vai quando você pode e eu acredito que isso também dificulta. Eu acho que o estágio deveria andar junto, deveria ser disciplina, estágio, disciplina, estágio, e não a disciplina e quando você puder vai fazer o estágio. Eu acredito que ele tinha que ser mais integrado às disciplinas, ele tinha que ser como se fosse uma formação integral, né. E ele não tá sendo uma formação integral. Ele simplesmente está sendo uma formação complementar, um complementar entre aspas, porque falta bastante coisa. Eu acredito que ele não supre as necessidades. (Léa)

Ao verificarmos as necessidades e dificuldades relatadas pelas

entrevistadas, quando contam sobre seu percurso de formação, percebemos o

grande distanciamento que ocorre entre o ingresso no curso de formação, o

período de aproximação da escola durante a fase do Estágio Supervisionado e o

começo da sua carreira. São etapas de um mesmo processo que aparecem nos

discursos dessas jovens professoras de forma desarticulada.

96

Nesse ponto de nossa análise, apoiamo-nos nos conceitos desenvolvidos

por Anastasiou e Pimenta (2011, p. 178-189), quando se referem aos três

modelos ideológicos de formação: 1. o tradicional (ou artesanal); 2. o técnico (ou

academicista); e 3. o crítico reflexivo (ou hermenêutico).

Na perspectiva tradicional o ensinar é uma reprodução de conhecimentos

que visam o desenvolvimento de habilidades e modos de transmissão do conjunto

de “[...] valores, os modos de pensar, os costumes e as práticas.” (ANASTASIOU;

PIMENTA, 2011, p.183). A prática pedagógica é concebida como uma reprodução

de modelos, com base na observação e imitação das formas de trabalhos de

professores já atuantes e no caso da formação, dos próprios professores de

curso. Os professores em formação baseiam-se nessas formas de fazer e utilizam

esses modelos em situações que lhes parecem mais adequadas, sem, contudo,

muitas vezes realizarem um diagnóstico crítico que considere as condições

específicas de cada escola e da realidade que a cerca, ou seja, a prática não é

questionada, visto que já é realizada há certo tempo dentro de determinado

contexto educacional e institucionalizou-se. Os autores citados afirmam que

Transposto para a educação escolar, esse modelo valoriza o ensino que é praticado nas instituições e que é composto da tradição, da inércia, da permanência do habitus consagrado, que deve ser preservado. Nele, a formação do professor ocorre na prática institucional e o conhecimento profissional é resultado de amplo processo de adaptação à escola e de seu papel social de conservação, não sendo necessária formação prévia específica. (ANASTASIOU; PIMENTA, 2011, p.183)

Esse modelo perpetuou a ideia de que a docência é algo que se

assemelha a um dom, quem o possui naturalmente está dotado de condições

para desempenhar o ofício e sendo assim, basta treinar seguindo as regras do

lugar onde atua.

O modelo técnico centra-se no conhecimento científico, enfatiza a

transmissão do conhecimento técnico-acadêmico, desconsiderando que a

realidade a ser trabalhada e os sujeitos envolvidos oferecem diferenças e que o

processo de ensino e aprendizagem apresenta situações complexas e inusitadas

que somente as habilidades e o conhecimento técnico nem sempre dão conta.

Além disso, o conhecimento científico necessário para uma formação sólida sofre

de consistência, pois se coloca como uma verdade e considera os resultados,

97

sem observar as diferentes condições de aprendizagem e a subjetividade implícita

no processo. Para as mesmas autoras “Insistir no modelo da racionalidade

técnica na formação do professor, por sua vez, equivale a tomar a parte como

todo, isto é, atribuir às técnicas um poder que elas, por mais avançadas que

sejam não têm”. (ANASTASIOU; PIMENTA, 2011, p.185)

O modelo crítico-reflexivo tem na diversidade de possibilidades e espaços

de aprendizagem sua marca. Nesse enfoque os saberes docentes se

complementam, a experiência, os conhecimentos específicos e os pedagógicos

formam a estrutura que dará suporte ao trabalho do professor, somando-se a eles

a flexibilidade criativa para resolver os mais inusitados imprevistos que o cotidiano

de seu trabalho apresenta. No contexto da formação reflexiva, o professor

pesquisa, analisa e reflete com consciência do seu papel social, político e

humano, dimensões imprescindíveis à sua atuação como docente já que seu

trabalho está inserido num processo histórico e dialético de construção social.

Pimenta e Lima (2012, p.33) tecem críticas sobre a ausência dessas

dimensões no trabalho de formação que tem seus cronogramas de curso

compartimentados em disciplinas que não conversam entre si e não possibilitam o

processo de reflexão interdisciplinar, como no caso do Estágio em que apenas as

áreas responsáveis por sua realização envolvem-se com essa etapa de formação.

A reflexão é uma atitude coletiva que precisa ser proposta pelo curso,

pelos professores que formam e fazer parte da dinâmica do trabalho dos docentes

em formação, sendo que na realização do Estágio Supervisionado as

possibilidades para esse exercício são ainda mais intensas. O estudante em

atividade de Estágio precisa estar constantemente indagando sobre as possíveis

intervenções na realidade que o cerca e buscando alicerçar sua prática nessas

possibilidades. Sobre esse modelo Anastasiou e Pimenta (2011, p. 186) são

enfáticos em considerar que

A formação do professor, no que se refere aos conhecimentos científicos de seu campo e do campo da Educação, da pedagogia e da Didática, requer investimentos acadêmicos. Nela se exigirá um ensino que permita ao docente os nexos com o campo e o contexto de produção dos conhecimentos na história e na sociedade.

Em alguns momentos das entrevistas percebemos a presença dos

modelos citados. O modelo tradicional emerge na importância dada ao trabalho

98

“prático”, de regência, porém, percebemos a necessidade que expressam como

uma necessidade de “treino”, uma espécie de “testagem” dos planos, modelos e

projetos pensados em sala de aula no decorrer do curso.

Realmente, é muito fora da realidade o que a gente encontra a hora que a gente pisa no campo profissional. A hora que a gente entra, assim, no ambiente de trabalho, se insere nesse meio, a gente vê as dificuldades e a gente não sabe por onde começar. Foi aquilo que eu falei, nas disciplinas que nós tivemos um pouquinho de prática, né, que na teoria teve um pouquinho de prática, que nem eu lembro que a minha professora de Metodologia de Geografia, ela separou a gente por regiões, como trabalhar região, o professor fez com a gente vários experimentos, sabe assim, as fases da lua ele trabalhou com a gente. Então assim, matérias que a hora que eu peguei lá no livro didático, tem que trabalhar aquilo, “opa, pera lá, isso? Eu já vi formas de trabalhar isso” (Mila). Por exemplo, o estágio que a gente fez, de Geografia, de Ciências, de Matemática, foi um estágio assim, que a gente teve que trazer pra sala alguma coisa depois. Por exemplo, de Geografia a gente teve que fazer o estágio e depois ainda preparou uma aula pra tá dando, oferecendo pros nossos amigos de sala. Né. Isso foi rico. A gente foi lá no estágio, observou as aulas, viu o que era dado nas disciplinas e depois a gente teve o compromisso de tá preparando uma aula, pra tá oferecendo pros nossos amigos dentro da universidade. [...] Aí depois, a professora até disse, esse trabalho que vocês fizeram, tenta levar lá no estágio, conversa com a professora, vê se tem um tempinho, aí sim a gente teve a dificuldade de não conseguir levar, né, devido a questão do tempo, a questão de organização também, então essa transposição do que a gente fez aqui na universidade pra tá levando lá, foi difícil, eu não consegui fazer. (Léa)

O distanciamento entre a teoria e a prática é uma característica do

modelo técnico racional. Essa desarticulação fica evidenciada como característica

do Estágio realizado pelas entrevistadas quando comentam sobre a ausência de

uma dimensão reflexiva no decorrer da atividade. As professoras comentam a

respeito da ausência de discussões sobre a realidade conhecida e observada nas

escolas de Estágio num momento posterior a sua realização.

Nós fizemos um relatório pra cada disciplina, né. Assim, a maioria dos meus professores pediram pra fazer apontamentos do que aquilo contribuiu pra prática, colocar plano de aula, descrever certinho como aquilo contribuiu pra nossa formação foi mais assim, não houve discussão sobre, não houve um momento de discussão, como cada um viu, acho que isso seria interessante, essa troca de experiência do estágio, seria muito interessante pra saber como cada escola procede, como cada professor procede, como acontece em diferentes escolas, acho que essa troca seria

99

muito rica, mas não houve essa troca aqui na universidade. O retorno que nós tivemos com esse material foi apenas a entrega do relatório de estágio. (Mara) No fundamental eu participei da rotina, só que eu participei da rotina, na cadeira, sentada como as outras crianças. Copiando disciplina, pra ter o documento de estágio. Então eu acredito que isso foi bem diferente. Eu não tive um estágio de prática, praticamente, foi um estágio de observação. Aí enquanto você estudante de Pedagogia, você faz um estágio de observação o meu pensamento no estágio era assim: quando eu for professora eu não vou fazer isso, eu vou fazer desse jeito. Quando eu for professora eu não vou ser assim, eu vou ser desse jeito. Só que daí quando você chega lá na sala é realmente complicado. Pra você fazer daquele jeito que você sonhava. (Léa)

Eu acho extremamente fundamental o estágio. Acho que o estágio tinha que estar desde o primeiro ano da faculdade, sabe. Olha escolhi fazer Pedagogia, então vamo lá, primeiro mês já está em sala de aula, fazer esse paralelo. Porque eu acho que trazer o que a gente vê na sala de aula, não só por meio de um relatório, de um papel que o professor vai corrigir e depois você não vai ter uma devolutiva. Eu acho que isso fica no blá, blá, blá. (Lia)

Da mesma forma, recorrendo às impressões das entrevistadas sobre o

texto que lhes foi apresentado (PIMENTA e LIMA, 2012, p.33), percebemos a

concordância da maioria com as afirmações das autoras no que tange aos

sentimentos de insegurança, ansiedade e a sensação de “não saber o que fazer”.

Perrenoud (2003, p. 202) comenta que

O estágio supostamente “complementa”. É um dispositivo mais sumário na formação de professores que a clínica na medicina ou o laboratório em engenharia, na medida em que a incumbência da articulação teoria-prática repousa inteiramente nas costas dos estagiários. Mais do que favorecer a construção de competência de alto nível, esse estágios desenvolvem estratégias de sobrevivência.

A ausência dessa etapa de análise e reflexão sobre as vivências das

estudantes durante o Estágio demonstra que, se na teoria os conteúdos das

disciplinas buscam desenvolver o conceito do professor crítico-reflexivo

embasados em autores como Alarcão (2003); Perrenoud (2001); Pimenta

&Ghedin (2002); Schön (1995); Pérez Gómes (2006); Zeichner (1993); esse

conceito não comparece no desenrolar do Estágio Supervisionado, quando seria

necessário seu exercício mais amplo, para que as vivências pudessem constituir

uma experiência formativa. Essas constatações do estudante em formação

100

reforçam a crença na afirmação que se banalizou no meio educacional de que “na

prática a teoria é outra”.

Em outros casos as entrevistadas reconhecem a necessidade de aliar a

teoria e a prática, salientando que a prática só se justifica quando embasada pela

teoria. Nesse momento os depoimentos transparecem a importância de refletir

sobre o que está sendo conhecido na escola durante Estágio. As professoras

entendem a necessidade de legitimar suas ações e opções pedagógicas no

conhecimento teórico e nas finalidades dessas ações.

[...] eu penso que a teoria, ela inspira a prática, se eu não tiver a teoria, a fundamentação teórica, a base pra justificar as minhas ações é simplesmente vazio. Porque a prática sem uma teoria ela é vazia e a teoria sem prática também. [...] Então eu penso que a teoria, ela inspira a prática. Elas são determinantes e elas precisam estar juntas. Não adianta eu ter apenas o conhecimento e não saber por em prática esse conhecimento. Não adianta somente eu ter a prática, saber como fazer e não entender o porquê, como, quais as razões, os objetivos e os teóricos vão nos ajudar bastante nisso. A compreender as nossas ações, mas eles não vão fazer as nossas ações. As ações dependem de nós e as ações embasadas de forma adequada, elas surtirão um efeito desejado, um efeito positivo, do contrário podem repercutir negativamente nas nossas ações. Então eu penso que as duas precisam caminhar juntas. (Dora) Hoje eu falo pra você, eu não consigo ver uma prática longe da teoria, eu não consigo ver. Toda minha prática é baseada numa teoria. Toda minha prática. Por isso que eu falo, quando agora eu tive possibilidade de voltar lá no meu material, da faculdade e buscar ajuda, e buscar a literatura, tem algum problema eu sei onde buscar, eu sei quem procurar, é porque a minha prática não está descolada, entendeu? Mas existe, existe (sic) professores que têm essa cabeça ainda, mas porque, porque tem esse distanciamento, de universidade e escola. Tem esse distanciamento, o nosso Estágio não é suficiente, ele tinha que tá lá, no primeiro mês, ter uma disciplina específica só pra discutir as questões, as vivências que a gente encontra lá na escola (Lia).

O entendimento da necessidade de uma estadia com interação,

envolvimento e parceria com a escola campo no período do Estágio, com um

processo de inserção desse estudante no cotidiano escolar de maneira receptiva

e humanizada pela equipe de gestão e professores pode assegurar o

desenvolvimento de um trabalho que permita consolidar/refazer aprendizagens

que resultem em experiências formativas e dê a esse futuro professor certo

conhecimento da dimensão social e humana de sua profissão.

101

O ingresso na carreira, tal qual o ingresso no curso de formação é uma

etapa marcante na vida de qualquer pessoa. No caso dos professores, o aporte

teórico de Huberman (1992), já referenciado anteriormente, nos aponta algumas

circunstâncias decorrentes da primeira experiência profissional que influenciam

sobremaneira nos primeiros anos de atuação docente. As incertezas relatadas

pelo referido autor, foram constatadas junto às jovens professoras.

As entrevistadas foram unânimes em afirmar que um dos caminhos

buscados no início da carreira para suprir as dificuldades que sentiram e para

encontrar um referencial de trabalho foi o contato com colegas e amigos

professores, que possuíam mais tempo de profissão, mais experiência com a

prática docente, com conhecimento do funcionamento do sistema educacional e

da realidade escolar.

E também quando você desenvolve algum trabalho, você precisa, principalmente no início de carreira, você precisa de orientação porque a gente chega na escola e se depara com um monte de criança, e agora? Como fazer? Como que eu vou fazer meu planejamento? Porque, como eu posso começar, então no primeiro ano eu tive essa dificuldade. Aí eu fui buscar, fui conversando com outros professores que já estavam na rede, “como eu posso começar, como eu posso fazer”, e na escola que eu trabalhava era educação infantil e ensino fundamental, então na escola que eu trabalhava a atenção era toda pro ensino fundamental. Então a gente ficava um pouco à margem, né. E daí eu tive que buscar outras fontes, né. (Mara)

As angústias e inseguranças sentidas pelo docente ao adentrar

efetivamente o universo da profissão e precisar lidar com as variadas atividades,

responsabilidades e cobranças do ofício podem ser consideradas reações

peculiares desse período.

Perrenoud (2002) trata desse período da carreira do professor, traçando

uma série de comportamentos peculiares característicos:

1. Está entre duas identidades, o de ser aluno e de assumir-se como professor; 2. o estresse, a angústia, diversos medos e mesmo momentos de pânico assumem enorme importância, embora eles diminuam com a experiência e com a confiança; 3. precisa de muita energia, de muito tempo e de muita concentração para resolver seus problemas que o profissional experiente soluciona de forma rotineira; 4. a forma de administrar o tempo (preparação, correção, trabalho de classe) não é muito segura, e isso lhe provoca desequilíbrio, cansaço e tensão; 5. passa por um estado de sobrecarga cognitiva devido ao grande número de problemas que tem de enfrentar.

102

Em um primeiro momento, conhece a angústia da dispersão, em vez de conhecer a embriaguez do profissional que “joga” com um número crescente de bolas; 6. geralmente se sente muito sozinho, distante de seus colegas de estudo, pouco integrado ao grupo e nem sempre se sente acolhido por seus colegas mais antigos; 7. está em um período de transição, oscilando entre os modelos aprendidos durante a formação inicial e as receitas mais pragmáticas que absorve no ambiente profissional; 8. não consegue se distanciar do seu papel e das situações; 9. tem a sensação de não dominar os gestos mais elementares da profissão, ou de pagar um preço muito alto por ele; 10. mede a distância entre o que imaginava e o que está vivenciando, sem saber ainda que esse desvio é normal e não tem relação com incompetência nem com sua fragilidade pessoal, mas que está ligado à diferença que há entre a prática autônoma e tudo o que já conhecera.(PERRENOUD, 2002, p. 36-37)

Transparece nas narrativas obtidas a sensação de despreparo sentida

pelas entrevistadas. Parte dessa sensação de despreparo gerada pelo

enfrentamento do novo; parte por sentir realmente que não desenvolveu

aprendizagens e conhecimentos em situação de vivências, construções e reflexão

sobre aspectos da realidade da escola, cujo acesso só seria possível se passasse

mais tempo em seu interior durante a formação inicial.

As experiências advindas do cotidiano da prática docente possuem um

potencial formador necessário para o futuro profissional, que precisa conhecer a

complexidade do universo escolar que se estende para além de seus muros, pois:

A prática docente envolve um conjunto de situações diversas e peculiares que podem contribuir de alguma maneira com a formação do professor. Essas situações envolvem desde a relação professor-aluno, a metodologia de trabalho, a escolha dos recursos pedagógicos, as estratégias e instrumentos de avaliação, até as relações interpessoais, entre os professores da escola, os pedagogos e a direção, o contato com os pais e a comunidade. Enfim, as atividades que compõem a prática pedagógica cotidiana se concretizam em momentos diversos, como as próprias aulas, as reuniões pedagógicas, as assembleias de pais, os conselhos de classe, o conselho escolar, a hora-atividade ou hora-permanência, os horários de recreio, os projetos desenvolvidos, etc. Em seu conjunto, tais atividades expressam o movimento real de funcionamento de uma escola, englobam as discussões, os debates, os entraves, as discordâncias, os limites e as possibilidades no dia a dia das instituições. (ALMEIDA; SOARES, 2011, 171-172)

Recorrer aos professores mais experientes é uma forma de espelhar-se

no concreto, nas formas de fazer que já obtiveram resultados satisfatórios.

103

Aprender com profissionais que já dominam saberes da experiência, da didática,

além do conhecimento sistematizado é uma proposta que deveria se concretizar

no Estágio Supervisionado visto que é nesse momento da formação que a escola

precisa servir de laboratório para essas aprendizagens e que seus profissionais

gestores, professores formadores da escola campo, além dos professores

formadores na universidade podem, coletivamente, contribuir para tornar esse

espaço/tempo significativo para o estudante em formação.

Todo o movimento que fizemos no sentido de compreender os discursos

de nossas entrevistadas não se fez de forma linear e contínua. Tecemos,

destecemos e voltamos a entrelaçar os fios da leitura, da reflexão, do

entendimento a partir de um processo anterior e interior de tradução dessas

informações recebidas. Um processo que ocorreu num confronto de

subjetividades, a de quem pesquisa com a temática que investiga e nessa

condição de pesquisador com as subjetividades daqueles que se propuseram a

colaborar com a pesquisa na condição de entrevistados.

O professor se constrói no contexto do cotidiano escolar, na materialidade

das relações que estabelece com sua turma, os conteúdos, as rotinas, a

burocracia, os demais sujeitos e situações que formam o universo escolar e

precisam trabalhar juntos formulando e reformulando saberes.

Neste trabalho juntamos alguns fios sobre os processos de formação das

professoras que entrevistamos, eles se entrelaçaram à nossa experiência, as

impressões adquiridas no trabalho com seus discursos. São fios enredados que

buscaram compor o entendimento sobre o Estágio Supervisionado e sua

contribuição para a formação inicial do professor.

104

ARREMATANDO

O aprendizado ao longo de um curso de formação constitui-se no alicerce

para o desempenho profissional. O trabalho docente é um trabalho artesanal, uma

construção diária feita e refeita na medida em que as situações cotidianas exigem

posicionamentos e ações diferenciadas e adequadas para cada momento. A

formação inicial é o começo da busca de uma base para o exercício da atividade

docente. Concebida assim, deve assentar-se em concepções e práticas que

levem à reflexão, para que sejam construídos os saberes da experiência através

da articulação com a teoria; dessa forma o professor desenvolve habilidades de

análise e reflexão na e da sua ação educativa, criando e recriando formas de

intervenção. É no contato com a escola e suas rotinas que o estudante em

formação tem a possibilidade de conhecer determinados rituais

institucionalizados, propostas de trabalho e dinâmicas utilizadas pelos professores

em atuação.

Ao longo de nosso trabalho, evidenciamos que embora a temática da

formação inicial de professores venha sendo exaustivamente abordada, a questão

do Estágio Supervisionado nos cursos de licenciatura ainda esbarra em alguns

obstáculos. Pesquisas anteriores, bem como nossas experiências com Estágios

Supervisionados ao longo de nossa formação nos levaram à seguinte questão,

como esse espaço/tempo influencia as trajetórias dos futuros professores?

Nesse sentido, nos propusemos como já anunciamos anteriormente, a

investigar “como as experiências vivenciadas na formação inicial, especialmente

nos Estágios Supervisionados, interferem no processo de atuação profissional

dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano) em início

de carreira”. Assim, buscando produzir entendimentos que conduzam à

compreensão dos fatores que contribuem para a socialização profissional dos

professores e consequente adaptação e desempenho no início da carreira,

buscamos entrevistar docentes em atuação, que tivessem no mínimo dois e no

máximo seis anos de carreira, a respeito de suas vivências ao longo da formação

inicial, incluindo o Estágio Supervisionado verificando quais os aspectos dessa

formação recebida no curso de licenciatura são referenciais para sua

profissionalização.

105

O Estágio Supervisionado é um período de formação previsto nos

diplomas legais e nos projetos político-pedagógicos dos cursos de licenciaturas,

cujas atividades não têm favorecido aprendizagens substanciais que permitam

aos estudantes estagiários conviverem por relativo tempo no espaço escolar e

refletirem sobre as práticas que observam ou realizam, embasados pela teoria

estudada no decorrer do curso.

Se no espaço da escola o professor é um produtor de conhecimentos

(OLIVEIRA e SANTOS, 2011, p. 45), a formação profissional e, nesse processo a

participação do estagiário no ambiente da escola campo de Estágio, precisa

oportunizar a participação nessa produção e possibilitar que ele aprenda em

situações reais sobre os desdobramentos que as práticas educativas diárias

podem apresentar. A inserção e participação do estagiário nos contextos

escolares precisa ir além de um trabalho de observação e crítica, com o objetivo

de cumprir com exigências burocráticas e atender aos aspectos universitários.

Reforçamos aqui que no trabalho de Estágio o que precisa predominar é a ideia

de participação, de colaboração, de trabalho conjunto entre o professor experiente

e aprendiz da profissão professor.

O exercício reflexivo na prática docente é indispensável para que teoria e

prática encontrem um ponto de intersecção, pois o consideramos a base para as

intervenções que se façam necessárias no efetivo desempenho da docência, isto

é, quando o profissional professor assume a tarefa de intermediar relações de

ensino e aprendizagem que despertem os estudantes para a construção de

conhecimentos que lhes permitam manusear as tecnologias e interpretar as

informações que lhes são disponibilizadas, dentro do contexto social em que

habitam. Para Pimenta e Lima (2012, p.55) “dessa análise crítica, à luz dos

saberes disciplinares, é possível apontar as transformações necessárias no

trabalho docente, nas instituições”.

A aproximação entre os dois polos formadores, a universidade e a escola

campo é fundamental para que reflexões sobre a teoria, a estrutura curricular do

curso, os projetos e atividades desenvolvidas durante o período de formação

cumpram com o propósito de, através de recortes da realidade docente, colocar o

estudante em situações de construir e reconstruir saberes que lhes servirão de

base para a futura profissão.

106

Conforme Josso (2004) as experiências feitas a posteriori referem-se às

aprendizagens inesperadas, não planejadas; as feitas a priori estão relacionadas

às aprendizagens construídas em um movimento de intencionalidade, há

expectativa prévia de que ocorra a experiência. A experiência formativa elaborada

se dá quando ambas as situações de experiência se encontram e são significadas

a partir da reflexão e organização dos saberes construídos no processo de

aprendizagens individuais e coletivas. Portanto, a reflexão sobre o vivido é

essencial para que a experiência se configure em experiência formativa.

Nesse sentido transformar atividades e vivências em experiências

formativas implica questionar o vivido, analisar e buscar organizar processos de

entendimento sobre determinado contexto, pois a experiência formativa ocorre

com base na reflexão.

As resistências para romper com um modelo de Estágio que dificulta o

envolvimento e as vivências significativas dos estagiários no contexto escolar não

permitem que o Estágio possa se caracterizar efetivamente uma experiência

formativa. Dessa forma a falta de intencionalidade e a ausência de reflexão sobre

a função formativa do Estágio, o que constitui o caráter central desse trabalho, se

perde em atividades distanciadas da realidade da escola (PIMENTA e LIMA,

2012).

Nossa intenção ao propor e realizar essa pesquisa foi somar ideias que

contribuíssem para a (re)construção de possibilidades de formação que auxiliem o

docente em começo de carreira a adquirirem certa autonomia para refletirem

sobre o processo de ensino e aprendizagem, para que no enfrentamento dos

primeiros tempos de carreira tenham na prática da reflexão o ponto de partida

para sua ação.

Assim, podemos condensar no esquema abaixo as respostas obtidas

nessa pesquisa, conforme as categorias definidas:

Categoria: Escolha do curso

1. Parte do rito;

2. Empregabilidade;

3. Opção x falta de opção;

4. Influência familiar.

Categoria: Formação inicial

107

1. Atividades extracurriculares;

2. Ausência de trabalho com rotinas escolares;

3. Desarticulação do Estágio e demais conteúdos.

Categoria: O Estágio e a relação teoria x prática

1. Dificuldades estruturais e conjunturais;

2. Modelo tradicional foco na observação;

3. Excesso de relatórios burocráticos;

4. Falta de trabalho coletivo;

5. Dificuldades de socialização nas escolas campo;

6. Ausência de reflexão na e sobre a ação.

Categoria: O ingresso na carreira

1. Sensação de despreparo;

2. Angústia e inseguranças peculiares do período;

3. Busca por soluções e modelos e apoio no colega mais experiente.

As narrativas obtidas deixam transparecer a sensação de despreparo

sentida pelas entrevistadas ao principiarem a carreira. Parte da insegurança

sentida surge do enfrentamento do novo; também por perceber que não

desenvolveram aprendizagens e conhecimentos em situação de vivências,

construções e reflexão sobre a dinâmica escolar, cujo aprendizado só seria

possível se sua estadia no interior da escola, durante a formação inicial, fosse por

mais tempo e de forma mais aprofundada, através de intervenções nessa

realidade.

As angústias e inseguranças sentidas pelo docente iniciante ao adentrar

efetivamente o universo da profissão e precisar lidar com as variadas atividades,

responsabilidades e cobranças do ofício podem ser consideradas reações

peculiares desse período.

Os discursos das entrevistadas são unânimes ao abordarem o

distanciamento que existe entre os espaços promotores do Estágio

Supervisionado, os professores formadores nas escolas, os profissionais

responsáveis pela supervisão e acompanhamento do Estágio na Universidade e

os estudantes em formação que o realizam. Em raras situações esses sujeitos

têm a oportunidade de realmente construírem alternativas integradas de

108

formação. Quando estas ocorrem são fruto de iniciativas isoladas de um ou outro

estagiário ou professor na escola ou no curso.

Essas dificuldades vivenciadas nos levam a inferir que o estágio

permanece como obrigação burocrática, com um roteiro definido a partir de

algumas atividades agendadas, as quais são colocadas aos estudantes em

formação de maneira desarticulada com os temas que estão sendo estudados

nas disciplinas do curso. Ou seja, se soma ao modelo técnico racional que

permeia a educação brasileira.

Ao nos defrontarmos com as percepções de ex-estudantes do curso de

Pedagogia da FCT/UNESP, agora atuando profissionalmente na Rede Pública

Municipal de Educação de Presidente Prudente, constatamos a permanência do

modelo técnico de formação e de Estágio na formação das entrevistadas. Este

modelo, centrado no conhecimento científico, enfatiza a transmissão do

conhecimento técnico-acadêmico, desconsiderando que a realidade a ser

trabalhada e os sujeitos envolvidos são marcados por diferenças e que o

processo de ensino e aprendizagem apresenta situações complexas e inusitadas

que somente as habilidades e o conhecimento técnico nem sempre dão conta.

Contreras (2002, p.90), afirma que a base do modelo da racionalidade técnica

está nas soluções instrumentais dos problemas, considerando os conhecimentos

teóricos e técnicos provenientes das pesquisas científicas.

Em certos casos, o conhecimento científico essencial para uma formação

sólida carece de consistência, pois é posto como verdade absoluta e valoriza os

resultados, sem considerar as diferentes condições de aprendizagem e a

subjetividade implícita no processo.

O ingresso no curso de formação não significa necessariamente o

ingresso na carreira. Como comentamos, muitos jovens desistem do curso de

formação docente por não conseguirem superar os diversos fatores e limites que

envolvem a escolha de uma área de formação, os estranhamentos que se

seguem ao principiar os estudos, as dificuldades das mais variadas ordens, entre

elas materiais e conjunturais, bem como os desafios que surgem para lidar com

as especificidades da profissão docente, inclusive nas práticas de Estágio

Supervisionado que se apresentam muitas vezes como um trabalho solitário; ao

109

mesmo tempo tais circunstâncias possibilitam a muitos ter realmente clareza

sobre a escolha da docência como carreira.

As ausências no trabalho de formação podem ser comprovadas, entre

outras razões, pela falta de participação dos estudantes no planejamento do

projeto de Estágio, na deficiência de acompanhamento e supervisão por parte da

Universidade das ações propostas para o Estágio na escola e no mal estar que a

presença do estudante ainda causa na sala de aula onde realiza as atividades. A

lacuna maior se dá na ausência total da possibilidade de pensar a experiência de

Estágio Supervisionado a partir de um trabalho coletivo que reúna todos os

sujeitos envolvidos, possibilitando que as vivências sejam refletidas e

significadas, a fim de constituírem saberes próprios de uma experiência formativa.

Parece-nos importante relembrar as palavras da professora Mara que em sua

entrevista:

Nós fizemos um relatório pra cada disciplina, né. Assim, a maioria dos meus

professores pediram pra fazer apontamentos do que aquilo contribuiu pra prática, colocar

plano de aula, descrever certinho como aquilo contribuiu pra nossa formação foi mais

assim, não houve discussão sobre, não houve um momento de discussão, como cada um

viu, acho que isso seria interessante, essa troca de experiência do estágio, seria muito

interessante pra saber como cada escola procede, como cada professor procede, como

acontece em diferentes escolas, acho que essa troca seria muito rica, mas não houve

essa troca aqui na universidade.

As deficiências estruturais dos projetos e programas nas instituições de

ensino superior, o quadro reduzido de profissionais, o considerável número de

estagiários e a oferta reduzida de escolas para a realização do Estágio

Supervisionado, dificultam ainda mais o efetivo acompanhamento das atividades

programadas.

Qualquer proposta de mudança que se pretenda para a formação inicial e

para os Estágios Supervisionados precisa considerar que os professores e a

escola são bases de produção de conhecimentos. O local e os sujeitos existem e

fazem parte de uma realidade historicamente situada que se relaciona com vários

outros entes e processos sociais, tais como o coletivo escolar, as políticas

públicas, as normas e regimentos e a cultura organizacional.

Sobre o Estágio Supervisionado e sua contribuição para sua formação

inicial, as entrevistadas apesar das críticas a certas situações vividas no decorrer

110

do curso, consideram que tiveram uma base importante na formação inicial.

Sentiram falta de uma maior proximidade com a prática e consideram que apesar

de incipiente o Estágio é importante, porém não lhes proporcionou uma

experiência formativa, na medida em que não refletiram a respeito do vivenciado

nas escolas campo e sentiram grande angústia e insegurança no início da

carreira. A maioria não buscou nas aprendizagens do curso e sim nos colegas

com mais tempo de atuação na carreira, apoio e embasamento para sobreviver

aos primeiros tempos de profissão.

A proposição que se apresenta como um grande desafio a partir das

reflexões que essa pesquisa propôs e nos possibilitou refere-se à construção de

um projeto de Estágio Supervisionado, que esteja alinhado à legislação atual no

tocante às 400 horas previstas na Deliberação CEE 126/2014 e contemple uma

dimensão reflexiva que estabeleça minimamente um período de trabalho coletivo

envolvendo todos os sujeitos do processo em cada etapa de sua realização e

tenha como núcleo organizador uma Comissão de Estágio, cuja composição

envolva colaboradores de todas as instâncias envolvidas com a formação docente

dentro e fora da universidade.

Poderíamos prosseguir indefinidamente, na exposição dos preceitos

legais, nas necessidades pedagógicas e formativas dos Estágios

Supervisionados; porém, estas questões já abordadas em pontos diferentes de

nosso texto, nos apoiam no sentido de argumentar que principalmente essa

possibilidade de aproximação e trabalho integrado, estipulada no projeto do curso

e na própria legislação pode ser o princípio de um pensar mais amplo sobre as

modalidades de formação e o trabalho que o estagiário poderá desenvolver no

espaço escolar sob a supervisão e acompanhamento da comissão de Estágio.

Um espaço que se constitua democrático e que tenha por meta refletir sobre as

diferentes realidades conhecidas e observadas, um entendimento mais amplo

das limitações e possibilidades desse universo escolar e a construção de

conhecimentos próprios de uma experiência que se configure em aprendizagens

e saberes próprios da docência e que sirvam de pressupostos para futura atuação

profissional dos professores.

111

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ZEICHNER, K. A formação reflexiva de professores: idéias e práticas. Lisboa: Educa, 1993.

119

ANEXOS

120

Anexo 1

Roteiro modificado após as entrevistas-piloto

PRÉ-CATEGORIAS QUESTÕES NORTEADORAS

Escolha da carreira 1. Qual a sua idade e estado civil? 2.O que a/o levou a optar pela carreira docente? 3. Por que razão optou pelo curso de Pedagogia? 4. Por que optou por uma instituição privada? Foi bolsista? Que tipo de bolsa?

Dúvidas, dificuldades e ansiedades.

5.Quais as maiores dúvidas/ansiedades que surgiram nos primeiros tempos de atuação profissional? 6.O que fez para superar essas dificuldades?

Estágio 7. Como você pensava que seria o estágio? 8. Descreva e avalie seu estágio supervisionado. Em que classes realizou esse estágio? Quem acompanhou, local, o que achou de positivo e negativo. 9.Em relação ao estágio supervisionado, que ambiente encontrou na escola em que realizou a atividade? 10.Você acha que o estágio realizado foi adequado ao nível escolar para o qual se preparava para trabalhar? 11. Como as experiências vivenciadas no estágio supervisionado foram analisadas e coletivizadas no curso, após a realização do estágio? E o que você entende por experiência? 16. Na sua concepção qual é o papel do estágio na formação inicial de professores?

Avaliação do curso 12. Como avalia seu curso? 13.Que subsídios as disciplinas acadêmicas ofereceram para seu desempenho no início da carreira? Por quê? 14. Se pudesse reorganizar o estágio supervisionado no seu curso o que mudaria ou acrescentaria?

Cotidiano da profissão 15. A realidade encontrada no cotidiano da profissão correspondeu às expectativas geradas na formação inicial? Por quê? 16. As situações que vivenciou durante a realização do estágio supervisionado auxiliaram para o desempenho no início da carreira? De que forma?

Obs.: O conteúdo em destaque refere-se às modificações após entrevistas-piloto.

121

Anexo 2

O estágio sempre foi identificado como a parte prática dos cursos de formação de

profissionais em geral, em contraposição à teoria. Não é raro ouvir-se dos alunos

que concluem seus cursos se referirem a estes como ‘teóricos’, que a profissão

se aprende ‘na prática’, que certos professores e disciplinas são por demais

‘teóricos’. Que ‘na prática a teoria é outra’. No cerne dessa afirmação popular,

está a constatação, no caso da formação de professores, de que o curso não

fundamenta teoricamente a atuação do futuro profissional nem toma a prática

como referência para a fundamentação teórica. Ou seja, carece de teoria e de

prática. Na verdade, os currículos de formação têm-se constituído em um

aglomerado de disciplinas, isoladas entre si, sem qualquer explicitação de seus

nexos com a realidade que lhes deu origem. Assim, sequer pode-se denominá-las

de teorias, pois constituem apenas saberes disciplinares, em cursos de formação

que, em geral, estão completamente desvinculados do campo de atuação

profissional dos futuros formandos. Neles, as disciplinas do currículo assumem

quase total autonomia em relação ao campo de atuação dos profissionais e,

especialmente, ao significado social, cultural, humano da ação desse profissional.

PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e docência: diferentes concepções. 7 ed. São Paulo: Cortez, 2012, p.33.

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Anexo 3

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

A pesquisadora Simone Brandolt Fagundes, Mestranda em Educação, vem através deste

solicitar sua autorização para a publicação de dados obtidos através de sua participação

nesta pesquisa.

“O Estágio Supervisionado e sua Contribuição na Formação Inicial do Professor”

Pretende-se através deste estudo investigar e refletir sobre como as experiências

vivenciadas na formação inicial, especialmente nos estágios supervisionados, interferem

no processo de atuação profissional dos professores dos anos iniciais do ensino

fundamental (1º ao 5º ano) em início de carreira.

O Presente trabalho realizado numa perspectiva qualitativa iniciou-se com uma pesquisa

bibliográfica a respeito do tema. Como instrumento de coleta dos dados o referido

trabalho utiliza entrevistas individuais semiestruturadas, que permitem maior

aprofundamento de determinados tópicos abordados e favoreceram a compreensão mais

aprofundada do universo investigado. Neste sentido, os resultados obtidos serão

transcritos, analisados e comparados.

Esclarecimentos

• A pesquisadora oferece garantia de sigilo quanto à confidencialidade das

informações coletadas nesse estudo, estas informações caberão apenas à pesquisadora.

Os nomes dos participantes não serão em hipótese alguma divulgados ou publicados.

• Serão respeitadas a autonomia e a dignidade dos participantes.

• Os participantes poderão, a qualquer momento, solicitar informações e

esclarecimentos sobre a pesquisa.

• Os participantes submeter-se-ão as entrevistas em período a ser agendado com a

pesquisadora.

• Não haverá nenhum tipo de despesa para o sujeito participante da entrevista,

deste modo, nada será pago.

• As pesquisadoras colocam-se a disposição para quaisquer esclarecimentos. Dr.

Alberto Albuquerque Gomes docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho, e-mail: [email protected], tel.

(18) 3229-5583 e Simone Brandolt Fagundes mestranda do referido programa, e-mail:

[email protected], tel. (18) 99705-3370.

• Comitê de Ética na Pesquisa - UNESP – Rua Roberto Simonsen, 305 - Pres.

Prudente/SP - Telefone: (18) 3229 5388.

Nome do participante:

RG __________________________

_______________________________________

Assinatura do Participante

Presidente Prudente ____ de ___________de 2015.