o estado, a tributação e a desarmonia social

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O Estado, a Tributação e a Desarmonia Social Por | André Marques de Oliveira Costa - Quarta Feira, 13 de Maio de 2009 André Marques de Oliveira Costa ( * ) O conjunto de regras básicas, principiadoras do Estado Moderno, sofre atualmente a inexorável influência das transformações que vêm ocorrendo nos planos jurídico, econômico, político e social de um mundo globalizado. Em sua obra Futuro do Estado, o eminente Professor DALMO DE ABREU DALLARI rememora a origem e formação do Estado, assim como a maior ou menor intervenção deste na vida social, seguindo-se análise crítica de o Estado Mundial, o Mundo sem Estados, o Mundo de Superestados e noção de Múltiplos Estados do Bem-Estar. E, num esforço de predição, o nobre autor aponta as tendências de um futuro imediato e provável e/ou futuro remoto conjeturável de Estado. Não é, contudo, objetivo destas linhas avaliar as transformações que influenciaram o Estado atual e, certamente, determinarão o seu futuro. Tomando-se em consideração esses ditames, servindo a referência inicial para se afirmar, concordando com um dos resultados de Dallari, "...que à vista dos conhecimentos que se tem do Estado, desde suas formas mais primitivas até os tempos atuais, há uma única conjetura possível: o Estado deverá existir ainda por muito tempo, não tendo sido revelada até agora qualquer tendência concreta que possa levar ao seu desaparecimento". Se tida como correta a teoria segundo a qual o Estado surgiu por motivos de ordem econômica, a partir do momento em que a sociedade se tornou mais complexa, parece óbvio que, em tempos de globalização, não cabe falar em desnecessidade do Estado, ainda que sujeito a transformações que visem à conciliação de sua conformação atual com os impactos advindos de uma estrutura social,

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O Estado, a Tributao e a Desarmonia Social

O Estado, a Tributao e a Desarmonia Social

Por |Andr Marques de Oliveira Costa- Quarta Feira, 13 de Maio de 2009Andr Marques de Oliveira Costa( * )O conjunto de regras bsicas, principiadoras do Estado Moderno, sofre atualmente a inexorvel influncia das transformaes que vm ocorrendo nos planos jurdico, econmico, poltico e social de um mundo globalizado.

Em sua obra Futuro do Estado, o eminente Professor DALMO DE ABREU DALLARI rememora a origem e formao do Estado, assim como a maior ou menor interveno deste na vida social, seguindo-se anlise crtica de o Estado Mundial, o Mundo sem Estados, o Mundo de Superestados e noo de Mltiplos Estados do Bem-Estar. E, num esforo de predio, o nobre autor aponta as tendncias de um futuro imediato e provvel e/ou futuro remoto conjeturvel de Estado. No , contudo, objetivo destas linhas avaliar as transformaes que influenciaram o Estado atual e, certamente, determinaro o seu futuro.

Tomando-se em considerao esses ditames, servindo a referncia inicial para se afirmar, concordando com um dos resultados de Dallari, "...que vista dos conhecimentos que se tem do Estado, desde suas formas mais primitivas at os tempos atuais, h uma nica conjetura possvel: o Estado dever existir ainda por muito tempo, no tendo sido revelada at agora qualquer tendncia concreta que possa levar ao seu desaparecimento".

Se tida como correta a teoria segundo a qual o Estado surgiu por motivos de ordem econmica, a partir do momento em que a sociedade se tornou mais complexa, parece bvio que, em tempos de globalizao, no cabe falar em desnecessidade do Estado, ainda que sujeito a transformaes que visem conciliao de sua conformao atual com os impactos advindos de uma estrutura social, poltica e econmica cada vez mais complexa.

Por outro lado, se aceito que a origem do Estado o nascimento da sociedade, o curso da histria demonstra que somente uma extremada modificao desta poder resultar numa transformao radical daquele.

Com base nessa inter-relao de circunstncias, conclui Dallari que "(...) se o desaparecimento do Estado for vinculado superao dos conflitos sociais pelo aparecimento de uma ordem espontnea, na qual predominem o altrusmo e o esprito de solidariedade, no h dvida de que o mundo sem o Estado se coloca no plano das utopias, sem nenhum apoio nos comportamentos humanos j conhecidos".

Sendo improvvel a extino do Estado, certa a necessidade de arrecadao de tributos para a consecuo dos fins estatais, de conformidade com a clebre frase de Benjamin Franklin: "In this world, nothing is certain but death and taxes". Tambm extrada do Dicionrio das Citaes Ettore Barelli a seguinte mxima, para reflexo:

Neste mundo nada seguro, apenas a morte e os impostos.

O historicismo evidencia uma constante luta entre os que cobram prestaes pecunirias compulsrias e aqueles que as devem suportar, afigurando-se tensa a relao entre Fisco e contribuinte nos Estados democrticos, muito embora a necessidade de uma poltica tributria eficiente para fazer frente a demandas cada vez mais crescentes da sociedade. Deve, porm, tal finalidade ser alcanada com observncia dos limites impostos pela ordem constitucional e dos direitos e garantias individuais nela assegurados.

Dado o gigantesco interesse nessa matria somado preocupao de todo o corpo social, inmeros so os conflitos entre princpios e bens jurdicos protegidos constitucionalmente.

Fala-se aqui no do modelo de Estado advindo do movimento liberal do sculo XIX, mas daquele que, alm de sujeitar a ao estatal aos limites estabelecidos na ordem jurdica, em decorrncia do constitucionalismo, incorpora a essa sujeio as caractersticas da representao democrtica e da busca pela justia social.

Respeitvel a lio de J. J. CANOTILHO sobre o Estado Social de Direito:

Se quisssemos adotar uma frmula de sntese, poderamos dizer que o Estado social de direito s ser Estado de direito se, como reclamavam os liberais e exigem os neoliberais, reconhecer a funo estruturante dos princpios fundamentais do direito civil assente nos direitos da vontade dos sujeitos econmicos (ou seja, dos proprietrios, empresrios) e dos princpios norteadores desses direitos (a livre iniciativa econmica e a autonomia contratual). Contudo, o Estado de direito s ser social se no deixar de ter como objetivo a realizao de uma democracia econmica, social e cultural e s ser democrtico se mantiver firme o princpio da subordinao do poder econmico ao poder poltico. As tentativas de expurgao do social com o intuito de destilar um Estado de direito quimicamente puro, isto , um Estado sem o compromisso da socialidade, mais no so do que coberturas ideolgicas para polticas econmicas e sociais onde no cabem deveres de solidariedade e de incluso do outro.

Uma ordem constitucional plena em comandos que asseguram direitos sociais e compromissos do Estado perante a sociedade, certamente demanda um financiamento adequado da atividade estatal, a fim de que possa ser cumprida a contento.

Sob outro aspecto, a ausncia de participao na atividade econmica caminho tambm trilhado pelos Estados Modernos, de sorte que correto dizer que sua principal fonte de financiamento so os tributos - caracterstica essa que qualifica o Estado Fiscal.

Ora, se da sociedade provm os recursos para a manuteno do Estado, que os reverter em benefcio da prpria coletividade, de suma importncia que o cidado no visualize o Estado como eterno adversrio e opressor, sempre a lhe impor sacrifcios e nus. Pelo contrrio, indispensvel a sua participao no controle da aplicao dos recursos arrecadados.

Nesse contexto, preciso a conscientizao de que o pagamento de tributos se constitui dever de todos, sem o qual se rompe o pacto social. Em contrapartida, indispensvel que os governantes legitimem os recursos arrecadados, aplicando-os com eficincia em favor da coletividade.

JOS CASALTA NABAIS, na obra Algumas Reflexes sobre o Actual Estado Fiscal, ensina que a cidadania pode ser definida como a qualidade que os indivduos pertencentes ao Estado-nao possuem de ser titulares ou destinatrios de um certo nmero de direitos e deveres universais, o que lhes confere uma posio especfica de igualdade. E, ainda, que a participao em comunidade concretiza-se pela existncia de um conjunto de direitos e deveres universais, de natureza pessoal, poltica e social, aos quais chama de cidadania pessoal, cidadania poltica e cidadania social.

Ora, se a existncia e o funcionamento do Estado tm como origem e fim os membros da comunidade, perfeito dizer que todos so responsveis por sua manuteno e financiamento, ocorrendo este ltimo por meio da tributao, que, nos modernos Estados constitucionais, balizada por dois marcos fundamentais. De um lado, a segurana jurdica e a proteo dos direitos e garantias fundamentais, representados por princpios como o da legalidade e todos os seus corolrios, os quais servem para assegurar outros de idntica origem, como o da autonomia da vontade e o da liberdade econmica. De outro lado, o balizamento da tributao d-se pela ideia de justia tributria, traduzida no princpio da igualdade e no seu desdobramento na rea tributria, que a capacidade contributiva, isto , aquilo que cada cidado pode/deve suportar.

Sob a tica dos destinatrios da ao estatal, NABAIS fala em cidadania fiscal.

Uma cidadania que se, de um lado, im-plica que todos suportem o Estado, ou seja, que todos tenham a qualidade de destinatrios do dever fundamental de pagar impostos na medida da respectiva capacidade contributiva, de outro, impe que tenhamos um estado fiscal suportvel, isto , um estado cujo sistema fiscal se encontre balizado por estritos limites jurdicos-constitucionais.

Justamente nessa linha de raciocnio NABAIS situa o que chama de dever fundamental de pagar impostos.

Do ponto de vista econmico, um sistema tributrio adequado, segundo LUIZ ARRUDA VILELLA, na obra Restries do Ajuste Fiscal, deve apresentar, dentre outras, as seguintes caractersticas: (i) distribuio equitativa da tributao; (ii) interferncia mnima na atividade econmica; (iii) permitir uma administrao eficiente e isenta de arbitrariedade, que apresente custos razoveis tanto para a administrao tributria como para o contribuinte, e cuja arrecadao se mostre suficiente e compatvel com o potencial tributrio dos contribuintes.

As modernas constituies, a exemplo da Carta Cidad de 1988, estabelecem um sistema tributrio que vincula o pagamento de impostos capacidade contributiva, necessria para uma tributao equnime, conferindo um carter pessoal ao pagamento de impostos - o que confirma tratar-se de dever fundamental. O resultado disso um sistema tributrio capaz de assegurar, de um lado, o financiamento do Estado para o atendimento das necessidades da sociedade, mediante justa distribuio da carga tributria, o que significa ser isonmica e solidria; de outro, as liberdades e garantias individuais, a livre iniciativa e o desenvolvimento do pas.

H que se considerar, contudo, que por maiores sejam os benefcios sociedade, o embate entre o Fisco e o contribuinte sempre existir pelo fato de a exigncia de tributos representar no s a transferncia obrigatria do patrimnio individual coletividade, mas tambm interferncia na liberdade do indivduo, que, por natureza, egosta.

A tributao ser sempre o doce com gosto amargo, passvel de contestao, ao menos at que a sociedade se transforme pela abnegao em favor do semelhante - condio esta que me parece por demais afastada para ao menos ser imaginada em curto espao de tempo, embora muitos sonhem com uma revoluo social como essa.

Notas:

*Andr Marques de Oliveira Costa advogado, consultor, escritor e doutorando em Direito pela UNLZ. E-mail: [email protected].

* http://jornal.jurid.com.br/materias/noticias/estado-tributacao-desarmonia-social - Acesso em 01/02/2013 s 15.16 h.