o espírito este desconhecido jean e. charon

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O ESPÍRITO ESTE DESCONHECIDO....................1 INTRODUÇÃO......................................2 Prefácio.......................................2 CAPITULO I...................................... 5 Física e Metafisica.............................5 CAPITULO II....................................12 0 espaço e o tempo do Espírito.................12 CAPITULO III...................................16 As linguagens de descrição na Física...........16 CAPITULO IV....................................22 0 espaço-tempo complexo........................22 CAPITULO V.....................................28 0 elétron portador do Espírito.................28 CAPITULO VI....................................35 Uma evolução neoteilhardiana...................35 CAPITULO VII...................................39 Observação do Espírito dentro da Matéria.......39 CAPITULO VIII..................................52 As ramificações eternas de nosso Espírito......52 CAPITULO IX....................................56 Mecanismos do Espírito e parapsicologia........56 CAPITULO X.....................................61 0 funcionamento do Espírito como fenômeno da Física.........................................61 CAPITULO XI....................................70 Reflexão, Conhecimento, Amor e Ação............70 CAPITULO X11...................................76 Reivindicação para uma o evolução copernicana..76 CAPITULO X111..................................79 Uma Cosmologia neognóstica: evolução da Matéria79 CAPITULO XIV...................................89 Uma Cosmologia neognóstica: evolução do Espírito ...............................................89 CAPITULO XV....................................96 0 Matricialismo................................96 CAPITULO XVI..................................104 1

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O ESPÍRITO ESTE DESCONHECIDO.................................................1INTRODUÇÃO.......................................................................................2

Prefácio..................................................................................................2CAPITULO I.............................................................................................5

Física e Metafisica....................................................................................5CAPITULO II.........................................................................................12

0 espaço e o tempo do Espírito...............................................................12CAPITULO III........................................................................................16

As linguagens de descrição na Física..................................................16CAPITULO IV........................................................................................22

0 espaço-tempo complexo.....................................................................22CAPITULO V.........................................................................................28

0 elétron portador do Espírito.............................................................28CAPITULO VI........................................................................................35

Uma evolução neoteilhardiana............................................................35CAPITULO VII......................................................................................39

Observação do Espírito dentro da Matéria........................................39CAPITULO VIII.....................................................................................52

As ramificações eternas de nosso Espírito..........................................52CAPITULO IX........................................................................................56

Mecanismos do Espírito e parapsicologia...........................................56CAPITULO X.........................................................................................61

0 funcionamento do Espírito como fenômeno da Física....................61CAPITULO XI........................................................................................70

Reflexão, Conhecimento, Amor e Ação..............................................70CAPITULO X11.....................................................................................76

Reivindicação para uma o evolução copernicana...................................76CAPITULO X111...................................................................................79

Uma Cosmologia neognóstica: evolução da Matéria..............................79CAPITULO XIV.....................................................................................89

Uma Cosmologia neognóstica: evolução do Espírito.............................89CAPITULO XV.......................................................................................96

0 Matricialismo.......................................................................................96CAPITULO XVI...................................................................................104

0 Futuro desconhecido..........................................................................104Fim.....................................................................................................110

O ESPÍRITO ESTE DESCONHECIDO

JEAN E. CHARON

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Esta obra é dedicada a todas as pessoas que refletem sobre o mistério do nosso corpo e de nossa consciência e, mais amplamente, sobre as relações do Espírito com a Matéria, na escala do Universo inteiro.

Pela primeira vez, encontra-se sustentadas, de maneira científica, as numerosas manifestações do Espírito como os fenômenos parapsicológicos ou as intervenções do inconsciente.

“O Espírito, este desconhecido” é um convite para se descobrir a essência do Homem e do Universo.

INTRODUÇÃO

"Devemos libertar o homem do cosmo criado pelo gênio dos físicos e dos astrônomos, cosmo esse no qual está mergulhado desde a Renascença. Apesar de sua beleza e de seu tamanho, o mundo da matéria inerte é muito estreito para ele. Da mesma forma, o nosso meio econômico e social não é feito à nossa medida. Não podemos aderir ao dogma de sua realidade exclusiva. Sabemos que não estamos inteiramente confinados, que nos estendemos em outras dimensões além do continuum físico... O espírito do homem se estende, além do espaço e do tempo, em um outro mundo. E deste mundo, que é ele mesmo, ele pode, se tiver vontade, percorrer os ciclos infinitos. O ciclo da Beleza, que contemplam os sábios, os artistas e os poetas. 0 ciclo do Amor, inspirador do sacrifício, do heroísmo, da renúncia. 0 ciclo da Graça, suprema recompensa daqueles que buscaram com paixão o princípio de todas as coisas ... É necessário nos levantar e nos colocar em marcha. Nos libertar da tecnologia cega. Realizar, em sua complexidade e em sua riqueza, todas as nossas potencialidades“.

Alexis Carrel

"Chegou o momento de nos darmos conta de que uma interpretação, mesmo positivista, do Uni- verso deve, para ser satisfatória, cobrir o interior e o exterior das coisas - o Espírito assim como a Matéria. A verdadeira Física é a que conseguirá, qualquer dia, integrar o Homem total em uma representação coerente do mundo."

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Pierre Teilhard de Chardin

Prefácio

Sou o que chamam de um físico teórico; isto quer dizer que me interesso pela descrição das leis que governam a natureza. Minhas pesquisas estão dirigidas às teorias ditas "unitárias", que são as teorias que se esforçam para unificar as diferentes leis observadas, demonstrando que elas formam casos particulares de uma lei mais geral, válida para todos os fenômenos, e que designaremos, em razão do nome, de lei unitária.

Esse tipo de pesquisa leva a analisar o menor tanto como o maior, as partículas ditas "elementares" tanto como o cosmo em seu conjunto, pois, se tal lei unitária existe, ela deve ser válida, isto é verificável, em todas as escalas dimensionais.

Quando olho meu trabalho e minhas publicações desses últimos vinte anos, não tenho certeza, entretanto, de ter sido um físico, ou em todo caso, um físico no sentido que se dá a este termo no contexto científico contemporâneo. Supõe-se que o físico tradicional, em princípio, se interesse exclusivamente, durante sua pesquisa científica, pelas propriedades da matéria considerada "inerte". Realmente, ele reconhece, como todo mundo, que existem fenômenos onde o "físico" não atua sozinho, fenômenos onde intervém também o que chamamos de psiquismo, ou a consciência, ou o pensamento. Mas estes fenômenos são da competência dos psicólogos, ou a rigor, dos biologistas.

A Física, tal como se define neste fim do século XX, parece considerar um "ponto de honra" não misturar o psicológico ao físico, o que (pelo menos é o que ela acredita) lhe permite se vangloriar de ser uma ciência "exata".

Ora, refletindo, sempre estive, no curso de minhas pesquisas sobre esta matéria chamada "inerte", em busca dos primeiros traços de fenômenos psíquicos, isto é, procurando o Espírito dissimulado sob a matéria. Aliás, sempre me senti pouco à vontade diante do Programa "Reducionista" dos físicos de nossa época, que se esforçam voluntariamente para construir uma Física deixando o Espírito de fora.

E creio ter tido razão. Explico nesta obra como, no curso destes últimos anos, pude enfim mostrar que, para perceber de modo completo e satisfatório a estrutura e as propriedades de certas partículas elementares, é necessário fazer intervir um espaço-tempo particular, apresentando todas as características de um espaço-tempo do Espírito, ladeando o da matéria bruta. Exponho, aqui, os diferentes aspectos e as conseqüências desta Física neognóstica.

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Por que chamamos a esta Física de "neognóstica"? Não fui eu quem a designou assim e, além disso, já havia escrito aproximadamente metade deste livro quando descobri que, contrariamente ao que pensava, esta tendência de não mais separar completamente Matéria e Espírito na descrição científica do Universo já existia e estava se aprofundando há alguns anos. Este "movimento", se se pode qualificar assim esta nova orientação das idéias científicas, parece ter nascido principalmente em Princeton e em Pasadena nos Estados Unidos nos anos de 1970 1. Os mais eminentes físicos e astrônomos estiveram presentes nesta origem. A eles se uniram biologistas, médicos e psicólogos. E, mais recentemente ainda, teólogos.

A Gnose foi, no primeiro século de nossa era, um sistema filosófico onde os participantes (os gnósticos) pretendiam ter um conhecimento direto de Deus. Esta atitude se caracterizava pelo fato de que ela queria apoiar tal doutrina, não sobre simples crendices, mas sobre os dados científicos da época. Nesta filosofia existiam notadamente seres portadores de Espírito, intervindo no comportamento da matéria, chamados eons.

Os novos gnósticos de Princeton e Pasadena guardaram da antiga filosofia, a idéia de que aquilo que chamamos Espírito é indissociável de todos os fenômenos que vemos no Universo, sejam físicos sejam psíquicos. Devemos, portanto, ao menos em principio, ser capazes de ter um conhecimento "científico" do Espírito, isto é, de fornecer uma descrição em termos científicos com o risco de, se necessário, renovar a própria linguagem científica. Mas, precisamente por permitir ao Espírito ascender à condição de fenômeno "científico", os neognósticos recusam, desde o principio, colocar o Homem no centro do fenômeno pensante; quando o Homem afirma "eu penso", enfatizam eles, ele deveria dizer, de forma mais correta, "ele pensa", ou "ele domina um pensamento no espaço", do mesmo modo que o físico diz "ele domina um campo magnético no espaço" ou que o homem da rua anuncia "chove". Em outros termos existe uma realidade profunda, presente em todo o Universo, que é capaz de fazer "nascer" o pensamento no espaço, no mesmo sentido em que um elétron é capaz de fazer nascer em torno de si um campo elétrico no espaço. Desde então, o pensamento está presente em toda parte, tanto no mineral, no vegetal, no animal como no Homem. É ele, notadamente, que transparece no comportamento dos organismos vivos, mesmo que se trate apenas de uma simples bactéria.

De fato, enquanto esta concepção neognóstica não der prova, de acordo com a linguagem científica, de que ela corresponde a uma realidade "ajustada" aos fenômenos científicos observados e descritos, ela será apenas uma aproximação para chegar ao Conhecimento.

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Mas isto, por si mesmo, já é fundamental; pois, mesmo que não seja suficiente abrir uma janela para descobrir imediatamente todos os detalhes da paisagem, se a janela permanecer fechada, jamais veremos alguma coisa. Ora, a atitude atual dos neognósticos é exatamente esta, e ela não ambiciona, no momento, ser outra coisa: ser uma nova janela para considerar o Universo do Espírito e da Matéria, e tentar descrevê-lo em linguagem científica sem deixar de considerar ao mesmo tempo um e outro. Ou, exprimindo de outra forma, ser uma nova linguagem científica para formular o Conhecimento; ser um esforço de "Psicossintese", dirão ainda os neognósticos.

Esta nova atitude em relação ao Conhecimento apresenta alguns outros aspectos, que vale a pena enfatizar.

Há, primeiro, a adoção de um ponto de vista relativamente "modesto" para considerar o que chamamos o saber humano. Dentro de cada homem, há individualidades microscópicas que pensam, que sabem, que transportam o Espírito dentro do Universo, e que podemos chamar, segundo os antigos gnósticos, de eons2. Estes conhecem o saber humano, visto que são eles que "pensam" este saber. Mas este saber ultrapassa largamente o saber humano, tal como somos capazes, por exemplo, de o formalizar em uma linguagem qualquer; os eons sabem, notadamente, como criar a vida. 0 saber humano atual é somente esta parte minúscula do saber total dos eons que pode ser expresso através da linguagem humana, levando em conta as numerosas convenções próprias das sociedades humanas.

Outra conseqüência, aliás em relação com a precedente: é absurdo e inexato crer que nosso irmão humano que não fez o que chamamos de "estudos", ou ainda nosso irmão animal ou vegetal, "seja um ignorante". Afirmá-lo é um pouco como se, considerando dois cientistas de alto nível, disséssemos que um é ignorante porque, ao contrário do outro, não sabe jogar bridge. Em relação ao conjunto do saber dos eons, esta é uma atitude antropocentrista e inaceitável: querer de todo modo que nosso parco saber humano individual possa nos tornar, de alguma maneira, superior ao outro. 0 Homem deve guardar, no mundo, seu modesto lugar de "macaco sem pêlo", não tanto porque não saiba mais do que o macaco no reino das sociedades animais, mas principalmente porque, no reino do Universo cosmológico, não há certeza de que os eons do macaco não saibam mais do que os seus próprios eons. Portanto, nada de tentativas de hierarquia degradante a respeito do saber e, tampouco, nada de Mestre.

A noção de "Mestre", com efeito, é ainda mais proscrita entre os neognósticos que entre os próprios eons; estas individualidades imortais que vivem a aventura espiritual do Universo, não conhecem de maneira absoluta os objetivos e as "regras do jogo" do Universo; eles somente são

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capazes, como veremos, de aumentar, sem cessar, "a ordem" 3 do Universo, inventando regras do jogo cada vez mais complexas, sem saber jamais se novas regras não farão entrever um novo objetivo. Os neognósticos, que conseguiram de uma maneira geral salvaguardar sua alma de criança, ilustram esta invenção de regras para um novo jogo de cartas, que parece expandir-se rapidamente nos campus do Oeste americano. 0 jogo se chama "Elêusis"; cada jogador, por sua vez, inventa regras do jogo, que escreve, para verificação, em um papel escondido dos outros jogadores. Depois coloca uma carta sobre a mesa; os outros jogadores respondem escolhendo cuidadosamente uma carta de sua mão. 0 vencedor de cada partida é designado por aquele que inventou a regra, e este vencedor recolhe, então, todas as cartas da rodada. No fim, conta-se o número de pontos das cartas recolhidas por cada um, segundo uma tabela conhecida somente pelo inventor do jogo. Aquele que primeiro "compreendeu" as regras do jogo é (geralmente) o que possui o maior número de pontos e é declarado o vencedor. É particularmente instrutivo notar que muitos jogadores ganham tendo "imaginado" regras diferentes daquelas que constituem o regulamento "oficial" editado pelo inventor do jogo. 0 mesmo se dá ao nível do Espírito na Natureza: os eons não são obrigados a falar uma linguagem "oficial" para evoluir em um sentido que marque um progresso no plano do psiquismo. E, inversamente, os "oficiais" não são, entre os humanos, os mais capazes de fazer progredir o psiquismo.

Ainda outra conseqüência da atitude neognóstica: se ninguém deve procurar para si um Mestre, muito menos ninguém deve se considerar um Mestre; portanto, nada de "proselitismo',,'. Somos todos pesquisa-dores, ninguém conhece, desde o principio, a regra que é preferível para fazer o Espírito progredir, e nenhum "nível psíquico" do Espírito permite descobrir o objetivo definitivo da aventura espiritual do Mundo. Portanto ainda, nada de religião "humanista", pretendendo conhecer onde se encontra "o Bem" do Homem. Como observa Raymond Ruer4: "para os neognósticos é, no fundo, uma questão de honestidade. Eles acham leviano, e mesmo criminoso, fazer experimentações na pele humana. Pode-se permitir ensaios e erros na sua própria vida. Não se tem o direito de aparentar saber o que convém aos outros, que sabem melhor do que nós".

0 que convém enfatizar é que a atitude neognóstica, que busca organizar em torno de um "imenso povo de eons", e não em torno do Homem, a aventura espiritual do Universo, não consiste em concluir que o Homem é, com todo o resto do mundo, de alguma forma "manipulado" no plano do Espírito por este povo de eons, com a conseqüência de não participar verdadeiramente de seu próprio destino. Não são os eons que "pilotam" meu próprio espírito "Eu" sou estes próprios eons, no sentido de que em

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cada um dos eons que entram no meu corpo está presente o que eu chamo de meu "Eu", isto é minha pessoa. A atitude neognóstica não faz do Homem um "fantoche" cujos cordões outros puxariam, mas sugere que nossa pessoa participe diretamente de toda a aventura espiritual do mundo, uma aventura que tem suas raízes na origem de nosso Universo, e que terminará com ele ... caso o Universo deva terminar um dia (o que os eons - que têm a sabedoria de saber que o futuro será aquilo que eles tiverem escolhido fazer - não segredaram, parece, a ouvido algum).

0 presente trabalho se dirige a todos que refletem sobre o mistério de nosso corpo e de nossa consciência, e mais globalmente às relações do Espírito com a Matéria, na escala do Universo inteiro. Creio pro-fundamente que nossas civilizações humanas estão à procura - porque têm extrema necessidade dela - de uma atitude que permita a cada um melhor se situar na imensa aventura cosmológica, colocando em harmonia o que elas sabem com o que sentem.

A Nova Gnose, nasceu de uma reunião de aspirações tão diversas quanto as que encontramos nos campus ou nas comunidades hippies de Berkeley, nos astrônomos e astrofísicos dos montes Palomar e Wilson, nos físicos de Princeton; a qual hoje interessou um grande número de biologistas e médicos e, mais recentemente ainda, um número crescente de pessoas da Igreja; e que, depois dos dois últimos anos, começa a se expandir progressivamente para fora dos Estados Unidos; a Nova Gnose, como eu dizia, talvez seja uma atitude digna de ser explorada.

De resto, como sempre, nosso companheiro inseparável, o Tempo, será o único juiz.

Jean E. Charon

CAPITULO I

Física e Metafisica

0 Espirito inseparável das pesquisas na Física. - Newton, o alqui-mista. - Voltaire e Valéry: ateus espiritualistas. - Ciência criativa e ciência de descoberta. - A pesquisa científica e o "grande público". - As diversas linguagens para descrever a Natureza.

"Eis que ele me antecedeu, novamente, deixando este mundo estranho. Isto não significa nada. Para nós, físicos crentes, esta separação entre passado, presente e futuro guarda somente o valor de uma ilusão, por mais tenaz que ela seja."

Quando Albert Einstein, em 21 de março de 1955, escreveu esta carta à irmã e ao filho de seu amigo de sempre Michele Besso, falecido alguns

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dias antes, para ele também restava um pouco menos de um mês de vida para dizer adeus a este "mundo estranho".

Talvez, de uma maneira disfarçada, o problema da Morte esteja no centro desta obra. Pois a Morte não é, pensando bem, quem nos revela o Espirito sob a Matéria? E se acabo de citar Einstein no limiar de sua própria morte é porque, creio, a linguagem da Física é atualmente apropriada para encetar um diálogo com a Morte, para procurar situá-la no quadro da evolução geral do nosso imenso universo.

Por que a Fisica, e não a Biologia, ou ainda a Teologia? Porque a Morte, como todos os grandes problemas da Metafisica, somente pode ser situada em relação aos limites daquilo que constitui o nosso Universo, na escala do maior e na escala do mais pequeno. E é a Fisica que se propõe a nos fornecer um conhecimento do cosmo em seu conjunto assim como do átomo. Mas, paradoxalmente, enquanto a Física é sem dúvida a mais apta para esclarecer os problemas metafísicos, os físicos se recusam, há perto de três séculos, a ver a Metafísica penetrar em sua linguagem e em seu campo de experiência; como se estes problemas fossem indigitos do conhecimento "científico"; ou ainda, como se as questões que formam os temas da Metafísica não fossem, finalmente, aquelas para as quais o Homem deseja mais ardentemente obter elementos de resposta.

Direi, mais adiante, como os trabalhos de Albert Einstein o levaram ao limiar de um dos problemas essenciais apresentados ao Homem: o da natureza daquilo que chamamos "nosso espirito", em oposição à matéria de nosso corpo. E direi, também, como minhas próprias pesquisas em Fisica, em prosseguimento aos trabalhos de Einstein, me permitiram continuar esta análise do Espirito, para mostrar, finalmente, que a aventura do nosso Espirito é tão "eterna" quanto o próprio Universo, no passado assim como no futuro.

Mas, como me disponho a falar aqui de um problema fundamental da Metafisica na linguagem da Física, espero primeiro, exprimir sem desvios, o que penso da -atitude geralmente hostil dos fisicos diante dos temas da Metafisica.

Antes, podemos questionar se os principais temas da Metafisica têm alguma relação com os problemas estudados pela Fisica. 0 Conhecimento, a existência do mundo exterior, a substância e a forma, o problema da vida e da morte, a alma e o corpo, o problema de Deus, todos estes objetos de investigação tradicionais da Metafisica são susceptiveis de entrar no campo das pesquisas da Fisica? A resposta a esta questão será afirmativa ou não, se aceitarmos ou não considerar a análise do Espírito como objeto de estudo da FÍsica. 0 problema da natureza e dos mecanismos do Espirito é, com efeito, sem nenhuma dúvida, o problema central de toda a

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Metafisica, do qual derivam todos os outros objetos de reflexão (o Conhecimento, a vida, a morte, a Matéria, Deus ... ). A Fisica e a Metafisica formam, portanto, duas disciplinas complementares, encarregadas de aumentar nosso conhecimento do Universo se, e somente se, Matéria e Espirito são inseparáveis nos métodos de pesquisa e nas linguagens destes dois ramos do Conhecimento.

Ora, como poderiamos racionalmente impedir que a Fisica progredisse através de uma análise não só da Matéria mas também do Espirito? Desde que as investigações dos fisicos se voltam para o mais pequeno, ou ainda para o maior, para estas particulas misteriosas que formam a essência da Matéria, ou ainda para nosso Universo em seu conjunto, então as palavras de Santo Agostinho se tornam hoje sempre mais verdadeiras: "0 mundo é tal como ele nos parece, feito de coisas que não aparecem". E Teilhard de Chardin observava igualmente que "atingindo o extremo de suas análises, os fisicos não sabem mais se a estrutura que eles alcançaram é a essência da Matéria que eles estudam ou, então, reflexo de seu próprio pensamento".

Neste caso, como não reconhecer como urna evidência atual que o Espírito é, com efeito, parte integrante do domínio de investigação da Física, do mesmo modo que a Matéria, visto que não há descrição possível da Matéria que não faça intervir, em primeiro plano, os mecanismos estruturais do nosso próprio Espírito?

Esta importância dada ao Espírito no estudo dos fenômenos "físicos” que acontecem no Universo, na verdade, nunca foi contestada na Antiguidade e mesmo até o fim do século XVII. Para se convencer, é suficiente lembrar Descartes que nos declara em suas Meditações: "Assim, toda a Filosofia é como uma árvore cujas raizes são a Metafísica, o tronco é a Física e os galhos que saem deste tronco são todas as outras ciências". E Newton, de quem se quis fazer o modelo do ,”cientista", isto é, do sábio apenas preocupado com as certezas associadas aos fatos observáveis, na verdade (corno demonstram belos estudos recentes sobre Newton ) orientou toda sua vida para os problemas do Espírito: ele escreveu mais páginas sobre a alquimia e sobre o que hoje chamaríamos de parapsicologia do que sobre a óptica e a gravidade.

Observemos, um instante, os conceitos de Newton, cujos escritos, se os analisarmos não buscando "ver somente o que queremos ver", são a prova de que o pai da teoria da gravidade sempre defendeu conceitos de essência espiritualista, bem longe das idéias puramente mecanicistas-positivistas que quiseram lhe atribuir. Uma aproximação surpreendente (compreenderemos melhor este aspecto quando discutirmos a análise moderna sobre a natureza do Espírito) é a que Newtori faz entre o Espírito e a luz. "Não seria possível, escreve Newton em sua óptica, que os corpos e a luz se transformem uns nos outros? E não sería possível que os corpos

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recebam a maior parte de seus princípios ativos das partículas de luz que entram em sua composição? Admitido isto, visto que a luz é o mais ativo de todos os corpos que conhecemos, e visto que esta luz faz parte de todos os corpos compostos pela natureza, por que não seria ela o principio regente de todas as suas atividades?" E Newton distingue, então, dois tipos de luz: uma luz fenorriênica, que seria a que se entende pelo sentido comum do termo, isto é, a que vemos; e uma luz nuniênica, que seria uma luz virtual, intervindo mais particularmente nos mecanismos do ser vivo, e portadora do que chamamos Espírito. Veremos, no decorrer desta obra, que se trata de uma intuição extraordinária de Newton sobre o aspecto "espiritual" da Matéria, aspecto que se confirmará como repousando sobre trocas "virtuais" de fótons de luz. Segundo observa P. M. Rattensi : "as reflexões de Newton parecem indicar que no fim de sua vida ele concebeu que o objetivo da pesquisa alquimista consistia no restabelecimento do corpo de luz e pensou que isto poderia ser demonstrado através de operações realizadas em laboratório". Assim, Newton, durante toda sua vida, considerou o Espírito como de natureza diretamente acessível à experiência, e portanto, do domínio das investigações da Física. Por outro lado, ele viu na luz, que é sem dúvida alguma um fenômeno bem físico, a direção privilegiada para a qual, lhe parecia, deviam se orientar estas investigações.

Além disso, é necessário enfatizar que Deus (igualmente no centro da reflexão metafisica) está sempre presente na obra de Newton. Certamente, Newton irá propor suas célebres leis sobre o movimento dos astros, o que permitirá, por volta dos meados do século XIX, ao matemático Pierre-Simon de Laplace mostrar que os astros podiam, de acordo com estas leis, se mover de modo estável, sem nenhuma interferência de Deus. Mas o próprio Newton nunca formulou, ou mesmo sequer sugeriu, tal possibilidade; pelo contrário, defendia o ponto de vista da necessidade constante da presença de Deus no Universo. Para Newton, Deus intervinha na natureza por intermédio do Espírito (a luz nuniênica). Esta natureza, escreveu Newton, "age sempre sem trégua, até o seu último termo, e depois cessa; pois, desde o começo, era para ele coisa certa que ela poderia se aperfeiçoar no seu curso e que chegaria, enfim, a um repouso sólido e total, ao qual, para este efeito, ela tendia com todo o seu poder". Assim, Newton tem também a convicção de um sentido definido da evolução do Universo, de uma "flecha" do tempo, como alvo desta evolução, com um estado do Universo que nos lembra o "ponto õmega" de Teilhard de Chardin. Mas voltaremos a falar sobre isto.

Apesar desta profunda complementaridade entre Física e Metafisica na obra de Newton, paradoxalmente, é a partir de Newton que se produzirá uma clivagem cada vez mais profunda entre Física e Metafisica, isto é, entre as pesquisas sobre a Matéria e as pesquisas sobre o Espírito.

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Para isto, como relembra muito propriamente a análise de Jean Zefiropulo e Catherine Monod, far-se-á "Newton oscilar entre o que ele foi e o que dele fizeram, ocultando algumas de suas pesquisas e mesmo dispersando uma grande parte de sua obra".

Os argumentos são bastante complexos, mas pode-se, entretanto, distinguir algumas correntes principais.Primeiro, há a enérgica reação da Renascença contra o aristotelismo, reinando sobre o pensamento intelectual há dois mil anos. Ora, lutar contra Aristóteles e seu sistema do mundo seria restabelecer o beliocentrismo de Aristarco, perfeitamente demonstrado agora, pelas leis da atração de Newton; e seria, também, restabelecer o velho atomismo de Demócrito, segundo o qual "nada mais existe a não ser o átomo e o espaço vazio, tudo o mais é apenas comentário". Finalmente, seria explicar todo o nosso Universo através de movimentos de átomos se deslocando segundo leis imutáveis, explicadas matematicamente.

Assim, não teríamos necessidade de Deus, nern do Espírito para tomar conhecimento do que se passa no mundo. 0 próprio pensamento seria "segredado" por certos movimentos dos átomos, somente a Matéria sendo a substância essencial. Propositalmente esqueceríamos que, entretanto, Demócrito havia proposto seus átomos como conservando uma existência independente do Espírito, visto que também "a alma é constituida de átomos particulares, finos e unidos". Mas teríamos necessidade de eliminar da Ciência tudo o que não se manifestasse na Natureza através do movimento de partículas puramente materiais segundo leis conheciveis (senão conhecidas). E acaso poderíamos escolher um porta-bandeira deste novo enfoque científico melhor do que Newton, pois foi ele quem descobriu, depois de Kepler, as leis fundamentais que explicam a trajetória das estrelas, dos planetas ... e das maçãs?

Não podemos negligenciar a parte benéfica que provocou este retorno ao positivismo puramente materialista para aumentar nosso conhecimento das coisas. Depois dos desnorteios do período da Idade Média, seria útil que o conhecimento se esforçasse para progredir pésquisando leis confirmáveis experimentalmente. Mas seria, sem dúvida, ir muito longe ao se esquecer da presença do Espírito nesta evolução da natureza; não seria simplesmente porque, apesar de tudo, e como o notava tão propriamente o filósofo Georges Berkeiey desde Newton, "as coisas só existem na medida em que são percebidas"; e por que outros meios poderiam elas ser percebidas, em última análise, senão pelo Espírito, pelo nosso espírito?

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Dentre as circunstâncias que contribuíram para deturpar o processo de pensamento verdadeiro que presidiu às leis e às descobertas newtonianas, é necessário ver também o fato de que, no principio, aqueles que eram os mais ardorosos defensores de Newton (contra as teses cartesianas mais em voga, então, entre os cientistas) foram principalmente ateus que, para melhor afastar Deus das explicações da Ciência, não hesitaram em expulsar igualmente tudo o que se referia ao Espírito.Entre estes estava Laplace, que nós já mencionamos anteriormente; também, especialmente na França, Voltaire e um pouco mais tarde Auguste Conite e seu positivismo; igualmente, no nosso século, Paul Valéry e as teses marxistas. Todos se ocuparam em "refutar Deus", e mais amplamente em minar a credibilidade da Metafisica, julgando suas especulações como "logomaquias vazias e estéreis".

Voltaire foi a Londres em 1727 assistir aos funerais de Newton e trouxe um exemplar, em inglês, de seus Principia. Ficou imediatamente seduzido pelo sistema do mundo newtoniano, e foi o primeiro a difundir, na França, a obra de Newton . Mas difundiu o pensamento newtoniano insistindo, como Laplace, sobre a abertura que ele oferecia para uma compreensão de um mundo puramente mecanicista, sem nenhuma necessidade de uma intervenção divina. Isto foi compreendido como se a noção do Espirito fosse supérflua e pudesse ser, em todo caso, definitivamente afastada das concepções da Fisica: estava ai uma deformação do pensamento de Voltaire, pois se ele desejava a "morte de Deus", por outro lado, não preconizava a morte do Espirito. Com efeito, não afirmou ele, como conseqüência lógica de seu racionalismo, a existência de uma "sensibilidade" da Matéria, que não é muito diferente da "psique elementar", com que Theilhard proporá, em nossa época, dotar cada corpúsculo de Matéria, visando a apoiar sua concepção espiritualista do Mundo?

0 caso de Paul Valéry é mais particular. Ele nos exibe sarcasmos, algumas vezes extremamente violentos, contra a Metafisica, e mais amplamente contra qualquer tese de natureza espiritualista. "Os espiritos com suas mesas e seus ectoplasmas, escreveu, têm o mérito imenso de colocarem sob sua verdadeira forma grosseira, clara e insensata, o que os espiritualistas, as pessoas com alma, dissimulam para si próprios sob um véu de palavras, metáforas e expressões ambiguas". Mas, nas 6.000 páginas manuscritas de seus Cadernos, que redigia no dia-a-dia, e que atualmente começam a ser objeto de publicações, descobrimos que Valéry esteve toda sua vida preocupado com a estrutura e com o funcionamento do Espirito, cuja descrição desejava compreender na

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linguagem da Fisica e das Matemáticas. 0 estudo do Espírito não é, portanto, especificamente do dominio tradicional da Metafisica? E haveria uma descrição "não espiritualista" do que chamamos Espirito? A leitura mais atenta dos Cadernos nos explica, entretanto, esta aparente contradição. Valéry se recusa a reconhecer que existe uma realidade independente da Matéria que se chama Espírito; sua pesquisa sobre mecanismos do espírito está orientada para a descoberta de uma estrutura particular das partículas de matéria, assim como para as transformações no tempo desta estrutura; estas explicariam um fenômeno físico de essência puramente material e mecanicista, que seria a função-espirito ligada ao comportamento da Matéria. Apostemos, entretanto, que, desde que se torne possível falar do Espirito na linguagem da Física, todos os grandes problemas tradicionais da Metafisica se apresentarão com uma acuidade aumentada, e que será necessário dizer o que se tornam, nesta nova linguagem, a Vida, a Morte, o mundo exterior, Deus. Em resumo, apesar do que pensa Valéry, conseguir falar do Espírito na linguagem da Física, como ele o deseja, é introduzir em pé de igualdade todos os temas da Metafisica no campo das pesquisas da Física. Em uma análise posterior, Valéry e eu estamos, portanto, de acordo; mas, à primeira leitura, os ataques de Valéry à Metafisica, sem dúvida, contribuíram para retardar o nascimento de uma Física interdisciplinar.

Sejam Laplace, Voltaire, Conite, Valéry ou os marxistas, o mais grave reparo que se lhes pode fazer é sua posição dogmática, que consiste em recusar ao Espírito de ser objeto de pesquisa... simplesmente porque não existiria "alguma coisa" chamada Espírito que fosse possível descrever independentemente desta outra coisa chamada Matéria. "Pobre presunçoso, você vê uma planta que vegeta e diz vegetação, ou mesmo alma vegetativa, escreve Voltaire; mas, por favor, o que você entende por estas palavras? Esta flor vegeta, mas há um ser real que se chama vegetação?"

E Valéry se excede: "seria interessante vaguear pelo cérebro, ali não encontrariamos um estado de alma".

Quanto aos marxistas, recusando a evidência, ao mesmo tempo lógica e experimental, segundo a qual nossa única prova irrefutável da existência do mundo é a percepção espiritual que temos dele (como enfatizava Berkeley), eles afirmam, ao contrário, que percebemos o mundo porque ele existe. Como estes marxistas, tão apaixonados por razões "científicas", poderiam fazer a prova científica de sua afirmação, visto que toda experiência que temos do mundo exterior, em última análise, se apresenta como pensamentos, isto é, Espírito?

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Para os positivistas, a Matéria é, portanto, principal, e o Espírito é somente uma "emergência" da Matéria, sem existência independente. Neste caso, como o notou Auguste Conite, resta à Metafisica ser reduzida a uma "reflexão sobre as ciências da Matéria" - ou não ser.

Entretanto, toda a História nos mostra que os dogmas tiveram uma existência apenas provisória. E poder-se-ia verificar que o Espírito aparece finalmente como uma realidade tão "tangivel" quanto a Matéria; do mesmo modo que as pedras no céu, isto é, os meteoritos, se tornaram realidade, contrariamente à advertência dogmática de Laplace, segundo a qual "não poderiam cair do céu ... visto que não havia pedras no céu".

Em todo caso, é isto o que a presente obra pretende demonstrar, a fim de tirar um certo número de conseqüências das respostas atuais às questões fundamentais que são objeto da Metafisica.

Entretanto, penso que existem outras razões além das que foram retiradas do contexto histórico que, ainda na nossa época, fazem com que pareça dificil aceitar como objetos científicos de pesquisa os grandes temas da Metafisica.

Rivaud, um historiador da filosofia, escrevia em 1948: "Os únicos filósofos verdadeiramente qualificados da idade moderna são os físicos, os químicos ... que, partindo do estudo minucioso dos fatos particulares, ousaram formular hipóteses de caráter geral".

É verdade. Em todo caso, para os físicos, não se trata unicamente de formular hipóteses de âmbito geral para serem qualificados de filósofos, e ainda menos de metafisicos. A Metafisica exige muito mais do que um esforço de pesquisa: ela exige qualidades de criação, e posso afirmar, por freqüentá-los de longa data, que bem poucos físicos de nossa época são o que chamamos de criadores; em sua maioria, porque são "especialistas" em assunto determinado, são apenas simples analistas.

Retomemos o que considero uma das melhores definições da Metafisica, para percebermos quanto poder criador exige esta disciplina do Conhecimento:

"A Metafisica existe desde que o espirito, em busca de uma unidade total, se decide a encher as lacunas que o quadro 'científico' do Universo oferece, graças a uma 'flexibilidade' tirada de sua própria essencia, a um

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'principio' (tomado por empréstimo de sua experiência interna ou externa), que ele considera verdadeiramente básico".

A Metafisica aparece, através desta definição, enfatizando suas estreitas relações não somente com o enfoque científico, mas também com o enfoque artistico e ainda com o pensamento religioso. Certamente, o fisico pode formular princípios gerais, ou leis, que dão a aparência de universalidade às suas descobertas. Mas não faz, necessariamente, ainda, uma obra metafisica. Ele faz, precisamente, algumas "descobertas"; isto é, descobre o mundo como se levantasse um véu, como se este mundo preexistisse a seu esforço, e que seu ato de físico não tivesse mudado nada nele, nada lhe tivesse acrescentado. Ora, não é, de modo algum, que neste ato de "descoberta" vemos, ao mesmo tempo, o espírito do físico e o espírito do metafisico, reunidos ambos para alcançar um progresso no conhecimento profundo das coisas. Na simples descoberta há apenas uma generalização de um certo número de fatos de experiência para um número maior de fatos de experiência (ou de fatos sobre os quais será possível experimentar). No ato metafisico de criação, o pensador, ao contrário, age por si mesmo, ele vai buscar no fundo do seu inconsciente uma "flexibilidade" ainda não formulada, como observa François Grégoire na sua definição da Metafisica; e é somente em seguida que considera a maneira pela qual esta flexibilidade chegou a completar harmoniosamente a visão que ele possuía da Natureza. Este é um enfoque que se aproxima bastante do enfoque do artista ou do religioso, cada um “metamorfoseando" nossa visão do Universo e, através de sua criação, executando um passo novo para o conhecimento do mundo. Esta sensação bastante forte de que existe uma distinção fundamental entre o ato criador e o ato de descoberta, somente pode ser, creio eu, verdadeiramente percebida sob seu aspecto autêntico por aqueles que experimentaram na vivência um e outro destes dois atos. Albert Einstein descreveu esta situação em uma fórmula que embaraçou alguns fisicos: "Uma teoria pode ser verificada pela experiência, mas não existe nenhum caminho que leve da experiência para a criação de uma teoria". Um pintor ou um músico compreendem isto perfeitamente. Mas então vocês irão dizer à comunidade científica que a teoria que lhes oferecem é uma obra de artista! Serão logo relegados ao rol de fantasistas! Serão tratados de "metafisicos" e, creiam-me, é um qualificativo que não os deixará mais ... e, pouco a pouco, todas as portas "oficiais" lhes serão fechadas. Mas não será porque é necessário ser-se bem pequeno para saber transpor estas portas?

Seja como for, fazer Metafisica é também ser capaz de dar prova de um espírito de criação, e não somente de um espírito de descoberta, no

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sentido que acabamos de indicar. E os cientistas que conheci, no decurso destes últimos vinte anos, raramente me pareceram possuir uma imaginação suficiente para serem capazes de "criar". A maioria deles são bons "funcionários" da Ciência. Esta observação levou Albert Einstein a afirmar que "o templo da Ciência ficaria bem vazio se dele retirássemos todos os que não fazem verdadeiramente Ciência".

De minha parte estou convencido de que, se os cientistas contemporaneos recusam, instintivamente, a penetração dos temas da Metafisica nas suas pesquisas, apesar de serem tão fundamentais para o Homem, em parte é porque são "incapazes de filosofar"; porque são incapazes de imaginar e de criar; e, finalmente, porque a reflexão metafisica lhes é inacessivel.

A primeira vez que estive na televisão francesa foi há cerca de quinze anos, por ocasião da publicação de trabalhos sobre teoria fisica. Eu me recordo de ter ficado chocado com o fato de o jornalista cientista que me interrogava orientar nossa entrevista muito mais para as conseqüências metafisicas dos meus trabalhos do que para o seu conteúdo propriamente do dominio da Fisica, que era o objeto de minhas publicações. Tendo ele percebido que minhas pesquisas abordavam o problema do Universo, em seu conjunto, vi-me interrogado sobre a criação do nosso Universo, seu destino no futuro, sobre a existência de Deus ...

Este jornalista, como todo bom colaborador da televisão, durante toda a entrevista, tinha a preocupação de me fazer falar sobre o que interessava ao público. E tinha razão: naturalmente, não era o aspecto altamente técnico e especializado dos meus trabalhos que interessava ao público, mas a parte metafisica associada a eles. De que serviria um programa de televisão usando uma linguagem hermética e, portanto, sem interesse para o telespectador?

Naturalmente, o meu propósito aqui não é discutir qual a melhor utilização para um veículo de comunicação como a televisão. Este episódio tem o sentido de insistir no fato de que o "grande público" se interessa pela Ciência sobretudo através de suas conseqüências "metafisicas". Para ele pouco, ou quase nada, importam as técnicas usadas para atingir a Lua ou Marte, o que lhe interessa é saber "se a vida existe lá". Os mecanismos biológicos do cérebro não o deixam indiferente, mas ele gostaria mais de saber até onde chegaram os estudos dos fenômenos parapsicológicos, isto é, a possibilidade (com evidentes conseqüências metafisicas) de cérebros se comunicarem a distancia, sem o apoio dos métodos tradicionais de comunicação. Andrômeda está a dois milhões de anos-luz; bem, mas isto não diz grande coisa ao público; ele

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desejaria, ao contrário, saber se as particularidades da teoria da Relatividade, que fazem "envelhecer" menos depressa quando se vai muito depressa, permitirão ao Homem alcançar os planetas habitados da galáxia de Andrômeda, e, mais amplamente, se este enorme Universo, que percebemos à volta de nós, é ou não acessível ao Homem (ao menos em seu principio, com técnicas de propulsão melhoradas). A descoberta dos vestígios dos primeiros hominideos, há algumas centenas de milhares de anos, interessa ao nosso "grande público"; mas é a possível existência de civilizações tão evoluidas quanto as nossas em um passado distante, vindas talvez de “outros lugares", que o fascina e ele gostaria que os cientistas o esclarecessem sobre isso.

Ora, os "cientistas" raramente falarão ao público sobre tais assuntos "metafisicos", simplesmente porque suas pesquisas não são autorizadas pelos donos da ciência "oficial" a serem orientadas para tais assuntos metafisicos. Ainda uma vez, os grandes temas metafisicos não podem ser objeto de pesquisa científica.

Pessoalmente, acho esta atitude escandalosa. Primeiro, porque o "grande público", que deseja legitimamente esclarecimentos (senão respostas) sobre as questões metafisicas, é, na verdade, quem financía, com seu próprio trabalho, a pesquisa científica. Além disso, o grande público não tem o direito de ver inscritos, nos programas de pesquisa, os temas que mais lhe interessam? Portanto, quem pode estar autorizado a considerar esse público como uma criança incapaz de saber o que gosta de comer? E antes de tudo, com que direito decidiríamos privá-lo do conhecimento que gostaria de receber?

Que me compreendam bem: não pretendo que não deva haver pesquisas teóricas ou aplicadas sobre assuntos especializados, escolhidos por cientistas "sérios e oficiais", cujos resultados, por natureza, permanecerão incompreensíveis para a maior parte do meu querido "grande público". Mas pretendo que o que interessa a esse público deveria também ser considerado por aqueles que comandam os programas da pesquisa científica. Muitos pesquisadores, e mesmo alguns dos melhores, estariam dispostos a enfrentar tais ternas metafisicos em bases cientificas. Solicitem ao meu amigo Rémy Chauvin, professor na Faculdade de Ciências de Estrasburgo, para colocar em ação uma equipe de jovens pesquisadores sobre a parapsicologia; ou a Guérin, astrônomo em Meudon, para organizar, em bases científicas, uma pesquisa sobre a possibilidade de visitantes extraterrestres; rapidamente, eles utilizarão os créditos que vocês colocarem à disposição deles, com prudência e "cientificamente".

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Se olhamos esse problema de um outro ângulo, reconhecemos que os cientistas se prejudicam a si próprios recusando a "colaboração" do grande público soberano em suas pesquisas. "Soberano", ele o é sempre, esse público, e eu diria por construção: pois, mais uma vez, é ele quem deve pagar de seu bolso todas as despesas do Estado, inclusive

27a pesquisa científica. Sêneca já havia enfatizado que "nada de importante e de durável pode ser realizado sem o apoio da população". E não são os cientistas do projeto Apolo, que necessitaram de enormes somas de dinheiro para colocar o Homem na Lua, que desmentirão Séneca; pois sabem que foi o esforço de propaganda para fazer o público americano participar desse projeto que proporcionou à N.A.S.A. os créditos necessários a este maravilhoso empreendimento, marcando urna etapa na história da humanidade terrestre.

Esta advertência de Sêneca é mais verdadeira do que nunca em relação à Ciência contemporânea. Se nossos ministros, nossos deputados e nossas comissões científicas oficiais atualmente decidem, na maioria das vezes, limitar os créditos para as pesquisas aplicadas, em detrimento das pesquisas teóricas, é, em parte, porque nosso grande público não está, na verdade, interessado diretamente na pesquisa teórica, pois não lhe mostram as ramificações metafisicas. A pesquisa aplicada fará de nós, portanto, apenas simples consumidores de bens materiais, e paciência se a principal caracteristica e a vocação essencial do Homem na evolução é, entretanto, como já observava Pascal, ser um íçanimal pensante".

Abrir para a Metafisica as portas da Fisica é, primeiro, exigir dos fisicos que sejam capazes de refletir filosoficamente; é dar curso livre à imaginação e à criação na pesquisa; e é, também, saber que os problemas verdadeiramente "importantes" para o Homem devem ser igualmente enumerados pelo "Senhor Todo o Público".

Há já bastante tempo nossos físicos se preocupam um pouco mais, sem precisar esconder-se, com o aspecto "espiritual" da matéria que estudam.

CAPITULO II

0 espaço e o tempo do Espírito

Um espaço-tempo novo: o do Espírito. - A memória. - Um espaço em neguentropia não decrescente. - As partículas "eternas" portadoras do Espírito. - Morte, eis a sua derrota! - Nosso "Eu" tem suas raízes em um eterno passado e se prolongará em um eterno futuro.

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Já lembrei que sou um físico teórico. Isto significa que procuro definir as leis básicas dos fenômenos psíquicos e elaborar o que habitualmente chamamos "modelos" destes fenômenos. Isto implica principalmente a pesquisa de modelos do que chamamos as partículas elementares: que são os "tijolos" menores que constituem toda a matéria de nosso Universo; são os "átomos" de que nos falava Demócrito cinco séculos antes da nossa era. Um modelo dessas partículas é uma descrição da substância, da forma, das dimensões, dos mecanismos internos e das propriedades externas dessas partículas.

No outro extremo da escala das dimensões, o físico teórico se interessa, também, por um modelo mais amplo: o do nosso Universo no seu conjunto; qual é a sua forma, quando começou, para onde evolui, quais são suas dimensões no espaço e no tempo...

Como vemos, não é tão estranho que esse tipo de objeto de pesquisa conduza diretamente e de maneira natural a reflexões metafísicas: por exemplo, qual é o lugar do Espírito nesse modelo do Universo em seu conjunto? Pois, um modelo do mundo incapaz de nos dizer o que quer que seja sobre este lugar do Espírito, entretanto tão presente e de maneira tão evidente no comportamento animal ou humano, não seria bastante incompleto (para não dizer bastante imperfeito)? E visto que este Espírito se manifesta especialmente na região do espaço ocupada pelo nosso próprio corpo, não deveríamos fornecer igualmente um modelo das partículas elementares (que constituem o nosso corpo) que seja capaz de mostrar como o Espírito se situa em face desta matéria elementar?

Eu me proponho explicar aqui como as minhas pesquisas em Física, em continuação aos trabalhos de Albert Einstein, sobre a Relatividade geral, me permitiram propor modelos de partículas elementares que respondem a questões interessando não somente a Física, mas também a Metafísica, no sentido de que descreverão, na linguagem da Física, a estrutura de uma matéria "contendo" um espaço do Espírito.

No principio, meus trabalhos para precisar a estrutura das partículas elementares não estavam, de modo algum, orientados para a Metafísica. Mas, no decorrer dos anos de 1975-1976, pude mostrar que algumas das partículas elementares, portanto partículas estáveis (isto é, com duração de vida praticamente indefinida), continham, como envolvido por uma carapaça de matéria (explicaremos tudo isso), um espaço-tempo novo, diferente do espaço que estamos habituados a considerar. A primeira imagem grosseira que podemos propor aqui (e não me privarei, nestas páginas, de fornecer imagens para que os não iniciados na Física compreendam o que quero dizer, não desagradando aos "senhores de preto "), a imagem, como dizia, que me parece ser conveniente aqui é a das partículas comparáveis a bolhas de sabão que flutuariam em nosso

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espaço-tempo ordinário; mas, no interior destas minúsculas bolhas de sabão, existiria um espaço-tempo de natureza especial.

Antes de retornarmos mais detalhadamente sobre este novo espa-ço-tempo, desejo dar rapidamente suas propriedades essenciais, para demonstrar o interesse "metafísico" que ele apresenta.

Enquanto nosso tempo ordinário progride, de maneira irreversível, do passado para o futuro: o novo tempo, fechado nas nossas "bolhas de sabão", é um tempo cíclico com período muito curto. Isto quer dizer que se o espaço desta bolha registrou um fato no tempo t, o mesmo fato tornará a ser presente no espaço da bolha dentro de um tempo ligeiramente posterior t + T2. Este tempo novo é, portanto, idêntico ao que prevalece nos fenômenos onde a memória intervém. Com efeito, quando nos lembramos por um instante de um fato passado, é que este fato, gravado em alguma parte do que chamamos nossa memória, volta a aparecer novamente no presente do nosso espírito, neste instante. 0 tempo particular de nossas bolhas de sabão, que por esta razão chamarei de tempo do Espírito (por oposição ao nosso tempo ordinário, que chamarei de tempo da Matéria) continuamente traz de volta os fatos passados para o instante presente, colocando-os à nossa disposição para transforiná-los em um ato de memória do passado.

Isto não é tudo. 0 espaço de nossas bolhas de sabão, e não apenas o seu tempo, igualmente apresenta uma grande analogia com o que se espera de um espaço próprio dos fenômenos espirituais. Com efeito, todos sabem que os fatos que acontecem no nosso espaço ordinário, o espaço da Matéria, obedecem a um famoso principio chamado "segundo principio da termo dinâmica", pelo qual os fenômenos físicos não podem se desenvolver fazendo decrescer sua entropia. Explicando sucintamente, isto quer dizer que a energia utilizável no espaço do nosso Universo diminui continuamente à medida que o tempo passa e que, em um dado momento, teremos consumido toda a energia disponível no Universo (o qual terá, então, uma temperatura uniforme em todos os seus pontos). Em outras palavras, se convencionamos dizer que um objeto qualquer está "morto" quando não podemos dele retirar mais nenhuma energia, nós diremos que nosso Universo da Matéria está fadado, cedo ou tarde, a uma morte certa. Pois bem, nossas bolhas de sabão encerram um espaço onde as coisas se passam ao contrário: neste espaço, a quantidade de informações acumuladas só pode aumentar. Como, por outro lado, existe uma equivalência entre informação e entropia negativa (ou neguentropia), podemos afirmar que, no espaço de nossas bolhas de sabão, a entropia só diminui (isto é, a neguentropia só aumenta), contrariamente ao que acontece no espaço ordinário, o espaço da Matéria. Mas, então, este espaço não é especificamente um espaço do Espírito? Pois é isto o que notamos, desde que se pode diagnosticar a presença do Espírito em um

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fenômeno da natureza, principalmente entre as estruturas vivas ou pensantes. Em resumo, desde que ela é portadora do que chamamos Espírito, a estrutura "se instrui pela experiência", e de maneira irreversível, dada a irreversibilidade da memória. Este fenômeno de instrução crescente, ou em todo caso nunca decrescente, não é devido à presença, na estrutura viva ou pensante, destas "bolhas de sabão" contendo este espaço do Espírito particular, onde a informação cresce à medida que o tempo decorre?

Em resumo, meu trabalho sobre as partículas elementares em Física me mostrou que algumas destas partículas encerram um espaço e um tempo do Espírito, coexistindo com o espaço e o tempo no qual toda a Física, desde Aristóteles, tem se esforçado para descrever a Matéria e sua evolução. Então, até agora, sempre acreditamos na existência de um espaço-tempo "simples", mas eis que se descobre um espaço-tempo onde cada uma das dimensões é "dupla": existe um espaço-tempo do Espírito ao lado do espaço-tempo tradicional da Matéria.

Albert Einstein, no princípio do nosso século (1905), já havia acrescentado um progresso considerável à Física, mostrando que o espaço e o tempo eram intimamente solidários um com o outro, a ponto de se comportarem verdadeiramente como se eles pudessem se transformar um no outro. Tal transformação pode ser ilustrada pelo fato de que, depois de Einstein, a Física teve de afirmar (e pudemos verificar experimentalmente) que se envelhecia menos depressa quando se atravessava mais rápido uma dada distância de espaço.

Mas eis que surge, atualmente sobre a noção de espaço-tempo, uma nova revolução necessária para se ir mais longe no conhecimento, não dissociando mais como antes os aspectos físicos e espirituais dos fenômenos naturais. Desta vez se trata de constatar que o espaço-tempo não é de natureza "simples", mas de natureza "complexa". E este novo espaço-tempo pode ser, então, decomposto em um espaço-tempo do Espírito e um espaço-tempo da Matéria, justapostos um ao outro. 0 espaço-tempo do Espírito, até agora, passara desapercebido dos físicos, pois só se descobre sua existência no interior de certas minúsculas partículas elementares que entram na constituição da Matéria.

Estas partículas espirituais são "estáveis", isto é, a Física constata que (salvo "acidente" excepcional que provoque sua desintegração) a duração da vida destas partículas é comparável à duração da própria vida inteira do Universo. Isto é extremamente importante pelas suas conseqüências metafísicas. Pois se, por um lado, estas partículas encerram um espaço que não pode jamais perder seu conteúdo informacional, visto que, como já

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dissemos, a neguentropia do espaço do Espírito só pode evoluir crescendo; e se, por outro lado, estas partículas têm uma duração de vida praticamente "eterna", então todas as informações que, durante nossa vida humana, armazenamos nestas partículas espirituais entram na constituição de nosso corpo vão subsistir além de nossa morte corporal, praticamente pela eternidade. Se convencionamos chamar Deus o principio de eternidade, então o que acabamos de dizer nos permite afirmar que Deus, enquanto Espírito ligado ao princípio de eternidade, "existe" e, de resto, que cada um de nós é "consubstancial" com Deus.

Outras conseqüências, também fundamentais "metafisicamente", surgem à luz das idéias precedentes. Como nosso corpo é, com efeito, construído de partículas que, por serem eternas, datam praticamente do "começo do mundo", o nosso próprio espírito se enraíza em toda a História passada do mundo. Este espírito que chamamos "nosso" vive o que vive o próprio Universo, cada um de nós possui um "Eu" coextensivo à eternidade do tempo, no passado assim como no futuro.

Este "Eu", escrevi: é aqui um ponto primordial sobre o qual voltaremos longamente. Pois, não há dúvida, segundo o que estes estudos no campo da Física teórica nos sugerem para o "modelo" do espaço tempo do Espírito, em se dizer que o que chamamos de nossa pessoa, isto é o nosso espírito, se encontra "disseminado", esfarelado, diremos, entre os bilhões de partículas elementares que formam nosso corpo. Esta era, dela nos lembramos, a tese de Pierre Teilhard de Chardin. Minhas pesquisas sobre o plano da Física demonstram que não é lógico sustentar como plausível esta concepção teilhardiana. 0 que devemos dizer, ao contrário, é que cada uma das partículas que formam nosso corpo possui em si mesma o conjunto da informação que caracteriza, por seu conteúdo, o que chamamos de "nosso" espírito, nossa pessoa, nosso "Eu". Em resumo, reencontraríamos aqui, mas no plano do Espírito, o que os biologistas puderam experimentalmente constatar no que concerne à "bagagem genética". Sabemos que cada uma das células de nosso corpo possui os mesmos cromossomos, que esta célula pertence à ponta de nosso dedo ou ao nosso encéfalo. Não parece haver nenhuma dúvida, na biologia moderna, que os cromossomos são portadores da maior parte da informação manifestada, através do seu comportamento, pelo ser vivo ou pensante.

0 que os meus trabalhos parecem ter demonstrado é que seria necessário ir ainda mais longe no plano do elementar... e ir, na verdade, até às partículas chamadas precisamente de "elementares" (isto é indivisíveis), tais como a Física as estuda. É cada uma destas partículas físicas

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compondo os cromossomos que conteria a totalidade da informação que associamos habitualmente ao conjunto do jogo cromossômico, em um dado indivíduo. É mesmo possível (senão provável) que esta informação esteja contida, igualmente, em sua totalidade, em cada uma das partículas que formam a substância inteira da célula (núcleo, citoplasma, membrana) e não somente nos cromossomos.

Isto não significa, bem entendido, que cada partícula de nosso corpo não se diferencia de sua vizinha, sob o ponto de vista de seu conteúdo informacional. Com efeito, já dissemos, cada partícula possui uma "história" que remonta a todo o passado do Universo; isto significa que cada partícula viveu uma experiência diferente da de sua vizinha, antes de participar com ela da mesma estrutura complexa viva ou pensante,

Morte, eis a sua derrota! Desde que situamos nossa pessoa, nosso "Eu", no lugar que parece caber-lhe após uma investigação suficientemente avançada sobre as partículas elementares da Física, então não há mais para nós verdadeira Morte, do mesmo modo que não há verdadeiro Nascimento. Nós vivemos no plano espiritual aquilo que vive o próprio Universo. Portanto, será através dos "modelos cosmológicos" da Física, descrevendo a evolução do conjunto do nosso Universo no tempo e no espaço, que nós seremos informados (ao menos em parte) sobre a aventura do invólucro material que encerra o Espírito, nosso espírito. Em seguida, restará procurar saber o sentido e a direção da aventura do próprio Espírito; e não apenas do seu invólucro material. Nós nos esforçaremos para explicar isto nas páginas seguintes.

Primeiro quis dar uma visão de conjunto das implicações metafísicas de minhas pesquisas em Física. Proponho-me retornar sobre estas pesquisas, mais detalhadamente, nos próximos capítulos, a fim de demonstrar melhor, justificando-os "cientificamente", os mecanismos e as propriedades do Espírito.

Entretanto, não se trata de empregar neste livro a linguagem do físico. 0 domínio no qual trabalho comporta um formalismo matemático extremamente árduo, que suplantaria o conhecimento dos meus leitores, mesmo que eles tivessem uma formação científica. Isto o digo sem nenhuma pretensão, a razão disso é simplesmente porque este formalismo matemático é bastante especializado e, de fato, pouco utilizado pelos próprios físicos contemporâneos. Este formalismo é essencialmente uma extensão daquele de que se serviu Einstein para a Relatividade geral. Mas é necessário relembrar que esta teoria é apenas esboçada no âmbito das Faculdades e Universidades. Esta situação é mais especialmente

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verdadeira na França. Enquanto existem centenas de manuais franceses associados ao ensino da Mecânica quântica, podemos contar nos dedos de uma só mão os cursos básicos escritos sobre a Relatividade geral. Einstein sempre lastimou, enfaticamente, durante sua vida, esta desafeição dos "grandes mestres" para com a Relatividade geral, pouco ensinada comparativamente à Mecânica quântical. Nestes últimos quinze anos, um grande esforço de recuperação foi, entretanto, feito no estrangeiro, onde os cientistas têm consciência de que os progressos em Física se realizarão através de um "cerrar fileiras" sobre a obra de Einstein. Na França, espera-se ainda ... e creio que não poderia encontrar no nosso país mais do que cem leitores capazes de compreender completamente o formalismo da Relatividade complexa.

Portanto, nesta obra, vou exprimir-me em uma linguagem que os cientistas, pejorativamente, qualificam de "vulgarização". Eu o farei, entretanto, com bastante cuidado para não deformar o espírito (senão a forma) dos resultados tais como são expressos na linguagem puramente científica.

Aliás, meu editor Albin Michel aceita publicar, simultaneamente com esta obra, meu próprio trabalho científico (Théorie de Ia Relativité complexe), dirigido somente aos especialistas da Física teórica. Assim, os leitores que desejarem poderão encontrar nele as bases científicas das concepções e dos resultados que exporei mais simplesmente aqui.

CAPITULO III

As linguagens de descrição na Física

Descartes e a descrição por "figuras e movimentos". - A relatividade einsteiniana do tempo e do espaço. - A geometrização da Física. - 0 probabilismo é incompatível com uma geometrização completa da Física? - Uma nova revolução necessária sobre os conceitos de espaço e de tempo, para neles incorporar o Espírito.

Demonstrar que há um certo "Espírito" associado às partículas elementares da Física, é reconhecer este "Espírito" na descrição que propomos quer do conteúdo, quer do comportamento da partícula. Como o comportamento da partícula não pode ser motivado ou justificado a não ser pela interação de seu conteúdo com o mundo exterior, é finalmente este conteúdo que devemos procurar descrever em primeiro lugar. Então é

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necessário que, para esclarecer este problema da eventual natureza espiritual das partículas, forneçamos uma descrição da estrutura das partículas. Diremos, por exemplo, que a densidade da matéria ou a temperatura da radiação estão distribuídas de tal ou qual modo no volume de espaço ocupado pelo "corpo" da partícula.

Mas a Física está agora, desde há um pouco mais de meio século, diante de uma dificuldade fundamental no que concerne a qualquer tentativa de descrição da estrutura de uma partícula. Com efeito, a Física declara desde 1925 que a "descrição" da partícula, no sentido que acabamos de definir, é simplesmente impossível por princípio. Não é possível estabelecer um "rosto" para a partícula, exprimindo-nos da mesma forma como o faríamos, por exemplo, para o rosto humano. Para descrevê-lo poderíamos dizer "que ele tem um nariz, uma boca situada no meio e sob dois olhos, que sua forma é oval e enfeitada por duas orelhas, uma de cada lado, etc.". Para um físico contemporâneo não tem mais sentido uma descrição geométrica semelhante para falar do aspecto e do conteúdo de uma partícula. Em contraposição, podemos descrever a partícula atribuindo-lhe características de tipo "subjetivo", isto é, sob forma de opiniões motivadas relativas à observação, opiniões baseadas em grande parte em convenções de linguagem imaginadas pelo observador humano. Diremos, por exemplo, que esta partícula é "estranha", que ela não tem "cor" mas que tem "encanto", etc. Estes termos não foram inventados aqui para ilustrar a minha afirmação; os termos estranho, cor, encanto são efetivamente qualidades dadas pelos físicos modernos às partículas elementares; e estes termos substituem a "descrição" dos físicos.

Como então fomos obrigados, parece-nos, a dar à descrição científica esta forma tão distanciada da que sempre foi, até o começo deste século? É o que desejamos explicar primeiro, para demonstrar claramente como seremos em seguida conduzidos, de maneira natural, a introduzir a existência de um espaço-tempo do Espírito, justaposto ao espaço-tempo tradicional, o da Matéria.

Desde que o Homem é capaz de pensar, parece que ele sempre considerou possível descrever o mundo em torno de si como uma "substância" presente no espaço e evoluindo no tempo. Podemos representar geometricamente esta distribuição da substância no espaço e no tempo. Assim, a arte pré-histórica nos mostra, sobre os muros das cavernas de Lascaux, por exemplo, representações de animais traçadas pelo Homem, há muitas dezenas de milhares de anos: a "substância" representada aqui é a carne do animal e o desenho simboliza a maneira pela qual esta carne é repartida no espaço; algumas vezes, muitas posições sucessivas dos passos

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no tempo são igualmente representadas no mesmo desenho, o que demonstra bem a idéia de poder representar geometricamente as coisas como formas evoluindo no tempo.

No princípio do século XVII, Renê Descartes confirmava ainda esta possível descrição "geométrica" da natureza. Para Descartes, o mundo é capaz de ser inteiramente representado por "figuras e movimentos"; por outro lado, ele introduz a noção de "sistema de referência", ao qual relacionaremos, para melhor descrevê-lo, o fenômeno geométrico. Suponhamos, por exemplo, um objeto com a forma de um pião girando sobre si mesmo no chão de um quarto. Escolheremos, como sistema de referência, as três arestas concorrentes obtidas pelo encontro de duas paredes do quarto e do chão. Poderemos, em seguida, descrever de maneira precisa o movimento do pião indicando como variam, no decurso do tempo, as distâncias de cada ponto do pião até às três arestas das paredes e do chão, que chamaremos eixos do sistema de referência escolhido. Poderemos descrever desta maneira, por exemplo, o balanço bastante conhecido do pião enquanto ele gira, e também a queda ao chão no momento em que pára de girar. Resumindo, como o desejava Descartes, o fenômeno "rotação do pião" pode ser, graças a este sistema de referência, descrito de maneira precisa em termos de "figuras e movimentos".

Albert Einstein, no princípio do nosso século, apresentará dois melhoramentos sucessivos a esta descrição dos fenômenos físicos.

Primeiro, em 1905, ele mostra que não é suficiente escolher um referencial para descrever corretamente o fenômeno; também é necessário prestar atenção ao fato de que as dimensões da forma representada dependem da velocidade desta forma, tal como a avaliamos no referencial. Esta forma tem, com efeito, tendência a se "deformar" na direção de sua velocidade. Assim, uma régua de cem centímetros de comprimento, deslocando-se na direção de sua maior dimensão, no sistema de referência escolhido, mede um pouco menos de 1 metro. Este efeito, curioso à primeira vista, não é sensível a pequenas velocidades; mas se torna importante quando nos aproximamos da velocidade da luz (300.000 quilômetros por segundo). Julguemos: nossa régua de 100 cm não tem mais do que 43,6 cm quando ela se desloca na direção do seu comprimento a 90% da velocidade da luz; a mesma régua mede somente 14,1 cm a 99% da velocidade da luz; e esta régua teria dimensões nulas se ela pudesse deslocar-se à veloci;dade exata da luz.

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A que se deve este efeito de "encurtamento"? Einstein nos explica, na sua Relatividade restrita de 1905, que é devido ao fato de que o tempo e o espaço não são independentes um do outro, como os homens sempre pensaram até então. Esta interdependência aparece desde que interfiram velocidades, pois uma velocidade é um espaço percorrido por unidade de tempo. Se acreditamos, até 1905, em um espaço e um tempo "absolutos", e, portanto independentes um do outro, é que o efeito do "encurtamento" não se manifesta de maneira apreciável à observação, a não ser para as velocidades próximas à da luz. E o princípio do nosso século XX é precisamente a época em que as experiências sobre objetos viajando no espaço a velocidades próximas à da luz se tornaram possíveis e se foram desenvolvendo. É relativamente "coMUM93, por exemplo, chegar a fazer medições experimentais na Física sobre elétrons circulando a 90 por cento da velocidade da luz; ora, este efeito de esmagamento do espaço na direção da velocidade da luz, como acabamos de ver, tem por conseqüência a redução dos comprimentos para menos da metade a uma tal velocidade. Desde 1905, pudemos verificar milhões de vezes que este efeito de encurtamento previsto por Einstein aconteceu, e temos, portanto, certeza de que não se trata de nenhuma especulação do nosso grande físico, mas sim de um efeito real.

Notaremos que este efeito tem profundas implicações filosóficas. Assim, quem ainda não se perguntou se o Homem será capaz um dia, com o progresso da técnica, de chegar a planetas de estrelas bem afastadas do nosso Sol? A galáxia de Andrômeda, por exemplo, comporta bilhões de sóis, e também bilhões de planetas girando em torno destes sóis. Mas infelizmente, estes planetas de Andrômeda estão terrivelmente longe, e são necessários perto de dois milhões de anos para que a luz saída da Terra chegue lá. Se o espaço fosse absoluto, isto é, se nossa distância até Andrômeda não dependesse da velocidade com a qual se chega lá, então deveríamos concluir que o Homem não poderá jamais visitar nossos eventuais irmãos pensantes que habitam estas terras longínquas, quaisquer que sejam os progressos da técnica; com efeito, mesmo à velocidade da luz, seriam necessários dois milhões de anos para chegar até Andrômeda, o que é incompatível com as simples dezenas de anos da vida humana. Mas o espaço, e portanto as distâncias, não são absolutos, como o sabemos desde 1905. E um cálculo simples mostra que, a 99 por cento da velocidade da luz, somente seriam necessários 28.000 anos para chegarmos à Andrômeda: 283 anos a 99,999999 por cento da velocidade da luz ... e somente 2,8 anos se conseguirmos, um dia, construir um foguete (por que não?) que se desloque a 99,9999999999 por cento da velocidade da luz. Notemos que tal velocidade não é tão inacessível como, à primeira vista, parece: acelerando continuamente, no decorrer da

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viagem, na aceleração à qual somos constantemente submetidos pela gravidade terrestre quando estamos na Terra, será necessário perto de um ano para nos aproximarmos muito perto da velocidade da luz. Quem pode predizer onde se deterá a técnica humana? 0 "encurtamento" das distâncias com a velocidade leva a afirmar que não existe nenhuma razão de princípio nos impedindo de esperar que todo nosso imenso Universo será, um dia, acessível às viagens do Homem no cosmo. Aqui, ainda, vemos a Metafísica invadindo a Física, para desagrado de alguns "cientistas"!

Dez anos depois de ter mostrado que tempo e espaço eram tão dependentes um do outro, Albert Einstein "recomeçava" sua contestação das idéias admitidas há milênios sobre o tempo e o espaço. Defendia, em 1915, com a sua Relatividade geral, que o espaço não era de modo algum este quadro "vazio" que se imaginava simplesmente como contendo os fenômenos físicos; o espaço era a própria "substância" que constitui a essência dos fenômenos.

Pode-se fazer uma idéia da modificação de perspectiva que isto implicava, comparando-se os fenômenos físicos com atores representando no palco de um teatro. Até aqui estávamos persuadidos de que estes atores eram seres de carne e osso tendo uma existência independente do espaço do palco no qual se movimentavam e declamavam seus papéis. Ora, com Einstein, aprendemos rápido que estes personagens são produzidos por uma radiação laser e por alto-falantes distribuídos no palco, e não têm portanto nenhuma existência independente de todos os dispositivos audiovisuais que são parte integrante do palco.

Na Relatividade geral, de maneira semelhante, os fenômenos não têm nenhuma existência independente do espaço, pois eles são constituídos com o próprio espaço, e sua "substância" é do espaço. Mas, continua Einstein, o espaço é capaz de possuir "curvaturas", isto é, formas, e são estas formas que desenham a aparência que conhecemos dos fenômenos físicos.

Em resumo, vemos com Einstein o desejo de Descartes completamente satisfeito: tudo é feito com a forma da extensão. Assim, uma partícula elementar, por exemplo, será apenas uma região do espaço particularmente curva na minúscula região onde esta partícula se localiza. As ondas eletromagnéticas, a gravitação e, mais amplamente, todos os fenômenos físicos conhecidos seriam, do mesmo modo, regiões curvas e em movimento do espaço, um pouco como as ondas do oceano. Portanto, com Einstein, temos o triunfo da geometria na Física; todo nosso Universo é apenas constituído por formas geométricas de uma substância

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única chamada espaço; ou, mais precisamente, espaçotempo visto que, desde a Relatividade restrita de 1905, tempo e espaço não eram mais independentes um do outro.

Seria isto uma simples visão do espírito? De modo algum; e todas as experiências feitas desde 1915 para confirmar a Relatividade geral jamais contradisseram a interpretação einsteiniana dos fenômenos físicos considerados como do espaço com curvas em movimento (isto é, do espaço-tempo com curvas). No decurso destes últimos quinze anos, as aplicações deste ponto de vista foram particularmente produtivas em astrofísica, permitindo especialmente explicar a estrutura das estrelas muito densas: pulsares, quasares, buracos negros. Teremos ocasião de voltar a estes resultados.

É necessário notar que, ainda aqui, as implicações filosóficas, ou melhor dizendo metafísicas, da descoberta de Einstein são extremamente fundamentais. Com efeito, graças à Relatividade geral tornou-se possível falar em termos científicos do nosso Universo como um todo. A idéia admitida atualmente, em astrofísica, é que o espaço do nosso Universo é "fechado". 0 espaço em seu conjunto, com efeito, seria ligeiramente curvo, de tal modo que, se tivéssemos a possibilidade de nos deslocar no Universo sempre "em linha reta" (isto é, segundo uma trajetória sem nenhuma "curvatura", por menor que ela seja), acabaríamos por retornar ao ponto de partida. Em resumo, esta descoberta da curvatura de conjunto do nosso Universo assemelha-se a que foi feita na época de Cristóvão Colombo no fim do século XV, segundo a qual nossa Terra, também, era curva em seu conjunto e possuía uma forma geral de aparência esférica. Na Terra, como em todo o Universo, retornamos ao ponto de partida caminhando continuamente para frente, em linha reta. Certamente, a idéia de um Universo fechado sobre si mesmo requer reflexão, e os argumentos contra Einstein para tentar desacreditar seu ponto de vista foram numerosos. Contra a Terra esférica, também se dizia que era absurdo, visto que neste caso os humanos deveriam andar "de cabeça para baixo" em relação aos antípodas, e cairiam portanto no vazio do espaço que circunda a Terra. Os argumentos contra o Universo em curvatura traduzem aproximadamente o mesmo espírito ou, mais exatamente, a mesma ignorância.

Voltaremos longamente sobre esta propriedade do espaço de poder se curvar, a ponto de se fechar sobre si mesmo, como acontece para o conjunto de nosso Universo. Veremos, com efeito, que algumas partículas da Física, os elétrons, são minúsculos microuniversos formados de um

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espaço-tempo particular, fechado ele também em torno de si mesmo. Este espaço-tempo será o do Espírito.

Mas, antes disso, devemos falar ainda um pouco sobre o "drama" da Física, em 1925, quando foi introduzida a noção de "probabilismo". 0 probabilismo induzia a pôr de alto a baixo todo o belo edifício einsteiniano, propondo "geometrizar" completamente a Física. Vejamos isto mais de perto.

Em 1925, os físicos se baseavam tanto em trabalhos teóricos (Schrõdinger, de Broglie, Heisenberg... ) corno em experimentais (difração dos elétrons), para constatar que era impossível obter, de uma partícula, informações precisas concernentes à sua posição e à sua velocidade, de uma só vez. Não é útil retornarmos aqui, detalhadamente, sobre esta etapa importante do conhecimento em Física; indicaremos, simplesmente, o essencial das conclusões a que chegaram os físicos.

Se se obtinham, no decurso de uma experiência em Física, informações para localizar exatamente, em um instante dado, a posição de um elétron, por exemplo, então não se podia saber nada de sua velocidade neste mesmo instante; esta velocidade poderia ter qualquer valor entre zero e a velocidade da luz. Inversamente, se se conseguia medir exatamente, em um instante dado, a velocidade de um elétron, então não se podia saber nada mais sobre sua posição no espaço, que podia muito bem ser aqui ou a centenas de lugares daqui. Resumindo, tornava-se impossível falar da "trajetória" de uma partícula como um elétron, isto é, proibido tentar uma representação exata de sua posição e de sua velocidade em um sistema de referência dado (ou, de uma outra maneira, de falar de suas posições sucessivas no espaço em função do tempo).

Isto era muito grave para a esperança de "geometrização" completa da Física preconizada por Einstein; pois, com efeito, geometrizar a Física é, precisamente, poder descrever exatamente, em cada momento, a forma geométrica do espaço. Um elétron em movimento, por exemplo, está na Relatividade geral de Einstein descrito num referencial dado como uma forte curvatura bem localizada do espaço (uma minúscula "saliência" do espaço) se deslocando no correr do tempo. Portanto, considera-se que esta "saliência" vai percorrer uma trajetória precisa: o que está em flagrante contradição com as conclusões dos físicos de 1925, que declaram que não há mais nenhum sentido em se falar da "trajetória" de um microobjeto como um elétron, pois esta trajetória não pode, em nenhum caso, qualquer que seja o dispositivo experimental escolhido, ser um fenômeno "observável". E, naturalmente, é necessário construir as teorias físicas com

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o auxílio de conceitos que permitam verificar a teoria, isto é, que levem à experiência, ao observável.

Portanto, quais são os novos conceitos que os físicos de 1925 vão propor para construir a Física? Primeiro, vão proscrever, como acabamos de notar, a possibilidade de descrever a estrutura de uma partícula como descreveríamos, por exemplo, o rosto e o corpo humano. Tal descrição supõe, com efeito, um conhecimento preciso da situação dos pontos que constituem a estrutura da partícula no decorrer do tempo, isto é, supõe a possível existência de uma "trajetória" de cada um dos pontos da estrutura; e isto está proibido daqui por diante. Os defensores da teoria quântica (como chamaremos a seguir este novo enfoque em Física), entretanto, admitirão que a partícula, um elétron, por exemplo, possa ser um objeto mínimo corpuscular, visto que ele se manifesta como um corpúsculo nas observações (o choque de um elétron sobre a tela da televisão, por exemplo, é localizado como um "ponto" sobre a tela). Os teóricos quânticos recusarão com energia que se dê um "rosto" a este elétron, isto é, que se tente dizer como ele é feito. Em outras palavras, mais uma vez, nada de descrição "geométrica" para falar dos fenômenos físicos.

A propósito, os teóricos quânticos vão introduzir, em Física, um elemento extremamente novo, totalmente desconhecido até então: proporão uma onda puramente subjetiva (a famosa onda psi), que não será mais representante do próprio objetivo físico estudado, mas serão as informações que se é capaz de conhecer, a todo instante, sobre este objeto físico. Estas informações, pelas razões que acabamos de dar, não são nunca dados precisos que contêm, ao mesmo tempo, a posição e a velocidade de uma partícula. Estas informações exprimem somente a probabilidade de encontrar, em um dado momento, a partícula neste ou naquele ponto do espaço.

Dizíamos, e é necessário insistir, que esta onda psi, portadora das informações "probabilísticas" que temos sobre o fenômeno estudado, é subjetiva, no sentido de que ela não pode e não deve, em nenhum momento, ser considerada um fenômeno "objetivo" que ocupa lugar no espaço e no tempo onde se movimenta o que chamamos a Matéria. A onda psi é comparável a um registro de informações que se distribuiria aos automobilistas para lhes indicar a quantidade provável de veículos nas diferentes estradas em tais e tais horas do dia. A densidade real dos veículos, em tal lugar e em tal momento, constitui o fenômeno objetivo que se localiza no espaço e no tempo; as probabilidades contidas no registro de informações, ao contrário, não têm nenhum caráter objetivo;

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elas se referem a avaliações estatísticas estabelecidas pelo espírito desse observador que é o Homem. Em outros termos, se a onda psi com característica probabilística dos físicos devesse ter um caráter "objetivo" qualquer, certamente isto não poderia ser, em todo caso, no espaço-tempo onde evolui a Matéria (os automóveis neste caso acima), mas em um espaço-tempo diferente, que poderíamos chamar de espaço-tempo das informações probabilísticas, ou melhor ainda, de espaço-tempo do Espírito. Naturalmente, voltaremos a este ponto de vista.

Entretanto, Einstein não abandonaria, tão facilmente, sua esperança de "georn etriz ação" da Física. Todo o resto de sua existência, entre 1925 e 1955, será consagrado a lutar contra o enfoque puramente probabilístico da Física. Einstein pensará sempre que se trata lá de uma descrição incompleta, no sentido em que uma probabilidade de observação é uma descrição menos completa do que a que consiste em dar às coisas, a cada instante, uma forma geométrica e um movimento preciso. E, para Eínstein, o objetivo da Física deverá ser o de descrever em termos de formas e de movimentos.

Mas, contra Einstein, os físicos quânticos se tornaram sempre mais numerosos. Com a morte do grande físico, em 1955, quase todos os pesquisadores em Física estimavam que, apesar do seu enfoque considerável no domínio da Relatividade, Einstein teria, finalmente, se enganado nos últimos trinta anos de sua vida, desejando desesperadamente agarrar-se a uma Física determinista, tendo como objetivo a geometrização completa dos fenômenos do espaço-tempo.

Tendo a causa sido entendida, a Física permanecerá probabilística? Não há certeza nenhuma; nestes últimos vinte anos, pudemos assistir a esforços renovados, em todos os países do mundo, para tentar completar a descrição probabilística, ou pelo menos, para tentar retomar um verdadeiro ponto de vista determinista, como antes de 1925.

No meu entender, o progresso deve hoje realizar-se muito menos por uma contestação do probabilismo do que por um esforço de discernir por que, em um referencial de espaço-tempo, somos incapazes de representar com uma exatidão total, isto é, sem indeterminação, ao mesmo tempo a posição e a velocidade de uma partícula. Esta tentativa não deve ser feita, no espírito, com a pretensão de mostrar que podemos num tal referencial contornar a dificuldade e obter as informações exatas e simultâneas que desejamos. Isto seria desconhecer as bases extremamente sólidas sobre as quais se apóia a Teoria Quântica. Em revide, não é proibido questionar se o referencial espaço-tempo escolhido para descrever todos os fenômenos

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físicos é bem apropriado para nos fornecer a totalidade das informações possíveis e simultâneas sobre os fenômenos observados.

Para ilustrar este ponto, suponhamos que o espaço comporta uma outra dimensão além das três (altura, largura e comprimento) tradicionalmente atribuídas ao nosso espaço físico. Para perceber suas conseqüências, suponhamos que escolheríamos somente referenciais com duas dimensões para descrever os objetos de nosso espaço físico, que possui, como sabemos, três dimensões. Isto significaria que deveríamos nos limitar a descrições de objetos tridimensionais sob a forma de "cortes", através de superfícies bidimensionais. Certamente, multiplicando os cortes, poderíamos ainda, sem dúvida, fazer uma idéia do objeto tridimensional: mas com que riscos de dificuldades na linguagem! Por exemplo, se o objeto é um cilindro, um corte plano poderá nos fornecer um círculo, um outro corte plano um retângulo: como um objeto pode ser, perguntaremos, ao mesmo tempo círculo e retângulo? 0 problema de um objeto ao mesmo tempo onda e corpúsculo não se parece com o precedente?

E as coisas seriam mais ambíguas ainda se a dimensão que falta não fosse do tipo espaço, mas do tipo tempo. Assim, suponhamos que o tempo físico não seja inteiramente constituído pelo tempo t ,,ordinário", aquele que nos serve para avaliarmos os movimentos da matéria, mas também de um outro tempo V, justaposto ao tempo ordinário t. Então, nada permitiria pensar que o movimento real de um objeto no espaço pudesse ser descrito como uma trajetória contínua em função do único tempo t. Se, no mesmo instante t, o objeto é igualmente capaz de se deslocar em função de V, então se torna impossível prever exatamente o movimento deste objeto no espaço físico, dando-se somente sua posição e sua velocidade iniciais em função do tempo t; naturalmente faltam os mesmos dados iniciais em função do tempo t’.

Resumindo, devemos nos perguntar se não é uma estrutura do espaço-tempo mais complexa do que a imaginada até então pelos nossos cientistas que justificará o probabilismo estrito da Física atual, isto é, um probabilismo que não é possível considerar como de origem estatística.

E esta estrutura mais complexa, a Teoria Quântica não nos coloca no caminho para descobri-Ia? Não é necessário pesquisar em que espaço-tempo (mais "complexo" que o de Einstein e também que o da Teoria Quântica) a onda psi terá uma existência "objetiva"? Visto que a onda psi é portadora de informaçoes para o espírito humano, este espaço-tempo complementar do espaço-tempo "ordinário" não deve ser um espaço-tempo do espírito?

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Em outras palavras, é questionando novamente, depois de Einstein, o problema da natureza e da estrutura do espaço e do tempo que, talvez, pudéssemos realizar um novo passo em Física. Mas, pelo que acabamos de ver, tal passo só poderia ser dado com a condição de termos, desde o início, consciência de que será necessário fazer constar na descrição dos fenômenos físicos tanto o Espírito quanto a Matéria.

É o que vamos examinar, agora, mais detalhadamente.

CAPITULO IV

0 espaço-tempo complexo

Matéria e Espírito unificados em um espaço-tempo complexo. - 0 "ponto" do espaço-tempo tradicional é um domínio extenso. - Os "buracos negros" como prova da complexidade do espaço e do tempo. - Diário de viagem através de um buraco negro. - 0 espaçotempo dos buracos negros memoriza e ordena os acontecimentos, assim como faz o Espírito.

Devo confessar entretanto aos meus leitores que, pessoalmente, não me propus, no início das minhas pesquisas, alcançar um progresso em Física, buscando deliberadamente fazer participar o Espírito nas minhas descrições dos fenômenos ao lado da Matéria.

0 problema que me havia proposto inicialmente, como um físico-teórico, era construir uma teoria unitária dos fenômenos físicos, isto é, uma teoria unificando o conjunto dos fenômenos físicos observados, mostrando que cada um deles constituía apenas um caso particular de uma grande lei geral (a lei unitária). Mas, entretanto, não havia excluído, a priori, a possibilidade de que, se conseguisse formular uma tal lei unitária, então uma das conseqüências desta lei seria a de nos fornecer alguma luz sobre a natureza e os mecanismos do Espírito. Pois, finalmente, não é o próprio Espírito o princípio unificante de todos os fenômenos observados? Pois bem, na verdade, foi o que aconteceu.

No decorrer dos meus anos de pesquisa, convenci-me, pouco a pouco, de que o meio mais lógico para tentar uma unificação dos fenômenos físicos era "ampliar" de alguma forma o quadro de referência habitual do espaço e do tempo. Aliás, esta idéia, à luz da reflexão, era também, sem dúvida, a mais "natural": quando queremos fazer uma síntese entre fenômenos aparentemente sem relação direta um com o outro, é necessário preencher

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o "nada" que os separa com alguma coisa; um método é criar um espaço-tempo mais largo, capaz de conter os diversos fenômenos considerados, colocando-os em relação..Ê com tais exemplos que percebemos claramente o sentido profundo da afirmação de Einstein, já citada, segundo a qual "uma teoria pode ser verificada Pela experiência, mas não existe nenhum caminho que leve da experiência à criação de uma teoria". 0 físico deve, ao menos nas suas diligências iniciais, fazer uma verdadeira criação, isto é, retirar as premissas da sua teoria de sua própria intuição e não dos fatos experimentais, que não permitirão ao Conhecimento avançar um passo, se tomarmos estes fatos pelo que acreditávamos que eram na origem das pesquisas. Estou intimamente persuadido de que a Física alcançou seus maiores progressos, contrariamente ao que pretendem em geral, renegando os fatos experimentais (que não são jamais "fatos" no absoluto, mas interpretações baseadas somente numa parte dos dados que a Natureza coloca ao alcance dos nossos sentidos).

Portanto admiti que, para caminhar para a unificação dos fenômenos, era necessário postular que existiam dois espaços-tempos justapostos, constituindo um espaço-tempo mais geral, no qual, então, os fenômenos apareceriam unificados. Guiado pelos trabalhos de Einstein sobre a Relatividade geral, que faziam intervir o tempo como uma dimensão "imaginária", admiti que as quatro dimensões (três de espaço e uma de tempo) de meu espaço-tempo generalizado eram, cada uma, desdobradas entre uma parte "real" e uma parte "imaginária". Em Matemática, quando falamos de números "desdobrados", chamamolos de números complexos. As dimensões do meu espaço-tempo generalizado são, portanto, no sentido matemático, dimensões complexas; daí o nome de Relatividade complexa que dei à teoria que desenvolvi explorando as propriedades deste espaço-tempo generalizado.

Não tenho intenção de abordar aqui os detalhes da teoria matemática das grandezas ditas "complexas". Não é objeto desta obra. Mas, para que o leitor não-iniciado possa fazer uma idéia do que é necessário entender por "complexo", fornecerei uma imagem.

Tomemos uma moeda deitada sobre uma mesa. Só percebemos o lado da "cara" da moeda. Podemos traduzir este fato dizendo que o lado da face é "real", posto que é visível. Um garotinho (seis a doze meses segundo as experiências do psicólogo Piaget) pensará, na maioria das vezes, que esta peça tem um só lado, visto que só um lado é apreendido diretamente pelos seus sentidos. Entretanto, como adultos, podemos fazer um esforço de imaginação e declarar que esta peça possui igualmente um lado "coroa", escondido pelo contato com a mesa. Entretanto, como não o vemos,

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podemos qualificá-lo de "imaginário". Isto não impede que, mesmo que ele não seja visível, sua existência pareça certa para a maioria dos observadores. Se, portanto, admitimos a existência destes dois lados da peça, um lado coroa e um lado cara, a despeito de vermos apenas um, poderemos caracterizar esta opinião anunciando que a peça tem um anverso e um reverso, ou ainda dizendo que a peça é complexa.

Dizer que as dimensões do tempo e do espaço são complexas é análogo (mas, bem entendido, não idêntico) a dizer que o tempo e o espaço têm um direito e um avesso. Portanto, não seria realmente exato dizer que com um espaço-tempo "complexo" teremos "dobrado" as dimensões do espaço-tempo "ordinário" (que seriam então oito em vez de quatro): o que é correto dizer é que iremos construir uma teoria física em um espaço-tempo, onde o direito e o avesso desempenharão ao mesmo tempo o papel das três dimensões do espaço e da dimensão do tempo.

Mas existem indícios na Física atual que permitiriam entrever os primeiros sinais de uma tal "complexidade" do espaço-tempo apreendida pelos nossos sentidos?

De repente, como já disse, a existência de uma tal complexidade me parece muito evidente, considerando as duas "faces" do nosso Mundo sensível que são a Matéria e o Espírito. Mas, "antes disso", isto é, antes do início da teoria, foram razões muito mais prosaicas que me apareceram como indícios de uma complexidade do espaço-tempo. Selecionarei aqui duas dessas razões, que são, talvez, as principais.

Primeiro, o fato de que a Física contemporânea, desde a Teoria Quântica de 1925, muitas vezes é levada a dar um conteúdo físico a um ponto de espaço-tempo; ou antes, a um ponto-acontecimento de espaço-tempo, visto que tal ponto é feito de um ponto "matemático" de espaço (isto é, de volume nulo) associado a uni instante do tempo (isto é, de duração nula). Tal "conteúdo físico" atribuído ao ponto-acontecimento aparece principalmente no que chamamos Teoria Quântica dos campos, onde cada ponto do campo é considerado como um pequeno oscilador independente, possuindo certa quantidade não nula de uma grandeza chamada ação 1. Como é possível "manter" uma quantidade física que, por sua própria definição, deve necessariamente ocupar um volume não nulo de espaço, em um ponto matemático que, igualmente por definição, é sem volume? Problema análogo para algumas partículas, como o elétron, por exemplo: colocamo-nos em dificuldades para interpretar as observações se admitimos que o elétron não é assimilável a um ponto matemático, ocupando, portanto, um volume nulo de espaço; tomemos uma partícula

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que possui uma massa não nula, e ficamos com a obrigação, a fim de não contradizer a experiência, de "instalar" esta massa não nula em um volume nulo de espaço!

A idéia mais simples que sugere uma tal situação é que a massa se esconde "em algum outro lugar" que não o espaço-tempo ordinário que consideramos, e onde situamos o ponto matemático de espaço tempo. Estaríamos aqui, parece, como diante de um muro opaco onde, entretanto, perceberíamos um ponto minúsculo filtrando um raio de luz. Que concluir, senão que atrás do lado aparente do muro existe um espaço contendo luz, e um minúsculo buraco no muro (um ponto) nos permite perceber esta luz. Em Física, o aspecto pontual de uma partícula dotada de massa como o elétron poderia ter uma explicação análoga: a massa do elétron está situada em um espaço "justaposto" ao nosso espaço ordinário. Ignoramos este novo espaço quando falamos do elétron através das equações que o descrevem, pela simples razão de que não escolhemos, para esta descrição, um referencial contendo dimensões representáveis neste novo espaço.

Estas reflexões simples, sem dúvida nenhuma, guiaram minhas pesquisas desde o início dos meus trabalhos. Alguns não hesitarão em considerar estas reflexões "simplistas" e, portanto, não utilizáveis em matéria científica. Não os seguirei nesta linha, pois minha experiência me mostrou que, muitas vezes, a idéia "mais simples" é a mais útil, entretanto a mais difícil de distinguir no princípio de qualquer pesquisa, obscurecido como está naquele momento o nosso espírito pelos pressupostos inevitáveis que tem para julgar de toda a situação. Aristóteles nos lembrava que "os Homens, diante das idéias simples, são como os morcegos diante da luz: cegos".

Mais recentemente (no início de 1973), uma outra razão, mais "técnica" desta vez, forneceu-me novos indícios para justificar a existência de um espaço-tempo complexo.

Todos conhecem, hoje em dia, as analogias que a Natureza apresenta quando comparamos os fenômenos nas duas extremidades da escala de suas dimensões: o átomo, com seus minúsculos elétrons girando em torno do núcleo, parece-se com o sistema solar, com os planetas girando em torno do sol central; as partículas elementares pesadas, como o nêutron, por exemplo, que entra na constituição de todos os núcleos atômicos (salvo o do hidrogénio), têm grandes semelhanças com o que chamamos em astrofísica pulsares, que são estrelas terminando sua existência, e cuja densidade é precisamente da ordem de grandeza da densidade dos

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nêutrons; como os nêutrons, os pulsares giram rapidamente em torno de um de seus eixos e possuem um campo magnético bipolar; enfim, como os nêutrons, os pulsares estão em pulsação radial.

Tinhamos assim o direito de esperar ver este espaço-tempo complementar do espaço-tempo da Matéria, se ele existe e exerce um papel nas partículas elementares como pensamos, de mostrar também sua existência na escala cósmica.

Ora, encontramos este espaço-tempo novo, efetivamente, intervindo ein astrofísica. É o espaço-tempo que os astrofísicos encontram no que chamam "buracos negros",

Os buracos negros e seu estudo tornaram-se um dos temas centrais da astrofísica contemporânea, sobretudo desde que nossos radiotelescópios nos permitiram pensar que havíamos identificado um na Constelação do Cisne. 0 que é, pois, um buraco negro?

As estrelas nascem, vivem e morrem, do mesmo modo que os Homens. Dizemos que uma estrela se aproxima de sua morte quando seu fogo interior, alimentado pelas reações termonucleares que acontecem no interior do corpo estelar, termina por se apagar porque todo o seu combustível se queimou. Durante sua "agonia", as estrelas se comportam diferentemente uma da outra. Se sua massa ultrapassa 3,4 vezes a massa do nosso Sol, elas começam a tomar-se estrelas explosivas, expulsando uma parte de sua matéria periférica (supernova). Quando sua massa é reduzida a menos de 3,4 vezes a do nosso Sol, elas se apagam progressivamente. Em todos os casos, no decorrer deste período final de "extinção", elas "murcham" para se tornar, primeiro, anãs brancas, ainda relativamente muito quentes. Depois, ainda perdem calor, diminuindo sempre seu raio. Seu movimento de rotação sobre si mesmas vai se acelerando, levando-se em conta o fato de que seu diâmetro diminui. Quando sua densidade é da ordem de grandeza da da matéria nuclear, elas se tornam o que chamamos pulsares, isto é, objetos que possuem massa de ordem igual à do Sol, mas medem apenas alguns quilômetros de diâmetro. Estes pulsares estão em pulsação radial, com um período principal geralmente da ordem do segundo. Reconhecemos estas pulsações através dos breves sinais de radiação eletromagnética que o pulsar nos envia a cada contração. Mas esta energia eletromagnétíca dissipada no espaço é tirada da rotação do pulsar, e o período de pulsação, portanto, aumenta lentamente. Em um certo momento se produz, então, uma "exaustão gravitacional": a velocidade de rotação do pulsar sobre si Mesmo torna-se muito mais fraca para que as forças centrífugas e a pressão

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eletromagnética venham compensar as forças de contração gravitacional; o pulsar tem seu raio que diminui ainda mais rapidamente, e a estrela exaure-se. É provável que, no decorrer desta fase final, os próprios nêutrons, esmagados uns contra os outros, terminem por fundir-se em um só magma de enorme densidade.

Consideremos que é aí que aparece o que chamamos um "buraco negro" (black hole). A gravitação na superfície da estrela que se exauriu, com efeito, vai aumentando sem cessar, visto que as forças gravitacionais sobre a superfície variam com o inverso do quadrado do raio. Como o espaço se curva tanto mais quanto mais forte é a gravitação, chega um certo nível de achatamento (isto é, um certo raio da estrela) para o qual o espaço se curva a ponto de se fechar sobre si mesmo. Então estamos diante não de apenas um mas de dois universos: nosso grande Universo, que tem seu próprio espaço fechado sobre si mesmo, com um raio de milhões de anos-luz; depois, vindo como que a se justapor a este espaço, à maneira de uma bolha que se forma sobre o couro de uma enorme bola, um "ovo" como que gerado pelo nosso próprio Universo, um espaço que forma um todo em si mesmo, com o qual (como iremos ver) nosso Universo terá apenas um "ponto" de contato: assim identificamos um buraco negro.

Por que este nome de buraco negro? Porque, precisamente, este espatempo do buraco negro tornou-se um outro espaço-tempo que não o nosso, aliás com propriedades bastante diferentes. E, especialmente, uma propriedade essencial: mesmo se esta estrela exaurida, este microuniverso feito de um espaço-tempo distinto, contivesse luz, ou neutrinos, ou partículas, ou tudo o que se possa imaginar, agora é impossível por qualquer razão que seja sair dessa bolsa que acaba de nascer e é feita de um espaço-tempo distinto. Em resumo, nenhum dos nossos sentidos, nenhum dos nossos aparelhos científicos, tanto os atuais como os do futuro, poderá discernir o que quer que seja do conteúdo do buraco negro. Este conteúdo caiu, verdadeiramente, no negro absoluto. Daí o nome de um tal objeto.

Mas então, vocês poderiam dizer, se este buraco negro é tão negro que nada pode dele sair, como poderia ele assinalar sua presença se está condenado a permanecer "pontilhado", como um objeto eternamente inobservável de nosso Universo? Podemos mesmo afirmar que ele apresenta ainda alguma relação com o nosso Universo?

Estudos teóricos aprofundados1 sobre os buracos negros mostram que ao, desaparecer, apresentando somente um ponto de contato com o nosso Universo, o buraco negro deixa, entretanto, traços atrás de si, sob a forma

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de uma forte curvatura local no espaço de nosso próprio Universo, convergindo como um funil para o ponto do desaparecimento do buraco negro. Isto faz com que a matéria do nosso Universo, passando perto do buraco negro, tenha tendência a cair no fundo deste funil, se ela não tiver velocidade suficiente para escapar. 0 fenômeno é aqui totalmente comparável ao que se dá em torno do "olho" de um redemoinho. É o imenso turbilhão que provoca o bura co negro que permite detectar a presença de um buraco negro (como o recentemente descoberto na Constelação de Cisne); as partículas carregadas que caem no funil emitem ao girar, ao mesmo tempo que se aproximam do fundo, uma forte radiação X, que traduz a presença de um buraco negro para os observadores afastados, tais como nós.

Devemos então dizer que o buraco negro vai sempre aumentar sua massa ao absorver a matéria que passa em sua vizinhança, visto que ele "toma sem nunca devolver"? A resposta é uma das mais "lindas" histórias da Relatividade: posto que, quanto mais o espaço-tempo se curva em torno de uma estrela, mais os fenômenos, para nós que os contemplamos da Terra, longe da zona curva, nos parecem vagarososs, longe de nos parecer cair cada vez mais rápido no fundo do funil, à medida que ela se aproxima deste fundo, a matéria vai nos parecer, na Terra, ao contrário, sempre diminuir sua velocidade ao se aproximar do fundo do funil. E demonstra-se que, na verdade, será necessário um tempo infinito para que ela atinja este fundo, de tal sorte que não a veremos nunca desaparecer no buraco negro. Aliás, é isto que explica o fato de o buraco negro ser um espaço "fechado": desde que ele se fechou, não vemos nada nele entrar, nada sair dele. Somente fenômenos do tipo de "turbilhões" em torno do "olho" pontual do buraco negro nos indicam que há "perigo" de aproximação, pois nos arriscamos a sermos colhidos para sempre pelo turbilhão!

Mas se chegássemos realmente a cair neste turbilhão, atingiríamos finalmente o olho do buraco negro, ou então, corno se constata da Terra ser-nos-ia necessário um tempo infinito para atravessar este olho?

Nós passaríamos, responde a Relatividade (e aí está o "lindo" da história), e passaríamos mesmo muito rapidamente; pois se, da Terra, temos a impressão de uma diminuição de velocidade à aproximação do olho, isto não é verdadeiro se consideramos o fenômeno avaliando-o com o tempo apropriado, isto é, medindo o envelhecimento do viajante enquanto ele desce no olho do redemoinho. 0 viajante vai efetivamente 44entrar" no buraco negro a uma grande velocidade ... e se encontrar diante de um espaço e de um tempo bem diferentes daqueles que acabou de deixar! É sobre este espaço-tempo do buraco negro que falaremos agora, pois

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veremos que é aqui, embora ainda na ponta dos pés, que veremos apontar o nariz do Espírito, ou melhor, o de um espaçotempo do Espírito.

Desde que transpusemos o olho do buraco negro, constatamos (segundo os estatutos teóricos 1 das equações da Relatividade) que o tempo e o espaço habitualmente considerados em nosso Universo de repente invertem seus papéis. As dimensões do espaço novo se tornam do tipo tempo (isto é, se comportam como nosso tempo), enquanto que a dimensão do novo tempo se torna do tipo espaço (isto é, se comporta como nosso espaço). Tudo isto, tão espantoso quanto possa parecer, é bem visível nas equações que chamamos "a métrica da Relatividade". Ainda uma vez, não temos intenção de entrar aqui nos detalhes matemáticos, e me esforçarei para expor as principais conseqüências "palpáveis" para um explorador não-matemático que teria realmente penetrado no novo espaço-tempo, que chamaremos, para distingui-lo do espaço-tempo ordinário (ou espaço-tempo da matéria), espaço-tempo do buraco negro.

Primeiro, este espaço do buraco negro tem um comportamento extravagante. Escutemos Wheeler:

"0 explorador em seu foguete tinha sempre a possibilidade de fazer meia-volta antes da passagem pela entrada do buraco negro. Bem diferente é a situação desde que ele passou esta entrada. Agora, seu movimento no espaço representa o escoamento do tempo. Jamais será possível ao explorador comandar o seu foguete a fazer meia-volta. Este poder invisível do mundo que arrasta cada um de nós, feliz ou infelizmente, dos 20 para os 40 anos e dos 40 para os 80 anos, arrastará o foguete no espaço, sem esperança de volta pelo caminho já percorrido (do mesmo modo que não podemos voltar ao passado, no tempo). Nenhum ato humano, nenhum motor de foguete, nenhuma força poderá parar o tempo. Com tanta certeza como as células morrem, como o relógio do nosso explorador marca os "minutos cruéis", também com tanta certeza, sem nunca parar no caminho, o foguete avança sem cessar para frente."

E, devemos acrescentar ainda, o foguete transpõe assim o espaço, sem poder jamais parar sobre uma espécie de 1imite" do espaço. Com efeito se chamamos R o raio do buraco negro, como se trata de um universo "fechado", demonstra-se que o viajante terá voltado à vizinhança do olho do buraco negro depois de ter percorrido a distância ,n R (e não 2 iz R, como seria no caso de um círculo). 0 próprio tempo do nosso explorador retomará então seu curso desenvolvendo, sob os olhos do viajante, o mesmo espaço. Em outros termos, o viajante é aqui prisioneiro num

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universo cíclico onde, periodicamente, a cada "volta" do buraco negro, ele viverá os mesmos acontecimentos.

Eis que nos lembramos, mas numa escala de tempo muito mais fraca, o que os cosmologistas relativistas prevêem geralmente para o nosso próprio Universo: ele está atualmente em expansão, mas se contrairá em seguida, depois se dilatará novamente, e assim por diante; nós assistiríamos, portanto, assim (nós, ou nossos "duplos" sucessivos) a "eternos retornos".

Mas, atenção! Os estudos relativistas do espaço-tempo dos buracos negros fazem aparecer uma diferença essencial entre o escoamento do tempo nos buracos negros e o escoamento do tempo no nosso Universo. 0 tempo se escoa no buraco negro em sentido inverso ao do nosso próprio tempo. Em outras palavras, os fenômenos físicos no buraco negro se desenvolvem regredindo no tempo.

Eis um resultado notável, e que não pode deixar de ter consequencias importantes. A mais significativa é, sem dúvida, esta: nosso Universo de Matéria vê os fenômenos se desenrolarem em entropia crescente (isto é, os fenômenos só podem diminuir sua "ordem" ao evoluir); a evolução em um universo onde o tempo mudou de sinal conduziria, ao contrário, a fenômenos se desenrolando em entropia decrescente 1. E, acabamos de ver, eis o que acontece efetivamente no espaço-tempo do buraco negro: os fenômenos vão aqui se ordenando sempre um pouco mais.

Na linguagem da teoria da informação isto significa em nosso espaço da Matéria, o de nosso próprio Universo, um sistema isolado só pode evoluir com alguma perda de informação sobre o estado do sistema. Ao contrário, no espaço de um buraco negro, um sistema isolado evoluirá permitindo obter sempre mais informações sobre seu estado.

Estamos visivelmente, diante de conclusões de uma importância tal que não hesitarei em qualificá-la de "dramática".

Pois, que vemos se destacar como características essenciais do espaço-tempo de um buraco-ntgro, segundo o que acabamos de descobrir como conclusões dos estudos relativistas?

Primeiro, um espaço onde a informação só pode se enriquecer (ou, ao menos permanecer constante) à medida que o tempo se escoa. Um espaço que é capaz, graças a estas informações, de aumentar sem cessar sua "ordem" 1. Um espaço que se distingue, portanto, sempre mais do nosso

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espaço da Matéria, onde a evolução se opera com degradação contínua da informação e da ordem. Um espaço que apresenta, finalmente, as características do que chamamos o espaço do Vivo, o espaço encerrado na membrana de uma célula viva, por exemplo, que é também um espaço onde a observação faz aparecer claramente uma evolução em neguentropia crescente. E, sem dúvida também, o espaço do Pensante, o espaço da memória que é, ele também, um espaço onde a informação só pode ir crescendo (ao menos em regime de funcionamento "normal").

E isto não é tudo. Vimos que estamos diante de um espaço-tempo cíclico". A informação estocada neste espaço, a que foi registrada a cada segundo, sem poder jamais se perder, no curso do desenrolar do tempo, vai voltar e estar, portanto, novamente, na paisagem de informações do nosso explorador, depois que ele tiver completado uma volta inteira no espaço do buraco negro. Mas isto não é simplesmente o mecanismo da memória; as informações são registradas sem cessar e podem, em seguida, ser relembradas em um instante posterior, como no curso de uma certa "volta do tempo" passado para o instante vivido, isto é, para o presente.

Sem conseguirmos, um dia, projetar qualquer luz sobre o Espírito, não deveremos, paradoxalmente, reclamar esta luz dos buracos negros!

Mas é conveniente retornar agora às nossas partículas elementares, pois, não somos naturalmente feito$ de buracos negros, mas de partículas materiais, e essencialmente de prótons, de nêutrons e de elétrons. Os buracos negros, entretanto, nos interessaram muito especialmente porque iremos ver que uma destas partículas elementares que formam nosso corpo, o elétron, possui uma estrutura que a representa como um "tnicroburaco negro", uma "geometria" contendo um espaço-tempo inteiramente semelhante ao dos buracos negros. Um espaço-tempo do Espírito, finalmente.

CAPITULO V

0 elétron portador do Espírito

0 espaço-tempo do elétron é comparável ao dos buracos negros. - Lembrete das concepções atuais das partículas "elementares". - A partícula "cava" o espaço como o faz um buraco negro. - 0 espaço "fechado" do elétron, e suas interações virtuais "à distância". - 0 elétron é portador de um espaço "espiritual". - As provas do psiquismo, ao nível das partículas. - As comunicações entre o Homem e o Espírito da Matéria. - Representação simbólica de Matéria e Espírito no Universo.

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Assim, o que acabamos de ver? Essencialmente que, quando a Matéria se concentra a ponto de ter o equivalente de uma massa tão grande quanto a do nosso Sol, dentro de uma esfera com um raio da ordem de somente um quilômetro (posto que o nosso Sol tem 700.000 quilômetros de raio), neste caso, a atração gravitacional na superfície da estrela superdensa se tornava tão forte que se criava no espaço uma espécie de "bolso" no qual a estrela se encontra encerrada. Fato extremamente interessante para o que nos preocupa aqui é que o espaço e o tempo no interior deste "bolso" são diferentes de nosso espaço e de nosso tempo ordinários. Esta diferença se traduz, de um lado, por um 14 retorno" do tempo, isto é, pelo fato de que o espaço retoma, a intervalos regulares, o conjunto de seus estados passados (fenômeno análogo a uma memorização, portanto uma reminiscência do passado); e, de outro lado, a evolução dos fenômenos neste espaço se efetua em neguentropia crescente, e não em entropia crescente, como no caso em nosso próprio espaço, o que permite aproximar os fenômenos de um tal espaço dos que nos proporcionam ver o Vivo ou o Pensante.

A questão que colocamos, agora, é a seguinte: sabemos que o que chamamos de partícula "elementar", em Física, um elétron ou um próton, por exemplo, é formada igualmente de matéria extremamente densa, precisamente da ordem de grandeza da densidade que encontramos nos buracos negros; neste caso, não haveria algumas dessas partículas (senão todas) que teriam, também, cavado um "bolso" em nosso espaço e encerrado em seu interior este estranho espaço-tempo que reconhecemos nos buracos negros, tão estranho que somos inclinados a qualificá-lo de "espaço-tempo do Espírito"? Em resumo, para sermos breves, algumas das partículas elementares conhecidas não seriam "rnicroburacos negros"?

Se a resposta fosse afirmativa, visto que sabemos que tais partículas entram na composição de nosso corpo, estaríamos, sem dúvida, no caminho que lança uma ponte entre a Matéria e o Espírito.

Mas, como estamos aqui no terreno da Física, devemos justificar esta resposta não simplesmente através de conclusões hipotéticas, por mais sugestivas que sejam, mas através de deduções precisas.

Atualmente, creio que esta resposta é, efetivamente, aos olhos da Física, uma resposta afirmativa; as partículas elementares que chamamos léptons carregados, dos quais o elétron é o único representante “estável" (isto é, com uma duração de vida praticamente infinita), seriam "microburacos

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negros" encerrando este espaço-tempo do Espírito que começamos a descrever. Demonstrei este resultado, na linguagem do físico, na obra que estou publicando ao mesmo tempo que esta, chamada a Teoria da Relatividade Complexa.

É possível traduzir igualmente este resultado em linguagem "ordinária"? Tomarei de empréstimo a resposta ao grande matemático Henri Poincaré. Ele foi, em seu tempo, examinador nos concursos das Grandes Escolas. Quando um estudante cobria vários quadros-negros com sinais matemáticos, ele lhe pedia que deixasse o giz, se afastasse um metro do quadro, se voltasse para ele, e lhe dissesse na linguagem de "todo o mundo" o que havia tentado demonstrar matematicamente. E bomba na nota do estudante, se fosse incapaz de satisfazer a este teste!

Creio, igualmente, que a Física não vale nada se não for capaz de ser também uma Física popular; neste sentido entendo uma Física traduzível em linguagem acessível a todos. E me proponho tentar, eu mesmo, o teste de Poincaré, deixando que meu leitor julgue.

Comecemos por relembrar algumas idéias simples, mas fundamentais, sobre o que a Física chama partícula elementar.

Podemos representar a partícula de Matéria como formada por uma região muito pequena mas de densidade muito forte (a região ocupada precisamente pela matéria da partícula) boiando em nosso espaço de aparência "vazia", que nós todos conhecemos. A região de forte densidade

pode ser chamada de espaço forte, pois não podemos penetrar facilmente neste espaço. Ao contrário, nossa experiência nos mostra que podemos facilmente nos deslocar no espaço "vazio" que rodeia a partícula. Entretanto, é mais exato qualificar este espaço de “gravitacional" do que de "vazio", pois a partícula exerce em torno de si, no espaço onde bóia, uma atração que tende a fazer com que uma outra partícula se aproxime espontaneamente dela. Esta atração é chamada pelos físicos de “interação gravitacional"; sua existência prova que o espaço que envolve a partícula, que poderíamos julgar vazio, não é tão vazio assim, visto que contém qualquer coisa que emana da partícula de matéria e que atrai para ela os objetos circunvizinhos.

0 que acontece no espaço gravitacional quander, como é o caso para uma estrela ou para um planeta, acumulamos um número muito grande de

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partículas, umas ao lado das outras, como o faríamos com um enorme saco de bolas de bilhar, por exemplo?

Posto que uma só partícula já atrairia os objetos materiais em sua direção, os bilhões de partículas que formam a estrela vão atrair muito mais fortemente os objetos da vizinhança; quanto mais numerosas forem as partículas, isto é, quanto maior for a massa total, a força de atração sobre um objeto dado será também maior. Na Relatividade geral de Einstein, onde o fenômeno é descrito geometricamente, dizemos que a estrela "curva" tanto mais o espaço que arodeia quanto maior é sua massa; do mesmo modo como se o espaço gravitacional fosse uma

tela elástica horizontal esticada e que a estreia viesse, com sua massa, fazer uma "concavidade" na tela (ver o

esquema acima). Qualquer objeto material seria, numa tal representação, atraído pela estrela precisamente porque ele teria tendência de rolar sobre a tela deformada, para cair no fundo da "concavidade" criada no espaço pela estrela.

Para uma dada massa de estrela, a curvatura do espaço na vizinhança da superfície da estreia (isto é, no lugar onde a atração é máxima) é tanto maior

quanto o raio da estreia é menor, como resultado da lei de Newton.

0 esquema acima nos mostra como evolui a curvatura do espaço à medida que o raio da estrela diminui por contração gravitacional, Em um certo momento, o espaço "adere" literalmente na superfície da estreia, o que quer dizer que o espaço se "fechou" em torno da estrela, encerrando-a em uma espécie de bolso. Estamos, então, diante de um buraco negro, e explicamos no capítulo precedente como o espaço e o tempo não tinham mais, no interior do buraco negro, as propriedades que lhes atribuímos em nosso espaço "ordinário".

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0 que acabamos de ver é a maneira pela qual se deforma o espaço gravitacional quando uma massa da ordem de grandeza da das estrelas se contrai sempre cada vez mais, para chegar finalmente a um buraco negro.

Em lugar do espaço gravitacional, consideremos, agora, o espaço forte da forma como vimos que existe no interior de uma partícula elementar. Um tal espaço forte corresponde, ele também, a uma curvatura do espaço-tempo: mas esta curvatura está aqui bem localizada, pois ela termina na fronteira da matéria, em vez de se prolongar até o infinito, como era o caso na curvatura do espaço gravitacional.

Existem dois tipos principais de partículas de matéria, distinguindo-se um do outro pela maneira como vai se operar a curvatura do espaço: os hádrons e os léptons carregados.

Como iremos ver, nos hádrons o espaço está simplesmente curvado; nos léptons carregados, ao contrário, à semelhança dos buracos negros, ele está tão curvado que se fechou sobre si mesmo, transformando-se em um espaço-tempo de um tipo diferente do de nosso espaço-tempo "ordinário".

Os hádrons podem ser esquematizados geometricamente como uma espécie de um minúsculo turbilhão criado no espaço.

Este turbilhão tem a forma de um "dedo de luva", relativamente profundo, deformando fortemente o espaço em uma região microscópica (na verdade, em um diâmetro da ordem de um milésimo de bilhonésimo de milímetro). 0 que é aqui característico é que a curvatura do espaço se detém nas próprias bordas do turbilhão, e não há nenhum efeito à distância, contrariamente ao que acontecia com a curvatura do espaço gravitacional. Assim, a curvatura do espaço forte só se faz sentir sobre os objetos exteriores (uma outra partícula, por exemplo) se estes objetos se aproximarem muito perto do "turbilhão". Se estes objetos se aproximam em grande número, somente alguns, os que atingirem a borda do turbilhão, sentirão os efeitos de deformação do espaço'. Enfim, para que esta imagem esteja ainda mais de acordo com o modelo matemático dos hádrons, seria necessário acrescentar que o turbilhão possui uma fronteira que está em pulsação radial. Naturalmente, há continuidade, como vemos no esquema, entre o espaço forte onde se localiza o hádron e o espaço "exterior" na fronteira do hádron, que é o espaço gravitacional. A

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pulsação radial do espaço forte induz, de resto, uma onda no espaço gravitacional em volta do hádron, e esta onda não é senão o "campo" gravitacional do hádron.

Os hádrons possuem massas muito diversas, contando-se por dezenas, geralmente com "durações de vida" muito curtas (bem inferiores ao bilionésimo de segundo). Entre os hádrons, somente o próton e o nêutron, quando este está no interior dos núcleos atômicos, têm durações de vida infinitas (isto é, são "estáveis").

Além dos hádrons, a Física contemporânea reconhece um (e só um) outro tipo de partícula de matéria: este tipo corresponde aos léptons carregados, que são todos portadores da mesma carga elétrica elementar. Os léptons carregados são em número de dois (contrariamente aos hádrons que são muito numerosos): o múon e o elétronl. Somente o elétron possui uma duração de vida quase eterna. É ele que vai nos interessar aqui muito particularmente, pois é ele o portador do Espírito.

No decorrer de minhas pesquisas 1, pude mostrar que o elétron deforma o espaço à sua volta à maneira de um buraco negro, no sentido de que o espaço "se fecha" completamente", como vemos representado no esquema abaixo:

A imagem mais fiel é, talvez aqui, a de uma bolha de sabão pousada sobre uma mesa plana e rígida: o elétron é a bolha e possui somente um ponto de contato com nosso espaço-tempo habitual, que está representado pela mesa rígida (curvatura fraca ou nula). Como para o hádron, devemos notar aqui que a curvatura do espaço está limitada ao próprio elétron, pois não há efeito de curvatura se prolongando para fora das fronteiras do elétron. 0 elétron forma um verdadeiro universo por si só, cujo espaço está completamente isolado do espaço exterior. Nenhum objeto pode penetrar nesse espaço ou dele sair, é um espaço "fechado".

Mas então, se este micro universo eletrônico está completamente "fechado", como pode interagir com o exterior, com o resto do Universo? E, mais simplesmente, como pode interagir com os outros elétrons presentes no Universo, interações cuja experiência mostra bem a existência (repulsão eletrostática entre dois elétrons, por exemplo)?

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A resposta se apóia aqui sobre uma idéia emitida, há já alguns anos, pelo físico americano Richard Feynmann, idéia que foi perfeitamente confirmada pelas minhas próprias pesquisas sobre a estrutura do elétron.

0 micro universo eletrônico não está vazio (senão o espaço que o encerra não estaria curvado); ele contém, como nosso próprio Universo, Matéria e radiação. E contém, principalmente, o que chamamos radiação "negra", uma espécie de gás de fótons tendo todas as velocidades e todas as direções, e definindo uma temperatura T, dita temperatura da radiação negra do espaço. Para o nosso próprio Universo, esta temperatura da radiação negra enchendo o espaço é da ordem de três graus absolutos ( - 270 graus Celsius), e ela diminui progressivamente com o tempo, à medida e na proporção que aumenta o raio do nosso Universo em expansão. Para o microuniverso eletrônico, a temperatura da radiação negra do espaço é muito mais elevada. Meus trabalhos mostraram que ela variava entre 70 milhões e 650 bilhões de graus, enquanto que o microuniverso eletrônico sofre, ele também, expansões e contrações sucessivas ... mas com um período de pulsação radial 1011 vezes mais fraca do que a do nosso próprio Universo!

Eis aqui como intervém a repulsão entre dois elétrons:

Um fóton negro de um dos elétrons vai trocar sua velocidade 11 com a de um fóton negro do outro elétron, tendo a mesma velocidade absoluta que o primeiro fóton, mas de sinal contrário. 0 processo está esquematicamente representado acima. Feynmann dirá que há troca de fótons "virtuais", o que significa que nada passou realmente de um elétron para outro; estamos, portanto, diante de uma verdadeira interação "à distância", que se produz entre fótons negros correspondentes dos dois micro universos eletrônicos.

0 efeito global desta troca de fótons virtuais, como a representamos no esquema, é que cada elétron está submetido a uma força que tende a afastá-lo do outro elétron. Este é o princípio da repulsão eletrostática entre os dois elétrons.

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Este tipo de interação "à distância" entre dois elétrons vai ter, no contexto filosófico onde nos colocaremos logo mais, uma importância muito grande. Com efeito, veremos que esta radiação contida no micro universo eletrônico não permanece sempre uma pura radiação "negra": ela é capaz de aumentar,' sem cessar, sua ordem (os físicos dirão “aumentar sua neguentropia"), coletando uma informação cada vez mais rica, informação que se traduz, precisamente, por certos estados definidos da radiação encerrada no universo eletrônico.

De resto, o elétron vai ser capaz de trocar esta informação à distância com outros elétrons, seguindo um princípio idêntico ao utilizado na interação à distância puramente eletrostática. Esta troca de estados informacionais entre elétrons vai representar, duvida-se disso, um papel essencial, visto que se trata, na verdade, de trocas de natureza 14espiritual", na medida em que a informação deve ser considerada como um "produto" espiritual.

Notaremos que, da mesma forma que um elétron sofre a influência eletrostática de um outro elétron, qualquer que seja a distância entre eles (a influência, entretanto, variando como o inverso do quadrado da distância), do mesmo modo a troca de informações entre dois elétrons, isto é, a troca espiritual, poderá acontecer qualquer que seja a distância. Não vemos aparecer aqui as primeiras bases verdadeiramente científicas dos fenômenos telepáticos?

Resumindo: o elétron forma, portanto, uma individualidade autônoma, possuindo um espaço e um tempo próprios. E este espaço-tempo eletrônico é, como vimos para os buracos negros, diferente de nosso espaço-tempo ordinário. 0 elétron é um verdadeiro micro universo; possui um tempo cíclico que lhe permite reencontrar os estados passados do espaço pelo qual é constituído; e, de resto, os fenômenos neste micro universo se desenvolvem em neguentropia crescente, isto é, aumentando sem cessar seu conteúdo informacional. Em breves palavras, o elétron contém em si mesmo um espaço-tempo do Espírito.

Mas, então, perguntar-nos-emos imediatamente, se o elétron é portador de um espaço "espiritual", como aconteceu que não o tenhamos percebido há muito mais tempo? Por que o elétron, considerado isoladamente, não tem um comportamento que faça aparecer imediatamente suas qualidades espirituais?

A própria questão trai o antropocentrismo espontâneo do Homem diante de toda situação que a Natureza lhe apresenta. Pois, não somente não há objeção real à concepção de partículas dotadas de psiquismo, mas ainda

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tudo que percebemos à nossa volta mostra-nos o psiquismo disseminado nas coisas, quaisquer que sejam a pequenez ou o estado de fracionamento sob os quais consideramos estas coisas.

Primeiro, precisamos nos livrar imediatamente da idéia de que a obediência estrita das partículas de matéria às leis puramente físicas seja um argumento contra um psiquismo eventual associado a elas. Tomem o maior pensador da nossa Terra, transportem-no de avião e, quando estiverem a 2.000 metros de altitude, joguem-no para fora; vocês constatarão que ele obedece estritamente às leis da gravitação, "apesar" de seu psiquismo. Semelhantemente, não podemos criticar um elétron "espiritual" por ele obedecer às leis do eletromagnetismo quando se encontra mergulhado em um campo elétrico ou magnético.

Para saber se um objeto é ou não dotado de psiquismo, para nós, humanos, parece que existem apenas duas maneiras disponíveis: ou nos comunicamos com este objeto através de uma linguagem apropriada, ou observamos como este objeto se comunica com os outros objetos próximos.

Se suponho (como voltarei a falar mais tarde) que os elétrons que formam meu corpo são não apenas portadores do que chamo "meu" espírito, mas constituem mesmo, de fato, meu próprio espírito, então não há, naturalmente, nenhuma dificuldade em reconhecer que meu "Eu", isto é, meu espírito, se comunica com meus elétrons. Existe aqui identidade entre meu "Eu" e meus elétrons.

Se agora coloco o problema do Homem se comunicando com outros elétrons que não os de seu próprio corpo., estamos diante da questão geral das relações do Homem com a Natureza. É bem certo que, nos fenômenos de telepatia, estamos diante de uma comunicação direta, sem o intermediário da linguagem habitual, entre dois espíritos diferentes. Isto poderia ser perfeitamente explicado por uma comunicação direta entre meus próprios elétrons, portadores do "meu" espírito e os elétrons do outro, portadores do "seu" espírito.

E por que limitar a telepatia à comunicação a distância entre dois personagens humanos? Muitas pessoas, que não dão a impressão de ter um espírito "desorientado" em seu comportamento habitual, dirão que elas se comunicam, sem o intermediário de nenhuma linguagem, com um animal, um vegetal, ou até mesmo um mineral. Alguns índios da América afirmam que as árvores "falam". Certamente, esta faculdade de poder se comunicar com toda a Natureza não é sentida por todo o mundo com a

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mesma intensidade: os fenômenos telepáticos não são, é certo, tão imediatamente e comumente sentidos quanto os fenômenos gravitacionais. Esta é uma razão para negar em bloco sua existência? 0 que nos falta para aceitar estes fenômenos como possíveis não é tanto conseguir colocá-los à disposição de cada um, mas sobretudo poder tornar sua possibilidade "explicável" no quadro dos nossos conhecimentos científicos atuais. É o primeiro passo nesta direção que nos esforçamos para dar aqui..

Mas vamos mais à frente desta interrogação sobre as possibilidades de comunicação direta do Homem com o "espírito" que reside na Natureza, seja ele Homem, animal, vegetal ou mineral. E coloquemo-nos a questão: os elétrons nos oferecem "espetáculos" indicando que eles se comunicam entre si para "criar" alguma coisa nova, isto é, para desenvolver a informação do sistema que formam entre si; ou dito de uma outra maneira, para fazer evoluir o sistema ao qual eles pertencem em neguentropia crescente? Pois é isto, e nada mais do que isto, finalmente, que faz a prova de elétrons dotados de um certo psiquismo: é ver os elétrons constituírem entre si, sem nenhuma ajuda vinda do exterior, um sistema que evolui aumentando sua ordem, isto é, também seu conteúdo informacional.

Então, agora, para responder verdadeiramente, só temos o embaraço da escolha entre os fenômenos que a Natureza nos exibe continuamente. Podemos citar, naturalmente, o conjunto dos fenômenos vivos, por mais elementares que sejam. Estes fenômenos nos mostram o elementar capaz de se organizar, se concentrar para se dispersar em seguida e ir para lugares precisos, criar "máquinas" que terão a aparência da liberdade, escapando das leis entrópicas que governam uma matéria que não obedece a não ser às nossas leis "físicas" conhecidas, leis das quais o psiquismo é de propósito completamente excluído. Toda forma de vida, desde o vírus até o Homem, não é ela um exemplo gritante que traduz esta aptidão do elementar de se organizar por si próprio, com uma ciência que nós mesmos seríamos incapazes de fazer? Não é suficientemente claro que, em certos momentos, esta livre iniciativa permitindo escapar a passividade relativa das leis físicas conhecidas, é tomada pelo elementar? Como devemos considerar esta criação maravilhosa do organizado a partir do caos, senão como uma prova evidente do psiquismo da Matéria?

Poderemos ainda pretender, entretanto, que não são as partículas elementares individuais da Física, mas já do organizado, que realiza esta "ordenação" dos fenômenos que caracterizam a Vida. Mas esta atitude nada mais é do que a que consiste em confundir o limite de aumento dos nossos microscópios com o limite elementar de organização onde já se manifesta a iniciativa da Vida. Por menores e fragmentários que sejam os

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elementos materiais que consideramos no corpo de uma célula viva, ficamos constrangidos a dizer que vemos estes elementos agirem, ao mesmo tempo isoladamente e em associação, para sempre melhor "organizar" o meio. E todas as experiências sobre a síntese preferencial dos componentes que entram na matéria viva a partir dos elementos minerais, como, por exemplo, o hidrogênio, o metano, o amoníaco e o vapor d'água sob iluminação ultravioleta, demonstram perfeitamente, hoje, este poder de organização que transparece desde as partículas ditas "elementares".

Uma análise aprofundada no plano da Física parece poder me permitir afirmar que o conteúdo informacional indispensável a estas "criações" executadas pela matéria elementar se situa nesta partícula de aparência banal que chamamos elétron. Porque o elétron encerra em seu próprio micro universo um espaço capaz de acumular a informação e de torná-la disponível para cada pulsação de seu ciclo à maneira de um verdadeiro fenômeno de "reminiscência", é por isso que ele possui a faculdade de "pilotar" operações complexas, comunicando-se e agindo juntamente com os outros elétrons do sistema que busca organizar.

Certamente, ainda uma vez, é necessário que os elétrons estejam reunidos em um meio apropriado para que se torne visível aos nossos olhos este comportamento psíquico. Se não me dão um meio qualquer de traçar sinais sobre uma superfície qualquer, sou igualmente incapaz de provar que sei escrever. Mas, desde que os elétrons estão face a face nesse meio apropriado, então trocam entre si interações que não podemos qualificar de outra forma a não ser como interações psíquicas. Chamamos assim as interações que fazem evoluir o meio para estados sempre mais ordenados, contrariamente ao que vemos quando esta matéria elementar não dispõe de materiais necessários que lhe permitam intervir, ou melhor, manifestar para nossos olhos "míopes" seu psiquismo. Seria necessário não querer ver, para não chegar, hoje em dia, a tais conclusões. Isto já era verdadeiro há vinte anos, depois das convincentes exposições de Teilhard sobre o assunto; mas é ainda mais verdadeiro hoje, quando já é possível localizar este espaço-tempo particular encerrado na Matéria eletrônica, que é ao mesmo tempo a origem e o suporte do psiquismo.

Assim podemos, agora, fazer uma idéia de representação puramente geométrica do Universo. Se queremos fazer unia tal abstração, para descrição, de toda a linguagem matemática, podemos nos arriscar a dar a imagem que segue.

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0 Universo parece-se a um imenso oceano, constituído da água que o forma e do ar sobre sua superfície. Esta superfície tem, portanto, um "direito" na água, um "avesso" no ar. 0 espaço-tempo situado na água é o espaço-tempo da Matéria; o espaço-tempo situado no ar é o espaço-tempo do Espírito.

A superfície deste oceano é agitada continuamente por ondas leves, que representam o aspecto ondulante do espaço gravitacional.

Neste oceano, percebemos também enormes turbilhões de água, cavando funis na superfície do oceano: são as estrelas. Olhando melhor, constatamos que estes imensos turbilhões são produzidos por bilhões de minúsculos turbilhões, que são as partículas de matéria (hádrons). Quanto mais o diâmetro dos grandes turbilhões vai diminuindo, mais a rotação é rápida e mais o turbilhão se afunda no oceano, corno um redemoinho. Para diâmetros suficientemente pequenos se produz um novo fenômeno: a embocadura do turbilhão se fecha, aprisionando ar ao mesmo tempo; o turbilhão então tornou-se quase invisível, deixando sobre a superfície apenas um vestígio, como uma grande vasilha: estamos diante de um buraco negro.

Enfim, sobre este imenso oceano da Matéria, vogam igualmente minúsculas bolhas de ar, encerradas em uma fina película de água: são os elétrons. Nós os vemos, de tempos em tempos, vir nadar sobre as paredes dos turbilhões, grandes ou pequenos (os átomos). É Espírito que bóia sobre a Matéria.

Os fótons e os neutrinos, estas partículas que não contêm nenhuma matéria (massa nula), e por isso não "curvam" a superfície do oceano, podem nos aparecer como múltiplas pequeninas manchas multicoloridas, correndo entre as diferentes curvaturas da superfície da água, estabelecendo assim "comunicações" entre estas diferentes ondulações.

A aventura do Universo é, portanto, ao mesmo tempo, uma aventura da Matéria e uma aventura do Espírito. Mas, quanto mais o tempo passa, mais esta aventura parece querer se organizar para proveito do Espírito e em detrimento da Matéria. Como se, pouco a pouco, sob os raios de um sol brilhante, a água se transformasse em vapor, para finalmente deixar espaço para uma multidão de bolhas irisadas, esvoaçando sempre mais alto, em direção aos céus.

CAPITULO VI

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Uma evolução neoteilhardiana

Comparação às concepções teilhardianas. - A evolução segundo a lei de complexidade-consciência de Teilhard. - 0 elétron "espiritual" contém, na verdade, nosso "Eu" inteiro. - A aventura espiritual do Mundo está centralizada no elementar….. e nós somos este elementar.

Já citamos muitas vezes Pierre Teilhard de Chardin quando se tratou da associação entre a Matéria e o Espírito. Mas poderíamos voltar bastante mais para trás na História. Thales, fundador da Escola de Mileto, na Jônia, no século VI antes de Cristo, já afirmava que "todas as coisas estão cheias de deuses", o que era uma outra maneira de exprimir que uma espécie de psique, uma emanação dos deuses, complementa sempre a substância material e a conduz aos fins que só os deuses conhecem. Empédocles, na mesma época, antes de se jogar no Etna, por sua vez, professava que o Amor e o ódio são, desde o início, os motores que animam toda a matéria. 0 Amor e o ódio, não estamos aqui em presença de qualidades de natureza espiritual? Anaxágoras sustentava que os grãos de matéria se movem graças ao "noûs", que é novamente uma espécie de psique ou de Espírito.

Depois da Idade Média, idéias análogas foram retomadas pelos maiores físicos: Descartes com seus "espíritos animais", ou Leibniz com seus "mônadas", ou ainda Newton com as suas inumeráveis pesquisas em "alquimia" (que os racionalistas que o seguiram quereriam tornar esquecidas, como já enfatizamos anteriormente). Mais perto de nós, encontramos Bergson, com seu "ímpeto vital". Mas ninguém melhor do que Pierre Teilhard de Chardin me parece ter sabido dar a esta idéia de uma "psique" associada aos corpúsculos elementares de matéria, uma forma convincente para o próprio espírito científico.

Teilhard não era físico, mas sim antropólogo. Portanto, não tentou apoiar sua convicção sobre pesquisas da Física teórica, concernentes à estrutura das partículas elementares. Mas soube abordar este problema com uma lógica bastante científica, passando do geral para o particular, através de um estudo minucioso da evolução do Universo inteiro, do mineral ao Vivo, e do Vivo ao Pensante.

E a conclusão de Teilhard, que citaremos novamente, é esta': "Nós somos logicamente levados a conjeturar, em todo corpúsculo de matéria, a existência rudimentar (em um estado infinitamente pequeno, isto é, infinitamente difuso) de alguma psique".

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Portanto, para Teilhard, já existe alguma coisa, como a que chamamos Espírito, nos elementos mais simples da Matéria, isto é, nos prótons, nos nêutrons e nos elétrons que entram em toda Matéria durável. Mas esta "alguma coisa" é tão tênue, tão difusa em relação ao Espírito tal como o percebemos, por exemplo, através do pensamento humano, que ele só pode ser considerado como um "germe"; é este germe que, com o tempo, dará em seguida a árvore, as folhas, as flores e os frutos. E esta progressão acontecerá, gradualmente, através dos bilhões de anos de toda a evolução, com transposições de "limiares" onde o Espírito, bruscamente, passa uma etapa diferenciante, que penetra em uma nova fase, sem medida comum com a precedente. Teríamos assim o limite que separa a matéria orgânica da matéria mineral, com o aparecimento da primeira célula viva. Depois, no decorrer da progressão do Vivo, assistiríamos à transposição de um novo limite, com o aparecimento do Pensante. Somente com o Homem é que Teilhard saudará a chegada do Pensamento no Universo'. Teilhard imagina para o futuro um ser "ultrapensante", como continuação evolutiva lógica do Homem. Este desenvolvimento progressivo do Pensante convergiria, finalmente, para um estado do Universo de pura espiritualidade, que ele chama de "ponto Omega": o que não é senão um outro nome que Teilhard dá ao Deus dos Cristãos.

Portanto, para Teilhard, como progride o Espírito da Matéria? Através de uma multidão de tentativas infrutíferas, frutos não apenas do acaso somente mas também desta psique elementar associada a toda partícula; a Matéria edificaria estruturas cada vez mais complexas, com o objetivo de fazer crescer sempre mais o Espírito, ou melhor, de fazer crescer o que.Teilhard chama de a "consciência" das coisas criadas. Haveria, segundo Teilhard, como que uma grande lei de complexidade-consciência: algumas estruturas complexas, geralmente produzidas pela reunião de estruturas mais simples, arrumadas pela Matéria no decorrer do tempo, teriam por efeito produzir uma espécie de "ressonância" desta psique própria a cada partícula e assim intensificariam o Espírito de cada partícula do corpo de Matéria, ao menos no tempo durante o qual ela continua a pertencer à estrutura complexa. Isto pode ser ilustrado, por exemplo, com a passagem da matéria inerte para a matéria contida em uma célula viva. A reunião dos elementos que compõem a célula viva provoca, de súbito, um ser todo novo, cuja consciência sofreu uma brusca intensificação em relação à consciência que possuía a matéria inerte. Então, a consciência do conjunto se reflete em cada um dos elementos materiais que formam o conjunto: a ponto de sermos obrigados a dizer que cada um dos elementos materiais de uma célula viva não é mais da matéria inerte, mas da matéria "viva". Mas retirem este elemento de matéria viva do meio encerrado dentro da membrana da célula, expulsem-

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no do "sistema", e ele retornará ao nível difuso da psique elementar, cuja presença Teilhard reconhece, desde o começo do mundo, em cada partícula isolada de Matéria.

Uma outra ilustração de como progride a consciência ao mesmo tempo que a complexidade, é a de que Teilhard nos fala para o futuro da evolução humana, no decorrer do qual o Homem passará do nível pensante para o nível ultrapensante. Vemos, com o progresso das técnicas de comunicação, uma tendência de colocar a totalidade da informação disponível sobre a Terra à disposição de cada homem; de resto, não é proibido pensar no momento em que a ação individual de cada um poderá se incorporar de maneira harmoniosa na ação do conjunto da humanidade. Em resumo, podemos admitir que nossa humanidade terrestre, onde cada um "puxa" ainda um pouco do seu lado (é o mínimo que podemos dizer), verá, um dia, se conjugarem todos os esforços para participar dos mesmos objetivos "nobres". Então, estará criada sobre a Terra uma Humanidade (com H maiúsculo), que constituirá um verdadeiro novo ser evolutivo em relação a cada uma das células vivas de seu corpo.

Mas, acrescenta Teilhard, se esta Humanidade é verdadeiramente um novo ser evolutivo, isto se reconhecerá pelo fato de que ela será psiquicamente "ultrapensante", isto é, que disporá, através do esforço conjugado dos pensamentos que funcionam em harmonia com todos os elementos humanos, de um pensamento mais "consciente" (mais elevado, mais eficaz) que o do Homem de "antes da Humanidade". E, por uma espécie de reflexão do Todo para o Um, o homem individual que compõe esta Humanidade disporá, então, na medida em que ele pertencer a esta Humanidade, destas qualidades ultrapensantes de que soube dar prova a Humanidade considerada como um todo.

Seguindo Teilhard, eu mesmo, durante muito tempo, defendi este modelo de evolução, baseado na lei de complexidade-consciência. Entretanto, hoje em dia, tenho um ponto de vista bastante diferente, conseqüência de minhas próprias pesquisas sobre a estrutura do Espírito no interior da Matéria, e vou explicá-lo aqui.

Primeiro, há qualquer coisa logicamente chocante, olhando melhor, na idéia teilhardiana segundo a qual o que é "menos consciente" seria capaz, com a ajuda do tempo, de criar alguma coisa "mais consciente". Parece-me, que teríamos antes tendência de pensar exatamente o contrário. Bem sei que é possível fazer intervir o acaso: a Matéria elementar, com sua minúscula psique, estaria "a espera" de uma estrutura ocasional satisfatória; se as leis físicas permitissem tal estrutura "favorável", mesmo

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que fosse por um instante, então a psique elementar seria capaz de se lembrar dos "planos" desta nova estrutura para lhe dar logo uma "duração de vida" prolongada, e depois para reproduzi-Ia no futuro? Isto parece em princípio aceitável; mas, a um exame mais minucioso, somos constrangidos a reconhecer que as leis físicas, por si só, mesmo com a ajuda do acaso, não têm tendência de deteriorar a informação (isto é, também a consciência) contida na Matéria. Queremos admitir que, se supomos que o problema está resolvido, isto é, se uma estrutura mais complexa e mais consciente se realiza pelos jogos do acaso, então tal estrutura é capaz de "fazer filhotes", e de dar um passo à frente na evolução para mais consciência. Mas não vemos como o elementar poderia resolver o problema de criar uma pnmeira vez (ou mesmo simplesmente reconhecer) uma estrutura mais consciente do que ele mesmo.

Tomemos o exemplo da criação de uma Humanidade ultrapensante pelos homens atuais; enquanto esta Humanidade ainda não existe, os homens são apenas seres pensantes (e não ultrapensantes). Não vejo absolutamente como, na prática, cada um de nós poderia transpor bruscamente um limiar e tornar-se-ia ultrapensante, simplesmente porque conseguimos constituir, todos os homens juntos, um sistema harmonioso sobre este planeta. Acredito, muito mais facilmente que, se deve existir um progresso no pensamento humano, ele será, primeiro, conquistado progressivamente no decorrer do tempo por cada um de nós, principalmente com o desenvolvimento da instrução, ou com engrenamento de certos enfoques espirituais que permitem utilizar melhor as possibilidades potenciais de nossas faculdades psíquicas. Depois, em seguida, e somente em seguida, quando uma grande parte de nós tivermos, enfim, nos tornado "sábios", quando todos nós tivermos adquirido estas qualidades de espírito que mereceriam o nome de ultrapensantes, então seremos talvez capazes, todos juntos, de constituir um novo ser, com funcionamento harmonioso, que chamaremos Humanidade (com H maiúsculo).

Resumindo, hoje em dia creio que, contrariamente ao que dizia Teilhard, é mais "natural" pensar que a evolução enriquece sempre mais o espírito do elementar, e que é somente quando as qualidades do psiquismo elementar (isto é, quando o conteúdo informacional do elementar) tiverem atingido o nível "neguentrópico" suficiente é que então ele será capaz de edificar uma nova estrutura complexa, que constituirá uma nova "ferramenta" para aumentar ainda o ritmo de aquisição e a qualidade das informações (isto é, para aumentar sempre mais rapidamente seu nível neguentrópico).

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Por que esta mudança de perspectiva em relação a Teilhard é particularmente importante? Porque, finalmente, com Teilhard, o elementar não é nada na evolução: desde que os elementos materiais que pertencem a uma célula viva saem da membrana celular, então, nos diz Teilhard, eles perdem todas as qualidades de consciência próprias do Vivo, as qualidades que possuíam enquanto pertenciam ao corpo celular. A consciência do elementar retorna à minúscula "psique difusa" que o elementar possuía, segundo Teilhard, desde a origem do mundo... esperando participar novamente do corpo de um outro ser vivo. Em suma, toda a aventura espiritual do mundo é aqui polarizada e levada por este ínfimo número de estruturas organizadas e com vida tão curta, como dizemos, sobre a Terra, dos homens. Mesmo admitindo, como faço, aliás, voluntariamente, que o fenômeno humano não está limitado à nossa Terra, mas amplamente difundido em todo o Universo, não posso impedir de me sentir pouco à vontade diante desta concepção do "Homem portador de toda a aventura do Universo". E estaria, também, bem pouco à vontade se os Homens, ou os seres pensantes ou ultrapensantes de outros planetas, fossem cem ou mil vezes mais numerosos por estrela, do que o que constatamos no nosso sistema solar.

A aventura do Universo não pode ser centralizada neste ser frágil e efêmero parecendo-se com um Homem. 0 Homem faz parte desta aventura, mas ele não pode ser considerado o eixo. Tal atitude me parece, refletindo, ser ainda urna atitude antropocentrista, resultante da miopia do olhar que lançamos habitualmente sobre o mundo. A aventura espiritual do Universo só pode ser centralizada em torno da elevação do Espírito daquilo que constitui, de maneira visível ou invisível, praticamente a totalidade do que existe no Universo; ela pode, de resto, ser centralizada nos seres ou nos objetos que "vivem" no tempo uma duração de acordo com a escala da duração de vida do próprio Universo inteiro. Resumindo, só existe a Matéria, e mais precisamente as partículas elementares de Matéria, que são suscetíveis de serem séria, lógica e cientificamente consideradas como capazes de serem "portadoras" do destino espiritual do universo.

Acrescentaria, se ainda eu devesse duvidar da conclusão precedente, que o ponto de vista de Teilhard, que coloca o mais organizado (e não o elementar) no centro da aventura espiritual do Universo, é incompatível com uma parte importante dos resultados que obtive no plano da Física, que demonstram que o elétron possui todas as qualidades requeridas para ser a partícula portadora do Espírito no Universo.

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Estes resultados confirmam, certamente, a convicção teilhardiana de uma psique associada às partículas elementares de Matéria. Mas estes mesmos resultados nos dizem também que o micro universo eletrônico possui um espaço cujo conteúdo informacional não pode regredir (evolução em neguentropia não decrescente). Isto quer dizer que esta matéria que entra na constituição de uma estrutura viva, ou pensante, e que possui, durante a curta duração de vida desta estrutura, a "consciência" da estrutura viva ou pensante total, não pode retornar simplesmente à sua "psique difusa" inicial, no momento da morte do sistema ao qual ela pertenceu na duração de uma vida. 0 que é adquirido pelo elementar sob o ponto de vista informacional, sob o ponto de vista da "consciência" do mundo, é adquirido para sempre; nada poderá provocar uma regressão de consciência do elementar após o que chamamos a morte da estrutura complexa organizada. 0 elementar, desejaria alguém, não poderia, assim como não podemos nós, em nosso espaço da Matéria, fazer a lei da entropia crescente correr ao inverso; da mesma forma como nós não podemos inverter o sentido do tempo.

Visto que compreendemos bem e aceitamos este ponto de vista, então, e somente então, começamos a compreender também como se eleva progressivamente o nível psíquico do conjunto do Universo; isto acontece no decorrer das "sucessivas experiências vividas" da matéria elementar, que participa, por períodos mais ou menos breves, aqui no mineral, ali no vivo, lá no pensante, e que não esquece jamais o conteúdo informacional adquirido durante estas sucessivas experiências vividas.

Então, estamos de acordo com Teilhard para dizer que este conteúdo informacional das partículas de Matéria, em aumento constante em cada partícula e na escala do Universo inteiro, permite a esta Matéria dar nascimento a estruturas sempre mais complexas permitindo, como vimos, aumentar sem cessar o ritmo de aquisição da informação, e a qualidade desta informação; e, portanto, por um retorno das coisas, aumentar ainda sempre mais o estado neguentrópico de cada partícula elementar.

0 Homem, e aqui também concordo com Teilhard, é sem dúvida a "máquina" que permite ao elementar, ao menos na nossa Terra, a aquisição da informação mais elaborada e, talvez, também em ritmo mais rápido. Mas a aventura espiritual do Universo, naturalmente, está bem longe de haver chegado ao seu final; e não sabemos se a "maquina" mais sofisticada de amanhã, para aumentar o Espírito do mundo, terá ainda uma cabeça humana; sabemos menos ainda de que forma se reveste o Espírito "superior" em outros cantos do cosmo, a milhões ou bilhões de anos-luz de nosso "detrito" terrestre.

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E não vejo porque nos consideraríamos desobrigados de entender tratar nosso indivíduo humano como "máquina"; o que realmente nos constitui é o nosso Espírito, e este é que está todo inteiro, repetimo-lo, contido em cada um dos bilhões de elétrons que entram no nosso corpo.

É o que queremos explicar agora.

CAPITULO VII

Observação do Espírito dentro da Matéria

Nosso Espírito indissociável de nosso corpo. - A transposição de nossa morte corporal. - A célula viva e os cromossomos. - A duplicação celular e a reprodução sexuada. - Aquele que faz é "mais consciente" do que aquele que é feito. - "0 Bom Deus não joga ao acaso".

Eu sou. Se sei que eu sou é, sem dúvida, porque, como o observou Descartes, tenho certeza de que penso.

Entretanto, outro problema completamente diferente é saber o que este "Eu", atualmente pensante, foi no passado, antes do meu nascimento, se é que ele já existia sob alguma forma. Também é ainda um outro problema saber se este "Eu" será no futuro alguma coisa, depois da minha morte corporal.

Para conseguirmos refletir melhor sobre estas duas últimas questões, seria conveniente começar por responder claramente a esta primeira interrogação: quem sou? Quem é esta entidade que batizo com o nome de "Eu", ou que chamo ainda de meu "Eu"? Pois, se quero pesquisar o que se tornará este "Eu" além da minha morte, é necessário que comece dizendo o que é este "Eu" durante minha vida.

Procuremos abordar, de maneira sistemática, as respostas possíveis a esta questão prévia.

Podemos afirmar que meu "Eu" é alguma coisa situada na região do espaço ocupado pelo meu corpo. Este "Eu", a bem dizer, meu Espírito, meu pensamento, onde poderia estar situado, durante minha vida, senão dentro do meu corpo? Em todo caso, esta seria a resposta que somos levados a dar, tendo em conta nossos conhecimentos neste fim do século XX. Como a região de espaço que meu corpo ocupa coincide, ademais,

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com a "matéria" do meu corpo, sou mesmo obrigado a afirmar que meu "Eu" é indissociável da matéria que forma o meu corpo. Crer na existência de um Espírito "puro", que seria nosso "Eu", e que teria uma forma "etérea" totalmente independente de nosso corpo, isto é, da matéria de nosso corpo, já era dificilmente aceitável nos séculos passados, mas ainda o seria muito menos nos dias atuais. Antigamente, propunham que nosso "Eu", isto é, nossa "alma", estivesse particularmente localizada em tal ou qual parte de nosso corpo: na glândula pineal, no coração, no encéfalo. Atualmente, a biologia e a psicologia parecem antes achar que cada parte de nosso corpo, o artelho, o coração, o braço ou o encéfalo, estaria associada de alguma maneira à nossa vida espiritual e contribuiria para compor nosso "Eu". A resposta deve ser considerada aqui, mais ainda do que para qualquer outra questão, como provisória. Mas o que estabeleceremos, no momento, é que "até prova em contrário", devemos associar nosso "Eu" a toda ou parte da matéria que forma nosso corpo,

Mas se este "Eu" não tem nenhuma existência sem os materiais que formam nosso corpo, não podemos visualizar racionalmente para este "Eu" uma existência qualquer após a nossa morte, a não ser que ao menos alguns dos edifícios materiais de nosso corpo, mais precisamente os que na nossa vida estavam associados ao nosso "Eu", persistam depois de nossa morte.

Ora, o que resta do nosso corpo depois da nossa morte?

Se pensamos nas partículas elementares, tais como os prótons ou os elétrons, podemos dizer que toda a matéria do nosso corpo se conserva depois de nossa morte; a Física nos confirma que tais partículas são "estáveis", isto é, têm praticamente uma duração de vida infinita. Em contraposição, se devêssemos dizer que nosso "Eu" não tem nenhuma existência possível sem ser suportado pelo menos por algumas das estruturas complexas que formam nosso corpo, durante nossa vida, seríamos obrigados a concluir que nada subsiste de nosso "Eu" depois de nossa morte. Mesmo nossos cromossomos, esta "bagagem" genética que se transfere de uma geração a outra, são fortemente modificados durante essa "corrida de revezamento" (veremos isto mais detalhadamente a seguir), e não poderiam suportar seriamente a idéia de que nosso "Eu", este que conhecemos hoje, prolongue sua existência para depois de nossa morte.

Então, finalmente, a única "aposta" que possamos fazer para responder à infinita necessidade de eternidade própria a cada um de nós, é que é dentro destas partículas elementares microscópicas, que são os elétrons ou

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os prótons de nosso corpo vivo, que é necessário buscar e discernir o Espírito, o nosso Espírito.

Além disso, seria necessário ainda entender e examinar como nosso "Eu" estaria presente nesta multidão de elétrons ou de prótons que formam nosso corpo. Com efeito, um homem de 60 quilos, por exemplo, contém um número de elétrons que corresponde a um 4 seguido de 28 zeros! É o conjunto destes elétrons, colocados lado a lado, que seria necessário para justificar nosso "Eu"? Neste caso, uma vez mais não restaria nada deste "Eu" depois de nossa morte, visto que, com o tempo, estes elétrons se dispersarão bem depressa pelos quatro cantos do planeta. Ou então, ao contrário, alguns, senão todos, dos bilhões de elétrons de nosso corpo vivo, seriam eles individualmente portadores do nosso "Eu" completo? Neste caso, nosso "Eu", depois de nossa morte, não só não desapareceria mas, ao contrário, teria se multiplicado e continuaria, até a eternidade, sua aventura espiritual, participando ocasionalmente de outras existências vivas ou pensantes, por vezes bem longe do nosso berço terrestre, tendo o Universo inteiro por moradia.

Mas, antes de prosseguirmos nossa investigação sobre nosso "Eu" eletrônico, asseguremo-nos de que os cromossomos de nosso corpo não são suficientes, como havíamos anunciado, para assegurar a perenidade de nosso "Eu". Para isso, relembremos o essencial de nossos conhecimentos atuais sobre os cromossomos.

Todo nosso corpo é formado por uma imensa reunião de células vivas. Descrevendo as coisas de uma maneira extremamente simplificada, podemos dizer que cada célula é formada de um núcleo que bóia dentro de uma substância líquida que chamamos citoplasma, e o conjunto está encerrado no interior de uma membrana. Cada célula forma, portanto, uma unidade individualizada. Em função dos nossos propósitos, passaremos a nos dedicar agora, com alguns detalhes, ao núcleo de cada célula.

Se fosse necessário comparar a célula viva com um ser organizado como o Homem, e mais especialmente com a organização geral do sistema nervoso humano, diríamos o seguinte: como sabemos, o sistema nervoso humano se decompõe em dois: o sistema nervoso cérebro-espinhal - que comanda as funções de relação e que está sob a dependência da vontade - e o sistema nervoso neurovegetativo que regula e coordena as atividades de nosso corpo sem que tenhamos necessidade de intervir (respiração, movimento cardíaco, digestão. . .). Grosso modo, o sistema cérebro-espinhal está associado ao encéfalo (em termos vulgares, cérebro) e o sistema neurovegetatívo ao bulbo raquidiano e às cadeias ganglionares

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disseminadas em todo o corpo. Bem-entendido, estes dois sistemas estão estreitamente ligados um ao outro, mas não podemos deixar de atribuir uma supremacia ao sistema cérebro-espinhal, que compreende o encéfalo. 0 cérebro sempre foi considerado corno a parte essencial do potencial humano. Utilizando esta imagem para a célula, diríamos, então, de bom grado, que o núcleo da célula está para a célula, assim como o cérebro está para o corpo humano. É o núcleo, e seu conteúdo, que preside à coordenação de todo o funcionamento celular. Se retiramos o núcleo de uma célula, esta desacelera sua atividade, encarquilha-se, toma-se incapaz de se alimentar, e termina por morrer; do mesmo modo, se retiramos a quase totalidade do encéfalo de um ser humano, ele pode subsistir ainda algum tempo, mas se torna incapaz de qualquer atividade e morre rapidamente.

0 que há, portanto, dentro do núcleo que o torna tão importante? É mais ou menos como o encéfalo para o Homem: podemos dizer o que vemos em uma análise microscópica. Mas daí a pretender que se veja o suficiente para começar a compreender, ou mesmo pretender que se perceba o essencial, há um passo bem grande.

Dois estados muito diferentes do núcleo devem, primeiro, ser distinguidos: o estado que ele toma no momento em que a célula se desdobra e o estado "em repouso" (o da intercinese, como o chama o biologista), entre duas duplicações celulares.

Examinemos, primeiro, o estado de intercinese. 0 núcleo está, então, completamente envolvido pelo citoplasma. No interior do núcleo percebemos uma ou duas massas densas, os nucléolos. 0 resto do núcleo é feito de cromatina, que é a substância que se transformará em cromossomos quando da divisão celular. Esta cromatina se assemelha, em alguns lugares, a pequenos grãos ou filamentos, os cromocentros. 0 núcleo é limitado externamente por uma membrana, a membrana nuclear.

A parte essencial do núcleo é, sem dúvida, a cromatina. Seu principal constituinte é o ADN (ácido desoxirribonucléico). 0 ADN está presente em todos os núcleos, mas não se encontra em nenhuma outra parte da célula. Enquanto a maior parte dos outros constituintes da célula são "usados" pela atividade celular e renovados sem cessar por empréstimo do meio exterior, o ADN da célula, ao contrário, jamais se modifica: é o invariante celular. E sabemos que importância se deve dar àquilo que se conserva em todos os fenômenos, mais especialmente em fenômenos tão complexos como os do ser vivo.

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Como sabemos que o ADN do núcleo nunca é renovado? Para isto empregamos um método muito usado, desde há alguns anos, em todos os estudos biológicos: utilizamos o que chamamos de precursores marcados. Quando queremos ver se uma célula fabrica um corpo A no decorrer de sua atividade e onde se dá essa fabricação no corpo celular, acrescentamos, no meio exterior onde ela bóia, uma molécula B, que utiliza a célula para realizar a síntese de A. Dizemos que B é um precursor de A, visto que A utiliza B para sua síntese. Mas vamos igualmente "marcar" B, isto é, tornar B radioativo (o que pode ser realizado por técnicas de "bombardearnento" nuclear). Uma molécula radioativa emite continuamente partículas carregadas, ou de radiação, que são capazes de impressionar uma chapa fotográfica. Compreendemos, então, corno as operações celulares se tornarão, assim, visíveis. A célula se alimenta de B radioativo, se serve de B para fabricar o corpo A do qual tem necessidade; e se filmamos toda a operação, vamos poder seguir o traçado de B na célula (graças à sua radioatividade) e ver claramente onde B vai, e como ele participa da síntese do corpo A. Depois, prosseguindo por um tempo maior, eventualmente, veremos o corpo A, agora radioativo, sendo "consumido" pela atívidade celular e os resíduos radioativos lançados para o meio exterior.

Fornecendo à célula um precursor marcado que serve especificamente à síntese do ADN, constatamos então que, mesmo se injetamos este precursor no citoplasma ou no núcleo, a célula não se utiliza dele: isto quer dizer que ela não sintetiza o ADN no decorrer de sua existência. Como, por outro lado, podemos medir a quantidade de ADN no núcleo (da ordem de um milhonésimo de milhonésimo de grama) e constatamos que esta quantidade é constante, concluímos que a célula não consome nem fabrica o ADN: esta substância é realmente o invariante celular.

Esta qualidade aproxima, ainda um pouco mais, o núcleo do encéfalo humano e, mais amplamente, do sistema nervoso; sabemos, com efeito, que todas as células do corpo se renovam no decorrer da vida, salvo, entretanto, as células do tecido nervoso; conservamos estas mesmas células durante toda nossa vida de adulto.

Um novo ADN somente será sintetizado pela célula no momento do desdobramento celular,- pois será necessário, então, que a célula-mãe tenha suficiente ADN para poder prover as duas células-filhas. Mas, como o veremos, o ADN das células-filhas será uma cópia exata do ADN da célula-mãe, de tal sorte que podemos dizer que a invariância do ADN parece se conservar mesmo de uma geração a outra.

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A cromatina não contém apenas o ADN, mas também outras substâncias, e principalmente o ARN (ácido ribonucléico) que serve para transmitir as ordens do ADN ao resto da célula, e para informar ao ADN o que se passa na célula. Mas somente o ADN formará os cromossomos no momento do desdobramento celular e somente o ADN carrega o potencial genético.

0 nucléolo, ou os nucléolos quando são muitos, contêm numerosas substâncias: sua concentração em matéria seca é de 40 a 80 por cento, enquanto que o conjunto da célula não contém mais do que 10 a 25 por cento de matéria seca, sendo o resto água. Nos nucléolos encontramos urna quantidade considerável deste ARN que desempenha o papel de mensageiro entre o ADN e a célula. Contrariamente ao ADN, o ARN dos nucléolos é consumido e se renova sem cessar, o que é necessário se deve desempenhar o papel de mensageiro. Isto é constatado, mais uma vez, alimentando a célula com um precursor marcado pelo ARN.

A membrana nuclear que envolve o núcleo é uma parede resistente que se opõe, por exemplo, à passagem de uma microagulha que apoiamos sobre ela. Examinando-a, mais detalhadamente, constatamos que é formada de duas folhas superpostas perfuradas por numerosos poros que permitem a circulação de substâncias entre o núcleo e o citoplasma. A folha externa, geralmente, termina em uma rede de canalizações situada no citoplasma, o retículo endoplásmico.

Uma característica que salientamos mais especialmente em relação ao núcleo é sua fragilidade diante de todo contato com o meio exterior diferente do citoplasma. Se extraímos o núcleo de uma ameba, mesmo por uma fração de segundo, e o colocamos em seguida no citoplasma, ele perdeu todas as suas propriedades: não exerce mais nenhuma ação sobre a atividade da arneba, que aliás o considera como um corpo estranho e o expulsa. Não conhecemos uma fórmula de citoplasma "artificial", onde poderíamos conservar um núcleo isolado. Tudo se passa como se a "informação", que permite ao núcleo conferir à célula suas propriedades vivas, escapasse desde o momento em que retiramos o núcleo do citoplasma. Isto significa que a membrana celular encerra um espaço com "topologia" particular, capaz de "confinar" a informação contida no núcleo? Teremos que voltar à possibilidade de uma topologia particular do espaço no interior da célula, a qual desempenha um papel essencial no funcionamento do ser vivo.

Expressamente, um dos papéis do ser vivo parece ser "cada vez mais" fazer vivos. Há como uma competição entre a matéria inerte e a matéria

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viva: o vivo parece ter, entre suas tarefas, de açambarcar sempre mais a substância inerte para transformá-la em substância viva.

A maneira que parece mais simples para realizar esta tarefa é, para a célula viva, absorver, através de sua membrana, matéria inerte emprestada do meio exterior, fazer dela elementos úteis para compor seus próprios organitos e, quando tudo está pronto, se desdobrar; a célula-mãe dá nascimento a duas células-filhas idênticas. 0 vivo, assim, se multiplicou por dois. Se cada célula faz outro tanto, e suponho que o meio exterior possa fornecer os materiais inertes necessários, isto vai muito rápido, pois o crescimento do vivo se faz, assim, em progressão geométrica. Uma célula leva, geralmente, um tempo da ordem de uma hora para completar esta operação de desdobramento. 0 peso médio de uma célula se aproxima de um milionésimo do grama. Se, partindo de uma só célula inicial, a duplicação poderia, assim, acontecer em todas as horas, teríamos, em quarenta horas, cerca de uma tonelada de células vivas. Neste ritmo desenfreado, seriam necessários menos de cinco dias para que o peso do vivo fosse igual ao peso total de nossa Terra!

Bem-entendido, uma tal transformação do inerte em vivo não é possível pois, como já vimos, a célula precisa, para se desdobrar, encontrar no seu meio exterior os alimentos necessários à síntese da substância viva; na prática, uma seqüência de cultura de células rapidamente esgota os recursos de seu meio ... e a duplicação se interrompe.

Então, visivelmente, a tarefa do vivo não consiste simplesmente em se esforçar para se multiplicar o mais rapidamente possível: o vivo procura melhorar suas estruturas para lhe ser possível uma adaptação melhor ao meio exterior; o vivo procura também, sem dúvida, atingir um objetivo mais distante, ele participa de toda evolução cósmica e traz sua própria contribuição a esta evolução. 0 vivo não é uma substância passiva, é uma substância "que busca"; e buscar, para o vivo, é fabricar novas estruturas vivas, as células-filhas não sendo apenas uma simples réplica da célula-mãe, mas se tornando uma associação das características de muitas células. Para criar assim, sem cessar, novo do vivo, a célula inventou a fecundação ou reprodução sexuada. Uma célula-mãe e uma célula-pai se associam para construir células que não serão nem inteiramente análogas às da mãe, nem inteiramente análogas às do pai; é uma nova "tentativa" de vida utilizando uma versão original, onde estão integrados certos caracteres do pai e certos caracteres da mãe.

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0 simples desdobramento celular leva o nome de mitose. 0 processo de fecundação se chama miose. Iremos estudar sucessivamente estas duas atividades da célula viva.

Podemos fazer uma "cultura" de células vivas colocando algumas delas em um meio que contém as substâncias necessárias à sua vida, e mais especialmente ao seu desdobramento. Se vocês pegarem algumas folhas que apodrecem no solo no fim do outono e as colocarem em um prato fundo recobrindo-as com água, descobrirão, geralmente depois de alguns dias, que o líquido do prato, examinado com um microscópio médio, pulula de pequenos organismos, que se deslocam rapidamente, muitas vezes paramécios. Isto quer dizer que existiam alguns destes organismos vivos sobre as folhas mortas recolhidas e que eles se multiplicaram rapidamente no meio criado pelas folhas em decomposição na água do prato.

Procuremos ver o filme desta multiplicação celular.

Primeiro, há um período, chamado intercinético, durante o qual a célula se contenta em reunir os materiais necessários ao seu desdobramento; ela estoca matéria e fontes de energia. 0 microscópio não revela grande coisa neste período; a célula respira, se alimenta, correntes circulam no seu citoplasma, mas suas estruturas fundamentais (núcleo, nucléolo, retículo endoplasmático, etc.) permanecem inalteráveis. Depois, ao cabo de um momento e com a condição de ter podido encontrar no seu meio exterior os elementos de abastecimento necessários, a célula está pronta, está pronta para se desdobrar, para se transformar em duas células iguais a ela mesma.

Olhemos atentamente para o núcleo; é aí que as coisas acontecem. Sabemos que o núcleo continha um nucléolo rico em ARN e cromatina rica em ADN. Esta cromatina, que até aqui se apresentava como grãos fechados dispersos dentro do núcleo, começa a se transformar. Os grãos se alinham e formam pequenos segmentos; estes segmentos se juntam e um certo número de filamentos individualizados de cromatina se desenham dentro do núcleo. Os filamentos são os cromossomos, que vão desempenhar um papel essencial no desdobramento celular.

Durante este tempo, dois pequenos pontos no limite da visibilidade, os centríolos, que se avizinham do núcleo (mas fora dele), começam a se separar deslizando ao longo da membrana nuclear e vão se localizar nos dois pólos opostos da pequena esfera constituída pelo núcleo. Os dois centríolos vão desempenhar o papel de "radares", que vão pilotar os

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cromossomos no decorrer de seu movimento e, finalmente, cada um vai atrair para si metade dos cromossomos.

Mas concentremos nossa atenção sobre o núcleo. Os cromossomos, que até então estavam alinhados um pouco em desordem dentro do núcleo, começam a se enrolar em hélice sobre si mesmos; se encolhem, se encurtam, engrossando. Há um ponto de seu comprimento em que o enrolarnento helicoidal se aperta muito particularmente, dando ao filamento cromossômíco um aspecto estrangulado neste lugar; este ponto leva o nome de centrômero; é ele que será capturado no campo do "radar" dos centríolos; é ele que é o elemento-piloto sobre o qual agem os centríolos para manipular cada um dos cromossomos.

Eis, agora, a membrana nuclear que se funde no citoplasma; o nucléolo faz outro tanto. Os cromossomos parecem boiar livremente no citoplasma, não há mais núcleo. Na verdade, os cromossomos não estão livres; corno havíamos notado, estão estreitamente submetidos à ação dos dois centríolos, que se afastam pouco a pouco um do outro, cada um dos centríolos emigrando para os dois pólos diarnetralmente opostos do citoplasma, perto da membrana celular.

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Esquema geral da mitose. 0 centrômero está representado por um pequeno círculo branco sobre os cromossomos. Salvo em H, o contorno celular está omisso. A: núcleo intercinético; B e C: dois estados da prófase; D: pró-metáfase; E: placa equatorial; F: anáfase; G: telófase; H: estreitamento e reconstrução. (De acordo com Robertis et coll., General Cvtology, Saunders, Filadélfia, 1960.)

Vemos como raios que emergem de cada um dos dois centríolos, os raios emitidos por um vindo convergir para o outro, o conjunto formando um luso (nome que se dá a esta configuração) no interior do citoplasma. Os cromossomos se agitam, cada centrômero se encaminha para um dos raios do fuso, "prendendo" assim o cromossomo pelo centrômero a um raio. Ao mesmo tempo, constatamos que cada fila~ mento cromossômico está fendido longitudinalmente, partindo-se em dois filamentos paralelos reunidos no centrômero. Na verdade, os cromossomos já estavam fendidos assim, isto é, eram constituídos de dois meios cromossomos (ou cromatídios) desde o princípio da duplicação celular; mas distinguimos melhor os dois cromatídios quando, como atualmente, começam a se separar suavemente um do outro.

Os cromossomos estão, curiosamente, dispostos em um mesmo plano, perpendicular à reta que une os dois centríolos, bem no meio do corpo celular. Este plano se chama a placa equatorial. Cada centrômero está sobre um raio e os cromossomos estendem seus braços para o exterior da célula.

Começamos a perceber, então, que a membrana da célula, que até aqui não se tinha modificado em nada, é a sede de um borbulhamento cada vez mais pronunciado. Grossas bolhas se formam, estouram, a parede se fecha novamente, recomeça a borbulhar, e assim por diante.

É o momento em que a verdadeira divisão celular vai começar a efetuar-se. Cada metade de cromossomo se põe bruscamente a deixar a placa equatorial, uma metade emigrando para um centríolo e a outra metade para o segundo centríolo, em cada extremidade do corpo celular. Cada metade de cromossomo é como que "rebocada" pelo seu centrômero, ele mesmo enfiado em um raio que atravessa o citoplasma e liga um centríolo ao outro.

À medida que os cromossomos convergem para eles, os centríolos parecem afastar-se, a célula vai se alongando no sentido do movimento dos cromossomos. 0 cacho de cromossomos, agora, está convergindo para cada um dos centríolos. A membrana celular está em ebulição intensa. Ela

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começa a se estreitar na região central vazia, desenhando um algarismo oito cada vez mais pronunciado. Durante este tempo, os cromossomos perdem seu contorno definido: incham e se entrelaçam uns nos outros. Aos poucos, uma nova membrana nuclear vai se desenhando em torno de cada um dos dois jogos de cromossomos; novamente aparece um nucléolo no núcleo em formação.

Eis que, agora, os cromossomos se dissolvem totalmente dentro destes dois núcleos novos; vemos somente cromatina indiferenciada, como antes do princípio do desdobramento. Durante este tempo, a membrana celular terminou de se romper no estrangulamento do oito, e as duas células completamente constituídas se separam totalmente uma da outra. A célula-mãe deu nascimento a duas célulasfilhas inteiramente independentes, mas réplicas fiéis da célula de onde saíram. As duas filhas, entretanto, são menores do que a mãe; vão crescer ao se alimentar, e depois elas também, por sua vez, se dividirão.

Acabamos de assistir a uma multiplicação celular. A célula decide se dividir para produzir duas células idênticas.

Já tivemos oportunidade de assinalar que, no mecanismo de toda célula viva, há uma substância, localizada no núcleo, que desempenha o papel de um regente de orquestra, comandando todos os processos: é o ácido desoxirribonucléico, ou abreviando, o ADN. 0 que talvez seja mais chocante na divisão celular, é a engenhosidade que empregará a célula-mãe em repartir exatamente sua herança de ADN entre as duas células-filhas. Comecemos por constatar esta divisão eqüitativa, antes de refletir sobre suas conseqüências.

E, primeiro, o que é o ADN? Sabemos que é o essencial da substância que constitui os cromossomos. Durante os últimos vinte e cinco anos, os biologistas têm-se preocupado especialmente com a estrutura do ADN, visto que todo o patrimônio hereditário da célula parece implícito nesta estrutura. 0 prêmio Nobel de Medicina de 1962 foi atribuído aos americanos Watson e Crick, cujas pesquisas de análise espectral pela difração dos raios X permitiram fazer uma idéia da constituição do ADN.

0 ADN é uma molécula geralmente muito longa, que pode ser visualizada, em uma primeira aproximação, como uma corda que seria trançada com dois cordões, formando um enrolamento helicoidal de cada um dos dois cordões. Os dois cordões são idênticos, e cada um deles é constituído por moléculas de fosfato e de açúcar ligadas umas às outras: um fosfato, um açúcar, um fosfato, um açúcar, etc. Além disso, é necessário que também

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imaginemos os dois cordões como suportes de uma estranha escada de corda (visto que os suportes estão torcidos em hélice), que comportaria barras; estas barras vêm agarrar-se às moléculas de açúcar, uma barra indo de uma molécula de açúcar de um suporte a uma outra molécula de açúcar do outro suporte. As barras são construídas de duas maneiras diferentes, por substâncias que chamamos de bases azotadas: uma barra será feita de uma molécula de adenina ligada a uma molécula de timina; a outra barra será feita de uma molécula de guanina ligada a uma molécula de citosina. 0 que é importante notar é que estas quatro bases azotadas não podem jamais ligar-se entre si a não ser de duas maneiras:

adenina - timinaguanina - citosina

A o lado:

Estrutura helicoidal do ADN. A linha vertical indica o eixo da fibra. As duas fitas representam as duas correntes construídas pelos grupos de fosfato e de açúcar. Os bastões horizontais figuram os pares de base atando as duas correntes uma à outra. (Esquema de Watson e Crick, de acordo com CI. Vendrely.)

Embaixo:

Esquema da molécula do ADN e sua reprodução. Por convenção: adenina; -< = timina;

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guanina; --C = citosina. Um fragmento de molécula completa à esquerda. Para simplificar, não representamos a disposição em dupla hélice da molécula. A metade da molécula (no centro) contém todas as informações para reconstituir a molécula inteira (à direita).

Não podemos nunca, por exemplo, ter uma barra feita de adenina e de citosina.

As barras de nossa escada helicoidal são muito numerosas (geralmente milhões). Para simplificar, chamemos os dois tipos de barras: negra e vermelha. A "mensagem" hereditária, de que seria portadora a molécula do ADN, conteria então, segundo as concepções atuais, na maneira pela qual estão arrumadas entre si estas barras diferentes, algo parecido a um alfabeto morse que utiliza dois sinais: um longo e um curto. A sucessão negra-negra-vermelha-negra, por exemplo, teria geneticamente uma significação; e esta significação seria diferente da sucessão negra-vermelha-vermelha-negra. Em todo o comprimento desta escada de corda helicoidal, que é uma molécula de ADN, se inscreveria, portanto, uma "mensagem", da qual a célula se servirá para dirigir todos os mecanismos do metabolismo celular.

Como a célula vai se arranjar para reproduzir exatamente este encadeamento dos elementos em uma outra molécula de ADN, no momento da duplicação da célula? Naturalmente, é necessário que isto seja feito com grande cuidado, pois devem existir milhões de barras na escada de corda, e as colocações delas devem ser rigorosamente as mesmas na escada original e na nova escada que vai ser fabricada. Como evitar que aconteça algum erro?

A maneira pela qual a célula opera é maravilhosa na sua simplicidade. 0 problema é refazer uma outra escada de corda. Começamos, portanto, por sintetizar todas as substâncias químicas que serão necessárias para fazer uma nova escada e as colocamos em reserva (fosfatos, açúcares e as

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quatro bases azotadas). Depois a célula separa os dois suportes da molécula de ADN, cortando ao meio cada barra, entre as duas bases azotadas que constituem cada barra. Agora, portanto, transformamos a escada de corda da molécula de ADN em duas meias escadas. Então, recorremos às substâncias químicas armazenadas na célula para reconstruir uma escada completa a partir de cada metade de escada. Mas, como a base azotada que representa a metade de uma barra não se pode associar quimicamente a não ser a uma só das três outras bases azotadas (por exemplo, a adenina somente com a timina e nunca com a guanina ou citosina), cada meia barra vai se reconstruir exatamente como ela estava na escada original, antes do corte das barras; com efeito, não existem outras maneiras para a barra se completar, pois não há escolha e nunca podemos nos enganar; ou existe a barra certa (isto é, igual à de antes do corte) ou não existe barra nenhuma.

Dessa maneira, cada meia escada é capaz de reconstruir exatamente a escada completa original. Se havia uma mensagem inscrita na escada original, a mesma mensagem será exatamente inscrita nas duas escadas filhas, fabricadas pelo corte de cada barra da escada-mãe.

É evidente que a descrição precedente é bastante esquematizada. Pudemos verificar através dos raios X que a molécula de ADN possuía a estrutura em escada de corda helicoidal. Pudemos verificar também que, alimentando a célula com precursores radioativos marcados para a síntese de uma das bases azotadas, cada escada-filha era constituída por metade da escada-mãe original e por metade de bases azotadas novamente sintetizadas. Mas ainda restam grandes mistérios nesta duplicação da molécula de ADN. Um deles é o seguinte: como se separam os dois suportes da escada de corda, no momento em que as barras se cortam em duas, sabendo-se que estes suportes estão enrolados em espiral bem fechada um em volta do outro? É necessário que os dois suportes "se desenrolem" para que possamos separá-los. Ora, isto exige que os suportes girem um em volta do outro (como quando desfazemos uma trança ou uma corda trançada) em um ritmo da ordem de 10.000 a 20.000 revoluções por minuto, na maioria dos casos! Além disso, e isto não simplifica o problema, no momento de sua duplicação, parece que a maior parte das moléculas de AI)N não apresentam a forma de uma corrente linear, mas antes de uma corrente circular, fechada sobre si mesma. Imaginem, portanto, esta molécula como uma corda trançada com dois suportes, cujas extremidades teríamos ligado; e procurem agora ver como separar os dois suportes sem cortar a corda! Isto é um verdadeiro "truque de prestidigitação" realizado pelo vivo, cuja explicação ainda nos escapa completamente.

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0 que guardaremos é o fato de que a célula se dispõe (como, detalhadamente, é muito difícil de dizer) para reconstituir exatamente a molécula de ADN inicial nas duas células-filhas que resultam da duplicação celular. Não apenas cada molécula nova de ADN terá a mesma estrutura geral, mas será ainda composta exatamente de metade do antigo ADN, que já "viveu" na célula, e de metade de AI)N recentemente sintetizado, fabricado a partir de substâncias que a célula pode encontrar no meio exterior. Isto, acrescido do fato de que, como já vimos no decorrer do processo de duplicação, dois cromossomos, cópias um do outro, se dirigem, sem jamais se enganarem, um para uma célula-filha e o outro para a outra célula-filha, nos leva a concluir que a primeira preocupação da multiplicação celular é assegurar uma herança em AI)N rigorosamente idêntica para cada uma das duas células-filhas.

A duplicação celular é o processo que permite a todo ser vivo organizado, isto é, constituído pela reunião de um número imenso de células, "crescer", e, portanto, ao ser humano passar de seu estado inicial de óvulo fecundado por um espermatozóide (primeira célula) para um corpo humano adulto. Evidentemente, vem acrescentar-se ao processo de duplicação celular um fenômeno de diferenciação celular, que faz com que as células, à medida que são criadas, vão se reagrupar segundo um plano bem definido, formando os órgãos, o aparelho circulatório, o sistema nervoso, etc.

0 que desejaríamos bem salientar aqui, é o mecanismo maravilhoso que parece presidir a esta edificação de um ser organizado. Não podemos nos impedir de pensar que o Espírito, e não somente a Matéria, deve intervir nesta edificação. As leis físicas, próprias da Matéria bruta, repetimo-lo mais uma vez, podem, se as deixamos agir livremente, degradar a ordem do sistema inicial. Ora, este sistema inicial é para o Homem um óvulo fecundado por um espermatozóide; quanto ao sistema final, se o tomamos no instante do nascimento, é esta máquina extraordinariamente complexa e diferenciada que é um bebe humano. Como admitir que simples leis físico-químicas conduziram a este resultado? Assistimos, sem dúvida nenhuma, à obra altamente organizada de objetos microscópicos que possuem um espírito comparável, e talvez mesmo bastante superior, ao nosso próprio espírito. A "consciência" do organizado, já dissemos, não nos parece poder ser superior à "consciência" daquele ou daqueles que criaram o organizado. Pretender o contrário me parece tão absurdo como querer afirmar que uma calculadora tem mais espírito do que o Homem que a inventou e realizou. A calculadora pode ser um instrumento para

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servir o espírito; não pode ser mais "espiritual" do que aquele que criou o instrumento.

Mas eis aqui uma criança que acaba de nascer e que cresceu para ser agora um adulto. Ela possui, desde sua concepção, alguma coisa que chamamos seu "Eu", isto é, seu próprio Espírito, que irá, como seu corpo, se modificando. Entretanto, no decorrer de sua vida, este ser terá o sentimento indubitável da continuidade de seu "Eu", sentimento justificado pela sensação profunda de ser hoje o mesmo que ontem vivia nele. Mas este ser sabe igualmente que, cedo ou tarde, está predestinado a morrer; teria ele algumas razões para crer que o que fazia seu "Eu" se perpetuará no tempo, além desta morte?

Se deve haver uma chance para esta persistência da alma, podemos pensar primeiro que esta chance se dará no plano da matéria cromossômica, graças ao fenômeno conhecido pelo nome de reprodução sexuada. Isto nos assegura, com efeito, que é provavelmente na matéria que forma os cromossomos que seria mais lógico associar o Espírito, isto é, o "Eu", de um indivíduo humano. Ora, uma parte desta matéria cromossômica é transmitida pelos pais aos seus descendentes. Haverá uma chance para que o Eu dos pais prossiga, desta maneira, sua existência além da morte corporal? Tentemos ver, através de uma descrição sumária, como se opera a duplicação dos cromossomos paternos, no decorrer da reprodução sexuada (chamada de miose pelos biologistas).

0 problema é associar duas células (uma chamada de pai, a outra de mãe), através de seus cromossomos, principalmente, de modo a fabricar uma célula-criança. A célula-criança deverá ter o mesmo número de cromossomos que cada uma das duas células dos pais. É necessário, portanto, antes da fusão e para que a célula-críança não tenha duas vezes mais cromossomos, que cada uma das células dos pais abandone metade de seus cromossomos. Isto vai exigir um estado intermediário onde, portanto, deverão existir células vivas com menos da metade de cromossomos que a normal (células haplóides). Como o caráter "vivo" exige um certo número de propriedades empregadas pelos cromossomos, isto significará que podemos já ter todas estas propriedades que fazem o ser vivo somente com a metade dos cromossomos dos pais. Dizendo de outro modo, isto significa que os cromossomos dos pais são feitos de dois grupos homólogos, cada um dos quais é suficiente para produzir urna célula viva (então com metade de cromossornos). Como a célula dos pais é ela mesma produto de uma reprodução sexuada, os dois grupos de seus cromossomos homólogos não podem ser dados senão um pelo pai, o outro pela mãe.

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Representemos, agora, de modo preciso, uma dessas células parentes, a célula do pai, por exemplo. Ela possui, portanto, 2n cromossomos no total, ou n pares de cromossomos homólogos, n cromossomos lhe foram dados pelo pai e n cromossomos (os homólogos), pela mãe.

Esta célula deve fabricar, a partir daí, uma célula que tenha somente n cromossomos e que será útil na operação de fecundação com uma outra célula semelhante.

0 que vai fazer a célula? Podemos dizer que vai, no decorrer de uma dupla escolha que vamos explicar, fazer intervir na elaboração de novos cromossomos destinados à criança que vai nascer, ao mesmo tempo:

• as características cromossômicas do avô e da avó (crossing-over);

• as características emprestadas diretamente do meio exterior no qual vive a célula (complementação das escadas do ADN).

Em um primeiro tempo, os cromossomos homólogos da célula vêm se colocar lado a lado (ver o esquema), como se este Espírito que preside, sem dúvida, a operação quisesse fazer uma comparação das características cromossômicas homólogas, antes de fazer uma escolha.

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Esquema geral da miose.

(Segundo Robertis et coll., General Cytology, Saunders, Filadélfia, 195O.)

Depois, cada cromossomo vai se cortar em dois, no sentido do seu comprimento, como já explicamos no decorrer da duplicação celular. Mas, enquanto que, durante esta duplicação, as duas metades do cromossomo se separam para se tornar, em seguida, um jogo cromossômico estritamente idêntico ao jogo dos pais das duas células-filhas, na reprodução sexuada observamos uma espécie de reajustamento dos filamentos cromossômicos: os cromossomos se cortam em partes diferentes, depois as pontas cortadas vêm se reagrupar de maneira a formarem associações diferentes das que compunham os cromossomos iniciais. Explicando melhor, antes de transmitir à sua criança seus cromossomos, o pai começa por escolher entre os cromossomos do avô e da avó da criança que vai nascer o que lhe parece ser o mais desejável (subentendido, desejável para o objetivo que tem a evolução no momento da escolha). Do mesmo modo, a mãe começa preparar os cromossomos de sua criança, escolhendo os "melhores fragmentos" dos cromossomos do avô materno e da avó materna da criança. Estas "escolhas" acontecem durante uma rápida operação de "cavalgamento" dos cromossomos, que chamamos de crossing-over.

Quando termina o processo de cavalgamento, assistimos à duplicação por separação das duas metades dos novos cromossomos, assim lIcaprichados" pelo espírito da Natureza.

Mas, eis que agora vão atuar os elementos do meio exterior à célula. Com efeito, os cromossomos que se separam compreendem somente metades das escadas helicoidais de ADN. Como explicamos durante a duplicação celular, a célula deverá completar as escadas de ADN enquanto faz a duplicação. Os materiais necessários para completar a escada são necessariamente tomados de empréstimo ao ADN sintetizado pela célula, a partir de seu meio exterior (do qual ela "se alimenta"). Assim, na medida em que os materiais provenientes do exterior são portadores de uma certa "experiência" espiritual, os novos cromossomos completos da criança que vai nascer terão acesso a esta experiência. Notaremos a importância fundamental deste fenômeno: sem ele poderíamos considerar que o jogo cromossômico da criança é feito da substância dos cromossomos da mesma espécie animal; com esta associação dos elétrons do meio exterior aos cromossomos da criança, são as outras espécies animais, e também o

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vegetal e o mineral, que podem participar na evolução de uma dada espécie.

Como se espantar, então, com as maiores ou menores afinidades da criança em relação a este ou aquele animal, ou vegetal, ou mineral! Ainda uma vez, ficamos maravilhosamente confundidos diante dos métodos simples, mas eficazes, utilizados pela Natureza (seria melhor escrever o "Espírito" da Natureza). Esta Natureza se arranja para obter a participação de tudo o que existe no espaço e no tempo a fim de "evoluir", isto é, para se aproximar cada vez mais do objetivo que a evolução se propõe (objetivo sobre o qual retornaremos).

A duplicação da célula do pai tendo sido assim efetuada, fazendo intervir uma "dupla escolha", agora resta preparar os espermatozóides que deverão ter apenas a metade do número de cromossomos das células normais; com efeito, será necessário que, durante a fecundação, venham juntar-se aos cromossomos do espermatozóide os cromossomos do óvulo materno 1, que igualmente só contêm a metade dos cromossomos de uma célula normal da mãe.

As duas células provenientes da dupla escolha vão, então, realizar simplesmente uma duplicação celular normal, resultando em quatro espermatozóides.

0 processo de preparação dos óvulos acontecerá da mesma maneira na mãe: a partir de uma dupla escolha durante a primeira duplicação, depois de uma segunda duplicação, obteremos a divisão de uma célula normal materna em quatro óvulos, tendo cada um menos metade de cromossomos do que a célula "normal" inicial.

Novamente, então, acontecerão duas escolhas independentes. Primeiro, dos quatro óvulos preparados pela mãe da criança a nascer, três serão pura e simplesmente eliminados: não achamos aqui que seja o acaso que presida esta eliminação. Com efeito, assistimos a urna escolha de óvulo: é o mais bem "aquinhoado", levando em conta o concurso de materiais do meio exterior, que será retido para a fecundação.

Eis portanto, neste instante preparatório da fecundação, os espermatozóides que se dirigem desabaladamente para o óvulo, um pouco como a multidão de zangões da colméia, um belo dia, voando aos céus para conquistar a abelha-rainha. 0 óvulo está envolvido por uma geléia transparente, na qual um grande número de espermatozóides vem afundar, primeiramente, a cabeça. Uma nova escolha acontecerá, executada pelo

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óvulo; pois não é o "primeiro a chegar" dos espermatozóides que será aqui o primeiro atendido, materializando a fecundação: é o óvulo que vai emitir para um dos espermatozóides que está debatendo a cabeça na geléia uma espécie de pseudópode (cone de atração); isto fará aparecer uma ranhura na membrana do óvulo e permitirá assim a penetração do espermatozóide "eleito". Quem ousará negar seriamente que, ainda aí, é o "Espírito" contido no óvulo a fecundar, e não o acaso, que interveio para escolher entre os milhares de espermatozóides "pretendentes" o que se combinará de maneira mais favorável com as características cromossômicas do óvulo? Relembremo-nos de Albert Einstein e de sua célebre frase: "0 bom Deus não joga ao acaso".

CAPITULO VIII

As ramificações eternas de nosso Espírito

0 que se torna meu Espírito depois de minha morte? - 0 "acaso" incapaz de substituir o Espírito nos processos evolutivos. - As provas biológicas e "lógicas" de que meu "Eu" inteiro é levado por cada um dos elétrons de meu corpo. - Mas meu "Eu" cósmico é mais rico do que o "Eu" consciente correspondente à minha presente vida vivida. - Estaremos reunidos para sempre com os nossos ancestrais e com os nossos descendentes.

Ainda não respondemos à questão que nos propusemos primeiro: no decorrer deste maravilhoso fenômeno da reprodução sexuada, no qual um certo número de meus cromossomos vão fornecer sua substância para constituir os cromossomos de meu filho ou de minha filha, há alguma coisa do meu "Eu" que vai passar?

Se este "Eu" fosse mantido, como fizéramos a hipótese anteriormente, pelo conjunto dos meus cromossomos, então somente uma fração deste "Eu" irá para meus filhos; e uma parte menor ainda irá para os meus netos; e quase nada do meu "espírito" será, além da minha morte, transplantado para os meus bisnetos.

0 cálculo é simples de fazer. Visto que, no decorrer da reprodução sexuada, meu filho não recebe cromossomos idênticos aos meus, mas uma "mistura" dos cromossomos que vêm de seu pai e dos que vêm de sua mãe, devemos dizer que o "Eu" de meu filho será diferente do meu. Certamente, podemos admitir que aparecerão caracteres mais ou menos "semelhantes" aos de meu "Eu", mas isto não será de modo algum idêntico. Mesmo no caso de uma partenogênese, isto é, de uma

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reprodução a partir de um óvulo fecundado 1, vimos que a duplicação contínua, que se efetua ao nível celular enquanto "cresce" o ovo fecundado, utiliza materiais do meio exterior; estes materiais têm sua própria história no passado no plano "espiritual", o que acarreta que a criança de uma partenogênese só pode ser considerada "espiritualmente" idêntica à mãe.

Resumindo, penso que nos casos mais favoráveis, somente 50 por cento do nosso "Eu" poderia ser transportado aos nossos descendentes de primeira geração . A segunda geração terá, então, menos de 25 por cento do nosso "Eu", a terceira menos de 12,5 por cento ... e a décima, menos de 1 por mil. Nestas condições, é claro que não podemos pretender que nosso "Eu" nos sobreviva no futuro, se tal sobrevivência deva ser assegurada pelo transporte de nossas estruturas cromossômicas; nosso "Eu" irá se extinguindo rapidamente (o que são 10, 100, 1.000 gerações em face dos tempos na escala cósmica!), e não teremos finalmente representado nada na aventura universal mas apenas nos limitado à nossa efêmera vida terrestre.

Mas são as estruturas cromossômicas, ou qualquer coisa ainda mais simples, e portanto também mais durável, que assegura a perenidade do nosso "Eu"?

Parece que é suficiente olhar atentamente como se processa a reprodução de uma célula viva para se obter uma resposta.

Com efeito, já vimos que no período chamado "intercinese", no qual a célula não está ocupada em se multiplicar mas em simplesmente acumular os materiais para preparar sua próxima duplicação, os cromossomos se dissolvem completamente no núcleo, para fornecer a cromatina. Portanto, não é razoável pretender que é a disposição geométrica dos elementos químicos uns em relação aos outros, tais como estão na estrutura cromossômica, que "mantém" meu "Eu", já que a célula arrasa estas estruturas cromossômicas durante a ocorrência da intercinese, ao passo que o que chamamos nosso "Eu" deve se beneficiar de uma necessária continuidade. Se os cromossomos reduzidos a migalhas, como se apresentam na cromatina do núcleo, são capazes, no momento da duplicação, de construir novamente as estruturas cromossômicas, é que existe na simples cromatina uma substância "mais consciente" que os próprios cromossomos acabados. Se vocês olharem uma calculadora e constatarem que ela pode ser posta em pedaços sucessivamente, depois reconstruída, vocês serão constrangidos a reconhecer que há, atrás deste jogo de construção um espírito maior do que o da própria calculadora

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acabada, visto que, quando esta última é reduzida a mil pedaços, é necessário que ,,alguém" reorganize estes pedaços, numa ordem certa, a fim de obter novamente uma calculadora "que funcione".

Mas, dirá ainda o cético, a cromatina é, em maioria, constituída de moléculas de ADN, substância especial cujo papel essencial vimos nos processos vivos. Não é, então, a molécula de ADN que leva o Espírito, graças à sua forma geométrica, e esta reunião bem definida de "barras" da molécula, que faz o conjunto desta parecer-se com alguma mensagem codificada? É interessante reler sobre este assunto um texto de Diderot, que coloca em relevo este fato: um edifício molecular qualquer, seja qual for a sua complexidade estrutural, não será nunca um "vivo" se não for constituído por outras coisas que objetos inertes (isto é, se eles mesmos já não forem "vivos"). Em uma carta para Sophie Volland, em 15 de outubro de 1759, Diderot escrevia: "Supor que colocando ao lado de uma partícula morta uma, duas ou três partículas mortas formaremos um sistema de corpo vivo, me parece um absurdo muito grande, ou eu não me conheço. A partícula A colocada à esquerda da partícula B não tinha a menor consciência de sua existência, não sentia nada, estava inerte e morta; e eis que a que estava à esquerda colocada à direita, e a que estava à direita colocada à esquerda, o conjunto vive, se conhece, se sente! Isto não pode ser. 0 que faz aqui a direita ou a esquerda?"

Os biologistas mecanicistas (também chamados "reducionistas"), que proliferam, no meu entender, em grande número na nossa época, deveriam meditar sobre este texto de Diderot. Ele é simples, existe há mais de dois séculos mas, entretanto, me parece "imbatível". É necessário fazer o Espírito intervir desde o nível elementar se queremos começar a compreender o Vivo.

Agora podemos duvidar bem menos desta conclusão lógica, apoiada sobre tudo o que nos mostra o Vivo no trabalho, de que descobrimos o espaço-tempo do Espírito, encerrado em cada elétron. Todo processo puramente mecanicista, que admite que os atos e as estruturas ordenados vivos poderiam ser obra do acaso, agindo no quadro das alterações físicas habituais próprias da Matéria, só pode permanecer incompreensível e é, aliás, contrário ao que nos diz precisamente a Física sobre a evolução da Matéria em um sistema deixado ao acaso: o sistema só pode "degradar" sua ordem. A ordem somente pode nascer da própria ordem. Somente um espaço "ordenado" pode ser "ordenador" da Matéria, e dar nascimento a estruturas e evoluções ordenadas dela mesma. 0 Espírito não poderá nunca ser explicado como uma "secreção" da Matéria, por mais complexa que esta seja. Atrás de cada obra prima é necessário um arquiteto.

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Resta-nos agora um último passo, e ele é importante. Seja, admitamos pois por enquanto, que a aventura principal do Espírito no Universo é, em primeiro lugar, a aventura dos bilhões de elétrons que povoam o Universo e que são capazes de estocar a informação no espaço-tempo particular que encerram, depois ordenar sempre mais esta informação, a fim de utilizá-la especialmente durante as sínteses, cuja eficácia e complexidade deixam atônitos os melhores técnicos de nossas civilizações ditas, entretanto, "avançadas". Parece certo que estas sínteses não constituem o fim da evolução; podem ser somente um meio para atingir este fim; do mesmo modo os foguetes que não constituem um fim em si mesmos, mas somente um meio de atingir pontos afastados do cosmo. Antes de nos interrogarmos sobre este fim da evolução na escala cósmica, supondo que ele exista, formulemos uma questão de importância: como nosso "Eu", o dos Homens, isto é, nosso Espírito, se compara ao Espírito destes elétrons, que certamente vimos atuando em tarefas complicadas e que nos ultrapassam espiritualmente, tarefas, entretanto, muito diferentes daquelas sobre as quais se exerce habitualmente nosso espírito: criar máquinas para melhorar nosso bem-estar, lutar contra a fome e a ignorância, conservar a saúde, atingir terras longínquas ... para citar apenas algumas de nossas "nobres" tarefas (elas não são naturalmente todas tão nobres assim, não tenho nenhuma necessidade de convencer disso o meu leitor).

A única resposta lógica para esta questão me parece ser afirmar que nosso "Eu" e suas preocupações entram no campo de consciência dos elétrons de nosso corpo e, provavelmente, de cada um destes elétrons. Com efeito, de que serviria a estes elétrons nos ter fabricado como uma máquina capaz de possuir um "Eu", uma máquina capaz de ser uma "pessoa" e não simplesmente um autômato, se este "Eu" não trouxesse por sua vez algum proveito aos próprios elétrons. Afinal de contas, Pascal tinha razão em observar que o Homem é um "animal pensante" e nossa vocação mais profunda é, sem nenhuma dúvida, pensar. Cada um de nós deveria retirar do pensamento sua experiência vivida, pois, qualquer que seja nossa ação na vida, tudo se resume finalmente para nós em refletir sobre a ação passada e preparar a ação seguinte. Mas este pensamento, que nos dá o sentimento profundo de existir, é precisamente ele que "sonda" sem cessar o meio exterior e informa nossos elétrons. É explorando a informação vivida pelo Vivo, inclusive o Homem, que a aventura eletrônica progredirá e se aproximará cada vez mais do seu objetivo. Portanto, é necessário que este "Eu" que conhecemos, que chamarei de "Eu consciente", seja um subconjunto do estoque de informações de que dispõe a matéria elementar eletrônica ao entrar no nosso corpo. Digo um subconjunto, pois o conjunto das informações de que dispõem nossos

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elétrons forma um "Eu" cósmico, que é com certeza infinitamente maior que o que colocamos a crédito do nosso “Eu consciente". Vimos antes que possuímos muito poucas informações que permitem ao elementar criar as estruturas vivas; nossos melhores pesquisadores ainda estão no bê-a-bá. Também é visível que os elétrons dispõem de informações extremamente especializadas, próprias para assegurar cada uma das funções do nosso corpo, cujos mecanismos nos escapam desde que descemos do nível macroscópico para nível microscópico. Aliás, estes conhecimentos seriam em grande parte não indispensáveis, e mesmo inúteis, para nossa própria sobrevivência que está assegurada, independentemente da da nossa vontade pelos múltiplos conhecimentos de que dispõe, silenciosamente, o elementar em ação dentro do nosso corpo.

Mas se o elementar possui mais informações do que o nosso "Eu" consciente, ele recebe, contudo, a cada instante, as informações que este "Eu" consciente percebe e é para recebê-las que criou uma máquina que chamamos Homem. Ainda uma vez, não se trata de pensar aqui que a informação própria ao nosso "Eu" poderia "se dispersar" nos bilhões de elétrons que formam nosso corpo, onde um elétron particular só teria, por sua vez, conhecimento de um fragmento microscópico. A informação própria do nosso "Eu" deve permanecer inteira, não deve ser despedaçada, ou então ela nada vale, nada é. Tornem uma tragédia de Shakespeare, distribuam uma frase para cada um dos seres humanos do planeta e vejam se isto é útil, de alguma forma, para que qualquer terráqueo possa fazer uma idéia da informação contida na obra do grande escritor!

Não, é o nosso "Eu" inteiro que é um subconjunto da informação contida em cada uma das partículas elementares que formam nosso corpo. Senão em todas, ao menos em bilhões delas. Mesmo admitindo que somente as partículas que entram na composição do ADN de nossas células possuem cada uma a informação própria sobre nosso "Eu", dado que a quantidade de ADN de cada célula humana é da ordem de milionésimo de milionésimo do grama, haveria perto de cem bilhões de elétrons "espirituais" portadores de nosso "Eu" em cada uma das células de nosso corpo. E as células do nosso corpo se contam naturalmente aos bilhões. Temos em nós, provavelmente, tantos elétrons portadores do nosso "Eu" quantas estrelas e planetas há no firmamento. Ainda aqui a Natureza nos põe em face de números imensos, tanto na escala da Matéria -como na do Espírito. E se esta imensidão é capaz de ser harmoniosa é porque cada unidade possui seu papel no todo, como cada nota em uma sinfonia, cada músico em uma orquestra.

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Entretanto, há ao mesmo tempo qualquer coisa de estranho e de fascinante nestes "grandes números", tais como os encontramos quase em toda parte, a partir do momento em que perscrutamos um pouco atentamente nosso Universo. Assim, não podemos nos impedir de "sonhar" quando calculamos que há mais elétrons em um centímetro cúbico de ar do nosso planeta do que há estrelas em todo nosso Universo.

Mas não há uma misteriosa "razão de ser" dissimulada atrás destes grandes números? É urna interrogação que foi bastante sentida, de maneira intuitiva, pelos neognósticos de Princenton e Pasadena e eles a traduziram por "numeração paradoxal". Com efeito, eles procuraram dar a conhecer, tanto em seu meio quanto por publicações e em tom de "gracejo sério", algumas conseqüências puxadas pela existência dos grandes números, conseqüências que devemos aceitar, pois, apesar de sua aparência paradoxal à primeira vista, elas resultam de deduções e de cálculos perfeitamente "científicos", e não podemos de modo algum colocá-las em dúvida. Eis um exemplo.

César foi assassinado, como sabemos, no ano 44 antes de Cristo. No instante de sua morte exalou, como cada um de nós neste momento crítico, um "último suspiro"; isto quer dizer que, naquele instante, ele expulsou para a atmosfera, pela última vez, em torno de um litro de ar que estava circulando em seus pulmões. Ora, eis a questão: será que respiramos ainda agora, em cada uma de nossas inspirações, e qualquer que seja nosso lugar neste planeta, alguns dos elétrons que entravam nas moléculas de ar que compunham o "último suspiro" de César? Se supomos, como é cientificamente aceitável, que o último litro de ar de César ao morrer foi uniformemente diluído em todo o ar de nosso planeta no decorrer do tempo, e isto em uma altura da atmosfera da ordem de cem quilômetros acima do solo, inteiramente ao redor da Terra, então um cálculo bastante simples mostra que a resposta é: "Sim, nós respiramos atualmente algumas dezenas destes elétrons cesarianos em cada uma de nossas inspirações".

Mas então, se estes elétrons tiveram tempo, quando de sua curta estada no corpo de César, de levar alguma coisa do Espírito de César, então o grande tribuno não é para nós totalmente desconhecido, nós "comungamos" de alguma forma com um pouco dele, por intermédio do nosso "Eu" cósmico, a cada uma de nossas inspirações!

0 mesmo tipo de cálculo pode ser feito em relação aos elétrons do nosso corpo. Admitamos que somente os elétrons que entram na composição do nosso ADN sejam portadores do nosso "Eu". Depois de nossa morte, os

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elétrons se dispersarão progressivamente, no decorrer do tempo, no interior e em volta de nossa Terra. Suponhamos estes elétrons, alguns anos depois de nossa morte corporal, uniformemente dispersados numa esfera contendo toda nossa Terra e numa camada atmosférica de uma espessura da ordem de cem quilômetros. Calculamos, então, facilmente, ainda uma vez, que cada centímetro cúbico desta esfera contém alguns dos elétrons portadores do nosso "Eu", e que fizeram, por um momento, parte do nosso ADN celular. Portanto, nossos descendentes absorverão, em cada uma de suas inspirações do ar atmosférico, alguns dos elétrons portadores do nosso “Eu". E isto enquanto durar a nossa Terra.

Melhor ainda: em cada centímetro cúbico do espaço da nossa Terra virão "se reencontrar", depois de um tempo suficiente, durante uma espécie de "comunhão" uns com os outros, os "Eu" de meus ancestrais, meu próprio "Eu", e os "Eu" dos meus descendentes! Nós que nos conhecemos não seremos nunca separados! Nós nos reuniremos não tanto pelos nossos corpos, cujos elétrons não constituem, no centímetro cúbico considerado, mais do que uma minúscula parcela: mas nos reuniremos, o que é essencial, no plano do Espírito, posto que cada elétron que pertenceu ao nosso corpo (ou ao menos ao nosso ADN) é portador do nosso "Eu" inteiro. Nossos "Eu" se encontram assim reunidos e em comunicação um com o outro até a eternidade! Quem recusará perceber a profunda significação metafísica desta constatação?

Portanto, para isso, será necessário idealizarmos uma "pluralidade" do nosso "Eu". E penso que, depois de alguma reflexão, deveríamos mesmo aceitar esta pluralidade, pois ela constitui, sem dúvida, o primeiro passo para compreender nosso verdadeiro lugar no Universo, para nos libertarmos desta esmagadora opressão de um Universo, cuja escala das dimensões no tempo e no espaço não tem uma medida comum com a nossa vida terrestre cotidiana. Nossa profunda consciência, graças a esta pluralidade das partículas eternas que a contêm, pertence a toda esta imensidão do tempo e do espaço. Morte contra a Natureza, talvez tenha chegado a sua derrota!

CAPITULO IX

Mecanismos do Espírito e parapsicologia

Uma experiência imaginária de comunicação telepática com a múmia de Ramsés II. - As bases científicas da parapsicologia. - Primeira abordagem "analógica" dos mecanismos do Espírito. - Nossa "reencarnação" em novas vidas. - Retorno sobre nosso "Eu" consciente,

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nosso "Eu" inconsciente e sua união no nosso "Eu" cósmico.- Criação e raciocínio. - Vocês sabem que as árvores falam?

Assim, o que diferencia minhas conclusões das de Pierre Teilhard de Chardin é essencialmente o fato de que, enquanto Teilhard via o Espírito de um ser organizado, como um Homem, por exemplo, repartido no conjunto dos corpúsculos elementares que formam este ser, creio, ao contrário, que, com toda a lógica, devemos pensar que o nosso Espírito, nosso "Eu", está contido inteiro dentro de cada um dos elétrons de nosso corpo, ou ao menos dentro dos bilhões de elétrons que pertencem ao nosso corpo (os que participam principalmente da edificação das moléculas de ADN).

Quero ilustrar esta mudança radical de ponto de vista com um exemplo, que propositalmente será um pouco "caricatural", pois é importante que meu leitor conceba verdadeiramente o que implica esta mudança de perspectiva em considerar o Espírito.

Ramsés II era um faraó da XIX.a dinastia, que reinou de 1301 a 1235 antes de Cristo, há portanto mais de três milênios. Este faraó particular nos interessa pois, como sabemos, foi descoberto seu túmulo no fim do último século, e no interior dele seu corpo mumificado. Atualmente, todos podem ver Ramsés II mumificado no museu do Cairo, ou quando de sua passagem por qualquer outro museu do mundo, em Paris ou em Nova York, por exemplo.

Parece que as viagens que lhe são impostas, de uma maneira certamente inesperada para ele pelo nosso século XX, não trazem proveito nenhum aos restos do célebre faraó, e que os danos constatados em sua múmia entre a descoberta de seu túmulo e hoje não são negligenciáveis, comparados aos dos 3.000 anos que precederam. Mas nosso problema não é este: é suficiente para nós podermos afirmar que, com a múmia de Ramsés II certamente estamos em face de uma matéria que "viveu" em um corpo humano há uns 3.000 anos, e que deve, portanto, conter um bom número dessas partículas elementares de matéria que participaram do corpo e do espírito de Ramsés II vivo. Estes elétrons, que levaram o Espírito inteiro do grande faraó egípcio, são mostrados aos visitantes dos museus; e estes visitantes estariam certamente interessados em aprender que, escondidos sob os restos em perdição da múmia, estão lá, bem perto deles, alguns corpúsculos de matéria capazes de lhes revelar o pensamento de sua majestade defunta.

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Parecemos tomar isto em tom de gracejo, tanto essa idéia, à primeira vista, se mostra surpreendente, levando em conta nossos dogmas atuais de pensamento sobre a Morte. Mas, na realidade, não gracejamos: é exatamente (ou quase) a conclusão lógica à qual sou conduzido, se levo em conta as pesquisas sobre a presença do Espírito nas partículas elementares. Aprofundemos este assunto, conservando o exemplo de nosso faraó.

Ramsés II, como cada um de nós, nasceu, viveu e morreu. Durante sua vivência, o Espírito que ele mostrou, isto é, o que chamamos seu "Eu" no capítulo precedente, estava contido inteiro nos bilhões de elétrons que entravam na composição de seu corpo. Estes elétrons, nós o vimos, tinham sua própria história, que ascendia a bem antes do nascimento do faraó; cada um dos elétrons de Ramsés II possuía a memória da experiência vivida de seus pais, avós .... e assim por diante até a um passado que se aproxima da origem do próprio Universo. Nestes elétrons estava inscrita, portanto, uma experiência vivida haurida não somente do mundo humano, mas também do mundo animal, do mundo vegetal e do mundo mineral.

Aliás, os elétrons de Ramsés II, insistimos igualmente nisto possuíam um Espírito que ultrapassava de muito o Espírito associado ao "Eu" consciente do faraó, se limitamos este à memória dos acontecimentos vividos pelo faraó somente durante sua existência terrestre. Os elétrons faraônicos são mais "sábios" do que o "Eu" consciente do faraó; eles eram, principalmente, enquanto Rarasés vivia, capazes de fazer funcionar esta máquina ultracomplexa que foi o corpo humano de Ramsés, recorrendo a conhecimentos milenares. 0 "Eu" consciente de Ramsés, aquele que lhe permitiu se conduzir "acertadamente" no meio de sua corte, era praticamente destituído deste saber milenar.

É por este pequenino "Eu" consciente, entretanto, que nos interessamos aqui. Ele estava contido em cada um dos bilhões de elétrons de Ranisés 11 vivo. Mas, todo Homem é mortal: e eis que o grande faraó, mumificado, será colocado para sempre na sua suntuosa tumba mortu ria, na concavidade da pirâmide.

Para sempre, não, pois cerca de 3.000 anos mais tarde, retiraram Ranisés desse repouso que ele acreditava que fosse eterno, para mostrá-lo em espetáculo a uma multidão de pessoas estranhas.

Entrementes, bilhões de elétrons que seu Espírito continha escaparam de seu túmulo, apesar das bandagens e dos muros espessos da pirâmide. Pois estes elétrons são objetos tão pequenos que é bastante difícil retê-los. Os

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elétrons que escaparam foram flutuar nas vastas planícies do Nilo e, durante estes 3.000 anos, foram provavelmente participar de outras numerosas estruturas organizadas, tais como minerais, vegetais, animais ... ou mesmo humanas.

Entretanto, podemos esperar ter sido retida ainda, entre as bandagens milenares, uma boa quantidade dos elétrons do Ratrisés 11 que viveu. Novamente, é a lei dos grandes números que aparece: se o Espírito de Ranisés tivesse sido contido apenas dentro de algumas dezenas ou centenas de elétrons, a cbance de ter conservado ao menos um na sua múmia até o século XX seria mínima, sem dúvida; mas, como já observamos anteriormente, perto de cem bilhões destes elétrons estavam dentro do ADN de cada uma das células do corpo do faraó. Podemos esperar, portanto, que alguns milhões deles, ao menos, ainda estejam presentes nos restos mostrados nos museus.

Estamos, agora, portanto, diante da grande questão: se estes elétrons são os mesmos que ditavam ao faraó as ações que ele realizava desde o seu levantar matinal, não podemos esperar uma "comunicação" com eles para aprender alguma coisa das idéias deste nobre personagem, que acreditava ser igual aos deuses?

Diremos, durante os próximos capítulos, de que forma é constituída esta "memória" do faraó dentro do espaço-tempo do Espírito que compõe cada elétron. Diremos também como se comunicam entre si, no plano "espiritual", os elétrons que compõem um corpo humano vivo. No momento, nos contentamos em notar que esta memória é uma espécie de radiação eletromagnética "codificada". Entrar em comunicação com o Espírito de Ranisés II, tal como subsiste nos restos que vemos, é chegar a "ler" esta radiação codificada, encerrada ainda hoje nos elétrons do faraó.

Isto certamente não é uma operação fácil, do mesmo modo que não foi fácil aos astrônomos detectar, depois ler, e por fim interpretar, as ondas de rádio provindas das estrelas do céu, que também nos contam a história do Universo. Antes de poder ler estas ondas, os físicos tiveram que adquirir um grande número de conhecimentos sobre eletro-magnetismo e sobre as características dos sinais eletromagnéticos emitidos pelas estrelas.

Em relação às ondas que levam o Espírito, no interior das estruturas eletrônicas, o problema parece árduo à primeira vista: com efeito, como já dissemos, estas ondas estão num espaço "fechado", no sentido que damos a esta palavra na Relatividade geral; não existe nenhuma possibilidade de fazer sair o que quer que seja deste espaço fechado. Vimos, entretanto,

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que trocas de informações entre este espaço eletrônico fechado e nosso espaço (o da Matéria) poderiam ser estabelecidas por meio de interações "virtuais", o que quer dizer que poderão mudar alguma coisa "à distância" neste espaço fechado, com a condição de mudar alguma coisa correspondente, simultaneamente, no nosso espaço da Matéria. A simples interação eletrostática entre dois elétrons (dois espaços "fechados" independentes) é explicada assim, por exemplo, na Física contemporânea, por um tal processo de ação "à distância". É assim, igualmente, que acontece o processo de comunicação "espiritual" entre dois elétrons, e retornaremos a este assunto, mais detalhadamente, um pouco mais à frente.

Então, considerando que nossa Ciência e nossas técnicas nos permitem comunicar diretamente, um dia, por meio de um receptor de rádio de um tipo novo, com os elétrons do grande Ramsés, imaginaremos uma outra possibilidade, teoricamente à nossa disposição, para tal comunicação: utilizaremos os receptores que são os nossos próprios elétrons, para nos comunicar com os elétrons de Ramsés por meio de uma espécie de processo telepático, que nos revelará, assim, alguns dos "sonhos" de Ranisés II.

Já falei dos "sonhos" de Ramsés. Pois se queremos prosseguir este raciocínio em toda sua lógica (deixando de lado, deliberadamente, todos os problemas "técnicos"), podemos esperar em não discernir através dessa comunicação telepática senão aquilo que Ramsés II vivo percebia através de seus sonhos. Por quê? A resposta requer que precisemos um pouco, desde já, o estado em que se encontra o Espírito de Ramsés, quando ele se manifesta somente através dos elétrons encerrados nos seus restos mortais.

Podemos comparar o espaço espiritual contido nos elétrons com um imenso quadro coberto de pequenas lâmpadas. Durante a vida normal, pela interação à distância entre os elétrons dos corpos vivos, este quadro pisca sem cessar, acendendo e apagando algumas lâmpadas, criando uma mensagem (um pensamento) que, por sua vez, permitirá uma ação sobre o meio exterior. Diremos, tomando emprestado aqui a terminologia da Física, que no decorrer da vida consciente este quadro está em estado de "excitação". Ao contrário, durante o sono profundo, a excitação entre os elétrons se interrompe, o quadro pára quase que completamente de piscar, e diremos que ele está no seu estado "fundamental". Neste último, as lâmpadas permanecem sempre prontas a piscar, mas não são mais "excitadas" pelas interações com os elétrons vizinhos, e é por isso que elas permanecem no seu estado fundamental, de uma certa forma em repouso

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Entretanto, há o sonho. Ele é produzido por "auto-excitações", como se algumas lâmpadas do quadro estivessem particularmente quentes e sofressem um "auto-acendimento", favorecendo um nivelamento da temperatura sobre a superfície do quadro. A pessoa que sonha recebe, então, idéias mais ou menos coerentes, voltando mais ou menos longe sobre o seu passado, mas sobretudo influenciadas naturalmente pela experiência consciente vivida mais próxima.

Penso que, na Morte, os elétrons daquilo que foi nosso corpo estão em um estado semelhante ao do sono profundo. Cada elétron está praticamente entregue a si mesmo, com pouca ou nenhuma comunicação com os elétrons exteriores, vizinhos ou afastados. Enquanto não participam de uma outra vida, os elétrons permanecem neste estado fundamental, entregues a um pensamento puramente interior, que corresponde mais a uma "reorganização" do conteúdo espiritual do que a uma aquisição de novas informações, Salvo ...

Salvo, entretanto, se intervém, no meio exterior dos elétrons post-mortem, o que podemos chamar um "médium". Este pode, por exemplo, ser um homem. Ele é capaz de se colocar "em ressonância" com o leve piscar do quadro espiritual dos elétrons, no seu estado post-mortem de sono profundo. 0 espírito do médium "lê" este piscar e comunica-se diretamente com o que pode exprimir o morto, no seu estado de sono profundo. É um pouco como se o médium colocasse a mão sobre o quadro de lâmpadas dos elétrons da pessoa que dorme, provocasse assim o acender das lâmpadas mais facilmente excitáveis (as mais "quentes"), e encontrasse, em seguida, sua mão marcada nos lugares onde as lâmpadas se acenderam, tornando-se, portanto, capaz de "ler" o impresso do sonho provocado na pessoa que dorme.Poderíamos proceder assim para adivinhar alguns trechos dos pensa mentos de Ramsés II. Com o fim de sua vida corporal, seus elétrons passaram para o estado fundamental correspondente ao do sono profundo. Nosso médium do século XX seria capaz, entretanto, de entrar em ressonância com o que resta de atividade "sincrônica" em todos os elétrons restantes do corpo mumificado de Ramsés. No decorrer da intervenção mediúnica, o "Eu" de Ramsés vai reviver por um instante, como vive nosso próprio "Eu" no decorrer de um de nossos sonhos, liberando alguns dos elementos de sua experiência vivida, sob uma forma mais ou menos simbólica, mais ou menos coerente.

Eis, portanto, o que o meu leitor deve entender, quando afirmo que nosso "Eu" está contido inteiro nos bilhões de elétrons que participam da Matéria do nosso corpo.

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0 que acabamos de dizer deve ser tomado estritamente ao pé da letra. Na verdade, utilizei imagens para melhor "visualizar" o que queria exprimir. Mas estas imagens devem ser consideradas, efetivamente, como uma linguagem simbólica, para exprimir uma realidade bem "real", isto é, tendo uma existência física objetiva.

Desta linguagem simbólica devemos principalmente guardar este fato fundamental: a Morte não é o fim de nossa participação nos processos do Universo. A aventura espiritual do morto prossegue, quando os elétrons de seu corpo, depois de terem permanecido mais ou menos tempo neste estado de sono profundo ao qual aludimos há pouco, "renascem" participando da matéria de um outro ser organizado vivo, nos reinos do vegetal, do animal ou do Homem. Então é, de alguma forma, uma "reencarnação" do "Eu" em um novo ser vivo. No decorrer destas sucessivas vidas, nada da experiência espiritual anterior é esquecido. Pois, lembremo-nos disso, o conteúdo informacional encerrado no espaço-tempo do Espírito não pode diminuir quantitativamente, a evolução do estado espiritual está em neguentropia não decrescente. Isto significa que o conteúdo informacional pode parar de crescer por um momento (persistência no estado fundamental), mas que, cedo ou tarde, ele terminará aumentando novamente (reencarnação em uma nova vida).

Assim o elétron tendo participado sucessivamente de uma árvore, de um homem, de um tigre, depois de novo de um homem, sempre "se lembrará" de suas experiências vividas no passado. Ele terá em si mesmo as experiências vividas enquanto árvore, enquanto homem nº 1, enquanto tigre, e também enquanto homem nº 2, no qual participa no presente instante. Mas, entendamos bem, cada um dos elétrons que constituem este homem nº2 terá uma experiência vivida no passado diferente; somente esta parte da experiência, limitada no tempo, vivida pelo homem nº2 durante sua própria existência, do seu nascimento até o presente instante, será repartida por todos os elétrons de seu corpo. Aliás, é precisamente porque todos os elétrons do meu corpo têm em comum a memória da mesma parte da vida, da "minha" vida, que esta memória comum vai brilhar mais intensamente na minha consciência do que a memória das minhas vidas precedentes, que são tão numerosas quanto as de cada um dos elétrons do meu corpo, mas também todas diferentes uma das outras. Chamei anteriormente Eu consciente esta parte da memória que todos os elétrons do meu corpo possuem. Mas meu "Eu total", que chamei de Eu cósmico, é muito mais rico em informações do que este "Eu consciente": ele compreende também uni Eu inconsciente, que tem suas raízes bem antes do meu nascimento, no passado e nos espaços mais longínquos do

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Universo inteiro. 0 "Eu inconsciente" compreende a memória das experiências individuais vividas por cada um dos elétrons de meu corpo, com exclusão da memória comum a todos estes elétrons, que constituem meu "Eu consciente".

Estou convencido de que urna parte da memória inconsciente, em certas condições, pode "propagar-se" lentamente até a memória consciente; ou, exprimindo-nos de outra maneira, que nosso "Eu consciente" pode chegar a formular, na sua própria linguagem (a da minha vida de Homem), dados provenientes de nosso "Eu inconsciente". Creio 1 que este processo de propagação do inconsciente para o consciente está associado ao que chamamos a criação, em oposição ao raciocínio, que retira suas informações somente da memória do "Eu consciente"'. Creio também que nosso "Eu consciente" pode não somente se comunicar com nosso "Eu inconsciente", mas também com as informações memorizadas nos elétrons exteriores ao nosso corpo, aqueles que estão encerrados no corpo "dos outros", em tudo aquilo que faz o nosso mundo. chamado "exterior".

Mas, naturalmente, é mais cômodo se comunicar com um grupo de elétrons que dizem todos a mesma coisa, falando em coro sobre sua vida em comum, do que se comunicar com um só elétron do grupo, que conta sua experiência pessoal vivida. É porque também, como notei, o médium ao interrogar a múmia de Ramsés despertará, sem dúvida, mais facilmente com uma centelha de vida "sonhada" a experiência vivida pelo próprio Ramsés, visto que o grande número dos elétrons presentes sob as bandagens possuem a memória de uma vivência comum, a vivência do personagem chamado Ramsés 11. Isto não exclui, bem entendido, as "interferências" do médium com as lembranças trazidas das vidas anteriores de Ramsés.

Sob o efeito do que chamamos Reflexão, nosso "Eu consciente" pode, sem dúvida, tornar-se algumas vezes, por um breve instante, muito mais "permeável" a trocas com o Espírito contido no nosso "Eu inconsciente". Isto corresponderia a uma brusca elevação do nível neguentrópico do nosso "Eu consciente", portanto, também do nível de todos os elétrons que trazem consigo o nosso "Eu cósmico" (que participam todos do "Eu consciente"). Não devemos ver aí a brusca mudança de estado do nosso nível de consciência, fruto da Reflexão (da Meditação), de que nos falaram os profetas e os sábios?

Notaremos, em todo caso, que este processo de súbita intensificação do nível de consciência, se ele pode existir, é ainda uma operação de Amor. São os elétrons do nosso corpo que subitamente se tornam capazes de ter

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entre si uma "linguagem" comum e que "falam" todos juntos a linguagem do nosso "Eu consciente".

Assim, existe uma interação de "Amor interno", entre os elétrons do nosso corpo, ao lado de uma interação de "Amor externo", entre nossos elétrons e os "dos outros”.

Uma segunda conclusão que devemos ter em mente, generalizando os resultados precedentes, é que as mesmas faculdades que fazem que certos humanos sejam "médiuns" deveriam também permitir provar o caráter pensante de tudo o que existe à nossa volta, do mineral ao humano. "Vocês sabem que as árvores falam?" diz um poema hindu. Deste lado do mundo, somente as crianças, os sábios ... e os loucos ainda são capazes de ter este conhecimento "amoroso" da Natureza inteira. Um texto muito bonito de Pierre Emmanuel, em um livro recente, exprime melhor do que eu poderia fazê-lo as qualidades de médium que possuímos no nascimento, no mais profundo de nós mesmos, mas a "civilização" atual está tentando impedir sua manifestação:

"Eu, Homem, eu pequena pessoa, escreveu Pierre Emmanuel, eu me integro na gênese universal: tal é o ato de fé, simples e exaustivo, neste nós-mesmos maior do que nós. Esta experiência é na maioria das vezes obscura, porque nós, nas nossas civilizações da superfície, embotamos, irremediavelmente o sentido interior. 0 uso dos nossos sentidos se torna confinado aos limites da nossa experiência social, cada vez mais estereotipada. Quanto à sensibilidade geral e à imaginação que a sustém, toda nossa formação nos conduz a deixá-las incultas, rechaçá-las em vez de integrá-las e orientar sua energia. Ternos somente um conhecimento abstrato do elementar: nossa intuição do vivo é muito fraca, quer se trate do animal ou da planta. Alguns, dotados de simpatia instintiva, podem fazer amizade com a raposa, abraçar um carvalho para retirar sua força, ou, apalpando 'a crosta das pedras', preparar a entrada de um instrumento. Mas a maioria fica no exterior, não somente dos seres e das coisas, mas de suas próprias sensações. Falta-nos esta forma de amor quotidiano, ilimitado, que é a ligação com a realidade universal, com a unanimidade dos elementos, Amar o ritmo de crescimento da planta, a forma e a curva do vento, as leis de composição da duna e da turfeira; perceber no olhar do animal a alteridade misteriosa, ressentida às vezes de maneira tão pungente, e que é como um ) julgamento da nossa separação em relação à natureza, como uma interrogação ou um apelo infinitamente discreto disto lá, não é uma experiência autêntica da realidade que nos ultrapassa, um saber interno, um instinto do ser-necessário à ciência, como a carne ao espírito? É necessário terminar com a alienação que o homem moderno se

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impõe, negando qualquer valor à subjetividade, à imaginação e à magia, exilando, amputando, recusando os poderes cósmicos da alma humana e caçoando dela. Se nossa experiência fosse mais física e nossa presença total mais ativamente comprovada, o corpo apareceria com sua aura de inteligência. 0 conhecimento, quaisquer que sejam a sua ordem e objeto, seria vivido como um imenso sistema de focos incontáveis cujas ondas, se encontrando, formariam o batimento de um só coração “.

CAPITULO X

0 funcionamento do Espírito como fenômeno da Física

Estrutura do elétron espiritual. - Papel do "spin" nos mecanismos espirituais. - Enriquecimento neguentrópico do espaço eletrônico. - Já existe o instrumento matemático de descrição do Espírito. - 0 elétron sabe estocar e utilizar a energia. - 0 carbono assimétrico e a topologia do Vivo. - Louis Pasteur: um precursor de gênio.

Somos, novamente constrangidos a falar um pouco "tecnicamente". Porque este problema da descrição da estrutura do que chamamos Espírito é muito importante, como vimos, pelas conseqüências esboçadas durante os capítulos precedentes, para que eu deixe de dizer aqui algumas palavras sobre a maneira como vejo, no plano dos conhecimentos científicos, isto é, na linguagem da Física, o processo de funcionamento do Espírito, indo um pouco mais além deste "quadro de mil luzes piscando", de que me utilizei acima para imaginar as operações espirituais.

Para seguir no tempo o processo de enriquecimento contínuo do Espírito no elétron e dizer também como ele se torna capaz de alargar seu campo de ação na proporção do seu desenvolvimento espiritual, conduzindo-o do mineral ao Homem, depois, sem dúvida, a estados mais "conscientes" ainda no futuro, consideraremos primeiro um elétron do "começo do mundo”, quando seu Espírito era o mais "pobre" possível e seguiremos a sua evolução. Pois como Aristóteles já havia notado, "para ver as coisas claramente, é necessário tomá-las no seu começo".

Este elétron do "começo do mundo" é precisamente o elétron que consideramos na Física atual, com suas propriedades puramente físicas, onde o Espírito não está absolutamente ausente (vamos constatá-lo), mas é, sem dúvida, comparável a esta "psique extremamente difusa", de que Teilhard dotava cada partícula de Matéria.

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É este elétron da Física que descrevi na minha Teoria da Relatividade complexa. É um minúsculo objeto esférico "fechado", com aproximadamente um milésimo de bilhonésimo de milímetro. Devemos tomar aqui o termo "fechado" no sentido entendido pelos físicos da Relatividade geral: um espaço independente do nosso próprio espaço, da Matéria, onde nenhuma comunicação direta pode acontecer entre espaço da Matéria e o espaço interior do elétron (espaço do Espírito), o qual possui um tempo cujo sentido é inverso relativamente ao nosso, como já explicamos. Vimos, entretanto, e vamos aí voltar, que podem existir comunicações "virtuais" entre o espaço da Matéria e o espaço do Espírito, ou ainda entre dois espaços do Espírito, pertencentes a dois elétrons diferentes.

0 espaço do elétron está em pulsação contínua em um ritmo em tomo de 1023 (1 seguido de 23 zeros) períodos por segundo. Enquanto seu raio cresce e decresce assim durante uma pulsação 1, a densidade da matéria contida no elétron oscila entre os enormes valores de 1.000 bilhões e 1 milhão de bilhões de gramas por centímetro cúbico. Estas densidades parecem muito grandes, mas são as que caracterizam não somente as partículas elementares mas também certas estrelas superdensas observadas de fato pelos astrônomos, corno, principalmente, os pulsares.

Esta grande densidade no espaço eletrônico é concomitante com temperaturas muito altas, que, durante a pulsação do elétron, variam entre 100 bilhões e 1.000 bilhões de graus. Estas temperaturas, que nos parecem enormes na nossa escala humana, são igualmente as que constatam os astrofísicos em certas estrelas particularmente densas. Estas temperaturas são materializadas por uma radiação eletromagnética presente no espaço, que se assemelha a um verdadeiro gás de fótons3 .

Esta radiação é chamada de "radiação negra" e é caracterizada pelo fato de as energias e as velocidades dos fótons terem todos os valores e todas as direções possíveis, como as partículas de um gás fechado dentro de um frasco. 0 termo "negra" significa precisamente que as partículas não podem sair do espaço onde estão encerradas.

Independentemente dos fótons encontramos, no corpo do espaço eletrônico, partículas que, como o fóton, possuem uma massa própria nula, e que chamamos neutrinos. Estes neutrinos se distinguem essencialmente dos fótons, pelo fato de que o que chamamos seu "spin" ser somente metade do dos fótons.

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É preciso nos demorarmos um pouco sobre esta característica chamada de "spin", pois vamos ver que ela desempenhará um papel fundamental nos mecanismos do Espírito.Cada partícula estudada pelos físicos comporta, entre os números inteiros ou semi-inteiros que servem para descrever suas prioridades, um número particularmente importante que chamamos o spin. Apesar do fato de que, atualmente, os físicos não gostam de fornecer imagens "visualizadas" dos conceitos que manipulam, a idéia que fazem do spin é a mesma de Uhlenbeck e Goudsmidt, que "inventaram" o spin em 1925: as partículas se assemelham aos planetas ou às estrelas, elas giram em torno de um de seus eixos, como um pião; daí o nome de 4~spin", que significa, precisamente, em inglês "girar como um pião".

Mas, diferentemente dos planetas, das estrelas e dos piões, que podem girar em qualquer velocidade para uma dada massa, as partículas estão sujeitas a girar somente em certas velocidades precisas, que dependem da massa da partícula. É necessário que sua energia de rotação, multiplicada pelo seu período de rotação 1, seja sempre múltiplo da metade de uma quantidade que desempenha um papel fundamental na Natureza, e que chamamos constante de Planck. Chamamos spin este produto da energia pelo período', e dizemos que o spin de uma partícula pode, conseqüentemente, ter os valores 1/2, 1, 3/2, 2 . . ., quando exprimimos o spin tendo por unidade a constante de Planck (dividida por 2 7).

0 spin oferece esta particularidade de que não parecemos ser capazes de poder determinar, de maneira absoluta, a partir do seu valor, o sentido de rotação da partícula girando sobre si mesma como um pião. Assim, peguem um pião, olhem-no por cima, e constatem, por exemplo, que ele gira no sentido dos ponteiros de um relógio. Se vocês o olharem agora por baixo, constatarão que o mesmo pião gira em sentido inverso ao dos ponteiros de um relógio. Por causa desta particularidade, a descrição de um fenômeno físico permanecerá a mesma, e as leis de conservação da impulsão-energia permanecerão exatamente as mesmas se, considerando um sistema formado de uma só partícula, dizemos que ela gira no sentido dos ponteiros de um relógio (diremos, convencionalmente, por exemplo, que seu spin é + 1), ou no sentido inverso dos ponteiros de um relógio (spin – 1).

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Não será a mesma coisa, entretanto, se considerarmos um sistema formado por muitas partículas. Ilustremos ainda um pouco isto, por meio de dois piões em rotação, de eixos paralelos. Se decido atribuir convencionalmente ao sentido de rotação do primeiro pião o spin + 1, e constato em seguida que o segundo gira no sentido inverso do primeiro, então não tenho mais escolha sobre o sinal do spin do segundo pião: devo dizer que seu spin é - 1. Do mesmo modo, se os dois piões giram no mesmo sentido, poderia (convencionalmente) dizer que os dois têm o spin + 1, ou o spin - 1, mas nunca dois spins de sinais contrários.

Exprimimos tudo isto em Física dizendo que, quando consideramos um sistema formado de muitas partículas, deve haver aí uma conservação do spin total, qualquer que seja a convenção de sinal do spin escolhido para designar o spin de qualquer uma das partículas. Assim, se duas partículas giram no mesmo sentido, o spin total pode ser +2, ou -2, já que, considerando a primeira partícula, decidimos que seu spin era + 1, ou - 1. Se elas giram em sentido contrário, o spin total deverá ser zero, qualquer que seja a convenção de sinal na primeira partícula. Aliás, uma vez definido o spin total do sistema, o valor desse spin total do sistema não pode mais mudar, salvo se o sistema interage com uma ou muitas outras partículas situadas fora do sistema.

Por que tudo isto tem importância nos mecanismos espirituais? Porque, como nos lembramos, comparei anteriormente o funcionamento do Espírito com um quadro de luzes que piscam. Ora, as lâmpadas são aqui os fótons da radiação encerrada no interior do elétron, e o piscar de uma lâmpada é traduzido fisicamente pela mudança, no decorrer do tempo, do sinal do spin de um fóton: de + 1 (imagem da lâmpada acesa) ele se torna - 1 (lâmpada apagada), ou vice-versa6.

A conservação do spin total no espaço fechado de um elétron nos indica então que, sem a contribuição de uma energia ou de uma impulsão exterior, será possível ao elétron mudar simultaneamente os sinais dos spins de um número par de fótons da radiação negra contidos no elétron,

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contanto que os fótons que compõem este par tenham spins iguais mas de sinais contrários, pois este processo não mudará o spin total e não exigirá nenhuma energia. Podemos dizer que o elétron é "livre" para escolher à vontade o sinal do spin de um par de seus fótons negros e para inverter estes spins quantas vezes quiser no decorrer do tempo. Estamos aqui como diante de dois piões em rotação de sentidos contrários, nos quais, bruscamente, os sentidos de rotação teriam o direito de ser invertidos. Isto não seria possível com dois piões reais sem a contribuição de energia, pois os piões têm uma massa que não é nula. Em contraposição, é possível para os fótons, que possuem massa própria nula.

A mudança do sinal do spin por pares de fótons, no interior de um mesmo elétron,. é o processo normal de funcionamento espiritual "sobre si mesmo" do elétron, entretanto inobservável do exterior, pois o espaço do elétron é fechado 1. Aqui o elétron funciona "livremente" sobre as próprias informações que possui, mas não pode haver enriquecimento da informação do elétron, visto que não há contribuição de informações do meio exterior. Notemos, aliás, também que não pode haver perda de informações, pois o espaço do elétron está aqui em neguentropia constante.

Mas eis que o elétron E, cujo mecanismo espiritual estudamos, vai poder agora se comunicar com o espaço exterior, da seguinte maneira: no espaço exterior (que pode ser ou o espaço da Matéria, ou o espaço do Espírito fechado dentro de um outro elétron), um fóton, e somente um, muda o sinal de seu spin; este spin passa, por exemplo, de + 1 para 0 se o fóton exterior desaparece. 0 processo vai ser autorizado pela lei de conservação do spin total se um dos fótons do espaço do elétron E, de spin - 1, por exemplo, passa simultaneamente para o spin - 22. Outra possibilidade ainda: o fóton de um elétron vizinho de E passa do spin + 1 para o spin + 2, enquanto que, simultaneamente, um fóton do elétron E passa do spin - 1 para o spin -2. Em cada um destes casos podemos verificar, pela simples adição dos spins em causa, que há conservação do spin total9.

Mas, neste processo de comunicação com o exterior, notamos então que o elétron E enriqueceu sua informação e fez crescer sua neguentropia. De simples radiação negra, de que o elétron E "do começo do mundo" era composto na origem, com todos seus fótons de spin + 1 ou - 1, passamos agora para um elétron E que possui um de seus fótons no estado de spin - 2, em vez de - 1: esta marca distintiva é alguma coisa que aparece claramente como a aquisição de uma informação suplementar, antes mesmo que a tenhamos justificado em linguagem científica. Entretanto, encontramos esta justificação científica, desde o século passado, nos

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trabalhos de Helmholtz. Ele mostrou, com efeito, a equivalência existente entre a ação de um sistema, considerado em valor absoluto, e a neguentropia deste sistema. Ora, no processo que acabamos de assistir no elétron E, cujo spin aumentou, em valor absoluto, de uma unidade, há também aumento da ação do elétron de uma quantidade igual a uma unidade da constante de Planck; portanto, também, de acordo com Helrnholtz, um aumento da neguentropia do elétron; e portanto, enfim, aumento da informação estocada pelo elétron10.

Somos então, uma vez mais, testemunhas dos procedimentos maravilhosos estabelecidos com precisão pela Natureza: ligando-se sempre mais ao "Outro", comunicando-se cada vez mais com o mundo exterior que o envolve (e chamaremos um pouco mais tarde estes dois tipos de ligação, respectivamente, de Amor e de Conhecimento), o "Um" aumenta sua neguentropia, isto é, aumenta finalmente suas faculdades espirituais (sua "consciência"). Quem é, portanto, este imenso Arquiteto, que soube fazer que ser espiritualmente mais é também projetar mais nosso Amor para os outros?

E assim, permutando cada vez mais com seu meio exterior, o espaço de nosso elétron E "do começo do mundo" vai se tornar sempre mais consciente, mais neguentrópico. Até o momento em que esta consciência se tornará suficiente para "inventar" máquinas que intensificarão ainda, em qualidade e em quantidade, suas trocas com o mundo que a envolve. Assim, veremos a evolução de nosso Universo conduzir do caos inicial, feito de partículas elementares isoladas, aos elementos químicos, depois ao vegetal, depois ao animal e depois ao Homem. Isto, falando somente de nossa Terra: onde estão os outros planetas do mundo, nós o ignoramos quase completamente. Mas é certo que a marcha para frente da evolução, para sempre mais Espírito no Universo, é uma marcha cada vez mais rápida, que deveria levar sempre para mais perto de um estado de neguentropia quase infinita, de espiritualidade total. Não é este estado último que Teilhard gostava de chamar o "ponto Omega"?

Onde está a Física para descrever matematicamente estes estados dos spins superiores (2, 3 ... n), que seriam suscetíveis de capturar os fótons encerrados no espaço do elétron?

Curiosamente, podemos dizer que todo o formalismo geral para tal descrição já existe". ]É na França, aliás", que estudamos particularmente estes estados de spin superior dos fótons, considerando-os como "fusões" de spins mais simples: o spin 1 fabricado na fusão de dois estados de 1/2 spin, o spin 2 por quatro estados de spin 1/2 ou 2 estados de spin 1, e

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assim por diante. 0 interessante é notar que as equações que descrevem o estado do spin 'múltiplo' contêm as descrições dos estados mais elementares de que é composto o múltiplo. Assim, o spin 2 contém não somente ondas específicas características deste estado de spin 2, mas ainda as ondas ordinárias de spin 1, isto é, a radiação eletromagnética habitual. Percebemos assim, ainda melhor, como o crescimento do spin corresponde a um verdadeiro crescimento da informação, os novos estados não fazendo de modo algum desaparecer os antigos, mas ajuntando somente novos estados mais complexos.

De qualquer maneira, o que é importante guardar é que não estamos completamente no "escuro" para descrever matematicamente os sucessivos estados espirituais do espaço-tempo do elétron/O instrumento matemático de cálculo, como na maioria das vezes na história das ciências em Física, já está disponível. Ele foi criado, é verdade, com um objetivo bem diferente daquele para o qual o destinamos aqui, isto é, a descrição de estados "espirituais" no espaço eletrônico fechado; mas ele se encontra agora, bem à mão, para nos ajudar a progredir no conhecimento do Espírito. 0 que nos mostra, mais uma vez, que o caminho da Física é coberto de intenções metafísicas, mesmo se estas intenções não são visíveis numa primeira vista d'olhos ...

Vimos assim como se enriquece espiritualmente o elétron comunicando-se com o seu meio exterior. Mas este enriquecimento do Espírito deve conduzir a uma ação verdadeira do elétron e deve ser associado ao que chamaremos mais adiante de uma Ação do elétron. Mais Espírito, é verdade, mas mais Espírito para aumentar sempre mais o ritmo de "subida" do Espírito, construindo novas máquinas próprias para esta intensificação do Espírito no Universo. Tivemos, nas páginas anteriores, uma primeira visão (retornaremos a ela) dos meios utilizados pelo elétron para obter proveito dos processos espirituais de Reflexão, de Conhecimento e de Amor: resta-nos ver como o elétron vai saber utilizar o fruto deste enriquecimento espiritual para agir. Para agir, e principalmente para construir novas "máquinas de pensar", o elétron é como nós: precisa dos meios de locomoção e da energia.

Como o elétron vai resolver estes dois problemas essenciais? Com efeito, ele vai, como iremos ver, ao mais simples e obterá assim a solução dos dois problemas de uma só vez.

Primeiramente, de que dispõe o elétron no interior de sua própria estrutura, sob o ponto de vista de fonte de energia?

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Vimos que o elétron dispõe de uma radiação eletrornagnética negra com temperatura muito alta, de muitos bilhões de graus. Mas o microuniverso do elétron está "fechado" e esta radiação não pode sair do corpo do elétron 11. 0 elétron vai então utilizar esta radiação interior para fazer trocas virtuais de impulsão de seus fótons com as impulsões dos fótons de seu meio exterior, isto é, os fótons do nosso espaço-tempo da Matéria. Já examinamos (capítulo V) o princípio desta troca de impulsões do elétron com o exterior, através de fótons chamados "virtuais" (diagramas de Feynmann), quando percebemos a interação eletrostática entre partículas carregadas eletricamente. Notaremos que, desde que esta troca de fótons virtuais com o meio exterior é possível, o elétron resolveu então o seu problema de deslocamento e de utilização da energia exterior. 0 elétron dispõe, com efeito, no seu próprio espaço, de fótons que possuem todas as direções e todas as energias 11: supondo que os fótons do meio exterior sejam, igualmente, fótons “negros", isto é, tendo também todas as direções e todas as energias, então será suficiente que o elétron saiba fazer uma escolha conveniente do fóton de seu espaço que ele quer trocar virtualmente com o exterior, para assegurar seu deslocamento na direção e na velocidade desejada; o mesmo procedimento lhe permitirá "pilotar" determinado fóton exterior, para fazê-lo produzir os efeitos que deseja, provocar uma reação química, por exemplo.

0 problema do armazenamento de energia está, também, resolvido: se o elétron é capaz de provocar as reações químicas que deseja "pilotando" os fótons de seu meio exterior, será suficiente para ele abastecer sua vizinhança de elementos químicos capazes de se dissociarem sob a ação dos fótons libertando energia. Isto pode ir desde as reações químicas chamadas "exotérmicas" (isto é, que libertam calor), até verdadeiras reações nucleares, que fazem intervir a transmutação sob radiação dos núcleos atômicos (fusão e fissão)15.

Mas falta ainda o problema essencial, que condiciona tudo o mais: como o elétron pode dispor na sua vizinhança de uma radiação "negra"? A resposta é clara: a radiação "negra" existe desde que possamos definir no espaço uma certa temperatura. 0 elétron deverá então criar, no espaço que o cerca, uma "membrana", de maneira a isolar localmente sua vizinhança do espaço exterior; ele se esforçará, em seguida, para fazer "subir" a temperatura do espaço interior até a membrana, provocando, por exemplo, as reações químicas exotérmicas, de que falamos.

Não estamos fazendo aqui uma petição de princípio?

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Pois, para que o elétron ponha sua membrana protetora frente a frente do meio exterior, é necessário, primeiro, que possa agir, isto é, dispor de uma radiação negra exterior com temperatura suficiente... isto é, de uma membrana que isole localmente sua vizinhança do espaço exterior.

Isto quer dizer que o elétron deverá utilizar, no começo, estruturas químicas já existentes, que sejam capazes de reter a radiação, e mais especialmente uma radiação do tipo da radiação negra.

Dizendo de outra maneira, a primeira membrana que deve ser utilizada pelo nosso elétron do "começo do mundo" deve ser não uma membrana material, produzida pela aglomeração conveniente de partículas,de matéria (como a membrana celular ou nuclear, por exemplo), mas uma membrana "espacial", causada pela configuração do próprio espaço. Deverá ser uma membrana produzida pela topologia do espaço. E é exatamente isto que o elétron vai fazer: ele vai utilizar, como primeiro elo do Vivo, uma estrutura química particular, que chamamos de carbono assimétrico e que tem a propriedade de modificar de maneira "natural" a topologia do espaço. Para explicar melhor, diremos primeiro algumas palavras sobre o que é necessário entender por "topologia" do espaço.

Tomemos uma folha de papel milimetrado, que colocaremos estendida à nossa frente sobre a mesa.

Esta folha representa o que podemos chamar de um espaço com duas dimensões, visto que é uma superfície sem espessura.

Nesta folha, podemos desenhar, por exemplo, um triângulo retângulo, como ilustrado na figura (A) acima. Se sabemos um pouco de geometria, poderemos verificar que este triângulo retângulo demonstra bem o teorema de Pitágoras, segundo o qual a soma dos quadrados dos dois lados do ângulo reto é igual ao quadrado do terceiro lado, a hipotenusa.

Agora, curvemos ligeiramente a folha de papel, como na figura (B), como se quiséssemos formar um cilindro de papel com esta folha. Esta operação é fácil, e podemos fazê-la sem amarrotar a folha de papel. 0 triângulo retângulo desenhado sobre a folha também se curvou ligeiramente,

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enquanto dávamos à folha este início de forma cilíndrica. Mas, como o notamos, o triângulo não se deformou no espaço de duas dimensões (o espaço da superfície da folha); seus ângulos e seus lados permaneceram inalterados, os dois lados do ângulo roto ficaram rigorosamente perpendiculares entre si e o teorema de Pitágoras se verifica rigorosamente.

Com efeito, se fôssemos observadores de duas dimensões somente (das sombras, por exemplo), alojadas na superfície da folha, todas as medidas que poderíamos fazer sobre esta superfície não nos permitiriam descobrir se nosso espaço de duas dimensões possui a forma 14plana", como é representada por (A), ou a forma ligeiramente encurvada de (B). Nos dois casos, é a geometria euclidiana habitual, aquela que postula que duas paralelas não se encontram nunca, que prevaleceria em todas as nossas medidas executadas sobre a folha de papel. Entre (A) e (B) a diferença não se encontra na geometria da folha, mas na sua topologia. Dizemos que os dois espaços euclidianos (A) e (B) têm topologias diferentes: (A) possui uma topologia plana, (B) uma topologia cilíndrica.

Entretanto, em vez de encurvar ligeiramente a folha, como (B), fizéssemos

um verdadeiro cilindro (C) fechado, com as bordas coladas uma na outra, então um observador sobre a folha

Faixa de Möbiuspoderá adivinhar, por meio de medidas, que seu espaço não é plano e tem, talvez, uma topologia cilíndrica. Com efeito, este observador constatará, agora, que existem certas direções de seu espaço (o círculo materializado por uma seção do cilindro) onde, depois de ter caminhado suficientemente "sempre para frente", ele retornará ao ponto de partida; isto não poderia acontecer nunca se a topologia de seu espaço euclidiano fosse plana. Notemos que ele não poderia, entretanto, garantir que sua topologia "não plana" é cilíndrica: entre as superfícies euclidianas, com efeito, existem outras além do cilindro que possuem "retas" que se fecham. Um exemplo é a célebre faixa de Mõbius (acima), que se obtém colando uma sobre a outra as duas extremidades de uma faixa de papel, depois de virar uma de suas bordas sobre si mesma 180 graus.

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Topologias como as do cilindro ou da faixa de Möbius oferecem a propriedade interessante de confinarem melhor a radiação do que uma topologia plana; com efeito, os fótons da radiação sempre se propagam no espaço em "linha reta": se o espaço só tivesse duas dimensões, os fótons fariam, nestes espaços onde certas linhas retas são fechadas sobre si mesmas, como nosso viajante de há pouco, eles também retornariam sempre ao seu ponto de partida, isto é, permaneceriam confinados numa pequena região do espaço considerado, em vez de escapar para o infinito, como em uma topologia plana. Como enunciamos anteriormente, certas topologias do espaço (o cilindro ou a faixa de M8bius, por exemplo) podem, portanto, desempenhar o papel de uma verdadeira membrana "espacial", capaz de reter os fótons de luz ou de calor em uma região relativamente estreita.

Uma vantagem importante de saber confinar o espaço modificando a topologia, e não a geometria, é que a modificação topológica não reclama nenhuma energia particular se permanecemos, como antes da deformação, na geometria euclidiana. Como veremos logo adiante, sobre o exemplo do carbono assimétrico, uma topologia de retas "fechadas" pode ser engendrada pela simples disposição dos elementos químicos que constituem uma molécula, uns em relação aos outros. 0 que "custa" energia, com efeito, é quando desejamos "curvar" o espaço, no sentido da Relatividade geral, isto é, fazer com que este espaço não mais satisfaça a geometria euclidiana. Passa-se aqui como acontece com uma folha de borracha elástica: enrolemo-la em forma de cilindro, isto exigirá apenas um esforço bem fraco; ao contrário, tentemos recobrir exatamente, com esta folha de borracha, a superfície de uma esfera (espaço não-euclidiano); será necessário puxar "energicamente" a folha em alguns pontos e comprimir "energicamente" a folha em outros, a fim de fazer que sua elasticidade se desempenhe; logo, isto reclamará muita energia. Nossos elétrons pensantes, eles também, desejam fazer economias de energia: para confinar o calor ao seu redor, eles preferem utilizar a topologia do espaço, permanecendo em geometria euclidiana. E como sabemos que a Natureza oferece configurações químicas que encerram um espaço onde certas direções estão "fechadas", eles terão a grande idéia de utilizá-las: vão construir a Vida sobre carbonos assimétricos. Expliquemo-nos.

É possível reconhecer que uma região do espaço possui uma topologia não-plana, como uma topologia cilíndrica ou uma faixa de Möbius, por exemplo? Em outros termos, se enviamos luz através do nosso próprio espaço, cuja topologia é geralmente "plana" (ou quase), e que esta luz atravessa uma pequena região do espaço com uma topologia "não-plana",

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será possível percebê-lo analisando a luz na saída desta região de topologia não-plana?

A resposta é afirmativa. Entretanto será necessário utilizar, na experiência, luz "polarizada". Não entraremos aqui nos detalhes experimentais 11. Será suficiente notarmos que se traçamos uma reta sobre nossa folha de papel milimetrado enquanto ela está plana e que em seguida enrolamos esta folha para fazer um cilindro, de tal maneira que a reta traçada não esteja nem em uma seção do cilindro, nem seja paralela ao eixo do cilindro, então a reta se tornou uma espécie de espiral, semelhante ao enrolamento helicoidal de uma mola. Se fótons de luz se propagam segundo esta reta "espiralada", sua direção de polarização poderá ser esquematizada por urna perpendicular à folha em cada ponto onde se encontra o fóton a cada instante. Vemos, então, facilmente que esta direção de polarização vai virar em um certo ângulo enquanto o fóton, que entrou por uma ponta da espiral, sairá pela outra ponta, tendo atravessado, assim, a pequena região de espaço com topologia cilíndrica. Em resumo, se notamos que um objeto qualquer de nosso espaço ordinário é capaz de fazer virar a direção de polarização da luz 11, então diremos que este objeto encerra um

Moléculas-imagens de carbono assimétrico (analina)

microespaço de topologia não-plana, e provavelmente de topologia cilíndrica ou de faixa de Möbius.

Ora, tais "objetos", capazes de fazer virar a direção de polarização de um fóton polarizado incidente, existem de maneira natural, são as moléculas químicas chamadas carbonos assimétricos. Uma tal molécula de carbono possui o que os físicos chamam de dissimetria molecular, isto é, a propriedade de existir sob duas formas, apresentando-se como imagens, uma da outra, em um espelho; uma das formas faz virar a direção de polarização dos fótons que a atravessam para a direita (carbono direito), a outra para a esquerda (carbono esquerdo). Representamos, acima, as duas moléculas-imagens da analina. Notamos que elas não são sobreponíveis uma à outra, exatamente como não são geralmente sobreponíveis um objeto e sua imagem no espelho.

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0 Vivo vai procurar confinar a energia térmica, que lhe é, como vimos, indispensável para sua "ação", utilizando nas suas estruturas carbonos assimétricos, que encerram, entre seus quatro "braços", minúsculas regiões do espaço onde a topologia não é plana, mas contém "retas" fechadas sobre si mesmas. Constatamos, com efeito, que todo organismo Vivo, qualquer que seja, é constituído de carbonos assimétricos de um só tipo, somente carbonos direitos ou somente carbonos esquerdos (a utilização dos dois ao mesmo tempo anula, evidentemente, todo o efeito de confinamento da radiação). A analina, que representamos, é um dos vinte ácidos aminados que a célula viva ou os vírus utilizam para fabricar suas longas cadeias de proteínas. Ora, como esta escolha, entre os materiais oferecidos pela Natureza, de carbonos assimétricos, poderia ser explicada se, em um nível de organização ainda mais simples que a cadeia de proteínas, não houvesse um objeto mais elementar capaz de fazer uma escolha? Pretendemos aqui que esta escolha acontece já ao nível dos elétrons, graças ao espaço-tempo espiritual que cada elétron encerra em si mesmo. Para sua "ação", isto é, para executar os movimentos específicos do vivo, o elétron precisa dispor em torno de si, como explicamos, de um meio com temperatura suficiente. Ele facilitará a criação e o confinamento deste meio "quente, utilizando, para abrigar as estruturas que edifica, carbonos assimétricos. Um único carbono não faz mais do que virar levemente o plano de polarização da radiação: mas nas cadeias carbonadas muito longas, como as das proteínas vivas, os elétrons poderão dispor de microrregiões do espaço capazes de confinar completamente a radiação negra, com a ajuda de uma verdadeira membrana topológica.

Neste espaço de topologia não-plana, como vimos, uma linha reta se torna uma hélice espiralada. Uma cadeia reta qualquer tomará, portanto, neste espaço, uma forma geral helicoidal. Ora, que forma possuem as cadeias de ADN ou ARN, segundo os estudos que valeram aos biologistas Watson e Crik o prêmio Nobel de Medicina em 1962? Exatamente a forma de um enrolamento helicoidal. Este resultado, se ainda fosse necessário, nos mostra que o carbono assimétrico e suas propriedades de modificar a topologia do espaço constituem sem dúvida o "primeiro elo" do Vivo, o primeiro material de que o elementar tem necessidade e se utiliza para construir suas "máquinas de evolução".

É interessante notar que Louis Pasteur teve, desde a sua época, a intuição da interpretação, que somos levados a dar hoje em dia para a observação das dissimetrias moleculares na matéria viva. Em uma carta a Raulin, de 4 de abril de 1871, Pasteur escrevia: "Você sabe que creio em urna influência cósmica dissimétrica que preside naturalmente, constantemente,

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a organização molecular dos princípios imediatos essenciais à vida, e que em conseqüência as espécies dos reinos da vida estão, nas suas estruturas, nas suas formas, em relação com os movimentos do Universo".

Para Louis Pasteur, corno já encontramos nos maiores físicos e biologistas, a reflexão metafisica é inseparável da criação científica mais elevada e constitui um motor possante para fazer progredir o Conhecimento. Sem desagradar aos senhores cientistas!

CAPITULO XI

Reflexão, Conhecimento, Amor e Ação

As quatro interações do elétron com o mundo exterior e com o Espírito do outro. - Descrição na linguagem da Física. - 0 enriquecimento informacional e o crescimento neguentrópico do espaço do elétron pelo Conhecimento e pelo Amor. - 0 Amor é um processo telepático. - Uma Física neognóstica.

Praticamente terminamos com a exposição "técnica"; agora tentaremos resumir os "poderes psíquicos" do elétron e as características destes poderes.

Vimos, portanto, que o elétron possuía, ao mesmo tempo, propriedades de reflexão interior e de comunicação exterior.

Posto que o elétron é um microurtiverso fechado, mergulhado no nosso espaço-tempo da Matéria, suas propriedades só podem se manifestar sob duas formas: no próprio seio do espaço eletrônico (Reflexão), ou através de ações "à distância" com o universo exterior. Esse segundo caso se subdivide em comunicações à distância com nosso espaço-tempo habitual, o da Matéria (Ação e Conhecimento), ou em comunicações à distância com outros elétrons (Amor). Iremos examinar, sucessivamente, estas propriedades diferentes do microuniverso eletrônico.

A reflexão interior, que doravante chamaremos Reflexão, se refere aos processos que se desenvolvem unicamente no interior do elétron. Já vimos como opera esta Reflexão: os fótons interiores do elétron, que constituem a radiação negra do microuniverso eletrônico, podem aos pares mudar o sinal de seu spin, modificando assim o estado da "memória" do elétron. 0 spin + 1 de um fóton se torna - 1, enquanto que, simultaneamente, um outro fóton do espaço eletrônico passa do spin - 1 para o spin + 1. A

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mesma coisa acontece nos fótons de spin superior a 1. Como o spin está associado a um sentido de rotação do fóton sobre si mesmo, vemos que esta operação corres

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ponde a transformar, simultaneamente, cada um destes elementos de um par de fótons de spins opostos em sua própria imagem no espelho: daí o nome de Reflexão.

Notaremos em que ponto o processo de memorização central das calculadoras se inspira em tal mecanismo; aí, também, tudo é memorizado em elementos magnéticos (análogos aos fótons negros do elétron) suscetíveis de tomar dois estados magnéticos "espelhos" (análogos aos spins + ou -), que designamos simbolicamente, em geral, por 0 e 1. Toda a "Reflexão" da calculadora vai consistir em inverter, nos lugares apropriados da memória, estes estados magnéticos, onde os 0 se tornam 1 e vice-versa. Do mesmo modo, toda a Reflexão eletrÔnica vai consistir em fazer passar os estados de spin existente em um dado instante de + a -, ou vice-versa, em certos pontos precisos do espaço eletrônico. Não devemos, certamente, nos admirar com tal analogia entre o funcionamento da calculadora e o da Reflexão eletrônica (e, mais em geral, da Reflexão do Vivo): como enfatizava meu amigo o psicanalista Pierre Solié 1, "você pensa que teríamos podido descobrir as leis do átomo que o físico nos ensinou, se este mesmo físico não fosse ele próprio constituído destes mesmos átomos? E pensa você que, no funcionamento do que chamamos nossa psique, o menor átomo do nosso organismo não tem também sua palavra a dizer?" Se demos à calculadora a estrutura que conhecemos, é porque esta estrutura foi Inventada", em última análise, pelos elétrons pensantes que habitam os corpos humanos; e estes elétrons pensantes sugeriram, como o mais eficaz, para ajudar com a calculadora o pensamento humano, reproduzir um mecanismo análogo ao pensamento eletrÔnico, que já deu provas através de uma experiência de bilhões de anos 1. Quando, entrando um pouco mais no detalhe do conhecimento em Física contemporânea, conhecemos as estreitas ligações existentes entre o spin de uma partícula e seu estado magnético (momento magnético), somos obrigados a constatar que a analogia entre o pensamento eletrônico e o "pensamento" da calculadora é tão grande que o elétron não terá necessidade de dar prova de muita imaginação para "sugerir" os princípios da calculadora!

Entretanto, há dois aspectos importantes que distinguem o mecanismo da Reflexão eletrônica do mecanismo do ordenador: a Reflexão eletrÔnica

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não exige nenhuma energia; e, por outro lado, a Reflexão eletrônica é livre (ela "opta").

Detalhemos sucessivamente estes dois aspectos. As trocas de sinais

1 Pierre SOLIÉ, Médicines Initiatiques, edições EPI, 1976.

2 10 a 15 bilhões de anos, se assim datamos com os cosmologistas contemporâneos o "começo" provável de nosso Universo.

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dos spins opostos de dois fótons, neste gás de fótons que preenche o corpo eletrônico, não exigem nenhuma energia, nenhuma impulsão. Aliás, isto é absolutamente necessário, pois o elétron é um universo "fechado", cuja energia própria deve permanecer continuamente invariável 1. É também o que experimentamos no decorrer do funcionamento da nossa própria reflexão interior: ela também não reclama nenhuma energia. Na verdade, o trabalho intelectual consome energia; mas se trata de um processo de produção de calor animal, que não tem nada a ver com o que é essencial no funcionamento do pensamento. Os jejuns prolongados ou as greves de fome nunca impediram ninguém de pensar, muito ao contrário.

E é sem dúvida porque a Reflexão eletrônica não reclama para funcionar nenhuma energia, que ela é também um pensamento livre, capaz de "optar", isto é, de escolher os pares de fótons nos quais vai provocar a inversão dos spins. ,

Não é possível, entretanto, compreender bem o processo segundo o qual se opera esta escolha, se não nos lembrarmos de que o espaço~ tempo eletrônico possui um tempo que se escoa ao inverso do nosso, o tempo habitual próprio da Matéria. Levando em conta este fato, o espaço eletrônico está, como vimos, em neguentropia não decrescente, contrariamente ao espaço da Matéria que está em entropia não decrescente.

Iremos ilustrar o mecanismo e o papel da Reflexão em um exemplo. Consideremos uma mesa de bilhar com muitas bolas brancas e uma bola vermelha. A mesa, circunscrita pelos quatro bordos, é análoga ao espaço interior no elétron; as bolas representam os fótons interiores no espaço eletrônico. Tudo o que não for a mesa constitui o mundo exterior; neste, há principalmente um personagem interessante, armado com um bastão

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que chamamos geralmente de taco de bilhar, e que se prepara para se "comunicar" com a mesa, batendo em certas bolas com o taco.

As bolas brancas formam, no momento, uma porção compacta, em um dos cantos do bilhar; em outro canto se encontra, sozinha, a bola vermelha. Eis que agora o personagem exterior (também chamado o "jogador") se aproxima e bate, com a ponta do taco, na bola vermelha, que vem se chocar violentamente com a porção de bolas brancas, na outra extremidade do bilhar. As bolas brancas vão então se dispersar pelos quatro cantos do bilhar, ricocheteando ao mesmo tempo nos bordos e uma na outra até, finalmente, parar.

Agora, olhemos o filme se desenrolar ao inverso, em um espaço onde o tempo se escoaria "retornando", como o que acontece no espaço-tempo do Espírito próprio do elétron.

3 Pretender o contrário, seria afirmar que a massa própria do elétron varia no tempo, o que é experimentalmente desmentido.

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As bolas brancas, primeiro, estão imóveis, dispersas em toda a superfície do bilhar; depois, uma após outra, estas bolas se põem em movimento, segundo direções bem diferentes que parecem ter livremente escolhido. Depois de terem rodopiado um momento sobre a mesa, de terem se chocado muitas vezes contra os bordos, de terem se batido umas nas outras, eis que, entretanto, todas as bolas brancas vêm se reunir e se imobilizar numa mesma porção, enquanto parecem afastar deste grupo a bola vermelha; esta pára, finalmente, em um ponto particular do bilhar, ao mesmo tempo em que se choca violentamente com um bastão sustentado por um senhor no exterior do bilhar.

No princípio do desdobramento deste filme "ao inverso", enquanto víamos apenas o movimento aparentemente "escolhido" pelas bolas no bilhar, poderíamos acreditar que as bolas eram dotadas de "consciência", e que elas davam prova disso decidindo livremente seu comportamento. Mas, desde que vimos o taco e o jogador, não mais nos enganamos: compreendemos imediatamente que nos passavam um filme ao inverso, e as bolas voltavam a ser simples objetos materiais.

Mas pensemos em nosso espaço eletrônico: posto que há um I~retorno" contínuo do tempo neste espaço, o filme está como que "enrolado" sobre si mesmo; o desenrolamento que acabamos de assistir será "memorizado"

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e poderá reproduzir-se novamente em um instante posterior. Com efeito, será desencadeado quando um objeto exterior, como o taco de bilhar, vier "comunicar-se" com o espaço do bilhar, colocando-se na vizinhança do ponto de partida da bola vermelha. Coloquemos, então, o taco sozinho neste ponto de partida, sem o jogador. No espaço eletrônico, vimos que não é necessária nenhuma energia para desencadear o desenrolamento do filme ao inverso e, portanto, o movimento das bolas; só a "estimulação" provocada pela presença do taco no ponto de partida será suficiente para que o processo de "reminiscência" do desenrolamento anterior aconteça, e a bola vermelha vai, finalmente, como antes, chocar-se com a ponta do taco de bilhar. Mas, atenção! Desta vez não há mais jogador, a bola vermelha vai atirar o taco para fora da mesa, de uma maneira perfeitamente inexplicável ... salvo se supusermos que o conjunto do que acontece em cima da mesa de bilhar faz intervirem objetos ,(conscientes", que escolheram um comportamento ordenado, com a intenção de se comunicar com um objeto exterior, neste caso, o taco de bilhar.

Vemos, portanto, que o processo da Reflexão, no interior do espaço eletrônico, supõe primeiro uma experiência memorizada com o meio exterior; assim, no início, há aquisição de informação proveniente do exterior. Em seguida, estimulado pelo Conhecimento de uma situação análoga (o taco do bilhar colocado sozinho no ponto de

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partida), o espaço eletrônico vai "se lembrar", e utilizar o mesmo processo que ele registrou no momento da experiência inicial. Mas, desta vez, o fenômeno terá a aparência de uma Ação do elétron, e urna Ação escolhida livremente.

Portanto podemos dizer que, estimulada pelo Conhecimento de uma nova situação criada pelo mundo exterior, e ajudada pela memória do desenrolar dos fenômenos no interior do espaço eletrônico em uma situação análoga anterior, a Reflexão prepara uma Ação. Mais resumidamente, podemos dizer que a Reflexão é o Conhecimento que &íse reflete" no espaço-tempo do Espírito eletrônico, para se tornar uma Ação do elétron.

Um aspecto importante da Reflexão é que ela se situa inteiramente no,espaço eletrônico, portanto, sem crescimento da informação contida neste espaço: a Reflexão é um processo em neguentropia constante.

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0 que chamamos Ação, que é uma segunda propriedade "psíquica" do elétron, está igualmente em neguentropia constante. 0 objetivo aqui é puramente motor: trata-se para o elétron de se mover no espaço exterior, o da Matéria. Já examinamos como funciona este mecanismo: o elétron provoca uma troca de impulsão linear de seus próprios fótons com os fótons de uma radiação exterior. A radiação exterior pode ser essa radiação negra que vimos aparecer nas estruturas chamadas "vivas"; essa radiação pode ser também aquela que está contida nos outros elétrons da vizinhança do elétron considerado. Neste último caso, estamos diante do que os físicos chamam de interação eletrostática entre dois elétrons. Não retornaremos mais detalhadamente sobre estes processos ligados à Ação, porque já foram estudados anteriormente.

Iremos nos interessar por duas outras propriedades psíquicas do elétron que, contrariamente à Reflexão e à Ação, acontecem com aumento da neguentropia do elétron, isto é, aumento de seu conteúdo informacional. Trata-se do Conhecimento e do Amor. Nos dois casos, a comunicação do elétron com o exterior se dá não mais através unicamente de trocas de impulsões lineares entre fótons (como na Reflexão e na Ação), mas através de trocas de spins entre os fótons do elétron e os fótons exteriores. Se estes últimos pertencem ao espaço-tempo da Matéria, será um processo de Conhecimento,, se pertencem a um outro elétron, será um processo que chamamos Amor.

No Conhecimento, um fóton do espaço exterior desaparece quando cede sua impulsão, sua energia e seu spin a um fóton do espaço do elétron, fazendo assim aumentar em valor absoluto o spin total do fóton eletrônico 1. Um fóton exterior de spin + 1 vai, por exemplo,

4 Pois, em virtude da neguentropia não decrescente que manda no espaço eletrônico, a ação (portanto, a informação) não pode diminuir neste espaço.

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desaparecer (retorno ao spin 0), levando o spin + 1 de um fóton do espaço eletrônico ao spin + 2. Desta vez, há enriquecimento informacional do espaço eletrônico, o que justifica o termo Conhecimento para qualificar este processo. Notaremos que o Conhecimento põe em movimento o elétron, pois ele absorve a impulsão e a energia do fóton desaparecido; haverá, portanto, a conjugação do Conhecimento com um movimento, isto é, o que designamos corno uma Ação. Como todo o movimento de elétrons se traduz na observação por uma impulsão elétrica, isto significa

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ainda que o Conhecimento é acompanhado da criação de impulsões elétricas. É isto que constata a biologia (eletroencefalogramas, impulsões nervosas ... ) .

Enfim, pode haver troca de spin dos fótons do elétron considerado com fótons de um elétron vizinho. Designaremos este processo de troca com o nome de Amor. Por exemplo, teremos um dos elétrons com um de seus fótons passando do spin + 1 para o spin + 2, enquanto que no elétron vizinho um fóton passa do spin - 1 para o spin -21, Aqui, não há necessariamente movimento dos dois elétrons que se trocam; em contraposição, ainda há, como no Conhecimento, aumento da neguentropia, e mesmo aqui aumento da neguentropia dos dois elétrons ao mesmo tempo. Podemos, portanto, dizer que o Amor é o processo mais simples e mais eficaz para aumentar a neguentropia no Universo.

A comunicação pelo Amor exige, entretanto, serem dois, dois a intervir, dois a aceitar a troca de spin. É necessário que, em cada um dos dois que intervêm, o espaço eletrônico, isto é, a "memória" gravada neste espaço eletrônico, possa aceitar tal elevação de spin de um de seus fótons, do spin 1 para o spin 2, por exemplo 1. É necessário, exprimindo-nos de outra maneira, que haja uma certa compatibilidade estética entre as duas memórias que vão procurar se juntar para elevar seu conteúdo informacional, aumentando cada uma sua neguentropia. Cada um é ao mesmo tempo doador e recebedor, e será necessário, para que o fenômeno se estabeleça, que as duas novas configurações do Espírito (as memórias eletrônicas) sejam, de algum modo, "concordantes". Penso que, na escala do mundo Vivo organizado e não mais

5 Lembremo-nos que deve haver sempre a conservação do spin total. Notemos que cada elétron, considerado como partícula, passa simultaneamente, de um do spin - 1/2 para o spin + 1/2, para outro do spin + 1/2 para o spin - 1/2. 6 Isto aparece bem quando queremos descrever a situação em linguagem matemática. Um fóton de spin 2 estabelece em torno de si um campo mais complexo do que um fóton de spin 1; na verdade, como também vimos, o spin 2 "contém" o estado de spin 1 e pode haver compatibilidade de presença entre fótons de spin 1 e de spin 2 no mesmo espaço, no mesmo instante: entretanto, devem ser satisfeitas certas "condições dos limites", para que haja "aceitação" da passagem de um fóton do spin 1 para o spin 2.136na do elementar, uma certa afinidade devida à filiação (o amor de uma mãe por seu filho), ou, ao contrário, a uma complementaridade (o amor entre um homem e uma mulher, onde um "completa" o outro), deve

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facilitar esta comunicação entre os elétrons, pelo processo que chamamos Amor, no nível elementar. Contrariamente ao que geralmente crê o ser organizado, são na verdade seus elétrons pensantes que prodigalizam o amor, ou que fazem o amor: o ser organizado não faz mais do que "veicular" o fenômeno, em uma região limitada do espaço e do tempo.

Certamente é necessário insistir aqui no fato de que o processo de comunicação pelo Amor, tal como acabamos de descrevê-lo, coloca em evidência que o Amor é também uma certa forma de Conhecimento. Pois, o que é que vai finalmente se trocar, através do processo amoroso? São os estados memorizados em cada um dos elétrons. Enquanto na operação de Conhecimento, que descrevemos acima, o elétron obtém informação sobre seu meio exterior (o espaço da Maténa), onde ele desenvolve em seguida suas Ações, no processo do Amor a informação é obtida sobre o Espírito do outro isto é, sobre espaço espiritual do elétron com o qual se vai fazer ~ma troca de informação.

Sem dúvida, é por esta razão que percebemos, em todo o reino do Vivo, esta ligação estreita entre a mãe e o filho: através dos laços de Amor que se estabelecem entre eles, é, na realidade, uma forma de Conhecimento que passa, o filho vai obtendo informações sobre o conteúdo e o mecanismo do pensamento materno, enquanto que a mãe aprende, também, a conhecer seu filho ao amá-lo. Os laços entre o "Eu" mãterno e o "Eu" do filho são tão estreitos que, na maioria das vezes, a mãe sente as sensações do filho como se fossem suas próprias sensações: se ele sofre, ela sofre; se ele está contente, ela está contente; se ele corre perigo, ela intervém espontaneamente no mesmo instante, por uma espécie de reflexo instintivo, exatamente como se tratasse de um perigo que seu próprio corpo estivesse correndo. Isto me parece ser uma razão fundamental para não separar a mãe do filho, ou mais geralmente para envolver o filho em um meio afetivo o mais rico possível, elaborado cuidadosamente por laços de Amor. Existem poucos seres vivos capazes de sobreviver sem a proteção e o ensinamento que o Amor confere na primeira infância. Certamente, teríamos necessidade de nos lembrarmos melhor disso, em nossa época em que se julga que pai e mãe "dão mais lucro" estando fora do lar, do que permanecendo perto de seus filhos.

Para dizer a verdade, o Amor aparece também como uma espécie de processo telepático, realizando a comunicação direta entre dois es137

píritos.,~Ou, mudando a ordem dos dois termos desta proposição, parece exato dizer que o que chamamos telepatia no nosso nível humano exige,

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para se produzir, que uma compatibilidade semelhante à que acompanha o Amor exista antes, entre os espíritos que desejam se comunicar. Ser médium, isto é, estar especialmente disponível para uma comunicação telepática, seria primeiro estar especialmente disponível, frente a frente, para o estabelecimento de ligações de Amor com o outro. Em resumo, isto quer dizer que não se é médium "sozinho": aqui também há necessidade de dois. Não haverá comunicação entre espíritos sem que, primeiro, haja uma grande afinidade de troca entre os espíritos que desejam se comunicar.

Levando em conta o que acabamos de ver sobre as ligações a distância capazes de se estabelecer entre pares de espaços espirituais eletrônicos, não parece pois razoável querer admitir que qualquer um possa se comunicar espiritualmente à distância com qualquer outro. Aliás, é o que afirmam aqueles que se propõem estudar "cientificamente" estas propriedades pouco conhecidas do Espírito 1: a percepção extrasensorial exigiria, ao mesmo tempo, um emissor e um receptor, tendo ambos qualidades mediúnicas. Penso que devemos ver na telepatia uma ligação espiritual análoga às ligações tecidas pelo Amor, que necessitam de um par de indivíduos capazes de uma tal ligação. Creio, mais sinceramente, nas ligações entre a mãe e o filho, ou entre Tristão e Isolda, do que naquelas que pretenderia estabelecer com seja quem for um personagem que declara possuir qualidades de médium.

Mas se um casal de indivíduos dispõe realmente das qualidades espirituais que permitem estabelecer entre si comunicações biunívocas que, no plano do elementar, chamamos Amor, então sim, penso que esta comunicação pode ter aspectos telepáticos. Nada nos permite de considerar neste caso como "cientificamente" impossível uma comunicação com um ser humano desaparecido. Entretanto creio, como já disse, que este último tipo de comunicação se apresentará um pouco como o reconhecimento das imagens de um sonho, durante um sono profundo, isto é, um sono onde o próprio sonho não é solicitado diretamente por sensações provenientes do meio exterior.

Basendo-me no exemplo da telepatia, não é meu propósito aqui querer sistematicamente estigmatizar o que Raymond Ruyer 1 chama de "ingénuo doginatismo cientista", que pretende não querer reconhecer como "existente" senão o que já foi reconhecido pela Ciência (belo modo de fazer progredir o Conhecimento!). 0 que quero simplesmente mostrar aqui é que, desde que aceitamos fazer entrar o Espírito ao lado

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7 Penso particularmente no meu amigo, o biologista Rémy Chauvin, que participou por vários anos das experiências telepáticas do grupo Rhine, nos Estados Unidos, na Universidade Duke.

8 La Gnose de Princeton, op. cit.

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da Matéria em uma Física "neognóstica", isto é, uma Física que se preocupa com o lugar do Espírito nos fenômenos naturais, então abrese amplamente o campo do "possível cientificamente", mesmo que ainda não seja o "conhecido cientificamente".

No que me concerne, em todo caso, não hesito em dizer que me é "fisicamente" impossível admitir que o Universo percebido pelo meu pensamento, que descrevo em uma linguagem necessariamente ainda forjada pelo meu pensamento, possa ser representado corretamente por leis físicas, das quais o pensamento estivesse completamente ausente. Isto me parece concomitantemente ilógico e absurdo. Entretanto penso que o absurdo deste enfoque "cientista" pode e deve ser demonstrado através do emprego de fatos, de concepções e da própria linguagem científica. É o que me esforço por fazer aqui.

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CAPITULO X11

Reivindicação para uma o evolução copernicana

É necessário parar de pensar em uma evolução do Universo inteiro centralizada no Homem. - A aventura espiritual cósmica tem raiz em partículas presentes em todo o Universo cósmico: os elétrons "pensantes" ou éons. - 0 Homem está, entretanto, presente espiritualmente no povo dos éons. - Se você é um sábio ...

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Se até agora o Homem não aceitou, espontaneamente, colocar um Espírito comparável ao seu próprio espírito na Matéria é porque, em última análise, pretendeu atribuir a si próprio um lugar de todo excepcional no Universo. Como sempre, isto acontece devido a sua inevitável inclinação para o antropocentrismo.

Mesmo quando o "sábio", qualquer que seja a sua época, de Thales de Mileto a Pierre Teilhard de Chardin, aceitou dar um certo Espírito à Matéria, sempre considerou este espírito como "elementar", "difuso", sem medida comum com o Espírito do Homem. Na verdade, o Homem aceitou a presença dos deuses, isto é, a existência de um Grande Espírito no Universo: mas sempre foi um Espírito com o qual o Homem era capaz de dialogar, um Espírito à imagem do do Homem ("Deus criou o Homem à sua imagem", nos explica o Gênesis). A morte devia conduzir o Homem "à direita de Deus". As teorias pré-evolucionistas, da Antiguidade a Darwin, sempre foram teorias "racistas" em relação ao reino dos vivos, outro que não o reino humano e o Homem estava, espontânea e obviamente, colocado no alto da criação: como poderia ser diferente se entre os próprios homens estabeleceu-se uma profunda hierarquia, do rei ao escravo, do branco ao homem de cor? Com as teorias evolucionistas, a situação não mudou nada, mesmo quando apresentavam uma atitude espiritualista: com Teilhard, o Homem permanece sempre como a "ponta atual" da evolução; entretanto, admite-se a possibilidade de ver este Homem evoluir, no decorrer do tempo, para o "ultra-humano"; mas reserva-se sempre, única

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mente para os descendentes do Homem, a possibilidade de chegar ao lugar de escolha, no fim dos tempos, à direita de Deus. Devemos compreender mesmo que o Homem terminará por se confundir com o próprio Deus, quando atingir o "ponto õmega".

Nisto tudo é o Homem, o Homem, sempre o Homem. Parece que todo este vasto Universo, com seus planetas espalhados em bilhões de anos-luz, com suas modificações progressivas que duram há bilhões de anos, teve por único objetivo a criação deste ser fraco e efêmero, cuja existência constatamos, depois de somente um instante do tempo cósmico, neste minúsculo canto do cosmo a que chamamos Terra.

0 Homem lutou obstinadamente para que não lhe tirassem esta ilusão de que o Universo foi "feito para ele". Sabemos de quantos perderam suas vidas tentando contestar o lugar do Homem, ou mesmo somente o de seu

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habitat, a Terra, em relação ao resto do Universo. Hoje, é verdade, com nossos meios de investigação astronômica, não é mais possível retirar a Terra de seu lugar real, um planeta entre bilhões de outros, girando em torno de uma estrela que não tem nada de particular entre os bilhões de outras estrelas, tudo isto no interior de uma galáxia que não se apresenta diferente de centenas de bilhões de outras galáxias que povoam o Universo. Mas ainda tentamos desesperadamente nos agarrar à idéia de um Homem terrestre que seria a exceção das exceções neste vasto Universo! Apegamo-nos ainda à idéia de um Universo puramente mecanicista um pouco por toda a parte, obedecendo somente às leis físicas ... menos aqui, neste minúsculo planeta Terra, onde um ser "altarnente improvável" teria aparecido e seria capaz, sozinho, de dar sentido ao Universo inteiro; uma exceção escolhida por Deus, um ser eleito; um ser praticamente sem "concorrente" na imensidão cósmica.

Entretanto, tudo se torna absurdo e desconcertante a partir do momento em que desejamos sustentar hoje, com os olhos abertos, tal ponto de vista. Principalmente, é impossível entrever para o Universo uma significação suficientemente lógica para satisfazer os critérios atuais do Conhecimento ou para situar racionalmente o Homem em relação aos outros objetos com os quais convive, do mineral ao vivo. As próprias relações humanas estão completamente falseadas por este erro monumental de perspectiva para nos situar em um lugar mais justo no inventário universal. Segundo o nosso pensamento, o Homem está bem alto na escala dos seres, então procuramos utilizar nossa vida terrestre para escalar ainda alguns degrauzinhos na escada, para sermos os primeiros entre os primeiros e, paciência, se para chegar aí temos que pisar em alguns seres que partilham conosco do nosso planeta, humanos ou não: além disso, não está escrito que, quando mais nos elevamos, mais nos aproximamos de Deus? Então, por que esta torre de Babel construída sobre o egoísmo, a injustiça e a destruição?

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Aquele que "vence" não dá prova de que "pensa melhor"? E Deus não é o mais elevado em graduação dos que "pensam melhor"?

É verdade que, na nossa época, alguns "intelectuais", parece, tomaram consciência de que "alguma coisa não ia bem"; propuseram, sucessivamente, a morte de Deus, depois a morte do Homem, a fim de recomeçar do zero e reconstruir o Homem sobre novas bases ideológicas. Mas se trata sempre do Homem como ponta da evolução; e com o desenvolvimento atual de suas "técnicas", o Homem de hoje está

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deslumbrado: quer suprimir Deus, simplesmente porque agora crê que é grande o suficiente para se arranjar sozinho, para desdenhar de todos os mitos ancestrais, inclusive o religioso. Não somente o Homem à direita de Deus, mas o Homem no lugar de Deus, o Homem sozinho no Universo, o Homem único senhor do seu destino 1.

É um absurdo; digo o que sinto. 0 fenômeno cósmico principia e evolui sobre um terreno que está necessariamente na escala cósmica, tanto no espaço como no tempo. Na verdade, é o Espírito que está no centro da aventura universal; mas este Espírito não é privilégio só do Homem. Não é o Homem que assume mais plenamente as capacidades disponíveis no Espírito. Não é com o Homem que o fenômeno cósmico conta sua aventura 2.

Ou melhor, não é somente com o Homem. Na escala do Universo, a história do Homem não é nem mais nem menos importante do que a da estrela, da folha da árvore, da bactéria ou do cão. Todos estes seres são tão "inteligentes", ou, em todo caso, tão "pensantes" uns quanto os outros. E são também pensantes pois são formados, no plano espiritual dos mesmos elétrons pensantes, mesmo se estes inventaram "máquinas" muito variadas para se encaminhar para o objetivo que tem somente uma certa consistência na escala cósmica: aumentar ao máximo a neguentropia do Universo inteiro, isto é, sua ordem,

1 Seria necessário relembrar aqui Le Hasard et Ia Necessité de Jacques MONOD?

2 Um primeiro passo em direção a uma evolução "copernicana", que coloca o Homem e seu comportamento em um lugar mais justo, é fornecido pelo livro recente de E. 0. WILSON: Sociobiology, Harvard University Press, 1975. Wilson partiu do estudo do comportamento dos indivíduos para concluir, finalmente, que a evolução é uma aventura dos genes que compõem os cromossomos de todo o reino animal ou vegetal, sendo o indivíduo um simples "veículo" para esta aventura. Partindo da Física e indo do estado do elementar para o do organizado, ataquei este problema da evolução de um "outro ângulo" e concluí que é ainda mais fundo que se situa o centro da aventura evolutiva, se este centro deve ser situado no "portador" do Espírito: não no nível dos genes, mas no dos elétrons, pois são eles e somente eles que são os portadores do Espírito no Universo. A aventura do Espírito não está mais limitada aos reinos vegetal e animal, os únicos portadores de genes, mas estende-se ainda ao reino mineral e mais amplamente à toda a Matéria que participa do nosso Universo.

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sua ação (no sentido da Física), sua consciência 1. Todas estas palavras têm um valor semântico equivalente; e vimos que podemos expor não definições vagas, mas um formalismo tão preciso quanto o da Relatividade geral ou da Teoria quântica.

Sim, irmão humano, será bem necessário que você se renda à evidência e abandone uma vez mais seu antropocentrismo. Quando você diz "Eu penso", já observamos, você deveria dizer mais corretamente "Ele pensa", da mesma maneira como você diz "chove". Pois o que pensa em você, são estes bilhões de elétrons que sozinhos encerram um espaço-tempo onde podem se desenrolar os processos espirituais. Aquele que você vê no seu espelho é seu contorno de Matéria, e este não pensa; é utilizado pelos seus elétrons pensantes, para ajudá-los a procurarem para si a energia de que têm necessidade, e para executarem certas tarefas que lhes permitam aumentar a quantidade e a qualidade de suas informações. Mas, naturalmente, estas informações não se referem somente às cotações da Bolsa, ou às respectivas vantagens das ideologias comunistas ou capitalistas, ou à hierarquia a estabelecer entre Maorné, Jesus Cristo e Buda! Seus elétrons pensantes, seus éonS4~ COMO gostaríamos de chamá-los para distinguir suas propriedades daquelas que os físicos atuais somente querem reconhecer nesta partícula, seus éons, dizia, pouco se interessam por estas preocupações especificamente humanas. Têm outros problemas, problemas que nos parecem bem mais difíceis de resolver e que reclamam muito mais inteligência: ocupar-se, por exemplo, em fazer funcionar corretamente a máquina viva e pensante que é o Homem que eles produziram.

Mas escute ainda, bem-aventurado pequeno Homem! Se você não é este personagem de Matéria que vê no espelho, entretanto, você é este imenso povo de éons que o formam, você se confunde espiritualmente com eles, quando eles pensam é você que pensa, quando eles se enganam é você que se engana. Sua responsabilidade cósmica não se evapora sob pretexto de que sua unidade vai se repetir no múltiplo. Ao contrário, eis seu "Eu" que agora se reproduz em cada um dos éons que participam de seu ser, você é a "interseção espiritual" de todas estas partículas. Todos estes éons têm sua própria história, vivem e pensam desde o começo do mundo, participaram de milhões de "máquinas", habitaram milhões de anos nas estrelas, viveram os momentos excitantes da criação das primeiras células vivas, esperaram pacientemente por milhares de anos na rocha, inventaram a fotossíntese e a

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3 Veremos mais adiante que este objetivo de aumento da neguentropia é apenas um meio para "escolher melhor" o que deve ser a evolução.

4 Lembremos que, para os gnósticos, os éons representam o Espírito emanado da inteligência universal.

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molécula de ADN, transformaram a topologia do espaço; foram engenheiros com as enzimas, artistas com as pétalas da rosa. E, de tudo isto, seus éons se lembram. Mas estes éons, que pensam com você, também memorizaram sua própria experiência vivida, a que começou desde o seu nascimento. Têm muito mais memória do que a que você crê estar associada ao seu "Eu" e também muito mais saber. Cada um dos elétrons de seu corpo conhece bem o seu "Eu", cada éon do seu corpo deseja conhecê-lo para aproveitar a sua experiencia vivida, e assim evoluir espiritualmente ainda um pouco mais alto, para participar melhor ainda da aventura espiritual cósmica. De você, de seu "Eu", seus éons se lembrarão por toda a vida deles, eles o levarão consigo na vida futura deles, depois que os outros homens o declararem "morto". E esta vida futura no corpo dos éons será muito longa, praticamente tão longa quanto a do próprio Universo, uma vida eterna.

Mas se você sabe ver, pequeno Homem, se você é um sábio, então você compreenderá que seu "Eu" se confunde, na verdade, com o pensamento dos éons que edificaram sua vida; que seu "Eu" possui também raízes num passado eterno, e que "participará" eternamente, no futuro, como o fez no passado.

Se você é um sábio, saberá entender o primeiro sopro de vida que se prepara sob a rocha, conhecerá a alegria do pezinho de erva que se levanta para o sol no raiar da manhã, ou a euforia da corça que corre nas sendas da floresta. Você sentirá tudo isto, pois já viveu tudo isto; tudo isto está inserido para sempre na memória destes microscópicos espaços-tempos do Espírito que formam seu corpo e levam seu "Eu".

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CAPITULO X111

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Uma Cosmologia neognóstica: evolução da Matéria

A Cosmologia própria do Espírito é inseparável da Cosmologia própria da Matéria. - Os "modelos" atuais do Universo da Matéria. 0 começo, a expansão, a contração e o fim do Universo. - 0 modelo do Universo deduzido da Relatividade complexa. - Nascimento dos elétrons e do Espírito,

Vimos o pensamento eletrônico intervir em quatro tipos essenciais de interações "espirituais": a Reflexão, o Conhecimento, o Amor e a Ação. Detalhamos, utilizando os conceitos habituais da Física contemporânea (principalmente o conceito de spin), os mecanismos correspondentes a estas quatro interações. Escolhemos, para designar estes quatro processos, uma terminologia que já possui uma significação para nomear os processos conhecidos do pensamento humano. Não devemos, repetimo-lo, espantar-nos com essa analogia entre as operações do pensamento elementar próprio dos elétrons e o pensamento humano. Meu pensamento é o mesmo dos meus elétrons pensantes; há mais do que uma analogia, há identidade. Não há dois tipos de "seres pensantes" no Universo: há os éons, e é tudo. Podemos dizer "Eu penso" somente à maneira como uma coletividade de indivíduos humanos pode pretender "pensar": o público "pensa" que a peça de teatro foi bem encenada; mas o que pensa, aqui, não é naturalmente o 66 público", mas os indivíduos que formam este público. Da mesma forma, são os éons do meu corpo que pensam, quando afirmo que sou eu quem pensa. Nosso comportamento traduz, é verdade, a presença do pensamento; mas o pensamento que "pilota" nosso comportamento é o desses bilhões de individualidades que entram na composição do nosso corpo, que chamamos de elétrons pensantes ou éons.

Desde que queremos reconhecer que o pensamento, na sua essência, pertence a estes seres imortais que são os éons, a história da evolução

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do pensamento no Universo se torna, naturalmente, inseparável da história do conjunto do Universo. É certo que a história humana é sempre interessante, mesmo que se trate da história dos incas ou da história dos

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faraós egípcios. Mas o episódio não é toda a história, pois o centro de perspectiva deve ser, agora, bem diferente. Por exemplo, não é mais racional querer falar do Homem como "ápice da evolução". É no mundo dos éons, e somente aí, que podemos descobrir as individualidades que representam os ápices do pensamento no Universo. Simplesmente porque o mundo dos seres pensantes é único: é o mundo dos éons.

Então, como tentar discernir esta história do pensamento no nosso Universo? Podemos, primeiro, voltar-nos para a Cosmológia contemporânea, pois ela constitui o ramo da Física que se esforça para nos contar a história do espaço-tempo e do que ele contém, desde o "começo" até o "fim" do tempo. Mas esta Cosmologia tradicional é a da Matéria somente e ela nunca se interessou diretamente pela história do Espírito. Essa aventura do Espírito, entretanto, tem ligações estreitas com a da Matéria, pois os próprios elétrons portadores do Espírito são feitos de Matéria. 0 Espírito não pode, portanto, ter nascido senão ao mesmo tempo que a Matéria e desaparecerá com ela.

Uma Cosmologia neognóstica, como a que procuramos, deve, antes de tudo, estar em harmonia com os nossos conhecimentos cosmológicos atuais, concernentes à Matéria sozinha. Mas teremos que examinar, em seguida, como vem se inserir, nesta Cosmologia da Matéria, uma Cosmologia do Espírito. Este capítulo relembrará, primeiro, nossas modemas concepções sobre o nascimento, a vida e a morte de nosso Universo da Matéria, no seu conjunto.

Na linguagem da ciência deste fim do segundo milênio, é para a teoria de Einstein que devemos nos voltar para obter uma descrição do Universo no seu conjunto, ao mesmo tempo que sua evolução no tempo. Entretanto, é conveniente ressaltar que não é nem a primeira, nem a última Cosmologia, naturalmente.

Os Homens de todos os tempos "fizeram uma idéia" do mundo onde se encontravam. Alguns o viram menor, outros maior, estes sem nenhuma mudança, aqueles em contínua transformação; lá atribuíram 6.000 anos de "idade" ao nosso Universo, aqui 12 bilhões de anos. Mas, de cada vez, estas indicações procuraram estar de acordo com o Conhecimento "científico" da época. De resto, não devemos sorrir de nenhuma destas representações. Se tivermos vontade, será suficiente pensar no que será provavelmente a representação que os Homens farão do nosso Universo daqui a alguns milênios, ou mesmo alguns séculos. Devido ao crescimento acelerado do conhecimento, assistire148

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mos a tais mudanças na linguagem da Ciência, que será certamente inútil tentarmos sobrepor o "retrato" do Universo que terão nossos descendentes de uma dúzia de gerações do retrato atual. Então, quando Aristóteles coloca a Terra no centro do mundo e dispõe, em distâncias crescentes, nove esferas transparentes e concêntricas representando, sucessivamente, a Lua, Vênus, o Sol, Marte, Júpiter, Saturno, as estrelas e enfim... o próprio Deus; ou quando Santo Agostinho dá à Terra a forma do santo tabernáculo, duas vezes mais comprido do que largo, envolvido de água por todos os lados, com a ilha do Paraíso fora, e o conjunto recoberto por um "teto" em forma de meio cilindro; ou quando o grande Kepler crê ter descoberto a "arquitetura do Universo" através de figuras geométricas encaixadas umas nas outras, e escreve que "a alegria que me deu a minha descoberta, não poderia jamais descrevê-la"; é necessário tomarmos precaução para acreditar que hoje estamos fazendo muito melhor.

É notável, entretanto, constatar que, se não nos deixamos levar pela ilusão das palavras dos séculos passados que conservam, hoje, sua significação "ao pé da letra", então transparece alguma coisa de "invariável" na maioria dos "modelos" cosmológicos dos séculos passados, aí incluídos os da época atual. Quando as Escrituras nos apresentam, por exemplo, a gênese do mundo, anunciando que a luz foi criada "no começo", não é notável aproximar este ponto de vista daquele que os cosmologistas proclamam hoje, apoiando-se na Relatividade geral de Einstein, no que concerne ao "começo" do nosso Universo? Ele teria sido, nesta época longínqua, coberto por uma radiação eletromagnética de alta temperatura, o que na realidade significa que estava coberto de luz; como as Escrituras, nossos astrofísicos nos dizem também que a Matéria só foi criada mais tarde, depois da luz.

Os modelos atuais do nosso Universo no seu conjunto são, sumariamente, de dois tipos.

0 primeiro tipo propõe que o Universo, depois de ter evoluído um certo tempo, "repassa" em seguida, ao inverso, as mesmas fases que atravessou; volta assim, novamente, ao seu estado original, depois recomeça a evoluir como ele havia feito inicialmente; e assim por diante, até a eternidade. Este tipo é chamado Universo com evolução cíclica.

Um segundo tipo de Universo parte de um certo estado original, que chamamos o "começo", depois evolui para estados que não são nunca análogos aos estados anteriores. Dizemos que se trata de um Universo com evolução irreversível.

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Podemos nos espantar que a teoria deixe assim a escolha entre dois tipos fundamentalmente diferentes de evolução. Poderíamos, também, nos espantar que, desde sua frágil e minúscula torre de marfim,

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o Homem já possa dizer tanto sobre a evolução desta coisa imensa que é a totalidade do nosso Universo.

Dois tipos de modelos parecem possíveis porque os dados astronômicos não permitiram ainda, através de medições expenmentais, separá-los com segurança.

A grandeza principal que a teoria fornece, para descrever a evolução do nosso Universo no decorrer do tempo, é o valor do "raio" do Universo.

A noção do "raio" do Universo se introduz, como já dissemos antes, nas concepções da Relatividade geral, pois o espaço que abarca este Universo pode possuir uma certa "curvatura" de conjunto, exatamente como a superfície esférica da nossa Terra possui uma curvatura de conjunto. Para o Universo, como para a Terra, é possível falar então do "raio" do espaço fechado sobre si mesmo 1. A idéia de uma curvatura de conjunto do espaço de três dimensões é, entretanto, menos simples de conceber para o nosso espírito do que a curvatura de uma superfície, como é o caso da Terra e de seu raio. Podemos dizer que o espaço está fechado sobre si mesmo e está caracterizado por um ',raio" de conjunto, se partindo em um foguete "sempre para a frente" no espaço que nos envolve chegássemos, depois de uma viagem muito longa, a retornar ao nosso ponto de partida.

Entendamos bem: esta curvatura de conjunto do nosso Universo é bem pequena; é este fato que nos leva a crer falsamente que, se puxamos as duas pontas de um barbante, materializamos assim uma "reta". Rigorosamente, isto parece falso no espaço do nosso Universo: nosso barbante está ligeiramente curvo, e é por isto que se nosso barbante fosse suficientemente longo, as duas extremidades viriam se juntar, materializando uma "reta" que dá a volta completa do nosso Universo. Como a luz acompanha exatamente a curvatura do espaço, nosso barbante materializa ainda um raio de luz que dá a volta ao Universo: o que fazia Einstein dizer brincando que, olhando direto para a frente, com um olho suficientemente penetrante, deveríamos perceber o corte de cabelos da nossa nuca!

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Mas voltemos ao nosso Universo no seu conjunto. Seu raio, tal como foi no passado e tal como será no futuro, é conhecido pela teoria de Einstein apoiada em dados astronômicos experimentais.

Constatamos que este raio aumenta com o tempo, isto é, que o espaço de nosso Universo é como uma esfera que inchasse sem cessar. É o que chamamos a "expansão" do Universo. Esta expansão foi pri

1 Os físicos definem, aliás, um raio de conjunto do espaço do nosso Universo mesmo no caso em que este espaço não seja fechado sobre si mesmo (espaço hiperbólico). Mas não trataremos aqui desta variação.

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meiro prevista pela teoria, mas foi também verificada diretamente pela observação das galáxias do céu, que se afastam efetivamente de nós, e se afastam tanto mais rapidamente quanto mais longe estão, como constataríamos pondo pontos (simulando cada um uma galáxia) no couro de uma bola que estivéssemos enchendo.

Em um Universo cíclico, o raio varia periodicamente entre um valor mínimo e um valor máximo; a expansão observada atualmente deveria ser seguida, portanto, de uma compressão do espaço, seguida de uma nova expansão, e assim por diante. Estas oscilações do raio se prolongariam eternamente, tanto no passado como no futuro. Entretanto, convencionamos chamar de "começo" do nosso atual Universo o instante em que nosso espaço estava mais comprimido e o raio do Universo era, então, mínimo. Os cosmologistas não estão todos de acordo sobre o valor do raio do Universo no momento do seu começo: uns dizem que o raio era da ordem de grandeza do nosso sistema solar (10.000 vezes o raio do nosso Sol), mas outros falam de um raio muito menor, da ordem do de uma partícula elementar, ou seja, um raio nulo. Existe um acordo melhor sobre o raio atual, que estaria compreendido entre 10 e 20 bilhões de anos-luz. A idade do nosso Universo, isto é, a duração que nos separa do seu "começo" de compressão máxima, estaria compreendida entre 10 e 18 bilhões de anos. Esta "bifurcação" de idade é ainda relativamente ampla. Mas não é tão mal, se lembrarmos que não há muito tempo (na verdade, no século passado) pensávamos que o Universo tivesse sido "criado" somente a alguns milhares de anos, de acordo com os dados da Bíblia que falava em 6.000 anos!

No caso de o Universo ter uma evolução irreversível, ele teria começado igualmente, há mais ou menos 15 bilhões de anos, de um estado bastante

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comprimido; depois teria "inchado", mas este período de expansão, que ainda prossegue atualmente, não deveria terminar nunca. 0 raio tenderia para o infinito em um futuro de duração infinita.

Para tentar escolher entre as duas evoluções possíveis, os astrofísicos se entregam, atualmente, a elaboradas medições experimentais, procurando, por exemplo, determinar se a velocidade de "inchação" do Universo tende, neste momento, a decrescer (neste caso o Universo possui chances de ser cíclico) ou a crescer (e neste caso estaria, então, em expansão contínua).

Além da modificação do raio, os "modelos" de nosso cosmo indicam tarpbém como variam, no tempo, a densidade da matéria e a temperatura da radiação.

A matéria é constituída, principalmente, por bilhões de estrelas e planetas ocupando o céu e também por imensas nuvens de poeira cósmica. Mas existem também muitas outras "coisas" no céu, e provável151

mente (como dizia o Hamiet de Shakespeare), "muito mais coisas do que a nossa filosofia poderia sonhar". 0 que chamamos de radiação cósmica, por exemplo, é constituído de numerosas partículas elementares (prótons, elétrons ... ) sulcando o cosmo em velocidades quase iguais às da luz, possuindo dessa forma uma enorme energia'. A matéria que ocupa o espaço apresenta formas muito variadas; é "compacta" como nas estrelas ou nos planetas, diluída como nas nuvens de pó, ou individualizada como na radiação cósmica, ela é, entretanto, sempre constituída das mesmas partículas elementares de Matéria, aquelas que a Física conhece e estuda: os prótons, os nêutrons, os elétrons, os neutrinos e os fótons. Estas partículas constituem a única Matéria "estável", isto é, possuem durações de vida da ordem de grandeza da duração de vida do próprio Universo. Estas partículas estáveis podem, entretanto, sofrer alguns "acidentes", se chegam a se bater uma na outra com energias suficientes; neste caso, podem desaparecer, transformando-se por um instante em partículas chamadas "instáveis", que têm durações de vida geralmente bem inferiores ao milionésimo de segundo (às vezes, até do milionésimo do bilionésimo do bilionésimo de segundo!). Mas, finalmente, estas partículas instáveis desaparecerão para dar novamente nascimento a partículas estáveis.

A observação de uma temperatura que caracteriza o Universo inteiro é recente. Para que haja possibilidade de se definir uma temperatura do espaço, é necessário que o Universo esteja cheio de um número suficiente de fótons interagindo com a Matéria e possuindo, em seguida a estas

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interações, todas as direções e todas as energias 1. Durante os últimos dez anos, pudemos verificar que o conjunto do nosso Universo estava repleto de um "gás de fótons", cuja temperatura atual é de 2,7 graus Kelvin (ou seja, da ordem de -270 graus Celsius). Dizendo de outra maneira, faz muito frio no espaço, mas não é, ainda assim, o frio absoluto (0 grau Kelvin). Já que nosso Universo "incha" e que um gás se resfria se está fechado dentro de um volume em expansão, a temperatura do nosso Universo abaixa sempre, sem parar; isto significa também que, no passado, esta temperatura era muito mais elevada. Ela depende, na verdade, do raio do Universo; no começo do Universo, e se supomos para este momento um raio nulo, a temperatura dos fótons teria sido infinita (o que é "fisicamente" desprovido de significação). Estimamos, habitualmente, que o raio original do Universo era pequeno comparado com o raio atual, mas não

2 0 físico Edward Teller, pai da bomba H, calculou que a energia da radiação cósmica na nossa própria galáxia, Via-Láctea, é da mesma ordem de grandeza que a energia representada pela massa de todas as estrelas e planetas da Via-Láctea. 3 A distribuição das energias em um gás, a uma dada temperatura, foi fornecida por Maxwell no último século; Planck precisou esta distribuição para os fótons no começo deste século.

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completamente nulo; a temperatura do começo do mundo era, então, provavelmente, da ordem de centenas de milhões de graus. Em resumo, o Universo, no seu princípio, teria se parecido à explosão de uma imensa bomba atômica; a temperatura no centro de uma explosão atômica, com efeito, no instante da explosão, está compreendida entre cem milhões e um bilhão de graus. Ainda uma vez, os Homens só sabem "copiar" as maneiras de fazer do Universo!

Estimamos, geralmente, que a Matéria estava totalmente ausente do espaço do nosso Universo no "começo" do mundo. Esta Matéria teria começado a se formar, a partir da radiação de fótons, desde os primeiros instantes da expansão. Primeiro, teriam assim nascido os nêutrons, os neutrinos e os elétrons (positivos e negativos), depois, teriam vindo os prótons.

Os prótons e os elétrons constituíram os primeiros átomos de hidro-gênio. Este gás formou, primeiro, uma nuvem única imensa; depoisesta nuvem se separou em bilhões de nuvens menores, que deveriamconstituir a primeira fase de cada uma das galáxias que ocupam hoje

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o nosso céu. Chamamos protogaláxias esta etapa original da evoluçãodas galáxias. Cada protogaláxia, em seguida, se dividiu em bilhões deenormes "gotinhas", sob o efeito das forças gravitacionais; estas deve-riam ser a primeira forma das estrelas. A nuvem esférica de hidrogê-nio que constitui a proto-estrela foi se condensando cada vez mais, porcontração gravitacional, enquanto que a temperatura central da proto-estrela aumentava ao mesmo tempo que se comprimia o gás de hidro-gênio. Esta temperatura central se torna logo suficiente para que co-mecem, no coração da proto-estreia, as primeiras reações termonuclea-res entre átomos de hidrogénio. A proto-estrela se "acende" e entãonasce uma estrela. No coração estelar, em uma temperatura muitoalta, começaram a se fabricar os diferentes elementos químicos queconhecemos, mais pesados do que o hidrogénio, durante uma com-plexifícação crescente d ' a matéria elementar. Estes elementos químicos,não "combustíveis" à temperatura em que funcionava a estrela, foramgradualmente ejetados para fora do corpo estelar e formaram, em tor-no dele, uma vasta nuvem concêntrica. Com a ajuda da gravidade e dotempo, esta nuvem de elementos químicos se cinde em nuvens esféri-cas individuais, que vieram a formar os planetas que giram em tornode cada estrela. E em alguns destes planetas a evolução prosseguiu,dando origem ao reino vegetal, depois ao reino animal e depois aoreino humano.

Nós estamos aí, sobre a Terra. É provável que, em alguns outros planetas do cosmo, a evolução esteja atrasada em relação à evolução terrestre, porque prevaleceram, por exemplo, condições um pouco diferentes de temperatura e de pressão, ou porque o "preparo" de dosagem

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dos elementos químicos se operou de uma outra maneira. Mas é provável que, do mesmo modo, a evolução em outros planetas esteja mais avançada do que a nossa. Admitir o contrário seria despropositado, seria sempre esta eterna propensão ao antropocentrismo.

Se há uma questão para qual desejaríamos obter uma resposta do modelo do Universo, é a do começo do mundo. Pois, como compreender a evolução posterior, sem ter informações relativamente precisas sobre o princípio desta evolução? Ora, infelizmente, vimos, os modelos resultantes da Relatividade geral de Einstein são muito vagos sobre este estado do Universo no seu começo. Se tratamos rigorosamente as equações "cosmológicas" fornecidas por esta teoria, caímos, em todos os casos, sobre um instante chamado "singular", onde o raio do Universo

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seria nulo, acarretando uma densidade e uma temperatura ambas infinitas. Como o zero e o infinito dificilmente têm interpretações no plano físico, os astrofísicos "acomodam" as equações de Einstein dizendo que, nos primeiros instantes do Universo, elas não são aplicáveis rigorosamente. Não vejo porque, então, se estas equações não são válidas "no princípio", devamos ter confiança nelas depois. Os artilheiros bem sabem que um erro inicial na direção do tiro só pode ir se ampliando quando se aproxima do alvo.

É por isso que fiquei particularmente feliz ao constatar, durante minhas próprias pesquisas, que prolongando, como fiz, a Relatividade geral de Einstein para uma Relatividade complexa', as equações cosmológicas não apresentavam mais esta "singularidade" no momento original do Universo. Na verdade, como tínhamos direito de acreditar numa Cosmologia neognóstica, obtive dois modelos cosmológicos complementares um do outro: um descrevendo a evolução do espaço-tempo da Matéria, e o outro descrevendo a evolução do espaço-tempo do Espírito. Os dois modelos estão esquematizados à p. 155 através da variação do raio R de seu espaço-tempo inteiro, no decorrer do tempo t.

0 modelo da Matéria nos mostra que o Universo, no instante original, estava unicamente ocupado pela radiação negra, como o descobriria também a Relatividade geral; mas aqui a temperatura é muito mais baixa do que a obtida em Relatividade geral: somente em torno de 60.000 graus. 0 raio do Universo é, neste instante inicial, 20.000 vezes menor do que o raio atual, ou seja, da ordem de grandeza das distâncias intergaláticas. Não há dúvida aqui, como em Relatividade geral, de um "começo" onde o raio pudesse ser nulo. Quanto à Matéria particular, ela é inexistente no princípio do mundo (sobre este ponto, a Relatividade geral e a Relatividade complexa estão de acordo).

Mas a Matéria estava ausente sob forma particular, isto é, sob a forma de nêutrons, prótons, elétrons e neutrinos; em compensação,

4 Jean E. CHARON, Theorie de la Relativité Complexe, op. cit.

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MODELOS COSMOLóGICOS DA MATÊRIA E DO ESPIRITOEM RELATIVIDADE COMPLEXA

estava presente sob forma de "curvatura de conjunto" do espaço. Esta curvatura, com efeito, é equivalente' a uma densidade uniforme de matéria, que chamamos a densidade cosmológica 1. No instante zero do Universo, a energia se encontra, portanto, repartida entre a densidade cosino16gica que acarreta a curvatura de conjunto do espaço e a densidade de energia eletromagnética da radiação negra que, como demonstramos em Relatividade, não provoca nenhuma curvatura do espaço. A Relatividade complexa postula que a soma algébrica destas duas energias é nula no começo do mundo; mais amplamente ainda, porque a energia total do Universo deve ser conservada, se ela é nula no instante zero, ela o será sempre no futuro. As três fases presentes no espaço universal, a saber, a matéria cosmológica curvando o conjunto do espaço, a radiação negra dando sua temperatura de conjunto ao Universo mas não provocando nenhuma curvatura do espaço e a matéria particular (prótons, nêutrons, elétrons) ocasionando somente curvaturas locais do espaço, sem modificar a curvatura de conjunto, deverão apresentar um balanço total de energia algebricamente nulo.

5 Como se demonstra em Relatividade. é A densidade cosmológica inicial se calcula como sendo de lo- 16 g/CM 3; hoje ela é da ordem de lo- 29 g/CM 3.

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Posto que esta energia é sempre nula, isto nos evitará ter de responder à pergunta sempre embaraçosa: "Quem criou a energia presente no

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Universo?" Ela não teve necessidade de ser "criada", pois ela é no princípio e permanecerá para sempre rigorosamente nula.

Uma conseqüência notável desta nulidade da energia algébrica total do Universo é que, no começo do mundo, onde somente a matéria uniforme cosmológica e a radiação uniforme negra estão presentes, é necessário que estas duas energias sejam de sinais contrários. Se damos, portanto, um sinal positivo à energia caracterizada pela temperatura do Universo, temos de admitir que a matéria cosmológica curvando o conjunto do espaço representa uma energia negativa e deve ser considerada, portanto, como da antimatéria. Assim, nossos físicos sempre se perguntaram por que nossos átomos e nossas moléculas, construídos com a matéria particular, eram feitos quase que unicamente de matéria, enquanto as equações da Física mostram que átomos e moléculas de antimatéria são igualmente autorizados por estas leis e têm uma probabilidade igual de se fabricar. A resposta é esta: as moléculas de antimatéria são raras porque a matéria particular que se fabrica desde a origem do mundo deve ser do mesmo sinal que o do balanço de energia das três fases: matéria cosmológica, radiação negra e matéria .particular, ou seja, sempre algebricamente nulo.

Vejamos um pouco mais de perto como evolui o conteúdo energético de cada uma destas três fases a partir do instante zero. 0 universo entra então em expansão, isto é, seu raio R aumenta. Ora, prova-se que, durante esta expansão', a densidade cosmológica diminui como o inverso do cubo do raio R, enquanto que a densidade de energia da radiação negra' diminui ainda mais rápido, na verdade, como o inverso da potência 4 do raio R. A conseqüência é que, a fim de manter o balanço global de energia do Universo nulo, é necessário que "nasça" espontaneamente matéria particular e, como percebemos, uma matéria particular de energia positiva, isto é, partículas de matéria e não partículas de antimatéria.

Assim, tanto em Relatividade complexa como em Relatividade geral, as partículas de matéria que constroem nosso Universo nascem durante uma transformação da energia da radiação eletromagnética em matéria. Mas os processos são muito diferentes para explicar este nascimento particular. Em Relatividade geral é porque a temperatura do Universo no seu nascimento era muito elevada (da ordem de muitas centenas de milhões de graus) que podemos perceber, nesta época e somente nesta, a criação de praticamente toda a matéria par

7 Teoria da Relatividade Complexa, op. cit.

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8 A radiação negra ocupando todo o Universo se comporta, aqui, como um "gás de fótons", durante uma expansão adiabática (isto é, falando estatisticamente na escala do Universo inteiro, sem troca de calor com a matéria do Universo).156

pido, pois a expansão faz cair tão depressa a temperatura do Universoque o físico Georges Garnow calculou que a fabricação de todos osnêutrons do Universo deve ter acontecido na primeira meia-hora! De-pois disso, a temperatura do espaço tornou-se muito baixa para

"cozer"as partículas no forno cósmico. Em Relatividade complexa, este "for-no" está, desde o princípio, em uma temperatura muito baixa (60.000graus) para fabricar o menor nêutron. Mas, em compensação, ele vaiusar a sacrossanta lei da conservação da energia no Universo inteiro:esta vai "forçar" uma criação espontânea de partículas de matéria,

comuma densidade de criação sensivelmente constante em todos os

pontosdo espaço, a um dado instante. Em resumo, vemos aqui um me-canismo de criação das partículas de matéria, semelhante ao quehaviam proposto os três físicos Hoyle, Bondi e Gold há uns vinte

anos,para justificar um Universo "estacionário", sem evolução. Para estesfísicos, as galáxias longínquas, que se afastam de nós em velocidadestanto maiores quanto mais distantes elas estão, terminam, em umadistância suficiente, por "sair" do nosso Universo; mas, simultanea-mente, cria-se por toda a parte matéria ex nihilo, sob forma de partí-culas, com urna taxa de criação sensivelmente constante em todos ospontos do espaço, em uma determinada época. A Relatividade com-plexa conduz a um processo análogo de "criação permanente": massem sacrificar a idéia de evolução, que nos nossos dias parece

repousarsobre bases extremamente sólidas e, por isso, seria difícil voltar atrás.

Antes que começasse a expansão do Universo, isto é, antes do que

chamamos o começo da evolução, o espaço era estático: o raio erainvariável, só existia a radiação a 60.000 graus, as partículas de maté-ria estavam totalmente ausentes. Mas o Universo era "instável" sobesta forma, e bastou a fabricação (talvez a partir da radiação negraa 60.000 graus, processo pouco provável, entretanto, fisicamente) daprimeira partícula de matéria (um nêutron, sem dúvida, ou um próton

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e um elétron), para que se iniciasse o fenômeno de expansão que cons-

tatamos ainda hoje 1.A idade do nosso Universo atual, desde o princípio da expansão,

está compreendida entre 10 e 18 bilhões de anos. No decorrer de todoeste período passado, como já dissemos, é o princípio da conservaçãoda impulsão-energia que regulou. o equilíbrio energético das três

fases:matéria cósmica, radiação negra e matéria particular. Porque a pri-meira partícula nasceu da radiação negra existente na origem, o Uni-verso se pôs em expansão; porque ele está em expansão, sua tempe-

1 Lembraremos que um modelo cosmológico igualmente---eme,pe a" de evolu,ão,

por um tempo indeterminado, foi proposto pelo abade Lemaltré desde 1929, a

partir das equações de Einstein. Mas ele se chocava com graves dificuldades

quando era comparado com os dados experimentais.157

ratura esfriou; porque ele esfriou "adiabaticamente", se fabrica sem cessar matéria particular.

A Relatividade complexa, entretanto, nos sugere que esta expansão não é eterna. A expansão seria reversível. Dentro de alguns bilhões de anos deveríamos atingir um raio máximo de expansão; entraremos, em seguida, em uma evolução do raio inverso ao da precedente: o raio do Universo diminuirá em vez de crescer, e a expansão do Universo será substituída por uma contração do Universo. No decorrer desta fase de compressão, a temperatura do Universo irá aumentando, e a conservação da energia exigirá então que a matéria particular vá progressivamente diminuindo de massa. Fisicamente, esta "evacuação" da Matéria do nosso Universo acontecerá sob a forma da criação de "buracos negros", estes novos espaços-tempos situados "fora" do nosso próprio espaço-tempo da Matéria, dos quais já falamos longamente. Notaremos que estes buracos negros, onde a matéria atinge densidades enormes, não contêm mais partículas eletricamente carregadas, mas somente um "magma" de matéria, onde os próprios nêutrons não se apresentam mais como partículas "diferenciadas". Pois, como vimos, são os elétrons (e mais geralmente as partículas carregadas) que são os portadores do Espírito, a evacuação da Matéria do Universo, por intermédio de um "escoamento" nos buracos

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negros, não corresponde a uma "fuga" do Espírito para fora do nosso Universo; é o contrário que se produz: quanto mais a fase de contração do Universo se aproxima do momento de contração máxima (simetria-do momento-origem da expansão em relação ao momento de expansão máxima), mais o Universo se toma "espiritual", abandonando sua matéria, para conservar apenas os pares elétron-pósitron, como veremos no capítulo seguinte.

A relatividade complexa nos fornece também o modelo cosmológico para o espaço-tempo do Espírito, isto é, para cada elétron (ver o esquema da pág. 155).

Como dissemos, trata-se de um microuniverso "fechado", em pulsação cíclica. Uma característica importante deste microuniverso é que ele regride com o correr do tempo, o que confere ao elétron as qualidades neguentrópicas, sobre as quais já falamos. 0 raio desse microuniverso eletrônico é da ordem das dimensões particulares, e seu período de pulsação é da ordem também dos tempos na escala particular. Enfim, não devemos esquecer que, relacionado aos referenciais habituais do espaço-tempo da Matéria, o elétron aparece como pontual: somente utilizando um referencial com coordenadas complexas é que se pode descobrir, ao descrevê-la, a estrutura desdobrada do elétron. Lembre158

mos, por fim, que a temperatura do espaço eletrônico é da ordem de 100 bilhões de graus.

0 elétron pode "nascer" no decorrer de toda uma gama de interações da escala nuclear. Desde que ele nasce, começa a "bater" como um coração, com esta pulsação rápida de seu espaço que já descrevemos. Ao mesmo tempo, no interior deste minúsculo espaço, a radiação começa a se ordenar; isto quer dizer que a neguentropia deste sistema não pode nunca decrescer. Ã medida que aumenta sua neguentropia, aumenta também o que devemos chamar de as propriedades "psíquicas" do elétron. Pouco a pouco, de simples objeto obediente às interações puramente físicas que ele é no princípio, o elétron vai se tornar um "objeto obediente às interações físicas que manifestam interaçóes psíquicas". Reconhecemos quatro interações psíquicas, que chainamos de Reflexão, Ação, Conhecimento e Amor.

Vamos voltar, no capítulo seguinte, a esta evolução psíquica do elétron e, mais amplamente, à evolução psíquica do Universo inteiro.159

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CAPITULO XIV

Uma Cosmologia neognóstica: evolução do Espírito

0 Universo "à espera". - 0 Espírito nasceu. - Os "pares" dos elétrons positivos e negativos. - 0 povo dos éons tem necessidade de "máquinas". - A evolução como conseqüência do jogo de quatro interações físicas "deterministas" e de quatro interações psíquicas "livres".

Procuremos, agora, seguir o desenvolvimento do Espírito, desde o "começo" do mundo; completemos a Cosmologia da Matéria por uma Cosmologia do Espírito, pois isto é necessário para termos o que chamamos uma Cosmologia neognóstica.

Entendamos bem que, tudo o que dissemos sobre a evolução da Matéria na escala do Universo inteiro permanece válido, e o Espírito deve desenvolver sua evolução em harmonia com a da Matéria. 0 Espírito sozinho não é capaz de invalidar as leis físicas da Matéria, tais como são formuladas pela Física; ele pode, apenas, utilizar estas leis para criar processos particulares, exatamente como o fazemos na escala humana, utilizando o nosso próprio espírito.

Assim, a densidade média do Universo ou seu raio ou sua temperatura não podem ser modificados pelo Espírito. Na medida em que o modelo cosmológico usado para descrever a evolução destas grandezas é válido e repousa unicamente sobre leis físicas bem estabelecidas (como a conservação da energia), será necessário que o Espírito se desenvolva respeitando a evolução inexorável destas grandezas associadas à Matéria.

Se nós situamos o instante zero da vida do Universo no momento do princípio da expansão (como o fazemos geralmente), então a Relatividade complexa nos ensina, como vimos, que antes do começo o Universo estava estático, sem expansão. 0 espaço era esférico, fechado, e possuía

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um raio de uma dezena de vezes o de nossa Via-Láctea. A Matéria particular estava inteiramente ausente e o espaço estava

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ocupado por uma radiação eletromagnética "negra", com uma temperatura da ordem de 60.000 graus.

0 universo estava "à espera". Como não havia ainda nenhum elétron, não havia também nem Matéria particular, nem Espírito. A Luz reinava sozinha, como nos primeiros dias do mundo, na versão bíblica.

Então, como o Universo vai sair desta "espera"? Três possibilidades parecem poder ser encaradas.

0 que requer menos energia no domínio da criação de partículas é certamente a criação de um par de partículas elétron + pósitron. A criação de um par de partículas mais pesadas, como os nêutrons, por exemplo, requereria perto de 2.000 vezes mais energia. As atuais observações experimentais em Física nuclear mostram, entretanto, que não mais do que um par de elétrons do que um par de nêutrons podem 16nascer" a partir de um gás de fótons a uma temperatura tão fraca quanto 60.000 graus, que é a que existia no espaço antes do começo do Mundo. De uma outra maneira, podemos dizer que a probabilidade para que apareça numa tal radiação a temperatura relativamente baixa um par de elétrons é nula ... salvo se dispusermos de um tempo infinito para esperar que se produza enfim uma tal criação. Mas não foi, precisamente, um tempo infinito que precedeu o "começo" do mundo? Ninguém pode afirmar o contrário, e esta possibilidade de um Universo "começando" depois que um primeiro par de elétrons nasceu, a partir da radiação a 60.000 graus, não pode ser excluída.

Podemos, também, tentar sustentar que esta primeira criação de um par de elétrons, que na verdade traz o Espírito para o mundo (pois os elétrons são os portadores do Espírito), é uma obra de origem "divina", isto é, um ato proveniente do exterior de nosso Universo, um ato que devemos aceitar como operado ex nihilo quando o consideramos do nosso Universo. Mas uma atitude rigorosamente científica parece proscrever uma explicação dos fenômenos que fazem apelo a outra coisa do que àquilo que faz parte do nosso Universo: esta atitude é justificada pelo fato de que, por definição, convencionamos designar pela palavra "Universo" o todo. Se temos de levar em conta um ato "exterior", o Universo não é o todo, o que é contrário à definição escolhida.

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Podemos dizer, enfim, que nosso Universo nasceu a partir de um outro Universo, este também acessível à descrição da Física (o que não é o caso de um ato "divino"). 0 instante que chamamos o instante zero seria, então, aquele em que nosso Universo "se desprende" de alguma forma do Universo maior que lhe deu nascimento, e assume assim sua individualidade própria. 0 fenômeno seria comparável ao da duplicação celular: a partir de uma célula-mãe vão se formar duas células-filhas, e cada uma vai "nascer" a partir do momento em que

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as duas células-filhas se desprendem uma da outra e se tornam, cada uma, um microuniverso independente. Se aceitamos tal eventualidade para nosso Universo, seria necessário dizer que o instante zero corresponde, de fato, a uma mudança de estado: inseparável de um "maior do que ele" antes do seu nascimento, "fabricado" por este maior, nosso Universo, em um certo momento, se "desprendeu" deste maior e obteve uma autonomia completa. Desde este instante (o instante do começo), ele principiou sua expansão. E esta, vimos, deve ser acompanhada imediatamente da criação de matéria particular, e provavelmente de um par de elétrons, pois esta criação é a que reclama menos energia.

Esta última idéia do possível nascimento de nosso mundo a partir de um outro mundo, do qual ignoramos tudo, poderia se ver confirmada pelo estudo dos buracos negros, dos quais já falamos longamente.

Um buraco negro, relembremos, é produzido por uma estrela que se aproxima de sua morte: a estrela se contrai sempre mais e mais sob o efeito das forças gravitacionais, até o ponto em que a densidade de sua matéria se torna da ordem da da matéria num nêutron. Depois, bruscamente, esta contração se torna tão forte, a curvatura gravitacional em torno da estrela se torna tão grande, que a estrela "arrebenta" de alguma forma o espaço-tempo da Matéria, para 16nascer" em um novo espaço-tempo, com características muito diferentes das do nosso espaço-tempo da Matéria, e que nós chamamos espaço-tempo do Espírito. Quem nos diz (pois não vemos nada do que se passa dentro do buraco negro, o que, aliás, justifica o seu nome) que nosso buraco negro que acaba de deixar nosso Universo de Matéria não é, ele mesmo, posto em expansão imediatamente, tornando-se um novo Universo, nascido a partir do nosso e levando consigo os germes do Espírito? Com a expansão do buraco negro, seus efeitos puramente gravitacionais sobre nosso espaço, na vizinhança do ponto onde desapareceu, diminuirão mais e mais (devido ao

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crescimento do raio do buraco negro). Finalmente, o buraco negro "se desprenderia" do nosso próprio Universo e se tornaria um outro mundo, sem nenhuma relação com o nosso. A Morte seria então, para a estrela também, apenas uma passagem para um "outro" estado e, na verdade, um novo nascimento.

Em todo caso, não resta nenhuma dúvida de que o estudo dos buracos negros, nos próximos anos, demonstrando como morrem as estrelas, nos trará informações sobre este fenômeno que é, talvez, complementar: o nascimento do nosso próprio Universo.

Eis que acaba de nascer no nosso Universo, no instante do seu começo, um par de elétrons. 0 Espírito acaba de se acender a partir da luz original, Pois é o espaço do Espírito, como vimos, que encerram estes dois primeiros elétrons do mundo.

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Um Espírito ainda "vazio", entretanto, contendo somente radiação de alta temperatura não diferenciada, conferindo aos elétrons suas propriedades puramente físicas, propriedades que os físicos conhecem bem e chamam propriedades eletromagnéticas.

Mas sabemos que o elétron possui outras propriedades além das reconhecidas pela Física atual. 0 elétron encerra um espaço com neguentropia crescente, no qual o Espírito vai pouco a pouco se desenvolver, fazendo uso das propriedades "espirituais" que descrevemos: a Reflexão, o Conhecimento, o Amor e a Ação.

Em resumo, ao lado das quatro interações físicas próprias da Matéria (interações fortes, fracas, eletromagnéticas e gravitacionais), o Espírito vai dispor de quatro interações psíquicas (Reflexão, Conhecimento, Amor e Ação). As primeiras interações estão em entropia não decrescente, as segundas estão em neguentropia não decrescente. A aventura do mundo vai se construir, assim, sobre uma mecânica que vai jogar com a desordem e a ordem, uma sendo indispensável à existência da outra.

Nossos dois primeiros elétrons não são idênticos: um é positivo (chamamo-lo pósitron), o outro é negativo (o elétron).

Não podemos deixar de notar a analogia entre este fenômeno da primeira criação concernente ao Espírito e o que o Homem sempre adivinhou intuitivamente e exprimiu sobre esta primeira criação. Chame-se Adão e

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Eva, ou Yin e Yang, ou positivo e negativo, não são sempre outras maneiras de "se lembrar", buscando através de nossa memória suas raízes eternas no passado, que é um par de objetos portadores do Espírito, complementares um do outro, que assim principiou toda a aventura espiritual do nosso Universo? Dois objetos que, acabamos de descobri-lo, não são senão as duas primeiras partículas, o primeiro "casal" espiritual, o elétron negativo e o elétron positivo.

A partir do momento em que nasceram os dois primeiros elétrons, o processo de expansão começa; e, então, é a matéria particular que deverá nascer, de maneira interessante, a partir da diminuição da energia total da radiação encerrada no universo, como já explicamos anteriormente.

São os nêutrons que aparecem no espaço. Mas estas partículas vão desaparecer muito rapidamente: com efeito, a experiência mostra que, ao fim de uns quinze minutos, um nêutron se transforma em um próton p+ (nêutron associado a um pósitron), um elétron e- e um antineutrino -V~

n ---> p+ + e- + ;v

Este processo corresponde, portanto, ao verdadeiro "nascimento"

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de elétrons negativos, sempre em maior número. Podemos dizer aindaque o espaço da Matéria é sempre mais completado pelo espaço doEspírito. Nesse princípio do mundo, é ainda um Espírito

praticamenteI~vazio", com certeza, um Espírito que ainda não teve tempo de

memo-5 rizar e organizar os pensamentos. Mas é, entretanto, um Espírito "po-

tencialmente" pronto para se expandir. Um Espírito pronto a se lançar

na aventura do Espírito.

Nós vemos, então, sempre mais elétrons negativos libertados no Uni-

verso à medida que o tempo decorre: mas o que acontece aos elétronspositivos, no plano de sua função na aventura espiritual do Universo,os quais são capturados desde o seu nascimento pela Matéria bruta,isto é os nêutrons, para formar prótons?

Visto que os pósitrons (elétrons positivos) também encerram umespaço-tempo do Espírito, não há nenhuma razão para pensar que sua

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função "espiritual" seja essencialmente diferente da dos elétrons. Aliás,

quando um pósitron se associa a um nêutron para formar um pró-ton 1, não se deve pensar que esta associação entre Matéria e Espíritoretirará do pósitron suas qualidades "espirituais". 0 que devemosadmitir logicamente corno mais verossímil é que o Espírito se apre-senta de maneira estável nas duas formas complementares uma daoutra, o elétron e o pósitron (este último "habitando" geralmente opróton), e que as funções destas duas partículas na evolução do Espí-rito são, portanto, igualmente complementares no reino do vivo, oprincípio macho e o princípio fêmea.

Na verdade, como já vimos, a evolução do Espírito passará pelacriação de "máquinas", que permitem aumentar sempre mais o ritmoda aquisição e a qualidade da informação memorizada. Neste princí-pio, os elétrons precisam dispor de energia, para em seguida

manipularesta energia. Entre estas "manipulações" estará, principalmente, asíntese das substâncias químicas ou o confinamento do calor ou, maissimplesmente, o deslocamento dos objetos uns em relação aos outros.

É preciso, portanto, que os elétrons e os pósitrons possam se man-

ter no espaço perto das fontes de energia. Para isso eles vão se apro-veitar das leis físicas: o pósitron pode se ligar a um nêutron, atravésdo que os físicos chamam de interações fracas, o nêutron aparecendocomo a fonte de energia mais abundante localizada no espaço da Ma-téria. Em seguida, o próprio elétron se ligará ao próton, também for-mado pelas interações eletromagnéticas, fornecendo o átomo de

hidro-gênio (que representa, como sabemos, em torno de 55 por cento dootal da Matéria do Universo 1). E eis então, com este primeiro átomo

Esta associação é regida pelas interações fracas.2 0 resto é constituído por 44 por cento de hélio, e 1 por cento

somente de átomosque pertencem a cerca de uma centena de outros elementos químicos

conhecidos.

165de hidrogénio, o par de elétron dos dois sinais reunidos, com uma reserva de energia (a matéria do nêutron) à sua disposição para partir para a conquista espiritual do mundo.

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Trata-se de uma reserva de energia enorme, pois é a partir das reações chamadas de fusão termonuclear entre os átomos de hidrogénio (aí incluído o hidrogénio "pesado", ou deutério, cujo núcleo comporta um nêutron suplementar) que a Matéria espiritual vai "acender" as estrelas. Com efeito, a evolução verá os átomos de hidrogénio leve e pesado se juntarem em massas esféricas da ordem de grandeza da de uma estrela; estas massas vão, em seguida, se contrair sob o efeito da atração gravitacional e, no núcleo central, a temperatura logo se tornará suficiente para que se efetuem as reações de fusão entre átomos de hidrogénio, acompanhadas de um grande desprendimento de calor e de formação de átomos de héliol. Nesta fornalha dos coraçoes estelares (várias dezenas de milhões de graus), vamos "cozer" novos átomos, mais pesados do que o hélio, e que formarão, mais tarde, a matéria dos planetas.

Assim vemos que se multiplica, desde as primeiras horas do mundo, o "povo" dos elétrons pensantes. 0 Universo vai agora evoluir, apresentando dois tipos de interações: as interações próprias da matéria bruta, que são, na ordem decrescente de suas intensidades, as interações fortes, eletromagnéticas, fracas e gravitacionais; e as interações próprias do psiquismo, que descrevemos e chamamos de a Reflexão, o Conhecimento, o Amor e a Ação. Uma Física que não deseja ser "reducionista" deve, necessariamente, levar em consideração estes dois tipos de interações, pois é bem evidente que eles interferem, ambos, na descrição dos fenômenos. É esta Física mais completa que nós chamamos de a Física neognóstica.

0 jogo complementar das oito interações que acabamos de citar se desvenda mais ou menos na observação dos fenômenos: de um lado dependendo da interação cuja intensidade é preponderante, e de outro, dependendo do movimento que é a conseqüência desta interação. Esta última particularidade é muito importante: pois, na verdade, nossas atuais experiências em Física apenas revelam o movimento, elas não revelam, diretamente, exista ela ou não, uma atividade de ordem psíquica que poderia acontecer nas partículas observadas. Do mesmo modo, vocês não podem observar diretamente os pensamentos que

3 As reações se escrevem:

'~H +'1D -->'2He + radiação

2He + 1,H --- > 42He + e+ + radiação

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estão na cabeça de um homem mudo, se ele não traduz estes pensamentos por uma ação, isto é, um movimento.

Para observar um movimento das partículas que poderíamos atribuir como conseqüência de uma atividade psíquica, é necessário que, por um lado, a partícula psíquica execute o que nós chamamos uma Ação (isto é, um movimento "voluntário"); e, por outro lado, que esta Ação não possa ser justificada como uma conseqüência das interações puramente físicas sozínhas.

Observando a Natureza agir no nível elementar, encontramos todas as gradações entre a ação de origem puramente física e a Ação, isto é, o movimento que igualmente se vale das interações psíquicas.

A evolução do Universo no seu conjunto, considerada sob o ângulo da Matéria sozinha, e apreendida, como vimos, através de modelos do Universo retirados das equações da Relatividade geral ou complexa, aparece como uma ação puramente física; já enfatizamos este fato de que grandezas como o raio do Universo, ou sua temperatura, ou sua densidade cosmológica, ou a densidade média das partículas de Matéria, estão odas sujeitas unicamente ao grande princípio de conservação da impulsão-energia 1, são grandezas que caracterizam uma ação puramente física da Matéria.

Do mesmo modo, a interação física mais intensa (interação nuclear forte) é tão possante, que é pouco provável que o psiquismo possa transparecer de maneira concomitante.

A interação eletromagnética pode deixar perceber o psiquismo se ela não contém interações puramente eletrostáticas. Estas são, com efeito, extremamente fortes, e os elétrons são tão bem "pilotados" por ela, que é extremamente difícil manter no espaço um campo elétrico qualquer. Os astrofísicos sabem que a neutralidade eletrostática é, na escala cósmica, um processo que praticamente domina todos os outros. Em compensação, em um espaço eletrostaticamente neutro, podemos ver aparecer movimentos (Ações) diretamente atribuíveis ao psiquismo. Para se convencer, é suficiente pegar um microscópio e olhar a ,'efervescência ordenada" dos materiais no interior da célula viva. Explicamos como, na escala do elementar (uma estrutura do ADN, por exemplo), era por uma ação "a distância" com os fátons de um espaço cuja topologia é capaz de confinar uma radiação eletromagnética "negra" (isto é, o calor) que se

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poderia explicar o movimento voluntário" das estruturas elementares vivas (o ARN "mensageiro", por exemplo).

0 psiquismo deve, certamente, poder entrar em competição com as interações chamadas "fracas" da Física; tal competição deverá se tra

, Com esta particularidade suplementar, já o enfatizamos, de que a impulsãoenergia algébrica total do Universo deve permanecer constantemente nula.

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duzir, no observável, por certos "desvios" das leis puramente físicas, como principalmente as leis de conservação. Observamos, efetivamente, que, no decorrer das interações fracas, o princípio de conservação da paridade, que estipula que a matéria bruta deveria ser incapaz de distinguir sua direita de sua esquerda 1, é violado. Esta observação é tão importante e espantou tanto os físicos, que valeu o prêmio Nobel de Física aos dois americanos Lee e Yang (de origem chinesa) que descobriram este efeito (1957) 1. É bem possível que se a paridade não é conservada nas interações fracas é precisamente porque vemos aí, diretamente, uma intervenção do psiquismo dos elétrons. Quando um princípio de conservação parece violado em Física, é quase sempre porque esquecemos de fazer intervir alguma coisa no "balanço" do fenômeno; esta "alguma coisa" é, geralmente, um fator que ainda não foi descoberto. Isto já foi verdadeiro com a radioatividade chamada "beta", onde víamos se desintegrarem núcleos de átomos com aparente violação do sacrossanto princípio da conservação da energia. Isto conduziu à descoberta do neutrino de que não se fazia conta no balanço de energia dos produtos da radioatividade ... simplesmente porque ignorávamos sua existência. Em Física "reducionista", queremos obstinadamente ignorar que poderia haver ações psíquicas ao nível das partículas elementares; também não fazemos entrar a possibilidade de tais ações nas interações fracas ... e constatamos, então, que a lei de conservação da paridade é violada. Observar, como o fazemos, que esta não-conservação da paridade acarreta que simples elétronsI sejam capazes de "escolher entre sua direita e sua esquerda" deveria ajudar também nossos reducionistas a tomar consciência do fato de que há, talvez aí, um assunto onde o psiquismo intervém de alguma forma: pois, onde há "escolha", não há também psiquismo, por definição?

Há, também, as interações gravitacionais. Estas são extremamente fracas quando consideramos a interação de duas partículas entre si; mas se tornam consideráveis desde que estejamos diante de bilhões de partículas

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interagindo gravitacionalmente, como é o caso se considerarmos os efeitos gravitacionais sobre uma partícula de uma estrela ou de um planeta.

Penso que, em um meio de gravitação nula, como um laboratório espacial em torno da Terra, por exemplo, certas experiências pondo em evidência ações psíquicas dos elétrons deveriam ser possíveis. Suprimam, na verdade, as quatro interações físicas (o que não acon

5 Descrevi este fenômeno na obra La Matière et Ia Vie, op. cil.

6 É necessário relembrar que Einstein teve que esperar dezessete anos pela "consagração" do Nobel.

7 Trata-se de elétrons emitidos por núcleos de cobalto, nas experiências da física Wu, que confirmou em 1957 as teses de Lee e Yang.

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tece nunca em um laboratório terrestre, sempre sujeito à gravidade), e toda aceleração eventualmente observada será então, necessariamente, neste caso, de origem psíquica. Em todo caso, parece que todo ser vivo, libertado da coação gravitacional, deveria ter seus elétrons mais "livres" para fazer o que julgam que deve fazer, no plano psíquico. Se admitimos, por exemplo, como o fazem alguns médicos e biologistas', e como eu mesmo estaria inclinado a pensar, que nossos elétrons "sabem" melhor do que qualquer um como restabelecer o equilíbrio (isto é, a saúde) de um organismo doente, não se exclui que uma cura de Ierdeza" favoreça este trabalho eletrônico subjacente. E quando acontecerão estas curas de lerdeza? Seria necessário, talvez, falar um dia com os nossos responsáveis pela medicina espacial!

Voltaremos a isso no nosso último capítulo sobre a Cosmologia do Espírito no Universo, para falar do futuro da aventura espiritual. Mas, antes disso, iremos estudar, mais detalhadamente, que mecanismos fazem evoluir o Espírito no interior do espaço próprio a cada elétron. Pois é aí, finalmente, que se situa a Cosmologia do Espírito.P. SOLIÉ, Médicine Initiatique, op. cit. Também J. ANDREVA DUVAL,

Introduction aux Techniques Osteopathiques, Maloine, 1976.

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CAPITULO XV

0 Matricialismo

0 Espírito (se ele existe) não conhece o objetivo final do Espírito. - Linguagem estruturalista e linguagem matricialista. - 0 sinal e o significado. - As matrizes da linguagem natural. - A Reflexão cria as linguagens com significação abstrata e os sinais artificiais. - 0 animal também conhece as linguagens abstratas. - 0 lugar do Homem no contexto do matricialismo. - Aventura espiritual cósmica e Reencarnação. - Conhecimento e Amor como meios do Espírito (se ele existe) para descobrir o objetivo de sua aventura.

0 Espírito em cada elétron aumenta sua "ordem", dizíamos, à medida que o tempo passa. Aliás, ele não tem escolha: é feito de um espaço onde a ordem não pode decrescer, um espaço em neguentropia não decrescente. Portanto, vai utilizar suas quatro interações consigo mes~ mo (Reflexão), com o mundo da Matéria (Conhecimento e Ação) e com os outros (Amor) para aumentar sua neguentropia. 0 elétron não considera este aumento contínuo de sua neguentropia como um objetivo em si, isto é, como o objetívo da evolução, mas como o meio para tentar descobrir o objetivo da evolução.

Este objetivo é, com efeito, desconhecido para os elétrons pensantes, que nos constituem como desconhecido para nós mesmos, Se, entretanto, os elétrons já tivessem descoberto o objetivo final da evolução, não o saberíamos, pois quando pensamos são eles que pensam, e quando eles pensam somos nós que pensamos. Na verdade, cada elétron é como nós: à medida que ele aumenta suas informações memorizadas, crê entrever um novo objetivo e o leva em conta para modelar suas ações. Por isto é que podemos falar de uma "aventura" espiritual do Universo, pois o Espírito se dirige para o que o Espírito tiver escolhido ser, no decorrer de uma

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tomada de consciência cada vez mais elevada. É possível que exista, já o dissemos, um Princípio de eternidade, que conheceria o objetivo para o qual deveria se dirigir o Universo se, dispondo de um tempo infinito, contivesse elétrons pensantes cuja neguentropia tivesse se tornado infinita. Este Principio171

de eternidade, nós o chamamos geralmente Deus. Mas, neste caso, a aventura espiritual do Universo é uma busca de Deus, tanto para os elétrons que povoam atualmente o Universo como para nós.

0 objetivo de cada elétron, portanto, é, primeiro, aumentar sua própria neguentropia, na esperança de chegar um dia a descobrir o objetivo de toda a evolução espiritual.

Como o elétron vai "estruturar" sua memória, isto é, seu espaço psíquico, para aumentar a neguentropia do seu espaço?

0 elétron vai elaborar uma linguagem, segundo um procedimento que qualificaremos de matricialista, para distingui-lo do estruturalismo, que parece prevalecer em algumas teorias atuais da linguagem.

Relembremos, primeiro, de uma maneira bastante esquemática os elementos essenciais da elaboração de uma linguagem.

A partir de um sinal reconhecido no mundo exterior, o pensamento é capaz de associar um significado, que é na realidade diferente do sinal. Por exemplo, vemos fumaça (sinal) e a ela associamos à idéia de fogo (significado); vemos nuvens (sinal) e a elas associamos "vai chover " (significado); vemos impressões de passos humanos no solo (sinal) e a elas associamos "um homem passou por aí" (significado). A associação sinal-significado é geralmente seguida de uma ação. Este encadeamento sinal-significado-ação é reconhecível em todos os seres vivos.

A congeminação pelo pensamento do sinal e do significado constitui uma linguagem. Os sinais podem ser naturais, isto é, elementos da realidade exterior, como a fumaça, as nuvens ou as impressões dos passos nos exemplos acima. Em resumo, é a realidade exterior que nos fala através dessa linguagem de sinais, desde que sejamos capazes de associar um sentido, uma significação, a estes diferentes sinais naturais.

Os sinais podem ser, também, artificiais: escrita, sinais luminosos, música, pintura etc. Neste caso, o significado não é imediato, não se deduz

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diretamente de nossa experiência sensível, é necessário acrescentar-lhe uma convenção, resultante geralmente de um uso social; a convenção adotada tem por objetivo principal permitir a comunicação côrnoda entre os membros da sociedade.

Estes diferentes aspectos da linguagem, que se apóiam no funcionamento do pensamento, nos permitem encontrar para eles uma correspondência no plano do funcionamento do pensamento no nível ele

1 Não é possível, naturalmente, entrarmos aqui nos detalhes dos estudos das numerosas e ricas teorias atuais sobre a linguagem e a semântica.172

mentar dos elétrons pensantes, pois enfatizamos a identidade entre o pensamento deles e o nosso próprio pensamento.

0 estado do espaço do microuniverso eletrônico pode ser descrito, como já o dissemos, pelo estado dos spins dos fótons da radiação "negra" que ocupa este espaço. Vamos representar simbolicamente este estado do espaço eletrônico, no nível "virgem", onde ele ainda não memorizou nada, por uma tabela de números:

Esta tabela é uma matriz. Cada casa representa um ponto do espaço eletrônico, em um dado instante. Como existe uma infinidade de pontos no espaço encerrado no elétron, por menor que seja este espaço, a matriz correta deveria, portanto, teoricamente comportar uma infinidade de linhas e uma infinidade de colunas, e ter três dimensões. Aqui, para simplificar, contentamo-nos em fazer figurar três linhas e três colunas. Em cada um dos casos, indicamos o estado de spin do fóton da radiação negra suscetível de estar presente, neste instante, neste ponto do espaço eletrônico; simbolicamente, marcaremos com um zero as casas onde não há fótons 1. Na matriz acima, percebemos três fótons em seu estado fundamental de spin 1, o que poderia ser a descrição do espaço de um elétron antes de qualquer memorização de informação.

Vejamos agora como vai ser representado um processo de Conhecimento. Um sinal do mundo exterior ao elétron (espaço da Matéria) se traduz por um fóton, que é memorizado pelo elétron no momento em que este fóton

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tem uma ação "a distância" com o elétron (o elétron o "vê"), fazendo passar um dos fótons da matriz para o estado de spin 2:

Este novo estado será chamado de estado memorizado. 0 elétron registrou o sinal, memorizando um novo estado de sua matriz, em alguma parte, com um 2 em vez do 1 que existia antes do processo de Conhecimento. Na verdade, o 2 deve ser interpretado aqui como englobando não somente o spin 2, mas também o antigo estado de spin 1. Nós insistimos, com efeito, neste aspecto importante que a anã2 Na verdade, como o notamos, o spin do fóton só pode ser definido pelo sinal: o sinal 1 deve ser lido aqui como + 1 ou - 1. 0 spin total (soma algébrica dos spins) deverá ser sempre 1,173

lise matemática do estado de "spin máximo 2" de um fóton descreve perfeitamente: o estado de spin 2 contém o estado de spin 1; não é o 2 ocupando o lugar do 1, mas o spin 2 se somando ao spin 1 1. Do mesmo modo, o spin 3 conteria os estados de spin 1, 2 e 3, e assim por diante. Em outros termos, o elétron tem aqui, na memória, a antiga matriz virgem compreendendo somente 1 (uns) e 0 (zeros) mais a nova matriz resultante do processo de Conhecimento, matriz onde um 2 se substitui a um 1 na matriz virgem, em uma determinada casa:

Suponhamos um novo ato de Conhecimento, semelhante ao precedente: um sinal do mundo exterior, se traduzindo por um fóton, induz, na memória do elétron, uma nova ascensão do spin em uma casa, de 1 para 2:

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Esta matriz é o estado memorizado do novo sinal. Desta vez, a memória do espaço eletrônico está "carregada" de quatro matrizes, com as seguintes significações, em cada instante:

1 A expressão "spin máximo 2" para designar esta "acumulação" dos estados de spin (o spin 2 contendo o spin 1) foi escolhida por Louis de Broglie (Theórie Générale des Particules à Spin, Gauthier-Villars, 1954),

174

Não reconheço nenhum sinal Reconheço o primeiro sinal no meio exterior no meio exterio

Reconheço o segundo sinal Reconheço os dois sinais no meio exterio no meio exterior

E assim por diante. Se os dois sinais precedentes aparecem simultaneamente no espaço exterior, o estado memorizado será traduzido pela quarta matriz, diferente das duas matrizes correspondentes a um só dos dois sinais ou à primeira matriz (ausência de sinal no espaço exterior).

É claro que um sinal do mundo exterior se traduz, geralmente, não apenas por um só, mas por todo um conjunto de fótons. Há, portanto, uma correspondência entre a "geografia espacial" dos fótons do mundo exterior captados pelo elétron e a "distribuição espacial" dos estados memorizados de spin no espaço do elétron. Assim o lugar relativo dos 2 nas matrizes precedentes não é indiferente ao significado. Por exemplo, as duas matrizes:

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traduzem sinais e significados diferentes, a despeito do fato de que elas possuem tantos fótons quanto um estado de spin 2. As informações conhecidas se distinguem, portanto, ao mesmo tempo pelos estados de

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spin, como também pela distribuição espacial relativa a estes estados de spin no interior do espaço eletrÔnico.

Depois deste processo de Conhecimento, o elétron vai ser capaz de uma operação de Re-Conhecimento. Com efeito, à medida que o elétron memoriza as diferentes matrizes, elas se gravam no seu espaço. Mas, em cada urna 1 de suas pulsações repassam todos os estados memorizados, no decorrer deste mecanismo de "retorno do tempo", do qual o elétron é o objeto, como já falamos longamente. Assim, em cada pulsação, o elétron verá "desfilar" as quatro matrizes precedentes, após a memorização dos dois sinais. Se os mesmos sinais se reapresentam novamente no espaço exterior, em um instante posterior da vida do elétron, vai haver coincidência da nova matriz memorizada com uma matriz antiga já memorizada. 0 elétron vai "reconhecer" esta repetição; gradualmente, depois de um número suficiente de repetições, o elétron vai dar um significado à memorização de matrizes "vizinhas" daquelas já memorizadas, estabelecendo uma correspondência com o conjunto de sinais exteriores que aparecem em instantes diferentes, mas que apresentam de cada vez uma certa "semelhança". Este conjunto de matrizes memorizadas será chamado de conjunto significado de um conjunto de sinais.

Ações poderão ser consecutivas aos estados significados, assim reconhecidos a partir do mundo exterior ao elétron.

Em resumo, podemos dizer que o Conhecimento, pouco a pouco, permite ao elétron interpretar, através de significações, o conjunto dos sinais que percebe "a distância" provenientes do Universo da Matéria. Na verdade é uma "interpretação", pois as tabelas das matrizes não são evidentemente o próprio mundo exterior 1, formam apenas uma representação simbólica, à qual o elétron atribui uma significação.

Mas eis que, através do processo do Amor, o elétron vai poder compreender diretamente as significações em um outro, entenda-se, em um outro elétron.

Desta vez o processo "enriqueceu" em matrizes memorizadas um e outro dos dois elétrons. Ele se estabeleceu como uma espécie de

4 Lembremos que há aproximadamente 1023 pulsações por segundo.

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5 É o que observava o pai da semântica geral, Alfred Korzybsky, enfatizando que "o mapa não é o território" (Seience and Sanity).

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.'complementação" de um pelo outro'. Depois da operação de troca, cada um dos elétrons será capaz de dar uma significação a sinais que, entretanto, ele mesmo ainda não reconheceu no mundo exterior da Matéria. É um processo que chamamos de "instinto inato" no animal; os pais transmitem ao filho seu conhecimento e sua habilidade. Pois o Amor, se o considerarmos desde o nível elementar, começa no instante da fecundação; a criança aprende enquanto cresce no ventre materno, ou enquanto a mãe choca seus ovos; e o Amor da mãe por seu filho começa, portanto, bem antes daquilo que costumamos chamar o nascimento 1.

Vejamos, agora, como vai acontecer o processo que chamamos de Reflexão. Distinguimos dois aspectos desta Reflexão.

No primeiro aspecto, que descrevemos no capítulo X1, a Reflexão é o processo "espelho" do Conhecimento. 0 sinal exterior provoca, então, uma significação:

Conhecimento: sinal exterior significação.

A Reflexão permite ao elétron de ele próprio manifestar, através de uma Ação, o mesmo sinal exterior, a partir da significação memorizada:

6 Notamos que, para que a troca seja possível, é necessário que os dois elétrons já possuam, antes da troca, uma distribuição espacial "complementar" dos fótons que se vão trocar. É necessário ser "esteticamente" complementar para "se aceitar% em uma justa de Amor (com A maiúsculo), que enriquece espiritualmente um e outro.

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7 Aliás, como já disse anteriormente, estou persuadido de que este Conhecimentoadquirido através do Amor prossegue, ainda, depois do nascimento da criança.Isto, tanto nos animais como entre os humanos. 177

Reflexão: significação o manifestação de um sinal exterior(Ação).

Experimentei por acaso e pela primeira vez uma maçã colhida da árvore (sinal do mundo exterior); memorizei este conhecimento através de uma significação (gosto do sabor da maçã). Mais tarde, o sinal exterior que representa a maçã pendurada no galho da árvore desencadeia em mim uma reflexão da experiência vivida anteriormente: a significação memorizada do sabor da maçã me faz a mim mesmo manifestar um sinal exterior (uma Ação); estendo o braço, por exemplo, para apanhar a maçã da árvore e comê-la.

A reflexão pode, também, apresentar um segundo aspecto, desta vez mais "sofisticado".

0 elétron dispondo de alguns estados memorizados vai ser capaz, com a conservação da neguentropia total do seu espaço, de deslocar os estados de spin uns em relação aos outros no seu espaço, obtendo arrumações espaciais relativas diferentes dos elementos de suas matrizes de memorização. Por exemplo, partindo de uma matriz:

a Reflexão vai permitir ao elétron construir as seguintes matrizes:

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o que proporciona ao elétron matrizes suplementares, elaboradas pelo próprio elétron no decorrer do tempo, as novas matrizes se caracterizam pelo mesmo spin total, mas com uma modificação da distribuição espacial relativa dos spins, em relação às matrizes iniciais.

Isto vai permitir ao elétron descobrir significações que não correspondem a nenhum sinal natural observado. Mas este processo, que representa um funcionamento possível do pensamento, não é ainda uma linguagem. Para que seja uma linguagem, é necessário

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fmr corresponder um sinal, então artificial, à significação descoberta. Aqui, portanto, a significação precede o sinal, a significação é chamada de abstrata e o sinal, de artificial. 0 sinal poderá, por exemplo, ser representado por uma Ação particular do elétron, por um movimento. A observação desta Ação pelo outro (um outro elétron), entretanto, não corresponderá imediatamente à significação que o sinal é suposto traduzir. Na verdade, existe aí uma parte de convenção; o elétron que inventou uma significação em seguida a uma Reflexão traduziu esta significação por meio de um sinal artificial, que escolheu mais ou menos arbitrariamente. Um outro elétron deverá, portanto, se iniciar nesta linguagem abstrata, por um processo simultáneo de Conhecimento (leitura do sinal artificial) e de Amor (leitura do significado abstrato no elétron "inventor").

Podemos ilustrar este processo de Reflexão da seguinte maneira: percebo um bisão no mundo exterior (sinal); eu o memorizo e lhe atribuo uma significação (Conhecimento). Mais tarde começa a correr o processo de Reflexão, invento uma "variação abstrata", a partir do estado memorizado que corresponde à significação "bisão visto no mundo Vterior"; esta variação me conduz a desenhar no muro de minha caverna (Ação) a imagem de um bisão (sinal artificial). Entretanto, este desenho não é imediatamente interpretado pelos outros (uma criança pequena não o compreenderá imediatamente, por exemplo). Com efeito, no desenho há uma parte de "convenção", que o outro e eu devemos aceitar de comum acordo, a fim de que o outro atribua, também, uma significação (então abstrata) a este sinal artificial que traduz o desenho do bisão. Mas, desde que esta convenção for estabelecida entre mim e outro, então meu sinal artificial ter-se-á tornado o elemento de uma linguagem entre mim e o outro.

Esta linguagem abstrata parece mais difícil de manejar que a linguagem natural que nos coloca em relação com a Natureza; entretanto,

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constatamos sua existência tanto no Homem quanto entre os animais, ou os vegetais. E, muitas vezes, quando cremos que uma espécie animal só dispõe de uma linguagem muito rudimentar, é em grande parte porque, nós os Homens, somos incapazes de compreendê-la.

A linguagem animal não se apóia, tanto quanto a nossa, na palavra; mas é, certamente, mais rica no plano dos gritos, dos cantos, das atitudes, das mímicas, das cores, dos odores ... E, em cada vez, se estabèleceu uma "convenção social" entre os animais de uma mesma espécie para associar o significado ao sinal, isto é, para elaborar uma verdadeira linguagem abstrata.

Seria necessário relembrar aqui as célebres experiências de Karl

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von Frisch com as abelhas 1. Através de movimentos muito precisos, semelhantes aos de uma dança, uma abelha é capaz de transmitir à colméia uma mensagem como a seguinte "Vocês encontrarão em uma flor de ciclâmen, numa direção que faz ângulo sul de 30 graus com a direção presente do sol, a 600 metros de distância, comida em grande quantidade".

Sublinhamos as palavras-chave, que a abelha elabora e transmite através de uma linguagem dançada. Quantas vezes vocês obtêm indicações tão precisas, quando perguntam sobre o caminho a seguir, por exemplo?

Todas as sociedades animais, se bem que em graus diversos, possuem assim sua linguagem abstrata de comunicação. Geralmente ignoramos, por exemplo, que dez significações diferentes até o momento foram reconhecidas nos "gritos" da galinha. E, se a maior parte dos pesquisadores não distinguem, hoje, mais do que quinze ou vinte vocalizações diferentes nos macacos uivadores, isto não prova que estas vocalizações não sejam em realidade muito mais numerosas, tendo cada uma uma significação (com o risco de estas vocalizações terem passado, até aqui, desapercebidas dos pesquisadores!).

Isto não quer dizer também que não existam, nos processos psíquicos que agrupamos sob o nome de Reflexão, diferenças quantitativas entre o Homem e o animal; reconhecemos de bom grado que a Reflexão humana, considerando o que podemos hoje conhecer, parece mais rica e com mais variações do que a Reflexão animal e, evidentemente, que a Reflexão vegetal ou mineral. Mas isto significa que níveis diferentes de neguentropia acompanham o processo de Reflexão. A Reflexão no espaço

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dos elétrons de uma abelha é, sem dúvida, executada em neguentropia mais fraca do que no espaço dos elétrons de um Homem; mas, qualitativamente, são os mesmos tipos de mecanismos que estão à disposição para estabelecer uma linguagem.

Não tentamos aqui recusar ao Homem uma provável preponderância sobre o reino animal, sob o ponto de vista do estado neguentrópico de seus elétrons; mas não encontramos barreira ou limite que interdite de passar continuamente do mineral para o vegetal, do vegetal para o animal e do animal para o Homem. A transição se opera através de um enriquecimento progressivo, no decorrer do tempo, do nível neguentrópico dos elétrons que pertencem aos diferentes reinos que acabamos de citar. Posso ilustrar este ponto de vista dizendo que não existe, na minha opinião, maior diferença entre um macaco e um bebé humano do que entre este bebé humano e um homem adulto. A diferença está no nível neguentrópico dos elétrons, e nós nos encontramos

' Karl von Frisch obteve o prêmio Nobel de biologia e de medicina em 1973, como recompensa destes trabalhos.

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psiquicamente tão próximos do macaco quanto da criança pequena. Além disso, é preciso também sublinhar o fato de que se o Homem parece superior ao animal na leitura dos sinais artificiais, o animal, em compensação, parece bem superior ao Homem na leitura dos sinais naturais,- os animais, como se sabe, são capazes de reconhecer bem melhor do que nós os prenúncios de uma tempestade ou de um terremoto, ou capazes de se orientar no espaço, ou capazes de descobrir quais os produtos naturais que podem curá-los. Esta compreensão da linguagem natural não vale, sob certos aspectos, a compreensão da linguagem abstrata? E quem poderia nos garantir que os progressos do Homem na elaboração das linguagens abstratas, que parece ser acompanhada de uma "cegueira" parcial em face das linguagens naturais, não é prejudicial ao futuro humano, que o povo dos elétrons deixará, talvez um dia, de considerá-la como uma "máquina viável" para atingir seu objetivo? Pois, quem pode, nas nossas civilizações ditas avançadas, compreender a linguagem da rocha ou da árvore? Como se o Homem pudesse se permitir evoluir sozinho, sem se preocupar com as forças subjacentes que atuam um pouco por toda a parte, no imenso Universo que lhe deu a vida!

Creio que também é estupidez querer forçosamente "hierarquizar no absoluto" o Homem, o animal, o vegetal e o mineral, do mesmo modo que

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tentar hierarquizar no absoluto a calculadora, a televisão e a roda. Todas estas "invenções" são, em última análise, a obra do Espírito, isto é, as criações deste grande povo dos elétrons pensantes. Estas "máquinas" foram inventadas para aumentar a neguentropia de cada espaço eletrônico e com meios concorrentes para fazer esta operação. A calculadora pode parecer superior à roda: mas peçam à calculadora para levá-los para casa; talvez vocês mudem de idéia! E se o animal deve raciocinar tão "torto" como nós, eu me pergunto o que pensariam do nosso nível psíquico as aves migradoras, descobrindo que, como o Pequeno Polegar, precisamos "deixar bolinhas de pão para reencontrar nosso caminho quando estamos perdidos no grande bosque"!

Dito isto, entretanto, creio que os elétrons pensantes, que são o verdadeiro suporte da aventura espiritual do Universo, efetuam espécies de "andanças" de uma máquina para outra como se, depois de terem esgotado ao máximo os meios para aumentar sua neguentropia em uma dada espécie, decidissem prosseguir a sua carreira numa espécie vizinha.

Creio também, por que não, que existe sem dúvida uma "ordem" segundo a qual os elétrons efetuam este "giro das espécies" e preparam, como os artesãos dos séculos passados, a sua "obra-prima", isto é, sua realização neguentrópica ótima, em uma dada época da181

aceitos em uma espécie viva caracterizada por elétrons de nível neguentrópico mais elevado. Enquanto os elétrons não tiverem atingido ,este nível, serão rejeitados e deverão viver ainda uma ou muitas existências em uma espécie similar àquela que acabaram de deixar.

Está clara, portanto, a utilidade de se esforçar por fazer crescer sua própria neguentropia durante cada existência vivida, visto que o meio essencial de progressão do psiquismo, isto é, também da consciência, tanto na escala do Universo inteiro como na do "Eu" do elétron individual, é fazer crescer sempre mais a neguentropia do espaço do Espírito.

Então, nós começamos a ver aparecer progressivamente a profunda significação destas operações que são o Conhecimento, o Amor, a Reflexão e a Ação. Se sentimos, mais ou menos confusamente, que a vida "é feita" para dar livre curso, o maior possível, a estas quatro operações, é que elas correspondem ao eixo fundamental em torno do qual o Universo enrola sua evolução psíquica para frente: o eixo da neguentropia crescente.

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Portanto, quem duvidará, no mais profundo de si mesmo, de que sua vida está "bem" utilizada quando ele procura "ser mais" no plano do Conhecimento e do Amor?

Quem não perceberá, refletindo um pouco e deixando falar o íntimo de seu ser, que "avança" colocando sua Reflexão e suas Ações a serviço de mais Conhecimento e de mais Amor?

Será necessário que, cada um de nós, reencontremos um pouco mais esta "voz interior", que sabe o caminho, pois este caminho é o seu. Mas é também o nosso. Um caminho que, olhando bem, nos foi proposto por todos os profetas de todas as religiões de nossa Terra. Estes, sem dúvida, melhor que os outros humanos, conseguiram se exprimir e souberam traduzir, em uma linguagem humana, a voz do psiquismo universal interior. Saber escutar os que se exprimem no mais profundo de si mesmos, antes de falar do mundo exterior, é a palavra do sábio e do profeta.

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CAPITULO XVI

0 Futuro desconhecido

Retorno sobre a Cosmologia do Universo do Espírito. - Podemos prever a evolução "determinista" da Matéria. - 0 Espírito tece sempre mais sua malha no espaço. - Os "pequenos homens verdes" são, talvez, as partículas da radiação cósmica. - 0 Universo expele pouco a pouco a Matéria, para conservar somente o povo dos íons. - Nosso “Eu” e a "última máquina".

Gostaríamos de procurar examinar, neste último capítulo, como evolui o grande povo dos elétrons psíquicos do Universo, não nos limitando mais, como acabamos de o fazer, a estudar a evolução psíquica de cada um dos indivíduos que formam este povo, mas considerando este povo dos íons como uma coletividade ou, também poderíamos dizer, como um "grupo

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social". Em outros termos, quais são as perspectivas de evolução do psiquismo na escala do Universo inteiro, quais são os objetivos do Espírito, que "máquinas" o Espírito deverá inventar para progredir ainda mais? E também, há um fim nesta evolução, e qual é então este fim?

Desde que nos colocamos na escala do universo inteiro, é necessário, a qualquer preço, que tomemos cuidado, a cada instante, para não cair no erro corriqueiro do antropocentrismo.

Do mesmo modo, também não queremos, sob pretexto de evitar este antropocentrismo, rebaixar exageradamente o papel do Homem na História universal. E vimos, no capítulo precedente, que o Homem representa, sem dúvida, um ser cujos elétrons possuem o mais alto nível neguentrópico, ao menos na nossa Terra. Mas é sobre o Cosmos inteiro que nosso olhar deve se dirigir, principalmente para procurar abraçar a História do mundo, evitando, como enfatizamos às vezes, que as árvores nos escondam a floresta.

É principalmente sobre o modelo cosmológico, que conta a História da Matéria, que falaremos primeiro. Pois, já percebemos, não há aventura do Espírito que possa ser independente da aventura da Matéria.

Que nos diz o modelo cosmológico deduzido da Relatividade complexa, que prolonga e precisa essas deduções da Relatividade geral de Einstein? Que na sua primeira fase evolutiva o Universo está em expansão; e que, durante esta fase, a massa total da Matéria particular (elétrons, prótons ... ), nula no princípio da expansão, torna-se cada vez maior, para atingir seu máximo quando o raio do Universo for máximo 1.

Durante toda a duração desta expansão, os pares elétron/pósitron 2 aumentam igualmente em número, sumariamente no mesmo ritmo que aumenta a Massa da Matéria particular.

Estaríamos, atualmente, numa idade do Universo que se situa entre 10 e 18 bilhões de anos, 15 bilhões representando uma aproximação conveniente 3.

As medições em curso, sobre o "retardamento" da expansão parecem indicar que não estamos muito afastados do máximo da expansão.

Depois de ter atingido esta expansão máxima, o Universo vai entrar numa fase de contração. Ela será tão longa quanto a fase de expansão (aproximadamente 15 bilhões de anos), e terminará com um retomo do

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cafta, 03/01/-1,
-Reportemo-nos ao esquema de evolução do universo do capítulo XIII.
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Ainda que as medições mais recentes pareçam sugerir 10 a 12 bilhões de anos somente. Mas, é necessário a ser precavido e esperar outras confirmaç
cafta, 03/01/-1,
Os pósitons estão geralmente associados aos nêutrons para formar os prótons.

Universo a um estado estático, de duração indeterminada, durante o qual não haverá nem contração, nem expansão, exatamente como era antes do princípio da expansão original.

Como no começo do mundo, esta fase final será caracterizada por uma energia nula da Matéria particular, com uma ressalva essencial a fazer entretanto, como veremos, concernente aos pares elétron/pósitron; aliás, a temperatura final do Universo será como no princípio, composta de uma radiação negra com 60.000 graus.

Todavia, vai existir uma diferença fundamental entre o estado inicial e o estado final do Universo: enquanto que a energia nula da Matéria estava, no estado inicial, traduzida por uma ausência completa de partículas tais como elétrons, nêutrons, etc., a energia nula da Matéria particular, no estado final, só é nula algebricamente, pois o espaço do Universo está agora cheio de pares pósitronIelétron; estes, como sabemos, têm energias iguais, mas de sinais contrários. Dizendo de outra maneira, a fase final será diferenciada, pois sabemos agora que os pares elétron/pósitron são portadores do Espírito no Universo; que cada elétron e cada pósitron contém um espaço onde está inscrita sua história espiritual, uma história que está memorizada e que ainda está presente no fim dos tempos, no momento em que o Universo termina a sua última fase de contração. Portanto, são os nossos próprios "Eu", de nós humanos, que estarão presentes nesta última fase.

Mas como as partículas "pesadas" de matéria, principalmente os nêutrons, puderam desaparecer no decorrer da fase de contração, para somente deixar subsistir urna matéria particular feita de pares elétron/ pósitron?

Durante todo o período de expansão, como já explicamos, a radiação inicial contida no espaço se relaxa "adiabaticamente 8"; isto provoca, segundo as leis conhecidas concernentes à distensão de gás de fótons, uma diminuição da energia total do gás; esta deverá ser compensada (para conservar a energia total do Universo) por um aparecimento de energia sob uma outra forma: será sob a forma de partículas elementares de matéria bruta, os nêutrons.

Quase simultaneamente aos nêutrons, vimos, aparecem os pares elétron/pósitron. Com efeito, a Física nuclear nos indica que um néutron livre no espaço se transforma, no quarto de hora seguinte ao do seu nascimento, em um próton (pósitron + nêutron) e um elétron.

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-Isto é, sem troca de calor com a matéria do nosso Universo (estaticamente).

Mas, durante o período de contração, se produzirá o fenômeno inverso: o gás de fótons se comprime, aumenta a sua energia total e, para equilibrar esta produção de energia, é necessário que energia seja expelida, sob uma forma qualquer, para o exterior do nosso Universo 9.

Podemos pensar, primeiro, que expulsão da energia acontece segundo o processo inverso àquele que assistimos na fase de expansão. Em uma primeira etapa, os prótons se tornam novamente nêutrons, ao se livrarem de seu pósitron 10:

P -- N + e+ + -y

Depois, em uma segunda etapa, os nêutrons desapareceriam para compensar a energia liberada pelo gás de fótons em compressão adiabática.

Mas é mais provável, entretanto, que a Matéria seja expelida por um processo diferente, que vamos explicar.

É necessário notar, com efeito, que, se a reação de criação de prótons a partir dos nêutrons: N P + e- + Yse realiza espontaneamente nas condições "ordinárias" de pressão e de temperatura, não se dá o mesmo na reação inversa de transformação dos prótons em nêutrons, com emissão de pósitrons e+, tal como a descrevemos acima; uma tal reação exige, principalmente, condições de pressão extremamente elevadas.

Estas condições, encontramo-las na fase final de contração de uma estrela, no momento em que os átomos da estrela estão tão comprimidos uns contra os outros que as órbitas eIetrônicas não podem mais subsistir e que a matéria da estrela está, então, prática e exclusivamente reduzida aos nêutrons apertados uns contra os outros 7.

Admitiremos, portanto, que é no decorrer da formação destas estrelas feitas unicamente de nêutrons que os pares elétron/pósitron, que entravam nos átomos, são restituídos ao espaço.

Resta, então expelir do nosso espaço a estrela de nêutrons, a fim de compensar, como já dissemos, o aumento de energia do gás de fótons em contração.

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É o que chamamo de uma estrela-nêutrons. Os pulsres são tais estrelas terminando suas existências.
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-O antineutrino é exigido na reação para assegurar a conservação do spin total.
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-Em resumo, é o processo inverso da criação ex nihilo da matéria de Hoyle, Bondi e Gold.

Parece que já assistimos a este processo com os "buracos negros". Com efeito, quando uma estrela fica reduzida, depois de ter queimado todas as suas reservas de combustível, a seus nêutrons amontoados uns sobre os outros, ela tem a tendência de se contrair cada vez mais sob a influência das forças gravitacionais. Isto leva um certo tempo, pois tais estrelas de nêutrons têm, geralmente, uma rotação muito rápida sobre si mesmas 12.

Esta rotação cria forças centrífugas que tentam se opor à contração gravitacional. Mas a rotação perde progressivamente velocidade, pois estas estrelas de nêutrons emitem uma radiação eletro magnética, cuja energia é precisamente tomada de empréstimo à rotação da estrela sobre si mesma. De tal modo que, pouco a pouco, a estrela de nêutrons continuará a se contrair ... até o momento em que ela "rompe", literalmente, nosso espaço da Matéria e se torna um buraco negro, como explicamos detalhadamente no capítulo IV. A última fase de contração do buraco negro consiste em se "desligar" do nosso Universo e, em conseqüência, retirar de nosso Universo a energia correspondente à massa do buraco negro que desaparece.

Assim se explicaria, o processo físico de eliminação da Matéria de nosso Universo, que deve necessariamente acompanhar a fase de contração de nosso Universo.

0 aspecto desta História da Matéria, que nos interessa mais particulannente no plano da História do psiquismo, é que, no fim deste período de contração do Universo, não restará mais nenhuma matéria, ao menos sob a forma sob a qual atualmente consideramos a matéria, isto é, a forma de um aglomerado mais ou menos importante de partículas nucleares (nêutrons e prótons). Restarão, somente, pares elétron/pósitron, boiando em uma radiação negra cuja temperatura deve permanecer constante, com um valor aproximado de 60.000 graus 13. A constância desta temperatura impedirá que os elétrons e os pósitrons se recombinem entre si, para dar uma radiação eletromagnética, pois esta radiação conduziria a uma elevação da temperatura “negra".

E o que terão se tornado, no momento deste "fim do mundo" os planetas como a nossa Terra? Eles terão desaparecido bem antes da estrela em tomo da qual giravam (nosso Sol, por exempio). As teorias atuais sobre o envelhecimento das estrelas nos indicam, com efeito, que, quando elas se aproximam de sua fase "final", começam por se dilatar, antes de se contrair. Prevemos assim que o nosso Sol se dilatará a ponto de, em um certo momento, chegar a queimar nas chamas de sua superfície

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Não levamos em consideração, aqui, o que chamamos de densidade cosmológica, eu assegura a curvatura de conjunto do Universo, e que valerá aproximadamente 10-16 g/cm3 no fim do mundo, que era também o seu valor ao começo.
cafta, 03/01/-1,
Isto resultaa da conservação do momento angular de rotação durente a contração da estrela.

minúsculos objetos como os planetas que o rodeiam. Isto acontecerá para a nossa Terra quando o raio do Sol tiver sido multiplicado por 100 ... o que levará, felizmente, ainda uns bilhões de anos.

Eis um ponto interessante que parece ter sido adquirido: o "Juízo Final" não poderá ser sobre seres ainda constituídos de Matéria, pois eles não existirão mais. Estes seres só poderão ser pósitrons e elétrons. Estas partículas poderão estar ou sulcando livremente o espaço, ou agrupadas em pares, girando uma em torno da outra, constituindo o que chamamos um átomo de positrônio 14.

Estes elétrons disporão do meio "térmico" necessário para lhes permitir executar Atos (isto é, movimentos deliberadamente escolhidos). Com efeito, vimos que o processo do Ato eletrônico reclamava ter o elétron boiando em uma radiação térmica com temperatura suficiente. Observamos que o Vivo nos dera um exemplo de como os elétrons "sabiam" criar este meio térmico, modificando a topologia do espaço. No fim dos tempos, este meio térmico indispensável aos Atos eletrônicos terá sido criado pela evolução do Universo da Matéria, e os elétrons poderão dispor dele à vontade, qualquer que seja o ponto do espaço onde desejarem se localizar. Jamais cessaremos de nos maravilhar com os "mecanismos" naturais! ,

0 resultado do psiquismo é, portanto, um estado do Universo levado por um povo de elétrons pensantes ou éons, cujos microuniversos possuirão uma neguentropia que se elevará continuamente, ao longo de toda vida "pulsátil" do Universo da Matéria.

Podemos procurar saber, ou melhor adivinhar, como evoluirá o psiquismo Universal entre a época atual e o estado final do Universo?

Dissemos que os elétrons vão utilizar suas propriedades "espirituais", que têm por base a Reflexão, o Conhecimento, o Amor e a Ação, tendo como "intenção" aumentar sempre mais a sua neguentropia para tomar melhor "consciência" do Universo e para melhor precisar o objetivo final que desejam adotar.

Vimos que esta evolução neguentrópica passava pela criação de "máquinas", que chamamos de mineral, vegetal, animal e humano; e ainda de outras maquinas, sem dúvida, quando em vez de nos limitarmos a considerar a nossa Terra, englobamos os bilhões de outros planetas que povoam o nosso Universo 15.

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Os estudos teóricos e experimentais mais recentes (1977) confirmam que ao menos 20% das esrelas são rodeados de planetas, como é o caso nosso Sol.
cafta, 03/01/-1,
Os átomos de positrônio são instáveis no espaço atual: têm a tendência de se desintegrar espontaaneamente, produzido radiação. Mas, no espaço de te4mperatura “negra” imposta e constante, como será o caso no estado final do Universo, os átomos de positrônio serão necessariamente estáveis.

Nós percebemos algumas leis às quais está submetida a elevação da neguentropia: como aquela segundo a qual as "máquinas" deveriam juntar elétrons de níveis neguentrópicos vizinhos. Isto provoca a "reencarnação" dos elétrons em sucessivas existências de personagens "temporais", que são sociedades de éons capazes de trocar nas melhores condições Conhecimento e Amor. Toda "máquina", quer a chamemos de mineral, vegetal, animal ou de humana na nossa linguagem do Homem, é uma tal sociedade de éons.

0 objetivo atual destas sociedades parece ser procurar se comunicar com o meio natural exterior, compreendendo também as outras socie.dades de éons (isto é, outras "máquinas"), a fim de aumentar sempre mais a neguentropia dos participantes da sociedade (isto é, os éons). Assim, através de sucessivas existências no interior ' destas sociedades de éons, onde foram aceitos para a duração de uma vida, cada éon eleva sempre um pouco mais suas qualidades espirituais, ou seja, seu Espírito. A ascensão espiritual acontece no plano coletivo ao mesmo tempo que no plano individual. Não se produz nenhuma "mistura" das qualidades espirituais no Aecorrer de tal aquecimento geral do Espírito no mundo: cada éon possui uma história espiritual pessoal, permanece Icele mesmo", com seu próprio passado, sua própria memória, diferente da de seu vizinho. E, no entanto, é sempre unindo mais sua "pessoa" à pessoa do outro que o ritmo de aquisição da neguentropia pessoal sobe. É se tornando mais unido que o éon se torna mais ele mesmo. 0 povo dos éons aparece como tendo sabido realizar perfeitamente este objetivo tão procurado da "unidade na diversidade".

Para inventar suas novas máquinas, para "evoluir", o povo dos éons "se informa" sobre a situação exterior, estabelecendo por Conhecimento e Amor ligações não somente no tempo mas ainda no espaço.

As ligações no tempo, vimos, são as da memória, que cada éon possui no plano individual, e também as ligações no tempo que o Amor permite, no decorrer do qual cada éon de um par vem trocar fragmentos de sua própria memória, desde a origem dos tempos, com os fragmentos da memória do outro parceiro do par.

As ligações no espaço são as que, naturalmente, se estabelecem entre éons provenientes de lugares muito diferentes de nosso Universo.

Primeiro, sobre nossa Terra. Se queremos nos convencer das trocas que acontecem entre o psiquismo de nossos próprios elétrons e o psiquismo dos elétrons de países afastados, é suficiente ver os novos critérios físicos

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e espirituais que aparecem em um homem que passa um período importante de sua vida em um país estrangeiro. Não é raro se ver desenhar na face de um europeu que viveu muito tempo no Oriente os traços que caracterizam a cara de um asiático,

Mas a vida "eônica" ambiciona estabelecer ligações espaciais em uma escala muito mais ampla do que somente o nosso planeta. Nossa Terra, por exemplo, é sem cessar o alvo de bilhões de partículas elementares carregadas, que atravessam a imensidão do espaço cósmico em uma velocidade prodigiosa e são chamadas de partículas primárias da radiação cósmica. Estas partículas são, na maioria, prótons; mas encontramos também elétrons. Suas velocidades são tão grandes que elas atravessam distâncias enormes em tempos relativamente curtos. Com efeito, sabemos que a Relatividade mostrou, e a experiência demonstrou, que quando viajamos no espaço em velocidades muito próximas à da luz envelhecemos menos rápido. Um próton que se deslocasse exatamente na velocidade da luz (que é, como sabemos, o limite superior das velocidades relativas) não envelheceria na sua viagem, isto é, teria chegado tão depressa como partido, qualquer que fosse a distância que desejasse atravessar. Ora, certos prótons da radiação cósmica têm uma velocidade tão próxima à da luz que veriam escoarem-se apenas algumas horas, mesmo alguns minutos, até se juntar a nós sobre a Terra, após terem deixado a galáxia de Andrômeda. As maiores distâncias do Universo são da ordem de 10.000 vezes a distância de Andrômeda; indo "mais longe", daríamos a volta em nosso Universo e retornaríamos à Terra. Do mesmo modo, podemos dizer que, malgrado a imensidão das distâncias cósmicas, podemos ser "visitados" na Terra por pósitrons ou elétrons vindos do outro lado do mundo.

Isto toma uma importância fundamental, se pensarmos que estes elétrons e estes pósitrons são portadores de psiquismo. É, então, o pensamento do Além que chega até nós com estes "cosmonautas" inesperados.

Mas somos capazes de "compreender" a linguagem destes éons vindos do Além? Devemos responder afirmativamente, desde que nos lembremos que nosso "Eu", dos humanos, está contido em cada um dos elétrons que formam nosso corpo. Nossos próprios éons serão capazes de entender a voz destes mensageiros do Além, que são feitos como eles e cujo psiquismo funciona segundo os mesmos mecanismos. Estas trocas entre os éons terrestres e os éons cósmicos se traduzirão, finalmente, por um enriquecimento psíquico do nosso próprio "Eu", através de uma informação que tanto pode vir da grande nebulosa de õrion, como de Andrômeda, ou deste quasar brilhante nos confins do espaço.

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Não tenho nada, pessoalmente, contra os "pequeninos homens verdes", que os defensores dos discos voadores (ou melhor, dos objetos voadores não-identificados) esperam ver pousar o pé, um dia, sobre a Terra (se é que ainda não o fizeram). Se existem, como eu mesmo creio, bilhões de outros planetas habitados por seres pensantes, por que deveríamos considerar tais visitas como impossíveis, ou mesmo irracionais? Entretanto, penso que os "pequenos homens verdes" não são, sem dúvida, o melhor meio que o Universo escolheria para veicular o psiquismo. Visto que é no nível elementar que encontramos a essência do psiquismo e a forma psíquica mais própria para viajar muito rápido e para se comunicar com o "outro", parece evidentemente mais eficaz mandar mensageiros "eônicos" atravessarem o espaço. Estes chegam até nós em grandes velocidades, em cada segundo, e são freados nas altas camadas de nossa atmosfera. Esta frenagem é ocasionada pelas partículas "secundárias", que vêm em abundância banhar cada metro quadrado do nosso planeta; entre estas secundárias encontramos, em quantidade, exatamente elétrons e pósitrons.

Se os autores de ficção científica chegam algumas vezes a "imaginar" a vida em outros mundos, talvez seja porque algum éon-contador cósmico veio lhes murmurar, no mais profundo do seu inconsciente, como as coisas acontecem lá 16

De máquina em máquina, de troca em troca pelo Conhecimento e pelo Amor com seres pensantes próximos ou longínquos, tanto no tempo como no espaço, os éons vão, portanto, elevar sempre mais sua neguentropia pessoal e criar mais máquinas novas, a fim de aumentar em qualidade e em quantidade sua riqueza informacional.

0 Homem não é mais a "última máquina", como também não foi a primeira máquina. Toda a Paleontologia nos mostra espécies que nascem e que, depois de terem subsistido por algum tempo, terminam por desaparecer. Aqui, o "algum tempo" é, naturalmente, uma duração que não é irrisória na escala cósmica: contamos em milhões de anos, mais do que em séculos. Não parece desarrazoado dizer que o povo dos éons estima, geralmente, que uma máquina esgotou suas possibilidades de aumentar a neguentropia de seus constituintes depois de uma dezena de milhões de anos de uso. Neste ritmo evolutivo, uma espécie se renovará mais de 4.000 vezes durante os 40 bilhões de anos, aproximadamente, da vida psíquica que separam o princípio da expansão do Universo de seu estado final.

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cafta, 03/01/-1,
Parmênides já havia declarado na Grécia, há vinte e cinco séculos, que “nada pode ser pensado que não exista ou possa existir”.

Ao fim de quanto tempo terminará nossa espécie humana atual? Não sei, mas segundo toda probabilidade, os éons não se contentarão com esta "máquina humana" até o fim dos tempos, desde agora, prevêem-se para ela muitas 1imitações".

Que importa! Seja ele ainda ou não hóspede de um ser com forma humana, nosso "Eu" prosseguirá sua existência em busca de estados sempre mais "ordenados", sempre mais conscientes, sempre mais neguentrópicos.

Pois nosso "Eu", desde que o coloquemos em uma situação correta, isto é, no coração dos bilhões de éons que formam hoje nosso corpo de Homem, então este "Eu" é tão eterno como o dos éons, e toma enfim seu verdadeiro lugar no contexto da aventura espiritual cósmica.

Quando procuro perscrutar o meu "Eu" no seu imenso passado histórico, descubro-o participando do fogo das primeiras estrelas, rastejando na areia úmida das praias pré-cambrianas, correndo entre as folhagens gigantes das florestas do Paleozóico, nadando nas águas tépidas do Jurássico inferior, voando no azul de um céu do Cretáceo. Mas eu o imagino também, no futuro, como um ser ainda desconhecido, vagando entre as estrelas, falando uma linguagem que compreenderá a nuvem negra ou o vento solar, transportado sempre mais alto e mais longe pelo Conhecimento, sempre mais ávido de Amor pelo outro.

Até o dia em que, todos os nossos "Eu" eônicos reunidos em uma imensa estrutura mais neguentrópica do que todas aquelas do passado, nós chegaremos lá onde o tempo parece parar, lá onde toda esta gigantesca evolução conduziu, finalmente, o Espírito, nas verdes pastagens onde o Universo retém seu sopro, ouvindo esta música secreta que corre agora como um canto etéreo, entre as formas movimentadas dos éons deste fim do mundo.

Então, como dizia Vivekananda, falando da existência de seu Mestre, talvez o povo dos éons se contentará, enfim, de viver esta grande vida - deixando aos outros a tarefa de encontrar a explicação.

Orsay, fevereiro 1977.

Fim

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