o ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO – UFOP Instituto de Ciências Exatas e Biológicas – ICEB Departamento de Matemática – DEMAT Mestrado Profissional em Educação Matemática ALESSANDRA ROBERTA DIAS O ENSINO E A APRENDIZAGEM DO CONCEITO DE FUNÇÃO ATRAVÉS DA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS: UM ESTUDO PARA DESENVOLVER NOÇÕES BÁSICAS INERENTES AO CONCEITO EM CLASSES DO ENSINO FUNDAMENTAL Ouro Preto - MG 2015

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Page 1: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO – UFOP

Instituto de Ciências Exatas e Biológicas – ICEB

Departamento de Matemática – DEMAT

Mestrado Profissional em Educação Matemática

ALESSANDRA ROBERTA DIAS

O ENSINO E A APRENDIZAGEM DO CONCEITO DE FUNÇÃO ATRAVÉS DA

RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS: UM ESTUDO PARA DESENVOLVER NOÇÕES

BÁSICAS INERENTES AO CONCEITO EM CLASSES DO ENSINO FUNDAMENTAL

Ouro Preto - MG

2015

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ALESSANDRA ROBERTA DIAS

O ENSINO E A APRENDIZAGEM DO CONCEITO DE FUNÇÃO ATRAVÉS DA

RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS: UM ESTUDO PARA DESENVOLVER NOÇÕES

BÁSICAS INERENTES AO CONCEITO EM CLASSES DO ENSINO FUNDAMENTAL

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação Matemática pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Federal de Ouro Preto, sob orientação do Prof. Dr. Dale William Bean.

Ouro Preto - MG

2015

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Dedico este trabalho à minha mãe, que me deu o maior de todos os conselhos:

o incentivo de estudar para buscar ser melhor.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, com o coração um pouquinho apertado, ao meu orientador Professor Dr.

Dale William Bean pela condução, orientação, apoio, dedicação e, principalmente, pela

humanidade demonstrada em momentos delicados. Muito obrigada pela paciência e pelo

profissionalismo. Não esquecerei as marcações “coloridas” em meus textos que indicavam

pontos a serem melhorados.

Agradeço à Professora Dra. Lourdes de la Rosa Onuchic e ao Professor Dr. Milton

Rosa pela inestimável contribuição na banca de qualificação. A atenção cuidadosa, os

comentários e as sugestões enriqueceram não só esse trabalho mas a mim como pessoa.

Agradeço aos professores e alunos do PPGEDMAT da Universidade Federal de Ouro

Preto pelas informações compartilhadas, pelos momentos de convivência e trabalho durante o

período de Mestrado.

Agradeço aos alunos que aceitaram participar deste estudo e à direção do colégio onde

foi desenvolvido pela prontidão que aceitou em colaborar!

Por fim, agradeço à pessoa que escolhi caminhar junto... até pra lá da eternidade.

Agradeço, pois foram inúmeros momentos que seu apoio, um gesto, um carinho, uma atenção

motivaram-me a seguir sempre em frente. Vivenciar momentos “difíceis”, tendo você ao meu

lado, fica mais fácil. Obrigada pela compreensão e por compartilhar de meus sonhos... amo-te

mais que ontem.

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“Uma grande descoberta resolve um grande problema, mas há sempre uma pitada de descoberta na resolução de qualquer problema. O problema pode ser modesto, mas se ele desafiar a curiosidade e puser em jogo as faculdades inventivas, quem o resolver por seus próprios meios experimentará a tensão e gozará o triunfo da descoberta. Experiências tais, numa idade susceptível, poderão gerar o gosto pelo trabalho mental e deixar, por toda a sua vida, a sua marca na mente e no caráter”.

George Polya

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RESUMO

Embora o conceito de função seja considerado um dos conceitos matemáticos mais

importantes, o seu ensino pode não estar recebendo a devida atenção. Nas escolas, a

abordagem desse conteúdo não favorece a compreensão, sendo enfatizados símbolos e

procedimentos técnicos que não privilegiam a sua essência. Por outro lado, existem estudos

que mostram a vantagem da utilização da resolução de problemas no ensino de Matemática.

Aliamos nesta pesquisa um estudo sobre o conceito de função e a resolução de problemas,

tendo como embasamento o pensamento reflexivo de John Dewey (1959). A fundamentação

teórica desse estudo, ao considerarmos o conceito de função, foi embasada em: Caraça

(1951), ao lidarmos com a definição e noções básicas inerentes a ele, e Sierpinska (1992),

quando tratamos da sua aprendizagem, associada à significação das noções básicas do

conceito de função. Nosso objetivo era compreender como a resolução de problemas poderia

contribuir para a significação do conceito de função, e buscávamos responder à seguinte

questão de investigação: “Quais as contribuições que as estratégias utilizadas pelos estudantes

na resolução de problemas podem trazer para o processo de ensino e de aprendizagem do

conceito de função?”. Essa pesquisa foi realizada com 12 alunos do 9o ano do Ensino

Fundamental de uma escola da rede particular da cidade de Belo Horizonte do estado de

Minas Gerais. A coleta de dados aconteceu por meio de notas de campo (diário de campo), de

gravações em áudio de todos os encontros e de registros produzidos pelos alunos. A

interpretação dos dados, por meio da análise de conteúdo, evidenciou que o ambiente de

resolução de problemas – problemas elaborados para evocar as noções básicas do conceito de

função – favoreceu a discussão permeada pelo pensamento reflexivo. Além disso, a análise

revelou que a configuração das atividades e o interesse dos alunos favoreceram a ocorrência

de fases do pensamento reflexivo, o que foi fundamental para os bons resultados dessa

proposta. Tal estudo gerou um produto educacional com a descrição de algumas atividades

realizadas e se destina a professores de Matemática.

Palavras-chave: resolução de problemas; pensamento reflexivo; função; ensino e

aprendizagem.

Page 9: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

ABSTRACT

Although the concept of function is considered one of the most important mathematical

concepts, teaching this concept may not be getting enough attention. In schools, the way this

content is taught is not conducive to its being understood, emphasizing symbols and technical

procedures that do not favor an understanding of its essence. On the other hand, there are

studies that show the advantage of using problem solving in the teaching of mathematics. In

this research we combine a study on the concept of function and problem solving, having as

basis reflective thinking of John Dewey (1959). The theoretical foundation of this study, in

considering the concept of function, was based on: Caraça (1951), in dealing with the

definition and basic notions inherent to it, and Sierpinska (1992), when dealing with the

learning of it, associated with attributing meaning to the basic notions of the concept of

function. Our objective was to understand how problem solving could contribute to the

attribution of meaning to the concept of function and we sought to answer the following

research question: “What are the contributions that the strategies used by students in solving

problems can bring to the process of teaching and learning of the concept of function?”. This

research was conducted with 12 ninth grade students in a private school in the city of Belo

Horizonte in the state at Minas Gerais. Data collection took place through field notes (field

diary), audio recordings of all the encounters with the students and the worked out solutions

to problems produced by the students. The data analysis, by means of content analysis, shows

that the problem-solving environment - problems designed to evoke the basics notions of the

concept of function - favored discussion permeated by reflective thought. In addition, the

analysis shows that the configuration of activities and the interest of the students favored the

occurrence of phases of reflective thinking, which was fundamental for the positive results

obtained by this proposal. This study generated an educational product with the description of

activities performed and is intended for mathematics teachers.

Keywords: problem solving; reflective thinking; function; teaching and learning.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Funções por Sangiorgi ........................................................................................ 33 FIGURA 2 – Percebendo padrões em regularidades e promovendo relações .......................... 41 FIGURA 3 – Reconhecendo a variação em problemas ............................................................ 42 FIGURA 4 – Diferenciando variáveis e variação ..................................................................... 45 FIGURA 5 – Atividade 1 - Percebendo padrões em regularidades e promovendo relações .. 104 FIGURA 6 – Destaque da resolução pelo participante (A2) .................................................. 105 FIGURA 7 – Destaque da resolução pelo participante (B2) .................................................. 105 FIGURA 8 – Destaque da resolução pelo participante (B3) .................................................. 105 FIGURA 9 – Destaque da resolução pelo participante (A1) .................................................. 106 FIGURA 10 – Destaque da resolução pelo participante (B4) ................................................ 108 FIGURA 11 – Atividade 1.1Percebendo padrões em regularidades e promovendo relações 109 FIGURA 12 – Destaque da resolução pelo participante (B2) ................................................ 111 FIGURA 13 – Atividade 2 - Reconhecendo variáveis e linguagem algébrica ....................... 117 FIGURA 14 – Destaque da resolução pelo participante (C1) ................................................ 120 FIGURA 15 – Destaque da resolução pelo participante (C4) ................................................ 120 FIGURA 16 – Atividade 3 - Reconhecendo variáveis e equacionando situações problema . 122 FIGURA 17 – Destaque da resolução pelo participante (A1) ................................................ 122 FIGURA 18 – Destaque da resolução pelo participante (A2) ................................................ 122 FIGURA 19 – Destaque da resolução pelo participante (B3) ................................................ 123 FIGURA 20 – Destaque da resolução pelo participante (C2) ................................................ 124 FIGURA 21 – Destaque da resolução pelo participante (C2) ................................................ 124 FIGURA 22 – Destaque da resolução pelo participante (C1) ................................................ 125 FIGURA 23 – Destaque da resolução pelo participante (C2) ................................................ 125 FIGURA 24 – Atividade 4 - Operando e manipulando expressões algébricas ...................... 128 FIGURA 25 – Problema 2 - Analisando viabilidade de plano de telefonia ........................... 132 FIGURA 26 – Destaque da resolução pelo participante (C2) ................................................ 137 FIGURA 27 – Problema 4 - Análise de variação salarial ....................................................... 138 FIGURA 28 – Destaque da resolução pelo participante (A2) ................................................ 141 FIGURA 29 – Destaque da resolução pelo participante (A1) ................................................ 142 FIGURA 30 – Reprodução do destaque da resolução pelo participante (C2) ........................ 155 FIGURA 31 – Reprodução da imagem da Atividade 4 .......................................................... 159 FIGURA 32 – Reprodução da imagem da Atividade 1.1 ....................................................... 163 FIGURA 33 – Destaque da resolução pelo participante (B2) ................................................ 165

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Cronograma das Atividades Desenvolvidas ..................................................... 97 QUADRO 2 – Aplicação de codificação linha a linha ........................................................... 146 QUADRO 3 – Códigos e Categorias estabelecidas na codificação linha a linha ................... 148

Page 12: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 13 CAPÍTULO 1 O ENSINO DE FUNÇÃO ................................................................................ 19 1.1 O QUE É FUNÇÃO? ......................................................................................................... 20 1.2 A ABORDAGEM CURRICULAR DO CONCEITO DE FUNÇÃO ................................ 26 1.3 APRENDIZAGEM DO CONCEITO DE FUNÇÃO ......................................................... 38 CAPÍTULO 2 A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS ............................................................... 47 2.1 CONCEPÇÕES EM RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS ................................................... 52 2.2 OS PROBLEMAS .............................................................................................................. 58 CAPÍTULO 3 O PENSAMENTO EM JOHN DEWEY .......................................................... 64 3.1 PENSAMENTO REFLEXIVO .......................................................................................... 64 3.2 IMPORTÂNCIA DO MÉTODO PARA A REFLEXÃO .................................................. 78 3.3 PROCESSO E RELEVÂNCIA DA SIGNIFICAÇÃO ...................................................... 80 CAPÍTULO 4 MÉTODOS E PROCEDIMENTOS ................................................................. 87 4.1 A PESQUISA ..................................................................................................................... 87 4.1.1 ESTUDO DE CASO ....................................................................................................... 89 4.2 BASES TEÓRICAS ........................................................................................................... 90 4.3 O CONTEXTO ................................................................................................................... 91 4.4 PROCEDIMENTOS ........................................................................................................... 94 4.4.1 OS ENCONTROS ....................................................................................................... 95 4.4.2 A COLETA DE DADOS ............................................................................................ 97 4.4.2.1 OBSERVAÇÃO ....................................................................................................... 98 4.4.2.2 CONVERSAS/ENTREVISTA ................................................................................. 99 4.4.2.3 DOCUMENTOS .................................................................................................... 100 4.4.2.4 GRAVAÇÕES ........................................................................................................ 101 4.5 A ANÁLISE ..................................................................................................................... 102 CAPÍTULO 5 APLICAÇÃO E DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES .................................... 103 5.1 ATIVIDADE 1 ................................................................................................................. 104 5.2 ATIVIDADE 2 ................................................................................................................. 117 5.3 ATIVIDADE 3 ................................................................................................................. 121 5.4 ATIVIDADE 4 ................................................................................................................. 127 5.5 PROBLEMA 2 ................................................................................................................. 132 5.6 PROBLEMA 4 ................................................................................................................. 137 CAPÍTULO 6 CATEGORIAS DE ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

............................................................................................................................................ 145 6.1 CODIFICAÇÃO E CATEGORIZAÇÃO ........................................................................ 145 6.2 AS CATEGORIAS DE ANÁLISE .................................................................................. 149

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6.2.1 A UTILIZAÇÃO DE CONHECIMENTOS PRÉVIOS NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS .................................................................................................................... 150

6.2.2 RECONHECENDO NOÇÕES BÁSICAS DO CONCEITO DE FUNÇÃO A PARTIR DA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS ............................................................... 154

6.2.3 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS ATRAVÉS DO PENSAMENTO REFLEXIVO NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS ........................... 157

6.2.4 A PERCEPÇÃO VISUAL COMO INSTRUMENTO DE ANÁLISE DE RELAÇÃO ............................................................................................................................................ 162

6.2.5 A DINÂMICA DO TRABALHO EM GRUPO OPORTUNIZANDO A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS .................................................................................... 166

CAPÍTULO 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 168 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 172 APÊNDICE A ......................................................................................................................... 175 APÊNDICE B ......................................................................................................................... 185 APÊNDICE C ......................................................................................................................... 187 APÊNDICE D ......................................................................................................................... 189 ANEXO A .............................................................................................................................. 194

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INTRODUÇÃO

O que é fazer Matemática? Qual Matemática está presente nas aulas de matemática?

Onde aprendemos que a Matemática é a reprodução e a aplicação de fatos e de fórmulas? Quando o espírito de descoberta esteve presente nas aulas de matemática?

Há muito tempo, desde os anos em que ainda frequentava o Ensino Fundamental 2,

incomodo-me com a dinâmica das aulas de matemática. Professores como meros

apresentadores de uma ciência pronta e acabada, deixando a cargo do futuro a

responsabilidade de uso e de aplicação de conceitos informados no presente, de forma,

muitas vezes, desconexa da realidade e do interesse de quem aprende. Além disso, há

alunos que se desmotivam a cada ano em contato com aquilo que lhes apresentam como

Matemática.

Como posso aprender aqueles conceitos que não faço ideia de para que servem nem

de onde os usarei? Mas aprendi ‘direitinho’ a fazer como o professor queria e a repetir

várias vezes o mesmo caminho. Então, ano após ano, fui recebendo um monte de

informações, mas algumas delas eu não conseguia conectar. Apenas anos mais tarde, em

momentos de reflexão e de muitos questionamentos, fui desenvolvendo compreensões de

conteúdos que antes não tinha. Esses momentos coincidem com a minha entrada na sala de

aula, porém, agora, como professora. E, como tal, não podia permitir que os porquês dos

meus alunos fossem respondidos com “mais para frente, esse conteúdo, será útil”.

O desejo de ser professora esteve sempre presente em mim e, desde as primeiras

aulas, me vejo um pouquinho diferente do que me incomodava ainda enquanto aluna. No

mínimo, eu tentava fazer diferente. Os múltiplos caminhos que oferecia e a alegria quando

recebia um aluno que, descobrindo outro jeito, vinha com orgulho me falar, compensavam

o que ainda incomodava. Como professora de matemática, me via, em alguns momentos,

impossibilitada de ensinar de forma a permitir que os meus alunos realmente aprendessem.

E questionava: por que eu deveria ensinar assim? Em outros, questionava o programa que

eu deveria seguir mas, ainda assim, me via ali, repetindo o que fizeram comigo anos atrás.

Um desses momentos, que sempre gerava desconforto, era em relação ao ensino de função,

já que a sua essência não era contemplada, e a abordagem desse conteúdo tampouco fazia

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jus a sua importância. E isso, não era privilégio da minha sala de aula, mas da maioria,

além de ser difundido em diversos livros didáticos.

As questões apresentadas na epígrafe são exaladas dos meus pensamentos em face

desse incômodo. Pensamentos esses que encontram eco ao deparar-se com o excerto a

seguir, que, embora longo para uma citação, nos permitirá uma valiosa reflexão, em forma

de metáfora, do Ensino de Matemática.

Um músico acorda de um pesadelo terrível. No sonho, vivia numa sociedade que tinha tornado o ensino de música obrigatório. ‘Ajudamos nossos alunos a competir melhor num mundo cada vez mais cheio de sons’. Educadores, escolas e o governo assumem o comando desse projeto vital. Encomendam estudos, formam comissões, tomam decisões – tudo sem consultar um único músico ou compositor. Ora, todos sabem que músicos põem suas ideias no papel na forma de partitura; logo, as linhas e os pontinhos pretos devem servir de base para a ‘linguagem da música’. É imperativo, portanto, deixar os estudantes fluentes nessa linguagem – senão, como podem obter algum grau de competência musical? Seria ridículo esperar que uma criança cante uma canção ou toque um instrumento sem que antes tenha ótima base sobre a teoria e as notações musicais. As pessoas, no comando do projeto vital, consideram tocar e ouvir música tópicos avançadíssimos (sem falar de compor uma peça original), que devem ser adiados até a faculdade – quem sabe até a pós-graduação. Quanto à escola primária e secundária, sua missão é treinar os estudantes no uso dessa linguagem – jogar os símbolos aqui e ali de acordo com um conjunto fixo de regras. ‘Na aula de música’, dizia um aluno, ‘tiramos nosso papel pautado, nosso professor coloca algumas notas na lousa, e nós as copiamos ou as transpomos para uma oitava diferente. Temos de nos certificar de que acertamos nas chaves e na tonalidade, e nosso professor verifica se nossas semínimas preenchem o compasso. Uma vez, ele nos deu um problema de escala cromática, e eu fiz tudo certinho, mas ganhei zero porque as hastes das minhas notas apontavam para o lado errado’. Em sua sabedoria, os educadores logo percebem que podem dar esse tipo de instrução musical mesmo a criancinhas. Na verdade, se seu filho na terceira série ainda não decorou o círculo de quintas, isso é uma vergonha. ‘Vou ter de contratar um professor particular de música para meu filho. Ele simplesmente não se dedica à lição de casa. Diz que é chata. Fica lá, olhando pela janela, cantarolando musiquinhas para si mesmo, e compondo canções bobinhas’. Nas séries mais avançadas, a pressão sobe muito mais. Afinal, os alunos devem se preparar para os exames padronizados e o vestibular. Precisam de aulas sobre escalas e tons, solfejo, harmonia, contraponto. ‘É muita coisa para estudar, mas mais tarde na faculdade, quando finalmente começarem a ouvir tudo isso, vão apreciar todo o trabalho que tiveram até o ensino médio’. É óbvio que poucos estudantes se matriculam num curso que exija tanta música, de modo que só uns poucos vão ouvir os sons que os pontos pretos representam. Apesar disso, é importante que cada membro da sociedade reconheça um tom menor ou maior, ou uma passagem em fuga, independente do fato de que nunca ouvirão nada

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assim. ‘Para dizer a verdade, os alunos não são lá muito bons de música. Eles se entediam durante a aula, suas habilidades são péssimas, e mal consigo ler sua lição de casa. Quase todos não se interessam nem um pingo por música, e, para se livrar logo da chatice, se matriculam no menor número possível de cursos obrigatórios. Acho que há gente com dom para a música e gente sem nenhum dom. Eu tive uma aluna, contudo – cara, ela era sensacional! Suas páginas eram impecáveis: cada nota no lugar certo, caligrafia perfeita, sustenidos, bemóis, tudo lindo. Um dia, ela vai se transformar num baita músico’. Ao acordar suando frio, o músico percebeu, com gratidão, que tudo aquilo era apenas um pesadelo louco. ‘É claro’, ele disse a si mesmo: ‘nenhuma sociedade reduziria uma forma de arte tão bonita e expressiva a algo tão estúpido e trivial; nenhuma cultura seria tão cruel com suas crianças a ponto de privá-las de um modo de expressão tão humano, tão natural, tão satisfatório. Que absurdo!’ (LOCKHART, 2014, p. 45-46)

O que pretendo com essa metáfora é destacar a importância de se pensar em um

ensino que leve em conta a não passividade do nosso aluno. Não descarto a importância da

linguagem matemática, dos símbolos, de suas regras e de seus rigores, mas ela pode

aparecer de forma natural. Por que não propor situações em que o aluno tenha que pensar,

sugerir, criar, utilizando as definições e conceitos? O que presenciamos é um ensino onde

as informações são apenas transmitidas e conceitos são replicados, ao invés de auxiliar o

aluno a pensar nesses conceitos e a refletir sobre essas informações.

A rotina de repetição existente nas aulas, de acordo com Polya (2006), aniquila o

interesse e acaba tolhendo a curiosidade dos alunos. Esses passam a aplicar os métodos

apresentados, que não favorecem, na maioria das vezes, a descoberta e a compreensão.

Como consequência, tenho observado, no contato com vários alunos ao longo de minha

experiência como docente, em alguns momentos, estudantes não pensantes, meros

reprodutores de fatos e de fórmulas. De tão acostumados com esses, quando se deparam

com uma situação na qual não é possível sua aplicação, paralisam-se, até que alguém os

ajude a refletir. Ainda de acordo com Polya (2006), se o professor desafia a curiosidade

dos alunos e apresenta-lhes problemas, auxiliando-os através de indagações que os

estimulem, poderá incutir e proporcionar-lhes meios para que atinjam o raciocínio

independente, para que sejam autônomos em sua aprendizagem.

Da reflexão do excerto anterior, ideias recorrentes começam a se manifestar, em

forma, principalmente, de um questionamento: por que não substituir, em alguns

momentos, o treinar pelo fazer? É possível incentivar o aluno a desenvolver estratégias e

não somente a reproduzir as que apresentamos. Ah! As canções bobinhas... Por que não

veem em vocês a forma mágica de se pensar na Matemática!

Page 17: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

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Diante dessa inquietação, ao longo de minha trajetória acadêmica, buscava o que

pudesse estar ao encontro dessa perspectiva de ensino. Assim, quando cheguei ao Mestrado

Profissional em Educação Matemática da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP),

deparei-me com dois temas que convergiam: a resolução de problemas e o pensamento

reflexivo segundo John Dewey, este último por indicação do meu orientador.

De acordo com as leituras que ia fazendo, percebia no ambiente de resolução de

problemas a possibilidade de transformar a sala de aula, colocando o foco do protagonismo

do ensino e da aprendizagem de Matemática no aluno, e deixando para o professor o papel

de mediador desse conhecimento. Nesse sentido, os alunos estariam expostos a atividades

que seriam elaboradas de forma a priorizar o pensamento reflexivo, ou seja, segundo

Dewey (1959), ao se depararem com um problema, os alunos deveriam refletir sobre tal e

destacar, a partir de suas experiências individuais ou coletivas, todos os contextos que lhe

cabem. Para cada contexto proposto, eles deveriam apreciar as ideias sugeridas, dando-lhes

consideração, buscando verificar a sua validade.

Com o interesse no ensino e na aprendizagem de Matemática, sustentados por toda

essa ideia que foi exposta anteriormente, comecei a limitar o tema para a minha pesquisa,

sendo, então, o conceito de função, rememorado. Dentre os vários conteúdos do currículo

de Matemática, esse, em particular, ainda encontrava-se envolto de abordagens que iam ao

encontro do que sempre me incomodou: ensinar um conteúdo de forma desconexa, sem

sentido para o aluno, como um amontoado de regras e de símbolos. Além disso, constitui,

o conceito de função, um dos mais importantes conceitos matemáticos, sendo essa

importância ainda vinculada à sua origem que, de acordo com Caraça (1951), repousa na

necessidade da humanidade em compreender e em controlar o meio em que vive, levando-

o, assim, a observar e a estudar os fenômenos.

Desse modo, desenvolvi, juntamente com o meu orientador, uma pesquisa que

buscava compreender como a resolução de problemas poderia contribuir para a

significação do conceito de função. Com o intuito de nortear o planejamento e a condução

das atividades, a coleta e a análise dos dados para alcançar esse objetivo, propusemos1 a

seguinte questão de pesquisa: Quais as contribuições que as estratégias utilizadas pelos

estudantes na resolução de problemas podem trazer para o processo de ensino e de

aprendizagem do conceito de função?

1 A partir desse momento será usada a primeira pessoa do plural por se tratar da apresentação do trabalho desenvolvido de forma conjunta com o orientador da pesquisa.

Page 18: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

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Inicialmente, fizemos um levantamento (Apêndice A, p. 175-184), no banco de

teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), com o

objetivo de conhecer o que tinha sido pesquisado no país acerca do ensino de função,

interessando-nos especialmente a metodologia adotada na abordagem de tal conteúdo. Em

paralelo, buscávamos construir um referencial teórico que pudesse sustentar nossas

concepções e anseios para esta pesquisa.

A fundamentação teórica deste estudo foi realizada em torno de três eixos, a saber:

função, resolução de problemas e pensamento reflexivo. Ao considerarmos o conceito de

função, fundamentamo-lo em Caraça (1951), ao lidarmos com a definição e com os

conceitos inerentes a ele. Também recorremos a Sierpinska (1992), quando tratamos da sua

aprendizagem associada à significação das noções básicas do conceito de função.

Ao considerarmos a resolução de problemas neste estudo, vários autores, como, por

exemplo, Stanic e Kilpatrick (1989), Schoenfeld (1996), D’Ambrosio (2008) e Onuchic e

Allevato (2012) contribuíram para fundamentar a nossa discussão. É mister destacar a

importância de se ter claro o que se considera, nesta pesquisa, um problema. Para isto,

propusemos uma descrição de problema, embasada nas ideias apresentadas principalmente

por Kantowski (1981), Abrantes (1989), Echeverría e Pozo (1998), Van de Walle (2001) e

Onuchic e Allevato (2012), o qual consideramos como aquele que se refere a toda situação

em que nos encontramos e não possuímos inicialmente de procedimentos que possam ser

utilizados para a sua resolução.

Por fim, utilizamos a teoria de Dewey (1959) no que concerne ao

desenvolvimento do pensamento reflexivo, tanto para a elaboração dos problemas como

para a condução das atividades nos encontros.

Nesse sentido, elaboramos problemas com o intuito de os estudantes

desencadearem o pensamento reflexivo (DEWEY, 1959) utilizando noções básicas do

conceito de função (CARAÇA, 1951), tais como noção de regularidade, de generalizações,

de variável, de constante, de relações; do seu ensino e aprendizagem (SIERPINSKA,

1992), atribuindo significados para essas noções (DEWEY, 1959) na resolução dos

problemas.

Com relação aos participantes deste estudo, a pesquisa foi realizada com 12 (doze)

alunos do 9o Ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede particular da cidade de

Belo Horizonte no estado de Minas Gerais. Os encontros aconteceram no 1o semestre de

2014, no contraturno escolar, sendo ministrados pela pesquisadora.

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Finalizando a parte introdutória deste estudo, organizamos o restante dele

estruturado em capítulos, da seguinte forma:

No primeiro capítulo, apresentamos um resgate acerca do ensino, da abordagem e

da aprendizagem do conceito de função, bem como das noções básicas que fundamentaram

a construção desse conceito. No segundo, discutimos as concepções de Resolução de

Problemas e, como consequência, a constituição de problema, enquanto no terceiro

discorremos sobre o Pensamento Reflexivo. No quarto capítulo, apresentamos os métodos

e os procedimentos adotados neste estudo. Já no quinto, descrevemos as atividades e

alguns problemas que compunham a proposta deste estudo. No sexto, apresentamos a

interpretação dos dados a partir da análise de categorias a priori, das categorias mistas, bem

como das categorias que emergiram durante o processo de categorização e de análise dos

dados. No sétimo capítulo, apresentamos a resposta obtida para a questão de investigação e

nossas considerações finais.

Como resultado deste estudo, elaboramos um produto educacional que poderá

auxiliar os professores de matemática na condução de suas aulas, visando à introdução do

conceito de função. Esse material apresenta a teoria, de forma resumida, na qual o estudo

se fundamentou e sugestões de atividades e de problemas para serem aplicados em um

ambiente de resolução de problemas.

Page 20: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

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CAPÍTULO 1

O ENSINO DE FUNÇÃO

Se, do ponto de vista científico, nenhum conceito é mais geral e mais importante que o de função, não menos o será do ponto de vista meramente prático ou social. Nenhum indivíduo se adaptará ao meio ambiente sem ter o seu espírito afeito à ideia de mutabilidade e interdependência dos elementos que o cercam, seja na ordem dos fenômenos físicos, seja na dos fatos morais ou sociais.

Euclides Roxo

O conceito e os variados tipos de função têm sido amplamente discutidos nas

pesquisas de ensino e de aprendizagem de matemática. Com o intuito de entender sua

constituição e de embasar nossa proposta de abordagem, apresentaremos, neste capítulo,

algumas discussões em torno de três eixos: o que é função, as abordagens históricas no

contexto do ensino e as questões epistemológicas referentes à aprendizagem.

Ao questionarmos o que é função, muitas vezes, deparamo-nos com respostas vagas

ou com repetições de definições de livros didáticos, mas raramente chegamos a uma

resposta substancial, a partir da qual o aluno compreenda tal conceito. Propomos, então,

uma reflexão sobre as questões: o que é função? Como compreendemos o conceito de

função? Trata-se de uma expressão analítica? De uma equação? De uma relação entre

conjuntos? Na primeira seção, exporemos, embasados em Caraça (1951), o que

entendemos e assumimos como função, além de destacar conceitos inerentes a ela,

merecedores de atenção neste estudo.

Por conseguinte, ao considerarmos o conceito de função nesta pesquisa sob uma

abordagem para o ensino diferente da tradicionalmente encontrada em algumas salas de

aula, perguntamos como este conceito fora apresentado e se constituíra no ensino de

Matemática. Ao olharmos para trás, deparamo-nos com uma conjuntura envolta por

inúmeras reformas e movimentos que influenciaram diretamente o ensino e o currículo

dessa disciplina, instituídos por interesses e por interferências de setores distintos da

sociedade de cada época. Não é intenção desta pesquisa analisar profundamente cada

Page 21: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

20

reforma, mas contextualizar nosso estudo2. Colocaremos em relevo, na segunda seção, a

concepção do conceito de função em cada momento, por julgarmos importante entender a

instituição de tal conteúdo no currículo escolar.

Por fim, trataremos, na terceira seção, de questões epistemológicas do ensino e da

aprendizagem do conceito de função, as quais serão discutidas no âmbito da sua

compreensão que, por sua vez, nos remete à atribuição de significados de Dewey (1959)3.

Contextualizando os problemas elaborados neste estudo, destacamos alguns atos para a

compreensão do conceito de função, conforme apresentados por Sierpinska (1992). Enfim,

nesta seção, configura-se a abordagem do conceito de função, considerando as noções

básicas importantes para o seu entendimento, no contexto dos problemas.

1.1 O QUE É FUNÇÃO?

O conceito de função pode estar relacionado à origem do conhecimento científico.

Como exposto por Caraça (1951, p. 107), o homem, diante de suas necessidades, das

dificuldades impostas pelo meio e pelo desejo de controlá-lo, “foi levado, naturalmente, à

observação e estudo dos fenômenos, procurando descobrir as suas causas e o seu

encadeamento”. Nesta observação e estudo, diferente de um conhecimento rudimentar, que

se contenta com o resultado imediato do fenômeno ou do fato observado, está impregnado

o conhecimento científico, que lança questões que envolverão os fenômenos, a fim de

proporcionar um entendimento maior sobre eles.

Ocorre que, na observação de fenômenos, diante das características apontadas pelo

autor, quais sejam: interdependência e fluência, em que, enquanto a primeira ressalta o

inter-relacionamento entre todas as coisas, a segunda destaca a evolução destas, nos vimos

frente à impossibilidade de se analisar tudo ao mesmo tempo, sendo necessário que aquele

que se dispõe a estudar um fenômeno promova recortes dele. Tais recortes ou destaques

abrangerão um conjunto de seres e fatos, absorto de todos os outros com que se relaciona,

gerando um conjunto denominado por Caraça (1951, p. 112) de isolado, sendo, “portanto,

uma secção da realidade, nela recortada arbitrariamente”. 2 Algumas pesquisas analisam o ensino e o currículo da Matemática em cada uma das reformas no Brasil, dentre elas citamos: Braga (2003), Dassie e Rocha (2003), Dassie (2008), Ogliari (2014). 3 A compreensão de uma situação ou de um objeto está vinculada, segundo Dewey (1959), à atribuição de significados, sendo ela discutida no capítulo 3.

Page 22: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

21

De acordo com Caraça (1951), o isolado, imerso na fluência das coisas, transforma-

se a cada momento. Com a alteração dos elementos que o constituem, suas relações

também mudam. Apesar disso, o autor, embasado na mesma arbitrariedade da escolha

deste recorte, ao invés de considerar um isolado novo a cada momento em que ocorre uma

mudança, considera “que o isolado evoluciona e que os diferentes estados observados

correspondem, não a isolados novos, mas a diferentes fases de evolução do isolado inicial”

(CARAÇA, 1951, p. 117). A esta evolução, o autor denomina fenômeno natural.

Com a observação dos fenômenos, pôde-se constatar, conforme Caraça (1951), a

existência, em alguns, de regularidades, ou seja, conservando-se as condições iniciais, o

seu comportamento se mantinha. Essa conduta é relevante quando confrontada com o

desejo do ser humano em entender e dominar a Natureza. Dessa forma, conhecendo as

regularidades de um fenômeno, ainda segundo o autor, será possível repeti-lo e prevê-lo.

Tem-se, então, que “uma das tarefas mais importantes no trabalho de investigação da

Natureza é a procura de regularidades dos fenômenos naturais” (CARAÇA, 1951, p. 120),

incidindo na definição de lei natural, à qual o autor se refere como “toda a regularidade de

evolução dum isolado”.

Decorre, de acordo com Caraça (1951), da natureza do isolado, a configuração de

dois tipos de lei, a qualitativa e a quantitativa. A primeira refere-se à variação da qualidade,

entendendo-se, como qualidades de um isolado, um conjunto de relações4 entre seus

componentes. Sobre essa definição, o autor menciona três consequências: i) a existência de

relações de interdependência entre os seus componentes; ii) o status de relações orientadas

das qualidades, ou seja, se os consequentes mudam, as relações mudam; e, por fim, iii) a

relação das qualidades com o contexto em que se insere o isolado. Há, porém, algumas

qualidades em que é possível comparar intensidade, como as variações quantitativas,

segunda configuração das leis, um atributo da qualidade. A fim de esclarecer as noções de

qualidade e de quantidade, bem como das leis mencionadas acima, tomamos o excerto a

seguir:

I – Cada planeta descreve em torno do Sol uma elipse, da qual o Sol ocupa um dos focos (1ª lei de Kepler). II – Entre dois corpos de massas m e m’, desenvolve-se uma força atrativa que é diretamente proporcional ao produto das duas massas e

4 Caraça (1951) afirma que dois componentes A e B de um isolado possuem uma relação de interdependência, sendo possível distingui-la em dois sentidos A → B e B → A. Nessas relações, de acordo com o sentido, caracterizam-se os componentes em antecedente e em consequente. Vejamos que, para a relação A → B, temos A como um componente antecedente e B como um componente consequente.

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inversamente proporcional ao quadrado da distância dos dois corpos (lei da gravitação de Newton). III – Toda necessidade tende a provocar as reações próprias a dar-lhe satisfação (1ª lei da psicologia funcional de Claparède). IV – Para todo o corpo, em queda livre no vácuo, as alturas de queda são diretamente proporcionais aos quadrados dos tempos de queda (lei da queda dos graves). (CARAÇA, 1951, p. 120-121)

De acordo com Caraça (1951), há, nos itens I e III, exemplos de leis qualitativas,

expressando relações entre componentes de um isolado, enquanto os itens II e IV

exemplificam leis quantitativas. Embora nesses últimos seja notável a relação de medida

expressa em números, este não é um fator obrigatório, porque, no sentido assumido pelo

autor, as leis quantitativas abrangem relações suscetíveis de intensificação.

No entanto, o autor chama-nos a atenção para o rumo que a Ciência toma à medida

em que se conhece melhor a realidade. Caraça (1951, p. 122) afirma que “a Ciência não se

ocupa apenas de descrever, empreende a tarefa de explicar e, nesta, há um fato que se

impõe com força cada vez maior – para obter a explicação das variações de qualidade há

que aprofundar o estudo das variações de quantidade”. O autor ressalta um de seus

exemplos (da liquefação de gases), no qual a análise da variação quantitativa pôde explicar

uma variação qualitativa que antes não era conhecida. Além disso, apresenta-nos indícios

de como o abuso de uma explicação qualitativa pode incorrer em erro, o que propiciou um

novo rumo na Ciência, que passa a se dedicar “à observação e experimentação, procurando

medir, tentando explicar por variações de quantidade, tecendo uma teia de leis

quantitativas” (CARAÇA, 1951, p. 124).

Com isso, de forma análoga ao surgimento de outros conceitos, a utilização das leis

quantitativas para o entendimento e para a explicação da realidade configurou um espaço

que favoreceu o desenvolvimento de um conceito matemático para o seu estudo, o de

função. Tal conceito não se desenvolveu de forma instantânea, mas vagarosamente foi-se

gestando e evoluindo, influenciado, como mencionado anteriormente, pela necessidade do

estudo de leis naturais.

Segundo Caraça (1951), a introdução do conceito de função como instrumento para

o estudo de leis naturais detém concepções intrínsecas a ele, como é o caso da noção de

variável. Estabelecer a correspondência entre dois conjuntos de números através de

tabelas de valores não seria conveniente, daí surgiu a necessidade de se criar um símbolo

que tornasse mais fácil tal manipulação e, consequentemente, que viesse a obter a

generalidade. Tal representação simbólica a que se refere Caraça (1951, p. 127) é o

Page 24: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

23

conceito de variável, definido como: “seja (E) um conjunto qualquer de números, conjunto

finito ou infinito, e convencionemos representar qualquer dos seus elementos por um

símbolo, por ex.: 𝑥. A este símbolo, representativo de qualquer um dos elementos do

conjunto (E), chamamos variável”.

Destaca-se uma sutileza ao considerar o significado de variável, porque, conforme

o autor supracitado, tomando um conjunto E qualquer e 𝑥 a sua variável, tal símbolo (𝑥)

não coincidirá com cada um dos elementos do conjunto E em particular, no entanto poderá

representar todos, disso decorrendo “o carácter contraditório do conceito – a variável é e

não é cada um dos elementos do conjunto” (CARAÇA, 1951, p. 128, destaque do autor).

Caraça ainda menciona que, uma vez que o conjunto está em um nível superior ao do

número (elemento deste conjunto), ele também pertence a uma natureza superior. E, ainda,

devido à essência contraditória, do “ser e não ser”, vê-se na fluência (um dos elementos

dos fenômenos naturais) a primeira das suas características.

Como já mencionado, o surgimento e a evolução do conceito de função não

ocorrem de forma abrupta, existindo, para Youschkevitch (1976), três estágios históricos

principais do desenvolvimento dessa noção, a saber:

(1) Antiguidade, estágio em que o estudo de casos particulares de dependência entre duas grandezas ainda não havia levado a noções gerais de quantidades variáveis e de funções. (2) A Idade Média, estágio em que, na ciência europeia do século XIV, essas noções gerais eram expressas de forma geométrica ou mecânica, mas em que, como também na Antiguidade, cada caso concreto de dependência entre duas grandezas foi definido por uma descrição verbal ou por um gráfico, em vez de fórmulas. (3) O Período Moderno, estágio em que, a partir do final do século XVI, e especialmente durante o século XVII, as expressões analíticas de funções começaram a prevalecer, com a classe das funções analíticas geralmente expressas como séries infinitas de potências, tornando-se a principal classe utilizada. (YOUSCHKEVITCH, 1976, p. 39, tradução livre)5

Caraça (1951, p. 209) aponta que, no início do século XVIII, a definição de função

feita por Bernoulli é assumida como a expressão analítica, sendo considerada, por esse

5 Texto na língua original: “(1) Antiquity, the stage in which the study of particular cases of dependences between two quantities had not yet isolated general notions of variable quantities and functions. (2) The Middle Ages, the stage in which, in the European science of the 14th century, these general notions were first definitely expressed both in geometrical and mechanical forms, but in which, as also in antiquity, each concrete case of dependence between two quantities was defined by a verbal description, or by a graph rather than by formula. (3) The Modern Period, the stage in which, beginning at the end of the 16th century, and, especially, during the 17th century, analytical expressions of functions began to prevail, the class of analytic functions generally expressed by sums of infinite power series soon becoming the main class used”.

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matemático, da seguinte forma: “chama-se aqui função de uma grandeza variável a uma

quantidade composta de qualquer maneira dessa grandeza variável e de constantes”. Ainda

segundo o autor, essa definição influenciou pontos de vista durante muito tempo,

impregnando a linguagem em épocas futuras.

Para Youschkevitch, reserva-se à expressão analítica um lugar de destaque visto a

influência do conceito de função, utilizando-se desse recurso em outros campos. Com

efeito, “foi o método analítico de introduzir funções que revolucionou a Matemática e, por

causa de sua extraordinária eficiência, assegurou um lugar central para a noção de função

em todas as ciências exatas” (YOUSCHKEVITCH, 1976, p. 39, tradução livre)6.

Contudo, Caraça (1951) menciona que essa forma de conceber o conceito de função

é insuficiente, sendo vantajoso exprimir sua essência: a correspondência das duas

variáveis. Como consequência, no final do século XIX, chegou-se à definição de Riemann-

Dirichlet, que segue: “sejam 𝑥 e 𝑦 duas variáveis representativas de conjuntos de

numéricos; diz-se que 𝑦 é função de 𝑥 e escreve-se 𝑦 = 𝑓(𝑥) se entre as duas variáveis

existe uma correspondência unívoca no sentido 𝑥 → 𝑦. A 𝑥 chama-se variável

independente, a 𝑦 variável dependente” (CARAÇA, 1951, p. 129).

A correspondência entre as variáveis pode se estabelecer de maneiras distintas,

definindo cada função 𝑦(𝑥). Duas formas são apresentadas por Caraça (1951, p. 130), a

saber: i) a definição analítica que consiste em “um conjunto de operações de modo tal que,

por meio delas, se possa fazer corresponder a cada valor 𝑎 de 𝑥 um único valor 𝑏 de 𝑦”, e

ii) a definição geométrica consistindo em uma curva, traçada em um sistema de referência

cartesiano, de tal forma que qualquer reta paralela ao eixo 𝑂𝑦 intercepte-a em no máximo

um ponto. No entanto, o autor faz uma ressalva, apontando que o conceito de função não

deve ser confundido com o de expressão analítica, tampouco com a forma de se definir

uma função através desta, ocasionando confusões de se assumir a função como expressão

analítica.

A definição do conceito de função, para Sierpinska (1992), pode ser apresentada

formalmente sem o uso de palavras, apenas por meio de símbolos. Esse caso conterá todo

senso lógico restrito às sentenças definidas. No entanto, ele pode abranger diferentes

significados, relacionados ao contexto em que se emprega, no momento em que a noção é

aplicada ao conceito. Isso ocorre porque a linguagem informal será utilizada, e esta é

6 Texto na língua original: “It was the analytical method of introducing functions that revolutionized mathematics and, because of its extraordinary efficiency, secured a central place for the notion of function in all the exact sciences”.

Page 26: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

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carregada de significados que ultrapassam a lógica da definição. Nesse caso, ainda segundo

a autora, os significados relacionados ao contexto de aplicação poderão conceber o

conceito de função como relação entre grandezas variáveis, como relações entre

coordenadas dos pontos que pertencem à curva, como mapeamentos, dentre outros.

Sierpinska (1992, p. 30, tradução livre)7 menciona que existe diferença entre se

analisar “o que diz a definição do conceito de função?” e “sobre o que é a definição?”. Na

primeira questão, está impregnado todo formalismo lógico da definição, enquanto a

segunda envolve interpretações e aplicações do conceito, dentre as quais algumas

mencionamos anteriormente. Desta forma, “entender o conceito significará ser capaz de

lidar com ambas as questões e as várias relações entre as respostas a essas questões”

(SIERPINSKA, 1992, p.30, tradução livre)8.

Diante do exposto, destaca-se então noções básicas, descritas por Caraça (1951),

que fundamentaram a construção do conceito de função e, nessa acepção, trazemos para a

nossa pesquisa, a saber: regularidades, generalizações, variável, constante e relações. E,

ainda, colocamos em evidência, o conceito de função assumido como a relação entre duas

grandezas, embasado, conforme Sierpinska (1992), nas interpretações pertinentes ao

contexto, afastando, assim, a ideia, ainda presente nos tempos atuais, de se considerar uma

função como a expressão analítica.

Destacamos a noção de regularidade que, ainda conforme Caraça (1951), constituiu

um dos elementos incisivos do conceito de função. Trazemos, para este momento, uma

aproximação com a sua origem, visto que entendemos a procura por regularidades como

essencial na abstração futura necessária. Com isso, outros conceitos serão requeridos e

desenvolvidos pelos alunos como, por exemplo, a diferenciação entre incógnita e variável,

variação e objeto variante, além de outros não necessariamente relacionados à função, mas

vinculados aos contextos dos problemas. Ressaltamos ainda, conforme veremos na seção

1.3, que a compreensão do conceito de função, exprimindo interpretações e aplicações,

abrangerá, além do entendimento dos símbolos inerentes a ela, esses outros conceitos.

7 Texto na língua original: “What does the definition of the concept of function say? […] What is the definition about?” 8 Texto na língua original: “For us, understanding the concept will mean being able to cope with both of these questions and the various relationships between answers to these questions”.

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1.2 A ABORDAGEM CURRICULAR DO CONCEITO DE FUNÇÃO

O processo inicial da inserção de função no currículo escolar relaciona-se à criação

de uma nova disciplina, por volta do ano 1929, pertencente ao ensino secundário brasileiro,

denominada matemática, que consistiu da integração de três outras: aritmética, álgebra e

geometria, que, até aquele momento, eram independentes. Tal conteúdo, incorporado ao

currículo, no Brasil, a partir da Reforma de Francisco Campos, tendo como seu precursor

Euclides Roxo9, recebeu um lugar de destaque nos livros didáticos desenvolvidos por ele

na época (BRAGA, 2003).

Segundo Braga (2003), alguns fatores contribuíram para destacar a importância

deste conteúdo ao ensino secundário, dentre eles a discrepância da formação dos

estudantes do ensino básico em relação ao que era deles exigido no ensino superior. Assim,

desencadeou-se o movimento de renovação do ensino da matemática, proposto por Felix

Klein10. A renovação proposta por Klein baseava-se em mudanças tanto no ensino

secundário (ensino médio), quanto no universitário, sendo a de maior relevância passar a

considerar como centro do ensino o conceito de função. Ainda que sua proposta não tenha

sido integralmente adotada, a partir dela ocorreram mudanças em diversos países

(MIORIM, 1998).

Desde aquela época, a preocupação com o Ensino Superior no âmbito internacional

e com a formação dos alunos na Educação Básica já se faziam presentes. Desse modo, pela

necessidade de preparar melhor os alunos, Felix Klein propôs, em 1900, a inserção de

conteúdos introdutórios ao Cálculo na Educação Básica. Para esse autor, tal conteúdo não

poderia se constituir como um capítulo à parte, mas deveria ser trabalhado durante o ensino

secundário, considerando “colocar o centro do ensino no conceito de função, como o

conceito da Matemática dos dois últimos séculos que desempenha papel fundamental em

9 Euclides de Medeiros Guimarães Roxo nasceu em Aracaju, Sergipe, em 1890, e faleceu em 1950. Foi professor de Matemática no Colégio Pedro II, tendo sido mais tarde nomeado Diretor. Nessa época, propôs uma mudança curricular e metodológica nesse colégio, baseada principalmente nas ideias de Felix Klein implantadas na Alemanha e que vinham sendo veiculadas pela comissão internacional – Internationale Mathematische Unterrichtskommission – IMUK (OLIVEIRA, 2010, p. 3). 10 Felix Christian Klein nasceu em 1849 em Düsseldorf, antiga Prússia, atual Alemanha, e faleceu em 1925. Dedicou-se ao ensino de Matemática (principalmente no final de sua carreira), propondo mudanças no sistema escolar alemão, as quais serviram de inspiração para outros países. Liderou a comissão internacional – IMUK, o que resultou na primeira proposta de internacionalização do ensino de Matemática, defendendo a necessidade de mudanças no currículo e na metodologia do ensino, que visava aos métodos intuitivos como suas aplicações. (OLIVEIRA, 2010, p. 1-2)

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todos os campos onde intervêm noções matemáticas” (KLEIN, 1927 apud BRAGA, 2003,

p. 54).

Segundo Braga (2003), a fim de apoiar a inserção da Introdução ao Cálculo no

ensino secundário, Felix Klein procurou estabelecer uma relação entre ela e as

necessidades do cidadão na vida moderna, instituindo, então, um princípio para o

movimento reformista, que é o das aplicações práticas da matemática. Sobre a concepção

desse princípio, Klein enfatiza:

[...] uma nova tendência que começou a desenhar-se em 1890, consiste em não prescindir das aplicações da Matemática em todos os ramos das Ciências naturais e técnicas, assim como de sua significação na vida real. Desse modo se acrescenta algo novo à mera aplicação dos procedimentos intuitivos, pois em vez de utilizá-los como um objeto puramente formal, se aproveitam para fazer o aluno adquirir conhecimentos indispensáveis na prática da vida. Em relação a estas ideias, estão as proposições da reforma que têm por base a introdução no ensino secundário do conceito de função, os métodos gráficos e elementos de Cálculo Infinitesimal. (KLEIN, 1927 apud BRAGA, 2003, p. 45-46)

O excerto anterior aponta a relação entre a Matemática e o cotidiano, podendo esta

contribuir para a aquisição de conhecimentos que o aluno utilizará no seu dia a dia. Ele

ainda ressalta a inclusão do conceito de função, essa, considerada por Klein, percorrendo

as suas representações (por exemplo: tabular, algébrica e gráfica). De acordo com Braga

(2003), para Klein, esse conteúdo seria proposto a fim de coordenar as diversas vertentes

da matemática escolar e seria incidente no desenvolvimento do pensamento funcional do

aluno. Sendo que esse

deveria ser cultivado desde as séries iniciais com a atuação do aluno sobre a ideia de variação e dependência. Aos poucos, com o progressivo e constante trânsito pelas representações tabular, gráfica e analítica de função, o educando caminharia em direção à sua formação funcional. (BRAGA, 2003, p. 53)

Comungando com as ideias de Felix Klein, ainda que não ponderasse o verdadeiro

intento deste na inserção de função na educação básica, Euclides Roxo assume esse

conteúdo como protagonista no ensino de matemática, considerando que ele deveria ser

adotado como ideia axial, “capaz de estabelecer um elo unificador dos vários assuntos

tratados na escola secundária e de modo a ser a alma do corpo em que se organiza toda a

matéria” (ROXO, 1937 apud BRAGA, 2003, p. 81).

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28

De acordo com Braga (2003), Roxo admite que, além de acessível ao estudante, o

conceito de função daria ao ensino de matemática mais vida e atrativos, podendo

estabelecer relações com outras matérias. Assim, fundamentada na concepção de se

considerar a função como aspecto centralizador, todo o assunto seria referenciado por

completo.

A mudança nos programas de matemática defendida por Euclides Roxo para o

Colégio Pedro II, segundo ele próprio, deveria acontecer de forma gradual, implantada em

1929 apenas para o 1º ano e, a cada ano subsequente, para a série seguinte. Contudo, esta

forma progressiva fora frustrada pela Reforma de Francisco Campos11, em 1931, que

propunha estruturar todo o curso secundário nacional e conferir a ele caráter educativo, e

não apenas propedêutico (MIORIM, 1998).

Contudo, segundo Dassie (2008, p.135), o projeto ainda indicava “Euclides Roxo

como a principal figura na elaboração das propostas para o ensino da matemática, pois

participou diretamente dessa reforma”. Assim, os conteúdos a serem ministrados eram

similares aos que faziam parte dos programas do Colégio Pedro II, incluindo o conceito de

função e as noções de Cálculo, porém agora constantes das cinco séries que integravam o

curso fundamental (DASSIE; ROCHA, 2003).

Destacamos o fragmento a seguir, presente na instrução pedagógica da Reforma

Francisco Campos, a fim de elucidar a importância e a relevância imprimidas ao conteúdo

função, o qual passou a desempenhar o papel de articulador dos demais conteúdos, assim

como defendido por Roxo. Ademais, as diferentes representações de uma função são

destacadas e coordenadas de forma a garantir ao aluno um repertório maior na resolução de

problemas. Com efeito,

a noção de função constituirá a ideia coordenadora do ensino. Introduzida, a princípio, intuitivamente, será depois desenvolvida sob feição mais rigorosa, até ser estudada, na última série, sob ponto de vista geral e abstrato. Antes mesmo de formular qualquer definição e de usar a notação especial, o professor não deixará, nas múltiplas ocasiões que se apresentarem, tanto em Álgebra como em Geometria, de chamar a atenção para a dependência de uma grandeza em relação a outra ou como é determinada uma quantidade por uma ou por várias outras.

11 A Reforma Francisco Campos, decreto nº 19890, foi implantada a partir da metade de 1931 e foi marcada por conferir organicidade à cultura escolar do ensino secundário. Sendo que, a partir dessa data, o ensino passou a contar com sete anos, os cinco primeiros para o ensino comum ou fundamental e os dois últimos destinados à preparação para as escolas superiores. Para saber mais sobre a Reforma Francisco Campos, leia Dassie e Rocha (2003) e Dassie (2008).

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29

A representação gráfica e a discussão numérica devem acompanhar, constantemente, o estudo das funções e permitir, assim, uma estreita conexão entre os diversos ramos das matemáticas elementares. [...] Como recursos indispensáveis à resolução rápida dos problemas da vida prática, é necessário que o estudante perceba serem tabelas, gráficos e fórmulas algébricas representações da mesma espécie de conexão entre quantidades e verifique a possibilidade de se tomar qualquer desses meios como ponto de partida, conforme as circunstâncias. (Decreto nº. 19.890, 1931 apud MIORIM, 1998, p. 97)

Segundo Braga (2003), a Reforma de Francisco Campos poderia ter induzido à

utilização de livros didáticos em sala de aula e, por isso, ele faz uma análise das obras que

foram editadas na década de 1930, selecionando coleções que possivelmente tiveram,

naquela época, maior representatividade no país. Há que se destacar que apenas os de

autoria de Euclides Roxo atendiam às instruções apresentadas para as duas séries iniciais.

Conforme Braga (2003), a maneira como alguns livros estavam configurados contribuía

para que o professor, o qual não estava habituado a essa nova proposta, ignorasse o

conteúdo em sala de aula. Assim, apenas no quinto ano pode-se notar a presença de função,

em todos os livros analisados, intermediando o ensino de cálculo.

A Coleção Curso de Mathematica Elementar, publicada a partir de setembro de

1929, por Euclides Roxo, teve o objetivo primeiro de atender às demandas da renovação do

ensino no Colégio Pedro II. Além disso, objetivava explicitar as concepções que norteavam

tal movimento de renovação (BRAGA, 2003). Em sua pesquisa, interessado também na

análise do conteúdo função presente nos livros didáticos ao longo das reformas que

constituíram o ensino de Matemática no Brasil, Ogliari (2014) aponta, sobre essa coleção

de Roxo, que tal conteúdo fora introduzido de forma intuitiva desde as primeiras séries do

secundário, indo ao encontro da sua proposta de renovação e com a Reforma de Francisco

Campos. O autor afirma que Roxo, através de perguntas, tentava aproximar o conceito de

função ao cotidiano do aluno, a fim de que ele percebesse a relação existente entre as

grandezas, além de ressaltar que esse conhecimento poderia derivar-se de suas experiências

prévias.

Além disso, Roxo, ainda segundo Ogliari (2014), enfatiza a ideia de conteúdo

unificador, destacando as representações aritmética, algébrica e geométrica para uma

mesma função. Em seu primeiro volume, articulando dados numéricos, tabelas e gráficos,

introduzia a ideia de relações entre as grandezas, o que mais tarde fundamentaria o

trabalho com as funções. De fato,

Page 31: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

30

qualquer uma das três representações poderia descrever a relação entre duas grandezas ou variáveis, mas Roxo optou por ressaltar a possibilidade de apresentá-las em sequência, como uma tríade que simboliza o caráter unificador do conceito de função. Mais adiante será possível verificar que essa tríade será uma forte herança deixada pelas primeiras representações do conteúdo de funções no ensino secundário. (OGLIARI, 2014, p. 33)

Destaca-se ainda que “a exploração da noção de variação e dependência que

deveria estar presente em todo o curso fundamental só é constatada nos livros em que

Roxo participa como autor ou coautor” (BRAGA, 2003, p. 140). O que se nota em outras

coleções, ainda de acordo com o autor, é a utilização superficial da linguagem algébrica na

representação de algum caso de dependência funcional, com a presença de fórmulas como

recurso para se determinar o valor desconhecido.

Ogliari (2014) chama-nos a atenção para o fato de a coleção Matemática12, de Cecil

Thiré e Mello e Souza, não mencionar o conceito de função no seu primeiro volume.

Tratando, de maneira discreta, uma primeira noção de variável, pode-se perceber, nesse

volume, uma tentativa de relacionar a álgebra à aritmética e à geometria. Contudo, o

tratamento algébrico aparece “poucas vezes em uma relação explícita de interdependência

entre duas grandezas –, o livro não apresenta o conceito de função como axial” (OGLIARI,

2014, p. 42).

De fato,

os capítulos de função destinados aos primeiros e segundos anos foram configurados pela maioria dos autores de forma a facilitar uma pequena ou nenhuma abordagem nas salas de aula. Em todos os livros do quinto ano, função se apresentava em capítulo preambular aos de cálculo, onde atuava como ferramenta e, nas séries intermediárias, restringia-se, na maioria das coleções, à interpretação gráfica de sistemas lineares, do trinômio do segundo grau e das funções trigonométricas, mas sem nenhum enfoque significativo quanto ao pensamento funcional. (BRAGA, 2003, p. 138)

Decorrendo-se, então, aproximadamente, uma década que a Reforma Francisco

Campos entrou em vigor, a configuração que se faz notar na citação acima é, de acordo

com Braga (2003), referendada pela Reforma Capanema13, com adaptações aos ciclos

12 Os dois primeiros volumes da coleção Matemática, lançados no final de 1930, foram editados como alternativa à obra Curso de Mathematica Elementar de Euclides Roxo, configurando-se um sucesso. A partir do terceiro volume, Roxo passa a integrar esta coleção como coautor. (BRAGA, 2003) 13 A Reforma Gustavo Capanema foi implantada no ano de 1942 após um período de muitas críticas à Reforma Francisco Campos, até então em vigor, principalmente quanto à renovação do ensino de matemática. Destaca-se, nessa reforma, uma reorganização das séries, contando ainda com sete anos

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31

ginasial, clássico ou científico. O conteúdo função ficou restrito à quarta série do Curso

Ginasial, mantendo-se o cuidado de não empregar esse termo oficialmente. Nos segmentos

posteriores, Curso Clássico e Curso Científico, nota-se a presença e o emprego do termo,

sendo ele, no primeiro, presente nas 1ª e 3ª séries, com menor ênfase; e, no segundo, nas

três séries, com maior ênfase.

Apesar de Euclides Roxo participar, agora como colaborador, da elaboração do

programa do Curso Ginasial, constitui-se, na época, um espaço para discussão. Além disso,

exerciam, sobre a Reforma, outras forças provenientes da Igreja, que desejavam um curso

mais humanista (por exemplo, com o estudo das línguas) e com menos ênfase no conceito

de função. Havia ainda os Militares, que preferiam um ensino de matemática apoiado em

todo o seu rigor, sem a necessidade de conexões com o contexto. Ambos detinham

membros atuantes nessas discussões e tentavam garantir que seus interesses fossem

considerados (DASSIE, 2008; DASSIE, 2001 apud BRAGA, 2003).

De acordo com Dassie (2008), observa-se, nos programas de matemática dessa

reforma, um retrocesso em relação ao conceito de função, visto que este não prevalece

como unificador do ensino. E, ainda, a maneira rígida como foram apresentados os

conteúdos no segundo ciclo contribuiu negativamente para a articulação dos conceitos. Por

conseguinte, tem-se o conceito de função reduzido a um objeto da álgebra.

Sobre isto, Ogliari (2014, p. 58) expõe que

uma vez admitido o conteúdo de função no currículo de matemática em nível de ensino secundário na Reforma Campos, esse se manteve após a Reforma Capanema, mas não mais como um conteúdo axial, presente já nas primeiras séries do ensino secundário, e sim como um conteúdo menos expressivo, presente nos livros didáticos, como verificado, apenas na última série do ginasial, pois esse conteúdo ficaria a cargo do ensino colegial.

Tem-se, então, uma reedição dos livros didáticos da época para se adaptarem ao

programa previsto na Reforma Capanema. Assim, como exemplo disso, há a Coleção

Matemática, de Roxo, Thiré e Mello e Souza, que foi reelaborada, dando lugar à série

divididos em duas partes, porém os quatro primeiros denominados Curso Ginasial e os três últimos, Colegial – Curso Clássico ou Curso Científico. Para saber mais sobre a Reforma Capanema, leia Dassie e Rocha (2003) e Dassie (2008).

Page 33: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

32

Matemática Ginasial14. Segundo Ogliari (2014), nos três primeiros volumes não se fazia

constar o conceito de função e tampouco era utilizada a palavra função. Ao tratar de

proporcionalidade, o que antes era feito embasado nesse conteúdo, passou a se apresentar

“através de uma explanação acerca de grandezas não proporcionais, as relações entre

grandezas são compreendidas como variáveis que se correspondem, mas sem fazer

referência ao conceito de função (p.55)”.

Ainda de acordo com Ogliari (2014), mesmo não estando explícita no programa, os

autores decidem incluir uma introdução a funções no quarto volume. Eles o iniciam

apresentando conteúdos relacionados, os quais seriam utilizados na configuração de

função, tais como coordenadas cartesianas, representação destas no plano cartesiano, noção

de variável, constante e noção de função. No entanto,

o conceito de função foi subtraído de boa parte do estudo que envolvia relação entre grandezas e variáveis e a exploração de tabelas, equações e gráficos tornou-se muito mais uma ferramenta metodológica para explorar problemas que envolviam essa relação do que para desenvolver o próprio conceito de função em si. (OGLIARI, 2014, p. 57)

Tal reforma permaneceu em vigor até 1961, quando foi aprovada a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), reestruturando a educação em ensino

primário, médio e superior. Segundo Dassie e Rocha (2003, p. 7), “somente na década de

60, com a chegada ao Brasil do Movimento da ‘Matemática Moderna’15 (MMM), que

mudanças significativas voltaram a ocorrer no ensino de Matemática”. Tem-se, então,

diferente das reformas anteriores, um movimento que propõe uma reestruturação da

Matemática no ensino secundário, dando “ênfase à teoria dos conjuntos, ao conceito de

estrutura e, consequentemente, ao rigor da linguagem, sob uma perspectiva bourbakista e

estruturalista da matemática” (OGLIARI, 2014, p.60).

Ao longo dos congressos ocorridos na época, realizados em Salvador (1955), Porto

Alegre (1957), Rio de Janeiro (1962) e Belém (1967), discutiu-se a modernização do

ensino de Matemática, sendo proposta a introdução da linguagem da Matemática Moderna

14 Lançada em 1945, os autores faziam constar uma nota, antes de iniciar sua unidade, que justificava a reelaboração da obra em detrimento da anterior, em consequência da nova legislação. (OGLIARI, 2014) 15 Trata-se de um movimento que preconizava uma reforma curricular no ensino de Matemática, destacando-se três preocupações: a mudança dos conteúdos ensinados, estruturando-os nos estudos do Grupo Bourbaki; a compatibilização dos currículos de Matemática com o trabalho de Jean Piaget e a renovação dos métodos de ensino, centrando-o no aluno. Tal movimento ocorreu, em todo o mundo, entre a segunda metade dos anos 50 e a primeira metade dos anos 70. (MATOS; VALENTE, 2010)

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33

aos alunos do ensino secundário. Desde o primeiro congresso, a presença e a participação

de Osvaldo Sangiorgi podem ser destacadas e associadas à defesa desta modernização do

currículo, embasada nas propostas de Bourbaki. Sangiorgi (1965 apud OGLIARI, 2014)

almejava “[...] modernizar a linguagem dos assuntos considerados imprescindíveis na

formação do jovem estudante usando os conceitos de conjunto e estrutura”.

Sangiorgi foi precursor na elaboração de livros didáticos que estivessem em

sintonia com as propostas defendidas pelo MMM. Em 1963, lançou seu primeiro volume,

Matemática: Curso Moderno, sendo considerado um sucesso, o qual chegou à sua 10ª

edição no ano de 1967, espalhando-se pelo Brasil. Ogliari (2014), em sua pesquisa, ao

analisar essa coleção, aponta que os conteúdos foram organizados de forma a transcorrer a

teoria de conjuntos ao longo dos quatro volumes previstos para o ensino ginasial. O autor

faz uma analogia com as ideias defendidas por Roxo acerca do conceito de função, no qual

a unidade da Matemática, através desse conteúdo, seria desenvolvida gradativamente nas

quatro séries deste segmento, com a proposta de Sangiorgi, a qual era semelhante, porém

utilizando as estruturas matemáticas como eixo central, unificador.

O conceito de função, conforme exposto por Ogliari (2014), é, então, apresentado,

definido e conceituado, no quarto volume da coleção, embasado na teoria dos conjuntos,

como parte da relação entre eles. Na figura 1 a seguir, destaca-se o primeiro contato com o

conceito de função nesse volume, o qual se reduz a uma relação especial entre dois

conjuntos.

Figura 1 – Funções por Sangiorgi.

Fonte: OGLIARI, 2014, p. 83

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A partir da forma como a definição de função é apresentada no quarto volume,

consolidaram-se os exemplos e as representações através de diagramas de flechas, segundo

o autor, no ensino de matemática no Brasil. Tem-se, a partir disso, uma nova notação para

o conceito de função, que é realizada através de conjuntos, provenientes das discussões

originadas pelo MMM. Contudo, essa nova abordagem para o ensino sofreu muitas

críticas, “fazendo com que a estrutura matemática como conteúdo primordial e unificador

da matemática perdesse o foco, prevalecendo apenas a teoria dos conjuntos” (OGLIARI,

2014, p. 91).

Assim, com o Movimento da Matemática Moderna, uma nova forma de abordar os

conteúdos matemáticos se apresentou, tendo sua veiculação através dos livros didáticos da

época, os quais veiculavam tal abordagem. No entanto, as críticas que surgiam eram

imensas, e alguns problemas começam a despontar. De acordo com os PCN,

o ensino passou a ter preocupações excessivas com formalizações, distanciando-se das questões práticas. A linguagem da teoria dos conjuntos, por exemplo, enfatizava o ensino de símbolos e de uma terminologia complexa comprometendo o aprendizado do cálculo aritmético, da Geometria e das medidas. No Brasil, o movimento Matemática Moderna, veiculado principalmente pelos livros didáticos, teve grande influência, durante longo período, só vindo a refluir a partir da constatação de inadequação de alguns de seus princípios básicos e das distorções e dos exageros ocorridos. (BRASIL, 1998, p.19-20)

Nas décadas que se seguiram, a configuração de um novo quadro manifesta-se na

educação brasileira com o surgimento, segundo Fiorentini e Lorenzato (2012), da

Educação Matemática a partir do MMM. Além disso, ainda conforme esses autores, o

surgimento da Sociedade Brasileira de Educação Matemática (SBEM) e dos primeiros

programas de pós-graduação em Educação Matemática também ocorre nesse período.

Na década de 1990, uma nova LDB, Lei Federal n°. 9.394, foi instituída e uma

proposta curricular de âmbito nacional foi definida: os Parâmetros Curriculares Nacionais

(PCN), inspirados, segundo Onuchic e Allevato (2012), nas ideias do National Council of

Teachers of Mathematics (NCTM), constituindo-se, assim, de um conjunto de referências

comuns ao processo educativo para todas as regiões brasileiras.

Os PCN foram elaborados de forma a contemplar toda a educação básica,

organizados através de ciclos. Dessa forma, os dois primeiros ciclos estão direcionados da

1ª a 4ª série (atual 2º a 5º ano). Já os dois ciclos subsequentes, são direcionados da 5ª a 8ª

série (atual 6º a 9º ano), e, por fim, há um referencial para o ensino médio.

Page 36: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

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Ogliari (2014), analisando os dois últimos ciclos do volume referente à Matemática,

chama-nos atenção ao fato de o conceito de função ser mencionado pela primeira vez

nestas referências, como uma possibilidade de exploração da álgebra no contexto de

números e de operações. Em seguida, no bloco destinado a grandezas e a medidas, aponta-

se esta área como favorável à geração de contextos para a análise da interdependência entre

grandezas, sendo possível a exploração desse conceito. No entanto, esse conceito estaria

restrito apenas à noção de função, sendo destacado que seria devidamente abordado

somente a posteriori, no ensino médio.

De fato,

embora nas séries iniciais já se possa desenvolver alguns aspectos da álgebra, é especialmente nas séries finais do ensino fundamental que as atividades algébricas serão ampliadas. Pela exploração de situações-problema, o aluno reconhecerá diferentes funções da Álgebra (generalizar padrões aritméticos, estabelecer relação entre duas grandezas, modelizar, resolver problemas aritmeticamente difíceis), representará problemas por meio de equações e inequações (diferenciando parâmetros, variáveis, incógnitas, tomando contato com fórmulas), compreenderá a ‘sintaxe’ (regras para resolução) de uma equação. Esse encaminhamento dado à Álgebra, a partir da generalização de padrões, bem como o estudo da variação de grandezas, possibilita a exploração da noção de função nos terceiro e quarto ciclos. Entretanto, a abordagem formal desse conceito deverá ser objeto de estudo do ensino médio. (BRASIL, 1998, p. 50-51)

Os PCN (BRASIL, 1998, p. 72), quando da apresentação de conceitos e de

procedimentos para o terceiro ciclo (6º e 7º Anos), apontam a “utilização de representações

algébricas para expressar generalizações sobre [...] regularidades observadas em algumas

sequências numéricas”, e ainda a “compreensão da noção de variável pela

interdependência da variação de grandezas”, as quais favorecem a exploração do conceito

de função desde as séries iniciais do ensino fundamental 2.

No mesmo documento, porém, no que versa sobre as referências para o quarto ciclo

(8º e 9º Anos), está previsto que o ensino de matemática deve proporcionar o

desenvolvimento do pensamento algébrico, dentre outros tópicos, levando o aluno a

“observar regularidades e estabelecer leis matemáticas que expressem a relação de

dependência entre variáveis” (BRASIL, 1998, p. 81). Dessa forma, conforme Ogliari

(2014), o desenvolvimento do conceito de função ocorreria de forma intuitiva, uma vez

que os objetivos predizem a exploração de situações-problema para esse fim.

Page 37: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

36

Além disso, os PCN, ressaltando as conexões da Álgebra com áreas diversas,

apontam para a possibilidade de se trabalhar a proporcionalidade, contribuindo para que o

aluno desenvolva a noção deste conteúdo, “ao analisar a natureza da interdependência de

duas grandezas em situações-problema em que elas sejam diretamente proporcionais,

inversamente proporcionais ou não proporcionais [...]” (BRASIL, 1998, p. 84-85).

Analisando alguns livros didáticos recomendados pelo PNLD16 2014, Ogliari

(2014) percebeu que as reformas não se sobrepuseram, ou seja, atualmente existem

elementos destas que ainda se fazem presentes e outros que foram descartados, mas uma

reforma não extinguiu todos os elementos de reformas anteriores. De acordo com o autor,

o conteúdo de funções neles expresso teve por finalidade atender às demandas exigidas pela disciplina escolar de matemática, norteada por interesses, ideologias e determinações, cada qual em sua época e contexto, resultando em um constante alinhamento entre os objetivos do conteúdo de funções em cada espaço de tempo na história e a proposta de cada uma das coleções. (OGLIARI, 2014, p. 156-157)

Embora algumas coleções apresentem a existência de uma referência de funções

com outros conteúdos nela desenvolvidos e contenham indícios do desenvolvimento do

conceito de função, há que se destacar que sua abordagem ocorre “não tão precocemente,

explicitamente, ou incisivamente, e nem tão paulatinamente” (OGLIARI, 2014, p. 158),

não se concebendo em sintonia com o ideário de Euclides Roxo.

O autor aponta que o conceito de função é trabalhado na série final do Fundamental

2 (9º Ano) em todas as obras analisadas, tendo se configurado como um elemento da

Reforma Capanema que perdura até os tempos atuais. De acordo com Ogliari (2014, p.

158),

quanto ao desenvolvimento da ideia de funcionalidade como ideia central do ensino, essa não se sustentou, tendo apenas alguns indicativos de que o conceito de função é abordado nos anos anteriores ao 9º ano, ou seja, nas coleções atuais analisadas, o conceito de função e/ou a sua definição são apresentados somente no 9º ano.

16 O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) tem como principal objetivo subsidiar o trabalho pedagógico dos professores por meio da distribuição de coleções de livros didáticos aos alunos da educação básica. Após a avaliação das obras, o Ministério da Educação (MEC) publica o Guia de Livros Didáticos com resenhas das coleções consideradas aprovadas. O guia é encaminhado às escolas, que escolhem, entre os títulos disponíveis, aqueles que melhor atendem ao seu projeto político-pedagógico. Fonte: http://portal.mec.gov.br

Page 38: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

37

Além disso, Ogliari (2014, p. 159) constata que, além do advento da Reforma

Capanema ter “embargado, ao menos normativamente, o desenvolvimento do conceito de

função desde as séries iniciais do ensino secundário e seu caráter axial”, o que pode ter

contribuído também para essa situação é o fato de este desenvolvimento ser considerado

uma metodologia (no sentido de métodos). Desta forma, fica, sob a responsabilidade do

professor e do autor de livros didáticos, a opção de incluir ou não, nos livros das séries

iniciais (6º, 7º e 8º anos), tal conteúdo.

O autor ainda destaca a menção dos PCN acerca do conceito de função, orientando

que este deverá ser formalizado apenas no ensino médio. Como decorrência disso, “pode

ter influenciado diretamente para a não adesão explícita dessa metodologia nas coleções

que apontaram a relação desse conceito como relacionado a determinados conteúdos

estudados nos anos anteriores” (OGLIARI, 2014, p. 159).

Outro elemento observado é que a maioria das coleções desse segmento utiliza

tabelas, equações e gráficos como notação para conceituar função em comparação com a

utilização de conjuntos e diagramas de flechas, cuja presença é mais perceptível no ensino

médio. Configura-se um elemento que vai ao encontro das ideias de Euclides Roxo, que,

segundo Ogliari (2014, p. 158), utilizava a “relação entre a aritmética (por meio de

tabelas), da álgebra (por meio das equações) e da geometria (através da representação

gráfica de uma função) na expressão da dependência entre duas grandezas”. Em

contrapartida, metade das coleções analisadas define uma função a partir da relação entre

dois conjuntos, observando-se, neste último, indícios da teoria dos conjuntos presentes no

MMM.

Como já mencionado, não pretendíamos analisar minuciosamente cada uma das

reformas e movimentos que influenciaram a abordagem do conceito de função, porém

destacamos o que, para nossa pesquisa, torna-se mais relevante. Com o exposto, aspiramos

a oferecer elementos que apontem para a abordagem desse conteúdo na matemática

escolar, para que, assim, pudéssemos compreender em que bases ele foi estabelecido no

currículo, subsidiando-nos no entendimento das concepções por ora arraigadas no ensino e,

assim, relacionarmos com as dificuldades na aprendizagem que serão discutidas na

próxima seção.

Page 39: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

38

1.3 APRENDIZAGEM DO CONCEITO DE FUNÇÃO

Na seção anterior apresentamos as diferentes abordagens e concepções do conceito

de função presentes nas reformas e nas propostas instituídas para o ensino de matemática

ao longo do tempo. Discutiremos, neste momento, questões que se relacionam à

aprendizagem do conceito de função.

As dificuldades na aprendizagem do conceito de função são discutidas no âmbito da

educação em diversas pesquisas, como, por exemplo, na de Gomes Ferreira (1997), de

Rego (2000), de Pelho (2003), de Pontes (2008). Isso não se dá apenas no Brasil, sendo

possível referência ao estudo de Anna Sierpinska (1992), a qual menciona em seu artigo

alguns trabalhos17 que também relataram e discutiram tais dificuldades. Notar-se-á que

essas não são exclusivas dos tempos atuais, configurando-se, em alguns casos, relações

com nossas concepções.

Em referência a tais problemas, ressaltando a dificuldade inerente à linguagem que

comumente é utilizada em funções, Sierpinska (1992) ainda afirma que os

estudantes têm problemas em fazer a conexão entre diferentes representações das funções: fórmulas, gráficos, diagramas, descrição por extenso das relações; na interpretação de gráficos; na manipulação de símbolos relacionados às funções, como: 𝑓(𝑥), 𝑥 → 𝑦, 𝑠𝑒𝑛(𝑥 + 𝑡), etc. (SIERPINSKA, 1992, p. 25, tradução livre)18

Diante desses problemas, da constatação e da análise de estudos que buscaram

formas de solucioná-los, a autora considera que a fundamentação para estes deveria estar,

em primeiro plano, na compreensão. Assim, ela levanta algumas questões que denotam a

relevância de se considerar a compreensão de conceitos no ensino de matemática. Além

disso, Sierpinska (1992) afirma que um conceito matemático não pode ser compreendido

simplesmente a partir da leitura de suas definições. Neste ponto, à luz do que será discutido

sobre compreensão em Dewey (1959)19, que a admite quando vemos o objeto a ser

17 A autora aponta alguns estudos que trataram das dificuldades frente à noção de função, a saber: Bergeron e Herscovics (1982), Freudenthal (1973), Janvier (1978) Herscovics (1982; 1989), Vinner (1989), Even (1990). 18 Texto na língua original: “Students have trouble in making the link between different representations of functions: formulas, graphs, diagrams, word descriptions of relationships; in interpreting graphs; in manipulating symbols related to functions such as: 𝑓(𝑥), 𝑥 → 𝑦, 𝑠𝑖𝑛(𝑥 + 𝑡), etc.” 19 Compreensão, segundo Dewey (1959), envolve o pensamento reflexivo, que nos auxilia na condução de atividades de maneira planejada e inclinada a um propósito, em que se faz presente a necessidade de pesquisa e investigação. Além disso, é através do pensamento reflexivo, que as informações constituirão

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39

compreendido envolto em suas relações (por exemplo: funcionamento, consequências,

aplicações) e ainda considera que novas situações são compreendidas quando embasadas

no que nos é familiar, relacionando-as com significados já apreendidos, destacamos o

excerto a seguir, que denota a sintonia entre suas ideias.

É apenas quando nós vemos as instâncias e as não-instâncias do objeto definido, quando podemos dizer o que este objeto é e o que ele não é, quando nós temos consciência da relação dele com outros conceitos, quando percebemos que estas relações são análogas com as relações que estamos familiarizados, quando compreendemos a posição que o objeto definido tem dentro de uma teoria e quais são as possíveis aplicações, que podemos dizer que compreendemos algo sobre ele. (SIERPINSKA, 1992, p. 26, tradução livre)20

Para a compreensão de um conceito específico de matemática, Sierpinska (1992)

afirma que dois pontos devem ser considerados: atos de compreensão e atos de superar

dificuldades ou obstáculos. Estes compreendem maneiras diferentes e complementares de

se ver um salto, considerado pela autora como “importantes variações qualitativas

relacionadas ao conhecimento matemático na mente humana, saltos das antigas formas de

se conhecer para as novas formas de se conhecer” (SIERPINSKA, 1992, p. 27)21.

De acordo com Sierpinska (1992), os atos de superar as dificuldades, alguns

denominados obstáculos epistemológicos, envolvem, na análise de um salto, o que impediu

a nova maneira de compreender. Por outro lado, os atos de compreensão envolverão, na

análise de um salto, o reconhecimento deste como uma nova forma de compreender,

abrangendo uma ação a ser empreendida para que esta adquira significação.

Além disso, a autora destaca quatro categorias que abrangem os atos de

compreensão, as quais são consideradas fundamentais, segundo ela, para alguns autores,

dentre eles John Dewey. Tais categorias se referem à identificação de um objeto entre

outros objetos; ao discernimento entre dois objetos; à generalização, levando à consciência

conhecimento, ou seja, quando essas forem compreendidas. Nesse caso, compreender significa que as várias partes dessas informações foram apreendidas, sendo isso possível apenas, ainda de acordo com o autor, quando essa aquisição estiver acompanhada de constante reflexão. Essas ideias serão discutidas mais detalhadamente no capítulo 3. 20 Texto na língua original: “It is only when we have seen instances and non-instances of the object defined, when we can say what this object is and what it is not, when we have become aware of its relations with other concepts, when we have noticed that these relations are analogous to relations we are familiar with, when we have grasped the position that the object defined has inside a theory and what are its possible applications, that we can say we understood something about it”. 21 Texto na língua original: “…on the important qualitative changes related to mathematical knowledge in the human mind, jumps from old ways of knowing to new ways of knowing”.

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40

da possibilidade da extensão das aplicações; e à síntese, propiciando a percepção das

ligações entre fatos que eram considerados isolados.

Ademais, outra categoria será agregada às já mencionadas, a do uso, que, segundo

Sierpinska (1992, p. 29, tradução livre)22, “é certamente uma condição necessária para que

qualquer ato de compreensão ocorra”. A categoria supracitada, segundo Hoyles e Noss

(1986 apud SIERPINSKA, 1992), refere-se a atividades em que um ou mais conceitos

serão utilizados como ferramentas, a fim de atingir um propósito. Para Dewey (1959), é a

partir do uso que os conceitos se tornam mais gerais e aplicáveis, sendo de fato

compreendidos.

A construção do conceito de função pelos alunos, segundo Sierpinska (1992),

perpassa, então, pelos atos citados anteriormente, sendo ela condição necessária para que

eles enfrentem e superem as dificuldades inerentes a esse conteúdo. A autora apresenta, em

seu artigo On understanding the notion of function, uma série de 19 atos de compreensão e

16 obstáculos epistemológicos (Anexo A, p. 194), configurando-se condições para

compreensão deste conceito. Nesse artigo, ela apresenta uma discussão, iniciando nos

elementos básicos para a introdução do conceito de função e, de maneira complementar e

crescente, encaminha-se para um aprofundamento deste, perpassando por suas

representações, pela sua discussão analítica, por sua síntese, dentre outros.

Dos atos de compreensão e dos obstáculos epistemológicos apontados por

Sierpinska (1992), os quatro primeiros serão apresentados e discutidos, uma vez que, estão

vinculados às noções básicas, descritas por Caraça (1951), que fundamentaram a

construção do conceito de função e, foram explicitadas na seção 1.1.

Ao lidar com a noção de função, de acordo com Sierpinska (1992), deve-se ter

clareza da existência de valores variáveis (denominadas também grandezas) e que entre

eles existirá um processo, sucedendo na transformação de um objeto em outro. Além disso,

a transformação ou o processo será definido através de regras, de leis ou de padrões. Esta

terna, – variáveis, transformação, regras –, constitui a primeira condição para a

compreensão, devendo o aluno ser imerso no mundo das variações e das relações

considerando-as problemáticas, dignas de estudo. O trabalho com a observação de

regularidades deve se dar naturalmente. Dessa forma, deparamo-nos com os primeiros atos

de compreensão, considerados pela autora como os mais fundamentais para a apreensão

das funções, a saber:

22 Texto na língua original: “...it is certainly a necessary condition for any act of understanding to occur”.

Page 42: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

41

• Identificação das variações observadas no mundo circundante como um problema

prático a ser resolvido;

• Identificação das regularidades nas relações entre variações como uma maneira de

lidar com elas.

Com o intuito de exemplificar o tratamento dado à variação e às relações entre

grandezas, destacamos na Atividade 1 (figura 2), que compunha as atividades iniciais da

pesquisa de campo, a sequência de figuras que o aluno deveria analisar. Essa atividade

pretendia verificar se o estudante seria capaz de perceber padrões em sequência de figuras,

de estabelecer relações entre o padrão e a generalização, além de expressá-lo através da

linguagem algébrica. Nesse momento, o foco do aluno deveria estar no reconhecimento de

padrões em regularidades, percebendo que esses padrões conservam uma relação na

percepção de variação e, ainda, no processo de transformação existente entre o número da

figura e a quantidade de bolinhas que a compunha.

Figura 2 – Percebendo padrões em regularidades e promovendo relações

Fonte: A autora.

A seguir, na figura 3, apresentamos um problema extraescolar, que também

compunha as atividades da pesquisa de campo, não pertencente à realidade de sala de aula

do aluno, mas existente no mundo social e que poderia se tornar uma situação problemática

para ele devido à sua estrutura e aos conceitos envolvidos. O objetivo desse problema era

instigar o aluno a perceber a variação nele presente e a identificar a relação existente entre

as grandezas variáveis. Embora existam elementos que o aluno desconhece, seria uma

oportunidade de se ter, em uma situação vinculada ao mundo social, a aplicação da

variação. Além disso, outros elementos deveriam ser percebidos pelo aluno, no caso a

Page 43: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

42

existência e a diferença de constantes e de variáveis e, ainda, uma possível restrição do

intervalo de variação.

Figura 3 – Reconhecendo a variação em problemas.

Fonte: A autora.

Diante do que foi exposto, em sintonia com uma das recomendações didáticas

apresentadas por Sierpinska (1992) e na percepção do aluno em relação aos problemas

propostos vinculados a questões práticas do mundo social, destaca-se o papel da motivação

para o estudo e para a compreensão de funções.

Os estudantes devem estar interessados em explicar as variações, procurar regularidades entre as variações e as relações entre elas como um problema digno de uma explicação científica. Eles deveriam ter oportunidades de usar o conhecimento sobre funções para explicar fenômenos de suas vidas diárias, vidas sociais e econômicas, ou sobre funções encontradas em outras ciências. Funções podem aparecer como modelos de certas relações que eles observam [...]. (SIERPINSKA, 1992, p. 57, tradução livre)23

Sierpinska (1992) afirma que, negando os dois atos citados anteriormente, ou seja,

se não consideramos que são condições necessárias para a compreensão de funções: i) o

reconhecimento que as variações encontradas no mundo circundante se consolidam em um

problema para se estudar, e ii) que a identificação das regularidades se constitui enquanto

uma forma de lidar com as variações; então nos colocamos frente ao obstáculo

epistemológico24 a seguir, o qual, devemos ultrapassar.

23 Texto na língua original: “Students must be interested in explaining changes, finding regularities among changes; they should perceive changes and relationships between them as a problem worthy of a scientific explanation. They should be given opportunities to use knowledge about functions in explaining phenomena of their everyday lives, social and economic lives, or about functions encountered in other sciences. Functions may appear as models of certain relationships that they observe. 24 O obstáculo que não é exclusivo nosso ou de certo número de pessoas é chamado, segundo Sierpinska (1992), de obstáculo epistemológico.

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43

• (Uma filosofia da matemática) Matemática não está preocupada com problemas

práticos.

Utilizando-se de problemas vinculados ao mundo social, no qual o aluno está

inserido mais ou menos intensamente, mostrará a matemática aplicada a situações práticas,

favorecendo as condições supracitadas.

Além disso, a apresentação de conceitos prontos pode não se mostrar eficaz em

outros momentos e, por isso, conforme Sierpinska (1992), o contato com o conceito de

função deveria se dar antes da apresentação de modelos funcionais e de definições prontas.

Sobre isso, Sierpinska (1992, p. 32)25 referencia que “os estudantes devem tornar-se

interessados na variabilidade e na busca por regularidades antes que os exemplos de bem

comportadas funções elementares de matemática e as definições sejam introduzidas em

sala de aula”.

A autora, ao assumir que a significação de um conceito está presente nos problemas

que o originaram, menciona que dever-se-ia buscar tais problemas ou situações para, a

partir da sua resolução, os alunos desenvolverem uma compreensão de sua significação.

Por conseguinte, as funções em sua forma analítica deveriam ser apresentadas aos alunos

como modelos de relações em situações vinculadas ao seu mundo social, conectadas com a

forma de sua origem. Sierpinska (1992, p. 32, tradução livre) ainda afirma que alguns

livros didáticos até as apresentariam dessa maneira, mas comumente apresentam as

relações entre grandezas como “meras ilustrações de funções matemáticas”. Decorre então

que,

funções na forma analítica deveriam primeiro aparecer como uma ferramenta para modelar certas situações, seja na vida real ou na ciência. A apresentação da situação real necessita não ser idealizada a ponto de tornar a construção do modelo um simples exercício direto com uma única resposta. A escolha do modelo deveria estar sujeita a uma discussão em classe. (SIERPINSKA, 1992, p. 67, tradução livre)26

25 Texto na língua original: “Students must become interested in variability and search for regularities before examples of well-behaved mathematical elementary functions and definitions are introduced in the classroom”. 26 Texto na língua original: “Functions in analytic form should first appear as tools in modelling certain situations whether in real life or science. Presentation of the real situation need not be idealized to the point of turning the construction of the model into a simple straightforward exercise with a unique answer. The choice of the model should be subject to discussion in class”.

Page 45: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

44

Outra dificuldade na aprendizagem do conceito de função, apontada pela autora,

relaciona-se com a interpretação de uma situação, onde o aluno não identifica os valores

variáveis presentes nela. Eles tendem a se concentrar na variação, no comportamento do

fenômeno e não a analisam de forma a perceber os objetos variáveis. Ainda, de acordo com

Sierpinska (1992), a não identificação das variáveis pertinentes pode promover

dificuldades ao resolver problemas. Estamos, então, frente a mais um ato de compreensão e

ao obstáculo epistemológico relacionado, respectivamente:

• Identificação dos indivíduos das variações no seu estudo;

• (Esquema inconsciente do pensamento) Relativo às variações como fenômenos;

concentrando-se em como as coisas variam, ignorando o que varia.

Considerando a relevância da diferenciação dos objetos que são variáveis da forma

como estes variam para a compreensão do conceito de função, destacamos, neste

momento, problemas semelhantes ao apresentado na figura 4, que se relacionam com os

utilizados em nossa pesquisa. Nesse problema, temos elementos básicos necessários para a

introdução de conceitos relacionados à variação: o quê e como varia. Com uma proposta

mais aberta, o aluno será levado a refletir sobre as diferentes quantias a serem pagas neste

boleto, de acordo com o contexto27 por ele considerado, percebendo a relação entre o valor

a ser pago e a quantidade de dias em atraso. Em tal problema, há duas grandezas variando

– valor pago e dias em atraso – sendo a primeira dependente da segunda, destacando os

objetos variáveis. A percepção da variação ocorrerá quando o aluno considerar que a

quantidade de dias pode variar, o que consequentemente gera variados valores a serem

pagos.

Ao tomar consciência dos conceitos relacionados à variação, de acordo com

Sierpinska (1992), o aluno poderá compreender melhor o conceito de função, o que vem a

auxiliá-lo em diferentes representações desta, sendo desejável enfatizar a importância tanto

da percepção como da verbalização dos contextos das variáveis, em que o estudante

consegue identificar “não só como variam, mas também o que varia” (SIERPINSKA,

1992, p. 57, tradução livre, destaque do autor).

27 Observe que a formulação do problema permite ao aluno considerar o pagamento em atraso ou no prazo e, dependendo do contexto por ele escolhido, analisar e apontar as variações no valor a ser pago.

Page 46: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

45

Figura 4 – Diferenciando variáveis e variação

Fonte: A autora.

Ainda em relação às variáveis, de acordo com Wagner e Parker (1993, apud

BOTTA, 2010), pesquisas apontam que os estudantes podem não compreender a

flexibilidade dos símbolos. Também mostram que as primeiras impressões desses

aprendizes acerca das variáveis poderiam influenciar essa compreensão, impedindo-os de

construir um conceito geral.

É fato conhecido que os alunos, em seu primeiro contato com a álgebra, estão

expostos a situações recorrentes para a determinação de um valor desconhecido. Dessa

forma, mesmo quando se trata de expressões algébricas, segundo Abrantes, Serrazina e

Oliveira (1999), existe uma forte tendência a se determinar o valor da letra nela presente,

em decorrência das experiências prévias do aluno com situações semelhantes à de uma

equação, e não da ideia de variação. Diante do exposto, destacamos outro fator importante

presente, por exemplo, no problema da figura 4, que é a possibilidade de distinção dos

valores constantes das variáveis, assim como de valores conhecidos e de desconhecidos.

Dessa forma, consideramos mais uma vez a importância dos problemas para que os

alunos, com o tempo, consolidem os conceitos tanto de variável como de valores

Page 47: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

46

constantes, conseguindo identificar dentro do contexto a significação de cada um. A

compreensão da distinção entre incógnitas e variáveis não é tarefa fácil para os alunos e

deverá acontecer no momento em que eles estejam envolvidos na resolução dos problemas.

Isto posto, evidenciamos o último ato de compreensão e de obstáculo epistemológico,

respectivamente, a serem considerados neste estudo, a saber:

• Discernimento entre dois modos do pensamento matemático: um em termos de

quantidades conhecidas e desconhecidas; o outro, em termos de quantidades de

variáveis e de constantes.

• (Esquema inconsciente do pensamento) Pensar em termos de equações e de

incógnitas a serem extraídas delas.

A diferença entre esses dois modos de pensar, segundo Sierpinska (1992), marcou o

século XVIII, constituindo um ato de compreensão na comunidade matemática. Isso

porque uma nova forma de pensar passa a ser considerada como um novo método dentro

de tal área, distinto do que era então utilizado. Nestes dois modos de pensar, alguns objetos

podem ser comuns a eles. No entanto, a autora afirma que, devido ao enfoque dado a cada

um, uma função de utilização diferente será atribuída.

De acordo com Sierpinska (1992) os alunos precisam fazer uma transição para

compreender a distinção mencionada, pois sua experiência, antes de iniciar o estudo com

funções, perpassa apenas por quantidades dadas e conhecidas. É comum, ao se deparar

com uma situação para resolver, o estudante pensar e propor a solução envolta nos

conceitos que para ele se apresentem mais fortemente arraigados, nesse caso as equações.

A pesquisa não encerra a discussão sobre os conceitos ou sobre as noções básicas

necessárias para a compreensão do conceito de função. Apresentamos, nesta seção, as

ideias que consideramos, no momento, em concordância com a nossa proposta e que

julgamos importantes para a aprendizagem do conteúdo aqui discutido. Em relevo,

colocamos os atos de compreensão pertinentes à proposta, ou seja, relacionados à

introdução do conceito de função, mas entendemos que os demais atos apresentados por

Sierpinska (1992) estão vinculados ao estudo de função e que em momento oportuno

devem ser considerados.

Page 48: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

47

CAPÍTULO 2

A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

Resolver um problema é encontrar um caminho onde não era conhecido previamente caminho algum, encontrar uma maneira de sair de uma dificuldade, de superar um obstáculo, atingir o objetivo pretendido, que não estão imediatamente conseguidos, utilizando os meios adequados.

George Polya

Ao longo do tempo, discussões sobre o ensino de Matemática envolveram

propostas de diferentes formas de trabalho para que melhores resultados na aprendizagem

dos alunos fossem alcançados. No início do século XX, tínhamos um ensino embasado na

repetição, caracterizado principalmente pela memorização de fatos, o que, segundo

Schoenfeld (1996), relacionado com os currículos matemáticos, contribuiu para que a

maioria dos estudantes não compreendessem conceitos ou técnicas de aplicação.

Na década de 1920, no Brasil, num contexto envolto em mudanças políticas e

sociais, realizaram-se reformas no ensino referentes à educação primária e à formação dos

professores. Tais mudanças estavam embasadas em um movimento pedagógico

denominado Escola Nova, que contemplava duas ideias fundamentais, segundo Miorim

(1998), o princípio da atividade e o princípio de introduzir na escola situações da vida real,

refletindo mudanças no ensino, principalmente na abordagem da matemática. No entanto,

ainda segundo a autora, esse movimento de renovação não alcançou tão logo o ensino

secundário, e este segmento continuava imerso “num ensino livresco, sem relação com a

vida do aluno, baseado na memorização e na assimilação passiva dos conteúdos” (p. 90).

Com a Reforma de Francisco Campos, por volta de 1931, tem-se a introdução das

ideias modernizadoras, ampliadas ao nível secundário. Gomes (2012) menciona que a

disciplina Matemática, nessa reforma, extrapolando uma enumeração de conteúdos que

deveriam ser ensinados, expusera finalidades para tal ensino. Essa proposta destacava um

ensino orientado segundo o desenvolvimento mental do aluno, enfatizando os seus

interesses, a descoberta e a não memorização. Contudo, em meio a dificultadores, a

reforma enfrentou resistência por parte dos professores, sendo amplamente criticada,

seguida, então, pela Reforma de Capanema.

Page 49: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

48

Essas propostas não resultariam na melhoria da aprendizagem dos alunos, pelo

menos não da forma como elas se estabeleceram, já que, em muitas vezes, o que acontecia

na prática divergia da proposta inicial. De acordo com Onuchic e Allevato (2012), essas

duas formas de ensino, a apoiada na repetição e na memorização, e a que orientava que o

aluno deveria aprender com compreensão, não alcançaram êxito quanto à aprendizagem

dos estudantes. Alguns alunos aprendiam de acordo com as expectativas, mas a maioria

não. Tem-se, então, nessa época, um prelúdio de uma discussão acerca da resolução de

problemas, que seria retomada apenas anos mais tarde.

De acordo com Gomes (2012), a partir da década de 1950, a educação no Brasil

defronta-se com modificações provenientes de fatores diversos, destacando-se as condições

econômicas, sociais e culturais. Com isso, as disciplinas escolares, em particular a

Matemática, iniciaram um processo de mudança. Tem-se, ainda, nessa mesma época, a

realização dos primeiros Congressos Nacionais de Ensino no Brasil, contando com a

participação de professores.

Nesse momento, há um engajamento no movimento internacional de reformulação

e de modernização do currículo escolar, conhecido como Movimento da Matemática

Moderna (MMM), passando o ensino de Matemática no Brasil, nas décadas de 1960 e

1970, por ele a ser influenciado. Onuchic e Allevato (2012) apontam para a não

participação dos professores de sala de aula nessa reforma, assim como em outras. A

matemática apresentada se apoiava em estrutura lógica, algebrista, enfatizando a teoria dos

conjuntos. Acentuava-se, ainda segundo as autoras, um excesso de formalização que

distanciava o ensino das questões práticas.

Concomitantemente a isso, as investigações sobre a Resolução de Problemas e

sobre as suas influências no ensino e na aprendizagem de Matemática tiveram início no

começo da década de 70. Segundo Onuchic e Allevato (2012), a partir daí os educadores

matemáticos passariam a considerar com mais atenção o desenvolvimento da capacidade

de resolver problemas. Segundo as autoras,

a caracterização da Educação Matemática, em termos de Resolução de Problemas, reflete uma tendência de reação a caracterizações passadas, que a configuravam como um conjunto de fatos, como o domínio de procedimentos algorítmicos ou como um conhecimento a ser obtido por rotina ou por exercício mental. (ONUCHIC; ALLEVATO, 2012, p. 234)

Page 50: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

49

Schoenfeld (1996, p. 63) afirma que, no final dos anos 70, “era quase impossível

localizar a resolução de problemas como um aspecto identificável dos currículos”. Um

exemplo citado pelo autor foi quando, em 1978, sugere a comissão do programa do

Internacional Congress on Mathematical Education (ICME-428) que sessões acerca da

resolução de problemas fossem incorporadas na edição seguinte, que aconteceria em 1980

nos Estados Unidos, ficando perplexo ao receber o programa e encontrar uma única sessão

dedicada a este tópico, indicada como “aspectos pouco usuais do currículo”

(SCHOENFELD, 1996, p. 63).

Entretanto, na década de 1980, a Resolução de Problemas emerge, começando a

fazer parte das discussões de grupos internacionais preocupados com o currículo, o ensino

e aprendizagem de Matemática. Ainda em 1980, o National Council of Teachers of

Mathematics (NCTM29) declarou que Resolução de Problemas “devia ser o foco da

Matemática escolar” (SCHOENFELD, 1996, p. 64) para aquela década.

Nesse momento, tínhamos mundialmente declarações semelhantes às do NCTM,

sendo redescoberto George Polya, e assim cresceu significativamente a resolução de

problemas nos anos 1980. Tem-se, então, no ano de 1984, no ICME-5 na Austrália, a

Resolução de Problemas como um dos temas mais importantes. De acordo com Onuchic e

Allevato (2012, p. 235), durante essa década, materiais como “coleções de problemas,

listas de estratégias, sugestões de atividades e orientações para avaliar o desempenho em

Resolução de Problemas” foram desenvolvidos e passariam a auxiliar os professores a

alcançarem o objetivo de colocar esse aspecto como ponto central de seu trabalho.

Contudo, houve uma diversidade de ideias no que tange à Resolução de Problemas,

como citado por Stanic e Kilpatrick (1989, p. 1). Esse termo se “transformou num slogan

englobando diferentes visões da educação, da escolaridade, da Matemática e das razões

porque devemos ensinar Matemática em geral e resolução de problemas em particular”. No

documento elaborado pelo NCTM, essa questão se exemplifica, segundo esses autores, ao

ser caracterizada como uma das dez áreas de capacidades básicas, não havendo uma ideia

clara do que é resolução de problemas e do porquê fazê-la.

Sobre isto, Schoenfeld (1996) explica que

28 O Internacional Congress on Mathematical Education (ICME) é realizado a cada quatro anos, com o apoio da International Commission on Mathematical Instruction (ICMI). Tendo como objetivo apresentar as tendências atuais na pesquisa em educação matemática e na prática do ensino da Matemática nos diversos níveis, teve sua primeira edição no ano de 1969, em Lyon, na França. 29 O National Council of Teachers of Mathematics (NCTM) é uma organização profissional nos EUA, sem fins lucrativos. Conta com mais de 125.000 associados e é a principal organização para professores de Matemática desde K-12 (Pré-primário-Escola Secundária). (ONUCHIC; ALLEVATO, 2012, p. 235)

Page 51: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

50

muito do que passava por resolução de problemas nos anos 80 era superficial. Consistindo em ideias para a resolução de problemas de tipo truque, ou em métodos rotineiros de resolução para problemas de história elementares. Tais práticas podem ser mais valiosas que o exercício e a prática da tabuada, mas não muito mais. Há muito mais na resolução de problemas do que isso – e muito mais na Matemática do que a resolução de problemas que outras pessoas te dão para resolver. (SCHOENFELD, 1996, p. 64)

Onuchic (1999 apud ONUCHIC; ALLEVATO, 2012, p. 235) aponta, a respeito da

década 1980, que possivelmente “devido a uma falta de concordância entre as diferentes

concepções que pessoas e grupos tinham sobre o significado de Resolução de Problemas

ser o foco da Matemática escolar para os anos 80, o trabalho dessa década não chegou a

um bom termo”. Com a tomada de consciência das dificuldades enfrentadas no ensino de

matemática durante esse período, nos EUA, o NCTM publicou uma série de documentos,

os Standards: Curriculum and Evaluation Standards for School Mathematics (1989),

Professional Standards for Teaching Mathematics (1991) e Assessment Standards for

School Mathematics (1995).

A premissa dessa iniciativa era que esses documentos envolveriam a comunidade

escolar e acadêmica em prol da melhoria dos currículos matemáticos. Segundo Onuchic e

Allevato (2012), o primeiro documento, Curriculum and Evaluation Standards for School

Mathematics, descrevia o que os estudantes deveriam saber ou serem capazes de fazer, era

destinado àqueles que diretamente poderiam agir sobre os currículos. O segundo,

Professional Standards for Teaching Mathematics, destinado aos professores, apresentava

maneiras para a estruturação das atividades em suas aulas. E, por fim, o terceiro

documento, Assessment Standards for School Mathematics, continha princípios em que os

educadores poderiam se apoiar para construir novas estratégias e práticas de avaliação.

Decorridos alguns anos, a partir das críticas e das sugestões acerca das ideias defendidas

nesses Standards, em abril de 2000, o NCTM publicou os Principles and Standards for

School Mathematics, conhecido como os Standards 2000.

Ainda segundo as autoras, os Standards 2000, além de listarem princípios que se

relacionavam aos programas de ensino, apresentavam padrões de conteúdo, explicitando

quais deles os estudantes deveriam aprender, além de padrões de processos, que

destacavam meios de se adquirir e de se utilizar os conhecimentos referentes aos conteúdos

programáticos. Dentre os padrões de processos sugeridos, estava a resolução de problemas.

Page 52: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

51

Embasados nas ideias dos Standards, foram desenvolvidos, no Brasil, os

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que orientam e explicitam a prática escolar nas

diversas disciplinas. Em matemática, eles propõem objetivos que evidenciam a sua

importância como instrumentalização para compreensão do mundo, estimulando o

desenvolvimento nos alunos “do interesse, da curiosidade, do espírito de investigação e da

capacidade para resolver problemas” (BRASIL, 1998, p. 15). A resolução de problemas é

indicada como ponto de partida da atividade matemática e, além disso, os PCN discutem

caminhos para fazer Matemática em sala de aula, acreditando que, a partir de situações

desafiadoras, na tentativa de resolvê-las, o conhecimento matemático passa a ter

significado para o aluno.

Considerando, segundo Stanic e Kilpatrick (1989), que os problemas estão

presentes na vida cotidiana desde a Antiguidade, neste momento se faz necessário analisar

a razão pela qual eles constituem ferramentas importantes para o ensino e a aprendizagem,

além de refletir sobre a maneira que as aulas devem ser conduzidas. Ao longo do tempo, a

ênfase dada à resolução de problemas esteve sob variados enfoques, como veremos na

seção 2.1, sendo que um desses enfoques, observado ainda nos tempos atuais, traz a

resolução de problemas, segundo os PCN (1998), como uma aplicação de conceitos

aprendidos anteriormente. De fato, de acordo com os PCN,

a prática mais frequente consiste em ensinar um conceito, procedimento ou técnica e depois apresentar um problema para avaliar se os alunos são capazes de empregar o que lhes foi ensinado. Para a grande maioria dos alunos, resolver um problema significa fazer cálculos com os números do enunciado ou aplicar algo que aprenderam nas aulas. Desse modo, o que o professor explora na atividade matemática não é mais a atividade, ela mesma, mas seus resultados, definições, técnicas e demonstrações. (BRASIL, 1998, p. 40)

Diante do que foi exposto, consideramos necessário entender as concepções que se

entrelaçam à resolução de problemas, bem como identificar o que as caracterizam como

relevante para o ensino de matemática. Para isto, na próxima seção, trataremos dos

diferentes temas que envolveram a resolução de problemas ao longo do tempo, situando o

que, para esta pesquisa, consideramos fundamental.

Page 53: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

52

2.1 CONCEPÇÕES EM RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

Em consonância ao exposto na seção anterior e assumindo a variedade de

concepções a respeito da resolução de problemas e de sua finalidade nos currículos

matemáticos ao longo do tempo, propomos, neste momento, examinar algumas destas

concepções. A partir do que foi exposto por alguns estudiosos, objetivamos formular o

nosso entendimento acerca da resolução de problemas, relacionando-o à nossa pesquisa.

A resolução de problemas sempre esteve presente no ensino de matemática, o que

precisamos observar é a mudança conquanto sutil, ao longo dos anos, na forma de utilizá-la

em favor da aprendizagem dos alunos, uma mudança em relação a sua finalidade para o

ensino. D’Ambrosio (2008) afirma que, durante o século XIX, os problemas eram

utilizados como aplicação de princípios aprendidos, e faz uma referência a um autor de

livro texto que reproduzimos a seguir. Tal autor menciona que “o aluno nunca terá que

aplicar nenhuma operação que não tenha sido explicada” (RAY, 1856 apud

D’AMBROSIO, 2008, p. 1). Segundo D’Ambrosio (2008), mesmo com as percepções

distintas do papel da resolução de problemas no ensino de matemática, essa visão ainda era

predominante.

A concepção supracitada de resolução de problemas, conforme D’Ambrosio (2003

apud BOTTA, 2010), é utilizada com o intuito de treino, de aplicação das técnicas e de

procedimentos que foram ensinados pelo professor ou apresentados nos livros. Apenas em

alguns momentos o emprego da resolução de problemas com essa finalidade pode ter o seu

valor, oferecendo contribuições positivas à aprendizagem. No entanto, o que buscamos em

nossa pesquisa está além dessa utilização, dado que compartilhamos, com alguns autores

(por exemplo: Polya (1985), Van de Walle (2001), Onuchic e Allevato (2012), Allevato e

Onuchic (2014)), a importância da resolução de problemas como um meio para construir

conceitos, no nosso caso em particular o conceito de função. E, ainda, através do uso de

tais conceitos, conforme Dewey (1959), podemos elevá-los à significação.

Em um estudo das perspectivas da resolução dos problemas, Stanic e Kilpatrick

(1989) nos oferecem uma análise dos currículos matemáticos desde a Antiguidade até o

início do século XX. Nesse estudo, os autores caracterizam o papel da resolução de

problemas sob três perspectivas, a saber: como contexto, como capacidade e como arte.

Page 54: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

53

Na perspectiva da resolução de problemas como contexto, temos, segundo os

autores, a ideia de que ela e os problemas são meios para se atingir algum propósito.

Destacam-se dentro desta perspectiva cinco formas distintas de seleção e de exposição dos

problemas, que variam de acordo com os seus objetivos, cujas características apresentamos

a seguir.

i. Resolução de problemas como justificação – Incorporação de alguns

problemas relacionados ao mundo real como forma de convencer alunos e

professores sobre a importância da Matemática. Além disto, utilizam-se tais

problemas como justificativa para ensiná-la.

ii. Resolução de problemas como motivação – Relacionada com a forma

anterior, em que os problemas justificavam a Matemática que era ensinada,

tem-se refinada a busca por problemas, com o intuito de aguçar o interesse

dos alunos.

iii. Resolução de problemas como atividade lúdica – Uma relação sutil pode ser

observada com os problemas da motivação, visto que o interesse dos alunos

está presente em ambos, porém “os problemas são fornecidos não tanto para

motivar os alunos a aprender, mas para lhes permitir ter algum divertimento

com a Matemática que eles já aprenderam” (STANIC; KILPATRICK, 1989,

p. 13).

iv. Resolução de problemas como veículo – Os problemas são utilizados como

formas de aprender novos conceitos ou técnicas, diferindo de outros casos

que serviam como motivadores de instrução direta. “Os métodos de

descoberta refletem em parte a ideia de que a resolução de problemas pode

ser um veículo para a aprendizagem de novos conceitos e técnicas”

(STANIC; KILPATRICK, 1989, p. 13).

v. Resolução de problemas como prática – Os problemas são utilizados como

forma de praticar conceitos que foram ensinados diretamente, tendo a maior

influência nos currículos de matemática.

Na segunda perspectiva mencionada pelos autores, encontra-se em destaque o

desenvolvimento da capacidade de resolver problemas por parte dos estudantes. De acordo

com Stanic e Kilpatrick (1989, p.13), enquanto capacidade, “tornou-se dominante para

Page 55: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

54

aqueles que veem a resolução de problemas como uma valiosa finalidade curricular,

merecendo especial atenção, em vez de simplesmente um meio para atingir outros fins

[...]”.

No entanto, ainda segundo os autores, essa perspectiva promoveria algumas

consequências para o papel da resolução de problemas no currículo. Uma delas está

relacionada às distinções hierárquicas da resolução de problemas rotineiros e não

rotineiros30, uma vez que é considerada para o desenvolvimento do de segundo tipo a

resolução dos de primeiro tipo e, antes deles, o conhecimento de conceitos básicos de

matemática. Conforme Stanic e Kilpatrick (1989, p. 15), “essa visão adia a introdução de

problemas não rotineiros e, como resultado, apenas alguns alunos, por terem conseguido

dominar os pré-requisitos, chegam a ser expostos a tais problemas”. Por conseguinte,

veem-se neste tema poucos alunos conseguindo chegar a um nível elevado na resolução de

problemas, que diz respeito aos do tipo não rotineiros.

Enfim, a terceira perspectiva, a resolução de problemas como arte, é considerada

por esses autores como “uma visão mais profunda e compreensiva da resolução de

problemas nos currículos escolares de Matemática” (STANIC; KILPATRICK, 1989, p.

15). Esta perspectiva emergiu do trabalho de George Polya, matemático que reviveu a arte

da descoberta (heurística) e considerava como principal objetivo da educação o

desenvolvimento da inteligência, ou seja, por meio dela, é possível ensinar os jovens a

pensar.

De acordo com Stanic e Kilpatrick (1989, p. 15),

a experiência de Polya como matemático levou-o a concluir que a face acabada da Matemática, apresentada dedutivamente em revistas matemáticas e em manuais escolares, não fazia justiça a este assunto. A Matemática acabada requer raciocínio demonstrativo, enquanto fazer Matemática requer raciocínio plausível.

Na perspectiva da resolução de problemas como arte, a compreensão ocupará um

lugar de destaque em detrimento da mecanização. No entanto, conforme Stanic e

30 Na diversidade dos problemas, Polya (1985) destaca ser, para o professor, a diferença existente entre problemas rotineiros e não rotineiros o ponto mais importante. Segundo esse autor, “o problema que não se resolve por rotina exige um certo grau de criação e originalidade por parte do aluno, enquanto o problema de rotina não exige nada disso” (POLYA, 1985, p. XX). Como problemas rotineiros, Polya (1985) cita, por exemplo, aqueles que exigiriam a aplicação de uma regra conhecida, o que lhe permitiria apenas a prática da mesma. Já os problemas não rotineiros, estariam imbuídos da descoberta, podendo contribuir para o desenvolvimento intelectual do aluno.

Page 56: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

55

Kilpatrick (1989), para Polya, a resolução de problemas por si só não conduziria ao nível

desejado, sendo importante a orientação para um melhor aproveitamento, isto é, trata-se de

reconhecer que o professor é fundamental. Assim, ele deveria discutir com os alunos e

praticar de forma a se compreender as técnicas de resolução de problemas e não

simplesmente mecanizá-las. E ainda,

só um professor sensível pode estabelecer o tipo correto de problemas para uma dada aula e promover a quantidade de ajuda apropriada. Porque ensinar também é uma arte, ninguém pode programar ou mecanizar o ensino da resolução de problemas; ela permanece uma atividade humana que requer experiência, gosto e julgamento. (STANIC; KILPATRICK, 1989, p. 17)

Em relação a essa perspectiva, Stanic e Kilpatrick (1989) ressaltam que sua

utilização nos currículos de matemática é a mais promissora, mesmo que exista a

dificuldade na execução em salas de aula.

De forma análoga, os autores Schroeder e Lester (1989 apud ONUCHIC;

ALLEVATO, 2012, p. 235) apresentam três abordagens distintas ao se referirem ao tema

aqui discutido: ensinar sobre resolução de problemas, ensinar para resolver problemas e

ensinar através da resolução de problemas. Na prática, essas abordagens se superpõem,

acontecendo em várias combinações e sequências, embora os autores apontem que estas

três concepções possam ser separadas, dando mais ênfase a uma ou a outra.

A abordagem que visa a ensinar sobre resolução de problemas tem como objetivo

dentro do currículo matemático levar os alunos a esse fim. Deste modo, as estratégias

seriam ressaltadas e uma preocupação em ensiná-las estaria presente. Nessa abordagem,

segundo Allevato (2005, p.37), a resolução de problemas é concebida “como um novo

conteúdo”.

Com relação ao enfoque ensinar para resolver problemas, segundo Schroeder e

Lester (1989 apud BOTTA, 2010, p. 34), “o professor se concentra na maneira pela qual a

matemática que está sendo ensinada pode ser aplicada na resolução de problemas”. Nesse

contexto, preocupa-se com a utilização e com a aplicação da matemática que está sendo

ensinada e, consequentemente, aprendida. Além disso, “o professor preocupa-se com a

habilidade dos estudantes em saber transferir o que aprendeu de um problema, inserido em

um certo contexto, para outros” (p. 34).

Contudo, de acordo com Allevato e Onuchic (2014), na abordagem ensinar para

resolver problemas, somente após o trabalho com a parte teórica de um tópico é que os

Page 57: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

56

professores proporiam problemas aos alunos. E, neste caso, as autoras apontam que “um

perigo dessa concepção é que ela configure a resolução de problemas como uma atividade

que os alunos só podem realizar após a introdução de um novo conceito, ou após o treino

de alguma habilidade ou de algum algoritmo” (ALLEVATO; ONUCHIC, 2014, p. 38).

Por fim, ainda segundo Schroeder e Lester (1989 apud BOTTA, 2010), na

abordagem de ensinar através da resolução de problemas, estes são considerados não só um

meio, mas o principal meio para o aprendizado da matemática. A partir de uma situação

problema, o ensino de um tópico é iniciado. Neste enfoque, a aprendizagem da matemática

é vista “como um movimento do concreto (um problema do mundo real que serve como

um exemplo da técnica ou conceito matemático) para o abstrato (uma representação

simbólica de uma classe de problemas, e técnicas para operar com esses símbolos)”

(SCHROEDER; LESTER, 1989 apud BOTTA, 2010, p. 34).

De acordo com Allevato e Onuchic (2014), essa abordagem se consolidou a partir

de vários trabalhos desenvolvidos pelo NCTM, culminando na publicação dos Standards

2000. E, em sintonia com esse movimento, os PCN “recomendam que a resolução de

problemas seja o ponto de partida para as atividades matemáticas em sala de aula, indo ao

encontro do que constitui o fundamento do ensino de Matemática através da resolução de

problemas” (ALLEVATO; ONUCHIC, 2014, p. 38).

Diante do exposto, entendemos que a atividade de resolver problemas envolvendo a

matemática inter-relaciona essas três vertentes, quais sejam: ensinar sobre a resolução de

problemas, ensinar para resolver problemas e ensinar através da resolução de problemas.

Entretanto o foco, em termos de objetivos educacionais, pode ser diferenciado por enfatizar

uma vertente mais do que as outras. Além disto, vale ressaltar que

[...] o ensino através da resolução de problemas não exclui as demais concepções, constituindo-se assim em uma abordagem mais completa e mais abrangente que as demais. Além disso, favorecendo um trabalho mais autônomo, o conhecimento construído fará mais sentido para o aluno. [...] Isso aumenta a confiança em suas próprias capacidades e, tanto por parte dos alunos como do professor, possibilita uma avaliação mais efetiva e individualizada, e consequente o realinhamento das atividades de ensino como um todo. (ALLEVATO, 2005, p. 61-62)

Com isso, a partir da abordagem de ensinar através da resolução de problemas,

pretende-se, nesta pesquisa, fazer uso de problemas que favoreçam aos estudantes

desenvolver uma compreensão de noções básicas do conceito de função. A aprendizagem

Page 58: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

57

será uma consequência e será construída a partir da proposta supracitada, de “problemas

que podem e devem ser dados de modo a engajar os alunos no ‘pensar sobre’ e no

desenvolvimento de Matemática importante que eles precisam aprender” (ONUCHIC;

ALLEVATO, 2012, p. 243).

De acordo com Stanic e Kilpatrick (1989), embora John Dewey não tenha utilizado

por vezes o termo resolução de problemas, esta “era essencial na sua visão sobre educação

e escola, [...] sendo designado [por ele], usualmente, de pensamento reflexivo” (STANIC;

KILPATRICK, 1989, p. 18, grifo do autor). Segundo os autores, as ideias de resolução de

problemas foram combinadas por Dewey, sendo ressaltadas como meio e como fim. E,

para ele, embora destacasse a importância da capacidade da resolução de problemas, esta

não era um fim dissociado da organização progressiva da matéria. Ainda de acordo com os

autores, para Dewey, essa era “um resultado direto do pensamento reflexivo” (STANIC;

KILPATRICK, 1989, p. 18).

Conforme D’Ambrosio (2008), para Dewey, a criança deveria enfrentar problemas

reais sem a preocupação sobre o acúmulo de regras e de procedimentos. Isto porque, de

acordo com Dewey (1959), regras, procedimentos ou técnicas podem ser inteligentemente

e não mecanicamente utilizados somente quando a inteligência do aluno fez parte de sua

aquisição, ou seja, apenas quando adquiridos por meio do pensamento reflexivo

(resolvendo situações problemáticas).

Para Dewey (1959), os problemas surgem de forma natural dentro da experiência.

A partir de tal perspectiva, ensinar e aprender estariam vinculados com o processo de

“reconstrução da experiência que conduz à progressiva organização da matéria, e a

reconstrução da experiência requer pensamento reflexivo (ou resolução de problemas)”

(STANIC; KILPATRICK, 1989, p. 19).

Instrução em matéria que não se relacione com qualquer problema já abordado na própria experiência do estudante, ou que não seja apresentado para resolver um problema é pior do que inútil para propósitos intelectuais. Na medida em que não entra em qualquer processo de reflexão, é desnecessária; mantém-se em mente como madeiras e escombros sem préstimos, é uma barreira, um obstáculo no caminho do pensamento efetivo quando o problema surge. (DEWEY, 1910 apud STANIC; KILPATRICK, 1989, p. 19)

Com isso, assumimos nesta pesquisa a Resolução de Problemas apoiados nas ideias

de John Dewey (1959) acerca do pensamento reflexivo, que ressalta a importância de se

Page 59: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

58

questionar como tratar o conteúdo curricular de forma que este funcione como matéria para

exame reflexivo, e não como um conhecimento pronto. Stanic e Kilpatrick (1989, p. 19)

afirmam que Dewey responde ao seu questionamento “dizendo que a informação

transmitida não deve ser alguma coisa que os alunos podem facilmente descobrir através

da sua própria inquirição direta; que a informação ‘deve ser fornecida por meio de

estímulos, não com finalidade e rigidez dogmática’, e que a informação deve ser relevante

para uma questão vital na própria experiência dos alunos”.

2.2 OS PROBLEMAS

Os problemas estão presentes desde os primórdios da nossa história. Stanic e

Kilpatrick (1989) apresentam alguns problemas que remontam há tempos antes de Cristo,

sendo relevante destacar “acerca destes exemplos, que é assumida uma visão muito estreita

[limitada] da aprendizagem da resolução de problemas” (p. 4). Assim, de posse do que foi

apresentado na seção anterior, parece-nos importante examinar e refletir sobre os conceitos

relacionados a problemas, uma vez que comungamos da concepção de Echeverría e Pozo

(1998, p. 13) de “que o termo problema pode fazer referência a situações muito diferentes,

em função do contexto no qual ocorrem e das características e expectativas das pessoas que

nelas se encontram”. A partir dessa ideia, revela-se a importância de se ter uma definição

clara do conceito e de se determinar em que medida um problema deve ser proposto aos

alunos, de acordo com a intenção da nossa pesquisa. Conscientes de que a concepção de

problema está relacionada à prática pedagógica, elencamos alguns autores para viabilizar

esta discussão.

Schoenfeld (1996, p. 69-70) utiliza problemas para iniciar discussões matemáticas,

e considera que estes “deveriam servir como introdução ao pensamento matemático”. O

autor ressalta a importância de os problemas que ele utiliza conterem quatro propriedades,

a saber: i) acessibilidade, ou seja, os problemas devem ser compreensíveis, sem a

necessidade de um vocabulário apurado; ii) possibilidade de variados caminhos para

resolução. Existe uma tendência dos alunos “a pensar que há só uma maneira de resolver

qualquer problema (usualmente o método de resolução que o professor acabou de mostrar

na classe)”. Assim, esta característica se destaca, visto que o principal é a compreensão,

Page 60: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

59

por parte dos alunos, das ligações, e não exclusivamente a obtenção de uma resposta. Tem-

se, então, o processo colocado em relevo; iii) introduzir ideias matemáticas; iv) servir para

explorações matemáticas, ou seja, problemas abertos que levem os alunos a fazer

Matemática.

Onuchic e Allevato (2012, p. 240) apresentam que, para Van de Walle (2001), “um

problema é definido como qualquer tarefa ou atividade para a qual os estudantes não

tenham métodos ou regras prescritas ou memorizadas, nem a percepção de que haja um

método específico para chegar à solução correta”, enquanto que, para estas autoras,

exprimindo suas ideias, um problema “é tudo aquilo que não sabemos fazer, mas que

estamos interessados em fazer”.

Devido à retomada das discussões do papel da Resolução de Problemas nos

currículos de Matemática, na década de 1980, fez-se notar um esforço que discutia

perspectivas sobre o que era um problema. Diante disso, Abrantes (1989) propõe uma

reflexão a partir, e sobre, o que é um problema, ou um bom problema, apresentando

benefícios, desvantagens e características de sete categorias31, exemplificando cada uma.

Nesse contexto, o autor assume a definição de Kantowski (1981), que distingue problema

de exercício. Este diz que “um problema é uma situação que difere de um exercício pelo

fato de o aluno não dispor de um procedimento ou algoritmo que conduzirá com certeza a

uma solução” (KANTOWSKI, 1981 apud ABRANTES, 1989, p. 3).

Segundo Abrantes (1989), a definição citada denotaria uma relatividade na noção

de problema, isso porque, dependendo dos conhecimentos prévios e gerais do aluno, o

exercício poderia tornar-se um problema, ou vice-versa. Para ilustrar esta situação, o autor

apresenta um exemplo que solicita a soma dos primeiros 100 números naturais. Neste caso,

se o aluno conhece a fórmula da soma dos termos de uma progressão aritmética, tem-se

meramente um exercício, mas poderia ser considerado um problema no caso do

desconhecimento dessa estratégia.

Para esse autor, os problemas mais interessantes são os denominados “problemas

da vida real” e as “situações problemáticas”, sendo eles praticamente ignorados no ensino

de Matemática. As características e as potencialidades dessas categorias, que não são

encontradas nas demais citadas pelo autor, podem tornar, pela sua ausência, “a experiência

31 Essa discussão encontra-se no artigo Um (bom) problema (não) é (só) de Abrantes (1989). O autor, discutindo acerca de problemas, classifica-os em sete categorias, a saber: exercício, problemas de palavras ou para equacionar, problemas para demonstrar, problemas para descobrir (Eureka!), problemas da vida real, situações problemáticas e situações (ainda) não problemáticas.

Page 61: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

60

matemática dos alunos consideravelmente limitada e pouco significativa”. (ABRANTES,

1989, p. 9)

Nos problemas classificados como “da vida real”, não necessariamente tem-se

abordagem de situações do cotidiano do aluno ou de seus anseios para sua futura profissão.

Conforme o autor, esta classificação se utiliza da natureza do problema, ou ainda do que se

propõe ao aluno e do que este pode desenvolver. Considerando que se pode exigir variados

conhecimentos ou alguma experiência ao lidar com a matematização de situações gerais,

podendo gerar um desconforto, visto que não é uma tarefa fácil, mas complexa, para

determinado grupo de alunos, o autor aponta que

é possível encontrar sugestões de trabalho desse tipo adequadas à Matemática escolar. Abordar um problema como esse implica: criar ou adaptar um modelo matemático da situação; aplicar diversos métodos matemáticos a esse modelo; verificar a sua validade perante a situação concreta. (ABRANTES, 1989, p. 7)

Ainda segundo Abrantes (1989), nas “situações problemáticas”, não só existe a

exploração do contexto como ele próprio se apresenta problemático. Nesse caso, o

enunciado pode parecer vago permitindo várias interpretações. Haverá, ainda, nesse tipo de

abordagem, a elaboração do problema. Com o intuito de elucidar essa situação, trazemos o

exemplo citado por Abrantes (1989, p. 7), a saber: “o produto de três números inteiros

consecutivos é sempre um número par múltiplo de 3. Comentar a situação se substituirmos

produto por soma”. Destaca-se a expressão “comentar a situação se” que, de acordo com

Abrantes (1989), convidaria o aluno a gerar questões, conjecturar e, possivelmente, prova-

las.

A definição de bom problema, segundo Abrantes (1989, p. 9)

é uma noção relativa não só porque depende, como vimos, dos conhecimentos prévios de que o aluno dispõe mas também por outras razões de natureza educativa. Por um lado, é preciso que o aluno tenha interesse em resolvê-lo – como diz Polya (1981), só há um problema quando há uma dificuldade que se deseja vencer ou contornar. Por outro lado, há que ter em conta a variedade das experiências de aprendizagem proporcionadas ao aluno.

Echeverría e Pozo (1998) partem da definição de problema, assumida por Lester

(1983), que o apresenta como “uma situação que um indivíduo ou um grupo quer ou

precisa resolver e para o qual não dispõe de um caminho rápido e direto que o leve à

Page 62: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

61

solução” (LESTER, 1983 apud ECHEVERRÍA; POZO, 1998, p. 15). Em outras palavras,

os autores colocam que uma situação seria concebida como problema se aquele que se

encontrar diante dela a reconhece como tal e não dispõe de técnicas ou de procedimentos

imediatos que a solucionem sem exigir um processo de reflexão.

Os autores afirmam ainda que existem várias classificações de problemas

relacionadas às suas estruturas, com referência à área pertencente ou aos processos

inerentes à resolução, dentre outras características. Apresentam ainda duas classificações,

uma que se baseia nos predicados do sujeito e no que este mobiliza para resolver o

problema, a qual é embasada na escola Psicológica da Gestalt; já a outra, que se mostra

mais próxima da maioria das definições, enfatiza as características dos próprios problemas.

A primeira delas apresenta uma distinção entre o pensamento produtivo e o reprodutivo,

que se assemelha à diferença entre problema e exercício. Enquanto o “pensamento

produtivo consiste na produção de novas soluções a partir de uma organização ou

reorganização dos elementos do problema, o pensamento reprodutivo consiste na aplicação

de métodos já conhecidos”. (ECHEVERRÍA; POZO, 1998, p. 20)

Outra classificação apresentada pelos autores é a diferenciação entre problemas

bem definidos e mal definidos32. Entende-se por problemas bem definidos aqueles em que

estão claramente identificáveis os pontos de partida, de chegada e os vários caminhos para

a sua resolução, isto é, trata-se de sair de um ponto e alcançar o outro. Os autores apontam

que comumente os problemas de matemática escolar podem ser considerados como do tipo

bem definidos. Já um problema mal definido está caracterizado por possibilitar uma

infinidade de soluções, diferentes entre si, porém válidas dentro do contexto e da

interpretação dada. Um problema mal definido é aquele em que não se apresenta

claramente o ponto de partida ou mesmo os procedimentos necessários para a sua

resolução.

Diante do exposto, consideramos para a pesquisa em questão, a necessidade de

elaborar e de aplicar problemas de vários tipos, em virtude das diferenças entre os alunos.

Por comungarmos, com os autores ora apresentados, a ideia de que uma mesma situação

pode ser considerada como exercício ou problema, dependendo principalmente do sujeito

que, com ela, se depara. Além disso, é possível que os alunos necessitem de certo tempo

para se acostumarem aos problemas elaborados de forma aberta, pois, conforme Echeverría

e Pozo (1998, p. 17), 32 Ressaltamos que os termos “bem” e “mal” não estão empregados de forma a qualificar ou desqualificar os problemas, mas estão relacionados com a estrutura como eles se apresentam.

Page 63: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

62

os exercícios e os problemas exigem dos alunos a ativação de diversos tipos de conhecimento, não só de diferentes procedimentos mas também de diferentes atitudes, motivações e conceitos. Na medida em que sejam situações mais abertas ou novas, a resolução de problemas representa para o aluno uma demanda cognitiva e motivacional maior do que a execução de exercícios, pelo que, muitas vezes, os alunos não habituados a resolver problemas se mostram inicialmente reticentes e procuram reduzi-los a exercícios rotineiros.

Ademais, considerando que algumas definições apresentadas para problema nesta

pesquisa convergem ou se complementam, propomos a definição a seguir, ainda em

construção, embasada nas ideias apresentadas principalmente por Abrantes (1989),

Echeverría e Pozo (1998), Kantowski (1981), Onuchic e Allevato (2012) e Van de Walle

(2001). Problema se refere a toda situação em que nos encontramos, mas não possuímos

inicialmente de procedimentos que possam ser utilizados para a sua resolução. Nesse caso,

haverá a necessidade de reflexão, pois a situação problemática é considerada por nós a

partir de um contexto, possibilitando várias interpretações, as quais viabilizam o

desenvolvimento de estratégias ou a utilização de meios conhecidos para sua resolução.

Assumindo essa definição e os tipos de problemas citados por Schoenfeld (1996),

Abrantes (1989) e Echeverría e Pozo (1998), destacamos a convergência de características

relacionadas aos problemas abertos. Estes são definidos por Pehkonen (2003 apud

ALLEVATO, 2005, p. 44, grifo da autora) como problemas cuja “situação inicial ou

objetivo final (ou ambos), deixam ‘espaço’ para o resolvedor fazer escolhas”. Desta forma,

não encontraremos uma única solução, mas em conformidade com o contexto sugerido,

poderemos encontrar soluções distintas. Assim, ao elaborar um problema de forma aberta,

contribuiremos para que o aluno pense coisas além do que seria possível em problemas de

outra natureza, uma vez que esse tipo de abordagem visa a lhe proporcionar a

“oportunidade de vivenciar experiências de ensino onde ele possa encontrar algo novo no

processo” (SHIMADA, 1997 apud ALLEVATO, 2005, p. 44, grifo da autora).

Os problemas assim elaborados devem ser vistos como forma de desenvolver a

capacidade de discussão e de inferência dos alunos, que estão acostumados, de acordo com

Schoenfeld (1996), a buscar uma solução única e correta, pensando que há uma só maneira

de resolução. Nesses problemas, eles se deparam com a possibilidade e com a necessidade

de questionamento. Além disso, eles requerem mais do que simplesmente a memorização

de técnicas e de procedimentos. De acordo com Abrantes (1989, p. 7):

Page 64: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

63

A maneira «imprecisa» como o problema é enunciado não deve ser vista como uma fraqueza mas, pelo contrário, ela constitui uma forma realista de o apresentar. Aqui, é indispensável explorar o contexto do problema (incluindo os seus aspectos não matemáticos), obter informações que não são dadas à partida, formular com precisão novos problemas, proceder a algumas simplificações conscientes. Além disso, não existe uma solução única e as várias soluções aceitáveis nem sempre serão «rigorosas» mas sim aproximadas.

Outro ponto de convergência mencionado por Abrantes (1989) e Onuchic e

Allevato (2012) que merece destaque é o interesse dos alunos pelo problema e pela sua

resolução. A resolução destes, elaborados conforme definição anterior, exigirá, de acordo

com Polya (1985), certo esforço por parte do estudante. E este, ainda segundo o autor, só

se envolverá no processo de resolução se tiver razões para tal, sendo que “a melhor

motivação é o interesse pelo problema” (POLYA, 1985, p. 15).

Ainda de acordo com Polya (1985), com relação à promoção dessa motivação, dois

pontos devem ser observados: a escolha e a apresentação do problema para o aluno.

Quanto à escolha, o autor sugere atenção para que os problemas sejam interessantes ou

para que possamos torná-los atraentes. Nesse caso, “o problema deve ter sentido e ter um

propósito, do ponto de vista do aluno” (POLYA, 1985, p. 15), relacionado a coisas que

sejam naturalmente familiares a ele. Já em relação ao segundo ponto, Polya (1985, p. 15)

menciona que “uma boa apresentação evidencia relações com coisas familiares e torna

compreensível o objetivo”. Além disso, ao invés de apresentar um enunciado completo do

problema, como mencionado por outros autores (por exemplo: Echeverría e Pozo (1998)),

o professor deveria oferecer apenas sugestões, deixando aos alunos a responsabilidade de

sua formulação.

Page 65: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

64

CAPÍTULO 3

O PENSAMENTO EM JOHN DEWEY

Pessoas que pensam são cautelosas, não precipitadas; olham em torno, são circunspectas, não andam às cegas. Pesam, comparam, deliberam – termos que indicam que provas e sugestões são postas lado a lado, examinadas, processo de avaliação que ocorre a tais pessoas, desejosas de decidir a respeito da força e peso dos elementos à mão, perante seu problema.

John Dewey

Ao elaborarmos nossa proposta, tínhamos consciência da importância do

pensamento e do papel que este desenvolveria na execução das atividades. No entanto, “se

a ninguém se pode dizer como deverá respirar ou fazer o sangue circular, também não se

lhe pode dizer, de maneira exata, como deverá pensar” (DEWEY, 1959, p. 13, grifo do

autor). Mas, segundo este autor, se compreendermos as várias maneiras pelas quais

pensamos, poderemos mudar a nossa própria maneira a fim de nos tornarmos mais

eficientes. Assim, pretendemos discutir o que Dewey considerava eficaz nas formas de

pensar, buscando sua aplicação na condução da pesquisa. Esperamos incitar, junto aos

alunos, o desenvolvimento de tais modos de pensar.

Com este fim, neste capítulo, abordaremos ideias deweyanas, embasados em sua

obra Como Pensamos (1959), referente ao pensamento reflexivo no contexto de outros

tipos de pensamento, o método para a reflexão no pensamento reflexivo e a importância de

significação para a compreensão.

3.1 PENSAMENTO REFLEXIVO

Dewey (1959, p. 13) apresenta que a melhor maneira de se pensar é “a espécie de

pensamento que consiste em examinar mentalmente o assunto e dar-lhe consideração séria

e consecutiva”, denominada pensamento reflexivo, o qual procuramos desenvolver no

contexto em que se insere esta pesquisa. Ainda, segundo o autor, através deste pensamento,

Page 66: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

65

tornamo-nos capazes de conduzir nossas atividades de maneira planejada, objetivando

intencionalmente alcançar um propósito.

Dewey (1959) relata a existência de uma variedade de processos mentais que

recebem o nome de pensamento, dos quais ele descreve quatro. O primeiro processo, o

qual se denomina pensar, está associado ao curso desordenado de ideias que passa pela

cabeça, de maneira automática e desregrada. Neste processo, elas fluem ao acaso, não

tendo um problema a se resolver, tampouco a existência de uma inter-relação direcionada

entre uma ideia e outra.

O segundo processo ocorre quando sucedem representações, denominadas

pensamento, que se relacionam com a representação de algo que não está presente ou,

ainda, algo que não é diretamente percebido. Podendo as sugestões apresentadas, neste

processo, estarem relacionadas com a emoção, relacionando-o a algum quadro ou a uma

história. Um exemplo deste tipo de pensamento, citado por Dewey, são as histórias

imaginárias contadas por crianças, que quando conexas se assemelham ao pensamento

reflexivo, porém não estão atreladas a um propósito objetivo, que não apenas a diversão.

O terceiro processo do pensamento relaciona-se ao sentido de crença. Tratam-se, de

acordo com Dewey (1959), de pensamentos desenvolvidos inconscientemente,

considerados pré-conceitos, “isto é, pré-juízos, não conclusões alcançadas como resultado

da atividade mental pessoal, observação, coleta e exame de provas” (DEWEY, 1959, p.

17).

Por sua vez, o pensamento reflexivo apresenta características do primeiro processo,

por consistir em uma sucessão de coisas pensadas, contudo, neste, há uma corrente

ordenada de ideias. Segundo o autor,

a diferença é que não basta a mera sucessão irregular ‘disto ou daquilo’. A reflexão não é simplesmente uma sequência, mas uma consequência – uma ordem de tal modo consecutiva que cada ideia engendra a seguinte como seu efeito natural e, ao mesmo tempo, apoia-se na antecessora ou a esta se refere (DEWEY, 1959, p. 14, grifo do autor).

Em contraste com o segundo processo, em que o pensar está relacionado com as

representações de algo não diretamente percebido ou presente, o pensamento reflexivo traz

um propósito e um fim controlador. O curso do pensamento se encaminhará em busca de

uma conclusão. Dewey (1959, p. 16) apresenta que o elemento contrastante com o segundo

processo pode ser exemplificado pela seguinte frase: “Reflita, ache uma saída”, sugerindo

Page 67: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

66

“um emaranhado a ser desfeito, algo obscuro a ser esclarecido mediante a aplicação do

pensamento. Existe um alvo a ser atingido, que determina uma tarefa controladora da

sequência de ideias”.

Dewey (1959) aponta que, dos três processos, o terceiro seria capaz de envolver

uma realização intelectual e prática33, e, por conseguinte, requerer, em algum momento, a

investigação, a fim de verificar a base de sustentação de tal crença. E é neste ponto que o

pensamento reflexivo se apresenta, havendo a necessidade da pesquisa e de investigação.

Assim, segundo o autor,

o pensamento reflexivo faz um ativo, prolongado e cuidadoso exame de toda crença ou espécie hipotética de conhecimento, exame efetuado à luz dos argumentos que a apoiam e das conclusões a que chega. Qualquer das três primeiras categorias de pensamento pode produzir esse tipo; mas para firmar uma crença em sólida base de evidência e raciocínio, é necessário um esforço consciente e voluntário (DEWEY, 1959, p. 18).

Para ilustrar a ideia do pensamento reflexivo e destacar o fator, considerado por

Dewey como fundamental para o ato de pensar, reproduzimos a seguir um exemplo

utilizado por ele em seu livro Como Pensamos.

[...] Um homem está a passear em um dia quente. O céu mostrava-se claro a última vez que o observara, mas agora repara que, enquanto se distraía a contemplar outras coisas, o ar tornou-se mais frio. Ocorre-lhe pensar que provavelmente irá chover; fitando o céu, vê uma nuvem escura a tapar o sol e apressa, então, o passo (DEWEY, 1959, p. 19).

O autor sugere que essa seja uma situação semelhante à de quem, ao vislumbrar

uma nuvem, contempla um rosto, sendo envolvidos no pensamento, em ambos os casos, a

observação de um fato, seguido de mais algum ponto não observado. Para Dewey, ao

mesmo tempo em que existe uma semelhança nas duas situações, qual seja uma ideia

levando a outra, um fator de discordância tem lugar de destaque, e ele diferenciará um

pensamento de um pensamento reflexivo. No caso do rosto contemplado na nuvem, não

existe a crença nesta sugestão, não consideramos a sua existência, nem julgamos que a

33 Para clarificar essa condição, considere o exemplo a seguir, apresentado por Dewey (1959, p. 17-18, grifo do autor): “se alguém atribui a uma nuvem a forma de baleia ou camelo – uma ‘fantasia’ – não se segue que esse alguém pretenda cavalgar o camelo ou tirar óleo da baleia. Mas quando Colombo ‘pensou’ ser a Terra redonda, no sentido de ‘acreditou que assim era’, ele e seus companheiros foram impelidos a uma série de outras crenças e ações: a crenças sobre rotas para a Índia, sobre o que aconteceria se os navios alongassem rumo oeste, através do Atlântico [...]”.

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67

nuvem signifique um rosto, não havendo aí o pensamento reflexivo, ao passo que a chance

de chover é uma possibilidade aceitável, visto que o frio pode significar chuva. Segundo

Dewey (1959, p. 20), quanto ao exemplo da observação da nuvem, “ao ver um objeto,

damos de pensar, como se diz, em alguma outra coisa”; já no outro exemplo,

“consideramos a possibilidade e a natureza da conexão entre o objeto visto e o objeto

sugerido. O que se vê é admitido, de certo modo, como fundamento ou base da crença na

coisa sugerida; possui a natureza de uma prova”. E então tem-se o fator fundamental de

todo o ato de pensar reflexivo, que impulsionado pelo fato de uma coisa significar ou

indicar outra, leva-nos a um exame para constatar até que ponto esse aspecto pode ser

considerado para acreditarmos em outro.

Temos, por conseguinte, uma relação sutil entre o pensamento e o pensamento

reflexivo. Não existem, segundo Dewey (1959), delimitações nitidamente identificáveis

entre os processos mentais apresentados que possamos facilmente distingui-los.

Considerando, então, o fator fundamental do ato de pensar reflexivo, notemos que a

reflexão vai além de simplesmente perceber que uma coisa significa ou indica outra. Esta

tem início no momento que começamos a investigar, a “[...] verificar a validade e saber

qual a garantia de que os dados existentes realmente indicam a ideia sugerida de modo que

justifique aceitá-la” (DEWEY, 1959, p. 21). Ainda segundo Dewey (1959), na reflexão

tem-se subtendido que se crê em alguma coisa, sendo que esta crença estará associada à

outra que lhe servirá de prova, de evidência, fundamentando-a. Assim, temos que a

reflexão colocará a crença em suspenso até que, a partir de investigações, sejamos capazes

de elencar provas que a fundamentarão.

Dewey (1959, p. 22) aponta que o pensamento reflexivo, diferente dos outros

processos mentais, “[...] abrange: (1) um estado de dúvida, hesitação, perplexidade,

dificuldade mental, o qual origina o ato de pensar; e (2) um ato de pesquisa, procura,

inquirição, para encontrar material que resolva a dúvida, assente e esclareça a

perplexidade.” Neste primeiro momento apresentado, denominado pré-reflexivo, é

importante observar a necessidade de se ter um problema, aqui considerado de maneira

geral em um sentido amplo, sendo o gerador do ato de pensar. Segundo o autor, um

problema poderá causar um estado de confusão ou de dúvida, e uma ideia poderá ser

sugerida espontaneamente como solução por meio do pensamento, “é a origem da questão

a que a reflexão deverá responder” (DEWEY, 1959, p. 111). O ato que nos levará a tentar

explicar ou a identificar, tentando responder à questão que nos fora apresentada ou

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68

levantada, e ainda a verificar se a ideia sugerida era adequada, constitui o segundo

momento do pensamento reflexivo. Por fim, no momento em que temos a resolução da

situação indeterminada, chegando-se a uma crença, temos o que o autor denomina como

pós-reflexivo. Neste momento, a dúvida foi esvaecida, resultando em uma experiência de

satisfação. Dewey (1959, p. 24) relata que “a necessidade da solução de uma dúvida é o

fator básico e orientador em todo o mecanismo da reflexão, [...] sendo que a natureza do

problema a resolver determina o objetivo do pensamento e este objetivo orienta o processo

do ato de pensar”.

Dewey (1959) afirma que o pensamento é originado por alguma confusão ou

dúvida, existindo sempre algum evento que o ocasiona ou que o provoca. Em seguida, uma

sugestão para solucionar esta questão que se impõe é apresentada. Neste ponto em que

ainda não dispomos de dados suficientes para solucionar o problema, a experiência passada

se tornará essencial, visto que o que é sugerido como possível solução está associado a ela.

E, ainda, se estivermos familiarizados com a questão ou com questões semelhantes,

possivelmente as sugestões que surgirão serão mais eficientes. Contudo, se não tivermos

experiência que suporte resolver ou confrontar um problema, a confusão inicial continuará

a ser confusão. Dewey (1959, p. 25) menciona que “mesmo quando uma criança (ou um

adulto) se acha embaraçada com algum problema, é inteiramente inútil exortá-la a pensar a

respeito, quando ainda não possui experiência própria em condições apresentadas às

presentes”.

Assim,

quando surge uma situação que contenha uma dificuldade ou perplexidade, a pessoa que nela se encontra pode tomar um de diversos caminhos: contorná-la, desviando a atividade que a produziu, encaminhando-se para outra coisa; entregar-se a um voo de fantasia, imaginando-se poderosa ou opulenta, ou, de algum modo, senhora dos meios que a tornariam capaz de resolver a dificuldade; ou finalmente, enfrentá-la. Neste, ela começa a pensar (DEWEY, 1959, p. 107).

Há que se observar, porém, que mesmo que tenhamos um problema e que

estejamos envolvidos em alguma situação que nos causou o estado de confusão ou de

perplexidade mencionado por Dewey e, ainda, que tenhamos a experiência capaz de inferir

sugestões, poderemos não pensar reflexivamente, mesmo que tentemos investigar tais

sugestões. Isso porque, segundo o autor, pode-se exercer uma crítica insuficiente das ideias

sugeridas para a resolução da situação, ou ainda encaminhar para a conclusão da tarefa de

Page 70: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

69

forma precipitada, aceitando sem averiguação uma primeira ideia proposta. Dewey (1959)

ressalta a importância do estado da dúvida, colocando que a diferença entre o pensamento

reflexivo e o pensamento mal orientado34 sobressai no momento em que a verificação

(investigação) se apresenta.

Para pensar verdadeiramente bem, cumpre-nos estar dispostos a manter e prolongar esse estado de dúvida, que é o estímulo para uma investigação perfeita, na qual nenhuma ideia se aceite, nenhuma crença se afirme positivamente, sem que se lhes tenham descoberto as razões justificativas (DEWEY, 1959, p. 25).

Embora, segundo Dewey (1959), não existam exercícios para o treino do

pensamento, nem garantia que apenas o conhecimento de atitudes favoráveis seja

suficiente para garanti-lo, é importante para o seu desenvolvimento o querer empregar

estas atitudes. Considerando interdependentes o conhecimento dos métodos de

investigação, o desejo e a disposição para empregá-los e, por fim, a compreensão deles,

estes serão indispensáveis para que cultivemos atitudes que favoreçam o pensamento

reflexivo. Dewey (1959) menciona três atitudes importantes para o seu desenvolvimento,

quais sejam espírito aberto, de todo o coração ou interesse absorvido e responsabilidade de

enfrentar consequências.

A primeira atitude, espírito aberto, está definida pelo autor como uma forma

independente de preconceitos e de quaisquer hábitos que pudessem indispor a mente na

consideração ou na receptação de novos problemas e de novas ideias. Isso não trata,

porém, de passividade na recepção do sujeito com tal atitude. A essência desta é de estar

com o espírito sempre alerta, cultivando a curiosidade, à procura do que é novo. Com esta

atitude, o aluno se mostraria receptivo a novos problemas, estaria atento aos fatos, diretos

ou indiretos, não descartando de antemão nenhuma ideia.

A segunda, de todo o coração ou interesse absorvido, está relacionada com o

interesse em determinado objeto ou situação. Uma vez que tenhamos interesse em alguma

coisa, entregar-lhe-emos os nossos esforços com toda a dedicação e sem o status de

obrigação. O autor chama a atenção para um fator que implica negativamente no

pensamento eficiente (pensamento reflexivo), que é o interesse dividido, sendo este um

34 Pensamento mal orientado, desordenado ou não orientado, segundo Dewey (1959), é aquele contrário ao pensamento reflexivo. Para o autor, o pensamento precisa ser provocado e, mais do que isso, é preciso estar disposto a dar sequência à investigação e à pesquisa intelectual, o que nesse caso conduzirá ao pensamento reflexivo, enquanto no pensamento mal orientado, estas não estariam presentes.

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70

grande problema que ocorre frequentemente nas salas de aula. Neste caso, o aluno presta

atenção externa aos acontecimentos da sala e ao professor, enquanto o seu interesse íntimo,

seus pensamentos, estariam voltados a outros assuntos, em geral, os que lhe despertariam

mais interesse. Porém, se tivermos um aluno envolvido com o problema, absorvido, o

assunto o transportará. Uma vez interessados em alguma coisa, perguntas e sugestões se

apresentarão, quase que de prontidão, impulsionando o ato de pensar.

E, por fim, na responsabilidade de enfrentar consequências, encontramos, segundo

Dewey (1959, p. 40), “uma atitude necessária para a conquista de uma base adequada ao

desejo de novos pontos de vista e novas ideias, bem como para a conquista do entusiasmo

pela matéria, da capacidade de absorvê-la”. Ainda segundo o autor, uma pessoa

intelectualmente responsável irá examinar as consequências de um passo anteriormente

projetado, adotando-o quando se assemelhar a uma posição já tomada, consistindo, assim,

a coerência e a harmonia de uma crença. A responsabilidade se fará perceber no aluno,

quando este se percebe ativo no processo de aquisição de novos conhecimentos.

Apresentar assuntos muito distantes da sua experiência não favorece a aprendizagem

consciente, tornando os alunos irresponsáveis intelectualmente, visto que “não perguntam a

significação do que aprendem, isto é, não perguntam qual a diferença trazida pelo novo

conhecimento para as outras suas crenças e ações” (DEWEY, 1959, p. 41).

As três atitudes mencionadas, segundo Dewey (1959), não são as únicas que

contribuem para o desenvolvimento do hábito de pensar de maneira reflexiva, mas são,

como o próprio autor cita, elementos essenciais da prontidão de caráter geral, pois segundo

ele

[...] ninguém é capaz de pensar em tudo, certamente; ninguém é capaz de pensar em alguma coisa, sem experiência e informação sobre ela. Não obstante, existe uma como que prontidão para considerar, no plano do pensamento, os assuntos que entram no campo da experiência – prontidão que contrasta fortemente com a disposição para formular juízos com base em mero costume, tradição, preconceito, evitando, assim o esforço de pensar (DEWEY, 1959, p. 42).

Neste momento, faz-se necessária uma análise das responsabilidades, divididas e

compartilhadas, entre professor e aluno. O docente deve buscar formas de despertar o

interesse em aprender nos estudantes, e estes, devem se dispor a aprender. De forma

perspicaz, Dewey (1959) faz uma analogia entre ensinar e aprender com a venda e a

compra de mercadorias, apresentando que só existe a primeira se alguém compra, e que

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71

não faria sentido algum um vendedor ostentar vendas se ninguém tivesse efetivamente

comprado seus produtos. Decorre, então, refletirmos sobre as vezes em que não pensamos

sobre o que aprenderam nossos alunos, mas consideramos tê-los ensinado. De fato,

o único meio de fazer com que os alunos aprendam mais é ensinar, verdadeiramente, mais e melhor. Aprender é próprio do aluno: só ele aprende, e por si; portanto, a iniciativa lhe cabe. O professor é um guia, um diretor; pilota a embarcação, mas a energia propulsora deve partir dos que aprendem. Quanto mais conhecer o professor as experiências passadas dos estudantes, suas esperanças, desejos, principais interesses, melhor compreenderá as forças em ação que lhe cabe dirigir e utilizar, para formar hábitos de reflexão (DEWEY, 1959, p. 43-44).

Ao considerar o pensamento reflexivo, Dewey (1959), considera alguns estados ou

fases do ato de pensar, a saber: (1) sugestão, (2) intelectualização, (3) ideia-guia ou

hipótese, (4) o raciocínio e (5) verificação da hipótese. Não necessariamente estas fases

seguirão a ordem exposta, podendo, inclusive, uma destas se estender e possuir

subdivisões. Pode-se ainda caminhar de uma a outra e a ela voltar de acordo com o

desenvolvimento do processo em que se está envolvido.

Na primeira fase do ato de pensar, a sugestão, tem-se o momento em que saltamos a

uma possível solução. Naturalmente somos impelidos à ação, a agir e a seguir em frente,

mas uma situação que nos causa inquietação contém tal atividade. Tão logo continue a

persistência neste agir, surgirão ideias ou sugestões para que se resolva a situação em

questão. Se por ventura apenas uma ideia surgisse, esta seria adotada, porém, se há duas ou

mais, o estado de dúvida permanece, segundo o autor, provocando em seguida uma

investigação.

A intelectualização, segunda fase do ato de pensar, é que constituirá o problema a

se resolver. Sendo este elencado quando se tornar, a partir da observação, definida a

dificuldade da situação embaraçosa.

A terceira fase, a ideia-guia ou hipótese, tem relação com a análise que se faz do

problema. Neste momento é que se apresenta alguma ideia que será utilizada ou não como

hipótese, podendo inclusive provocar outras ideias quando de sua verificação. A hipótese

estará relacionada com a análise do problema a que estamos em busca de solução e é ela

que nos orientará para outras observações, de modo a constatar se atende ao que se

pretende. Segundo Dewey (1959, p. 115), nesta fase “a primeira operação (sugestão) e a

segunda (sua intelectualização em problema) são postas sob controle; o sentido do

Page 73: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

72

problema torna-se mais adequado e apurado e a sugestão deixa de ser mera possibilidade,

para tornar-se uma probabilidade verificada”.

Com o raciocínio, quarta fase do ato de pensar, exerceremos, sobre uma sugestão

para a resolução, um exame, que permitirá a sua aceitação ou não como hipótese. De

acordo com Dewey (1959, p. 116), “o raciocínio tem, sobre uma solução sugerida, o

mesmo efeito que uma observação mais profunda e extensa terá sobre o embaraço

original”. O conhecimento será ampliado a partir do raciocínio, porém depende do que já é

conhecido para esmiuçar com clareza os elos entre uma ideia e outra. Além disso, a partir

dessa fase do pensamento reflexivo, ainda que não se rejeite uma sugestão, poder-se-á

desenvolvê-la em uma forma mais próxima ao problema.

Por fim, temos a verificação da hipótese, considerada a fase da validação de uma

conjectura. Na operação anterior, a partir do raciocínio, levantaram-se as consequências de

uma ideia quando considerada solução do problema, sendo, portanto, uma conclusão

hipotética. Nesta fase, será examinado se a suposição levantada anteriormente corrobora

com todas as condições, podendo esta ser de forma direta ou necessitar de experimentos.

Existe a possibilidade, durante esta fase de verificação, da não comprovação da conjectura.

Neste caso, tem-se a refutação da ideia sugerida como hipótese e pode-se trabalhar sobre

esta de forma a elaborar outra, clarificando a proposição do problema ou até mesmo

reelaborando o que foi entendido como o problema.

Dewey (1959) afirma que a vantagem da atividade reflexiva é que o insucesso é

instrutivo, podendo-se aprender com ele da mesma forma que se aprende com o êxito. Com

a verificação, será possível gerar uma conclusão, assim como o juízo formado assim se

define, encerrando o problema a se solucionar. Há que se ressaltar que este não só conclui

uma questão, mas também fornece subsídios no futuro para questões ou interpretações

análogas.

As cinco fases do pensamento (sugestão, intelectualização, ideia-guia ou hipótese,

raciocínio e verificação da hipótese) apresentadas não seguirão uma ordem pré-

estabelecida e serão todas, de maneira complementar, importantes para a elaboração e para

o aprimoramento da ideia sugerida a solucionar o problema e ainda responsável por refiná-

lo. O autor menciona não ser possível apresentar regras no que tange as fases do

pensamento reflexivo, sendo as que foram elencadas apenas traços do que se considera

indispensável para tal pensamento. Em tempo, o que se julga determinante para um bom

Page 74: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

73

aproveitamento e melhor funcionamento destas é a sensibilidade intelectual do indivíduo

que está frente à situação. Além disso, segundo Dewey (1959, p. 14),

as partes sucessivas de um pensamento reflexivo derivam umas das outras e sustentam-se umas às outras; não vão e vêm confusamente. Cada fase é um passo de um ponto a outro; tecnicamente falando, um termo do pensamento. Cada termo deixa um depósito de que se utiliza o termo seguinte. A correnteza, o fluxo, transforma-se numa série, numa cadeia. Em qualquer pensamento reflexivo, há unidades definidas, ligadas entre si de tal arte que o resultado é um movimento continuado para um fim comum.

Dewey (1959) apresenta a existência de pensamentos que se manifestam em

decorrência de situações do próprio cotidiano e, dentro deste, a partir de nossas

experiências diárias, os dados e sua aplicabilidade se limitam. Em outros casos, os dados se

inserem na experiência comum, mas o problema se apresenta de forma indireta aos

interesses do observador. Há também pensamentos que exigem a necessidade de

conhecimentos científicos prévios para a sua resolução, pois nem o problema que se

apresenta e nem os meios para a sua solução poderiam se destacar sem estes.

Contudo, nestes e em outros pensamentos, existindo a atividade reflexiva, notar-se-

á em comum a presença da inferência, que é, segundo Dewey (1959, p. 100), “o núcleo de

toda ação inteligente”, e exerce um papel fundamental, visto que compreende o processo

de se aludir a uma ideia do que está ausente com base no que se tem presente. De outra

forma, “o que está presente leva ou conduz o espírito à ideia de alguma outra coisa e, por

último, à aceitação dessa outra coisa” (DEWEY, 1959, p. 100, grifo do autor), sendo a

inferência responsável por tal transição.

Assim, quando nos deparamos com uma situação da qual devemos concluir algo

não presente, a inferência se torna indispensável. Sendo que, segundo o autor, o processo

descrito a priori ultrapassa os fatos que nos são apresentados ou conhecidos, representando

um salto do que é conhecido para o desconhecido, sendo sua ocorrência através ou

intermediada por uma das fases do pensamento reflexivo, qual seja a sugestão.

Com o intuito de exemplificar uma situação que, despertando-nos a reflexão,

abarcará a inferência, destacamos o excerto a seguir.

Há dias, tendo ido à cidade, chamou-me a atenção um relógio na rua 16. Vi que os ponteiros marcavam 12 e 20. Isso lembrou-me que eu tinha um encontro marcado para a uma hora, na rua 124. Refleti que, tendo levado

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uma hora, em um veículo da superfície do solo, para ir da rua 124 até o lugar onde me achava, chegaria atrasado 20 minutos se fosse voltar pelo mesmo caminho. Poderia ganhar vinte minutos em um trem de ferro subterrâneo; mas haveria, perto, alguma estação? Caso não houvesse, poderia perder mais 20 minutos para procurar uma. Então pensei no trem aéreo e vi-lhe o fio dois quarteirões adiante. Mas onde seria a estação? Se houvesse vários quarteirões até o lugar em que ficava, eu perderia tempo, em vez de ganhá-lo. Tornei a pensar no trem subterrâneo, por ser mais rápido, do que o aéreo; lembrei-me, além disso, de que ele chegava mais perto do lugar da rua 124 a que eu precisava ir do que o aéreo, e me pouparia tempo no fim da viagem. Resolvi-me pelo comboio subterrâneo e cheguei ao meu destino há uma hora. (DEWEY, 1959, p. 98)

Ainda que consideremos uma simples situação, pertencente ao nosso cotidiano de

preocupações, o excerto acima detém algumas características do pensamento reflexivo e

nele é possível notar a função da inferência. Quando tomando o problema em relevo, ou

seja, chegar ao compromisso em tempo, tem-se disparada a análise de sugestões que o

solucionariam. A cada ideia, estudam-se as implicações no contexto e, então, decide-se

pela que se apresenta mais eficiente. Ocorre que, mesmo não ultrapassando os limites de

experiências cotidianas, a pessoa a que se está a pensar propõe sugestões e analisa

consequências para elas que não estão presentes nos dados observados, no problema em

questão, sendo este o ponto central da inferência.

Vinculado a ela, ou ao seu controle, temos a verificação, que se tornará essencial

para a fundamentação de uma crença em base sólida e para a corroboração de uma

conclusão. Toda inferência deve, no mínimo, reduzir-se a uma inferência verificada. E

esta, por sua vez, apresenta, segundo Dewey (1959), dois tipos de verificação: uma

realizada em pensamento, por meio do qual o sujeito verifica se há coerência entre seus

diferentes elementos e conexões, e outra realizada pela ação, quando, a partir da adoção de

uma das inferências, o sujeito verifica pelo experimento se ocorrem as consequências

anteriormente antecipadas. É possível que em algumas situações sejam empregadas ambas

as espécies de verificação, obtendo, assim, uma melhor análise da inferência proposta,

porém há casos em que apenas uma pode ser empregada, destarte a coerência e a

consistência são postas em relevo.

Há que se destacar ainda, conforme exposto pelo autor, que o processo total do

pensamento reflexivo é constituído de uma série de juízos, responsáveis pela eficiência do

todo. Eles são concebidos quando, ao se analisar um fato, essa análise é feita com

ponderação, estimando e considerando as sugestões com o intuito de destacar as que são

relevantes.

Page 76: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

75

Os juízos possuem uma relação de interdependência, apoiando-se em direção a uma

solução (julgamento) final para uma situação que tenha gerado uma inquietude ao sujeito.

Dewey (1959) afirma que eles são elaborados em conjunto, com o esclarecimento de uma

situação obscura, sendo considerados, portanto, unidades da ação reflexiva. A fim de

elucidar esse conceito, considere o excerto que se segue: “[...] se eu declarasse, de repente,

que, para cobrir certo soalho, seriam necessários vinte e dois metros e meio de tapete, seria

essa, talvez, uma perfeita verdade, mas, não se ligando a nenhuma questão surgida, não

teria sentido como juízo” (DEWEY, 1959, p. 123). Entendemos que uma afirmação, ainda

que verdadeira, não será considerada um juízo, a menos que esta esteja vinculada a um fim,

buscando a solução de um propósito. Assim, segundo Dewey (1959, p. 122), “julgar é o ato

de selecionar e pesar as consequências dos fatos e das sugestões como se apresentam, bem

como de decidir se os fatos alegados são realmente fatos e se a ideia em uso é uma ideia

boa ou simplesmente uma fantasia”.

Decorre, então, conforme Dewey (1959), que uma pessoa que faça uso da atividade

reflexiva seja capaz de analisar um fato com discernimento, de estimar e de avaliar as

sugestões, emitindo juízos apropriados e de forma discriminada. Ainda segundo o autor, “é

através do juízo que dados confusos são esclarecidos, fatos aparentemente incoerentes e

desconexos, reunidos” (DEWEY, 1959, p. 130), possuindo as mesmas duas funções, a

análise e a síntese. A primeira função do juízo, a análise, relacionada com o

esclarecimento, vem elucidar algum elemento com qualidade significativa. Ao passo que a

segunda, a síntese, é união, responsável pela localização do elemento dentro do seu

contexto, relacionando-o com algum outro significado. Tem-se, então, nas palavras do

autor, a relação complementar existente entre essas funções, em que “a análise conduz à

síntese e a síntese completa a análise” (DEWEY, 1959, p. 134).

De maneira análoga ao que apresentamos nas cinco fases do pensamento reflexivo,

tem-se o surgimento do juízo, o qual provém de uma dúvida ou de uma controvérsia.

Quando lidamos com uma situação e a compreendemos de prontidão, não há julgamento.

Assim como, também não existirá julgamento, se o assunto for, em sua totalidade, obscuro,

duvidoso. No entanto, ainda que superficialmente, se surgirem significações distintas para

uma mesma situação, tem-se um problema que originará, consequentemente, o juízo. A fim

de elucidar as ideias a respeito da procedência e do sentido do juízo, destacamos o excerto

a seguir, que exemplificará de maneira eloquente as situações que dão origem ao juízo.

Page 77: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

76

[...] Atrai nosso olhar, digamos, certa mancha a mover-se ao longe. ‘Que será?’ perguntamo-nos. ‘Um turbilhão de pó? Os ramos de uma árvore a oscilarem? Um homem que nos acena?’ Há de ser alguma particularidade da situação total, que nos vai, desse modo, sugerindo cada um desses possíveis significados. Só um pode ser o verdadeiro; talvez nenhum; seja como for, aquela mancha deve ter alguma significação. Qual dos sentidos sugeridos terá direito a aceitação? Que significa realmente a percepção? Como interpretá-la, avaliá-la, apreciá-la, situá-la? Todo juízo procede de situações dessa natureza (DEWEY, 1959, p. 125).

A solução para uma situação obscura será determinada pelo juízo, através da

seleção de fatos probantes e de princípios apropriados. Dois momentos que se

correlacionam fazem parte desta tentativa de solucionar tal situação, a saber: seleção de

fatos, que analisará e elencará dados importantes; e a seleção de princípios, que é

responsável pela elaboração das significações que são sugeridas pelos dados. Toda situação

é constituída de pormenores, de vários detalhes, mas nem todos serão relevantes para nos

guiar em direção a ideias conclusivas. Neste primeiro momento, seleção de fatos, caberá a

análise destes pormenores, a fim de selecionar os que são relevantes, e que julgamos conter

significação. Em outro momento, seleção de princípios, correlacionado com a quarta fase

(raciocínio) do ato de pensar, teremos o confronto das significações sugeridas com os

dados esmiuçados. Assim, a evolução das concepções está ligada à seleção e à

determinação dos fatos evidenciados no primeiro momento. Conforme Dewey (1959, p.

128), “a seleção de dados é feita, naturalmente, para controlar o desenvolvimento e a

elaboração da significação sugerida, a cuja luz devem ser interpretados”.

Dewey (1959) aponta que uma situação experimentada, vivenciada, pode gerar o

ato de pensar, despertando a investigação e, por conseguinte, a reflexão. É neste ponto

que, segundo o autor, as escolas estariam falhando, quando não proveem os alunos de

situações experimentáveis e que exijam que eles pensem, tal como as extraescolares. De

fato, ensinam-se os alunos a decorar trechos e, destarte, somente se formam associações verbais de um único sulco, em lugar de conexões variadas e flexíveis com as próprias coisas de que falam os trechos; não se organizam planos e projetos que façam o estudante olhar para a frente, prever, e na execução dos quais, cada coisa terminada levante novas questões, sugira novas empresas (DEWEY, 1959, p. 63).

Contrariando esta ação temos, segundo o autor, que o problema para desenvolver

hábitos de pensamento reflexivo, está em promover um ambiente que desperte e conduza a

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77

curiosidade, “de preparar, nas coisas experimentadas, as conexões que, ulteriormente,

promovam o fluxo de sugestões, criem problemas e propósitos que favoreçam a

consecutividade na sucessão de ideias” (DEWEY, 1959, p. 63).

O que se pretende nesta pesquisa, por exemplo, problemas elaborados de forma a

despertar a curiosidade e a promover a reflexão, vai à contramão do que vemos como algo

comum em salas de aula, e ao encontro de fatores que, segundo Dewey, favorecem o

desenvolvimento de tais hábitos. Pretende-se desenvolver um ambiente que estimule a

criação de diferentes contextos, por meio dos quais os alunos sejam envolvidos e

compelidos à reflexão. Os conceitos envolvidos nestas situações, de acordo com Dewey

(1959), serão de fato compreendidos e poderão se fazer presentes em problemas futuros,

isto porque eles serão, com o uso, refinados de tal forma que comporão concepções

consolidadas. Comungamos da ideia do autor, ao mencionar que os conhecimentos,

acumulados e apresentados de forma mecânica, podem não gerar conexões e nem servir de

ancoradouro para outras situações. Em acordo com esse ponto de vista, Dewey (1959, p.

71) assegura que

[...] é inteiramente falsa a afirmação de que os conhecimentos acumulados sem ser por ocasião de encontrar-se e resolver-se um problema possam mais tarde ser empregados à vontade pelo pensamento. Para que uma técnica se encontre à disposição da inteligência, deve ser adquirida por meio do exercício da própria inteligência; não ocorrendo algum acaso, os únicos conhecimentos que podem ser utilizados logicamente são os adquiridos durante o ato de pensar.

Em conformidade com o que fora exposto, ressaltamos que uma reflexão, segundo

Dewey (1959), está fundamentada em uma investigação, gerando fatos e significados que

estão em constante interação e modificação. A cada fato observado, um ideia é

desenvolvida, verificada e modificada, e a cada nova ideia gerada, uma nova investigação

pode ser disparada. Esta nova investigação, por sua vez, trazendo novos fatos, não

analisados anteriormente, poderá, por fim, modificar a compreensão dos fatos observados

inicialmente. No entanto, conforme o autor, “é preciso um método de natureza sistemática,

para salvaguardar as operações pelas quais nos movemos de fatos a ideias e de ideias a

fatos que as provarão” (DEWEY, 1959, p. 167), sendo este tratado na seção a seguir.

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78

3.2 IMPORTÂNCIA DO MÉTODO PARA A REFLEXÃO

De acordo com Dewey (1959), a necessidade de um método que favoreça a

eficiência das operações descritas anteriormente decorre da possibilidade de uma pessoa,

ao se deparar com uma situação, prematuramente se agarrar a fatos não comprovados ou

estabelecer uma inferência não satisfatória. Um método pode ainda assegurar a não

aceitação de uma primeira ideia como conclusão de uma situação sem que se tenha

adequadamente realizado testes, sem que se tenha a corroboração destes e uma

generalização cuidadosa. Isto porque se faz necessário manter ou prolongar o estado da

dúvida para o desenvolvimento do pensamento reflexivo, como vimos anteriormente, ou

seja, o ideal é não nos precipitarmos para uma solução imediatista.

Deparando-se com uma determinada situação, de acordo com Dewey (1959),

devemos ter cuidado para não investirmos em direção a uma ideia sem antes ter avaliado

outras possibilidades. A partir de ideias consideradas como hipótese, a observação dos

fatos terá uma orientação e, por isso, será avaliada como de maior valor. Sem esta

orientação, vagamos a esmo. Com o intuito de esclarecer e de ilustrar o desenrolar de uma

observação guiada para uma solução, apresentamos o excerto do livro Como Pensamos,

por considerar que este, de forma sutil, contempla todas as nuances necessárias aqui e trará

um entendimento maior sobre os temas propostos.

Um homem que deixara seu quarto em ordem, encontra-o, ao voltar, em completa confusão, com todos os objetos esparramados ao acaso. Automaticamente, acode-lhe ao espirito que um roubo poderia explicar a desordem. Ele não viu os ladrões: a presença deles não é um fato observado, mas um pensamento, uma ideia. O estado do quarto é um fato certo, um fato que fala por si; a presença de ladrões é uma possibilidade que pode explicar o fato. [...] Percebe o estado do quarto, coisa particular, definida, exatamente como está; infere um ladrão. [...] O fato original, o quarto como foi primeiro observado, não prova absolutamente o fato roubo. É esta uma conjectura provavelmente correta, mas falta-lhe uma evidência que justifique a sua aceitação positiva. [...] A pesquisa de fatos que sirvam de evidência é mais bem conduzida quando se usa alguma possível sugestão sugerida como guia para explorar os fatos, especialmente para organizar a caçada de algum fato que aponte conclusivamente uma explicação, excluindo todas as outras (DEWEY, 1959, p. 167-168, grifos do autor).

No excerto anterior, o autor ressalta a importância de buscar evidências que

justifiquem a hipótese. Ainda segundo ele, outras possibilidades podem se descortinar, tais

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79

como alguém da família ter precisado de algum objeto e não ter se organizado devido à

pressa, travessuras de crianças. Cada uma com suas particularidades, as quais seriam

confirmadas a partir de nova observação dos fatos, tendo em mente essas referências. Na

ocasião de possuir várias hipóteses, uma não deve ser descartada em função de outra antes

de uma análise direcionada da situação. Como afirma Dewey (1959), para cada conjectura

proposta, teríamos certas características para apreciar e para buscar. Observando a situação

de forma mais analítica, procuraríamos por estas características que deixariam uma de

nossas hipóteses irrefutável. Dewey (1959, p. 170) ainda nos apresenta que “quem se

defronta com uma situação a ser meditada, debruça-se sobre os fatos do caso, revê-os,

amplia-os, analisa-os e torna-os mais preciso e definidos; esforça-se por convertê-los nos

dados que verificarão as sugestões vindas ao espírito”.

Segundo o autor, embora existam vários métodos para se analisar e reexpor fatos da

experiência comum, todos convergem a um ponto, a regulação da função da sugestão ou a

formação de ideias, reduzindo-se, assim, aos momentos que compõem o método científico,

tal como descrito por Dewey. Este contém, de forma abreviada, “todos os processos pelos

quais a observação e coleta de dados são reguladas para efeito de facilitar a formação de

conceitos e teorias explicativas” (DEWEY, 1959, p. 171). Além disso, abrange alguns

momentos, quais sejam: (1) eliminar pela análise o que pode levar a erro ou que parece

sem importância, (2) salientar o importante, através da coleta e da comparação de casos, e

(3) elaborar dados intencionalmente, através de variação experimental.

A atribuição de significado incidirá na forma como o aluno se comporta frente ao

ambiente em que está inserido e, somente quando este aluno toma consciência deste

espaço, ou seja, somente quando ele o compreende, é que poderá modificá-lo. Tal

compreensão, segundo Dewey (1959), está relacionada com o pensamento, pois ele nos

capacitará para encaminharmos nossas atividades com antevisão, com direcionamentos e,

ainda, para agirmos de forma intencional em busca de objetos ou do controle do que está

ausente. Ainda segundo o autor, “somente quando as coisas que nos rodeiam têm sentido

para nós, somente quando significam consequências que poderemos obter se manejarmos

essas coisas de certo modo, somente então é que se torna possível controlá-las intencional

e deliberadamente” (DEWEY, 1959, p. 27).

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80

3.3 PROCESSO E RELEVÂNCIA DA SIGNIFICAÇÃO

A compreensão de uma situação ou objeto está vinculada, segundo Dewey (1959), à

atribuição de significados. Mediante uma situação que nos causa embaraço, na tentativa de

clarificá-la, ideias são apresentadas, constituindo partes da inferência. Esta só se manterá

em desenvolvimento e direcionada à verificação enquanto uma significação não é

certificada. Decorre disso que “compreender é apreender a significação” (DEWEY, 1959,

p. 135). No processo de tentarmos compreender uma situação, quando estamos inclinados

a pesquisar, existe um momento transitório enquanto não compreendemos. Nesta fase, a

significação é, de acordo com Dewey (1959), apenas uma ideia, tomada em suspenso como

uma sugestão, isto é, trata-se de uma possibilidade. Quando essa ideia é aceita de forma

consentida, temos que a situação foi compreendida. Conforme Dewey (1959, p. 139), “uma

ideia termina outorgando a compreensão, pela qual um acontecimento ou coisa adquire

significado. Uma coisa compreendida, uma coisa provida de sentido, difere não só da ideia,

que é um sentido duvidoso e ainda desligado, como de uma coisa bruta, física”.

Assim, a atribuição de significados tem para nós uma relevância, visto que

consideramos que o nosso aluno somente compreenderá um conceito quando este estiver

envolto em coisas cujos significados lhes foram atribuídos e são sabidos pelo aluno. Desta

forma poderá, conforme o autor, tomar consciência do espaço em que se insere e pode

modificá-lo. Como consequência, poderá ainda fazer uso dos conceitos compreendidos em

outras situações, que não apenas do ambiente escolar. Contudo, para que o aluno

compreenda, ou seja, para que atribua um significado a um objeto ou a uma situação, ele

precisa estar imerso na construção dos conceitos envolvidos a partir da reflexão.

De acordo com Dewey (1959), existem dois modos de compreensão, de apreender

um sentido, sendo um de forma direta e o outro de forma indireta. No primeiro modo, a

situação ou o objeto e o seu sentido se identificam, apresentando-se de maneira imediata

para quem está a tentar compreendê-lo, ao contrário da forma indireta que, em princípio,

objeto e sentido são disjuntos, necessitando buscar o significado para ele a fim de o

compreendermos. Compreender demanda o conhecimento da significação do objeto, não

só em sua forma isolada, mas também na inserção deste com o todo. Para Dewey (1959, p.

140),

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81

apreender a significação de uma coisa, de um acontecimento ou de uma situação é ver a coisa, acontecimento ou situação, em suas relações com outras coisas: notar como opera ou funciona, que consequências traz, qual a sua causa e possíveis aplicações. Contrariamente, aquilo a que chamamos coisa bruta, a coisa sem sentido para nós, é algo cujas relações não foram apreendidas.

Exemplificando as significações apreendidas de forma direta, têm-se os conceitos

relacionados a objetos familiares, tais como: cadeira, mesa, livro, cavalos, dentre outros.

Dewey (1959) afirma que tais compreensões diretas detêm uma dificuldade para a análise e

para o entendimento de como são acumuladas, pois, sendo apreendidas com tamanha

perfeição, arraigadas no hábito inconsciente, não é possível imaginar que em algum

momento estes objetos eram apenas coisa bruta, alheios ao nosso entendimento. O autor

ainda considera mais fácil o pensamento de empreender em uma região inexplorada, isso

porque um objeto novo, estranho, impressiona realmente a uma pessoa que o desconhece.

A fim de elucidar as minúcias presentes em situações que são totalmente

desconhecidas para uma pessoa, destacamos um dos exemplos apresentados pelo autor, a

saber: “quem olhe um rebanho só notará as diferenças mais pronunciadas de tamanho e cor

entre as ovelhas, cada uma das quais perfeitamente conhecida do pastor” (DEWEY, 1959,

p. 144). Nesta ilustração, para uma pessoa não conhecedora de um objeto, no caso o

rebanho de ovelhas, o que se faz perceber (as características que saltam aos olhos) seria

notado, porém aspectos mais característicos, específicos do rebanho, que podem ser de

conhecimento do pastor, seriam considerados, a princípio pela pessoa leiga, como pontos

obscuros, difusos, os quais ela não entende. Com isso, Dewey (1959, p.144) assume que

“as coisas adquirem sentido, ou (dito de outro modo) formarem-se os hábitos de apreensão

simples, é, por conseguinte, o problema de tornar (a) definido ou distinto, e (b) consistente,

coerente, constante ou estável, o sentido daquilo que era, antes, vago e flutuante”. É

possível dizer ainda que este significado definido e consistente tem como fonte primária a

atividade prática, sendo as características de um objeto destacadas de um ponto difuso a

partir do momento em que deixamos a passividade em relação a ele.

Os significados apreendidos que integram a nossa experiência passam a favorecer

novas situações, visto que poderemos levantar algum problema que antes não nos era

perceptível. Ele despertará a reflexão e, por conseguinte, a compreensão. Além disso, estes

significados serão requisitados frente a uma situação que ainda não compreendemos e, a

partir do seu emprego, novas significações poderão se originar. Dewey (1959) afirma que

Page 83: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

82

a compreensão de novas perplexidades e de novas situações só acontece quando as

tratamos embasadas no que nos é familiar, relacionando isso com os significados já

apreendidos. Ressaltamos, assim, a importância da experiência para a aquisição de novos

conceitos e de novos significados, a partir da qual se dará a compreensão. Temos, segundo

o autor, que “refletimos para poder conseguir plena e adequada compreensão do que

ocorre. Todavia, cumpre que alguma coisa já esteja compreendida, que o espírito já tenha

dominado alguma significação, pois de outra maneira seria impossível pensar” (DEWEY,

1959, p. 142).

Se, portanto, como apresenta Dewey, observarmos a aquisição de conhecimentos de

uma criança, ou nos remetermos à aprendizagem de uma língua diferente da materna,

poderemos perceber que as coisas e os objetos são, a princípio, desprovidos de significado.

A sua aquisição está vinculada, neste momento, ao uso destes objetos; e este uso sempre

ocorre em um contexto que, mais tarde, quando tivermos apreendido o sentido, não será

necessário. Dewey (1959, p. 148, grifo do autor) relaciona o processo da significação como

“meios para obter consequências (ou meios para preveni-las quando indesejadas); ou

como suporte de consequências para as quais temos de descobrir meios”. De outra forma, o

processo de significação pode se relacionar naturalmente com os meios pelos quais

estamos envolvidos e, a partir deles, levar-nos a obtermos a compreensão.

Ao confrontar o processo de significação e o que se considera compreender

segundo Dewey com as atividades desenvolvidas no âmbito escolar, percebemos um

acúmulo de tarefas que priorizam a memorização, a aplicação de técnicas mecânicas e que

não provocam no aluno a necessidade de reflexão. O autor menciona não serem úteis para

o desenvolvimento da capacidade de entender as atividades apresentadas aos alunos de

forma direta, exterior. Tais atividades não colocam os estudantes como participantes na

criação do problema. Uma vez que o sujeito não participa, não deseja alcançar um

propósito, visto que nestas atividades este já vem definido e não é desenvolvido por ele, a

compreensão não pode ser alcançada, e a atividade limita-se a uma mera aplicação de

técnicas apresentadas pelo professor.

Dewey (1959, p. 150) ainda menciona que, no âmbito escolar, considera-se, “com

demasiada frequência, que a matéria ficou compreendida quando se gravou na memória,

podendo ser reproduzida a qualquer momento”. Contudo, o que ele vem discutindo em seu

livro Como Pensamos e nós abarcamos nesta pesquisa, “é que nada é verdadeiramente

conhecido senão quando compreendido”. Ao compreender um determinado aspecto, o

Page 84: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

83

aluno será capaz de utilizar seus conceitos em outras situações, a partir das quais novos

conceitos poderão ser instituídos e compreendidos.

Conforme, afirma Dewey (1959, p. 149),

toda rotina, toda atividade exteriormente ditada é inútil para o desenvolvimento da capacidade de entender, embora proporcione destreza na execução. Muitos dos assim chamados ‘problemas’, na verdade tarefas marcadas, demandam, quando muito, uma espécie de habilidade mecânica na aplicação de regras estabelecidas e na manipulação de símbolos. Em suma, a compreensão é solicitada apenas quando existe uma consequência desejada, para cuja realização precisam ser achados os meios, através de pesquisa; ou quando são apresentadas coisas (inclusive símbolos, conforme o grau de maturação da experiência), sob tais condições que se faça necessária a reflexão para averiguar que consequências trará o seu uso.

Uma vez que os significados estejam estabelecidos, eles passam a designar-se,

segundo o autor, como padrões de referência ou de significações padronizadas,

constituindo os meios para investigação de situações futuras. Assinalados como

concepções, Dewey (1959) ressalta duas de suas características importantes, quais sejam

generalizar e padronizar. Assim, através das concepções, adquirimos a habilidade de

generalização, estendendo a compreensão de uma coisa à outra. Além disso, as concepções

também padronizam os nossos conhecimentos, significando que um conceito encontra-se

estável e independente do contexto. Desta forma, ele pode ser aplicado em outra situação,

pois o padrão de referência é o mesmo, e este tem sua importância associada à sua

aplicabilidade. Destacamos a seguir um exemplo exposto pelo autor que ilustra a

necessidade e a importância de se ter um padrão de referência.

Se o quilo, arbitrariamente, mudasse de peso, e a régua métrica, de comprimento, quando os estamos usando, de nada valeria, claro, pesar nem medir. Que significaria dizer que um pedaço de pano mede um metro e meio de largura, ou que um pacote de açúcar pesa cinco quilos? Para ser de utilidade, o padrão de referência deve manter-se o mesmo. (DEWEY, 1959, p. 152)

Dewey (1959) menciona que as concepções estão relacionadas com a terna:

identificação, completamento e localização. Ademais, ao nos depararmos com um objeto

ainda desconhecido, este será abordado a partir de conceitos previamente estabelecidos.

Cada concepção apresentada, contendo suas especificidades, tem como objetivo inquirir

Page 85: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

84

sobre tal objeto e, com isso, identificá-lo. Ulteriormente, tem-se o completamento, visto

que, com a identificação o objeto, passa a adquirir significação padronizada, tendo, assim,

a busca por informações relacionadas a ele. Com os dois instrumentos mencionados

(identificação e completamento), podemos então concluir a terna, com a localização do

objeto dentro de um sistema, ou seja, ele não é mais uma peça isolada, fora identificado e

enriquecido de informações que o localizam dentro um contexto maior. Vale ressaltar,

conforme Dewey (1959, p. 154), que “se não tivermos um cabedal de significações a que o

raciocínio recorra”, o objeto continuará sendo apenas um objeto, desprovido de sentido.

É importante tratarmos com veemência o processo para se chegar às concepções,

isto é, os significados gerais (significação padronizada), que sendo aplicáveis em diversas

situações, conforme Dewey (1959, p. 155), servirão como “pontos conhecidos de

referência que nos permitem firmar-nos em alguma base, quando mergulhamos no estranho

e no desconhecido”.

Ainda segundo o autor, a importância dos conceitos levou a uma orientação errônea

no ensino, embasada em crenças que consideravam que eles poderiam ser transmitidos de

forma direta aos alunos, ganhando, assim, rapidez para a aquisição dos conhecimentos.

Entretanto, o que se observa é a aprendizagem de fórmulas pelos estudantes, visto que os

conceitos distanciavam da compreensão e de suas experiências, tornando-se para eles

ininteligíveis. Dessa forma, compartilhamos da ideia do autor, que aponta para a

necessidade de conceptualização em toda atividade desenvolvida pelo aluno na escola,

afirmando que

em toda fase de desenvolvimento, cada aula, para ser educativa, deveria conduzir a uma certa dose de conceptualização de impressões e ideias. Sem essa conceptualização ou intelectualização, nada se ganha que possa contribuir para uma melhor compreensão de novas experiências (DEWEY, 1959, p. 155).

Além disso, segundo Dewey (1959), é necessário dispender uma atenção às

atividades propostas aos alunos, uma vez que não basta que proporcionem experiências a

eles se não terminarem abrangendo a intelectualização bem definida da experiência.

Assumindo como o depósito de uma ideia, a intelectualização, é considerada pelo autor

como de grande importância para a formação dos conceitos, justificando ser ela a

finalidade de uma experiência, vejamos “que vale uma experiência que não deixe, atrás de

Page 86: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

85

si, uma significação ampliada, uma melhor compreensão de alguma coisa, um plano e

propósito mais claro de ação futura, em suma, uma ideia?” (DEWEY, 1959, p. 156).

As concepções não surgem da análise de variados objetos, detentores de sentido, a

fim de extrair o que têm em comum, pois sua procedência está vinculada às experiências.

Assim, de uma experiência com determinado objeto serão transportadas algumas

expectativas para as experiências seguintes, esperando que características observadas na

anterior se manifestem. O que não está ocorrendo despertará no sujeito o descarte da

significação e a busca por outra. Logo, à medida em que aplicamos a outros objetos o

significado anterior, ele vai se refinando, tornando-se mais claro e definido. Tem-se, assim,

conforme Dewey (1959, p. 157), que a concepção “não começa com uma porção de coisas,

já preparadas, das quais extraia uma significação comum; ela procura aplicar, a cada nova

experiência, todo resultado da anterior que a auxilie a entendê-la e tratá-la”. Além disso,

ainda conforme o autor, as experiências serão importantes ainda na elevação de uma ideia

a um conceito, pois é com o uso, com a aplicação que os conceitos tendem a se tornarem

mais definidos e gerais.

Neste ponto, buscamos mais um exemplo, exposto pelo autor, para delinear a

formação de um conceito. Supomos que uma criança possua um cachorro, o Fido. A

princípio, a ideia de um cão para esta criança é vaga e não definida, sequer as

características específicas deste cão são ressaltadas por ela, isto enquanto considerarmos

que o único cão (ou animal) que a criança conhece é Fido. À medida que vai conhecendo

outros animais (cães, gatos, cavalos, e outros) e passa a observá-los, será induzida a

perceber e a apontar qualidades que caracterizam cada um deles e então as que pertencem

ao cão são postas em evidência. Conforme a criança vai percebendo características que se

destacam em seu cão, as quais não o fazem ser considerado outro animal, padrões de

referência vão sendo assimilados e então encaminharão para a formação de um conceito.

Decorre, então, segundo Dewey (1959, p. 158), que “uma concepção [...] é formada de

todos os elementos semelhantes que restam após a dissecação de certo número de casos

individuais”.

Ainda segundo o autor,

durante todo o processo, ela foi experimentando adaptar a sua ideia, vaga ou definida conforme seu estágio de experiência, a todos os animais que possuíssem alguma semelhança com cães, aplicando-a quando possível e quando não, tornando-se ciente das diferenças. Por esses processos, sua

Page 87: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

86

ideia adquire corpo, firmeza, distinção: torna-se um conceito. (DEWEY, 1959, p. 158)

Desta forma, contrária ao que percebemos nas atividades propostas aos alunos, que

muitas vezes aplicam conceitos pré-concebidos, nossa pesquisa, visa a essa formação do

conceito de função pelo aluno, através da atribuição de significados às noções básicas

desse conceito. Consentimos com o exposto a priori sobre a importância do processo para a

formação deste conceito, uma vez que, ao ser compreendido, fica à disposição para

aplicação e correlação em situações futuras.

Page 88: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

87

CAPÍTULO 4

METÓDOS E PROCEDIMENTOS

Neste capítulo, exporemos os métodos e os procedimentos que fundamentaram o

percurso de nosso estudo. Julgamos, no entanto, válido apresentar a priori a etimologia da

palavra método e como a consideramos aqui. Tendo suas bases na Grécia antiga, esta

palavra deriva de methodos, um termo composto por methà (por meio) e odon (caminho),

significando: o caminho para se chegar a um fim. Ainda que lhe seja atribuído, atualmente,

significados distintos e mais amplos, nesta pesquisa, método é o percurso que traçamos e

percorremos para atingir o objetivo deste estudo, que visa compreender como a resolução

de problemas pode contribuir para a significação do conceito de função.

Ainda que implicitamente, toda investigação encontra-se exposta às concepções de

seus pesquisadores, além da fundamentação teórica ou de pressupostos neles arraigados.

Em virtude disso e da caracterização de uma pesquisa qualitativa, procuramos descrever

neste capítulo a trajetória acerca dos procedimentos metodológicos que a fundamentaram,

bem como as concepções que contribuíram para a especificação deste estudo. Diante do

exposto, discorremos, em um primeiro momento, acerca da natureza da pesquisa, já na

segunda seção, exploraremos a discussão das bases teóricas a que lhe impusemos.

Em seguida, apresentamos, na terceira seção, o contexto de aplicação, constituindo

a escola e seus participantes. Nesse momento, também discutimos o ambiente no qual

objetivamos desenvolver as atividades. Na sequência, na quarta seção, expomos quais e

como os instrumentos foram utilizados para a coleta dos dados. E, enfim, na última seção,

apresentamos os procedimentos que conduziram a análise e a interpretação dos dados

coletados.

4.1 A PESQUISA

A origem da palavra pesquisa provém do termo em latim perquirere, que significa

procurar com perseverança. Entendemos que as múltiplas etapas que compõem uma

Page 89: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

88

investigação relacionam-se com esta diligência, acentuando o trabalho do pesquisador em

busca de um novo conhecimento. Assim, consideramos que “para se realizar uma pesquisa

é preciso promover o confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas

sobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado a respeito dele” (LUDKE;

ANDRÉ, 1986, p. 1).

Para a realização de nossa pesquisa, foi necessário configurar35 uma sala de aula, na

qual a professora era a pesquisadora. No entanto, neste ambiente contraturno, encontrou-se

estudantes e professora-pesquisadora envoltos em atividades regulares de uma sala de aula,

dotadas, evidentemente, de nossas concepções, mas buscando interferir o mínimo possível

(não direcionando as atividades), para que esse espaço configurasse um ambiente natural.

Desta forma, procuramos oferecer um contexto o mais próximo possível de uma sala de

aula e, assim, observar atentamente as ações incutidas nas atividades dos estudantes e da

professora-pesquisadora com o intuito de compreendê-las dentro da nossa proposta.

Desse ambiente, extraímos os dados que foram fonte de análise, os quais foram

confrontados com nossas concepções teóricas. Ao levantarmos informações acerca de

nosso ambiente em estudo, temos um material predominantemente descritivo, incluindo

descrições e transcrições dos encontros. Utilizamos esse material para sustentar e/ou

esclarecer afirmações.

Ao considerar a influência do meio no objeto de estudo, descrevemos nesta

pesquisa tudo o que foi considerado relevante, tanto na configuração do ambiente, quanto

na elaboração das atividades e, também, na escolha e na coleta dos dados. Como se

percebe, destinamos uma atenção ao processo, dado que “o interesse do pesquisador ao

estudar um determinado problema é verificar como ele se manifesta nas atividades, nos

procedimentos e nas interações cotidianas” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 12).

Quando da análise dos dados, não estávamos diligenciados a provar uma hipótese

pré-definida, mas trabalhamos para construir nossos argumentos a partir deles e de suas

relações, com o objetivo de compreender como a resolução de problemas pode contribuir

para a significação do conceito de função. Isto posto, considera-se que o método de análise

para esta pesquisa tenderá a um processo indutivo.

Diante do exposto, caracterizamos o presente estudo como uma investigação de

natureza qualitativa, conforme a concepção de Bogdan e Biklen (1994). De acordo com

estes autores, a investigação qualitativa em educação é considerada um campo que 35 Em momento oportuno, na seção contexto, a caracterização da sala de aula, bem como a escolha de seus participantes, será descrita em minúcias.

Page 90: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

89

“contempla uma metodologia de investigação que enfatiza a descrição, a indução, a teoria

fundamentada e o estudo de percepções pessoais” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 11).

Esses autores apontam a existência de uma diversidade de pesquisas consideradas

de natureza qualitativa que, apesar das diferenças, são detentoras de pontos comuns, como:

o ambiente natural como fonte de dados, a investigação descritiva, a preocupação com o

processo, a análise indutiva e a relevância da perspectiva dos participantes. Algumas

dessas características, destacadas e mencionadas por Bogdan e Biklen (1994), podem ser

identificadas em nosso estudo. Destacando-se que, segundo esses mesmos autores, estudos

de natureza qualitativa podem não exibir todas as características ou ainda expressá-las de

forma não equânime.

4.1.1 ESTUDO DE CASO

Uma pesquisa qualitativa pode ser implementada a partir de várias formas,

sobressaindo entre elas o estudo de caso. Este se destacou na área da educação, de acordo

com Lüdke e André (1986, p. 13), “devido principalmente ao seu potencial para estudar as

questões relacionadas à escola”.

No desenvolvimento de uma pesquisa, o caso a ser estudado será bem definido e

delimitado, podendo percorrer desde casos simples até mais complexos. O estudo de caso

“consiste na observação detalhada de um contexto, ou indivíduo, de uma única fonte de

documentos ou de um acontecimento específico” (MERRIAM, 1988 apud BOGDAN;

BIKLEN, 1994, p. 89).

A motivação ao escolher esta técnica para desenvolver esta pesquisa relaciona-se

com o nosso objeto de estudo. Ao delimitar, dentro do ambiente escolar, o nosso interesse,

deparamo-nos com um contexto: a sala de aula. Dentro desse contexto, interessávamo-nos

por observar e por constituir um objeto de estudo, o ensino e a aprendizagem de

matemática e, mais especificamente, o ensino e a aprendizagem do conceito de função.

Pretendíamos, então, observar detalhadamente o ensino e a aprendizagem do

conceito de função, em um ambiente extraclasse, com um grupo reduzido de participantes.

Isso não se daria de forma ampla, existiam contornos bem definidos, e o nosso objetivo se

Page 91: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

90

inclinava a uma forma singular, particular, sendo então sugerido para esses casos, de

acordo com Lüdke e André (1986), o estudo de caso.

O presente estudo se constitui, portanto, em um processo que busca, através do

estudo de caso de observação, identificar, compreender e analisar as contribuições para a

aprendizagem do conceito de função através da resolução de problemas. Objetivamos

compreender como ela poderia contribuir para a significação do conceito de função.

Diante desse contexto, com o intuito de nortear o planejamento e a condução das

atividades, da coleta, da análise e da interpretação dos dados para alcançar esse objetivo

propusemos a seguinte questão de pesquisa: Quais as contribuições que as estratégias

utilizadas pelos estudantes na resolução de problemas podem trazer para o processo de

ensino e de aprendizagem do conceito de função?

4.2 BASES TEÓRICAS

A investigação qualitativa, segundo Bogdan e Biklen (1994), está fundamentada em

uma orientação teórica. Por orientação teórica, os autores referem-se a “um modo de

entendimento do mundo, das asserções que as pessoas têm sobre o que é importante e o

que é que faz o mundo funcionar” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 52).

Ainda, de acordo com esses autores, os pesquisadores qualitativos, quando

conscientes dos seus fundamentos teóricos, utilizam-nos para a coleta, para a análise e para

a interpretação dos dados. Desta forma, estariam em uma posição vantajosa em relação aos

que desconhecem tais fundamentos, visto a coerência dos dados que seriam observados e

coletados, em detrimento a um amontoado arbitrário e assistemático.

Compartilhamos das ideias desses autores no que tange à relevância da consciência

teórica para a elaboração, para a realização e para a exposição de um estudo. Assim,

apresentamos a seguir uma síntese de nossa trajetória para compor as bases que sustentam

nossa proposta, nossa observação, nossa coleta, nossa análise e nossa interpretação dos

dados.

A nossa pesquisa iniciou-se com um levantamento (Apêndice A, p. 175-184) no

banco de teses e dissertações da CAPES, em que constatamos que poucas pesquisas

abordavam o conceito de função a partir da resolução de problemas. E ainda, a concepção

Page 92: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

91

de resolução de problemas apresentada, em algumas pesquisas levantadas, limitavam-se a

empregar uma série de passos pré-definidos para a resolução dos problemas por parte dos

alunos.

Simultaneamente, procuramos conhecer e aprofundar nossas leituras em duas

frentes relacionadas ao conceito de função e de resolução de problemas com o intuito de

fundamentar o planejamento e a realização das atividades. Em termos de função, optamos

por nos embasar em Caraça (1951) quando tratamos de conceitos e de definições

matemáticas e, em Sierpinska (1992), quando lidamos com a abordagem, com o ensino e a

com aprendizagem de tal conceito.

Ao considerarmos a resolução de problemas, nesta pesquisa, vários autores, como

por exemplo, Stanic e Kilpatrick (1989), Schoenfeld (1996), D’Ambrosio (2008) e

Onuchic e Allevato (2012) contribuíram para fundamentar a nossa discussão. É relevante

destacar a importância de se ter claro, o que se considera, nesta pesquisa, um problema.

Para isto, propusemos uma descrição de problema, embasada nas ideias apresentadas

principalmente por Kantowski (1981), Abrantes (1989), Echeverría e Pozo (1998), Van de

Walle (2001) e Onuchic e Allevato (2012). Assim, consideramos que problema se refere a

toda situação em que nos encontramos e não possuímos inicialmente de procedimentos que

possam ser utilizados para a sua resolução.

Por fim, utilizamos a teoria de Dewey (1959) no que concerne ao

desenvolvimento do pensamento reflexivo, tanto para a elaboração dos problemas como

para a condução das atividades nos encontros. Ademais, em nossas observações, levamos

em consideração a forma como os participantes utilizavam e significavam os conceitos.

4.3 O CONTEXTO

A pesquisa de campo foi realizada com alunos voluntários, provenientes de três

turmas do 9º ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede particular do município de

Belo Horizonte, no estado de Minas Gerais. A pesquisadora, professora dessa escola desde

2011, leciona atualmente em turmas do Ensino Médio, mas foi professora da maioria

desses estudantes no 7º ano do Ensino Fundamental.

Page 93: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

92

O conhecimento da abordagem em relação ao conteúdo função na maioria das

escolas (evidenciada pela abordagem dos livros didáticos e de exames nacionais), nos

propiciou a oportunidade de escolher entre a rede pública e a particular, visto que em

ambas o tratamento desse conteúdo aconteceria de forma similar.

Considerando a possibilidade de aplicar o estudo em qualquer uma das redes,

fizemos um contato com uma escola da rede particular, como descrito, na qual a

pesquisadora lecionava. Após a explicação da pesquisa, obtivemos a autorização da

direção da rede de ensino, bem como o consentimento da direção da unidade escolar, para

a realização da pesquisa com os alunos.

A escola foi fundada em 1987 e, naquela ocasião, oferecia apenas a Educação

Infantil, turma proveniente de uma colônia de férias que havia acontecido (de maneira

informal) no mês de janeiro daquele ano. Decorridos alguns anos, inserindo de forma

consecutiva as séries do Ensino Fundamental I, tem-se, então, em 1992, a implantação do

Ensino Fundamental II e, em 1994, o início do Ensino Médio. Atualmente, a escola conta

com cerca de 5.000 alunos distribuídos entre 16 unidades, atendendo a todas as séries da

Educação Básica e Infantil.

A escolha por uma dentre as unidades não aconteceu de forma arbitrária. A partir

de um levantamento que considerou a existência de ensino fundamental 2, de turmas de 9º

ano e de salas disponíveis no contraturno, elencamos uma unidade em que seria possível a

aplicação das atividades. A unidade selecionada continha três turmas de 9º ano, sendo

lecionadas 6 aulas diárias no período matutino, com início às 7h 20min e término às 12h

50min. Dessas 30 aulas semanais, 6 eram destinadas à disciplina de Matemática.

Quanto à preferência da turma, considerando que os currículos e os livros didáticos

propõem o ensino de funções a partir da 1ª série do Ensino Médio, nós decidimos

desenvolver o projeto com a turma do 9º ano do Ensino Fundamental. A escolha pela

aplicação nos primeiros meses do ano relaciona-se com o fato de, comumente nessa série,

as escolas introduzirem o conceito de função. As opções feitas tinham como propósito

observar e compreender como alunos, que ainda não haviam tido o contato com o conceito

de função lidavam com situações que envolviam variáveis, relações entre grandezas e

generalizações.

Com o intuito de promover a participação de todos os alunos que viessem a integrar

a pesquisa, ou a sua maioria, e permitir à professora-pesquisadora a observação das

interações entre os alunos, decidimos que o grupo de realização do projeto deveria ser

Page 94: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

93

reduzido. A escolha desse grupo de alunos, participantes desta pesquisa, obedeceu a alguns

critérios. Como mencionado acima, existiam, na unidade de aplicação, três turmas de 9º

ano, contendo 29 alunos na turma A, 33 na turma B e 28 na turma C. Uma vez que não

seria possível realizar as atividades durante o horário regular das aulas, organizamos uma

seleção que garantisse condições idênticas de participação a todos os alunos interessados.

Em um dia, previamente agendado com a direção da unidade, apresentamos o

projeto e detalhes acerca de sua realização em todas as salas para os alunos presentes. Ao

final de cada exposição, os estudantes eram questionados se gostariam de participar e os

nomes dos que se manifestaram foram anotados. Em reunião com a direção da unidade,

após constatar que 44 alunos, provenientes de todas as turmas, prontificaram-se a

participar, ficou decidido que faríamos um sorteio para a definição de tal grupo. Não

impomos, nesse momento, a condição de termos representantes de todas as turmas no

grupo a ser sorteado.

Os 44 alunos que manifestaram interesse levaram, nesse dia, o Termo de

Assentimento, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e uma circular da

escola para que os pais e/ou responsáveis tomassem conhecimento da pesquisa e

autorizassem a sua participação. Com isso, no dia marcado para o recebimento desses

documentos, houve uma desistência de 7 alunos, devido principalmente à dificuldade de

retorno no contraturno.

Dos 37 alunos restantes, foram convidados três alunos, sendo um representante de

cada turma, para presenciar e auxiliar no sorteio, bem como a diretora da unidade e a

professora-pesquisadora. Os nomes dos alunos, digitados em pedaços de papel, foram

conferidos pelos alunos e pela diretora. Como mencionado, não fizemos distinção da turma

a que esses alunos pertenciam e também não consideramos, na época, sortear

representantes de todas. Assim, os nomes dos 37 alunos ficaram misturados em um

recipiente para que se fizesse o sorteio. Enfim, iniciamos o sorteio de 18 alunos que iriam

compor o grupo de aplicação. Todo o processo foi realizado pelos alunos e pela diretora,

sendo, nesse momento, a professora-pesquisadora apenas uma observadora.

A opção por sortear, naquela situação, 18 alunos para compor o grupo aconteceu

por considerarmos a possibilidade do não comparecimento de todos no decorrer do projeto.

De fato, a margem de segurança imposta se comprovou, pois, dos 18 alunos, 4 não

compareceram a nenhum dos encontros, 2 compareceram apenas em um encontro e 12

compareceram a todos os encontros. Em sintonia com nossa proposta, decidimos que a

Page 95: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

94

realização das atividades se daria em grupos de, no máximo, 4 integrantes. Vale ressaltar

que, os materiais produzidos pelos dois alunos que compareceram a apenas um encontro

não foram considerados neste estudo. Portanto, participaram da presente pesquisa 12

alunos (três do sexo masculino e nove do sexo feminino) das diferentes turmas de 9º Ano.

4.4 PROCEDIMENTOS

As atividades foram realizadas no contraturno do horário regular, pois, como já

mencionado, a proposta e a estrutura pedagógica da escola não permitia modificação no

planejamento das aulas. Todos os cuidados foram tomados para que os pais e/ou

responsáveis estivessem cientes da não modificação destas e da participação voluntária36

nas aulas do período vespertino. Ressaltamos que estas aulas foram conduzidas apenas pela

pesquisadora, não tendo a participação da professora regular. Assim, sempre que nos

referirmos à professora, nos diálogos do capítulo 5, é à pesquisadora que deve ser feita a

associação.

Analisamos o cronograma de conteúdos da série para que a nossa pesquisa fosse

realizada antes da introdução de funções pela professora regular nas aulas no período

matutino. Como esse conteúdo seria trabalhado na escola, no segundo semestre, por volta

do mês de agosto, optamos por realizar o nosso trabalho no primeiro semestre daquele ano.

Ao todo, foram elaboradas e desenvolvidas com os alunos cinco atividades iniciais

e seis problemas relacionados ao conceito de função. As atividades37 foram elaboradas pela

pesquisadora, em consonância com os aportes teóricos, sendo que as atividades iniciais e

os problemas visavam explorar o conceito de função, enfatizando a relação entre

grandezas, incógnitas e variáveis, generalização e noções gráficas.

Como já foi mencionado, considerávamos a possibilidade de certa estranheza por

parte dos alunos no que tange aos problemas que seriam propostos, principalmente pela

falta de costume com questões desse tipo, constituídas a partir de uma abordagem mais

36 Como os alunos tinham idade inferior a 18 anos, os pais e/ou responsáveis receberam e assinaram um termo de consentimento autorizando a participação de seu filho nesta pesquisa. Cada aluno também recebeu e assinou um termo de assentimento. Nesses documentos (Apêndice B e C, página 185-188) estavam explícitos os horários e o turno, bem como as datas da realização da pesquisa. 37 As atividades são, em sua maioria, autorais. Quando uma atividade foi adaptada ou modificada pela autora, fizemos constar a fonte e os ajustes.

Page 96: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

95

aberta. Diante disso, quando da elaboração das primeiras questões a serem propostas aos

alunos, consideramos aplicar dois tipos, as quais denominamos: atividades iniciais e

problemas. Ainda que o foco de nossa pesquisa seja a resolução de problemas,

consideramos questões elaboradas sob o formato de atividades iniciais, pois o intuito era

minimizar o contraste entre as questões presentes nas aulas regulares e o que nós

proporíamos na pesquisa, tendo elas, então, caráter de ambientação. Assim, os dois tipos de

questões foram considerados e se diferenciavam principalmente pela abordagem.

Dessa forma, começamos aplicando o primeiro tipo de questão, as atividades

iniciais, que tinham como objetivo levantar informações sobre os participantes acerca de

conteúdos de pré-requisito, por exemplo: o uso da linguagem algébrica, para a

aprendizagem de função, bem como expor os alunos às noções básicas do conceito de

função. Nessas atividades, as questões foram direcionadas existindo comandos que

definiam um contexto no qual os alunos iriam trabalhar. Assemelha-se com grande parte

das questões que eles estavam acostumados em sala de aula mas, gradativamente, a

necessidade de reflexão foi exigida. Na sequência, foram aplicados os problemas, segundo

tipo de questão, elaborados em consonância com nossa concepção, sendo constituídos de

situações em que o aluno não detinha procedimentos para a resolução. Imbuídos de várias

interpretações, requisitou-se a reflexão para o desenvolvimento de estratégias para resolvê-

los, permitindo, assim, diferentes respostas.

4.4.1 OS ENCONTROS

Com base em nossos aportes teóricos, foi considerado oportuno que todos os

encontros promovessem a integração dos alunos através da realização das atividades em

grupo. Dessa forma, foram favorecidas as discussões, a proposição de conjecturas, a

verificação da hipótese, além do auxílio mútuo entre os alunos. Nesse tipo de formato, as

experiências poderiam ser compartilhadas e, assim, em um ambiente que promovesse a

discussão de ideias e dos conceitos utilizados na resolução dos problemas, depois de

refletidos pelos alunos, poderiam ser gerados novos conceitos.

No primeiro encontro, orientamos os alunos acerca da condução dessas atividades,

da importância da participação de cada um e solicitamos que formassem grupos de quatro

Page 97: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

96

integrantes. Observando a relevância das discussões em nossa pesquisa e, considerando

que os estudantes eram de salas diferentes, optamos por deixar a organização dos grupos

livre. Assim, eles sentiram-se mais à vontade e pudemos contar com o fator afinidade

quando da realização das atividades, o que consideramos ser um facilitador no início dessa

abordagem.

Para preservarmos a identidade dos doze participantes, garantindo assim o

anonimato dos alunos, decidimos nomeá-los através de um código, identificando o aluno e

o grupo ao qual pertence. Em termos dos grupos, utilizamos as letras A, B e C, enquanto os

discentes serão identificados pelos números 1, 2, 3 e 4. Desta forma, A1 é o estudante 1 do

grupo A, B3 é o estudante 3 do grupo B, C2 é o estudante 2 do grupo C, e assim,

sucessivamente.

Ao iniciarmos a realização da pesquisa de campo, tínhamos algumas atividades e

alguns problemas planejados, bem como o desenvolvimento que proporíamos em cada

encontro. No entanto, algumas atividades/problemas sofreram modificações, e outras

questões foram elaboradas. Além disso, um encontro era planejado e/ou reestruturado de

acordo com o desenvolvimento do anterior. Nesse caso, a partir do que era observado pela

professora-pesquisadora em um encontro, modificações eram implementadas no próximo,

pois, conforme Onuchic e Allevato (2012, p. 243) as questões “precisam ser planejadas ou

selecionadas a cada dia, considerando a compreensão dos alunos [...]”.

Foram seis encontros, realizados semanalmente, às sextas-feiras38, sendo

conduzidos pela pesquisadora. A duração de cada encontro era de duas horas. Em geral,

pensamos em desenvolvê-los aplicando várias questões e as discutindo na sequência, no

mesmo dia. No entanto, logo no primeiro encontro, percebemos que deveríamos aproveitar

as discussões e/ou as dúvidas dos grupos, para a composição de outras questões e para o

desenvolvimento dos encontros posteriores. Além disso, percebemos que o tempo dedicado

à resolução de algumas atividades iniciais e de alguns problemas era distinto em cada

grupo, e as discussões neles eram prolongadas. Com isso, a partir da análise de cada

encontro, promovíamos no encontro seguinte discussões com todos os grupos, de forma

coletiva, das atividades, alavancando a verificação das hipóteses e as estratégias utilizadas

pelos grupos menores.

Apresentamos a seguir um cronograma sintetizado das atividades e dos problemas

propostos e de sua execução. 38 O último encontro aconteceu numa segunda-feira, em substituição a uma sexta-feira em que não o realizamos devido a um evento na escola.

Page 98: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

97

Quadro 1 - Cronograma das Atividades Desenvolvidas

Encontro Data Duração (horas) Descrição dos Encontros

1º 02 mai 2014 2

Realização, em grupos, das Atividades Iniciais: § Atividade 1; § Atividade 2; § Atividade 3; § Atividade 4.

2º 09 mai 2014 2

Realização, em grupos, da Atividade Inicial e dos Problemas: § Atividade 5; § Problema 1 e § Problema 2.

3º 16 mai 2014 2 Discussão pelo conjunto de participantes das Atividades Iniciais 4 e 5.

4º 30 mai 2014 2

Realização, em grupos, dos Problemas: § Problema 3; § Problema 4; § Problema 5.

5º 06 jun 2014 2 Realização, em grupos, do Problema 6.

6º 09 jun 2014 2 Continuação da resolução do Problema 6 e discussão dele pelo conjunto de participantes.

Fonte: A autora.

Julgamos necessário promover um recorte dos dados coletados, sendo selecionadas

algumas atividades e alguns problemas, constantes do Quadro 1, representativos dos

mesmos. No próximo capítulo, apresentamos a descrição, bem como faremos constar o

propósito, a condução e os trechos de maior destaque na participação dos alunos nessas

atividades.

4.4.2 A COLETA DE DADOS

Em investigações qualitativas, são utilizadas distintas estratégias, comumente

relacionadas ao contexto e ao que se pretende estudar. Essas investigações assumem,

segundo Bogdan e Biklen (1994), variadas formas, sendo conduzidas em múltiplos

contextos. No estudo em questão fizemos uso de três técnicas para coleta dos dados, a

saber: a observação, a entrevista (conversas informais) e os documentos. Para o registro

dessas informações, utilizamos os seguintes instrumentos: diário de campo, gravações em

áudio e registros das folhas de atividades/problemas. Passamos, a seguir, a explicitar a

forma de utilização desses instrumentos.

Page 99: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

98

4.4.2.1 OBSERVAÇÃO

A técnica da observação para a obtenção e para a compreensão de dados é muito

antiga. Podemos encontrar exemplos, nas ciências, do homem utilizando-se de seus

sentidos de forma sistêmica com o intuito de entender fenômenos. De acordo com Sabino

(1992, p. 116, tradução livre), “a observação consiste no uso sistemático de nossos sentidos

orientados para a captação da realidade que queremos estudar”39.

A sistematização e o direcionamento da observação contribuirão para que essa

técnica seja validada e confira informações confiáveis para a pesquisa. Isso decorre da

possibilidade de se gerar ambiguidades quando duas pessoas observam um mesmo objeto

ou uma mesma situação. Não podemos descartar que a análise do que observamos esteja

imbuída de nossas concepções e de nossas crenças, mas precisamos promover formas de

garantir que os dados provenientes da observação sejam os mais fiéis possíveis.

Portanto, conforme afirmam Lüdke e André (1986, p. 25), a observação precisa ser

controlada e sistemática, “implicando a existência de um planejamento cuidadoso do

trabalho e uma preparação rigorosa do observador”. Esse planejamento irá conduzir o que

observar e como fazê-lo, indo ao encontro dos objetivos da pesquisa.

Em nossa pesquisa, a pesquisadora era também a professora que conduzia os

encontros. Assim, a tarefa de observar era dividida com outras tarefas, como, por exemplo,

conduzir as atividades. A postura da professora-pesquisadora nos encontros foi

estabelecida com base em nosso referencial teórico, sendo que o cuidado com a

participação e com as interferências nas discussões foi levantado previamente. No

ambiente proposto, a professora-pesquisadora assume uma postura mediadora, de forma a

“conduzir o aluno a descobrir uma solução por si mesmo” (POLYA, 1985, p.15).

A observação foi relevante ao considerar aspectos da resolução de problemas no

grupo, tais como o modo como os estudantes se comportavam frente às atividades

propostas, como reagiam nos momentos de discussão em que todos participavam, quais

aspectos deveriam ser instigados nos momentos em que o professor era requisitado nos

grupos.

Para o registro dessas observações, foi elaborado, ao final de cada encontro, um

diário de campo detalhando sobre o decorrer do trabalho realizado em sala. Descrevemos 39 Texto na língua original: La observación consiste en el uso sistemático de nuestros sentidos orientados a la captación de la realidad que queremos estudiar.

Page 100: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

99

informações que acreditávamos, naquele momento, serem indispensáveis para a nossa

pesquisa. Como todas as conversas entre alunos de um mesmo grupo, entre

alunos/professora e entre os grupos foram gravadas, nossa preocupação com o diário de

campo relacionava-se com atitudes, posturas, gestos, informações que, somadas aos

áudios, pudessem auxiliar na compreensão das atividades. A cada encontro, utilizávamos

as observações dos encontros anteriores a partir dos registros dos alunos nas folhas de

questões, bem como do diário de campo da professora-pesquisadora, para então

planejarmos, aprimorarmos ou modificarmos as atividades e os problemas.

4.4.2.2 CONVERSAS/ENTREVISTA

Outra técnica muito utilizada nas investigações qualitativas é a entrevista. As

autoras Lüdke e André (1986, p. 33) afirmam ser esta “uma das principais técnicas de

trabalho em quase todos os tipos de pesquisa utilizados nas ciências sociais”. Além disso,

ela é amplamente utilizada em diversas áreas, não apenas na acadêmica.

Diferentemente de outras técnicas, ainda segundo essas autoras, ressalta-se a

interação mediada entre entrevistador e entrevistado, existindo um ambiente mutuamente

influenciável. As entrevistas não estruturadas detêm uma condição mais favorável para

gerar este tipo de ambiente. Sendo relevante destacar que, “na medida em que houver um

clima de estímulo e de aceitação mútua, as informações fluirão de maneira notável e

autêntica” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 34).

De acordo com Bogdan e Biklen (1994, p. 134), “[...] a entrevista é utilizada para

recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador

desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam

aspectos do mundo”. Podendo ser utilizada de duas formas nas pesquisas qualitativas,

como sugerem esses autores, enquanto uma constitui uma estratégia dominante na coleta

de dados a outra vem complementar, trabalhando em conjunto com outra técnica. Com

estes objetivos, o de auxiliar e o de complementar a observação, utilizamos a entrevista

nesta pesquisa.

Empregamos, uma entrevista de caráter não estruturado, tratando desse momento de

maneira bastante informal. Transformamos alguns momentos de conversas entre

Page 101: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

100

professora-pesquisadora e estudantes em diálogo focado na pesquisa que se aproximava de

uma entrevista, sendo essa situação embasada no que apresentam Bogdan e Biklen (1994).

As conversas foram conduzidas de maneira informal, pois julgamos que os alunos se

sentiriam mais à vontade e poderiam contribuir com críticas acerca da proposta. Ao final

dos encontros, enquanto aguardavam os seus pais, alguns alunos permaneciam na sala com

a professora-pesquisadora e, nesse momento, aproveitávamos os gravadores ainda ligados

para conversarmos informalmente com os alunos sobre o tema em pauta.

4.4.2.3 DOCUMENTOS

A análise documental constitui, segundo Lüdke e André (1986), uma técnica na

abordagem de dados qualitativos podendo complementar informações provenientes de

outras técnicas ou ainda revelar novos dados. Sendo considerados documentos “quaisquer

materiais escritos que possam ser usados como fonte de informação [...]” (PHILLIPS, 1974

apud LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 38), a sua análise busca identificar fatos com base nos

propósitos da pesquisa.

No presente estudo, recolhemos documentos como forma de complementar as

técnicas já mencionadas. Além disso, o uso dessa técnica se justifica não somente como

forma de dados complementares mas também por considerar que “os documentos

constituem [...] uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidências que

fundamentam afirmações e declarações do pesquisador” (GUBA; LINCOLN, 1981 apud

LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 39).

Dessa forma, contamos com os registros produzidos pelos alunos ao longo dos

encontros. Todas as atividades e todos os problemas foram fornecidos em papel próprio,

com espaço para resolução e, após o seu término, foram recolhidos pela professora-

pesquisadora, a qual incentivava, a cada vez que era chamada para discutir alguma questão,

os alunos a registrarem nesse papel os seus cálculos, as suas estratégias e os seus

pensamentos. A identificação nesses documentos foi realizada com o nome do aluno e,

para sua utilização na pesquisa, como já mencionado, utilizamos um código específico,

garantindo assim o seu anonimato.

Page 102: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

101

Diante do exposto, apreciamos os registros produzidos pelos estudantes durante a

pesquisa como fonte de informação sobre o processo, permitindo analisar a contribuição da

resolução de problemas para a compreensão do aluno acerca do conceito de função.

Acreditamos que a análise desse tipo de documento apresenta a possibilidade de obtermos

informações não identificáveis por outros meios. Além disso, ela poderia ainda ratificar ou

não as informações obtidas no processo de análise dos dados.

4.4.2.4 GRAVAÇÕES

Durante os encontros, o diálogo entre os alunos e a professora-pesquisadora foi

incentivado, sendo válido destacar que a docente estava com uma postura de motivar a

discussão das questões. Para que tivéssemos acesso às discussões internas de cada grupo,

todas as aulas, com a autorização dos alunos e dos responsáveis, foram registradas em

áudio.

Inicialmente as aulas também seriam gravadas em vídeo, porém, no primeiro

encontro, ao registrar a discussão de uma atividade no quadro, percebemos que os alunos

ficaram constrangidos, interferindo no desempenho da discussão. A discussão era mais

espontânea quando somente os aparelhos para capturar o áudio estavam ligados,

percebemos ainda que tal gravação capturava todas as falas, desejadas ou não, já a câmera

de vídeo os faziam modificar sua postura, pois os alunos tentavam se portar e falar de

acordo com o que consideravam ser esperado pela professora-pesquisadora. Diante disso,

decidimos não efetuar gravações em vídeo durante essas discussões.

Em cada grupo foi colocado um gravador de áudio a fim de capturar as discussões.

Com isso, tínhamos, em cada encontro, três gravadores devidamente posicionados em suas

carteiras. Nos encontros que discutíamos no grupo maior, os aparelhos também eram

ligados e, mesmo que capturassem o mesmo áudio, caso em algum momento uma fala não

estivesse compreensível, tínhamos a outra gravação para averiguar.

Page 103: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

102

4.5 A ANÁLISE

Após concluído o trabalho de campo, reunimos e organizamos todas as informações

coletadas ao longo do processo. Realizamos, então, a interpretação dos dados com base na

análise de conteúdo (Moraes, 1999) envolvendo a codificação dos dados e, a partir desses

códigos, a elaboração de categorias (Charmaz, 2009).

A análise de conteúdo, de acordo com Moraes (1999), é utilizada para descrever e

para interpretar o conteúdo de textos diversos, ao passo que conduz as descrições

sistemáticas que auxiliam na sua interpretação. Com isso, é possível alcançar um nível de

compreensão que, ainda de acordo com o autor, transcende uma leitura comum. Em nossa

pesquisa, esses textos referiam-se às transcrições das discussões ocorridas em todos os

encontros, das conversas informais, bem como os provenientes dos registros produzidos

pelos alunos.

Um aspecto presente nessa interpretação, conforme Moraes (1999), é que um texto

contém muitos significados. Isso porque, “a análise de conteúdo, em sua vertente

qualitativa, parte de uma série de pressupostos, os quais, no exame de um texto, servem de

suporte para captar seu sentido simbólico” (MORAES, 1999). Assim, esses múltiplos

significados relacionam-se ao contexto que o texto se insere, e esse precisa ser levado em

consideração ao tentarmos entender o seu significado.

Procedemos à análise dos dados, visando ao desenvolvimento de uma compreensão

de como a resolução de problemas pode contribuir para a significação do conceito de

função. A codificação e as categorias de análise serão descritas no capítulo 6.

Page 104: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

103

CAPÍTULO 5

APLICAÇÃO E DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES

O ensino do conceito de função, nesta pesquisa, é assumido respeitando os

conhecimentos prévios dos alunos, sendo a partir deles instigada a utilização e o

desenvolvimento de qualquer estratégia. Neste ponto, ressaltamos que as atividades foram

elaboradas com o intuito de promover o uso e o desenvolvimento de noções básicas

referentes ao conceito de função.

Com isto, ao proporcionarmos uma situação que poderia se tornar problemática

para os alunos, a utilização de conceitos que eles já possuem seria requisitada e, também,

esperávamos que concebessem ideias novas. Conforme descrito no capítulo 3, por meio da

reflexão no uso de ideias, essas poderiam, de acordo com Dewey (1959), tornarem-se

novos conceitos.

Consideramos então a definição e a abordagem do conceito de função assumidas

nesta pesquisa, que ressaltam a relação entre grandezas, embasados em Caraça (1951) e

Sierpinska (1992), destacam-se a relevância da percepção de padrões em regularidades.

Uma das finalidades para o ensino de função é o estudo e a análise de fenômenos para

entender o seu comportamento (BRASIL, 2000). Decorrendo então a importância da

compreensão pelos alunos de regularidades e da percepção de padrões nas mesmas.

Apresentamos, então, neste capítulo, a descrição de algumas atividades propostas

ao longo dos encontros que compõem esta pesquisa de campo. Optamos por descrever

somente algumas atividades para que não ficasse muito extenso, porém os dados utilizados

são representativos, em relação ao universo. Além disso, todas as atividades encontram-se

disponíveis no Apêndice D, páginas 189 a 193. Ademais, expusemos um detalhamento da

aplicação e da sua realização, compreendendo recortes que consideramos significativos em

relação ao objetivo da pesquisa.

Como descrito em Métodos e Procedimentos, para preservar a identidade dos doze

participantes, quando esses forem mencionados, serão identificados por um código que

indica o seu grupo (A, B, C), seguido de um número (1, 2, 3, 4) que corresponde a cada

aluno.

Page 105: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

104

5.1 ATIVIDADE 1

No primeiro encontro, algumas atividades tinham por objetivo verificar se o aluno

era capaz de perceber padrões em sequência de figuras. Além disso, intencionou-se

averiguar se, em virtude desse padrão percebido, estabeleceriam relações entre ele e a

generalização, expressando-o através da linguagem algébrica. Contemplando tais

objetivos, tem-se a Atividade 1 correspondente à figura 5 a seguir.

Figura 5 - Atividade 1 - Percebendo padrões em regularidades e promovendo relações

Fonte: A autora.

No início do encontro, a pesquisadora orientou os grupos que todas as atividades e

problemas propostos deveriam ser discutidos. Ainda afirmou que, durante a resolução, eles

conversassem internamente no grupo sobre suas ideias e suas estratégias. Destacamos,

então, o excerto a seguir, que representa o diálogo do grupo A no momento em que seus

membros leram a primeira alternativa da Atividade 1. Com um tom de estranheza e

brincadeira, os componentes começam a fazer indagações.

A4: Ai gente pelo amor de Deus né, tem... quantas bolinhas tem cada figura? [risos] A2: Calma. A gente tem que discutir. [Risos] A2: Quantas bolinhas tem cada figura? A1: Tem que discutir isso? [Risos] A4: Eu acho que [...] lá embaixo contando. A1: Olha, a primeira tem duas. A4: É fileira vezes coluna, gente. É só fazer fileira versus coluna.

Page 106: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

105

Embora as brincadeiras presentes, ao analisar os registros desta atividade, vê-se que

apenas um aluno tinha respondido (registrado) de forma direta o que o enunciado

solicitava, ou seja, apenas ele apresentava a quantidade de bolinhas de cada figura

utilizando um número correspondente. A maioria dos integrantes desse grupo apresentou,

na folha de resolução, uma resposta vinculada ao padrão numérico existente entre o

número de bolinhas de cada figura (veja Figura 6) e não a quantidade solicitada.

Figura 6 - Destaque da resolução pelo participante (A2)

Fonte: Dados da pesquisa.

Retomando o diálogo do excerto acima, destacamos a fala do aluno A4 que, ao

mencionar “é fileira vezes coluna...”, infere uma relação para a contagem de objetos, que

vai além do solicitado. Podemos, a partir dessa afirmação, apontar uma estratégia utilizada

por esse aluno, implicando na percepção espacial e na generalização do processo de

contagem.

Nos outros grupos, tivemos duas situações distintas. No grupo C, todos os alunos

responderam o que fora solicitado e apenas isso, enquanto que, no grupo B, dois alunos

(B2 e B3, respectivamente) apresentaram apenas uma relação (veja Figura 7) ou a

quantidade e uma relação (veja Figura 8), sendo neste último de forma equivocada.

Figura 7 - Destaque da resolução pelo participante (B2)

Fonte: Dados da pesquisa.

Figura 8 - Destaque da resolução pelo participante (B3)

Fonte: Dados da pesquisa.

Page 107: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

106

Nesta pesquisa, consideramos toda resolução, assertiva ou não, importante para o

processo de aprendizagem e de construção de conceitos. No entanto, observamos, nesse

primeiro momento, um despreparo na discussão das ideias e das estratégias utilizadas para

a resolução, o que pode ter ocasionado incoerências com o que era solicitado. O descuido

com a leitura do enunciado, por exemplo, implicou na falta de atenção na resolução de uma

atividade objetiva e correspondente aos conhecimentos dos estudantes.

A desatenção assinalada somente foi percebida, pelos participantes do grupo A,

conforme avançaram na resolução desta atividade e se depararam com o item c. Nesse

momento, um dos estudantes manifestou que a resposta apresentada no item a, dessa

mesma atividade, seria mais adequada no item c. Nesse ponto, esperava-se que os alunos

discutissem e verificassem as duas alternativas novamente, a fim de identificar: i) um erro

na interpretação das questões ou ii) alternativas dúbias ou equivalentes. No entanto, o que

ocorreu foi uma tentativa de organizar a resposta a ser apresentada no item c dessa

atividade de forma a não ficar idêntica à registrada no item a. Veja o excerto a seguir que

demonstra esta situação.

A1: A gente respondeu a “c” na “a” viu. A2: É, mas então na “a” tem que falar duas a mais do que na figura anterior e na “c”... A3: A cada figura, é a mesma coisa. A2: Não, mas na “a” a gente já falou isso então eu acho melhor mudar. A4: Não vai fazer diferença, gente. A2: Não, tá errado.

Observa-se que não existe uma argumentação e que tampouco prolongam essa

discussão. O que percebemos na resolução de alguns alunos deste grupo é a inserção de

informações no item a, conforme se pode notar na figura 9 a seguir, que apresenta a linha

em destaque, que fora acrescentada após o excerto acima.

Figura 9 - Destaque da resolução pelo participante (A1)

Fonte: Dados da pesquisa.

No que tange à percepção de padrão, na primeira sequência apresentada na

Atividade 1, observamos uma facilidade por parte de todos os alunos participantes. A

Page 108: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

107

maioria, ao relatar sobre o padrão observado, destacou, conforme o participante A1, que

“cada figura possui 2 bolinhas a mais que a anterior”. No entanto, chamaram-nos a atenção

outros padrões destacados pelos estudantes B1 e B2, respectivamente, “o número de

colunas é o número da figura” e “se dividirmos o número de bolinhas pelo número da

figura sempre encontramos 2”.

Embora os alunos tenham demonstrado certo domínio em relação à percepção de

padrões, quando questionados acerca da relação existente entre duas grandezas, esta ainda

não estava consolidada por eles, pelo menos ao analisar o que foi descrito em linguagem

natural. Podemos inferir, ainda, que os participantes não tinham clareza em relação à

distinção entre um padrão numérico observado e a relação entre grandezas mensuradas em

uma sequência, sendo esta constatação exibida na sequência.

Observemos que na atividade 1, item d, buscava-se elencar uma relação entre a

quantidade de bolinhas e o número da figura. Essa questão se propunha a perceber se o

aluno conseguiria expressar uma relação além dos padrões numéricos representados na

imagem. Como os estudantes resolveram esta atividade em grupo, todos os participantes do

grupo A, apresentaram o mesmo padrão ou relação entre o número da figura e o número de

colunas.

Analisando o excerto seguinte, podemos inferir que a condição de cada coluna ter

duas bolinhas era um fator agregado ao desenho, no mínimo para a estudante A2. Ao ser

questionada pela estudante A1 acerca da relação entre a quantidade de bolinhas e o número

da posição da figura, ela imediatamente afirma a relação entre esse e a quantidade de

colunas. Dessa forma, quando ela quisesse determinar o número de bolinhas de uma figura

qualquer, implicitamente bastaria saber quantas colunas a figura tinha, visto que a

quantidade de bolinhas de cada coluna era sempre a mesma. Note que uma das

participantes desse grupo (A3) menciona verbalmente o fator multiplicativo, apontando de

maneira explícita a relação pedida, mas, em meio à resolução, essa sugestão não foi

considerada pelos alunos.

A1: Como você relacionaria a quantidade de bolinhas com o número da posição? A2: Por exemplo, aqui na figura 2 tem duas bolinhas assim, na figura 3 tem 3 bolinhas assim. [A aluna A2 falava e gesticulava apontando o ‘assim’ como a coluna, desta forma indicava que a figura 2 tinha duas colunas, a figura 3 tinha 3 colunas, e assim sucessivamente] A1: É pois é, três colunas. A2: O número da figura é o... A1: É, o número da fileira.

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108

A2: O número da figura. A3: É o número da fileira multiplicado por dois. [Considerando que o número de fileiras (colunas) é o mesmo que o número da figura, a aluna A3 apresenta a relação entre as grandezas, ou seja, a quantidade de bolinhas é o número da figura multiplicado por dois.] A4: O número da figura é o número de colunas. A2: O quê? A1: Então como é que a gente escreve? A4: O número da figura é o número das colunas.

Na figura 10 a seguir, ainda em relação ao item d da atividade 1, observamos outro

exemplo de resposta em que o padrão numérico é destacado (o aumento de bolinhas a cada

figura), mas não é evidenciada a relação pedida, que deveria relacionar a quantidade de

bolinhas com o número da figura.

Figura 10 - Destaque da resolução pelo participante (B4)

Fonte: Dados da pesquisa

Alguns alunos dos grupos B e C apresentaram respostas semelhantes às que

exibimos nessa figura. Além disso, consideramos relevante mencionar que, em um mesmo

grupo, respostas coerentes e incoerentes foram apresentadas. Ainda que estivessem em

grupo, percebemos, através dos diálogos e registros, a ausência de discussão ao resolver

estas atividades iniciais. Não esperávamos que todos os alunos apresentassem as

resoluções iguais, mas que discutissem internamente entre eles quando houvesse

divergência.

Como mencionamos, a percepção de padrões e o estabelecimento de relações entre

ele e a generalização é fundamental para a nossa pesquisa. Desta forma, com o intuito de

consolidar a primeira atividade apresentada, elaboramos outras questões similares,

denominada atividade 1.1, conforme a figura 11 a seguir, realizada logo após a atividade 1.

Consideramos o mesmo objetivo da anterior, acrescentando-se o interesse em verificar se

as estratégias utilizadas na primeira seriam aprimoradas ou replicadas na segunda.

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109

Figura 11 - Atividade 1.1 - Percebendo padrões em regularidades e promovendo relações

Fonte: A autora.

Observe que na Atividade 1.1, figura 11, com o intuito de auxiliar e de instigar o

estabelecimento da relação entre a quantidade de quadradinhos e a posição da figura,

propõe-se uma tabela de valores. Pretendíamos, com isso, favorecer a generalização e a

escrita de tal relação em linguagem algébrica, uma vez que ela não era tão evidente como

na primeira atividade.

Na Atividade 1.1, nenhum aluno apresentou uma solução equivocada, e é válido

destacar as estratégias distintas utilizadas em alguns grupos. No grupo A, por exemplo, no

início desta atividade, a partir da ideia de um dos integrantes, os alunos, de forma

prematura, estavam considerando que a quantidade de quadradinhos da figura n seria n + 3.

Pode-se inferir desta situação que o padrão numérico observado na sequência surge como

uma das primeiras ideias na generalização, na busca da relação entre as grandezas.

O que difere na estratégia utilizada nesta atividade da outra é que, ao sugerir uma

possível generalização, os alunos iniciam uma discussão e, a partir da tentativa, do teste de

uma sugestão, conseguem verificar que ela falharia em uma das figuras. Na sequência,

analisando outra possibilidade, outra ideia, formalizam a resposta. Veja o trecho a seguir,

no qual destacamos esta passagem.

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A4: O que? Ah tá figura 1 quantidade de quadradinhos 4. 2 vai ser 7 [ao fundo a estudante A3 responde 7] Vai ser mais 3 sempre. 10, 13, 16. A1: Não entendi. A4: Vai ser n + 3. A3: É porque aqui na figura 1 tem quantos quadrados? 4. Na figura 2 tem quantos? 7. Na figura 3 tem 10. A4: Porque assim. A1: Não, espera, mas aí não seria n + 3. A4: Seria n + 3, porque pegaria este [o aluno aponta para o número da figura], este seria n. A1: Ah tá. A4: Não, mas não seria n + 3. A3: Seria. A1: Não seria. A3: n + 3. A1: Porque aqui, olha 1 + 3, aqui [apontando para o número da figura 2] seria 2 [n = 2]. A4: Porque na segunda não seria 2. A3: É outra coisa porque, se não dá errado. A1: É. A4: Mas tem que ter o mais 3. A3: Tem? Qual a ligação que tem a 4 e a 5? A4: É 3n + 1. [Repetiu por 3 vezes 3n + 1] A1: Por quê? A2: Espera, não! A4: Porque são 3 quadrados, n, cada quadrado é n, mais 1 que é o de cima. [aqui o aluno quis dizer que existiam em cada fileira 3 quadrados, cada fileira é n] A3: [A3 começa falando antes mesmo do A4 terminar sua explicação] É mesmo. 3 x 1 + 1 = 4; 3 x 2 + 1 = 7; 3 x 3 + 1 = 10; 3 x 4 + 1 = 13. A1: É verdade. Tá certo. Faz sentido.

De forma semelhante ao apresentado na Atividade 1, os estudantes do grupo B,

destacaram vários padrões observados na sequência de figuras da Atividade 1.1. Padrões

estes, numéricos e não numéricos, destacando-se o mencionado por B1, que escreve “o

número da figura é a quantidade de ‘linhas’ formadas por três quadrados”. Note que este

padrão auxiliaria na percepção e na descrição da relação existente entre a quantidade de

quadradinhos e o número da figura, porém, apesar de este estudante tê-lo mencionado, esta

não fica evidente, em um primeiro momento, para ele como veremos no diálogo a seguir.

B3: Olha só, gente. Aqui o número da figura é tipo assim, é 1 vezes 3, 3 mais 1; 2 vezes 3, 6 mais 1. [O estudante, ao preencher a tabela presente na atividade 1.1, item c, se refere à quantidade de quadradinhos, fazendo uso do número da figura presente na primeira coluna] B1: Aí depois vai aumentando 3. Você descobre o valor da primeira e vai aumentando 3. B2: Não. Acho que não. B3: Igual o n, o n vai ser n vezes 3 mais 1. B2: 1 vezes 3 mais 1; 2 vezes 3 mais 1...

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111

A estratégia apresentada por alguns estudantes do grupo B para a determinação

desta relação foi a utilização da tabela (veja figura 12) presente nessa atividade em

conjunto com os padrões observados, auxiliando, assim, a generalização. A partir da

percepção de dois padrões, um numérico, em que, a cada figura, 3 quadradinhos eram

acrescentados, e outro não numérico, que o número de linhas, com 3 quadradinhos cada,

era igual ao número da figura, eles preencheram a coluna “quantidade de quadradinhos”. O

destaque destes dois padrões auxiliou a generalização, em que ficam aparentes os valores

fixos e os variáveis.

Figura 12 - Destaque da resolução pelo participante (B2)

Fonte: Dados da Pesquisa

Com relação ao grupo C, diferente do apresentado na primeira atividade,

observamos uma discussão entre os seus integrantes merecedora de atenção, visto que

relacionaram a quantidade de quadradinhos com o número da figura utilizando três

estratégias distintas. Os dados mostram que o início dessa discussão e o seu prolongamento

podem ter acontecido devido à postura instigadora da professora quando requisitada pelos

alunos para esclarecer suas dúvidas.

No fragmento a seguir, podemos perceber que a ideia inicial dos alunos do grupo C,

assim como ocorreu com o grupo A, relacionava-se com o aumento de três quadradinhos,

ou seja, com o padrão numérico da sequência de figuras. Embora fosse do conhecimento

da professora a relação procurada, o seu papel era instigar o levantamento de hipóteses e a

verificação destas por parte dos alunos. Desta forma, nenhuma ideia deveria ser descartada

antes de ser analisada.

C3: Tá, mas então qual é o resultado que eu boto no n? Como eu vou saber? C2: É, eu também não percebi qual é o padrão. 1 mais 3 é 4. C3: É 3. A cada 3. C2: 2 mais 5 é 7. 3 mais 7 é 10. Então, 3, 5, 7... C1: Calma. É n

Page 113: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

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C3: Vai subindo 3! C2: Eu sei, mas aí como eu vou colocar? n + 3? Não é n + 3. C1: A gente vai ter que discutir uma resposta. Professora: n + 3 não vai funcionar? C2: É o anterior mais 3. Professora: E como você escreve o anterior? Todos em coro: n – 1. Então n – 1 + 3. Professora: Será que dá? Testa! C1: Então é n + 2. Professora: Então, mas testa! C4: Não dá n + 2 não, porque... C3: É n – 1 + 3. N – 1 entre parênteses. C1: Não, é a mesma coisa. C4: Vamos colocar aqui como se o n fosse 7. N é 7, menos 1, 6 mais 3 dá 9. C2: Mas não deu certo. Eu acho que não deu certo não. C4: Não, vamos fazer com número pequeno porque já tem na tabela. Vamos supor que seja 4, não 2. C1: O 2! C4: 2 – 1 + 3 = 4. C2: 5 – 1 dá 4 mais 3 = 7. Com o 5 dá errado. [A conclusão da aluna é imediata, pois, de acordo com a tabela construída, a figura 5 teria 16 quadradinhos.] C1: Não, não dá certo.

Diante de uma primeira ideia que não se verificou, para que os alunos não se

desmotivassem, a professora-pesquisadora sugeriu que outras propostas fossem testadas.

Assim como os alunos não estavam habituados com as aulas neste formato, a interferência

nas discussões do grupo também seria diferente da forma tradicional. Por consequência, na

tentativa de incitar novas ideias, acabei por ignorar uma sugestão da aluna C2, colocando

uma questão para que eles pensassem, como pode ser observado no excerto seguinte.

Professora: Testa outras coisas então. Volta para os desenhos! C4: Ah, eu vou desenhar. Professora: Tenta a partir dos desenhos que estão na folha já. C2: Isso aqui é fixo. Esse trem aqui. [C2 aponta para os quatro quadradinhos da figura 1] Professora: Deixe-me devolver a vocês a seguinte pergunta. Como vocês conseguiram desenhar as figuras 4 e 5? C3: A gente somou mais 3. C2: Porque sempre soma mais uma linha embaixo. C1: Eu desenhei no meio primeiro. Professora: Mas sempre somou 3? C2: Embaixo. Do 5, por exemplo. Professora: Figura 7, soma 3, mas soma 3 em quem? Não é na figura anterior? Vocês têm que observar isso, porque se eu quero a figura 5, eu tenho que saber quem é a 4. Não é? C4: É. C2: É.

Page 114: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

113

Professora: Vocês tem que pensar em outra regra. Uma que não dependa da figura anterior. C1: Ah tá!

Embora algumas intervenções presentes no excerto anterior tenham sido limitantes,

os alunos continuaram discutindo várias ideias, inclusive a mencionada pela aluna C2.

Observando o fragmento seguinte, podemos extrair pelo menos duas estratégias distintas

para relacionar as grandezas. Por exemplo, o fato de considerar os quadradinhos da figura

1 como valores fixos não será utilizado neste momento para escrever a relação, mas será

utilizado mais adiante.

C2: Mas tem que ter pelo menos 4. Porque olha a figura 2, é 4 mais 3. Tem que ter o mais 3. C1: Que vai de 3 em 3 é fato. Uma parte já foi, então a gente tem que pensar em uma coisa pra isso. Calma. C2: Tem que ter o mais 3. C1: A fileira do meio é 1 a mais. C2: Sempre vai ter isso daqui, sempre. [C2 aponta o quadradinho único que fica na parte superior da figura] C1: As fileiras do lado é o número da figura e a fileira do meio é um a mais. A gente pode fazer uma regra com este padrão. C3: Porque olha só, aumenta 3, então é como se fosse Tetris. Você modifica, bota dois aqui e um em cima, dois aqui e um em cima. [Neste caso, C3 aponta os dois que seriam colocados para ‘fechar’ a figura em um retângulo, e o de cima para continuar o padrão] C2: Mas isso aqui que é o fixo, porque já tem na figura 1. [C2 aponta mais uma vez circulando a figura 1, dizendo que os 4 quadradinhos estariam fixados] C3: Isso aí é o fixo. C2: Baseando na figura 1, esse é o fixo. C1: Tipo assim, se eu colocar n vezes 2 mais n + 1 dá certo.

Analisando o formato das figuras a aluna C1 consegue fazer uma generalização,

mencionando, conforme excerto anterior, que “as fileiras do lado é o número da figura e a

fileira do meio é um a mais. A gente pode fazer uma regra com este padrão”. Realmente

esta percepção visual é capaz de fornecer uma regra que relaciona a quantidade de

quadradinhos com o número da figura, o que, neste caso, seria para a figura n, 2n + n + 1

que é equivalente à expressão algébrica 3n + 1 obtida pelos grupos A e B. A aluna faz esta

generalização, afirmando que “se eu colocar n vezes 2 mais n + 1 dá certo”. Neste instante,

quando a aluna C1 pensa na relação, o aluno C4 a interrompe e temos o seguinte diálogo.

[Durante todo o diálogo anterior o aluno C4 estava fazendo e refazendo cálculos tentando escrever uma relação]

Page 115: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

114

C4: Nossa! Vezes 3 mais 1. 3n + 1 pode fazer a conta! C2: O quê? C4: 3n + 1! Pode fazer a conta! [Fala novamente eufórico!] C1: É!!! Isso aqui que eu fiz! C4: 3n + 1. C2: É verdade. Mas como você descobriu isso? C4: Eu fiquei olhando, presta atenção C2. Eu fiquei fazendo um monte de fórmulas na minha cabeça. C2: Eu to vendo, você estava aí assim [concentrado]. C4: Olha, aqui não é 1? [aponta para o quadradinho superior da figura 1] E cada fileirinha [se referindo à linha] são 3, então 3 + 1 é igual 4. Na figura 2, duas fileirinhas de 3 mais 1... C2: Tá, tá certo. Mas como você descobriu isso? Por que o 3n? C4: Eu olhei para a tabela, aqui, [aponta para a quantidade de quadradinhos] de figura em figura, aumenta 3. Daqui para cá [aponta a mudança de linha na tabela, da figura 1 para a 2], vezes 3 mais 1. C2: Espera, 2 vezes 3 dá 6, mais 1 igual a 7; 3 vezes 3 dá 9, mais 1 igual a 10.

O aluno C4 menciona que ficou olhando e fazendo um monte de fórmulas em sua

cabeça. Disso inferimos que, para esse aluno, estavam presentes uma diversidade de ideias

e, para a resolução, utilizou-se a verificação de cada uma. Portanto, a segunda estratégia

surge, conforme destaque no excerto anterior, a partir da análise conjunta do padrão de

construção das figuras e do preenchimento da tabela, sendo esta última de maior

importância para o aluno.

Como eu não estava presente no grupo durante os últimos trechos desse diálogo,

quando o aluno C4 explica ao grupo o que havia pensado, os componente dispararam a me

chamar, requerendo a minha presença para compartilhar o que fora descoberto. No

momento em que me aproximo desse grupo e questiono “e aí?”, o aluno C4 começa a

explicação da relação que ele havia descoberto, corroborando a importância da tabela para

a resolução. Além disso, deduzimos o significado implícito para o aluno no

desenvolvimento de uma relação, que busca a generalização. Observe no fragmento a

seguir.

C4: Eu fiquei olhando para a tabela, aqui vai de 3 em 3 [indicando a quantidade de quadradinhos] e eu fui prestar atenção. Se for 3 aqui, 3 vezes 1 é 3, mais 1 é igual a 4. Vamos ver se funciona no debaixo, 3 vezes 2 é 6, mais 1 é igual a 7. Professora: C4, por que a sua preocupação em testar para o número 2, para o 3? C4: Porque tem que dar certo em todos. C3: Tem que dar certo para a sequência. C1: Eu não pensei nada disso, eu pensei na figura. Professora: E você, C1, o que você tinha pensado?

Page 116: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

115

C1: Eu pensei, analisando a figura, eu vi que aqui era 3, aqui era 3 e aqui 3 + 1. Na figura 2, aqui era 2, aqui era 2 e aqui era 2 + 1. Então eram 2 vezes o n, mais n + 1. [Toda esta explicação da C1 é feita apontando as colunas à direita e à esquerda comparadas com a central]

Na sequência do diálogo acima, podemos inferir a primeira estratégia de resolução,

como já descrito anteriormente. Quando a aluna C1menciona ter pensado de forma distinta

ao aluno C4, questionei-a, e ela explicou qual foi o caminho traçado para a descoberta.

Nesse caso, encontra-se na figura, no padrão do seu desenho, a relevância para a

compreensão da relação entre as grandezas.

A terceira estratégia foi resgatada a partir de uma ideia incessante da aluna C2, a

qual, provavelmente pela ansiedade da professora, quase se perdeu. Quando a aluna C1

finaliza a sua explicação, a aluna C2 menciona que não pensou em nada e, no instante em

que foi questionada, a ideia que estava latente vem à tona. Instigado pela professora, o

grupo se dispõe a compreender e a trilhar um caminho direcionado por esta ideia.

No excerto seguinte, além de constatarmos o exposto no parágrafo anterior,

podemos destacar duas formas distintas que os alunos utilizaram para relacionar a variação

desta sequência de figuras. Uma delas, está diretamente ligada à quantidade de fileiras com

3 quadradinhos que são adicionados. A outra está relacionada ao fato de considerar a

primeira figura como fixa. As duas ideias são equivalentes mas, para os alunos,

inicialmente, isto não era perceptível. Essa equivalência, somente foi constatada, após o

desenvolvimento das expressões analíticas e, consequente comparação.

C2: Eu não pensei em nada. Professora: Não pensou em nada? Mas você concordou? C2: Concordei. Eu só percebi que isto aqui sempre tinha, estes três com este um em cima era tipo fixo. [A aluna aponta para a figura 1 e começa a destacar o bloco nas outras figuras.] Professora: Era fixo? Será que a gente consegue criar uma regra usando esta ideia da C2? C4: Hã? Professora: Olha, a C2 disse que isto aqui é sempre fixo. [Aponto para a sequência de figuras mostrando a figura 1, ou seja, uma fileira com três quadradinhos e um quadradinho no topo]. Aqui também tem. Será que a gente consegue criar uma regra? C4: Daqui para cá, aumentou 3, 1 fileira. [Aponta da 1ª para a 2ª figura] Daqui para cá, aumentou 2 aqui embaixo, duas fileiras. C2: É tipo 4 mais 3... Sempre tem 4 mais 3 vezes alguma coisa. Professora: 4 + 3 vezes (alguma coisa). Quem será esta alguma coisa? C4: O n! Professora: Será? Vamos testar! C1: Não.

Page 117: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

116

C2: 4 + 3 neste caso, que é 7. [A aluna se referia a figura 2] Depois 4 + 6, que é 10. C3: Mas falou vezes alguma coisa. Professora: A sugestão da C2 foi 4 + 3 vezes (alguma coisa). Descobre quem vai ser esta alguma coisa. C4: Vai ser... Professora: Faz no verso. C4: Vai ser o número da figura menos esta figura aqui. [Apontou para o número da figura 1] Porque a figura inicial é o padrão. Vai ser... C1: n – 1. C2: Mas eu não entendi o que você falou agora. C1: Aqui, gente, fácil, olha! C4: Vai ser 4 + 3 vezes (alguma coisa). [C4, ao dizer isso, escreve uma expressão no verso de sua folha da atividade, deixando um parênteses sem nada dentro para representar o ‘alguma coisa’] Professora: Ok! C2: Ah, já sei! Neste caso é vezes 1, porque [C2 aponta para a figura 2] C4: É o número da figura menos 1. C2: Neste caso, é vezes 2, porque é o número de colunas. [C2 aponta a figura 3 e refere-se ao número de linhas] C1: É isso daqui, gente! C3: É 4 + 3 ⋅ (n – 1). C4: É! C2: n – 1. Por que menos 1? C1: Porque 2 menos 1 dá 1. [A aluna aponta para a figura 2 e mostra a linha embaixo] C2: Ah, então, neste caso aqui [aponta a figura 3] que n=3, daria 3 – 1=2. C1: Isso porque somou 2 linhas com 3 quadradinhos. C2: Ah ok!

Os dados mostram que a discussão e a busca por estratégias que resolvessem essa

última questão foi instigada pela sua natureza, em conjunto com a disposição dos alunos do

grupo C. Descrever a relação entre a quantidade de quadradinhos e o número da figura se

tornou um problema para este grupo. Ainda que esta questão estivesse formulada de forma

objetiva, para eles tornou-se um obstáculo a ser ultrapassado. Observamos que, no

momento que esta situação tornou-se problemática e eles se dispuseram a enfrentá-la,

algumas ideias surgiram. Como descrito por Dewey (1959), se considerarmos a primeira

ideia como a solução de uma questão, poderemos interromper a reflexão inerente a toda

situação problemática. Ressalta-se a necessidade de se examinar a legitimidade dessa ideia,

prolongar o momento da dúvida, deixando-a em suspenso, antes de tê-la como solução. Os

dados mostram que indícios dessa postura podem ser observados ao longo da execução

desta atividade.

Percebemos que no início do encontro os alunos foram mais contidos em suas falas

e, conforme avançaram nas atividades, sentindo-se mais confortáveis com o grupo, com o

Page 118: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

117

ambiente, posicionaram-se mais ativamente, propiciando discussões, e não simplesmente

uma troca de respostas. Considerando esta postura dos alunos e analisando as Atividades 1

e 1.1, é possível delinear um pequeno avanço em relação às estratégias utilizadas e à

discussão sustentada para a resolução.

5.2 ATIVIDADE 2

Reconhecendo a importância, para a nossa pesquisa, de noções básicas do conceito

de função, elaboramos esta segunda atividade, a qual contempla dois objetivos. Ela procura

verificar se o aluno:

a) Reconhece grandezas variáveis;

b) É capaz de escrever uma sentença da linguagem natural para a linguagem

algébrica, fazendo uso de símbolos para expressar uma informação e quais

estratégias seriam utilizadas.

Contemplando tais objetivos, tem-se a atividade 2 correspondente à figura 13 a seguir.

Figura 13 - Atividade 2 – Reconhecendo variáveis e linguagem algébrica

Fonte: A autora.

A primeira sugestão do grupo A foi a utilização de símbolos de desigualdade e uma

letra para representar a altura. A ideia inicial era utilizar a letra “a”, o que surgiu da

proposta do aluno A4 que menciona “humm, ‘a’ menor, ‘a’ maior que 1,50”, ao fazer

referência à linguagem matemática que deveria ser empregada na Atividade 2. Nesse

momento, porém, uma das alunas sugere que dessa forma seria confuso, pois era comum a

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118

utilização da letra “h” para representar a medida de altura. A colocação da aluna foi aceita,

e a sentença escrita da seguinte forma: h > 1,50.

No entanto, a discussão não se encerra, isto porque uma aluna sugere um fator

complicador, fundamentada no contexto em que se insere a atividade. Para a aluna A2, no

cenário da Atividade 2, a linguagem matemática não é a usual, por isso não seria

amplamente compreensível. Observe o diálogo no fragmento a seguir.

A2: Não, h, para uma pessoa plebeu que está indo no parque de diversões. A3 e A4: Mas é linguagem matemática. A1: É, mas é linguagem matemática. A2: Ok, mas não é uma linguagem tipo usual, plebeia.

Podemos perceber nessa situação a relevância e a implicação do uso de símbolos

em diferentes contextos. Inferimos que, no âmbito acadêmico, o uso de uma representação

se tornou inerente, mas no contexto da atividade não era, e isso foi levantado por uma

aluna. Embora o enunciado do item a solicitasse a utilização de linguagem matemática e os

alunos conhecessem uma forma de expressar a sentença, a aluna A2 não deixou de

considerar uma implicação – consequência futura desta utilização, que seria a

incompreensão do símbolo “h” por parte de algumas pessoas no parque de diversões.

Na sequência, ao resolverem o item b quando estavam discutindo a escrita da

sentença, um dos alunos (A4) levantou uma ideia da utilização de igualdade em uma

desigualdade, mas apresentam como solução as sentenças: h > 1,50 e 1,50 < h < 1,78. A

ideia seria retomada e considerada no momento em que compareceria ao grupo. Nessa

ocasião, instiguei os alunos a pensarem acerca do uso da igualdade, questionando se em

alguma situação ela seria apropriada. Observe os trechos seguintes, contendo diálogos

entre os alunos deste grupo.

Professora: Agora eu queria que vocês pensassem na letra a e na letra b, nas duas. Se em alguma delas será maior/menor ou igual. Se em alguma delas terá o sinal de igual. E em qual parte? A3: Pra mim é igual. Pra mim tem o igual. A4: Mas aqui, esta daqui está errada, aqui, não? [O aluno se refere ao sinal de igualdade do item a e a primeira desigualdade do item b] A1: É porque aqui está falando mínima de. E aqui está falando mais de. A1: Aqui ó menos de, mais de e aqui é mínima de. [A aluna se refere à frase “... a pessoa deve ter mais de 1,50m e menos de 1,78m” e “... a altura mínima é de 1,50m”.]

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A3: Aqui [item a] eu entendo, aqui [primeira desigualdade do item b] também. O problema é que tá menor que 1,78. A1: Tá, mas tá menos, se fosse mínima já seria 1,78. Pelo menos essa é a minha opinião.

A4: Eu acho que aqui é maior ou igual porque... O brinquedo permitido para pessoas com altura mínima. Não, tem que ser menos. A3: Aqui é igual. [A4 fala junto com a A3 – Ah não eu acho que tem que ser igual. É, eu acho que tem que ser igual à segunda.] Porque aqui, ó, mínima. A4: É seria um conjunto aberto e outro fechado. É um conjunto, um aberto, no início aberto e outro fechado. Peraí, é o contrário, sei lá. Alguma coisa deste tipo. Mas acho que teria que ser igual aqui. A3: Foi o que eu falei, eu falei isso, mas a A1 falou que não. A1: Não, eu não sei, eu não sei. Eu dei a minha opinião, só isso. A3: Foi o que eu falei, eu acho que aqui [item a] tem que ter, aqui não tem que ter [primeira desigualdade item b], e no 1,78 tem que ter. A4: Não. Não tem que ter no 1,78. Não pode ter mais nem igual. A3: Ah? A4: Não pode ter mais nem igual. A2: Como assim? A4: Uai, porque olha se tiver deveria ser menor ou igual a 1,78. Ou de altura máxima 1,78. A1: É isso que eu penso também. A4: E não menor que 1,78. Menor seria menos, e não igual. A1: É isso que eu penso também. Menos e mais é a mesma coisa. [Aqui se referindo aos símbolos que seriam utilizados] E mínimo e máximo já é... A2: É verdade, faz sentido! Então maior ou igual... A3 e A1: O igual só tem no [item] a. A3: Só tem no [item] a, por que aqui é altura mínima. A4: É. A2: E aqui? [apontando para letra b] A3: Não tem nada, porque é maior ou menor. A4: É isso aí.

Durante a discussão, presente nos fragmentos, da inserção do sinal de igualdade nas

sentenças, o que notamos é o apelo, o uso, do significado das palavras. Conhecer a

significação de mais, menos, mínimo e máximo auxiliou na compreensão do texto da

atividade implicando na escolha dos símbolos.

Assim como no grupo A, no grupo B a primeira estratégia sugerida para a

Atividade 2 foi a utilização dos símbolos de desigualdade. No entanto, em contraste com a

discussão apresentada anteriormente, o uso do símbolo ≥ (maior ou igual) surgiu

naturalmente entre os integrantes desse grupo.

A primeira ideia, em resposta à Atividade 2, item a, era escrever uma sentença

como sugeriu a aluna B4, “eu ia colocar permitido, colocaria o maior [se referindo ao

símbolo >] 1,50m”. Depois de discutir sobre a palavra permitido, o grupo concluiu que não

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estava utilizando a linguagem solicitada. Logo, apresenta uma nova sugestão, escrever

apenas: ≥ 1,50m. O reconhecimento, porém, da grandeza altura e a sua representação

aconteceu somente após a minha intervenção.

Com relação ao grupo C, uma diversidade de ideias despontou no início da

Atividade 2, item a, desde reescrever a orientação dos técnicos com palavras mais simples

e objetivas, até a comparação de equações sem soluções com a restrição, o que eles

consideravam uma proibição. Em meio à discussão, a aluna C1 sugeriu, assim como nos

outros grupos, o uso de símbolos de desigualdade e perguntou sobre a representação de

proibido. A estratégia dos alunos, então, foi direcionar a mensagem utilizando símbolos

diversos que tivessem o significado desejado, mas que também fosse compreensível para

qualquer pessoa. Exemplos desta representação podem ser observados nas figuras 14 e 15 a

seguir.

Figura 14 - Destaque da resolução pelo participante (C1)

Fonte: Dados da pesquisa.

Figura 15 - Destaque da resolução pelo participante (C4)

Embora, nas representações anteriores, os alunos não tivessem feito uso de uma

letra que denotasse a grandeza altura, o símbolo utilizado possuía o mesmo significado.

Vale ressaltar que um dos alunos (C3) mencionava a possibilidade de escrever essas

sentenças utilizando a letra x, o que pôde ser observado nessa mesma atividade, item b.

De forma semelhante ao grupo A, os integrantes desse grupo não utilizaram o

símbolo≥ (maior ou igual) genuinamente. Apenas quando questionados sobre a

necessidade ou não de acrescentar a igualdade é que o fizeram. Nessa passagem,

destacamos a postura de alguns alunos que, diante do questionamento, começaram a

modificar os símbolos, inexistindo discussão prévia, releitura do enunciado e contra-

Fonte: Dados da pesquisa.

Page 122: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

121

argumentação. Como professora, instiguei a discussão, enfatizando essa postura e solicitei

que conversassem a respeito.

Enfim, para decidir se usariam ou não o sinal de igualdade, os alunos buscaram no

significado das palavras a confirmação. Equivalente à estratégia do grupo A, eles

compararam as palavras menos, mais, mínimo e máximo, concluindo, assim, que apenas

no item a usariam o símbolo ≥ .

Embasados nas discussões e nas resoluções da Atividade 2, inferimos que os alunos

conseguiram expressar as informações propostas fazendo uso principalmente de duas

estratégias: os símbolos de desigualdade e uma representação para a grandeza. No entanto,

faz-se necessária certa cautela no que tange a reconhecê-las e a as expressar através da

linguagem matemática, pois os alunos não têm uma compreensão sólida desses símbolos,

embora estejam começando a compreendê-los. No contexto da Atividade 2, observamos

certa dificuldade, o que talvez pudesse denotar a não naturalidade deste reconhecimento

para estes alunos.

5.3 ATIVIDADE 3

A terceira atividade, similar à anterior, fundamenta-se na relevância das noções

básicas do conceito de função para a nossa pesquisa, tendo por objetivo verificar se o aluno

reconhece grandezas variáveis em um contexto. Além disso, pretende-se verificar se ele é

capaz de escrever e de resolver uma sentença matemática, relacionada ao contexto, fazendo

uso da linguagem algébrica. Objetivamos ainda, analisar quais estratégias seriam utilizadas

na escrita e na resolução desta sentença, seja uma equação ou uma inequação.

Contemplando tais objetivos, tem-se a atividade 3 correspondente à figura 16 a seguir.

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Figura 16 - Atividade 3 – Reconhecendo variáveis e equacionando situações problema

Fonte: A autora.

A resolução desta atividade, item a, contou com duas estratégias distintas por

parte dos participantes, demonstradas nas figuras 17 e 18 a seguir. Em uma das resoluções,

os alunos usaram a linguagem algébrica, equacionando a situação proposta. É válido dizer

que outra abordagem também utilizada fazia uso de operações aritméticas. Com exceção

do grupo C, cujos participantes usaram apenas a estratégia constante da figura 18, nos

outros grupos verificamos o uso das duas.

Figura 17 - Destaque da resolução pelo participante (A1)

Fonte: Dados da pesquisa.

Figura 18 - Destaque da resolução pelo participante (A2)

Fonte: Dados da pesquisa.

Na resolução do item b desta atividade, os alunos do grupo B buscam outra forma

de escrever a situação em linguagem algébrica. Embora um dos participantes, no item a,

tivesse resolvido através de uma equação, duas alunas (B2 e B3) manifestaram interesse

em buscar uma forma diferente de escrevê-la. Observe o excerto seguinte.

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B2: Teria outro jeito de fazer esta equação? Acho que sim, né? B3: Acho que X é igual... Vamos tentar? B2: Vamos. B3: X é igual, que é a quantidade de quilômetros que a gente quer rodar. Que a gente pode. B2: Deixa eu só tentar fazer outra. [A aluna fala para a colega B1] X é igual... B1: Eu não vou tentar, porque eu acho que não tem jeito. Porque X é o que você está representando como quilômetros rodados e não... B2: Eu só estou vendo. B1: Sim, tem jeito de você calcular. B2: Só quero ver se dá. B1: Seria o valor, menos a taxa... B2: Seria o que a gente fez aqui, olha [aponta para as continhas do item a]. B3: X é igual a 3,80 mais 2,2 B2: Não, seria 28 – 3,80 B1: Dividido, entre parênteses. Coloca tudo isso [a aluna refere-se ao valor 28 – 3,80] aí entre parênteses. É, pode ser isso aí também. [A aluna quando sugeriu o parênteses achava que a aluna B2 escreveria na mesma linha da seguinte forma: (28 – 3,80) : 2,20]. B2: Olha isso menos isso, dividido por isso dá o número de quilômetros, que é o que a gente fez na primeira. [B2 aponta para os valores e compara com as continhas do item a].

Ressaltamos que, ainda que esta nova sentença fosse equivalente à apresentada na

figura 17, para as alunas B2 e B3 a estratégia para escrevê-la não era. A fundamentação

desta nova sentença, exposta na figura 19, estava vinculada às operações realizadas no item

a, conforme exposto no excerto anterior.

Figura 19 - Destaque da resolução pelo participante (B3)

Fonte: Dados da pesquisa.

A resolução deste item b por alguns alunos do grupo C depara-se com a equação

presente na figura 19. Analisando o diálogo presente no fragmento a seguir, percebemos

que lhes foi apresentada outra equação pelo aluno C4, sentença esta equivalente à que eles

tinham escrito. A percepção de que elas são equivalentes acontece, mas para alguns alunos

a forma de representação desta sentença deve estar alinhada aos cálculos do item a. Por

várias vezes, os alunos mencionam “esta situação” para justificar que a equação deveria se

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limitar estruturalmente a representar o constante no item anterior. Esta postura infere a

relevância dada à significação daquela frase.

C2: Vocês querem escrever isso aqui com letra, além disso? C1: Não, esta situação. [A aluna limita-se à situação apresentada no item a] Eu poderia colocar direto 24,20. C4: Vocês estão na questão, o negócio aqui? [refere-se ao item b]. O algébrico desta vai ser 3,80 + 2,2x = 28. C3: Que? C1: Sim. C2: Tá. Mas esta situação... C1: É Verdade. Verdade. Verdade. C2: Mas esta equação é isso. [aponta para a equação que estava na sua folha e para o item a]

No excerto, ao mencionar “mas esta equação é isso”, a aluna C2 refere-se à equação da

figura 20, que representaria a situação solicitada no item a, da Atividade 3, o que, para ela,

era condizente com os seus cálculos, os quais estão apresentados na figura 21. Vale

ressaltar que, nessa equação, a aluna considera x como uma forma de representar a

quantidade de quilômetros a serem percorridos.

Figura 20 – Destaque da resolução pelo participante (C2)

Fonte: Dados da pesquisa.

Figura 21 – Destaque da resolução pelo participante (C2)

Fonte: Dados da pesquisa.

C1: Mas também dá a mesma coisa. C4: É, sabe por quê? 3,80 você já sai pagando. C2: É eu sei. C3: A cada quilômetro é 2,20. C4: O x é o quilômetro. [quantidade] E isso tem que dar 28 reais. [o aluno refere-se à soma da bandeirada mais o gasto com os quilômetros rodados]

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C1: Está certo. As duas fórmulas são a mesma coisa. C2: 2,2 vezes o número de quilômetros tem que dar 28 menos 3,80. C3: Veja bem, 28 – 3,80 já pagou a taxa fixa, vai sobrar 24,20. Só que a cada quilômetro que você rodar 2,20 então você só poderá viajar é... tantos quilômetros. C1: Ah tá. Mas esta situação. Esta [analise a fórmula da figura 17] é a fórmula final. C2: No geral, no geral, você tem X de dinheiro. Daí você entra no taxi e já paga 3,80, então você já entra com X – 3,80. C3: E você só pode andar os quilômetros dividindo por 2,20. Porque 1 quilômetro é 2,20. C4: Entendi, entendi. C2: É. Você divide este valor [X – 3,80] por 2,20.

Além disso, as alunas C1 e C2 apresentam uma generalização para a situação

apresentada na atividade 3. No diálogo anterior, a aluna C2 já demonstrava uma inclinação

a escrever uma fórmula que fosse considerada geral. Ao mencionar “vocês querem

escrever isso aqui com letra, além disso?” inferimos que implicitamente ela reconhece

valores fixos e valores que poderiam variar. As alunas, então, escrevem as sentenças

constantes das figuras 22 e 23 a seguir. Além do que a atividade propunha, elas apontam

uma relação entre a quantia de dinheiro e a quantidade de quilômetros percorridos,

reconhecendo, assim, a variação e a dependência entre estas grandezas.

Figura 22 - Destaque da resolução pelo participante (C1)

Fonte: Dados da pesquisa.

Figura 23 - Destaque da resolução pelo participante (C2)

Fonte: Dados da pesquisa.

Alguns conceitos começam a despontar nas discussões entre os alunos do grupo A,

os quais são relevantes no estudo do conceito de função, tais como valores variáveis e não

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126

variáveis. No início da atividade 3, o aluno A4 questiona o que seria bandeirada, sendo

apresentado pela aluna A2 a ideia do valor fixo. Analisando o fragmento seguinte,

podemos inferir a forma como ela entende a relação do valor da bandeirada com a

quantidade de quilômetros percorridos, em que está presente de forma implícita a ideia de

independência do valor fixo com esta quilometragem.

A4: Bandeirada? O que é isso? A2: É. É tipo um preço fixo. [Uns segundos depois] Tipo, se você andar 1 metro com o taxi já tem que pagar a bandeirada. A1: É preço fixo. [...] A4: O primeiro quilômetro é a bandeirada? A1: É, então... O fixo. Você já tem 3,80 mais... [A2 fala interrompendo A1]: 28,00 - 3,80. A4: Não, espera aí. Professora, bandeirada é considerada o valor de 1km ou só de entrar no taxi? A2: Preço fixo. Professora: O que você acha? A2: É uma taxa só de entrar no taxi. A4: Então já começa pagando este valor e vai contando os outros.

Outro conceito que é destacado pelo grupo A refere-se à inequação. Ao resolver o

item c desta atividade, os alunos se deparam com aproximações e distanciamentos de

equação e inequação. No excerto apresentado a seguir, salientamos um indício da ideia de

variação, quando na posição de defender o uso de uma inequação para representar a

situação da Atividade 3, a aluna A1 explica que poderia gastar todo o dinheiro (R$ 28,00)

ou uma quantia menor.

A1: O que é uma inequação? A4: Inequação é quando o resultado pode variar. Eu acho que seria uma equação [se referindo ao item c], já que é um símbolo de igual ao invés de ser maior ou menor. A1: É, eu também acho. Inequação seria mais complicado, porque... A4: Não, porque se o preço da ...[o aluno é interrompido pela colega] A1: Ah não, inequação. Porque aí você pode fazer é... você pode gastar mais ou menos, dependendo do dinheiro que você tem. A4: Eu acho que não, porque se fosse uma inequação aqui [se referindo ao item b] seria um sinal de maior ou igual ao invés do símbolo de igual. A3: Pra mim é um equação. A4: Pra mim é uma equação. A1: Só eu que acho que é uma inequação. A4: Ah não ser que o preço... [o aluno é interrompido pela aluna A1] A1: Mas olha só. Você tem 28 reais, certo? Você pode andar 11 quilômetros no máximo, mas você também pode gastar no mínimo. A4: É.

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A1: Você pode gastar menos. Entendeu? A4: Também acho que pode ser uma inequação. Você pode gastar mais ou menos. Você pode andar 11 quilômetros ou menos. A1: Com o igual você acha o máximo de quilômetros que você pode andar. Mas você pode andar menos. A3: É, faz sentido. A1: Com o igual você encontra o valor máximo de quilômetros que pode andar e com uma inequação você pode gastar... [A3 completa a frase da aluna A1] A3: Pode gastar até aquele valor. A4: O valor do igual é o máximo e o valor do mais ou menos é o da inequação. Ai, não sei falar. A3: Espera aí, vamos esperar a A2. A1: Como que escreve isso? A3: Vamos colocar assim: é uma inequação... [Ao compreender que seria adequada uma inequação, a aluna sugere como escrever a resposta do item c, no entanto sua resposta é completada pelo aluno A4.] A4: Porque você pode gastar o preço máximo [se referindo à quantia de 28 reais] ou menos. A1: Pois assim você pode gastar... A3: Porque é um valor moldável, mas colocar moldável parece que para mais também pode. A2: Porque você não é obrigado a gastar o valor máximo. A4: É. Você não é obrigado a gastar o seu total de dinheiro.

Nesta linha de raciocínio, teríamos para cada quilometragem rodada uma quantia

diferente para pagar, uma relação de dependência, em que estas grandezas poderiam variar,

mas sempre limitadas ao valor máximo de 11 km (R$ 28,00), como exposto pela aluna A1.

Ao mencionar “porque é um valor moldável, mas colocar moldável parece que para mais

também pode”, a aluna A3 corrobora com a ideia de variação destas grandezas.

Em oposição ao raciocínio desenvolvido pelo grupo A, para os alunos do grupo B e

C a situação exposta na atividade 3 deveria ser representada através de uma equação. Para

esses alunos, uma vez que a corrida de táxi apresentava um valor exato, o aconselhável era

o uso de uma equação, não existindo a possibilidade de mais de um valor. Conforme a

aluna C1, o mais adequado seria representar através de uma “equação, pois a inequação

não tem um resultado objetivo”.

5.4 ATIVIDADE 4

A quarta atividade vinculada ao diagnóstico de pré-requisito foi elaborada com o

objetivo de verificar se o aluno era capaz de operar e de manipular expressões algébricas.

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Além disso, buscou-se verificar se, a partir da análise do contexto em que a atividade se

insere, ele imputa restrições a variáveis em uma sentença. Contemplando tais objetivos,

tem-se a atividade 4 correspondente à figura 24 a seguir.

Figura 24 - Atividade 4 – Operando e manipulando expressões algébricas

Fonte: Dados da pesquisa.

Na resolução desta atividade, itens a e b, os alunos não demostraram dificuldade

para calcular a área e para manipular as expressões algébricas. No entanto, ao escrever a

expressão representativa da área das figuras, os alunos do grupo A tentaram desenvolvê-la,

a fim de obter um valor específico. Nesse momento, percebemos a primeira sugestão do

uso da fórmula de Bháskara aplicada nesta atividade. Observe o fragmento seguinte.

A1: Eu resolvi as duas. [Para a aluna significava desenvolver o produto notável que representava a área] A3: Eu também. A2: O meu deu 2. [A aluna A2 encontra um resultado numérico, pois além de considerar apenas a área em destaque da figura não desenvolveu corretamente a expressão (n+1)2 – (n-1)2] A4: Não, eu acho que não é possível descobrir. A1: Eu acho que sim. A4: Se não tiver o valor de n, como você vai descobrir? A3: Só se usar a Fórmula de Bháskara aí. A4: Nem com Bháskara dá. A3: Então não precisa, deixa assim mesmo. A1: Nem com Bháskara porque não tem igual. Segundos depois. A4: Não, acho que pode sim. A1: Não. A4: Se aplicar Bháskara dá, porque a seria igual a... A1: Não, porque não teria o sinal de igual. Seria igual a zero? A4: É, seria igual a zero.

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A2: Então gente, dá, né? A minha deu 2. A4: Dá, eu estou resolvendo.

O ímpeto em tentar descobrir o valor de n para calcular a área da figura poderia

indicar certa resistência em aceitá-la como uma expressão algébrica ou até mesmo estar

relacionada ao costume dos alunos, enquanto o cálculo de área de figuras refere-se sempre

a um valor numérico. Ao dizer que não era possível descobrir, o aluno se referia ao valor

da área, ou seja, não seria possível apresentar este valor por desconhecer n. Isto poderia

ainda denotar o quão abstrato é para o aluno a representação de algo concreto em

linguagem algébrica ou até mesmo poderia estar associado a uma situação relativamente

nova para ele.

Ainda neste fragmento, ressaltamos duas situações. Na primeira, ao sugerir o uso da

fórmula de Bháskara, os alunos limitam-se a buscar o polinômio de grau 2. Inferimos que

este conceito não estava consolidado por todos, uma vez que precisariam de uma equação

do 2o grau para aplicá-la, o que é mencionado pela aluna A1. Outra situação é a solução

alcançada pelo aluno A4, o qual iguala a zero e resolve a equação. Não houve, nesse

momento, o questionamento do significado de se igualar a zero.

Nesta mesma atividade, no item d, a discussão sobre o uso desta fórmula é

retomada. Observe, porém, no excerto seguinte, que, embora a aluna A1 expusesse sua

opinião sobre a impossibilidade de se usar essa fórmula, o aluno A4 só concluiria que esse

uso não seria possível devido ao valor obtido para n. Como esse valor zerava a medida do

lado do quadrado, o aluno desconfiou que a fórmula não poderia ter sido usada. Acontece

que, no contexto criado por esse estudante, o seu raciocínio estava coerente, já que igualar

o polinômio n2 – 2n + 1 a zero implicava em lados de comprimento iguais a zero. O que ele

não conseguia relacionar naquele momento é que a inserção da igualdade nula ao

polinômio é que produziu aqueles valores.

A1: Analisando a medida do lado [...] é possível descobrir o valor de n? Não. A4: Sim. A1: Não. A4: Sim. Eu descobri. A3: Você usou Bháskara? A4: Usei. A3: Deixa eu ver? A1: Mas... A3: Pode colocar Bháskara aqui? A1: Eu acho que não dá para colocar Bháskara.

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A3: Pode colocar Bháskara? A4: Dá sim. A3: Essa é a minha dúvida. Professora: Vocês terão que pensar! A1: Porque não é igual a zero. Não tem igual aí. Isso aí é só uma equação [aqui a aluna quis dizer que era só uma expressão]. A3: Pra mim é [a aluna diz algo incompreensível]. Professora: Será que é uma equação? A4: Mas se for aplicar aqui também dá. Funciona. A1: Você não tem certeza se isso [a expressão algébrica] é zero. Isso poderia ser vinte. A3: Eu concordo com a A1. Eu pensei em Bháskara, mas como não tem o resultado, não é uma equação completa, vamos dizer assim. A1: Não tem o sinal. A3: Não tem o igual a zero. Eu tenho medo de colocar o igual a zero, e é errado porque você não pode acrescentar uma informação não. A4: Mas não poderia ser, não poderia ser também não. Porque o quadrado, o menor não ia existir. Porque seria n – 1. E aí seria zero, e não existe lado zero. A1: Faz sentido. [Depois de algum tempo.] A4: O que você colocou na segunda? [o aluno A4 questiona a A1 e começa a ler o que ela tinha escrito no item c desta atividade] Não, pois não é uma equação, se não [tem o sinal de igualdade]. [Alguns segundos em silêncio] Uma coisa que eu não entendi é essa [item c], porque eu escrevi que não existe lado igual a zero. A1: Pois é, eu acho que não tem esse igual a zero, porque não é uma equação. Isso é só uma... [a aluna procura uma palavra para definir a expressão n2 + 2n + 1]

A análise dos dados mostra que esta atividade se tornou uma situação problemática

para esses alunos e, mesmo ao final do 1o encontro, ela não tinha sido esclarecida, ou seja,

os alunos não conseguiram transpor o obstáculo. No entanto, a partir de nossas

observações, conforme descrito no capítulo 4, no 3o encontro esta atividade será retomada

e discutida com todos os participantes.

No item c, os alunos do grupo C, apontam algumas possibilidades, mesmo estando

uma das participantes convencida da impossibilidade de se determinar o valor de n. Tendo

indicado uma variedade de estratégias com o intuito de determinar este valor, ressaltamos

os testes ou uma contraprova que os alunos desse grupo apresentam antes de descartá-las.

Observe o excerto a seguir.

C2: Analisando a medida do lado dos quadrados é possível descobrir o valor de n? Como eu vou saber o valor de n? [Alguns segundos em silêncio] C2: Humm, a “d” eu consegui fazer, a “c” não. Na d, n é diferente de 1. C3: É lógico que dá para descobrir o valor de n.

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C2: Como você vai descobrir? C3: Porque olha só... Todos os lados [do quadrado maior medem] n + 1. Todos esses os lados [do quadrado menor medem] n – 1. C2: Mas eu preciso de saber a área em números para poder descobrir. C3: Não, pois... ah é, não tem como. C2: Eu não sei área em números, eu não sei perímetro. C1: Então, espera aí... C3: Vamos colocar aqui [no item c] não. C2: Não?! Certeza? C3: É. C2: Não, pois não foi dado. C4: informações suficientes. C1: Daria para fazer uma inequação? C3: Não. C4: Não, na verdade dá para você descobrir o perímetro. C3: Não. Mas como você vai descobrir em número? C4: O perímetro [quadrado menor] vai ser 4n – 4, e o de cima [maior] 4n + 4. C3: Beleza. E depois? C4: Mas não dá para descobrir n. Porque não temos informações suficientes. C2: Professora, fechou. C1: Não, na [letra] c estou boiando ainda. [falou 2 vezes] C4: Considerando o menor quadrado, existe alguma restrição para o n? C2: n tem que ser diferente de 1. Condição de existência, né, gente. C1: É, mas também não pode ser negativo. C3: Porque não tem como descobrir na letra c? C1: A c eu estou boiando ainda... C2: Porque não tem... tipo assim, número por exemplo, (n + 1)2 é 20. Não tem isso pra gente descobrir. A gente só podia descobrir n com isso. C1: Professora, a c eu não entendi ainda. [Assim que eu me aproximo, a aluna C1 fala:] Dá para fazer uma inequação? Professora: Analisando a medida dos lados dos quadrados, é possível descobrir o valor de n? C3: Não, porque eu não tenho um valor fixo para tentar descobrir. C2: Porque assim, não tem o resultado de (n + 1)2 para tentar descobrir. Pela fórmula de Bháskara sei lá... E nem perímetro. C4: É, eles não chegam e, tipo, a área de tal quadrado é 9. C2: É. Assim a gente poderia descobrir.

Algumas ideias foram levantadas objetivando a escrita de uma equação e, assim, ser

possível, aplicando alguma técnica, obter o valor procurado. Diante disso, a conclusão do

grupo fundamentou-se na falta de informações para determinar o valor de n.

Page 133: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

132

5.5 PROBLEMA 2

O segundo problema vinculado às noções básicas do conceito de função, foi

elaborado com o objetivo de verificar como o aluno reconheceria valores fixos e variáveis

no contexto apresentado. Além disso, pretendia-se analisar se o aluno seria capaz de

perceber relações entre as grandezas, relacionadas à dependência entre elas. Contemplando

tais objetivos, tem-se o problema 2, correspondente à figura 25 a seguir.

Figura 25 – Problema 2 – Analisando viabilidade de plano de telefonia

Fonte: Modificada de UNICAMP 2002 pela autora.

Nesse problema, os alunos não detinham procedimentos ou técnicas a serem

aplicados dos quais pudessem obter um resultado correto. Havendo necessidade de refletir

sobre a situação apresentada a partir de suas interpretações, eles poderiam desenvolver

estratégias para a resolução. Não observamos, em nenhum dos grupos, resistência a este

tipo de abordagem. Ao contrário disso, os alunos começaram a sentir, desde o final do 1o

encontro, certa empatia com a possibilidade de discutir, de resolver de variadas formas e de

ter a oportunidade de expor o seu raciocínio.

Destacamos duas interpretações muito diferentes apontadas pelos grupos A e C,

porém convergindo para uma ideia relacionada com o conceito de função. Ainda que,

nesse momento, fossem apenas indícios, a relação de dependência entre as variáveis

apareceu na fala dos dois grupos.

No grupo A, conforme o excerto seguinte, percebemos, a partir da discussão por ele

apresentada, que surgem algumas estratégias. A primeira delas, é uma tentativa de se

buscar um valor em que os planos se igualassem. Talvez, por não insistir nesta primeira

ideia, os alunos não tiveram a oportunidade de verificar a incoerência dos valores

propostos pela aluna A3.

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133

A2: Eu acho que depende. Eu acho que nenhum se mostrou vantajoso porque não mostrou uma situação. Vocês concordam? A3: Pode ser, mas eu acho que pensei tipo assim: 45, 90 daria 80. [A aluna usa a ideia de proporcionalidade: no plano A se dobrasse o valor fixo então dobraria o valor por minuto adicional. A relação que ela pensou era: se 45 tem 0,4 por adicional, então 90 teria 0,8.] Entendeu? Eu continuaria a lista e veria se em algum lugar a informação bateria. Mas... acho que não. A1: Não, porque, tipo, olha só... A3: Tem uma distância. [A distância para ela é o quão maior o valor fixo ficou se comparado com o outro plano, como se um crescesse tão rápido que não fosse possível ter um momento que fosse igual.] A2: É, porque tem uma distância. Tá vendo aqui? Já deu 80 e já deu 90. Aqui seria 35 + 35. A3: 70. A1: É 70, aí já dá uma diferença de 30 reais, então não tem jeito de um ultrapassar o outro. A3: Um daria 1,60 e o outro... acho que não. A1: É porque ele ficaria mais caro já de uma vez. A3: Depende, depende, se fosse um problema, se você gastasse, o seu plano fosse menor e o seu custo adicional fosse maior. A1: Ah é. A2: É isso que eu estou tentando falar para vocês. Eu acho que nenhum se mostrou vantajoso porque não apresentou nenhum plano, na verdade nenhuma situação. A3: Não mostrou nenhuma situação para você fazer, tipo assim: ele usa, o plano dele é de 30 reais, mas ele usa 5 vezes mais que o outro no custo adicional.

Os alunos apontam para a ausência de uma situação, indicando a necessidade de um

parâmetro de comparação para julgar o plano vantajoso. Com estes questionamentos, eles

constroem a base para a segunda estratégia, reforçando que a escolha do plano vantajoso

dependeria da quantidade de minutos que falamos ao telefone. Esta relação de dependência

está presente ao longo do diálogo do excerto a seguir.

A1: Agora, sem o plano, se não tivesse uma situação... A3: O primeiro seria o melhor. A1: É, o primeiro seria melhor se não tivesse uma situação. A2: Imagina. Você pegou o primeiro. [a aluna foi interrompida] A1: Eu não sei, porque tirando em conta, por exemplo, a pessoa não tem minuto adicional. A3: Então, mas daí o segundo seria melhor, porque você gastaria 35 reais. A2: Pensa assim. A1: É, pois é, não, eu sei. Porque, tipo assim, se não tem uma situação, você teria que tirar o custo adicional por minuto. A2: Presta atenção, A1. Você tem um celular, beleza? Aí você só faz ligação, você precisa fazer com este celular uma ligação de digamos, uma vez por mês para avisar que você chegou num estado. Tipo assim, sua mãe mora na Bahia e aí você só tem o celular da Bahia e só tem ele para

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avisar que chegou, pra falar com ela. Aí você pegaria o primeiro plano. Ou o segundo? A3: O primeiro. A1: Pois é, é o que eu estou falando. A2: Eu pegaria o segundo, sabe por quê? Porque cada minuto... [a aluna foi interrompida] A3: É o segundo, porque você gastaria bem menos o adicional. A2: Agora pensa o seguinte, se você tivesse um celular para o seu uso particular, ou seja, você teria que falar com executivo, com [a aluna foi interrompida] A1: Mas, você jamais usaria o B. Você não compraria o B. A2: Você nunca compraria o B, você compraria o A. Porque, tipo assim, enquanto aqui [no plano B] você pagaria 10 reais a menos, mas se você já fizesse 10 minutos de ligação [adicional] você já pagaria mais ou menos o valor [da economia]. Quase o total do valor [que estaria economizando]. A3: Depende muito da situação, gente.

Observe que, nesta discussão, os alunos consideram a variação do valor a pagar

pelo plano dependendo da quantidade de minutos. E, embora não a tenham representado

algebricamente, a ideia estava presente. Os alunos fazem, inclusive, uma estimativa de

quantos minutos adicionais você deveria fazer em um dos planos para igualar o custo fixo

mensal. Ao serem abordados por mim e questionados sobre o que eles tinham feito, a aluna

A2 menciona

Eu falo. É porque, tipo assim, o que a gente pensou: que depende da situação, eles não deram nenhuma situação [o sentido aqui é de condição, uma restrição ou parâmetro para comparação] pra gente, pra mostrar um plano vantajoso. Então, por exemplo, se eu quisesse um plano para falar bem pouquinho e que não equivalesse aos 10 reais que é acrescentado quando eu compro aqui [o plano A] eu escolheria o B, mas se eu quisesse um plano para falar muito, se eu fosse uma executiva, eu escolheria o A. Então não tem um plano vantajoso sem uma situação.

Em contrapartida, os alunos do grupo C foram em busca desse parâmetro de

comparação e se apoiaram na linguagem algébrica como estratégia dentro de sua

interpretação. Podemos destacar pelo menos três estratégias para interpretação da situação

apresentada: análise da tabela, cálculos pela variação da quantidade de minutos e

comparação usando expressões algébricas, sendo que as duas últimas foram conduzidas e

produziram resultados coerentes com a interpretação realizadas por eles.

Observe no fragmento seguinte uma das estratégias que consistia em determinar o

plano mais vantajoso a partir da variação da quantidade de minutos. Uma das alunas é

impelida a considerar, prematuramente, um plano mais vantajoso em detrimento de outro,

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135

limitando-se a calcular dois valores apenas. Embora sugerindo que eles devessem testar os

valores, ela continua limitada a apenas duas possibilidades de tempo. Percebendo um

equívoco cometido por ela no início, ao ser questionada por um dos alunos que defendia a

ideia de dependência do número de minutos e o melhor plano, ela corrobora a sua teoria

quando afirma: “viu continua mais caro”.

C1: Então você paga 45 reais e, a cada minuto que você falar, você gasta 40 centavos. C3: 45 por mês. C1: Ah tá. C3: Então seria 12 x 45. C2: 2 x 45 o que? C3: 12. C4: É 45 + 0,40x. C2: Sim, isso aí. C1: Sim. C2: Estou fazendo uma coisa aqui. [A aluna estava tentando verificar na tabela alguma relação] C3: Eu não sei meio que tipo, pra falar que um é mais vantajoso que outro, eu teria que calcular... [A aluna C2 começa a falar junto com C3] C2: Eu calculei com os mesmos minutos pra cada plano. Por exemplo, se fosse 60 minutos... [O aluno C3 interrompe C2 dizendo: Verdade!] para cada um, o [plano] A ia ser mais vantajoso, porque o outro seria 515 reais e esse 285. O que você fez [C4]? [A aluna, ao calcular, considera 40x e não 0,40x, por isso os valores equivocados, mas um pouco mais para frente ela perceberá o erro.] C4: Eu coloquei assim: sim, a princípio o plano A parece mais caro, mas [enfaticamente] vai depender muito do tanto de minutos que você vai usar. C2: Não, eu acho que não, acho que isso é proporcional. C4: Porque... C2: Qualquer minuto esse aqui [o plano B] vai ser maior. Vamos testar. Espera aí eu tenho calculadora aqui. C4: Preguiçosa. A C2 está trazendo calculadora, professora. Risos. [A aluna C2 começa a fazer algumas contas.] C2: O A é mais barato que o B. C1: Depende da situação. C4: Que conta você fez aí C2? C2: Eu fiz com 60 minutos e com 40 minutos. C4: É, é esse que é o negócio. A princípio o plano A parece mais caro, mas vai depender muito do tempo que você vai usar. C2: A pergunta é: em algum momento algum dos planos se mostra mais vantajoso? C4: Então, a princípio o B parece mais vantajoso. C2: Não, mas olha aqui. C1: A partir... [a aluna é interrompida] C2: Não, olha aqui o que eu fiz. 0,80 é o dobro de 0,40 e 35 não é o dobro de 45. C3: C2, quanto é 0,80 vezes 60? C2: 480 C3: 480?

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C2: 48. Eita. Nossa, viajei aqui... C1: Olha só, a cada 2 minutos do plano A, é 1 minuto do plano B, que é isso que a C2 falou. C3: C2 45 mais 24 não é duzentos nunca... C2: Eu sei, eu fiz 240, nossa cara! C4: É só fazer a conta. Eu sou mais rápido que sua calculadora 83. C2: 83. C4: Foi isso que eu falei. C2: Viu continua mais caro. Eu esqueci de por a vírgula né.

Outra estratégia utilizada, a representação algébrica da situação, indica a relação

existente entre o valor que seria pago e a quantidade de minutos adicionais. A maioria dos

alunos do grupo C, representa utilizando uma expressão, destacando, assim, a equação

apresentada pelo aluno C4, que considera A = 45 + 0,4x e B = 35 + 0,8x como as sentenças

atribuídas aos planos A e B, respectivamente. Nestas sentenças, o aluno destaca os valores

fixos (45 e 35) e os valores variáveis (A, B e x).

No excerto a seguir, podemos verificar como os alunos conduzem a sugestão do

uso da álgebra para solucionar o problema. Analisando o material apresentado pelo grupo

mais os diálogos, constatamos a junção de estratégias (veja figura 26 a seguir) para a

conclusão da questão. Percebemos que os alunos aliaram as conclusões provenientes das

operações aritméticas com as obtidas pela sentença algébrica. Embora em alguns

momentos a professora tenha se precipitado e talvez tolhido alguma sugestão, ressaltamos

o que instiga os alunos a provar o que estavam afirmando. Observe o excerto seguinte.

C3: Professora, vem cá rapidinho. [Assim que eu me aproximo o aluno começa a explicar.] C3: Nesse caso o A seria 45 + 0,4x. O x seria por 1 minuto adicional, x seria a cada minuto, seria minuto. E o B, 35 + 0,8x. Aí eu calculei tipo 1 caso, como se fosse 60 minutos adicionais, e aí eu fiz com cada um. 0,4 vezes 60 e depois 0,8 vezes 60. Acabou que o A é mais barato que o B, mas tipo no final se for fazendo com diferentes minutos depende. C4: Olha aqui, olha aqui, eu tô olhando aqui e fazendo uma conta aqui para descobrir em que tempo vai ser igual, pra gente saber a partir de quando o plano B custa mais caro que o A. C1: É, eu pensei nisto também. Eu já formulei a resposta pensando neste raciocínio. [Os alunos vão falando alto (e juntos) os cálculos que estão a efetuar.] C4: Aqui, a partir de 25 minutos passa a ser... Professora: Vai com calma, vai com calma! Primeiro o que você descobriu? C4: Que a partir de 25 minutos que você fala... Professora: Não. [Alguns alunos começam a falar junto.] Espera aí, deixa ele pensar o que ele descobriu. C4: Eu descobri o valor de x. Professora: E o que é x?

Page 138: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

137

C3: Minuto. C4: x é cada minuto. Professora: Tá, e quando você resolveu o que estava buscando? C4: Um valor. Professora: Que valor? C4: Um valor que fosse igual para os dois. Professora: Que fosse igual para os dois. Então os 25 minutos [algo incompreensível] C2: Acho que isso aí seria melhor uma inequação, porque tem que ser menor que 25 para o A ser mais caro. Professora: Sim. Concordo, mas o C4 teve uma ideia que também vai sair. As duas formas conseguem resolver. Agora o que acontece, C4, se gastar 25 minutos? C4: Você vai pagar o mesmo tanto. Professora: Agora, e se eu gastar 24? C4: É, vai dar ... [O aluno começa a fazer algumas contas] C2: É 24, o A vai ser mais caro. Professora: Vai? Mostra pra mim então.

Figura 26 – Destaque da resolução pelo participante (C2)

Fonte: Dados da pesquisa.

Ressaltamos ainda que, assim como nos outros grupos, indícios da ideia de variação

(do tempo e do valor a ser pago), bem como de dependência entre esses valores esteve

presente nas discussões, conforme observado nos excertos anteriores.

5.6 PROBLEMA 4

Considerando a importância para a nossa pesquisa de se vincular a ideia de variação

ao mundo social, elaboramos este quarto problema que contempla quatro objetivos. Este

problema procura verificar se o aluno:

a) Aponta a existência e a diferença entre constantes e variáveis;

Page 139: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

138

b) Reconhece a variação nele presente;

c) Identifica a relação existente entre as grandezas variáveis;

d) Reconhece a restrição do intervalo de variação.

Contemplando tais objetivos, tem-se o problema 4, correspondente à figura 27 a seguir.

Figura 27 – Problema 4 – Análise de variação salarial

Fonte: A autora.

O problema 4 encontra-se em um contexto, a princípio, não pertencente a atividades

empregatórias do aluno, mas inserido no mundo social e passível de compreensão. Com

isso, no início da discussão, alguns questionamentos acerca dos termos do enunciado e/ou

em relação ao mundo trabalhista foram manifestadas. No excerto a seguir, percebemos

alguns desses questionamentos e inferimos que eles pudessem indicar uma tentativa de

entender o contexto para posteriormente propor uma solução.

A2: Mas, professora espera aí. Se ele trabalhar menos que 2 horas ele não ganha o 6,58? Ou ele só pode trabalhar até duas horas? A1: Eu nem li ainda. Professora: Não sei. Leia o enunciado, por favor. [A aluna A2 começa a ler o enunciado da questão em voz alta. Em paralelo à sua leitura alguns alunos questionam o significado de valor bruto]. A1: Aí, velho, valor bruto. A3: Cadê valor bruto? A4: Nem sei o que é isso. A1: Também não. Valor bruto, nem sei o que é valor bruto. Chega no final. A3: Eu nem sei o que é valor bruto. A2: Então tipo assim, ele trabalha 44, então ele só pode chegar até 46? Professora: As 44 é por semana. Está escrito por semana aí? A2: Não. Professora: Está. Olha lá 44 horas semanais. E as 2 horas é além da jornada diária, então vamos supor que ele trabalha até as 5 da tarde. Daí aqui [me referindo ao enunciado da questão] fala que ele pode trabalhar até 2 horas além da jornada diária. Se ele encerra às 5 horas, então ele poderá trabalhar 2 horas além deste horário. A4: Mas aí eu tenho que considerar que ele trabalhou ou não trabalhou? [O aluno questiona se deveria considerar a hora extra diária ou não.] Professora: O que você acha? Você finalizou a leitura?

Page 140: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

139

A4: Ahãm. [Neste momento o aluno C4 questiona em voz alta] C4: Professora, o que é valor bruto? A1: É, pois é... Professora: O que é o quê? A1: Valor bruto. Professora: Pode falar então. [A aluna A2 fala o que ela pensa bem baixinho. Neste momento peço que ela fale para o grupo.] A2: É o total sem descontos. Professora: Ouviu, C4? A1: É o valor total, beleza. Professora: Quando a gente recebe salário, a gente tem um valor contratado. Vamos supor que eu fui contratada para ganhar 1000 reais. Destes 1000 reais, a empresa tem que descontar um valor que é o INSS. É um imposto para a previdência social, um imposto que a gente paga para aposentar. Além desse desconto, vamos supor que eu pegue vale transporte na empresa. A empresa fornece o vale transporte, mas é obrigada a descontar um valorzinho por mês. Este valorzinho chega a um percentual de 6% por mês. Então eles me contratam por um valor, mas existem descontos que eles podem efetuar. C4: Então o que você recebe mesmo é o salário líquido ou o bruto? Professora: O salário que eu realmente vou receber é chamado salário líquido, valor líquido. Deu para entender o que é valor bruto e o que é valor líquido? A3: [A aluna fala sussurrando, como se fosse um desabafo, não foi possível ouvir no dia.] Ah eu ainda não entendi. Professora: Aí volta para aquela discussão, A4. A4: Qual? Professora: Você lembra qual era a sua pergunta? A4: Ah lembro, se contando a extra ou não? [O aluno indagava se o valor bruto contava com a hora extra ou não. No entanto, eu não conseguia entender a pergunta dele e fui questionando. Só ficará claro o que ele estava perguntando nas próximas falas.] Professora: Que? Agora nem entendi o que ele falou. A4: É, se é contando com o salário extra a hora trabalhada? Professora: O que você quer saber? A4: Como se comporta o valor bruto recebido mensalmente por este balconista. Mas aí tem que acrescentar a hora extra ou não? Professora: O que vocês acham? [Os alunos continuam a conversa e eu saio para atender os outros grupos.] A3: Eu fiz assim, olha. [Na folha de resolução, existiam alguns cálculos, não sendo possível determinar o que eram, pois a aluna apagou. A1: Mas é o valor bruto. A3: O problema é fazer isso como uma fórmula. A1: Mas é o valor bruto. Então... [a aluna é interrompida] A3: Exatamente, o que eu não entendi. A1: Não faz sentido para mim isso. A3: É eu sei o que é valor bruto, mas não faz sentido.

Considerando que a compreensão de novas situações fundamenta-se em

significações já apreendidas, vimos nos questionamentos do excerto anterior, a busca pela

elucidação daquele contexto. Embora no início alguns alunos tenham se mostrado

Page 141: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

140

incomodados por não conhecer alguns dos termos como, por exemplo, valor bruto, ao

longo da resolução se envolveram com o problema e sugeriram propostas pertinentes e

interessantes para a resolução.

Observe que no fragmento seguinte, ao afirmar que não seria possível determinar o

número de horas extras, o aluno A4 sugere que existiriam várias possibilidades, da mesma

forma ocorre quando este aluno menciona “mas isso [o salário] vai dar um número que

pode ser vários números”. Decorre, então, que a discussão pode ter sido determinante para

que os alunos reconhecessem a ideia de variação, relacionando com um exemplo prático,

existente no mundo social.

Além disso, nos dois excertos seguintes, destacamos alguns conceitos relacionados

ao conceito de função, os quais surgem de forma natural, a partir da interpretação da

situação proposta no problema 4, que são os valores fixos e os variáveis.

A1: Eu não estou entendendo nada que vocês estão falando. A3: Eu também não. A1: O que vocês estavam tentando? [palavra incompreensível] O dia de trabalho, o dia de folga? A2: O problema é o seguinte, você tem 44 horas semanais, mas você não sabe quantos dias da semana ele está trabalhando. Então, tipo assim, ele trabalha 7 dias por semana, então ele pode fazer 14 horas semanais, ganhando 6,58 a hora. Então a primeira coisa que a gente tem que estipular é que as duas horas por dia, então vai ser 2 horas vezes x, que é o número de dias, vezes 6,58, que é o valor. A4: [Ainda enquanto a A2 falava ele diz] Olha, mas tem que saber se vai contar. A1: Ah eu vou fazer do meu jeito. A4: Mas como é que você sabe que ele vai trabalhar 2 horas? A3: É [como saber] que são 2 horas? É no máximo. [A aluna se refere ao enunciado que prevê no máximo 2 horas de extra, podendo ser menos.] A4: Mas não fala que ele vai trabalhar os 6 dias, as 2 horas extras. A1: Eu estou fazendo tudo por mês. Por exemplo, 44 horas semanais, então, tipo, são 4 semanas o mês, eu multipliquei este valor por 4. A2: Eu acho que primeiro a gente tem que colocar o salário mensal. Então ele trabalhar por estas 44 horas semanais, ele já está ganhando um valor de 724. A1: A2 eu não estou entendendo o que você está falando. A2: A única coisa fixa que a gente tem é que o mensal dele é este aqui [aponta para o enunciado]. A1: Tá é o 724. A2: Aí ele pode ganhar: 6,58 vezes a hora que ele trabalhou vezes o dia, não? A4: Eu acho que não daria. Porque isso [a quantidade de horas extras diárias] é aquilo variável. A2: Sendo x no máximo, digamos que são 7 dias por semana. A4: Mas, aqui, eu acho que este número é variável.

Page 142: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

141

A2: Então este x, se a gente abrisse ele, aí estaria: o número de dias vezes o número de horas. A1: Não é mais fácil calcular só com o número de horas que ele vai fazer não? A2: No máximo duas. [A aluna refere-se ao número máximo por dia.] A3: No mínimo zero né. A4: Tá, mas aí, então, não dá para saber. [Alguns segundos de silêncio, apenas ouvindo lápis escrevendo, borracha.] A1: A2, deixa eu ver. O x aqui é o quê? A2: Número de dias vezes o número de horas extras, no máximo duas. A1: Nossa senhora. A2: É o número de dias vezes o número de horas. Só que as horas têm uma restrição de duas horas.

Observe na figura 28 a seguir, a resolução apontada pela aluna A2 no excerto

anterior. Na expressão algébrica, ela considera x o resultado do produto do número de dias

pelo número de horas extras.

Figura 28 – Destaque da resolução pelo participante (A2)

Fonte: Dados da Pesquisa.

Na sequência do diálogo anterior, o aluno A4 propõe mudar a ideia de salário bruto

que eles tinham, conforme fragmento a seguir. Isto porque ele afirma não ser possível

determinar o número de horas extras, visto que era uma quantidade variável. Ao questionar

a professora se as horas extras deveriam ou não entrar no cálculo do salário bruto, os

alunos encaminham-se para a ideia da variação, ou seja, da possibilidade de obter

diferentes valores.

A4: Aqui, gente, eu já sei. Salário bruto é sem desconto e sem extra, então a extra não ia contar. Só o salário que ele recebe mesmo sem nada [Ao pensar que não seria possível determinar um valor, o aluno pensa em descartar a hora extra, pela quantidade ser variável.] A2: Será? Professora, o salário bruto ele conta... A1: Com as horas extras? Professora: Conta. A4: Ai. A1: Você acha que seria um negócio tão fácil assim? Professora: Salário bruto é tudo que ele recebeu.

Page 143: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

142

A4: Então não tem jeito de contar isso aqui não. A1: Tem. A4: Mas isso [o salário] vai dar um número que pode ser vários números. Professora: Sério? Mas por que podem ser vários números? A2: Porque é o número de dias, que você não sabe quantos dias ele trabalha, vezes o número de horas. A4: Que você também não sabe quantas horas [extras] ele trabalha. A2: Você não sabe quantas horas, então se ele trabalhou 1h 40min, por exemplo. E aí? A4: E nem quantos dias. [Alguns segundos em silêncio, eu vou até o grupo para ajudá-los.]

Com o reconhecimento do valor fixo e com a dificuldade de se determinar o

número de dias e de horas que o balconista excedeu sua jornada de trabalho, uma das

alunas propõe uma forma mais simples para o salário bruto, veja figura 29.

Figura 29 – Destaque da resolução pelo participante (A1)

Fonte: Dados da Pesquisa.

A aluna A1 apresenta a expressão algébrica 724 + 6,58x, em que x é o número de

horas extras, sendo a estratégia utilizada por esta aluna semelhante a dos outros alunos.

Além disso, ela também afirma que x > 0 e x < 60, sendo apontado um limite para a

variação da quantidade de horas extras. Observe que os alunos desse grupo consideraram a

possibilidade de realizar a hora extra em um mês de 30 dias, não fizeram distinção de folga

do funcionário. Ao ser abordada por um aluno, que não tinha entendido a tal restrição após

a explicação, ele acrescenta informações ao intervalo, inserindo os valores dos extremos.

Podemos inferir que a ideia da aluna A1 foi compreendida por ele, uma vez que a modifica

propondo uma solução mais coerente. Observe o excerto a seguir.

A4: Tá, mas por que 60? [O aluno questiona o que a A1 tinha escrito em sua folha] A1: Ai meu Deus. Tá, é porque é por mês. Ele recebe por mês, daí tipo são duas horas por dia, eu contei o mês como se tivesse 30 dias. Então eu calculei 30 dias vezes 2 horas extras por dia, que é o máximo que ele pode fazer em um mês.

Page 144: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

143

Professora: O que vocês acham? A2: Eu concordo. Por que você não leva em consideração que o mês tem 31 dias e tal? A1: Não. E isso é sem descontar o dia de folga. A2: E aí você pensa assim, se você trabalhar todos os 30 dias duas horas, que é o prazo máximo ela estaria ganhando, tendo 60 horas. Professora: Por que você está fazendo isso, A4? [Durante esta última conversa, o aluno estava escrevendo o intervalo x > 0 e x < 60, no entanto inserindo a igualdade.] A4: Porque tem que ser maior ou igual. Professora: Por quê? A1: Mas, não pode ser igual a zero não. A4: Pode ser igual a zero. Professora: Porque? A2: Você pode não fazer a hora extra. Professora: E porque pode ser igual a 60? A4: Porque você pode fazer o máximo. Professora: Vocês fecharam, então, uma expressão, 724 + 6,58x? A3: Eu coloquei que é igual a x. [A aluna usou letras diferentes para representar os valores, no caso a fórmula que ela escreveu era 724 + 6,58y = x] Professora: Isso aqui é igual a? [Analisando a folha de resposta da aluna percebo a relação acima.] A3: x. Professora: Você escreveu diferente. Mas, [quando eu começo a falar ela acrescenta uma legenda na folha, especificando cada letra, x o salário bruto e y a quantidade de hora extra.] perfeito, A3! [A aluna sorri.]

Além disso, vale destacar a resolução proposta pela aluna A3, que indica a relação

existente entre o salário bruto e a quantidade de horas extras através de uma fórmula 724 +

6,58y = x. Implicitamente encontra-se configurada a relação de dependência das duas

grandezas. Diante desta situação, proponho aos outros alunos do grupo A que digam o que

a expressão 724 + 6,58x representa. Imediatamente eles indicam que é o salário bruto e,

então, eu solicito à aluna A2 que represente em linguagem algébrica, conforme fragmento

seguinte.

Professora: Agora, olha só no de vocês [refiro-me aos outros alunos que haviam escrito uma expressão]. E isso aqui, gente, 724 + 6,58x o que é isso? A2: Salário bruto. A1: Total a pagar. [A aluna A2 escreve em sua folha, na frente da expressão 724 + 6,58x, “salário bruto:”] Professora: Isso! [A2] E como seria em linguagem matemática? Isso que você escreveu? A1: Eu coloquei y. Eu coloco x e y para tudo. Eu coloquei y, e aqui [aponta para a folha] y = salário bruto. [A aluna já tinha feito a indicação, anteriormente, que x era o número de horas extras.] A3: Eu fiz isso também.

Page 145: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

144

Com o intuito de reforçar o intervalo de variação que os alunos perceberam em

relação à grandeza x (quantidade de horas extras), questiono a variação da grandeza y

(salário bruto), como pode ser observado no excerto a seguir.

Professora: Agora, pensando na sua fórmula, A1. Qual será o menor valor que y [o salário bruto] assume? A1 e A4: 724. Professora: E qual é o maior valor que y [o salário bruto] pode assumir? A2: 60 vezes 6,58... A1: É, aí substitui o x por 60. Professora: Muito bom!

Os alunos desse grupo não demonstraram dificuldade em associar a variação da

grandeza y (salario bruto) ao intervalo de variação da grandeza x (quantidade de horas

extras). Imediatamente após o questionamento da professora-pesquisadora, todos os

integrantes do grupo A, a fim de resolve-lo, utilizaram o intervalo proposto para a variável

x. Inferimos que, no excerto anterior, encontra-se ainda que de forma implícita, a relação

que o menor e o maior valor de salário bruto serão assumidos, respectivamente, quando x

for igual a 0 e 60.

Page 146: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

145

CAPÍTULO 6

CATEGORIAS DE ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS

Neste capítulo, apresentamos a interpretação dos resultados obtidos a partir da

análise dos dados, realizada com base na análise de conteúdo (Moraes, 1999), descrita no

capítulo 4, a qual envolveu a codificação dos dados e, a partir dos códigos, a elaboração de

categorias (Charmaz, 2009). Ressalta-se que essa interpretação foi realizada à luz da

fundamentação teórica utilizada neste estudo, tendo essa um papel relevante, quando da

análise dos dados coletados.

Discorremos, em um primeiro momento, acerca dos procedimentos de codificação e

consequente elaboração de categorias para análise. Na sequência, apresentamos, na

segunda seção, a discussão dessas categorias em relação ao objetivo da pesquisa, que busca

compreender como a resolução de problemas pode contribuir para a significação do

conceito de função.

6.1 CODIFICAÇÃO E CATEGORIZAÇÃO

A primeira etapa, para a análise dos dados consiste na codificação qualitativa que,

segundo Charmaz (2009, p. 69), “significa nomear segmentos de dados com uma

classificação que, simultaneamente, categoriza, resume e representa cada parte de dados”.

Com a codificação, passamos dos enunciados reais, para elaborar interpretações dos

mesmos.

A codificação, ainda de acordo com a autora, abrange duas fases principais. A

primeira delas, a codificação inicial, exige uma leitura minuciosa dos dados, envolvendo

uma denominação de cada palavra, linha ou segmento de dado. Na fase seguinte, a

codificação focalizada, faz-se uso dos códigos iniciais mais frequentes e/ou significativos,

a fim de detectar e de desenvolver categorias capazes de classificar, de sintetizar, de

integrar e de organizar grandes quantidades de dados. Decorrendo, assim, que a

codificação que fazemos, refletirá a nossa perspectiva, uma vez que “definimos aquilo que

Page 147: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

146

observamos como significativo nos dados e descrevemos o que pensamos que esteja

ocorrendo” (CHARMAZ, 2009, p. 73).

Para a codificação inicial, a autora menciona três possibilidades, a saber: palavra a

palavra, linha a linha, incidente por incidente. Para a nossa pesquisa, optamos pela

codificação linha a linha, por conta do tipo e da quantidade de dados que analisaríamos.

A codificação linha a linha consiste em “denominar cada uma das linhas dos seus

dados escritos” (GLASER, 1978 apud CHARMAZ, 2009, p. 77). Esses códigos iniciais,

conforme Charmaz (2009), auxiliam o pesquisador a organizar os dados, separando-os,

posteriormente, em categorias.

Para essa primeira fase, a codificação linha a linha, reunimos todos os dados

transcritos e passamos a uma leitura minuciosa, com o intuito de, conforme Charmaz

(2009), nomeá-los de forma que classificasse e, ao mesmo tempo, resumisse e

representasse cada parte dos dados. A essa nominação, a autora denomina códigos, a qual

assumimos em nossa pesquisa. A fim de elucidar essa etapa, apresentamos, no Quadro 2,

um exemplo da codificação de um trecho dos dados.

Quadro 2 – Aplicação de codificação linha a linha

Código Trecho do diálogo ocorrido na resolução do Problema 2 Apresentando relação entre grandezas a partir da representação algébrica. Testando outra estratégia. Indicando um parâmetro para comparação. Reconhecendo a relação de dependência. Apontando uma ideia divergente. Levantando uma hipótese. Propondo a verificação. Impondo uma condição. Testando valores para confirmação de sua hipótese. Sugerindo uma ideia.

C4: É 45 + 0,40x C2: Sim, isso aí. C1: Sim. C2: Estou fazendo uma coisa aqui. [A aluna estava tentando verificar na tabela alguma relação] C3: Eu não sei meio que tipo, pra falar que um é mais vantajoso que outro eu teria que calcular... [A aluna C2 começa a falar junto com C3] C2: Eu calculei com os mesmos minutos pra cada plano. Por exemplo, se fosse 60 minutos... [O aluno C3 interrompe C2 dizendo: Verdade!] para cada um, o [plano] A ia ser mais vantajoso, porque o outro seria 515 reais e esse 285. O que você fez [C4]? [A aluna ao calcular considera 40x e não 0,40x, por isso os valores equivocados, mas um pouco mais para frente ela perceberá o erro.] C4: Eu coloquei assim: sim, a princípio o plano A parece mais caro, mas [enfaticamente] vai depender muito do tanto de minutos que você vai usar. C2: Não, eu acho que não, acho que isso é proporcional. C4: Porque... C2: Qualquer minuto esse aqui [o plano B] vai ser maior. Vamos testar. Espera aí eu tenho calculadora aqui. C4: Preguiçosa. A C2 está trazendo calculadora professora. Risos. [A aluna C2 começa a fazer algumas contas.] C2: O A é mais barato que o B. C1: Depende da situação. C4: Que conta você fez aí C2? C2: Eu fiz com 60 minutos e com 40 minutos. C4: É, é esse que é o negócio. A princípio o plano A parece mais caro, mas vai depender muito do tempo que você vai usar.

Fonte: A autora.

Page 148: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

147

Para que os dados transmitam ação e sequência, a construção dos códigos deve ser

realizada utilizando gerúndios, pois de acordo com Glaser (1978), citado por Charmaz

(2009), essa utilização auxiliaria a se detectar processos e a se fixar nos dados. Dessa

forma, conforme exemplo presente no Quadro 2, os códigos foram elaborados de maneira a

enfatizar a ação dos participantes.

Na segunda fase da codificação, a categorização, vamos, a partir dos códigos

criados anteriormente, segundo Charmaz (2009), sintetizar e explicar segmentos maiores

de dados. De acordo com Moraes (1999, 2003), essa categorização consiste em um

procedimento de agrupamento dos dados levando em consideração o que é comum entre

eles, a partir de um processo de comparação entre os códigos definidos no processo inicial

da análise. A categorização “exige a tomada de decisão sobre quais códigos iniciais

permitem uma compreensão analítica melhor para categorizar os seus dados de forma

incisiva e completa” (CHARMAZ, 2009, p. 87).

Assim, após a codificação descrita anteriormente, buscamos desenvolver categorias

que condensassem os dados e permitissem uma interpretação mais clara e objetiva dos

mesmos. Nesse direcionamento, foi elaborado o Quadro 3, a seguir, com base na análise

inicial dos dados, a qual apresenta os códigos provenientes da codificação linha a linha e as

categorias por eles determinadas.

Page 149: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

148

Quadro 3 – Códigos e categorias estabelecidos na codificação linha a linha

Códigos Categorias Utilizando conhecimentos prévios.

Conhecimentos prévios

Usando um conceito ou seu significado para argumentação. Usando significado de símbolos para argumentação. Sugerindo e analisando o uso de um conceito. Relacionando outros conceitos ao contexto. Contextualizando uma situação a partir do enunciado. Reconhecendo a variação.

Reconhecendo noções básicas do conceito de função

Construindo uma generalização. Apresentando uma expressão analítica. Reconhecendo relação de dependência. Reconhecendo valores constantes e variáveis. Apresentando uma ideia.

Processo de construção de conceitos

Questionando uma ideia, uma estratégia ou uma relação. Percebendo/Explicando um padrão numérico. Percebendo um erro/engano. Relatando uma dúvida. Construindo/elaborando/sugerindo/apontando uma relação. Verificando a validade da resposta a partir da análise dos valores. Indicando a necessidade de verificação. Explicando a relação e o processo de elaboração de uma relação. Verificando a validade de uma sugestão. Argumentando. Comprovando a relação sugerida. Instigando a generalização. Apresentando uma conclusão. Percebendo uma relação com o apoio da tabela.

Percepção visual

Percebendo uma regularidade a partir da percepção visual. Relacionando padrão numérico com o padrão visual. Sugerindo elaboração de relação a partir de um padrão visual. Formulando a relação a partir da análise das figuras. Fonte: A autora.

Page 150: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

149

Ademais, posterior a essa codificação, ao retomar as interações na resolução de

problemas, emergiu mais uma categoria, referente à dinâmica do trabalho em grupo. Ela

não está relacionada à codificação linha a linha, mas, considerando os episódios em sua

totalidade, vimos os códigos se encadearem. Na próxima seção, trataremos dessa e das

outras quatro categorias de análise.

6.2 AS CATEGORIAS DE ANÁLISE

No processo de categorização, de acordo com Moraes (2003), pode-se chegar às

categorias de formas distintas. Uma dessas formas implica em definir categorias antes da

realização da análise dos dados. Nesse caso, “as categorias são deduzidas das teorias que

servem de fundamento para a pesquisa” (MORAES, 2003, p. 197), sendo denominadas

categorias a priori. Por outro lado, podem ser construídas um tipo delas com base nas

informações dos dados, as quais surgem a partir da análise deles. Nesse caso, têm-se as

categorias denominadas emergentes. Quando as que foram definidas, a priori, também

emergem durante o processo de análise dos dados, então as denominamos, conforme

Moraes (2003), categorias mistas.

Diante do exposto, vale ressaltar que, após a organização e a codificação inicial dos

dados, houve a elaboração de três categorias mistas e de duas categorias emergentes. As

categorias conhecimentos prévios, reconhecendo noções básicas do conceito de função e

processo de construção de conceitos foram, inicialmente, consideradas como a priori,

tornando-se mistas durante o processo de análise dos dados. Já as categorias consideradas

emergentes foram percepção visual e dinâmica de trabalho em grupo.

Todas as etapas que se referem ao tratamento de dados (por exemplo: coleta,

organização e análise) foram orientadas pela seguinte questão de investigação:

Quais as contribuições que as estratégias utilizadas pelos estudantes na

resolução de problemas podem trazer para o processo de ensino e de

aprendizagem do conceito de função?

Page 151: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

150

Assim, com base nesse questionamento, cinco categorias foram elaboradas com o

intuito de auxiliar na interpretação dos dados, visando desenvolver uma compreensão de

como a resolução de problemas pode contribuir para a significação do conceito de função,

a saber:

a) A utilização de conhecimentos prévios na resolução de problemas (mista);

b) Reconhecendo noções básicas do conceito de função a partir da resolução de

problemas (mista);

c) O processo de construção de conceitos através do pensamento reflexivo na

resolução de problemas (mista);

d) A percepção visual como instrumento de análise de relações (emergente).

e) A dinâmica do trabalho em grupo oportunizando a resolução de problemas

(emergente).

As categorias supracitadas contribuíram para que a questão de investigação pudesse

ser respondida e, também, oferecesse subsídios para alcançar o objetivo da pesquisa,

dotando os dados de organização, o que auxiliou na elaboração de descrições. Estas foram

produzidas com base na intepretação dos dados, bem como no aporte teórico que

fundamentou este estudo.

Além disso, uma vez que, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) constituem

um referencial para a educação no Ensino Fundamental e Médio, no que tange às

orientações e às recomendações que orientam o ensino de Matemática, consideramos fazê-

los constar dessas descrições.

Na sequência, apresentamos a descrição de cada uma das categorias.

6.2.1 A UTILIZAÇÃO DE CONHECIMENTOS PRÉVIOS

NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

A importância dos conhecimentos prévios do aluno é destacada por vários autores,

bem como a influência desses na aprendizagem. Em nossa pesquisa, a aprendizagem de

novos conceitos está relacionada com a sua compreensão, sendo, de acordo com Dewey

Page 152: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

151

(1959), essa compreensão obtida a partir de uma rede de significados que são

desenvolvidos para o conceito, através do seu uso. Nesse sentido, para que a compreensão

do conceito de função ocorra, ainda de acordo com Dewey (1959), a relação desse com

significados já apreendidos se torna relevante, ressaltando, dessa forma, a importância da

experiência quando confrontamos uma situação problemática.

Os PCN mencionam que “a importância de levar em conta o conhecimento prévio

dos alunos na construção de significados geralmente é desconsiderada” (BRASIL, 1998, p.

23). Também mostra que o tratamento escolar dado à maioria dos conceitos, subestima os

que são desenvolvidos pelas interações sociais e pelas vivências dos alunos, não

considerando a sua experiência pessoal.

A análise dos dados mostrou que, em alguns momentos, esse conhecimento prévio

foi o responsável por disparar sugestões e incitar a discussão durante o processo de

resolução dos problemas. Por exemplo, na resolução da atividade 3, que trata da corrida de

táxi, ao serem questionados pela aluna A1 sobre “o que é uma inequação?”, o estudante

A4, afirmando que “inequação é quando o resultado pode variar”, propõe uma solução para

a questão, considerando que para ela “seria uma equação, já que é um símbolo de igual ao

invés de ser maior ou menor”. Com essa argumentação, ele incita uma discussão sobre qual

seria a melhor representação para a questão: uma equação ou uma inequação. Nesse caso, o

aluno A4, usa do seu entendimento acerca de um conceito, no caso o de inequação, para

argumentar que o ideal seria usar uma representação com sinal de igualdade. O que segue,

a partir dessa colocação, é uma discussão sobre essa representação. Além disso, a

argumentação do aluno A4, fundamentada nos conceitos que este já conhecia, foi

responsável por provocar uma reflexão sobre o contexto da atividade, influenciando a

aluna A1 a pensar sobre os significados de equação e de inequação e, como consequência,

a elaborar o seu próprio entendimento acerca da questão.

Na aprendizagem do conceito de função, algumas distinções não são consideradas

fáceis de acordo com Sierpinska (1992), em particular, as relacionadas ao discernimento

entre quantidades variáveis e constantes. A análise dos dados mostra que o ambiente de

resolução de problemas configurou um espaço onde os conhecimentos prévios foram

também requeridos de forma a esclarecer dúvidas e, com isso, contribuiu-se para que, a

partir dos próprios alunos, houvesse o contato com conceitos relacionados às noções

básicas do conceito de função. Por exemplo, o diálogo presente no fragmento a seguir,

mostra essa relação.

Page 153: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

152

A4: Bandeirada? O que é isso? A2: É. É tipo um preço fixo. [Uns segundos depois] Tipo, se você andar 1 metro com o taxi, já tem que pagar a bandeirada. A1: É preço fixo. A2: Na 6a série, uma vez eles colocaram bandeirada e eu não sabia o quê que era, e aí eu não consegui fazer. A4: O que? A2: Eles colocaram bandeirada e eu não sabia. A4: Mas onde vocês fizeram isso? A3: Em uma prova da 6a série. A4: O primeiro quilômetro é a bandeirada? A1: É, então... O fixo. Você já tem 3,80 mais... [A2 fala interrompendo A1]: 28,00 - 3,80. A4: Não, espera aí. Professora, bandeirada é considerada o valor de 1km ou só de entrar no táxi? A2: Preço fixo. Professora: O que você acha? A2: É uma taxa só de entrar no táxi. A4: Então, já começa pagando este valor e vai contando os outros.

No fragmento supracitado, o entendimento acerca do conceito de bandeirada pelo

aluno A4 é realizado a partir do que os outros colegas compreendiam sobre ele, sendo

aceita a ideia de que a bandeirada é um preço fixo que não dependia da quilometragem.

Decorre do exposto, o conhecimento prévio, e não necessariamente escolar, auxiliou na

ideia de valor ou número constante.

Com a análise dos dados, foi possível verificar ainda que os alunos que ajudavam

seus colegas para entender algum conceito ou esclarecer alguma dúvida o faziam com base

em seus conhecimentos prévios, e os alunos que recebiam a ajuda tinham o cuidado de

testar, verificar e, então, tentar compreender. Nesse estudo, o aluno foi levado a construir o

seu conhecimento, sendo isso favorecido, “pelas conexões que [se] estabelecem com seu

conhecimento prévio num contexto de resolução de problemas” (BRASIL, 1998, p. 37).

Além disso, quando do esclarecimento de uma situação, os alunos recorreram ao

conhecimento que tinham de uma palavra ou de um símbolo. O significado atribuído a

esses elementos foi decisivo para se inclinarem a favor ou contra uma sugestão. Por

exemplo, na resolução da atividade 2, quanto à placa que refere à altura para utilizar um

brinquedo num parque de diversões, a aluna A1, usando o significado de máximo e

mínimo, argumenta a favor da utilização de um sinal de desigualdade. Toda a discussão

acerca desse símbolo é realizada pautada nesse entendimento, ou seja, no significado das

palavras. Posteriormente, em um encontro realizado dias depois, quando da resolução do

Page 154: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

153

problema 4, envolvendo os dois quadrados, o aluno A4 utiliza dessa situação para impor

restrições para uma variável.

A interpretação dos resultados analisados mostra os alunos mobilizando conceitos

que já fizeram parte de suas experiências para propor novos caminhos ou para decidir por

uma ou outra ideia. Isso nos remete ao que está envolto numa experiência, pois, conforme

exposto por Dewey (1959, p. 48-49), “tudo que foi experimentado acorre-nos em união

com outro objeto, qualidade ou acontecimento”. Nesse sentido, uma situação, que guarda

alguma semelhança com situações experimentadas no passado “evocará ou sugerirá

alguma coisa ou qualidade a ela ligada” (ibidem). Além disso, o autor menciona que os

conhecimentos prévios serão essenciais, uma vez que, a partir deles, uma ideia se

apresentará como possível solução para um problema e, no exame dessa solução, será a

partir do que já é conhecido que conseguiremos esmiuçar com clareza a ligação entre uma

ideia e outra.

Os conhecimentos prévios, na pesquisa de campo, também favoreceram a

intepretação dos problemas, instituindo contextos onde os alunos pudessem analisar e

construir sua argumentação. Esse favorecimento acontecia, principalmente, quando um

colega tentava auxiliar outro no grupo de trabalho. Por exemplo, no fragmento seguinte, a

aluna A2 contextualiza o problema 2, objetivando instigar uma reflexão por parte de sua

colega A1.

Presta atenção, A1. Você tem um celular, beleza? Aí você só faz ligação, você precisa fazer com este celular uma ligação de digamos, uma vez por mês para avisar que você chegou num estado. Tipo assim, sua mãe mora na Bahia e aí você só tem o celular da Bahia e só tem ele para avisar que chegou, pra falar com ela. Aí você pegaria o primeiro plano. Ou o segundo?

A contextualização dos problemas, realizada com base nos conhecimentos prévios dos

alunos aconteceu com o intuito de despertar significados que o aluno ou o seu colega

possuem e que se referem a conceitos que se relacionam com o problema. Em geral, essa

mobilização aconteceu quando as questões permitiam interpretações distintas.

Page 155: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

154

6.2.2 RECONHECENDO NOÇÕES BÁSICAS DO CONCEITO DE FUNÇÃO

A PARTIR DA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

O ensino de funções, tradicionalmente, de acordo com os PCN, tem sido

estabelecido incutindo-lhe pré-requisitos40 que posteriormente são desconsiderados.

Sugere-se, então, que o ensino desse conteúdo enfatize o seu conceito e que seja iniciado a

partir de situações que possibilitem ao aluno descrever relações de dependência entre duas

grandezas, além disso que os problemas constituam contextos para a aprendizagem de tal

conteúdo (BRASIL, 2000).

O conceito de função, nesse estudo, é considerado aproximando-se de suas origens,

o que, conforme Caraça (1951), fundamenta-se na observação e no estudo de fenômenos

em busca de regularidades. Em um contexto histórico, o autor descreve noções básicas que

fundamentaram a construção do conceito de função. Nesse direcionamento, procuramos

atividades e problemas que pudessem evocar essas noções e que permitissem aos alunos

desenvolverem uma compreensão delas. Nesta subseção, mostraremos o contato com

noções básicas do conceito de função, a saber: variável, constante, relações, bem como, um

indício do próprio conceito de função.

Como já mencionado, em um ambiente de resolução de problemas, a motivação e o

interesse do aluno constituem fatores indispensáveis para um melhor aproveitamento. A

análise dos dados mostrou que, uma vez que o interesse esteja presente, o aluno poderá ser

capaz de desenvolver ideias além do proposto ou esperado. Por exemplo, na resolução da

Atividade 3, sobre a corrida de táxi, a aluna C2 mostra-se interessada em ampliar a

discussão proposta e instiga os colegas do grupo: “vocês querem escrever isso [a situação

proposta na atividade 3, item b] aqui com letra, além disso?”. Tem-se, então, o contato com

noções básicas do conceito de função, por exemplo: variável, uma vez que o “além disso”

implica considerar que o dinheiro que a pessoa teria para pagar o táxi poderia variar. Ainda

que não mencionados explicitamente pela aluna, nota-se a significação, para esses

participantes, de valores constantes e da possibilidade de variação para a quantia em

dinheiro sendo favorecidas pela atividade. Na sequência da proposta feita pela aluna C2, os

alunos desenvolveram o seu entendimento e propuseram a generalização do enunciado da 40 Comumente, de acordo com os PCN, é traçado um enorme percurso para se ensinar funções. Esse percurso seria justificado considerando que constituem pré-requisitos para a aprendizagem de tal conteúdo outros, a saber: números reais, conjuntos e suas operações e relações, sendo então estabelecida a definição de função. (BRASIL, 2000)

Page 156: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

155

questão, conforme excerto seguinte. Vale ressaltar que sobre esse entendimento não

estamos nos referindo à afirmação do aluno C4 (“entendi, entendi”), mas sim de algo

relacionado com todo o contexto.

C2: No geral, no geral, você tem X de dinheiro. Daí você entra no taxi e já paga 3,80, então você já entra com X – 3,80. C3: E você só pode andar os quilômetros dividindo por 2,20. Porque 1 quilômetro é 2,20. C4: Entendi, entendi. C2: É. Você divide este valor [X – 3,80] por 2,20.

No fragmento anterior, tem-se evidenciado o valor constante (R$ 3,80) e a possibilidade de

variação da quantia em dinheiro a ser gasta e também da quilometragem a ser percorrida.

Outra noção evidenciada é a relação existente entre a quantia em dinheiro e a quantidade

de quilômetros rodados, sendo essa relação apresentada, por exemplo, na figura 30 a

seguir.

Figura 30 – Reprodução do destaque da resolução pelo participante (C2)

Fonte: Dados da pesquisa.

Ainda em relação ao reconhecimento de variáveis, a análise dos dados mostra que,

as discussões e as questões propostas favoreceram a utilização de estratégias distintas,

possibilitando o entendimento, por parte dos participantes, por meios diferentes. Por

exemplo, na resolução da Atividade 3, pelos alunos do grupo A, a significação do conceito

de inequação por parte do aluno A4, ao afirmar que “inequação é quando o resultado pode

variar”, instiga a aluna A1 a considerá-la para a resolução dessa atividade. O raciocínio

utilizado pela aluna A1, promoveu o contato com uma noção de variável que remete aos

seus conhecimentos sobre inequações, como pode ser observado no fragmento seguinte.

A1: Ah não, inequação. Porque aí você pode fazer é... você pode gastar mais ou menos, dependendo do dinheiro que você tem. A1: Mas olha só. Você tem 28 reais, certo? Você pode andar 11 quilômetros no máximo, mas você também pode gastar no mínimo. A1: Você pode gastar menos. Entendeu?

Page 157: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

156

A1: Com o igual você encontra o valor máximo de quilômetros que pode andar e com uma inequação você pode gastar... A3: Pode gastar até aquele valor. A4: Porque você pode gastar o preço máximo ou menos.

Corroborando as asserções em relação à compreensão da noção de variável, destaca-se, a

percepção da aluna A3, mais adiante nesse diálogo, que afirma, “porque é um valor

moldável, mas colocar moldável parece que para mais também pode”. E, ainda, referente

ao Problema 4, o aluno A4 declara: “mas isso [o salário] vai dar um número que pode ser

vários números”. A interpretação desses dados revela a significação que cada participante

atribuiu ao conceito de variável dentro do contexto proposto.

A análise dos dados mostra que, o ambiente de resolução de problemas pode ser

considerado como favorável para a atribuição de significados para noções básicas do

conceito de função, assim construindo uma base para desenvolver uma compreensão do

conceito. Isso porque, através das discussões, os alunos foram encadeando suas ideias de

forma a conceber uma ideia geral (DEWEY, 1959) e, em alguns momentos, indícios da

noção do conceito de função já podiam ser percebidos. Por exemplo, o fragmento seguinte,

esboça a construção da relação de dependência entre o salário e o número de horas extras.

Professora: Salário bruto é tudo que ele recebeu. A4: Então não tem jeito de contar isso aqui não. A1: Tem. A4: Mas isso [o salário] vai dar um número que pode ser vários números. Professora: Sério? Mas porque podem ser vários números? A2: Porque o número de dias, que você não sabe quantos dias ele trabalha, vezes o número de horas. A4: Que você também não sabe quantas horas [extras] ele trabalha.

Desta maneira, tem-se ressaltado o cuidado em não se confundir o conceito de função com

o de expressão analítica, pois, conforme Sierpinska (1992), a definição do conceito de

função abrangerá significado relacionado ao contexto em que se emprega o que, neste

caso, vincula-se à relação entre grandezas variáveis.

Page 158: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

157

6.2.3 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS ATRAVÉS DO

PENSAMENTO REFLEXIVO NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

O processo de construção de conceitos ou de formação de novas ideias ocorre

“pouco a pouco, quando os alunos refletem ativamente sobre elas e as testam através dos

muitos diferentes caminhos que o professor pode lhes oferecer” (ONUCHIC;

ALLEVATO, 2012, p. 240), sendo essa uma vantagem apontada pelas autoras das

discussões promovidas pelos estudantes em grupos de trabalho. Esses caminhos, porém,

devem ser compreendidos como condições a que expomos os alunos para que, de acordo

com as autoras, eles possam pensar e testar uma ideia emergente e, assim, possam formá-la

de maneira a integrá-la a uma rede de ideias e de compreensão relacional.

Nesse direcionamento, encontra-se o presente estudo, no qual os alunos estiveram

expostos a um ambiente de resolução de problemas cuja discussão era favorecida. A

análise dos dados provenientes das conversas informais a respeito das atividades mostra

que, ao confrontar o ambiente das aulas do período vespertino (aplicação da proposta pela

professora-pesquisadora) com o do matutino (aulas regulares pela professora regular), os

alunos destacaram pontos favoráveis ao primeiro, já que, por exemplo, segundo a aluna

C2, “tem mais discussão” e, conforme o aluno C4, destacava-se “o trabalho em grupo

também”. A aluna C2, ainda argumenta que “na sala [se referindo às aulas regulares], o

máximo que a gente discute é tipo assim: eu tô aqui e a menina tá ali e a gente pergunta

quanto que deu e tal, essas coisas, porque a gente não pode conversar”.

A interpretação dos dados revela que, para esses participantes, o ambiente

favoreceu não só a discussão mas também o envolvimento dos alunos na realização das

atividades. Por exemplo, a aluna C2 argumenta que “eu acho que a gente pode dar a nossa

opinião, sem ter medo, [pausa] tem tempo...”. E revela também que ambiente e os

problemas contribuíram com a formulação de novas ideias, bem como com a elaboração de

estratégias para a resolução. Corroborando com essas asserções, a aluna C2 argumenta,

acerca dos problemas, que “[eles] nos dão muitas possibilidades”, enquanto o aluno C4,

afirma que “eu acho que nessas [atividades], que a gente teve hoje, a gente teve que pensar

além da conta, do que pede no problema. A gente teve que achar outros cálculos, outras

maneiras para chegar no resultado”.

Page 159: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

158

A análise dos dados pôde, ainda, delinear algumas etapas presentes na realização

das atividades, as quais associamos às fases do pensamento reflexivo segundo Dewey

(1959), que foram favorecidas no ambiente de resolução de problemas, a saber:

(1) Entendendo o propósito na execução da atividade ou a busca por uma solução

para um problema, ou seja, o aluno procurava entender o que estava buscando. Neste

momento, em sintonia com a segunda fase – intelectualização, segundo Dewey (1959), o

problema se constituirá. Quando não entendia previamente o problema, tentava

compreender problemas secundários, ou seja, transformava o problema maior em partes

menores e tentava entender essas partes, com isso definia a dificuldade da situação

problemática. Os fragmentos seguintes corroboram com esse movimento em diferentes

situações.

C2: Analisando a medida do lado dos quadrados é possível descobrir o valor de n? Como eu vou saber o valor de n? A2: Mas, professora, espera aí. Se ele trabalhar menos que 2 horas, ele não ganha o 6,58? Ou ele só pode trabalhar até duas horas? C4: Professora o que é valor bruto? A4: Mas aí eu tenho que considerar que ele trabalhou ou não trabalhou? [O aluno questiona se deveria considerar a hora extra diária ou não.] Professora: O que você quer saber? A4: Como se comporta o valor bruto recebido mensalmente por este balconista. Mas aí tem que acrescentar a hora extra ou não?

Os fragmentos supracitados exemplificam alguns momentos que compõem o processo de

entendimento de um problema. Os questionamentos e/ou os relatos de dúvidas estão

presentes nele e constituem uma fase essencial da resolução dos problemas e para a

construção de noções básicas do conceito de função. Nesses fragmentos, temos o início de

uma ideia que mais tarde relacionar-se-á ao conceito de variável.

(2) Examinando uma sugestão, que se refere à quarta fase do pensamento reflexivo

– o curso do pensamento foi controlado de forma que as ideias se relacionavam em cadeia,

uma ideia concebendo outra, ou levando a outra, de forma relacionada ou referindo-se à

primeira. Neste momento, conforme Dewey (1959), um exame sobre uma sugestão será

realizado, o que permitirá ou não a aceitação dela como solução. E, ainda, tem-se

novamente o destaque dos conhecimentos prévios. Por exemplo, no fragmento seguinte, da

Atividade 4 com os dois quadrados, temos um diálogo de três alunos do grupo C, em que o

Page 160: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

159

movimento das ideias foi encadeado de forma a refutar ou a comprovar uma primeira

sugestão.

C3: É lógico que dá para descobrir o valor de n. C2: Como você vai descobrir? C3: Porque olha só... Todos os lados [do quadrado maior medem] n + 1. Todos esses os lados [do quadrado menor medem] n – 1. C2: Mas eu preciso de saber a área em números para poder descobrir. C3: Não, pois... ah é, não tem como. C2: Eu não sei área em números, eu não sei perímetro. [...] C3: Vamos colocar aqui [no item c] não. C2: Não?! Certeza? C3: É. C2: Não, pois não foi dado. C4: Informações suficientes. [...] C4: Não, na verdade dá para você descobrir o perímetro. C3: Não. Mas como você vai descobrir em número? C4: O perímetro [quadrado menor] vai ser 4n – 4 e o de cima [maior] 4n + 4. C3: Beleza. E depois? C4: Mas não dá para descobrir n porque não temos informações suficientes.

A análise dos dados mostra um movimento presente, na resolução das atividades.

Por exemplo a Atividade 4 (figura 31), na qual sugestões são consideradas, um exame é

realizado e, só então encaminha-se para uma conclusão.

Figura 31 – Reprodução da imagem da Atividade 4.

Fonte: A autora.

Page 161: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

160

Nessa atividade, destaca-se uma ideia inicial que foi sugerida e, somente após um estudo,

foi descartada. Para a resolução do item c, o aluno A4 utiliza a fórmula de Bháskara para

determinação de uma incógnita. Ainda que os seus colegas argumentassem contra,

explicando os seus motivos, por exemplo, a aluna A3 questiona “você usou Bháskara? [...];

“Pode colocar Bháskara?”. A aluna A1 argumenta: “eu acho que não dá para colocar

Bháskara. [...] Porque não é igual a zero. Não tem igual aí. Isso aí é só uma equação

[expressão]. Você não tem certeza se isso [a expressão algébrica] é zero. Isso poderia ser

vinte”. Já o aluno A4 continuava firme em sua ideia, argumentando: “mas se for aplicar

aqui também dá. Funciona”. Enfim, o aluno testa o resultado obtido pela aplicação da

fórmula de Bháskara e constata que teria algum problema, mencionando: “mas não poderia

ser, não poderia ser também não. Porque o quadrado, o menor não ia existir. Porque seria n

– 1. E aí seria zero, e não existe lado zero”. E, na sequência, depois de certo tempo, o aluno

A4 retoma a discussão, conforme excerto.

A4: O que você colocou na segunda? [o aluno A4 questiona a A1 e começa a ler o que ela tinha escrito no item c desta atividade] Não, pois não é uma equação se não [tem o sinal de igualdade]. [Alguns segundos em silêncio] Uma coisa que eu não entendi é essa [item c], porque eu escrevi que não existe lado igual a zero. A1: Pois é, eu acho que não tem esse igual a zero. Porque não é uma equação. Isso é só uma... [expressão]

Ainda que a sugestão tenha sido descartada pelo aluno A4, a dificuldade que se pode

perceber no diálogo apresentado vai ao encontro do que foi apontado por Sierpinska (1992)

no que diz respeito ao discernimento entre incógnitas e variáveis, que não é considerado

uma tarefa muito fácil. Isto se relaciona, ainda segundo a autora, à experiência que os

alunos têm antes de aprender sobre funções, que está embasada em quantidades dadas e

desconhecidas.

Por outro lado, ainda em relação a esse movimento, a interpretação dos dados

mostra que uma ideia pode não ser compreendida integralmente no momento em que se

refuta ou se confirma, ainda que a verificação tenha acontecido. Em alguns casos, o que

essa interpretação nos mostra, é que os alunos precisam de um tempo, podendo ou não

estar envolvidos com as atividades, que faz parte do processo de resolução, para

compreender suas relações.

(3) Uma conclusão, que se refere à 5a fase do pensamento reflexivo segundo Dewey

(1959), ou ao término de uma atividade não se dava de forma abrupta, mas mediante

Page 162: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

161

análise. A investigação e a verificação de uma possível hipótese foram realizadas para

constituir a solução ou a conclusão de um problema. Por exemplo, no excerto a seguir, em

um diálogo entre os alunos C2 e C4 da Atividade 1.1, temos evidenciadas as fases de

testes, investidas em busca de uma solução, questionamentos e verificação para

comprovação da sugestão.

C4: 3n + 1! Pode fazer a conta! [Fala novamente, eufórico.] C2: É verdade. Mas como você descobriu isso? C4: Eu fiquei olhando, presta atenção C2. Eu fiquei fazendo um monte de fórmulas na minha cabeça. C2: Eu tô vendo, você estava aí assim [concentrado]. C4: Olha, aqui não é 1? [aponta para o quadradinho superior da figura 1] E cada fileirinha [se referindo à linha] são 3, então 3 + 1 é igual 4. Na figura 2, duas fileirinhas de 3 mais 1... C2: Tá, tá certo. Mas como você descobriu isso? Por que o 3n? C4: Eu olhei para a tabela, aqui [aponta para a quantidade de quadradinhos] de figura em figura aumenta 3. Daqui para cá [aponta a mudança de linha na tabela, da figura 1 para a 2], vezes 3 mais 1. C2: Espera, 2 vezes 3 dá 6 mais 1 igual a 7; 3 vezes 3 dá 9 mais 1 igual a 10.

Essa investigação e verificação da hipótese, também pôde ser observada, na

resolução do Problema 2, que se referia aos planos de telefonia celular, pelos alunos do

grupo A. No início da discussão, a aluna A2 menciona: “eu acho que depende. Eu acho que

nenhum se mostrou vantajoso, porque não mostrou uma situação. Vocês concordam?”. A

partir daí, tem-se uma prolongada discussão, sendo manifestadas outras ideias e, na

consideração destas, a aluna A3 é levada a concluir que “depende, depende, se fosse um

problema, se você gastasse, o seu plano fosse menor e o seu custo adicional fosse maior.

[...] Não mostrou nenhuma situação para você fazer, tipo assim: ele usa, o plano dele é de

30 reais, mas ele usa 5 vezes mais que o outro no custo adicional”. Uma consideração é

realizada pelo grupo acerca dessa ideia, não sendo encerrada de imediato a discussão.

Conforme avançam, os alunos vão refinando os seus argumentos, testando e aplicando em

situações contextualizadas para afirmar a hipótese, apresentando, por fim, a conclusão

presente no excerto a seguir.

É porque tipo assim, o que a gente pensou: que depende da situação, eles não deram nenhuma situação [o sentido aqui é de condição, uma restrição ou parâmetro para comparação] pra gente, pra mostrar um plano vantajoso. Então, por exemplo, se eu quisesse um plano para falar bem pouquinho e que não equivalesse aos 10 reais que é acrescentado quando eu compro aqui [o plano A] eu escolheria o B, mas se eu quisesse um

Page 163: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

162

plano para falar muito, se eu fosse uma executiva, eu escolheria o A. Então não tem um plano vantajoso sem uma situação.

Nesse excerto, destacam-se a relação de dependência, o reconhecimento da necessidade de

um parâmetro para comparação dos planos e a apresentação de argumentos que

comprovam tal necessidade, além da conclusão para o problema. A análise desses dados

permitiu verificar indícios de uma aproximação à lei qualitativa, mencionada por Caraça

(1951), como uma variação da qualidade, ou seja, expressa relações entre componentes de

uma situação.

6.2.4 A PERCEPÇÃO VISUAL COMO INSTRUMENTO

DE ANÁLISE DE RELAÇÕES

No ensino do conceito de função, além do papel curricular desse conteúdo, é

importante refletirmos acerca de como os estudantes constroem o conhecimento

matemático, devendo-se levar em consideração, segundo os PCN, principalmente, a

variedade de representações, sendo enfatizado que, a visualização, constitui um recurso

facilitador da aprendizagem (BRASIL, 1998).

Alguns recursos, em Matemática, funcionam como ferramentas de visualização, ou

seja, “imagens que por si mesmas permitem compreensão ou demonstração de uma

relação, regularidade ou propriedade” (BRASIL, 1998, p. 45). Assim, tem-se que as

imagens podem contribuir para a compreensão de uma relação. Nesse sentido, é

considerado proveitoso expor os alunos a situações que possam investigar padrões em

representações geométricas para que, dessa forma, identificando suas estruturas, eles

possam expressar as regularidades e, por conseguinte, construir a linguagem algébrica

(BRASIL, 1998).

Nesse direcionamento, objetivando colocar os participantes frente a observações de

padrões e de regularidades, as primeiras atividades eram compostas de sequências de

figuras construídas com formas geométricas. A análise dos dados mostra que essas figuras

constituíram instrumentos vantajosos quando da elaboração de relações, tendo promovido

condições para análise e para descobertas. Por exemplo, a aluna A2, propondo, para a

Atividade 1 uma relação entre o número de bolinhas e a posição da figura na sequência,

Page 164: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

163

afirma que “aqui na figura 2 tem duas bolinhas assim, na figura 3 tem três bolinhas assim”,

em que o assim, somado aos gestos da aluna, tomava o sentido de coluna. Nesse caso, tem-

se o formato das figuras sendo ressaltado pela participante como uma maneira de

relacionar as grandezas mencionadas. Essa condição também é evidenciada pela aluna B4,

que argumenta que “a posição inicial não muda [no sentido de existirem duas linhas

sempre], só aumenta o número de colunas da figura”.

Em outra atividade, essa percepção do formato das figuras, também constituiu um

recurso na análise do padrão e da construção de uma relação. Por exemplo, referindo-se à

Atividade 1.1, a aluna B1 menciona que “o número da figura é a quantidade de linhas

formadas por três quadrados”.

Além disso, a análise dos dados mostra que a interpretação dos alunos das

representações das figuras, constantes da Atividade 1.1 (figura 32), foi realizada e

interferiu de forma diferente na construção das relações, ou seja, percepções diferentes do

formato levaram à construção de relações.

Figura 32 – Reprodução da imagem da Atividade 1.1.

Fonte: A autora.

Por exemplo, nos fragmentos seguintes, que se referem à resolução dessa atividade, essas

percepções distintas são demonstradas e, em alguns casos, também o encaminhamento

dado para a construção da relação.

A4: Porque são 3 quadrados, n, cada quadrado é n, mais 1, que é o de cima. [aqui o aluno quis dizer que existiam em cada fileira 3 quadrados, cada fileira é n] C2: Isso aqui é fixo. Esse trem aqui. [C2 aponta para os quatro quadradinhos da figura 1] C2: Porque sempre soma mais uma linha embaixo. C2: Mas tem que ter pelo menos 4. Porque olha a figura 2 é 4 mais 3. Tem que ter o mais 3. C2: Eu só percebi que isto aqui sempre tinha, estes três com este um em cima era tipo fixo. [A aluna aponta para a figura 1 e começa a destacar o bloco nas outras figuras.]

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164

C4: Daqui para cá aumentou 3, 1 fileira. [Aponta da 1ª para a 2ª figura] Daqui para cá aumentou 2 aqui embaixo, duas fileiras. C2: É tipo 4 mais 3... Sempre tem 4 mais 3 vezes alguma coisa. C1: Eu desenhei no meio primeiro. C1: A fileira do meio é 1 a mais. C1: As fileiras do lado é o número da figura, e a fileira do meio é um a mais. A gente pode fazer uma regra com este padrão. C1: Tipo assim, se eu colocar n vezes 2, mais n + 1 dá certo. C1: Eu pensei, analisando a figura, eu vi que aqui era 3, aqui era 3 e aqui 3 + 1. Na figura 2, aqui era 2, aqui era 2 e aqui era 2 + 1. Então eram 2 vezes o n mais n + 1. [Toda esta explicação da C1 é feita apontando as colunas à direita e à esquerda comparadas com a central] C3: Porque olha só, aumenta 3, então é como se fosse Tetris. Você modifica, bota dois aqui e um em cima, dois aqui e um em cima. [Neste caso, C3 aponta os dois que seriam colocados para ‘fechar’ a figura em um retângulo, e o de cima para continuar o padrão] C4: Olha, aqui não é 1? [aponta para o quadradinho superior da figura 1] E cada fileirinha [se referindo à linha] são 3, então 3 + 1 é igual a 4. Na figura 2, duas fileirinhas de 3 mais 1...

A partir de todas as interpretações, constantes do fragmento anterior, seria possível obter

uma relação entre as grandezas, quantidade de quadradinhos e número da figura, mas cada

uma era única, pois foi disparada a partir dos significados que cada aluno atribuía para a

forma. A constatação dessas percepções e o prolongamento das discussões foram possíveis

devido ao ambiente a que impusemos a realização das atividades no desenvolvimento

dessa proposta.

Com a análise dos dados, ficou evidenciada ainda a dificuldade dos estudantes,

apontada por Sierpinska (1992), que se concentram na variação e, por conseguinte, não

compreendem os objetos variáveis. Um exemplo disso é o aluno A4, a partir da sua

percepção da variação: “ah tá figura 1 quantidade de quadradinhos 4. A [figura] 2 vai ser 7.

Vai ser mais 3 sempre. 10, 13, 16”, pois ele propõe como generalização: “vai ser n + 3”.

No entanto, identificamos, as representações como um instrumento mediador que

contribuiu favoravelmente no que tange à percepção da variação e de construção da relação

entre os objetos variáveis, ou seja, a percepção visual proporcionou uma discussão acerca

das ideias sugeridas para a construção da relação e, consequentemente, para a obtenção da

relação coerente com a sequência de figuras.

Considerando que a construção de tabelas para representar uma situação poderá

contribuir para que o aluno perceba o uso de letras (como variáveis) para generalizar um

procedimento (BRASIL, 1998), propusemos, nesta pesquisa, um recurso, a fim de verificar

Page 166: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

165

essa contribuição e, ainda, se constituiria um instrumento auxiliar e instigante das relações.

A análise dos dados revela que a tabela presente na Atividade 1.1 mostrou-se como outro

recurso relacionado à percepção visual, o qual auxiliou na compreensão e, somado ao

padrão estabelecido a partir do formato das figuras, contribuiu na construção da relação.

Por exemplo, na discussão presente no grupo B, o padrão visual estabelecido pela aluna B1

ao mencionar que “o número da figura é a quantidade de linhas formadas por três

quadrados” pode ter auxiliado na compreensão da relação apontada por B3: “olha só gente.

Aqui o número da figura é, tipo assim, é 1 vezes 3, 3 mais 1; 2 vezes 3, 6 mais 1”. Essa

relação é destacada no preenchimento da tabela pela aluna B2, conforme figura 33 a seguir.

Figura 33 – Reprodução do destaque da resolução pelo participante (B2)

Fonte: Dados da Pesquisa

Na tabela, destaca-se a forma como a aluna B2 preenche a coluna quantidade de

quadradinhos, na qual os valores que são fixos e as variáveis podem se revelar mais

facilmente para alguns alunos. Esse preenchimento contribuiu para a obtenção da relação

pela aluna B3, afirmando que “igual [para] o n. O n vai ser n vezes 3 mais 1”. Essa

condição também pode ser observada no fragmento seguinte, em que o aluno C4 aponta a

utilização da tabela como forma de complementar sua compreensão.

C4: Olha, aqui não é 1? [aponta para o quadradinho superior da figura 1] E cada fileirinha [se referindo a linha] são 3, então 3 + 1 é igual a 4. Na figura 2, duas fileirinhas de 3 mais 1... C2: Tá, tá certo. Mas como você descobriu isso? Por que o 3n? C4: Eu olhei para a tabela, aqui [aponta para a quantidade de quadradinhos] de figura em figura aumenta 3. Daqui para cá [aponta a mudança de linha na tabela, da figura 1 para a 2], vezes 3 mais 1.

De fato, é considerado proveitoso propor situações que instiguem os alunos a

construírem o conhecimento de certos conteúdos pela observação de regularidades em

tabelas (BRASIL, 1998). A compreensão dos procedimentos para preenchimento detalhado

Page 167: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

166

da tabela pode contribuir para o reconhecimento de elementos fixos e variáveis, para a

identificação de regularidades e, ainda, para o estabelecimento de relações.

6.2.5 A DINÂMICA DO TRABALHO EM GRUPO OPORTUNIZANDO

A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

A análise da resolução das atividades pelos alunos, quando considerada pelo

episódio inteiro, permitiu destacar uma interpretação da sequência de interações entre os

estudantes ao resolver um problema. Neste caso, temos uma interpretação referente à

dinâmica de resolução de problemas em trabalhos coletivos.

Essa interpretação mostrou que a dinâmica de trabalho em grupo oferece

oportunidade de resolver um problema quando aspectos do pensamento reflexivo são

encadeados coletivamente. Por exemplo, na Atividade 1.1, para o grupo A, A4 teve uma

ideia inicial da forma geral do padrão ser n + 3, vendo a variação do fenômeno e ainda não

a variação entre o número de quadradinhos em relação ao número da figura, condizente ao

que foi apontado por Sierpinska (1992). Entretanto essa asserção ficou em suspenso pela

dúvida, pois faltava uma justificativa. Por exemplo, a aluna A1 questiona: “não entendi”.

Embora essa aluna recue (“Ah tá”), mais adiante, A1 de novo desafia a ideia (n + 3),

afirmando: “não, espera, mas aí não seria n + 3”. Tem-se, então, por insight, A4 alegando:

“mas tem que ter mais 3”. Tem-se ainda a aluna A3 sugerindo olhar outros casos, “qual a

ligação que tem a [figura] 4 e a [figura] 5?”. Como insight o aluno A4 afirma que “é 3n +

1”.

O movimento, observado nesse exemplo, propiciou a resolução da Atividade 1.1,

estando relacionada aos aspectos do pensamento reflexivo que se fizeram presentes no

trabalho coletivo. Destaca-se a inquietude, a sugestão de uma ideia, a refutação desta, o

teste, o levantamento de hipótese, a averiguação, dentre outros. Com base na interpretação

dos dados, consideramos que esses aspectos estiveram presentes e puderam contribuir com

a resolução e a obtenção da solução da questão favorecidos pelo trabalho em grupo.

Ainda que essa dinâmica não tenha se manifestado equânime em todos os grupos,

pois, por exemplo, na resolução dessa mesma atividade, o aluno B3, no grupo B, deu uma

Page 168: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

167

resposta de imediato, ressaltamos a sua importância para o processo e para o ambiente de

resolução de problemas.

Destacamos outro momento, quando da resolução da Atividade 3, que essa

dinâmica também se fez presente, sendo favorável não apenas para a resolução mas,

também, no aprimoramento de conceitos. Observe o seguinte excerto.

A1: O que é uma inequação? A4: Inequação é quando o resultado pode variar. Eu acho que seria uma equação [se referindo ao item c], já que é um símbolo de igual ao invés de ser maior ou menor. A1: É, eu também acho. Inequação seria mais complicado, porque... A4: Não porque se o preço da ...[o aluno é interrompido pela colega] A1: Ah não, inequação. Porque aí você pode fazer, é... você pode gastar mais ou menos, dependendo do dinheiro que você tem. A4: Eu acho que não, porque se fosse uma inequação aqui [se referindo ao item b], seria um sinal de maior ou igual ao invés do símbolo de igual. A3: Pra mim é um equação. A4: Pra mim é uma equação. A1: Só eu que acho que é uma inequação. A4: Ah não ser que o preço... [o aluno é interrompido pela aluna A1] A1: Mas olha só. Você tem 28 reais, certo? Você pode andar 11 quilômetros no máximo, mas você também pode gastar no mínimo. A4: É. A1: Você pode gastar menos. Entendeu? A4: Também acho que pode ser uma inequação. Você pode gastar mais ou menos. Você pode andar 11 quilômetros ou menos. A1: Com o igual você acha o máximo de quilômetros que você pode andar. Mas você pode andar menos.

Nele, podemos identificar os momentos em que as ideias vão se encadeando. A aluna A1

questiona, recebe uma intervenção do aluno A4 que, por sua vez, argumenta em favor de

uma ideia. Na sequência, tem-se o recuo da aluna A1, que consideramos o momento em

que a dúvida está em suspenso. Na sequência, ela é impelida a sugerir uma ideia, com base

na intervenção do aluno A4. Tem-se, então, A4 recuando, reafirmando sua ideia, seguido

de nova consideração em cima do que foi mencionado por um colega e, enfim, o

encaminhamento para a solução do problema. Mais uma vez observamos os aspectos do

pensamento reflexivo presentes. Além disso, a dinâmica do trabalho coletivo favoreceu a

retomada de conceitos, neste caso, a inequação.

A dinâmica do trabalho coletivo, presente na resolução do problema, permitiu aos

alunos questionarem os caminhos por eles seguidos. Além disso, mostrou-se favorável ao

desenvolvimento de novos conceitos uma vez que, a partir do encadeamento de ideias, os

alunos refinaram suas sugestões.

Page 169: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

168

CAPÍTULO 7

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, propusemo-nos a compreender como a resolução de problemas

poderia contribuir para a significação do conceito de função. Para isso, elaboramos

atividades e problemas, com o intuito dos estudantes desencadearem o pensamento

reflexivo (DEWEY, 1959), utilizando noções básicas do conceito de função (CARAÇA,

1951) e, com isso, que eles atribuíssem significados para essas noções, na resolução dos

problemas. Nesse sentido, recortamos a seguinte questão:

Quais as contribuições que as estratégias utilizadas pelos estudantes na

resolução de problemas podem trazer para o processo de ensino e de

aprendizagem do conceito de função?

Parece-nos que ensinar, em um ambiente de resolução de problemas, não é uma

tarefa muito fácil. O professor deverá ser responsável pela criação e pela manutenção desse

ambiente, garantindo que ele seja capaz de motivar os alunos. Assim, há a demanda de ele

se empenhar além do que é necessário em uma sala tradicional, visto que as atividades

desenvolvidas por cada grupo, seguem de forma autônoma e, na maioria das vezes, por

caminhos distintos. Além disso, as atividades precisam ser pensadas para que promovam a

aprendizagem, não desconsiderando “os diversos modos pelos quais as coisas adquirem

significação” (DEWEY, 1959, p. 53) para os alunos e, ainda, não esquecendo que esses

alunos são diferentes, consequentemente, as atividades incidem de formas distintas sobre

eles.

O papel do professor no desenvolvimento das atividades também deve ser

destacado, uma vez que sua postura deve ser a de mediador. Ele deverá instigar os alunos a

buscarem por seus próprios meios na consideração de uma ideia. Ele deve ter o cuidado, no

momento de intervir, de não prejudicar a demanda cognitiva do problema e também de não

agir de forma a limitar a resolução por parte dos alunos. Todas as sugestões devem ser

consideradas e investigadas e, só então, serem refutadas ou confirmadas.

Page 170: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

169

Com a análise dos dados, ficou evidente para nós que a interferência do professor

pode, em alguns momentos, interromper o encadeamento de ideias, dependendo da

intervenção que este fizer. Mas isso só foi possível perceber quando a professora-

pesquisadora refletiu a sua prática a partir das gravações e constatou intervenções que

poderiam ter encerrado as discussões do grupo. No entanto, ressalta-se também que a

experiência, nesse tipo de atividade, pode contribuir favoravelmente com a maneira de

conduzi-las nesse ambiente. Em contrapartida aos problemas relatados, observamos

inúmeras intervenções positivas da professora-pesquisadora, que agiu com o intuito de

garantir a continuidade da discussão e da investigação.

Ao colocar em relevo a questão de investigação que norteou este estudo ressalta-se

a diversidade de estratégias que os participantes utilizaram para a resolução das atividades

e dos problemas apresentados. Isso nos conduz à importância acerca da proposição de

situações também distintas para que seja possível atingir a maioria dos alunos em sala de

aula. Desta forma, a percepção dessa mobilização, pode contribuir para que o ensino do

conceito de função favoreça à sua aprendizagem. Destaca-se, então, a resolução de

problemas, como um meio capaz de ofertar condições para a aprendizagem dos alunos.

As estratégias por eles utilizadas estavam pautadas em seus conhecimentos prévios.

Esses conhecimentos foram demandados em diversas situações, por exemplo, para disparar

sugestões, incitando a discussão entre os alunos em torno delas; no esclarecimento de

dúvidas, contribuindo para que estas não bloqueassem a resolução das situações; na

proposição de novos caminhos na investigação de uma situação e na tomada de decisão

entre uma ou outra ideia a ser considerada como hipótese de resolução.

Diante dessa mobilização, pelo menos duas contribuições podem ser destacadas, a

saber: i) a possibilidade de consolidação de conceitos aprendidos anteriormente, uma vez

que, considerados na tentativa de solucionar uma situação problemática, esses conceitos

foram colocados em discussão, sendo questionados, sendo apontadas as suas características

e sendo discutidas possibilidades de uso e de aplicação. Essa contribuição encontra-se em

sintonia com o mencionado por Dewey (1959), no que tange ao uso de conceitos para

apreensão de significados e consequente compreensão; ii) o contato com noções básicas do

conceito de função, visto que as discussões em torno de um conceito familiar propiciaram

a comparação desse conceito no contexto do problema, sendo realizadas associações com

noções que, embasados em Caraça (1951) e em Sierpinska (1992), são consideradas por

nós relevantes para a aprendizagem do conceito de função.

Page 171: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

170

Além disso, considerada a relevância das discussões no ambiente de resolução de

problemas que desenvolvemos, os conhecimentos prévios tiveram ainda papel de destaque,

na interpretação de problemas e no auxílio da construção de argumentação. Dessa forma,

chamamos a atenção para a elaboração de problemas que não estejam fora do alcance da

experiência dos alunos, que guardem com ela alguma familiaridade. Isto porque as fontes

de sugestões estão cravadas na experiência passada, sendo inútil incitar um aluno a pensar

a respeito de algum problema quando este não tem experiência própria em condições

aproximadas com ele (DEWEY, 1959).

Decorre, dessas contribuições, uma consideração em relação às situações a serem

propostas aos alunos: a de lhes proporcionar situações que tenham algo familiar. Deve

existir um elo entre o problema e o que é de conhecimento do aluno. Disto decorrerá o

contato, a elaboração de novos conceitos, bem como a consolidação de outros já de seu

conhecimento.

Outra contribuição que se deve destacar, proveniente dessas discussões, é o sentido

atribuído, pelos alunos, às novas ideias e aos novos conceitos. Por meio das conversas, no

grupo de trabalho, os alunos puderam se expressar com mais liberdade, sem receio de

manifestarem as suas dúvidas e as suas opiniões. Assim, promoveram o esclarecimento das

indagações apresentadas. No momento em que compartilhavam essas dúvidas havia o

crescimento de todo o grupo, pois eles estavam impelidos a resolverem os problemas

propostos por este estudo.

O uso dos objetos de apoio (tabela e figuras) constituiu uma das estratégias de

resolução das atividades. Fazer uso desses objetos contribuiu para o reconhecimento e o

desenvolvimento da relação. Por meio da visualização, a maneira como o aluno percebeu a

variação do formato, permitiu que ele estabelecesse as relações. Vale destacar que esses

objetos foram percebidos de forma diferente pelos alunos, porém cada uma encaminhava-o

para o entendimento da relação de dependência. Podemos afirmar que o processo de

reconhecimento da variação foi facilitado por essas percepções, contribuindo para a sua

aprendizagem.

Ademais, as discussões promovidas no ambiente de resolução de problemas, que

por sua vez foram elaborados para invocar as noções básicas do conceito de função,

apresentaram indícios do favorecimento na construção de conceitos fundamentados em

aspectos do pensamento reflexivo. Além dos problemas contribuírem para essa discussão,

há que se destacar a motivação e o interesse por parte dos alunos, pois sem eles as

Page 172: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

171

interações entre os estudantes poderiam ser infrutíferas, visto que o momento da dúvida

não seria mantido e nem discutido nas bases de buscar ou de construir uma solução. Na

maior parte da resolução das atividades, percebemos os alunos como agentes na construção

do seu conhecimento, colocando situações, divergindo, levantando questionamentos e

tentando encontrar novas possibilidades.

O ambiente propiciado pela resolução de problemas se mostrou muito promissor e

capaz de provocar no aluno a responsabilidade do seu desenvolvimento, ou seja, o aluno

participante da pesquisa se viu detentor e ativo no processo de aprendizagem. O ambiente

concebido, em conjunto com as atividades e os problemas propostos, instigou a utilização e

o desenvolvimento de uma diversidade de estratégias, contribuindo para o aprimoramento

de conceitos já aprendidos, bem como para o contato com novos conceitos, considerados

condições primárias para o ensino e a aprendizagem do conceito de função – as noções

básicas inerentes a ele.

Concluímos com ênfase na importância de inserir e de trabalhar as noções básicas

no contexto da aprendizagem do conceito de função por entendermos que a significação

dessas noções é relevante para desenvolver uma compreensão do conceito. A resolução de

problemas – problemas construídos para evocar as noções básicas – ofereceu uma

oportunidade de utilizar essas noções que, de acordo com Dewey (1959), pode levar à

significação.

Page 173: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

172

REFERÊNCIAS

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175

APÊNDICE A

1. Pesquisas sobre o Ensino de Função e de Resolução de Problemas

Realizamos um levantamento41 no banco de teses da Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), com o objetivo de conhecer o

que tem sido pesquisado no país acerca do ensino de função, interessando-nos

especialmente a metodologia adotada na abordagem de tal conteúdo. Ao pesquisar nessa

fonte, várias pesquisas eram apontadas, mas nem todas estavam relacionadas ao Ensino de

Funções Matemáticas, então uma primeira triagem foi realizada, e o critério para esta se

deu na apreciação do título da pesquisa. Caso este não fosse suficiente, recorríamos ao

resumo. Após esta triagem, passamos à leitura de todos os resumos.

Encontramos, inicialmente, 164 (cento e sessenta e quatro) pesquisas realizadas em

55 (cinquenta e cinco) instituições de Ensino Superior, constando, então, dissertações e

teses cujos títulos apresentavam relação direta com o ensino de funções matemáticas.

As pesquisas citadas acima foram produzidas no Brasil no período de 1995 a 2012

(com a busca citada não apareceram pesquisas anteriores a 1995), sendo o período de 2009

a 2011 os de maior produção, valendo destacar que oitenta e três (50,6%) pesquisas estão

compreendidas neste período, conforme observamos no Gráfico 1. Distribuídas entre

programas de Mestrado e de Doutorado, verificamos que das cento e sessenta e quatro

pesquisas levantadas, doze (7,3%) são teses de doutorado e cento e cinquenta e duas

(92,7%) são dissertações de mestrado, sendo que destas, oitenta e seis de mestrado

acadêmico (MA) e sessenta e seis de mestrado profissional (MP).

41 Um primeiro levantamento foi feito no período compreendido entre os dias 17 de março e 30 de abril de 2013 utilizando um grupo de palavras-chave: ensino de função, matemática. Uma vez que o número de pesquisas localizadas que envolviam o ensino de função e a resolução de problemas era baixo e, ainda por considerarmos a hipótese da utilização de sinônimos nas palavras-chave, realizamos outra busca neste banco de dados. Esta última ocorreu durante o mês de julho de 2013 e utilizou outros grupos de palavras-chave: ensino de funções, matemática; resolução de problemas, ensino de funções e resolução de problemas, ensino de função. Os dados levantados nesta última busca complementaram a primeira e os julgamos suficientes, pois, a cada nova combinação de palavras, os trabalhos se repetiam, não acrescentando mais nenhuma outra pesquisa.

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176

Além da predominância das pesquisas nos programas de Mestrado, notamos ainda

que estas estão concentradas na Região Sudeste, correspondendo a noventa e quatro

trabalhos (57,3%), seguida da Região Sul, que produziu quarenta e um trabalhos (25,0%),

da Região Nordeste, que produziu vinte e dois trabalhos (13,4%), da Região Centro-Oeste,

com 5 trabalhos (3,1%) e da Região Norte, que produziu 2 trabalhos (1,2%). Conforme

apresentados no Gráfico 2, distribuídos em vinte Estados brasileiros, o Estado de São

Paulo é o detentor da maior produção, sessenta e quatro trabalhos, ou seja, 39,0%. Destes,

50,0% referem-se a trabalhos produzidos na PUC/SP.

1 1 2 2

1 2

1 2

1 1 1

5

2 1

3 3 2

3

8

4 3

6

17

9

12

5

2 2

8

6

19

17

12

199519961997199819992000200120022003200420052006200720082009201020112012

D MA MP

Gráfico 1 – Distribuição das Dissertações e de Teses por Nível de Ensino e Ano de Conclusão, levantados a partir de uma busca no banco da CAPES utilizando as palavras-chave: ensino de função, resolução de problemas, matemática.

Page 178: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

177

Com a organização dos dados em uma tabela contendo informações referentes a

cada pesquisa (ano, autor, título, orientador, instituição, nível, e resumo), passamos, então,

para a leitura de todos os resumos, a fim de identificar o método ou a abordagem adotados

no ensino de função. Nosso interesse aqui era elencar as pesquisas que tratavam do tema

“Função” utilizando-se da Resolução de Problemas como método de ensino e, ainda, que

tivessem como foco de estudo as contribuições para a aprendizagem (por parte do aluno)

deste tema.

Assim, das cento e sessenta e quatro (164) pesquisas selecionadas, constatamos que

cento e vinte e três (123) tinham como foco a aprendizagem do aluno, e a abordagem ou a

temática utilizadas para o ensino de função puderam ser agrupadas conforme tabela a

seguir:

2 1 1 1 1 2

7 4 4 3

1 1 1 2

9 19

64 8

27 6

MatoGrossodoSulGoiás

MatoGrossoDistritoFederal

AlagoasBahiaCeará

PernambucoRioGrandedoNorte

ParaíbaSergipe

AmazonasPará

EspíritoSantoMinasGeraisRiodeJaneiro

SãoPauloParaná

RioGrandedoSulSantaCatarina

Centro-

Oeste

Norde

ste

NorteSude

ste

Sul

Gráfico 2 - Distribuição das Dissertações e Teses por Região, levantados a partir de uma busca no banco da CAPES utilizando as palavras-chave: ensino de função, resolução de problemas, matemática.

Page 179: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

178

Temáticae/ouAbordagem D MA MP Total %

AnálisedeMaterialDidático 1 1 2 1,6Dialética/Narrativa 4 4 3,3HistóriadaMatemática 2 5 7 5,7ModelagemMatemática 1 4 13 18 14,6ResoluçãodeProblemas 1 3 4 8 6,5Didática 1 21 17 39 31,7TecnologiaInformática 3 25 17 45 36,6TotalGeral 13 85 65 123

A Tabela 1 indica que as “Temáticas” mais utilizadas foram “Tecnologia

Informática” (36,6%) e “Didática” (31,7%), destacando também a abordagem “Modelagem

Matemática” (14,6%). A análise sintetizada na Tabela 1 pôde, ainda, delimitar dissertações

e teses que apresentaram indícios de similaridade com nossa pesquisa, ou seja, que tinham

como objetivo o Ensino de Função a partir da Resolução de Problemas, sendo apresentadas

no Quadro 1 a seguir:

Ano Título Autor M/D IES

2004 Uma abordagem Político-Social para o Ensino de Funções no Ensino Médio ALONSO, Élen Patrícia MA UNESP

Rio Claro

2007 Construção de Funções em Matemática

com o Uso de Objetos de Aprendizagem no Ensino Médio Noturno.

TOGNI, Ana Cecilia D UFRS

2009 Metodologia de Resolução de Problemas:

Ensino e Aprendizagem de Funções no Ensino Fundamental

LEÃO, Alex Sandro Gomes MP

Centro Universitário Franciscano

2010 O ensino do conceito de função e conceitos

relacionados a partir da resolução de problemas.

BOTTA, Eliane Saliba MA UNESP Rio Claro

2010 O Ensino de Função Polinomial do 1º Grau

na Oitava Série do Ensino Fundamental: um trabalho com situações do Cotidiano.

SECKLER, Daiana Moraes MP

Centro Universitário Franciscano

2010 Construção do conceito de função: uma

experiência de ensino-aprendizagem através da resolução de problemas.

ZATTI, Sandra Beatris MA Centro

Universitário Franciscano

2011 O Ensino de Funções através da Resolução

de Problemas na Educação de Jovens e Adultos

FERREIRA, Reginaldo Botelho MP Universidade

Cruzeiro do Sul

2011 As contribuições do software Graphmatica na construção do conhecimento

matemático de função.

RODRIGUES, Regina Efigênia de Jesus Silva MA UNESP

Bauru

Tabela 1 - Distribuição das Dissertações e Teses por Temas Abordados, levantados a partir de uma busca no banco da CAPES utilizando as palavras-chave: ensino de função, resolução de problemas, matemática.

Quadro 1 – Dissertações e Teses destacadas para análise por tratar o ensino de função fazendo uso da resolução de problemas.

Page 180: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

179

Como exposto anteriormente, oito pesquisas (ver Quadro 1) foram selecionadas

para uma análise mais detalhada, com a leitura do texto completo da dissertação, por

apresentarem indícios de tratarem o ensino de Função a partir da Resolução de Problemas.

Destas pesquisas, sete42 foram analisadas e prosseguimos, então, apresentando-as em

ordem cronológica.

Togni (2007) apresentou um estudo a fim de analisar como ocorre a aprendizagem

de função utilizando a resolução de problemas como método de ensino aliado ao uso de

tecnologias, em particular a utilização de objetos de aprendizagem. Este estudo

fundamentou-se na Teoria da Aprendizagem Significativa de Ausubel (1976) e nas ideias

de Porlán (2000) enquanto discutia a utilização de conhecimentos prévios na

aprendizagem. Recorreu ainda às reflexões de Jonassen (2003) e de Jonassen et al. (2003)

em relação à resolução de problemas através da utilização de computadores.

Ao discutir aspectos que conduziriam à aprendizagem, a autora assume o

pensamento de Jonassen (2003 apud TOGNI, 2007), que aponta para a natureza da tarefa

ou da atividade o determinante para a natureza da aprendizagem. Ela também trata do

emprego de Ausubel et al. (1978, apud TOGNI, 2007, p. 44), em que apresenta-se a

ocorrência de aprendizagem significativa “quando na tarefa de aprender há a possibilidade

de relacionar, de forma não arbitrária e substantiva, (não literal), uma nova informação a

outras que o aluno já conheça, e este, por sua vez, adota uma estratégia para que isso

aconteça”.

Discutindo a resolução de problemas, a autora aponta tal método como facilitador

do processo de construção de aprendizagem significativa, em matemática, e considera a

definição de problema proferida por Jonassen et al. (2003), a qual diz que

há somente dois atributos para um problema. Primeiro, um problema é algo desconhecido. Se tivermos um objetivo e não sabemos como atingi-lo, há algo desconhecido, então temos um problema. Segundo, desvendar o desconhecido, deve ter valor intelectual, cultural e social para alguém. Se ninguém acredita que vale a pena desvendar o desconhecido, não se têm condições de perceber o problema. Descobrir o desconhecido é o processo de solução de problemas. (JONASSEN et al., 2003 apud TOGNI, 2007, p. 65)

42 A análise da dissertação Uma abordagem Político-Social para o Ensino de Funções no Ensino Médio, de Élen Patrícia Alonso, deu-se apenas com a leitura do resumo, pois não foi possível localizar o texto completo. Entramos em contato por e-mail com a universidade e com a autora, mas não recebemos resposta.

Page 181: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

180

Togni (2007, p. 66) apresenta ainda que “a resolução de problemas, ao invés de

somente ser utilizada para a aplicação de conhecimentos, deveria ser utilizada também na

introdução de novos conteúdos e conceitos”.

Segundo a autora, as contribuições deste estudo a) proporcionaram maior

integração entre os estudantes; b) permitiram-lhes serem os condutores do seu

conhecimento, privilegiando a colaboração e a cooperação entre si para dar sentido a sua

aprendizagem; e c) ajudaram os professores a perceberem que a utilização de objetos de

aprendizagem combinada com o uso da internet e com a metodologia de resolução de

problemas potencializa a aprendizagem de funções matemáticas (TOGNI, 2007).

Por sua vez, Leão (2009) relata em sua dissertação as possibilidades que a

resolução de problemas pode oferecer ao processo de ensino e de aprendizagem do

conceito de função, para isto apoia-se na Teoria de Tall e Vinner (1981) sobre Conceito

Imagem e Conceito Definição. Enquanto discute a Resolução de Problemas, apoia-se em

Onuchic (1999), orientando-se pelos passos43 sugeridos pela autora.

De acordo com Leão (2009, p. 64), “um dos fatores importantes que dificultou o

aprendizado dos alunos, é o fato de que eles não faziam a leitura e/ou interpretação do

problema”. Segundo o autor, o aluno não tem o hábito de realizar uma leitura com

profundidade, capaz de auxiliá-lo na resolução do problema, e algumas vezes ele desiste de

tentar. Nesse momento, é preciso que “o professor aja, levante questionamentos capazes de

fazer com que aqueles que ‘não tinham entendido o problema’, consigam compreendê-lo”.

Leão (2009) aponta sobre a dificuldade apresentada no momento inicial da

execução desta proposta, no que tange à resolução de problemas, e ainda sobre os

benefícios observados posteriormente:

num primeiro momento o processo é lento. Os alunos sentem dificuldades em entender o funcionamento da metodologia de Resolução de Problemas, porém após algumas atividades propostas, eles começaram a compreender melhor o significado da atividade. Começaram então a comunicar-se matematicamente, ou seja, a descrever, representar e apresentar os resultados com precisão e a argumentar sobre suas conjecturas. O processo de aprendizagem desenvolvido favoreceu o uso da linguagem oral e estabelecimento de relações com as representações matemáticas, possibilitando assim, desenvolver capacidades e habilidades essenciais nas aulas de matemática. (LEÃO, 2009, p. 219)

43 Onuchic (1999) apresenta alguns passos que são sugeridos na utilização da Resolução de Problemas como estratégia de ensino, a saber: 1) Formar grupos e entregar a atividade; 2) Registro dos resultados na lousa; 3) Plenária; 4) Análise dos resultados; 5) Consenso; 6) Formalização do conteúdo. (ONUCHIC, 1999 apud LEÃO, 2009, p. 37-38)

Page 182: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

181

Botta (2010) investigou a aprendizagem do conceito de função fazendo uso da

metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação de matemática através da Resolução de

Problemas e, também, fazendo uso de análise de erros e de concepções errôneas. O método

de investigação utilizado pela autora se apoia no modelo de Thomas A. Romberg44,

fazendo uso de uma das atividades destacadas por este autor em sua pesquisa (ver item (2)

do rodapé 45), que se refere às que um pesquisador deve percorrer ao longo de sua

pesquisa.

A autora realizou a investigação a partir de quatro frentes. Uma envolvendo

aspectos históricos, tais como mudanças metodológicas, ênfase nos currículos e evolução

do conceito de função. A segunda enfoca a inserção da função no domínio da álgebra. Uma

terceira, é referente à Metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação de Matemática

através da Resolução de Problemas45. Já a última, relaciona-se a concepções errôneas e a

erros que são cometidos durante o ensino e a aprendizagem de funções.

Botta (2010) analisou trabalhos de alunos de diferentes séries (6º Ano – Ensino

Fundamental a 3ª Série – Ensino Médio), visando à construção do conceito de função e de

conceitos relacionados, sendo utilizadas atividades de tipos diferentes adequadas a cada

série. A autora apresenta os resultados de sua pesquisa e chama a atenção para a

possibilidade de antecipar o ensino do conceito de função para os anos iniciais do

fundamental II.

[...] Naqueles problemas estão presentes todos os elementos necessários para a construção do conceito de função, e parece-nos que a noção de variável, enquanto representando alguma grandeza concreta, e a noção de dependência entre grandezas, poderiam ter sido introduzidas naturalmente a partir das quintas séries, sem causar perplexidade aos alunos. E acreditamos que essa antecipação não só é possível como, também, desejável, sendo razoável supor que os alunos, se tiverem uma bagagem prévia, poderão assimilar mais facilmente o formalismo que lhes será apresentado mais adiante. (BOTTA, 2010, p. 351)

44 Romberg é professor emérito de Currículo e Ensino de Matemática na Faculdade de Educação da Universidade de Wisconsin-Madison e, desde a década de 1980, é membro do NCTM, National Council of Teachers of Mathematics. Romberg procura identificar as grandes tendências de pesquisa que estão relacionadas ao ensino e à aprendizagem escolar, e determinar como essas tendências têm influenciado o estudo da matemática nas escolas. Para tanto, (1) descreve alguns aspectos da Educação Matemática, vista como um campo de estudo; (2) apresenta uma lista de atividades relacionadas com o processo de pesquisa e (3) delineia uma variedade de métodos de pesquisa. (BOTTA, 2010, p. 19) 45 A Metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação de Matemática através da Resolução de Problemas vem sendo estudada e divulgada pelo GTERP, Grupo de Trabalho e Estudo em Resolução de Problemas, UNESP-Rio Claro, desde, pelo menos, 1989. (BOTTA, 2010, p. 3)

Page 183: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

182

Seckler (2010), em sua pesquisa, analisou a possibilidade de trabalhar o conceito de

função polinomial do 1º grau a partir da resolução de problemas. Utilizou a metodologia de

Ensino-Aprendizagem-Avaliação de matemática para abordar o tema, aplicando-a em

escola de zona rural, quando percebeu que “um trabalho escolar apoiado no cotidiano dos

alunos pode levá-los a uma maior motivação para o estudo”. (p. 8)

Segundo a autora, é possível trabalhar mais do que conteúdos matemáticos em sala

de aula, sendo o universo onde o aluno está inserido um aliado.

O conceito de função, juntamente com sua representação gráfica, é certamente um dos mais importantes em Matemática, sendo uma ferramenta poderosa na modelagem de problemas do cotidiano. Assim, ao trabalhar com alunos cujos pais se dedicam à agricultura, é possível aliar o cotidiano desses estudantes com os pressupostos teóricos da Educação Matemática Crítica e da Resolução de Problemas, para explorar conceitos relacionados às atividades desenvolvidas pelos alunos e pela comunidade. Dessa forma, além da aprendizagem de conteúdos matemáticos, em especial do conceito de função, também são enfocados os aspectos econômicos, sociais e ecológicos ligados às culturas envolvidas e às possibilidades de diversificação. (SECKLER, 2010, p. 8-9)

A autora fundamenta o seu trabalho nas ideias de Educação Matemática Crítica de

Skovsmose (2008) e de Araújo (2007). Enquanto discute a Resolução de Problemas, a

autora fundamenta-se em Allevato e Onuchic (2009), considerando as nove etapas

sugeridas por elas na execução de sua pesquisa.

Allevato e Onuchic (2009) apresentam, na metodologia de ensino-aprendizagem-

avaliação de matemática através da resolução de problemas, a existência de algumas

etapas: preparação do problema; leitura individual; leitura em conjunto; resolução do

problema; observar e incentivar; registro das resoluções na lousa; plenária; busca do

consenso e formalização do conteúdo (ALLEVATO; ONUCHIC, 2009 apud SECKLER,

2010, p. 16).

Zatti (2010) analisou uma proposta de ensino-aprendizagem do conceito de função

numa abordagem da resolução de problemas, buscando verificar as possibilidades que esta

metodologia oferece. O seu referencial teórico, enquanto discute o conceito de função,

fundamenta-se nas ideias de Lima e Pontes (2009), de Dante (2003) e de Micotti (1999).

Discutindo resolução de problemas, a autora constrói o seu referencial teórico embasada,

principalmente, nas ideias de Polya (1995), de Onuchic (1999), de Allevato e Onuchic

(2004) e de Allevato (2005). A metodologia de sua pesquisa consistiu na utilização de

Page 184: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

183

instrumentos de coletas de dados, tais como diário de campo, lista de situações-problema,

sendo tais atividades aplicadas segundo os passos sugeridos por Onuchic (1999)46. Os

resultados de sua pesquisa se mostraram satisfatórios. Em síntese, segundo Zatti (2010, p.

88), “partiu-se de uma turma completamente sem iniciativa para, ao final da aplicação do

trabalho, uma turma (maioria dos alunos) mais interessada em aprender Matemática,

compreendendo que esta disciplina pode ser associada a várias situações do seu cotidiano”.

Ferreira (2011) apresentou uma proposta do ensino de funções através da resolução

de problemas e, diferentemente das outras pesquisas aqui mencionadas, que enfocavam no

ensino regular, o seu trabalho foi direcionado e aplicado em turmas da Educação de Jovens

e Adultos (EJA). Contrário à ideia de ensinar os alunos apenas a utilização de fórmulas e

de técnicas, Ferreira (2011, p. 10) afirma que “queria promover e/ou despertar nesses

alunos o interesse em aprender e em buscar soluções para os problemas apresentados

durante as aulas”.

O autor discutindo a Resolução de Problemas fundamenta-se em Allevato e

Onuchic (2009), fazendo uso dos 9 passos sugeridos pelas autoras. Ele ressalta o ganho na

utilização deste método observado ao longo da aplicação das atividades. Segundo ele,

o processo de investigação de uma determinada situação problema, as dificuldades, ações, ideias e sugestões construídas no decorrer deste processo de aprendizagem e na obtenção da resposta correta são importantes, ou seja, o processo até chegar à resposta é muito rico e construtivo. Os alunos participantes demonstraram interesse e faziam comentários sobre o que estavam aprendendo. Também comentavam e aprimoravam ou corrigiam os resultados obtidos enquanto realizam as atividades. (FERREIRA, 2011, p. 129)

Rodrigues (2011, p. 8) “investigou o processo de construção do conhecimento,

sobre o conteúdo de funções, mediado pelo computador e aliados à metodologia de

resolução de problemas”. A metodologia utilizada pela autora envolveu observar a postura

dos estudantes durante uma prática de resolução de problemas com o uso do computador.

A construção do referencial teórico se baseou principalmente nas ideias de Brito (2006), de

Pozo (1998), de Echeverría e Pozo (1998) e de Echeverría (1998). Sendo a resolução de

problemas utilizada elemento propulsor da autonomia do aluno.

46 Onuchic (1999) apresenta alguns passos que são sugeridos na utilização da Resolução de Problemas como estratégia de ensino, a saber: 1) Formar grupos e entregar a atividade; 2) O papel do professor; 3) Resultados na lousa; 4) Plenária e análise dos resultados; 5) Consenso e formalização de conceitos. (ONUCHIC, 1999 apud ZATTI, 2010)

Page 185: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

184

[...] A resolução de problemas foi eleita para o desenvolvimento desta proposta com a intenção de cooperar para que os estudantes se tornassem pessoas capazes de enfrentar situações e contextos variáveis e que buscassem encontrar, por si mesmos, respostas às perguntas que os incomodam ou que precisam responder. (RODRIGUES, 2011, p. 54)

De acordo com a autora, os resultados mostraram-se satisfatórios quanto ao uso da

tecnologia e da resolução de problemas. Segundo ela,

ao desenvolver um trabalho cuja condução do processo de ensino primou pela construção do conhecimento matemático, os estudantes foram auxiliados na aprendizagem do conteúdo, e a resolução de problemas se mostrou uma metodologia essencial, tornando essa construção mais prazerosa e eficiente, já que aliada ao software graphmatica proporcionou momentos impregnados de questionamentos, troca de ideias e sugestões. (RODRIGUES, 2011, p. 139)

Com a análise descrita anteriormente, podemos perceber que as pesquisas que

tratam do conceito de função fazendo uso da resolução de problemas convergem ao

apontar este método como favorável à aprendizagem. E, em sua maioria (LEÃO, 2009;

BOTTA, 2010; SECKLER, 2010; ZATTI, 2010 e FERREIRA, 2011), utilizam para

construir sua fundamentação teórica, as ideias acerca da Resolução de Problemas

defendidas por Onuchic (1999) e Allevato e Onuchic (2004; 2009).

Page 186: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

185

APÊNDICE B

Termo de Assentimento

Caro(a) aluno(a),

Você está sendo convidado(a) a participar de um projeto de Matemática intitulado “O ensino e a aprendizagem do conceito de função sob a perspectiva da resolução de problemas”. Esse projeto foi apresentado aos diretores da escola e conta com a permissão deles para se realizar. Nele, tentaremos identificar as potencialidades da resolução de problemas nas aulas de matemática, bem como sua contribuição no desenvolvimento de conceitos matemáticos.

Nosso propósito é: auxiliá-lo (e aos colegas que aceitarem participar do estudo) na construção de conceitos matemáticos.

Esse trabalho terá entre 5 e 15 atividades, de uma hora/aula, durante um período de aproximadamente três meses e as atividades acontecerão em sua própria escola, no contraturno, em um dia da semana devidamente informado e contará com início e término em horários previamente marcados, sendo as mesmas aplicadas pela pesquisadora que é professora da escola.

Esse projeto faz parte de uma pesquisa realizada sob a orientação do Prof. Dr. Dale William Bean da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Para participar desta pesquisa, o responsável por você deverá autorizar e assinar um termo de consentimento. Você só fará parte da pesquisa se o desejar. Além disso, poderá desistir de participar em qualquer momento, sem problemas, bastando para isso, excluir do estudo qualquer menção ou registro que o mencione. O responsável por você poderá retirar o consentimento ou interromper a sua participação a qualquer momento, não acarretando qualquer prejuízo a você.

Procuraremos garantir total anonimato aos participantes do estudo. Nem seu nome ou de qualquer professor, funcionário ou da escola será citado em nenhum documento produzido nessa pesquisa.

Se você se interessar em participar da pesquisa, gostaria que assentisse juntamente com a autorização do seu responsável a gravação em áudio e vídeo de algumas aulas, bem como me permitisse realizar uma ou duas entrevistas com você de modo a conhecer o que pensa sobre o trabalho e, também a aprendizagem a partir da proposta, auxiliando-nos em sua melhoria. Com esse material, poderemos ir avaliando o trabalho, sempre buscando melhorá-lo.

Todos os registros produzidos durante a pesquisa ficarão guardados sob nossa responsabilidade e apenas poderão ser consultados por pessoas diretamente envolvidas na pesquisa.

Ao final, será disponibilizada à direção da escola a apresentação dos resultados para os participantes do projeto e todos os interessados, em dia e local que a direção da escola definirá. A pesquisa na íntegra poderá ser acessada na página do programa do Mestrado Profissional em Educação Matemática (www.ppgedmat.ufop.br).

Como as atividades serão elaboradas e realizadas em sintonia com o cronograma geral da escola e aplicadas no contraturno, não há risco de você ser prejudicado pela falta do conteúdo lecionado em sala de aula, nem do descumprimento de tal cronograma.

Considerando o fato de que você poderá desistir de participar a qualquer momento da pesquisa, não se percebe fonte de constrangimento ou situações que ofereçam algum risco a você ou aos demais participantes. Contudo, caso ocorra algum incômodo, tal como sentir-se constrangido com a presença da pesquisadora nas aulas ou com o fato de ser participante dessa pesquisa, procuraremos estar atentos de modo a corrigir eventuais desconfortos. E ainda, caso você se sinta cansado,

Page 187: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

186

desanimado, envergonhado, conversaremos contigo para verificar o que está ocorrendo e como auxiliá-lo. Procuraremos propiciar situações em que você e todos se sintam à vontade para se expressar. Nossa intenção é criar um espaço de convívio e estudo agradável, respeitosos, para que você sinta-se estimulado a participar e sentir-se devidamente valorizados.

Apesar disso, você tem assegurado o direito a ressarcimento ou indenização no caso de quaisquer danos eventualmente produzidos pela pesquisa.

A sua participação não envolverá qualquer gasto para você e nem para a escola, uma vez que a pesquisadora providenciará todos os materiais necessários.

Caso você e/ou seus pais ou responsáveis ainda desejem qualquer esclarecimento, por favor, sintam-se à vontade para nos consultar sempre que precisarem e, se houver qualquer dúvida quanto a aspectos éticos da pesquisa, sintam-se à vontade para entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da UFOP. Todos os dados de contato seguem ao final dessa carta que ficará em seu poder.

Este termo de assentimento encontra-se impresso em duas vias, sendo que uma cópia será arquivada pelo pesquisador responsável, e a outra será fornecida a você.

Eu, __________________________________________________, portador(a) do documento de Identidade ____________________ (se já tiver documento), fui informado(a) dos objetivos da presente pesquisa, de maneira clara e detalhada e esclareci minhas dúvidas. Sei que a qualquer momento poderei solicitar novas informações, e o meu responsável poderá modificar a decisão de participar se assim o desejar. Tendo o consentimento do meu responsável já assinado, declaro que concordo em participar dessa pesquisa. Recebi uma cópia deste termo de assentimento e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas.

Belo Horizonte, _____ de _______________________ de 2014.

______________________________________

Assinatura do(a) menor

_______________________________________

Assinatura da pesquisadora

Prof(a) Alessandra Roberta Dias

[email protected] - (31) 9382-5544

Em caso de dúvidas com respeito aos aspectos éticos desta pesquisa, você poderá consultar: Comitê de Ética em Pesquisa – Universidade Federal de Ouro Preto (CEP/UFOP) Campus Universitário – Morro do Cruzeiro – ICEB II – sala 29 Fone: (31) 3559-1368 / Fax: (31) 3559-1370 E-mail: [email protected] Pesquisador Responsável:

Prof. Dr. Dale William Bean Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) Campus Universitário – Morro do Cruzeiro – DEMAT/ICEB Fone: (31) 3559-1700 E-mail: [email protected]

Page 188: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

187

APÊNDICE C

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Responsável Legal)

O menor __________________________________________________________, sob sua responsabilidade, está sendo convidado(a) pela Prof.ª Alessandra Roberta Dias a participar de um projeto de Matemática intitulado “O ensino e a aprendizagem do conceito de função sob a perspectiva da resolução de problemas”. Esse projeto foi apresentado aos diretores da escola e conta com a permissão deles para se realizar. Nele, tentaremos identificar as potencialidades da resolução de problemas nas aulas de matemática, bem como sua contribuição no desenvolvimento de conceitos matemáticos.

Nosso propósito é: auxiliar o menor sob sua responsabilidade (e aos colegas que aceitarem participar do estudo) na construção de conceitos matemáticos.

Esse trabalho terá entre 5 e 15 atividades, de uma hora/aula, durante um período de aproximadamente três meses e as atividades acontecerão na própria escola, no contraturno, em um dia da semana devidamente informado e contará com início e término em horários previamente marcados, sendo as mesmas aplicadas pela pesquisadora que é professora da escola.

Esse projeto faz parte de uma pesquisa, realizada sob a orientação do Prof. Dr. Dale William Bean da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), e o menor sob sua responsabilidade será esclarecido que algumas aulas serão gravadas (filmagem e áudio) e que poderá ser convidado a participar de uma ou duas entrevistas, de modo a conhecer o que ele pensa sobre o trabalho e, também a aprendizagem a partir da proposta, auxiliando-nos em sua melhoria. Com esse material, poderemos ir avaliando o trabalho, sempre buscando melhorá-lo.

Ele será esclarecido(a) em qualquer aspecto que desejar, participando das aulas normalmente e, estará livre para participar ou recusar-se a participar, podendo desistir de sua participação em qualquer momento, sem problemas ou prejuízos. Você, como responsável pelo menor, poderá retirar seu consentimento ou interromper a participação dele a qualquer momento.

Procuraremos garantir total anonimato aos participantes do estudo. O menor não será identificado, bem como nenhum professor ou funcionário da escola, em nenhum documento produzido nessa pesquisa.

Todos os registros produzidos durante a pesquisa ficarão guardados sob nossa responsabilidade e apenas poderão ser consultados por pessoas diretamente envolvidas na pesquisa.

Ao final, será disponibilizada à direção da escola a apresentação dos resultados para os participantes do projeto e todos os interessados, em dia e local que a direção da escola definirá. A pesquisa na íntegra poderá ser acessada na página do programa do Mestrado Profissional em Educação Matemática (www.ppgedmat.ufop.br).

Como as atividades serão elaboradas e realizadas em sintonia com o cronograma geral da escola e aplicadas no contraturno, não há risco do menor sob sua responsabilidade ser prejudicado pela falta do conteúdo lecionado em sala de aula, nem do descumprimento de tal cronograma.

Considerando o fato de que o menor poderá desistir de participar a qualquer momento da pesquisa, não se percebe fonte de constrangimento ou situações que ofereçam algum risco a ele ou aos demais participantes. Contudo, caso ocorra algum incômodo, tal como sentir-se constrangido com a presença da pesquisadora nas aulas ou com o fato dele ser participante dessa pesquisa, procuraremos estar atentos de modo a corrigir eventuais desconfortos. E ainda, caso o menor se sinta cansado, desanimado, envergonhado, conversaremos com ele para verificar o que está

Page 189: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

188

ocorrendo e como podemos auxiliá-lo. Procuraremos propiciar situações em que ele e todos se sintam à vontade para se expressar. Nossa intenção é criar um espaço de convívio e estudo agradável, respeitosos, para que o mesmo sinta-se estimulado a participar e sentir-se devidamente valorizados.

Apesar disso, o menor tem assegurado o direito a ressarcimento ou indenização no caso de quaisquer danos eventualmente produzidos pela pesquisa.

Para participar desta pesquisa, nem você nem o menor terá algum custo, pois os pesquisadores providenciarão todos os materiais necessários.

Caso você deseje qualquer esclarecimento, por favor, sinta-se à vontade para nos consultar sempre que precisar e, se houver qualquer dúvida quanto a aspectos éticos da pesquisa, sinta-se à vontade para entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da UFOP. Todos os dados de contato seguem ao final dessa carta que ficará em seu poder.

Este termo de consentimento encontra-se impresso em duas vias, sendo que uma cópia será arquivada pelo pesquisador responsável, e a outra será fornecida a você.

Eu, __________________________________________________, portador(a) do documento de Identidade __________________, responsável pelo menor ________________________________________________, fui informado(a) dos objetivos do presente estudo de maneira clara e detalhada e esclareci minhas dúvidas. Sei que a qualquer momento poderei solicitar novas informações e modificar a decisão do menor sob minha responsabilidade de participar, se assim o desejar. Recebi uma cópia deste termo de consentimento livre e esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas.

Belo Horizonte, _____ de _______________________ de 2014.

______________________________________

Assinatura do(a) menor

_______________________________________

Assinatura da pesquisadora

Prof(a) Alessandra Roberta Dias

[email protected] - (31) 9382-5544

Em caso de dúvidas com respeito aos aspectos éticos desta pesquisa, você poderá consultar: Comitê de Ética em Pesquisa – Universidade Federal de Ouro Preto (CEP/UFOP) Campus Universitário – Morro do Cruzeiro – ICEB II – sala 29 Fone: (31) 3559-1368 / Fax: (31) 3559-1370 E-mail: [email protected] Pesquisador Responsável:

Prof. Dr. Dale William Bean Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) Campus Universitário – Morro do Cruzeiro – DEMAT/ICEB Fone: (31) 3559-1700 E-mail: [email protected]

Page 190: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

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APÊNDICE D

Atividade 1 – Observe a sequência de figuras abaixo formada por bolinhas. a) Quantas bolinhas tem em cada figura?

b) Desenhe as figuras 5 e 6 que fariam parte desta sequência.

c) Você observa algum padrão na sequência acima?

d) Como você relacionaria a quantidade de bolinhas com o número (posição) da figura?

e) Se considerarmos uma figura de número n (posição n) quantas bolinhas ela terá?

Atividade 1.1 – Observe a sequência de figuras abaixo formada por quadradinhos. a) Desenhe as figuras 4 e 5 que fariam parte desta sequência.

b) Qual padrão você observa na sequência acima?

c) Complete a tabela abaixo de acordo com a sequência acima.

Figura Quantidade de Quadradinhos

1

2

3

4

5

...

...

n

figura 3 figura 4 figura 2 figura 1

figura 1 figura 2 figura 3

Page 191: O ensino e a aprendizagem do conceito de função através da

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d) Como você relacionaria a quantidade de quadradinhos com o número da figura, ou seja, quantos quadradinhos a figura de número n teria nesta sequência?

Atividade 2 – Em alguns parques de diversão, os responsáveis técnicos restringem a utilização de alguns brinquedos por pessoas menores de 1,50m. Desejando afixar uma placa que orientasse esta restrição, os técnicos escreveram: Os técnicos não satisfeitos consideraram a placa muito grande e resolveram simplificar as informações. a) Como você poderia escrever, utilizando a linguagem matemática, que a altura mínima

é de 1,50m?

b) Considere agora que este mesmo brinquedo tenha uma restrição para a altura máxima. Assim para utilizar este brinquedo a pessoa deve ter mais de 1,50m e menos de 1,78m. Como poderíamos representar esta restrição em linguagem algébrica?

Atividade 3 – O preço de uma corrida de táxi é composto por uma parte fixa, chamada de bandeirada, no valor de R$ 3,80, mais uma parte variável no valor de R$ 2,20 por quilômetro rodado. Considere que você tenha apenas R$ 28,00 e deseja conhecer o centro da cidade de Belo Horizonte. a) Calcule o número máximo de quilômetros que você pode percorrer.

b) Como você poderia escrever esta situação em linguagem algébrica?

c) Neste caso o que seria mais adequado: representar esta situação com uma equação?

Ou com uma inequação? Por quê?

Atividade 4 – Observe a figura abaixo onde são apresentados um quadrado ABCD e um quadrado EFGH, cujas medidas dos lados são, respectivamente, n + 1 e n – 1.

a) Calcule a área do quadrado maior.

Brinquedo permitido

para pessoas com altura mínima de 1,50m.

n + 1 n - 1

A

B C

D

E

F G

H

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b) Calcule a área do quadrado menor.

c) Analisando a medida do lado dos quadrados ABCD e EFGH é possível descobrir o

valor de n? Por quê?

d) Considerando o menor quadrado existe alguma restrição para o valor de n?

Atividade 5 – O tanque de combustível do caminhão de Júlio tem capacidade para 286 litros, e o consumo de combustível do caminhão é de 2,2 litros por quilômetro percorrido. a) Analise a quantidade de quilômetros que o caminhão pode percorrer considerando 1

tanque de combustível. b) Como podemos representar os valores encontrados na alternativa “a” em linguagem

algébrica? c) Como você relacionaria o consumo de combustível deste caminhão com a quantidade

de quilômetros percorridos? d) Analise graficamente a situação.

Problema 1 – Um dos trabalhos realizados pelos alunos do Coleguium no 1º semestre é o Trabalho de Campo. Neste trabalho os alunos do Fundamental 2 viajam a cidades próximas da capital para realizarem algumas atividades. Dentre os locais visitados está a Serra do Caraça em Barão de Cocais. Parte integrante do passeio está o deslocamento de trem da capital até a cidade Barão de Cocais. Ocorre que se o aluno não tiver 12 anos completos na data da viagem ele não pode fazer o passeio de trem. Considerando i a idade de um aluno desta escola, analise a possibilidade deste viajar no trem.

Problema 2 – Dois planos de telefonia celular são apresentados na tabela abaixo:

Plano Custo fixo mensal Custo adicional por minuto

A R$ 45,00 R$ 0,40 B R$ 35,00 R$ 0,80

Em algum momento algum dos planos se mostra mais vantajoso que o outro? Fonte: Unicamp/2002 – Modificada

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Discutindo a Atividade 5 – O tanque de combustível do caminhão de Júlio tem capacidade para 286 litros, e o consumo de combustível do caminhão é de 2,2 litros por quilômetro percorrido. Na alternativa “d” da Atividade 5 foi solicitada a análise gráfica da situação tendo sido apresentado por um dos grupos o seguinte gráfico:

a) Analise o gráfico acima e aponte pontos coerentes e incoerentes.

b) Considerando que o tanque de combustível está cheio e que seja possível utilizar toda

a sua capacidade, como poderíamos apresentar esta situação graficamente?

Problema 3 – A mensalidade escolar, de uma rede de ensino, é paga através de Boleto Bancário emitido através do seu sistema de intranet. O valor é definido de acordo com o nível de ensino ao qual o aluno está matriculado. Suponha que para turmas do Ensino Fundamental I, o responsável por um aluno desta escola, emita o seguinte boleto. Qual será o valor pago por esta pessoa?

Figura1-DadosFictícios

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Problema 4 – Um balconista recebe mensalmente o salário de R$ 724,00 por 44 horas semanais de trabalho. De acordo com a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) um funcionário pode trabalhar no máximo 2 horas além de sua jornada diária, e neste caso este balconista receberia, além do seu salário, mais R$ 6,58 por hora extra trabalhada. Como se comporta o valor bruto recebido mensalmente por este balconista? Problema 5 – O preço de fábrica de um automóvel popular é R$ 28.000,00 e sofre uma desvalorização constante anualmente. Após 4 anos de uso este automóvel estava custando R$ 20.800,00. Discuta a viabilidade de manter este automóvel em seu poder. 5.1 Se apresentarmos uma representação gráfica para este problema o que se pode notar?

Problema 6 – Um evento realizado pelos alunos, no segundo semestre de cada ano letivo, de uma escola de Belo Horizonte e região metropolitana, é a Feira de Ideias. Nela, os alunos expõem pesquisas de temas livres, onde se destaca a autonomia e criatividade. Para o ano letivo de 2014, a fim de delimitar o espaço de cada grupo de forma igualitária, a escola irá fornecer 10 metros de corda que serão utilizados pelos grupos para contornar a sua área de apresentação. Estude a melhor forma de delimitar um espaço para a apresentação.

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ANEXO A Atos de Compreensão

1 Identificação das variações observadas no mundo circundante como um problema prático a ser resolvido.

2 Identificação das regularidades nas relações entre variações como uma maneira de lidar com as variações.

3 Identificação dos indivíduos das variações no estudo das variações. 4 Discernimento entre dois modos do pensamento matemático: um em termos de quantidades conhecidas

e desconhecidas, o outro em termos de quantidades de variáveis e constantes. 5 Discernimento entre variáveis dependentes e independentes. 6 Generalização e síntese da noção de números. 7 Discernimento entre números e quantidades. 8 Síntese do conceito de lei e do conceito de função; em particular, consciência do possível uso das

funções na modelagem das relações entre grandezas físicas ou outras grandezas. 9 Discernimento entre a função e as ferramentas analíticas algumas vezes usadas para descrever suas leis.

10 Discernimento entre definições matemáticas e descrições de objetos. 11 A síntese do conceito geral de uma função como um objeto. 12 Discernimento entre os conceitos de função e relação. 13 Discernimento entre as noções de funções e sequências. 14 Discernimento entre coordenadas de um ponto de uma curva e os segmentos de reta cumprindo alguma

função para a curva. 15 Discernimento entre diferentes meios de representar funções e as funções propriamente ditas. 16 Síntese de diferentes maneiras de fornecer funções, representar funções e falar sobre funções. 17 Generalização da noção de variável 18 Sínteses dos papeis das noções de funções e causa na história da ciência: consciência do fato de as

pesquisas por relações funcionais e causais são ambas expressões do esforço humano em compreender e explicar as variações no mundo.

19 Discernimento entre as noções de relações causais e funcionais.

Obstáculos Epistemológicos 1 (Uma filosofia da Matemática) Matemática não está preocupada com problemas práticos. 2 (Uma filosofia da Matemática) Técnicas computacionais usadas na produção de tabelas de relações

numéricas não são dignas de ser objeto de estudos em Matemática. 3 (Esquema inconsciente do pensamento) Relativo às variações como fenômenos: concentrando em

como as coisas variam, ignorando o que varia. 4 (Esquema inconsciente do pensamento) Pensar em termos de equações e das incógnitas a serem

extraídas delas. 5 (Esquema inconsciente do pensamento) A respeito da irrelevante ordem das variáveis. 6 (Uma atitude em direção ao conceito de número) A concepção heterogênea de número. 7 (Um atitude em direção à noção de número) Uma Filosofia Pitagórica dos números: tudo é número. 8 (Esquema inconsciente do pensamento) Leis da física e funções matemáticas não tem nada em comum;

elas pertencem a domínios de pensamento diferentes. 9 (Esquema inconsciente do pensamento) A proporção é um privilegiado tipo de relações.

10 (Uma crença a respeito dos métodos matemáticos) Crenças fortes no poder de operações formais nas expressões algébricas.

11 (Um conceito de função) Apenas relações descritíveis por fórmulas analíticas são válidas de receberem o nome de funções.

12 (Uma concepção de definição) Definição é a descrição de um objeto também conhecido por sentidos e percepções. A definição não determina o objeto, apesar do objeto determinar a definição. A definição não é vínculo lógico.

13 (Concepção de função) Funções são sequências. 14 (Conceito de coordenadas) Coordenadas de um ponto são segmentos de retas (não números). 15 (Concepção de gráfico da função) O gráfico da função é um modelo geométrico da relação entre

funções. Ele não necessita ser fiel, deve conter dois pontos (x, y) de tal modo que a função não seja definida em x.

16 (Uma concepção de variáveis) As variações de uma variável são variações no tempo. Fonte: SIERPINSKA, A. On understanding the notion of function. In: HAREL, G. DUBINSKY, E. (Eds.) The concept of function: aspects of epistemology and pedagogy. Mathematical Association of America, vol. 25, p. 25-58, 1992. Tradução: Alessandra Roberta Dias.