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0EnigmaQuântico-DesvendandoaChaveOculta-WolfgangSmithImpressonoBrasil
Iaedição-Fevereirode2011-CEDET2aedição-Outubrode2011-CEDETCopyright(c)1995byWolfgangSmith
EdiçõesnosEUA
Iaedição-1995-Sherwood&Sugden2aedição-1995-Sherwood&Sugden3aedição-2005-SophiaPerennis
EditorTraduçãoProjetoGráfico/EditoraçãoRevisãoImpressão
SílvioGrimaldodeCamargoRaphaelD.M.dePaolaArnoAlcântaraJúniorSilviaElizabethdaSilvaDaikokuEditoraeGráfica
DadosInternacionaisdeCatalogaçãonaPublicação(CIP)
Smith,Wolfgang
()I.mgmaQuântico:DesvendandoaChave(leulta/WolfgangSmithTraduçãodeRaphaeldePaolaCampinas,SP:VideEditorial,2011.
Título(Iriginal:TheQuantumEnigma:1'indingthc1liddenIvey
I.TeoriaQuàntica2.EilosofiadaCiênciaI.Título
II.WolfgangSmith.
CDD-530.12
índicesparaCatálogoSistemático
I.TeoriaQuàntica-530.122.EilosofiadaCiência-100
ISBN:978-85-62910-02-9
OsdireitosdestaediçãopertencemaoCEDET-CentrodeDesenvolvimentoProfissionaleTecnológicoRuaÂngeloVicentin,70CEP:13084-060-Campinas-SPTelefone:19-3249-0580e-mail:[email protected]
Reservadostodososdireitosdestaobra.Proibidatodaequalquerreproduçãodestaediçãoporqualquermeioouforma,sejaelaeletrônicaoumecânica,fotocópia,gravaçãoouqualquermeio.
TRADUÇAO
RAPHAELD.M.DEPAOLA
DOUTOREMFÍSICAPELOCENTROBRASILEIRODEPESQUISASFÍSICAS(CBPF),SABEQUEAFÍSICANÃOÉCAPAZDEINTERPRETARASIMESMAEQUEPOUCOSFÍSICOSPENSAMARESPEITO.
PRÓLOGOPREFÁCIOÀEDIÇÃOBRASILEIRAPREFÁCIOPREFÁCIOÀPRIMEIRAEDIÇÃOREDESCOBRINDOOMUNDOCORPÓREOOQUEÉOUNIVERSOFÍSICO?MUNDOMICROSCÓPICOEINDETERMINAÇÃOMATÉRIASOBRESECAUSALIDADETEORIAQUANTICA:
U)=«i\y/])+a2\y/2)+...+a„|y/„)GLOSSÁRIOÍNDICEREMISSIVO
PRÓLOGO
Desdeoiníciododesenvolvimentodamecânicaquân-.tica,interpretaçõesdiversasarespeitodesuasignificaçãoforampropostasnãoapenasporfísicos-particularmenteBohreEinstein-mastambémporalgunsfilósofos.Essasinterpretações,noentanto,falharamemdarinteligibilidadeàsconseqüênciasdaquiloqueseobservaesemedenoâmbitoexperimental.Opresentetrabalhoéoprimeirofeitoporumcientistaqualificadoaencararamecânicaquânticanãoapartirdeumafilosofiaracionalistaouempirista,masapartirdametafísica,daontologiaedacosmologiatradicionais,acabandoporproverachaveparaacompreensãodarealsignificaçãodesteramobásicodaciênciafísica.Oresultadoéumdoslivrosmaisimportantesasurgirquefaçaumaexplanaçãodafísicamodernaàluzdasverdadeseternasdafilosofiapereneetambémaconterumarefutaçãocategóricadocientificismoedoreducionismoquecaracterizamboapartedainterpretaçãocorrentedaciênciamoderna.
Oautor,jáconhecidodosestudantesdocampodasrelaçõesentrereligiãoeciênciaporseustrabalhosanterioresCosmosandTranscendenceeTeilhardismandtheNewReligion,etambémdorecenteTheWisdomofAncient
l
Cosmology,estáfirmementeancoradonametafísicatradicionalenateologia,especialmentenaescoladeSãoTomásdeAquino,sendo,aomesmotempo,umnotávelcientistaversadonascomplexidadesdamecânicaquântica.Poressarazão,escrevecomumaautoridadequetransparecenaspáginasdestelivro,dandoaoassuntoumtratamentoquesecolocanosantípodasdaquelegênerodassíntesessuperficiaisdefísicamodernacommetafísicaorientaltãocomumnosdiasdehoje,esposadasparticularmenteporcertascorrentesdaquiloqueagorasechamamde“AsNovasReligiões”.
Emseuprefácio,oautorfaznotarque,defato,nãoexistenenhumavisãoquânticadomundoquesejaconsistente,adespeitodaadmirávelprecisãodasprevisõesquetomamporbasetalteoria.Asituaçãotornou-seinsustentávelatalpontoqueumautorrecentefoilevadoafalardeuma“feira-livredarealidade”.Foicomointuitodepôràmostraaautênticavisãodemundoparaaqualapontaamecânicaquânticae,aomesmotempo,tornarpossívelumentendimento
razoáveldesta,queoProfessorSmithsepôsaescreverestelivro.
Juntamentecomumafilosofiadamecânicaquânticainferidadasdoutrinastradicionaisdaontologia,dacosmo-logiaedametafísica,vemapontadaanecessidadedasubstituiçãodocartesianismoaindaprevalecentenaciênciamodernaapesardasmuitasmudançasqueamecânicaquânticatrouxeàcena.Aoassimproceder,elefoicapazderemoverasaparentescontradiçõesqueavisãoordináriadamecânicaquânticaimplica,tornandooassuntointeligíveldopontodevistadaphilosophiaperennis.Aclaradistinçãofeitaentreofísicoeocorpóreo,umadasprincipaiscontribuiçõesdestelivro,foicapazdesituarostatusontológicodafísicamodernanahierarquiauniversaldoser.Eletambémlibertaoentendimentocorrentearespeitodomundocorpóreo,bemcomoasciênciasqualitativasaeleassociadas,dasgarrasdeumaciênciapuramentequantitativa,destruindodeumavezportodasqualquerreducionismocientificista,umdospilaresdavisãomodernaepós-moderna.
OEnigmaQuânticoreveste-sedegrandeimportâncianãoapenasparaafilosofiadaciência,mastambémparatodoodomíniodoconhecimentohumano,devendoserdifundidoomaispossível.Olivromarcaoprimeiroencontroprofundoentreaontologiatradicionale-amecânicaquânticanamentedeumapessoaqueabarcaambososdomíniosequeécapazdeproverumentendimentometafísicodafísicamoderna,bemcomodesuasconquistaselimitações.Eleé,defato,umcontrapesoatantostrabalhosquevãonadireçãocontráriadeinterpretarosensinamentosmetafísicosmilenaresdoOrienteedoOcidenteemtermosdafísicamoderna.Olivrovemescritodemaneiraclara,tendo-sepreferidocolocarnumapêndiceotratamentomatemáticodamecânicaquânticaparaconsultadaquelescomconhecimentosuficiente.Otrabalhoemsinãoexigeconhecimentotécnicodafísicamatemática,dirigindo-seatodosquebuscamentenderomundoemtornoeentenderopapeldaciênciamodernatantoaoexplicarumaspectoespecíficodestemundoquanto,poroutrolado,aovelar,dohomemmoderno,osaspectosqualitativosdestemesmomundo.Quemquerqueestejasobojugodoreducionismoequetenhaopensamentodesviadopelocientificismoepelaspretensõesexcessivasdeumaciênciapuramentequantitativa,masquetambémesteja,poroutrolado,consciente,tantodasconquistasquantodasambiguidadesdamecânicaquântica,ficarágratoaWolfgangSmithportrazeràluzumtrabalhodeimportânciacapitalnademoliçãodaspromessasextravagantesdocientificismo,aomesmotempoemquedesvendaoenigmadamecânicaquânticaàluzdasdoutrinasperenes,asquaissempreproveramosmeiosparasoluçãodosenigmasedosmistériosda
existênciaedopensamentohumanoaolongodetodasaseras.
SeyyedHosseinNasr
GeorgeWashingtonIJniversily
PREFÁCIOÀEDIÇÃOBRASILEIRA
Afísicaquânticaéprovavelmenteateoriacientífícámaiscertaebemcomprovadadetodosostempos,masqueé,afinaldecontas,uma“teoriacientífica”?Éumadescriçãorazoável,preferivelmentematemática,decertosprocessosaparentescujosignificadoecujoquocientede“realidade”essateoriadesconheceporcompleto.
Afísicaquânticadescrevecomexatidãoespetacularocomportamentoprováveldecertaspartículasatômicas,masnãopodenosdizernemmesmoemquesentidoessadescriçãocorrespondeaalgode“real”.Dequê,afinaldecontas,ateoriaquânticaestáfalando?Hádécadasosestudiososdaáreadiscutemseameraaveriguaçãodeprobabilidadeséolimiteúltimodessaciência,seexisteportrásdasprobabilidadesum“fatoroculto”desconhecidoousediferentesprobabilidadesestãoserealizando,nestemesmomomento,emvários“mundosparalelos”.Naprimeirahipótese,nenhumavançoépossíveleoúltimocapítulodaciênciaéumaperguntasemresposta.Nasegunda,afísicaquânticanãopassadomapeamentoexatode/umaignorânciamonumental,provavelmenteinvencível.Naterceira,bem,naterceirajánãohámaisdiferençaentreciênciaeficçãocientífica.
Esseconjuntodedificuldadeséconhecidocomo“oenigmaquântico”,mas,pensembem:podealgumaciência
forneceraointelectohumano-nãodigoaoserhumanocomoanimalsocial--algomaisqueenigmas?
Peloladoteorético,nenhumaciênciatem,porsi,osmeiosdeesclarecerolugarprecisodoseuobjetonoconjuntodarealidadeou,maismodestamente,noconjuntodaexperiênciadisponível.EmSabedoriaeIlusõesdaFilosofia,JeanPiagetdizquesomenteasciênciasnosfornecemconhecimento,queafilosofianosdá,nomáximo,um“sensodeorientaçãogeral”.Masqueaspectoabstrativodarealidade,consideradoemsieforadeumsensodeorientaçãogeral,mereceonomede“conhecimento”,mesmoquesuadescriçãosejaexataemtodososdetalhes?Afísicaquânticaéamaisavançadadasciências,eastrêshipótesesmaiscélebresconcebidasparaexplicá-laacabampordescrevê-la,emúltimaanálise,comoumamodalidadesublimedoininteligível.Aesperançadeumacosmovisãocientíficaabrangente,quereduzatodaarealidadeaduasoutrês
leismatemáticas,éumsonhognósticobobo,alémdeautocontraditórionabase.Osobjetosdaciêncianãocoincidemcomosdaexperiênciacomumdahumanidade:mesmoqueoconjuntodosobjetosdasváriasciênciaspudesseserarticuladonumsistemaexplicativouniversal,essesistemasócoincidiriacomaexperiênciadarealidadeemdeterminadospontosseletos.Universosinteirosficariamforaesuaexistênciateriadesernegadamediantedecretogovernamental.Examinemosistemaeducacionaleverãoque,emparte,issojáacontece.
Peloladoprático,asextensõestecnológicaseindus-
triaisdaatividadecientíficaproduzemmudançassociaiseculturaisavassaladoras,colocandoossereshumanos,danoiteparaodia,emsituaçõesqueelescompreendemcadavezmenos.Aspróprias“revoluçõescientíficas”nãoseoperampelaimpugnaçãoracionalsatisfatóriadascrençasestabelecidas,maspelogirorepentinodosfocosdeatenção,pelainstauraçãodenovosparadigmasquenão“superam”osanterioressenãonosentidodeseremmaisadequadosaumasituaçãointelectualqueessamesmainstauraçãocriou.Osentimentodeprogresso,aí,nãonascedapuraaquisiçãodenovosconhecimentos:emgrandeparteeleéumaprofeciaauto-realizávelbaseadanoesquecimentovoluntáriodassuasprópriasorigens.Oqueseperdepelocaminho,nesseprocesso,éàsvezestãograndequantooqueseconquista.JeanFourastié,emLesConditionsdeVEspritScientifique,observavaqueoprogressodoconhecimentocaminhaparipassucomocrescimentodaignorância.
Todaciênciaé,porvocação,fornecedoradeenigmasembuscadeum“sensodeorientaçãogeral”.Ésóestesensoquepoderestaurarofundamentoracionaldasprópriasciências,ajuandoestas,embriagadasdedescritivismomatemático,jánãosabemdoqueestãofalando.
Razão,noseusentidomaisgeraleantigo,nãoquerdizersomentealinguagemeocálculo,massobretudoopontodearticulaçãoentreessasduascapacidadesqueaexpressamemdomíniosdiferentes.Sedeumladotemosodiscursodotadodesentidoedeoutrotemososensodasmedidase
proporções,portantoosensodeparteetodo,eseessascoisaslevamonomede“razão”emgregoelatimrespectivamente,estáclaroquerazãonãoénemumacoisanemaoutraseparadamente:éacapacidadedediscorrercomsignificadoecomsensodasproporçõessobreatotalidadeesuaspartes.Razãoéodiscurso
compreensívelbaseadono"sensodeorientaçãogeral”.
Porissomesmoaconteceàsvezesquesóessesensopoderesgataroquefoiperdidoaolongodas“revoluçõescientíficas”eassimrestaurarofundamentoracionalquetodaasciênciasnecessitampossuirparaserdignasdoestatutode“conhecímentos”.
EprecisamenteissooqueoProf.WolfgangSmithempreendefazer,nestelivroadmirável,noquedizrespeitoàfísicaquântica.Eledesejaumasoluçãoparao“enigmaquântico”,mas,sabendoque,pordefinição,esseenigmanãotemcomoserresolvidonoâmbitodaprópriateoriaquântica,vaibuscá-lanumdaquelesconhecimentospreciososqueomatrimôniosecretodoprogressodoconhecimentocomoprogressodaignorânciadeixouesquecidospelocaminho.
A/tesedestelivroésimples,nofimdascontas:a“matéria”queateoriaquânticaestudaneméprecisamenteaquelaqueosnossosolhosenxergamaolhonu,nemsedistinguedelapelameraescalamicroscópicaemquesemanifesta,aqualsópermitefalardelapormeiodeabstraçõesmatemáticasnãorarohostisàpercepçãocomumecorrente.Eumdomínioespecífico,queosescolásticosdaIdadeMédia
conheciamperfeitamentebem,masquedesapareceudohorizonteintelectualporcontada“revoluçãocientífica”naentradadamodernidade.Osescolásticos-nomeadamenteSto.TomásdeAquino-admitiamqueporbaixodouniversosensíveljaziaamerapotênciadeexistir,indefinida,semqualidades,àqualdenominavammatériaprima(hojedificilmenteachamaríamos“matéria”).Umgrauacimadamatériaprimaestavaodomínioaquemerefiro,aindanãodotadodequalidadessensíveismasjádistintodamatériaprimaporapresentar-seemquantidadesdefinidas.Aíjá.nãosetratavadepurapotencialidadeindistinta,masdeumconjuntodeprobabilidadesobjetivas,teoricamentecognoscí-vel,quesubjaziamicroscopicamenteatodaaesferadosobjetossensíveis.Taléodomíniodapuraprobabilidadequan-tificável,odomínioquânticoporexcelência.Quandoaintervençãodeumobservadorpormeiodomicroscópioeletrônicoalteraocomportamentodaspartículas,levandoalgunsfísicosàsmaisarriscadasespeculaçõesfilosóficas—oupseudofilosóficas-sobrea“subjetividadedoreal”,issoripoacontecepornadademisterioso,pornenhumaresistênciadiabólicadorealànossabuscadeconhecimento,massimplesmenteporqueaísedáumconfronto,umchoque,umainterferênciamútuaentreduasespéciesdematériainco-mensuráveis:deumladoamatériasensível,dequese
compõeomicroscópio,deoutroladoamatériasecundaouquantidadepura.Issorespondesimultaneamenteàstrêshipótesesemdebate.Seafísicaquântica,segundoaprimei-
rahipótese,nãopodeiralémdoconhecimentodaspurasprobabilidadesmatemáticas,nãoéporumalimitaçãocognitivadessaciênciaouporumaondadeazardeplorável,maspelapróprianaturezadoseuobjetodeestudo,amatériasecunda.Existementãoostais“fatoresocultos”portrásdasprobabilidades,comorezaasegundahipótese?Sim,masnãosãopropriamenteocultos:portrásdasprobabilidadesestáaestruturahierárquicadarealidade,quesobedamerapotencialidadedamatériaprimaatéaonipresençadoAtoPuro,ouDeus.Eentão,pensandoagorasegundoaterceirahipótese,existemos“mundosparalelos”?AistoéprecisorespondercomoopoetaPaulÉluard:“Háoutrosmundos,masestãoneste.”Háplanosoufaixasderealidade,queobedecemaleiscoexistentesmasnãocomensuráveis:omundoquânticonãoéestemundosensível,éaestruturadeprobabilidadesqueosustentaeotornamatematicamenteviável.Eisaíasoluçãodo“enigmaquântico”.
AcoisamaistímidaquemeocorredizerdessadescobertadoProf.WolfgangSmithéqueelafoiumadasmaioresrealizaçõesintelectuaisdoséculoXX.
OlavodeCarvalho
Richmond,VA,10desetembrode2010
PREFÁCIO
ÀTERCEIRAEDIÇÃO
Nadécadaquepassoudesdequesurgiuaprimeiraedição,asconcepçõesbásicasintroduzidasnestelivroprovaram-sefundamentaisparaumagamadeaplicaçõescosmo-lógicas.Umadasmaisdiretas,pertencenteaodomíniodaastrofísica,vemesclarecerlimitaçõespatentesdascosmolo-giascontemporâneas.Oresultadoéqueasliçõesontológicasaprendidasnocontextodateoriaquânticaprovam-sedecisivastambémnocampodaastrofísica.Outraaplicaçãoquaseimediatadosmesmosprincípiosràquiloqueécomumentechamadocoincidênciaantrópica,alterouradicalmenteacena:mostrou-sequeosfenômenosemquestãonãosãodeformaalguma‘coincidências’,sendo,naverdade,implicaçõeslógicasancoradasemprincípiosontológicos.Nocampodacosmografia-paramencionarumaterceiralinhadeinvestigação-descobre-sequeoaparenteconflitoentreaciênciamodernaeasantigas‘visõesdomundo’nãoédemaneiranenhumatãoabsolutoquantosetendeaimaginar:aquelasmesmas‘liçõesontológicasaprendidas’implicamemoschamadosfatosbrutosdaciêncianãodescartaremcosmogra-fiasalternativas,ficandoaalegadaincompatibilidadeporconta,naverdade,depressuposiçõesdetipocartesiano.
Fica-seabismadodeconstatarquãodiferentetorna-seomundoquandonãomaisévistopormeiodaslentescarte-sianas.Viaderegrapercebe-seque,assimqueseexpõeequeseeliminaaconfusãoontológicafundantedopensamentocientíficocontemporâneo,ocaminhoestálivreparaumaintegraçãodasverdadeirasdescobertascientíficasdentrodeordensdeconhecimentopertencentesaoque,porvezes,temsidochamadodeconhecimentoperenedahumanidade.1
Entreasidéiasintroduzidasnoâmbitodateoriaquân-ticaqueencontraramaplicaçãoforadafísica,oconceitode‘causalidadevertical’,definidonoCapítulo6,merecedestaque,tendoemvistasuaíntimaconexãocomumnovoecadavezmaisimportantedomíniodaciênciaconhecidocomoateoriadodesigninteligente.Oresultadocentraldateoriado1)1éumteoremaqueafirmaqueumaquantidadechamadainformaçãocomplexaespecificada(ICE)nãopodeseraumentadapormeiodenenhumprocessotemporal,sejaeledeterminista,aleatórioouestocástico.2Issosignifica,àluzdenossãanálise,queapenasa
causalidadeverticalpodedarorigemaICE.Nossoprincipalresultado,dequeocolapsodovetordeestadodeveigualmenteseratribuídoàcausalidadevertical,adquire,portanto,umsignificadoainda
maisimportante.Acausaçãovertical,longedeconstituirumdeusexmachinaparaaresoluçãodoparadoxoquântico(comopoderiamapontaroscríticos),constitui,defato,umprincípiouniversaldecausalidadequeaciênciamodernavê-sefinalmenteobrigadaareconhecer.Comoconsequência,inumeráveisfenômenosnaturais(desdeocolapsodovetordeestadoatéagênesedeorganismosbiológicos)demandamumtipodecausalidadeatéaquinãoreconhecido.Dadoofatoqueaciênciacontemporânea,pelanaturezadeseuprópriomodusoperandi,sevêforçadaalidarcommodos,decausaçãoexclusivamentetemporaisou‘horizontais’,istoimplicaqueosfenômenosemquestãonãopodem,amiúde,serexplicadosouentendidosemtermoscientíficos:gostemosounão,princípiosmetafísicosforçaramsuaentradaemcena,emdesafioaonaturalismoprevalecente.
ApresenteterceiraediçãotrazumaversãorevisadadoCapítulo6.Naapresentaçãooriginal,oconceitodecausalidadeverticalforaaplicadoàcosmologiaastrofísica,naqualeutinhaentãomeaprofundadoinsuficientemente,sejadopontodevistacientífico,sejadoontológico.Deambasasdireções,nessemeiotempo,surgiramdificuldadesarespeitodateoria,dasquaiseuestavapoucoconscienteaoescreverotextooriginal.3NanovaversãodoCapítulo6,retireitodareferênciaàcosmologiadobigbang,tendolidadocom_
3Deve-senotarque,dopontodevistalógico,e,naverdade,tambémdopontodevistasimbólico,aligaçãoentreadenominadasingularidadeinicialeacausaçãoverticalcontinuaválidanamesmaformaquefoiexplicadanaversãooriginaldoCapítulo6,independentementedacosmologiadobi.ebane.provar-severdadeiraounão.
asquestõesetiológicasdiretamente.Apósintroduziroconceitodecausalidadeverticalemtermosgerais,passoaexplicarsuarelevância,nãoapenasaofenômenodocolapsodovetordeestado,mas,defato,àmecânicaquânticacomoumtodo.Oquepareceserinconsistenteebizarrodocostumeiroângulocartesianorevela-seagoraseroquefaltavadopontodevistadaontologia:éistooquealinhadeargumentação,iniciadanoCapítulo1econsumadanoCapítulo6,trazàluz.
1
Dozeestudosaesterespeitoforampublicadosnomeurecentelivro,TheWisdomofA-ttàentCosmology(Oakton,VA:TheFoundationforTraditionalStudies,2003).
2
Umprocessoéditoestocásticoquandoimplicatantoanecessidadequantooacaso,como,porexemplo,omovimentobrowniano.ParaumbreverelatodateoriadoDledesuaconexãocomacausalidadevertical,remetoaocap.10doTheWisdomofAncientCosmology.
PREFÁCIOÀPRIMEIRAEDIÇÃO
Esteéumlivrosobreafísicaquânticaouoqueseconsagroucomoproblemada‘realidadequântica’.Tratadeumenigmaquetemassombradopordécadasafísicos,filósofoseaumpúblicocadavezmaior.Aliteraturasobreoassuntoévastíssimaeparecequetodaequalquerformaconcebíveldeabordaroproblema-nãoimportandoquãofantásticapareça-jáfoidefendidaeexploradaporalguém.Foram-seosdiasemqueaautoridadedafísicapodiaserinvocadaemapoioaumavisãodemundofirmementeestabelecida!Ocorreuqueavisãodemundocientificista(agorachamada‘clássica’),préviaàteoriaquântica,foirejeitada“nabase”,acríticatendosidofeitaporfísicoscapazesdecompreenderasimplicaçõesdateoriaquântica.Masisso,porsuavez,trouxeàtonaumaabundânciadepropostasmeramenteconjetu-rais,competindoumascomasoutraspara,porassimdizer,preencherovazioontológico-umasituaçãoquemotivouumautorrecenteafalardeum‘feira-livredarealidade’.Podemosdizerqueamecânicaquânticaéumateoriacientífica-embuscadeumaWeltanschauung.Abuscacontinuadesde1927.]1
Olhandocomreservasasituação,dificilmentealguémsesentiriaconfiantequandoumadúziadecientistasdealtogabaritopromoveigualnúmerodevisõesdemundodiscre-pantes;háentãoatentaçãodeconcluirqueaverdadeéinatingívelou,piorainda,dequeelasejarelativa,umameraquestãodeopiniãopessoal.
Oqueépreciso,contudo,édirigirumolharmaiscuidadosoemdireçãoaosfundamentosdopensamentocientífico,àspremissasocultasquecondicionaramnossasapreensõesintelectuaiscontemporâneas.Umamodestasondagemarespeitodessaquestãogeralmenteignoradabastapararevelarofatosurpreendentedequetodososposicionamentosjáassumidosarespeitodarealidadequânticadependemdeumaeapenasumapremissaontológica,deumadoutrinaqueéderivadadasespeculaçõesfilosóficasdeGalileueDescartes,eque,pormaissurpreendentequeseja,foiduraeirrefutavelmenteatacadaporalgunsdosmaisproeminentesfilósofosdoséculoXX.Podemesmoparecerestranhoqueumapremissaontológicatornada,paradizeromínimo,suspeita,pudessemanter-sedepésemsercontestadadurantetodoodebateacercadarealidadequântica;2masdevemosnoslembrarqueanoçãodaqualfalamosseimpregnouna
mentalidadecientíficademaneiratalqueelamalpodeserreconhecidacomoumahipótese,menosaindacomoumapremissailegítimaqueprecisaserabandonada.
Minhareivindicaçãoprincipalpodeaquiserexpostadeformabastantesimples:remova-seesteerro,mostre-seessapremissaquaseonipresentecomoafaláciaqueelaé,easpeçasdoquebra-cabeçaquânticocomeçarãoaseencaixar.Aprópriafeiçãodateoriaquântica-aqual,previamenteaestaretificaçãoontológica,pareciaseramaisincompreensível-aparececomo,aocontrário,amaisesclarecedora.Comoeradeseprever,estafeiçãodátestemunho,numníveltécnico,deumfatoontológico,deumaverdadequetematéaquisidoignorada.
Meuprimeirograndeobjetivoseráidentificarestaesquivaefalaciosapremissaerefutá-lademaneirainapelá-vel.Precisareifazerumadigressãoarespeitodomodusope-randiquedefineafísica,masumadigressãoquenãomaisdependadoaxiomaaseraquiinvalidado.Tendofeito/isso,estaremosemposiçãoderefletir,sobumnovoprisma,arespeitodasmaisimportantesdescobertasdateoriaquântica,demodoaverseessesestranhoseenigmáticosfatospodemfinalmente/sercompreendidos.Eestaéatarefaqueocuparáorestantedolivro.
Notopodalistados‘fatosestranhos’queclamamporexplicaçãoapareceofenômenodocolapsodovetordeestado,quebempodeserapontadocomooenigmacentraldafísicaquântica.Elecolocaumproblemafundamentalquenão
podeserignoradonemcontornadosequisermosentenderanaturezadouniversofísico,bemcomosuarelaçãocomquaisqueroutrosplanosontológicosqueexistam.
Consideraçõesdessetipo,entretanto,nãonecessariamentedetêmumfísicoprofissional,nemchegamaalterarofatodequeamecânicaquânticaé,semdúvida,ateoriamaisprecisa,maisuniversal,assimcomoamaissofisticadajamaispostaàluzpelohomem.Emmilharesdeexperimentosextremamentesutis,ateorianuncafoidesmentida.Masateoriaquânticafazmaisdoqueresponderaumainfinidadedequestões:elamesmatambémlevantaalgumas.E,aopassoqueafísicaclássica,aqual,emcomparação,étantorudequantoimprecisa,equeinspirageralmentesonhosdeonisciência,aprópriafeiçãodanovafísicaconvidaàprudênciaeàsobriedade.
Dandosequênciaaessasobservaçõespreliminares,devoenfatizarqueopresentelivrofoiescritotantoparaoleitorleigoe‘avessoàmatemática’,quantoparaofísicointeressado.Fizumgrandeesforçoparaqueoleitornãoprecisassedenenhumconhecimentotécnicosobreafísicanemdequalquercontatopréviocomaliteraturaarespeitodarealidadequântica.Osconceitostécnicosindispensáveisdateoriaquânticaserãobrevementeexplicadosemtermosadequadamentesimplificados.Asnoçõesereferênciastécnicasdeixadasdeforasãoinvariavelmenteestranhasaoargumentoprincipalenãodevempreocuparoleitorcompoucoconhecimentodoassunto.Paraleitorescominteressena
matemática,coloqueinumapêndiceumasucintaintroduçãoàestruturamatemáticadateoriaquântica.
Emalgumasoportunidades,fizusodetermosfilosóficosquepodemnãoserfamiliares,efui,ainda,forçado,aquioali,acunharalgumaspoucasexpressõestécnicasdemi-.nhapróprialavra.Emcadacasofizmeumelhorparaexplicarosignificadodessestermosespeciaisnomomentoemqueaparecempelaprimeiravez.DefiniçõessucintassãotambémfornecidasnumGlossário.
Precisoenfatizar,finalmente,que,adespeitodeseucaráteraparentemente‘especializado’,oproblemadarealidadequânticaé,semdúvida,aquestãouniversalmaissignificativajamaispropostapelaciênciapura.Certamente,oqueelaexigeéumavisãodemundointegralqueromparadicalmentecomocostumeiro,como‘clássico’;eéissooqueproponhocumprirnoquesegue.Nãotentarei,contudo,antecipar,nestesapontamentosintrodutórios,asconclusõesdapesquisa.Noqueconcerneàsconcepçõesontológicas/necessárias,estasserãoreveladasnocontextodaproblemáticadarealidadequântica,cadaumaaseutempo.
CapítuloI
1
Anovafísicanasceuduranteosanosde1925e1926.Quandoosfísicosreuniram-seemComoem1927paraaConferênciaInternacionaldeFísica,osfundamentosdateriaquânticanãorelativistajátinhamsidolançados.Foisomenteumpoucodepois,nomesmoano,quandoseencontraramnovamenteemBruxelaspara
aQuintaConferênciaSolvay,queodebateacercadateoriairrompecomforçatotal,naformadocelebradodebateentreBohreEinstcin.
2
AexceçãosolitáriapareceserocasodeWerncrIleisenberg.Porém,pormaisqueHcisenbergtenhadefatoquestionadoafrágilpremissa,etenhainclusivechegadoasugerirqueelapudesseseraprincipalcausadeincompreensãoporpartedosfísicos,suaprópriainterpretaçãodateoriaquântica,comoveremos,pressupõe,nãomenosqueasoutras,estemesmoprincípio.
REDESCOBRINDOOMUNDOCORPÓREO
Asdificuldadese,podemosacrescentar,asperplexidadesquenosatingem,nomomentoquetentamosdarumsentidofilosóficoàsdescobertasdateoriaquântica,sãocausadas,nãoapenaspelacomplexidadeesutilezadomundo'microscópico,mas,primeiroeacimadetudo,pelaadesãoacertaspremissasmetafísicasfalsasquetêmocupadoumaposiçãodedominânciaintelectualdesdeotempodeRenéDescartes.
Quaissãoessaspremissas?Paracomeçar,háaconcepçãocartesianadeummundoexternofeitoexclusivamentedaschamadasresextensaeou‘coisasextensas’,asquaissesupõemseremdesprovidasdetodososatributosouqualidades‘secundárias’,taiscomoacor,porexemplo.Tudoomaisficarelegado,deacordocomessafilosofia,àschamadasrescogitantesou‘coisaspensantes’,cujoatoconstitutivo,porassimdizer,nãoéterextensão,mas,pensamento.Assim,deacordocomDescartes,oquequernouniversoquenãosejaumaresextensapassaaserum‘objetodepensamento’ou,emoutraspalavras,umacoisaquenãotemexistênciaforadeumarescogitansoumenteparticular.
Devemosreconhecerqueadicotomiatemsuafunção,jáque,aorelegaroschamadosatributossecundáriosaosegundodoscompartimentoscartesianos,consegue-sedeumgolpesóumasimplificaçãoincalculáveldoprimeiro.Oquesobra,defato,éprecisamenteotipode‘mundoexterno’queafísicamatemáticapoderiaemprincípiocompreender‘semresíduo’.Há,noentanto,umpreçoaserpago:umavezqueorealtenhasidodivididoemdois,ficadifícilalguémsabercomocolarospedaçosdevolta.Comoépossível,porexemplo,quearescogitanstomeciênciadaresextensa?Atravésdapercepção,semdúvida;mas,então,oqueéquenóspercebemos?Ora,emtempospré-cartesianos,pensava-sesendofilósofoounão-que,noatodapercepçãovisual,porexemplo,nósdefato‘lançamosoolharparaomundoexterior’.Nadadisso,declaraRenéDescartes;eporumbommotivo,umavezqueseaceitaadicotomiacartesiana.Porque,seoqueeurealmenteperceboé,digamos,umobjetovermelho,entãoeledeveipsofadopertenceràrescogitans,pelasimplesrazãoquearesextensanãoapresentanenhumacor.Assim,raciocinandodeacordocomsuasuposiçãoinicial,nãoéporgosto,masporforçadenecessidadelógicaqueDescartesfoilevadoapostularoquedesdeentãoficouconhecido
como‘bifurcação’,asaber,atesedequeosobjetosdepercepçãopertencemexclusivamenteàrescogitansou,ainda,dequeoquerealmentepercebemoséprivadoesubjetivo.Emcrassaoposiçãoàcrençacomum,ocartesianismoinsisteemquenósnão‘lançamosoolharparaomundoexterior’;de
acordocomestafilosofia,nósestamosnaverdadeengaiolados,cadaumemseumundoparticular,e,oquenormalmen-totomamoscomosendopartedouniversoexterior,naverdadenãopassadeumfantasma,deumobjetomental-comoumsonho-cujaexistêncianãoseestendeparaalémdoatoperceptivo.
Masestaposiçãoé,paradizeromínimo,precária,jáque,seoatodepercepçãonãoatravessadefatoofossoentreomundodedentroeodefora-entrearescogitansearesextensa-comoentãoépreenchidaessalacuna?Como,em-outraspalavras,serápossívelconhecer-seascoisasexternasouatémesmosaberqueexisteummundoexterior?OpróprioDescartes,comoésabido,tevegrandedificuldadeemsuperarsuascelebradasdúvidas,sendocapazdefazê-losomenteatravésdeumargumentotortuosoquepoucoshojeemdiaachariamconvincente.Mas,sendoesseocaso,nãoédeestranharquecientistasconsistentestenhamtãoprontamentee,portantotempo,esposadoumadoutrinanacionalista,aqualcolocaemchequeapossibilidademesmadoconhecimentoempírico?
Porém,seignorarmosesseimpasseepistemológico-nusefingirmosqueelefoiresolvido-torna-seplausívelficarmossatisfeitoscomasaparentesvantagensconferidaspelocartesianismo:porque,comojáapontei,asimplificaçãodomundoexteriorqueresultadabifurcaçãotornapensávelumafísicamatemáticadealcanceilimitado.Masaquestão,dequalquerforma,nãoésaberseabifurcaçãoévantajosa
dealgumamaneira,massaber,antes,seelaéverdadeira-eatédefensável.Eesteéopontoqueprecisaserresolvidoemprimeirolugar;todasasoutrasquestõespertencentesàinterpretaçãodafísicasãoobviamentedependentesdestaedevem,portanto,aguardarsuavez.
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Precisamosreconhecer,acimaeantesdequalquerciência,qualquerfilosofiaequalquerperquiriçãoracional,queomundoexisteequeéconhecidoemparte.Nãoqueexistanecessariamente,nosentidoespecíficoquecertoscientistase
filósofosimaginaramdaraessaexistência-ouàfaltadela-mas,precisamente,comoalgoquepodeedeve,eventualmente,apresentar-seànossainspeção.Háumaespéciedenecessidadelógicaparaqueelesemostre,pelofatodepertenceràpróprianoçãodemundooserparcialmenteconhecido-damesmamaneiraquepertenceànaturezadocírculoencerrarumaporçãodoplano.Ou,paracolocardeoutramaneira:seomundonãofosseconhecidoemparte,elecessaria,poressefatomesmo,deseromundo—aomenoso‘nosso’mundo.Numcertosentido,pois-quepode,contudo,sermalinterpretadocomgrandefacilidade!-omundoexiste‘paranós’;eleestáaípara‘nossoexame’.
Éevidentequetalinspeçãoéefetuadapormeiodenossossentidos,atravésdapercepção;sóoqueprecisaficarclaroéquepercepçãonãoésensaçãopuraesimples,oque
significadizerquenãoéapenasumarecepçãopassivadeimagensouumatodesprovidodeinteligênciahumana.Mas,independentedecomooatoéconsumado,persisteofatodequepercebemosascoisasquenosrodeiame,seascircunstânciaspermitirem,podemosvê-las,tocá-las,ouvi-las,saboreá-lasecheirá-las,comotodossabemperfeitamentebem.
E,portanto,inútileperfeitamentevãofalardomundocomoalgoquenãoépercebidoequesejaemprincípioimperceptível-e,apardisso,éumaofensaàlinguagem,assimcomoquemfalassequeooceanoésecoouqueaflorestaévazia.Issoporqueomundoéconcebidocomoprecisamenteorepositóriodascoisasperceptíveis;eleconsistedecoisasasquais,apesardenãoprecisaremserefetivamentepercebidasatodoinstante,podemnãoobstantesê-losobcondiçõesadequadaseesteéopontofundamental.Porexemplo,euperceboagoraaminhaescrivaninha(pormeiodossentidosdavisãoedotato)equandosairdoescritóriodeixareidepercebê-la.Masaquestãoéquetãologoeuretorne,podereipercebê-ladenovo.ComotãobemobservouoBispodeI{erkeley,dizerqueumobjetocorpóreoexistenãoéomesmoquedizerqueeleépercebido,masqueelepodeeseráperce-liidoemcircunstânciasapropriadas.
Estaéaverdadecrucial,apesardefrequentementeesquecida,queembasasuacelebradamáxima‘Esseestper-cipi(‘Seréserpercebido’)-nãoobstanteofatodestaafirmaçãobastanteelípticaseprestaraumainterpretaçãoidealistailegítima.Esteperigo—doqualcaiuvítimaopróprio
bispoirlandês1—temsuaprincipalraizemqueopercipinafórmulade
Berkeleypoderfacilmentesermalentendido.Comojáfiznotar,amerasensaçãopodesererroneamentetomadanolugardapercepçãoeéissooqueamaioriadosfilósofosfizeram,desdeotempodeJohnLockeatéoséculoXX,quandofinalmenteessainterpretaçãocruaedeficientefoisubmetidaaexameedescartadapelasprincipaisescolas.
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Mesmoreconhecendoofatodequepercebemososobjetosexternos,éforçosoadmitirquesomoscapazesdepercebê-losapenasparcialmenteequeoenteemsua,digamos,integralidade,permaneceocultodenossavista.Assim,nocasodemaiorimportância,queéodapercepçãovisual,normalmenteoqueficaexpostoéapenassuaaparênciaexterior,ointeriorescapandoàvista.Podepareceraalgunsque,paraquefosseválidaapercepçãodeumobjeto,eleteriaqueserpassíveldeserpercebidointegralmente-oque,sesedesserealmente,implicariaobviamenteemnãotermosacapacidadedepercebercoisaalguma,nunca.Ora,sendoassim,nãoviriaessacircunstância-adequepercebemososobjetosapenasparcialmente-areforçarahipótesedeque
Hetivamentepercebemososobjetosexternos,aoinvésdere-Iorçaravisão‘tudoounada’acercadoqueéapercepção?
Averdadeéquemanifestar-seapenasemparteéima-nonteàpróprianaturezadoobjeto,assimcomo,poranalogia,édanaturezadocírculodeixardeforaumaporçãoindefinidadoplano.Existeum‘princípiodaindeterminação’simpleseóbvioqueoperasobreofamiliarmundocorpóreo,alirmandoqueneínomundoexteriorcomoumtodoenemomaisinsignificanteobjetodentrodelepodemserconhecidosmipercebidos‘semresíduo’.Ademais,estanãoapreensãoin-Icgraldoobjetonãosedáunilateralmenteporcontadecer-laincapacidadedapartedoobservadorhumano,mastambémpelapróprianaturezadoentecorpóreoemsi.Éclaroquesempreépossívelpercebermaise,porconseguinte,aumentarnossoconhecimentoperceptivo,assimcomoépossívelalargarumcírculo;oque,todavia,nãoépossível,é‘esgotar’oobjetopelaviadapercepção-alargarocírculoatéqueeledeixedeexcluirum‘remanescenteinfinito’doplano,poistemosqueassinalarqueumobjetocorpóreocomacapacidadedeser‘completamentcpercebido’cessariadeserumobjetocorpóreo,domesmomodocomoumcírculo‘semexterior’deixariadesercírculo.
Demaneirasimples:sepudéssemos‘lançaroolharparaomundo’comoOlho
deDeus,omundocomotaldeixariaincontinentideexistir,damesmamaneiraqueosinstantâneosnumateladecinemadesapareceríamnomomentocmqueumaluzsuficientementeintensafosseprojetada.
Ametáforaarespeitodocinemanãopodecertamenteserlevadamuitolonge,jáque,seDeus“visse”omundocor-póreo,tal“percepção”obviamentenãosuprimiriaoconteúdodomundo.Mas,aindaquerestassealgodosentescorpó-reos,estesnãoconstituiriamoqueumobservadoronisciente,porsisó,enxergaria.Novamente,aquestãoéqueumobjetocorpóreo‘conhecidointegralmente’cessariaimediatamentedesercorpóreo.Devemosteremmentequeessesentes—pordefinição,sequisermos—existem‘paranós’comocoisasasereminvestigadaspormeiodapercepção.
Opontoéque‘nós’entramosemcenadealgumamaneira-não,aesserespeito,comoobjetos,masprecisamentecomosujeitos.Apesardeessapresençasubjetivapoder,defato,serolvidadaouignorada,elanãopodeserexorcizada,oquesignificadizerque,sobumolharmaisatento,elaestáfadadaamostrar-senanaturezadopróprioobjeto.Oobjetoapresentanecessariamente,deváriasmaneiras,asmarcasdessarelatividade,deser,porassimdizer,orientadoemdireçãoaoobservadorhumano.
Acabamosjustamentedeconsiderarumadessas‘marcas’:adequeéprópriodoobjetoserconhecidooupercebidoapenasemparte.E,alémdofatodenossapercepçãosersempreparcial,éigualmenteevidentequeoquepercebemospossuiirremediavelmenteumcaráter‘contextual’,relativo.Tambémissoconstituiumacaracterísticainalienáveldoobjetomesmo.Emoutraspalavras,osatributosdeumobjetocorpóreosão,semexceção,contextuaisemcertamedida.
Examinemosaquestão:porexemplo,aformaespacialquepercebemosdeumcorpodependedanossaposiçãoemrelaçãoaele,domesmomodoqueacorpercebidadependedaluzsobaqualoobjetoévisto.Mas,aopassoemqueocaráterrelativodaformaénormalmenteaceitosemreceios,aspessoassentem-sepropensasaargumentarque,namedidaemqueacoréum‘atributocontextual’,eladevesertomadacomoum‘atributosecundário’,nosentidoquedáDescartes.Mas,porquê?Oqueimpedeumatributocontextualdeserobjetivamentereal?Arespostaéquenadaofaz-contantoqueesposemosumanoçãorealistadoquesejaaobjetualidade.
Aoconsiderarmosocarátercontextualdaformaespacial,éevidentequeasformasbidimensionaispodemsertomadascomoprojeçõesdeuma‘forma’tridimensionalinvariável.Contudo,porinvariávelquesejaaquelaformatridimensional-e,naverdade,qualquerdoschamadosatributosprimários-elessãoforçosamentecontextuaistambém,masnumsentidomaisprofundo.Umatributo,afinal,énadamaisnadamenosqueumacaracterísticaobservávelnumainteração.Amassa,porexemplo,éumacaracterísticaobserváveleminteraçõesgravitacionaiseinerciais:diz-sequeumco^poencerratantosgramasdemassase,quandocolocadoemumabalança,observamosnoponteiroodesviocorrespondente.
Nocasodosatributosqualitativos,oprincípioéomesmo.Acor,porexemplo,tambéméuma‘característicaobserváveldeinteração’,jáque,comosabemos,acordeumobjetoépercebidaquandoesteinterageaorefletirumfeixedeluzincidente.Certamenteexisteumaenormediferençaentreosatributosqualitativoseosquantitativos,umadiferençade‘categoria’,naverdade2.Avermelhidão,porexemplo,diferentementedamassa,nãoéalgoquepossaserdeduzidadeleiturasdeponteiros,masalgo,aocontrário,diretamentepercebido.Nãopodeserquantificada,portanto,nemintroduzidanumafórmulamatemáticae,consequentemente,nãopodeserconcebidacomoumentematemáticoinvariante.E,contudo,avermelhidão,tambémela,éumcasodeinvariante,jáque,comefeito,seumobjetovermelhoforvistosobluzbrancaporumobservadorapto,elesemostrarávermelho—sempre!
Contudo,osdoisostiposdeatributosnãoselimitamaserapenasinegavelmentecontextuais:sãoambosigualmenteobjetivos,acornãomenosqueamassa.Serobjetivo,afinal,épertenceraoobjeto.Porém,oqueéumobjetocorpó-reo,senãoumacoisaquemanifestaatributos-ambos,quantitativosequalitativos,semdúvida-dependentesdascondiçõesnasquaiselesejacolocado?Oobjeto,portanto,muitolongedeserumaresextensacartesianaouumaDingansichkantianaé,naverdade,concebidoedefinidoemtermosdeseusatributos.Demaneiramaisprecisa:oobjetoconcretoéidealmenteespecificadoemtermosdetodooconjuntodeseusatributos;mas,aopassoquecadaumdesses
atributoséemprincípioobservável,estánanaturezadascoisasqueamaioriadelespermaneçaparasempresemserobservadoefetivamente.
Oqueprecisamosentenderacimadetudoéquenadanomundo‘simplesmenteexiste’,queexistiréprecisamenteentrareminteraçãocomoutrascoisas,
incluindoobservadores.Omundo,poressarazão,nãodeveserentendidocomoameracoleçãodeincontáveisentesindividuaisexistentesdepersi-sejamelesresextensae,‘átomos’,ouoquequeiram-devendoantesservistocomoumaunidadeorgânicanaqualcadaelementoexistenumarelaçãocomtodososoutrose,portanto,numarelaçãocomatotalidade,aincluirtambém,necessariamente,umpóloconsciente,subjetivo.Essadescobertafundamental,ademais,quemuitoshojeemdiaassociamàsrecentesdescobertasdafísicaquântica-ou,apropósito,comomisticismooriental-podemuitobemserfeitaa“olhonu”,digamos,poiseladizrespeitotantoaomundocorpóreopercebidopelossentidosquantoaorecémdescobertodomíniodafísicaquântica.Sóqueporalgunsséculosficamosimpedidosdeenxergarascoisasdessamaneiradevidoapreconceitosedistorçõesadvindosdeconcepçõesdetipocartesiano.
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Poder-se-ialevantaraobjeçãodequeosatributosquantitativos,taiscomoamassa,mesmosendocontextuais,
são,nãoobstante,concebíveiscomoexistentesnomundoexterior,aopassoqueomesmonãoocorre,pretensamente,nocasodeuma‘qualidadeperceptiva’talcomoavermelhidão.Conseqüentemente,poderiamosconceberum‘universopuramenteobjetivo’-ondenãohouvessequaisquerobservadores—comacondiçãodenãoconternenhum‘atributoqualitativo’(comoavermelhidão).
Examinemosessalinhadepensamento.Paracomeçar,nãosepodemenosqueconcordarqueaidéiadeumaqualidade,comoavermelhidão,carregaumareferênciaàpercepção,oquesignificadizerqueavermelhidãoéinesca-pavelmentealgoquesepercebe.Masdaínãosededuzdemaneiraalgumaqueumacoisatenhaqueserefetivamentepercebidaparapoderserditavermelha;issoporqueésemdúvidacorretochamarmosvermelhascoisasaindanãopercebidas,querendocomissodizerqueelassemostrariamvermelhassefossempercebidas(tudoisso,claroestá,sobacondiçãodeseremvistassobluzapropriadaeporumobservadorapto).Aafirmaçãodequeumdadoobjetosejavermelhoé,portanto,condicional,eéprecisamenteemvirtudedestacondicionalidadequeaveracidadedaafirmaçãoindependedeoobjetoserounãoobservadodefato.Pode-se,consequentemente,ficarsegurodequeumamaçãmadura,porexemplo,sejavermelhamesmosemterninguémnopomarqueaperceba.EseavidainteligentedesaparecesserepentinamentedaTerra,nãohaverianenhumarazãoparaduvidarqueamaçãcontinuariasendo
vermelha.
Háentãoumsentidoemsedizerqueumuniversorepletodeatributosqualitativosexisteverdadeiramentemesmona‘ausênciadeobservadoreshumanos’.Aquestão,aocontrário,ésepodemosafirmarmaisdoqueissoemrelaçãoaumuniversoimaginadodoqualtodasasqualidadestenhamsidoapagadas.Ora,deve-secomcertezaadmitirqueatributosquantitativos,comoamassa,porexemplo,sereferemmenosdiretamenteàpercepção(sejavisual,tátilouqualqueroutra)doqueacore,obviamente,éessaarazãopelaqualémaisfácilatribuiràprimeiraocaráterdeatributo‘primário’nosentidocartesianoclássico;porém,nãosedeveesquecerqueosatributosquantitativoscomosquaisaTísicalidasão,afinaldecontas,definidosempiricamente,istoé,suadefiniçãotraznecessariamenteumareferênciaàpercepçãosensitiva,pormaisindiretaeremotaqueseja.Éverdadequeamassadeumcorponãoédiretamentepercebidae,nesseaspecto,amassadiferedacor(apesardequeumaestimativaaproximadapossaàsvezesnosserdadapelosentidocinestésico).Mastambémdevemosnotarqueamediçãoou‘observação’damassaéconsumadanecessariamenteporumatoperceptivo.Afirmarqueumcorpotemtal(-qualmassaédizerqueumamediçãoforneceráovaloremquestão,ouáeja,umavezmaisédizerque,seprocedermosiiumadeterminadaoperação,entãoumapercepçãosensitivacorrespondenteterálugar-porexemplo,perceberemosestaouaquelaleituranumabalança.Ocasodamassa,porconseguinte,eodosdemaisatributoschamadosprimários,
nãodiferetantoassimdaqueledacorquantooscartesianospodempensar,jáquenosdoiscasosapredicaçãodoatributo(umtantodemassa,outalouqualcor)constituiumaasserçãocomexatamenteamesmaformalógica.Umamassa,nãomenosqueumacor,é,emcertosentido,umapotênciaaseratualizadaatravésdeumatointeligentequeenvolveapercepçãosensitiva.Mas,comopotência,ambasexistemnomundoexterior,ouseja,cadaumaexiste,vistoquecadaumaéumapotência.Issoétudooquepodemospedirlogicamenteouesperarrazoavelmentedeumatributo:pedirmaisseriaomesmoquepedirquefosseenãofosseatualizadoaomesmotempo.
Logo,noquetangeàobjetividadeeàindependênciaemrelaçãoaoobservador,oscasosdamassaedacorestãonomesmopé:ambososatributossãodefatoobjetivoseindependemdoobservadornosentidomaisfortedostermos.Apenas,nocasodamassaedeoutrosatributos‘científicos’,acomplexidadeenvolvidanadefiniçãotornamaisfácil—psicologicamente,poderiamosdizer-esperaro
impossível:esquecerqueomundoestáaí‘paranós’,comoumcampoasersondadoatravésdoexercíciodenossossentidos.
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Podeserinstrutivorefletirsobreaexistênciadepercepções‘‘ilusórias”:porexemplo,quandoassistimosaumfilmeouprogramadetelevisão,percebemos-ouassimnosparece-objetosquenãoestãorealmentepresentes:nãoexistemmontanhasouriosdentrodasaladocinemanemhomensatirandounsnosoutrosnanossasaladeestar;mesmoassim,percebemosessascoisascomosefossemreais.Seráqueissonãoseprestaaumainterpretaçãobifurcacio-nista?Nãoseráissoindicativodequeoconteúdodenossapercepçãosejanaverdadesubjetivo,umamerafantasiasituadadealgumaformanamente,noserquepercebe?
Ora,issocertamenteprovaqueaquiloquepercebemospodesersubjetivo,istoé,provaqueexistealgocomouma‘ilusãodeótica’ouumapercepçãofalsa.Masprovaráissoquetodapercepçãosejailusóriaoufalsa?Obviamentenão.Porqueofatomesmodequefalemosarespeitodeumailusãodeóticaoudeumapercepçãofalsaindicaquedevemexistirtambémpercepçõesasquaisnãosãoilusórias,nãosãofalsas.
Qual,então,adiferençaentreosdoiscasos?Adiferença,claramente,équeumapercepçãoverdadeiraouautênticasatisfaza‘critériosderealidade’apropriados.Seperceboumrio,aquestãoé:possopularnele?Eseperceboumcavalo,aquestãoé:possomontarnele?Assim,acadaatoquepareçaserapercepçãodeumentecorpóreo,vemassociadoumconjuntode‘expectativasoperacionais’quepodememprincípiosertestadas.Ese,emcasodedúvida,umsubconjuntorazoáveldestastiversidopostoàprovaeverificado,pode-seafirmarqueacoisaemquestãoédefatoaquiloo(pienossapercepçãoindica:seeupossomontar,atarauma
carroçaealimentarcomfeno,entãoéumcavalo.Logo,ficaclaroqueminhapercepçãoinicialdocavalonãoerailusóriamasverdadeira.Essessãooscritériosderealidadeemtermosdosquaissepodemdistinguirentrepercepçõesverdadeirasefalsas.Nãodeixemosdenotarqueavalidaçãodeumadeterminadapercepçãoéefetuadaforçosamenteporoutraspercepções,pormaiscircularqueesteprocedimentopareçaaumteórico.
Mesmoassim,quandoumadeptodateoriadabifurcaçãonosinformaqueas
percepçõessãoilusóriasousubjetivas,elenãoquerdizerquesejamilusóriasoufalsasnosentidousual.Paraofilósofocartesiano,cadaumadasminhaspercepçõesdaescrivaninhanaqualescrevosãotãoilusóriasquantoaspercepçõesdemontanhasouriosnumasaladecinema,porseremambas,segundocrê,fantasmasdeconteúdoprivado.Claroqueocartesianotambémdistinguepercepçõesquesãoverdadeirasdasquesãofalsasnosentidousual.Eleofazsupondoque,nocasodeumapercepçãoverdadeira,defatoexisteumobjetoexterno,oqualcorrespondeaoobjetopercebidodemaneirapeculiar:deacordocomestafilosofia,existemnaverdadeduasescrivaninhas:a“mental”queeuperceboeaexteriorqueeunãopercebo.Eelassãobemdiferentes:aprimeiraémarrom,porém,privadadeextensão,enquantoasegundapossuiextensão,mas,nãoémarrom.Emquepesemessasdiferenças,asduassãosupostamenteparecidasemalgunsaspectos:seaescrivaninhaqueeupercebopareceterumtamporetangular,aescrivaninhaexteriortemumtamporetangulartambémeporaívai.Todasessasreivindicaçõescartesianassão,contudo,puramenteconjeturais,oquesignificadizerqueé,emprincípio,impossívelcertificar-sedequesejamverdadeiras.Parasermaisexato:seodogmadabifurcaçãofosseverdadeiro,entãoateoriadapercepçãodos‘doisobjetos’queaelecorrespondeseriaporissomesmoinverificável,pelaóbviarazãodequenãohaveriajamaisumamaneiradedescobrirseoobjetoexteriorexiste-issoparanãofalardasuasupostasimilaridadegeométricacomoobjetodapercepção.
Umúnicoobjetoétudooqueobservamoseahipótesedequesejamdoiséperfeitamentegratuita.Ateoriadapercepçãodos‘doisobjetos’,nãomenosdoqueadoutrinadabifurcaçãonaqualelarepousa,constitui,portanto,umapremissametafísicaquenãopodesernemverificadanemdesmentidaporquaisquermeiosempíricosoucientíficos.
Nossaquestãoerasaberseofatodeexistirempercepções‘ilusórias’nosentidoordináriíXdavasuporteàargumentaçãobifurcacionistaeagoraficouclaroquearespostaónegativa.Ofatodeexistiremilusõesdeóticaepercepçõesalucinatóriasnãoindicaquenocasodeumapercepçãoordináriaexistamrealmentedoisobjetos,comorequerafiloso-i,_
liacartesianq/Defato,ocasopareceserocontrário,porque
seumailusãodeóticaouumaalucinaçãoécaracterizadapelofatodequeoatoperceptivofracassou,entãoissoimplicaque,nocasodaspercepçõesnormais,o
atonãofracassa.l*ode-sesupor,portanto,queoquepercebemoséprecisamenteoobjetoexterno.
Éprecisoentãoperguntarporqueopensamentoocidentalfoidominadodurantetantotempopelafilosofiacar-tesiana,umaespeculaçãoquecontradiznossasintuiçõesmaisbásicaseafavordaqual,desaída,nãopodehavernenhumaevidência.Eporquedeverialogoocientista,dentretodasaspessoas,esposaressadoutrinaquimérica,aqualforçosamentetornaimpossívelconheceromundoexteriorpormeiosempíricos?Oesperadoseriaqueeledesprezasseasespeculaçõescartesianascomosendoomaisvãodossonhos,ecomo,dentretodasasfantasiasmetafísicas,amaishostilaosseuspropósitos.Emquepesetudoisso,énotórioquedesdeoséculoXVIIocartesianismoeafísicatêmandadoestreitamenteunidos;tãounidosque,paraoobservadorleigo,podeparecerqueodogmadabifurcaçãoconstituadefatoumadoutrinacientífica,amparadaaindapelopesodecisivodasinvestigaçõesfísicas.Afinaldecontas,foiopróprioNewtonquematouonónestasingulardisputa,eofeztãobemqueatéopresenteauniãotemseprovadovirtualmenteindissolúvel:1.
Nãoobstante,nemapremissacartesiananemsuaassociaçãocomafísicachegamasernovidadescompletas,poisparecequeoprimeiroadeptodeclaradodabifurcaçãonahistóriadopensamentofoininguémmenosqueDemócritodeAbdera,oreconhecidopaidoatomismo.‘Deacordocomacrençavulgar’,declaraele,‘existemacor,odoceeoamargo;3mas,naverdade,sóoquehásãoátomoseovazio.’4Háumaconexãonecessáriaentreasduasmetadesdadoutrina,jáqueaquelequeexplicaouniversoemtermosde‘átomosevazio’precisaantesdetudonegararealidadeobjetivadasqualidadespercebidasatravésdossentidos.ComoDescartesobservoucomadmirávelclareza:
Pode-sefacilmenteconcebercomoomovimentodeumcorpopodesercausadopelodeoutro,esefazervariarpelotamanho,figuraesituaçãodesuaspartes,massomostotalmenteincapazesdeconcebercomoessasmesmascoisas[tamanho,figuraemovimento]poderíamproduziralgumaoutracoisadenaturezaestranhaaelasmesmas,como,porexemplo,aquelasformassubstanciaiseasqualidadesreaisquemuitosfilósofossupõemestarempresentesnoscorpos5.
Acrescentemosque,muitoemboraDescartesnãotome
0atomismocomoummodelodarealidadeexterna,adiferençaébastante
irrelevantenoquetocaaopontoemdiscussão,vistoque,querpensemosemtermosdeumaresexten-saecontínuaouemtermosdosátomosdeDemócrito,apassagemcitadabastaparaexplicarporqueumafísicaintegral—umaquepudesseentenderouniverso‘semresíduos’-sevêobrigadaaabraçaratesedabifurcação,quasecomoum‘malnecessário’,pode-sedizer.
Deve-se,contudo,notarqueosbenefíciosdabifurcaçãosãomaisaparentesdoquereais,emvirtudedeocarte-sianismoserforçado,emúltimainstância,aadmitiraexistênciadacoisamesmaaqual‘somostotalmenteincapazesdeconceber’.Issosedáquandoentraemcenaoprocessodapercepção,noqualasqualidadespercebidaspelossentidos,pormaisprivadasouilusóriasquesejam,sãoevidentementecausadas(porforçadashipótesesadotadas)pelas‘partículasemmovimento’.Gostemosounão,nosvemosobrigadosaexplicaramaneirapelaqual‘essasmesmascoisaspodemproduziralgumaoutracoisadenaturezaestranhaaelasmesmas’edevemosnecessariamenteadmitirnofimque‘somostotalmenteincapazesdeconceber’comotalcoisaépossível.Nãoseobtém,conseqüentemente,nenhumavantagemfilosóficadopostuladodabifurcação,oquesignificaqueasreivindicaçõestotalistasdafísicaprecisamserabandonadasinlimine.Emsuma,nãoépossívelentenderouexplicartudo,exaustivamente,emtermospuramentequantitativos.
VoltandoaDemócrito,édignodenotaquesuaposiçãotenhasidovigorosamentecombatidaporPlatãoesubsequentementerejeitadapelasmaisimportantesescolasfilosóficasatéoadventodostemposmodernos,eissosignificaqueospostuladosgêmeosdoatomismoedabifurcaçãopo-domnaturalmenteserclassificadoscomo‘heterodoxos’.Mas,comotambémsesabe,velhasheresiasnuncamorrem—elasapenasaguardamaoportunidadee,comoretornodecondiçõesfavoráveisàsuaaceitação,sãosempreredescobertasereafirmadasentusiasticamente.NocasodeDemócrito,veri-lica-sequesuadoutrinafoirestauradanoséculoXVII,apósumlapsodeunsdoismilanos,eéinteressanterepararqueasduasmetadesdateoriareaparecemaproximadamenteaomesmotempo.Galileu,oqualfaziadistinçãoentreoschamadosatributosprimáriosesecundáriosequeseinclinavaparaoatomismo,foitalvezoprimeiroporta-vozdessereflo-rescimento.AopassoqueDescartespropunhaabifurcaçãopensandoamatériafundamentalmentecomocontínua,descobre-sequeNewtonjáseaventuravaaespeculaçõesquímicasdenaturezaatomística.Apenasquenaquelesprimeirostempososfísicosnãodispunhamdemeiosparatornarquan-tificáveissuasespeculaçõesatomísticasecolocá-lasàprova.Gomefeito,nãofoiatéfinaisdoséculoXIXqueos‘átomos’puderamcolocar-seaoalcanceda
experiência.Mesmoassim,durantetodoessetempo,aconcepçãoatomísticadesempenhouumpapelheurísticodecisivo.ComobempontificaHeisenberg:“Amaisforteinfluênciasobreafísicaeaquímicanosséculosrecentesfoi,semdúvidaalguma,exercidapeloatomismodeDemócrito.”6
AolongodoséculoXX,contudo,oquadrocomeçouamudar.Primeiroquetudo,umasériedegrandeseinfluentesfilósofosfinalmenteaparecememcena—Husserl,WhiteheadeNicolaiHartmann,porexemplo—paradesafiarerefutaraspremissascartesianas.Apardisso,outrasfilosofiasqueentravamemvoga,taiscomoopragmatismo,oneopositivismoeoexistencialismo,nemtocavamnoaxiomadabifurcação.Logo,sejapelarefutação,sejapeloolvido,pode-sedizerqueocartesianismofoiabandonadopelasprincipaisescolas.
Nomundocientífico,poroutrolado,adoutrinaatomis-tadeDemócritoseachasobataque,aopassoqueapremissabifurcacionistatempermanecidovirtualmenteincontesta-da.Mesmonoquedizrespeitoaoatomismo-oqualestápatentementeemdesacordocomosrecentesachadosdafísicadepartículas—,acabaquenãopoucosfísicosdepontapermanecemimplicitamentedemocritianosemsuaWeltanschauung,motivoprecisamentepeloqualHeisenberglamentaque“Hojenafísicadaspartículaselementares,aboafísicatemsidoinconscientementecorrompidapelamáfilosofia.”7Poucospercebem,todavia,queambasasmetadesdesta‘máfilosofia’estãoconoscoaindaequedevemserabandonadassequisermosdarumsignificadofilosóficoàfísicaatual.
Entrementes,éahipótesedabifurcaçãoqueconstituioproblemamaior.Emprimeirolugar,abifurcaçãoémuitomaisfundamentale,consequentemente,muitomaisdifícildeserapreendida;mas,aindamaisimportante,elaacabaHPIKIOapremissasobreaqualsefundaaconcepçãodeumafísicaintegral.Osfísicospodempassarbemsemoatomis-iiiii,massão,emgeral,relutantesemrenunciaràssuasreivindicaçõesuniversalistase,portanto,estãocomprometidos,gostandoounão,comahipótesecartesiana.8
*
Seoatodapercepçãonoscolocaefetivamenteemcon-latocomomundoexterior-comoalego-subsisteaques-Líio,certamente,decomoesseprodígioéefetuado.Nocasodapercepçãovisual,aoqualpodemosrestringirnossaatenção,existesemdúvidaaimagemperceptivadeumobjetoexterno;não
obstante,oquepercebemosdefatonãoéaimagemcomotal,mas,precisamente'oobjeto.Nós‘vemos’aimagem,maspercebemosoobjeto.Emcertosentido,nóspercebemosmaisdoqueaquiloquevemos,maisdoquenosódadoouépornósrecebidopassivamente,porquantoconclui-sequeapercepçãonãoéasensaçãonuaecrua,massim,umasensaçãocatalisandoumatointeligente.9
Deve-senotar,entretanto,queoatoperceptivonãoéracionalenemdependedousoderaciocínio:nãoháabsolutamentenenhumraciocínioenvolvidoaoperceber-seumobjeto.Seoatoperceptivodependessedoraciocínio,elesere-duziriaaumainterpretaçãodeimagensrepresentativasdeobjetosexteriores;eissoimplicaria,emprimeirolugar,emoobjetoserconjetural-eleseriaconcebidoemvezdepercebido—e,emsegundolugar,queaimagem,porsuavez,seriavistacomomeraimagem,oquedefatonãoocorre.Aquestãoéaseguinte:noatodepercepçãoaimagemnãoévistacomoimagemmeramente,mascomoumaparteouaspectodoobjeto;elaévistacomoalgopertencenteaoobjeto,damesmamaneiraqueafacedeumhomempertenceaohomem.Aimagemsetransforma,portanto,emmaisdoqueumaimagem:elaépercebidacomoumafaceta,umatributo,umaspectodeumacoisaquetranscendeinfinitamenteaimagemcomotal.
Emtaiscircunstâncias,essatransiçãodecisiva(daimagemparaoatributo)éalgoquearazãoouoraciocínionãopodemefetuarenemmesmocompreender,oquebempodeseracausadetantadificuldadeporpartedosfilósofosaoseconfrontaremcomoproblemadapercepção.Viaderegra,temosnosesquecidodequeexisteumainteligênciaqueéintuitiva,diretaeinstantâneaemsuaoperação,umainteligênciaquenãotemnecessidadedopensamentodialéticoediscursivo,indodiretoaoalvocomoumaflecha.Menosaindanosdamoscontadequeestaelevadafaculdadejáesquecida(queosantigoschamavam‘intelecto’)éoperativae,naverdade,desempenhaopapelcentralnoatodapercepçãosensitiva.Aimagemeoobjetopodem,paraopensamentodiscursivo,permanecerparasempreseparados(umamputadodooutro,poderiamosdizer),poisoprópriodafaculdadedoraciocínioéoanalisar,odissociar.Assim,naausênciadointelecto,sefôssemosprovidoscomnãomaisdoqueumacapacidadeparaarecepçãopassivadeimagensadicionadaàfaculdadedarazão,apercepçãoautênticaseriaimpossível,oquesignificadizerqueomundoexteriorseriaparanósummeroconceitoouhipóteseespeculativa.ComoDescartes,nuncapoderiamosvê-lo,tocá-lo,ouvirseussons.
Epelaatuaçãodointelectoque,noatodapercepção,oobjetopercebidovema
associar-seComoserpercipiente,supondo-claroestá-quesejaumapercépçãoválida,genuína,ressalvaquesefaznecessáriaemvistadequeumatodepercepçãopodefalhar,comovimos,nocasodeumailusãodeóticaoudeumaalucinação.Comofalariamosantigos,oatodepercepçãopodefalharpornãoserpuramenteintelectivo,maspor‘participar’apenasdointelecto;sejacomofor,essasnãosãoquestõesdasquaisnosocuparemosporora.Paraopresente,bastateremmenteofatodequeexisteummododeinteligêncianãoligadaaoraciocínio,peloqualéefetuadaatransiçãodaimagemparaoobjetoequearazão(ouopensamentodisnursivo)simplesmentenãoestáàalturadatarefa.Ressalvemoscomvigorqueissonãoimplicademaneiraalgumaqueexistaalgoirracionalnoatoperceptivoou,melhordito,noreconhecimentocríticodequedefatolançamosnossoolharparaomundoexterior.
Nãoédescabidoobservar,aproveitandooquedissemosarespeitodainteligênciahumana,queareduçãodointelectoàrazão(faláciadoracionalismo)constituiprovavelmenteaprincipalafronta,nãoapenasdeRenéDescarteseseusseguidoresmaisimediatos,mastalvezdetodaafilosofiamoderna.Issoporqueatéasescolasanti-racionalistas,taiscomoopragmatismoeoexistencialismo,pressupõemamesmaredução,amesmanegaçãoracionalistadointelecto.Sejacomofor,umavezassumidaessahipótesefatal,nóssomospegosnumadicotomiaquenãopodeserresolvidadejeitoalgum.Omundoexteriordamatériaeomundointeriordamenteperderamdemaneirapatentea,porassimdizer,conexãoentreeles,eissosignifica,naverdade,queouniversoenossaposiçãodentrodeletornaram-sedefadoininteligíveis.Fazpartedanaturezadarazãoanalisar-dissociar,até-oqueopróprioDeusdispôscomojáunido.Logo,nãosurpreendequeumaWeltanschauungbaseadatão-somentenarazãoterminenumarupturaalémdapossibilidadederemendo.Ointelecto,poroutrolado,revelaaunidadesubjacentedetodasascoisas,trazendoàluzoslaçosprofundosqueasligamdesdesempre.Oquearazãonãoécapazdeunir,pormaisquefaçatodoesforçopossívelaseualcance,ointelectorestauranumabrirefechardeolhos.
Ora,oclássicoexemplodestafaçanhamaravilhosaé,semdúvida,oatoordinárioehumildedapercepçãosensitiva;oato,porexemplo,deolharparaumamaçã.Ofossoentresujeitoeobjeto-oabismoepistemológicoquedesconcertouumDescarteseumKant-éatravessado,digoeu,numpiscardeolhos.Qualquercriançaconseguerealizaressemilagre-e,defato,ofaz,oque,poroutrolado,nãodiminuiemnadasuagrandeza.Poisqueissoéecontinuasendoumprodígio:mesmoamaçãestandoforadenós,conseguimospercebê-la.
ComodisseAristóteles,noatodeconhecer‘ointelectoeseuobjetoseunem’.
Queninguémnegueomilagre:‘através’daimagem(‘comoporumespelho’)nóspercebemosoobjetomesmo,acoisaexterior.Equenãohajaenganosaesserespeito:otérminodoatointencionalnãoésimplesmenteoutraimagemouumarepresentaçãosubjetiva,masopróprioobjeto:oquepercebemoséprecisamenteamaçã,enãoapenasumquadroouumconceitoouumaidéiademaçã.Porém,éclaroquenossoconhecimentoéincompleto:‘Pororavemoscomoporumespelho,demaneiraobscura;...nadaconheçoagora,senãoimperfeitamente’(1Cor.13:12).
Nãoédepoucamontaoquetransparecenessesatosfamiliaresdocotidiano,ainteligênciamanifestadanelesémisteriosa:umpodertãoadmirávelquesuaprópriaexistênciaemnossoíntimodesvirtuanossasnoçõesusuaisdoquesejaohomemedecomoeleseformou.
Consideremosagoracomoécomumenteencaradooatoperceptivo.Umestímuloexteriornoschegasobreumórgãodosentido(aretina,digamos)eocasionaumacorrentedeinformaçãocodificadaquesetransportaatravésdetrilhasdeneurôniosatéoscentroscerebraisapropriados.Mas,oqueaconteceentão?Talvezamaioriadoscientistasaindaesposeavelhaposiçãomaterialistaou‘monista’dequeocérebroétudo,ouseja,avidapsíquicaévistacomoumepi-fenômenodafunçãocerebral.Nãoobstante,umnúmerocrescentedeneurofisiologistaseestudiososdocérebro,incluindoalgumasautoridadesdedestaque,passaramaacreditarqueaposiçãomonistaéinsustentável,equeosfenômenosdapercepçãoedopensamentopodemserexplicadossomentemedianteasuposiçãodeque,alémdocérebro,tambémexisteum‘segundoelemento’:amente.Comoumconhecidoneurocirurgiãocolocou:
Porqueparececerloquejamaisserápossívelexplicaramentecombaseemaçõesneuronaisdentrodocérebro,eporquemeparecequeamentesedesenvolveemaluraindependenlemenledurantetodaavidadoindivíduocomosefosseumelementocontínuo,eporqueumcomputador(comoéocérebro)precisaseroperadoporumagentecapazdeentendimentoindependente,souforçadoaficarcomaposiçãodequeonossoserdeveserexplicadocombaseemdoiselementosfundamentais.10
Podemossentir-nosfortementetentadosaconsiderarosegundoelemento,amente,comoumaespéciedeghostwi-thinthemachine11-talvezporquenãose
saibadequeoutraformasejapossívelconcebê-la.Eissocolocaemjogoain-quietanteideiadeumagentecapazdedecifrarosestadosdeumbilhãodeneurônioseintegraressamassadedadosnumaimagempercebida-tudonumafraçãodesegundo!Porém,nãoéavelocidadedaoperaçãonemsuacomplexidadequenosdesconcerta,massuanatureza,pois,nemumpoderosomaquinárionemumobservadorhumanopode-riam,sequerremotamente,executartaltarefa.
Mas,suponhamosque,dealgumamaneira,amentesejacapazde‘lerocomputador’,detransformarainformaçãoneuronalemumaimagemperceptiva.Oqueseguedaí?Oprocessoqueresultadoatoperceptivoequivaleríaaíaumobservadorassistindoamonitoresconectadosaumafonteexterna.Poderiamosficarsatisfeitoscomisso,pensandoqueaomenoschegamosaummodeloviável.Masissonãosatisfaz,poisoqueoobservadorestáaperceberobviamenteéumaimagemnummonitor,nuncaoobjetoexterior.Ora,dopontodevistadateoriadainformação,issonãoconstituiproblemaalgumenãohá,defato,diferençasignificativaentresuporqueoobservadorpercebeomundoexteriorousuporquenão.Porexemplo,seforumaquestãodeleruminstrumento,éevidentementeirrelevanteseestamosaolharparaumatelaoudiretamenteparaumabalança.Masaí,oqueestamosprocurandoentendernãoéameratransmissãodeinformaçãonosentidoquedariaumengenheiroelétrico,masofenômenodapercepção,queéalgointeiramentediferente-emquepeseofatodelaobviamenteacarretarumatransmissãodestetipo.Devemosteremmentequeapercepçãoautênticatemseutérminonãonumameraimagem,masnumaspectodaprópriacoisaexterior.Eaquisucumbeomodeloobservador/monitor:nãohácomocontornarofatodequeoqueoobservadorpercebeéomonitoresomenteele.Emsuma,talmodelo,comoestá,acabaapelandoinescapavelmenteàbifurcação.Elepodefazerjusaocérebro,maspecaemcompreenderosegundoelemento,amenteesuasfaculdades.
Existeumaantigacrençadehámuitoesquecidaquedizqueoolhodirnanaum“raio”queseencontracomoobjeto.Mas,pormaisqueessaideianosespantehojeemdia,comosefosseapenasmaisuma‘superstiçãoprimitiva’,nãoseriapossívelqueapropagaçãoaferentedesdeoobjetoatéopercipienteprecisassesercomplementadaporumprocessoeferente,umapropagaçãonaviacontrária?E,seaciêncianãoencontrounenhumtraçodetal“raio”eferente,nãosedeveriaissoaofatodeseusmétodossereminapropriadosparadetectaresseprocesso?Nessecaso,emsendo‘materiaYapropagaçãoaferente,nãopoderíaaqueéeferenteser,digamos,detipo‘mental’?Amimparececlaroque,quandosetrata
doproblemadapercepção,raramenteestamosemposiçãodedescartardoutrinas‘estranhas’.Tudooquesabemosatéaquiéqueaspeçaspresentementesobalcancedaciêncianãoseencaixam,oquepareceimplicarqueapeçafaltantedevaserdefato‘estranha’.Chamede‘mente’,‘alma’ouoquequeira;comoobservouSirCharlesSherrington:“Elafluipornossomundoespacialdemaneiramaistênuedoqueumfantasma.Invisível,intangível,éumacoisaque'nemmesmotemcontornos,nemchegaaserumacoisa.”iaNãosepodemenosqueconcordarcomoeminenteneurofi-siologistaquandoeledizqueaciência“ficaimpotenteparalidaroudescrever”essapresençatãofugidiaeenigmática,atravésdaqualaparentementeseconsumaoatodapercepção.
*
Devemos,apartirdeagora,entendero‘mundocorpó-reo’comoosomatóriodascoisaseeventosquepodemserpercebidosdiretamenteporumserhumanonormalnoexercíciodesuavisão,desuaaudiçãoedeseussentidosdotato,paladareolfato,ouseja,queodomíniocorpóreoénadamaisnadamenosqueomundorealnoqualnormalmentenosencontramos.Nãoobstante,éclaroqueestaafirmação,sim_/'
12MaJoubisNii/urr(í'ambridge:CambridgeUniv.Press,1951),p.256.
pieseatéóbvia,seráimediatamentecontestadaporumadeptodoprincípiodabifurcação,soboargumentodequeoquerealmentepercebemosnãoé,deformaalguma,ummundo,umarealidadeexterna,masumfantasmadecunhoprivado,doqualapenascertoselementosquantitativostêmsignificadoobjetivo.Ditodeoutromodo,nega-seumstatusobjetivoexterioraoquetomamos,numnívelpré-filosófico,comosendoomundo-para,abertamente-darlugaraomundocomoconcebidoporumfísico.Muitoaocontrário,reconhecendooquechamamosdeprincípiodanãobifurcação,fazemosumaredescoberta(oureafirmação)domundocor-póreo,ummundooqual,deacordocomDescarteseseusdiscípulos,nãoexiste.
Narealidade,éevidentequeninguémjamaisprestaamínimaatençãoaoquedizemasautoridadesdetipocarte-siano.Emnossasvidasdiáriasnãoquestionamosnemmuitomenosnegamosaautenticidadedomundopercebidopelossentidos.Todosmantêmsuasatividadesfirmesnaconvicçãodeque,comoafirmaomestreZen,‘Montanhassãomontanhasenuvenssãonuvens’.Porém,mesmoassim,amaioriadenóstemseusmomentoscartesianos.Experimente,
porexemplo,persuadirumprofessoruniversitáriooumesmoumbompós-graduadodequenãoexisteatalbifurcaçãoelogovocêverásurgirocartesianodentrodele.Taléopoderdaeducação.Maseste,também,éocernedaquestão:porqueoquepareceóbvioquandoseestánumestadonãoreflexivo,nãosetornaverdadeironecessariamente,comosefossepossívelqueafaltadereflexãoconferisseinfalibilidade.Asdúvidascartesianas,porconseguinte,estãolongedeserilegítimaseopontoaquenosopomosnãosãoasdúvidas,masafilosofia.
Noentanto,essafilosofiatemsidotãocultivadaemnóspelosmeiosculturaisquepodeparecerchocanteouvirfalarsemrodeiosqueomundopercebidoé,defato,realeque,nofinaldascontas,nósnãoerramosnamaiorpartedavidadevigília,durantetodootempoemquepermanecemosinconscientesdolegadobifurcacionista.Essanotávelresistênciaedescrençacomaqualreagimosaoprincípiodanãobifurcaçãopodeparecerestranha,dadoque,emtodososoutrosmomentos,tantoahtesquantodepoisdosinterlúdiosfilosóficos,mantemo-nosfirmementecomprometidoscomele.Ésomente/quandoanãobifurcaçãoéexplicitamenteafirmadaquenosvoltamoscontraelaealegrementenegamosoemque,paratodososefeitos,cremospiamente.Emsuma,afilosofiacartesiananosmergulhounumestadodeesquizofreniacoletiva,umacondiçãoindiscutivelmentedoentia,àqualpodemmuitobemseratribuídosnãopoucosdosmalesmodernos.
Mas,sejacomofor,nàoéfácildesataronódadoporNewtoneselivrardopesodeumafilosofiaparadoxal,pois,muitoemboraabifurcaçãocomotalpossanãoteratrativonenhum,eladefatoconcedeobenefícioconsiderávelde,aparentemente,apoiarasreivindicaçõesdeumafísicaquesepretendauniveráalistaemseualcance.Some-seaissoadifusãodacrençadequeessaWeltanschauungseencontraescoradanasdescobertasfactuaisdeumaciênciaexataeinfalívelepode-secomeçaravislumbraradimensãodoproblema.Logo,nãosurpreendequeosfundamentosfilosóficosdafísicaestejamemdesalinho.Transcorreumaisdemeioséculodesdeoprimeirolamentosobreesteestadodecoisas,feitoporWhitehead,nosadvertindosobreoquechamoude“umacompletadesordemnopensamentocientífico,nacos-mologiacientíficaenaepistemologia”1:i;masaconfusãopersistee,sealgoaconteceu,foiapenassuaexacerbaçãopelairrupçãodeescritospseudo-filosóficosquepoucomaisfazemquecolocarvinhonovoemvelhosvasos.Aindamais:noquedizrespeitoaosfísicos,parecequeamaioriaestápoucointeressadaeminvestigarosfundamentosfilosóficos,nãolevandoconsigoparaodomíniofilosóficoadestrezaquemostramternocampodaciência.ComobemdisseHeisenberg:
Seseguirmosotrajetoquetem,porpontodepartida,adificuldadequetiveram,mesmocientistaseminentes,comoEinstein,ementendereaceitarainterpretaçãodeCopenhagendateoriaquântica,iremosencontrar,naraizdessadificuldade,adivisãocartesiana.Estapartiçãopenetroutãoprofundamentenamentedohomem,duranteostrêsséculosqueaDescartesse12seguiram,quemuitotempolevaráatéqueelasejasubstituídaporumaatituderealmentediferentenoqueserefereaoproblemadaRealidade.13
CapítuloII
1
DiscutocomoapareceabifurcaçãonasfilosofiasdeDescartes,BerkeleyeKantemCosmosandTranscenelenctt(Peru,II.:SherwoodSugden&(lo.,1984),cap.2.
2
Aristótelesfoisábio,afinal,quandopostulou‘quantidade’e‘qualidade’comocategoriasseparadaseirredutíveis.
3
Ver,especialmente,E.A.Burtt,TheMetapbysicalVounclationsofModernThysicalScience(NewYork:HumanitiesPress,1951).
4
1HermannDiels,D/efragmentederIiorsokratiker(Dublin:Weidman,1969),vol.II,
11.168.
5
'iPrincipiaPhUosophiae,inQ/tvres(Paris,1824)IV,198;citadoemE.A.Burtt,op.cit.,
I>.112.
6
(>IincountersivithFJnstein(Princeton,NJ;PrincetonUniversityPress,1983),p.81.
7
Op.cit.,p.82.
8
KUmapessoaacreditanabifurcaçãopelamesmarazãoqueacreditanoevolu-rionismodeDarwin.Aoinsistirquetodofenômenodanaturezapode,emprincípio,serentendidotão-somentepelosmétodosdafísica,ambososdogmasacabamlornando-seindispensáveis.MinhavisãosobreessaquestãofoidetalhadaemCosmos<mtlTranscendence,cap.4;7eilhaniismandtheNeu>Religion(Rockford,IL:TANBooks,1088),cap.l;eCosmos,liios,Theos,editadoporHenryMargenaueRoyA.Varghese(Chicago:OpenCourt,1992).
9
Comoexemplo,nóspercebemososobjetoscomotridimensionaisapesardaimagemserplana.ApossfVelobjeçãodeavisãoestereoscópicadever-scaofatodehaverduasimagensestáforadequestãoporduasrazões:primeiramenteporquenarealidadenãovemosduasimagens,apenasuma;ademais,mesmoolhandoparaumobjeto
familiarcomapenasumolho,aindaopercebemoscomotridimensional.
10
WilderPenfield,ThemystcryoftheMind(Princeton,NJ:PrincetonUniversity
Press,1975);citadoporK.I1.SchumacheremACuideforlhePerplexed(NewYork:Harpcr&Row,1977),p.76.
11
MododesereferiràinteraçãoentreosdoiselementosdistintosdateoriadoconhecimentodeDescartes,arescogâansearesextensa,equenapsicologiaeepistemo-logiamodernasficouconhecidocomooproblema“mente-corpo”.Supostamente,umenteimaterialchamado?“mente”ocultaria-sedentrodeumaparatomecânicochamado“corpo”,determinandosuasações.(N.T.)
12
NatureandLife(NewYork:Greenwood,1968),p.6.
13
PbysicsandPhilosopby(NewYork:Grecnwood,1968),p.6.[FísicaeFilosofia(Brasília:Iid.ÜnB,1981,Trad.deJorgeLealFerreira),p.44.Todasasreferênciasaestaobraferiamtiradas,napresentetradução,dessaediçãobrasileira.(N.T.)[
OQUEÉOUNIVERSOFÍSICO?
Seriamuitobompoderdizerqueouniversofísicoésimplesmenteomundocomoconcebidoporumfísico,masocorrequeaconcepçãoqueofísicotemdomundoestálongedeserclara.Devemoslembrar,emprimeirolugar,queafísicapassouporumdesenvolvimentoassombrosoequecontinuaaavançarcomgrandeatropelo.Aindamais,deve-seacrescentarquepoucoacordotemhavidoultimamenteentreosfísicosquantoaoqueé,exatamente,queafísicatrazàluz.Comosepode,assim,falardo“mundocomoconcebidoporumfísico”?
Pode-sefazê-lo,atécertoponto,emvirtudedofatodequeafísicatemumametodologiaprópria,ummododeinvestigaçãoqueadistingue.Algumasteoriasfísicaspodemsersuplantadaseopiniõesfilosóficaspodementrarousairdemoda,masosmeioscognijtivosbásicospelosquaisafísicacomotalédefinidacontinuaminvariáveis.Essesmeioscognitivosdeterminamseusobjetosdemodouniversal,sendoesteopontocrucial.Digamos,porconseguinte,queouniversofísicoseja:6âmbitodascoisasemprincípiocognoscí-veisporessesmeiosemparticularevejamosaondeistonosleva./
Vimosnocapítuloprecedentequeomundocorpóreoexiste‘paranós’comoodomíniodascoisasaseremconhecidasatravésdapercepçãosensitivaeveremosagoraqueouniversofísicoexiste‘paranós’numsentidomuitoparecido.Ocorreapenasqueosrespectivosmeiosdeconhecimentosãonitidamentedistintos.Noprimeirocaso,conhecemosatravésdapercepçãodiretaenosegundoatravésdeummodusoperandibaseadonamedição,oqueétotalmentediferente.
Examinemosbrevementeoatodamedição.Oprimeiroasenotaréqueefetuamosumamediçãopormeiodeumartefato,deuminstrumentoapropriadoenãoatravésdavisãodiretaouporqualqueroutrodossentidos.Oquecontaéainteraçãoentreobjetoeinstrumento,sendoissooquedeterminaoestadofinaldoinstrumentoe,destamaneira,oresultadodamedição.Talresultado,ademais,seráumaquantidade,umnúmero,sequisermos.Ora,certamenteofísicoexperimentalfazusodeseussentidosacadapassoeépormeiodapercepçãosensitiva,cabemencionar,queeleapuraoestadofinaldoinstrumento.Masissonãosignificaqueelepercebaaquantidadeemquestão.Sejamosclarosaesserespeito:emsentidoestrito,nãosepercebemcoisastaiscomoopesoouodiâmetrodeumobjetofamiliar,nãomaisdoqueseécapazdeperceber,digamos,omomentomagnéticodoelétron.Oquesepercebesãoobjetos
corpóreosdevariadostipos-inclusiveinstrumentoscientíficos.Ora,éclaroquesomoscapazesdeleraposiçãodeumponteironumabalança,masnãopodemosperceberdiretamenteasquantidadesmensuráveiseéporessarazãoquenecessitamosdosinstrumentos.Tem-senecessidadedoinstrumentodemedidaprecisamenteporqueaquantidadeemquestãonãoéperceptível.Efunção,conclui-se,doinstrumento,traduzirasquantidadesmensuráveisparaoestadoperceptíveldeumobjetocorpóreo,paraque,pelapercepçãosensorial,sejamoscapazesdeobteroconhecimentodealgoqueemsinãoéperceptível.
Bem,omodusoperandidafísicabaseia-senamedição,comodissemos.Logo,éatravésdeatosdemediçãoquecomeçamosaconceberouniversofísico.Ofísicolançaoolharparaarealidadenãocomasfaculdadeshumanasusuaisdapercepção,maspormeiodeinstrumentosartificiais,eoqueeleenxergaçomesses“olhos”artificiaiséumestranhomundonovoqueconsistedequantidadesedeestruturamatemática.Emsuma,eletomaconhecimentodouniversofísicoenãodofamiliarmundocorpóreo.
Oquedeveserfeito,portanto,dessacuriosadualidade?Podemosdizer,talvez,queumdessesdomíniossejarealeooutrosubjetivooutalvezfictício?Certamentenãoexistemrazõesconvincentesqueamparemnenhumdessesre-ducionismos.Oquevocêvêdependedas“lentes”pelasquaisvocêolha,essaéaessênciadaquestão.
Surgeaquestãodeporqualmeioessesdoismundosmanifestos(ou‘projeçõesdarealidade’)podemcoexistir,dequemodopodemserajustados-comodefatodevem.Bastadizer,porora,queessanãoéumaquestãoquepossaserinvestigadanemcompreendidapelosmeioscognitivosassociadosaquaisquerdosdoisdomínios.Oassuntonãopodeserresolvidonempelapercepçãosensitivanempelosmétodosdafísica,pelasimplesrazãodecadaumdestesmeioscognitivosestarrestritoàsuaprópriaesfera.Odequeseprecisa,idealmente,édeuma‘ontologiaintegral’,maspodemosdeixar,porenquanto,semresolveraquestãodeseéfactíveltalempreitada.Oqueimportaaquiéaconstataçãodequecadaumdessesdoisdomínios—ofísiconãomenosqueocorpóreo-élimitadoemseualcance.Emcadacaso,existemcoisasquepodemsercompreendidaspeloscorrespondentesmeioscognitivoseexistemcoisasquenãopodem.Comoumcírculo,aconcepçãodecadaumdessesdomínios,aomesmotempoemqueincluialgumascoisasexplicáveisporseusmétodos,tambémexcluioutras.Equenãoseduvide,desdejá,queoquecadaumdelesexcluideve,pornecessidade,serimensamentemaisvasto-porincrívelque
pareça-doqueavariedadedetudooqueencerra.
Ouniversofísico“semostraàvista”pormeiodamedição,masdeve-seacrescentarimediatamentequesomenteamediçãonãobasta.Forçosamenteexistetambémumaspectoteoréticonesseprocessocognitivo,oquesignificadizerquenadapertencenteaodomíniofísicopodeserconhecidosemumateoria,semum“modelo”apropriado.Asfacetasexperimentaleteóricadadisciplinaandamladoalado,existindoentreasduasumamaravilhosasimbiose-talvezdelicadademaisparaserdescritaadequadamenteemmanuais.Bastadizerqueexperimentoeteoriacombinam-senumúnicoempreendimentocognitivo,nummesmo“mododeconhecimento”.
Consequentemente,osobjetosfísicosdevemserconhecidospormeiodeummodeloadequado,algumtipoderepresentaçãoteórica.Semdúvida,objetoerepresentaçãonãocoincidem,arelaçãoentreelessendoquetomamosconhecimentodoobjetoatravésdessarepresentação,damesmamaneiraqueconhecemosumobjetocorpóreopormeiodeumaimagemmental.Arepresentaçãoteoréticaserve,assim,comoumsímbolo,umsigno-oqualé,detodasasmaneiras,indispensável,pois,naverdade,nãoseconsegueconhecerenemmesmoconceberumobjetofísicoexcetopormeiodeummodelo,deumconstrutoteoréticodeumtipooudeoutro.Nóscertamentepodemose,comefeito,muitasvezesofazemos,alterararepresentaçãodeumadadaentidadefísica,masnãosepodeabandonarummodelosemorecursoaalgumoutro,sobpenadeperdercompletamenteoobjeto.1
Notemos,àguisademaiorclareza,queseoobjetofosseredutívelàrepresentação,eleobviamentenãoestariasujeitoamedições;afinaldecontas,ummeromodelonãopodeafetarinstrumentos'demedida.Objetosfísicos,poroutrolado,evidentementeafetamosinstrumentosdemedida-pordefinição,sequisermos-eissosignificaqueelestêmumacertaexistênciaporsipróprios.Apassagemdarepresentaçãoaoobjeto,porconseguinte,constituiumatointencional,nãomenosenigmático,certamente,queohumildeatodapercepçãosensitiva,consideradaemdetalhesnocapítulopassado.Nãosurpreende,pois,queessepassocrucial,componentedomodusoperandidafísica,nãotenhasidobemcompreendido.Queoatointencionaldofísicoprofissional,muitolongedeseracessívelàhumanidadecomoumtodo,pressuponha,evidentemente,umaprendizadoespecífico-paranãomencionarqualidadesintelectuaispeculiares,asquaistalveznemtodospossuamemdosemáxima-nadadissolevaaumafácilcompreensãodoproblemaepistemoló-gico.Mas,de
modocapital,ocorrequeaspremissasfilosóficasqueestamospredispostosaaceitarhojeemdianãopermitem,defato,nenhumconhecimentodosobjetosfísicos-nãomaisdoquepermitemapercepçãodeentidadescorpó-reas.Aopassoquetodofísicodereputaçãoaprendeuaefetuaroatointencionaldoqualestamosfalandoeque,defato,oefetuerepetidamentenoexercíciodesuasatribuiçõesprofissionais,eleaindapodeestar,poroutrolado,quafilósofo,comprometidocomumaescoladepensamentoquenegaapossibilidademesmadesteatocognitivo.Asituaçãolembra,emtudo,adobifurcacionistaquenega-denovo,emseusmomentosdefilósofo-apossibilidadedapercepçãosensitiva,oatocotidianopeloquallançamosoolharaomundoe
percebemos,nãomerosdadosdesentidoourepresentaçõesmentais,masumaconstelaçãodecoisasexistentes.Játecemoscomentáriossuficientes,nocapítulo1,arespeitodesteestranhofenômeno,oqualencontramosumavezmaisnocontextodoconhecimentocientífico.Aquestão,emqualquerdoscasos,équeumacoisaésaberebemoutraésaberocomosesabe.
Omodelopeloqualumobjetofísicoéconhecidodeve,éclaro,sercompatívelcomosfatosmensuráveis,ouseja,temqueserpossívelextrair-sedeleconsequênciasempiricamenteverificáveis.Arepresentaçãopossui,pois,certafacetaoperacional,umconteúdoempírico,semoqualnãopossuiríaconexãocomoempreendimentocientífico.Precisamos,contudo,compreenderclaramentequeelepossui,alémdisso,umconteúdointencional,oquesignificadizerqueelefuncionacomoumsignoousímbolo,cujoreferenteéopróprioobjetofísico.Osdoistiposdeconteúdoousignificado-intencionaleoperacional—estão,ademais,intimamenteligados,pois,comefeito,umobjetofísicopodesermodeladoourepresentadoprecisamenteemvirtudedaformacomoeleseprestaaobservaçõesempíricas.Entretanto,muitoemborapossamosconheceroobjetopelomodocomoafetanossosinstrumentos,nósoconcebemoscomoacausaexternaoutranscendentedaquelesefeitosobserváveisenãosimplesmentecomoosomatóriodessesefeitos.Umcampoeletromagnético,porexemplo,éindubitavelmentemaisdoqueoconjuntodasleiturasdosinstrumentos,eumprótonémaisqueumarranjodetraçosnumacâmaradebolhas.Contrariamenteaoqueospositivistasnosqueremfazercrer,oobjetofísiconãopode,deformaalguma,serreduzidoaseusefeitosobserváveis.Oobjeto,porconseguinte,nãoéamanifestação,mas,antes,oente,amanifestar-seelepróprio.Asleiturasdenossosinstrumentoseastrajetóriasemcâmarasdecondensaçãoapontam,pois,paraalémdelasmesmaseestaéexatamentearazão,naverdade,dessasleiturasevisualizaçõesseremdeinteresseparaofísico.Seuinteresseprimordialnão
estáemjogospositivistas,masnumarealidadeocultaquesemanifesta,aomenosparcialmente,emtodotipodeefeitosmensuráveis.Ouniversofísico,nãomenosqueocorpóreoó,pois,decertamaneira,transcendente-aindaque,comotenhorepetido,eleexista‘paranós’.
*
Falandodemodoestrito,ninguémnuncapercebeuumobjetofísicoenemjamaisofará.Osentesquerespondemaomodusoperandidafísicasão,porsuapróprianatureza,invisíveis;intangíveis,inaudíveis,assimcomodestituídosdesaboredearoma.Essesobjetosimperceptíveissãoconcebidospormeiodemodelosmatemáticoseobservadospormeiodeinstrumentosapropriados.Existem,nãoobstante,entesfísicosqueseapresentam,porassimdizer,sobaformadeobjetoscorpóreos.Ou,invertendoafórmula:qualquerobjeto
corpóreoXpodesersubmetidoatodotipodemedidas,estabelecendoassimumobjetofísicoassociadoSX.SendoXumaboladebilhar,porexemplo,podemosmedirsuamassa,seuraioeoutrosparâmetrosfísicosepodemosrepresentaroobjetofísicoassociadoSXdeváriasmaneiras:porexemplo,comoumaesferarígidadedensidadeconstante.Opontochave,dequalquermodo,équeXeSXnãosãoamesmacoisa.Osdoissãodefatotãodiferentesquantoanoiteeodia,poissucedequeXéperceptível,aopassoqueSXnão.
Ora,aprimeiradessasassertivaséóbviaenãoadmite•controvérsia.Todossabemserperceptívelumacoisacomoumaboladebilhar-melhordizendo,todossabemdissomuitobemdesdequenãosetratedeümbifurcacionista.Mas,oquedizerarespeitodeSX:porqueelenãoéperceptível?Existemaquelesqueargumentarãoqueumaesferarígidaémuitobempassíveldeserpercebida.Noentanto,aopassoque,paraserexato,issonãoéverdadeiro,2estaafirmaçãoestánaverdadeforadequestão,eissoporqueoquesenosdefrontanãoésecoisastaiscomoesferasrígidaspodemserpercebidas,masseSXopode,eessaéumaquestãobemdiferente.Pois,emquepeseoobjetofísicoassociadoSXdopresenteexemplopoderdefatoserrepresentadocomoumaesferarígida(dentrodecertoslimites),elepodeaindaserrepresentadodemuitasoutrasformas,como,porexemplo,umaesferaelástica-ummodeloaoqual,naverdade,sepodeatribuirumamaiorprecisãoqueaoanterior.
Maisimportante,contudo,équehojesesabeosobjetosfísicosseremcompostosdeátomos(demaneiramaisgeral,departículassubatômicas),equequaisquer
representaçõescontínuasou“clássicas”ensejamnadamaisqueumavisãocruaeparcialdoenteemexame.Porém,nahipótesedeSXsetratardefatodeumarranjodeátomosoudepartículassubatômicas,poderiamosagoraconsiderarSXumenteperceptível?Obviamentenão,poisópatentequeaquiloquepercebemosnãoéumacoleçãodeátomos,departículassubatômicasouondasdeSchródinger,masumaboladebilharsimplesmente.Poder-se-iaargumentar,semdúvida,queoarranjodeátomosoupartículasdesseorigemdealgumamaneiraaoobjetopercebido(ouperceptível),masessaéumaquestãodeverasdiferente.Oquenosocupanomomentoóaidentidadedaqueleobjetoqueéperceptívelenãoaconjecturasobresuacausa.Eestaidentidadeestáforadediscussão:oquepercebemos,éprecisoqueserepita,éaboladebilharvermelhaouverde.Ninguém,parafrisar,jamaispercebeuumarranjodepartículassubatômicasouumacoleçãodeátomos.
Chegamosassimaoreconhecimentodeumpontobásicoquetemsemantidoocultoporcontadoviésinduzidopeladoutrinadabifurcação:descobrimosquetodoobjetocorpó-reoXdelimitaumobjetofísicoSXaeleassociado.Referir-nos-emosaXdaquiparafrentecomoapresentificaçãodeSX.Nemtodoobjetofísico,claro,possuiumapresentificação,efaremosumadistinçãoentreduasclassesdeentidadesfísicas:entreaquelasqueadmitemeaquelasquenãoadmitemserpresentificadas.Poderiamosdizer:entreentidadessub-corpóreaseentidadestrans-corpóreas.Masmeapressoadizerqueestadicotomiatemavercomsuarelaçãofrenteaodomíniocorpóreoenãocomoobjetofísicoen-'quantotal.Kmoutraspalavras,ofísicoqueinvestigaaestruturaouaspropriedadesfísicasdosobjetosemquestãonãoencontraránenhumtraçodestadicotomia.Amedidaqueátomossecongregamemmoléculas,equeestassejuntamparaformaragregadosmacroscópicos,nãoexistenenhumalinhademarcatóriamágicaassinalandooiníciododomíniosubcorpóreo.Pois,defato,ésomentecomrelaçãoaoplanocorpóreoqueestanoçãoestádefinida,e,porconseguinte,setivéssemosolhossomenteparaoplanofísico(epudéssemosenxergarapenasátomoseseussemelhantes)nãohaveriamaneirapelaqualpudéssemosdistinguirosagregadossubcorpóreosdostranscorpórios.
Essadistinçãoé,nãoobstante,vitalparaaeconomiadafísica,poisficaclaro,peloqueseriisseacima,queosinstrumentosdemedidatêmquesercorpóreos,oprocessodemensuraçãodevendotersuaconclusão,afináldecontas,numestadoperceptíveldeumobjetocorpóreo.Mas,àluzdasúltimasconsiderações,issosignificaqueoinstrumentofísicoéforçosamentesubcorpóreo;paraserexato,
eledeveseroSIdeuminstrumentocorpóreoI.
*
Deve-senotarque,alémdoprocessodemedição,afísicatemnecessidadedeumtipodeprocedimentoempíricocujotérminosejanãoovalornuméricodeumavariávelfísica,masumarepresentaçãovisualdealgumtipo.Osexemplossãomuitosevãodesdeasváriasformasdetelescópiosatémicroscópioseletrônicosecâmarasdecondensação.Ora,emtodosessescasos,oobjetoouprocessofísicoédealgumamaneiraconvertidonumaimagem—umafotografiatalvez-aduzindoinformaçõesarespeitodoobjetoouprocessoemfoco.Essainformaçãoé,umavezmais,quantitativa,masnãoespecificamentenumérica.Vemo-nosconsequentementeobrigadosadistinguirentremediçõesnosentidoestrito,asquaisterminamnumvalornuméricoounaleituradeum“ponteiro”;eumsegundomododeobservaçãocientífica,àqual,porfaltadetermomelhor,denominaremosobservação‘visual’ou‘gráfica’.Osdoismodospodem,semdúvida,sercombinados,comoocorrequandoumafotografia,queéotérminodeumaobservaçãovisual,éusadaparaefetuar-seoutramedida.Masasimbiosepodeocorrernadireçãoinversa,comonocasodegráficosqueincorporamosresultadosdeumconjuntodemedições.Adespeitodaíntimainterconexãoentreambososmodoseusustentoquenenhumdelespodeserreduzidoaooutrosemquesecometaumabuso,oquesignificadizerqueafísicanecessitadeambas.3
Avistadofatodeosobjetosfísicosnãoseremperceptíveis,imediatamentesurgeapergunta:emquesentidosepodefalardeuma‘representaçãovisual’dealgoqueemprincípionãopodeserpercebido?Égrandeatentaçãodeimaginarqueaimagemexibidanumatelacarregueumasemelhançacomoobjeto,àmaneiracomoumafotografianormaltransmiteumaaparênciadoobjetocorpóreorepresentadoporela.Porém,comosepodefalaremsemelhançasenuncaseviuooriginalese,defato,ooriginalnemmesmopodeservisto?Porexemplo,parapodermosafirmarseumretratotemounãosemelhançacomoretratado,precisamosolharparaosujeito;mas,seosujeitonãopode,desaída,servisto,entãoelenãopossui“aparência”demaneiraalgumaenãofazmaissentidofalar-seemsemelhança.
Etaléocasoquandosefaladeumavisualizaçãográfica.Vimosqueasemelhança,nosentidousual,estáforadequestão.Mas,sefalhaasemelhançaordinária,aindadeveexistirumasimilitudedealgumtipo,naausênciadaqualnãofariasentidofalarnumaimagemgráfica.
Consequentemente,háumanoçãodesemelhançaaplicávelàobservaçãográficaenãodeveparecersurpresaqueasimilaridadeemquestãosejaadeumaformamatemática,deestruturaabstrata.Ofatodeformasmatemáticaspoderemocasionalmenteserrepresentadasdemaneiravisualécertamentefamiliaraqualquerestudantedematemática;qualquerumquetenhatomadoaulasdecálculooudegeometriaanalíticarecordarádaformaparabólicadográficodafunçãodadapelaequaçãoy=x2.Podemostambémfacilmentecompreenderqueafunçãocomotaléimperceptívelequeográficonãoilustraumasemelhançadotipousual.Aomesmotempo,contudo,supõe-sequedealgumaformaográficodescrevaafunção;afinal,pode-sever,apartirdográfico,queafunçãoassumeummínimoemx-0,queaderivadaseanulanesteponto,queovalorabsolutodaderivadaaumentaàmedidaqueaumentaovalorabsolutodex,etc.Alémdisso,podemosemprincípiorecuperarafunçãoapartirdeseugráfico;melhordizendo,senãolevarmosemcontaqueasordenadaseabscissasnãopodemnapráticaserdeterminadascomprecisãoarbitrária,somoscapazesdeobter,apartirdográfico,ovalorf(x)de/paratodox.
Nocasodeumaimagemexibidanummonitordelaboratório,éclaroqueoobjetonãoéumentedeordemmatemáticamasdeordemfísica;mesmoassim,esseentefísicopossuiumaformamatemáticaeéprecisamenteestaformaqueestásendomostrada.Logo,ocasodomonitoréanálogoàqueledográfico,pois,nemprecisamosmencionarque,seoentepossuísseaindaoutraspropriedadesquenãofossemmatemáticas,estasnãoseriamexibidasnomonitor.Emoutraspalavras,oquenossa,digamos,fotografia,podeteremcomumcomumaestrelaemissoradeondasderádiooucomumagregadodepartículasinteragentes-ou,aessepropósito,comnossavelhaesferarígida-nãopodeseroutracoisaqueaformamatemática.
Pode-seexemplificardemilmaneirasesteponto.Considere,porexemplo,umachapaderaios-Xtiradadeumobjetosólidoqualquer.Seusarmosco-ordenadascartesia-nasparadescreveraregião[tridimensional]esesupusermosqueosraios-Xviajemparalelosaoeixo-zequeachapafotográficarepousasobreoplano-xy,entãoadensidadeópticaf(x,y)daemulsão(apóstratamento)definirá/umacertafunçãofOra,éprecisamenteestafynçãofoqueàfotografiacompartilhacomocorpoemexame,pois,comefeito,sesoubermosa‘densidadeóptica’8(x,y,z)própriadoobjeto,aintegraçãocomrespeitoazforneceráuma‘densidadeópticaefetiva’S*(x,y),e,conhecendo8*,podemoscalcularf.Autilidadedosraios-X,poroutrolado,vemdofatodequeestecálculopoderserinvertido:sabendofpodemosobter8*.Opropósitodeuma
imagemderaios-X,pode-sedizer,éexibirafunção8*.E8*quemdivisamosaoexaminarumachapaderaios-X:vemosonde8*éaltaoubaixapelosrelativosclaroseescurosdaregiãoepodèmosjulgaradeclividadedesuavariaçãoemváriasdireções.4Pode-se,comefeito,considerarachapacomoum“gráfico”deumafunçãodeduasvariáveis,naqualosvaloresdafunçãosãorepresentadosporuma“densidadedemanchas”ousombras.
Existem,éóbvio,muitosoutrostiposdetelasoumostradoresedeve-senotarquenãohánenhumarazãoparticularparaqueasco-ordenadasxeydomostradordevaminvariavelmenterepresentardimensõesespaciais.Oexemplofamiliardoosciloscópioéparadigmático.NoseumodomaissimplesdeoperaçãoháapenasumvalordeentradaV(t),ondeFéavoltagemetotempo.OmonitorexibiráentãoográficodafunçãoV,noqualaordenadarepresentaavoltagem(eassim,também,oquequerqueestarepresenteporsuavez)eaabscissarepresentaotempo.Pode-sedestemodo“enxergar”umpulsoelétrico,umaondasonora,umaoscilaçãodetemperaturaouoquequerqueestejasendorepresentadopelafunçãodeentradaV(t).Pode-setambémusaroosciloscópiocomduasfunçõesdeentrada—digamosV(t)eW(t)efazercomqueomonitorexibaarelaçãoentreVeWapartirdeumacurvanoplano-PVFEmqualquerdessescasos,nãoobstante,oqueestásendoexibidoéouumafunçãoouumarelaçãodeumtipomaisgeral,osistemafísicocomotalpermanecendo,porsuavez,foradoalcancedavista.
Deve-senotarqueambososmodosdeobservaçãocientífica—mediçãonuméricaevisualizaçãoemtelaouvisualizaçãográfica-dependemdacorrespondênciaentreumobjetocorpóreoXeoobjetofísicoSXaeleassociado;dependem,emoutraspalavras,deumatodepresentificação(XsendoapresentificaçãodeSX).Emgeral,apassagemdesdeodomíniofísicoparaocorpóreo,aqualconsumaoprocessodeobservação,seráefetuadaatravésdeumatransiçãodeSXparaXeassimsucedeporque,naverdade,nãoconhecemosnenhumaoutraligaçãoounexoentreosníveisdeexistênciafísicoecorpóreo.Maisqueisso,éevidentequeoexperimen-tadorprofissional,porabsolutanecessidade,vale-seconstantementedessaconexão.Eleassimprocedequandotrata,porexemplo,umobjetocorpóreocomoumsistemafísicoouquandoempregaentescorpóreospara“preparar”,umsistemafísicodetipotranscorpóriofedeigualmaneiraofaztambém,comtodacerteza,quandoefetuaumamedidasobreumsistemafísicoouquandoexibeestenummonitor.
Acontecequeessenexocrucialnuncaéreconhecido.Porconseguinte,em
primeirolugar,elenuncaaparecenosprojetosdofísicoprofissionalpelosimplesmotivodessesprojetosreferirem-seexclusivamenteaodomíniofísicoeissoacabaacarretandoaexclusãodaquelenexo.Tampoucoháocasiãoparaquejseomostrenanossahabitualvisãodemundocientificistja,jáqueessaWeltanschauungcarteíáana
l
(ou“clássica”)baseia-se,comosesabe,nopostuladodabifurcação.Estanega,comosabemos,aexistênciadomundocorpóreo,negandotambém,assim,aexistênciadeumnexo.Nãoobstante,reconhecidoounão,onexodapresentificaçãoestáláe,naverdade,édeusoconstantenaciência.Acircunstânciadequenãoentendamosessenexo-sejapordeficiêncianoentendimentodafísicaounodafilosofia-carecedequalquerimportância.Afinal,nãosefaztambémplenousodapercepçãosensitiva,aqualacabasendonãomenosincompreensível?
Todaadiscussãodesembocanoseguinte:nãopodehaverconhecimentododomíniofísicosemumapresentificação,damesmamaneiraquenãopodehaverconhecimentodomundocorpóreonaausênciadapercepçãopelossentidos.Nãohámaneira,sabemosdisso,deconvencerumcéticoobstinadodequeouniversoexiste,paracomeçare,muitomenos,queelepodeserconhecido,sendosempremaisfácilrecairnumreducionismopositivista.Todavia,ésuficientedizerquenãosepodeevitaraidéiadapresentificação,excetosoboriscodeseperderouniversofísico.
Surge,pois,apergunta:oquepodemosaprendersobreoobjetofísicoapartirdesuapresentificação?EmboraXsejaomaisdiferentepossíveldeSX-pensenumaboladebilharvermelhae,poroutrolado,numanuvemdeátomos-deve,contudo,haverumacerta“parecença”entreosdois,àfaltadaqualXnãonospoderíadizernadaarespeitodeSX;qualé,então,essa“parecença”ouconexão?Ora,oprimeiroasenotaraesserespeitoéqueXeSXocupamexatamenteamesmaregiãodoespaço-porestranhoquepareça.5Naverdade,nãofariasentidoalgumfazermosdistinçãoentreumespaço,porassimdizer,corpóreoeoutrofísico,arazãosendoqueoespaçofísiconãoterianenhumsignificadoamenosqueopudéssemosrelacionarcomocorpóreo,oque,contudo,podeserfeitosomentepormeiodapresentificação.Masissoseriaequivalenteaumaidentificaçãodosdoisespaçose,portanto,aumacoincidênciaespacialdeXeSX.
Masessacoincidênciaespacialimplicaqueasnoçõesdedistânciaeângulo-definidasemtermosdeoperaçõescomtrenasdemedir(corpóreas)-sãoestendidasparaodomíniosubcorpóreo.Todadecomposição,porconseguinte,deumobjetocorpóreoempartescorpóreas,correspondeaumadecomposiçãoequivalenteougeometricamenteisomórficadeSX.6Emsuma,háuma‘continuidadegeométrica’entreXeSX.Eéemvirtudeprecisamentedestacontinuidadegeométricaqueosobjetosfísicospodemserobservados.Graçasaessacontinuidade,somoscapazesdeaveriguaroestadodeuminstrumentofísicoapartirdaposiçãodeumponteironumabalança(umponteiroqueécorpóreo,desnecessáriodizer,numabalançatambémcorpórea).Ou,paracolocaremtermosmaisgerais:oestadodeuminstrumentofísico,dadoporsuageometriainterna-ou,maisexatamente,pelasposiçõesrelativasdesuaspartessub-corpóreas-étransmitidoparaoplanocorpóreoviapresentificação.Cadamediçãonuméricaecadaformaconcebíveldevisualizaçãodependemdestefato.
Umcomentárioadicional:porcausadacontinuidadegeométrica,apresentificaçãoconstituiummododevisualização.Elaconstitui,naverdade,omodofundamentaldeobservação,poisquetodososoutrossãodependentesdeumavisualizaçãoqueaspresentifique,comoapontadoacima.
*
Sejanocasodeumamediçãonumérica,sejanodeumavisualizaçãográficaemtela,observamoscientificamenteumobjetofísicoaoobrigarqueeleinterajacomuminstrumentosubcorpóreo,oefeitoouresultadodessainteraçãosendoentãotransmitidoaonívelcorpóreopormeiodeumapresentificação.Nãosedevepensar,contudo,queparaobservaroobjetoemquestão,deva-sesimplesmentemontaroequipamentoadequado,esperarqueadesejadainteraçãoocorraetomarnotadoresultado,pois,deveras,oresultadopodenãosernadamaisquealeituradeumponteiro,aimpressãodenúmerosnumpapelouaexibiçãodealgumtipodegráfico.Istoé,oqueoinstrumentofornecesãodados,masnãoédistoqueofísicoestáatrás.Osdadossãoummeio,semdúvida,masnãooobjetivodoprocessodeobservação.Oqueofísicobusca,obviamente,éoobjetofísico,umcertoconhecimentoouapreensãointelectualdoobjeto.Eissonenhuminstrumentodelaboratório-nenhummodusoperandiempírico-podefornecer.
Aobservação,poressarazão,nãoéefetuadapormeiosempíricosapenas.Não
podehavernenhumaobservaçãolegítimasemqueoaspectoteoréticodaoperaçãoentreemjogo.Poder-se-iacolocardestamaneira:observar,nosentidoqueumfísicodáaotermo,épassardoperceptívelaoimperceptívelesomenteateoriapodefazeraponte.Comojádissemos,teoriaeexperimentotrabalhamladoalado.Ambossecombinamparaconstituirumúnicoatocognitivo,umúnico‘mododeconhecer’.
Emsentidoestrito,nãoe^dstealgoquesepossachamar‘fatoempírico’,seentendermosaexpressãocomoexcluindooaspectoteoréticocorrespondente.Todavia,acircunstânciadequenenhumacoisanodomíniofísicopossasermedidaoumostradagraficamentesemoauxíliodepremissasteóricas,serve,naverdade,nãoparacolocaremdúvidaavalidadedosresultadosempíricos,masparatornaraprópriateoriamaisseguraedefatomais‘manifesta’doqueomodocomoelaécomumenteencarada.Anoçãocomumdequeasafirmaçõesteóricassãomeras“hipóteses”atéquetenhamsidoverificadasporumexperimentoé,portanto,exageradaealgoenganosa,poisofatoéqueossupostos“fatosbrutosdaobservação”podem,emprincípio,nãotrazermaissegurançadoqueaschamadashipótesessobreasquaiselesseapoiam.
Aquelesquesereferema“merashipóteses”parecemnãoapreciarofatodequeointelectotemumpapelcentralnoprocedimentocientífico.Nãoapenasarazão,acapacidadedepensamentológico,masointelecto,tomadonosentidoantigoetradicionaldeumafaculdadedevisãonãomediada,cujosobjetossãoas‘formasinteligíveis’.Temostodoodireitodesupor,ademais,queosgrandesfísicosnãoapenassãobemdotadosaesserespeito,massabemmuitobemcomousarestanobrefaculdadenocursodesuasinvestigações.Tantoque,nosmelhorescasos,aspremissasdeclaradaspelospioneiroschegamatéapossuirumaespéciedevalidadeapriori,aqualnossavãsabedoriajulgaserimpossívelalcançar.
Recorde-seumincidentenavidadeAlbertEinsteinquevembemaocaso.Oanoera1919eoRealAstrônomodaInglaterraacabavadeanunciar,numareuniãolotadadaRoyalSociety,queaschapasfotográficasexpostasnofamosoeclipseconfirmavamoencurvamentoprevistodaluz.Despachou-seumtelegramaparaBerlimealguémirrompeupeloescritóriodeEinsteinparadarasnovas,masograndecientistapareceuinabalável.‘Oquevocêteriapensadosesuateoriativessesidodesmentida?’,perguntouajovem;‘Bem,aíeuficariadesapontadocomoVelholáemcima’,foiaresposta.
Agrandeverdadeéqueouniversofísiconãoé,afinal,absolutamente
contingente.Contrariamenteaoquevêmpregandoosnominalistasháséculos,éo‘universalnopar-?ticular’queconfereaesteúltimoamedidadeseusereque,paracompletar,coincidecomseu‘aspectointeligível’.Issoimplicaemafísicalidarcomosparticularesnamedidaemqueestesexibemumaleiouprincípiouniversalenãocomosexistentesparticularesenquantotais.Oquequerqueseja'deixadodeladopermanecenecessariamentedesconhecido.Assim,oqueafísicabuscaeécapazdecompreender,àsuaprópriamaneira,éonecessárionocontingente,ouoeternonoefêmero,comotambémsepodedizer.
Começa-secomocontingentenaformadedadosempíricos.Oconjuntodedados,todavia,sóteminteressenamedidaemqueespelhaouincorporaumprincípiouniversal:éissooqueomodeloourepresentaçãobuscamcapturar.Muitoemboraoprincípioseja,decertaforma,exemplificadopelosdados,nãoporissoeleaparecerádesnudado,evidenciado,nemtampoucoseráimpostoanós.Arepresentaçãoconstituiassim‘umalivrecriaçãodoespíritohumano’,7paracolocarnaspalavrasdeEinstein-oquenãosignificaquesejameramentesubjetivaouarbitrárianotodo.Pois,defato,oquearepresentaçãbdescreve,àsuamaneira,éumprincípioobjetivoexemplificadonosdados,comodissemos-omesmíssimoprincípioqueéexemplificadoacimadetudonoobjetofísicomesmo.Umúnicoprincípio,porconseguinte,sevêrefletidoemtrêsdiferentesníveis:noobjetofísico,noconjuntodedadosenomodeloourepresentação;eéporessarazãoqueoobjetofísicoécognoscível.Demaneiraabreviada:conhecemosoobjetopormeiodoprincípioeoprincípiopormeiodarepresentação,aqual,porsuavez,éalcançadapormeiodoconjuntodedados.
Deve-se,apesardisso,compreenderqueapassagemdesdeoconjuntodedadosparaarepresentaçãonãoéefetuadapelarazãosomente.Nãosechegaàs‘livrescriações’deEinsteinsimplesmentepelalógicaouporseguirumconjuntoderegras,nãosendo,pois,essapassagem,umatarefaquepudesseserrealizadaporumcomputador.Paraserexato,aapreensãomesmadomodeloourepresentaçãoexigeumacertavisãointelectivaeenvolve,portanto,ointelectonosentidopleno.Alémdisso,oatointelectivopeloqual“percebemos”arepresentaçãoproporciona,aomesmotempo,umacertaapreensãodopróprioprincípio.Numcertosentido,portanto,ofísico“vê”osobjetosfísicoscomosquaislida:eleos“enxerga”pormeiodesuasrepresentaçõese,destaforma,pormeiodeseusprincípiosou‘aspectosinteligíveis’.
Maséexatamenteissooquedeixaramescaparaquelesquesereferempejorativamenteàs“merashipóteses”,pois,ondequerquesepossafalarde
“enxergar”,háapossibilidadede“enxergarcerto”e,igualmente,possibilidadedecerteza.Numcertosentido,‘verécrer’,afinaldecontas.EnãoéporessemotivoqueEinsteinpermaneceuinabalável?Nãoteriaelejáenxergadooprincípio?Euconsideroqueessesejaocaso,oquetantoexplicacomojustificaarespostalacônicadeEinstein(‘Bem,aíeuficariadesapontadocomoVelholáemcima’).
Poder-se-ialevantaraobjeçãoque,vistoqueasteoriasfísicassãoforçosamenteaproximações,nãoseaspodemsuporcomoproporcionandonenhumconhecimentoverdadeirodosobjetosfísicosenempodemossuporqueaelascheguemospormeiodeumatointelectivoquaseinfalível.Mas,porquenão?Deve-selembrar,paracomeçar,queouniversofísicosenosapresentaemdiversosníveis,deacordocomanaturezaecomaprecisãodosinstrumentosusadosparaobservá-lo.Nãoháincongruênciaemsupormosquecadanívelexibasuasleisou‘formasmatemáticas’próprias,contanto,éclaro,queasleisassociadasaumnívelnãocontradigamaquelasassociadasaoutro.Emparticular,seocorrerdeumnívelAsermaisfundamentalou“preciso”queumnívelB,então,asleisconhecidaspertinentesaBdevemseguir-sedaquelaspertinentesaA,comoparecedefatosempreacontecer.Porexemplo,amecânicaNewtonianapodeserderivadadarelativistaaorestringirmo-nosavelocidadespequenasemcomparaçãocomadaluz;ouatermodinâmicadosgasespodeserobtidaàlaBoltzmannapartirdamecânicaclássicadepartículas,aqual,porsuavez,podeserconsideradacomoumcasolimitedamecânicaquântica,etc.Semdúvidaque,dopontodevistadonívelA,asleispertinentesaonívelBsãoaproximadas,masissonãoimplica,nomaismínimoqueseja,queasformasmatemáticasemquestãosejam‘meramentesubjetivas’-nãomenosdoqueonãoserumarodaumcírculoperfeitoimplicariaemquesuaformacircular(ousuacircularidade)fosseporissofictícia.Dizer,emoutraspalavras,queasformasmatemáticasnãosejamtornadasexistentesnodomíniofísicocom“absolutafidelidade”,nãoéomesmoquedizerqueelasnãoosejamdemaneiraalguma.Emsuma,ofatoéquecadateoriarelevanteéaplicáveldentrodeseuprópriodomínioequeseuscriadores‘viramcerto’afinal.Ondeelespodemtererrado,poroutrolado,éaosuporqueasleisemquestãotivessemaplicaçãoirrestrita.Newton,porexemplo,nãoanteviuEinsteineeste,comosabemos,experimentougrandedificuldadeemadmitirateoriaquântica.Cadafísicorealmenteoriginaltalveztenhaatendênciadeestendersuavisãoparaalémdeseuslimiteslegítimos.
Seouniversofísiconãocorporificasseourefletissedealgumamaneiraas
formasmatemáticas,eleseriasimplesmenteininteligíveleafísicanemmesmoexistiría.Porcontadisso,conclui-sequeeledefatocorporificaourefleteformasmatemáticaseque,naverdade,eleéconstituídoexatamenteporessasmesmasformas,pelasua‘estruturamatemática’.
Afísicalida,afinaldecontas,comestruturasmatemáticasexistenciadas.Deve-se,entretanto,admitirquetantoleigosquantoespecialistastendeminvariavelmenteavestiressasentidadesmatemáticascomformasimaginativasmaisoumenosconcretas,derivadas,semdúvida,daexperiênciasensorial.Melhordizendo,naverdadenósprecisamosvestiressasentidadesintangíveiscomimagenssensoriaisdeumtipooudeoutro,sequisermostrazê-lasparaodomíniodenossasfaculdadesmentais.Nocasodomatemáticoprofissionaloudofísicoinstruído,alémdisso,esseprocedimentoéperfeitamentejustificadoedesempenhaseguramenteumpapelvitalnacompreensãodeestruturaserelaçõesdetipomatemático.Nasmãosdoespecialista,aformaconcretaviraumsímboloumatratorparaaintelecção.Umteóricotalentososabemuitobemcomoextrair,apartirdoconcreto,umaformaabstrataqueostentaumaanalogiacomaestruturamatemáticaqueeletentacompreender.Eleaprendeuaapoderar-sedoqueéessencialeadescartaroresto.Estaé,naverdade,a‘arteoculta’queprecisaserdominada.Dedicando-seaumaprendizadomaisoumenosextenso,oteóricotorna-se,aofinal,proficientenousomentaldoquesepoderiamchamar‘recursosvisuais’,osquaispodemvariardesdesimplesimagensdeentidadesmateriaisatécoisastaiscomográficosediagramas,semesquecerqueatémesmoumafórmulamatemáticacarreganecessariamenteumaspectovisualesintáticoquêtambémtemsuaimportância.8Podemos,portanto,dizerdafísicaedamatemática,nãomenosquedequalqueroutraempresahumana,que‘pororavemoscomoporumespelho,demaneiraobscura’;falandodemaneirageral,asformassensíveisservemcomoespelhos.
Ousodeimagensousuportessensíveis,nãoobstante,podefacilmentetornar-seilegítimoetransformar-senumaespéciedeidolatriaintelectual.Tudodependedomodocomoentendemosadiferençaentreumarepresentaçãovisual-denominadapelosescolásticosde‘fantasma’-eoobjetofísicooumatemáticoqueelasupostamenterepresenta.Noinstanteemqueimagemeobjetosãoconfundidos,segue-seoerro;quandoos“fantasmatas”sãoerroneamentetomadoscomoarealidade,começaafantasia.Mas,paradizeraverdade,essalinhaétãofacilmentecruzadaqueseriamaisrealistafalarmos,nãodeconhecimentopuroversuscompletafantasia,masdegradações.Adistinçãológica,porém,entreumemprego‘simbolista’ouumemprego‘concreto’
dos“fantasmata”retémvalidadeplenaerazãodeser,emquepeseafraquezahumana.
Existem,porém,gradaçõesdecompreensãoenemmesmoosfísicosestãolivresdessatendênciaconcretista.Tambémelesestãopropensos,devezemquando,a‘reificar’oobjetofísico(comodaquiparafrentenosreferiremos)pelorecurso,àsvezesmaisingênuo,àsvezesmenos,asuportesvisuais.Pode-se,inclusive,afirmarque,normalmente,elesreificamdespreocupadamenteseusobjetosfísicos,contantoqueos“fantasmata”emquestãonãoconflitemabertamentecomasexigênciaslógicasematemáticasdesuateoria-muitoemboraatémesmoamaisinocentedasreificaçõessejasempreilegítima.Emcontrastecomumusogenuinamentesimbolistadossuportesvisuais,aquelasprojetamarbitrariamentequalidadessensíveisnumterritórioemquenãotêmlugar.Decertamaneira,areificação‘dácorpo’aoqueéinerentementeincorpóreo,confundindoassimoplanofísicocomocorpóreo.
Nãosepodenegarqueousodareificaçãotenhasidofrequenteaolongodetodaaeranewtoniana.Havia,paracomeçar,umamecânicadoscorpos-rígidoseelásticos-deobjetossubcorpóreos,portanto-osquaiseramsemdúvidarotineiramentecoisificadospelaidentificaçãocomasentidadescorpóreascorrespondentes.Haviatambémagravitação,porcerto,aqualnãopodiaserconsideradadamesmaforma,masessacircunstânciaeraentendidacomoumaanomalia.OpróprioNewtontentouexplicar(emseuOptiks)aforçagravitacionalemtermosdogradientedepressãodeumhipotéticofluidointerplanetário,mastambémreconheceu,comadmirávelclareza,que,numsentidotécnicocomputacional,aquestãonãotlinhanenhumembasamentonafísica.Paracalcularomovimentodecorpossobaçãodaforçagravitacionalsóoqueimportaéaleimatemáticaque
descrevecomouma‘partículademassa’afetaoutra,eNewtontinhaboasrazõesparasuporquesuapróprialeidagravitaçãotinhadecididoaquestãodeumavezportodas.
Aânsiaporexplicaçõesmecanicistas,porém,nãoterminara.Eraaépocaemquehomensdeciênciaseespelhavamesperançosamentenamecânicacomoachaveparadesvelarpraticamentetodaclassedefenômenos;eestaWeltanschauungteve,comosabemos,suasvitórias.Ademaisdesuasdescobertascruciais-asleisdomovimentoedagravidadeeaconsequenteexplicaçãodasórbitasplanetárias—foiNewtonmesmoquemabriucaminhoparaumaacústicaquereduziaosom
aumfenômenodemecânicademeioscontínuosecomeçouaomenosaespecular-commuitarazão-quetemperaturaecalortinhamavercomuma‘agitaçãovibratóriadepartículas’.Nãoéseminteressequeumasegundateoriadocalormenosfictícia,mas,nemporisso,menosmecânicaqueadeNewton,fezsuaapariçãoaproximadamentenamesmaépocaefoiamplamenteaceitaporcercadeduzentosanos.Deacordocomesta,ocaloreratomadocomoumfluido‘sutil,invisíveleimponderável’,chamadocalórico,oqualsepensavapermearoscorposefluirdesderegiõesquentesparafrias,damesmamaneiraquefluidosordináriosfluemaolongodegradientesdepressão.SomentenametadedoséculoXIXaidéiadocalóricofoifinalmenteabandonadaemfavordateoriadeNewton,graçasaotrabalhodeJouleeHelmholtz.
Àparteosváriosramosdamecânica-incluindoa
aindaproblemáticateoriadocalor-afísicanewtoniana92
tambémabrangiaaóticacomoumramodeinvestigaçãoalgoindependente.Mesmoassim,ninguémduvidavadequeesseterritóriotambémacabariasendocompreendidoemtermosmecânicoseexistiam,naverdade,doisdessesmodelos:oondulatóriodeHuygenseocorpusculardeNewton,ambospretendendoexplicarofenômenodaluz.
HaviaaindaumaquímicarudimentaràqualNewtonsempredevotougrandesesforços.Oproblemaeraqueaindanãohaviaamenorpossibilidade,àépoca,deexplicarosfenômenosquímicosemtermosmatemáticosemuitomenósmecânicos,razãopelaqualNewtonnuncachegouapublicarumtratadoseparadosobreoassunto.Mas,comoeradeseesperar,Newtoneseusparesestavamfortementeinclinadosaumateoriamecânicadosátomos,aqualembrevevi-riaaserconsideradaemcírculoscadavezmaisamploscomoumdogmacientíficoindiscutível.ComocolocaVoltaire,comsuapresençadeespíritohabitual:
Oscorposmaisdurossãovistoscomocheiosdeburacoscomopeneirase,defato,issoéoquesão.
Osátomossãoprincípiosreconhecidos,indivisíveiseimutáveis,aosquaissedeveapermanênciadosdiferehteselementosedosdiferentestiposdeentes.9
Édignodenota,fi^almente,que,alémdamecânicaedaótica—edeum
atomismoimaginário—osnewtonianosestivessemfamiliarizadostambémcomfenômenosrudimentaresdaeletricidadeedomagnetismo.10Pordiversosmotivos,entretanto,poucoprogressosefeznessedomínioatéoséculoXIX,quandoosmeiosnecessáriostornaram-sedisponíveiseapesquisaprosperou,culminandonaesplêndidateoriadeFaradayeMaxwell.Comosurgimentodocampoeletromagnéticoaperspectivamecanicistacomeçoufinalmenteadeclinar.Oconceitodaestruturapura,daformamatemática,estavaporsuplantarasnoçõesmecanicis-tasdaépocanewtoniana,masessafoiumatransiçãogradual.OpróprioMaxwellconcebiaocampoeletromagnéticodemodomecanicistaemtermosdeuméter-maisumfluidosutil,invisíveleimponderável’,àmaneiradomalfadadocalórico-eessavisãofoiaceitaemtodaparteporalgumasdécadas.Emretrospecto,percebia-seumpoderosoviésemfavordeexplicaçõesmecanicistasnacomunidadecientífica,oquepareceuexigirtodaaforçaderefinadosexperimentosmaisogêniocorajosodeEinsteinparaquesesuperasseessapropensãocrônica.Atransiçãofoi,entretanto,finalmentealcançadaeestamosagoraresignadoscomocampoeletromagnéticoapontodeoconsiderarmosumaentidadefísicadedireitopróprio,comouma‘estrutura’aqualnãopodeserreduzidaacategoriasmecânicas.
Muitoemboratenhamosnoslivradodoéterenãomaissintamosnecessidadedemodelosmecanicistas,aindaprecisamosdesuportessensíveis.Ocampoeletromagnético,nãomenosquequalqueroutroobjetofísicodeve,porconseguinte,serconcebido,nãocertamente,emtermosmecanicistas,mas,aindaassim,pormeioderepresentaçõesapropriadasdetipovisual.Comobemsabetodoestudante,ocampoelétriconumpontoédadoporumvetor,umaentidadematemáticaquepossuiumtamanhoeumadireçãoequepodeserretratadoporumaseta—umasetapequena,preferivelmente-detalformaaserconvenientementelocalizadanopontoemquestão.Posiciona-seaextremidadeinicialdasetaexatamentenopontoP.Comumpoucodeesforçopodemosvisualizarumcampoplétrico,numdadoinstante,comoumadistribuiçãotridimensionaldesetassimilares,asquaismudamdetamanhoedireçãodeacordocomospreceitosdateoriamatemática.Omesmopodeserfeitoparaocampomagnéticoe,comoconsequência,paraocampoeletromagnético,oqualrequer,assim,adisposiçãodeduassetasemcadaponto,correspondentesàscomponenteselétricaemagnéticadocampo.Parafacilitaraindamaisnossacompreensãopodemos,inclusive,pensarnosvetoreselétricoscomosetasvermelhaseosmagnéticoscomoazuis,umartifícioquenospermiteproduzir-ímagensimpressionantesdeumaondaeletromagnética.11Obviamentenãoestou
sugerindoqueninguémpudesseseringênuoobastanteparalevaraopédaletraanoçãode“vetoresvermelhoseazuis”;meuobjetivo,antes,éduplo.Emprimeirolugar,deve-seadmitirque,aomenosnoplanomental,representaçõesgenéricasdestetiposãonecessáriaseatélegítimascomoumsuportesensívelparaoconceitodecampoeletromagnético.Mas,sendoesteocaso,torna-sepossível,emprincípio—edefatobastantesimples—quesereifiqueocampoeletromagnético.TudooqueseprecisaparaissoéqueseesqueçaqueumvetorelétricooumagnéticonopontoPnãoédefatoumaseta,masalgodenaturezatotalmenteoutra,aqual,naverdade,nempodeser‘visualizada’pormétodonenhum—exceto,éclaro,pormeiodeumartifíciocomoessedassetas.Emsuma,háumsaltoaserfeitoepodenãoserfácildiscernirdeforaseumapessoa‘estáolhandoparaodedoouparaaLua’.
Pode-seargumentar,desdeumpontodevistasuficientementepragmático,quetantofazeisso,emgeral,éverdade.Nessecaso,entretanto,ocorrequeacoisificaçãoaludidadocampoeletromagnéticoéinadmissívelmesmodeumpontodevistatécnico,devidoaofatoquetantoovetorelétricoquantoomagnéticonãosãoinvariantesdeLorentz.Emoutraspalavras,adecomposiçãodocampoeletromagnéticoemsuascomponenteselétricaemagnéticadependedaescolhadoreferencialqueseadote.Oúnicoqueéinvariantee,portanto,objetivamentereal,vemasernãoumpardevetoresnumespaçotridimensional,masoquesechamauma2-for-maexteriornumespaço-tempoquadri-dimensional.Mesmoassim,nossos‘vetoresvermelhoseazuis’aindapreservamsuavalidadeeseuusocomorepresentaçõesdocampoeletromagnético-contantoquesecompreendaqueessequadronãodevesertomadoaopédaletra-equemesmonumsentidoformal,eleseaplicaapenasaumaclasserestritadereferenciais.Quantoà2-formaexterior,essatambémencontra-seàprocuradesuportesvisuais;noentanto,nãoexistenenhuma“imagem”(nenhumarepresentaçãoconcretasimplesnoespaçoenotempousuais)comaqualesseobjetomatemáticopudesseseridentificado.Ditodeoutramaneira,ocampoeletromagnéticonãopodeserreificadonummodoquesejainvariantedeLorentz.
Omesmoseaplica,naverdade,aoutrasestruturasinvariantesdeLorentze,comoconsequência,paraafísicarelativistacomoumtodo.Esseé,semdúvida,omotivofundamentalpeloqualarelatividadenosestarrecedemaneiratãoformidável:elaé‘difícil’emvirtudedofatodenãopoderserreificadaimpunemente.Quandosefaladomundomicroscópico,omesmojáocorre,mesmoqueselevanteaexigênciadainvariânciadeLorentz,namedidaemque
odualismoonda-partículaevidentementeproíbeareificaçãodaschamadaspartículas,pois,defato,essesobjetosnãopodemservisualizadosconsistentementecomopartículas,jáquenocontextodealgunsexperimentoselessecomportamcomoondas;e,pelomesmomotivo,tampoucopodemservistoscomoondas.Consequentemente,essesobjetosnãopodemservisualizadosdeformanenhumaeéexatamenteissooquenosdesconcerta.
Oquesepassounonossoséculo12équeafísicafoicompelida,emseupróprioterritório,arejeitarinterpretaçõesingênuaseamanterumaposturarigorosamentesim-bolistaarespeitoderepresentaçõesconcretas.Melhordito,elaseviuforçadaamantertalposturanodomíniodasaltasvelocidadese,acimadetudo,nomundomicroscópico.Quandosetratadodomíniomacroscópicousual,aocontrário,atendênciaàreificaçãoaindasemanifesta,mesmoemautoresqueexaminamminuciosamenteoassuntoda‘estranhezaquântica’,comose102'1átomospudessemsermaisfacilmentevisualizadosdoqueapenasum!Aindaestáparaserreconhecidoqueháumadiferençaontológicaentreosdomíniosfísicoecorpóreo,equeofossonãopodesertampadopormeiodomeroacúmulodoquesechamampartículas.
CapítuloIII
1
Usareiaexpressão‘sistemafísico’paradenotarumobjetofísicoconcebidoemtermosdeumadadarepresentaçãoteórica.Diferentesrepresentaçõesdeummesmoobjetodãoorigem^portanto,adiferentessistemasfísicos.
2
Sobriscodechovernomolhado,poderiamosargumentardaseguinteforma:umaesferarígidadedensidadeconstanteestáinteiramentecaracterizadaporduasconstantesnuméricas:seuraioResuadensidade8.Nenhumadelas,noentanto,épassíveldepercepção(essasquantidadespodem,semdúvida,sermedidas,masmedirnãoéomesmoqueperceber,pomojáapontado).Ií,damesmaformaqueasquantidadesemtermosdasquaisaesferarígidaédefinidasaoimpassíveisdeserempercebidas,assimocorreparaomodelomesmodaesferarígida.Aindadeoutramaneira:ninguémjamaispercebeu(nosentidovisual)umobjetodesprovidodetodacor;masaesferarígidanãotemcor(lembrequeelaécaracterizadaporRe8),sendoporissoimperceptível.
3
Pode-semencionarqueambososmodosdeobservaçãocorrespondemprecisamenteaosassimchamadosdoismodcarda‘quantidade’:extensãocnúmero|multitu-dej,osquais,ateantesdostemposmodernos,eramconcebidoscomostíndoirredutíveisumaooutro.FoiDescartesquemtornounebulosaadistinçãopela
invençãodoquepassouaserchamadodegeometriaanalítica.Mas,sejacomofor,1,adistinçãoentreextensãoenúmeropersistec,adespeitodofatodequasetudofjojcemdiapoderser“digitalizado”,anecessidadederepresentaçõespormeiodeimagensaindasefazpresenteentrenós.
4
ParapropósitosterapêuticoséevidentequeestamosinteressadosnãoapenasemÓ*(x,y),masemâ(x,j,%);éestaquesefaznecessária,afinaldecontas,paraacusarumtumorouumobjetoestranho.Acrescentemosqueesteéoassuntodeumadisciplinamatemáticaconhecidacomotomografia,aqualembasaatecnologiados‘scans’|=varredura,esquadrinhamentoj.
5
()tatodeambosocuparemamesmaregiãodoespaçonãoédemaneiraalguma
paradoxal.Paracomeçar,issonãocontradiznossaexperiênciasensorialjáqueapercepçãocabesomenteaX.Dopontodevistateórico,ademais,nãohánadacontraditórionanoçãodeduasentidadesocuparemomesmoespaço:issoocorrejánocasodecampos.Umcampoelétrico,porexemplo,podecoexistircomummagnéticooucomumgravitacional.Limavezmais,oquevemosdependedamaneirapelaqualolhamos.,
6
Iixistetambém,éclaro,uma‘continuidadetemporal’entreXeSX.Issosignifica,emprimeirolugar\queumobjetocorpóreoX,consideradonumparticularinstantedetempo,constituiumapresentificaçãodeSXnomesmoinstante,e,emsegundolugar,queanoçãode“intervalotemporal”ouduração,comomedidaporrelógioscorpóreos,élevadaparaodomíniosubcorpóreo.
7
A.EinsteineL.Infeld,ThelivoliitinnofPhysics(NewYork:SimonanclSchustcr,1954),p.33.
8
Pode-sefazernotararespeitodissoquealinguagem—e,logo,tambémopensamento-possuiobviamenteseusuportesensorial,emboradetipoauditivo.Nãoobstante,noquetocaãcompreensãodeestruturasmatemáticas,sãoossímbolosvisuaisque,semdúvida,desempenhamopapelcrucial.
9
W.C..Gíimpier,A.HidoryofScience(Cambridge:CambridgeUniversityPress,
1948),p.167.
10
Newtonreconheceunãoapenasasforçasgravitacionaiseeletromagnéticas,masparecequeeletambémantecipouasnucleares,comosepodedepreenderdaseguintepassagemna31aQuestãodaOptiks-,“Asatraçõesdagravidade,magnetismoeeletricidadealcançamdistânciasassazperceptíveis,eforamportantoobservadasporolhosvulgares,podendohaveraindaoutrasquealcancemdistânciastãodiminutasquetenhamatéhojeescapadoàobservação.”
11
Deve-secertamentelevaremcontaadependênciatemporalparaocampo,oquepodeserfeito,porexemplo,pormeiodeumaanimaçãográfica.
12
Aprimeiraediçãoéde1995(N.T.).
MUNDOMICROSCÓPICOEINDETERMINAÇÃO
Umacoisaéfalarmosdeumobjetofísicogenérico-talcomo‘ocampoeletromagnético’,porexemplo-eoutraéfalardeumobjetofísicoespecífico,dotipoqueexisteconcretamenteequepodeserrealmenteobservado.Aopassoquebastaummodelomatemáticoourepresentaçãoparaqueoobjetogenéricofiquedeterminado,umobjetoespecíficoprecisa,ademais,dedeterminaçõesdetipoempírico.Éumobjeto,emoutraspalavras,comoqualjáestabelecemosalgumcontatoobservacional.Porexemplo,podemosfalardoplanetaJúpiterporquedefatoelejáfoivisto(oudetectado),etambémsepodiaprocurarpeloplanetaPlutão(descobertoem1930),poisestejávinhasendoobservado-nãodiretamente,maspormeiodeseusefeitosemoutrosplanetas.
Existem,certamente,gradaçõesdeespecificação.Nãoobstante,adistinçãoentreobjetosgenéricoseespecíficostemrazãodesereacabasendocrucial.Issoporqueafísicalida,emprimeirolugareacimadetudo,comobjetosfísicosdetipo‘específico’:estessãoseus“vprdadeiros”objetos,diferentementedeentidadestaiscomoocampoeletromagnético,queexistemnumsentidoabstrato,idealizadooupuramentematemático.Os“verdadeiros”objetosdafísicasão,portanto,entidadesquenãoapenaspodemserobservadasdemaneiraadequada,masobjetosquedefatojáotenhamsido.ComoJúpiterouPlutão,elesforamespecificadoscomalgumdetalhepormeiodeumconjuntodeobservações.Usareiotermo‘especificação’paramereferiraoatoouatosempíricospelosquaisumobjetofísicoficaespecificadoe,desdequeseentendacorretamente,podemosnarealidadedizerqueumobjetonãoéespecíficoatéquetenhasidoespecificado.1
Consideremosoutrosexemplosdeespecificação.NocasodeobjetossubcorpóreosénormalenaturalespecificarmosSXpormeiodoobjetocorpóreocorrespondenteX,ouseja,pormeiodapresentificação.Poroutrolado,tambémópossívelespecificarmosumobjetosubcorpóreoSXpormeiosmaisindiretos,comonocasopreviamentecitadodePlutão,porexemplo.Tendosidoespecificadodequalquerformaqueseja,pode-seprocederaespecificaçõesposteriorespormeiodedeterminaçõesadicionais.Comojásedisse,aespecificaçãoestásujeitaagradações.
Enquantoobjetossubcorpóreospodem,defato,serespecificadospormeiode
umapresentificação(melhordito,somentepormeiodesta),talnãoacontececomosobjetostranscorpórios,comoumátomoouumapartículaelementar.Dessaforma,quandosechegaaosobjetostranscorpó-rios,aespecificaçãoocorrenecessariamenteemdoisestágios:primeiro,oobjetotemqueinteragircomumaentidadesub-corpórea,aqual,porsuavez,éobservada(outornadaobservável)pormeiodeumapresentificação.Considerecomoexemploocampoeletromagnéticoproduzidonumlaboratório:emprimeirolugar,ocampointeragecomoaparatocientíficopeloqualeleégerado;eesseaparato(concebido,porsuavez,comoumobjetosubcorpóreo)podeentãoserobservadopormeiodapresentificação.Ouainda:umcontadorGeigerregistraapresença(dentrodesuacâmara)deumapartículacarregada.Apartículapenetranacâmaraecausaumadescargaelétricaqueé,então,registradadealgumaformaaopassarparaonívelcorpóreo(naformadeumestaloaudíveltalvezoupelaleituradeumcontador).Ora,estacadeiadeeventosconstitui,evidentemente,umaespecificaçãodapartícula.Pode-seapartirdeagorafalarda‘partículaX’,muitoemborapossaocorrerdeserimpossívelvoltaraestabeleceralgumcontatoobservacionalcomela.Poroutrolado,com,oauxíliodeuminstrumentalmaissofisticado,oexperimentadorpodesercapaznãosódeestabelecerumcontatoobservacionalinicialcomapartícula,maspodeaindaprosseguirfazendoobservaçõesadicionais.Tendoespecificadoa‘partículaX’,pode-sesujeitá-laamediçõesposteriores-comofoifeito<porexemplo,porHansDehmelt,recémlaureadocomoNobel,2oquallogrou“aprisionar”umpósitronnumaPenningtrapporumperíododeunstrêsmeses,duranteoqualapartícula(apelidada‘Priscilla’)pôdeserobservadacomníveisdeprecisãosemprecedentes.
Mas,sejacomofor,oquenosinteressanomomentoéofatogeralseguinte:estejamoslidandocomumapartículafundamentaloucomamaissimplesentidadesub-corpórea,nãosepodefalardeumobjetofísicoXantesqueseestabeleçacomeleumcontatoobservacionalinicial.Objetosfísicossimplesmentenão“crescememárvores”;elesprecisam,primeiroquetudo,ser‘especificados’nosentidotécnicoquedemosaessetermo.
♦
Surgeaquiaquestãodeseépossívelespecificarmosumobjetofísicotãocompletamentequeoresultadodequalquerobservaçãoadicionalpossaserprevistoouquejáestejadeterminadopreviamente.Seriapropíciorecolocarmosaquestãoemtermosumpoucodiferentesapósaintroduçãodedistinções
adicionais.Emconformidadecomousoconsagrado,chamarei‘sistema’aumarepresentaçãoabstrataoumatemáticadeumobjetofísico.Assim,umobjetofísicoconcebidoemtermosdeumadadarepresentaçãochamar-se-ásistemafísico.Éarepresentação(ouadescriçãoabstrata)quedefine,ademais,os‘observáveis’,sendoestesasquantidadesassociadasaosistemafísicopassíveisdedeterminaçãoempírica.Oqueéeoquenãoéumobserváveldepende,assim,nãoapenasdoobjeto,mastambémdamaneiracomoeleéconcebido.Umaboladebilhar,porexemplo,seconsideradacomoumaesferarígida,admiteumnúmeroindefinidodeobserváveisumtantotriviais(acomeçarporsuamassa,seudiâmetroesuasco-ordenadasdeposiçãoevelocidade);concebida,entretanto,comoumarranjodeátomos,elaadmitetodoumoutroconjuntodeobserváveis.Comoconsequência,aespecificaçãorefere-seaosistemafísicoenãoaoobjetocomotal.Dadoumsistemafísicoeumsubconjuntodeseusobserváveis,pode-seafirmarqueestesubconjuntoées-pecificávelseformoscapazesdemedircadaumdaquelesobserváveisqueconstituemosubconjunto,demaneiratalque,apósotérminodoexperimento,osvaloresdetodoselessejamconhecidos.Aquestãocolocadaacimapassaentãoasercompreendidadaseguintemaneira:dadoumsistemafísico,existeounãoumsubconjuntoespecificáveldeseusobserváveis,adeterminaçãoexperimentaldosquaisdefiniráosvaloresdetodososoutrosobserváveisdosistema?Seriapossível,emoutraspalavras,tornarosistemafísicocompletamentedeterminadopormeiodeumaespecificação?Sabemoshoje,àluzdateoriaquântica,queestaperguntadeveserrespondidanegativamente.Nãopodehavernarealidadeumacoisatalcomoumsistemafísicocompletamentedeterminado,paraoqualvaloresexatosdetodososobserváveispossamserprevistos.Issoocorrenãoapenasporquese.éincapazdecontrolaroudemonitorarforçasexternascomaprecisãonecessária,masigualmenteporcontadeumacertaindeterminaçãoresidual,intrínsecaaosistemafísicomesmo,aqualnenhumgraudeespecificaçãopoderiaafastar.
Poroutrolado,contantoqueseestejalidandocomsistemasfísicosdeescalamacroscópicasuficientementesimples,osefeitosdestaindeterminaçãoresidualpodemnãosermensuráveisouentãoseremtãopequenosdemaneiraanãodesempenharemnenhumpapel.3Deumamaneiraformaleaproximada,porconseguinte,pode-sefalarquetalsistemafísicotenhasidodeterminado,esãodestetipo,semdúvida,ossistemascomosquaisafísicaclássicalidaeaosquaiselaseaplica.Talsistemapodeentãoserdescritoourepresentadoemtermosdeumconjuntocompletodeobserváveis—umconjuntoemtermosdosquaistodososoutrosobserváveispodemserexpressos.Issosignificaquenãomais
precisamosdistinguirentreosistemaenquantotaleseusobserváveis,oprimeiropodendo,comefeito,seridentificadocomumconjuntocompletodosúltimos.Porexemplo,oqueéumcampoelétrico,concebidoclassicamente?Éumadistribuiçãocontínuadevetoreselétricos:deobserváveis,portanto!Talreduçãodeumsistemaaumsubconjuntodeseusobserváveis,ademais,estádefatoimplicadonoformalismomesmodafísicaanterioràteoriaquântica,aquallidaexclusivamentecomrelaçõesfuncionaisentrequantidadesobserváveis.Dessamaneira,umsistemafísicoclássicoénadamaisdoqueumadistribuiçãonoespaçoenotempodecertasmagni-tudesque,escalaresouvetoriais,sãoobserváveis.4
Ondeapareceraindeterminação,poroutrolado,oformalismoclássicosucumbe.Precisa-seaífazerumadistinçãocategóricaentreosistemafísicoSeseusobserváveis,atotalidadedosquaisnãopodendo,emprincípio,serdeterminadapormeiodeespecificação.Areduçãoclássica(dosistemaaseusobserváveis)é,consequentemente,admissívelsomentenoquesechamalimiteclássico,istoé,sobcondiçõesquegarantamqueosefeitosdaindeterminaçãonãoserãomensuráveisounãoterãopapelsignificativo.Foradestelimite(destedomíniorestrito),afísicarequerumformalismonãoclássico-umanecessidadebrilhantementesupridaem1925comadescobertadamecânicaquântica.Onovoformalismo,comosabemos,fazdistinçãoentresistemaeobserváveisenessabasenoscapacitaalevaradianteaatividadedafísicaemfacedaindeterminação.
Émuitocomumfazermosdistinçãoentreosmundoschamadosmicroscópicoemacroscópico-comoseouniversofísicopudesse,dealgummodo,sercindidoemdoissubdomí-niosquecorrespondessemaessasdesignações.Pode-seperguntar,comrazão,exatamentequantosátomosoupartículassubatômicassãonecessáriasparalevar-nosdomundomicroscópicoparaomacroscópico;mas,aí,qualseriaarazãodeserdestadistinção?Ora,oponto,assimparece,équesistemasmacroscópicossupostamenteseprestamadescriçõesmaisoumenosdeumtipo‘contínuo’.Elesconsistemdeagregadosatômicosousubatômicosquepodemserefetivamenteaproximadospormodelosclássicos.Precisamosdeixarclaro,porém,queadistinçãoentreagregados‘macro’ou‘micro’édesprovidadequalquersignificadoontológico.Ditodeoutraforma:anoçãodesistemamacroscópico,emparticular,pertenceaumterritóriopráticooupragmático;temavercomgrausdeaproximaçãoecomaexequibilidadedecertosmodelossimplificados.Narealidade,contudo,todoobjetofísicoconstituiumsistemamicroscópicoemvirtudedofatodesercompostoporátomosepartículassubatômicas.Omundomicroscópico,assim,longede
constituirumsubdomínio,coincideverdadeiramentecomouniversofísicoemsuatotalidade.
Entrementes,asdiferençasdeescalatêmseusignificado.Aquestão,todavia,nãoéquearealidadefísicatorne-sedealgumamaneiraestranhano‘mundodiminuto’,masquenosvemosobrigados,aomover-nosemdireçãoaodiminuto,adescartarmodelosidealizadoseatratar,emalgummomento,oobjetofísicocomoumagregadodepartículasfundamentais.Acircunstânciadequeobjetosfísicossemexceçãosejam,naverdade,compostosdestaschamadaspartículassignificaqueafísicadessas‘partículas’é,defato,afísicafundamental.Logo,afísicaéforçadaadesceraoseunívelmaisfundamental,aosdomíniosatômicoesubatômico.
Mesmoassim,persisteacrençadequeouniversofísicotorna-secadavezmais‘estranho’àmedidaquenosaproximamosdessasdimensõesdiminutas.Grandesobjetossecomportam,supostamente,deummodomaisoumenosfa1miliaredemaneirarazoável,enquantoátomosepartículasofazemdemaneiraassazbizarra.Tãobizarra,naverdadeque,deacordocomalgumasautoridades,atémesmoascostumeirasleisdalógicacessamdevalernessedomíniofantástico.Entretanto,segue-sedoquedissemosacimaqueosobjetosdafísicachamadosmacroscópicossão,narealidade,tãoestranhosquantooselétronsouosquarks,comaressalvaque,quandosefaladosprimeiros,frequentementenosépermitidoignoraressaestranhezaeconceberoobjetoemtermosdeummodeloclássico—dotipoexatamentequecorrespondeaproximadamenteàsexigênciasdenossaimaginaçãoesensocomum.Contudo,oquenoséfamiliaréjustamenteomodelo,masnãooobjetocomotal.Mesmoassim,podemosacrescentarqueosmodelossomentecorrespondemànossaimaginaçãoporquedamosemsequênciaumsegundopasso:deummodo/oudeoutro,identificamosomodeloclássicocomumobjeto:corpóreodealgumtipo;emsuma,apóspassarmosaolimiteclássico,reificamosoobjeto.E,afi/nal—apósretornarmosemsegurançaàterrafirmedodomíniocorpóreo-reencontramosomundofamiliar,jáque,naverdade,paranósofamiliarénadamaisdoqueoperceptível.
Apardisso,omundomicroscópico—e,portanto,ouniversofísicocomoumtodo-pareceagirdeforma‘estranha’,nosentidodenãopoderserpercebidonemimaginado;masissonãosignificaquepossuaumtipoespecíficode‘estranhezaquântica’,umaestranhezaàqualpopularmenteseassociaumcomportamentopeculiar.Porexemplo,nãoéverdadedemaneiraalgumaqueoelétronsejaàs
vezesumapartículaeàsvezesumaonda,nemqueeleconsigaserambasaomesmotempo,nemtampoucoqueele‘salte’erraticamentedepontoparaponto,etc.Poisessetipode‘estranhezaquântica’sedevesimplesmenteaumafalhaemconseguirdistinguirentreumsistemamicroscópicocomotaleseusobserváveis(oelétron,nessecaso,esuaposição,momentoeoutrasvariáveisdinâmicas).Comefeito,tratam-seessasúltimascomoatributosclássicosdoelétronquando,naverdade,nãosãoenempoderíamser.Ou,paracolocardeoutramaneira:semnenhumarazão,projetamossobreoelétronosresultadosdemediçõesdistintasqueoperturbameelepareceentãocombinaratributosquesãologicamenteincompatíveiseéaí,então,queoelétronpareceserambas:partículaeonda,ouentrarnumregimede‘saltos’,osquaisdefatodesafiamacompreensão.Conclui-sequeessetipode‘estranhezaquântica’resultadeumrealismoacríticoeilegítimo,umrealismoque,naverdade,confundeoplanofísicocomocorpóreo.
AinterpretaçãodeCopenhagenemvoga,poroutrolado,evitaessaarmadilhaaoabster-setotalmentedorealismocomrelaçãoaomundomicroscópico.‘Nãoháummundoquântico’,dizBohr(aindaquetenhahavidoumdebateconsiderávelarespeitodoqueexatamenteelequisdizercomisso,osadeptosdessainterpretaçãonormalmenteseevademdeumaconcepçãoabertamenterealistadossistemasmi-'croscópicos).Suatendênciadominanteémanter-selongeda,digamos,encrenca,apelandoparaumaposturabasicamentepositivistaquandosetratadomundomicroscópico.
Paranós,aocontrário,omundomicroscópicoéobjetivamentereal-tãoreal,certamente,quantoouniversofísicocomoumtodo,comoqual,aliás,coincide.
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Tem-sefreqüentementeditoqueomundomicroscópicoéindeterminista,"baseando-seaafirmativa,aoqueparece,noprincípiodaincertezadeHeisenberg(ouoquedánomesmo,nofenômenodaindeterminação).Porém,faltasaberseaincerteza(ouindeterminação)deHeisenbergimplicaoindeterminismo.5
Paracomeçar,deve-senotarqueaincerteza^deHeisenbergnãoserefereaomundomicroscópicoouaouniversofísicocomotal,masaoresultadodemediçõeáe,portanto,aumapassagemdesdeoplanofísicoparaocorpóreo.Noterritóriodoprópriomundomicroscópico,aocontrário,nãoexisteumacoisatalcomoaincertezadeHeisenberg.Nãosepodedizer,porexemplo,queaposição
ouomomentodoelétronsejamincertosouindeterminados,pelasimplesrazãoqueumelétron-tomadoemsimesmo—nãopossuiposição(etampoucomomento).Nojargãotécnico,eleédescritoporumvetordeestado,oqual,usualmente,nãoéumauto-vetordenenhumdessesobserváveis.
Oquê,então,ochamadovetordeestadodeumsistemafísiconospodedizersobreumobservável?Duascoisasacimadetudo,ambasemcaráterprobabilísticoe,comoconsequência,denaturezaestatísticaemseuconteúdoempírico.Emprimeirolugar,ovetordeestadodeterminaumvaloresperado,ouseja,ovalormédiodoobservávelseforrealizadoumgrandenúmerodeobservações(esteconceitopodeser,defato,interpretadoemtermosprecisos).E,emsegundolugar,ovetordeestadodeterminaochamadodesviopadrão,outragrandezaestatística,aqualnosdizoquanto,namédia,osvaloresobservadossedesviamdovaloresperadomencionadoacima.Desnecessáriodizerqueessanoçãotemtambémumsentidoestatísticopreciso.
RecordemosqueoprincípiodeincertezadeHeisenbergtemavercomosdesviospadrãoApeAqassociadosàsvariáveisconjugadaspeq.Oqueoprincípioafirma,defato,éque
ApAq>h/2n,
ondehéaconstantedePlanck.Oprincípioconstituiumaafirmaçãomatemáticaprecisa,aqualpodeserderivadadosaxiomasdateoriaquânticaeinterpretadaempiricamenteemtermosdeensemblesestatísticos.:tó
Ateoriaquânticabaseia-senofatodequeovetordeestado(ousistemafísico),apesardenãodeterminar,emgeral,oresultadodemediçõesindividuais,determina,nãoobstante,adistribuiçãoestatísticadosresultadospossíveis.Apardisso,poroutrolado,nãohánada‘incerto’arespeitodosistemafísicoenquantotal.Ocasoé,naverdade,análogoaodeumamoeda,aqualpodedar‘cara’ou‘coroa’quandolançada.Aquitambém,ofatodenãopodermospreverdequalladoamoedavaicairnãosignificaqueamoedaestejadealgummodo“indeterminada”:emoutraspalavras,achamadaincertezapertenceobviamenteaolançamentoenãoàmoeda.Acrescentemosqueéestaúltima-nãomenosqueumsistemaquântico-quemdeterminaadistribuiçãodeprobabilidadedeseus‘observáveis’.Eladetermina,porexemplo,adistribuição(e,consequentemente,tantoovalor6esperadoquantoodesviopadrão)daquantidadede/‘caras’emntentativas-comobemserecordatodoestudante
deteoriadaprobabilidade.
Seossistemasquânticosnãosão,portanto,‘incertos’porsimesmos,serãoeles,nãoobstante,indeterminísticos?Ora,dizerqueumsistemafísicoédeterminísticoéafirmarqueasuaevoluçãoestáunicamentedeterminadaporseuestadoinicial(supondo,certamente,queconheçamosasforçasexternasatuantessobreosistema).MaséexatamenteissooquefazacélebreequaçãodeSchrõdinger!Omundomicroscópicoé,portanto,determinísticodefato,muitoemboraossistemasfísicossejamindeterminados.Podemoscolocardaseguintemaneira:oestadoinicialdeumsistemafísicoisolado(ouodeumsistemasujeitoaforçasexternasconhecidas)determinadefatoseusfuturosestados,masacontecequeoestadodosistemanãodeterminaemgeralosvaloresdeseusobserváveis.Nãoocorre,portanto,nenhumconflitoentredeterminismoeindeterminaçãoe,parafalaraverdade,ateoriaquânticajogacomambos.AequaçãodeSchrõdingergaranteodeterminismoenquantooprincípiodeHeisenberggaranteaindeterminação.
Pode-selevantaraobjeçãodequeumamediçãodestróiodeterminismojáque,comosesabe,umamediçãoefetuadanumsistemafísicopodecausarochamadocolapso7dovetordeestado,constituindoumeventoqueviolaaequaçãode
Schrõdinger.Poder-se-iadizerqueamediçãoinvalidaodeterminismoaointerromperaevolução“normal”dosistemafísico.Deve-serecordar,contudo,quesistemasfísicossãoespecificadospormeiodemedições.Pelofato,portanto,deumamediçãofazercolapsarovetordeestado,elaconstituiumatodeespecificaçãoquealteraoestadoe,dessamaneira,osistemafísico“real”.OsistemafísicoX,noqualdefinhamosaatençãopreviamenteàmedição,emgeral,nãomaisseráomesmoqueosistemaYresultantedessaespecificaçãoadicional.Contantoqueseestejalidandocomsistemasfísicosdeterminados,certamenteosistemapodeserespecificadodeumavezportodas,poisnãohá,aí,ocolapsodovetordeestadoenenhumamudançadeespecificação-ou“perdadeidentidade”-queresultedeatosdemediçãosubsequentes.Quandosetratadesistemasindeterminados,aocontrário,mediçõessubsequentesresultarão,emgeral,naespecificaçãodeumnovosistemafísico.Pode-sedizerqueosistemafísicooriginalchegouaumfim—ousemetamorfo-seou-pelocolapsodeseuvetordeestado.Seguramenteossistemasquânticosnãosãoperduráveis,nemsãoeles“absolutos”,existindo,igualmente,‘paranós’,comoobjetosdein-tencionalidade.Essesfatosbásicos,contudo,nãoafastamodeterminismo,arazãoestandonofatodequeosistemaquânticosecomporta,
enquantoperdura,demododeterminista.
Demaneirapatenteessedeterminismoquânticoestáaléguasdedistânciadoclássico.Todavia,oqueseperdeunãofoitantoodeterminismo,masoreducionismo,aSuposiçãoclássicadequeomundocorpóreonãoé‘nadaalém’dofísico.Naverdade,foiesseaxiomaquesaiudemodacomoefeitodadistinção,peloformalismoquântico,entreosistemafísicoeseusobserváveis.Comovimos,afísicaquânticaatuanecessariamenteemdoisplanos,nofísicoenoempírico;ou,melhordito,nofísicoenocorpóreo,poisdevemosnoslembrarqueosdoistiposdeobservação(tantoamediçãoquantoavisualizaçãográficaemtela)têmseutérminonecessariamentenodomíniocorpóreo.Comparecem,assim,essesdoisplanosontológicoseháumatransiçãodesdeofísicoparaocorpóreoprovocandoocolapsodovetordeestado.Ocolapsoexprimenãoumindeterminismononívelfísico,masumadescontinuidadeentreosdomíniosfísicoecorpóreo.
Nãoobstante,emboraopróprioformalismodamecânicaquânticaproclameaexistênciadessesdoisníveiseclameparaquesereconheçaessefato,oviésreducionistaemvogatemobstadoessereconhecimento.Nãochegaasurpreender,portanto,queainterpretaçãoontológicadamecânicaquânticanãosetenhafirmado.
Amecânicaquânticasugerequesistemasfísicosmicroscópicosconstituemumtipodepotênciacomrelaçãoaomundoreal.ComopontificaHeisenberg,elesocupam,comefeito,umaposiçãointermediáriaentreanãoexistênciaearealidadeeaesserespeitosãoumareminiscênciadaschamadaspotentiaearistotélicas.
Paraentendermosmaisclaramente,precisamosdarumaolhadamaisdepertonoformalismodamecânicaquân-tica.Primeiro,todoobserváveladmiteumasériedevalorespossíveis(chamadosautovalores)e,emgeral,umamediçãodeumdadoobservávelpodefornecerqualquerumdestesresultadospossíveis.Umsistemafísicotambémpodeestar,porém,numestadonoqualovalordoobservávelemquestãoestejadeterminadocomcertezaeessesestadossãochamadosauto-estados.Porexemplo,seumamediçãodoobservávelproduzoautovalor1,entãosaberemosqueosistema,naqueleinstante,estaránoauto-estadocorrespondenteaA.:M
Jáaludiaofatodeumsistemafísico,concebidodeacordocomamecânica
quântica,serrepresentadoporumvetordeestadoou,demodomaispreciso,quevetoresdeestadorepresentamestadosdeumsistemafísico.89Isso,evidentemente,explicaanoçãodeautovetoresàqualjámereferi(nadiscussãosobreaindeterminação):umautovetor,assim,éumvetordeestadocorrespondenteaumauto-estado.
Ora,devemosnoslembrarquevetorespodemseradicionadosetambémmultiplicadosporumnúmero(realoucomplexo,conformeocaso);issosignificaquevetorespodemsercombinadosparaformarsomasponderadas.Assim,cadasomaponderadadevetoresdeestado(contantoquenãosejanula)defineumoutrovetordeestado.:iüDadoofatodequevetoresdeestadorepresentamestadosdosistemafísico,cadaumadassomasponderadascorrespondeaumestadofísico.Chegamosentãoaoquesechamaprincípiodasuperposição,oqualafirmaquesomasponderadasdevetoresdeestadocorrespondemasuperposiçõesreaisdeestados.Sucede,emoutraspalavras,queoperaçõesalgébricaspelasquaisformamossomasponderadasdevetoresdeestado(comcoeficientescomplexos,nadamenos)carregamumsignificadofísico.Existe,sequisermos,uma‘álgebradosestados’,aqualnospermiterepresentarestadosfísicosdevariadasmaneirascomoumasuperposiçãodeoutrosestados.171011
Surgeaquiaperguntadese,paraumobservávelqualquer,cadaestadodosistemapodeserrepresentadocomoumasuperposiçãodeauto-estados.Emoutraspalavras,poderácadavetordeestadoserexpressocomoumasomaponderadadeautovetorespertencentesàqueleobservável?Seissonãoforpossível,sempresepode,demaneirageral,obterumarepresentaçãoanálogapormeiosmatemáticosmaissofisticados.:iHPorém,paraevitarcomplicaçõestécnicasquenãovêmaocaso,trabalhareicomasuposiçãodequetodoobservávelpossuiumconjunto‘completo’deautovetores,um'conjunto,istoé,emtermosdoqualcadavetordeestadopossaserexpressocomoumasomaponderada.
Ora,oquetudoissotemavercomaafirmaçãodeHeisenbergdequeossistemasquânticosconstituemumtipodepotentiaaristotélica?Expliquemos.Considerearepresentaçãodeumvetordeestadocomoumasomapondera-12dadeautovetorescorrespondentesaumdadoobservável.Cadaautovetorcorrespondeaumauto-estadoe,portanto,aumpossívelresultadodeumexperimentolevadoaefeito.Elerepresentaassimcertapossibilidaderealizávelempiri-camente,aprobabilidadedaqualvemdeterminadapelopesocomoqual
aqueleautovetoraparecenasoma.1314Oprópriovetordeestado,porserumasomadeautovetores,podeconsequentementeserencaradocomoumconjuntoousíntesedaspossibilidadesemquestão.Sesupusermos(comotemosfeito)queovetordeestadopodeserexpressocomoumasomaponderadadeautovetoresparatodoecadaobservável,eleconstituirá,poressemesmomotivo,umasíntesedetodosospossíveisresultadosdecadamediçãoconcebívelquepodeserlevadaaefeitonosistemafísicodado.'10
Aotérminodeumprocessodemedida,poroutrolado,osistemaestaránumauto-estadopertencenteaoobservávelconsiderado.Seovetordeestado,anteriormenteàmedição,jáconsistissedeumasomaponderadadeauto-vetores,osistemapassariaentãoparaumparticularauto-vetorou,paracolocardeoutromodo,paraumasomadeauto-vetoresnaqualtodososcoeficientes,menosumdeles,serãonulos.Ovetordeestadocolapsou:numinstanteelesereduziuaumúnicoauto-vetordoobservávelemquestão:umaúnicapossibilidade,ouseja,umaprobabilidadequesaltouagoraparaovalor1,oqueindicacerteza.Porumatodemedição,umelementoparticulardoconjuntodepossibilidadesfoiagoraselecionadoeconcretizadononívelempírico,valedizer,nomundocorpóreo.0sistemafísico,tomadocomoumconjuntodepossibilidadesfoi,assim,‘atualizado’.Masapenasemparte!Pois,muitoemboraovalordeumobservávelparticulartenhasigoagoradeterminado,paraamaioriadosoutrosobserváveisosistemapermanecenumasuperposiçãodeau-to-estados.Porconseguinte,adespeitodeatualizaçõesparticularesefetuadasatravésdealgumasmedições,osistemaéecontinuasendoumconjuntoousíntesedepossibilidades.NaspalavrasdeHeisenberg,elenãoénaverdadeuma‘coisaoufato’,mas,igualmente,umapotencialidade,umtipodepotentia.
Comoaprópriaterminologiaaristotélicasugere,aconcepçãodesistemasfísicosedocolapsodovetordeestadoàqualchegamossãoconcepçõesclássicasdealgummodoepodem,defato,sercompreendidasdesdeumpontodevistadametafísicatradicional.Hámuitojásesabequeatransiçãodopossívelaoatual15-oudapotênciaparaamanifestação-impõenecessariamenteumatodedeterminação:aescolhadeumresultadoparticulardentreumconjuntodepossibilidades.Ageometriaeuclidiana,ademais,exemplificaesseprocessoclaramente,contantoqueseentendaessadisciplinaàmaneiraantiga.Deve-serecordarque,antesdeDescartes,ocontinuumgeométrico-oplanoeuclidiano,porexemplo-eraconcebidocomoumaentidadededireitopróprioenãoapenascomoatotalidadedeseuspontos.Deacordocomavisãopré-Cartesiana,nãohádefatonenhumpontonoplanoatéque,bementendido,elessejamtrazidos
âexistênciapormeiodaconstruçãogeométrica.Concebidoàmaneiraclássica,oplanoenquantotalévazio,emsimesmoconstituiumtipodevacuidade,umamerapotência,naqualnadaaindafoiatualizado.Sóentãoéqueseconstróiumpontoouumalinha,seguidosporoutroselementosgeométricosatéobter-seumadeterminadafigura.Devemosnotarqueessasdeterminaçõesnãopodemdemodoalgumserfeitasdedutivamente,nãopodemsedarcombaseemalgumaregrapré-estabelecidaeessaéumasituaçãoquedesafiaamenteanalítica.Ainda,umatodeterminanteédefatomaisqueumameraescolha,ameraseleçãodeumelementodeumdadoconjunto,poiseletrazàexistência-comosefosseexnihilo-algoquepreviamentenãoexistiacomoumenteatual.Concebidaclassicamente,aconstruçãogeométricaéumsímbolodacosmogênesis:poderiamosdizerqueelaimitaouexemplificaopróprioatocriadornoâmbitodamatemática.
Voltandoàmecânicaquânticae,emparticular,aoatodamedição,percebemosqueelepodeserdefatointerpretadoemtermosontológicostradicionais.Oatodemedição,assim,éaatualizaçãodecertapotência,potênciaessarepresentadapelovetordeestado(aindanãocolapsado),oqualcontémdentrodesi,comovimos,oespectrointeirodaspossibilidadesquepodemsermanifestadaspormeiodamedição.Logo,oatodemediralgoequivaleaoatodedeterminar,queseefetuanoplanocorpóreo:noestadodeuminstrumentocorpóreo,paraserexato.Parabaixodonívelcorpóreoestamoslidandocomaspotentiae(possibilidades),aopassoqueaatualizaçãodessaspotentiaeélevadaaefeitonoplanocorpóreo.Nãosabemoscomosucedeessatransição.16Dealgumamaneiraumadeterminação-umaseleçãodeumresultadoparticulardentrodeumespectrodepossibilidades—vemaefeito.Nãosabemosseissoaconteceporacasoouporobradealgumdesígnio;oquesabemoséqueporalgumarazãoodadoélançado.Eesse‘lançamentododado’constituinaverdadeoatodecisivo:éassimqueosistemafísicocumpreseupapelcomoumapotênciaemrelaçãoaodomíniocorpóreo.
Umapalavraarespeitodoprincípiodasuperposição:Diractalveztenhasidooprimeiroaperceberqueoprincípionãotemcorrespondentenodomínioclássico.Éverdadequesoluçõesdeumaequaçãolinearhomogêneapodemser‘superpostas’eestefatoembasaaanálisedeFourierparasistemasoscilatóriosclássicos,porexemplo.MascomoDiracdeixouclaro:“Asuperposiçãoqueocorrenamecânicaquân-ticaédenaturezaessencialmentediferentedequalquerdasqueocorrenateoriaclássica,comodemonstraofatoqueasuperposiçãoquânticaexige,paraquesetenhaumainterpretaçãofísicacoerente,uma
indeterminaçãonosresultadosdasobservações.”17Assim,oprincípiodasuperposiçãoaplica-senecessariamenteaumnívelderealidadenoqualaindanãoforamfixadososvaloresdosobserváveis,asaber,aomundomicroscópico,oqualéumterritóriodepossibilidades,umdomíniosub-atual.Atransiçãoparaaatualidadedeve,consequentemente,envolvercerta‘de-superposição’quenãoénadamaisqueocolapsodovetordeestado.
Nãohánadanovetordeestadoemsiquepossaexplicaroudarcontadesseatodedeterminação,damesmamaneiraquenãohánadanoplanoeuclidianoquenospermita,pormeiodealgumtipoderegra,fazeraseleçãodeumpontooudeumalinha.Poroutrolado,vistoqueoatodamediçãosobreumsistemarequerainteraçãocomumsegundosistema,nãodeveriasurpreenderqueoprimeiro,porsisó,nãofossesuficienteparaexplicarocolapsodovetordeestado.Entretanto,oquetemdesafiadoosfísicoséque,mesmoconsiderandoumsegundosistema,nãonossaímosmelhor,poissucededeosistemacombinadoestartambémnumasuperposiçãodeauto-estadosdeumdadoobservável.Apesardissoserperturbadorouatéparadoxalaquemescapeadistinçãoentreosplanosfísicoecorpóreo,nãosepoderiaesperaroutracoisaassimquereconhecemosessadistinçãofundamental.Aquestãoéqueatransiçãodapotênciaaoatoexigeinescapavelmenteumatocriador-umfiatcriador,poderiamosdizer-oqualnadanodomíniodapotênciapodedarcontaouexplicar.Nadapertencenteaoplanofísicopoderiafazercomqueovetordeestadocolapsasse,pormaisinquie-tantequeestefatopareçaàquelesqueimaginamquenãohánadaalémdoplanofísico.
Essasconsiderações,reconheço,nãoresolvemochamadoproblemadamedição;mas,nãoobstante,deixamclaroporqueastentativasusuaisparaencontrarumasoluçãotêmfalhado.Deixareiparaumcapítuloposterioraquestãodeseamecânicaquânticaconstituiumateoria‘completa’ounão;opontoquenosinteressaagoraéqueamecânicaquânticapoderia,nomáximo,serumateoriacompletadouniversofísico,poisficaclaroque,comoaordemcorpóreanãopodeserreduzidaàfísica,nemamecânicaquânticanemqualqueroutrateoriafísicapoderiaser‘completa’demaneirairrestrita.Sóoquesepodeesperar,portanto,équeumateoriafísicabemformuladadêtestemunhodessalimitaçãoontológica.Assim,nãocausasurpresaqueaevoluçãodeSchrõdingerdesistemasfísicosexponha‘lacunas’queaprópriamecânicaquânticanãopodepreverequeelasapareçamprecisamentequandosechegaàtransiçãofatídicaquenoslevaparaforadodomíniofísico.Longedeindicarimprecisão,essacaracterísticabásicadamecânicaquânticadáprovas,pelocontrário,desua
correçãoesuficiência.Aaparentecompletudedafísicaclássica,poroutrolado,dásinaldeestarmoslidandonaverdadecomabstraçõesconvenientesenãotantocomrealidadesfísicas.Hárazão,afinal,nopreceitoprovocativodeWhitehead:“Aexatidãoéumafraude.”
Voltandoaoprincípiodasuperposição,devemosnotarque,nocasodeumsistemasubcorpóreo,algumassuperposiçõesdevemserevidentementedescartadas.Nocasodeuminstrumentocientífico,porexemplo,umponteironãopodeapontarparaduasposiçõesdistintasaomesmotempo.Assim,paraqualquersistemasubcorpóreoSX,deve-sesuporqueapenasestadosquesejam“perceptivelmenteindistinguíveis”podemaparecersuperpostos.Omotivo,claramente,équeoobjetosubcorpóreoéparcialmenteatualizadopormeiodapresentificação-eaatualização,comosempre,acarretaumadeterminaçãoe,portanto,umade-superposição.
EinteressantequeessereconhecimentoresolvedevezochamadoparadoxodogatodeSchrõdinger.UmúnicoátomoradioativoépostonapresençadeumcontadorGeiger.Seoátomovierasedesintegrar,acionaráoinstrumento,oqual,porsuavez,dispararácertacadeiadeeventoscujaconsequênciafinaléamortedogatodeSchrõdinger.Ora,supondoqueoátomoestejanumasuperposiçãodeestados(sãoeles:jádesintegradoeaindanãodesintegrado),costuma-seinferirqueocontadorGeigeretambémogatodevamestarnumasuperposiçãoanáloga.Issoseriarigorosamenteverdadeiroseoinstrumentoeogatofossemsistemasquân-ticosenadamais.Massucedequeambosossistemassãosubcorpóreosequeasuperposiçãoemquestãoédotipoquedeveserdescartada:nãoépossívelqueumcontadorGeigerdêum“click”enãodêum“click”numdadointervalodetempo,comotampoucoépossívelparaumgatoestaraomesmotempovivoemortonofinaldoexperimento.Estandoovetordeestado(normalizado)doátomonaforma
0,6|V/,)+0,8|V/2)
porexemplo,onde|Vyi)e|Vx:)correspondemaosestadosdoátomojádesintegradoeaindanãodesintegrado,respectivamente,issonãoimplicaqueovetordeestadoassociadoaogatoestejanumasuperposiçãocorrespondente.Deformaalgumasignificaissoqueogatoesteja36%mortoe64%vivo;18longedisso,osignificadoédequeogatotemumachancede64%desobrevivência-umresultadoquecertamenteprecisaserinterpretadoemtermosestatísticos.
Nãohánenhummistérioexcepcionalaqui.Tampoucosefaznecessário(comoalgunssugeriram)queseabraaportinhola19esedêumaespiadanopobregatoparaquecolap-semosseuvetordeestado.Ogatofazcolapsarseuprópriovetordeestado,podemosdizer,pelofatodesuaexistênciasedarnoplanocorpóreo.
*
Comonotamosacima,afrequenteafirmaçãodequeomundomicroscópicosejaindeterminístico-ouvagoeindistinto-repousa,afinal,naconfusãoentreosdomíniosfísicoecorpóreo.Ofato,porexemplo,dequeaposiçãoeomomentodoelétronnãopossamambosserconhecidosprecisamenteaomesmotempoétomadopelosproponentesdoindeter-minismocomosignificandoqueoelétronmesmosejamaldefinido,ousujeitoaumcomportamentoerrático.Esquece-seéqueapartícula-ouseja,osistemafísico-éumacoisaeseusobserváveis,outra.Emoutraspalavras,esquece-sequeoelétroncomotalnãopossuinemposiçãonemmomento(amenos,claro,quesucedadeeleestarnumauto-estadodoobservávelemquestão).Aocontrário,achamadapartículanãoénemvaganemindistinta,nemtampoucosaltaparaumladoeparaooutrodeumamaneirabizarraeerrática.Detodasascoisascomasquaisafísicalida,defatonãoexistenenhumaquesejaconhecidadeformamaisprecisaqueoelétron.
Devemosmencionar,aesserespeito,seusatributoschamadosestáticos,taiscomomassa,cargaespin.Diferentementedosatributosdinâmicos-osquais,comovimos,nãosãoatributosdeformaalguma—essasquantidadespertencem,defato,aoelétronesãopassivasdeseremmedidascomprecisãoespantosa.Medidasrecentesdomomentomagnético,porexemplo,fornecemovalor,nasunidadesapropriadas,de1,001159652188comumpossívelerrode4noúltimoalgarismo.1''ComoapontouRichardFeynman:“SefôssemosmediradistânciadeLosAngelesaNovaYorkcomessaprecisão,teríamosumresultadoexatoamenosdaespessuradeumfiodecabelohumano.”2021Aindamais,estaquantidadepodetambémsercalculadapormeiodaeletrodi-nâmicaquântica:arespostaédadapelasomadeumasérieinfinitaconvergente,naqualostermossucessivosdecres-cemrapidamente,massãocadavezmaistrabalhososdeseavaliar.Mesmoqueoscálculoscompletadosatéhojeaindanãocasemcomaprecisãodosexperimentosrecentes,osdígitos1,001159652foramjáconfirmados.4SNãoseconhecenenhumdomíniodafísicanoqualsedêumacordotãofantásticoentreteoriaeexperimento.
Ofatoéqueafísicaestáàvontadenomundomicroscópico,noníveldosátomos
edaspartículassubatômicas.Eaqui,exatamente,queascoisastornam-seprecisamentedefinidas.Nãomaisprecisamostrabalharcomparâmetrosmacroscópicosbrutos(taiscomooraiodeumplanetaouadensidadedistooudaquilo).Aocontrário,podemoslidarcomconstantesfundamentais:amassa,acargaouomomentomagnéticodoelétron,porexemplo.Alémdisso,atransiçãodamecânicaclássicaparaaquântica,longedecomplicaroformalismo,trazumasimplificaçãoformidável,vistoqueoprincípiodasuperposiçãopõeemjogooque,naverdade,éamaismanejáveldasestruturasmatemáticas:oespaçodeHilbert.Todomatemáticosabebemacomodidadequeépodertrabalharcomumespaçolinear;talespaçoé,matematicamentefalando,omelhordosmundospossíveis.Emsuma,podemosdizerqueosdomíniosatômicoesubatômicosão‘feitossobencomenda’paraofísicodeprofissão;éaquiqueencontramosasformasmatemáticasfundamentaisdesobstruídasdascomplexidadesacidentais.
Mas,oquesãoessas‘formas’fundamentais?Nadamais,somosforçadosaresponder,queosgenuínosarquétiposdomundomicroscópicoe,porsuavez,douniversofísico22comoumtodo.Oobjetivoprincipalouafunçãoprincipaldafísica-deacordocomessavisãoinerentementeplatônica-é,dessemodo,ascenderdodomínioempíricoparaoníveldosarquétiposmatemáticos.Sãoestesqueconstituemseusverdadeirosobjetosenãosuasreflexõespassageirasnoplanoempírico.
Apesardisso,essavisãoontológicavaiobviamentedeencontroaoespíritodominantedenossotempo.Somosinclinadosaatribuirrealidadeaomundoempíricoeaconsiderarasformasmatemáticas-àsquaisBohrserefere,nocontextodamicrofísica,comoa‘descriçãoquânticaabstrata’—comopoucomaisquemeiosartificiaisdelidarcomosdadosempíricos.23Assim,paraonominalista,éaformamatemáticaquedealgumamaneiraaproximaodadoempírico,aopassoqueoplatonista,porseuturno,insistenocontrário:sãoosdadosempíricosquerefletem—e,numcertosentido,aproximam-aformamatemática.Tudoissoequivaleaumaquestãodeprioridadeontológica,doquevemprimeiro:ouniversalouoparticular,oconstanteouoefêmero.
Contudo,deve-seadmitirqueumaposturarealistafrenteaomundomicroscópicosomentepodesersustentadaembasesplatônicas.Átomosepartículassubatômicaspodemserconsiderados‘reais’apenasnamedidaemqueasformasmatemáticassejamarquétiposgenuínos.ComocolocouHeisenberg:“Acoisaemsiénofinaldascontas,paraofísico,casoelefaçamesmousodesse
conceito,umaestruturamatemática.”24
Parecequeosfatosestãodefinitivamenteafavordahipóteseplatônica.Dequeoutramaneirapoderiamosexplicaroespantososucessodafísicamatemática?
*
Dentreasmuitasevariadasfilosofiasdafísicacontemporâneas,delongeaquemaisseaproximadaposiçãoesposadanestamonografiaéafilosofiadeWernerHeisenberg.Seriainteressantecompararmosagoraessasduasdoutrinas.
ÉbemsabidoqueHeisenbergconsiderava-semembrodaescoladeCopenhagen.Emsuasmãos,contudo,achamadainterpretaçãodeCopenhagentomouumaformadiferenteaoassumirumavisãorealistadomundomicroscópico,baseadanaconcepçãoaristotélicadepotência.DeacordocomHeisenberg,existemdoisdomíniosontológicos:“Nasexperimentaçõescomfenômenosatômicos,temosquelidarcomcoisasefatos,comfenômenosquesãotãoreaisquantoaquelesdavidacotidiana.Masosprópriosátomosepartículaselementaresnãoexibemomesmotipoderealidade:elesdãolugaraumuniversodepotencialidadesepossibilidadesaoinvésdeumMundodecoisasefatos.”5'Paralidarmoscomessesdomíniosdíspares,ademais,afísicaprecisadeduaslinguagens:adafísicaclássica,emprimeirolugar,aqualseaplicaaomundodas‘coisasefatos’-eaosinstrumentosdelaboratórioqueformampartedessemundofactual-ealinguagemdamecânicaquântica,aqualseaplicaaodomíniodaspotencialidades.Novetordeestado,interpretadoàlaBorncomoumtipodeondadeprobabilidades,Heisenbergdistingue“umaversãoquantitativadovelhoconceitode‘potentia’dafilosofiaaristotélica(...)”252627Nãosepodenegar,certamente,queumaondadeprobabilidadesenvolvaelementossubjetivos,masacaracterísticabásicadafilosofiadeHeisenbergésuainsistênciaemqueestaondadeprobabilidadescarregatambémumconteúdo“completamenteobjetivo”—naforma,precisamente,deafirmaçõesarespeitodepotentiae.5Z
Dessemodo,ateoriaquânticalidacomdoisdomíniosontológicosealacunaépreenchidapormeiodamedição,daobservação:
“Portanto,atransiçãodo“possível”ao“real”ocorreduranteoatodaobservação.Sequisermosdescreveroqueocorreemunieventoatômico,deveremoscompreenderqueotermo“ocorre”podesomenteser
aplicadoàobservaçãoenãoaoestadodecoisasduranteduasobservaçõesconsecutivas.Aqueletermodizrespeitoàcomponentefísicadoatodeobservaçãomasnãoàpsíquicaepoderemosdizerqueatransiçãodo“possível”ao“real”tomalugartãologoainteraçãodoobjetocomoinstrumentodemedida(e,portanto,comorestodomundo)tenhaserealizado;elenadatemavercomoatoderegistrarumresultadoporpartedamentedoobservador.”r’1
Atéaqui,aposiçãodeHeisenbergeaminhaprópriaparecembastantepróximas,atalpontodeseremindistinguíveis.Nãoseriao“mundodaspotentiae”deHeisenbergequivalenteaomundomicroscópico,comotenhoconcebido?Eseureinodas“coisasedosfatos”aoquedenominomundocorpóreo?Aprimeiravista,parecequesim.Sobumexamemaisminucioso,entretanto,umaimensadiferençaaparece.Opontochaveéoseguinte:nafilosofiadeHeisenbergnãoencontramosumadistinçãonítidaentreouniversofísicoda28
escalamacroscópicaeomundochamadopropriamentedecorpóreo.Adistinçãoentreomundodaspotentiaeeomundorealdeve,consequentemente,sercompreendidoemtermosdeumadiferençadeescalaapenas(comoseapassagemdapotencialidadeàatualidadepudesseviraefeitosimplesmenteporquesejuntouumnúmerosuficientementegrandedeátomos).Considere,porexemplo,aseguinteafirmação:“Aontologiadomaterialismorepousavasobreailusãodequeotipodeexistência,a“realidade”diretadoUniversoquenoscerca,pudesseserextrapoladaaodomínioatômico.’Essaextrapolaçãomostrou-se,todavia,impossível.”29Nãopodemosmenosqueconcordarque“essaextrapolaçãoéimpossível”,masaquestãoéseafísicaalcança“a‘realidade’diretadoUniversoquenoscerca”-mesmonaescalamacroscópica.Minhaposiçãoestáinteiramenteclaraaesserespeito:sustentoqueadescidadaatualidadeàpotênciatemlugarjánonívelmacroscópico,elajáacontecenomomentoquepassamosdoobjetocorpóreoXparaoobjetosub-corpóreoSXassociado.Ademais,ofatodeSXpoderserdescrito(atécertoponto)emtermosdafísicaclássicanãoalteraaquestãoememofatodeestestermosseremderivadosdealgummododaexperiênciaordinária.
Meuponto,portanto,éoseguinte:osobjetosmacroscópicosdafísicaclássicasãoemcadadetalhetão“potenciais”comoosãoosátomoseaspartículassubatômicas.Levoasérioaafirmaçãodofísicoatômicodequeessesobjetosmacroscópicossejam,defato,constituídosporátomos.Ofato,porém,dequeSXsejaredutívqlaátomosnãoimplicaqueXoseja,pois,semdúvida,XeSÍ(
nãoestãosituadosnomesmoplanoontológico.Eestejustai\ienteopontocrucialeorepetimosaqui:SXexistecomoumapotência,aopassoqueXexistecomouma“coisaoufato”.
Heisenberg,poroutrolado,parecedefatoidentificarSXcomX.Seguindoessalógica,elefalado“atofísicodaobservação”efetuadonumsistemamicroscópicocomoumtipodetransiçãodesdeummicroparaummacroestado,dotipoqueocorrenumcontadorGeigerounumacâmaradecondensação.Aocontrário,naminhavisão,esseprocessonãonostiraaindadodomíniopotencial:oestadomacroscópicodeumcontadorGeiger,porexemplo,tomadocomoumsistemafísico,aindaseencontrasituadonoplanofísico.Apassagem,porconseguinte,dapotênciaaoatoéefetuada,nãoapenaspeloprocessoemquestão,maspelofatodequeoprópriocontadorGeigeré“mais”doqueumsistemafísico.Nãoé,naverdade,umprocessofísico-um“atofísicodeobservação”-queatualizaomicroestado,masapassagemdeSXparaX(sequisermos,docontadorGeigerpotencialparaoatual).
Heisenberg,porsuavez,mantém(comovimos)queatransiçãodo“possível”parao“real”éefetuadosimplesmentepelo“atodeobservaçãofísico”.Todavia,elesevêforçadoaadmitirqueoatofísiconãopodeexplicarochamadocolapsodovetordeestadopoiseleprecisatrazeràcenaa“mentedoobservador”:
“Amudançadescontínuanafunçãodeprobabilidadetemlugarcomoatoderegistro,poiséessamudançadescontínuadonossoconhecimento,noinstantedoregistro,quetemporimagemamudançadescontínuadafunçãodeprobabilidade.”30
Deminhaparte,achodifícilentendercomoumaondadeprobabilidadespossaterumconteúdo“completamenteobjetivo”seeladependerdeoresultadodeumexperimentosermentalmente“registrado”ounão.Seaposiçãodeumponteiro,digamos,carregaumestadodecoisasobjetivodepoisdetersido‘lido’,porquenãoanteslParecequeestamosdevoltaaoreinomísticodogatodeSchrodinger,noqualosvetoresdeestadocolapsampelaaberturadeumaportinhola.Aocontrário,enquantonãodistinguirmoscategoricamenteentreumsistemafísico—pormaismacroscópicoqueseja—eumobjetocorpóreo,defatonãohaverásaídaparaessedilema.Naverdade,éumteoremadamecânicaquân-ticaquesistemasfísicosnãocausamocolapsodovetordeestado.Sesupusermos,portanto,queexistamsistemasfísicoseatospsíquicos-enadamais-segue-seentãoqueocolapsoemquestãotemquesercausadoporumatopsíquico.
Édesenotar,contudo,queopróprioHeisenbergpareçanãoestarsatisfeitocomadicotomiaentre‘sistemasfísicoseatospsíquicos’.Vezporoutraelecensuraa“partiçãocartesiana”:uma“simplificaçãoexageradaeperigosa”,comochama.3132Emcertosmomentoseleparecequaseintuirodomíniocorpóreo.“Afinal,nossaspercepções”,escreveemumadessaspassagensnãocartesianas,
“nãosãobasicamentefeixesdecoresougamassonoras;aquiloquepercebemosjáéapreendidocomoalgumacoisa,aênfaseaquisendonapalavra‘coisa’eé,portanto,duvidososeiremosganharementendimentoaoconsiderarmosaspercepções,aoinvésdascoisas,comooselementosbásicosdarealidade.”r,H
Emoutraspalavras,oquepercebemospodenãosersomente“feixesdecores”,mas,“coisas”,objetoscorpóreos,comotenhodito.Nãoobstante,Heisenbergparecenãoterpercebidoqueaalternativacartesiana-ouseja,avisãobi-furcacionistaacercadapercepção-nãoapenasédevantagem“duvidosa”,mas,naverdade,indefensável.Eleparecenemtercogitadoqueumolharnãobifurcacionistaparaapercepção,levadoatésuaconclusãológica,poderialivrarsuafilosofiadesuapremissamaisembaraçosa:anoção,asaber,dequeocolapsodovetordeestadoresultadoatodeum“registro”.
Assimsendo,afilosofiadeHeisenbergeaminhanãocoincidem.Certamenteexisteumelementodemistérioemambas:emumaéoenigmadocolapsodovetordeestado—dogatodeSchrõdinger,poderiamosdizer-enaoutraé,acimadetudo,omilagredodomíniocorpóreo-domundovisíveletangível—e,porconseguinte,doAtocriadormesmo.
CapituloIV
1
Issonãosignifica,entretanto,queumobjetofísicoespecíficonãoexistisseantesdesuaespecificação.Nãoestousugerindo,porexemplo,queoplanetaJúpitertenhadealgumamaneirasematerializadonomomentoemquefoiobservadopelaprimeiravez.Oqueestoudizendoéqueseprecisa,emprimeirolugar,especificarumobjetoantesquesepossaperguntar,entreoutrascoisas,seaqueleobjetojáexistia,digamos,hámilanos.EnocasodeJúpiter,certamentearespostaaessaperguntaéafirmativa.Existemoutrostiposdeobjetos,comoveremos,ondeomesmonãoocorre.
2
Alemão,nascidoem1922,emigraparaosEUAaos30anosdeidade.Laureadoem1989,aoladode
WolfgangPaul,pelodesenvolvimentoconjuntodatécnicadecapturadeíons,iontrap.(N.T.)
3
Falandodemodoestrito,nãoésomenteonúmero,digamos,deátomos,oqueimportaaesserespeito,mastambémamaneirapelaqualciesestãoarranjados.Nocasodoschamadosarranjosaperiódicos,porexemplo,efeitosquânticospodemintervirmesmoparagrupamentosmacroscópicos.
4
iirazoávelsuporqueessa‘passagemparaolimiteclássico’possanãoserlegítimanemmesmonocasodosorganismosvivosmaissimples.Comojáseconjeturou,nãoéimprovávelqueaindeterminaçãodetipoquânticosejavitalnosfenômenosligadosàvida.
5
Tem-seaindaquelevaremcontaodeterminismoclássico,comcerteza,masoproblemaéprontamenteresolvidoamvistadeasleisclássicas,quenospossibilitampreveraevoluçãodeumsistemafísipo,seremincrentementeprobabilísticaseaplicáveissomenteaomundomacroscópiço.
6
()termotécnicoensvmbkestatístico-usadomesmoemtextosemlínguaportu
guesaformalizaanoçãoaeumgrandenúmerodecópiasdeumsistema,todaspivparadassobasmesmascondiçõesmacroscópicas,mascujosdetalhesmicroscópicosfogemaocontroledoexpeíimentador.(N.T.)
7
Otermo“colapso”dovetordeestadoficouconsagradonacerminologiadafísicaquântica,apesarde,nummenornúmerodecasos,aparecerotermo“redução”dovetordeestado(N.T).
8
Estamossupondoíjueamediçãosejaefetuadanumexperimento‘doprimeirotipo’.Existemtambémexperimentos‘dosegundotipo’,osquaisnãodeixamosistemanumauto-estadocorrespondente.
9
Deve-semencionarqueílimvetordeestadopodesermultiplicadoporumnúmerocomplexoequeessamultiplicaçãoporumfatornãonulodefatonãoalteraoestadofísicocorrespondente.
10
()spesosoucoeficientesnestasomaponderadaserãoemgeralnúmeroscomplexos,sendoessefarovitalparaaleoriac|uânlica.Senãolivéssemosnúmeroscomplexosànossadisposição(númerost|ueenvolvama
raizquadrada‘imaginária’de-1),seríamosincapazesdecompreenderomundomicroscópico.
11
Asuperposiçãodeestadosquânlicospodesercompreendidapelaanalogiacomasuperposiçãodeondassonoras.(ámsidercumtomproduzidoporuminslrumcnlomusical:umviolino,umoboé,umórgão,etc.Ciadaumdessestonspossuisuacaracturísticaseuprópriotimbre,comoéchamado-eéporissoquepodemosreconheceruminstrumentoporseutom.Cadatom,contudo,podeserrepresentadoporumasuperposiçãotiostonschamadospuros,ouseja,aquelescujasondassonorassejamumafunçãosenoidalsimples.Naverdade,oqueumsinfelizatlorsonorocria,aoreproduzirosom,porexemplo,deuma(lauta,émesclarcerronúmerodetonspurosnasproporçõescorretas.Outroexemplociesuperposiçãoéolatocieumacorqualquerpoderserobtidacomoumasuperposiçãodastrêscoresprimárias.Ou,ainda,aluzbranca,quandoatravessaumprisma,desmembra-seemluzdeváriascores,numprocessoquepodeinclusiveserrevertido.Devemosnotar,ademais,queemtodosessescasosdesuperposição,estamoslidandoinegavelmentecommovimentosondulatóriosdeumtipooudeoutro.Ora,tendoemcontaqueasuperposiçãoéfundamentalparaamecânicaquânticacqueseapresentacomoumfenômenoondulatório,somoslevadosàsuposiçãoqueosentesquânticossejamdefatoondas,conclusãoquefoi,naverdade,levadaasériopormuitosfísicos,acomeçarporF.rwinSchrõdinger,umdosfundadoresdateoria.Oleitordevelembrarqueotermo‘mecânicaondulatória’temsidousadofrequentementecomosinônimodeteoriaejuântica.Deve-secompreender,nãoobstante,que,seessesentesforemdefato‘ondas’,elas
12
sâonecessariamentecmdas‘suMwnpíricas’,ondasqueemprincípionãopodemserobservadas,pois,comosabemos,ateoriaquânticainsistecmqueumacoisaéosistemafísicoeoutraseusobserváveis.Nãoestáclaro,portanto,queseganhealgumacoisaaosereferirasistemasquânticoscomo‘ondas’.Nofinaldascontas,oprincípiodasuperposiçãoparecenosdizertudooquepodeetudooquedeveserditoarespeito.Ideafirma,sequisermos,queasentidadesquânticaspodemsersuperpôstas‘comosefossemondasdealgumtipo’.Acrescentemos,paraleitorescomalgumconhecimentodamatemáticadateoriaquântica,queofatordefaseexp(-2mV'J/h),onipresentenoníveldosvetoresdeestado,satisfazdefatoà‘naturezaondulatória’dosestadosquânticos.Paratodososefeitos,podemosconcluirdizendoqueateoriaquânticajáresolveuodilemaonda-partículaaorelegarostloisconceitosmutuamentecontraditóriosadiferentesplanosontológicos:asondasaodomíniofísico,easpartículasaodomínioempíripó,ouseja,corpóreo.liisso,dequalquermodo,oqueadistinçãooperadapelamecânicaquânticaentreosistemaeseusobserváveisacabaefetuandodejure,mesmoqueaspessoas,defido,continuemaconfundir-searespeitoaoconfundirodomíniofísicocomocorpóreo.
38Nolugardeautovetores,idevem-seusaroqueDiracchama‘eigenbras’e,emlugardesomasfinitasouinfinitas,necessitam-seintegraisdetipoadequado.
13
V)Supondoqueasomadosquadradosdosvaloresabsolutosdetodosospesossejaiguala1,(umacondiçãoaquesempresepodechegarpelamultiplicaçãodovetordeestadoporumlatornãonuloadequado)equenãohajamautovaloresmúltiplos,aprobabilidadedequeumamediçãoforneçaapossibilidadecorrespondenteaumau-to-vetorparticularédadapeloquadradodovalorabsolutodopesocorrespondente.
14
Quandotncrefiroaovetordeestadocomoum‘conjuntodepossibilidades’,estoudefatoidentificandoovetordeestadocomoestadofísicocorrespondente.Paraserexato,naverdadeéosistemafísiconumdadoestado(enãosuarepresentaçãomatemática!)queé‘umconjuntoousíntesedepossibilidadesempiricamenterealizáveis’.
15
Contrariamenteaoempregomaisemvoganalínguaportuguesa,osentidodotermo“actuaFnalínguainglesaémeriosodeatualidadetemporalemaisodeatualidadedefato,deefetividade,manifestação,vigência-emcontraposiçãoàpossibilidade,aoqueépotencial,aoqueestá/,portanto,empotênciadeseratualizado.Seguemaisdeperto,assim,aterminologiaaristotélicadeatoepotênciaconsagradapelaescolástica.(N.T.)
16
Retornaremosaessaquestãonoscapítulosq
17
ThePrincipiesofQuantumMechanics(Oxford:C)xfordUniversityPress,1958),p.14.
18
Deacordocomarcoriaquântica,aprobabilidadedequeumamediçãofaçaumvetordeestado(normalizado)^colapsarparaumdeterminadoauto-vetoréigualaoquadradodovalorabsolutodocoeficientecorrespondente.Chega-se,então,àsprobabilidadesde0,36e0,64,correspondentesaosauto-vetores|>/71)e|y/,)resirectivamente.
19
Chegou-seaconceberqueéoatodaobservação,efetuadoporumobservadorconsciente,t|ucfazcolapsarovetordeestadodeumsistemafísico.Assim,nopresentecaso,ogato,pelofatodetersuaexistênciadealgumaformaatreladaaoqueacontececomoátomoradioativo,estaria,entreduasobservações(sempreporuma“consciência"),numestadoconcretoqueemaranhasseasduascondiçõescontraditóriasdevivoemorto;talemaranhamcnto(cujafonteéoprincípiodesuperposição)seriadesfeitosempre-esomenteentão-queseefetuasseumaobservaçãoatravésdeumaportinholaquepermitisseacessoperceptivoaoambienteondeestãoogato,oátomoeocontadorGeiger.Claro:taisobservaçõesprecisariamserfeitasporseres“conscientes”.EssainterpretaçãodamecânicaquânticafoipropostaporJohnvonNeumannemaistardeabraçadaporEugenePaulWigner.(N.T.)
20
HansDehmelt,14singleatomicparticleforeverjioatingatrestinfreespi/ce\PhysicaScripta,T22(1988),p.102.
Ovalormaisrecente(2006)c:1,00115965218111(74).Ver:http://physics.nist.gov/cgi-bin/cuu/Value?
eqae|se«rch_'f«r=electron+magnetic+moment.(N.T.)
21
QED:TheStrangeTheoryo/UghlandMatter(Princcton,PrincetonUniversityPress,1988),p.7.
22
C)valorteóricoatualizado(2008)c:1,001159652182.79(7.71).Ver:T.doyima,M.Hayakawa,T.Kinoshita,M.Nio:P/jys.Rei'.D77.053012.(N.T.)
23
Nãoobstante,ninguémpareceestarsatisfeitocomessepontodevista.Comojánoteiantes,aocupaçãoprincipaldosfísicosnãoécomjogospositivistas,masconhecerasentidadestranscendentesqueserevelampormeiodosefeitosmedidos.Elessão‘realistas’decoração.Ocorreapenasqueelesfreqücntementesãoatraídosemdireçãoapremissasnominalistasqueconflitamcomsuasintuiçõesrealistas.Aquitambémtalvezpossamosfalardeuma‘boafísica’sendoinconscientementecorrompidapor‘máfilosofia’.
24
FísicaeFilosofia(Brasília:Ed.UnB,1981,Trad.deJorgeLealFerreira),p.50.Emoutrolugar,Heisenbergassimcoloca:“Scdesejarmoscompararasdescobertasdafísicadepartículascontemporâneacomumafilosofiaanterior,somentepodesercomadePlatão,poisaspartículasdafísicadehojesão,assimnosdizateoriaquântica,representaçõesdegruposdesimetria,eaesserespeitoelasnoslembramoscorpossimétricosdavisãoplatônica.”FncoimterswithFJnstein(Princeton,PrincetonUniversityPress,1989),p.83.
25
Ibid,p.ll3.
26
Ibid.,p.15.
27
Ibid.,p.24.
28
Ibid.,p.25.
29
lbid.,p.87.
30
Ibict,p.25.
31
lbid.,p.60.
32
lbid.,p.45.
MATÉRIA
SIGNATAQUANTITATE
Falamosacercademuitosobjetosfísicos:deestrelasegaláxias,decamposeletromagnéticoseradiação,eatédemoléculas,átomosepartículasfundamentais.Deveriamosestarcientes,entretanto,quecadatipodeobjetoéconcebidoemrelaçãocomumprocedimentoobservacionalquelhecorrespondeeque,porconseguinte,objetosfísicosnãosãobem‘coisasemsimesmas’;sãoantescoisasemrelaçãoamodosespecíficosdeinvestigaçãocientífica.ComoapontouHeisenberg,afísicalida,nãosimplesmentecomanatureza,mascômoqueelechama“nossasrelaçõescomanatureza”.69Poderiamoscolocardaseguinteforma:éopróprioexperi-mentadorquem“interroga”aquiloqueHeisenbergdenominanatureza,12arealidadeexterna,porassimdizer;eleformulasuaquestãopormeiodotipoedoarranjodeinstrumentaçãoempregadae,fatalmente,aindagaçãoacabainduzindoaresposta,aréplicadanatureza.Adiversidadedeobjetosfísicos-de“respostas”queanaturezafornece-éinspirada,assim,peladiversidadedeperguntasquenósmesmoscolocamos.Masnãohámotivoparasuporqueessadiversidadede“perguntas”e“respostas”encontreumequivalentenarealidade.Emcontraste,portanto,comoquechamamosdeuniversofísico,anaturezadaqualestamosfalandonãodeveserconcebidacomoumdomínioouarranjocompostodeobjetosfísicos.Estáclaroqueosobjetosfísicosexistemrealmente;oponto,noentanto,équeessesobjetostêmalgoderelativoedevemserencarados,nãotantocomomúltiplasentidadesindependentes,mascomomanifestaçõesvariadasdeumaúnicaeindivisarealidade.
Devemosnotar,sobretudo,queessaposiçãoontológicanãoésimplesmenteumaquestãodeespeculaçãofilosófica,masqueépraticamentetornadaobrigatóriapelasdescobertasdafísicae,maisespecialmente,pelosresultadosdateoriaquântica-contanto,éclaro,quenosatenhamosaumaposturarealista.ComoapontouDavidBohm:“somoslevadosaumanovanoçãodetotalidadeindivisa,aqualnegaaidéiaclássicadaanalisabilidadedomundoempartesqueexistamseparadaeindependentemente.”3Mas,obviamente,essa“totalidadeindivisa”àqualaludeBohmequivaleànaturezadeHeisenberg:àrealidadetranscendente,podemosdizer,quesemanifestaparcialmentenaformadeobjetosfísicos.Estes,portanto,existem-nãopor“sipróprios”-masemvirtudedarealidadedaqual
elesconstituemumaexpressãoparcial.E,aopassoqueessasmanifestaçõessão“separadas”emúltiplas,arealidademesmapermanece“indivisa”.
Àluzdestasconsiderações,começaanosparecerqueochamadouniversofísico-comoquallidamosnosCapítulos2e3-nãosesustentasozinho,masapontaparaalémdelemesmo;para,porassimdizer,umnívelmaisprofundoderealidade(aoqualestamosdandoprovisoriamenteonomede‘natureza’).Nocursodenossasreflexões,fomoslevadosadistinguirentreosplanosfísicoecorpóreoeagoraparecequeumterceirosubstratoontológicosurgeàvista—oqual,apropósito,parecesermaisfundamental,maisbásicoqueosdoisplanosanteriores.Qualé,então,anaturezadesteterceirodomínio?
Temosfaladodarealidadeprofundacomouma“totalidadeindivisa”,masoquê,exatamente,significaisso?Comopodemoscomeçaracompreenderumreinoexternoquenãosejadefatoconstituídode“partesqueexistamseparadaeindependentemente”?Paracomeçar,cabeanósconsiderarsearealidadeemquestãoaindaestásujeitaàcondiçãoes-paço-temporal.Achamosdifícil,semdúvida,conceberumanaturezaquenãosemanifestassenoespaçoenotempo;mesmoassim,nãoseriaisso,precisamente,oquerequeranoçãodetotalidadeindivisa?
Examinemosaquestão.ÀépocadeNewton,comosabemos,pensava-seque^espaçoetempo‘existissem’independentementedeentidadesmateriais.Oespaço,emparticular,eraconcebidocomoumtipodereceptáculoabsolutonoqualpedaçosdematériaiamsendointroduzidosdealgummodoe,noqual,umavezemposição,estespassariamasemovimentarlivremente.Contudo,comoadventodarelatividadedeEinstein,opanoramamudou.Deacordocomarelatividadegeral,ocontinuumespaço-tempocarregaumaestruturageométricaquetantoafetacomoéafetadapeladistribuiçãodematériaquesedizpreenchê-lo.Espaçoetempo,portanto,setornaminextricavelmenteconectadosàsentidadesmateriaiseaoseventosqueconstituemouniversofísico;emsuma,conteúdoecontinenteperderamseusstatusindependentesepareceagoraqueespaço,tempoematéria-longedeseremprincípiosindependentes-constituemnãomaisqueaspectosdistinguíveisdeumaúnicaemesmarealidade.Sobretudo,aprincipalconsequênciaéquearealidadecomotalnãopodeserconstituídadoespaço,dotempo,nemdamatériaeque,tampouco,possasercontidanoespaçoounotempo,poiséarealidademesma,afinal,quem,emcertosentido,‘contém’oespaço-tempo-assimcomopodemosdizerqueumacausa‘contém’seusefeitos.
Ora,afísicavê-setotalmenteincapazdereconhecerseusprópriosobjetoscomoefeitosoumanifestaçõesdeumarealidadeque,emprincípio,estejamalémdeseualcanceou,paracolocardeoutromodo:nadanoplanotécnicocompeleocientistaapostulartalrealidade.Emquepeseessedistanciamentopode-se,nãoobstante,dizerqueasdescobertasgenuínasdafísicaapontamexatamentenaqueladireção.
ComoexpressouHenryStapp:“tudooquesabemossobreanaturezaestádeacordocomaidéiadequeoprocessofundamentaldanaturezaencontra-seforadoespaço-tempo...masquegeraeventospossíveisdeseremidentificadosnoespaço-tempo.”45
Quaisseriam,então,algumasdasdescobertasqueapontamparaalémdocontinuumdoespaço-tempo?Ésuficienteapontarapenasuma,amaisimpressionantedetodas,acredito:oteoremadoentrelaçamentodeBell.Osfó-tonsAeB,digamos,estãoviajandoemdireçõesopostas—àvelocidadedaluz!—e,nãoobstante,umaobservaçãoefetuadanofótonApareceafetarofótonBinstantaneamente.Oquedevemosconcluirdisso?Ora,deacordocomaontologia-quesetornouobrigatória-das“partesqueexistemseparadaeindependentemente”,nosvemosobrigadosapostular
I
algumtipodetransmissãodeinfluênciadeAparaBquesedêaumavelocidadesuperioràdaluz.Estepostuladoproblemático,noentanto,torna-sesupérfluonoinstanteemquereconhecemososfótonsAeBcomomanifestaçõesdeumaúnicarealidadesubjacente,pois,defato,ondequerquehajaunidadeouuma“totalidadeindivisa”,nãosevênecessidadeparacomunicaçõesoutransmissõesdeefeitosatravésdoespaçoedotempo.OpontoessencialdoteoremadeBell,portanto,oudosfenômenosEPRemgeral,6apareceserqueaspartículasirmãsenvolvidasnosfenômenosnãosejamnaverdade“partesqueexistamseparadaeindependentemente”.
Podemosdizerqueelasestão“separadas”,semdúvida,porseapresentarememdiferentesregiõesdoespaço-tempoe,também,porquesomoscapazesdeobservarcadaumadelasnessascircunstâncias.Mas,então,tudopareceestarapontandoparaofatodequeumapartículanãopossasercompletamenteconhecidapormeiosempíricos;eseformesmoverdadeiro-comotemostodoodireitodesupor-que“pororaconhecemosapenasemparte”,entãosetorna
prontamenteconcebívelqueumapartículapossatranscendersualocalizaçãomanifestae,dessamaneira,transcenderigualmentesuaidentidadefenomênica.Numapalavra,ébempossívelqueapartículasejaalgoalémdoqueoolharcientíficopossadarcontae,pelomesmomotivo,maisdoquesepodeespremerparadentrodocontinuumquadridimen-sional,maisdoqueelepodeconfinar.Devodeixarclaro,noentanto,queoqueestáemjogoaquinãoéadimensionalida-dedoespaço-tempo,masocaráterabsolutoourelativodaqueleconfinamento.Meuargumento,porconseguinte,nãoéqueapartícula‘seprojeteparaoutradimensão’,masque,alémdeseuaspectoempírico,elapossuiumanaturezaquedemodoalgumestásujeitaaesse‘confinamento’.
Tudoconduzaoseguinte:anatureza,emquepesenãoseremsimesmaespaço-temporal,apresenta-seassimquandopostasobobservação.Noentanto,devemosentenderessaafirmaçãonumsentidorealistaenãonumsentidokantiano.Nãoéqueascondiçõesespaço-temporaissejamimpostassobrearealidadenuminosa6peloobservadorhumano,masqueascoisaserelaçõesobservadaspornós-‘matéria,espaçoetempo’,sequisermos-manifestamouatualizamcertaspotênciaspré-existentes,umpotencialquepertenceànaturezaenquantotal.Umavezmaiséofísicoquem‘colocaapergunta’,maséapróprianaturezaquemdáaresposta.Eessaresposta-sejamosclarosaesserespeito-éindicativanãoapenasdaconstituiçãohumanaoudoarranjodenossosinstrumentos,mas,antesdetudoe,principalmente,darealidademesma.Nofinaldascontas,éaprópriarealidadequemsenosapresentaatravésdascategoriasdoespaçoedotempo,elamesma,noentanto,nãoestandosujeitaaessascategorias.Paramáximaclareza,reiteroqueascondiçõesdeespaçoetemponãosãosimplesmenteimpostasdesdefora,àlaKant,masestãopotencialmentecontidasnarealidadeenquantotal-assimcomopontoseretasestãopotencialmentecontidasnoplanoeuclidiano.
Oqueé,então,umobjetofísico?Nadamais,nadamenos,somoslevadosaadmitir,queumamanifestaçãoparticulardarealidadetotal.Quaobjetofísico,semdúvida,eleexistenoespaçoenotempoeexibecertaidentidadefenomê-nica;porém,emsimesmo,eletranscendeesseslimiteseessaidentidadeaparente.Anoçãodamultiplicidadedeparticularesaplica-se,assim,‘próximaàsuperfície’,emrespostaa‘perguntas’diferentesquecolocamos,enquantoa‘totalidadeindivisa’reinanasprofundidadesinsondáveis.
Sempreépossível,claro,aferrar-seàcrençadifundidadequearealidadecoincidecomocontinuumespaço-tempo-raleseuconteúdomúltiplo,mas
parecequeessareduçãocostumeiradorealaomanifestadoestásetornandocadavezmaisforçadaeprecáriaemfacedodesenvolvimentocientíficoatual.AfísicahojevaicontraessaWeltanschauungrestritiva;“Tudooquesabemossobreanatureza”,dizStapp,“estádeacordocomaidéiadequeseuprocessofundamentalencontra-seforadoespaço-tempo...”.AcrescentemosquenenhumresultadoparticularémaissugestivodestanovaidéiadoqueoteoremadoentrelaçamentodeBell.Defato,podemosdizerqueoteoremadeBelléomaispróximoqueafísicapossachegardoreconhecimentoformaldestarevisãoon-tológicaquetenhotentadodelinear:asaber,adequenãohásomenteumcontinuumespaço-temporalaconterváriasentidades,mastambém,numnívelmaisfundamental,umapotênciaaindaindiferenciada,aqualnãoestápresentenemnoespaçonemnotempoesobreaqualnadadeespecíficopodeserafirmado.‘Arealidadeénãolocal’,talvezissosejaomáximoquepossamosafirmar.
Muitoemborananaturezanãohajanada-nenhuma‘coisa’,melhordizendo-quepossamosconhecer,permaneceofatodequepodemose,defato,conseguimosconhecê-lapormeiodouniversoespaço-temporal.Essa,afinal,éarazãodeserdafísica:ofísicoquerconhecera‘estruturadanatureza’;ocorreapenasqueeleéobrigadoavislumbraraquela‘estrutura’indiretamente,ouseja,pormeiodesuasmanifestaçõesfísicas.
Porém,devemosnotarqueatémesmoasestruturasgeométricasmaisfamiliaressomentepodemserconhecidáspormeiosindiretos.Como,porexemplo,podemosdescreverouaxiomatizaraestruturadoespaçoeuclidiano?Comobemsabetodomatemático,issopodeserconseguidodediversasmaneiras:àlaEuclides,emtermosdaspropriedadesdecertasfigurasconstruídasapartirdepontos,retasecírculos;ouàlaFelixKlein,emtermosdeinvariantesdeumgrupocontínuodetransformações.Noentanto,acircunstânciamesmadequeessasdiversascaracterizaçõessejamnotavelmentedistintasjátestemunhamofatodequeestamosaabordaraestruturadoplanoeuclidianopormeiodeumconstrutoauxiliar,umaestruturasecundáriadealgumtipo,aqualépresumivelmentemaisconcretaeacessível.Aestruturaprimáriavê-sereveladaapartirdasecundária,podemosdizer.Naabordagemclássica,porexemplo,damosatençãoàsfigurasconstruídas,masnãodiretamenteaoplanoeuclidiano,pois,naverdade,noplanoemsinãoháoqueservisto.
Substituamosentãooplanoeuclidianopelanaturezaeasfigurasdageometriaclássicapelossistemasfísicos,eassimpodemosterumaintuiçãosobreoquê
versaafísica.Pormeiodaanalogiageométrica,nostornamoscapazesdecompreendercomoaestruturadanatureza-emquepeseestaroculta-podesemanifestarnasleisfundamentaisdafísica,nasleis,asaber,queseaplicamsempreeemtodolugaraossistemasfísicosaosquaiselassereferem.AsequaçõesdeMaxwellsãoumexemploesplêndidoporseaplicarematodososcamposeletromagnéticos,aexemplodoteoremadePitágoras,digamos,queseaplicaatodosostriângulosretângulos.Amaiordiferença,contudo,entreageometriaeuclidianaeafísicaatual,équeestaúltimaaindanãodispõedeumconjuntosimplesecompletodeprincípiosquecubramtodooterreno.Écomoseofísicodispusessedeumconjuntodeleisparaos‘triângulos’eoutroparaos‘círculos’,mascarecesseaindadeumaleiqueseaplicasseaambosequepudesseseraplicada,emprincípioaomenos,atodasasoutrasfigurasquesepossamconstruir.Podemosdizerqueafísica,nopresenteestado,versasobre‘teoremas’,masqueaindanãodescobriuumconjuntosimplesdeaxiomasapartirdoqualtodoorestopossa,emprincípio,serderivado.Esteé,obviamente,oobjetivoúltimodabuscadosfísicos:elesprocuramporumaleiúnica,quesejasimples(naformadealgumtipodeteoriaquânticadecamposunificante,talvez)equedescrevacorretamentetodosossistemasfísicosconcebíveis.Podeatéparecerqueestejamospróximosdeatingirarealizaçãodesseideal.Talfeito,dequalquermaneira,realizariaparaafísicaoqueaaxiomatizaçãodoplanoeuclidianorealizouparaageometriaclássica:dar-nos-iaumarepresentação,digamos,fiel,daestruturaprimária.
Pode-selevantaraobjeçãodequeasleisdafísicatenhamaver,comodisseHeisenberg,com“asnossasrelaçõescomanatureza”,masnãocomanaturezaemsi.Aquestão,emtodocaso,équeelastêmavercomambas,damesmamaneiraqueoteoremadePitágoras,porexemplo,temavernãoapenascomcertaclassedefigurasconstruídas,mastambémcomaestruturadoplanoeuclidiano.Porqueumfatodeveriaexcluirooutro?ConscientementeEddingtonproclamouqueasleisfundamentaisdafísica—incluindoatéasconstantesadimensionaisdanatureza-podemserdeduzidasaprioridomodusoperandipeloqualasleisemquestãosãopostasemteste.Apartirdoexamedarededopescador,dizEddington,podemossacarconclusõesarespeitodanaturezadopeixeaserpegonestarede;eledevesermaior,porexemplo,doquecertotamanho,etc.Porém,pormaisfascinantequesejaestafilosofiadafísica,ninguémjamaislogrouêxitonestaempresakantianaepoucosfísicosatualmente(seéqueháalgum),seguiriamEddingtonemsuaspropostasradicalmentesubjetivistas.Aconclusãopareceserqueasleisdafísicanosfalam,nãoapenasarespeitode“nossasrelaçõescomanatureza”,mastambém
fundamentalmentedanaturezaemsi.
Talnatureza,noentanto,éelamesmademasiadoocultae,defato,metafísica.Ora,semdúvidanãoéfácilconceberrealidadesmetafísicaseécertamenteimpossívelretratarouimaginarcoisasdestaclasse.Porém,comoosfísicosbemsabem,naverdadesomoscapazesdeconcebercoisasinimagináveise,defato,ofazemoscommáximaclarezaeexatidão.Portanto,nãoéverdadedemaneiraalgumaqueoconhecimentohumanoestejarestritoàordemsensível,comocertoscéticostêmproclamado.Seépossívelconceberaordemfísica(aqual,comovimos,extrapolaodomíniosensível),entãoporquenãotambémaordemmetafísica,aordemdecoisasquetranscendemoslimitesdoespaçoedotempo?Assim,adespeitodosenganosdosfilósofosocidentais,acomeçarporLocke,HumeeKant,parecequeametafísica,entendidadestemodo,nãoé,afinaldecontas,umempreendimentovãoouinfactível.
Comosempre,entretanto,necessitamosdosuportedeimagenssensíveis,deumametáforaapropriada(<metaphe-rein,‘transferir’),deumparadigmacorporal.
Qualseria,então,umametáforaapropriadaparaoconceitodenaturezaaoqualchegamos?Qualseria,defato,oparadigmaquesetemmantidoàespreitanofundodenossasmentesdurantetodoessetempo?Nãoénenhumoutroqueomodelohilomórficoouescultural,sobreoqual,numcertosentido,seergueametafísicadeAristóteles.Essemodelopodeounãoestarpatente,masmerece,emtodocaso,queoexpliquemoscomodevidocuidado.
Pensenumpedaçodemadeira(hyléemgrego)oudemármore,recebendoaforma(morphe)deApoioouSócrates.Oenteconcreto-aestátua—está,portanto,composta,numcertosentido,pordoisfatores:hylémaismorphe.Ficapatente,noentanto,quemorphenãopossuiumaexistênciaconcretaprópria,àpartedaqueladamadeiraoudomármorenaqualfoitalhada.Mas,oquedizerdahylé?Setomarmosotermonosentidoliteral,elacertamentepossuiumaexistênciadevidoaofatodequeopedaçodemadeiraoriginaltemumamorpheprópria.Poroutrolado,hylé,nosentidoquelhedáAristóteles,ésimplesmenteorecipientedamorpheenadamais.Ahyléaristotélicaé,porconseguinte,concebidacomoumsubstratopuroqueseencontraabaixo,figu-rativamentefalando,doníveldaexistênciaconcreta.Elaconstitui,literalmente,umnãoente;nãoobstante,assimcomoozeromatemático,este‘nada’,porestranhoquepareça,desempenhaumpapelcrucial,emvirtudedoqual,paracomeçar,podemosentenderahyléaristotélica.Qualentãoéopapeldestahylé?Recebera
morphe,receberconteúdo-receberoser,naverdade—istoelasópodefazerprecisamenteporque,emsimesma,elaéamorfa,vaziae,defato,nãoexistente.
Amorphe,porsuavez,nãopossuitampoucoexistênciaconcreta,comojádissemos;elaexisteemconjunçãocomahylé-assimcomoaformadeApoioexisteemconjunçãocomomármorequelhedásuporte.Amorphe,entretanto,nãoésimplesmenteá“forma,ocontornoouafigura”numsentidomaisoumenosvisual—nãosedevelevarmuitolongeametáforadaescultura.Opontoéqueamorphedeumenteexistenteéprecisamenteseuaspectocognoscível,ouseja,umacoisaéinteligívelemvirtudedesuamorphe,masexistenteporcontadahylé.Nãodigo‘sua’hyléporqueesta,demodoestrito,nãopertenceàcoisa,nãomaisdoquesepoderiadizerqueooceanopertenceaumaondaemparticular.Amorphe,poroutrolado,pertencedefatoàcoisa,poisamorphedeumenteéverdadeiramentesuaessência(<esse,“verboser”).(ir’Elaéoqueconhecemosepodemosconhecer;e,logo,elaéo‘quê’ouaquididadedacoisa.Deve-seteremmente,noentanto,queoenteexistentenãocoincidesimplesmentecomsuaquididade:elepossuitambémseuaspectohílico,oqualpornaturezamantém-seininteligível—umfatodeimportânciacapital.
Devemosnotarque,comorenascimentodafilosofiaAristotélicaduranteaEscolástica,otermogregomorphefoinaturalmentesubstituídopelotermolatinoforma,ehylétornou-sematéria.Passandoporumacertaevolução,amatériaescolásticatornou-sefinalmentea“matéria”dafísicadeNewton-osentidoexatodaqual,porém,estálongedeserclaro.Falandoontologicamente,esteremanescentedaeranewtonianaconstitui,porcoincidência,umhíbridodematériaeformanosentidoautêntico.Diferentementeda“massa”-comaqualelaéusualmenteconfundida-elanãotemlugarnaeconomiadopensamentocientífico.7
0maispróximodamatériaautênticaquea“matéria”newtonianajamaischegariafoi,semdúvida,omalfadadoéter,cujafunçãoviriaseradeumsuporteparaocampoeletromagnético.Adespeitodesuaperfeitahomogeneidade,deumaintangibilidadeextremaedeoutrascaracterísticas“etéreas”,aqueleéteraindaeraconcebidocomouma“substância”nosentidomoderno.Amatériaautêntica,poroutrolado,éalgobastantedistinto.Primeiroquetudodevemosentenderqueamatérianãoocupalugarnoespaço-issoéevidente,pois,oespaçotemavercomrelaçõesgeométricasentreentesjáexistentes.Ontologicamentefalando,portanto,oespaçoéposterioràmatéria,omesmoseaplicandoaotempo.Mesmoassim,podemosdizerqueoespaço,tomadocomo
umreceptáculovaziooucomoumcontinenteuniversal,constituiumtipodesímbolonaturalouumaimagemcósmicadosubstratomaterial.Amatériaautêntica,assim,longedeestarcaracterizadapelaextensãocomoa“matéria”newtonianaestá,aocontrário,alinhadaaocontinente,aopuroreceptáculo.
Seriabomteceralgunscomentários,nesteponto,arespeitodafilosofiaconhecidacomomaterialismo-quejáteveseusdias-aqualpretendeexplicartodasascoisasemtermosda“matéria”newtonianaapenas.Ora,emprimeirolugar,éóbviodoquesedisseacimaqueaexistênciacorpó-reademandanecessariamentedoisprincípios.Se,noentanto,procuramosmesmoassimreduzirascoisascorpóreasaumprincípioapenas,a“matéria”newtonianaacabasendoapiorescolha.Pois,àparteavaguezainerentedestanoçãoesuainutilidadenumplanorigorosamentecientífico,oconceitoencontra-seaindapredominantementedoladodamatéria.Elarepresentaaexistênciadesnudada,digamos,damaiorpartedeseuconteúdoformal,constituindo,assim,umaespéciedematériaaproximadaouquase-substância.Portanto,omaterialistaestáolhandoparaamatériaemsuabuscaporumprincípioúnicoemtermosdoqualtudopossasercompreendido,umaescolhainfeliz,vistoqueamatériaénãoapenascemporcentoininteligívelporsuapróprianatureza,masaindaporqueéelamesmaquememprestaatodasasoutrascoisassuasrespectivasparcelasdeininteligibilidade.Aguinada,portanto,queafísicasofreu,deumainterpretaçãomaterialistaparaumaestruturalista-queveioareboquedarelatividadedeEinstein-representa,semdúvida,umgironadireçãocorreta:damatériaparaoaspectointeligíveldarealidade.
Ofato,noentanto,deascoisassereminteligíveisemvirtudedeseusaspectosformais,nãoimplicaqueelaspossamseradequadamenteconcebidaspuraesimplesmentecomoformasoucomoestruturasnosentidousadopelosfísicos.Assim,seomaterialismoacabasendoinviável,omesmoocorre,nofimdascontas,comoestruturalismo,pois,defato,nãopodehavernenhumaontologiaviável—éoqueestousustentando-semqueseinvoque,deummodooudeoutro,oparadigmahilomórfico.Aidéiadeexistênciacorporalexigedoisprincípioscomplementares,osquaisnãofazemoutracoisaqueresponderàsconcepçõesirmãsdematériaeforma.Issoexplicaporquenoçõescorrespondentessãoencontradasnasmaisimportantesontologias,daChinaedaíndiaàGréciaeàantigaPalestina.8
*
Parapercebermosanecessidadedaconcepçãohilo-mórficanãoprecisamosmaisquerefletiracercadoenigmaepistemológico,doproblemadoconhecimento.Estivemossustentandoqueodomíniocorpóreoécognoscívelpormeiodapercepçãosensorialeodomíniofísicopormeiodomodusoperandidaobservaçãocientífica;mas,oquesignifica‘saber’?Tenhoindicadoqueoprocessodoconhecerculminanumatointelectivo,masqualanaturezadesteato?Emquêeleconsiste?
ComoAristóteleshámuitoapontava,oatodoconhecerconsistenumacertauniãodointelectocomseuobjeto.Mascomopodeointelectounir-seàcoisaexterior?Talunião,certamente,sópodeserconcebidaemtermosdeumaterceiraentidadeouelementocomum,oqualambos,objetoesujeito,possuemcadaumnomodoquelheépróprio;edeveseressetertiumquid,precisamente,oquetornaoobjetocognoscível.
Mas,somenteemparte!Porque,afinal,nãoéoobjetoexterno-nuecru-que‘passaparadentrodosujeito’,massomenteoquedenomineitertiumquid.Esteterceirofatorrespondeàquestão‘Oquê?’:éaquiloqueconhecemos.E,nãoobstante,elenãocoincideexatamentecomoobjetoenquantotal,pois,comodissemos,oúltimoé,forçosamente,‘mais’doqueotertiumquid.
Ora,otertiumquid,semdúvida,nãoéoutroqueamorphedeAristóteles,aformaouquididadedoenteexistente.Porém,vistoqueacoisanãocoincidecomsuamorphe,precisamospostularumsegundoprincípio-umX,sequisermos—quedistingueosdoisouque,porassimdizer,efetuaadistinção.EsseX(oqualé,necessariamente,incog-noscívelenãopossuiquididade)evidentementeequivaleàmatéria.Chegamos,assim,pormeiodeconsideraçõesepis-temológicasbastantesingelas,àsconcepçõesbásicasdoparadigmahilomórfico.
Éútilmencionarqueamorpheoutertiumquidprecisaigualmentesertornadaexistentesubjetivamente,ouseja,noplanomental.Elaprecisacomoqueservestidanamenteatravésdeimagenseser,porassimdizer,‘corporifi-cada’.Oprocessodoconhecerhumanoécomplexo,comotivemosocasiãodesalientar,mas,nãoobstante,eleéconsumadonumúnicoatointelectivoqueéperfeitamentesimplese
poressamesmarazãofogeàanálise.Éaqui-nesteatoenigmático-quetemlugarauniãocognitiva,quesujeitoeobjetoseunificam.
*
Mencioneinoiníciodesteinterlúdioontológicoqueaidéiadenaturezaàqualtínhamoschegadoanteriormenterelaciona-secomoparadigmahilomórfico.Obviamentegostaríamosdeconceberanaturezacomoamatéria;porém,sendoestadotada,comovimos,deumaformaquelheéprópria,elanãoéamatérianosentidoabsoluto,nãoéamatériaprimadequefalavamosEscolásticos.Noentanto,elaevidentementeconstituiumamatériasecundaemrelaçãoaomundoespaço-temporalprecisamentedomesmomodoqueoplanoeuclidianopodeserdesignadoumamatériasecundacomrelaçãoaouniversodasfigurasgeométricastraçadassobreele.Comomatéria,portanto,elaencontra-se‘abaixo’dodomínioespaço-temporalnumsentidoontológico,comoportadoraoureceptáculodeseuconteúdoformal.Aindaassimelapossuiumaforma,aqualpassaadianteparaouniversocomoumtodoàmaneiradeumaleiouprincípiouniversaldeordem,comoummínimodenominadorcomum,digamos,dosomatóriototaldasformasmanifestadas.Anatureza,assim,aparececomosendoamatériasignataquantitate(umamatéria‘marcadapelaquantidade’),senospermitemadotaressemagníficotermotomista.67
Finalmente,devemosnotarqueoparadigmageométricoeuclidiano(emtermosdoqualprocureiexplicaraanálisedafísica)édefatoequivalenteaohilomórfico.Eleconstituiverdadeiramenteaformaouversãodoparadigmahilomórficoquemaisdiretamenteserelacionaaomodusoperandidafísica.E,comotal,torna-seindispensável.68
*
Seriainteressanterefletir,àluzdessasconsiderações,arespeitodaaplicaçãoaodomíniocorpóreodafamosadistinçãoentre‘quantidade’e‘qualidade’.Qualéosignificadoontológico(seéqueháalgum)destasupostacomplementaridade?Emprimeirolugar,devemosnotarque,porpertenceremaonívelcorpóreo,asquantidadesemquestãodevemdealgummodoserperceptíveis.Parasermaisexato:deveserpossívelobservá-lasoudeterminá-lassemousodeins-
67Deformaalgumaestouafirmandoqueosignificadopormimatribuídoaestetermocoincidecomsuaconotaçãotomistaoriginal.CertamenteoDoutorAngéliconãoestavapensandoemteoriaquânticadecampos!Aindamais,parecequeanoçãodeestruturamatemáticasejainerentementeplatônicaeumpoucoestranhaàmenteescolástica.Dequalquerforma,osentidotomistadotermopodeserencontradoemDeenteetessentia,cap.2.
68Deve-serecordaracélebreadvertênciasupostamenteapensasobreoportaldaAcademiaplatônica:
“Queninguémignoranteemgeometriaentreaqui.”Iívidentementenãoéacidentalqueageometriatenhaocupadoumlugardehonracentralnastradiçõespitagóricaeplatônica.Podemossuporquenestaformaantigaounaeuclidiana,estaciênciatenha,defato,constituídoumadasmaisimportanteschavesparauma‘cosmologia’genuína.OsignificadodainscriçãodePlatão,parece,équeninguémignoranteemgeometriaécapa\de‘entraraqui’.
trumentosdelaboratório.Ora,ocorrequehádoismodosdaquantidade:‘número’,nosentidodacardinalidade,e‘extensão’.Oprimeiroécertamenteapuradopormeiodeumacontagemou,nocasodeamostrassuficientementepequenas,pormeiodesimplesinspeçãodireta.Aextensão,poroutrolado,temavercom‘grande’e‘pequeno’,‘retilíneo’ou‘curvi-líneo’ecomtodaumagamadeoutrosatributosgeométricospertencentesaoâmbitodapercepçãohumana.Asduasclassesdequantidadeestãointimamenteligadaseestaéarazãopelaqualumaúnicaemesmaciência-amatemática—écapazdelidareficientementecomambas.
Asqualidades,porsuavez,poderiamsercaracterizadasprecisamentepelofatodenãosedobraremàdescriçãomatemáticae,certamente,esteéomotivoprincipalquelevouGalileueDescartesabaniremdomundoexterioressesatributoschamados‘secundários’:asqualidadestinhamqueserdispensadaspornãoseencaixaremnumuniversomecânico,numuniversoquepudesseserentendidoexclusivamenteemtermosmatemáticos.Noentanto,comojádemonstramosàexaustão,asqualidadesexistemapesardetudo;avermelhidãodamaçã,porexemplo,existeepertenceaoobjetoexteriortantoquantosuaformanoespaço.Tudoseresumenoseguinte:umacoisadesprovidadequalidadeséipsofactoimperceptível,pois,naverdade,ascoisassomentesãopercebidasemvirtudedasqualidadesquepossuem-assimcomopaísesnummapa,porexemplo,somentesetornamvisíveispormeiodesuascoresrespectivasenãopor
causadesuasfronteiras,parausarmosotermoexato,geométricas.Descobrimosafinalqueomundocorpóreocomportaaambas:‘quantidade’e‘qualidade’-como,aliás,amaioriadaspessoassemprepensou.
Aopassoqueasqualidadesaparecememtodolugarnoplanocorpóreo,nemumaúnicadelasseráencontradanoplanofísicojáque,comovimos,esteúltimoconsistedecoisasquepodemserexaustivamentedescritasemtermosmatemáticos.Eleconsistedeestruturasmatemáticasou,comoàsvezestenhomereferido,de‘formasmatemáticasatualizadas’,‘tornadasexistentes’.Noentanto,nuncadevemosnosesquecerqueosobjetosfísicossão,emúltima
instância,nadamaisnadamenosquecertas‘potências’emrelaçãoaomundocorpóreo.Dessamaneira,nãoédeformaalgumadesprovidoderazãoconjeturarqueaexistênciapropriamente‘começa’noplanocorpóreo.Poder-se-iaobviamenteobjetarqueissoémeraquestãodesemânticaequeoepíteto‘existência’poderiaseratribuídoaonívelfísicocomigualrazão;masaí,poressemesmomotivo,estamostambémnodireitodeadotaropontodevistaanterior,eéoqueproponho:ater-nosàidéiadeque‘pordebaixo’doplanocorpóreoencontramospotenliaedeváriostiposenadamais.
Assim,osplanossub-existenciais-asaber,oplanofísicoeamatériasecundainfrafísica-sãoconstituídos,comojáfizemosnotar,deformasmatemáticas.Abaixodoníveldaexistênciasóoquerestaéaquantidade.Aochegarmosaoplanocorpóreo,poroutrolado,emergemasqualidades,atributosquenãopodemsercompreendidosnemexplicadosemtermosquantitativos.Éverdadequeosobjetoscorpóreostambémcomportamatributosquantitativos.Elescarregam,defato,certaestruturamatemáticaderivadadoobjetofísicoassociadoquepodeserplenamentecompreendidaemtermosfísicos.9Esteéomotivoprimeiropeloqualéviávelaciênciafísicaeporqueosfísicostêmatentaçãodeexorcizarasqualidadeseidentificarodomíniocorpóreocomofísico.Deixedeforaasqualidadesesóoquerestaéumúnicodomínioontológico,constituídodeestruturamatemática.
Mas,comosabemos,asqualidadesserecusamaserexorcizadas.Ofato,ademais,dequeasqualidadespermeiemodomíniocorpóreosem,noentanto,poderemserencontradasemquaisquerdosplanossub-existenciais,somentepodesignificarumacoisa:asqualidadesexprimemaessência(<esse,Verboser’);aessência,asaber,daentidadecorpórea.Eessaessência,entendamosdemaneiraclara,nãoéaestruturamatemática:ofatodeosobjetoscorpóreosadmitirematributosqualitativosbastaparaexcluirmosessapossibilidade.
Odomíniocorpóreovê-seconstituído,assim,deessências‘nãomatemáticas’,pormaischocantequeissosoeemnossosdias.10
Tendodiscernidoqueasqualidadessãoindicativasdeessências,precisamosnosperguntarqualé,emcadacaso,osignificadodasquantidadese,emgeral,dasformasmatemáticas.Porém,arespostajáéconhecidadelongadata;comocostumavamdizerosEscolásticos:Numerusstatexpartemateriae.11Aquantidadeeaestruturamatemática,emoutraspalavras,referem-seàmatéria
ou,demodomaisexato,aoaspectomaterialdascoisas.Oobjetoconcretoéconstituído,comovimos,dematériaeformaeessapolaridadeontológicasevêrefletidanoplanodamanifestação.Oobjetoexistenteservedetestemunhodosprincípiospelosquaiseleéconstituído,deseusprincípiospaternosematernos,porassimdizer.Essaéarazão,afinal,pelaqualexis-1112
temambas,qualidadesequantidades,nodomíniocorpóreo:umaindicandoaessência,aoutraindicandoosubstratomaterial.
*
Aluzdessasconsiderações,somosenfimcapazesdedar-noscontadagravidadedodesviocartesiano,poispareceque,aorejeitarasqualidades,chamadasatributos‘secundários’,GalileueDescartesdescartaramoquenaverdadeéprimordial:aprópriaessênciadascoisas
corpóreas.13
Ora,certamenteafísicatratadosaspectosquantitativosdamanifestaçãocósmica,oqueéobviamentelegítimoeatécertopontoinstrutivo.Masnãodevemosesperarmuito.Emquepesesuacelebradaacuidade,existemlimitesaoqueafísicaécapazdecompreendereexplicare,nofim,essaslimitaçõessãomuitomaisrestritivasdoquesesupõemco-mumente.Comoobservaometafísicofrancês,RenéGuénon:
Podemosdizerqueaquantidade,aoconstituirpropriamenteoaspectosubstancialdonossomundoseja,porassimdizer,suacondição‘básica’oufundamental;masprecisamosevitaratribuir-lheporissoumaimportânciadeoutra
ordemdaquetemrealmentee,sobretudo,dequerertirardelaaexplicaçãodestemundo,domesmomodoqueprecisamosevitarconfundirasfundaçõesdeumedifíciocomsuaestrutura:enquantohásomenteafundação,nãoháaindaedifícioalgum,apesardelaserindispensávelaoedifício;domesmomodo,enquantohásomenteaquantidade,aindanãohámanifestaçãosensível,apesardeestatersuaraiznaquantidade.Aquantidade,consideradaemsimesma,nãoémaisqueuma“suposição”necessária,masnãoexplicanada;elaéefetivamenteumabase,masnadamaisenãodevemosesquecerqueabase,porsuadefiniçãomesma,éaquilosituadononívelmaisinferior...14
Ora,pode-seadmitirqueaexpressão“nãoexplicanada”sejaexcessiva,masserveassimmesmocomoumcontrapesoaoutrasalegaçõesnãomenosexorbitantes,postasemcirculaçãoporaquelesquetenderiama“extrairaexplanaçãodestemundo”apartirdosdadosdafísica.
Falandodemodoestrito,aúnicacoisaarespeitodeumobjetocorpóreoquesepodecompreendernostermosda
físicasãoseusatributosquantitativos,oqueépossívelsomenteemvirtudedessesatributosserem,porassimdizer,herdadosdoobjetofísicoassociado.Paraalémdissoafísicanadatemadizer.Elapossui“olhos”somenteparaoquesejafísico:SXétudooqueelapodeperceber,tudooqueapareceemseusquadros.Eesseé,semdúvida,omotivopeloqualosfísicosforamcapazesdeseconvencerem(eaorestodomundoinstruído!)dequeoobjetocorpóreonãoexistecomotal;ouparacolocardeoutramaneira,convencer-nosqueXé‘nadamais’queSX.Earazãopelaqualsepensaqueentidadescorpóreassejam‘constituídas’porátomosepartículassubatômicaseporqueasqualidadessãotomadascomo‘meramentesubjetivas’.
Finalmente,devemosobservarqueestatentativadereduçãodocorpóreoaofísicotemoefeitodetornaresteúltimoincompreensívelemtermosontológicos.Eclaroquepodemosaindafazercálculoseprediçõesquantitativas,masissoétudo.Aindapodemosresponderapergunta“quanto?”comprecisãoadmirável,masqualquertentativaderesponderaquestão“oquê?”levafotçosamenteacontradiçãoeab-surdidade.EstaWeltanschauung(aqualnãochegaaserverdadeiramenteumaWeltanschauung)nãoadmiteumaontologia.Aliás,nãoéjustamenteessaaconclusãododebateacercada‘realidadequântica’?Sobretudo,chegaaserimpossívelfazeratémesmoumadescriçãoseguradametodologiacientíficadentrodoquadroreducionista,poisnaausênciadasqualidadesnãopodemhaverpercepçõese,por
conseguinte,tampoucomedições.Emestritosenso,dessemodonãosecompreendenemocorpóreonemofísico,nemtampoucosetemumaconcepçãoclaradoobjetodafísica.Chegaaserentãoumasurpresaqueosfísicostenhamchegadoa,naspalavrasdofísicoNickHerbert,“perdercontatocomarealidade”?15
CapítuloV
1
DasNaturbildderbeutigenP/jysik(Ilamburg:Rowohlt,1955),p.21.
2
Umtetmoque,comomostraremos,acabasendoumtantoenganoso.
3
D.BohmandB.Hiley,“OntheIntuitiveUnderstandingofNonlocalityasImpliedbyQuantumTheory”,FoundationsofPhysics,Vol.5(1975),p.96.
4
“AreSuperliiminalConnecíwmNecessaryNuovoCimento,Vol.40B(1977),p.191.
5
Em1935,Einstein,PodojsfeieRosenpropõemumexperimentopensadonoqualpelaprimeiravezselançariacontraaentãojovemteoriaquânticaoargumentodeserincompletaporcontradizeroprincípiodalocalidade.Entretanto,vernota2dopróximocapítulo,c,ainda,paraumavisãomaiscompletadeWolfgangSmitharespeito,“Bell’sTheoremandíhePeremialOntology”,emTheWisdomojAncientCosmology:ContemporaryScienceinTightofTradition(Oakton,VA:FoundationforTraditionalStudies,2003)(N.T.)
6
“Númeno:estetermofoiintrodpzidoporKantparaindicaroobjetodoconhecimentointelectualpuro,queéacdísaemsi(...)”,cf.NicolaAbbagnano,DicionáriodeFilosofia(SãoPaulo,MartinsFontes,1998),p.732.(N.T.)
7
Adistinçãotomistaentreessênciacformanãodesempenhanenhumpapelemnossasconsideraçõesepode,portanto,serpostadelado.
8
IssoficamuitomaisevidentenocasodaChina,daíndiaedaGréciadoquenocasoda‘antigaPalestina’.Mesmoassim,nãosepodenegarqueaconcepçãohilomórficasejatambémumaconcepçãobíblica.MestreEckhart,paracitarumexemplo,lembra-nosdoseguinte:“Precisamosentenderacimadetudoquematériaeformanãosãodoistiposdeentidadesexistentes,masdoisprincípiosdosserescriados.Esteéosignificadodaspalavras:‘NoinícioDeuscrioucéuseterra’—asaber,formaematéria,doisprincípiosdascoisas.”VideLiberparabolarumGenesis,1.28.Oleitorinteressadopodeencontrarestetextonamagníficaedição
deIvohlhammerdasobrasdeMestreEckhart,aqualtrazotextolatinojuntocomatraduçãoalemã.VideMeisterRckhart:DielateinischcWerke,Vol.l(Stuttgart:Ivohlhammer,1937-65).
9
Podemosdefatodizerqueexisteumisomorfismoentreasquantidadescorpó-reaseassub-corpóreas,levadoacabopormeiodapresentificação.
10
Umaspoucaspalavrasarespeitodasciênciasantigas,consideradasnosdiasdehojecomo“superstiçõesprimitivas”.Ondegeralmentesefalhaéaoperceberqueasciênciastradicionaisgenuínasversamacimadetudoarespeitodas‘essências’,exata-
11
mcnlcaquiloquetemossistematicamenteexcluídodenossaWeltamcbaimngmoderna.Umexemplocrasso,semdúvida,sãooschamadoscincoelemenlosdascosmologiasantigas,osquaisosintérpretesmodernosseapressamaidentificarcom‘terra’,‘água’eosoutroscmsentidoliteral.Émuitoprovávelqueesseselementosnãosejamdefatosubstânciasnosentidomoderno,massim‘essências’,dasquaisterra,águaeorestoconstituam,digamos,exemplificações.Nãoéporacasoqueumdesseselementoseraconhecidonostemposmedievaiscomoaquintaessentiaou‘quintaessência’.()quevemaindamaisaocaso,noentanto,équeadoutrinahinduassociaoschamadoscincobirutaseseuscorrelativossutis(tanmatras)àscincoqualidadessensíveis;ouseja,umobjetocorpórcoéaudívelemvirtudedeakasa,visívelemvirtudedetejas,palpávelporvayu,perceptívelaopaladarpormeiodeapeaoolfatoporpriíbwi.limsuma,oschamadoscincoelementossãooquetornamascoisasperceptíveissegundooscincomodossensoruus;acrescentemosque,umavezcompreendidoqueascoisasnãosãoperceptíveissimplesmenteporcausadesuasuposta‘constituiçãoatômica’,ficaclaroquedevemdefatoexistir‘elementos’destetipo.
12
Iisseditoparecetersidointerpretadodoseguintemodo:osnúmerosseoriginampormeiodeexcmplificação,deacordocomofatodequehámuitoscavalos,porexemplo,masapenasumaúnicaformainteligível,asaber,aforma,idéia,ou‘espécie’decavalo.C)exemplarúnico,emoutraspalavras,vemaser,emcertosentido,replicadooumultiplicadopormeiodosubstratomaterial,aopassoqueaformaenquantotalpermaneceúnicaeindivisível,assimcomocadaindivíduo(<in-dividuus)oumembrodaespécie.Pareceassimqueo‘número’provémdefato,nãodaformaenquantotal,massimexpartemateriae.
13
Colocandoemtermosescolásticos,elesdescartaramnadamenosqueasformassubstanciais.Porém,naausênciadestasomundocorpóreodeixadeexistir.
14
TheReigtiofQuaniily(Ilillsdale:SophiaPercnnis,2004),ppl9-20.Apassagemcitadavemcomplementadadaseguintemaneira:assim,areduçãodaqualidade
àquantidadenofundonãocoutracoisaquea‘reduçãodosuperioraoinferior’pelaqualalgunsmuijustificadamentequeremcaracterizaromaterialismo:pretenderfazersairo‘mais’do‘menos’;eisaqui,comefeito,umadasmaistípicasdetodasasaberraçõesmodernas!”(N.T.)
15
LeitoresdoICrieVoegelindevemselembrardesualúgubreteseque,devidoàdominaçãotias‘realidadessegundas’nostemposmodernos,“oterrenocomumdaexistêncianarealidadedesapareceu”eque,comoresultado,“ouniversododiscursoracionaldesmoronou.”(“OuDebuteanillixistence”,re-editadoemAPublicPbilosopbyRender.;(NewRochelle,NY:ArlingtonIIousc,1978)).Parecehavermuitaverdadenessaargumentação.Noentanto,Voegelinsereferea“segundasrealidades”detipoculturaiseideológicas;aparentementenãolheocorreuqueaprincipal“realidadesegunda”-aqueescoratodasasoutrasequeenfeitiçouaquasetodos-nãoénadamaisqueouniversofísico,comoconcebidousualmente.Nomomentoemqueesquecemosqueestechamadouniversoconstituiapenasumdomíniosubexistencial-umamerapotênciaemrelaçãoaocorpóreo-criamosummonstro,pois,defato,odomíniofísico,assim‘hipostaziado’,setransformaimediatamentenoprimeirousurpadordarealidade,nagrandeilusãoapartirdaqualbrotaminúmeroserrosperniciosos.Nãoépoucacoisa“perdercontatocomarealidade”!
SOBRESE
"DEUSJOGADADOS"
Sabemosquesistemasquânticossãoindeterminados.Noqueconcerneàssuasprevisões,amecânicaquânticaé,portanto,inerentementeumateoriaprobabilística,estatística-atéaí,estáclaro.Oquenãoestáclaro,poroutrolado,éseateoriaéounãocompleta,fundamental.Podemosconceberamecânicaquânticacomoumateoriaqueestejalidandocomcertosepifenômenosestocásticosgeradosporumsistemasubjacentedetipodeterminístico.EmaisoumenosesseopensamentodeEinsteineodaquelesque,hojeemdia,dãocréditoàs“variáveisocultas”,emdesalinhocomaortodoxiadainterpretaçãodeCopenhagen.EsseéoprosseguimentodocélebredebateentreEinsteineBohr,quedeverácontinuaratéqueopontocentralestejaresolvido,asaber,aquestãodeseouniversoéounãodeterminístico.
Paracomeçar,gostariadeapontarqueessaquestãonãopodeserresolvidanumnívelestritamente“técnico-cien-tífico”.AprópriaduraçãodointercâmbioquesedeuapenasentreEinsteineBohrsugereisso,poissefosseumasimplesquestãodefísica,teríamosodireitodepensarqueosdoismaisdestacadosfísicosdoséculoXXjáateriamresolvido
entreelesdentrodeumtemporazoável.MasofatoéquenãochegaramaumaconclusãoeopróprioBohrparecetermeditadosobreoproblemaatéodiadesuamorte.1Oquevemaindamaisaocaso,noentanto,equeestálongedeconcluiroassunto,éofatodequeexistemteoriasestritamentedeterminísticasquelevamexatamenteàsmesmasprevisõesqueamecânicaquântica.Sãoaschamadasteoriasdevariáveisocultas,conjeturadasoriginalmentepordeBroglieeprimeiramenteerigidasporDavidBohm,em1952.Nãohádúvidadequeaindeterminaçãoempíricacontinua;ocorreapenasqueelaaparece,nãoporqueouniversosejaindeter-minísticoelepróprio,masporqueoexperimentadoréincapaz,porprincípio,deprepararumsistemafísiconoqualas“variáveisocultas”estejamsujeitasacondiçõesiniciaisdeterminadas.Deumpontodevistaestritamentecientífico,portanto,pareceumaquestãodeescolha.Pode-seoptarporumavisãodarealidadequesejadeterminísticaouporumaindeterminística,porummodeloneo-clássico2ouporumquântico-parecesermaisoumenosumaquestãodegosto.Egostosdiferem.Hácientistasde
primeiralinhaquenãoenxergamnadadeerradonanoçãodeumaacausalidadefundamental—umavisãocompendiadanaspalavrasdeJohnvonNeumann:“Nãohá,nopresente,sentidonemmotivoparaatribuircausalidadeànatureza”;eháoutros,acomeçarporEinstein,queachamimpensável‘Deusjogardados’.3
Oquetemosadizerentão?Seoassuntonãopodeserdecididonumabasecientífica,porquaismeios-outrosque.nãoo‘gosto’-podeeleserresolvido?
Éouniversodeterminísticoounão,essaéaquestão.Nãodevehaverdúvidaquenoplanoempíricovigoracertodeterminismo.Afinal,estamoscercadosporfenômenos-desdeomovimentodosplanetasatéofuncionamentodeincontáveisartefatosfeitospelohomem-quepodemserdescritosepreditostãoprecisamentequantosequeirapelosmétodosdafísicaclássica.Eaténodomínioquântico,comosabemos,acontecedaevoluçãodesistemasfísicosserrigorosamentegovernadapelaequaçãodeSchrõdinger-atéoinstantefataldocolapsodovetordeestado.Nesseponto,noentanto,odeterminismo(ouequivalentemente,acausalidade)pareceruir.E,nãoobstante,mesmoessaruptura-realouaparente,comoseja-nãoacarretaemgeralnenhumefeitomensurávelnonívelcorpóreo,ondeselidaobrigatoriamentecommédiasestatísticasestendidasparaarranjosatômicosdemagnitudesespantosas.É,portanto,achamadaleidosgrandesnúmerosquerespondepelodeterminismoclássico.EéporissoquevonNeumannpodiadizerque“nãohá,nopresente,sentidonemmotivoparaatribuircausalidadeànatureza”.Apartirdestaperspectivaodeterminismoclássicosereduzaummeroepifenômeno,aopassoquenumnívelfundamental,damaneiracomoéconcebidahojeemdia,acausalidadesucumbe.
Precisamosnosdarconta,entretanto,quetambémexistemfenômenoscorpóreos(envolvendoarranjossubcor-póreostãomacroscópicosquantosequeira)nosquaisosefeitosdaindeterminaçãoquânticanãosãomascaradosporepi-fenômenosestatísticos,aparecendo,porassimdizer,comtodaforça—apropósito,éporissomesmoqueessesfenômenospuderamserdetectados.Eoqueocorre,porexemplo,quandoumcontadorGeigerécolocadonasproximidadesdeumafonteradioativa.Odecaimentodenúcleos-que,deacordocomamecânicaquântica,constituiumprocessoincerto-acionaumasequênciadeeventosdiscretosnonívelcorpóreo.Certamenteaindasepodeconceberum‘mecanismooculto’aoperardentrodonúcleoquedetermineoinstantedadesintegraçãoe,dessamaneira,acadeiadeeventoscorpóreosquerespeite
algumaleimatemática,eéissooque,comefeito,afirmaateoriadasvariáveisocultas.Noentanto,aquestãorealésesomosobrigadosasupor,aprio-ri,quedevaexistirtalmecanismo.
Umaobservaçãoadicionalquepodetrazerluzàdiscussão:oconceitodedeterminismonãocoincidedemaneiraalgumacomanoçãodeprevisibilidade.Atémesmoomaisempedernidoadeptododeterminismodevecertamentereconhecerque,afinal,nemtudonomundopodeserprevistorealmente.OpróprioLaplace,prócerdodeterminismo,mantinhaapenasqueofuturodouniversopodiaemprincípiosercalculado,contantoapenasquesesoubesseaposiçãoeomomentoexatosdetodasaspartículas;masnemprecisamosmencionarquenenhumcientistajamaisfoiloucoobastanteparasuporquetalconhecimentodas‘condiçõesiniciais’pudessedefatoseralcançadopormeioscientíficosouqueoscálculosnecessáriospudessemrealmenteserrealizadosumavezquesedispusessedosdados.Everdade,semdúvida,queumfenômenosomenteéprevisívelnamedidaemquesejadeterminado,maspodemuitobemocorrerdeumfenômenoserdeterminadosemquesepossasobreelefazerumaprevisãopragmática,empírica-existemlimites,afinaldecontas,aoqueoshumanospodemrealizar.
Seráque“Deusjogadados”?Essepareceseroproblema.ParecetambémqueEinsteinocolocoudemaneiraapropriada,poisoenunciadomesmosugereoqueagoradevetersetornadobastanteevidente,asaber,que,naverdade,oproblemanãoécientífico,masinescapavelmentemetafísico.
*
Oproblemasópodeserresolvidoentãonoterrenodametafísica.Logo,cabeanósrefletirnovamentearespeitodosprincípiosmetacósmicosdematériaeforma,emanteremmentequeessesprincípiosirmãosserefletemdeváriosmodosemtodososplanosdamanifestação,dodomínioempírico.Emtodososseusaspectos,paradizeraverdade,anaturezaécomosenosfalassedessadualidadehilomórfica.Umexemploéadistinçãoentrequantidadesequalidades,poisquantidadespertencemàmatériaaopassoqueasqualidadessãoindíciosdaessênciae,assim,daforma.Paradarumsegundoexemplodeparticularinteresse:pode-semostrarqueoespaçocorrespondeaoaspectomaterialeotempoaoformaldaquiloquesechamouocontinuumespaço-tempo.Outroainda,oscomplementaresbiológicosfêmeaemacho(seéquepodemosnosaventuraradizerissonosdiasdehoje!).Éclaroquenãopodemos
entrarnumalongadiscussãodetodosessesexemplos;bastaquesedigaqueomundoestácheiodepolaridades‘hilomórficas’,nenhumadasquais,ademais,podendosercompreendidaprofundamentesemreferênciaaoseuprotótipoontológico.
Nestepontoseráproveitosonosrecordarmosdochamadoyin-yang,emblemafamiliardostaoístas,oqualpode-riaserchamadodeíconedadualidadehilomórfica.Eleconsiste,comosesabe,deumcírculocompreendendoumcampobrancoeoutropreto,queseencontramnum‘S’inscrito.Interiormenteaocampobrancoháumpequenocírculopretoeaocampopreto,umpequenocírculobranco.Deacordocomainterpretaçãotradicional,afigurarepresentaacomplementaridadedoyinedoyang,osprincípiosgêmeoscorrespondentes,respectivamente,aosubstratomaterialeàés-sência(oumatériaeforma).Noentanto,éusualentenderapolaridadeyinlyangnãometacosmicamente,masemtermosdestaoudaquelamanifestaçãocósmica,oquesignificadizerqueoyin-yangseprestaaincontáveisaplicações.Elerepresentaumaleiuniversaldacomplementaridade,nãodistantedo‘princípiodacomplementaridade’geralconcebidoporNielsBohremseusúltimosanos.4
Emtodososcasosoyinestásempredoladodamatéria,representandoassimoladoobscuroeininteligíveldacoisaoufenômenoemquestãoeporessamesmarazãoeleérepresentadocomacornegranoyin-yang.Oyang,porsuavez,significaaformaeassimserefereaoaspectointeligível,sendo,portanto,representadopelacorbranca.
Masqualéosignificadodocírculonegronointeriordocampobrancoedocírculobranconointeriordocamponegro?Certamenteoqueestáemjogoaquiémaisdoqueacomplementaridadenosentidousual,tendoosignificadodeumtranspassamentomútuoou,poderiamosdizer,umape-ricorese.5Comoveremos,aquiresideachaveparaaquestãododeterminismo.
Voltandoàfísica,elaobviamentelidacomcertasdeterminaçõesmatemáticas,asquais,enquantodeterminações,encontram-sedoladodoyang.Ora,dentrodessecontexto,oquemaispoderiasignificaroyinsenãocertaindeterminaçãocorrelativa?Tendocomoparadigmaoyin-yangpodemosconcluirque‘noseio’dadeterminação,aindeterminaçãodeveaparecerdealgummodo.Mas,como?Antesde1925,quempoderiaterprevistotalcontingência?Foiisso,nãoobstante,oquesepôsemevidência.Ateoriafísicamaisprecisajamaisconcebidapelohomemdeuorigem-nadamenosquenaformadeumteorema
matemático!—aumprincípiodeincerteza.Dentrodocampobrancoocírculonegroinesperadamentesefazpresente,eofaznaformadeumcírculodiminutocujoraio,digamos,édaordemdaconstantedePlanck.
Minhaposiçãojásetornouevidenteaessaaltura:ojogodedeterminaçãoeindeterminação,talcomoconcebidopelateoriaquântica,longedesemostrarininteligívelaoexercíciodarazão,acabaporconstituir-seexatamentedaformarequeridapeladoutrinadoyin-yang.Aindetermina-çãoquântica,longedeserumaaberraçãoinexplicável,mostra-sedeformabemsimplescomooladoyindamoeda.Contrariamenteàsnossasexpectativasclássicas,pareceafinalquedeterminaçãoeindeterminaçãonãosãonarealidadeopostosoumutuamenteexcludentes,masacabamporimplicarumnooutronumcertosentidoelevadoemaravilhoso.Prova-seassimqueéquiméricaaidéiadeumuniversoperfeitamentedeterminístico,oquesignificadizerqueDeus,emcertosentido,realmente‘jogadados’,pormaisqueestelila8Hdesagradeaumracionalistacartesiano.67
4
“Ouniverso”,alguémjádizia,“éumtecidocujatramaécompostadenecessidadeeliberdade,derigormatemáticoeexecuçãomusical;cadafenômenotomapartenestesdoisprincípios.”
Parece,noentanto,queosegundodessesprincípiosfoicompletamenteesquecidoduranteaépocanewtoniana.ComodefinhardaIdadeMédia,começouasemanifestarumviésdecisivoemfavorda“lei”.Nãoapenaspassou-seacrermaisardentementenaexistênciadeleisuniversais,mastambémsecomeçouaimaginarquequalquermovimentoetransformaçãopertencentesaodomíniocorpóreopoderíamserexplicadosrigorosamentecombaseapenasemleis.Essasupostaleiqueatudodirigerapidamentepassouaserconcebidaemtermosestritamentematemáticoseatémecânicos,deacordocomoquesepodechamardeparadigmadomecanismoderelógio.Temhavidomuitodebateacercadascausasdessaevoluçãointelectual,queiriamdesdeumesco-laticismodecadentequeperdeuorumoatéaconstruçãoderelógiosmecânicos;8^masoquenosinteressaespecialmenteéofatodequeessemovimentoculminounafilosofiacarte-siana.Afinal,foiDescartesquemformulouadoutrinadodeterminismomecanicistaemseuformatointegral,estabelecendoassimosfundamentosteóricossobreosquaisoedifíciodafísicanewtonianaseriaposteriormenteerigido.Destamaneira,foipormeiodolegadocartesianoqueo
fantasmadeumuniversomecanizadoseimpôssobreacivilizaçãoocidental.Emretrospecto,podemosdizerque,desdeoquechamamIluminismoatéotempodeMaxPlanck,estaWeltanschauungreinousuprema.Mesmohoje,emquepeseaindeterminaçãoquântica,elaaindamantémumainfluênciaformidável.Afinal,oquemaisestáemjogonacontrovérsiaentreEinsteineBohr,senãoumcartesianismoresidual?8
Porqueoutromotivodeveriaumfísicoseoportãoveementementeàidéiadeque“Deusjoguedados”?Háaquelesquejustificamsuaoposiçãoàidéiadoindeterminismosejadamaneiraquefor;StanleyJaki,paracitarumdeles,chegouaopontodepercebernaposturadosadeptosdainterpretaçãodeCopenhagen“umainconsistênciaradical”,quesupostamenteseriaresultadodeuma“rejeiçãoradical,porpartedestafilosofia,dequalquerperguntaacercadoser.”9Porém,mesmosendoverdadeiroqueosfísicosdaescoladeCopenhagentenhamnormalmentedadopouquíssimaatençãoàontologia,eusustentoquesomenteumaontologiaassimétrica-queconcebaomundocompostoapenasdeyang-levariaseusadeptosaacreditarnumdeterminismoaoestilocartesianoouentãoaperceberuma“inconsistênciaradical”emsuanegação.
Todosestãodeacordoemqueumeventosejainteligívelnamedidaemqueexemplifiqueumalei,umprincípioformaldealgumtipoe,pelomesmomotivo,oquequerquenãoseencontresobaégidedeumaleiéporissomesmoininteligível.Masnadagarantequeoininteligívelnãopossaocorrer,pormaisangustiantequeissopareçaaumracio-nalista.Nãohánenhumarazãoaprioriparasupor,porexemplo,queadesintegraçãodeumnúcleoradioativodevaemprincípioestarsujeitaaumaleideterminista,nãoimportandooqueateoriaquânticatenhaadizerarespeito.
VoltandoaDescartes,éinteressanteanotarque,apardesuadoutrinadabifurcaçãoedamalfadadaresextensa,osábiofrancêsaindaintroduziuumaterceiranoçãodeimportânciacapital:ageometriaanalítica.Aidéiabásica,familiaratodoestudantedematemática,consistenasuposiçãodequeocontinuummatemático,sejaumalinha,umplanoouumespaçodedimensãomaisalta,podeser“coordenati-zado”sendo,portanto,concebidocomosefosseumconjuntodeinfinitospontos.Sabe-sehojequeestepassonãoéassimtãolivredeproblemasquantosepoderiapensar,ealgunsmatemáticoscontemporâneosderenomechegaramaopontoderejeitaraidéiadeconjuntosinfinitos.Noentanto,raramentesepercebequeachamadacoordenatizaçãodocontinuumdestrói-melhordizendo,obscurece-adistinçãoentre‘potência’e
‘ato’noseiododomíniomatemático.Deacordocomaconcepçãopré-cartesiana,comojánotamos,nãoexistempontosnumaretaounumplano,atéquetaispontostenhamsidotraçadosdeumamaneiraoudeoutra.Emoutraspalavras,ospontosrepresentamdeterminações,aopassoqueocontinuumenquantotalconstituiumtipodesubstratomaterialou‘potência’,razãopelaqualoexemplodageometriapôdeserusadocomometáforaontológica.Podemosdizerqueocontinuumrepresentaoprincípiomaterialnodomínioquantitativo—ametadenegra,digamos,docírculo-eissoéprecisamenteoqueoracionalistafrancêsestavacompelidoedeterminadoaextirpar,sejanouniversoexteriorounoterrenodesuarepresentaçãomatemática.
Emambososterrenostinhaqueseexcluiroaspecto‘negro’.Comaintroduçãodoqueseconheceatéhojecomosistemadecoordenadascartesiano,aobradeDescartessetornacompleta.
*
E,nãoobstante,o‘negro’continuaaí.Aindamais:emvirtudedaquelaadmirávelpericoresedequenosfalaoyin-yang,o‘negro’secombinarealmentecomo‘branco’.Nocoraçãodetodasascoisasjaz,comoparaserdescoberta,umacertacoincidentiaoppositorum,eénelaquereside,comodissemos,achaveparanossoproblema:oenigmadoinde-terminismo.Osurpreendenteéqueliberdadeenecessidadepodemcoexistir;umanãoexcluinemcancelaaoutra,comonormalmentesepensa.Assim,noseiodanecessidade,podeexistiraliberdade,nãosimplesmentecomoumelementoexterno-naverdade,nãocomoumamanchanegranumcampobranco-mascomoalgointimamentearticuladoànecessidadecomoumasuacontraparte.Emsuma,existecertauniãoentreliberdadeenecessidade,queseapresentadeincontáveismaneiras.Todaaarte,porexemplo,baseia-senumatalsíntese.Numacomposiçãomusical,tonalidadeemétricaencontram-sedoladoda‘necessidade’eédentrodestequadroqueacomposiçãodevesedesenrolar.Poroutrolado,aquiloquesedesenrola-o,digamos,conteúdomelódico—nãoestá,demaneiraalguma,determinadoportonalidadeemétrica.Umaverdadeiraobradeartesempreexprimeumaadmirávelliberdade,aqualacabasendointensificadapelorigordaformaprescrita.Éprecisamentedentrodeumadadaleioudeumcânonedeterminadoqueagenuínaliberdadedeexpressãoartísticapodeseralcançada.ComodisseGoethe:“InderBeschrãnkungzeigtsichderMeister”(Énadelimitaçãoqueoartistasemostra).
Tendofaladodaliberdadenocontextodaarte,nãopossodeixardenotarqueestetermodemaneiraalgumaésinaldealgocasualouacidental.Aliberdadedeexpressãopressupõeobviamentecerta‘indeterminação’oumargemdemanobradentrodelimitesestabelecidos.Apassagemdapotênciaaoatonãoseefetuapormeiodolançamentodeumdado,masevidentementepormeiodoartista,oagenteinteligentequeseexpressa,queserevelainderBeschrãnkung,ouseja,nasujeiçãoacertoslimites.
Tentemoscompreenderestainteração-essa‘dialéticadaliberdadeenecessidade’—daformamaisclaraquepudermos,poismuitacoisadependedestaquestão.Oatocriativoconsistenalivreimposiçãodecertaslimitações,determinações.Essanovadeterminação,noentanto,ébemdiferentedoslimitesoriginalmenteprescritos.Precisamos,porconseguinte,distinguirclaramenteentrelimitações‘desdebaixo’,asquaissãodadasdealgumaforma,elimitações‘desdecima’,asquaissãolivrementeimpostas.Devemosnotar,ademais,queasegundapodedefatoserimpostaprecisamenteporqueaprimeiradeixacertamargemparamanobra,certa‘indeterminação’.Éemvirtudedestaindeter-minaçãoqueatonalidadeeamétrica,porexemplo,podemservircomoumcânoneparaacomposiçãomusical.
Maspodemosiraindamaislonge.Existeumaespéciedeharmonia,deparentescoentreosdoistiposdelimitação,poisoartistanãoapenasdeveatentarparanãotransgredirocânoneprescrito,masdeveaindaselecionarcuidadosamenteeste‘vínculo’tendoemvistaoidealartísticoquepretendeexprimir.
*
Antesdedeixarmosoassuntoarte,éconvenienteobservarqueaarteemgeralnosalertaparaumfatometafísicodamaisaltaimportância.Oexemplodaartenosobrigaareconhecerqueoparadigmahilomórfico,comootemostratadoatéaqui,éincompletoeinsuficiente.Temosotempotodoexaminadosomentemetadedoquadro:ametadedebaixo,podemosdefatodizer.
Voltemosentãoaopontodepartidadohilomorfismoefaçamosapergunta:comoumpedaçodemármorebrutoadquireaformadeSócrates?Aprimeiracoisaarepararéquearespostaaessaperguntanãopodeserdadaemtermosdematériaeformaapenas,ouseja,necessitamos,maisumavez,deumtertiumquid,oqual,noentanto,devecorresponderaoconceitodeumagenteouprincípioativo:o
artista,oescultor,aquelequeconfereaforma.Essaformaprecisa
aindapré-existircomoumarquétipo,como‘aartenoartista’,parausarumafraseescolástica.Vemos,assim,queoparadigmahilomórfico,emseuformatointegral,devecomportarnãodois,mas,quatroingredientes-quecorrespondemexatamenteàs‘causas’aristotélicas,chamadasmaterial,formal,eficienteefinal.
Paranossopropósito,nãoserádetodomalpassarporcimadadistinçãoentreacausaeficienteeacausafinal-entreo‘artista’e‘aartenoartista’—oquenospermiteassimcombinarambasnumúnicoprincípioativo.Oque,demaneiraalguma,podemospermitiréquedeixemosdeforaaidéiadeumagente,dealgumprincípioquesejaativo.Precisamos,portanto,recobraradistinçãoescolásticaentrenaturanaturataenaturanaturans:entreo‘naturado’eo‘naturante’.
Comosabemos,porém,aidéiadeumagentemetacós-mico-deumanaturanaturans-caiuemdesgraçanosmeiosacadêmicos,levandoassimaqueotermo‘natureza’tenhaperdidosuaconotaçãomaiselevada,passandoareferir-seexclusivamenteaesteouaqueleaspectodanaturanaturata.Afinal,umavezdescartadaanoçãode‘forma’,nãohánecessidadedeumagente‘formador’.Oqueseouveéquea‘evolução’dácontadoproblemadagênesis:douniversocomoumtodoatéumaespéciedemicróbios,tudosimplesmente‘evolui’.Ora,ascoisassemdúvidaevoluem,masapenasdepoisdeteremexistência,depoisdeteremrecebidoumaforma,umanaturezaquepossa‘fluir,desdobrar-se’.
Assim,emúltimaanálise,permaneceofatodequeanaturanaturatasupõeumanaturanaturans:onaturalpressupõeosobrenatural-pormaisqueissodesgosteaalguns.Otermoescolástico‘naturanaturans’constituisabidamenteumnomenDei,referindo-seaDeuscomoo‘dadordeformas’.
*
Estamosfinalmenteemposiçãodeanalisarnossotemadeinteresse:‘auniãoentreliberdadeenecessidade’nocontextodafísica.Paracomeçar,ondeapareceessaunião?Elaaparece,éoqueafirmo,nofenômenodaindeterminaçãoquântica.SejaSumsistemafísicoeXumobserváveldeSesuponhamosqueSnãoestejanumauto-estadodeX.Logo,ovalordeumamediçãodeXestáindeterminadoainda.Amediçãoemprincípiopoderesultar
emqualquervalorpertencenteaoespectrodeX;sustentoquenãohánenhumaleiquedeterminequalseráoresultado.Poroutrolado,ovetordeestadodeScontinuamesmoassimdeterminandoumadistribuiçãodeprobabilidadesassociada,oquesignificaqueatransiçãodosistemapáraumarespostaempíricanãosejaafinalindeterminadademaneiraabsoluta,pois,seoprocessoforconcebidoemtermos,digamos,dolançamentodeumdado,olançamentodeveaindasedardeacordocom‘pesos’querespeitemaalgumaleianterior.
Écertoqueadistribuiçãoquânticadeprobabilidadeassociadaaumdadoobservávelnãodeterminaoresultadodamedição.Mas,nãoobstante,elatemtantoavercomoresultadoquantoospesosdeumdadotendenciosotêmavercomoresultadodeumlançamento,pois,defato,osdoiscasossãoindistinguíveisemtermosestatísticos.Aquestão,noentanto,équenocasododadorealainfluênciadospesossedápormeiodeumprocessotemporal,oqual,ademais,éestritamentedeterminístico.Omovimentodeumdado,comosabemos,édeterminadopelasequaçõesdamecânicaclássica,oqueequivaleadizerqueaindeterminaçãoentraemjogoemvirtudedenossainabilidadedecontrolarascondiçõesiniciaiscomumgraudeprecisãosuficiente.Ocasoéconsequentementeanálogoàqueledasvariáveisocultas.Masseráqueomesmosepodedizerarespeitodaindeterminaçãoquântica?Édefatolegítimosuporqueoresultadodeumamediçãosejanarealidadeoefeitodeumprocessotemporal,sejaeledeterminísticoounão?
Ficaclaroque,àluzdateoriaquântica,essaperguntadeveserrespondidanegativamente.Isso,poisocolapsodovetordeestadoassociadoàdeterminaçãodeXseapresentacomoumadescontinuidade,sendoassimumevento,porassimdizer,instantâneo.Mas,diferentementedasdesconti-nuidadesqueencontramosnodomínioclássico,estadescontinuidadequânticanãoresultadeumacontinuidadesubjacentepormeiodeumaaproximação,dandoprovas,aocontrário,deseremprincípioirredutívelaqualquerprocessotemporalcontínuo.Sabidamentenaturanonfacitsaltus(anaturezanãodásaltos);masdevemoscompreenderque
essamáximaserefereànaturezanosentidousual,ànaturanaturataemoposiçãoànaturanaturans.Entrementes,écuriosoqueomododeaçãocaracterísticodanaturanaturansnãosejapormeiodeumprocessotemporal,massiminstantaneamente.Podemosconcluirqueacontinuidadesejaindicativadosubstratomaterial,aopassoqueadescon-tinuidadesejaamarcadoatocriador.
Nossoargumentotornou-seagoraevidente:osignificadodadescontinuidadequântica-osignificadodocolapsodovetordeestado-repousanofatodequeelaexprimeumaaçãodanaturanaturans.Ocorreaícertatransiçãodapotênciaparaamanifestação-doplanofísicoparaocorpóreo-etaltransiçãosomentepodeserefetuadapeloprincípiocriadorou‘formador’,aqualéanaturanaturans.Mas,comoaatuaçãodanaturanaturanséobrigatoriamente‘instantânea’(umpontoqueretomareinopróximocapítulo),acabaquenarealidadenãoháumprocessotemporal-nenhum‘lançamentodedados’real-aselecionarovalormedidodeXapartirdoespectrodosresultadospossíveis.Essadeterminaçãoprovém,porassimdizer,‘desdeoalto’einterrompeiocursonormaldoseventos,istoé,interrompeaevoluçãodeSchrõdingerdaquelesistemafísico.
Ofenômenodaindeterminaçãoquânticapodeagorasercompreendidoporanalogiacomofenômenodaproduçãoartística.10Umavezmaisexistemdoistiposdedelimitações:as‘desdebaixo’,emprimeirolugar,queconsistemnospesosprobabilísticosdovetordeestado,eas‘desdecima’,ouseja,osvaloresmedidosdoobservávelemquestão,talcomoreveladosnoestadofinaldoinstrumentocorpóreo.Essesdoistiposdelimitaçãosãobemdistintos,tãodistintosque,naverdade,pertencemadistintosplanosontológicos.11Ademais,aliberdadeaparentenaimposiçãodasdeterminaçõesfinaistambémpressupõe,obviamente,umaindetermi-naçãocorrespondenteporpartedaslimitaçõespré-especificadas.
Oquenosdesconcertaéofatodeosresultadosdasmediçõessatisfazerem(atravésdesuasfrequênciasrelativas)asexigênciasdospesosprobabilísticospré-especifica-dos-comoquepormilagre-numtipode‘dança’espontâneaquedesafiaumaanálisecausai.Osignificadometafísicodesseenigmatornou-se,noentanto,claro.Ofenômenopodesercompreendidoporanalogiacomaarte;oquenosdesafiaéumauniãolegítimaentreliberdadeenecessidade,entre‘rigormatemáticoeexecuçãomusical’.
CapítuloVI
1
Níinoiteanteselemorrer,Bohrdesenhouurnafiguranoquadro.I7,lamostravaoarranjoexperimentaldomaisdesafiador‘contra-excmplo’deEinstcin.
2
()queprecisamosabandonar,noentanto,éanoçãoclássicadelocalidade:issocoqueestabeleceuJohnStuartBellcomoumteoremadamecânicaquânticaem1964equetemdesdeentãosidoverificadoporcertosexperimentosdeprecisão.Sobreesseponto,afísicamodernajápronunciouseuveredictodefinitivo.Diferentementedoquesepassacomodeterminismorigoroso,oprincípioclássicodalocalidadenãomaisconstituiumaopçãoviável.Podemosadicionarquesobreesseponto,nãoapenas1iinsteinposicionava-secontrariamenteaBohr,masqueaindaestavacompletamenteenganado.MesmoassimfoiopróprioEinstcinquemdesbravouocaminhoqueacabarialevandoàprovadanãolocalidade.Ouseja,oartigoEinstein-Podolski-Rosenacabouconseguindooopostodoquetinhasidoaintençãooriginal:emvezdeprovaraincompletudedateoriaquântica(umassuntoqueaindapermaneceemaberto,paradizeromínimo),eleconduziuàrefutaçãodoprincípiodalocalidadee,porconseguinte,àruínadaWeltanschauungclássica.Sim,porqueomodelo‘neo-clássico’dequefalamos(teoriadedeBroglie-Bohm)estáaanos-luzdedistânciadavisãoclássica,emquepeseseuladodeterminístico.F,essepodeseromotivodafriarecepçãode1iinsteinaotrabalhodeBohm.
3
ContinuavonNeumann:poisnenhumexperimentoindicasuapresença,
jáqueexperimentosmacroscópicossãoinadequadosporprincípio,eaúnicateoriaconhecidaqueécompatívelcomnossasexperiênciasrelativasaprocessoselementares,amecânicaquântica,acontradiz.”(MathematicalVoimilaliomofQuantumMecbatücs[Princeton:PrincctonUniv.Press,1955],p.328).SabemoshojequevonNeumannexagerouarespeitodesseúltimopontopoissuasdeduçõesmatemáticasnãodescartamapossibilidadedeumateoriadevariáveisocultas,comoelepensara.Sucedeque,defato,oconhecido‘teoremadevonNeumann’,quepormuitotempodominouopensamentocientíficonoassunto,nãoépertinenteaocaso.VercspecialmenteJ.S.Bell,“OntbcImpossiblePiloíWave",VoundationsofPhysics,vol.12(1982),pp989-99.
4
FoisemdúvidasobaforçadeumaprofundaintuiçãoqueBohrelegeuoyin-yangcomoseuemblemaheráldico.
5
Pericboresiséumtermodateologiacristãqueserefereàmútuainterpenetração,àinter-habitaçãoentreastrêspessoasdaDivinaTrindade.(N.T.)
6
TermohinduquesimbolizaaausênciaintrínsecadenecessidadequeDeus(Brahma)tinhadecriaromundo.NadapodendohaveremDeusqueoforçasseacriaromundo,eleofezporpuragratuidade,comoqueporumpassatempo,umdivertimento,porHla,diz-se.(N.T.)
7
Entretanto,namedidaemqueDeusnãoatua‘notempo’,podemosdizerqueDeusnão‘jogadados’.Retomareiesteaspectodaquestãonopróximocapítulo.
8
Jánoséculoquatorzeencontramosumafortepredileçãoporcertostiposderelógiosastronômicosquesemdúvidasugeriamumparadigmamecanicista.Comodescreveuumhistoriador:“Nenhumacomunidadeeuropéiasentia-secapazdemanter-seerguidaamenoscjueemseuseioosplanetasgirassememcicloseepiciclos,enquantoanjosmarchavam,galoscantavam,eapóstolos,reiseprofetaspassavamemmarchaecontra-marchaaosoardashoras.”(LynnWhite,MedievalTechnologyandSocialChange[Oxford:OxfordUniversityPress,1962],p.124).
9
"FromScientificCosmologytoaCreativelJiiiverse”,emTheIntellectualsSpeakOutAhoutGod,ectporRoyA.Varghese(Chicago:RegneryGateway,1984),p.71.
10
Ocenáriodamecânicaquânticavemaserrigorosamenteanálogoaoexemplodaarte.Arazãodestaanalogia,podemosacrescentar,ésugeridapelamáximaesco-lástica“Aarteimitaanatureza”-naturezasendodestavezentendidanosentidode
naturanaturans.
11
Aluzdasconsideraçõesdocapítulo4,ficapatentequeasdeterminaçõespelasquaisaspotentiaesãoatualizadasnoplanocorpóreodevemacarretardelimitaçõesqualitativastantoquantoquantitativas.Somentequantidades,comotenhofeitonotarrepetidamente,nãosãocapazesdeconstituirumentecorpóreo.
CAUSALIDADE
VERTICAL
Asreflexõesdocapítuloprecedentetrouxeramàluzumaverdadedeimportânciacapital:ouniversoobservável,contrariamenteàssuposiçõesdopensamentocientíficomoderno,nãopodeserentendido,emúltimainstância,combasenacausalidadenatural;emtermosescolásticos:ana-turanaturatapressupõeanaturanaturans.Omundonaturalou‘naturado’pressupõeumagentecriador,‘formador’,nãoapenasnosentidodeumacausaprimeiraquetenhatrazidoouniversoàexistência,masumprincípiodecausalidadetranscendentequeoperaaquieagora.Estaéaconclusãoàqualchegamosmotivadospelofenômenodocolapsodovetordeestado:longedesermeramenteumenigmadateoriaquântica,o‘colapso’dáprovadeterumasignificaçãofundamentalmentemetafísicaeissocolocaemdiscussãoavalidadedonaturalismoeasupostahegemoniadacausaçãonatural.Ouniversoobservávelacabapornãocorresponderàconcepçãodeumsistemafechado;nãoapenasexisteummetacosmos,masvemo-nosfinalmenteforçadosaadmitirqueouniversoespaço-temporalnempossuiexistêncianemoperaporsipróprio.
Frequentementetemsidoafirmadoqueamecânicaquânticaacabouporinvalidaropostuladododeterminismo,danoçãodequeoestadodouniversoemuminstanteinicialqualquerdotempodeterminaseusestadosfuturos.Emlugardeumdeterminismorígido,anovafísicateriachegadoàconcepçãodeumuniversoparcialmenteindeterminado,noqualhaverialugarparaoque,porumdescuidodelinguagem,setemchamado‘acaso’.Aprevisibilidadedouniversonewtoniano—assimnosdizem—éinerentementeestatística,tendovalidadeparaarranjosmacroscópicosqueenvolvemumnúmerogigantescodepartículasfundamentais,aopassoquenoníveldessaspartículasoelementodeazaréintroduzidoeasprópriasleis,queaindaretémsuavalidadenestenível,nãobastamparadeterminararespostadeprocessosnaturais.Mesmoassim,apesardepodermosafirmarqueodeterminismoclássicotenhasidodescartado,é,nãoobstante,enganadorfalarmosde‘acaso’comrespeitoaomundomicroscópico.Comojásalientei,ocolapsodeumvetordeestado-oprocessoqueelegeumparticularauto-estadodeumconjuntodeauto-estados8,i-nãopodeadequadamentesercomparadoaolançamentodeumdado,pois,aopassoqueesteúltimoconstituiumprocessotemporal,pormaisincertoqueseja,ocolapso
dovetordeestadonãopodeserassimconcebido.Podemosafirmartaxativamentequeocolapsodovetordeestadonãoéresultadodeumprocesso1
temporal,sejaeledeterminístico,aleatórioouestocástico.2Umaordemdecausalidademaiselevadaentraemcena,aqualprecisaserdistinguidacategoricamentedacausalidadetemporalemqualquerdesuasmodalidades.Ochamado‘colapso’,nofimdascontas,nãopodeseratribuídoaoacasomaisdoqueaodeterminismo,requerendoassimumtipodecausalidadeque-estranhodizer-‘nãoédestemundo’.
*
Aciênciamoderna,emrazãodeseumodusoperandi,éincapazdealcançarestetipodecausalidade;naverdade,elaéincapazatémesmodereconhecerqueofenômenodocolapsodovetordeestadonãopodesertratadopelosmeiosàsuadisposição,oqueexplicaosesforçossemfimdosfísicosqueestãotentandofazerexatamenteisso.NãoimportaseotempoéencaradoàlaNewtoncomoumcontinuumlinearouemtermoseinsteinianos,implícitonocontinuumespaço-tempo;emqualquerdoscasos,umacausalidadequetranscendaodomíniotemporalpareceinconcebívelcientificamente.Nãoobstante,umaalegaçãotradicionaldametafísicaéqueacausaçãoprimeiratranscendedefatooslimitesdotempo.Paraentendermosoqueissoacarretaprecisamosprimeiroquetudorenunciarànoçãodequeouniverso‘exis-
tenotempo’-comoseotempopudesseporsitranscenderouniverso.Éumailusãosuporqueotempo—aomenosdaformaqueentendemosotermo-tenhaqualquerrealidadedestacadadosprocessostemporais,ouseja,àpartedosmovimentosetransformaçõesnomundonatural.Umacrençaremotaéadequeotempoveioàexistênciajuntamentecomoscorposcelestes,osquaisdãoamedidadesuapassagempormeiodasrevoluçõesporelesefetuadas.Aconexão,portanto,entreotempoeorelógiocelestequemede,que‘reparte’asdurações,étalquefazdeambosinseparáveis.
Porconseguinte,sedermoscomocertoqueouniversonãocausouasimesmo,segue-sequeoatocriadorpeloqualelefoitrazidoàexistênciafoirealmentesupratemporal,comobemcolocouSantoAgostinho:“Foradequalquerdúvida,omundonãofoifeitonotempo,mascomotempo.”8”Nãoobstanteisso,aindatendemosaconceberoatocriadorcomoalgoquesedeunumpassadoremoto,oquesignificaqueaindapensamosnelecomoumeventotemporal.Parece
quenossamentevê-sedecertaformaimpelidaapensaremtermosespaço-temporaismesmoquandooobjetodenossaatençãoresistealimitaçõesdestetipo.Paracitarumexemploderelevância,todopesquisadoremmatemáticareconheceofatodequeimagensespaço-temporaisacompanhamsuasreflexõesmaisabstratasesofisticadaseacabaporaprenderaartedeusartaisimagenscomoviapara‘enxergar’osobjetosmatemáticosemquestão.Ofatoéqueimagenspodem3serencaradascomosinaisqueapontamparaalémdelasmesmas,paraumarealidadetranscendentequeelasrepresentamdealgummodo.Emparticular,apossibilidadedepensamentometafísicodependedesteprincípio;oqueserequersãorepresentaçõessimbólicasdeverdadesmetafísicas;são,sequisermos,ícones,osquaispodemsercaptadospornossasfaculdadesmentaisealcançadospelointelecto.Contrariamenteaumpopularerrodejuízo,ointelectohumanonãooperapormeiodoraciocínio,massimpormeiodeumatodevisãomediadaporimagens,porumarepresentaçãoicônica.
Voltandoàidéiailegítimadequeouniversofoicriado‘hámuitotempo’,surgeaquestãodesepodemosencontrarumsimbolismoadequadoemtermosdoqualanaturezasu-pratemporaldacriaçãopossaserentendido.Proponhoabordaroproblemaporetapasapóstrêsobservações,aprimeiradelassendo:omodonaturaldedescrevericonograficamenteummetacosmoséatravésdeumadimensãomaisalta.Restringindo-nosarepresentaçõesnoplano,issoimplicaqueoespaço-tempoquadri-dimensionalterádeserrepresentadoporumafiguraunidimensional,sendoumaretaouumacurva.Sepensarmosnastrêsdimensõessuprimidascomosendoasespaciais,aretaoucurvaresultanterepresentaráentãoouniversoempíricocomoumprocessotemporal,ou,sequisermos,comooprópriotempo.Eissonoslevaàsegundaobservação:jáquequalquerpontoconcebívelnotempopossuiumanteseumdepois,nossaescolhaéentre
umalinhaabertaemambasasextremidadesouumasimplescurvafechada.Ora,aprimeirapossibilidadeéinaceitáveliconograficamenteporquenãopodeserconstruídanarealidade,oquenosdeixaocírculo-acurvafechadamaissimples-comoocandidatoporexcelência.4AterceiraobservaçãodizrespeitoaopróprioAtocriador,oqualéagoraconcebidoparaalémdotempoe,porconseguinte,metacosmica-mente.OqueprecisamosreconheceréqueesseAtoéperfeitamentcsimples:éindivisoe,defato,indivisível.Deve,portanto,sericonograficamenterepresentadoporumponto.lísseponto,noentanto,deveserúnico,desassociadodetodososoutrospormeiodealgumamarcaquesejainconfundível,quelheconfirapreeminência.Comestaterceiracondição,
completamosassimoselementosdefinidoresdenossarepresentaçãoiconográfica:estadeveconsistirdeumcírculojuntamentecomseucentro.Mencionodepassagemqueessarepresentaçãoéválidanãosomenteparaouniversocomoumtodo-aomacrocosmo-mas,também,igualmenteparatodoequalquerentecontidonaqueleuniverso-acimadetudoaohomem,queéomicrocosmoporexcelência.Podemosacrescentarqueoíconequecaracterizamosemsua,digamos,simplicidadearquetípica,admiteincontáveiselaborações,cadaumaadaptadaaumdomínio,aumaaplicaçãoparticular,etambémquesemprefoiumíconeconhecido,deumaformaoudeoutra,portodasascivilizaçõestradicionais.
Emcontraste,devemosnotarqueoocidentemodernoconstituidefatoaprimeiracivilizaçãoquenãoenxergaocosmosatravésdaslentesdesteícone.Nossaciênciapatentementenãoencontrausoparaummetacosmos,estandocomprometidacomumavisãodouniversoempíricocomosefosseumsistemafechadoquepodesercompreendido,emprincípioesemresíduos,emtermostão-somentedacausalidadenatural.Livramos-nosdanoçãodetranscendênciaereduzimosaidéiadecausalidadeaoníveldeumprocessotemporal.Podemosafirmar,demaneiratalvezhiperbólica,queo‘tempo’setransformounonovodeusea‘evolução’nanovareligião.
Mas,voltemosaonossoícone,oqualimplicaumaWellanschauungcompletamentediferente.OprimeiroaseobservaréqueoAtocriadornãosignifica‘hátemposatrás’;nãoapenasoCentroseencontraforadocírculo,maseletambémequidistadetodosospontosdaperiferia.Todo‘aqui’e‘agora’participademaneiraigualnaqueleAtotranscendente,oqualéúnicoeindivisíveldedireitopróprio.Pode-seassimentenderque,muitoemboraoCentronãoestejaemlugaralgumdoespaço-tempo,eleaindaassimé,emcertosentido,ubíquo:naspalavrasdeDante,eleestá“ondecadaondeecadaquandoseconcentra”.5Igualmentesegue-sequeacriaçãonãoésequencial,comolemosemEclesiástico:“Aquelequevivenaeternidadecrioutodasascoisasdeumavez”(Eclo18,1).“Háumlimite,portanto,”afirmaFílonde
Alexandria,“àidéiadequeouniversotenhavindoàexistência‘emseisdias’”;eMestreEckhartéaindamaisclaro:“Deusfazomundoetodasascoisasnesseatualagora”,declaraomestrealemão.Logo,amultiplicidadenãopertenceaoAtocriador,masàordemcriada;emtermosdenossoícone,elapertencenãoaocentro,masàcircunferência.
Devemosnotaraindaquenossoíconecompreendenãodois,mastrêselementosbásicos:alémdocentroedacircunferência,eleaindaexigeraiosqueconectemocentroaospontosnacircunferênciaeissotambémtemsuaimportânciametafísica,suainterpretaçãoontológica.Shabistari,osufipersa,colocademaneirasimples:“Dopontovemalinhaeentãoocírculo.”Osraiosrepresentamoquesepodechamardedireção‘vertical’,oqualtemavercomrelaçõesonto-lógicasenãocomodomínioespaço-temporal.Tudooqueexistenoespaçoenotempoexisteemvirtudedaqueladimensãovertical;deacordocomShabistari,alinhaprecedeocírculo-nãotemporalmente,éclaro,masontologicamen-te.Umasuperstiçãomodernaéqueascoisasexistamporsimesmasouporcontadeoutras‘coisas’:odesprestígiodaverticalidade,quevaidesdeumaatitudededesinteresseatéanegaçãocompleta,constituimesmoopassodecisivoquenostrazaomundomoderno.Entrementes,permaneceverdadeiro,agoraesempre,ofatodequeamentehumanapossuiacessoàdimensãovertical,edequeestejamos,defato,cônsciosdaqueladimensãodeclaradaoficialmente‘inexistente’,tantoemnossossentimentosmoral,estéticoereligioso,quantoemnossasvidasdiárias.Mesmoomaissimplesatodepercepçãoéconsumadopelointelecto,transcendendoassimoslimitesdoespaçoedotempo.67Tambémoobjetoexternotranscendesuaposiçãoespaço-temporalemvirtudedesuaformasubstancial,àfaltadaqualelenãopoderiaserconhecido.Vemosentãoquenumuniversoprivadodaverticalidadeoconhecimentotorna-seimpensável;e,parafalaraverdade,apósséculosdeesforçosvãosnatentativadeexplicaramaneirapelaqualsomoscapazesdeconheceromundoexterior,osfilósofosocidentaispersuadiram-sedequedefatonósnãooconhecemos.Comojáargumentei,9'2avisãomodernacarregadentrodesiassementesdopós-mo-dernismo;umavezqueseesqueceuqueocírculoprovémdocentro,asortefoilançada.
*
Oresultadodissoéumacausalidadeprimáriaqueatua,nãoemumpassadoremoto,masemcadaaquieagorasemexceção.Tudoqueexistenoespaçoenotempoé,nãoapenastrazidoàexistência,masmantidonaexistênciaporessacausaçãoprimária,consequênciadeumúnicoeindivisívelAto.Diferentementedostiposdecausalidadelevadosemcontapelaciênciamoderna-quepodemserchamadas
decausaçãotemporalounatural-essacausalidadeprimárianãoatuadesdeopassadoparaofuturopormeiodeumprocessotemporal,masatuadiretamente,nãomediadapornenhumacadeiadeeventostemporais.Surgeaquiaquestãode
seessemododeação‘nãomediadotemporalmente’-aoqualchamaremospeloadjetivo‘vertical’-éumaprerrogativaexclusivadacausaçãoprimáriaousetalvezexistammodossecundáriosdacausalidadevertical.Aoresponderessapergunta,podemosdizerqueacausaçãoefetuadaporumagenteinteligenteéobrigatoriamentevertical.9:!Tomemosocasodaartenosentidoprimitivodecriaçãohumana:oprocessointeirodependedeumatoverticaldessetipo.Oqueestáemjogonaautênticaarteéverdadeiramenteumaimi-tatioDei:oartistahumano‘tomaparte’,emalgumgrau,noprodígiocriadordaCausaPrimeira:“TodasascoisasforamfeitasporEle,esemElenemumacoisafoifeita”(Jo1,3).Massignificaráissoquetodaprodução-atéadoartefatomaisordinário-deveseratribuídaindiscriminadamenteaopróprioDeus?Certamentenão.Aesserespeito,éinteressantenotarque,apartirdostempospós-medievais,tornou-segeralmenteaceitooseguintetextoparaJoão1,3:“TodasascoisasforamfeitasporEle,esemElenadasefezdoquefoifeito.”Podemostomaroquodfactumestcomosereferindoàquiloquefoifeitoverdadeiramentee,portanto,àquiloqueverdadeiramenteé.Adiferença,parausarmosaterminologiaescolástica,residenapresençaouausênciadefor-8ma:éesta-umelementotranscendente!-queconfereser.Ora,essaconcessãodeformaconstituiumatodecausaçãoinegavelmentevertical.
Existe,nãoobstante,umadiferençacrucialentreformasconferidasverticalmentepelacausaprimáriaeformasimpostasporatosverticaissecundários.EprerrogativadoArtíficePrimeiroconferirformassubstanciais,quesãoaquelasquetrazemàexistênciaassubstânciasprimeirasqueconstituemodomíniocorpóreoesobreasquaistodososmodossecundáriosdeproduçãoestãorestritosaoperar,comoexemplo,omármore,sobreoqualatuaoescultor.Asformasimpostaspelaartehumanasãodeumtipodiferente:sãoformasquedãoexistência,nãoaumasubstância,masaumartefato.Podemosverque,adespeitodarealidadeda‘participação’,aimitatioestámundosdedistânciadoAtoprimárioemsi.Aindaassim,permaneceofatodequeaconcessãodeforma-sejaela‘substancial’ounão-depende,comojádisse,deumatovertical.
Tendoassinaladoaonipresençadacausaçãoprimáriaetendonotadoqueexistemtambémmodossecundáriosdecausalidadevertical,precisamosdeixarclaroqueosmodosdecausalidadetemporalaindaassimexistemetêmsuaimportância.Aaçãoprimárianãosuprimeosmodostemporais;aocontrário,ostrazàexistênciaelhesconfereeficácia.Noentanto,acausaçãotemporalélimitadaemseualcance;podemosdizerqueelasejacapazdeefetuarmudanças,efetuartransformaçõesdeváriostipos,masnãopodedarori-
gemaalgonovo:o‘produzir’autêntico,comovimos,éprerrogativadacausalidadevertical.Paraserexato:umacausaverdadeiramenteprodutoraé,ouaprópriacausaprimeira,ouentãoéoatolivredeumagenteinteligenteque‘participa’dacausalidadeprimária;nada,porconseguinte,nuncaéverdadeiramente‘produzido’porcausasnaturais.
Devemosressaltarqueessasreflexõesestãointimamenterelacionadascomumteoremamatemático,descobertoporWilliamDembski,queformaabasedoquevemsendoconhecidocomoteoriadodesígniointeligente,DL9DembskidemonstrouqueapresençadeumDlpodeserreconhecidapormeiodeumcritério,deumamarca,aqualnãopodeserduplicadaporcausasnaturais.Ateoriapodeserformuladaemtermosdeteoriadeinformaçãoapartirdoconceitodeinformaçãocomplexaespecificada,ICE.10OresultadocentraléumaleideconservaçãodaICEqueafirmaqueaquantidadedeICEnumsistemafechadonãopodeseraumentadapornenhumprocessonatural,sejaeledeterminístico,aleatórioouestocástico.11Dissoresulta,deacordocomnossaanálise,queapenasumacausaçãoverticalécapazdegerarICE.Mencionodepassagemqueesteresultadocolocaum
obstáculoformidávelparaabiologiadarwinistaaodemonstrarqueomecanismodarwiniano-oqualconstituinaverdadeumprocessoestocástico-nãopoderiajamaisoriginaraimensaquantidadedeICEquevemosemorganismosvi-ventes.Entretanto,oquenosinteressaagoraéalgobemmaisgeral:sepudermossuporque‘produzir’égerarICEeseaindaforverdadequetodacausaçãoverticaladvenhadaCausaPrimeira-sejadiretamenteouatravésde‘participação’-entãoseseguecombaserigorosamentematemáticaque“TodasascoisasforamfeitasporEle.”
Tendocolocadoemrelevoadistinçãodomodoverticaldecausalidadeemcontrastecomosmodostemporais-quebempoderiamserdenominados‘horizontais’-devemosagorarepararqueosdoistiposdecausaçãocoexistemsemnenhumaconfusãodeefeitos:assimfcomoacausaçãohorizontalnãoécapazdeproduzirosefeitosdacausalidadevertical,tambémpodemosdizerqueacausaçãoverticalnãoécapazdeproduzirefeitosquesejamprópriosdacausalidadehorizontal.Achonotávelquetambémissopossasercompreendidodentrodenossosimbolismogeométrico:comobemsabetodoestudantedemecânica,umvetordeforçaverticalnãopodeprovocarumaaceleraçãohorizontalevice-versa.Ora,podeparecerqueestaaparenteincapacidadeporpartedacausaçãoverticalemproduzirefeitos‘horizontais’sejaincompatível
comoprincípiodelapossuirprimaziaemrelaçãoaooutromododecausalidade;noentanto,issonãoocorrenaverdade.Meuargumentoéqueacausaçãoverticalefetuamudançasontológicas,asquaispodem,porsuavez,afetarocursotemporaldoseventossemafetaraoperaçãodacausalidadehorizontal:quandoalgoéalteradointeriormente,seucomportamentoexteriormudarádeacordo.Osmesmosprincípiosdecausalidadetemporalcontinuamoperantesantescomodepoisdaalteraçãoontológicae,nãoobstante,oprocessoresultanteexibiráamudançacorrespondente.Entrementes,nemaalteraçãoontológicanemaresultantealteração‘detrajetória’sãoefeitosdeumprocessotemporal,oqueequivaleadizerqueambosseapresentamcomoumadescontinuidadeirredutível.Muitoembora,portanto,acau-saçãoverticalnãopossaefetuardiretamenteumamudançatemporal,elaécapazdealterarocursodoseventossemqualquersuspensãodacausalidadetemporal.
*
Voltandoaotemadafísicaquântica,consideremosumavezmaisadistinçãodecategoriaentreumobjetocor-póreoXeoobjetofísicoSXaeleassociado.Tendotrazidoàdiscussãoanoçãoescolásticadeformasubstancial,devemosnotar,emprimeirolugar,queaquiloquenormalmentetomamoscomoobjetoscorpóreosnodomínioorgânicoraramentesãoconstituídosporumaúnicaformasubstancial.Oquesenosdefrontanessescasosnãoéumasubstânciaúnica,masumagregadoconsistindodeváriassubstâncias,denominadomisturapelosescolásticos.Nãoobstante,pormaisbásicaquesejaessadistinção,vemosqueelaéirrelevanteparanossaquestão,ouseja,podemossupor,semqualquerperdadegeneralidade,queXéumasubstância.
Qualé,então,arelaçãoentreXeSX?Podemoscolocardaseguintemaneira:oqueseapresentaaosolhosdofísicocomoumagregadoSXdepartículasquânticasénarealidadeumobjetocorpóreoXemvirtudedeumaformasubstancialeomotivodadiferençaé,efetivamente,umatodecausaçãoprimária.AspartículasquânticasqueconstituemSXexistemcomoobjetosintencionaisdafísicamasnãocomocomponentesdeX:comopartesdeX,essassupostaspartículasnãomaissãofísicasenãopodemmaisserconcebidasdemodoestritocomopartículas.Comopartedeumentecorpóreo,elasparticipamdoserdaqueleente,nasuaformasubstancial.Concluímosnocapítulo4queaspartículasfísicassãodesprovidasdeessência,carecendo,portanto,deser:essaéarazãopelaqualHeisenbergsituouessaschamadaspartículas“ameiocaminhoentrepossibilidadeerealidade”eétambémomotivopeloqual
ErwinSchrõdingerconcluique:
Fomosforçadosadispensaraidéiadequetalpartículasejaumenteindividualqueretémemprincípiosua‘identidade’parasempre.Muitoaocontrário,somosagoraobrigadosaasseverar
queosconstituintesúltimosdamatérianão
possuem‘identidade’alguma.12
Acrescentemosqueelasnãopossuem‘identidade’pornãopossuíremumaessência,umaquididade,umaformasubstancialprópria.Comofoiexaustivamenteexplicadonoscapítulosprecedentes,elasnãosão‘coisas’,pertencendo,emvezdisso,àcategoriaontológicadaspotentiae.Ora,oatoemrelaçãoaoqualelasestãoempotêncianãoéoutroqueaincorporaçãonumentecorpóreo.Segue-sedaíque,umavezincorporadas,elasdeixamdeserpotentiae,nãosendomais,assim,partículasquânticas.Precisamosentender,noentanto,queelascontinuamaexistircomoobjetosintencionaisdafísicaequearepresentaçãoquânticadeSXmantémsuavalidadedesdeumpontodevistafísico,contantoqueseatente,porém,paraaseguinteressalva:énecessáriosuporqueoalcancedassuperposiçõesemSXsejalimitadopelanaturezacorpóreadeX.Lembremo-nosqueéprecisamenteo‘princípiodade-superposição’queresolveoparadoxodogatodeSchrõdinger:éarazãopelaqualbolasdecricketnãopossuemduaslocalizaçõesepelaqualgatosnãopodemestarmortosevivosaomesmotempo.ParecequeostatussubcorpóreodeSXtemdefatoimplicaçõesquânticas,algoquepodeservistoagoracomoumefeitodacausalidadevertical.
Segue-sedessasconsideraçõesqueentescorpóreosnãosãodefato‘feitosdepartículas’comoquasetodomundocrêfirmemente.Nãoimportaseconcebemosclássicaouquanticamenteessas‘partículasconstituintes’:anoçãovemaserfantasiosanosdoiscasos,pois,comoobservamos,umavezquesejamincorporadas,essassupostaspartículasnãosãomaispartículas.Tendoentradonacomposiçãodeumentecorpóreo,elassetransformaramemalgoquenãocorrespondemaisàidéiadepartícula,transformaram-seempartesgenuínasdeumtodoontológico.Comotais,elasnãopossuemumaexistênciaseparada,masrecebemsuaexistênciadotododoqualformamparte.Contrárioàcrençacorrente,nãosãoaspartículasconstituintesqueconferemexistênciaaoentecorpóreo,mas,antes,éesteúltimoqueconfereexistênciaàssuaspartículas
constituintesaoelevá-lasdesdesuasituaçãodepotentiaeatéadepartesefetivas.
Devemosobservarqueessasreflexõesesclarecemofenômenodaindeterminação,vistopelosfísicosmaiscomu-mentecomoumaespéciedeanomalia,umtipodeimperfeição.ComosenãofosseruimobastantequeDeus‘joguedados’,osfatosquânticosaindaimpedemqueaspartículasfundamentais,sobreasquaisosfísicosdepositaramsuasesperanças,sejamsequerqualificadascomo‘coisas’.Oqueacomunidadedefísicosdeixoudeperceberatéagoraéqueessasdeficiênciasaparentessão,precisamente,oqueserequerparaqueaspartículasemquestãopossamentrarnaconstituiçãodeentescorpóreos.Empoucaspalavras:seas
partículasquânticasnãotivessemalgoavercomaindeter-minação,elasnãopoderiamreceberumadeterminaçãocomoparteslegítimasdeumtodocorpóreo.Osfísicospensamaorevés;porém,naverdade,nãoéfunçãodaspartículasconferiremexistênciaaumagregado,mas,antes,receberemaexistênciadeumaformasubstancial.
Finalmenteestamosemposiçãodecompreenderofenômenodocolapsodovetordeestadodesdeumpontodevistadametafísicatradicional.Jáficouclarodaanáliseprecedentequeadistinçãocategóricaentreosdomínioscorpóreoefísicoresolveesseaparenteparadoxo;porém,aopassoqueadistinçãoentreuminstrumentocorpóreoIeoinstrumentofísicoassociadoSItornaconcebívelocolapsodovetordeestado,elanãonosdizcomorealmenteconceberessefenômeno.Estaéaquestãoquefaltasertratada.
Consideremosoqueacontecenoprocessodemedida:umapartícula-ouumconjuntodelas-emanadadesdeumobjeto,adentraoinstrumentocorpóreoesetornaefetivamenteumapartedoinstrumento.Éporcausadessaincorporaçãoqueoinstrumentoregistraarespostadamedição.Essarespostaéconsequênciadoresultadodeumatoverticalquepodeserconcebidocomoumatodecausalidadeprimáriamediadaporumaforma.13OproblemaagoraécompreenderdequemodoesteatoafetaosistemaquânticocompostodoobjetofísicoOmaisoinstrumentofísicoSI.Éexatamenteaquiqueresideoquebra-cabeça:deacordocomateoriaquântica,O+SIconstituiumsistemafísico,oqualdeveriaevoluirdeacordocomaequaçãodeSchrõdingercomoofazemnormalmenteossistemasfísicos;porquerazão,então,issonãoocorre?Paraissojáfornecemosumarespostaparcial:oquecaracterizaO+SIéofatodeSIsersub-corpóreo;masqualoefeitoqueissoprovocanoestadodosistema
composto?Oefeitoéoseguinte:certaspartículasoriginalmentepertencentesaOpertencemmaistardeaSI,oqueacarreta-pelo‘princípiodade-superposição’-umarestriçãoemseusestadosadmissíveis.OsistemacompostoO+SIe,portanto,seuvetordeestado,experimentaassimumadescontinuidadenomomentodamediçãoeestanadamaisédoqueocolapsodovetordeestado.
Apardisso,ficaclaroqueocolapsonãoaboleaevoluçãodeSchrõdingerdosistema,masapenas‘re-inicializa’aequaçãodeSchrõdinger.Emoutraspalavras,amudançanatrajetóriaresulta,nãodeumainterrupçãodacausalidadetemporal,masdeumamudançainstantâneanoprópriosistema;comosempre,acausaçãoverticalnãoimpedeosmodoshorizontaisdecausalidade.Éenganoso,portanto,falarmosde‘acaso’comrelaçãoaomundomicroscópico;oqueocolapsodovetordeestadoimplicanãoéaleatoriedade,nãoéolançamentodeumdado,massimplesmenteofatodequeo
universoespaço-temporalnãoconstituiumsistemafechado.Odignodenotaacercadessefenômenoéqueeleexibeumefeitodecausaçãovertical,emdesafioaonaturalismovigente.
Ficaclaroquebastaapenasum‘princípiodede-super-posição’pararesolverosgrandesenigmasdafísicaquântica:14ofatodeumobjetocorpóreoX‘atuarsobre’SXdemodoarestringiroespectrodesuperposiçõesadmissíveisexplicadeumsógolpeofenômenodocolapsodovetordeestadotantoquantooparadoxodeSchrõdinger.Nãoobstante,nãoéumaquestãodeXatuarsobreSX,mas,antes,deumatoverticalpeloqualopróprioXémantidonaexistência.OquefundamentalmenteestáemjogoénadamaisqueaonipresençadoAtocosmogênico,eissoéoqueagorapassareiaexplicar.
Comessefim,lembremosquetodasascosmologiastradicionaisencaramosurgimentodocosmosapartirdeumsubstratomaterialprimordial,aoqualsealudepormeiodeumaamplavariedadedeformassimbólicasnasliteraturassacras,posteriormentedesignadasporváriostermostécnicos,indodesdeaPrakritivedantinaatéamatériaprimadosescolásticos.Entretodasessasdesignaçõesdosubstratomaterial,amaispertinenteparanossaquestãoéotermogregoChãos;podemoslernaTeogoniadeHesíodo:
“Verdadeiramentenoinício,veioaseroChãos”Oque‘veioaser’primeiropodeserentendidocomoumagamadepossibilidadesantagônicas,nosentidode
seremmutuamenteincompatíveisnoplanodamanifestação.Umblocodemármorecontémpotencialmenteinúmerasformas,masapenasumadelaspoderáseratualizadapelaartedoescultor.Aatualizaçãodeumaformanecessariamenterequerumatodeterminante,aimposiçãodeuma‘delimitação’sobreo‘ilimitado’,deacordocomoversobíblico:“ElefixouSeucompassosobreafacedoabismo”(Prov.8,27).OAtocosmogêni-copode,portanto,serentendidocomoumatodemensuraçãonosentidoquetinhaotermonastradiçõesgregaehindu;comoexplicaAnandaCoomaraswamy:
Oconceitoplatônicoeneo-platônicodemedidaconcordacomoconceitoindiano:o“nãomedido”éaquiloqueaindanãofoidefinido;o“medido”éoconteúdodefinidooufinitodocosmos,douniverso“ordenado”;o“nãomensurável”éoInfinito,queéafontetantodoIndefinidoquantodofinito,equepermaneceinalteradopeladefiniçãodoqueédefinível.15
Àluzdestesconceitostradicionais,percebemosumavezmaisqueomundoquânticoocupaumaposiçãointermediáriaentreo“medido”eo“nãomedido”;emquepeseofatodeumsistemaquânticoestarevidentementesujeitoacertasdeterminações-àfaltadasquaiselenãopoderiaserconcebidoquanticamente—ele,nãoobstante,estáaindainsuficientementedeterminadodemodoapoderserqualificadocomoum“conteúdodefinidooufinitodocosmos”.Comoobservamosantes,naverdadeelenãoéuma‘coisa’,poislhefaltaumaquididade,umaessência.
Ora,éprecisamenteessafaltadeessênciaquesemanifestafisicamentecomoindeterminaçãoquântica:aquiresideosignificadometafísicodessaindeterminação.Oquetemdesconcertadoosfísicosésimplesmenteessesinal,essamarcade“nãomedido”,aqual,noentanto,mostraserumacaracterísticadetodoomundoquântico:oprincípiodeincertezadeHeisenberggaranteisso.Segue-sequeodomínioquânticoemsuainteirezaconstituiumsubstratomaterialemrelaçãoao“medido”,istoé,aomundocorpóreo.Semdúvidaqueumsistemaquânticopodeseratualizadopeloquechamamospresentificaçãoouporumamediçãocientífica,masdevemosobservarquesuaatualizaçãonoslevainevitavelmenteparaforadomundoquânticoeparadentrodocorpóreo,enquantoosistemamesmopermanecenãomanifestado-e,naverdade,nãomanifestável.Façaoquequiser,osubstratonuncadeixadeserumsubstrato.
Ficapatentenestasconsideraçõesqueafísicaquânticadescobriuumnívelontológicoqueseaproximadas“águas”primordiais,asquaispermanecemno
lugarmesmo
depoisdeoEspíritodeDeuster“sopradosobreelas”paratrazernossomundoàexistência.Meuargumentoéqueaindeterminaçãoquântica—essecaosparcialdasuperposiçãoquântica-podenaverdadeserencaradocomoumreflexodoChãosprimordialouaindamaisconcretamentecomoumvestígiodesta‘desordem’subjacente.
Arespeitodaatualizaçãodeumsistemaquânticopormeiodeumamedição,vimosqueeladependedeumatodecausaçãoverticalquedeveserreferidoemúltimainstânciaàcausalidadeprimária.Assim,pode-sedizerquetodamediçãodeumsistemaquânticoconstituiumatocosmogênicoque‘participa’doAtoúnicodacriação.Estejaconscientedissoounão,nofenômenodocolapsodovetordeestadoofísicoestá“recobrando”oAtocosmogênico,nãodemodohipotético,nãonumasupostaexplosãoquetalveztenhaocorridohátantosbilhõesdeanosatrás,mas,efetivamente,noaquieagora.
*
ConstatamosqueSXrepresentaosubstratomaterialdeX,suafaceontológicainferior.Eleconstitui,sequisermos,ocírculonegrodentrodocampobranco,apotênciaresidualqueserecusaaserapagada.Issonostrazdevoltaaoqueassinaleinocapítulo5:aindeterminaçãorepresenta“afaceyindamoeda”.Mencionodepassagemqueestafaceyin,emquepeseseucaráterde“inexistente”,desempenhaum
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papelcrucialnofuncionamentodouniverso,desdeocomportamentodeobjetosinanimadosatéodeorganismosvivoseaté,aoqueparece,odecivilizações.Édevidoaeste‘camponegro’queexistemnomundoocrescimento,aespontaneidadeecertaliberdade,porém,aomesmotempo,osubstratomaterialmanifestaasimesmotambémcomoumapropensãouniversalemdireçãoàdecadência,umatendênciaderetornoaocaosprimordial.Nasesferasmoralesocial,essainclinaçãonosébastantefamiliar,16enquantoque,deumpontodevistacientífico,essamesmatendênciauniversalsemanifestamaispatentementenasegundaleidatermodinâmica.17
Éverdadequeaexistênciadeumsubstratomaterial-ou‘caossub-existencial’-nuncafoipostaemdúvida;mesmoassimachorealmenteespantosoquesetenha
encontradoummododerepresentaressesubstratofisicamenteedelidarcomeledemaneiramatematicamenteprecisaeempi-ricamenteeficaz.Comsegurançaafirmamosqueninguémpoderiaterprevistotalavançocientíficoe,parafalaraverdade,mesmodepoisdelogradooavanço,parecequeaindasãopoucososquecompreendemsuarealsignificação.
Resultaqueaexploraçãodosfísicosembuscada‘matéria’-sualabutadeséculosparaestabelecerasbasesmateriaisdaexistênciacorporal-foifinalmentecoroadacomsucesso;elesapenasaindanãoconseguiramreconheceressefato.Desencaminhadospelaspremissascartesianas,elestêmprocuradopelaresextensa,peloátomodeDemócrito,equando,nasprimeirasdécadasdoséculoXX,pareciaqueosucessoestavaàvista,elesacharamnomomentodecisivoqueafontetivessemisteriosamentesecado.Emlugardaresextensa,surgemessasesquivaspartículasquânticas,forçandoosfísicosaadmitir,parasuaconsternação,queoquechamavamde‘partículas’nãosãodefatoentesreais,nãosãoverdadeiramente‘coisas’.Mesmoassim,permaneceofatodeomodusoperandidapesquisaserocorretoequeolongoeárduocaminhoparaadescobertatenhaefetivamenteconduzidoaosubstratomaterialdascoisascorpóreas,adespeitodeaparênciasfilosóficasilegítimasapontaremocontrário.Deumpontodevistatradicional,éevidentequeSXrepresentadefatoosubstratodeXetambémquedificilmentesepoderiapreverumadescriçãomaismaravilhosadaquele‘caossubjacente’.Noentanto,infelizmenteessadescobertatornou-seinvisívelparaacomunidademaiordosfísicos,queaindaacreditampiamenteemaciênciamodernaterdesqualificadoasabedoriadaseraspassadas.
Háumamoralnessahistória,comaqualnosparececonvenienteterminaressamonografia.Aciênciabruta,comojáobservei,18nofinaldascontasseautocorrigeedeumamaneiramaissábia,decertomodo,doqueospróprioscientistas.Nofinal,elaécapazdenoslevaràverdade,con-
tantoapenasquetenhamosos“olhosparaver”.Masaciênciaporsisónãoécapazdenosforneceressavisão;ela,enquantotal,nãopodeinterpretarsuasprópriasdescobertas-enemopode,euacrescento,afilosofiamoderna.Odequeprecisamos,acredito,éfincarraiznasdoutrinasmetafísicastradicionaisdahumanidade,naquelesmesmosprincípiosqueforamdepreciadosdesdeoIluminismocomoprimitivos,pré-científicosepueris.Porestranhoquepareçaparaumamentemoderna,essesensinamentos-taiscomoacausalidadeverticaldaqualtratamosnestecapítulo-sãoderivados,emúltimainstância,'desdecima’,desdeocentrodocírculo,sequisermos.Formuladosoriginalmentena
linguagemdosmitos,elesserviramcomoumcatalisadorparaavisãometafísicaportodasaseras;nemPlatão,nemAristóteles,nemTomásdeAquinoinventaramsuasprópriasdoutrinas:todosbeberamdestafonte-exceto,éclaro,pelossábiosdamodernidade,osquaisrejeitaramessaherança.Hojeemdia,écerto,sabemosbemaqualdestinonoslevaamodernidade,poisentramos,afinaldecontas,naeracéticaedesiludidadopós-modernismo.Oargumentocontraasabedoriatradicionaljáatingiuseulimiteeocaminhoparaasfontesperenesseencontraabertoumavezmais.Chegouotempodeumanovainterpretaçãodasdescobertascientíficasbaseadanosprincípiospré-cartesianos;precisamosdeumamudançaradicaldeperspectiva,deumaautênticametanoia.Oqueestáemjogoéseospressupostosdaciênciaconduzirãoaumailuminaçãodointelectohumanoouaoseu
esgotamento.
212
APENDICE
1
Nocasogeral,emqueoespaçodeHilbertassociadotemdimensãoinfinita,essaformadenosexpressarmosnãoéprecisa,sendoadiferença,noentanto,irrelevanteparaopontoemquestão.
2
Umprocessoestocásticoétalqueambos,aleatoriedadeedeterminismo,entramcmjogo,comonocasodomovimentobrowniano,noqualatrajetóriadeumapartículaclássicapassapormudançasrepentinasaleatóriasdevidoacolisõesaoazarcompartículasvizinhasdealgumtipo.
3
DeCivitaDei,11.6.
4
Arespeitodavisãocircularou‘cíclica’dotempo,remetoaRobertBolton,TheOrderoftheAges(Hillsdale,NY:SophiaPerennis,2001),cap.5.
5
Paraíso,29.12.
6
Sobreessaquestão,remetoaomeuartigo“TheEnigmaoflisitalPcrception”,Sophia,vol.10,no.l(2004),pp.21-45.
7
TheWisdomojAnaentCosmology,pp.227-30.
8
Ibid.,pp.194-98.
9
UmrelatosumáriodateoriadadoIDpodeserencontradoemTheWisclomofAncientCosmology,cap.K).
ID,InteUgentdeúgn,eminglês,temsidotraduzidotambémcomo‘desenhointeligente’.Noentanto,damospreferência,nestatradução,aotermo‘desígnio’emlugarde‘desenho’,poraqueletermoevidenciardemaneiramaisincisivaqueoúltimoaexistênciadoagenteinteligente.(N.T.)
10
CSI,ComplexSpecifiedInformation,eminglês.(N.T.)
11
Estritamentefalando,processosdeterminísticoseprocessosaleatóriossãocasoslimitesdeumprocessoestocástico.
12
ScienceandHumanhm(Cambridge:CambridgeUniversityPress,1951),p.17.
13
FoisugeridoporEugeneWignerealgunsoutrosteóricosdarealidadequânticaqueocolapsodovetordeestadoenvolvea‘consciência’deumobservadorhumano.Essahipótesepode,ameuver,serdescartadacomsegurança:seriasuperestimaradestrezadofísicosupormosqueelesejacapazdefazercolapsarumvetordeestadoporumatodesuamente.Sobretudo,umavezquecaptarmosopoderexplicativodacausaçãovertical,nãohámaisnecessidadeparatalhipótesefeitaadhoc.
14
Exceçãofeitaaofenômenobastanteenigmáticoda‘nãolocalidade’,mencionadonasegundaseçãodocapítulo4.Trateidesseassuntodesdeumpontodevistatradicionalnumartigointitulado“Bell’sTheoremandthePerennialOntology”;v.TheWisdomofAncientCosmology,cap.4.
15
CitadoemRenéCiuénon,TheReigtiojQuantity(Hillsdale,NY:SophiaPerennis,2004),p.27.
16
OlivroanteriormentecitadodeRobertBolton,intituladoTheOrderofthcAges,forneceoquedeveseramelhorintroduçãoaoassunto,especialmenteoscapítulos9e10.
17
F,evidentequeaentropia,aqualdefatoéumaformadc‘desordem’,dificilmentenãotemrelaçãoalgumacoma‘desordem’primordialconhecidadatradiçãocomoChãos.
18
TheWisdomofAncientCosmology,cap.12.
TEORIAQUANTICA:
UMABREVEINTRODUÇÃO
Dificilmenteháummodomelhordeabordarateoriaquânticadoquerefletirmosarespeitodosresultadosdochamadoexperimentodafendadupla,algobastantesimplesnaverdade.Passa-seluzououtrotipoqualquerderadiaçãoatravésdeduasfendaspraticadasnumatelaSemdireçãoaumasegundatelaouanteparoR,noqualconsegue-segravarouobservaraintensidadedaradiaçãoincidente.Porexemplo,podemosusaraluzdosoléobservaradistribuiçãodeintensidaderesultanteemRpormeiosvisuais-e,abemdaexatidãohistórica,foidessaformaqueoexperimentodafendaduplafoirealizadopelaprimeiravez,em1803,porumcientistainglêschamadoThomasYoung.Agora,comosepodiaesperar,quandoumafendaestáabertaeaoutrafechada,obtém-sesobreRumaúnicafaixabrilhante,posicionadaexatamenteatrásdafendaqueestáaberta.1
Porsuavez,quandoambasasfendasseencontramabertas,oresultadoqueseobtémnãosãoapenasduasfaixasbrilhantes,cadaumaquecorrespondesseaumadasduasfendasabertas,mas,diferentemente,umpadrãodebandasclaraseescuras,cujasintensidadesvãodiminuindogradativamenteàmedidaquenosafastamosdaregiãoexatamentedetrásdasfendasemqualquerdireçãosobreR.Esteéoprimeiroresultadoexperimentalepodefacilmenteserexplicadoemtermosdomodeloondulatóriodaluz.ConsidereumpontoPsobreoanteparoRedenotemosporAeporBasposiçõesdasduasfendas.2Obviamente,seostrensdeondaemanadosdeAedeB,incidentesemP,estiverem‘emfase’,elessereforçarão,masseestiverem‘foradefase’,elesseatenuarão,podendoatésecancelar.Ora,osdoistrensdeondaestarememfaseouforadefaseemPdependerádasdistânciasAPeBP,enãodeveserdifícilperceber
queposições‘emfase’e‘foradefase’sealternarãoàmedidaquePsemovepeloanteparoR.Oresultadosãoasbandasclaraseescuras,opadrãoprópriodoexperimentodafendadupla.
Devemosressaltarqueesteefeitonãotemespecificamenteavercomaluz,masqueseaplicaatodosostiposdepropagaçãoondulatória.Oexperimentodafendaduplapo-deria,assim,serigualmentelevadoacabocom,porexemplo,ondasnaágua,asquaistambémsereforçarãomutuamentequandoacristadeumaseencontracomacristadaoutraesecancelarãoquandoumacristaseencontrarcomumvale.NolugardasbandasbrilhantessobreR,encontraríamosagoraposiçõesemqueaáguarealizaumsobe-e-descepronunciadoe,nolugardasbandasescuras,teríamosposiçõesderelativacalma.Ondequerquetenhamosondasdequalquerespécie,haveráessesfenômenoschamadosdi-fraçãoeinterferência,resultantesdofatodetrensdeondaquesecruzampoderemsereforçarousecancelar,dependendodasfasesrelativas.
Existe,noentanto,umasegundadescobertaexperimentalaserdiscutida.SuponhaquerefinássemosométododoexperimentodeYoungdemodoatornaradetecçãodaluzsobreRmaisprecisadoqueénormalmentepossívelpormeiosvisuais.Encontraríamosentãoquealuzérecebidanãocontinuamente(comorequeromodeloondulatório),masemunidadesdiscretas.Destemodo,oquese‘enxerga’pormeiodeinstrumentossensíveisobastantesãopequenosflashesdeluz,distribuídosaoacasosobreoanteparoR,masconcentradosemregiõesque,paraoolhohumano,parecem-secombandasclarascontínuas.Assim,asituaçãoquesurgequandorefinamosnossosinstrumentosdedetecçãosugeremuitomaisquealuzsejaumacorrentedepartículas,depequenos‘projéteisdeluz’,doqueumaondacontinuamentedistribuída.
Apardissofoidescobertoqueaschamadaspartículasqueconstituemosátomosemoléculas(taiscomoelétronseprótons)dãoigualmenteorigemaefeitosdeinterferência.Defato,épossívelrealizaroexperimentodefendaduplacomqualquerdessaschamadaspartículas,eemtodososcasosencontraremosqueadensidadedeimpactossobreoanteparoRexibiráopadrãodedifraçãocaracterísticodeumaonda.Ficaóbvioqueosentescomosquaisestamoslidandocomportam-seemalgunsaspectoscomopartículase,emoutros,comoondas.
Logo,oqueé,porexemplo,umelétron:eleérealmenteumapartículaoudefatoumaonda?Obviamenteelenãopodeserambos,poiséimpossívelqueumacoisaestejalocalizadadentrodeumvolumediminutoeaomesmotempoestejaespalhadasobreumavastaregiãodoespaço.Ora,aidéiadequeoelétronsejaapenasumaondapodeserdescartadaimediatamente,pois,seassimfosse,eleevidentementemarcariaoanteparoRnãoapenasnumpontoparticularP(ouem
suavizinhançaimediata),masemtodosospontosondeasamplitudesdostrensdeondasfundidas,emanadasdesdeAedeB,nãosecancelassem.Mas,comovimos,oelétronnaverdadeimpactaoanteparoRnumaposiçãoparticular,pontonoqualeletransmitetodooseumomentolinear(ouenergiacinética)deumavezsó.
Umelétron,portanto,definitivamentenãoéumaonda.Então,emquepeseeledarorigemaefeitosdedifra-ção,elenãopoderiasertratadocomoumapartícula?Consideremosaquestão.Porsimplicidade(etambémantecipandoahipóteseconcebíveldequeofenômenodadifraçãopudessesedevera‘efeitoscoletivos’),vamossuporqueofeixedeelétronstenhasidotornadotãorarefeitoaopontodesomenteumelétrondecadavezpassarpelatelaS(umacondiçãoquepodeserefetivamenterealizadanaprática).Agora,seafendaAestiverabertaeafendaBfechada,cadaelétronquepassarporAimpactaráoanteparoRdentrodeumaestreitabandadetrásdeA,eteremosumcasosimilarseBestiverabertaeAfechada.3Nocasodeambasasfendasestaremabertas,poroutrolado,encontramos,umavezmais,quesurgembandasdeinterferência.SalientemosqueessainterferênciaocorrenãoimportandoseoselétronssãofeitospassarpelatelaSnumfeixedenso(digamoscomIO24elétronsporsegundo)ouumporvez(digamosumporhora),comosupusemos.
Algumacoisamuitoestranhaobviamenteestáocorrendo,poisseumelétronédefatoumapartículaeledevepassarouporAouporB;empassandoporAeledeveráim-pactarabandadetrásdeA,eempassandoporB,entãoimpactarabandadetrásdeB.Adistribuiçãodeimpactoseletrônicosquandoambasasfendasestãoabertasteriaassimqueserasomadasrespectivasdistribuiçõesassociadasàsituaçãoemqueumadasfendasestivessefechada,oquesignificadizerqueoresultadodeveriaconsistirdasduasbandasmencionadasacima.Issoéoqueocorreria,logicamente,seestivéssemoslançandoprojéteisordináriosaoinvésdeelétrons.Masofatoéqueissonãoéverdade!1Emvezdoesperadopardebandasencontramosumaseqüênciaindefinidadelinhasqueseespalhamemambasasdireçõesapartirdasfendas.Pareceentãoque,muitoemboraoelétronpasse,supostamente,porapenasumadasfendasAouB(masnãopelasduas!),seucomportamentoéafetadopeloestadodaoutrafenda,pelofatodestaoutrafendaestarabertaoufechada.Mascomooelétron‘sabe’seaoutrafendaestáabertaounão?Quaisosmeiospelosquaiselesondaoespaçoaoredor?
Ficaevidentequeumelétronnãopodeserapenasumapartículaordinária,umapartícula‘clássica’.Nomelhordoscasos,elepoderiaserumatalpartícula‘mais’
algumaoutracoisa,algoquesejanãolocalizado.Poderiaserele,então,umapartículamaisumaonda?Defatoessaidéiajáfoipro-4
postaedesenvolvidacomalgumsucesso,sem,contudo,queahipótesedeuma‘ondapiloto’tivessetrazidograndescontribuiçõesaonossoentendimento.Aindamais,emvirtudedaspropriedadesestranhíssimasqueessaschamadasondasteriamqueter,oquadroresultanteestá,dequalquermodo,longedeser‘clássico’.
Aconclusãofinaléqueessa‘estranhezaquântica’nãopodeserexplicadapor-nemseraexplicaçãode-nenhumtourdeforceclássico.Osprópriosresultados,mesmoodonossohumildeexperimentodafendadupla,jádesafiamexplicaçõesdessetipo.Oqueaparecedenovoéacompreensãodequeaschamadaspartículasfundamentaisdanaturezanãosãonaverdadenempartículasnemondasemsentidoestrito,nemmesmosãoentesdetipomaiscomplexoqueaindapudessemserconcebidosemtermosdafísicaclássica.Precisamosédeumareformulaçãodasbasesprópriasdafísica,deumnovoformalismoqueromparadicalmentecomoanterior.Sobretudo,precisamosdeumformalismoquedistingacategoricamenteentreumenteousistemaquânti-coenquantotal(umelétron,porexemplo)eseusváriosobserváveis(taiscomoposição,momento,etc.).Podemosdizerqueoproblemacomafísicaclássicaéqueelaconcebeosentesemtermosdeseusobserváveis,conferindoassim‘con-creção’aoquenanaturezaaindanãoapossui.Eladáporcertoqueumelétrondevater,porexemplo,umaposiçãobemdefinidaeummomentobemdefinidoatodoinstante,nãoimportandoseessaposiçãoeessemomentotenhamsido
\
averiguadosporumamediçãoounão.Mas,comopodemossaberdisso?Aindamais:seránecessáriosuporqueanatureza,emtodasassuasoperações,sejacompelidaaagirdessemodo?
Ora,opontoprincipaltalveznemsejatantoqueasdescrições‘concretas’ouclássicas’acercadarealidadedevamserabandonadas,massimaconstataçãodequeelaspodemser,semqueissocoloqueumfimàinvestigaçãofísica.Oqueseabrediantedenóséapossibilidadedefazermosboafísicanumformalismoquefaçadistinçãocategóricaentreosistemafísicotomadoemsieseusobserváveis,umformalismo,podemosdizer,baseadonumaconcepção‘abstrata’darealidadefísica.
Reparemosqueopassodecisivofoidadoem1925porWernerHeisenberg,entãocom24anos,aosedepararcomumamaneirainteiramentenovaderepresentarossistemasfísicos.Noquesepodechamardeumgolpedegênio,ojovemHeisenbergconcebeuaidéiaderepresentarossistemasquânticosporumelementoouvetorpertencenteaoqueosmatemáticoscostumamchamardeespaçodeHilbert,asaber,umaestruturamatemáticaquesurgenoestudodecertostiposdeequaçõesequejáerabemcompreendidaàépoca.Heisenberg,quandodesuadescobertadecisiva,ignoravatotalmenteessedesenvolvimentomatemático;assim,naverdade,elereinventouaidéiadeespaçodeHilbert.Dentrodecurtoespaçodetempo,entretanto,ateoriamatemáticaexistentefoipostaaserviçodamecânicaquânticaeanova
físicarecebeuassimumafundamentaçãomatemáticasólidaecoerente.
0quemeproponhofazernesta‘breveintrodução’é,primeiramente,explicaraoleitoremgeralquetipodecoisaconstituiumespaçodeHilbert,eentãoindicarcomoeleéempregadonateoriaquântica.Paramanteraexposiçãononívelmenostécnicopossível,enfocareiapenasespaçosdedimensãofinita.Minhaintençãoéapresentarosfatosbásicosdamaneiramaissimplespossível,relegandoasegundoplanotudoquepossaobscurecerasidéiasprincipaisdessaintrodução,desteprimeiroolhar.
1.EspaçosdeHilbertdedimensãofinita
Tomemoscomopontodepartidaoplanoeuclidianofamiliar,ouseja,oplanonoqualasnoçõesdedistânciaeângulosãousualmentefixadas.EscolhamosumpontoOnesteplanoe,feitodisso,referir-nos-emosapontosnesteplanocomovetores.Qualadiferença,então,entreumvetoreumsimplesponto?Podeparecer,àprimeiravista,queosdoissejamexatamenteamesmacoisa!Adiferença,noentanto,éaseguinte:tendoescolhidoumpontodereferência,chamadoorigemO,pode-sedefinirtrêsoperaçõesalgébricasbásicasquedependemdestaescolha.Aprimeiraéchamadaadi-
\çãovetorial:doispontos(chamadosagora‘vetores’)podemseradicionadosdemodoaproduziremumterceirovetor.Apróximaoperaçãoéchamadademultiplicaçãoescalar:umvetorpodeser‘multiplicado’porumnúmeroordinário(oschamadosnúmerosreais5)demodoaproduzirumsegundovetor.Aterceira
eúltimaoperaçãoéchamadade‘produtointerno’:doisvetorespodemser‘multiplicados’demodoaproduziremumnúmero(real).Esseconjuntodadodevetores,providoscomasduasprimeirasoperações,constituiumexemplodoquesechamaespaçovetorial.Porsuavez,seestiverprovidodastrêsoperações,eletorna-semaisdoqueapenasumespaçovetorial:eleéagoraum(bempequeno!)espaçodeHilbert.
Indiquemos,emprimeirolugar,comoédefinidaaadiçãovetorial(dadoumpontoOdereferência!).SendoPumpontodoplano,seráconvenientedesignarovetorcorrespondentepelanotaçãoOP,certamentefamiliaramuitosleitores.Comodefiniremosentãoasomadedoisvetores,digamosOPeOQ?São-nosdadostrêspontos(O,PeQ),eprecisamosencontrarumquartopontoRquesejadeterminadodeumcertomodopelosoutrostrês.Ora,umaescolhanaturalseriaopontoRparaoqualOPRQformasseumpa-ralelogramo,pois,emvirtudedaestruturageométricadoplano(nessecasoanoçãodeparalelismo),opontoRéunivo-camentedeterminadoporO,PeQ.6UmavezdeterminadoR,temosagoraqueaadiçãodevetoresédadapelafórmula:
ÕP+ÕQ=ÕR
Esseéonossoresultado:definimosaadiçãovetorialpelachamadaregradoparalelogramo.
Apróximaéamultiplicaçãoescalar.Comopodemosdefini-la?Tambémaquientraemjogoumanoçãogeométrica,anoçãodedistância.DadosdoispontosPeQ,denotaremosadistânciaentreelespor|PQ|.SejaagoraOPumvetorarbitrárioeaumnúmeroreal.Vamossupor,emprimeirolugar,queasejapositivo.GostaríamosqueamultiplicaçãoescalardeOPporamultiplicasseadistânciaOPpelonúmeroa,porémmantendoaomesmotempoinalteradaadireçãodalinhaOP.Comessafinalidade,observemosqueexisteumúnicopontoRsobrealinhaOPquesatisfaza:
a\OP\=\OR\
talqueO,alémdisso,nãoseencontreentreReP.Paravalorespositivosdea,temosentãoliberdadededefiniroprodutoescalarpelafórmula:
aOP=OR
Quandoaénegativo,porsuavez,podemosprimeiromultiplicarOPpor-a
(operaçãoestaquejáseencontradefinida),edepoisreverterosentidodovetorresultanteOR(oqueagoracolocaOentreospontosPeR).Finalmente,quandoaénulo,tomaremosRcomosendoO.Dessamaneiradefinimosoprodutoescalar.
Adefiniçãodaterceiraoperaçãoalgébrica(oprodutointerno)dependedanoçãogeométricadeânguloetalvezassusteoleitorporserumpoucomaiselaborada.Bastadizerqueesseprodutoserádesignadopelanotação(OP,OQ)eserádefinidopelafórmula:
(pP,ÕQ)=|OP\|OQ\cos0
onde0representaoânguloentreasretasOPeOQ.Oleitordeveránotarqueoladodireitodafórmularepresenta-como,aliás,deveria-umnúmerorealdeterminadopelosvetoresÕPeOQ.
Todasastrêsoperaçõesalgébricasforamjáespecificadasecomosepoderiaesperar,elasacabamporsatisfazeralgumasregrasalgébricasbastantesimples-asregrasemtermosdasquaissedefineaxiomaticamenteoespaçodeHilbert.7Porexemplo,aadiçãodevetoresécomutativa,oquesignificaqueaordememquedoisvetoressãoadicionadoséirrelevante.Estapropriedadealgébrica,aliás,éóbviaapartirdaregradoparalelogramo.Menosóbvio,porsuavez,éofatodequeaadiçãodevetoressejaassociativa:sesomarmostrêsvetores,nãoimportaquaisdoisescolhemosparasomarprimeiro.Outrabelapropriedade(epoucoóbvia)équeamultiplicaçãoescalarédistributivacomrelaçãoàadiçãodevetores,ouseja,aseguintefórmulatemvalidadegeral:
apP+ÕQ)=aÕP+aÕQ
Demodoanãodeixardeforaoprodutoescalar,mencionemos,finalmente,queeleébi-linear,oquesignificaque:
(ÍxÕP,ÕQ)=a(ÕP,ÕQ)
(ÕP+ÕQ,ÕR}=(ÕP,OR)+lÇQ,ÕR)acrescidodeduaspropriedadessimilarescomosmembrosdireitoeesquerdointer-cambiados.
Duasobservaçõesagoraprecisamserfeitas.Primeiramente,podemoscalcular(oudefinir,sequisermos)o‘comprimento’deumvetor,emtermosdoprodutointerno,pelafórmula:\OP\-j{OP,OP).
Enfim,fazsentidodizerquedoisvetoressejamperpendiculares(ou‘ortogonais’,comopreferemosmatemáticos)nocasodeseuprodutointernoresultarnulo.OleitordevenotarquedoisvetoresnãonulosOPeOQsãoortogonais(nosentidoaquidefinido)seesomenteseasretasOPeOQforemperpendiculares.
Estamosagoraemposiçãodeexibirafórmulaquedesempenhaumpapelfundamentalnateoriaquântica.SejamOXxeOX2doisvetoresdecomprimentounitárioeortogonaisentresi,esejaOFumvetorarbitrário.Aplicandoasleisalgébricasàsquaisaludiacimaefazendousodepropriedadeselementaresdoplano,nãoédifícilmostrarque:
(1)OP=a,OXx+a2OX2
ondea,=(OP,OX}^ea2=(OP,OX2\.Osignificadogeométricodessafórmulaficaevidenteassimquereconhecemosqueosdoistermosdomembrodireitodaequação(1)correspondemaprojeçõesperpendicularesdopontoPsobreasretasOX}eOX2,respectivamente.Ou,emoutraspalavras:elesrepresentamdoisladosdeumparalelogramo(naverdadeumretângulo),doqualOPéumadiagonal.
OsdoisvetoresunitáriosperpendicularesentresiOX,eOX2sãoditosconstituirumabaseortonormalparanossoespaçodeHilbert.Deve-seobservaragoraquesetivéssemoscomeçadonãocomoplanoeuclidiano,mascomtodooespaçoeuclidianotri-dimensional,poderiamosterdefinidocadaumadastrêsoperaçõesalgébricasexatamentecomofizemos,eessasoperaçõessatisfariamcertamenteasmesmasregrasalgébricas.Noentanto,afórmula(1)nãomaisvale-ria.Emvezdedoisvetoresunitáriosortogonaisentresi,precisaríamosagoradetrês(osquaisoutravezseriamchamadosdebaseortonormal).Obteríamosassim:
(2)OP=a]OX]+a2OX2+a3OX3
onde<x=(OP,OXj^parai=1,2,3.
Vemosporessesdoisexemplosqueumabaseortonormalécaracterizadanãoapenaspelacondiçãodequeosvetoresdadossejammutuamenteortogonaisedecomprimentounitário,mastambémpelofatodequeoconjuntoé‘máximo’nosentidodeserimpossíveladicionarmosumoutrovetorunitárioaoconjuntoquesejatambémortogonalacadaumdosanteriores.Comesseentendimento,pode-
semostrarquequaisquerduasbasesortonormaisdeumdadoespaçodeHilbertdevemconteromesmonúmerodevetoresequeessenúmerodefineadimensãodetalespaço.
OquefoimostradoatéaquisãoosespaçosdeHilbertdedimensões2e3,respectivamente.Efácilverqueépossívelconstruírem-seespaçosdeHilbertdedimensãonparaqualquernúmerointeiropositivon.Éverdade,semdúvida,queparan>3nãosomosmaiscapazesdevisualizarconcretamenteessesespaçosvetoriaisdemodogeométrico,mas,aindaassim,todasasregrasfamiliarescontinuamaplicáveis.Naverdade,trabalharnessesespaçosdedimensãomaisaltachegaasertãofácilquantonosexemplosbietridimensionais.Malprecisamossalientarque,numadimensãon,asequações(1)e(2)assumiriamaforma:
(3)OP=axOX]+a2OX2+...+anOXn
ondeai=(OP,OXi^parai=1,2,...,n.
Noentanto,pormaiorquesejaonquetomemos,ocorrequeessesespaçosdeHilbertdendimensõessãoaindaassimrestritosdemaisparaamaioriadasaplicaçõesemteoriaquântica.Precisamos,então,deespaçosdeHilbertde‘infinitasdimensões’,claroqueadmitindoserimpossíveldescrevê-losemtermoscompreensíveisparaleitoressemotreinomatemáticosuficiente.Mastampoucoénecessárioqueofaçamos,poisasprincipaisidéiasdateoriaquânticapodemserexplicadasmuitobemtomandoumcasodedimensãofinita.Ofatodeacoisaficarbastantemaiscomplicadanocasodeinfinitasdimensõesnadaalteraadescriçãoemsuabase.Pelocontrário!AscomplexidadesdateoriadosespaçosdeHilbert(porexemplo,oreconhecidoteoremadadecomposiçãoespectralparaoperadoreshermitianos)justamentenosmostramqueadescriçãobásicapodeserlevadaemsuaessênciaparaocasodedimensãoinfinita.
Vamosapresentarnestaintroduçãoaestruturamatemáticadateoriaquânticademaneirasimplificada,enquadradanosmoldesdeumnúmerofinitodedimensões.
2.Númeroscomplexos
OsespaçosdeHilbertconsideradosatéaquieramespaçosdeHilbertreais,significandoistoqueos‘números’(chamadosescalares)envolvidosna
multiplicaçãoescalarenoprodutointernoeramnúmerosreais.Acontece,porém,queateoriaquânticademandaespaçosdeHilbertcomplexos,espaçosnosquaisosescalarçssejamnúmeroscomplexos.Formalmentetudopermaneceigual.Teremos,tambémaqui,astrêsoperaçõesalgébricas,satisfazendoaindaasmesmasregrasqueantes.Apenasqueoconceitodenúmerosubjacentetemdeserestendidodocamporealparaocampocomplexo,comosecostumachamarestetipodeestruturaalgébrica.
PaulDirac(umdosfundadoresdateoriaquântica)apontouumavezque“Deususoudeumabelamatemáticaaocriarestemundo.”Issopoderiaexplicarosurgimentodenúmeroscomplexosnafísicajáque,comobemsabetodomatemático,aanálisematemáticachegaàsuaperfeiçãonodomíniodosnúmeroscomplexos.
Oqueé,então,umnúmerocomplexo?Emcertosli-vros-texto,aprende-sequeeleéumnúmerodaformax+iy,ondexeysãonúmerosreaisediz-sequeié‘araizquadradade-T.Mas,seéesseocaso,comopodemossaberque-1temumaraizquadradae,maisainda,queesse‘númeroimaginário’ipodesermultiplicadoporumnúmerorealyequeoresultadopodesersomadoaoutronúmerorealx?Certamenteaexpressãox+iynãoéumadefinição,mastão-somenteumanotação.Noentanto,elaéútil,poisapróprianotaçãosugerequeesses‘números’podemsersomadosemultiplicadosdeacordocomasregras:
(4)(x+iy)+(x'+iy')=(x+x')+i(y+y’)
(5)(x+iy)(x'+iy')=(xx'-yy')+i(xy+yx’)
Podemosverificarfacilmentequeestaadiçãoeestamultiplicaçãosatisfazematodasascondiçõesusuais,ouseja,queesses‘números’(seéqueexistem!)constituemumcampo.Vistoquetodonúmerorealxétambémumnúmerocomplexo(paraoqualy=0),vemos,ademais,queestecampose‘estende’paraocampodosnúmerosreais.
Mas,persisteaquestão:oqueéumnúmerocomplexo?Ora,amaneiramaissimplesemaisnaturalderesponderéaseguinte:umnúmerocomplexoéumparordenado(x,y)denúmerosreais,comacondiçãodequeaadiçãoeamultiplicaçãosãodefinidasporfórmulasanálogasa(4)e(5);istoé:
(x,y)+(x',y')=(x+x',y+y')
(x,y)(x’,y')=(xx'-yy',xy'+yx’)
Primeiramente,observemosmaisumavezqueosnúmerosreaispodemserencaradoscomoumcasoespecialdenúmeroscomplexos(ao‘identificarmos’xcomopar(x,0)),equeapresentedefiniçãodenúmeroscomplexosresolvedeumavezoenigmadoi,araizquadrada‘imaginária’de-1.Issoporquearegraacimaparaamultiplicaçãoforneceimediatamenteque:
(0,1)(0,1)=(-1,0)
aqualmostraqueinadamaisédoqueonúmerocomplexo(0,1).Alémdisso,vemosquepodeserbastanteenganosofalarmosdenúmeros‘reais’e‘imaginários’,umavezqueopar(0,1)nadatemdemais‘imaginário’nemdemenos‘real’doqueopar(1,0).
Depassagem,mencionoquenúmeroscomplexospodemprontamenteserrepresentadosporvetoresnumespaçobi-dimensional,oquesignificadizerquepodemospensarnosnúmeroscomplexoscomopontosnumplano-ochamadoplanocomplexo.Paraconsultasfuturas,mencionemostambémquecadanúmerocomplexopossuiumchamadovalorabsoluto(suadistância,noplanocomplexo,atéaorigem),8dadopelafórmula:
\(x,y)\=^x2+y2
Osnúmeroscomplexosdevalorabsolutoiguala1formam,assim,umcírculonoplanocomplexo.Podemos,pois,coordenatizaressesnúmerosatravésdeumângulo,digamos0,ânguloessemedidonosentidoanti-horárioesubentendidoentrearetaqueligaaorigemaopontodecoordenadas(x,y)earetahorizontalqueconsistedosnúmerosreaispositivos.Façonotar,tambémparausofuturo,queonúmerocomplexocorrespondenteaoângulo0nocírculounitário(paraoqualusaremoscomounidadedemedida,nãoosgraus,masoschamadosradianos)tambémpodeserdenotadopore‘°.Nãoprecisamosnosocupardofatodequee'°énaverdadeonúmeroreale(basedoslogaritmosnaturais)elevadoàpotência‘imaginária’i0.
3.VetoresdeEstadoeObserváveis
AcadasistemafísicoconcebidoquanticamenteexisteassociadoumespaçodeHilbertcomplexo,cujosvetoresnãonuloscorrespondemaosestadosdosistemafísico.Referimo-nosaessesvetorescomovetoresdeestadoe,seguindo
anotaçãodeDirac,elessãogeralmentedenotadosporumaletragregacomumabarraverticalàesquerdaeumsinalde‘maiorque’àdireita.Oprodutointernoentre\y/)e|,porexemplo,seráescritocomo(y\%).
Sejamagora|i/'}e|%)doisvetoresdeestado,esejamae6númeroscomplexos.Asomaponderadaa|•//)+/?|x)é,portanto,outrovetornoespaçodeHilbert.Maslembremosquevetoresnãonuloscorrespondemaestadosfísicosdosistema!Asomaponderadacomplexaa\y/)+P\x)possui,portanto,umsignificadofísico(desdequenãosejanula):elarepresentaumpossívelestadodosistema.Essefatonotável,quenãoapresentaanálogonafísicaclássica,éconhecidocomooprincípiodesuperposição.
Devemosmencionaremseguidaqueamultiplicaçãodeumvetordeestadoporumnúmerocomplexonãonulonãoalteraoestadofísicocorrespondente,significandocomissoqueestadosfísicoscorrespondem,nãoavetoresdeestadoindividuais,masaoquesepoderiachamarderetacomplexapassandopelaorigemdoespaçovetorial.
Consideremosaseguirumobserváveldosistemafísi-\
co,istoé,umaquantidadequeemprincípiopodeserconhecidaatravésdeumatodemedição.Oresultadodeumamediçãodepende,semdúvida,doestadodosistema.Precisamos,noentanto,distinguirentredoiscasos.Existem,emprimeirolugar,estadosparaosquaisasrespostasestãodeterminadascomcerteza,eessessãochamadosauto-estadosdoobservávelemquestão.Entretanto,emgeralovalordoobservávelnãoserádeterminadocomcerteza,oquesignificadizerquequandoocorredeosistemanãoestarnumauto-estado,umamediçãopodeemprincípiofornecerqualquerumdeumagamadepossíveisvalores.Alémdisso,osvalorespossíveisdeumobservávelsãochamadosautovalores;finalmente,vetoresdeestadocorrespondentesaumautoes-tadosãochamadosautovetores.
Chegamosagoraaumfatocrucial:autovetoresquecorrespondamadiferentesautovaloresserãoortogonais.Issoimplica,emparticular,queseoobservávelpuderassumirnvaloresdistintoseseacadaumdestescorresponderumautoestado,entãooespaçodeHilbertdeverápossuirdimensãonomínimoigualan.Pelomesmomotivo,seonumerodeautovaloresdistintosforinfinitoeseacadaumcorresponderumautoestado,entãoadimensãodoespaçodeHilbertdeveráserinfinita.
Porsimplicidade,vamossupordaquiparafrentequeoespaçodeHilbertpossuadimensãofinita,digamos,igualan.Segue-se,então,deumteoremamatemático,quetodoobserváveladmiteumabaseortonormaldeautovetores.
Escolhamos,portanto,umobservável,detalmodoqueW\)|i//2)|i//,;)denotemessabaseortonormal.Todososvetoresdeestado|X)poderãoentãoserrepresentadoscomoumasomaponderadacomplexadosautovetoresacima.Demaneiraprecisa,aequação(3)fornece:
1
Ascoisassepassarãoassimdesdequealarguradafendasejagrandeemcomparaçãocomocomprimentodeondadaluz,oumelhor,queoscomprimentosdeondadentrodaregiãovisíveldoespectro.
2
Porsimplicidade,vamossuporquealarguradasfendas,apesardegrandeemcomparaçãocomocomprimentodeondadaluzutilizada,sejaaindapequenaobastantedemodoapodermosdesprezá-lanoscálculosdosefeitosdeinterferência.
3
DevemosusarfendascujaslargurassejamgrandescomparadascomochamadocomprimentodeondadedeBroglicdoelétron,istoé,arazãoh/p,emquehé.aconstantedePlanckepomomentolineardoelétron.Deoutraforma,efeitosdedifraçãodevidosaumaúnicafendaentrariamemjogo.
4
Deacordocomateoriaquântica,efeitoscorrespondentesdedifraçãoaparecemmesmonocasode‘grandes’objetos,taiscomoprojéteisoubolasdebaseball.Apenasque,paraessesobjetos,osefeitosemquestãosãopraticamenteinobserváveisdevidoaocomprimentodeondadedeBroglieserexcessivamentepequeno.
5
Umnúmerorealéaquelequepodeserexpressonanotaçãodecimalusual,lile,portanto,éuminteiro(positivo,negativoouzero),acrescidodeumnúmerodaformaxX,JÍ.4.,ondeosx.’ssão‘algarismos’doconjunto0,1,2,..,9.Talexpressãorepresentanaverdadeumasérieinfinitaqueconvergeparaumnúmerorealentre0e1.Alémdosinteirosedasfraçõesinteiras,osnúmerosreaisaindaincluemosnúmeroschamadosirracionais,taiscomoV2e7t.
6
EstamossupondoqueospontosO,PcQnãosejamcolineares.()próprioleitordescobriráoquedeveserfeitonocasocolinear.
7
Oquefizemosfoitraduziroperaçõesgeométricasparaoperaçõesalgébricas.
AestruturaalgébricadenossoespaçodeHilbert‘reflete7aestruturadoplanoeuclidiano.
8
‘Valorabsoluto’tambéméchamado,noensinosecundáriobrasileiro-aliás,muitomaiscomumente-de‘módulo’.
U)=«i\y/])+a2\y/2)+...+a„|y/„)
ondea.=(%|t//,)parai=1,2,...,n.Aquestãoagora.éseessescoeficientesa];a2,...,an(osquaisdescrevemaposiçãodovetordeestadoemrelaçãoaosautovetoresdados)contêminformaçãofísicadealgumtipo.Noentanto,comoumvetordeestado|X)podesermultiplicadoporumnúmerocomplexonãonulosemalteraroestadocorrespondente,vemosqueosct.’ssomentesãodefinidosamenosdeummúltiplonãonulo.Pararemediarestafaltadedeterminação,podemos‘normalizar’ovetordeestado\x)dividindo-oporseucomprimento.Osa.’sresultantesserãoentãodeterminadosuni-vocamente,excetopormúltiploscomplexoscujovalorabsolutovale1,eaindasatisfarãoacondição:
(6)|a,j+\a2\+...+|an|=1
Qualé,então,oseusignificadofísico?Éoseguinte:oquadradodovalorabsolutodea.-oqualestáagoradeterminadounivocamente-éigualprecisamenteàprobabilidadedeumamediçãodoobservávelemquestãoforneceroau-tovalorÀassociadoaoautovetorI1/7;).1AprobabilidadepdeobtermosovalorX.vemdada,consequentemente,pelafórmula:
IdlvQf1{x\x)
Deve-senotarantesdemaisnadaque,porcausadaequação(6)asomadessasprobabilidadeséiguala1,comoaliásdeveria.Suponhamosagoraque11)sejaumautovetordoobservável.Emtermosconcretos,suponhamosqueseja!<//,).Segue-se,assim,quea,=1,equetodososa.’srestantessãonulos.MasissosignificaqueumamediçãodaqueleobservávelforneceráoautovalorÀ1comprobabilidadeiguala1,istoé,comcerteza.Recobramosassimoquedissemosacimaarespeitodoresultadodeumamediçãorealizadaquandoumsistemaseencontranumautoestado.
Emgeral,noentanto,osistemaestaránumasuperposiçãodeautoestados,casonoqualoestadodeterminanãoorealresultadodamedição,masapenasaprobabilidadeassociadaàspossíveisrespostas.Desde1925setemdebatidoseessa‘indeterminação’édevidaalimitaçõesdateoriaquântica,ouse,defato,“Deusjogadados”,paracolocarmosnasfamosaspalavrasdeEinstein.
4.OPrincípiodeIncertezadeHeisenberg
PelomenosalgumaspalavrasdevemserditasarespeitodoconhecidoprincípiodeincertezadeHeisenberg.DadosdoisobserváveisPeQprecisamossaberseosvaloresdeambospodemserdeterminadoscomcertezaaomesmotempo.Peloquejásedisse,vê-sequeparaqueissoocorra,osistemadeveriaestaremumautoestadodePquefossetambémautoestadodeQ.Emgeral,noentanto,umautovetor|j)deQseráumasomaponderadadeautovetores1^,),...,\yj/n)pertencentesaP,oscoeficientesdosquaisserãosimplesmenteosprodutosinternos(x\y/l)■Issosignificaqueseocorrerdenossosistemaestarnumautoestadocorrespondentea|x),umamediçãode"PpodeemprincípiofornecerqualquervalorX.deP,comaúnicacondiçãoqueoproduto(x|v/,)sejanãonulo.OfatomesmoqueovalordeQestejadeterminadocomumacertezade100%implica,àluzdessasconsiderações,queovalordePestejaindeterminado.
Eclaroque,emgeral,osistemaestaránumestadoquenãoéautoestadonemdePnemdeQ,oqueequivaleadizerqueambososobserváveisestarãoindeterminados.Existe,contudo,umamedidamatemáticadeindetermina-ções(chamadadesviopadrão)emtermosdaqualépossívelestabelecerumarelaçãoentreessasduas‘incertezas’.Estarelaçãotomaaforma:
(7)APAQ>{P,Q}emqueAPeAQdenotamosdesviospadrãodePedeQ,respectivamente,e{P,Q}denotaumdeterminadonúmeronãonegativodependentedePedeQ.Afórmula(7)expressaachamadarelaçãodeincertezageneralizada.Elaafirmaque,nãoimportandoemqualestadoestejaosistema,oprodutodeduas‘incertezas’nuncapodesermenorque{P,Q}.2Agora,oprincípiodeincertezadeHeisenbergpropriamenteditocorrespondeaocasoespecialemqueQrepresentaaposiçãoePacoordenadadomomentolinearcorrespondenteàpartículaou,demodomaisgeral,ocasoemqueQePsãochamadosobserváveisconjugados,casonoqualarelação(7)sereduza
APAQ£
2n
ondehéaconstantedePlanck.
Tudoisso,noentanto,édepoucointeresseimediatoparanós.Oqueimportaparaopropósitodestaintroduçãosuperficialéosimplesreconhecimentoqueumsistemaquânticojamaispodeestarnumestadoparaoqualosvaloresdetodososobserváveisestejamdeterminadoscomcerteza.Essefatodecorredaprópriaestruturadateoriaquânti-ca,ouseja,dosprincípiosbásicosenunciadosnaseçãoprecedente.
5.AEquaçãodeSchrõdinger
Oestadodeumsistemafísicoestáobviamentesujeitoamudanças.Osvetoresdeestado,porconseguinte,devememgeraldependerdacoordenadatemporalí,e,quandonecessário,indicaremosestadependênciafuncionalpelanotação\y(t)).Aquestãoagoraésabermosseépossívelpreverosvaloresfuturos|t/'(0)deumvetordeestadosabendo-sedeantemãoumvalorinicial\v(t„)}.Paraqueestesejaocaso,comcertezaénecessáriofazermoshipótesesapropriadasarespeitodaaçãodeforçasexternassôbreosistemafísicoemquestão.Supõe-sequeessasforçassejam,segundoojargãotécnico,conservativas,ouseja,queelassãoderivadasdealgochamadopotencial;daquiemdiantevamossuporqueessacondiçãoserásatisfeita.Existirá,então,umaequaçãoquenospermitacalcularosvaloresfuturosdeumdadovetordeestado?
Talequaçãofoidescobertaem1926,pelofísicoaustríacoErwinSchrõdinger.Elaafirma,emprimeirolugar,quetodososvetoresdeestadoevoluemnotempolinearmente.Issosignificaqueseumarelaçãoentrevetoresdeestado,comoaquevemaseguir
U)=«|\Vi)+a2\v2)
(comdeterminadoscoeficientescomplexoscqeaJ,forválidaemalguminstantedetempot0,elacontinuaráválidaparatodot>t.
VamosumavezmaissuporqueestejamostrabalhandonumespaçodeHilbertcomndimensões,eque
formemumconjuntodevetoresdeestadoqueconstituiparat-t,umabaseortonormal.Parat=tfí,umvetordeestado|X)podeentãoserrepresentadonaforma
Ix(Q)=«i|</h0„))+«21w20»))+-+«„))
PelalinearidadedaevoluçãodeSchrõdinger,noentanto,issoimplicaque
(8)\%(.t))=a1\y/l(t))+a2\y/2(t))+...+an\y/n(t))sejaválidaparatodot>£.
MasaequaçãodeSchrõdingernospossibilitacalcularaevoluçãodeumvetordeestadoarbitrário|X)—umavezquesaibamosaevoluçãodeSchrõdingerdaquelabase!ObviamenteissolevaàquestãodesepodemosencontrarumabaseespecialparaaqualaevoluçãodeSchrõdingerassumaumaformaparticularmentesimples,umaformaquepossaserfacilmenteconhecida.
Ofatocrucialéqueocorredeosautoestadosdaenergiatotal(aqualésempreumobserváveldosistema)seremestadosestacionários,istoé,estadosquenãopossuemqualquervariaçãotemporal.Todavia,ofatodeosautoestadosdaenergiaseremestacionáriosnãoimplicaqueosautovetoresdeenergiaserãoconstantes,pois,seassimfosse,issoimplicaria,emvirtudedaequação(8),quetodososoutrosvetoresdeestadofossemtambémconstantes!Odetalheéquevetoresdeestadopodemsermultiplicadosporumnúmerocomplexonãonulosemqueissoaltereoestadocorrespondente.AevoluçãodeSchrõdingerdeumautovetordeenergiadeveassimserdadaporumfatorcomplexo,umadeterminadafunçãocomplexadotempo.Qual,então,éestafunção?Elavemaserdadapor
(9)e-
211/E/
h
ondeErepresentaoautovalordadodaenergiaehéaconstantedePlanck.Afunçãoacimarepresentaumvetordecomprimentounitárionoplanocomplexo,oqual,ademais,giranosentidoanti-horáriocomfrequênciaE/h.Autovetoresdeenergia,portanto,perfazemummovimentorotatórioincessante,afrequênciadoqualéproporcionalàenergiacorrespondente.
Suponhamosagoraquenossabaseortonormalconsistadefatodeautovetoresdeenergia.AevoluçãodeSchrõdingerdestabasevementãodadapelasequações
.2TCÍET.
(10)iv[t))=e---(//,(/„))
h
paraj=1,2,...,n,ondei?denotaoautovalordeenergiacor-
respondenteaoautovetor
Aosubstituirmosestas
expressõesnaequação(8),obtemosumafórmulaparaaevo
luçãotemporalde|X)■
Essaequaçãomostra|^)comoumasuperposiçãode
oscilaçõessimples,numaanalogiacomarepresentaçãodeumtommusicalqualqueremfunçãodetonspuros.Deve-se.contudo,notarqueaVibração’ou‘movimentoondulatóriodescritopelaequação(10)pertencenecessariamenteaumnívelsub-empírico(seéqueconstituiumprocessoreal)Isso,poisosvetoresdeestadoconstituintes|i/,/;(/))pertencemaomesmoestadofísicosendo,portanto,indistinguíveispormeiosempíricos.Porém,emquepeseofator(9)nãoserobservável,eledeterminamesmoassimaevoluçãodeSchrõdingerdetodososvetoresdeestadonoespaçodeHilbert.Ademais,todososefeitosdeinterferênciadateoriaquânticadependemdestamisteriosaoscilaçãocomplexa,destechamadofatordefase,oqualcontrolatudo,masescapaelemesmoaoexame.
6.AEvoluçãodeSchrõdingereoColapsodoVetordeEstado
Umdosaspectosbásicosdafísicaclássicaéqueoestadoinicialdeumsistemafísicodeterminaosfuturosestados,comaúnicacondiçãodequeconheçamosdeantemãoasforçasexternasqueatuamsobreosistema.11Umuniversogovernadopelasleisdafísicaclássicaseria,portanto,determi-nístico:ocursodetodasuaevoluçãoatéseusmínimosdetalhesestariaunivocamentedeterminadoapartirdoprimeiroinstantedesuaexistência.Contudo,nãodeveriamosnosmostraringenuamentesurpresosaodescobrirqueascoisasnãosãoassimtãosimplesnocasodateoriaquântica.
Existe,primeiroquetudo,aequaçãodeSchrõdinger,aqualnospossibilita
preverosfuturosestadosdeumsistemaquânticoapartirdeumdadoestadoinicial.EpoderiamosacrescentarqueSchrõdingerchegouàsuaequaçãopormeiodafísicaclássica,firmenaconvicçãodequeodeterminismofamiliarpoderiaserlevadoaodomínioquântico.Equasepodemesmo!Namaiorpartedotempoosvetoresdeestadorealmentepercorremumatrajetóriacontínuasobreo3espaçodeHilbert,comoexigeaequaçãodeSchrõdinger.Acontece,porém,dessaevoluçãocontínuaeprevisívelserinterrompidaocasionalmenteporcertoseventosespeciais,osquaispodemcausarumaalteraçãoabruptaeimprevisívelnovetordeestado:diz-se,então,queovetordeestadosalta’.Oquecausaessessaltosrepentinos?Nadamaisqueoatodemedição,aefetivadeterminaçãoexperimentaldealgumdadoobservável.Visivelmenteéaintervençãodoprocessoexperimentalquecausaosaltodosistemafísico,queofazmudarinstantaneamentedeumestadoparaoutrosemqueatravesseumacadeiacontínuadeestadosintermediários-oque,igualmente,respeitariaaevoluçãonormaldaequaçãodeSchrõdinger.
Suponhamosquesejamdadosumsistemafísicoeumobserváveldeste.Porsimplicidade,consideraremosapenasoquesechamamexperimentosdeprimeirotipo,quesãoexperimentosparaosquaisoobservávelemquestãoassumeseuvalormedidoaotérminodamedição.111Ora,seumamediçãoforneceoautovalorÀ(atravésdeumexperimentodoprimeirotipo),sabemosentãoqueoobservávelpossuiova-4lorÀaotérminodamedição,oquesignificadizerqueosistemaestá,naqueleinstante,numautoestadocorrespondeuteaoautovalorX.Anteriormenteàmedição,poroutrolado.osistemateráestado,emgeral,emalgumasuperposiçãodeautoestados.Concluímosassimqueovetordeestadopassouporumaalteraçãodescontínua,oquesechamacolapso.Peloatodamedição,osistemafoi,digamos,lançadoparaumautoestadodaqueleobservável.Nãosepodepreverqualseráesseautoestado,jáque,comovimos,ateoriaquánticasomentepodefornecerprobabilidadesaesserespeito.Emgeral,portanto,oatodemediçãodáorigemaumadescontinuidadeimprevisívelqueinterrompeaevoluçãodeSchrõdingerdeterminísticadovetordeestado.
NinguémpareceentenderporqueasinteraçõessingularesquechamamosmediçõespossuemesteefeitonotávelOqueexatamentediferenciaumamediçãodequalqueroutrotipodeinteração?Ou,ainda:porqueosvetoresdeestadocolapsam?E.sobretudo'seráqueochamadocolapsoprovocaumaindetermmaçãoefetivanasoperaçõesnanatureza?Comosabemos,essasquestõesforamatacadasedebatidasvigorosamentedesdequeateoriaquantica
veioàluz,mas,atéagorapelomenos,parecequenenhumarespostadefinitivafoi^ncontrada.Umagrandepartedosfísicos,enquantoisso,parecemsedarporsatisfeitosaoconsideraradualidadedaevoluçãodeSchrõdingeredocolapsodovetordeestadocomoumsimplesumfatodavida;éalgooqual,porforçadascircunstâncias,ofísicoprofissionalaprendeaaceitarsemmuitasperguntas.
7.AFunçãodeOndadeumaPartícula
Vamosnovamentesuporqueestejamostrabalhando
numespaçodeHilbertn-dimensional,eque||//i),\tyi).....
constituamumabaseortonormaldeautovetorespertencentesaalgumobserváveldosistemafísico.Pelofatodeumvetordeestadoarbitrário\%)poderserescritocomoumasomaponderadadosautovetoresacima,cujoscoeficientesvalema:=(x11//,),vemosque\x)podeserrepresentadopelan-uplacomplexa(a,,a2,...,an).Paracadaobservávelexiste,porconseguinte,umamaneiraanálogaderepresentarosvetoresdeestadoatravésden-uplascomplexas.Suponhamosagoraquenossosistemaconsistadeumaúnicapartícula,aqualestejalivreparaassumirnposições,coordenatizadaspelosnúmerosreaisxpxa,...,xn.Essesxis,então,serãoosautovaloresdeumdeterminadoobservável.Sejaagora\x)umvetordeestadoeseja(apa2,...,an)arepresentaçãoemn-uplade\x)correspondenteàqueleobservável.Pode-sedefinirentãoumafunçãodevalorescomplexossobreoconjuntodosautovaloresdeposiçãopelafórmula=a,parai=1,2,...,n.Essafunçãoyéchamadadefunçãodeondadaquelapartícula.
Normalmentetem-seuminteresseespecialnocasoemqueumapartículaestejalivreparaassumirtodasasposiçõesdealgumaregiãoVdoespaçotri-dimensional.Pararealizarumadescriçãoquânticadestasituaçãorequer-seevidentementeumespaçodeHilbertdeinfinitasdimensões,masocorrequenãoexisteumabaseortonormaldeautove-toresparaaposiçãonestecaso.Nossaconstruçãoanteriordeumafunçãodeonda,portanto,nãomaisseaplica.Nãoobstante,aindaépossívelprocederdeoutrasmaneiraseencontramosquevetoresdeestadopodemumavezmaisserrepresentadosporumafunçãodeonda,aqualéagoraumafunçãocontínuai|/devalorescomplexossobreV.
Emgeral,diz-sequeumafunçãodeondaestánormalizadaseovetordeestadocorrespondentetambémestá,ouseja,seestepossuicomprimentounitário.O
leitordeveobservarque,paraumafunçãodeondai|/normalizadanocasodenúmerofinitodedimensões,|y/(%,)|éprecisamenteaprobabilidadedeencontrarmosapartículaemx..Aquantidade|<//(z)|,queéaanálogadaanteriornocasodeinfinitasdimensões,poroutrolado,nãoé,estritamentefalando,umaprobabilidade,masoquesechamadedensidadedeprobabilidade.Elanosdizqueaprobabilidadedeencontrarmosapartículadentrodeum“pequeno”volumeAVaoredordexédadapor|i//(j)|’’AV.
Umcomentárioadicionalsobrefunçõesdeonda:nãoédifícilvermosqueafunçãodeondacorrespondenteàsomaRonderadadevetoresdeestadonãoénadamaisqueasomaponderadacorrespondentedefunçõesdeonda.Issoimplicaqueumasomaponderadadefunçõesdeondaétambémumafunçãodeonda.M5
8.ReconsiderandooExperimentodaFendaDupla
Retornemosagoraaonotávelexperimentodoqualtratamosnoinício.Umapartícula(digamos,umelétron)édisparadaatravésdeumatelaSprovidadeduasfendas,eim-pactanumasegundatelaR.Nossosistemafísicoconsisteagoradeumúnicoelétron,sujeitoàscondiçõesdescritas.SeafendaAestiverabertaeafendaB,fechada,sabemosqueoelétronpassaporA.SuafunçãodeondavpA,naqueleinstante,estaráconcentrada(oumostraráum‘pico’)nafendaA,oqueequivaleadizerqueasamplitudesi|/A(x)serãonulasparaposiçõesxdistantesdaquelafenda.Analogamente,seBestiverabertaeAfechada,afunçãodeondacorrespondentemostraráum‘pico’em\|/nnoinstantequeoelétronpassarporessafenda.
posição;daverdade,elasconstituemumespaçodeHiJbert.Voufrisar,aesserespeito,queamecânicaquànttcafoidescobertaduasvezes:primeiroporIleisenberg,quebaseousuateorianoespaçodeHilbertdevetoresdeestado,eumcurtotempodepois(independentemente),porSchrõdinger,oqualbaseousuateorianoespaçodeHilberttiasfunçõesdeonda.Alémdisso,foiSchrõdingerquemdemonstrouaequivalênciadasduasteoriasaoestabelecerumchamadoisomorfismoentreosrespectivosespaçosde1lilbert(quesereduz,nocasodedimensõesfinitas,âcorrespondênciaentrevetoresdeestadoefunçõesdeonda).Noentanto,emvirtudedofatodeoformalismodeSchrõdingerdarpreferênciaaumobservávelparticular(aposiçãonoespaço),eleébemmenosabstratoqueoformalismodeHeisenberg,tantoassimqueseprestamaisfacilmenteaumainterpretaçãoclássica,aqual,entretanto,acabasemostrandoinsustentável.OpróprioSchrõdingerestranhamenteencaravaafunçãodeondadesdeumpontodevistaclássico,equandoBohr,umdia,lheexplicouainevitabilidadedocolapsodafunçãodeonda,eledeusuafamosaréplica:“Seeutivessesabidodessemaldito‘salto’,eujamaisteriameenvolvidonoassunto”.AssimcornoKinstein,Schrõdingerjamaisseviuempazcomateoriaquântica.
Formemosentãoaseguintesomaponderadaentreessasduasfunçõesdeonda:
V|Z=CU|/A+6yB
cujoscoeficientescomplexosae6sãonãonulos.Peloquesedisseacima,qicontinuasendoumafunçãodeonda.Estatemapropriedadededescreverocasoemqueambasasfendasestãoabertas.Oelétronseencontra,então,num‘estadodesuperposição’,otipodeestadoqueexibeosefeitosdeinterferênciajáconsiderados(osquais,comovimos,provamserinexplicáveisemtermosclássicos).
Podemossupor,semperdadegeneralidade,queasfunçõesdeonda\\>A,v|/Be\\iestejamtodasnormalizadas,demodoqueoquadradodovalorabsolutodesuasamplitudessejamefetivamentedensidadesdeprobabilidades.OfatodeapresentarinicialmenteumpicopronunciadoemAnosdirá,então,queoelétronpassaatravésdeA;obviamenteocorretambémumcasosimilarparay.Asignificânciaprobabilísticade\\iapareceagorademodoclaro:ofatodequeapresenteumpicoduploimplicaquehajaumaprobabilidadepositivadequeoelétronpasseporAeumaprobabilidadepositivadequepasseporB.
SuponhamosagoraqueafunçãodeondaV|/sejaconhecidanoinstanteinicial,omomentonoqualoelétronpassaporS.PormeiodaequaçãodeSchrõdingerpodemosentãocalcularvp(t)paratodososvaloressubsequentesdacoordenadatemporalí,atéomomentoemqueoelétronimpactecomatelaR.Comopoderiamosantecipar,adensidadedeprobabilidaderesultantedosimpactosdapartículasobreRdefatoexibeasfamiliaresbandasdeinterferência.Noníveldosvetoresdeestadoestamos,afinaldecontas,realmentelidandocomumasuperposiçãodeondas,querendocomissodizerque,dopontodevistamatemático,astaisbandasdefatoformamumfenômenodedifraçãonosentidoclássico.
Ofatoéqueateoriaquânticaexplicaperfeitamenteosdadosexperimentais.Eofazpormeiodeamplitudescomplexas,repletasdeseusfatoresdefaseoscilatórios.Poroutrolado,oquerealmenteéobservávelsãoosquadradosdosvaloresabsolutos,asaber:asprobabilidadeseasdensidadesdeprobabilidades,quesemanifestam,porexemplo,nadensidadedepontosnumachapafotográficapostaemexposição.Aquestãoquesurge,então,éseessasamplitudescomplexasemsimesmascarregamalgumarealidadefísica.Algunsfísicosduvidamdisso.Mas,sendoassim,seríamosobrigadosadarumaexplicaçãoparaqueumcálculo,baseadoemamplitudesfictícias,pudessedarresultadosinvariavelmentecorretos.Falandoconcretamente:seosdois
picosiniciaisdafunçãodeondasuperpostaynãoforemdeformaalgumareais,como,então,elespodemexplicaroaparecimentodeefeitosdeinterferência?Seforverdadeiroqueumefeitodevaterumacausa,entãoestaremosjustificadosemconsiderarafunçãodeondacomoalgomaisdoqueumaficção.Eaí,pelamesmarazão,somosobrigadosaconcluirqueoelétron,antesdomomentodeserefetivamenteobservado,está,dealgumaforma,espalhadonoespaço.Eseaindaocorrerdesuafunçãodeondaexibirinicialmenteosdoispicos,somosigualmenteforçadosaconcluirque,numcertosentido,oelétronpassarealmenteporambasasfendas,porestranhoquepareça.
Entretanto,ateoriaquânticaemsinadatemadizerarespeitodostatusontológicodasamplitudescomplexas;elasimplesmentenosinformacomocalcularasprobabilidadesquânticas,paraorestantenospermitindopensarcomoquisermos.
1
Estamossupondo,porsimplicidade,queosautovaloresXJ?X.,,...,X„>sãotodosdistintos.ParaumautovalormúltiploX,aprobabilidadepassaaserdadapelasomadasprobabilidadespassociadasaosauto-vetoresh)correspondentesaX.
2
Emlinhasgerais:quantomaioraprecisãocomqueseconheçaP,maiorseráaincertezacomqueseconheceQ.
3
Issoéválidonarepresentaçãohamiltomana,naqualserepresentaossistemasfísicoscomoumpontosobreoquesechamaespaçodefase,queéumespaçocoordenatizadopelasposiçõesepelosmomentoslinearesdetodasaspartículasconstiruinres.()espaçodefasedeumsisremaconstituídodenpartículastem,porconseguinre.6ndimensões
4
VistoqueumúnicovetornãonulonoespaçodeIlilbcrtdeterminaporsitodaairajctóriaaser,nesteespaço,percorrida,segue-seejueumestadoinicialarbitráriodcrcnninaaevoluçãodeSchrõdingerdosistemaquàntico.Tudoisso,claro,comacondiçãodequeasforçasexternasestejamdeterminadasdeantemão.
n<)tatoequeexistemexperimentos(‘desegundotipo’)quealteramovalordoobservávelqueseestámedindo.Porexemplo,frequentementedetermina-seo
momentolineardeumapartículanuclearaomedir-seomomentoqueétransferidoaoutrapartículanumacolisão.Omomentodaquelaprimeirapartículaseráconsequentementemudadopelamedição.Dessemodo,seumasegundamediçãofosserealizadaimediatamenteapósaprimeira,feríamosumresultadodiferente.
5
Funçõesdeonda,porconseguiure,sansfazemseuproprioprincipiodesuper
GLOSSÁRIO
Autoestado:Estadodeumsistemafísiconoqualovalordeumobservávelpodeserprevistocomabsolutacerteza.
Autovetor\Noformalismodateoriaquântica,oestadodeumsistemafísicoérepresentadopeloquesechamadevetordeestado.Umvetordeestadoéchamadoautovetor(comrespeitoaumdadoobservávelX)seovalordeXpuderserprevistocomabsolutacertezasemprequeosistemafísicoestivernumestadocorrespondenteaovetordeestadoemquestão.
Bifurcação:Nomedadoaoprincípiocartesianoqueafirmaqueoobjetodapercepçãoéprivado,meramentesubjetivo.Aidéiadabifurcaçãovaideparcomahipótesedecaracterizar-seomundoexternoexclusivamentepelasquantidadesepelaestruturamatemática.Deacordocomessavisão,todasasqualidades(taiscomoacor)existemapenasnamentedoobservador.
Causalidadevertical:Mododecausaçãoquenãojatuaapartirdopassadoeparaofuturopormeiodeumprocessotemporal,masqueatuadiretamenteou/‘instantaneamente’.
Colapsodovetordeestado:Alteraçãodescontínuaouinstantâneanarepresentaçãoquânticadeumsistemafísicoresultantedeumamediçãoefetuada.Otermoéfrequentementeaplicadoigualmenteàmudançainstantâneanoprópriosistemafísico.
Especificação:Processoempíricopeloqualumentefísicoficadefinidooudeterminadoatécertograu.
Essência:Éoquerespondeàpergunta‘Oquê?’;é,portanto,oquidouquididadedacoisa.
Forma:Equivalenteescolásticodamorphenosentidoaristotélico.Aformaéoquetornainteligívelumacoisa.
Hyle:TermousadoporAristótelesparareferir-seaorecipientepré-existentedaforma,dainteligibilidade.Apalavragregasignifica‘madeira’eametáforavemdasartesplásticas:assimcomoumpedaçodemadeirapodereceberaformade
ApoioouadeSócrates,tambémahylépodereceberamorpheouformanumsentidogeral.
Matéria:Equivalenteescolásticodahyléaristotélica.Matériarepresenta,assim,orecipientepré-existentedaforma,entendidanosentidodeconteúdointeligível.
Matériasignataquantitate:Termousadoparareferir-seaorecipientedaformaoudadeterminação,estandojásujeita,porseulado,aumaformaouestruturamatemática.
Matériasecunda:Recipientedeformaoudedeterminação,já,porsuavez,parcialmentedeterminada.
Morphe:Aspectoformalouinteligíveldeumenteexistente.OtermofoiempregadoporAristótelesconjuntamentecomapalavrahylé,recipientedamorphe.
NaturaNaturata:Termoescolásticoquesignificanatureza’nosentidodealgoquetenhasidoproduzido,criadoou‘naturado’.
NaturaNaturans:Anaturezaentendidacomoumprincípioativo,criadorou‘naturante’.OtermoénaverdadeumnomenDei,‘umnomedeDeus’.
Natureza:Empregoestetermoprovisoriamente,inspiradopelaobservaçãodeHeisenbergdequeafísicamodernalidanãocomanaturezamesma,mascom‘nossasrelaçõesparacomanatureza’.Anoçãopodesermaisbemprecisadacomoapoiodasconcepçõesaristotélica-eescolástica.
Matériaprima.Matériadespidadetodaequalquerdeterminaçãoformal.
Mundocorpóreo:Eomundofamiliar(oupré-cientí-bco)queconhecemosdiretamentepormeiodapercepçãosensorial.
Objetocorpóreo:Umobjetocorpóreoésimplesmenteumacoisaquepodeserpercebida.
Objetofísico\Sãocoisasquepodemserentendidaspormeiodomodusoperandidaciênciafísica.
Objetofísicoassociado:Todoobjetocorpóreo(istoé,perceptível)podeser
sujeitoamediçõeseconcebidoemtermosfísicos.OobjetocorpóreoXdetermina,assim,umobjetofísicoSX,aoqualdenominamosobjetofísicoassociado.
Potentia.Termoaristotélicosignibcandoalgoqueexiste‘empotência’emrelaçãoaalgumaoutracoisa.OtermofoiusadoporHeisenbergparaentesquânticostaiscomopartículasfundamentais,emcontraposiçãoàs‘coisasefatos’daexperiênciaordinária.
Presentificação:SendoSXumobjetofísicoassociado(q.v.)aoobjetocorpóreoX,diz-sequeXéapresentificaçãodeSX.
Reificação:Atopeloqualvestimososentesfísicosoumatemáticoscomformasimagináriasdetalmodoqueacabamospor‘corporificar’taisentes.
Sistemafísico:Eumobjetofísicoencaradoemtermosdeumadadarepresentação.
Subcorpóreo:Umobjetofísicoqueéoobjetofísicoassociado(q.v.)SXdeumobjetocorpóreoX.Objetossubcor-póreossão,assim,nadamaisqueosentesfísicosquepassamaseridentificadoscomoobjetoperceptíveldeacordocomainterpretaçãousualdafísica.
SX:Objetofísicoassociado(q.v.)aumobjetocorpóreoX.
Transcorpóreo:Entidadefísicaquenãoésub-corpó-rea(q.v.).Partículasfundamentaistantoquanto‘pequenos’agregadosatômicossãotranscorpóreos.
Universofísico:Lugar,domínio,lócusdosobjetosfísicos,e,porconseguinte,decertamaneira,omundocomoimaginadopelosfísicos.
Vetordeestado:Entidadematemáticaquerepresentaoestadodeumsistemafísiconoformalismodateoriaquântica.
Visualização:Ummododeobservaçãofísicacujotérminonãoéumvalornumérico,tampoucoumaquantidade,masalgumtipodevisualizaçãográfica.
Yang:Aspectoformalouessencialdeumacoisa.
Yin:Aspectomaterialdeumacoisa.Assimcomoasconcepçõesaristotélicasde
matériaeforma,oudepotênciaeato,ostermos‘yin’e‘yang’têmquesercompreendidosconjuntamente.
Yin-Yang:Familiarfigurataoístaqueexibeainter-penetraçãodeumcampobrancocomumcampopreto.Oyin-yangpoderiaserchamadodeíconeporexcelênciadacomplementaridadenoseusentidomaisuniversaleprofundo.
ÍNDICEREMISSIVO
A
ARISTÓTELES-36,53,150,151,155,156,212,254.
B
BELL,JOHNS.-168.
BERKELEY,BISPODE-31.
BOHM,DAVID-140.
BOHR,N1ELS-173.
BOLTON,ROBERT-192.
BOLTZMANN,LUDWIG-87.
BURTT,EDWINA.-45.
c
COOMARASWAMY,ANANDA-207.
D
DANTE-193.
DEHMELT,HANS-101,127.
DEMBSKI,WILLIAM-198.
DEMÓCRITODEABDERA-44.
DESCARTES,RENÉ-22,27,28,29,32,35,45,47,51,52,53,55,58,60,75,120,159,163,176,178,179.
DIELS,HERMANN-45.
DIRAC,PAULA.M.-117,121,122,229,233.
E
ECKHART,MESTRE-155,194.
EDDINGTON,SIRARTHUR-149.
/EINSTEIN,ALBERT-7,22,47,60,84,85,87,88,94,130,142,143,154,167,168,169,171,176,236,248.
F
FARADAY,MICHAEL-94.
FEYNMAN,RICHARD-127.
FÍLONDEALEXANDRIA-193.
G
GALILEU-22,47,159,163.
GOETHE,J.W.VON-180.
GUÉNON,RENÉ-163,207.
H
HARTMANN,NICOLAI-48.
HEISENBERG,WERNER-22,48,60,110,112,114,1)7,119,130,131,132,134,136,137,140,149,201,208,220,237,238,248,255.HELMHOLTZ,HERMANNL.F.-92.
HERBERT,NICK-166.
HESÍODO-206.
HUME,DAVID-150.
HUSSERL,EDMUND-48.
HUYGENS,CHRISTIAN-93.
J
JAK.I,STANLEYL.-177.
JOULE,JAMESP.-92.
K
KANT,1MMANUEL-32,53,145,150.
KLEIN,FELIX-147.
L
LAPLACE,PIERRE-SIMON-171.
LOCKE,JOHN-32,150.
M
MAXWELL,JAMESC.-94,148.
N
NASR,SEYYEDHOSSEIN-10.
NEUMANN,JOHNVON-126,169,170.
NEWTON,SIRISAAC-44,47,59,88,91,92,93,94,141,152,189.
p
PENFIELD,WILDER-54.
PLANCK,MAX-111,174,176,217,238,241.
PLATÃO-46,130,158,212.
S
SCHRÕDINGER,ERWIN-72,113,116,123,124,135,137,170,185,201,202,205,206,239,240,241,243,244,245,248,249.SCHUMACHER,E.F.-55.
SHABISTARI-194.
SHERRINGTON,SIRCHARLES-57.
S.JOÃOEVANGELISTA-196.
SMITH,WOLFGANG-8,10,14,16,144.
STAPP,HENRY-143,146.
S.TOMÁSDEAQUINO-8,15,212.
V
VARGHESE,ROYA.-49,177.
VOEGEL1N,ERIC-166.
VOLTAIRE-93.
w
WHITEHEAD,ALFREDN.-48,60,124.
WHITE,LYNN-176.
WIGNER,EUGENE-126,204.
Y
YOUNG,THOMAS-213,215.
QENIGMA
"WolfgangSmithéumimportantepensadordequemnossaeranecessita.Eesseéseulivromaisfecundo".HustonSmith"OEnigmaQuânticoreveste-sedegrandeimportâncianãoapenasparaafilosofiadaciência,mastambémparatodoodomíniodoconhecimentohumano,devendoserdifundidoomáximopossível."SeyyedHosseinNasr"AcoisamaistímidaquemeocorredizerdessadescobertadoProf.WolfgangSmithéqueelafoiumadasmaioresrealizaçõesintelectuaisdoséculoXX".OlavodeCarvalho
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