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26 Revista Brasileira de Nutrição Funcional Vanessa dos Santos Pereira Montera e Gabriela Pimentel O efeito da carqueja ( Baccharis trimera) na síndrome metabólica: Estudo de caso Effects of Carqueja ( Baccharis trimera) in metabolic syndrome: case study Resumo O presente trabalho representa um estudo de caso de uma paciente com síndrome metabólica (SM), no qual procurou-se avaliar os possíveis efeitos da carqueja (Baccharis trimera) no tratamento dessa patologia. Foi feito um levantamento bibliográfico sobre a carqueja nas principais bases eletrônicas de dados (PubMed, Lilacs, Medline, Scielo) para embasamento científico. A carqueja parece ser uma planta segura, com ações anti-inflamatória, antioxidante, hipoglicemiante, redutora de pressão arterial, benéficas na obesidade e protetora hepática já descritas. Tais indicações contribuíram para sua escolha no caso clínico em questão. Observou-se uma melhora dos níveis séricos de insulina e dos índices HOMA-β e HOMA-IR e redução de marcadores de inflamação. Provavelmente estes méritos não foram apenas da carqueja, visto que outras condutas foram realizadas. Porém, a partir da revisão bibliográfica, acredita-se que a carqueja tenha atuado em sinergismo com as demais condutas, contribuindo para os resultados obtidos. Palavras-chave: carqueja, Baccharis trimera, síndrome metabólica, ação hipoglicemiante, insulina, anti-inflamatório, antioxidante, protetor hepático Abstract The present work represents a case study of a patient with metabolic syndrome (MS), which aimed at evaluating the possible effects of carqueja (Baccharis trimera) in the treatment of this pathology. A bibliographic research about carqueja was performed in the main electronic databases (PubMed, Lilacs, Medline, Scielo) for scientific background. Carqueja appears to be a safe plant, with anti-inflam- matory, anti-oxidant, hypoglycemic, blood pressure-lowering, beneficial in obesity and protective hepatic properties already described. Such indications contributed to their selection for the clinical case in question. There was an improvement in serum insulin levels, HOMA-β and HOMA-IR indexes, and reduction of inflammation markers. Probably these merits were not only due to carqueja, since other conducts were carried out. However, based on the literature review, it is believed that carqueja acted in synergy with the other conducts contributing to the results obtained. Keywords: carqueja, Baccharis trimera, metabolic syndrome, hypoglycemic action, insulin, anti-inflammatory, anti-oxidant, liver protector.

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Vanessa dos Santos Pereira Montera e Gabriela Pimentel

O efeito da carqueja (Baccharis trimera) na síndrome metabólica: Estudo de caso

Effects of Carqueja (Baccharis trimera) in metabolic syndrome: case study

Resumo

O presente trabalho representa um estudo de caso de uma paciente com síndrome metabólica (SM), no qual procurou-se avaliar os possíveis efeitos da carqueja (Baccharis trimera) no tratamento dessa patologia.Foi feito um levantamento bibliográfico sobre a carqueja nas principais bases eletrônicas de dados (PubMed, Lilacs, Medline, Scielo) para embasamento científico. A carqueja parece ser uma planta segura, com ações anti-inflamatória, antioxidante, hipoglicemiante, redutora de pressão arterial, benéficas na obesidade e protetora hepática já descritas. Tais indicações contribuíram para sua escolha no caso clínico em questão. Observou-se uma melhora dos níveis séricos de insulina e dos índices HOMA-β e HOMA-IR e redução de marcadores de inflamação. Provavelmente estes méritos não foram apenas da carqueja, visto que outras condutas foram realizadas. Porém, a partir da revisão bibliográfica, acredita-se que a carqueja tenha atuado em sinergismo com as demais condutas, contribuindo para os resultados obtidos.

Palavras-chave: carqueja, Baccharis trimera, síndrome metabólica, ação hipoglicemiante, insulina, anti-inflamatório, antioxidante, protetor hepático

Abstract

The present work represents a case study of a patient with metabolic syndrome (MS), which aimed at evaluating the possible effects of carqueja (Baccharis trimera) in the treatment of this pathology. A bibliographic research about carqueja was performed in the main electronic databases (PubMed, Lilacs, Medline, Scielo) for scientific background. Carqueja appears to be a safe plant, with anti-inflam-matory, anti-oxidant, hypoglycemic, blood pressure-lowering, beneficial in obesity and protective hepatic properties already described. Such indications contributed to their selection for the clinical case in question. There was an improvement in serum insulin levels, HOMA-β and HOMA-IR indexes, and reduction of inflammation markers. Probably these merits were not only due to carqueja, since other conducts were carried out. However, based on the literature review, it is believed that carqueja acted in synergy with the other conducts contributing to the results obtained.

Keywords: carqueja, Baccharis trimera, metabolic syndrome, hypoglycemic action, insulin, anti-inflammatory, anti-oxidant, liver protector.

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O efeito da carqueja (Baccharis trimera) na síndrome metabólica: Estudo de caso

DIntrodução

De acordo com dados do IBGE, em 2025 85% dos indivíduos acima de 60 anos apresentarão pelo menos uma doença crônica1,2. A predominância dessas doenças em nossa sociedade decorre principalmente de um estilo de vida desequilibrado no que concerne à nossa dieta, ao nível de atividade física, ao nosso estado psíquico-emocional-espiritual, à qualidade do sono, à sobrecarga de trabalho. Isso tudo promove disfunções orgânicas que nos causam doenças, dentre elas, a síndrome metabólica (SM).

A falta de consenso para o critério diagnóstico de SM resulta em estimativas variadas de sua prevalência em nossa população, e pouco se conhece sobre suas características em unidades do SUS. Estudo feito em ambulatório de nutrição do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle observou, de acordo com critérios da Federação Internacional de Diabetes (International Diabetes Federation - IDF), uma prevalência elevada (61,1%) de SM em pacientes que demandam atendimento nutricional3.

De acordo com o IDF, a SM se caracteriza pela presença de obesidade central (circunferência de cintura maior que 80 cm para mulheres e maior que 94 cm para homens, considerando as recomendações para a população sul-americana), mais dois dos seguintes sintomas: elevação da pressão arterial (com pressão arterial sistólica acima de 130 mmHg e pressão arterial diastólica maior que 85 mmHg); aumento da glicemia de jejum (glicemia jejum > 100 mg/dl) ou diagnóstico prévio de diabetes mellitus; triglicerídeos acima de 150 mg/dl; redução do HDL colesterol (HDL <40 mg/dl em homens e <50 mg/dl em mulheres). Ainda, outros parâmetros podem ser associados a SM, como a resistência à insulina, disfunção vascular, estado pró-inflamatório e protrombótico e fatores hormonais, como alterações no eixo hipotálamo-pituitária-adrenal4. Mais recentemente, essa síndrome vem sendo também frequentemente marcada por um quadro de alteração da microbiota intestinal5 e esteatose hepática6. Tal conhecimento introdutório é essencial para que se possa entender o estudo de caso que será relatado no presente artigo.

Este estudo visou avaliar o uso da carqueja (Baccharis trimera) na SM. A carqueja parece ser uma planta segura, com ações anti-inflamatória, antioxidante, redutora de pressão arterial, benéficas

na obesidade e protetora hepática mais bem descritas na literatura. Uma ação hipoglicemiante desta planta também já foi relatada, porém ainda faltam estudos que avaliem melhor tal efeito, associado a outras plantas do mesmo gênero. Seus efeitos, indicações de uso e contraindicações foram considerados apropriados para o caso clínico em questão.

Metodologia

Este trabalho representa um estudo de caso. A paciente passou por 3 atendimentos clínicos nutricionais no período de maio a julho de 2016. No primeiro atendimento, foram coletados todos os dados, por meio de um questionário de anamnese funcional padrão e um questionário de sinais e sintomas, disponibilizados pelo Centro de Nutrição Funcional Valeria Paschoal. Todos os dados coletados foram correlacionados na Teia de Inter-relações Funcionais, instrumento usado na nutrição funcional, para identificar os possíveis gatilhos, antecedentes e mediadores do caso em questão. Foi proposto um tratamento nutricional e fitoterápico, com a elaboração de um plano personalizado e prescrição de extrato e tintura fitoterápica. Dentre as plantas usadas na prescrição fitoterápica, a escolhida para realização do levantamento bibliográfico foi a Baccharis trimera.

Para embasamento científico do estudo de caso e revisão bibliográfica, foram feitas pesquisas e um levantamento da literatura nas principais bases eletrônicas de dados (PubMed, Lilacs, Medline, Scielo; Google acadêmico). As palavras utilizadas na busca foram: [carqueja – Baccharis trimera x diabetes] [carqueja – Baccharis trimera x síndrome metabólica] [carqueja – Baccharis trimera x hipoglicemiante ou glicemia] [carqueja – Baccharis trimera x hipertensão] [carqueja– Baccharis trimera x estresse oxidativo] [carqueja – Baccharis trimera x inflamação] [carqueja – Baccharis trimera x obesidade].

Detalhamento do caso clínico

Paciente IFFS, sexo feminino, 59 anos, havia 10 anos na menopausa, negava tabagismo e não realizava atividade física. Suas queixas principais eram o descontrole glicêmico e ganho de peso, e apresentava um diagnóstico de SM já pré-estabelecido pela sua endocrinologista.

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A paciente vinha em uso da medicação para controle glicêmico (Diamicron – glicazida, e Glifage – metformina). Apresentava hipertensão arterial sistêmica, porém não estava usando o medicamento que lhe fora recomendado. A avaliação do questionário de sinais e sintomas indicou uma alta pontuação no eixo energia/atividade, mente e emoções. Além disso, fazia uso de suplemento vitamínico a base de zinco, cobre, magnésio, cromo, ácido lipoico, luteína, zeaxantina e manganês, por conta do diagnóstico de drusa macular feito por sua oftalmologista. A drusa é um processo de degeneração macular. Literaturas recentes indicam o envolvimento de lipídeos oxidados e lipoproteínas na formação das lesões7,8 e, também, que a síndrome metabólica é um importante fator de risco para esta patologia9. Na área oftalmológica, foi relatado por ela também um diagnóstico de início de catarata.

Através do recordatório alimentar observou-se que a paciente durante a semana tentava manter um consumo adequado na quantidade e qualidade dos carboidratos, porém no final de semana o consumo de farinhas refinadas, doces, bebidas industrializadas e alcoólicas eram muito frequentes e em grande quantidade, o que contribuía para alterações no metabolismo da glucose e da insulina. O consumo de dietas ricas em alimentos de alto índice glicêmico reduz o gasto energético, a oxidação das gorduras e a saciedade e aumenta os níveis de cortisol, a alimentação compulsiva, a glicemia e a insulina pós-prandial, contribuindo para as disfunções de saúde que a paciente apresentava. O consumo de frutas, legumes e verduras verificado no recordatório alimentar, apesar de diário, se mostrava insuficiente (menor que a recomendação mínima pela OMS, de 5 porções ao dia). Isso certamente impedia uma adequada ingestão de fibras, micronutrientes e fitoquímicos, o que dificultava seu controle glicêmico e a adequada metabolização dos carboidratos e gorduras e reduzia os efeitos anti-inflamatório e antioxidante da dieta, podendo, assim, ser um dos determinantes para o quadro de doença instalado. Outra questão percebida foi a monotonia alimentar, já que diariamente a paciente comia o mesmo desjejum e lanche da tarde. Isso dificultava que a paciente conseguisse atender a todas as suas necessidades nutricionais. O uso repetido de queijo, também notado, podia, ainda, contribuir para hiperinsulinemia, visto que leite e derivados possuem uma sequência de aminoácidos

capazes estimular a síntese de insulina10. No primeiro retorno, a paciente trouxe os

exames laboratoriais solicitados. Os níveis de glicemia e insulina de jejum estavam aumentados, havia elevação da hemoglobina glicada, e os índices HOMA-β e HOMA-IR encontravam-se inadequados (insulina: 20,6 µU/ml; índice Homa-IR: 8,9; índice Homa-β: 67; hemoglobina glicada: 7,2 %; e glicose de jejum: 176 mg/dl). Apresentava também um exame compatível com um estado mais pró-inflamatório e pró-trombótico. Alguns marcadores de inflamação, apesar de dentro dos parâmetros laboratoriais, poderiam estar melhores, como os leucócitos (8900/μl), fibrinogênio (350,00 mg/dl) e a proteína C-reativa ultrassensível (2,90 mg/l). Já a sua lipoproteína-a [Lp(a)] estava bem aumentada (126 mg/dl). Este é um marcador não apenas de inflamação e estresse oxidativo, mas também um fator de risco para doenças cardiovasculares, devido a seu papel antifibrinolítico, aumentando riscos de trombose11. Além disso, estudos mostram que ocorre depósito de Lp(a) e fosfolipídeos oxidados na região macular, que contribui para o processo de degeneração macular e drusas apresentado pela paciente7,8. Nos exames observou-se, também, deficiência de vitamina D (15,9 ng/ml), que pode estar contribuindo para o quadro de síndrome metabólica, já que a vitamina D atua em processos inflamatórios, bem como na liberação e ação da insulina e controle da pressão arterial12. Os status de zinco (88,3 mcg/dl) e ceruloplasmina (21,7 mg/dl), indicadores do estoque de cobre, apesar de dentro dos parâmetros de normalidade, estavam insuficientes, o que pode contribuir para aumento do estresse oxidativo, lembrando, também, da importância do zinco na modulação da insulina13.

Sendo assim, diante dos exames realizados, destacou-se uma grave resistência insulínica e hiperinsulinemia associada com processo de inflamação e, consequentemente, estresse oxidativo bem acentuado. Portanto, no tratamento fitoterápico escolhido optou-se por utilizar principalmente plantas que agissem nesses eixos.

Neste sentido, dentre os fitoterápicos escolhidos, utilizamos, em fases distintas:

1) Tintura fitoterápica: Carqueja – Baccharis trimera (partes aéreas, folhas) - 30%, Pata de vaca – Bauhinia forficata (casca, folhas, flores e raíz) - 40%, a Cúrcuma – Curcuma longa (raíz) – 30%;

2) Fórmula Fitoterápica: Semente de uva – Vitis vinífera (sementes, extrato seco padronizado) -

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100mg, Ginseng indiano – Withania somnifera (raíz, extrato seco padronizado) - 400mg.

Contudo, o artigo em questão abordará apenas os efeitos da carqueja no caso estudado.

Detalhamento do fitoterápico estudado

A carqueja (Baccharis trimera), também chamada de carqueja amarga, é uma planta medicinal popularmente recomendada no Brasil para doenças gastrointestinais, hepáticas e também para processos inflamatórios. O gênero Baccharis pertence à família Asteraceae. A Baccharis trimera é um arbusto com inflorescências do tipo capítulo de cor esbranquiçada, nativo do Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina. No Brasil apresenta ampla dispersão nos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio Grande do Sul 14,15.

A composição química da carqueja varia de acordo com a parte da planta que está sendo utilizada. Na parte aérea encontramos predominantemente flavonoides, diterpenos, lactonas diterpênicas, estigmasterol, óleo essencial e uma saponina. Já no sistema radicular encontram-se diésteres terpênicos relacionados com o carquejol. Contudo, os flavonoides estão entre os metabólitos secundários encontrados em maior quantidade na Baccharis trimera e são os que apresentam maior atividade terapêutica14.

Algumas propriedades atribuídas popular-mente à carqueja já foram validadas. Neste trabalho iremos nos ater às propriedades que se correlacionam com a SM.

Efeito hipoglicemiante

Apesar de a carqueja ser usada popularmente como hipoglicemiante, existem poucos estudos mostrando este efeito. Oliveira et al.16 avaliaram, em ratos, o potencial antidiabético do extrato alcoólico da Baccharis trimera, bem como a fração aquosa e butanólica deste extrato. Foram usadas partes aéreas do fitoterápico. Nos ratos que foram induzidos ao diabetes, a fração aquosa da Baccharis trimera na dose de 2.000 mg/kg reduziu significantemente a glicemia, mas o mesmo efeito não foi observado com a dose de 200 mg/kg, nem com o extrato alcoólico e a fração butanólica. Além disso, quando os ratos diabéticos foram induzidos a uma sobrecarga de glicose e tratados com a Baccharis trimera a glicemia não sofreu alteração. Os autores atribuíram os efeitos

da fração aquosa da carqueja à presença dos flavonoides e ácidos clorogênicos.

Efeito hepatoprotetor

O fígado é um órgão com uma função metabólica bastante importante, sendo um grande regulador do metabolismo de carboidratos, lipídeos e proteínas17. Assim, o desenvolvimento de disfunções hepáticas contribui para a piora de elementos da síndrome metabólica. Por sua vez, a síndrome metabólica favorece o aumento da hepatotoxicidade e, consequentemente, disfunções hepáticas. Isso mostra uma relação estreita entre o fígado e a síndrome metabólica e, também, a presença de um ciclo vicioso em que um problema leva a outro e vice-versa18,19. Desta forma, fitoterápicos que apresentem um efeito hepatoprotetor podem ser interessantes no tratamento de pacientes com síndrome metabólica.

Pádua et al.20 mostraram os efeitos do extrato hidroalcoólico de partes aéreas da Baccharis trimera na injúria hepática aguda em modelo de inflamação induzido por acetoaminofeno (APAP). O tratamento com a B. trimera inibiu significativamente a elevação da atividade das transaminases séricas alanina aminotransferase e aspartato aminotransferase, que foram respectivamente 5,0 e 3,6 vezes mais baixas que nos animais intoxicados com o APAP e não foram tratados com o extrato. O tratamento também reduziu a lesão oxidativa, com diminuição significativa de proteínas carboniladas hepáticas e da peroxidação lipídica no fígado. Houve, ainda, melhora do status antioxidante, avaliado por meio da expressão e atividade das enzimas superóxido dismutase, catalase e glutationa. Os autores atribuíram tais efeitos aos flavonoides identificados no extrato estudado. Resultados mais antigos já relatavam propriedades anti-hepatotóxicas dos flavonoides da carqueja (quercetina, luteolina, nepetina, apigenina e hispidulina). O extrato bruto deste fitoterápico aumentou a sobrevivência de ratos intoxicados com faloidina em até 70%. Dos flavonoides purificados, o que demonstrou maior efeito hepatoprotetor foi a hispidulina21.

Efeitos antioxidante e anti-inflamatório

Sabe-se que estresse oxidativo e inflamação estão diretamente relacionados e que, se não controlados, viram um ciclo vicioso no qual o

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aumento dos radicais livres pode contribuir para a ativação de vias pró-inflamatórias, assim como a ativação destas pode promover a elevação das espécies reativas22. Este ciclo vicioso pode ser percebido na SM23 e precisa ser tratado. Neste sentido, a Baccharis trimera vem sendo estudada como uma planta com propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias correlacionadas a seus compostos fenólicos. Em 2009, um estudo avaliou a ação antioxidante de chás de grande consumo no Brasil. Apesar de a carqueja não ter sido classificada no grupo das mais ativas em termos antioxidantes, esta também mostrou atividade sequestradora de radicais livres24. Vieira et al.25 avaliaram os efeitos do extrato de B. trimera em relação a inibição da atividade da mieloperoxidase (MPO), eliminação dos radicais hipocloroso, hidroxil e DPPH (1,1-difenil-2-picril-hidrazil) e inibição da peroxidação lipídica. O extrato da B. trimera foi efetivo nas funções acima avaliadas, sendo que o extrato aquoso, comparado ao extrato alcoólico, foi mais efetivo25. Como já citado, outros estudos confirmam este efeito protetor da carqueja reduzindo marcadores de estresse oxidativo e aumentando antioxidantes importantes, como a atividade das enzimas superóxido dismutase, catalase e glutationa21.

Efeito redutor da pressão arterial

De acordo com a publicação Fitoterapia no SUS, estudos pré-clínicos com o extrato aquoso da carqueja mostraram que esta tem uma atividade hipotensora. O estudo constatou que os extratos diclorometano e metanólico de B. trimera apresentaram resultados significativos quanto ao efeito relaxante da musculatura lisa, o que sugere uma ação vasodilatadora26. Mais recentemente, avaliou-se, em ratos, a habilidade de uma infusão da B. trimera (100 g das folhas da planta cozidas em água, congeladas e liofilizadas) sobre o relaxamento do anel aórtico pré-contraído com infusão de noradrenalina. A infusão promoveu relaxamento do anel aórtico de forma dose dependente, 100 minutos após adicioná-la ao banho, suportando a hipótese de um efeito vasodilatador e anti-hipertensivo da planta27. Estudo anterior atribuiu este efeito aos diterpenos presentes na B. trimera, que atuariam bloqueando a contração induzida pelo cálcio28.

Benefícios na obesidade

A obesidade, em especial a visceral, é uma característica muito importante a ser corrigida na SM. Alguns estudos propõem, como alternativa para tratar a obesidade, a modulação do metabolismo lipídico, o que pode ser obtido, por exemplo, reduzindo a atividade da lipase pancreática, principal enzima responsável pela digestão dos triglicerídeos da dieta. Souza et al.29 testaram os efeitos de alguns fitoterápicos nesta inibição, e o extrato metanólico, porém não o aquoso, da Baccharis trimera mostrou uma boa capacidade de inibir a lipase pancreática, efeito que foi atribuído aos seus flavonoides e que pode ser benéfico no tratamento da obesidade e hiperlipidemia, presentes na SM29.

Toxicidade do fitoterápico

De acordo com Perón et al.30, a carqueja possui baixa toxicidade por via oral. A administração do extrato de carqueja em ratas teve efeito abortivo, sendo contraindicada durante a gestação e lactação. Dados do Ministério da Saúde citam não ter sido detectada toxicidade aguda ou subaguda com a mesma. Em relação à toxicidade crônica, todos os dados analisados indicaram normalidade dos testes30.

Resultados e discussão

No primeiro retorno a paciente relatou que havia utilizado adequadamente os fitoterápicos prescritos, porém não iniciou a atividade física e também não seguiu as modificações dietéticas propostas, o que contribuiu para que não tivessem ocorrido alterações na sua avaliação física. A partir das informações obtidas nessa consulta, em especial as informações do exame de sangue já descritas, reforçou-se a conduta dietética e foi traçada a segunda conduta fitoterápica. No segundo retorno da paciente foi percebido um resultado mais positivo que no primeiro retorno: primeiramente, a paciente estava controlando um pouco melhor a dieta, apesar de ainda não plenamente; havia começado a fazer caminhadas 3 vezes por semana e usou adequadamente os fitoterápicos prescritos. Assim, houve um impacto em relação a sua avaliação física, com redução

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do peso (2 kg) e da circunferência de cintura (1,5 cm). Além disso, a paciente trouxe novos exames de sangue que foram solicitados para acompanhamento: houve uma redução importante da insulina sérica, de 20,6 para 10,7 µU/ml, e de marcadores de inflamação (proteína C-reativa caiu de 2,9 para 0,6 mg/l, fibrinogênio reduziu de 350 para 279 mg/dl), melhorou o status de vitamina D (de 15,9 para 32,3 ng/ml), que havia sido suplementada, e de zinco (de 88,3 para 107,6 mcg/dl), apenas incrementado na dieta. Esse resultado representou uma importante melhora, em especial, no controle da inflamação crônica e da insulina, que era um dos objetivos principais do tratamento proposto. Como vimos, a carqueja pode ter contribuído de forma significativa para este resultado, já que a mesma apresenta um grande potencial como antioxidante e, consequentemente, anti-inflamatório22,25. Sabe-se que a inflamação contribui para o quadro de resistência à insulina, pois promove inadequados processos de fosforilação de proteínas (ex.: substrato do receptor de insulina, Akt) envolvidas na cascata de ação da insulina, reduzindo, assim, a migração do Glut-4 para a membrana celular e impedindo uma adequada resposta a este hormônio31. Em relação aos níveis séricos de colesterol, no primeiro exame eles estavam limítrofes (colesterol total: 209 mg/dl; LDL: 130 mg/dl; HDL: 46 mg/dl; LDL/HDL: 2,82); já no segundo, houve um aumento do CT, mas com elevação tanto do LDL quanto do HDL, logo a

relação LDL/HDL até diminuiu (colesterol total: 223 mg/dl; LDL: 152 mg/dl; HDL: 55 mg/dl; LDL/HDL: 2,76). Tal aumento pode ser explicado por algumas hipóteses: uso dos chocolates diet além das recomendações e as refeições do jantar e finais de semana, que, em geral, continuaram inadequadas; a redução da resistência à insulina, podendo melhorar a oxidação dos carboidratos e, com isso, reduzir a oxidação das gorduras32 e, por fim, uma resposta hepática transitória, devido às prescrições fitoterápicas.

Conclusão

Considerando a revisão da literatura feita sobre a carqueja no contexto da SM, podemos hipotetizar que esta tenha contribuído para melhora do quadro da paciente, em especial no que diz respeito à redução dos marcadores de inflamação. Isso, somado ao seu efeito hepatoprotetor, pode ter favorecido a melhora da resistência à insulina, interferindo, assim, na redução dos níveis séricos de insulina. De fato, precisamos lembrar que outros fitoterápicos foram utilizados no tratamento, além de algumas modificações dietéticas com base nos princípios da nutrição funcional e da introdução de atividade física. Logo, o que se acredita é que a carqueja tenha atuado em sinergismo com essas outras terapias indicadas. Não foram relatados ou percebidos efeitos negativos relativos ao uso do fitoterápico durante o tratamento.

Referências

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Vanessa dos Santos Pereira Montera e Gabriela Pimentel

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