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1 O EDUCADOR E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A (TRANS)FORMAÇÃO DA VIDA DE JOVENS NO PROGRAMA EDUCAÇÃO PARA O TRABALHO Fatima Regina Colevate 1 Maria Auxiliadora Bueno Andrade Megid 2 RESUMO O objeto de estudo desta pesquisa é o Programa Educação para o Trabalho realizado pelo Senac SP 3 há quatorze anos. O curso foi escolhido em função dos resultados obtidos desde sua criação e pela relevância social que representa para jovens que o frequentam. São apresentados conceitos e diferentes visões da Educação Social, da Pedagogia Social e do Educador que atua no Programa Educação para o Trabalho e em Programas e projetos socioeducacionais. Buscou- se aprofundar tais conceitos em autores como Luzuriaga (1960) e Silva (2009) que abordam diferentes momentos da Pedagogia Social. A pesquisa tem por objetivo identificar as contribuições do Educador para a formação e transformação da vida de jovens que participam do Programa Educação para o Trabalho. A questão que norteia o presente estudo assim se configura: Pode a Educação Social, no caso do Programa Educação Para o Trabalho, configurar-se em ambiente complementar ao ensino escolar, contribuindo para o desenvolvimento pessoal e profissional de jovens com interesse pelo mercado de trabalho? A metodologia utilizada foi a da pesquisa qualitativa. Foram aplicados 136 questionários e realizadas 17 entrevistas com alunos, educadores e coordenadores do programa, visando conhecer as percepções dos entrevistados a respeito do Programa pesquisado e das formas diferenciadas de educar que valorizam as experiências e realidades individuais dos alunos. Constatou-se que o Programa atinge seu objetivo de contribuir para o desenvolvimento de jovens, como evidenciado nas entrevistas realizadas. Observou-se que o Programa proporcionou mudanças na vida dos jovens e nas famílias destes jovens. Percebeu-se que o apoio e estímulo da família para que os jovens permanecessem no Programa, representou fator determinante para os resultados alcançados. Os educadores foram unânimes em afirmar que nutrem grandes expectativas com relação ao futuro dos jovens e acreditam, que de alguma forma, podem contribuir para proporcionar mudanças significativas nas vidas destes jovens, não só no ambiente profissional, mas também no pessoal. Espera-se que a pesquisa possa oferecer subsídios que permitam aos educadores oportunidades de reflexão sobre suas práticas e sobre possíveis mudanças que possam ocorrer na vida dos jovens em diferentes contextos sociais. Palavras-Chave: Educação Social, Transformação Social e Mundo do Trabalho. 1 Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC/Campinas). E-mail: [email protected] 2 Professora Doutora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC/Campinas). 3 Senac/SP: Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial do Estado de São Paulo, instituição educacional privada sem fins lucrativos, criada em 1946.

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O EDUCADOR E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A (TRANS)FORMAÇÃO DA VIDA DE JOVENS NO PROGRAMA EDUCAÇÃO PARA O TRABALHO

Fatima Regina Colevate1

Maria Auxiliadora Bueno Andrade Megid2

RESUMO O objeto de estudo desta pesquisa é o Programa Educação para o Trabalho realizado pelo Senac SP3 há quatorze anos. O curso foi escolhido em função dos resultados obtidos desde sua criação e pela relevância social que representa para jovens que o frequentam. São apresentados conceitos e diferentes visões da Educação Social, da Pedagogia Social e do Educador que atua no Programa Educação para o Trabalho e em Programas e projetos socioeducacionais. Buscou-se aprofundar tais conceitos em autores como Luzuriaga (1960) e Silva (2009) que abordam diferentes momentos da Pedagogia Social. A pesquisa tem por objetivo identificar as contribuições do Educador para a formação e transformação da vida de jovens que participam do Programa Educação para o Trabalho. A questão que norteia o presente estudo assim se configura: Pode a Educação Social, no caso do Programa Educação Para o Trabalho, configurar-se em ambiente complementar ao ensino escolar, contribuindo para o desenvolvimento pessoal e profissional de jovens com interesse pelo mercado de trabalho? A metodologia utilizada foi a da pesquisa qualitativa. Foram aplicados 136 questionários e realizadas 17 entrevistas com alunos, educadores e coordenadores do programa, visando conhecer as percepções dos entrevistados a respeito do Programa pesquisado e das formas diferenciadas de educar que valorizam as experiências e realidades individuais dos alunos. Constatou-se que o Programa atinge seu objetivo de contribuir para o desenvolvimento de jovens, como evidenciado nas entrevistas realizadas. Observou-se que o Programa proporcionou mudanças na vida dos jovens e nas famílias destes jovens. Percebeu-se que o apoio e estímulo da família para que os jovens permanecessem no Programa, representou fator determinante para os resultados alcançados. Os educadores foram unânimes em afirmar que nutrem grandes expectativas com relação ao futuro dos jovens e acreditam, que de alguma forma, podem contribuir para proporcionar mudanças significativas nas vidas destes jovens, não só no ambiente profissional, mas também no pessoal. Espera-se que a pesquisa possa oferecer subsídios que permitam aos educadores oportunidades de reflexão sobre suas práticas e sobre possíveis mudanças que possam ocorrer na vida dos jovens em diferentes contextos sociais. Palavras-Chave: Educação Social, Transformação Social e Mundo do Trabalho.

1 Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC/Campinas). E-mail:

[email protected] 2 Professora Doutora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC/Campinas).

3 Senac/SP: Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial do Estado de São Paulo, instituição

educacional privada sem fins lucrativos, criada em 1946.

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ABSTRACT This research is about “Education for Work Program”, a course program that’s been in place for Senac SP4 for the last fourteen years. The course’s choice is related to its results and social relevance, especially for the younger students. It will be presented different concepts and point of views from the social education, social pedagogy and from the Program educator who also contributes for others educational projects. Concepts those were in-depth with authors such “Luzuriaga (1960)” and “Silva (2009)” who have raised different moments from Social Pedagogy. This research will identify the educator contributions on these students’ lives. The main idea here is: Can the social education, in this case represented by this Program, be a complementary environment for the traditional school education, contributing this way for young students interested in the business market, personal and professional development? The qualitative research was the methodology used on this study case. It was applied 136 questionnaires forms and 17 interviews with students, educators and coordinators related to the Program in order to know theirs Program’s perceptions and best practices and experience with each one students. In our analyses it was verified that the Program reaches its goal, contributing with students’ development. We observed positive changes in their lives and their families’ lives. The family support for the students keep going on the Program represented a very important key for the good results reached. The educators were unanimous in affirming that they have great expectations related to these young students future and they believe in their positive contribution for the students’ significant changes in personal and professional areas. We hope that this research can offer subsidies that allow educator’s reflection about their practices that reflects in young students lives. Keywords: Social Education, Social Transformation, Work Cycle and Business Market.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho é resultado de nossa pesquisa de Mestrado realizada

junto ao Programa Educação para o Trabalho, projeto socioeducativo criado e

executado pelo Senac SP5 em suas unidades desde 1996. A pesquisa foi realizada

na unidade do Senac em Campinas, envolvendo as cidades de Campinas, Valinhos

e Hortolândia.6

A pesquisa tem por objetivo conhecer e identificar as contribuições dos

educadores na formação e/ou transformação da vida de jovens que participam do

Programa Educação para o Trabalho. A questão que norteia a presente pesquisa

4 Senac SP: Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial do Estado de São Paulo (National Service

of Commercial Apprenticeship of the State of Sao Paulo), a private non-profit insitution, created in

1946.

5 Senac SP: Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial do Estado de São Paulo, Instituição

educacional privada sem fins lucrativos, criada em 1946. 6 As três cidades fazem parte da RMC — Região Metropolitana de Campinas. O programa foi

realizado nas três cidades simultaneamente na época da pesquisa.

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assim se configura: Pode a Educação Social, no caso do Programa em estudo,

configurar-se em ambiente complementar ao ensino escolar, contribuindo para o

desenvolvimento pessoal e profissional de jovens com interesse pelo mercado de

trabalho?

Adotamos a metodologia qualitativa com uso de questionários e entrevistas

semi-estruturadas, aplicadas e respondidas por alunos e educadores. Aplicamos 136

questionários e realizamos 17 entrevistas com educadores e alunos. Por meio

destes instrumentos, obtivemos dados sobre o perfil dos respondentes, bem como,

informações sobre como os educadores percebem sua atuação com vistas a

contribuir para a formação e/ou transformação da vida destes jovens.

Os respondentes da pesquisa estão caracterizados como: Alunos

cursando/concluintes do Programa, Coordenadores do Programa,

Docentes/Educadores ministrando aulas no Programa e Egressos do Programa –

Educadores.

Com base em conceitos da Pedagogia Social e da Educação Social, a

pesquisa pretende contribuir para a compreensão da visão educacional que tais

educadores cultivam e que acabam por marcar a vida dos alunos em ambientes de

educação social.

Para atingirmos os objetivos anunciados, organizamos a pesquisa em 3 (três)

capítulos que foram escritos de forma a apresentar o conteúdo numa seqüência dos

grandes temas que norteiam nosso trabalho, a saber: a Educação Social e o

Programa Educação para o Trabalho descritos no capítulo 1; a metodologia, a

caracterização, o perfil dos respondentes e os resultados são apresentados no

capítulo 2. No capítulo 3 narramos as categorias de análise identificadas no decorrer

da pesquisa, as quais representam também momentos de reflexão sobre as

conversas e histórias de vidas ouvidas. Por fim, apresentamos nossas

considerações e percepções sobre o estudo realizado.

Neste artigo apresentamos alguns dos aspectos teóricos abordados, bem

como, resultados obtidos e compreensões que surgiram durante o trajeto da

investigação.

UMA VISÃO DA EDUCAÇÃO SOCIAL

Apresentar definições acerca de conceitos e teorias na área das Ciências

Humanas e Sociais geralmente representa tarefa complexa, uma vez que diferentes

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visões e leituras possibilitam interpretações diversas. Da mesma maneira, definir

Pedagogia Social e Educação Social também não é tarefa fácil, uma vez que os

diversos autores pesquisados apresentam conceitos diferentes nas suas palavras,

porém muito próximos na sua essência e até mesmo, em alguns aspectos, um

conceito se coincide com outro, ou mesmo se intrinca a outro. Além disso, o campo

da pesquisa nestes temas se encontra em grande expansão atualmente, o que

possibilita novas análises e interpretações, e proporciona certo dinamismo a esta

área de conhecimento.

A Educação Social tem suas origens na Alemanha, no período pós-guerra, e

representa para Loureiro e Casteleiro (2009, p.91) “a intervenção da Pedagogia

Social possibilitando a ação pedagógica sobre os indivíduos”. Para os autores, a

Pedagogia Social estava associada às consequências da Revolução Industrial e

naquela época acreditava-se que a Educação Social teria as respostas para a

solução dos muitos problemas existentes.

A partir da Alemanha, este conceito foi difundido por toda Europa. Ainda na

Alemanha, um dos pioneiros foi Pestalozzi, considerado por Otto (2009) como o

grande educador social daquela época.

Após a 2ª Guerra, o que se entendia por Pedagogia Social estava ligado a

fatores estruturais que produziam “sofrimento social”. Para Otto (2009, p.31) os

educadores considerados como pioneiros foram os que deram “atenção à pobreza e

aflições sociais”, a exemplo de Pestalozzi, Frobel, Viver, Comenius e Natorp. Todos

estes educadores, segundo o autor, influenciaram seu tempo.

A base da Pedagogia Social ao longo da história ancora-se em acreditar “que

é possível influenciar circunstâncias sociais por meio da educação.” (Otto, 2009,

p.31).

O termo Pedagogia Social foi utilizado pela primeira vez por Karl Mager em

1844, segundo Loureiro e Casteleiro (2009, p.84). O autor na época objetivava

“caracterizar o conceito de ‘ajuda a juventude’, isto é, ajuda educativa, profissional e

cultural” (CARO, 2004 apud LOUREIRO E CASTELEIRO, 2009, p.84).

Para os autores (2009, p.84) “a Pedagogia Social representa o ambiente

cientifico que orienta as práticas e as metodologias para a atividade, a ação da

educação social”. A Educação Social tem como objetivo primordial “contribuir para a

integração social do individuo” (Loureiro e Casteleiro, 2009, p.85).

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Para Otto (2009, p.37) “a idéia básica da Pedagogia Social é promover o

funcionamento social da pessoa: a inclusão, a participação, a identidade e a

competência social como membros da sociedade”.

Encontramos em Luzuriaga (1960, p.24) que “a educação é função da

sociedade, mediante a qual procura-se desenvolver ou facilitar o nível de vida do

homem e de introduzi-lo no mundo social e cultural.”

Neste sentido, entendemos que a educação representa o elemento essencial

de formação e transformação na vida dos homens. É por meio da educação, em

todos os seus níveis e categorias, que os indivíduos conhecem, aprendem e

experimentam novas e diversas experiências de vida que poderão contribuir com e

para sua formação, nos aspectos da personalidade e caráter humanos, incluindo o

profissional.

Ainda de acordo com Luzuriaga (1960, p.24): “A educação existe desde o

começo da sociedade humana”. Entende-se, portanto que este deve ser

considerado como um dos elementos responsáveis pela contribuição para a

elevação da qualidade de vida das pessoas, das sociedades, das cidades e dos

países. Luzuriaga (1960) afirma que não há educação sem sociedade e vice-versa.

Para Luzuriaga (1960, p. 29) a educação “é social quando trata de adaptar o

individuo à sociedade, mas é individual quando tende a liberar o homem da pressão

da coletividade.” A educação deve ser ao mesmo tempo, social e individual, visto

que representa “manifestações de uma educação humana geral, vista de ângulos

diferentes.” (Luzuriaga, 1960, p. 29).

Na visão de Trilla (2003, p.16) a Pedagogia Social é “um conjunto de saberes,

sejam teóricos, técnicos ou experienciais descritivos ou normativos que tratam de

um objeto determinado. Esse objeto material é o que chamamos de Educação

Social”. Para o autor, o termo educação social se refere a um “tipo ou classe de

educação, que estamos diante de uma parcela do universo da educação” (Trilla,

2003, p.16). O autor reforça que é importante identificar esta parcela do universo

educativo, ou seja, a educação social representa o produto próprio da Pedagogia

Social. Caso não façamos este recorte, poderíamos pensar que “qualquer educação

seria educação social, ou ainda, que a Pedagogia Social incluiria toda a pedagogia”

(Trilla, 2003, p.16).

Petrus (2003, p. 54) defende que a “educação social é um termo de difícil

conceitualização”, em função de vários aspectos relacionados à sua própria história,

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às políticas sociais dela derivadas, ou mesmo de ideologias. Desde Natorp (1854-

1920), considerado por Petrus (2003) um dos pioneiros da Pedagogia Social, esta

educação “se referia não só à educação em suas formas tradicionais e à educação

individual, mas também à educação do homem que vive em comunidade” Petrus

(2003, p. 54).

Para os autores Souza Neto, Silva e Moura (2009) a teoria geral da Educação

Social abarca as práticas de educação popular e de educação comunitária, podendo

atribuir a estas práticas ou ações, suporte teórico e metodológico para que se

estabeleçam enquanto ação de uma ciência em constante desenvolvimento, a

ciência da Pedagogia Social.

Silva (2009, p.184), indica que “a crescente visibilidade adquirida pela

Educação Social constitui um fator a mais em torno da chamada crise da Educação

Escolar”. Para o autor, o cenário global e fatos atuais econômicos, sociais, políticos

e principalmente ideológicos contribuem para que a interferência no ambiente

educacional seja praticamente constante. Esta interferência ou modificação se dá

em todos os espaços, desde uma pequena cidade ou comunidade, até em um país

inteiro. No entanto, ainda para Silva (2009), a escola e a educação tanto são

modificadas por estas questões, quanto tentam encontrar formas de alterar e

interferir nos acontecimentos.

Este cenário de crise na educação brasileira e em outros países da América

Latina, segundo Gentilli (2008, p.37), tem suas raízes no modelo de educação

pública de “baixa qualidade” imposto pelos governos nos últimos cinquenta anos.

Razões como baixo investimento em educação, privatização, déficit e

precarização do trabalho docente são alguns dos fatores apresentados pelo autor

para explicar a “baixa qualidade” da educação latino-americana que se encontra

vigente até o presente, apesar das reformas educacionais empreendidas nos últimos

vinte anos nestes países.

Quanto à Educação Social especificamente no Brasil, este é um conceito

relativamente novo e ainda em construção ou adequação, o que demonstra a

complexidade e dinamismo dessa vertente educacional. Porém, independente da

nomenclatura utilizada, Silva (2009) comenta que ao longo de boa parte da nossa

história, realizamos educação social de excelente qualidade. O autor indica que foi

Paulo Freire quem iniciou no Brasil as primeiras ações pedagógicas com as

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características da educação social, porém sem utilizar esse termo. Freire optava

pela expressão “educação popular”.

A própria história do Brasil e a deficiência das políticas públicas educacionais,

configuram-se, de acordo com Souza Neto, Silva e Moura (2009), em fatores que

contribuíram para a evolução da educação não formal que representa “as práticas

educativas desenvolvidas por movimentos sociais, organizações não-

governamentais, programas e projetos sociais, sejam eles públicos ou privados”

(Souza Neto, Silva e Moura, 2009.p.15).

Na mesma direção, Garcia (2009, p.223) afirma que “a chamada educação

social, tem como um de seus objetivos oferecer condições de mudanças estruturais

através da educação”. A autora comenta que a educação social representa uma

“faceta” da educação não-formal, complementando que esta surgiu no Brasil como

um tipo de educação especial que visa cuidar de forma diferente de uma parte da

população para a qual a escola não foi preparada para atender.

O autor ítalo-brasileiro Caliman (2009) comenta que a Pedagogia Social está

orientada para a realização prática da educabilidade humana com foco na parcela

da população que se encontra em situação social desfavorável. Desta forma, a

Educação Social surge como uma “necessidade da sociedade industrializada”, na

qual se multiplicam as situações de risco e mal estar social, como pobreza,

marginalidade, consumo de drogas, abandono e indiferença social. A ação se dá em

ambientes de intervenções educativas intencionais e não-formais, organizada fora

das agências educacionais tradicionais — escola e família —embora não elimine da

metodologia estas duas instituições.

As diferentes visões pesquisadas nos possibilitaram compreender que tanto a

Pedagogia Social quanto a Educação Social representam expressões relativamente

novas no debate educacional brasileiro. Porém, no cenário internacional, com

destaque para a Europa e para alguns países latino-americanos, essa discussão

avançou consideravelmente nos últimos anos, motivo pelo qual, em nossa

compreensão, a Educação Social ocupa um lugar de maior destaque ou mesmo

mais privilegiado que no Brasil. Exemplo desta constatação pode ser ilustrado pelo

Uruguai, que é, desde 1951, a sede da Associación Internacional de Educadores

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Sociales7, sendo considerado o mais importante centro de difusão da Pedagogia

Social para a América Latina (Souza Neto, Silva e Moura, 2009, p.17).

Em países como Espanha, Portugal e Uruguai o profissional que atua com a

Educação Social é o chamado Educador Social, formado em curso Superior. Nesses

países existe toda uma estrutura para a formação e atuação desse profissional,

segundo nos informam Souza Neto, Silva e Moura (2009). Para os autores, esta

estrutura vai desde a formação a partir das bases teóricas da Pedagogia Social até a

organização político-administrativa para o exercício desta atividade.

Diferentemente do que ocorre no Brasil, conforme nos trazem Souza, Silva e

Moura (2009), onde o Educador Social é visto geralmente como um profissional de

nível médio e/ou de nível técnico, ou seja, sem formação superior. Para os autores o

termo “Educador Social” é usado para se referir aos oficineiros, artesãos, artistas,

mestres de capoeira, arte-educadores com formações variadas, ou mesmo sem

formação.

É importante observar que, em nossa análise, identificamos que o Programa

Educação para o Trabalho, realizado pelo Senac SP, objeto de estudo desta

pesquisa, se aproxima e apresenta características da categoria Educação Social, e

desta forma, optamos por nos aliar à teoria geral da Pedagogia Social que dá

amparo teórico-científico para a sua prática.

O PROGRAMA EDUCAÇÃO PARA O TRABALHO8

No Programa em estudo, o mundo do trabalho é apresentado a adolescentes

e jovens entre 14 e 21 anos, oriundos de famílias de baixa renda, estudantes da

rede pública de ensino, geralmente excluídos das oportunidades de trabalho. Tais

jovens convivem com questões como falta de capacitação profissional e a busca

pelo primeiro emprego.

Para ingressar no Programa, que tem duração de 330 horas, os jovens devem

estar matriculados pelo menos no 7º ano do Ensino Fundamental. Ainda, estudarem

7 Associação Internacional de Educadores Sociais, com sede no Uruguai, é considerada o Pólo

difusor da Pedagogia Social na América Latina. 8 O Programa Educação para o Trabalho criado em 1996, foi atualizado em sua estrutura e conteúdo

programático, adotando a partir de 2009, o titulo de Programa Educação para o Trabalho - Novas Conexões. Nesta pesquisa optamos por manter o título original do Programa.

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ou serem egressos de instituições públicas de ensino e/ou de programas de

Educação de Jovens e Adultos. A renda familiar de até 2 (dois) salários mínimos e o

interesse por questões relacionadas ao trabalho também são aspectos avaliados

De acordo com o plano de curso do referido Programa, encontramos que o

objetivo geral é:

Contribuir para a inclusão de jovens socialmente desfavorecidos, por meio do desenvolvimento de competências que ampliem as possibilidades de inserção no mundo do trabalho, geração de renda e participação na sociedade. (Senac SP, 2010, p.5).

A estrutura diferenciada aliada à sua metodologia baseada no princípio do

“aprender a aprender”9 contribui para a construção do conhecimento e do

protagonismo do jovem no processo educacional. O Programa enfatiza a

participação social ativa, a autonomia, a atitude empreendedora e as conexões

como possibilidade de inserção na sociedade e no mundo do trabalho. Busca

desenvolver competências pessoais e profissionais que possibilitem a formação

integral do participante e ampliem suas possibilidades de inserção sócio-profissional.

Segundo o documento orientador (Plano de Curso10), o Programa está

alicerçado em seis grandes pilares, a saber:

i. o desenvolvimento de competências pessoais e profissionais para o mundo do trabalho; ii. a tecnologia como ferramenta de trabalho; iii. a participação social e política; iv. a metodologia de redes; v. a cultura empreendedora e vi. o pensamento sistêmico.

Para garantir a abordagem dos temas, o Programa é organizado de forma

diferenciada, e conta atualmente com a organização curricular, conforme

apresentado no Quadro 1:

QUADRO 1 – Organização Curricular do Programa Educação para o Trabalho - Senac

SP

9 Aprender a aprender – um dos quatro pilares da educação recomendados no relatório Jacques

Delors, “Educação – Um Tesouro a Descobrir” (UNESCO, 1996). 10

Plano de Curso do Programa Educação para o Trabalho – Novas Conexões, Senac SP, Maio/2010, atualizado em fevereiro/2011, versão 2. p. 9.

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10

Eixo de Integração Instrumentais Carga Horária

Plano de Ação na Comunidade

Plano Profissional ou Plano de Negócios

Tecnologia

Blog

Redes Sociais e

Desenvolvimento Local

Política e Democracia

Cultura Empreendedora

Pensamento Sistêmico

Desenvolvimento Humano 24h

Desenvolvimento Pessoal 27h

Comunicação 27h

Atitude Empreendedora 27h

Sistemas e Processos Organizacionais

30h

Excelência no Atendimento e Relacionamento com o Cliente

30h

Carga horária 135h Carga horária 195h

Carga horária do Programa – 330 horas

Fonte: Plano de Curso do Programa Educação para o Trabalho, Fevereiro/2011, v2.

Neste formato, é importante observar que o Eixo de Integração é o grande

conector de todos os eixos temáticos abordados nos seis Instrumentais,

possibilitando a conexão com os diversos temas que proporcionam identidade única

ao Programa.

Os Instrumentais têm como objetivo desenvolver conteúdos que visem

agregar conhecimentos, habilidades e valores desejáveis ao perfil profissional e

pessoal dos alunos.

Os alunos realizam atividades práticas como os Fóruns: Social e Profissional

e o Plano de ação na comunidade. Estas são atividades coletivas que visam, além

de proporcionar o aprendizado prático que cada uma das atividades prevê em sua

essência, a possibilidade de interagir e trabalhar com colegas (de trabalho).

Destacamos que não encontramos nos documentos oficiais do Programa, o

uso dos termos Educação Social e Pedagogia Social, elementos que, em nossa

opinião, poderiam contribuir com as práticas pedagógicas e ações educativas

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capazes de favorecer e proporcionar transformação social, objetivo do Programa

pesquisado.

OS EDUCADORES E SUA VISÃO SOBRE O PROGRAMA

Foram entrevistados oito profissionais que atuam no Programa Educação

para o Trabalho, curso que está inserido na área de Desenvolvimento Social do

Senac Campinas. A atuação dos entrevistados se dá na função de coordenadores e

docentes, sendo que optamos por denominá-los como “Educadores”, independente

do cargo e/ou função que ocupam na Instituição.

Entre os profissionais que responderam o questionário no mês de novembro

de 2010, identificamos que 63% concluíram um curso de Especialização, além da

graduação, 25% deverão ter concluído o 2º Curso de Especialização até o final de

2011 e 25% terá a titulação de Mestre em Educação até 2012, conforme descrito no

Quadro 2:

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12

Quadro 2: Formação Acadêmica dos Educadores Entrevistados11

Coordenadores Graduação 1ª Especialização 2ª Especialização Mestrado

Respondente A Psicologia Gerenciamento de

Projetos PMI

Respondente B Letras Educação Especial Pedagogia Social

(cursando)

Docentes Graduação 1ª Especialização 2ª Especialização Mestrado

Respondente A Letras Responsabilidade

Social

Respondente B Ciências Sociais

Educação (concluído)

Respondente C

Educação

Física

Pedagogia do Esporte

Gestão de Negócios Educação (cursando)

Respondente D Psicologia Psicodrama

Docentes Egressos Graduação 1ª Especialização 2ª Especialização Mestrado

Respondente A Pedagogia

Respondente B Pedagogia

Fonte: Colevate, 2012

Os dados demonstram a formação acadêmica dos educadores, além de

informações sobre experiência profissional, tempo de trabalho como educador,

jornada de trabalho entre outros.

Para 50% dos educadores a atividade de “docência” faz parte da sua

carreira profissional há mais de 10 anos, e ainda para os mesmos 50% a atuação

deu-se na área de Desenvolvimento Social pelo menos durante o mesmo período.

Já a atuação específica no Programa Educação para o Trabalho deu-se há 9 anos

para 50% dos entrevistados, sendo que para os demais a experiência surgiu há

pouco mais de um ano.

11

Os entrevistados são identificados como: RCA-Respondente Coordenador A; RCB-Respondente Coordenador B; REPA-Respondente Educador Egresso do Programa A; REPB-Respondente Educador Egresso do Programa B; RDPA-Respondente Docente ministrando aulas no Programa A; RDPB-Respondente Docente ministrando aulas no Programa B; DPC-Respondente Docente ministrando aulas no Programa C; RDPD-Respondente Docente ministrando aulas no Programa D.

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Todos atuam em regime CLT de contratação, porém 75% já experimentaram

outras formas de contrato de trabalho. Para 50% dos entrevistados a jornada é de

30 horas semanais de trabalho, variando para os demais, entre 20 e 40 horas.

Outras atividades profissionais também fazem parte da vida de 75% dos docentes,

com jornadas complementares que variam de 12 a 20 horas semanais.

Nas entrevistas foi possível conhecer a opinião dos educadores sobre o

Programa, sobre expectativas com relação aos alunos e sobre possíveis

transformações na vida dos jovens.

Observamos que os educadores são unânimes em afirmar que nutrem

grandes expectativas com relação ao futuro dos alunos. No geral todos esperam que

sua atuação profissional, contribua para que esse aluno realmente tenha um

“despertar” para a mudança de postura de vida.

Na opinião dos entrevistados, o profissional que atua em programas e/ou

projetos de caráter socioeducativo, a exemplo do Programa Educação para o

Trabalho, apresenta características diferenciadas, ou particularidades que vão desde

a “paixão pela educação” até o ser empreendedor e inovador, conforme relato de um

dos educadores:

Os educadores têm diversas formações de faculdade, porém o coeficiente que poderia ser descrito como mais comum é a paixão pela educação (RCA).

Os educadores consideram que uma das características fundamentais diz

respeito a serem profissionais realmente preocupados com o desenvolvimento

pessoal e profissional dos alunos. Contudo, são unânimes em afirmar que suas

ações não representam um comportamento assistencialista. A preocupação em

saber ouvir e considerar as realidades individuais são também aspectos

fundamentais do perfil deste educador.

O conhecimento sobre o mundo do trabalho, é característica marcante do

perfil deste profissional. Para os entrevistados a opção por atuar como educador da

área de Desenvolvimento Social tem raízes na história de vida de cada um e

representa, para alguns, a possibilidade de transformação que ocorre no cotidiano.

Todos estão seguros com as escolhas realizadas e se comprometem com os

resultados do trabalho coletivo.

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Aspectos como sentimento de pertença, ações empreendedoras e

inovadoras, respeito com todas as pessoas com que se relaciona, incluindo alunos,

valorização das histórias de cada um e gostar do que faz, são algumas das

características do perfil do educador traçado pelos próprios educadores

entrevistados. Alguns se referiam às suas próprias características, outros

identificavam aspectos dos colegas de profissão, sempre no sentido de ressaltar

aquelas importantes para a realização do trabalho que escolheram.

Para Romans (2003) as características elencadas retratam o perfil de um

profissional no âmbito socioeducacional, profissional que reflete e tem consciência

das suas ações de intervenção.

Todos elegeram aspectos que demonstram ser este profissional, um

educador comprometido com a causa em que atua de forma profissional. E ainda, na

opinião dos educadores, este perfil favorece a relação professor e aluno, podendo

contribuir para o aprendizado.

Concordamos com Costa (2007, p.31) sobre a importância de apostar no

potencial dos jovens e confiar nos valores que regem o trabalho dos educadores: “a

crença na força transformadora da educação”.

A partir destas percepções, analisamos as respostas à luz das

considerações de Castanho (2001), Freire (1996), Delors (1996) e Rios (2007) que

abordam a ação educativa enquanto intervenção no mundo.

Consideramos que estes educadores se posicionam como “educadores

brilhantes” na medida em que se comprometem com o futuro dos seus alunos,

oportunizando informações que lhes permitam construir um futuro melhor para si e

para os outros, considerando sempre ganhos coletivos.

De forma geral, os respondentes consideram que representam uma figura de

influência da vida dos jovens. Chamados de modelo, de exemplo ou de referência,

observamos que todos têm consciência deste papel que ocupam, e demonstram

grande preocupação e elevado censo de responsabilidade por fazer jus a este

reconhecimento. É comum nas falas dos educadores o cuidado com a postura, as

condutas e práticas que não permitam dissociar o discurso da ação.

Questões práticas, relacionadas ao dia a dia, também fazem parte das

reflexões dos educadores. A preocupação de que o programa não seja

caracterizado como o “salvador da vida dos jovens” está presente nas falas dos

respondentes que buscam nas suas ações contribuir para o desenvolvimento de

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cidadãos mais críticos e inventivos, porém conscientes do lugar que ocupam, e do

mundo como um todo. Provocar e instigar o pensamento criativo, sem porém tirar os

pés do chão (os próprios e os dos alunos) é tarefa importante para o RCB:

Nosso objetivo não é só o jovem sair preparado para o mercado de trabalho e começar a trabalhar. Ele tem sim que sair preparado, mas ele deve saber permanecer no mercado. (...) por isso a importância de desenvolver qualidades neste aluno. O saber se posicionar de forma crítica é fundamental. Conhecer o mundo, conhecer a realidade que ele vai enfrentar é muito importante. Porque hoje o mercado de trabalho é exigente e o jovem precisa ter esse “chão” (RCB).

Os educadores avaliam suas práticas pedagógicas de forma bastante

reflexiva, demonstram ter consciência do espaço que ocupam e do quanto suas

ações e comportamentos podem refletir de forma positiva na vida e nas relações dos

jovens. Porém, concordam que não são os únicos a exercer influências e isto é

positivo, na medida em que os jovens, agora mais críticos e de certa forma

preparados, passam a fazer suas escolhas com base nos aprendizados adquiridos

não só no Programa, mas em todos os ambientes que frequentam.

A transformação da vida de um jovem é muito complexa e está permeada de diversos fatores. No entanto, acredito que todas as interações do meio social afetam o desenvolvimento das pessoas e, portanto, o curso com certeza gera algumas transformações, mas estas variam de pessoa para pessoa. (...) A expectativa primordial é que eles saiam transformados. Se mudar alguma coisa, se for só o bom-dia que ele aprendeu a falar para a mãe ou para o pai já é um primeiro passo. Em última instância a gente sempre tem, como diria Freire, o lado político. (RDPD).

Em nossa análise as reflexões dos respondentes se aproximam de Rios

(2007, p.71) no sentido de que “a atuação do educador não é o único fator que

contribui, ou pode contribuir para a melhoria da educação”.

Para Delors (1996, p. 157) o trabalho do professor não consiste apenas em

“transmitir informações ou conhecimentos”. O trabalho do educador é colocar as

informações na forma de “problemas a serem resolvidos”, com o objetivo de

favorecer a interpretação dos alunos e a correlação com questões mais abrangentes

que envolvem o problema apresentado, procurando a busca de soluções criativas.

Quem não recorda ainda aquele professor que levava a refletir, que incutia a vontade de trabalhar as questões um pouco mais

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profundamente? Quem, ao tomar decisões importantes no decurso da sua vida, não foi influenciado, ao menos em parte, pelo que aprendeu com determinado professor? (DELORS, 1996, p. 156)

Concluindo, recorremos novamente à Costa (2007) que apresenta a cultura

da trabalhabilidade, conceito ainda em construção conforme comenta o autor. Para

Costa:

[...] a cultura da trabalhabilidade não prepara a pessoa apenas para desempenhar-se em determinado posto, ramo de trabalho ou segmento da atividade empreendedora, mas para atuar no mundo do trabalho em toda sua inteireza e complexidade.

(COSTA, 2007,

p. 60).

Entendemos que os educadores que atuam no Programa Educação para o

Trabalho, na área de Desenvolvimento Social do Senac Campinas, mantêm estreito

relacionamento com essa cultura, na medida em que buscam desenvolver nos

alunos competências que contribuam para este fim, qual seja, preparar jovens

brasileiros para assumirem a direção das próprias vidas.

Ainda para Costa (2007, p. 61) é esta cultura que nos permite “apreender a

trajetória, a situação atual e as perspectivas do mundo do trabalho em cada etapa

de sua evolução histórica”. Desta forma, para o autor, esse tipo de formação

necessita de “habilidades metacognitivas, como o aprender a aprender

(autodidatismo), ensinar o ensinar (didatismo) e conhecer o conhecer (construção do

conhecimento novo)” (Costa, 2007, p. 61).

Em nossa opinião, educadores que se aliem a esta cultura apresentam

características diferenciadas e inquietações que os motivam a realizar um trabalho

que contribua efetivamente para a realização dos indivíduos, conforme nos lembra

Rios (207). Para a autora, a visão “mais correta” de educador e de educação é a de

“mediador e de ação mediadora”. (Rios, 2007, p. 70).

Aspectos apresentados nas conversas com os educadores nos permitiram

identificar aspectos de mediação e de ações mediadoras, que favorecem a relação

educador e educando.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES – COMPREENSÕES POSSÍVEIS

Iniciamos nossas considerações apresentando reflexões sobre as

contribuições dos educadores para a formação e transformação da vida dos jovens

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que participam do Programa Educação para o Trabalho. Para tanto traçamos um

cenário que contemplou a Educação Social enquanto categoria da educação, à qual,

para nós, o Programa Educação para o Trabalho se aproxima.

Entendemos que esta aproximação se faz necessária na medida em que

elementos da Pedagogia Social podem contribuir com as práticas pedagógicas e

ações educativas que visam proporcionar transformação social.

As descobertas que ocorreram durante a realização da pesquisa, sobre os

temas Pedagogia Social enquanto teoria e Educação Social enquanto prática nos

ajudaram a compreender esta categoria de educação, chamada de Educação

Social, modelo não tão novo, porém dinâmico e ainda em construção, principalmente

no Brasil.

Observamos que outros países se encontram numa posição mais avançada

sobre esta modalidade de educação e concordamos com Silva (2009) quando

sugere uma estrutura diferenciada de formação e prática profissional do Pedagogo

Social e do Educador Social, que visa atender a uma demanda cada vez mais

urgente em nossa sociedade.

Neste sentido, entendemos que a discussão sobre Educação Social e a

regulamentação da profissão de Educador Social no Brasil, entre acadêmicos,

profissionais, gestores públicos e outros interessados, envolve ainda muito a ser

estudado e debatido. Acreditamos que, num futuro próximo, haverá o entendimento

comum e necessário sobre a importância da Educação Social e do profissional

Educador Social, para que este possa atuar de forma legitimada, clara e objetiva, em

parceria com os profissionais da educação formal, no sentido de contribuir com a

completa formação de cidadãos.

É importante destacar que nossa intenção com a filiação do Programa

Educação para o Trabalho à Educação Social não é a de negar a educação formal,

ou mesmo a educação profissional à qual a instituição Senac é um dos

representantes nacionais.

Antes, entendemos que os objetivos, temas e conteúdos previstos no

programa visam preparar o jovem enquanto cidadão e não somente como um

reprodutor de técnicas de trabalho. Aliado a isto, avaliamos que o público ao qual se

destina o programa, jovens entre 14 a 21 anos, oriundos das camadas populares, os

chamados por Costa (2007) como “juventude popular urbana”, representam em

grande parte, público-alvo dos programas e/ou projetos de educação social.

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Ainda com relação à nossa inquietação inicial sobre as contribuições do

educador que atua no Programa Educação para o Trabalho, consideramos as

entrevistas e relatos dos educadores como momentos de grande relevância para a

pesquisa e para a pesquisadora.

As entrevistas representaram momentos de encantamento pelos alunos e

profissionais entrevistados. A disponibilidade em participar, a firmeza e segurança

nas respostas, demonstraram o comprometimento dos educadores com o trabalho

que realizam.

Os caminhos para chegarmos à resposta a nossa questão — afinal ocorreram

mudanças nas vidas dos jovens que participam do Programa? — foram muitos e

diversos. Analisamos e tabulamos dados, ouvimos entrevistas, conversamos,

analisamos tais conversas, criamos categorias, identificamos aspectos comuns nas

falas e algumas vezes não conseguíamos encontrar os pontos comuns. Por fim,

entre tantos questionamentos ouvimos de todos — jovens e educadores — que

houve mudanças na vida de todos.

Relembrando Trocmé-Fabre (2004, p. 16) “o aprender é um processo de

transformação”. Todos aprendemos e nos transformamos juntos.

Logo, entendemos que quando se dá o processo de aprendizagem, que pode

ser visto como uma via de mão dupla, avaliamos que a transformação se fez por

todos os envolvidos. Nenhum dos atores da aprendizagem saiu da mesma forma

como entrou, ou seja, algo mudou, algo se transformou, ou ainda, alguém mudou e

alguém se transformou.

Dito desta forma parece bastante simplista, porém para chegarmos a esta

consideração, percorremos todas as etapas da pesquisa científica e nos cercamos

de todos os elementos e instrumentos científicos.

Outro aspecto que merece nossa atenção é a possibilidade de que a

Educação Social possa se configurar em ambiente complementar à educação

escolar.

Após análises e observações, consideramos que este seja o grande caminho,

senão o único para a educação do futuro, conforme nos orienta Delors:

E chegamos, assim, a uma das maiores dificuldades de qualquer reforma: as políticas a adotar em relação aos jovens e adolescentes que terminam o ensino primário. Políticas que cubram o período que decorre até a entrada na vida profissional ou no ensino superior. (DELORS, 1996, p. 23).

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E complementa:

Uma preocupação ainda maior da Comissão em valorizar todos os talentos, de modo a diminuir o insucesso escolar, e evitar a muitos adolescentes o sentimento de exclusão e de ausência de futuro. (DELORS, 1996, p. 23).

A preocupação com esta parcela da população não é de hoje e se faz

urgente, não só no Brasil. As orientações contidas no Relatório Delors são para que

esforços em diversos níveis e esferas sejam empreendidos, visto que esta

população demanda grande atenção mundial.

No Brasil estamos falando de uma população de 34 milhões de pessoas que

preocupam os gestores públicos das três esferas. Políticas públicas que visem esta

faixa da população são pensadas e implementadas, porém, via de regra, por

questões ideológicas e partidárias muitas não têm continuidade e acabam por

representar ações pontuais de atendimento ao jovem.

Avaliamos que o estabelecimento de parcerias entre os setores público,

privado e terceiro setor, se constitui como alternativa para contribuir com a

minimização deste cenário. Quando falamos em parcerias, entendemos que estas

se dêem por meio de políticas públicas e/ou convênios municipais que otimizem os

recursos públicos e tenham como interesse o atendimento a esta população.

Consideramos que a Educação Social, no caso do Programa em estudo,

possa se constituir em ambiente complementar ao da educação escolar, com o

objetivo de contribuir para o desenvolvimento pessoal e profissional de jovens com

interesse pelo mercado de trabalho.

Por fim, acreditamos que o educador em geral, quer seja de escolas públicas

ou privadas, deva buscar como prática formas diferenciadas de atuar, visando

sempre o desenvolvimento do aluno. Retornamos a Castanho (2001) quando fala

sobre “professores marcantes”:

O professor é um artesão numa prática pessoal, integrando as várias contribuições das várias disciplinas, capaz de auto-observação, auto-avaliação e auto-regulação. Ensina a caminhar com passos firmes e também ensina o fascínio do ousar. Ensina trilhas e desenvolve o atrevimento de sair das trilhas aprendidas. (CASTANHO, 2001, p. 162).

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Esperamos que a pesquisa proporcione reflexões, bem como provoque novas

inquietações entre educadores e interessados.

Encerramos afirmando que temos intenção de continuar esta pesquisa no que

tange à defesa de uma causa, a causa que move nosso trabalho na área

educacional e nos dá a liberdade de continuar acreditando que é possível sim outro

caminho para a educação.

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