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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS GRADUAÇÃO “LATU SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E A
CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 515 §3 DO CPC
(LEI Nº 10.352/01)
SUSANA NERIS DIAS Prof. Orientador: Jean Alves
Rio de Janeiro 2006
2
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS GRADUAÇÃO “LATU SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E A
CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 515 §3 DO CPC
(LEI Nº 10.352/01)
Susana Neris Dias
Monografia apresentada à Universidade Cândido Mendes como condição prévia para a conclusão do curso de Pós-graduação “Latu-Sensu” em Direito Processual Civil.
Rio de Janeiro 2006
3
AGRADECIMENTOS
A minha família que sempre me apoiou nos
estudos, especialmente a meus filhos Tarik e
Lucas. A Deus, que me permite trilhar os
caminhos da vida com serenidade, paz e
discernimento. Também às grandes amigas
que fiz nesta instituição Marcelle, Melani e
Karina, que indiretamente contribuíram com a
cultura jurídica com os bate-papos nos
intervalos.
4
DEDICATÓRIA
Dedico esta monografia a meu marido Marcello,
que tanto colaborou para a confecção e o
aperfeiçoamento do trabalho. Também à Tarik e
Lucas, meus filhos, pela alegria que trouxeram a
nosso lar.
Susana Neris Dias
5
RESUMO O presente trabalho tem como escopo analisar se a inclusão do
§3 no artigo 515 do CPC, trazida pela Lei nº 10.352/01, não suprime um direito
constitucionalmente garantido ao jurisdicionado, retirando o seu direito à ampla
defesa e ao devido processo legal. Através de uma breve análise pretendeu-se
analisar a constitucionalidade do referido dispositivo correlacionada a sua
natureza jurídica. Definindo alguns conceitos tais como o duplo grau de
jurisdição e o devido processo legal, pode-se concluir que o apego extremado a
determinados princípios pode levar a exageros, e acabar por suprimir princípios
de igual ou maior importância no ordenamento jurídico. A observância irrestrita
e indiscriminada de alguns princípios e garantias pode ensejar uma prestação
jurisdicional morosa, de pouco resultado prático na vida do jurisdicionado.
Ademais, vige em nosso ordenamento jurídico o princípio da efetividade da
prestação jurisdicional. Assim, considerando o duplo grau de jurisdição um
princípio e não uma garantia constitucional, vê-se a presente reforma como
fundamental e necessária para a composição dos conflitos e manutenção da
credibilidade do sistema jurídico pátrio.
6
METODOLOGIA
Para a elaboração deste trabalho monográfico foi realizada a leitura de
diversos livros relativos ao assunto, bem como pesquisa na internet em busca
de artigos que ampliassem a gama de informações apresentadas.
Após, a coleta de dados, foi elaborado um roteiro que possibilitou a
garimpagem dos respectivos dados da pesquisa bibliográfica.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................08
CAPÍTULO 1. O PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO..................14
CAPÍTULO 2. HISTÓRICO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO....................20
CAPÍTULO 3. PRESSUPOSTOS PARA JULGAMENTO DO MÉRITO PELO
TRIBUNAL........................................................................................................ 22
CAPÍTULO 4. VANTAGENS DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO................. 32
CAPÍTULO 5. DESVANTANGENS DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO........35
CAPÍTULO 6. DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA
DEFESA............................................................................................................38
CAPÍTULO 7. O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO COMO PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL..........................................................................................41
CONCLUSÃO...................................................................................................46
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................. .48
ANEXOS...........................................................................................................50
ÍNDICE..............................................................................................................51
FOLHA DE VALIAÇÃO.....................................................................................52
8
INTRODUÇÃO
O Código de Processo Civil vem sofrendo várias algumas
alterações que demonstram a preocupação com o desenvolvimento célere do
processo, dentre as quais a inclusão do parágrafo 3º no art. 515, trazida pela
Lei nº 10.352/01, que permite ao Tribunal, no caso do processo ter sido extinto
sem resolução de mérito pelo juízo a quo, julgar o meritum causae na hipótese
de interposição de recurso de apelação, desde que se trate de questão
exclusivamente de direito e esteja o processo em condições de imediato
julgamento. Começa-se, então, o questionamento acerca da
constitucionalidade de tal reforma e se este dispositivo não estaria violando um
princípio constitucional.
De início, cabe ressaltar, que o tempo ganha cada vez maior
importância na prestação da tutela jurisdicional, sendo de fundamental
importância no que se refere à prestação de uma tutela justa. Contudo, o
assoberbamento do poder judiciário, criado pela maior conscientização do
cidadão quanto a seus direitos, e a insuficiência de diplomas legais que
autorizem mudança, tem impossibilitado o judiciário oferecer ao jurisdicionado
medidas dotadas de eficácia prática, retirando a credibilidade do sistema.
A inclusão do § 3º surgiu da controvérsia doutrinária e
jurisprudencial, com respeito à posição que o Tribunal deve tomar ao julgar a
apelação da sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, como
por exemplo, a sentença que reconhece a carência de ação. Entendem uns
9
doutrinadores que o tribunal não pode, ao afastar a preliminar, prosseguir no
julgamento das demais matérias, sob pena de ofender o princípio do duplo grau
de jurisdição, outros entendem ao contrário; se o Tribunal der provimento à
apelação, deverá dar seqüência ao julgamento das outras matérias.
Esta inovação valorizou os princípios da efetividade e da
instrumentalidade processual. Contudo, tal inovação é polêmica e sobre a
matéria já existem algumas divergências doutrinárias que somente serão
aplainadas pela consolidação da jurisprudência. Necessária, portanto, a
reflexão acerca da constitucionalidade do princípio do duplo grau de jurisdição
e o seu papel no sistema processual brasileiro, uma vez que a presente
reforma trouxe uma alteração substancial no Código de Processo Civil,
autorizando, pelo menos em princípio, a supressão de uma das maiores
garantias fundamentais trazidas pela Constituição de 1988, qual seja, a ampla
defesa.
Deve-se questionar se tal reforma alcança os anseios da
sociedade brasileira na busca de um processo efetivo, seguro e célere, e, é
claro, dentro dos princípios norteadores da legalidade. Qualquer reforma na lei
processual deve ter como base, a Carta Magna, devendo assim as demais
legislações dispor os seus preceitos em consonância com a mesma, sob pena
de inconstitucionalidade.
Humberto Theodoro Júnior afirma que é no âmbito recursal que
se encontra um dos maiores fatores de congestionamento e, por conseguinte,
10
da intolerável demora com que a máquina judiciária responde à demanda da
tutela a cargo do Poder Judiciário.1
Cândido Rangel Dinamarco considera o conformismo do próprio
juiz, diante de certos preconceitos que limitam a efetividade da tutela e o levam
a atitudes passivas face à inocuidade de certas decisões, associado à
indesejável estagnação das legislações como um dos grandes males da
Justiça. Reconhece ser esse comportamento responsável pela fraqueza da
Justiça e pela generalizada insatisfação em face dela.2.
O mesmo doutrinador define com propriedade o conceito de tutela
jurisdicional. Vejamos:
“A Tutela jurisdicional é o amparo que, por obra dos juízes, o Estado ministra a quem tem razão num litígio deduzido num processo. Ela consiste na melhoria da situação de uma pessoa, pessoas ou grupos de pessoas, em relação ao bem pretendido ou à situação imaterial desejada ou indesejada. Receber tutela jurisdicional significa obter sensações felizes e favoráveis, propiciadas pelo Estado mediante o exercício da jurisdição.”
Atualmente não mais vige a máxima do doutrinador italiano
CHIOVENDA segundo o qual a justiça da decisão consiste na entrega à parte
do que ela exatamente tem direito, mas sim na entrega do que a parte tem
direito, tendo sido a prestação jurisdicional proporcionada ao indivíduo no
1 THEODORO JÚNIOR apud SILVA, Gustavo Passarelli da. A nova sistemática.do recurso de apelação e a atuação do tribunal sob a óptica do § 3º doa rt. 515 do Código de porcesso Civil. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 62, fev. 2003. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3741>. Acesso em 21 jun.2002 2 DINAMARCO apud SILVA, Gustavo Passarelli .op.cit.
11
menor espaço de tempo possível, podendo-se afirmar que essas assertivas
são indissociáveis atualmente.3
A Constituição Federal, ao preceituar o amplo acesso ao
Judiciário, não pretendeu tão somente garantir que os jurisdicionados
pudessem, a qualquer momento, deduzir sua pretensão, mas sim que
obtivessem um resultado prático e eficaz do provimento almejado, devendo a
prestação jurisdicional se revestir do mais amplo contraditório e ser dada no
menor espaço de tempo possível, de modo a produzir resultados na vida do
cidadão.
De outro tanto, não se pode esquecer que a legitimidade da
atividade jurisdicional se verifica na medida em que se obedece os princípios
consagrados na Constituição Federal tais como o do contraditório e o da ampla
defesa, fazendo com que o jurisdicionado, de um modo geral, aceite o
provimento proferido, ciente de que tenha havido uma decisão através de um
juízo imparcial.
Desta forma, é questionável se com a inclusão do § 3º no artigo
515 do CPC não se estaria suprimindo uma instância de jurisdição e,
conseqüentemente, retirando da parte o seu direito a ampla defesa e ao devido
processo legal. Questiona-se, assim, se esta nova disposição processual não
seria uma norma inconstitucional; se poderia ser impetrada ação declaratória
de inconstitucionalidade por qualquer uma das entidades previstas no art. 2º
da lei n. 9868/99; se o fato da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988 atribuir competência recursal a vários órgãos de jurisdição (art. 105, II
3 Idem
12
e art. 108, II ) prevendo expressamente os órgãos do Poder Judiciário de 2º
grau, não estaria ínsita a previsão do duplo grau de jurisdição; e mais, se se faz
necessário vir expresso na Constituição o instituto do duplo grau de jurisdição
para que ele tenha força constitucional, se a própria CRFB/88 assegura o
direito ao contraditório e à ampla defesa com os meios e recursos a ela
inerentes (art. 5, LV, CRFB/88); se seria o duplo grau de jurisdição um princípio
constitucional ou uma regra constitucional; se o duplo grau de jurisdição
suporta exceções; e, por fim, esta alteração legislativa atenderá aos anseios da
sociedade brasileira no tocante a um processo célere, e efetivo e justo?
Pretende-se aqui, através de uma breve análise, problematizar
acerca da reforma do Código de Processo Civil realizada pela lei nº 10.352/01,
com a inclusão do parágrafo 3º no art. 515, bem como analisar a sua
constitucionalidade correlacionada a natureza jurídica do duplo grau de
jurisdição.
Espera-se contribuir para o debate acerca da reforma do Diploma
Processual sendo certo que a busca da maior celeridade processual não deve
colidir com os direitos fundamentais garantidos a todos os cidadãos, muito
menos com a segurança jurídica estabelecida no âmbito processual.
O objetivo do presente trabalho não é o de expor à crítica a
presente reforma, mas, sim, verificar se esta atinge ao anseios da sociedade
brasileira na busca de um processo efetivo, seguro e célere, e, é claro, dentro
dos princípios norteadores da legalidade. Ressalte-se que os infindáveis
recursos cabíveis dentro dos feitos são os principais responsáveis pelo não
funcionamento adequado do Judiciário.
13
Assim, caberá à própria doutrina, e ainda à jurisprudência, como
fonte não-formal do direito, dissipar as principais dúvidas acerca da
interpretação e da aplicação do art. 515, parágrafo 3º do CPC, orientando os
principais operadores do direito no sentido de lapidar com eficiência e presteza
a mesma antes de sua adequação final ao caso concreto.
14
Capítulo 1
O PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
Presente na maioria dos países ocidentais, e consagrado na
Constituição francesa de 22.08.1795, o princípio do duplo grau de jurisdição
visa garantir justiça ao fazer adequação entre a realidade, no contexto social de
cada país, e o direito à segurança e à justiça das decisões judiciais, que todos
têm de acordo com a Constituição Federal. Propicia ao vencido a possibilidade
de reforma da sentença por magistrados que, a princípio, são mais experientes
e cuja formação em órgão colegiado oferecem maior segurança. Sendo certo
que, sabendo o juiz que sua decisão pode ser reformada, se cercará de
maiores cuidados no julgamento. Assim, tem-se o duplo grau de jurisdição
como instrumento de controle, isonomia e segurança4
O duplo grau de jurisdição tem natureza política porque, em não
podendo nenhum ato estatal ficar imune a algum tipo de controle, este exerce
um controle interno sobre a legalidade e a justiça das decisões judiciárias.
Ademais, os membros do Poder Judiciário não são eleitos pelo povo, sendo,
desta forma, o poder de menos representatividade no país. “Não o legitimam as
urnas, sendo o controle popular sobre o exercício da função jurisdicional ainda
incipiente em muitos ordenamentos, como o nosso”[...] “O juiz, qualquer que
seja o grau de jurisdição exercido, tem independência jurídica, pelo que não
4 idem.
15
está adstrito, à princípio, às decisões dos tribunais de 2º grau, julgando apenas
em obediência ao direito e a sua consciência jurídica.5.
A expressão jurisdição inferior e jurisdição superior se referem
apenas a quem julgará a ação em 1º lugar e em 2º lugar, não tendo, portanto,
interferência na garantia de independência dos Juízes.
Com o advendo da lei nº 10.352/01 e a inclusão do parágrafo 3o,
no art. 515 do Código de Processo Civil tal princípio sofreu alterações,
possibilitando-se a apreciação do mérito pela 2ª instância, sem que este tenha
sido apreciado pela instância inferior, quando se tratar de questão de direito e o
processo encontrar-se devidamente instruído.
O duplo grau de jurisdição determina que o juiz de instância
inferior julgue primeiramente para, só então, o juiz de instância superior se
pronunciar, impedindo, pois, que o tribunal, ao dar provimento a uma apelação
contra sentença terminativa julgue o mérito da causa, reformando apenas a
sentença e remetendo ao juiz inferior para posterior apreciação.
Veja-se o texto dado ao artigo 515 com a inserção do § 3º do
CPC :
“ART. 515.. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. § 1º Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro. § 2o Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais. §3o Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267) o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.”
5 CINTRA, A . C: GRINOVER, A . P E DINAMARCO, C. R , Teoria Geral do Processo. 14 ed. p. 74-75.
16
Segundo Oreste Laspro , o duplo grau de jurisdição é um sistema
jurídico em que, para cada demanda existe a possibilidade de duas decisões
válidas e completas no mesmo processo, emanadas por juízes diferentes,
prevalecendo sempre a segunda em relação à primeira.6Consiste no reexame
da decisão, quando a parte sucumbente, insatisfeita, apresenta recurso, não
ficando adstrito ao decisum proferido em 1ª instância. Questiona-se se o órgão
competente para apreciar tais recursos deve ser aquele hierarquicamente
superior, o mais usual, se apresentando até mesmo como uma das vantagens
do referido princípio7.
O duplo grau de jurisdição é acolhido pela maioria dos sistemas
processuais contemporâneos, inclusive pelo brasileiro. Segundo a Constituição
de 1988, existe a previsão do duplo grau de jurisdição quando se estabelece
que os tribunais do país terão competência para julgar causas originariamente
e em grau de recurso (cf. art. 102, incisos I, II e III ).
A questão toda é que a Constituição Federal limita o âmbito de
abrangência desse princípio ao enumerar casos em que cabe o recurso
ordinário, ou extraordinário, ao dizer que as decisões do Tribunal Superior
Eleitoral são irrecorríveis, salvo quando contrariem a Constituição Federal (art.
121, parágrafo 3o), entre outras.
Nelson Nery Júnior sustenta não haver a garantia constitucional
do duplo grau e sim apenas uma previsão constitucional, podendo o legislador
6 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Duplo grau de jurisdição no Direito Processual Civil.. v.33 . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. 7 Ibidem, p.69.
17
infraconstitucional limitar o direito de recurso, dizendo, por exemplo, não caber
apelação nas execuções fiscais de valor igual ou inferior a 50 OTN’S (art. 34 da
Lei 6.830/80) e nas causas de qualquer natureza, nas mesmas condições, que
forem julgadas pela Justiça Federal (art. 4º da lei 6.825/80) ou ainda não caber
recurso dos despachos (art. 504, CPC). A seu aviso, estes artigos não são
inconstitucionais justamente em face da ausência da “garantia” do duplo grau
de jurisdição. Entende não poder haver limitação ao cabimento do recurso
especial ou extraordinário, como era permitido no sistema revogado (art. 119, §
1º CF/1969) porque a atual constituição não estipulou nenhuma restrição,
somente devendo ser exigido do recorrente os requisitos constantes no próprio
texto constitucional para que sejam conhecidos os recursos extraordinário e
especial.8
Tal princípio não é garantido constitucionalmente de modo
expresso, desde a República, porém a Constituição atribui a competência
recursal a vários órgãos da jurisdição, prevendo expressamente órgãos
judiciários de 2a instância. Ademais, o Código de Processo Penal, o Código de
Processo Civil, a Consolidação das Leis do Trabalho, leis extravagantes e as
leis de organização judiciária prevêem e disciplinam o duplo grau de
jurisdição.9
Ressalte-se que o princípio em referência só se efetiva com a
interposição de recurso contra a decisão de primeiro grau, ou seja, com a
provocação do órgão jurisdicional, por parte de quem foi desfavorecido pela
decisão. Só excepcionalmente, em casos expressamente previstos em lei, e
8 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo....op. cit. p.164.
18
tendo em vista interesse públicos relevantes, a jurisdição superior entra em
cena sem provocação da parte, como por exemplo no caso no reexame
necessário10.
A questão que envolve mais polêmica em relação ao duplo grau
de jurisdição diz respeito única e exclusivamente à recorribilidade da sentença,
ato que encerra o processo segundo o direito brasileiro vigente (art. 162,
parágrafo 1º, 267, 269 e 513 do CPC). A discussão que se tem levantado
cinge-se acerca da competência do órgão judicante para conhecer e julgar o
recurso de apelação de sentenças terminativas sem que o juiz de 1ª instância
tenha julgado o fundo do litígio.
É de se ressaltar que, quando o CPC estabelece que a
competência para julgar determinada causa é do juiz monocrático de primeiro
grau, quer isto significar que somente com a sentença de mérito é que estará
exaurida a sua competência para o exercício da atividade jurisdicional (art. 463
caput). Assim, se o tribunal der provimento à apelação, este segundo
julgamento terá efeito apenas de cassação, vale dizer, determina o retorno dos
autos ao juízo de primeiro grau, a fim de que este profira julgamento sobre o
mérito11. Entender o contrário seria compactuar com a infringência de norma de
competência hierárquica, já que a causa seria julgada originariamente pelo
tribunal destinatário da apelação. A burla seria, até, mais séria, pois
semelhante atitude feriria o princípio do juiz natural. Segundo Nelson Nery
Júnior, o diagnóstico feito pela doutrina de que isto seria ofensa ao duplo grau
9 CINTRA, A . C: GRINOVER, A . P E DINAMARCO, C. R , op. cit. pp 74-75. 10 Idem. 11 NERY JÚNIOR, Nelson..op. cit. p. 38.
19
de jurisdição, ou melhor dizendo, supressão de um grau de jurisdição,
encontra-se incorreto12.
Eduardo Cambi explicita que o tribunal estará em condições para
julgar imediatamente uma questão exclusivamente de direito somente quando
o fato for incontroverso. No entanto, nenhum fato se torna incontroverso antes
de ser dada oportunidade para a parte exercer seu direito de defesa13.
12 idem 13Apud SILVA, Gustavo Passarelli da..op.cit. p. 12.
20
Capítulo 2
HISTÓRICO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
O duplo grau de jurisdição nasceu da preocupação com o abuso
do poder pelos magistrados e tem sido entendido como garantia fundamental
de justiça. É princípio segundo o qual uma mesma matéria deve ser decidida
duas ou mais vezes, se o sucumbente assim o requerer, por diferentes órgãos
do Poder Judiciário 4
Como garantia fundamental de justiça, deve ter lugar de destaque
em toda a ordem jurídica e, neste diapasão, os ordenamentos modernos dos
povos ocidentais têm previsto referido princípio em suas Constituições15.Cabe
ressaltar que a Constituição do império de 1824 dispunha expressamente em
seu artigo 158, sobre a garantia absoluta do duplo grau de jurisdição,
permitindo que a causa fosse apreciada sempre que a parte o quisesse, pelo
então tribunal da Relação (depois de apelação e hoje de justiça). Ali estava
inscrita a regra da garantia absoluta do duplo grau de jurisdição16.
Note-se que tal princípio constituía verdadeira garantia
constitucional. Todavia, as constituições subseqüentes deixaram de prever
expressamente a garantia ao duplo grau de jurisdição, limitando-se apenas a
atribuir competência recursal aos tribunais. Assim, equivocado é o
entendimento de que o duplo grau de jurisdição é um princípio constitucional.
Mais equivocado ainda é qualificá-lo como uma garantia constitucional.
14 WANBIER, L. R; ALMEIDA, F. R. C e TALAMINI, E, Curso Avançado de Processo Civil. fls. p.65. 15 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios Fundamentais. Teoria Geral dos Recursos. 5ª ed. ver. e ampl..São Paulo:Revista dos Tribunais. P.40
21
No que se refere a origem do duplo grau de jurisdição, muitos
doutrinadores entendem que a sua existência é a própria natureza humana
que, inconformada, busca sempre uma nova opinião para uma solução com a
qual não concorda. Outros, no entanto, fundamentam a sua existência na
falibilidade própria do homem a razão de sua existência.17
O fato é que a noção de recurso e, por conseguinte, a do duplo
grau de jurisdição, encontra-se disseminada até mesmo em sistemas jurídicos
de povos da antiguidade, nos quais o jurisdicionado pretendia, em súplica, o
reexame de seu caso.
O Direito Romano previa, em casos específicos, a possibilidade
de reexame da decisão pretoriana, baseado em recursos dirigidos ao monarca
imperador, o qual também detinha as prerrogativas jurisdicionais. Foram os
próprios romanos que, sentindo a necessidade de novo julgamento sobre uma
causa já decidida, instituíram o duplo grau no principado, após o período inicial
do procedimento no direito romano clássico no qual era negado o exercício do
direito de recorrer18.
Na sistemática do Direito Pátrio, assim como de outros sistemas
jurídicos modernos, a noção de interesse em recorrer repousa sobre
circunstância colhida no passado, que é a sucumbência, e perspectiva futura
de melhora da situação. Assim, tem possibilidade e interesse de recorrer
aquele que tiver obtido menos do que pleiteou e que, simultaneamente, puder
vislumbrar a possível obtenção de vantagem com o julgamento do recurso.
16NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
22
Capítulo 3
PRESSUPOSTOS PARA O JULGAMENTO DO MÉRITO
PELO TRIBUNAL
O direito ao julgamento do mérito pressupõe a presença de
alguns requisitos tais como as condições da ação, os pressupostos
processuais e de certa forma todos os requisitos de regularidade do processo.
A falta de um deles leva a extinção do processo sem resolução de mérito por
uma sentença chamada terminativa. Assim, vejam alguns aspectos da inserção
do novo parágrafo:
3.1. Deve tratar de matéria exclusivamente de direito
Luis Roberto Wambier polemiza o parágrafo 3º no que se refere
as matérias de direito e de fato, mas cujo desfecho fático tenha sido
comprovado por prova documental, submetida ao adequado e imprescindível
contraditório19, aplicando por analogia o art. 330, inciso I do CPC, cujo aspecto
fático não tenha suscitado divergências entre as partes e se compunha de fatos
notórios (art. 334). Aduz que este dispositivo não deve incidir única e
exclusivamente quando se trata de matéria de direito em sentido estrito, sob
17 RODRIGUES, Maria Stella Villela Souto Lopes. ABC do Processo Civil. Processo de conhecimento. 2a ed, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987
18 NERY JUNIOR, Nelson., Princípios fundamentais...op. cit, p 38
23
pena de revelar restritíssimo seu rendimento e sua utilidade. Contudo, deve-se
ter o cuidado para não dar interpretação extensiva do que o colocado na lei,
dando margens a impugnações futuras. Na verdade, não parece que tenha
sido este o intuito dos doutrinadores ao proceder a presente reforma. Até
mesmo porque mister se faz, como a letra da lei mesma diz, que verse sobre
questão de direito e esteja em condições de imediato julgamento
A primeira consideração a ser feita sobre o dispositivo diz
respeito ao alcance da expressão questão exclusivamente de direito, o que
não parece de extrema complexidade, porquanto pode-se entender que a
questão será de direito a partir do momento em que não houver
controvérsia sobre os fatos20.
Neste sentido faz-se importante transcrever a ponderação feita
por J. J. Calmon De Passos:
“A primeira regra a se retirar, por conseguinte, é de que, não havendo controvérsia sobre o fato, o juiz julgará de logo o mérito da causa, excluída a instrução em audiência. Costuma-se dizer, nesses casos, tratar-se de questão exclusivamente de direito, traduzindo-se com isso a situação de apenas divergirem os litigantes quanto às conseqüências jurídicas de fato a respeito do qual estão plenamente acordes.21”
Obviamente que nenhum processo é formado por questões
exclusivamente de direito, dado que os fatos são parte indissociável da
19 WAMBIER, L. R.s e WAMBIER, T. A .A. Breves comentários à 2a fase da reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, pp 142-143. 20JOEL DIAS FIGUEIRA JR., ensina sobre a questão eminentemente de direito que "Significa dizer que os fatos estão suficientemente comprovados nos autos ou são tidos pelas partes como incontroversos, dos quais dispensam-se as provas. apud . SILVA, Gustavo Passarelli da. Op. cit. 21 DE PASSOS, J.J. Calmon apud . SILVA, Gustavo Passarelli da., op. cit. p.13
24
formação da lide. Todavia, situações existirão onde não mais será necessária a
discussão a respeito da matéria fática, como só ocorre nos casos de revelia,
confissão, ou ainda, quando as próprias partes não controverterem a respeito
dos fatos narrados na petição inicial. Nestas hipóteses é correto dizer que a
questão é exclusivamente de direito, posto ser desnecessária a produção de
qualquer prova para dirimir questão fática, que, de um modo ou de outro (por
vontade das partes ou da lei, no caso da verificação dos efeitos da revelia), já
não mais é objeto de controvérsia entre as partes. J. J. Calmon De Passos
acrescenta, ainda:
"... se os litigantes expressamente acordam sobre os fatos constitutivos da lide, nada existe a provar. Transferir-se o exame do mérito da causa para outro momento que não o encerramento da fase postulatória é disciplinar formalidades processuais vazias de sentido, vale dizer, é sobrepor o meio ao fim, numa inversão de valores que traduz péssima política processual, senão uma antipolítica."22
Não raras as vezes, os tribunais superiores utilizam-se de
Súmulas para evitar a remessa e conhecimento dos recursos tidos como
extraordinários, como é o caso da Súmula 07 do Superior Tribunal de Justiça,
onde não se admite o recurso especial para rediscussão a respeito de matéria
fática.
Caso possa o tribunal avaliar a conveniência ou não da produção
de prova a respeito de fato contido no processo, e em entendendo pela
desnecessidade desta, deve-se concluir, induvidosamente, que eventual
recurso especial interposto pela parte vencida dificilmente será apreciado pelo
25
tribunal superior, tendo em vista o óbice intransponível contido no verbete
acima mencionado.
É a afirmação do pensamento sobre a causa madura para
julgamento, comum na linguagem forense, ou seja, o convencimento do
magistrado de que não mais é necessária a produção de qualquer prova no
feito para que possa ser emitido o juízo de valor correspondente.
Vale ressaltar que, em casos de indeferimento da inicial, onde
sequer foi providenciada a citação da parte contrária, dando provimento ao
recurso de apelação, não poderá o tribunal proferir julgamento fundamentado
no § 3º do artigo 515 do CPC, sob pena de violação ao princípio da ampla
defesa e do contraditório, que possui status de garantia fundamental, como
pressupõe o artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal.
Este é o entendimento de Humberto Theodoro Júnior:
"Não basta, portanto, que a questão de mérito a decidir seja apenas de direito: é necessário que o processo esteja maduro para a solução do mérito da causa. Mesmo que não haja prova a ser produzida, não poderá o tribunal enfrentá-lo no julgamento da apelação formulada contra a sentença terminativa, se uma das partes ainda não teve oportunidade processual adequada para questão de mérito23."
José Miguel Garcia Medina entende que :
"Segundo pensamos, o § 3º do art. 515 não viola a Constituição Federal. Como se viu, o princípio do duplo grau de jurisdição não é garantia constitucional. Essa concepção, no entanto, como se mencionou, não é pacífica, havendo defensores de orientação contrária. Para estes, muito provavelmente o § 3º do art. 515 do CPC deverá ser considerado inconstitucional. O fato de não estar diante de
22 idem 23 apud . SILVA, Gustavo Passarelli da. Op.cit.
26
inconstitucionalidade, contudo, não torna, só por isso, menos criticável o preceito, porquanto nos casos em que, em atenção ao § 3º do art. 515 do CPC, o tribunal ou o relator sozinho (cf. art. 557 do CPC) julga questão de mérito que não havia sido sequer examinada pelo juízo a quo, estará realizando julgamento que só excepcionalmente poderá vir a ser reapreciado." 24
Nada obstante, referido dispositivo vem suscitando diversas
críticas pelos processualistas mais ortodoxos, que, por vezes, esquecem a
finalidade do processo, sua instrumentalidade, e passam a hiper valorizar o
formalismo em detrimento do seu fim maior, a eficaz prestação da tutela
jurisdicional.
3.2. A ação deve estar em condições de imediato julgamento
Esta parte do dispositivo envolve um pouco de subjetividade
tendo em vista
que a aferição da causa estar ou não em condições de imediato julgamento vai
depender do entendimento de cada juiz, de acordo com a sua vivência
profissional e experiência de vida.
Candido Rangel Dinamarco entende que o referido requisito
encontra-se ligado às garantias integrantes da tutela jurisdicional do processo,
especialmente às do contraditório (art. 5º, inciso LV, CFRB/88) e do devido
processo legal (art. 5º, LIV, CRFB/88). Neste diapasão, se exclui desde já a
possibilidade do julgamento do mérito pelo tribunal para julgar a demanda
inicial procedente, quando a sentença terminativa houver sido proferida pelo
24 apud . SILVA, Gustavo Passarelli da. Op. cit.p.142
27
juiz inferior logo ao tomar o primeiro contato com a petição inicial, indeferindo-a
(art. 267, inciso I e 295 do CPC). Esclarece, ainda, que por mais que o tribunal
esteja convencido da razão do autor, a total ausência do réu, que sequer foi
citado, impede o julgamento do mérito, por não ter tido este a menor
possibilidade de participar em contraditório, alegando, provando e
argumentando. E mesmo que tenha havido o contraditório, se exclui a
possibilidade da aplicação do art. 515, §3º, quando as partes não tiveram
esgotado as possibilidades, asseguradas na Constituição Federal, de
produzirem as provas de seu interesse. 25
É bem verdade que processo em condições de imediato
julgamento equivale a processo já suficientemente instruído para julgamento de
mérito. Desta forma, não foi feliz o legislador com a nova redação do art. 515
ao dar a impressão de formular mais uma exigência para a aplicação do § 3º
qual seja a de a causa versar sobre questão exclusivamente de direito. Tal
restrição poderia comprometer a utilidade da inovação ao impedir o julgamento
pelo tribunal quando houvesse questões de fato no processo mas estivesse
elas já suficientemente dirimidas pela prova produzidas.26
Candido Rangel Dinamarco traz algumas situações
exemplificativas:27
A ) Quando todo o procedimento legal já tiver sido percorrido,
havendo o juízo de 1º grau proferido uma sentença terminativa em audiência
ou após dela.
25 DINAMARCO, Candido Rangel, op. cit. p.155 26 Idem. 27 Ibidem. p. 156
28
B) Nas sentenças terminativas quando o réu tiver sido
considerado revel e ter este sofrido os efeitos da revelia. Nesta hipótese o juiz
provavelmente teria julgado o mérito da causa.
C) Quando nenhuma prova tiver sido requerida pelas partes e não
for ocaso do juiz determinar de ofício.
D) Quando o juiz entender que as provas requeridas são
inadmissíveis.
E) Quando todas as questões de fato estiverem esclarecidas pela
prova documental dos autos.
F) Quando nenhuma questão de fato estiver em debate pelas
partes, mas exclusivamente uma ou várias de direito.
De todo o exposto, vê-se que a exigência posta no artigo 515, §
3º é o julgamento do mérito sem que o juiz o haja julgado, quando toda a
instrução processual já tiver sido exaurida ou quando, nos termos do art. 330, I
e II, for admissível o julgamento antecipado da lide.
3.3. Faculdade ou dever do magistrado?
A introdução do § 3º no artigo 515 do CPC veio modificar o
entendimento sobre a profundidade do efeito devolutivo conferido ao recurso
de apelação tendo em vista que, até então vigia em nosso sistema jurídico o
princípio tantum devoluntum quantum apellatum, ou seja, só se aprecia
questão suscitada pela parte recorrente.
29
José Carlos Barbosa Moreira entende que se a impugnação só abrange
parte da sentença, o caput do art. 515 basta para excluir a cognição do órgão
ad quem no tocante à matéria não impugnada.28 Assim, o juízo ad quem
somente poderá julgar o que foi efetivamente pedido pelo recorrente, não
podendo o objeto do julgamento ser mais extenso do que aquele do juízo a
quo, impossibilitando, desta feita, a inovação em grau de recursos e a
reformatio in pejus.
Realmente, não se pode vislumbrar que o recorrente seja prejudicado,
ou beneficiado além do que fixou como sendo objeto do pedido de nova
decisão.
Luis Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Wambier comungam do
entendimento de que se trata de um dispositivo que encerra um dever e como
tal, estando presentes os pressupostos, deve o juiz, necessariamente, por
economia processual, decidir o mérito da causa. Aduzem, ainda, a
desnecessidade de pedido da parte para que incida o § 3º do art. 515, tendo
em vista que a celeridade processual é, sobretudo, de interesse público.29
Do mesmo entendimento compartilha Candido Rangel Dinamarco:
[...] não pode o órgão ad quem decidir sobre tudo quanto pudesse interessar a quem recorre. Tal é o significado desse dispositivo, ao estabelecer que “a apelação devolverá ao tribunal a matéria impugnada”, não devolvendo o que não houver sido pedido pelo apelante. Quando a sentença apelada é de mérito e todos ou vários dos pedidos do autor houveram sido rejeitados por improcedência, ele optará por recorrer somente no tocante a um deles , a vários ou a todos. O que não houver sido objeto do recurso não poderá ser conhecido pelo tribunal30.
28 idem 29 WAMBIER, L. R.e WAMBIER, T.A.. op. cit. p-142. 30 DINAMARCO, Candido Rangel. Op. cit. p.159
30
Pode-se dizer, desta forma, que o juiz julga nos limites do pedido
inicial (art. 128 e 460) e o Tribunal, nos limites do pedido recursal (art. 515,
caput).
Pelo preceito acima exposto, conclui-se pela existência da
necessidade do pedido recursal, até mesmo em obediência à regra da
correlação entre a decisão e o pedido e com o objetivo de resguardar o
recorrente contra possíveis surpresas decorrentes da negação de seu direito
ao processo e direito à prova. Contudo, sentindo o tribunal que não há mais
provas a produzir e, portanto, não havendo qualquer direito a prova a
preservar, ele estará autorizado a valer-se do novo dispositivo trazido pela
recente reforma, sendo seu dever explicitar as razões desse entendimento
(dever de motivação, art. 93, IX , CRFB/88 e art. 458, inciso II do CPC).31
Dessa forma, não há que se falar na quebra do due process of
law nem da exclusão do contraditório porque o julgamento feito pelo tribunal
incidirá sobre o processo precisamente no ponto em que incidiria se a sentença
do juiz de instância inferior, sem privar o autor de qualquer oportunidade para
alegar, provar ou argumentar. Todavia, há um receio que o § 3º do art. 515
abra caminho para uma reformatio in pejus, tendo em vista que o Autor
pudesse receber do tribunal uma decisão mais gravosa a seus interesses, do
que uma decisão contida na sentença da qual apelou. Porém, in casu, sequer
houve apreciação do mérito, como poderia a situação do autor piorar? A
decisão a ser proferida, quer favorável ou desfavorável é inerente ao sistema,
31 Ibidem., p. 160
31
não colidindo com as garantias que dão corpo no direito processual
constitucional .32
Deve-se entender, desta forma, a inovação da lei processual
como uma faculdade do juiz condicionada à provocação da parte, que caso
entenda o processo estar preparado para julgamento, ou não pretenda a
produção da prova, fará requerimento necessário, podendo o juiz, quando se
tratar de causa madura, também fazer uso do novo dispositivo.
Como ressaltado, em sendo o processo extinto sem resolução de
mérito, entendendo a parte a necessidade de produção de prova, não seria
lícito ao tribunal emitir juízo de valor sobre o feito sem que haja requerimento
pela parte.
Gleydson Kleber Lopes De Oliveira tece interessante
consideração a respeito do tema:
"Como um dos princípios norteadores do processo civil (mormente na parte referente ao pedido de ação e de recursos) é o dispositivo, o qual está intimamente ligado com os da inércia da jurisdição e da congruência da providência jurisdicional, sendo entendido como o Estado-juiz somente presta a tutela quando é acionado, e rigorosamente nos limites do que é pleiteado, tem-se que deve o apelante formular, expressa e especificamente, pedido para que o tribunal, cassada a sentença terminativa, possa apreciar desde logo o mérito da causa. É dizer, pelo princípio da congruência o tribunal está adstrito ao pedido formulado pelo recorrente, sendo vedada a prolação de decisão infra, extra ou ultra petita, nos termos do art. 460 do CPC."33
32 Ibidem., p.161-162 33 apud SILVA, Gustavo Passarelli da. Op. cit.
32
Capítulo 4
VANTAGENS DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
O princípio do duplo grau de jurisdição tem íntima relação com a
preocupação dos ordenamentos jurídicos em evitar a possibilidade de haver
abuso de poder por parte do juiz, o que poderia em tese ocorrer se não
estivesse a decisão sujeita à revisão por outro órgão do Poder Judiciário. Com
efeito, não só poderia haver abuso de poder por parte dos magistrados, como
também suas decisões poderiam estar erradas, em razão mesmo da
falibilidade da natureza humana, a que também estão sujeitas os juízes. E a
parte vencida não poderia ser prejudicada pelos vícios da decisão, sem ter
outro órgão judiciário hierarquicamente superior que a reexaminasse. A
possibilidade de uma reapreciação da decisão, enseja maior atenção e esmero
do julgador.
4.1 Maior experiência do julgador
Sabe-se que o juiz de 2a instância tem maior capacidade para
julgar e, partindo-se deste pressuposto, sua decisão tem natureza substitutiva.
Garantir o duplo grau de jurisdição é permitir que a parte sucumbente se
satisfaça agora com a decisão proferida por um magistrado mais experiente.
Vicente Greco Filho34 acrescenta, ainda, que os vários graus de jurisdição
existem não apenas porque os superiores têm mais conhecimento ou
sabedoria, pois, se assim fosse, as ações deveriam ser julgadas todas
33
diretamente por eles , mas porque, em cada grau, o órgão jurisdicional vê o
caso concreto de maneira própria: O primeiro, mais próximo ao fato, pode
apreciar todos os seus pormenores, inclusive os fatores de difícil transcrição
para o papel, como por exemplo, a sinceridade de uma testemunha; o segundo
grau, exatamente porque está mais distante dos fatos, pode ter uma visão mais
adequada do contexto dos acontecimentos e de outro caso análogos, bem
como aperfeiçoa, em termos gerais, a interpretação do direito. Aduz, que as
legislações modernas que guardam afinidade cultural com a nossa, todas elas
adotam o princípio da pluralidade de graus de jurisdição procurando obter,
desta forma, o máximo de acerto no mínimo de tempo35.
4.2. Do controle psicológico sobre o Juízo de 1º grau
A simples existência do duplo grau traz um controle psicológico
sobre o juiz de primeiro grau que, sabendo que a sua decisão será
reexaminada terá mais cautela, se empenhando mais na sua elaboração diante
do possível e futuro controle. Ademais, é sabido que o juiz saiba que a sua
sentença pode ser reexaminada e modificada por um tribunal superior para
que ela seja mais cuidadosa e mais justa.
34 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. V.2. 7ª ed.atualizada. São Paulo: Saraiva, 1994. 35 GRECO FILHO, Vicente. op. cit.
34
4.3. Da indispensabilidade do controle do ato judicial
Segundo parte da doutrina, o duplo grau de jurisdição tem
natureza política, na medida em que não se pode admitir uma atividade estatal
que não seja fiscalizada. Essa necessidade, aliás, seria maior em um setor
como a magistratura, em que seus membros na maior parte dos países não
são eleitos pelo povo, não sendo, portanto, representantes desse. Torna-se
assim, imperioso que haja pelo menos um meio interno de controle das
decisões. Assim, o juiz de 2a. instância julga em grau recursal estaria
controlando a atividade jurisdicional em concreto, exercida pelo juiz de 1a.
instância.
35
Capítulo 5
DESVANTAGENS DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
Alguns doutrinadores reconhecem o duplo grau de jurisdição
como o principal vilão das delongas judiciais, elevando os custos que, muitas
das vezes superam ao direito pretendido. Destacam o desprestígio da 1ª
instância, o afastamento da verdade real e a inutilização do procedimento oral
como desvantagens deste sistema.
Segundo Oreste Laspro “a longa duração do processo configura,
indiscutivelmente, uma denegação de justiça, provocando danos econômicos
às partes, auxiliando aquele que demanda sem ter razão, constituindo
verdadeira ofensa ao devido processo legal”.36
5.1. Da inutilidade da atividade de 2o grau quando mantida a
decisão de 1º grau.
Exprime-se na possibilidade de reforma da decisão de 1º grau,
prolatando o juiz de 2ª instância uma sentença substitutiva àquela primeira,
tornando-a sem qualquer valor.
Diz-se haver a inutilidade da atividade de 2º grau quando mantida
a decisão de 1º grau, tendo em vista que os atos processuais foram praticados
sem atingir qualquer finalidade prática relevante para a atividade jurisdicional. A
parte recorrente continuará inconformada com o resultado, os custos
36 LASPRO, Oreste. op. cit. p. 115.
36
processuais terão sido elevados, o processo se alongado em detrimento da
economia processual sem qualquer benefício psicológico ou jurídico37.
5.2. Do desprestígio do juízo de 1o grau
Configura-se, todavia, desprestígio da decisão do juízo de 1º grau
se a decisão vem a ser modificada pelo Juízo de 2a instância, demonstrando
sua falibilidade, seu desprestígio e, ainda, a fragilidade do sistema jurisdicional
dando soluções diversas para a mesma situação concreta, aumentando o
descrédito de todo o poder judiciário.
É de se observar que “se através da jurisdição o Estado tem como
principal objetivo a aplicação da vontade concreta da lei, as divergências entre
as decisões de 1º e 2º grau apontam para um conflito na interpretação das
normas, o que conduz para a desestabilização de todo o sistema estatal.38
Da Convenção Americana de Direitos Humanos
É de se ressaltar que o Brasil, enquanto País-membro da
Convenção americana de Direitos Humanos firmou pacto de garantir ao
cidadão um recurso simples, rápido ou qualquer outro recurso efetivo perante
os juízes ou tribunais competentes, que o proteja contra atos que violem seus
direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição. Confira-se:
37 Idem 38 Ibid, p. 116
37
“Art. 25 – Proteção Judicial 1 “Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que os proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pelas Constituição, pela lei ou pela presente Convenção.” 2 “Os Estados-Partes comprometeram-se : (...) b) a desenvolver as possibilidades de recurso judiciais.
A Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988
(CRFB/88) não exclui direitos e garantias decorrentes de regime e de princípios
por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que seja parte39.
A questão, então, é saber se as convenções de que decorrem
direitos e garantias fundamentais do indivíduo têm hierarquia constitucional e
conseqüente força ab-rogatória da Constituição, de modo a nela inserir o
princípio do duplo grau de jurisdição.
Entendimento demonstrado pelo professor Celso Albuquerque de
Mello a considerar que a norma internacional prevalece sobre a norma
constitucional, mesmo naquele caso em que uma constituição posterior tente
revogar uma norma internacional constitucionalizada, tendo, inclusive, a
vantagem de evitar que o Supremo Tribunal Federal venha a julgar a
constitucionalidade dos tratados internacionais40.
39 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 19ª ed. atualizada e
ampliada. São Paulo: Saraiva, 1998. 40 TORRES, Ricardo Lobo. Teoria dos direitos fundamentais. Renovar: Rio de Janeiro. 1999, p. 25.
38
Capítulo 6
DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA
O princípio do contraditório e ampla defesa encontra-se insculpido
de forma expressa na Constituição Federal, podendo ser encontrado no artigo
5º inciso LV. Consubstancia-se num dos princípios basilares do processo civil
ou penal contido na Constituição Federal entre os direitos e garantias
fundamentais. Assim, para que a parte possa estabelecer o contraditório e
exercitar a ampla defesa, é necessário que esta tenha ciência dos atos
praticados pela parte contrária e pelo juiz da causa.
Face o dever de imparcialidade do juiz, este se coloca-se entre as
partes, mas de forma eqüidistante a elas, quando ouve uma, necessariamente
deve ouvir a outra, possibilitando-se a cada um expor suas razões, apresentar
suas provas e influir sobre o convencimento do juiz.
É garantia fundamental da Justiça e regra essencial do processo.
Segundo este princípio, todas as partes devem ser postas em posição de expor
ao juiz as suas razões antes que ele profira a decisão. As partes devem poder
desenvolver suas defesas de maneira plena e sem limitações arbitrárias,
devendo qualquer disposição legal que contrarie essa regra ser considerada
inconstitucional e por isso inválida.
Todo ato decisório do juiz que possa prejudicar um direito ou um
interesse da parte deve ser recorrível, como meio de evitar ou emendar os
erros e falhas que são inerentes aos julgamentos humanos; e, também, como
39
atenção ao sentimento de inconformismo contra julgamento único, que é
natural em todo ser humano.
O princípio do duplo grau de jurisdição visa assegurar ao litigante
vencido, total ou parcialmente, o direito de submeter a matéria decidida a uma
nova apreciação jurisdicional, no mesmo processo, desde que atendidos
determinados pressupostos específicos, previstos em lei.
O princípio constitucional do duplo grau de jurisdição, ainda que
de forma implícita naquele texto, garante ao litigante a possibilidade de
submeter ao reexame das decisões proferidas em primeiro grau, desde que
atendidos os requisitos previstos em lei
Traduz-se o devido processo legal na estreita obediência à lei
para obtenção do julgamento adequado e justo, conforme os princípios
constitucionais que atuam a todos os indivíduos, protegendo-os de qualquer
discriminação41.
Nelson Nery Júnior 42acrescenta que é exigência do due process
of law a existência do princípio do duplo grau de jurisdição. Tal exigência não
pode ser considerada desmedida sem freios a tornar o processo mais efetivo,
pois não tem o litigante direito de retardar-lhe o curso com a interposição de
apelação de toda e qualquer decisão de primeiro grau, desprestigiando a
eficácia da justiça em detrimento do social, escopo primeiro da atividade
jurisdicional.
41 LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Op. cit. p.89 42 NERY JÚNIOR, Nelson. op. cit. p. 38.
40
Para Oreste Laspro,43 o princípio do devido processo legal e o
duplo grau não traduzem relação de dependência ou continência, sendo
possível assegurar o devido processo legal sem o duplo grau e vice-versa.
Alega que nada garante que a decisão de 2ª instância seja mais correta e mais
legítima que a 1ª, e que é melhor restringir os meios recursais e atingir um
menor espaço de tempo a certeza jurídica e a efetividade do processo do que
proporcionar inúmeras etapas de impugnação, com o objetivo de alcançar, em
tese, a verdade sob os fatos, ainda que se congestione as vias de acesso aos
tribunais com um volume gigantesco de demanda.44 Opinião esta que merece
ressalva em relação às sentenças terminativas, eis que o juízo de 1o grau não
julgou o mérito, e , em sendo julgado pelo juízo ad quem, estaria ferindo uma
garantia constitucional que é o da ampla defesa do cidadão, eis que o Juízo ad
quem poderá , nesta oportunidade reanalisar todo o processo.
43 LASPRO, op. cit. p. 27 44 Ibidem, p.96
41
Capítulo 7
O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO COMO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL
O que ocupa e preocupa a doutrina é saber se o duplo grau de
jurisdição é uma regra ou um princípio constitucional e se a supressão da
possibilidade de a parte ter direito ao duplo grau de jurisdição consubstanciar-
se-ia ou não numa inconstitucionalidade45. A que tudo indica, tal premissa
constitui uma falácia uma vez que se assim o fosse, seria inconstitucional o
dispositivo de lei que, em certas condições, suprimisse a possibilidade de a
matéria decidida pelo órgão a quo ser revista pelo Tribunal.46 Existe na doutrina
quem afirme que a impossibilidade de o órgão ad quem passar ao exame do
mérito da causa, não tendo a decisão impugnada versado sobre o mérito,
decorreria de um desrespeito a regras de competência hierárquica e funcional.
Necessário se faz identificar o significado e a origem do que se
chama, atualmente, de princípio.
PRINCÍPIO é o que está no começo e na base de tudo. Nem
sempre os princípios jurídicos tiveram no direito a importância que hoje lhes
tem sido atribuída.
Até o início do século XX os princípios gerais do direito não
tinham o caráter de norma, sendo vistos apenas como tendo caráter
45Manoel Antônio Teixeira Filho, em sua obra "Sistema dos Recursos Trabalhistas", afirma não haver qualquer alusão no texto constitucional, quer explícita quer implícita, a essa exigência da duplicidade de graus de jurisdição como garantia do cidadão
46 WAMBIER, L. R.s e WAMBIER, T. A .A. Breves comentários à 2a fase da reforma do Código de Processo Civil. pp. 131-132.,
42
meramente programático, ou seja, normas que na verdade não precisavam ser
cumpridas. Apenas recentemente os princípios têm desempenhado papel
realmente importante na solução dos problemas .Na verdade, a sua inclusão
nos Códigos, que passou a ocorrer aos poucos, não tinha senão o escopo de
evitar o vazio normativo, passando a ter a função de fonte do direito
subsidiaria, como se, quando se necessitasse de um princípio para resolver um
problema jurídico, se estivesse, no fundo, resolvendo-o com a lei, já que esta o
encampara expressamente, sempre no contexto do direito privado. Assim, os
princípios surgiram para dar uma solução segura para o caso duvidoso. Desta
forma, passaram a ter relevância no direito público,47 passando a integrar cada
vez mais as constituições e a serem vistos como direito.48
Passou-se a entender que os princípios constitucionais
incorporam valores em relação aos quais terá havido uma opção pela
sociedade, que por si só os legitimam49.
Os princípios, entendidos como normas fundantes, até mesmo
porque nem sempre são expressamente formulados, desempenham, além de
outros papéis, o de regras interpretativas, eis que o ordenamento positivo, de
certo modo, se cria e se estrutura a partir de princípios, devendo o intérprete a
47 MARIA HELENA DINIZ comenta, de modo profundo, ainda que sucinto, a função dos princípios, observando que estes devem ser capazes de conter uma solução segura par ao caso duvidosos. Com isso, se evita que o emprego dos princípios seja arbitrário, ou conforme as aspirações, valores ou interesses do órgão judicante (Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro interpretado, São Paulo: Saraiva, 1999, p.124)
48 CELSO RIBEIRO BASTOS comunga da opinião no sentido de que o ordenamento jurídico é integrado por normas e princípios. Os princípios são normas (no sentido lato) gerais, cujo sentido de espraia por sobre um sem-número de outras normas. As normas em sentido estrito têm mais densidade semântica, são mais específicas e, portanto, dizem respeito a um campo muito menos amplo. Os princípios, pois, perdem carga semântica e ganham em força valorativa (Curso de direito constitucional, São Paulo:Saraiva, 1988, p.140).
49Ibidem, p.132/133.
43
estes recorrer para extrair o sentido da regra positiva a fim de dar coesão,
unidade e harmonia ao sistema.50
Não é incomum haver princípios em sentidos opostos. Via de
regra, em havendo confronto entre dois princípios, cada um deles se aplicará à
uma situação específica.
Pode-se citar como exemplo o princípio segundo o qual o
processo é forma e aquele de acordo com o qual as formas têm caráter
instrumental. É sabido que o primeiro grau de jurisdição o princípio da
instrumentalidade tem muito mais incidência que no 2º grau onde prevalece o
princípio segundo o qual o processo é forma.
Tem-se, ainda como exemplo o princípio da indisponibilidade do
bem público, em que os procurados das entidades autárquicas e empresas
públicas são orientados a recorrer sempre das decisões que lhes são
desfavoráveis, indo tal conduta em verdadeira afronta ao princípio da
celeridade e economia processual, ainda mais quando há súmulas e
jurisprudências uniformes dos tribunais superiores acenando para um resultado
contrário às entidades supramencionadas.
Por tudo acima exposto, conclui-se que o princípio não deve ser
posto em dúvida só porque não se aplica determinada situação concreta,
porque dentro de uma situação específica pode ocorrer a incidência de um e o
afastamento de outro.
50 Ibidem p.134.
44
7.1. Os princípios e as regras jurídicas
Para a doutrina mais autorizada, as normas jurídicas que compõe
o ordenamento positivo podem assumir duas formas básicas; REGRAS (ou
disposições) e PRINCÍPIOS.
Parte expressiva da doutrina considera a primeira como norma
jurídica que descreve uma situação fática que, tendo lugar, leva à sua
incidência e normalmente à ocorrência das conseqüências nela previstas. O
segundo seria norma jurídica mas que apenas prescrevem um valor adquirindo,
assim, positividade. São regras inspiradoras das feições básicas de um sistema
que lhes imprimem coesão, unicidade, tendência harmonia, incidente sobre um
caso específico, que não pode ser generalizado dado a sua grandeza, status e
abrangência.
Os princípios não podem ser aplicados mecanicamente. Se o
direito não contivesse princípios, mas apenas regras jurídicas, seria possível a
substituição dos juízes por máquinas.
Os princípios, ao contrário das regras, não permitem, pela
insuficiência do seu grau de contretização, a subsunção. No plano da fluidez,
eles situam-se entre os valores e as regras jurídicas. Excedem os valores, em
termos de concretização, por já delinearem indicações sobre as suas
conseqüências jurídicas, mas ainda não alcançam o grau de densidade
normativa das regras, pois não tem delimitada, com a precisão necessária, as
respectivas hipóteses de incidência e conseqüências jurídicas.
45
O conflito entre regras é solucionado de uma maneira bem
diferente do conflito entre os princípios, eis que o primeiro pode ser
solucionado através de uma cláusula de exceção, ou seja, a regra especial
prevalecerá em relação à regra geral, ou mediante ao reconhecimento da
invalidade de alguma das regras confrontadas. As regras, quando incidentes
sobre um determinado caso, têm de ser aplicadas, os princípios podem ser
afastados em razão da sua ponderação com outros princípios.
Já o conflito entre os princípios se desenrola na dimensão do
peso. Não diz respeito mais à validade mas sim à adequação ao caso. Tal
característica revela-se quando dois princípios diferentes incidem sobre
determinado caso concreto, entrando em colisão. Nesta hipótese, o conflito é
solucionado levando em consideração o peso relativo assumido por cada
princípio dentro das circunstâncias concretas presentes no caso, a fim que se
possa precisar em que medida cada um cederá espaço ao outro.
Não há hierarquia entre os princípios, pois a prevalência de um
deles dependerá da circunstâncias específicas do caso concreto.
A bem da verdade, para que se possa definir a natureza de
princípio ou de regra de determinado nome, torna-se necessário, muitas das
vezes, transcender seu texto legal e analisar a qualidade do bem jurídico
protegido. Ademais, existem normas constitucionais que têm natureza
principiológica, sujeitando-se à ponderação com outros princípios.
46
CONCLUSÃO
Conclui-se, portanto, que o Estado, por meio da prestação
jurisdicional, avocou para si a responsabilidade de compor os conflitos de
interesses, vedando, inclusive, a autotutela, e conferindo às partes o mais
amplo e irrestrito acesso ao Judiciário, com a aplicação de todos os princípios
inerentes à nossa Carta Magna.
Contudo, a observância irrestrita e indiscriminada de todos os
princípios e garantias constitucionais acaba ensejando uma prestação
jurisdicional morosa, de pouco resultado prático, e acabando por prestigiar
aquelas pessoas que se eximem do cumprimento de suas obrigações. Essas
circunstâncias tenham impulsionado os doutrinadores a respeito da
necessidade de uma prestação jurisdicional mais célere, de modo a produzir
um resultado prático na vida do cidadão, valorizando-se, desta forma, o
princípio da efetividade.
Ademais, o apego extremado a determinados princípios pode
levar a exageros, e acabar por suprimir preceitos outros, de igual ou maior
importância no ordenamento jurídico, para que se possa, acima de tudo,
prestar uma tutela justa ao jurisdicionado.
Pode-se dizer, desta forma, que a inserção do § 3º no artigo 515 do
CPC demonstra o reconhecimento da falência do Estado no que se refere a
prestação da tutela jurisdicional justa de modo a surtir resultado prático na vida
do cidadão.
47
CANDIDO RÂNGEL DINAMARCO defende a reforma como
oportuna, afirmando que essa inovação atende ao desiderato de acelerar a
outorga da tutela jurisdicional, rompendo com um histórico e prestigioso mito
que ao longo do século os processualistas alimentam sem discutir. Não há
porque levar tão somente um princípio, como tradicionalmente se levava o
duplo grau nos temos em que ele sempre foi entendido, quando esse
verdadeiro culto não for indispensável para preservar as balizas do processo
justo e equo, fiel às exigências do devido processo legal.51
Assim, considerando o duplo grau de jurisdição um princípio e não
uma garantia constitucional, vê-se a presente reforma como fundamental e
necessária para a composição dos conflitos e manutenção da credibilidade do
sistema jurídico pátrio.
51 DINAMARCO, Candido Rangel., A reforma da reforma. 2a ed. ver. atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2002. p.151/152).
48
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Brasil. 19ª ed. atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 1998.
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3. CINTRA, Antônio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO.
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49
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jun.2002.
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13. WAMBIER, Luiz Rodrigues, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves
Comentários à 2a fase da reforma do Código de Processo Civil. 2ª ed. rev e
atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
50
ANEXOS
ATIVIDADES CULTURAIS
51
ÍNDICE INTRODUÇÃO...................................................................................................08 CAPÍTULO 1. O PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO..................14 CAPÍTULO 2. HISTÓRICO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO....................20 CAPÍTULO 3. PRESSUPOSTOS PARA JULGAMENTO DO MÉRITO PELO TRIBUNAL.........................................................................................................22
3.1. Deve tratar de matéria exclusivamente de direito.................22 3.2. A ação deve estar em condições de imediato julgamento....26 3.3. Faculdade ou dever do magistrado?.....................................28
CAPÍTULO 4. VANTAGENS DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO..................32
4.1 Maior experiência do julgador ................................................32 4.2. Do controle psicológico sobre o Juízo de 1º grau .................33 4.3. Da indispensabilidade do controle do ato judicial..................34
CAPÍTULO 5. DESVANTANGENS DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO........35
5.1. Da inutilidade da atividade de 2º grau quando mantida a decisão de 1º grau..............................................................................................35
5.2. Do desprestígio do juízo de 1o grau .....................................36 CAPÍTULO 6. DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA............................................................................................................38 CAPÍTULO 7. O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO COMO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL...........................................................................................41
7.1. Os princípios e as regras jurídicas........................................44 CONCLUSÃO....................................................................................................46 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................. 48 ANEXOS............................................................................................................50 FOLHA DE AVALIAÇÃO....................................................................................52
52
FOLHA DE AVALIAÇÃO
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