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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU CURSO DE DIREITO O DOLO NOS DIVERSOS CRIMES DE ABORTO PAULO HENRIQUE SOUSA Biguaçu, junho de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU CURSO DE DIREITO

O DOLO NOS DIVERSOS CRIMES DE ABORTO

PAULO HENRIQUE SOUSA

Biguaçu, junho de 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU CURSO DE DIREITO

O DOLO NOS DIVERSOS CRIMES DE ABORTO

PAULO HENRIQUE SOUSA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Msc. Luiz César Silva Ferreira

Biguaçu, junho de 2008

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AGRADECIMENTO

Primeiramente a Deus, por ter me dado saúde e força;

Aos meus queridos pais

Adilson e Sônia, que sempre me deram apoio, nunca me

abandonaram, estavam sempre juntos quando precisei,

tiveram compreensão, paciência, pois sem eles não teria

chegado até aqui;

A minha namorada Mariane,

que também sempre me incentivou, e sobre compreender

os momentos difíceis que passei;

A meu irmão Giovane,

advogado, que com toda a sua paciência em muitas

vezes transmitia a mim;

Ao Mestre e orientador

Professor Luiz César, que com todo o seu conhecimento

fez com que conseguisse alcança o meu objetivo;

Enfim, agradeço a todos que

seja de forma direta ou indireta, me ajudaram a

concretizar este sonho.

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DEDICATÓRIA

Este trabalho é dedicado:

Aos meus pais em primeiro lugar, que são

pessoas incomparáveis, de

muita compreensão, meu pai,

com toda a sua tranqüilidade e

paciência inesgotável, a minha

mãe, com toda a sua euforia,

sempre me incentivando, com

muita fé em Deus, pedindo que

eu conseguisse realizar meu

sonho e o dela também.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e orientador de

toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Biguaçu, SC, junho de 2008

Paulo Henrique Sousa Graduando

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ROL DE ABREVEATURAS OU DE SIGLAS

art. Artigo

CC Código Civil

CP Código Penal

Dr Doutor

MP Ministério Público

TV Televisão

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que o Autor pondera estratégicas à entender

o seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Aborto

“É a interrupção da gravidez com a morte do feto, ou a destruição do produto da

concepção (ovo, embrião ou feto). Não é necessária a expulsão do produto da

concepção”1.

Concepção

“Ato ou efeito de conceber, gerar, ou de forma idéias”2.

“Derivado do latim conceptio, de concipere, indica o momento em que se assinala a

geração dos seres vivos”3.

Consentir

“Dar consenso ou aprovação a; permitir, assentir. Concordar com, dar

consentimento”4.

Dolo

“É o assentimento do resultado, isto é, a previsão do resultado com a aceitação dos

riscos de produzi-lo. Não basta, portanto, representar; é preciso aceitar como

indiferente a produção do resultado”5.

“[...] é o desígnio criminoso, a intenção criminosa em fazer o mal, que se constitui em

crime ou delito, seja por ação ou por omissão [...]”6.

1 SALLE JUNIOR, Romeu de Almeida. Curso completo de direito penal. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 185. 2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário de língua portuguesa. p. 135. 3 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 23 ed. atual. Rio de Janeiro: Florense, 2003. p. 328.

4 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário de língua portuguesa. p. 140. 5 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte Geral. 4. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 178. 6 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 23 ed. atual. Rio de Janeiro: Florense, 2003. p. 494.

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Feto

“Nos animais vivíparos, o produto da concepção, antes de sair do ventre materno.

Organismo em desenvolvimento, no período que vai da nona semana de gestação

ao nascimento”7.

“Produto de concepção antes de deixar o ventre materno. No gênero humano é o ser

com vida. A lei põe a salvo desde a concepção os direito do nascituro. O

reconhecimento do ilegítimo pode proceder o nascimento do filho, ou suceder-lhe ao

falecimento, se deixar descendentes [...]”8.

Gestação

“Tempo de desenvolvimento do embrião no útero, desde a concepção até o

nascimento; gravidez. Elaboração”9.

Gravidez

“[...] É o estado que perdura o tempo necessário para o desenvolvimento do produto

[...]”10.

“A fertilização do óvulo ocorre antes ou logo após a penetração na trompa de

Falópio, formando o ovo. Cerca de 3 dias depois, o ovo se fixa à parede do útero

(gravidez tópica), dando início ao ciclo gravídico, que manterá até o parto”11.

Moral

“Conjunto de regras de conduta ou hábitos julgados válidos, que de modo absoluto,

quer para o grupo ou pessoa determinada. Conclusão moral duma obra, fato, etc. O

conjunto das nossas faculdades morais; brio. O que há de moralidade de qualquer

coisa”12.

7 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário de língua portuguesa. p. 250.. 8 RIDEEL, Coleção de Leis. Dicionário jurídico. São Paulo: Rideel, 2002. p. 73. 9 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário de língua portuguesa. p. 273. 10 SALLE JUNIOR, Romeu de Almeida. Curso completo de direito penal. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 185. 11 DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara. Medicina legal. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 208. 12 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário de língua portuguesa. p. 371-372.

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“Derivado do latim moralis (relativo aos costumes); na forma substantiva designa a

parte da filosofia que estuda os costumes, para assinalar o que é honesto e virtuoso,

segundo os ditames da consciência e os princípios da humanidade. A moral, assim,

tem âmbito mais amplo que o Direito, escapando à ação deste muitas de suas

regras, impostas aos homens como deveres”13.

13 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 23 ed. atual. Rio de Janeiro: Florense, 2003. p. 930.

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SUMÁRIO

RESUMO....................................................................................................................xiii

ABSTRACT.............................................................................................................. xiv

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 15

CAPÍTULO 1 ............................................................................................................ 17

PARTE GERAL DO ABORTO.................................................................................. 17

1.1 DIREITO À VIDA ................................................................................................ 17

1.2 BIOÉTICA........................................................................................................... 18

1.3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ................................................................. 19

1.4 CONCEITO DE ABORTO .................................................................................. 21

1.5 DESENVOLVIMENTO FETAL ........................................................................... 22

1.6 OBJETO JURÍDICO ........................................................................................... 23

1.6.1Sujeito Ativo ..................................................................................................... 24

1.6.2 Sujeito Passivo................................................................................................ 25

1.7 EVOLUÇÃO HISTÓRICA BRASILEIRA DO ABORTO....................................... 26

1.7.1 Anteprojeto do Código Penal Brasileiro........................................................... 27

1.8 MÉTODOS ABORTIVOS ................................................................................... 29

1.8.1 Substâncias Tóxicas ....................................................................................... 29

1.8.2 Substâncias Mecânicas................................................................................... 30

1.8.2.1 Meios Indiretos ............................................................................................. 31

1.8.3 Complicações do Aborto Malfeito.................................................................... 31

1.9 LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA.......................................................................... 32

CAPÍTULO 2 ............................................................................................................ 34

OS DIVERSOS TIPOS DE ABORTO....................................................................... 34

2.1 TIPOS DE ABORTO ENUMERADOS POR DOUTRINADORES....................... 34

2.2 TIPOS PREVISTOS NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO .................................. 35

2.2.1 Aborto Provocado pela Gestante ou com o seu Consentimento ..................... 35

2.2.2 Aborto Provocado por Terceiro (Sem o Consentimento da Gestante) ........... 37

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2.2.3 Aborto Provocado por Terceiro (Com o Consentimento da Gestante) ............ 39

2.2.4 Causa Especial de Aumento de Pena............................................................. 41

2.3 CAUSA DE PERMISSÃO DO ABORTO ............................................................ 43

2.3.1 Aborto Necessário ou Terapêutico ................................................................. 43

2.3.2 Aborto Sentimental, Humanitário ou Ético....................................................... 45

2.3.3 Aborto Eugênico.............................................................................................. 48

2.4 OUTROS TIPOS DE ABORTO .......................................................................... 50

CAPÍTULO 3 ............................................................................................................ 53

O DOLO NOS DIVERSOS CRIMES DE ABORTO ................................................. 53

3.1 TIPO PENAL DE CRIMES DOLOSOS............................................................... 53

3.1.1 Conceito de Dolo............................................................................................. 53

3.1.2 Teorias de Dolo ............................................................................................... 54

3.1.2.1 Da Vontade .................................................................................................. 54

3.1.2.2 Da Representação........................................................................................ 54

3.1.2.3 Do Assentimento ou Consentimento ............................................................ 55

3.1.3 Espécies de Dolo ............................................................................................ 55

3.1.3.1 Dolo Natural ................................................................................................. 56

3.1.3.2 Dolo Normativo ............................................................................................ 56

3.1.3.3 Dolo Direto ou Determinado ......................................................................... 56

3.1.3.4 Dolo Indireto ou Indeterminado .................................................................... 57

3.1.3.5 Dolo de Dano ............................................................................................... 58

3.1.3.6 Dolo de Perigo ............................................................................................. 58

3.1.3.7 Dolo Genérico ............................................................................................. 59

3.1.3.8 Dolo Específico ............................................................................................ 60

3.1.3.9 Dolo Geral ................................................................................................... 60

3.2 VALOR MORAL PARA QUEM COMETE OS MAIS VARIADOS CRIMES DE

ABORTO ................................................................................................................. 61

3.2.1 Paradigmas Morais ......................................................................................... 62

3.3 INFANTÍCIDIO .................................................................................................. 63

3.4 ESTADO PUERPERAL...................................................................................... 64

3.4.1 Analogia entre o Aborto e o Infanticídio........................................................... 65

3.5 PSICOSE DA MULHER DURANTE A GRAVIDEZ ............................................ 66

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3.6 SITUAÇÃO DE ESTADO DE NECESSIDADE................................................... 68

3.7 SITUAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA ..................................................................... 69

3.8 SITUAÇÃO DE HONORIS CAUSA .................................................................... 70

3.9 ANALOGIA NA LEI PENAL................................................................................ 71

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 74

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ................................................................. 76

ANEXO .................................................................................................................... 82

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RESUMO

A presente monografia teve como objetivo, mostrar a

intensidade do dolo que são aplicados em todos os crimes de aborto, bem como, o

valor moral de quem comete ou participa deste crime. Assim, utilizou-se o método

dedutivo, trata-se inicialmente da parte geral sobre o aborto, os diversos tipos de

aborto e a intensidade do dolo nos crimes de aborto, buscando mostrar ao leitor

através de pesquisas bibliográficas, ajuda para o desenvolvimento do tema em foco,

como também respostas a intensidade do dolo nos crimes de aborto bem como o

seu valor moral. Destarte, procurou-se no primeiro capítulo, proceder a análise da

parte geral sobre o aborto, iniciando pelo Direito à Vida, dando seqüência a bioética,

dignidade da pessoa humana, conceitualização de aborto, desenvolvimento fetal, a

objetividade jurídica, a evolução histórica do aborto no Brasil, bem como, o

anteprojeto de reforma do Código Penal, os métodos abortivos utilizados, e a

legislação estrangeira do aborto. No segundo capítulo, pretendeu-se versa sobre os

diversos tipos de aborto, seja ele enumerados por diversos doutrinadores, previstos

no Código Penal brasileiro e também outros tipos de aborto no qual todos eles com

julgados de diversos Tribunais. Finalmente, no terceiro e último capítulo, efetuou-se

um estudo direcionado a intensidade do dolo nos crimes de aborto, trazendo o tipo

penal de crime dolo, bem como o seu conceito e as diversas espécies, o valor moral

para a própria gestante ou terceiro que pratique crime de aborto, fazendo um

paralelo com o infanticídio e o estado puerperal, a psicose da mulher durante a

gravidez, situação de estado de necessidade, situação sócio-econômica, situação de

honoris causa e a analogia da lei penal, fazendo um parâmetro com o aborto,

desejando-se atingir a finalidade inicialmente desejada.

Palavras chaves: Aborto. Intensidade do dolo. Valor moral.

Direito Penal. Feto.

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ABSTRACT

This monograph had the intention, showing the deceit intensity

that is applied in all the abortion crimes, as well as, the moral value of who commits

or participates of this crime. Thus, the deductive method was used, and initially treats

the general part about the abortion, the diverse abortion types and the deceit

intensity in the abortion crimes, trying to show to the reader through bibliographical

research, aid for the development of the focus subject, as well as, answers for the

deceit intensity in the abortion crimes as well as its moral value. In this way, it was

looked in the first chapter, proceeds the analysis about the general part about the

abortion, initiating in the Right to Life, giving sequence to the Bioethics, human being

dignity, abortion concepts, fetal development, the legal objective, the abortion

historical evolution in Brazil, as well as, the first draft to reform the Criminal Code,

abortive methods, and the foreign abortion legislation. In the second chapter, it was

intended tell about the diverse abortion types, either that enumerated by diverse

writers foreseen in the Brazilian Criminal Code and also other abortion types in which

they are judged by diverse Courts. Finally, in the third and last chapter, a directed

study to the deceit intensity in the abortion crimes was effected, bringing the criminal

type of crime with deceit, as well as its concept and the diverse species, the moral

value to the pregnant or another person that practices abortion crime, doing a parallel

with Infanticide and the puerperium, the woman psychosis during the pregnancy,

Necessity situation, social-economic situation, honoris causa situation and the

criminal law analogy, doing a parameter with the abortion, wishing get the purpose

initially desired.

Keywords: Abortion. Deceit Intensity. Moral value. Criminal law.

Embryo.

xiv

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto mostrar a relação do

dolo nos mais variados crimes de aborto, seja pelas condições econômicas, sociais

ou por ter uma relação extraconjugal.

Tem como objetivo mostrar todas as espécies de dolo que

estão sujeitos aqueles envolvidos num crime de aborto, e também, demonstrar o

valor moral dos envolvidos seja pelo estado de necessidade, ou por opção, alegando

que não tenham como criar aquele filho indesejável.

Para tanto, principia-se, no Capítulo 1, tratando da parte geral

sobre o aborto, bem como, o Direito à Vida, bioética, a dignidade da pessoa

humana, até chegar no conceito de aborto, mostrando o desenvolvimento fetal, a

objetividade jurídica sobre os sujeito do crime de aborto, a evolução histórica

brasileira do aborto, o anteprojeto de mudança do Código Penal, os métodos

abortivos e as complicações de um aborto malfeito trazidos por alguns

doutrinadores, o que pensa a legislação estrangeira acerca do tema, dando assim,

um embasamento para a compreensão do trabalho.

No capítulo 2, tratando-se dos diversos tipos de abortos

enumerados por alguns doutrinadores, os tipificados no Código Penal, mostrando as

suas qualificadoras, e outros tipos não previstos na legislação brasileira, trazendo

também, para cada espécie, um julgado dos diversos Tribunais brasileiro, para

então, chegar ao enfoque do trabalho, que se refere aos diversos tipos de dolo e ao

valor moral de quem comete o crime de aborto.

No Capítulo 3, tratando-se da intensidade do dolo nos mais

diversos crimes de aborto, mostrando o tipo penal de crimes dolosos, as teorias de

dolo, como por exemplo, a teoria da vontade, da representação e do consentimento,

para então, adentrar nas diversas espécies de dolo, para chegar-se ao valor moral

de quem comete o crime de aborto, trazendo os paradigmas morais, fazendo uma

analogia entre o infanticídio e o aborto, a psicose da mulher durante o processo de

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gravidez, a situação de estado de necessidade, situação sócio-econômica, bem

como a situação de honoris causa e finaliza fazendo uma analogia da lei penal

brasileira.

O presente trabalho de pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais apresenta-se pontos conclusivos destacados.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, foi utilizado

o Método Dedutivo, pois tratou-se de uma investigação geral dos mais variados

crimes de aborto.

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1 - PARTE GERAL SOBRE O ABORTO

1.1 DIREITO À VIDA

Inicialmente é importante enfatizar que o primeiro capítulo trata-

se do conceito de vida, feto, a concepção jurídica e médica a cerca do assunto,

trazendo também o conceito de dignidade da pessoa humana e em seguida será

abordado o conceito de aborto, mostrando o que diversos autores pensam; bem

como uma breve explanação referente à parte histórica do aborto no Brasil, trazendo

o projeto de mudança do Código Penal brasileiro, os métodos abortivos, bem como

as substâncias empregadas, os meios utilizados, e finaliza com o aborto malfeito

mais a legislação estrangeira.

Por tanto, desde a Constituição de 1946, já temos a

preservação do Direito à Vida sendo assim, a Constituição de 1988 em seu art. 5°

caput ainda preserva este direito que:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida [...]”14.

Para se entender essa definição, é importante saber o que

quando se tem o início da vida, conforme trás a definição Sérgio Antônio Fabris:

A vida humana biologicamente é o seu corpo, e esse é inicialmente formado na fusão dos gametas. O genoma é a estrutura fundamental, permanente e necessária para o desenvolvimento rigorosamente orientado do novo ser. O zigoto, portador desse genoma, é o sujeito do seu próprio desenvolvimento, é o detentor e executor do seu programa genético através de uma realização coordenada, contínua e gradual15.

14 BRASIL. Legislação brasileira. ANGHER. Anne Joyce. 3. ed. São Paulo: Rideel, 2006. p. 43. 15 FABRIS, Sergio Antonio. A vida dos direito humanos bioética médica e jurídica. Porto Alegre: Pena, 1999. p. 23.

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“Assim, fica estabelecido, presentemente entre nós, que o

produto da concepção, seja na forma de ovo, embrião ou feto, tem vida, e que essa

vida é própria, porém depende do organismo materno [...]”16

Já em relação a proteção jurídica, esta acontece em

decorrência da vida em formação. Não existindo ao caso, a viabilidade de vida extra-

uterina.

1.2 BIOÉTICA

Hoje se tem uma visão muito profunda, daquela do antigo

Código Civil de 1916 em relação à vida intra-uterina, pois nos dias de hoje, o médico

consegue controlar o próprio feto.

Sendo assim as novas tecnologias, “[...] na área biomédica,

possibilitam que, nos primeiros meses de gestação, a mãe possa dispor de uma

informação que, em época anterior, não lhe era acessível [...]”17

Para dar mais sustentação ao caso, Vitor Santos Queiroz

explica que:

O progresso cientifico e suas aplicações tecnológicas provocaram o surgimento de um complexo e intrincado conjunto de relações sociais e jurídicas, que envolvem valores religiosos, culturais e políticos diferenciados e, também, a construção em torno dessas pesquisas de poderosos interesses econômicos que se refletem na formação de políticas públicas. As questões éticas suscitadas pela ciência biológica contemporânea referem-se, em primeiro lugar, às interrogações feitas pela consciência do indivíduo diante dos novos conhecimentos, e, também, como estes conhecimentos materializados em tecnologias repercutem na sociedade. Este conjunto de relações pode ser analisado, do ponto de vista ético, sob dois aspectos distintos: em primeiro lugar, considerando que o mais novo ramo da filosofia moral – a bioética – constitui uma fonte e parâmetro de referência, tanto para o cientista, como para o

16 MACEDO. Marcos Jorge Ferreira; Leal, Rodrigo. A anencefalia e o crime de aborto – exclusão de ilicitude via autorização judicial – uma rela possibilidade no Brasil. Revista Novos Estudos Jurídicos. Itajaí: UNIVALI, v. 10, n. 2, jul./dez.2005. p. 557. 17 FRANCO. Alberto Silva. Anencefalia. Breves considerações médicas, bioéticas, jurídicas e jurídico-penais. Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 94, v. 833, mar. 2005. p. 40.

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cidadão comum. Em segundo lugar, procurando-se estabelecer quais os princípios racionais, que fundamentam a bioética e como esses princípios servem de parâmetros éticos na formulação de políticas públicas, que encontrarão nas normas jurídicas a sua formalização final18.

Portanto, torna-se necessário que para a evolução de uma

nova vida se tenha à compreensão dos novos fenômenos que decorrerão deste

novo ser e não ter mais aquele conhecimento do Código Civil de 1916.

1.3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A própria Constituição Republicana Federativa do Brasil em

seu art. 1º19, III, já traz a proteção da dignidade da pessoa humana, dando uma

proclamação de valor universal.

Desta forma, preleciona Luiz Augusto Coutinho que:

O Direito é complexo e axiológico. Não se restringe à redação das normas, também é inegável que no caso em comento, normas de conteúdo ético, religioso e culturais, estarão sempre sendo questionadas, contudo o mais importante é saber adequar estes padrões preestabelecidos com o princípio da dignidade humana (Art. 1º, III, da CF)20.

Portanto, O Código Penal brasileiro de 1940 mesmo depois de

sua reforma em 1984, manteve em sua parte geral os conceitos envelhecidos e

equivocados acerca do caso, já que a medicina teve grandes evoluções e o Código

Penal, ficou com os seus conceitos ultrapassados.

18 QUEIROZ, Vitor Santos. Reflexões acerca da equiparação da anencefalia à morte encefálica como justificativa para interrupção da gestação de fetos anencefálicos. Jus Navegandi, Teresina, ano 9, n. 760, 3 ago. 2005. Disponível em: <http://www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7111>. Acesso em 14 de mar. 2008. 19 BRASIL. Legislação brasileira. p. 43: “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: (...), III – a dignidade da pessoa humana. 20 COUTINHO, Luiz Augusto. Aborto em caso de anencefalia: crime ou exigibilidade de conduta diversa. Revista Magister de Direito Penal e Processo Penal. Porto Alegre: Magister, v. 4, fev./mar.2005. p. 39.

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20

Com relação ao princípio constitucional da dignidade da

pessoa humana, ensina Luiz Antonio Marcatto Ramos que:

O princípio constitucional da pessoa humana refere-se às exigências básicas do ser humano no sentido de que ao homem concreto sejam oferecidos os recursos de que dispõe a sociedade para a mantença de uma exigência digna, bem como propiciadas as condições indispensáveis para o desenvolvimento de suas potencialidades. Assim, o princípio em causa protege várias dimensões da realidade humana, seja material ou espiritual. A sua proteção envolve tanto um aspecto de garantia negativa no sentido de a pessoa humana não ser ofendida ou humilhada, quanto outro de afirmação do pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo21.

Este princípio tem como conseqüência direta, dentro de um

Estado Democrático de Direito, as decisões e políticas, que visam resguardar as

garantias fundamentais e os direitos, sem qualquer interferência religiosa.

Ademais, está na hora do operador do Direito trabalhar com

esse princípio constitucional, como enfatizam Cláudio José Amaral Bahia e Aline

Panhozzi:

Está mais do que na hora de o operador do Direito, passar a gerir sua atuação social pautado no princípio fundamental estampado no Texto Constitucional. Aliás, é um verdadeiro supraprincípio constitucional que ilumina todos os demais princípios e normais constitucionais e infraconstitucionais. E por isso não pode o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ser desconsiderado em nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de norma jurídica22.

Mas em nenhum momento se poderá conceituar a dignidade

da pessoa humana de forma concreta, assim explica Manuel Sabino Pontes:

A dignidade da pessoa humana, justamente por se tratar de uma crença social, jamais poderá ser conceituada de maneira fixista, o que não se harmonizaria com o pluralismo e a diversidade de valores que se manifestam nas diversas sociedades contemporâneas e ao

21 RAMOS, Luiz Antonio Marcatto. Análise jurídica sobre a admissibilidade ou não da interrupção seletiva da gravidez nas malformações incompatíveis com a vida/anencefalia. Revista da ESMESC. Florianópolis: ESMESC, v. 12, n. 18, jan./dez., 2005. p. 430. 22 BAHIA, Cláudio José Amaral; PANHOZZI, Aline. A ADPF e a possibilidade de antecipação terapêutica do parto: um estudo jurídico-constitucional sobre a anencefalia fetal. Revista dos Tribunais, ano 95, v. 843, jan. 2006. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 422.

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21

longo do tempo. Trata-se, pois, especialmente em relação ao seu conteúdo, de um conceito em permanente processo de construção e desenvolvimento23.

Portanto, quando se interrompe uma gravidez, o primeiro

argumento utilizado refere-se ao princípio da dignidade humana, pois uma gravidez

indesejada o abalo psicológico é muito grande, principalmente em se tratado de feto

anencefálo, é como se fosse uma tortura sofrida a cada dia que passa, tornando-se

uma humilhação para gestante.

1.4 CONCEITO DE ABORTO

Acerca do presente estudo, Antônio Chaves mostra o conceito

de aborto, buscando lá do latim o significado da palavra:

Do latim, abortum, de aborior, prefixo ab, designado afastamento, ausência, privação, e o oriur, nascer, é a interrupção voluntária da gravidez, com expulsão do feto, provocada pela gestante ou por terceiro, com ou sem o consentimento dela, com a conseqüência morte do produto da concepção24.

Do ponto de vista jurídico, para Fernando Capez, em sua obra

Curso de Direito Penal, aborto é:

[...] a interrupção da gravidez, com a conseqüente destruição do produto da concepção. Consiste na eliminação da vida intrauterina. Não faz parte do conceito de aborto a posterior expulsão do feto, pois pode ocorrer que o embrião seja dissolvido e depois reabsorvido pelo organismo materno em virtude de um processo de autólise; ou então pode suceder que ele sofra processo de mumificação ou maceração, de modo que continue no útero materno [...]25

Por seguinte, no mesmo sentido escreve Romeu de Almeida

Salles Júnior que:

23 PONTES, Manuel Sabino. A anencefalia e o crime de aborto: atipicidade por ausência de lesividade. Jus Navegandi, Teresina, ano 10, n. 859, 9 nov. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7538>. Acesso em: 22 nov. 2007. 24 CHAVES. Antonio. Direito a vida e ao próprio corpo: intersexualidade, transexualidade, transplante. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 23. 25 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte Especial: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212). p. 107.

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Aborto é a interrupção da gravidez com a morte do feto, ou a destruição do produto da concepção (ovo, embrião ou feto). Não é necessária a expulsão do produto da concepção. A gravidez é o estado quer perdura o tempo necessário para o desenvolvimento do produto. Não haverá aborto quando se tratar de gravidez extra-uterina, que se verifica no ovário ou nas trompas, e no caso de gravidez molar26.

Todavia, versa sobre o assunto, o doutrinador Julio Fabbrini

Mirabete que:

Aborto é a interrupção da gravidez com a destruição da concepção. É a morte do ovo (até três semanas de gestação, embrião (de três semanas a três meses) ou feto (após três meses), não implicando necessariamente sua expulsão. O produto da concepção pode ser dissolvido, reabsorvido pelo organismo da mulher ou até mumificado, ou pode a gestante morrer antes de sua expulsão. Não deixará de haver, no caso o aborto27.

1.5 DESENVOLVIMENTO FETAL

De acordo com o ensinamento de Sergio Antonio Fabris, o

desenvolvimento embrionário dar-se-á da seguinte forma:

Endente-se por concepto o ser humano no período da vida que vai desde o inicio, na concepção, até o nascimento, assim também o termo nascituro (“aquele que há de nascer; gerado, mas ainda não nascido”) usa-se o termo embrião para designar o concepto durante as primeiras semanas de vida, reservando-se o termo feto para designá-lo no período subseqüente. As designações de mórula e blastócito referem-se a fases iniciais do embrião, e a palavra ovo identifica os primeiros estágios de vida, a partir da célula inicial resultante da fusão dos gametas (fecundação = concepção). 1° ao 2° dias – A concepção ocorre na ampola tubária. Um novo ser humano – fruto da união de gametas humanos – inicia sua vida. Ainda sem nome, escondido no ventre materno, está personalizado: é o filho de Eduardo e Isabel, com sua individualidade própria e irrepetível bem caracterizada. Com efeito, a vida no ventre materno, desde a concepção, “é condição basilar, momento inicial e parte integrante do processo global e unitário da existência humana”. Nunca existiu, nem jamais existirá, outro ser humano igual. “É detentor e executor se seu próprio programa genético”. Decorridas algumas horas após a fecundação, ocorre a primeira divisão celular. Segue-se uma série de outras divisões, aumentando o número de

26 SALLE JUNIOR, Romeu de Almeida. Curso completo de direito penal. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 185. 27 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 21. ed. São Paulo. Atlas, 2003. p. 93.

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células: é o novo ser humanos em pleno desenvolvimento. Após certo número de divisões celulares, o concepto atinge a fase denominada mórula. Entrementes, está sendo levado através da trompa em direção ao útero. 3° ao 4° dias – o embrião, sob a forma chamada mórula, com 12 a 16 células, chaga ao interior do útero. Forma-se uma cavidade no interior da mórula, passando o concepto a denominar-se blastocisto. Já nas células mórula existe certa especificidade, de modo que as mais internas ficam situadas em um pólo do blastocisto (o trofoblasto, que se converterá em placenta). 6° ao 7° dias – Inicia-se a nidação, ou seja implantação do concepto, sob a forma de blastocisto, na mucosa uterina (endométrio) previamente preparada para recebê-lo. 12° dias - Inicia-se a diferenciação dos tecidos embrionários. 15° a 17° dias – Inicia-se a hematopoese e a formação de vasos sanguíneos. 18° a 21° dias – O coração começa a pulsar. 1° mês e meio – É possível fazer eletroencefalograma. A criança já é capaz de realizar movimentos rudimentares, embora a mãe ainda não os perceba. 2° mês – Todos os sistemas orgânicos estão praticamente formados. É possível fazer um eletrocardiograma e pode-se ouvir as batidas de seu coração com instrumento de precisão. 3° mês – Todos os sistemas orgânicos estão aptos a funcionar. A criança já é capaz de deglutir líquido amniótico, de realizar movimentos respiratórios e de urinar também. Possui ate impressões digitais e já seria possível tirar sua carteira de identidade... Quando sua mãe dorme ela também dorme, e acorda quando ouve ruído forte do exterior ou quando sua mãe realiza movimentos bruscos. Daí por diante as únicas mudanças básicas serão o crescimento e o aperfeiçoamento do que já está formado28.

1.6 OBJETO JURÍDICO

Com relação a objetividade jurídica no auto-aborto, Fernando

Capez leciona que:

No auto-aborto só há um bem jurídico tutelado, que é o direito à vida do feto. É, portanto, a preservação da vida humana intrauterina. No abortamento provocado por terceiro, além do direito à vida do produto da concepção, também é protegido o direito à vida e à incolumidade física e psíquica da própria gestante [...]29.

28 FABRIS, Sergio Antonio. A vida dos direito humanos bioética médica e jurídica. Porto Alegre: Pena, 1999. p. 214/ 215. 29 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte Especial: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212). p. 108.

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Na mesma linha de raciocínio, Edílson Mougenot Bonfim,

leciona que “[...] No auto-aborto, tutela-se a vida do produto da concepção, mesmo

antes de sua total formação biológica e nascimento. Se o crime é praticado por

terceiro, protege-se, além do feto, a integridade física e a vida da gestante”30.

Para Damásio de Jesus, “o aborto é um crime material, uma

vez que as figuras típicas descrevem a conduta de provocar e o resultado, que é a

morte do feto, exigindo a sua produção”31.

Sendo assim, o Código Penal brasileiro tem como proteção nos

arts. 12432, 12533 e 12634, à vida do feto que ali está se formando, uma vez que a

própria Constituição da República traz expressamente em seu art. 5° caput, a

preservação da vida, independentemente de ser feto ou não.

1.6.1 Sujeito ativo

“No caso do art. 124, o sujeito ativo é a gestante, tratando-se,

assim, de crime especial ou próprio. Nos demais dispositivos, qualquer pessoa pode

ser o autor do delito”35.

Outrossim, amplia este entendimento, Edílson Mougenot

Bonfim, que no auto-aborto (art. 124 do CP) só a gestante é autora; trata-se de crime

próprio, pela redação “provocar aborto em si mesma”. Nos demais tipos, o aborto é

crime comum; pode ser praticado por qualquer pessoa36.

30 BONFIM, Edílson Mougenot. Direito penal: parte especial. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 27. 31 JESUS, Damásio de. Direito penal – parte especial. Dos crimes contra a pessoa. Dos crimes contra o patrimônio. 26. ed. rev. e atual. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 120. 32 BRASIL. Legislação brasileira. p. 439. “Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque. Pena – detenção, de um a três anos”. 33 BRASIL. Legislação brasileira. p. 439. “Art. 125. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante. Pena – reclusão de três a dez anos”. 34 BRASIL. Legislação brasileira. p. 439. “Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante. Pena – reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência. 35 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 21. ed. São Paulo. Atlas, 2003. p. 94. 36 BONFIM, Edílson Mougenot. Direito penal: parte especial. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 27.

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Em contrapartida, explica Romeu de Almeida Salles Junior que:

Auto-aborto (art. 124, 1ª parte). É aquele em que a própria gestante pratica o aborto em si mesma. Admite a figura do a co-participação, nos termos do art. 29. O partícipe, no entanto, não pode intervir de forma material. Sua atuação deve limitar-se à ação de induzir ou instigar a gestante, prestando-lhe auxílio por qualquer forma que não importe intervenção material. Se o terceiro participar materialmente, estará em curso no art. 126 (sujeito ativo do aborto com o consentimento da gestante).

Aborto consentido (art. 124, 2ª parte). É o executado por terceiro com a anuência da gestante. Esta coopera, não apenas consentido, mas também posicionando-se fisicamente. A gestante responde, nessa hipótese, por aborto, compreendendo sua ação simplesmente em consentir. O terceiro terá participação em termos de execução material. Deveria responder como incurso no mesmo dispositivo, uma vez que o CP adota a teoria unitária ou monista, segundo a qual aquele que participa de um crime responde por ele com os demais. No entanto, o terceiro que executa materialmente estará em curso do art. 126, enquanto a gestante responderá nos termos do art.124, 2ª parte. Aqui, a unidade do art. 29 é quebrada por disposição expressa. O consentimento da mulher não afasta a ilicitude da conduta do terceiro, já que é elemento do tipo. Tal consentimento deve ser válido37.

Sendo assim, o sujeito ativo do aborto será sempre a própria

gestante, na qual somente ela responderá pelo art. 124 do CP, pois só ela poderá

provocar em sim ou deixar que terceiro ou a provoque o tipo penal.

1.6.2 Sujeito passivo

De acordo com o entendimento de Julio Fabbrini Mirabete,

sujeito passivo é:

[...] o feto, ou seja, produto da concepção, recordando-se que a

lei civil resguarda os direito do nascituro (art. 2ª CC). Não é o feto, porém, titular de

bem jurídico ofendido, apesar de ter seus direitos de natureza civil resguardados.

37 SALLE JUNIOR, Romeu de Almeida. Curso completo de direito penal. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 187.

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Sujeito passivo portanto é o Estado ou a comunidade nacional. Vítima também é a

mulher quando o aborto é praticado sem seu consentimento38.

Com duas modalidades de sujeito passivo, Fernando Capez

ensina que:

a) No auto-aborto ou aborto consentido (CP, art. 124): é o feto que é detentor, desde sua concepção, dos chamados “direitos civis nascituro” (CC,art. 4ª). A uma primeira análise tem-se a impressão que a gestante também seria o sujeito passivo do delito em estudo, contudo não se concebe a possibilidade de alguém ser ao mesmo tempo sujeito ativo e passivo de um mesmo crime. b) No aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante: os sujeito passivos são a gestante e o feto. Trata-se de crime de dupla subjetividade39.

Assim, se o aborto for praticado sem o consentimento da

gestante, quem será o sujeito passivo do crime, será a comunidade ou o Estado.

1.7 EVOLUÇÃO HISTÓRICA BRASILEIRA DO ABORTO

Acerca dos crimes de aborto no Brasil, é importante salientar

que esta prática já vem desde 1830, quando o código criminal do império trouxe as

punições para este delito.

Sendo assim, Maria Regina Fay de Azambuja relata que:

No Brasil, o Código Criminal do Império, de 1830, previa punição apenas aborteiro (pena de 1 a 5 anos), duplicada na hipótese de ser o ato executado sem o consentimento da mulher. A mulher era isenta da punição. Com o advento do Código Penal de 1890, foi estendida à mulher a possibilidade de punição pela pratica do aborto. Entretanto, nos casos em que o ato fosse praticado para ocultar desonra própria (art. 300 e 301), a pena da mulher era atenuada. Praticado o crime por médico ou parteira legalmente habilitada, a pena era agravada. Nos casos em que do aborto resultasse a morte da gestante, por

38 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 21. ed. São Paulo. Atlas, 2003. p. 94. 39 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte Especial: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212). p. 110.

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imperícia ou negligência, mesmo nas hipóteses permitidas em lei, havia permissão de agravamento (art.302)40.

A partir de 1940, o aborto passou a ser regulamentado pelos

artigos do código que está em vigência até os dias de hoje, mas eram épocas em

que os conhecimentos médicos e tecnológicos eram precários.

Desta forma, “[...] o aborto sentimental ou moral não deve ser

uma manobra comodista de resolver-se uma situação muitas delas de interesse

confessáveis”41.

1.7.1 Anteprojeto do Código Penal Brasileiro

O anteprojeto do Código Penal já vem sendo analisado desde

1997 e a sua mudança caberá para a ilicitude dos casos de aborto eugênico, como

mostra Luiz Augusto Coutinho:

Anote-se, desde logo, que o tema já vem sendo avaliado desde os idos de 1997, quando o então Ministro da Justiça, Íris Resende, constituiu comissão para atualização da Parte Especial do Código Penal, presidida pelo Ministro do STJ Luiz Vicente Cernicchiario (hoje aposentado), sendo resultado entregue ao então Ministro Renan Calheiros, e vazada a alteração no concernente à exclusão de ilicitude na hipótese do aborto eugênico, nos seguintes termos: “Exclusão de ilicitude – prevista no art. 128, III: Não de pune o aborto praticado por médico: se há fundada possibilidade, atestada por dois médicos, de o nascituro apresentar graves e irreparáveis anomalias que o tornem inviável”42.

Portanto, cabe salientar o que diz José Roberto Goldim:

A proposta de um Anteprojeto de Lei, que está tramitando no Congresso Nacional, alterando o Código Penal, inclui uma terceira possibilidade quando da constatação anomalias fetais.

40 AZAMBUJA, Maria Regina Fay de. O aborto sob a perspectiva da bioética. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 92, n. 807, jan. 2005. p. 476. 41 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koagan, 2003. p. 263. 42 COUTINHO, Luiz Augusto. Aborto em casos de anencefalia: crime ou exigibilidade de conduta diversa. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre: Magister, v. 4, fev./mar. 2005. p. 66.

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Os juízes inicialmente solicitavam que o médico fornecesse um atestado com o diagnóstico da mal formação, além de outros três laudos para confirmação, um outro laudo psiquiátrico sobre o risco potencial da continuidade da gestação e um para a cirurgia. Ao longo deste período estas exigências foram sendo abrandadas. Em algumas solicitações os juízes não aceitaram a justificativa, e não concederam o alvará tendo em vista a falta de amparo legal para a medida. Em 2000 um advogado entrou com uma solicitação de medida liminar para impedir uma autorização de aborto de bebê anencéfalo no Rio de Janeiro. A mesma foi concedida.

A nova redação proposta para o Código Penal, altera todos os três itens, é a seguinte:

Exclusão de Ilicitude Art. 128. Não constitui crime o aborto praticado por médico se: I - não há outro meio de salvar a vida ou preservar a saúde da gestante; II - a gravidez resulta de violação da liberdade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida; III - há fundada probabilidade, atestada por dois outros médicos, de o nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais. Parágrafo 1o. Nos casos dos incisos II e III e da segunda parte do inciso I, o aborto deve ser precedido de consentimento da gestante, ou quando menor, incapaz ou impossibilitada de consentir, de seu representante legal, do cônjuge ou de seu companheiro; Parágrafo 2o. No caso do inciso III, o aborto depende, também, da não oposição justificada do cônjuge ou companheiro.

A probabilidade, e não o diagnóstico conclusivo de lesões no feto, pode levar a algumas situações bastante delicadas. Os médicos que o anteprojeto de lei se refere devem ter familiaridade com a área de diagnóstico pré-natal de anomalias fetais? O critério de grave e irreversível anomalia física ou mental está restrito a condição da criança imediatamente após o parto ou pode ser ampliada para situações que irão ocorrer a longo prazo? Um exemplo disto pode ser o diagnóstico preditivo de Doença de Huntington em um feto. Este diagnóstico, que irá manifestar-se somente na quarta década de vida, constitui um motivo para a realização do aborto? Estas e outras questões devem servir de base para uma reflexão adequada sobre a adequação da realização de abortos eugênicos43.

Ao apreciar a questão, o Congresso Nacional publicou o

projeto de lei do Deputado Dr. Pinotti (que está anexado ao trabalho) com a sua

justificativa para o caso, aonde em seu primeiro artigo isenta de crime a gestante

que tiver gestação de feto anencéfalo e mais, está deverá ser comprovada através

de dois médicos, que deverão apresentar laudos independentes.

43 GOLDIM, José Roberto. Anteprojeto do Código Penal. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/bioetica/abortobr.htm>.Acesso em: 24 set. 2007.

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Neste mesmo projeto, o Deputado explica como o que é a

anencefalia trazendo uma definição exata, afirmando ainda que, a mulher está

sendo torturada em manter aquela gravidez até o final da gestação, correndo sérios

risco não só na gravidez como também na hora do parto.

E finaliza que a interrupção da gravidez de um feto anencéfalo

para o casal, ainda será a melhor alternativa para amenizar o sofrimento.

1.8 MÉTODOS ABORTIVOS

Em relação aos métodos abortivos, serão analisados

individualmente os meios empregados pela gestante para a realização do aborto,

que se classificam em tóxicos e mecânicos.

Genival Veloso de França ensina que:

È comum dividir os meios empregados para o aborto em medicamentos e mecânicos. Preferimos classificá-los em tóxicos e mecânicos, pois não existe nenhuma substância especificamente abortiva. O que de fato se verifica é a intoxicação do organismo materno e, conseqüentemente, a morte ovular, embrionária ou fetal por meio de circulação placentária44.

A seguir serão analisados os métodos abortivos empregados

por terceiro ou pela própria gestante.

1.8.1 Substâncias tóxicas

As substâncias tóxicas elas se subdividem em vegetal e

mineral, assim explica-se sobre estas substâncias que:

[...] Entre as de origem vegetal, tem sido largamente usada grande parte da flora brasileira: a jalapa, o sene, a sabina, o apiol, a arruda, o quinino, o centeio espigado, a cabeça-de-negro, a quebra-pedra, entre outras. Até mesmo a Thuja occidentalis, flor de rara beleza, por ser tóxica, é usada na prática abortiva.

44 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koagan, 2003. p. 268.

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Entre as de origem mineral, as de emprego mais largo foram o fósforo, o arsênio, o antimônio, o bário, o chumbo, e o mercúrio [...] Essas substâncias podem atuar no organismo materno em quatro eventualidades: a) a intoxicação da gestante determinando a morte sem que se verifique o aborto; b) intoxicação da grávida seguindo-se o aborto e a morte da mulher; c) intoxicação sem determinação da morte do ovo e cura posterior da gestante; d) intoxicação da mulher grávida, com aborto, e cura da matriz45.

1.8.2 Substancias mecânicas

Essas se subdividem em mecânicos diretos e indiretos, sendo

assim, Francisco Silveira Benfica leciona que:

Mecânicos diretos: agem diretamente sobre o útero (injeção intra-uterina de sabão ou desinfetante fenólico) ou sobre o ovo (sondas, agulhas, dilatação do colo, curetagem). São muito utilizados e com graves repercussões sobre o organismo materno, estando associados a altas taxas de complicações, tais como perfuração uterina, lesão de vísceras abdominais, esterilidade, infecções e até a morte46.

Entre os meios mecânicos diretos utilizados, o que ganha

destaque é a curetagem que:

É utilizada até a 14 ª semana, sob anestesia, de preferência

geral. Exige pessoal qualificado e ambiente hospitalar, pois trata-se de uma pequena

cirurgia.

Inicialmente dilata-se o colo do útero com velas metálicas. Introduz-se uma cureta, instrumento em forma de colher. Faz-se uma raspagem das paredes do útero para deslocar o embrião e a placenta, que são retiradas com um pinça especial. A curetagem exige uma certa perícia, porque se for muito leve pode haver retenções e se for muito profunda pode perfurar o útero47.

45 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koagan, 2003. p. 268. 46 BENFICA, Francisco Silveira. Medicina legal aplicada ao direito. São Leopoldo: Unisinos, 2005. p. 89. 47 VERARDO, Maria Tereza. Aborto: um direito ou um crime. São Paulo: Moderna, 1987. p. 33.

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1.8.2.1 Meios indiretos

Assim ensina Genival Veloso de França:

Os meios indiretos, de pouquíssimo registro, são aqueles de utilização extragenital e estariam representados pelos traumatismos abdominais, seja por massagem ou compressas do ventre. Mais raro ainda é o aborto provocado intencionalmente pelo o uso de raio X. E finalmente as excitações mamárias e os enemas com líquidos quentes, processos esses hoje abandonados48.

1.8.3 Complicações do Aborto malfeito

O nível sócio-econômico baixo é o maior responsável pela

mortalidade de mulheres que realizam aborto malfeitos, por sua vez, elucida Maria

Tereza Verardo que:

“As complicações mais comuns, resultantes de abortos

malfeitos, são: infecções graves, choque hemorrágico, perfuração do útero, com

necessidade de remoção cirúrgica e até a morte”49.

Outra seqüela do aborto, tão importante quanto as descritas até agora, se dá nível emocional. Por mais liberta que a mulher esteja dos padrões morais e religiosos, por mais consciente da impossibilidade de levar a termo sua gestação, por mais indesejada que tenha sido a gravidez, abortar é uma decisão que, na grande maioria das vezes, envolve angústia. Esse sentimento é acusado quando o aborto é efetuado em clínicas clandestinas A estrutura da clandestinidade – portas fechadas, linguagem em código e até circuito de TV encontrado em uma clínica de São Paulo para absoluto controle de quem entra ou sai – faz com que as mulheres sintam que estão transgredindo leis. O aparato que envolve a clandestinidade acaba provocando uma sensação de culpa. Culpa nem se sabe exatamente do quê. Mas ela aparece mesmo quando existe uma decisão clara de que o aborto foi o passo mais correto que poderia ter sido dado50.

48 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koagan, 2003. p. 268. 49 VERARDO, Maria Tereza. Aborto: um direito ou um crime. São Paulo: Moderna, 1987. p. 35. 50 VERARDO, Maria Tereza. Aborto: um direito ou um crime. São Paulo: Moderna, 1987. p. 36.

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Podemos perceber as mais variáveis situações provocadas

pelo aborto malfeitos, resultando de lesões corporais leve ou grave, ou até a morte.

Sendo assim, Genival Veloso de França leciona que:

Se o aborto é provocado pela ingestão de substâncias tóxicas, poderá levar o organismo materno a intoxicação, que vão desde simples efeitos até o efeito letal. Quando o meio empregado para o aborto é o mecânico, as eventualidades são as mais diversas. As mais graves são as embolias gasosas, devido à entrada de ar nas veias uterinas, as perfurações de útero, as lesões de alças intestinais e peritonite, a gangrena uterina, o tétano pós-parto. As lesões mais simples podem comprometer a parede vaginal, os fundos de saco vaginais, o colo ou simplesmente o útero. Há necessidade de distinguir com precisão as perfurações das roturas.Estas últimas, na grande maioria, ocorrem no final da gestação e estão mais situadas no segmento inferior ou no corpo do útero. O diagnóstico diferencial de faz pelas características morfológicas e histopatológicas das lesões. Na perfuração, há sempre um trajeto retilíneo. Na rotura, ao contrário, além do trajeto tortuoso há bordas irregulares. A septicemia e a embolia pulmonar não são tão raras entre as complicações. E os vestígios mais benignos dessas manobras são traduzidos pelas endometrites, salpingites e salpingo-oforites51.

1.9 LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA

As mulheres sempre praticaram o aborto, independentemente

das sanções aplicadas, das legislações, dos controles e intimidações surgidas no

decorrer da história da humanidade, é tão antiga esta prática quanto o homem.

Desta forma, pôde-se constatar que “a legislação sobre o

aborto no mundo é um reflexo das estruturas sócio-econômicas e ideológicas de

cada época e de cada país em particular, e reflete também a condição dependente

das mulheres nessas sociedades [...]”52

51 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koagan, 2003. p. 268. 52 PRADO, Danda. O que é aborto. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1991. p. 53.

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Hoje o aborto é estritamente proibido sem exceção na maioria das nações mulçumanas da Ásia, na maioria dos países da África, em quase 2/3 dos países latino-americano, e, entre os europeus, em Portugal e na Espanha. No outro extremo estão os países liberalizados em maior ou menos grau. Estes permitem o aborto nos três primeiros meses de gravidez por grande número de razões relativas à saúde física e psíquica da mãe, entre eles a França, Inglaterra, Áustria, Itália, Índia, Alemanha, Estados Unidos da América, países nórdicos todos, URSS, Hungria, Polônia, Checoeslováquia, China e outros53.

“Na Suécia, Inglaterra, Dinamarca, Noruega, entre outros,

criaram-se os abortários oficiais, e o aborto crescia assustadoramente, começando a

preocupar os legisladores do mundo inteiro”54.

Diante do exposto, após um apanhado geral do aborto, como

seu conceito, desenvolvimento fetal, objeto jurídico, evolução histórica brasileira e

seu anteprojeto de reforma do Código Penal, métodos abortivos empregados e por

último, uma análise rápida das legislações estrangeiras em relação ao crime de

aborto, para então passar para os tipos específicos de abortos previstos no Código

Penal brasileiro.

53 PRADO, Danda. O que é aborto. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1991. p. 53-54. 54 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koagan, 2003. p. 262.

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2 - OS DIVERSOS TIPOS DE ABORTO

2.1 TIPOS DE ABORTO ENUMERADOS POR DOUTRINADORES

Antes de enumerar as modalidades previstas no Código Penal

brasileiro, devemos ressaltar, algumas espécies que são classificadas pelos

doutrinadores que são divididos em natural ou espontâneo, acidental, criminoso e

legal ou permitido.

Sendo assim, conforme leciona Antonio Chaves, sete são as

figuras de aborto previstas no Código Penais:

O auto aborto; O consentimento da gestante a que outrem lho provoque, punidos com detenção de um a três anos, art. 124; Aborto provocado por terceiro, sem o consentimento da gestante, com reclusão de três a dez anos, art. 125; Idem, com o consentimento, reclusão de um a quatro anos, art. 126, caput; O aborto de gestante não maior de quatorze anos, ou alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência, reclusão de três a sete anos, art. 126, parágrafo único; Aborto qualificado, quando, em conseqüência de aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave, as penas cominadas nos arts. 125 e 126 são aumentadas de um terço; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte, art. 127; Aborto legal, praticado por médico, se não há outro meio de salvar a vida da gestante, ou resultante de estupro, não punido, art. 128 55.

Estas são as figuras de aborto trazidas pelo Código Penal,

determinando suas qualificações, atenuantes e quando não há punição para a

pratica deste crime.

55 CHAVES. Antonio. Direito a vida e ao próprio corpo: intersexualidade, transexualidade, transplante. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 28.

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2.2 TIPOS PREVISTOS NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

Primeiramente, as espécies de aborto previstas no Código

Penal brasileiro, encontram-se na parte especial, título I – Dos crimes contra pessoa;

que são elas: Aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento; aborto

provocado por terceiro; forma qualificada; aborto necessário e, no mesmo

dispositivo, aborto no caso de gravidez resultante de estupro.

2.2.1 Aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento

Neste tipo de aborto, a própria gestante usando de meios

criminosos, pratica o aborto.

“Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que

outrem lho provoque:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos”56.

Assim, a própria gestante dá causa ao aborto, usando de

métodos abortivos, ou meios mecânicos, conforme se verificou anteriormente (item

1.8), ou também, ela pode consentir que terceiro o provoque a morte de seu filho.

Diante deste entendimento, versa a jurisprudência:

EMENTA: JÚRI. ABORTO. RÉ ACUSADA DE PROVOCAR ABORTO EM SI MESMA MEDIANTE A INGESTÃO DE MEDICAMENTOS ABORTIVOS. Comprovada a materialidade e existentes indícios suficientes de autoria, impõe-se a pronúncia. RECURSO IMPROVIDO57. (grifou-se).

Fernando de Almeida Pedroso disserta sobre esta espécie de

aborto: 56 OLIVEIRA. Juarez de. Autor da presente obra até a 35ª edição. Código penal. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 78. 57 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Recurso em sentido estrito n. 70011491990, Primeira Câmara Criminal. Relator. Des. Ranolfo Vieira. Julgado em 10/08/2005. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>. Acesso em 12 dez. 2007.

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[...] Tipifica-se o delito, de ação múltipla alternativa, quando a própria gestante provocar em si mesma o aborto ou consentir que outrem (um terceiro) lho provoque. Vale dizer: ocorre o crime sempre que couber à própria gestante o implemento físico da manobra abortiva (“provocar aborto”) ou quando, embora não a realize pessoalmente, consinta, anua e aquiesça na sua prática, permitindo a realização do delito (“consentir”). Na primeira parte do art. 124 (aborto provocado pela própria (gestante), pode ela também atuar – registra ANIBAL BRUNO – como autor mediato, promovendo a execução mediante a intervenção de terceiro que age sem culpabilidade (erro de tipo, inimputabilidade), como é o caso que finge um aborto espontâneo ou acidental incompleto, cujos restos um médico é chamado a eliminar (curetagem), mas, na realidade, procedendo de boa fé. Ao consentir a mulher grávida que terceiro lhe fizesse o aborto, crível é que sua participação não é meramente passiva ou inerte, não apenas porque assume posição positiva ao aquiescer com a prática criminosa, como, ainda, por nela cooperar realizando eventuais movimentos pélvicos necessários [...] Consentindo a gestante que outrem lhe provoque o aborto (parte final, art. 124) e ao terceiro, com esta aquiescência, cabendo o implemento físico do crime, teremos esforços e condutas que se conjugam, coordenam, e organizam para a realização da mesma empreitada criminosa, convergindo e operando uma fusão para a consecução de único escopo delituoso. Por seguinte, há um fato ou episódio (o aborto), cometido mediante concurso de pessoa (a gestante que consente e o terceiro que o faz). Desta sorte, haveria um só crime, de natureza pluris-subjetiva, perpetrado em co-autoria necessária58.

Nesta espécie de aborto o bem jurídico protegido será a vida

do feto; já para o objeto material, será a pessoa que recai a conduta. Com relação

ao sujeito do crime, trata-se de crime próprio, pois somente a gestante pode cometer

o crime.

Será admitida a modalidade de tentativa; mas se dará a

consumação com a morte do feto.

Questões importantes levantadas por Edílson Mougenot

Bonfim:

58 PEDROSO. Fernando de Almeida. Homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto. Rio de Janeiro: Aide, 1995. p. 271-272.

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1) O crime do art. 124 do CP é de mão própria. Só pode ser praticado pela gestante, não admite co-autoria. Se terceira pessoa ajuda materialmente no aborto, responde pelo delito autônomo (art. 126 do CP). 2) É possível, no entanto, a participação. Se o marido induz, instiga ou auxilia a esposa a ingerir medicamentos para o aborto, responde por participação no crime de auto-aborto (art. 124 do CP)59.

2.2.2 Aborto provocado por terceiro (sem o consentimento da gestante)

Esta espécie de aborto será encontrada no art. 125 do Código

Penal, in verbis:

“Art. 125. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos”60.

Aqui, o interesse da lei é incriminar a conduta de quem provoca

o abortamento sem a permissão ou conhecimento da gestante, “[...] a hipótese de o

marido providenciar o internamento hospitalar de sua esposa gestante, cuja gravidez

não fosse de seu agrado, e, sem que ela soubesse, em combinação com o médico,

procedesse ao abortamento [...]”61.

Neste entendimento, versa Romeu de Almeida Salles Junior

que:

É a interrupção da gravidez provocada contra a vontade da gestante. Esta será também sujeito passivo. O dissentimento ou não-concordância da ofendida pode ser: a) real, quando há emprego de violência física, grave ameaça ou fraude; b) presumida, quando a gestante não é maior de 14 anos, alienada ou débil mental. Nas hipóteses mencionadas, a gestante é vencida pela força física ou pela grave ameaça ou não resiste por ter sido induzida a erro por

59 BONFIM, Edílson Mougenot. Direito penal: parte especial. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 30. 60 OLIVEIRA. Juarez de. Autor da presente obra até a 35ª edição. Código penal. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 79. 61 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Interrupção da gravidez e o anteprojeto de reforma do Código Penal. Revista Jurídica Consulex. Ano VIII, n. 174, 15 de abr. de 2004. p. 30.

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fraude. Se presumida a violência, esta resulta do fato de ser a gestante portadora de doença mental nos termos do parágrafo único do art. 126 ou não maior de 14 anos, quando seu desenvolvimento é incompleto, presumindo-se a ausência de consentimento62. Tratando-se de grave ameaça, é indiferente que esta se apresente como promessa de causação de um mal à consenciente, ou a terceira pessoa que a ela esteja vinculada por laços afetivos suficientemente intensos. Agora em relação a fraude, esta de verifica com qualquer ardil desde que capaz de induzir a gestante a erro. Como exemplo de fraude, pode-se indicar o de convencer a gestante acerca da fatalidade de sua morte se prosseguir com a gravidez [...]63.

Diante do exposto, versa a jurisprudência:

Recurso criminal - Aborto sem consentimento da gestante - Pedido objetivando a impronúncia ou a desclassificação do delito - Existência de indícios de autoria e materialidade suficientes para embasar a pronúncia - Recurso desprovido. Assim, no dia 19 de abril de 2000, o denunciado dirigiu-se até a casa da vítima, foi até seu quarto, trancou a porta, e começou a induzir a moça proceder um aborto, fato negado de pronto pela vítima. Com esta atitude, o denunciado provocou aborto na vítima Kelli, sem o seu consentimento, forçando-a a tomar a medicação abortiva e colocando em risco de vida, a própria vida da jovem (grifou-se)64.

O objeto material e jurídico deste crime será a vida do feto e a

integridade física da gestante. Este crime tem como sujeito qualquer pessoa, já para

o sujeito passivo será o feto e a gestante.

Três são os questionamentos importantes levantados por

Edílson Mougenot Bonfim:

1) O art. 125 do CP tipifica o aborto provocado sem o consentimento da gestante. Por esse motivo a pena é maior em relação às outras

62 SALLE JUNIOR, Romeu de Almeida. Curso completo de direito penal. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 187. 63 PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte especial (arts. 121 a 234). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 117. 64 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Recurso criminal n. 2005.013921-0, de Itajaí. Relator: Des. João Eduardo Souza Varella. Julgado em 26/07/2005. Disponível em: <http://www.tj.sc.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>. Acesso em 12 dez. 2007.

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formas (reclusão, de 3 a 10 anos). Se a mãe não permitiu o aborto, este é cometido com violência física, grave ameaça ou fraude. 2) Há incidência desse crime independentemente da discordância da gestante nos casos em que a lei presume não ser ela capaz de consentir. Isso ocorre nas hipóteses do art. 126, parágrafo único, do CP. 3) É possível o arrependimento da gestante após seu consentimento. Nesse caso, se terceira pessoa provocar o aborto, responde pelo art. 125 do CP65.

2.2.3 Aborto provocado por terceiro (com o consentimento da gestante)

O art. 126 do Código Penal, trata do aborto provocado com o

consentimento da gestante:

Art. 126. Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. Parágrafo único: Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência66.

Este artigo incrimina a conduta do agente que provoca o aborto

com o consentimento da gestante.

“Discute-se se o terceiro que se limita a concorrer para o

evento, auxiliando a gestante ou a instigando, mesmo a ela fornecendo os recursos

necessários, incide no art. 124 do Código Penal”67.

José Henrique Pierangeli explica que:

A primeira questão a assinalar é a indispensabilidade de um consentimento válido da gestante, ou seja, que esta reúna condições para validamente consentir. No nosso ordenamento jurídico, não será válido o consentimento de menor de 14 anos, por presunção

65 BONFIM, Edílson Mougenot. Direito penal: parte especial. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 30-31. 66 OLIVEIRA, Juarez de. Autor da presente obra até a 35ª edição. Código penal. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 79. 67 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de direito penal – parte especial (arts. 121 a 212). 3. ed. atual. e aum. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 21.

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absoluta de imaturidade e pela mesma razão, o da alienada ou débil mental. Quanto ao consentimento, este deve ser expresso e inequívoco, desde que manifestado claramente por escrito ou verbalmente; mas já existe orientação pela admissibilidade da validade do consentimento tácito, excluído, todavia, o presumido, e, evidentemente, também aquele que tenha sido obtido mediante engano (fraude). Neste, aliás, é forçado falar em consentimento, porque lhe faltam a espontaneidade e a voluntariedade indispensável para a sua caracterização, e conseqüentemente não há crime a se imputar à gestante. Consentimento não-válido é consentimento inexistente. Realmente, inaceitável é a tese da validade do consentimento presumido, pois, de duas uma, ou a gestante reúne condições de consentir expressa ou tacitamente, ou se encontra em verdadeiro estado de necessidade que justifica o procedimento abortivo, ou seja, apresenta-se um caso real de aborto necessário. Também se tem salientado que no aborto consentido a gestante não permanece numa posição estática, sem prestar algum auxílio para a prática do aborto por terceiro. Trata-se de delito plurissubjetivo, ou mais apropriadamente bilateral, em que “a gestante não fica num simples posicionamento de tolerância, que se caracteriza por uma simples cumplicidade negativa ou de convivência, porque ela não permanece inerte, e sim coopera, consentindo nas práticas abortivas e submetendo-se a estas mediante movimento corporais, ou pelo menos pondo-se em posição obstétrica” (Maggiore)68.

Esta prática abortiva é também conhecida como aborto

consentido, “[...] em que a gestante é incriminada por consentir que outrem lho

provoque (o aborto). No caso, a gestante não pratica o aborto em si mesma, mas

consente que o agente o realize [...]”69. Neste caso, quem comete o aborto,

responderá pela pena mais severa, que está prevista neste dispositivo.

Neste entendimento, versa a jurisprudência:

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CÓDIGO PENAL. CRIMES CONTRA A VIDA. ART. 126. ABORTO PROVOCADO POR TERCEIRO COM O CONSENTIMENTO DA GESTANTE. EXISTÊNCIA DO FATO Suficiente demonstração do fato, pelo suporte fotográfico, auto de exame de corpo de delito, auto de necropsia, juntamente com os depoimentos colhidos no feito. AUTORIA Não basta a possibilidade de que o réu tenha sido o autor ou participado do fato criminoso. É preciso que estejam

68 PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte especial (arts. 121 a 234). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 117-118. 69 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 21. ed. São Paulo. Atlas, 2003. p. 96.

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presentes nos autos indicativos suficientes a respeito da autoria. Não incumbe ao réu demonstrar, com segurança, sua inocência. Ao contrário, cabe à acusação reunir elementos convincentes e seguros da autoria. RECURSO DEFENSIVO PROVIDO, PARA DESPRONUNCIAR O RÉU. UNÂNIME (grifou-se)70.

Com relação ao parágrafo único deste dispositivo, pode-se

dizer que:

O parágrafo único do artigo 126 prevê situações que retiram a validade da vontade da gestante, motivo pelo qual o autor do aborto responde pelo art. 125 do CP. Em primeiro lugar, não se pode aceitar o consentimento da gestante não maior de 14 anos, alienada ou débil mental. Nesses casos a discordância é presumida. Em segundo lugar, a contrariedade com o aborto é real, pois seu consentimento foi obtido através de violência física ou moral, ou fraude71.

O objeto material neste crime será proteger a vida do feto;

temos como qualquer pessoa sendo o sujeito ativo, já para o sujeito passivo, a

vítima será o feto. Não temos nesta modalidade de aborto a forma culposa e será

admitida a tentativa.

2.2.4 Causa especial de aumento de pena

A forma de qualificação do aborto está descrita no art. 127 do

Código Penal:

Art.127. As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte72.

70 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Recurso em sentido estrito n. 70020855904, Primeira Câmara Criminal. Relator. Des. Ivan Leomar Bruxel. julgado em 31/10/2007. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>. Acesso em 12 dez. 2007. 71 BONFIM, Edílson Mougenot. Direito penal: parte especial. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 31-32. 72 OLIVEIRA, Juarez de. Autor da presente obra até a 35ª edição. Código penal. 40. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 79.

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Como se percebe neste artigo, a intenção do legislador será de

agravar a pena para quem usar algumas dessas formas estabelecida no dispositivo,

ou seja, a lei limita-se em estabelecer um quantum de aumento. Esta forma de

aborto trata-se de um crime preterdoloso, ou seja, o resultado obtido não poderia ser

cogitado ou desejado pela gestante, na qual devesse punir o dolo referente ao

aborto, enquanto que a lesão corporal grave ou a morte, se referem à culpa.

“As formas qualificadas são aplicáveis aos crimes descritos nos

arts. 125 e 126 do CP. Não se aplica ao aborto provocado pela gestante ou com o

seu consentimento o art. 124, uma vez que a legislação penal brasileira não pune

autolesão”73.

Elucida Fernando de Almeida Pedroso que:

O aborto qualificado é essencialmente preterdoloso ou preterintencional, pois os eventos que o qualificam não podem ter sido desejados e queridos pelo sujeito ativo. Se o agente também quis a morte da gestante ou nela produz uma lesão grave, como conseqüência do próprio aborto ou dos meios empregados para tal, há concurso formal impróprio de crimes: aborto sofrido ou consensual na modalidade simples com homicídio doloso ou lesão corporal dolosa (grave ou gravíssima). Desta sorte, há de existir na figura que se examina, necessária e indeclinavelmente, tão-só o preterdolo: dolo no resultado do antecedente (provocação do aborto) e culpa (pela previsibilidade) no evento conseqüente (morte ou lesão grave). Daí a assertiva de ser o aborto, qualificado essencialmente preterintencional. Não se trata, entretanto, de aborto preterdoloso, como ocorre na figura insculpida no art. 129, § 2°, n° V, pois aqui o aborto é doloso e preterintencionais são a morte e a lesão grave decorrentes (e não o próprio aborto). [...] Inicialmente, convinhável é ressaltar-se que por aborto qualificado não responderá o partícipe, posto seja a espécie compreensível unicamente do aborto sofrido e consensual, tendo o terceiro, no caso, participado do auto-aborto (que se coloca à ilharga do campo de abrangência do art. 127)74.

As lesões leves são absorvidas pelo crime de aborto. A

interrupção voluntária da gravidez, em regra, provoca uma agressão ao corpo da 73 JESUS, Damásio de. Direito penal – parte especial. Dos crimes contra a pessoa. Dos crimes contra o patrimônio. 26. ed. rev. e atual. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 127. 74 PEDROSO, Fernando de Almeida. Homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto. Rio de Janeiro: Aide, 1995. p. 279.

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mulher. O artigo acima, quando fala de lesão grave ou falecimento, vem com o

intuito de resultado anormal, de lesão extraordinária sofrida no corpo da gestante,

para isso que merece pena mais severa.

2.3 CASOS DE PERMISSÃO DO ABORTO

Os casos de interrupção da gravidez que afasta a antijuricidade

tem fundamento no art. 128, incisos I e II do Código Penal75 que são eles: aborto

necessário ou aborto no caso de gravidez resultante de estupro, conforme se analisa

a seguir.

Neste sentido, o afastamento do crime neste artigo se da

através do estado de necessidade, que tem previsão legal no art. 23, I76, e 2477,

ambos no Código Penal, dando a idéia de excludente de ilicitude e eliminação da

culpabilidade.

2.3.1 Aborto necessário ou terapêutico

Tem com finalidade salvar a vida da gestante, decorrentes de

situações que se criam no curso da gravidez.

Elucida Fernando de Almeida Pedroso que:

[...] o chamado aborto terapêutico ou necessário, caracterizado pela intervenção médica emergencial e premente, absolutamente necessária, destinada a remover e conjurar sério risco de vida para a gestante, decorrente de seu estado gravídico. Propendeu a lei, em

75 BRASIL. Legislação brasileira. p. 440. “Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico: I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.”. 76 BRASIL. Legislação brasileira. p. 432. “Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade [...]”. 77 BRASIL. Legislação brasileira. p. 432. “Art. 24. Considera-se estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. § 1° Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. § 2° Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um terço a dois terços”.

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face dessa situação conflitiva entre duas exigências, pela prevalência e predominância da vida da mulher em detrimento da do foetus78.

Diante deste acontecimento, “dois bens jurídicos passam a

uma situação de conflito (vida da mãe e do produto da concepção). A lei autoriza a

eliminação deste último”79.

Neste sentido, mostra a jurisprudência:

EMENTA: ABORTO NECESSÁRIO ¿ ARTIGO 128, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. CAUTELA POR PARTE DOS MÉDICOS EM REALIZAR A INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ. HABEAS CORPUS. POSSIBILIDADE. Não obstante tratar-se, na espécie, de aborto necessário, a não-interrupção da gestação pelos médicos como forma de se precaver de eventual responsabilidade penal, autoriza o Poder Judiciário a isso permitir, via Habeas corpus, com fundamento no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, na medida em que ¿a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito¿. Gestante portadora de cardiopatia isqüêmica grave e artrite reumatóide, com grave risco de vida à mulher e ao feto, permite, indubitavelmente, a concessão da ordem para autorizar o interromper da gravidez. Ordem concedida. Unânime (grifou-se)80.

Portanto, não se pune esta prática de aborto, quando não se

tem mais nenhum meio para salvar a vida da gestante.

Em contra partida, Edílson Mougenot Bonfim, explica que:

[...] Cabe exclusividade ao médico avaliar o risco real à vida da gestante e fazer o aborto. De observar que se o médico erra sobre a necessidade da medida, aplica-se o art. 20, § 1, do CP81. Por óbvio, se terceira pessoa o

78 PEDROSO, Fernando de Almeida. Homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto. Rio de Janeiro: Aide, 1995. p. 289. 79 SALLE JUNIOR, Romeu de Almeida. Curso completo de direito penal. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 188. 80 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Habeas Corpus n. 70010543098, Terceira Câmara Criminal. Relator. Des. Newton Brasil de Leão. Julgado em 17/02/2005. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>. Acesso em 12 dez. 2007. 81 BRASIL. Legislação brasileira. p. 432. “Art. 20. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. § 1° É isento de

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auxiliar, por exemplo, um enfermeiro, não responde pelo crime de aborto [...] E se um enfermeiro provoca o aborto sozinho? Não responde pelo crime se comprovado o risco real e iminente para a gestante. Na verdade, afasta-se a ilicitude com base no estado de necessidade de terceiro82.

Sendo assim, aquele que age para salvar a vida da gestante,

independente de ser médico, não comete crime, pois se encontra em um estado de

necessidade.

2.3.2 Aborto sentimental, humanitário ou ético

Esta prática de aborto tem previsão legal no art. 128, II83 do

Código Penal, que são os casos em que a gravidez é decorrente de estupro que tem

o consentimento da gestante, ou de seu representante legal, caso ela seja incapaz.

“A segunda hipótese legal de aborto é o aborto no caso de

gravidez resultante de estupro, também chamado de aborto humanitário, aborto

sentimental ou aborto ético, em que não há necessidade de prévia autorização

judicial”84.

Diante deste entendimento, Fernando de Almeida Pedroso,

explica o que vem a ser estupro:

[...] é a conjunção carnal obtida com mulher através do emprego de violência ou grave ameaça. É o coito vagínico violento. Resultando deste congresso carnal a gravidez da vítima, permite a lei a interrupção do processo de gestação. Colima-se com isso, evitar que a gestante venha a desenvolver sentimento de aversão e repulsa pelo ser que está gerando; que este se torne, para ela, lembrança

pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. [...]”. 82 BONFIM, Edílson Mougenot. Direito penal: parte especial. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 33. 83 BRASIL. Legislação brasileira. p. 440. “Art. 128.Não se pune o aborto por médico: I - [...]; II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é praticado de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante”. 84 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de direito penal – parte especial (arts. 121 a 212). 3. ed. atual. e aum. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 24.

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viva e permanente testemunho de sua humilhação e desdita, por ser o fruto de força brutal e selvagem que o introduziu em suas estranhas [...]85.

Ao contrário do aborto necessário ou terapêutico, neste tipo de

aborto, o médico precisa do consentimento da gestante ou de seu representante

legal. Não é exigido uma sentença condenatória, um processo judicial ou uma

autorização judicial contra o autor que praticou o crime de estupro, deixando a

critério de médico o dever de intervir. “Basta prova idônea do atentado sexual

(boletim de ocorrência, testemunhos colhidos perante autoridade policial, atestado

médico relativo às lesões defensivas sofridas pela mulher e às lesões próprias da

submissão forçada à conjunção carnal)”86. Com relação a estupro realizado a menor

de 14 anos, basta a prova da conjunção carnal.

Na jurisprudência apresentada, precisou do consentimento de

um representante legal, no caso, foi o MP, pois a gestante tinha problemas mentais:

EMENTA: ABORTO SENTIMENTAL. CONFLITO QUE SE ESTABELECE ENTRE OS VALORES VIDA (DO FETO) E DIGNIDADE HUMANA (DA GESTANTE). ADOLESCENTE COM SEVERAS DEFICIÊNCIAS MENTAIS QUE SE VIU SUBMETIDA A RELAÇÕES SEXUAIS COM O PRÓPRIO TIO E PADRASTO, QUE DETINHA SUA GUARDA FORMAL, DO QUE RESULTOU A GRAVIDEZ. REVOGAÇÃO DA GUARDA QUE CONFERIU AO MINISTÉRIO PÚBLICO, PELA FALTA DE REPRESENTANTE LEGAL, LEGITIMIDADE PARA ATUAR EM SEU NOME. O Código Penal declara impunível o aborto praticado pelo médico com o consentimento da gestante vítima de estupro. Assim, fazendo o legislador, no exercício de suas atribuições constitucionais, a opção pelo interesse da dignidade humana em detrimento da mantença da gravidez, ao magistrado compete, acionada a jurisdição, assumir a responsabilidade que lhe cabe no processo, fazendo valer a lei. Se a realidade evidencia que médico algum faria a intervenção sem a garantia de que nada lhe ocorreria, não tem como o magistrado cruzar os braços, sob o argumento de que só após, se instaurada alguma movimentação penal, lhe caberia dizer que não houve crime. Omissão dessa natureza implicaria deixar ao desabrigo a vítima do crime, jogando-a à própria sorte. Não há valores absolutos. Nem a vida, que bem pode ser relativizada, como se observa no homicídio praticado em legítima defesa, por exemplo. E nessa relativização

85 PEDROSO, Fernando de Almeida. Homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto. Rio de Janeiro: Aide, 1995. p. 293. 86 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte Especial: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212). p. 122.

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ingressa também o respeito à dignidade da mulher estuprada. Ainda mais se, adolescente, com graves problemas mentais, vê agravada sua situação de infelicidade pelo fato de ser o próprio tio e padrasto o autor do crime, o que a colocou também em situação de absoluta falta de assistência familiar e de representação legal, exigindo abrigamento e atuação de parte do Ministério Público. Manifestação do Ministério Público, autor da medida, indicada também pela área técnica do serviço do Município encarregado de dar atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência. Recurso provido87.

Não havendo as provas idôneas do atentado sexual, o médico

deve procurar saber a respeito do delito, como elucida Damásio de Jesus:

Inexistindo esses meios, ele mesmo deve procurar certificar-se da ocorrência do delito sexual. Não é exigida autorização judicial pela norma não incriminadora. Tratando-se de dispositivo que favorece o médico, deve ser interpretado restritivamente. Como o tipo não faz nenhuma exigência, as condições da prática abortiva não podem ser alargadas88.

Mas caso o médico seja “induzido a erro inevitável por parte da

gestante ou de terceiro sobre a ocorrência de estupro, que não se verificou, não

responderá pelo o crime de aborto (erro de tipo permissivo)”89.

“Já se autora for enfermeira, esta responderá pelo delito, pois a

lei faz referência expressa à qualidade do sujeito que deve ser favorecido: médico

[...]”90.

Portanto, quando a gestante procura um hospital, a equipe

médica deverá avalia-la se houve violência, ou seja, que se concretize o estupro

para daí sim, realizar o aborto.

87 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento n. 70018163246, Câmara Medidas Urgentes Criminal. Rel.ator Des. Marcelo Bandeira Pereira. Julgado em 03/01/2007. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>. Acesso em 12 dez. 2007. 88 JESUS, Damásio de. Direito penal – parte especial. Dos crimes contra a pessoa. Dos crimes contra o patrimônio. 26. ed. rev. e atual. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 128. 89 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 21. ed. São Paulo. Atlas, 2003. p. 100. 90 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte Especial: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212). p. 122.

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2.3.3 Aborto eugênico

Esta modalidade de aborto não tem previsão legal, mesmo em

se tratando da probabilidade da criança nascer com enfermidade incurável ou com

deformidade. Mas, o Código Penal não exclui a ilicitude da eliminação do produto

conceptivo.

“É a interrupção da gravidez quando há suspeita de que o feto

contraiu graves anomalias ou doenças transmitidas por um ou pelo dois genitores”91.

Ensina Edílson Mougenot Bonfim que:

Não é previsto em nossa legislação. Ocorre quando exames demonstram graves anomalias do feto, inviabilizando sua vida futura. Há decisões judiciais que autorizam o procedimento invocando a atipicidade com base na falta de vida própria – o feto não terá como manter-se vivo sem a ligação com o organismo da gestante – ou a inexigibilidade de conduta diversa da mãe. Exemplo: casos em que o feto é anencéfalo (ausência de cérebro). De qualquer forma, inaceitável o aborto eugênico, a não ser em hipóteses extremas em que não se pode falar em vida extra-uterina92.

“Evidentemente, quando da confecção da parte especial do

CP, na década de 1940, não se podia prever que o avanço científico permitiria

detectar anomalias existentes no feto durante a gestação [...]·”.

O aborto eugênico, ele trás muitas conseqüências para a

gestante, normalmente os juízes, diante de uma prova irrefutável de um feto com

ausência de cérebro, têm autorizado o aborto, sob fundamento de ausência de

culpabilidade (conduta da gestante não passível de censura) [...]93.

Destaca Romeu de Almeida Salles Junior:

91 VERARDO, Maria Tereza. Aborto: um direito ou um crime? São Paulo: Moderna, 1987. p. 25. 92 BONFIM, Edílson Mougenot. Direito penal: parte especial. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 34. 93 PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte especial (arts. 121 a 234). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 122.

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A jurisprudência ressalta a necessidade de prova de vida, isto é, a determinação de que o feto tinha vida no momento da prática da ação descrita no tipo. Tal circunstância, evidentemente, diz respeito à própria tipificação do delito. Se o feto, no momento da ação, já não apresentava vida, é certo que estaremos diante da hipótese de crime impossível, tendo-se em conta a impropriedade absoluta do objeto. O mesmo se diga em relação à prova da gravidez. A orientação dos tribunais é no sentido de que esta prova deve ser feita, não bastando que a confissão da gestante. Essa confissão não supre a ausência da prova da gravidez94.

Assim, versa a jurisprudência:

EMENTA: PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ. FETO QUE APRESENTA SÍNDROME DE PATAU. DOCUMENTOS MÉDICOS COMPROBATÓRIOS. DIFÍCIL POSSIBILIDADE DE VIDA EXTRA-UTERINA. NESSE CASO, OLIGOFRENIA ACENTUADA E FREQÜENTES CONVULSÕES. EXCLUSÃO DA ILICITUDE. APLICAÇÃO DO ART. 128, I, DO CP, POR ANALOGIA IN BONAM PARTEM. Considerando-se que, por ocasião da promulgação do vigente Código Penal, em 1940, não existiam os recursos técnicos que hoje permitem a detecção de malformações e outra anomalias fetais, inclusive com a certeza de morte ou de deficiência física ou mental do nascituro, e que, portanto, a lei não poderia incluir o aborto eugênico entre as causas de exclusão da ilicitude do aborto, impõe-se uma atualização do pensamento em torno da matéria, uma vez que o Direito não se esgota na lei, nem está estagnado no tempo, indiferente aos avanços tecnológicos e à evolução social. Ademais, a jurisprudência atual tem feito uma interpretação extensiva do art. 128, I, daquele diploma, admitindo a exclusão da ilicitude do aborto, não só quando é feito para salvar a vida da gestante, mas quando é necessário para preservar-lhe a saúde, inclusive psíquica. Diante da moléstia apontada no feto, que provavelmente lhe causará a morte e, em caso de sobrevivência, provocará oligofrenia acentuada e freqüentes convulsões, e da circunstância de que o casal de requerentes já possui um filho com retardo mental e dificuldade motora, pode-se vislumbrar na continuação da gestação sério risco para a saúde mental da primeira apelante, o que inclui a situação na hipótese de aborto terapêutico previsto naquele dispositivo. Apelo provido, por maioria. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (grifou-se)95.

94 SALLE JUNIOR, Romeu de Almeida. Curso completo de direito penal. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 190. 95 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime n. 70006088090, Primeira Câmara Criminal. Relator: Des. Manuel José Martinez Lucas. Julgado em 02/04/2003. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud2/resultado.php>. Acesso em 12 dez. 2007.

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Diante do entendimento jurisprudencial, se no momento do

aborto, o feto não tinha vida, não existe crime, ou seja, pela jurisprudência a prova

concreta é a vida do feto.

Do ponto de vista médico, Paulo César Busato elucida que:

[...] convém referir que ainda estamos vivendo um momento de consideráveis avanços tecnológicos, que a industria farmacêutica e a técnica médica tenham alcançado patamares excepcionalmente mais importantes do que há poucas décadas atrás, é certo que ainda não chegamos à possibilidade de reversão de determinados quadros clínicos. Em contrapartida, é certo que temos cada vez mais diagnósticos precisos, de modo a permitir à atividade médica uma considerável redução de riscos96.

A interrupção da gravidez para fetos anencéfalos já é permitida

em países com uma legislação mais moderna, bem diferente da nossa que tem um

Código Penal de 1940, que não corresponde à realidade da medicina

contemporânea.

2.4 OUTROS TIPOS DE ABORTO

Nesta modalidade de aborto, se encaixam os econômicos e

sociais, mas que não tem previsão legal no Código Penal.

[...] o aborto econômico já é presente em legislações

modernas, como a cubana, a uruguaia, a suíça, e a inglesa, só para lembrar

algumas delas. Em todas elas, porém, estão incluídas certas ressalvas, como, por

exemplo, um número mínimo de filhos anteriores97.

Existem várias situações em que a mulher com saúde, sem

correr qualquer risco, escolhe o método abortivo.

96 BUSATO, Paulo César. Tipicidade material, aborto e anencefalia. Revista Novos Estudos Jurídicos. Itajaí; UNIVALI, v. 10, n. 2, jul./dez. 2005. p. 588. 97 CHAVES, Antonio. Direito a vida e ao próprio corpo: intersexualidade, transexualidade, transplante. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 36.

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Assim explica Elio Sgreccia e Orlando Soares Moreira:

Existem ainda outras situações motivos que levam a mulher a não querer engravidar, e, quando isso acontece, a optar por um aborto: Esses motivos podem ser: achar que o número de filhos que possui já é suficiente; ter mais filhos significaria uma despesa com a qual não suportaria arcar; desejar trabalhar fora para tentar melhorar um pouco a situação econômica ou para realização própria; ou simplesmente por não incluir filhos no seu projeto de vida. Sejam quais forem os motivos, trata-se de uma opção que tem que ser respeitada. O desejo de não ter mais filhos, ou simplesmente de não os ter acaba gerando angústias e depressões, principalmente numa sociedade que santifica a maternidade. Mas o desejo é em geral tão forte que impele a mulher a enfrentar os padrões morais e sociais e arriscar a própria vida submetendo-se a um aborto clandestino98.

“Mas esta prática também tem punição, pois o aborto

econômico ou social, realizado para evitar o agravamento da situação penúria em

que vive a gestante”99. Está incluído também o chamado aborto honoris causa, cuja

gravidez decorre de uma relação sexual extra matrimonial, pois se a intenção do

aborto é apenas preservar a saúde da gestante, que não corre qualquer problema

de saúde, deve também ser punida.

Por tanto, o aborto econômico ou social “fundamenta-se na

falta de condições econômicas financeiras para gerar e criar o filho. Sem exceção,

há crime de aborto”100.

E para finalizar, existem outras duas espécies que são: Aborto

natural, aonde consiste na interrupção da gravidez de forma espontânea; e também

o aborto acidental em que, a gestante sofreu algum traumatismo ou acidente.

Nessas duas hipóteses não há crime.

Diante do apresentado, passa-se a finalidade deste estudo,

que será, a intensidade do dolo provocado por terceiro que comete crime de aborto

98 VERARDO, Maria Tereza. Aborto: um direito ou um crime? São Paulo: Moderna, 1987. p. 27-28. 99 PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte especial (arts. 121 a 234). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 122. 100 BONFIM, Edílson Mougenot. Direito penal: parte especial. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 34.

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com o consentimento da gestante, que se iniciará com os tipos de dolo, qual o valor

moral deste terceiro que comete o crime de aborto, analogia ao infanticídio, a

situação do estado de necessidade, sócio-econômica e a situação de causa honoris.

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3 - O DOLO NOS DIVERSOS CRIMES DE ABORTO

Este capítulo tratar-se-á do estudo final deste trabalho,

inicialmente sobre os diversos tipos de dolo, para em seguida, mostrar o valor moral

do terceiro que comete o crime de aborto com o consentimento da gestante, a

analogia ao infanticídio e por fim, as situações que levam um terceiro a cometer o

crime de aborto.

3.1. TIPO PENAL DE CRIMES DOLOSOS

3.1.1 Conceito de dolo

“É a vontade livre e consciente do agente na realização de uma

conduta típica. É o querer realizar algo que sabe ser ilícito. Tem-se na conduta o

movimento volitivo e previsível do resultado danoso”101.

Cezar Roberto Bitencourt vai mais além e ensina que:

A consciência elementar do dolo deve ser atual, efetiva, ao contrário da consciência da ilicitude, que pode ser potencial. Mas a consciência do dolo abrange somente a representação dos elementos integrados do tipo penal, ficando fora dela a consciência da ilicitude, que hoje está deslocada para o interior da culpabilidade. É desnecessário o conhecimento da configuração típica, sendo suficiente o conhecimento das circunstâncias de fato necessárias à composição da figura típica. Enfim, em termos bem esquemáticos, dolo é a vontade de realizar o tipo objetivo, orientada pelo conhecimento de suas elementares no caso concreto102.

Outrossim, corrobora com este entendimento Damásio de

Jesus, ao elucidar que o dolo é a vontade de concretizar os elementos objetivos do

tipo. Como o homicídio, em sua descrição típica, só possui elementos objetivos, nele

o dolo é a vontade de concretizar o fato de matar alguém103.

101 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal. 3. ed. rev. amp e atual. São Paulo: Icone, 2002. p. 168. 102 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte Geral. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 267. 103 JESUS, Damásio de. Direito penal – parte geral. 28. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 33.

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Mas diante do Código Penal brasileiro, temos em seu art. 18,

I104, uma definição de modo expresso, ou seja, em geral as legislações brasileiras

não apresentam uma definição de dolo.

3.1.2 Teorias de dolo

Por haver divergências doutrinas em relação à definição

concreta de dolo, houve o surgimento de algumas teorias, que serão esclarecidas

por alguns doutrinadores:

3.1.2.1 Da vontade

“Dolo é a vontade de realizar a conduta e produzir o

resultado”105.

A parte geral do dolo “deve estar na vontade, não de violar a

lei, mas de realizar a ação e obter o resultado. Essa teoria não nega a existência da

representação (consciência) do fato, que é indispensável, mas destaca, sobretudo, a

importância da vontade de causar o resultado”106.

3.1.2.2 Da representação

Dolo “é a vontade de realizar a conduta, prevendo a

possibilidade de o resultado ocorrer, sem, contudo, desejá-lo. Denomina-se teoria da

representação, porque basta ao agente representar (prever) a possibilidade do

resultado para conduta ser qualificada como dolosa”107.

104 BRASIL. Legislação brasileira. p. 432. “Art. 18. Diz-se que o crime: I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.”. 105 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte Geral. 4. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 178. 106 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte Geral. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 267. 107 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte Geral. 4. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 178.

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E mais, Cezar Roberto Bitencourt, elucida que:

“Embora a teoria da vontade seja a mais adequada para expressar os limites entre o dolo e culpa, mostra-se insuficiente, especialmente naquelas circunstâncias em que o autor demonstra somente uma atitude de indiferença ou de desprezo”108.

3.1.2.3 Do assentimento ou consentimento

“Dolo é o assentimento do resultado, isto é, a previsão do

resultado com a aceitação dos riscos de produzi-lo. Não basta, portanto, representar;

é preciso aceitar como indiferente a produção do resultado”109.

“Para essa teoria, também é dolo a vontade que, embora não

dirigida diretamente ao resultado previsto como provável ou possível, consente na

sua ocorrência ou, o que dá no mesmo, assume o risco de produzi-lo [...]”110.

O Código penal brasileiro, ao analisar o art. 18, I, pode-se

concluir que foram adotadas duas teorias, que são a da vontade em relação ao dolo

direto e do assentimento que será em relação ao dolo eventual.

3.1.3 Espécies de dolo

Os meios utilizados pelo agente, seu objetivo pretendido, a

relação de causalidade e também o resultado esperado, acabaram ocasionando

para a criação as diferentes espécies de dolo, que são eles: dolo natural, dolo

normativo, dolo direto ou determinado, dolo indireto ou indeterminado, dolo de dano,

dolo de perigo, dolo genérico, dolo específico, e, dolo geral.

108 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte Geral. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 267. 109 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte Geral. 4. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 178. 110 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. Parte Geral. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 268.

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3.1.3.1 Dolo natural

Nesta espécie, o agente tem sempre a intenção de fazer

alguma coisa, ele não está contente com a consciência da ilicitude.

Fernando Capez vai mais adiante e ensina que:

É dolo concebido como um elemento puramente psicológico, desprovido de qualquer juízo de valor. Trata-se de um simples querer, independentemente de o objeto da vontade ser lícito ou ilícito, certo ou errado. Esse dolo compõe-se apenas da consciência de que o fato praticado é ilícito, injusto ou errado. Desta forma, qualquer vontade é considerada dolo, tanto a de beber água, andar, estudar, quanto a de praticar um crime. Afasta-se a antiga concepção de dolus malus do direito romano. Sendo uma simples vontade, ou está presente ou não, dispensando qualquer análise valorativa ou opinativa. Foi concebido pela doutrina finalista, integra a conduta e, por conseguinte, o fato típico. Não é elemento da culpabilidade, nem tem a consciência da ilicitude como seu componente111.

3.1.3.2 Dolo normativo

“Dolo normativo é o que porta a consciência da antijuricidade

(doutrina clássica)”112.

Portanto, esta espécie de dolo, “não é um simples querer, mas

um querer algo errado, ilícito (dolus malus). Deixa de ser um elemento puramente

psicológico (um simples querer) para ser um fenômeno normativo, que exige juízo de

valoração (um querer algo errado)”113.

3.1.3.3 Dolo direto ou determinado

Nesta espécie, o agente procura o resultado, ou seja, ele age

por livre e espontânea vontade.

111 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte Geral. 4. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 178. 112 JESUS, Damásio de. Direito penal – parte geral. 28. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 294. 113 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte Geral. 4. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 179.

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Neste jaez, preleciona Luiz Regis Prado que:

O agente quer o resultado como fim de sua ação e o considera unido a esta última, isto é, o resultado produz-se como conseqüência de sua ação (vontade de realização). A vontade se dirige ao perfazimento do fato típico principal (tipo objetivo) querido pelo autor. Engloba também, em certas hipóteses, as conseqüências secundárias necessariamente vinculadas à prática da ação (dolo mediato ou de conseqüências necessárias). A vontade reitora – finalidade – abrange, além do resultado diretamente visado como fim principal do agente, outras conseqüências derivadas de modo necessário da execução da conduta típica114.

Para exemplificar o dolo direto ou determinado, o resultado

pretendido pelo agente, será a morte da vítima.

3.1.3.4 Dolo indireto ou indeterminado

“Há dolo indireto quando a vontade do sujeito não se dirige a

certo e determinado resultado”115.

Esta espécie de dolo se subdivide em duas formas: dolo

alternativo e dolo eventual. Na primeira espécie, se dá “quando o agente quer um

dos eventos que sua ação pode causar: atirar para matar ou ferir [...]”116.

Já na segunda forma, que se refere a dolo eventual, “a vontade

do agente não está dirigida a obtenção do resultado; o que ele quer é algo diverso,

mas, prevendo que o evento possa ocorrer, assume assim mesmo o risco de causá-

lo [...]”117.

Nesta forma, Damásio de Jesus exemplifica que:

114 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral (arts. 1° a 120). 7. ed. rev. atual e ampl. v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 368. 115 JESUS, Damásio de. Direito penal – parte geral. 28. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 290. 116 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. Introdução e parte geral. 34. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 138. 117 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte geral (arts. 1° a 120). 24. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Atlas, 2007. p. 131.

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O agente pretende atirar na vítima, que se encontra conversando com outra pessoa. Percebe que, atirando na vítima, pode também atingir a outra pessoa. Não obstante essa possibilidade, prevendo que pode matar o terceiro é-lhe indiferente que este último resultado se produza. Ele tolera a morte do terceiro. Para ele, tanto faz que o terceiro seja atingido ou não, embora não queira o evento. Atirando na vítima e matando também o terceiro, responde por dois crimes de homicídio: o primeiro a título de dolo direto e o segundo, a título de dolo eventual118.

Portanto, o dolo é eventual, quando o agente quer algo diverso,

assumindo mesmo assim o risco.

3.1.3.5 Dolo de dano

Nesta espécie “o sujeito quer o dano ou assume o risco de

produzi-lo (dolo direto ou eventual). Ex.: crime de homicídio doloso, em que o sujeito

quer a morte (dano) ou assume o risco de produzi-la”119.

Assim, no dolo de dano, o resultado pretendido é o dano ou a

lesão efetiva a um bem.

3.1.3.6 Dolo de perigo

No dolo de perigo, o autor da conduta quer apenas o perigo120.

Temos como exemplo desta espécie de dolo, o art. 133 do

Código Penal, que se refere a um crime de perigo concreto, aonde diz o artigo:

Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e,

por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono.

118 JESUS, Damásio de. Direito penal. Parte geral. 28. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 291. 119 JESUS, Damásio de. Direito penal. Parte geral. 28. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 293. 120 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte geral (arts. 1° a 120). 24. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Atlas, 2007. p. 134.

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Afirma Damásio de Jesus que:

No dolo de perigo o agente não quer o dano nem assume o risco de produzi-lo, desejando ou assumindo o risco de produzir um resultado de perigo (o perigo constitui resultado). Ele quer ou assume o risco de expor o bem jurídico a perigo de dano (dolo de perigo direto ou dolo eventual de perigo). Pode acontecer que, já estando presente o perigo ao bem jurídico, o agente consente em sua continuidade. Neste caso, há também dolo de perigo121.

Portanto, no dolo de perigo o elemento subjetivo refere-se

única e exclusivamente ao perigo ocorrido.

3.1.3.7 Dolo genérico

No dolo genérico, o agente tem a vontade de realizar o que

está escrito na lei, ou seja, “é a vontade de realizar o fato descrito na lei, em seu

núcleo [...]”122.

Por seguinte, relata Fernando de Almeida Pedroso que dolo

genérico é o elemento subjetivo comum dos delitos, que informa e anima o agente

quando do seu cometimento123.

Já para Romeu Falconi, o dolo genérico “é a vontade de

realizar o tipo penal, o dever-ser descritivo (ou subjetivo)”124.

Pode-se dar como exemplo de dolo genérico, o homicídio, pois

basta a simples vontade do agente em matar alguém, para que se tenha uma ação

típica, já que não é exigida nenhuma finalidade de especial para o agente.

121 JESUS, Damásio de. Direito penal. Parte geral. 28. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 293. 122 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte geral (arts. 1° a 120). 24. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Atlas, 2007. p. 134. 123 PEDROSO. Fernando de Almeida. Direito penal – parte geral. 2. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Universitária, 1997. p. 414.. 124 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal. 3. ed. rev. amp e atual. São Paulo: Icone, 2002. p. 168.

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60

3.1.3.8 Dolo específico

Define como dolo específico a “vontade de realizar o fato com

um fim especial (fim libidinoso, de obter vantagem indevida etc.)”125.

Fernando Almeida Pedroso, explica que surge o dolo especifico

quando exige o tipo, como condição da própria tipicidade, que o agente ao realizar a

ação, visa uma certa finalidade, diversa da vontade acrisolada à conduta. Sendo

assim, o acréscimo de certa intenção à sua vontade genérica de realizar o

comportamento incriminado. Portanto, a estrutura típica do delito, uma intenção que

se agrega e adiciona a outra, de forma genérica, necessária para a constituição

jurídica do crime. É a vontade que excede à do tipo, ampliando seu conteúdo

subjetivo.126.

Apesar de revogado, cita-se como exemplo, o crime de rapto

para fim libidinoso, aonde não basta a simples vontade de o agente raptar a vítima,

sendo também necessária a sua finalidade especial de quer manter prática

libidinosas, porque esse fim específico é exigido pelo tipo penal do art. 219 do CP,

de maneira que, ausente, não se torna possível proceder à adequação típica127.

3.1.3.9 Dolo geral

Existe esta espécie nos casos em que o agente, supondo ter

conseguido o resultado pretendido, pratica nova ação que, esta sim, vem a resultar

no evento128. Chamado de então, “erro sucessivo”, ocorrendo um fato que se divide

em duas fases.

125 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte geral (arts. 1° a 120). 24. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Atlas, 2007. p. 134. 126 PEDROSO. Fernando de Almeida. Direito penal – parte geral. 2. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Universitária, 1997. p. 214. 127 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte Geral. 4. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 181. 128 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Parte geral (arts. 1° a 120). 24. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Atlas, 2007. p. 134.

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Primeiramente, a realização de determinada conduta tem por

fim à produção de determinado resultado. E, segundo, crendo que o evento

desejado em face do primeiro comportamento já ocorreu, o agente passa a realizar

uma segunda conduta com finalidade diferente, verificando-se que o resultado

querido na primeira fase só acontece por causa da ação concretizada na

segunda129.

Para esclarecimento do caso, Fernando Capez apresenta como

exemplo:

“A” esfaqueia a vítima e pensa que a matou. Imaginando já ter atingido o resultado pretendido e supondo estar com um cadáver em mãos, atira-o ao mar, vindo a causar, sem saber, a morte por afogamento. Operou-se um equívoco sobre o nexo causal, pois o autor pensou ter matado a infortunada vítima a facadas, mas, na verdade, matou-a afogada. Tal erro é irrelevante para o Direito Penal, pois o que importa é que o agente quis praticar o homicídio e, de um modo ou de outro, acabou fazendo-o. O dolo é geral e abrange toda a situação, desde as facadas até o resultado morte, devendo o sujeito ser responsabilizado por homicídio doloso, desprezando-se o erro incidente sobre o nexo causal (achou que matou a facadas, mas acabou matando por afogamento, fato sem importância para o ordenamento jurídico). Mais. Leva-se em conta o meio que o agente tinha em mente (golpes de faca) e não o acidentalmente empregado (asfixia por afogamento), não sendo possível aplicar a qualificadora da asfixia130.

Portanto, nesta espécie de dolo, o agente achando que já

produziu o resultado pretendido, pratica o exaurimento quando então, atinge a

consumação.

3.2 VALOR MORAL PARA QUEM COMETE OS MAIS VARIADOS CRIMES DE

ABORTO

Inicia-se este ponto, necessário se faz conceituar vários

institutos que serão aplicados analogicamente ao tema proposto.

129 JESUS, Damásio de. Direito penal. Parte geral. 28. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 294. 130 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte Geral. 4. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 181.

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A questão do aborto, uma vez que, além de depender de vários

aspectos sociais, culturais, morais, políticos e econômicos, envolve interesses

colidentes de diferentes seres, independentemente de ser o feto/embrião

considerado, ou não, como pessoa131.

3.2.1 Paradigmas Morais

A discussão sobre o aborto é matéria recente na sociedade

brasileira. E essa talvez seja a principal razão pela qual sempre que o assunto está

em pauta imperem as posições radicais e, raramente, o bom senso. Essas posições

radicais sejam elas favoráveis ou contrárias à prática do aborto, têm impedido uma

reflexão mais ponderada por parte da sociedade, o que é comprovado por

resultados incoerentes em pesquisas de opinião que se realizam sobre o assunto, e

que abordaremos logo a seguir. Afirmações do tipo "o aborto é o método mais

eficiente para evitar ou controlar uma explosão demográfica" ou "o aborto é um

método excelente de planejamento familiar" ou "o aborto é pecado" ou "o aborto é

crime", veiculadas com elevada carga de emotividade pelas pessoas que

radicalizam suas posições a favor ou contra, têm confundido a sociedade em geral e

retardado uma reflexão mais racional por parte das pessoas132.

A legalização é apenas um aspecto, conjunturalmente

importante, de um processo mais amplo de luta contra uma sociedade organizada

sobre o aborto social de seus filhos e filhas. Uma sociedade que não tem condições

objetivas de dar emprego, saúde, moradia e escolas é uma sociedade abortiva. Uma

sociedade que obriga as mulheres a escolherem entre a permanência no trabalho ou

a interrupção da gravidez é abortiva. Uma sociedade que continua permitindo que se

façam testes de gravidez antes de admitir as mulheres em diferentes empregos é

abortiva. Uma sociedade que silencia a responsabilidade dos homens e apenas

culpabiliza as mulheres, desrespeita seus corpos e sua história, é uma sociedade

excludente, sexista e abortiva. A concentração da culpa do aborto na mulher, a 131 ALENCAR, Myllena F. C. R. Quem são os sujeitos dos direitos humanos? Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8636>. Acesso em: 19. mar. 2008. 132 BACHA, Ângelo Maria; GRASSIOTTO, Osvaldo da Rocha. Aspectos Éticos das Práticas Abortivas Clandestina. Disponível em : <http://www.cremal.org.br/revista/bio1v2/aspecteti.html>. Acesso em: 14. abr. 2008.

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criminalização deste ato é uma forma de velar nossa responsabilidade coletiva e o

nosso medo de assumi-la publicamente133.

3.3 INFANTICÍDIO

Primeiramente, como paradigma teremos o crime de

infanticídio, positivado no Código Penal em seu art. 123134.

Seguindo o dispositivo citado, podemos definir o infanticídio

como sendo o homicídio da mãe contra o próprio filho, durante o parto ou logo após,

sob influência do estado puerperal. Assim o definiu o Código Penal Brasileiro no art.

123, cominando pena de detenção de dois a seis anos.135.

Já para Damásio de Jesus, ele utiliza três critérios para

conceituar o infanticídio, que são: psicológico, fisiopsicológico e misto. Explicando-

os:

De acordo com o critério psicológico, o infanticídio é descrito tendo em vista o motivo de honra. Ocorre quando o fato é cometido pela mãe a fim de ocultar desonra própria. Era o critério adotado pelo CP de 1969. Nos termos do critério fisiopsicológico, não é levada em consideração a honoris causa, isto é, o motivo de preservação da honra, mas sim a influência do estado puerperal. É o critério de nossa legislação penal vigente. De acordo com o conceito misto, também chamado composto, leva-se em consideração, a um tempo, a influência do estado puerperal e o motivo de honra. Era o critério adotado no Anteprojeto do CP de Nelson Hungria (1963)136.

133 BACHA, Angelo Maria. GRASSIOTTO, Osvaldo da Rocha. Aspectos éticos das práticas abortivas clandestina. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/revista/bio1v2/aspecteti.html>. Acesso em: 19. mar. 2008. 134 BRASIL. Legislação brasileira. p. 439. “Art. 123. Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após. Pena – Detenção, de dois a seis anos”. 135 TELES, Ney Moura. Direito penal: parte especial: arts. 121 a 212. 2. ed. v. 2. São Paulo: Atlas, 2006. p. 122. 136 JESUS, Damásio de. Direito penal. Parte geral. 28. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 106.

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Se a mulher vem a matar outro infante nascido, supondo tratar-

se do próprio filho, sob a influência do estado puerperal, logo após o parto,

responderá por infanticídio (infanticídio putativo), se o morto pela mãe for adulto,

responderá ela por homicídio137.

Portanto, o infanticídio é constituído pelo fato de a mulher

matar o próprio filho, no curso do processo do parto ou imediatamente depois, e sob

a influência do estado puerperal. O núcleo do tipo é a destruição de uma vida, onde

o sujeito ativo é a própria mãe, e se tem o filho ou recém-nascido como sujeito

passivo.

3.4 ESTADO PUERPERAL

O período compreendido entre o parto e o retorno do útero a

seu estado normal é denominado puerpério e tem uma duração média de 45 dias138.

Explica Damásio de Jesus o que venha a ser o estado

puerperal:

[...] é o conjunto das perturbações psicológica e físicas sofridas pela mulher em face do fenômeno do parto. Não é suficiente que a mulher realize a conduta durante o estado puerperal. É necessário que haja uma relação de causalidade entre a morte do nascente ou neonato e o estado puerperal. Essa relação causal não é meramente objetiva, mas também subjetiva. O CP exige que o fato seja cometido pela mãe “sob influência do estado puerperal”139.

Do ponto de vista da medicina legal, José Odir Romero, elucida que:

Definiu-se como o espaço de tempo que vai desde o desprendimento da placenta até o retorno do organismo materno às condições anteriores a gravidez. Podemos classificá-lo em puerpério imediato (até aproximadamente 10 dias, onde observamos a laquiação), tardio

137 CROCE, Delton. Manual de medicina legal. 2 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 463. 138 DEL-CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara. Medicina Legal. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 211. 139 JESUS, Damásio de. Direito penal. Parte geral. 28. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 106.

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(de 10 a 45 dias, onde ocorre a involuçãototal) e remoto (além de 45 dias, onde as mulheres não lactantes costumam mestruar)140.

Portanto, o estado puerperal é uma espécie de perturbação

psíquica decorrente do parto. Em face do estresse, fadiga, emoção, dores do parto

que a mulher sai de seu estado psicológico normal durante um tempo.

3.4.1 Analogia entre o aborto e o infanticídio

Dentro desta analogia, podemos observar algumas que cabem

tanto para os crimes de aborto quanto aos crimes de infanticídio.

Assim, ensina Paulo Sérgio Leite Fernandes, citando alguns

exemplos como a infração afiançável (arts. 123 e 124 do Código Penal) mas a

afiança não é concedida por ser a ré reincidente em crime doloso. A solução, então,

será a intimação, na pessoa da ré, da sentença de pronúncia141.

Outra semelhança acontece em alguns casos de absolvição

sumária, previstos nos dispositivos 17142, 18143, 22144 e 24145, § 1°, todos do Código

Penal.

Algumas dessas circunstâncias são aplicáveis a réus

processados pela prática do delito de aborto e infanticídio. Por exemplo:

140 ROMERO, José Odir. Roteiro de medicina legal. São Jose dos Campos: Univap, 2002. p. 70. 141 FERNANDES, Paulo Sérgio Leite. Aborto e infanticídio: doutrina, legislação, jurisprudência e prática. 3 ed. rev e amp. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1996. p. 149. 142 BRASIL. Legislação brasileira. p. 432. “Art. 17. Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consuma-se o crime”. 143 BRASIL. Legislação brasileira. p. 432. “Art. 18. Diz-se o crime: I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligencia ou imperícia. Parágrafo único: Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente”. 144 BRASIL. Legislação brasileira. p. 432. “Art. 22. Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”. 145 BRASIL. Legislação brasileira. p. 432. “Art. 24. Considerar-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. § 1.° Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo”.

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a) art. 26 do Código Penal, referente a insanidade mental do réu; b) art. 20, § 1.°. É o caso do médico que supõe, por erro

plenamente justificado pelas circunstâncias, que determinada mulher grávida, morrerá caso não lhe seja efetuado o aborto. É evidente que a isenção de pena, no caso, só virá se a demonstração das circunstâncias justificativas for a molde a convencer plenamente; a não ser assim, a hipótese viria a ser chocar contra o art. 20, § 1.°, em sua parte final;

c) coação irresistível – Já apreciada concretamente pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que decidiu:

“0 crime de abortamento constitui, em verdade, um autêntico homicídio. Admite portanto, em tese, certas excludentes, como o estado de necessidade e a coação irresistível” – Revista dos Tribunais, vol. 274, p. 202146.

Sendo assim, podemos destacar algumas semelhanças entre o

crime de aborto e o de infanticídio, deixando de forma clara, algumas excludentes.

3.5 PSICOSE DA MULHER DURANTE A GRAVIDEZ

Tanto na gestação de um feto anencéfalo, como na gravidez

resultante de estupro, produzem agonia psicológica na mulher.

Pois na primeira situação, a gestante observa que cada dia que

passa o feto dá um desenvolvimento agônico para o caminho da morte; já na

segunda situação, porque os nove meses de gestação representam uma suprema

exigência e sofrimento da mãe que a cada instante estará revendo as cenas

horrendas que produziram esta gravidez147.

Outrossim, com relação ao abalo psicológico, propriamente

dito, pode-se dizer que:

O dano psicológico sofrido pela gestante que optou por interromper a gravidez se, possibilidade de êxito, e teve que insistir no prosseguimento desta em virtude da norma penal, além do sofrimento natural, poderá ensejar grave comprometimento psicológico, sendo comparado ao processo de tortura. Por

146 FERNANDES, Paulo Sérgio Leite. Aborto e infanticídio: doutrina, legislação, jurisprudência e prática. 3 ed. rev e amp. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1996. p. 157-158. 147 BUSATO, Paulo César. Tipicidade material, aborto e anencefalia. Revista Novos Estudos Jurídicos. Itajaí: UNIVALI, v. 10, n. 2, jul./dez. 2005. p. 586.

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conseguinte, esta atitude constitui-se em violação de norma constitucional, posto que ela garante o direito de ninguém ser submetido à tortura ou tratamento degradante (art. 5.°, inciso III, da Constituição Federal)148.

Observa-se, portanto, que obrigar uma mulher a conservar em

seu ventre, por longos meses, o filho que não poderá ter impõe a ela sofrimento inútil

e cruel. Adiar o parto, que não será uma celebração da vida, mas um ritual de morte,

viola a integridade física e psicológica da gestante, em situação análoga a tortura149.

Diante desta situação, observa-se numa entrevista feita com

uma mulher que via sua gravidez progredir e as reações psicológicas sofridas, então

ela responde: A gravidez não é uma enfermidade. É um acontecimento natural que

aconteceu durante milhares de anos, em cada geração. Os corpos das mulheres

estão programados de modo instintivo para nutrir e sustentar a vida. A relação

psicológica entre a mãe e seu filho não nascido é posta em funcionamento por

mudanças físicas e hormonais, mas também por um sistema de apoio à mulher e por

uma cultura. Conforme a gravidez avança, a mãe pode ter tanto sensações positivas

como negativas sobre as mudanças na forma de seu corpo. O terceiro trimestre

pode incluir ansiedade sobre o nascimento, preocupações pela saúde de seu bebê;

preocupações sobre como se adaptará seu casal ao novo membro da família, assim

como preocupações econômicas150.

Para a prática do aborto, encontramos algumas justificativas

dadas, que podemos citar como: estado de necessidade, situação sócio-econômica,

situação de honoris causa, entre outras.

148 RAMOS, Luiz Antonio Marcatto. Análise jurídica sobre a admissibilidade ou não da interrupção seletiva da gravidez nas malformações incompatíveis com a vida/anencefalia. Revista da ESMESC. Florianópolis: ESMESC, v. 12, n. 18, jan./dez. 2005. p. 434-435. 149 COUTINHO, Luiz Augusto. Aborto em caso de anencefalia: crime ou exigibilidade de conduta diversa. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre: Magister, v. 4, fev./mar. 2005. p. 70. 150 BURKE, Theresa. Aborto e depressão. Disponível em: < http://www.portaldafamilia.org/artigos/artigo520.shtml>. Acesso em: 14. abr. 2008.

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3.6 SITUAÇÃO DE ESTADO DE NECESSIDADE

Temos esta situação aparada no art. 24 do Código Penal, no

qual o estado de necessidade serve para preservar a vida da gestante que está

correndo riso.

Portanto, não importa se matar um embrião de quatro

semanas, como um feto já com nove meses, se for para salvar a vida da gestante,

está justificado o estado de necessidade.

Neste caso, é uma forma de proteger um bem maior,

consagrado pela fundamental importância sobre outras vidas. A solução jurídica

encontrada no conflito desses dois é o sacrifício do bem menos151, no caso o feto.

Afirmam alguns que nem mesmo uma mãe cardíaca tem o

direito de abortar, prolongando mais um pouco sua vida em detrimento daquela vida

que, forte, teria condições de longa sobrevivência. Um dia a mais que seja no

prolongamento da vida é um dia a mais de vida. Não se pode, portanto, preferir o

filho à mãe. O problema é intrincado. Os direitos de mãe e filho se igualam. Mas o

estado de necessidade justificaria a morte do filho em benefício da mãe152.

Assim, estando comprovado a situação de estado de

necessidade, como um estupro, ou a existência de anomalia fetal (sendo autorizada

em juízo), será realizado o aborto na maior naturalidade possível, conhecido como

aborto sentimental ou terapêutico.

151 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina legal. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koagan, 2003. p. 263-264. 152 FERNANDES, Paulo Sérgio Leite. Aborto e infanticídio: doutrina, legislação, jurisprudência e prática. 3 ed. rev e amp. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1996. p. 55.

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3.7 SITUAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA

Não é uma decisão fácil quando a mulher pensa em ser mãe,

onde num primeiro momento parece ser uma decisão individual, quando na verdade

depende mais de condição social e econômica.

Sem dúvida, se as condições socioeconômicas do país fossem

diferentes, se houvesse fornecimento de creches, aposentadoria decente, serviços

médico-hospitalares, distribuição de renda, ou serviços básicos de infra-estrutura,

existissem oportunidades sociais para que a mulher procurasse, em primeiro lugar,

sua realização pessoal através do trabalho, dos estudos, ela poderia melhorar seu

padrão financeiro de vida e optar pela maternidade como mais uma forma de

realização enquanto mulher153.

O que se observa é que as condições de realização do aborto

são muito mais precárias nas classes sociais desfavoráveis do que nas outras154.

Com relação a crise econômica, ela contribui gradativamente

para a diminuição da natalidade. Havendo progresso, paz e equilibro econômico,

automaticamente, o nível de crescimento aumenta155.

De acordo com a Federação Internacional de Planejamento

Familiar, o Brasil é responsável por 1 milhão de interrupções de gravidez de forma

insegura a cada ano. O estudo revela que a média brasileira no ano passado foi de

2,07 abortos induzidos por grupo de 100 mulheres. O problema é mais grave na

Região Nordeste, onde a taxa é de 2,73, maior que a média nacional. A Região Sul

foi a que apresentou a menor taxa, de 1,28 por 100 mulheres. O relatório aponta o

Nordeste como uma das regiões de menor poder econômico, onde as mulheres têm

153 VERARDO, Maria Tereza. Aborto um direito ou um crime? São Paulo: Moderna, 1987. p. 23. 154 VERARDO, Maria Tereza. Aborto um direito ou um crime? São Paulo: Moderna, 1987. p. 31. 155 FERNANDES, Paulo Sérgio Leite. Aborto e infanticídio: doutrina, legislação, jurisprudência e prática. 3 ed. rev e amp. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1996. p. 62-63.

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70

menos acesso aos serviços de saúde e que concentra as maiores taxas de

analfabetismo, de 18%156.

E que elevado de abortos no Brasil é sobretudo um problema

sócio-econômico. O Nordeste é a região mais pobre do Brasil, onde as mulheres têm

menos acesso à informação, menos acesso aos meios de evitar uma gravidez e que

portanto se vêem desesperadas com a gravidez indesejada e recorrem ao aborto em

maior número157.

Portanto, esta situação é praticada para impedir que se agrave

a situação de penúria ou de miséria da gestante ou de sua família158.

3.8 SITUAÇÃO DE HONORIS CAUSA

Esta situação acontece em caso que a gravidez vem em

decorrência de uma relação extraconjugal, sendo também uma espécie de aborto

criminoso.

Ou também quando acontece o abandono de recém-nascido

para esconder a desonra própria, se tem a previsão no art. 134159 do CP.

Sujeito ativo do delito de exposição ou abandono de recém-

nascido só pode ser a mãe que concebeu extra matrimonium e o pai adulterino ou

156 ANDRADE, Juliana. Cerca de 1 milhão de abortos inseguros são realizados por ano no Brasil. Disponível em: <http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/05/30/materia.2007-05-30.2946160483/view >. Acesso em: 12 abr.2008. 157 ANDRADE, Juliana. Cerca de 1 milhão de abortos inseguros são realizados por ano no Brasil. Disponível em:<http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/05/30/materia.2007-05-30.2946160483/view>. Acesso em 14. abr. 2008 158 ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Manual de direito penal – parte especial (arts. 121 a 212). 3. ed. atual. e aum. v. 2. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 18. 159 BRASIL. Legislação brasileira. p. 440. “Art. 134. Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria: Pena – detenção, de meses a dois anos. § 1.° Se o fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – detenção, de um a três anos. § 2.ª Se resulta morte: Pena – detenção, de dois a seis anos”.

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incestuoso. Já com relação ao sujeito passivo será o recém-nascido até o momento

da queda do cordão umbilical160.

Se a intenção da mãe for lesão corporal, responderá por este

crime. Quando matar o recém-nascido, será infanticídio se estiver em estado

puerperal, e homicídio privilegiado se atuou apenas para ocultar a desonra

própria161.

Sendo assim, ensina Damásio de Jesus que:

A mulher que concebe extra matrimonium essa reprovação, marcando o produto da concepção com o sinal da ilicitude de sua origem. Por isso, o período de gravidez é acompanhado por uma tortura íntima, uma tempestade psíquica, um choque entre sua honra subjetiva e objetiva (reputação). De um lado, o sentimento próprio de sua dignidade, a par da pretensão natural de preservação da vida do infrans conceptus, provoca a reação à prática da interrupção da gravidez. De outro, aparece sua honra objetiva, sua reputação, que será lesada pela intolerância social em face de seu produto do erro amoroso. Entre os dois interesses, premida pelas circunstâncias, pode provocar aborto para ocultar a desonra, ou permitir que com esse fim outrem lho provoque. Além disso, a mulher pode expor ou abandonar a vítima para ocultar para ocultar a desonra própria. Surge, então, a exposição ou abandono de recém-nascido honoris causa162.

Portanto, a honra tratada, refere-se a de natureza sexual, a de

boa-fama ou também a da reputação, pois se a pessoa e desonesta ou tem sua

honra não conhecida pela sociedade, não há que se falar em preservação de honra.

3.9 ANALOGIA DA LEI PENAL

É importante que se tenha bastante atenção para não se

cometer engano em relação à lei penal.

160 JESUS, Damásio de. Direito penal. Parte geral. 28. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 174. 161 TELES, Ney Moura. Direito penal: parte especial: arts. 121 a 212. 2. ed. v. 2. São Paulo: Atlas, 2006. p. 199. 162 JESUS, Damásio de. Direito penal. Parte geral. 28. ed. rev. e atual. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 175.

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Assim, ensina Romeu Falconi que:

Vê-se que, na prática, as coisas não são tão fáceis como na teoria. Aliás, já se disse em outra parte que o Direito só é perfeito enquanto produto de laboratório. Enquanto pensado pela Ciência Jurídica. Assim, há necessidade premente de um labor hermeneutico sério para que, no cotidiano, se possa entender a aplicação da lei. São, na realidade, uns poucos artigos, mas que dependem de muita atenção e esclarecimento quanto ao desempenho de todo o sistema normativo penal163.

Observa-se uma analogia da lei penal quando a mesma se

estende a caso não previsto, mas semelhante, em relação ao qual existem as

mesmas razões que fundamentam a disposição legal. A analogia é um recurso

indispensável, quando se depara com lacunas no direito positivo. No direito penal,

todavia, sofre ela as limitações impostas pelo princípio da reserva legal (nullum

crimen, nulla poena sine lege), inserido no dispositivo 1164.º do Código Penal. Não é

possível aplicar analogicamente a lei penal para criar novas figuras de delito ou para

contemplar penas ou medidas de segurança que estejam taxativamente previstas,

ou para agravar a situação do réu165.

Corrobora ainda Luís Paulo Sirvinskas:

O juiz, ao constatar lacunas no direito, poderá socorrer-se da analogia para interpreta-las. Contudo, não se pode aplicar essa analogia para criar novos tipos penais. Por outro lado, não pode esta ser utilizada para prejudicar o réu. Não se admite, assim, a analogia in malam partem. À semelhança do princípio da irretroatividade da lei penal, não pode ser utilizar a analogia para criar novos tipos penais. Como se viu, somente a lei penal pode criar novos tipos ou alterar a legislação para torna-la mais rigorosa166.

Há situações em que, ocorre a lacuna, sendo mister recorrer

aos fundamentos do direito. O direito brota do contexto cultural e segue uma idéia

163 FALCONI, Romeu. Lineamentos de direito penal. 3. ed. rev. amp e atual. São Paulo: Icone, 2002. p. 123. 164 BRASIL. Legislação brasileira. p. 431. “Art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. 165 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 88. 166 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Introdução ao estudo do direito penal. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 130.

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racional: criar o justo equilíbrio entre os interesses da coletividade e dos particulares.

Quando, portanto, há uma lacuna deve-se recorrer a essa lei suprema167.

É possível, assim, aplicar analogicamente as normas de caráter

geral que excluem a ilicitude ou a culpabilidade. Observa-se como exemplo, o art.

128, II, do CP, que estabelece a impunibilidade do aborto, se a gravidez resulta de

estupro (desde que o aborto seja praticado por médico e seja precedido de

consentimento da gestante). Esta é norma excepcional. Não é possível aplica-la

analogicamente para abranger os casos em que a gravidez resulte de outro crime

sexual, como sedução e corrupção de menores, embora tal aplicação viesse

beneficiar o réu168.

167 JUNIOR, Miguel Reale. Teoria do delito. 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 107. 168 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 88.

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74

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho em discussão, vem tratar da intensidade

do dolo nos crimes de aborto. Dando ênfase aos diversos tipos de dolo encontrados

nos mais variados tipos de aborto.

Importante destacar que, o trabalho elaborado, se revista em

uma separável polêmica, ou seja, por se tratar de um direito protegido

constitucionalmente que é o direito à vida, e que tem como alvo os mais diversos

tipos de aborto ora de forma incriminadora ou através de não configuração de crime.

Todavia, o Código Penal brasileiro faz diversas previsões que

devem penalizar tanto a gestante como o terceiro que a comete o crime, tendo essas

previsões ambasamento entre os dispositivos 124 a 126 do CP, trazendo no art.

127, as qualificadoras e no art. 128, os casos de permissão de aborto.

Ora, neste último dispositivo mencionado acima, tramita um

projeto de lei, desde de 1997, para que aja o acréscimo de um terceiro inciso,

dizendo que, no caso de anomalia fetal não há configuração de crime, assim como

ocorre nos casos de estupro ou risco de vida materna.

Portanto, não vejo porque tanta demora em aprovação do

referido projeto, já que, são tipos de gravidez que traz um desgaste mental e

psicológico imenso para os pais, deixando em muitos casos seqüelas para o resto

da vida. Para que se possa efetuar esses tipos de aborto, atualmente são

necessárias ordens judiciais, no qual através de alvará o juiz concede a autorização

do procedimento, mas fica a pergunta, porque tanta demora para a aprovação de um

projeto de lei que permite o aborto nessa situação? Para que se tenha noção de

números de alvarás concedidos, em 1993, foram autorizados mais de 350

realizações de aborto em fetos com mal formação, ou seja, já se passaram quinze

anos e esse número vem aumentado assustadoramente.

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Visualizo pelo desgaste sofrido pelos pais, o cansaço metal e

psicológico que passam, em saber que seu filho não terá nenhuma possibilidade de

sobrevivência, mais mesmo assim, tem que esperar um alvará judicial para que seja

concedido o aborto, ou passar nove meses de gestação, para ao final telo que fazer

seu sepultamento. Os nossos julgadores têm o dever de perceber que vivemos em

um Estado Democrático de Direito, onde à vontade dos pais devem prevalecer sobre

a do Estado.

Com relação aos dolos praticados pela gestante e por terceiro

que a comete, observa-se que nos mais variados tipos, podemos enquadrar o

agente que comete o crime de aborto em uma das espécies, já que, temos o dolo

caminhando junto com os crimes de aborto, pois o dolo é à vontade de cometer o

crime, e o aborto nada mais é que à vontade de matar o feto.

Pois vejamos, temos um grande índice de aborto praticado por

pessoas de uma classe social menos desfavorecida, que acarretam também as

condições precárias onde são realizados os abortos, ocasionando sérios riscos à

saúde da gestante e em muitos casos levam a morte.

Assim, é necessário que os nossos juristas, autorizem, por

exemplo, a laqueadura em determinadas mulheres, pois não é difícil de se observar

mães solteiras com três, quatro ou cinco filhos, que vivem nas piores condições

sociais possíveis, e mais, a grande maioria dessas crianças crescem no meio da

criminalidade, acarretando um outro problema, ou seja, serão marginais e

cometeram os mais variados tipos de crimes possíveis, inclusive o aborto e suas

parceiras.

Finalmente, se nossos políticos e julgadores, não alterarem a

lei, para que mães sem as mínimas condições de sobrevivência própria, ainda

tenham diversos filhos, ou seja, ficam “fabricando” futuros marginais, mais que no

mínimo aplicam as penas de cometimento de aborto de forma mais gravosa,

introduzindo mais agravantes em se tratando do tipo de dolo que foi utilizado.

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ANEXO

1. Projeto de lei n°. 4360 de 2004.

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PROJETO DE LEI No 4360 DE 2004

(Do Sr. Dr. Pinotti)

Acrescenta inciso ao artigo 128 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de

1940.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1o É isenta de ilicitude a interrupção da gravidez em caso de gestante

portadora de feto anencéfalo.

Art. 2º O art. 128 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa a

vigorar acrescido do seguinte inciso:

“Art. 128..................................................................................

I -.............................................................................................

II -............................................................................................

III – se o feto é portador de anencefalia, comprovada por laudos independentes de

dois médicos (NR).”

Art.3º Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.

Tradicionalmente tratadas como cidadãs de segunda classe, as mulheres enfrentam

situação de injustiça e de discriminação em nossa sociedade, comprovada em fatos

como: preconceitos, salários menores, jornadas sucessivas de trabalho, menores

índices de escolaridade, agressões e violências, discriminação profissional, assédio

direto e indireto, responsabilidade pelo sustento de famílias, altas taxas de

mortalidade materna, abuso sexual na infância/adolescência e grande carga de

trabalho doméstico não reconhecido pelo sistema previdenciário. Delas se espera,

ainda, que estejam sempre sexualmente disponíveis, não transmitam doenças, não

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84

engravidem com muita freqüência, que alimentem, eduquem e cuidem das crianças,

das roupas e da casa.

Para um grande número de mulheres, a gestação, o parto e o puerpério ainda estão

cercados de muitos riscos. Esta realidade ainda inclui o grande estresse e o drama

pessoal da gravidez indesejada, o risco físico dos abortos clandestinos, das suas

complicações, mutilação e morte. A taxa de mortalidade materna, no Brasil, por

exemplo, ultrapassa muito o que poderia ser considerado razoável.

Estas são apenas ilustrações de como o processo de discriminação contra a mulher

ainda continua com muita força, sem que a sociedade se dê conta de sua extensão

e gravidade.

Hoje, entretanto, estamos agravando ainda mais a carga já insuportável da grande

maioria das mulheres brasileiras ao impedir a interrupção da gravidez quando o feto,

comprovadamente, padece de anencefalia, ou seja, não possui o cérebro

desenvolvido. A anencefalia é uma anomalia congênita do sistema nervoso central

resultante da falha de fechamento do tubo neural entre o 23º e o 26º dia de

gestação, incapacitando o concepto para a vida extra-uterina. Pela anomalia do

cerebelo, não há controle de temperatura corpórea e da freqüência respiratória, o

que torna impossível a sobrevida dessas crianças (Hunter, 1983).

Nos EUA a incidência de anencefalia é 1:1000 nascimentos. Na Irlanda e Países de

Gales, 5 a 7:1000 nascimentos. Na França e no Japão, 0,1 a 0,6:1000 nascimentos.

No Brasil, 1:1.600 (Gorlin et al., 2001; Ogata et al., 1992; Rotta et al., 1989).

Na maioria dos casos a anencefalia é do sexo feminino e de etiologia multifatorial

decorrente da interação entre fatores genéticos e ambientais. Os fatores ambientais

envolvidos estão relacionados à exposição materna no primeiro trimestre de

gestação a produtos químicos (solventes orgânicos, etc), irradiações, ruptura da

membrana amniótica (brida amniótica), hipertemia materna, diabetes materna,

deficiência materna de ácido fólico, alcoolismo, tabagismo, fármacos como

antidepressivos tricíclicos, antiácidos, antidiarréicos, corticoesteróides, analgésicos,

antieméticos, antibióticos, antiparasitários e antigripais (Ogata et al., 1992;

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Mutchinick et al., 1990; Sanford et al., 1992). A incidência de malformações do

concepto em mães diabéticas é de 6 a 16 vezes maior do que na população geral.

Hoje em dia o diagnóstico pré-natal dos casos de anencefalia tornou-se simples.

Não é necessária a realização de exames invasivos, apesar dos níveis de alfa-

fetoproeína aumentados no líquido amniótico obtido por amniocentese ser o método

de diagnóstico (Cohen & Zapata, 1985).

O reconhecimento de concepto com anencefalia é imediato. O crânio está ausente

ou bastante hipoplásico. Não há ossos frontal, pariental e occipital. A face é

delimitada pela borda superior das órbitas que contém globos oculares salientes. A

abóboda craniana é substituída por massa mole de coloração violácea e aspecto

angiomatoso. O cérebro encontra-se exposto e o tronco cerebral é deformado. Os

nervos cranianos são hipoplásicos. A hipófise está ausente ou vestigial, com neuro-

hipófise hipoplásica. O hipotálamo está ausente na maioria dos casos, assim como

as conexões entre adeno-hipófise e o SNC (Ogata et al., 1992).

A confirmação diagnóstica é realizada pelo ultra-som, em que não é visualizado o

contorno ósseo da calota craniana do concepto. Esse diagnóstico pode ser realizado

hoje a partir de 12 semanas de gestação (Brimdage, 2002; Ross & Elias, 1997).

No que diz respeito à prática da interrupção de gestação com fetos anencéfalos a

Organização Mundial da Saúde publicou tabela que mostra os percentuais que

ocorrem em diferentes regiões e países do mundo. Nela, pode-se verificar a alta

incidência do aborto induzido na prática de atendimentos desses casos. Em países

como a França, Suíça, Bélgica, Áustria, Israel e Rússia a interrupção da gravidez

ocorre quase sempre em 100% dos casos.

Mesmo em países com extensa tradição católica, como Itália e Espanha, a

interrupção da gravidez com fetos anencéfalos é realizada na imensa maioria dos

casos: de 80% a 85%. No Reino Unido, Alemanha e Finlândia, as taxas aproximam-

se a 90%.

Somos da opinião de que ao se diagnosticar um feto anencéfalo, deverá ser permitido ao casal decidir de uma maneira totalmente informada e livre sobre a

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interrupção ou o seguimento da gravidez. Essa opinião baseia-se nos seguintes fatos:

a) não há nenhuma possibilidade de sobrevivência prolongada para esse tipo de

patologia;

b) a gravidez com anencéfalo traz para mãe maior probabilidade de doença

hipertensiva específica da gravidez, e poliidramnio, além de causar, com grande

freqüência, um parto distócico pela própria condição de anencefalia;

c) com a metodologia propedêutica mais moderna, o diagnóstico da anencefalia

pode ser realizado com total segurança, devendo ser obrigatória, antes da

interrupção, uma segunda opinião de um obstetra experimentado.

Este projeto de lei tem o propósito de incluir, entre as causas que não incriminam a

realização do aborto, no Código Penal, a situação da gravidez com feto anencéfalo.

Não queremos obrigar o casal à interromper a gravidez, mas apenas permitir que a

decisão seja tomada por eles livremente, após todas as informações específicas do

seu caso, com o cuidado de se exigir dois laudos independentes para que não paire

nenhuma dúvida sobre o diagnóstico.

Evidente que, uma vez tornada lei essa possibilidade de interrupção, os serviços

públicos deverão oferecê-la àqueles casais que desejarem, cabendo aos médicos a

possibilidade de alegarem objeção de consciência, mas cabendo ao serviço a

obrigatoriedade do atendimento de acordo com desejo dos pais e o relatório feito

pelos médicos especialistas. Tais detalhamentos, no entanto, podem ser feitos na

regulamentação da lei, pelo órgão competente do Poder Executivo.

Sabemos que a questão envolve grande polêmica, por interferir com problemas

sociais, religiosos, médicos e éticos. O aborto provocado, que não pode ser

desvinculado do contexto da situação da mulher em nossa sociedade, é sem dúvida

um dos mais complexos e controversos fenômenos sociais que a humanidade

enfrenta.

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Independentemente de qualquer conceito religioso, é indiscutível que o aborto

provocado é uma agressão, é uma situação de violência que se faz sentir em

diferentes níveis. Ninguém em sã consciência é a favor do aborto. Os médicos,

formados em defesa da vida, e particularmente os ginecologistas, não podem senão

abominar a própria idéia da interrupção da gravidez. Como então conciliar esta

postura frente ao sofrimento e angústias de uma paciente gestante portadora de um

feto anencéfalo cuja probabilidade de sobrevivência é nenhuma?

Equivale à pratica da tortura a exigência de que a mulher gestante suporte a

situação de manter o feto anencéfalo até o fim do período gravídico. Além do mais,

esta gestante estará submetida a um parto complicado, de alto risco, que envolve

sofrimento e um esforço desgastante e infrutífero.

Todos esses motivos nos levam a apresentar este Projeto de Lei para o qual

solicitamos a aprovação dos colegas, Deputados desta Casa, pois temos a firme

convicção de que facultar ao casal a decisão de interromper a gravidez com feto

anencéfalo é, ainda, a melhor alternativa.

Sala das Sessões, em de de 2004.

Deputado DR.PINOTTI