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    Braslia a. 35 n. 139 jul./set. 1998 5

    1. IntroduoAo encerrar, no Senado Federal, a votao

    do Projeto do Cdigo Civil, apresentou o seurelator, Senador Josaphat Marinho, substan-cioso estudo no qual ressaltou a circunstnciade mover-se o legislador no espao que entre-meia a prudncia e a flexibilidade1, espao ecaminho adequados para solver a questo: hora de (re)codificar-se o Direito Civil?

    A esta indagao subjaz outra, mais frtil einquietante, qual seja, a de saber se possvelafirmar-se a existncia de umsistema de direitoprivado, vale dizer, de um conjunto normativo

    sistematicamente compreensvele passvel deapreenso em um corpus codificado. Respon-dendo afirmativamente questo quela ex-pressa, e que nela vem implcita , assinalou o

    O Direito Privado como um sistema emconstruoAs clusulas gerais no Projeto do Cdigo Civil brasileiro

    JUDITHMARTINS-COSTA

    Judith Martins-Costa Doutora em Direito pelaUniversidade de So Paulo. Professora na Faculdadede Direito da Universidade Federal do Rio Grande doSul.

    Siamo stati troppo abituati alle virt taumatur-giche del legislatori; siamo stati troppo affidargli ilmonopolio della produzione giuridica; siamo stati

    tropp abituati all`ossequio della legge in quanto legge,cio in quanto autorit e forma.

    (Paolo Grossi,Prefazione ao vol. 50 deQuaderni Fiorentini per la storia del pensiero

    giuridico moderno, Florena, 1996, p. VI).

    SUMRIO

    1. Introduo. 2. As clusulas gerais e o modelo

    de Cdigo na contemporaneidade: a) Caractersticasdas clusulas gerais; b) A estrutura das clusulas

    gerais; c) As funes das clusulas gerais. 3. As clu-sulas gerais no Projeto do Cdigo Civil brasileiro:a) A funo social do contrato; b) A clusula geral daboa-f objetiva. 4. Concluso.

    NOTASAOFINALDOTEXTO.

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    lorativos, ainda inexpressos legislativamente, destandards, mximas de conduta, arqutiposexemplares de comportamento, de deveres deconduta no-previstos legislativamente (e, porvezes, nos casos concretos, tambm no-advin-dos da autonomia privada), de direitos e deve-res configurados segundo os usos do trfego

    jurdico, de diretivas econmicas, sociais e pol-ticas, de normas, enfim, constantes de univer-sos metajurdicos, viabilizando a sua sistema-tizao e permanente ressistematizao no or-denamento positivo.

    A viabilidade das clusulas gerais para per-mitir essa sistematizao/ressistematizao nas-ce dos seus traos caractersticos, base de seuconceito (a), da sua estrutura (b) e funes (c).

    a) Caractersticas das clusulas gerais

    As clusulas gerais constituem uma tcnicalegislativa12 caracterstica da segunda metadedeste sculo13, poca na qual o modo de legislarcasuisticamente, to caro ao movimento codifi-catrio do sculo passado que queria a leiclara, uniforme e precisa, como na clebre dic-o voltaireana , foi radicalmente transforma-do, por forma a assumir a lei caractersticas deconcreo e individualidade que, at ento,eram peculiares aos negcios privados. Tem-se

    hoje no mais a lei como kanon abstrato e geralde certas aes, mas como resposta a especficose determinados problemas da vida cotidiana14.

    Por essa razo, nossa poca viu irromperem,na linguagem legislativa, indicaes de progra-mas e de resultados desejveis para o bem co-mum e a utilidade social (o que tem sido chama-do de diretivas ou normas-objetivo15), perme-ando-a tambm terminologias cientficas, eco-nmicas e sociais que, estranhas ao modo tradi-cional de legislar, so, contudo, adequadas ao

    tratamento dos problemas da idade contempo-rnea16. Mais ainda, os cdigos civis mais re-centes e certas leis especiais17 tm privilegiadoa insero de certos tipos de normas que fogemao padro tradicional, no mais enucleando-sena definio, a mais perfeita possvel, de certospressupostos e na correlata indicao punctuale pormenorizada de suas conseqncias.

    Pelo contrrio, esses novos tipos de nor-mas buscam a formulao da hiptese legal me-diante o emprego de conceitos cujos termos tmsignificados intencionalmente vagos e abertos,os chamados conceitos jurdicos indetermina-dos. Por vezes e a encontraremos as clusu-las gerais propriamente ditas o seu enuncia-do, ao invs de traar punctualmente a hiptese

    e as suas conseqncias, desenhado comouma vaga moldura, permitindo, pela vaguezasemntica que caracteriza os seus termos, a in-corporao de princpios, diretrizes e mximasde conduta originalmente estrangeiros ao cor-pus codificado, do que resulta, mediante a ativi-dade de concreo desses princpios, diretrizes

    e mximas de conduta, a constante formulaode novas normas.

    J por essas indicaes, percebe-se o quomultifacetrio o perfil das clusulas gerais, ra-zo pela qual, na busca do seu conceito, a dou-trina nada mais obtm do que arrolar a diversi-dade de suas caractersticas. Por isso, desdelogo rejeitada a pretenso de indicar um concei-to perfeito e acabado, entendo pertinente, aorevs, assinalar os traos que lhe vm sendorelacionados no que diz com o seu papel en-quanto tcnica legislativa, pois a, na contra-posio tcnica da casustica, que o seu per-fil poder ser traado.

    A contraposio entre ambas as tcnicas le-gislativas foi divulgada na muito conhecida obrade Karl Engish, traduzida em portugus comoIntroduo ao Pensamento Jurdico18. Esteafirma19 que a casustica constitui

    a configurao da hiptese legal (en-quanto somatrio dos pressupostos que

    condicionam a estatuio) que circuns-creve particulares grupos de casos na suaespecificidade prpria20.

    Essa noo completada em outra obra naqual assenta:

    A casustica no significa outra coi-sa seno a determinao por meio de umaconcreo especificativa, isto , regula-o de uma matria mediante a delimita-o e determinao jurdica em seu car-ter especfico de um nmero amplo de

    casos bem descritos, evitando generali-zaes amplas como as que significam asclusulas gerais21.

    A casustica, tambm dita tcnica da regu-lamentao porfattispecie, , portanto, a tc-nica utilizada nos textos normativos marcadospela especificao ou determinao dos elemen-tos que compem afattispecie. Em outras pala-vras, nas normas formuladas casuisticamente,percebe-se que o legislador fixou, do modo omais possvel completo, os critrios para aplicar

    uma certa qualificao aos fatos normados.Ora, esta tcnica legislativa provoca um efei-

    to imediato no momento da aplicao/interpre-tao do texto legislativo. que, em face da ti-pificao de condutas que promove, pouca

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    hesitao haver do intrprete para determinaro seu sentido e alcance, podendo aplicar a nor-ma mediante o processo mental conhecido comosubsuno. H uma espcie de pr-figurao,pelo legislador, do comportamento marcante outpico, pr-figurao a ser levada em conta pelointrprete, uma vez que o elaborador da lei op-

    tou por descrever a factualidade22.Este carter de determinao ou tipicidade

    que caracteriza a casustica vem sendo aponta-do como um dos principais, seno o principalfator de rigidez e por conseqncia, de enve-lhecimento dos cdigos civis. A razo est,conforme Natalino Irti, em que

    o legislador cria um repertrio de figu-ras e disciplinas tpicas (...) a qual o juizpouco ou nada pode aduzir para o disci-plinamento do fato concreto23.

    Por conduzirem o intrprete a uma subsun-o quase automtica do fato sob o paradigmaabstrato24, as disposies definitrias, taiscomo as da casustica, tm um carter de ri-gidez ou imutabilidade, o qual acompanha apretenso de completude, isto , a ambiode dar resposta legislativa a todos os proble-mas da realidade25.

    Em contrapartida, s clusulas gerais as-sinalada a vantagem da mobilidade, propor-

    cionada pela intencional impreciso26

    dos ter-mos da fattispecie que contm, pelo que afastado o risco do imobilismo, porquanto utilizado em grau mnimo o princpio da tipi-cidade27.

    Dotadas que so de grande abertura semn-tica, no pretendem as clusulas gerais dar, pre-viamente, resposta a todos os problemas da re-alidade, uma vez que essas respostas so pro-gressivamente construdas pela jurisprudncia.Na verdade, por nada regulamentarem de modo

    completo e exaustivo, atuam tecnicamente comometanormas, cujo objetivo enviar o juiz paracritrios aplicativos determinveis ou em outrosespaos do sistema ou por meio de variveistipologias sociais, dos usos e costumes objeti-vamente vigorantes em determinada ambinciasocial. Em razo dessas caractersticas, esta tc-nica permite capturar, em uma mesma hiptese,uma ampla variedade de casos cujas caracters-ticas especficas sero formadas por via juris-prudencial, e no legal.

    Considerada, pois, do ponto de vista da tc-nica legislativa, a clusula geral constitui umadisposio normativa que utiliza, no seu enun-ciado, uma linguagem de tessitura intencional-mente aberta, fluida ou vaga, caracteri-

    zando-se pela ampla extenso do seu camposemntico. Esta disposio dirigida ao juiz demodo a conferir-lhe um mandato (ou competn-cia) para que, vista dos casos concretos, crie,complemente ou desenvolva normas jurdicas,mediante o reenvio para elementos cuja con-cretizao pode estar fora do sistema; esseselementos, contudo, fundamentaro a deciso,motivo pelo qual no s resta assegurado ocontrole racional da sentena como, reiteradosno tempo fundamentos idnticos, ser viabili-zada, por meio do recorte da ratio decidendi, aressistematizao desses elementos, originari-amente extra-sistemticos, no interior do orde-namento jurdico28.

    Conquanto tenha a clusula geral a vanta-gem de criar aberturas do direito legislado di-

    namicidade da vida social, tem, em contraparti-da, a desvantagem de provocar at que con-solidada a jurisprudncia certa incerteza acer-ca da efetiva dimenso dos seus contornos. Oproblema da clusula geral situa-se sempre noestabelecimento dos seus limites29. por issoevidente que nenhum cdigo pode ser formula-do apenas, e to-somente, com base em clusu-las gerais, porque, assim, o grau de certeza jur-dica seria mnimo. Verifica-se, pois, com freqn-cia, a combinao entre os mtodos de regula-

    mentao casustica e por clusulas gerais, tc-nicas cuja distino por vezes inclusive restaextremamente relativizada, podendo ocorrer,numa mesma disposio, graus de casusmoe de vagueza30.

    Assim acontece, por exemplo, no vigente C-digo Civil Portugus: como bem lembra Jos Car-los Moreira Alves, este encontra-se fixado numaposio

    em que predomina o carter cientfico,com o seu conceitualismo e o emprego

    de clusulas gerais, sem abdicar, contu-do, do casusmo nas matrias que consti-tuem o ncleo bsico do direito civil, pelavantagem da certeza do direito31.

    Com efeito, em matria de direito das obriga-es considerando que a reside o ncleo nos do direito civil, mas da inteira disciplina ju-rdica , no se poderia colocar a alternativa cl-usulas gerais ou no, devendo-se pensar naconcomitncia entre estas e a casustica pelamesma razo apontada.

    A flexibilidade proporcionada pelas clusu-las gerais decorre de sua peculiar estrutura. Aesta devem-se as funes que podem desen-volver no ordenamento codificado. Cabe, pois,examin-las.

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    b) A estrutura das clusulas gerais

    Multifacetrias e multifuncionais, as clu-sulas gerais podem ser basicamente de trs ti-pos, a saber: a) disposies de tipo restritivo,configurando clusulas gerais que delimitam ourestringem, em certas situaes, o mbito de um

    conjunto de permisses singulares advindas deregra ou princpio jurdico. o caso, paradigm-tico, da restrio operada pela clusula geral dafuno social do contrato s regras, contratuaisou legais, que tm sua fonte no princpio daliberdade contratual; b) de tipo regulativo, con-figurando clusulas que servem para regular,com base em um princpio, hipteses de fatono casuisticamente previstas na lei, como ocor-re com a regulao da responsabilidade civil porculpa; e, por fim, de tipo extensivo, caso em que

    servem para ampliar determinada regulao jur-dica mediante a expressa possibilidade de se-rem introduzidos, na regulao em causa, prin-cpios e regras prprios de outros textos norma-tivos. exemplo o art. 7do Cdigo do Consu-midor e o pargrafo 2do art. 5da ConstituioFederal, que reenviam o aplicador da lei a ou-tros conjuntos normativos, tais como acordos etratados internacionais e diversa legislao or-dinria32.

    Seja qual for o tipo da clusula geral, o quefundamentalmente a caracteriza a sua peculiarestrutura normativa, isto , o modo que conjugaa previso ou hiptese normativa com as con-seqncias jurdicas (efeitos, estatuio) que lheso correlatas.

    bem verdade que o exame da estrutura dasclusulas gerais importa numa tomada de posi-o. H os que, como Engish, entendem que asclusulas gerais no possuem qualquer estru-tura prpria do ponto de vista metodolgico33,

    de maneira tal que estas no existem em sen-tido prprio, nada mais constituindo do quenormas ou preceitos jurdicos cujos termos sodotados de elevado grau de generalidade. Eh os que, como Cludio Luzzati, afirmam queas clusulas gerais constituem normas (parcial-mente) em branco, as quais so completadaspor meio da referncia s regras extrajurdicas.

    Consoante a primeira perspectiva de anli-se, as normas contidas em clusulas gerais noexigiriam processos de pensamento diferentes

    daqueles que so pedidos pelos conceitos in-determinados, os normativos e os discricionri-os34. Podem, nessa medida, ser tidas como nor-mas jurdicas completas, constitudas por umapreviso normativa e uma estatuio, com a par-ticularidade de a previso normativa, Tatbestand

    oufattispecie, no descrever apenas um nicocaso, ou um nico grupo de casos, mas possibi-litar a tutela de uma vasta gama (generalida-de) de casos definidos mediante determinadacategoria, indicada por meio da referncia a umpadro de conduta (v.g, conforme aos usos dotrfego jurdico), ou a um valor juridicamente

    aceito (v.g, boa-f, bons costumes, funo socialdo contrato).

    J o segundo vetor indica que as clusulasgerais, do ponto de vista estrutural, constituemnormas (parcialmente) em branco, as quais socompletadas mediante a referncia a regras ex-trajurdicas35, de modo que a sua concretizaoexige que o juiz seja reenviado a modelos decomportamento e a pautas de valorao36. ,portanto, o aplicador da lei, direcionadopelaclusula geral a formar normas de deciso, vin-culadas concretizao de um valor, de umadiretiva ou de um padro social, assim reconhe-cido como arqutipo exemplar da experinciasocial concreta.

    Esse direcionamento ocorre porque, diferen-temente das normas formadas por meio da tc-nica da casustica cujo critrio de valorao jvem indicado com relativa nitidez, sendo desen-volvido por via dos vrios mtodos de interpre-tao , a clusula geral introduz, no mbito nor-

    mativo no qual se insere, um critrio ulteriorde relevncia jurdica, vista do qual o juizseleciona certos fatos ou comportamentos paraconfront-los com determinado parmetro ebuscar, nesse confronto, certas conseqnciasjurdicas37 que no esto predeterminadas. Dauma distino fundamental: as normas cujo graude vagueza mnimo implicam que ao juiz sejadado to-somente o poder de estabelecer osignificado do enunciado normativo;j no querespeita s normas formuladas por meio de clu-

    sula geral, compete ao juiz um poder extraordi-nariamente mais amplo, pois no estar to-somente estabelecendo o significado do enun-ciado normativo, mas por igual criando direito,ao completar a fattispecie e ao determinar ougraduar as conseqncias (estatuio) queentenda correlatas hiptese normativa indi-cada na clusula geral38.

    Dessa constatao deriva uma importanteconcluso, a saber: a incompletude das normasinsertas em clusulas gerais significa que, nopossuindo umafattispecie autnoma, carecemser progressivamente formadas pela jurispru-dncia, sob pena de restarem emudecidas e in-teis. Significa, tambm que o juiz tem o dever, ea responsabilidade,de formular, a cada caso, a

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    estatuio, para o que deve percorrer o ciclo doreenvio, buscando em outras normas do siste-ma ou em valores e padres extra-sistemticosos elementos que possam preencher e especifi-car a moldura vagamente desenhada na clusulageral39.

    Os elementos que preenchem o significado

    da clusula geral no so, necessariamente, ele-mentos jurdicos, pois adviro diretamente daesfera social, econmica ou moral. O seu recebi-mento pela clusula geral torna-se compreens-vel se tivermos presente que esta constitui ummodelo jurdico complexo40 e de significaovarivel. complexo porque, emoldurado emdeterminada fonte legislativa, tem a suafattis-pecie completada por meio da concreo de ele-mentos cuja origem imediata estar situada nafonte jurisprudencial, possuindo significaovarivel, posto alterar-se, esta, em virtude dealteraes factuais ou axiolgicas conaturais srelaes regradas41.

    Um valor moral ou determinado padro decomportamento assim reconhecido como vin-culante no mundo extrajurdico e retirado da pr-tica da sociedade civil, se considerado por sis, no , por evidente, norma juridicamente apli-cvel. Contudo, mediado pela fonte jurispruden-cial, constituir o contedo e, portanto, o cri-trio de aplicabilidade dos modelos previstosnas clusulas gerais (fonte legislativa). que aexperincia jurdica, entendida em sua globali-dade, da prtica cotidiana legislao, sen-tena e s elaboraes cientficas, traduz estestemas para a especfica instncia do jurdico, demodo a torn-los efetivos na ordem prtica. Eso justamente as clusulas gerais, em razo desua peculiar estrutura, a categoria formalquepermite a sua constante e flexvel traduo.

    c) As funes das clusulas gerais

    A funo que , em primeiro lugar, atribudas clusulas gerais a de permitir, num sistemajurdico de direito escrito e fundado na separa-o das funes estatais, a criao de normasjurdicas com alcance geral pelo juiz. O alcancepara alm do caso concreto ocorre porque, pelareiterao dos casos e pela reafirmao, no tem-po, da ratio decidendi dos julgados, especifi-car-se- no s o sentido da clusula geral, masa exata dimenso da sua normatividade. Nessa

    perspectiva, o juiz , efetivamente, a boca dalei, no porque reproduza, como um ventrlo-quo, a fala do legislador, como gostaria a Escolada Exegese, mas porque atribui a sua voz dic-o legislativa, tornando-a, enfim e ento, aud-vel em todo o seu mltiplo e varivel alcance.

    A voz do juiz no , todavia, arbitrria, masvinculada. Como j se viu, as clusulas geraispromovem o reenvio do intrprete/aplicador dodireito a certas pautas de valorao do casoconcreto. Estas ou esto j indicadas em outrasdisposies normativas integrantes do sistema(caso tradicional de reenvio42), ou so objetiva-

    mente vigentes no ambiente social em que o juizopera (caso de direcionamento). A distinoderiva da circunstncia de, em paralelo ao pri-meiro e tradicional papel, estar sendo hoje emdia sublinhado o fato de as clusulas gerais tam-bm configurarem normas de diretiva, assimconcebidas aquelas que no se exaurem na in-dicao de um fim a perseguir, indicando certamedida de comportamento que o juiz deve con-cretizar em formageneralizante, isto , com afuno de uma tipologia social43. A est pos-ta, pois, a segunda grande funo das clusu-las gerais, que a de permitir a mobilidade exter-na do sistema.

    Conquanto tenham estas clusulas funoprimeiramente individualizadora conduzindoao direito do caso , tm, secundariamente, fun-o generalizadora, permitindo a formao deinstituies para responder aos novos fatos,exercendo um controle corretivo do Direito es-trito44. Assim, exemplificativamente, da clu-

    sula geral da boa-f so gerados os institutosdasupressio, dasurrectio, e a prpria doutrinada responsabilidade pr-negocial, em seu perfilatual45.

    Atuam, ainda e esta relevantssima fun-o, nem sempre bem percebida como elemen-to de conexo ou lei de referncia para opor-tunizar, ao juiz, a fundamentao da sua decisode forma relacionada com os casos preceden-tes. Figure-se por exemplo, num sistema no qualinexista clusula geral em matria de direito dos

    contratos, o julgamento de uma variedade decasos em que os magistrados decidam ter havi-do inadimplemento contratual por parte de umou de ambos contratantes, partes no litgio, pelainfringncia de certos deveres de conduta, po-sitivos ou negativos, no previstos nem na leinem no contrato. Uma tal deciso pode vir fun-dada pelo juiz A numa referncia equidade;pelo juiz B, ao princpio que veda o abuso dodireito; pode outro juiz aludir, genericamente,aos princpios gerais do direito, e ainda outropode buscar, para fundar o decisum, mesmo umprincpio pr-positivo, ainda inexpresso legisla-tivamente. Um ltimo, por fim, impor os mes-mos deveres com base numa interpretao inte-gradora da vontade contratual.

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    Em todas essas situaes, a sentena pode-r estar adequadamente fundamentada. Contu-do, ningum discutir que a disperso dos fun-damentos utilizados dificultar sobremaneira apesquisa dos precedentes, pois ser quase im-possvel visualizar a identidade da ratio deci-dendi existente em todos os exemplos acima fi-

    gurados, a menos que seja facultado(ao juizdo caso atual) consultar toda a matria de quese serviu o juiz (dos casos precedentes) na suaintegralidade46, o que se afigura, na prtica,fantasioso. Mas preciso convir que a diversi-dade dos fundamentos elencados no s pro-blematiza a pesquisa jurisprudencial, como, porigual, o progresso do Direito pela dificuldadena reiterao da hiptese nova , impedindo asistematizao da soluo inovadora. Por isso clusula geral cabe o importantssimo papel deatuar como oponto de referncia entre os di-versos casos levados apreciao judicial, per-mitindo a formao de catlogo de precedentes.

    Tm ainda as clusulas gerais a funo depermitir doutrina operara integrao intra-sistemtica entre as disposies contidas nasvrias partes do Cdigo Civil a mobilidadeinterna, a qual consiste, nas palavras de Coutoe Silva,

    na aplicao de outras disposies le-

    gais para a soluo de certos casos, per-correndo s vezes a jurisprudncia umcaminho que vai da aplicao de um dis-positivo legal para outro tendo em vistaum mesmo fato47.

    Por fim, viabilizam a integrao inter-siste-mtica, facilitando a migrao de conceitos evalores entre o Cdigo, a Constituio48e as leisespeciais. que, em razo da potencial variabi-lidade do seu significado, estas permitem o per-manente e dialtico fluir de princpios e concei-

    tos entre esses corpos normativos, evitandono s a danosa construo de paredes inter-nas no sistema, considerado em sua globalida-de, quanto a necessidade de a eficcia da Cons-tituio no Direito Privado depender da decisodo legislador do dia49. Com efeito, em alargadocampo de matrias notadamente os ligados tutela dos direitos da personalidade e funcio-nalizao de certos direitos subjetivos , a con-creo das clusulas gerais insertas no CdigoCivil com base na jurisprudncia constitucionalacerca dos direitos fundamentais evita os male-fcios da inflao legislativa, de modo que aosurgimento de cada problema novo no deva,necessariamente, corresponder nova emissolegislativa.

    Tenho ser esta, hoje, a mais relevante fun-o das clusulas gerais, pois viabilizar a com-preenso do conceito contemporneo desiste-ma, o que se apresenta relativamente aberto (vi-abilizando a introduo de novas hipteses,sem, contudo, dispersar-se na cacofonia assis-temtica), mvel (marcado pelo dinamismo en-

    tre as hipteses que contempla nas suas vriaspartes) e estruturado em graus escalonados deprivatismo e publicismo50. Como assegura Cl-vis do Couto e Silva, o Direito exige o assenta-mento de um ncleo valorativo e de uma tcnicarelativamente unitria ou comum51 entre os vri-os conjuntos normativos que o compem, penade incompreensibilidade absoluta e, inclusive,inaplicabilidade, no Direito Privado, dos valo-res e diretivas constitucionais. As clusulasgerais permitem facilitar essa migrao, viabili-zando a inflexo ponderada, no ordenamentoprivado, dos princpios da Constituio, saben-do-se hoje que as esferas do Direito pblico edo Direito privado no esto seccionadas porintransponvel muro divisrio, antes consistin-do, como percebeu Miguel Reale, duas pers-pectivas ordenadoras da experincia jurdica (...)distintas, mas substancialmente complementa-res e at mesmo dinamicamente reversveis52,porforma a ensejar a dialtica da complementarida-

    de53

    , e no mais a dialtica da polaridade54

    .Nessa perspectiva, se a crtica hoje operada codificao reside na inadequao dos cdi-gos, por sua rigidez, para apreender as velocs-simas e surpreendentes mudanas da tipologiasocial, nada mais adequado que o Cdigo Civil,na contemporaneidade, contemple esse modode legislar. Assim o faz o Projeto do Cdigo Civilora em tramitao na Cmara dos Deputados.

    3. As clusulas gerais no Projeto doCdigo Civil brasileiro

    A misso de apreender e disciplinar as tipo-logias sociais relevantes na vida civil, permitin-do a captura, incessante e progressiva, das no-vas realidades, foi o escopo da metodologia se-guida pelos autores do Projeto do Cdigo Civil.Assim expressa o Relator do Projeto no SenadoFederal, Senador Josaphat Marinho, j nas pri-meiras linhas do Parecer pela aprovao:

    (...) o Projeto de Cdigo Civil, em elabora-o no ocaso de um para o nascer de ou-tro sculo, deve traduzir-se emfrmulasgenricas e flexveis, em condies deresistir ao embate de novas idias55 (...),

    seguindo pensamento manifestado pelo presi-

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    dente da Comisso Elaboradora do Projeto, Mi-guel Reale, j em 1975, na Exposio de Moti-vos apresentada ao Ministro da Justia.

    Afirmava desde ento o insigne Professor anecessidade de a codificao do direito priva-do, nos dias atuais, apresentar-se no mais mo-dulada, metodologicamente, em modelo rgido,

    revelando-se, antes, por meio de modelos aber-tos, expressos mediante uma estrutura norma-tiva concreta (...), destituda de qualquer apegoa meros valores formais abstratos, o que seriaalcanado se plasmadas no Cdigo,

    solues que deixam margem ao juiz e doutrina, com freqente apelos a concei-tos integradores da compreenso tica,tal como os de boa-f, eqidade, probi-dade, finalidade social do direito, equiva-lncia de prestaes, etc56.

    Por igual, outros integrantes da aludida Co-misso, nomeadamente Jos Carlos MoreiraAlves e Clvis do Couto e Silva, verberaram, emtrabalhos acerca da proposta da nova lei civil, ocarter estruturalmente inovador de certas nor-mas. Assim, Couto e Silva expressamente mani-festou:

    O pensamento que norteou a Comis-so que elaborou o projeto do CdigoCivil brasileiro foi o de realizar um Cdigo

    central, no sentido que lhe deu ArthurSteinwenter, sem a pretenso de nele in-cluir a totalidade das leis em vigor no Pas(...). O Cdigo Civil, como Cdigo cen-tral, mais amplo que os cdigos civistradicionais. que a linguagem outra,e nela se contm clusulas gerais, umconvite para uma atividade judicial maiscriadora, destinada a complementar ocorpus juris vigente com novos princ-pios e normas57.

    Jos Carlos Moreira Alves, por sua vez, hmais de uma dcada, alertava para o fato de ainsero das clusulas gerais promover a mu-dana da concepo filosfica do novo Cdigopor meio de alteraes formalmente diminutas,exemplificando com a concepo de proprieda-de, de tal maneira que com dois artigos apenaspassou-se da propriedade individualista para apropriedade com funo social58.

    Sendo esse o pensamento dos autores doAnteprojeto, bem como o do Relator do Projetono Senado, nada mais natural que o texto venhaa pblico pleno de clusulas gerais. preciso,agora, que a doutrina e a jurisprudncia as reco-nheam e apontem as suas potencialidades, noas tomando como frmulas vazias, preceitos

    destitudos de valor vinculante ou meros con-selhos ao intrprete, como poderiam parecer aum pensamento exegtico.

    As clusulas gerais no esto uniformemen-te dispersas no Projeto, e nem poderiam estar,pois da natureza do Direito Civil conter cam-pos que requerem maior ou menor ductilidade.

    A Parte Geral, destinando-se a fixar os parme-tros de todo o sistema como afirmou JosCarlos Moreira Alves , vem marcada pelo pro-psitode mximo rigor conceitual59. Abriga,mesmo assim, pondervel nmero de normasabertas ou semanticamente vagas, inclusive fa-zendo remisso a princpios ou direcionando ojuiz pesquisa de elementos econmicos e so-ciais60.

    nos Livros concernentes ao Direito deFamlia e ao Direito das Obrigaes este abran-gendo tambm as obrigaes de carter mer-cantil, consoante modelo que havia sido traa-do pioneiramente por Teixeira de Freitas61 queencontraremos, em paralelo s normas marca-das pela estrita casustica, a maior parte das clu-sulas gerais. Limito-me, por ora, ao exame deapenas duas das clusulas gerais que coman-dam o comportamento contratual, a saber, as dafuno social do contrato(art. 421),probidadee boa-f objetiva (art.42162), registrando s que

    as mesmas no esgotam a disciplina do campocontratual, no qual incidem ainda as clusulasgerais do comportamento segundo os usos dotrfego (art. 112) e as da reparao de danos,por culpa (arts. 185 e 929, caput) e por risco(art. 926, pargrafo nico).

    a) A funo social do contratoA liberdade de contratar ser exercida em

    razo e nos limites da funo social do contra-to. Essa norma, posta no art. 420 do Projeto do

    Cdigo Civil, constitui a projeo, no especfi-co domnio contratual, do valor constitucionalexpresso comogarantia fundamentaldos indi-vduos e da coletividade que est no art. 5,inciso XXIII, da Constituio Federal, uma vezque o contrato tem, entre outras funes, a deinstrumentalizar a aquisio da propriedade. Sea esta no mais reconhecido o carter absolu-to e sagrado, a condio de direito natural einviolvel do indivduo, correlatamente ao con-trato tambm inflete o cometimento ou o re-conhecimento de desempenhar funo que tras-passa a esfera dos meros interesses individuais.

    A atribuio de uma funo social ao con-trato no deveria, pois, j por isso, ser objeto deestranhamento. At porque uma tal atribuio

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    insere-se no movimento dafuncionalizao dosdireitos subjetivos, o qual, h muitas dcadas,j no seria novidade em doutrina e mesmo noplano legislativo, bastando recordar a clebrefrmula63 que, uma vez posta na Constituiode Weimar, ingressou nas Constituies do s-culo XX como tentativa de buscar um novo

    equilbrio entre os interesses dos particulares enecessidades da coletividade64.

    Atualmente admite-se que os poderes do ti-tular de um direito subjetivo esto condiciona-dos pela respectiva funo65 e a categoria dodireito subjetivo, posto que histrica e contin-gente como todas as categorias jurdicas, novem mais revestida pelo mito jusnaturalista66

    que a recobrira na codificao oitocentista, naqual fora elevada aostatus de realidade ontol-gica, esfera jurdica de soberania do indivduo67.Portanto, o direito subjetivo de contratar e aforma de seu exerccio tambm so afetados pelafuncionalizao, que indica a atribuio de umpoder tendo em vista certa finalidade ou a atri-buio de um poder que se desdobra como de-ver, posto concedido para a satisfao de inte-resses no meramente prprios ou individuais,podendo atingir tambm a esfera dos interessesalheios.

    Frase dita e repetida indica que o contrato

    a veste jurdica das operaes econmicas,de modo que constitui sua funo primordialinstrumentalizar a circulao da riqueza, atransferncia da riqueza, atual ou potencial, deum patrimnio para outro68. A constituio eco-nmica de uma sociedade, todos o sabemos,no matria de interesse individual, ou parti-cular, mas atinge e interessa a todos. O con-trato, veste jurdica das operaes de circula-o de riqueza, tem, inegavelmente, funo so-cial69.

    Recoberta na codificao oitocentista, daqual o vigente Cdigo Civil reflexo, pela pree-minncia do princpio da liberdade contratualem sua face mais individualista e quase absolu-ta, esta funo no poderia ser esquecida numCdigo que marcado, como o atual Projeto,pela diretriz da socialidade70, isto , pela co-locao das regras jurdicas num plano de vi-vncia social, pela aderncia realidade con-tempornea, fazendo prevalecer os valorescoletivos sobre os individuais, sem perda, po-rm, do valor fundante da pessoa humana,como aludiu Miguel Reale ao apresentar o An-teprojeto e como reafirmou em texto recente71.Significa com isso afirmar que o contrato, ex-presso privilegiada da autonomia privada, ou

    poder negocial72, no deve mais ser perspecti-vado apenas como a expresso, no campo ne-gocial, daquela autonomia ou poder, mas comoo instrumento que, principalmente nas econo-mias de mercado, mas no apenas nelas73, instru-mentaliza a circulao da riqueza da sociedade.

    Colocada no prtico da disciplina contratu-

    al, formando quase que um prembulo de todoo direito contratual74, a clusula geral da fun-o social do contrato multifuncional, por issoinserindo-se, consoante a tipologia acima indi-cada, em dupla categoria, a saber, a das clusu-las gerais de tipo restritivo e as de tipo regulati-vo. Esse ponto deve ser bem marcado, porqueseria intolervel empobrecimento confin-la ape-nas funo de restringir, em certos casos, epara certos efeitos, o princpio da liberdade con-tratual.

    A funo social , evidentemente, e na lite-ral dico do art. 420, uma condicionantepostaao princpio da liberdade contratual, o qual reafirmado, estando na base na disciplina con-tratual e constituindo o pressuposto mesmo dafuno (social) que cometida ao contrato. Aotermo condio pode corresponder uma cono-tao adjetiva, de limitao da liberdade con-tratual. Nesse sentido, a clusula poder desem-penhar, no campo contratual que escapa regu-

    lao especfica do Cdigo de Defesa do Con-sumidor, funes anlogas s que so desem-penhadas pelo art. 51 daquela lei especial, paraimpedir que a liberdade contratual se manifestesem peias. Na sua concreo, o juiz poder, ava-liadas e sopesadas as circunstncias do caso,determinar, por exemplo, a nulificao de clu-sulas contratuais abusivas, inclusive para o efei-to de formar, progressivamente, catlogos decasos de abusividade.

    Contudo, considerar a norma do art. 420 ape-

    nas uma restrio liberdade contratual seriaacreditar que esta constitui um princpio abso-luto, o que constitui uma falcia h muito des-mentida. Por isso entendo estar cometida que-la norma tambm uma conotao substantiva,vale dizer, de elemento integrante do conceitode contrato. por ser este dotado de funosocial que a liberdade contratual encontra limi-tes. pelo mesmo motivo que esta regular-mente exercida.

    Integrando o prprio conceito de contrato,a funo social tem um peso especfico, que ode entender-se a eventual restrio liberdadecontratual no mais como uma exceo a umdireito absoluto, mas como expresso da fun-o metaindividual que integra aquele direito.

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    Desse modo, o princpio da funo social, que,proclamado na Constituio, a poderia rema-nescer como letra morta, transforma-se, comoafirmou Reale, em instrumento de ao no pla-no da lei civil75. H, portanto, um valoropera-tivo, regulador da disciplina contratual, que deveser utilizado no apenas na interpretao dos

    contratos, mas, por igual, na integrao e naconcretizao das normas contratuais particu-larmente consideradas. Em outras palavras, aconcreo especificativa da norma, ao invsde j estar pr-constituda, pr-posta pelo le-gislador, h de ser construda pelo julgador, a cadanovo julgamento, cabendo relevantssimo papelaos casos precedentes, que auxiliam a fixao dahiptese e doutrina, no apontar de exemplos.

    natural que, num primeiro momento, essaopo metodolgica cause certa perplexidade,tendo em vista o cnone fundamental da certe-za jurdica. Este, no entanto, no absoluto,sendo relativizado, em numerosas hipteses,pelo princpio superior da justia material, doqual a funo social do contrato legtima eforte expresso.

    O direito dos contratos vem, na disciplinado Projeto, tambm informado pelo princpio daboa-f, aposto na clusula geral do art. 421, se-gundo o qual os contratantesso obrigados a

    guardar, assim na concluso do contrato, comoem sua execuo, os princpios de probidade eboa-f76. tempo de examin-la.

    b) A clusula geral da boa-f objetivaNa tradio do direito brasileiro, conotada

    expresso boa-f a acepo subjetiva, as-sim constando do vigente Cdigo, entre outraspassagens, as normas dos artigos 221, caputepargrafo nico, e 490, capute pargrafo nico.Contudo, a norma do art. 421 do Projeto trata da

    boa-f em acepo objetiva. Desde logo cabe,pois, distingui-las.Como averbei em trabalhos anteriores77, a

    expresso boa-f subjetiva denota estado deconscincia ou convencimento individual deobrar (a parte) em conformidade ao direito ( sen-do) aplicvel, em regra, ao campo dos direitosreais, especialmente em matria possessria.Diz-se subjetiva justamente porque, para a suaaplicao, deve o intrprete considerar a inten-o do sujeito da relao jurdica, o seu estadopsicolgico ou ntima convico. Antittica boa-f subjetiva est a m-f, tambm vista sub-jetivamente como a inteno de lesar outrem.

    J por boa-f objetiva se quer significar segundo a conotao que adveio da interpreta-

    o conferida ao pargrafo 242 do Cdigo CivilAlemo, de larga fora expansionista em outrosordenamentos modelo de conduta social, ar-qutipo oustandardjurdico segundo o qual

    cada pessoa deve ajustar a sua prpriaconduta a esse arqutipo, obrando comoobraria um homem reto: com honestida-

    de, lealdade, probidade78.Por esse modelo objetivo de conduta, levam-

    se em considerao os fatores concretos docaso, tais como ostatus pessoal e cultural dosenvolvidos, no se admitindo uma aplicao me-cnica dostandard, de tipo meramente subsun-tivo79, o que vem a significar que, na concreoda boa-f objetiva, deve o intrprete despren-der-se da pesquisa da intencionalidade da par-te, de nada importando, para a sua aplicao, asua conscincia individual no sentido de noestar lesionando direito de outrem ou violandoregra jurdica. O que importa a consideraode umpadro objetivo de conduta, verificvelem certo tempo, em certo meio social ou profis-sional e em certo momento histrico.

    Insisto nesse ponto, que de capital impor-tncia para que se possa vir a retirar da normado art. 421 do Projeto toda a sua potencialidade.A boa-f subjetiva denota primariamente a idiade ignorncia, de crena errnea, ainda que ex-

    cusvel, acerca da existncia de uma situaoregular, crena (e ignorncia excusvel) que re-pousa seja no prprio estado (subjetivo) da ig-norncia (as j aludidas hipteses do casamen-to putativo, da aquisio da propriedade alheiamediante a usucapio), seja numa errnea apa-rncia de certo ato (mandato aparente, herdeiroaparente, etc.). Pode denotar, secundariamente,a idia de vinculao ao pactuado, no campoespecfico do direito contratual, nada mais asignificando do que um reforo ao princpio da

    obrigatoriedade do pactuado. Assim sendo, aboa-f subjetiva tem o sentido de uma condiopsicolgica que normalmente se concretiza noconvencimento do prprio direito, ou na ignorn-cia de se estar lesando direito alheio, ou na adstri-o egostica literalidade do pactuado.

    Diversamente, ao conceito de boa-f objeti-va esto subjacentes as idias e ideais queanimaram a boa-f germnica (Treu und Glau-ben)80: a boa-f como regra de conduta funda-da na honestidade, na retido, na lealdade e,

    principalmente, na considerao para com osinteresses do alter, visto como um membro doconjunto social que juridicamente tutelado.A se insere a considerao para com as expec-tativas legitimamente geradas, pela prpria

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    conduta, nos demais membros da comunida-de, especialmente no outro plo da relaocontratual.

    A importncia da boa-f, na acepo objeti-va, est em que a mesma atua, no campo contra-tual, na trplice direo de norma de interpreta-o e integrao do contrato81, que concorre,entre outras funes, para determinar o com-portamento devido; de limite ao exerccio dedireitos subjetivos sistematizando e especifi-cando casos que, na ausncia da clusula geral,estariam dispersos entre vrios institutos diver-sos82 efonte autnoma de direitos, deveres epretenses s partes contratantes, os quaispassam a integrar a relao obrigacional em seudinmico processar-se, compondo-a como umatotalidade concreta83.

    Com efeito, da boa-f nascem, mesmo na au-sncia de regra legal ou previso contratual es-pecfica84, os deveres, anexos, laterais ou ins-trumentais85 de considerao com o alter, deproteo, cuidado, previdncia e segurana coma pessoa e os bens da contraparte; de colabora-o para o correto adimplemento do contrato;de informao, aviso e aconselhamento; e os deomisso e segredo, os quais, enucleados naconcluso e desenvolvimento do contrato, si-tuam-se, todavia, tambm nas fases pr e ps

    contratual, consistindo, em suma, na adoo dedeterminados comportamentos, impos-tos pela boa-f em vista do fim do contra-to (...) dada a relao de confianaque ocontrato fundamenta, comportamentosvariveis com as circunstncias concre-tas da contratao86.

    O que importa bem sublinhar que, consti-tuindo deveres que incumbem tanto ao deve-dor quanto ao credor, no esto orientados di-retamente ao cumprimento da prestao ou dos

    deveres principais, como ocorre com os deve-res secundrios. Esto, antes, referidos ao exa-to processamento da relao obrigacional, isto, satisfao dos interesses globais envolvi-dos na relao obrigacional,em ateno a umaidentidade finalstica, constituindo o complexocontedo da relao que se unifica funcional-mente. Dito de outro modo, os deveres instru-mentais caracterizam-se por uma funo auxili-ar da realizao positiva do fim contratual e deproteo pessoa e aos bens da outra partecontra os riscos de danos concomitantes, ser-vindo, ao menos as suas manifestaes maistpicas, o interesse na conservao dos benspatrimoniais ou pessoais que podem ser afeta-dos em conexo com o contrato (...)87.

    O direito comparado, mas principalmente odireito alemo, rico em exemplificar as funesda boa-f objetiva88. O mais clebre exemplo declusula geral, paradigmtico, at, pela constn-cia com que lembrado e pela relevantssimafuno que, desde o incio deste sculo, temcumprido, o pargrafo 242 do Cdigo Civil ale-

    mo, assim redigido: 242: O devedor deve (est adstrito a)cumprir a prestao tal como o exija a boa-f, com considerao pelos costumes dotrfego jurdico89.

    Hoje em dia se afirma que o pargrafo 242veio a constituir o elemento fundamental parauma compreenso absolutamente novada rela-o obrigacional, transformando o conceito desistema e a prpria teoria tradicional das fontesdos direitos subjetivos e dos deveres, na medi-da em que limitou extraordinariamente a impor-tncia da autonomia da vontade90. Aceita-se,por igual, que a boa-f possui um valor aut-nomo, no relacionado com a vontade,razopela quala extenso do contedo da relaoobrigacional j no se mede com base somentenela, e, sim, pelas circunstncias ou fatos refe-rentes ao contrato, permitindo-se construir ob-jetivamente o regramento do negcio jurdicocom a admisso de um dinamismo que escapa,

    por vezes, at ao controle das partes91

    . No foiesse, contudo, o sentido que lhe foi conferidooriginalmente pelos autores do BGB.

    Com efeito, a insero desse tipo de norma92num cdigo formado e modelado pela Pandec-tstica poderia surpreender. No haver surpre-sa ao saber que a aprovao do BGB em 18 deagosto de 1896 deu-se em meio a fortes crticasao carter elstico de algumas de suas dispo-sies e ao apelo demasiadamente freqente,a implicado, ao poder discricionrio do juiz93.

    L-se, nosMotive, a propsito do pargrafo 138,que prev a nulidade do negcio jurdico porcontrariedade aos bons costumes (guten Sit-ten), que a regra mencionada, no obstante con-siderada um passo adiante significativo da le-gislao, no obstaria certa perplexidade,porque valorao do juiz est reservado umespao at hoje desconhecido em matria jur-dica assim to ampla94.

    certo que, no pensamento dos redatoresdo BGB, as clusulas gerais no eram tidas comodispositivos especificamente destinados a atri-buir aos juzes poderes de criao normativa si-milares ao do pretor romano, assinalando Cl-vis do Couto e Silva que o pargrafo 242 nosignificava outra coisa seno mero reforo ao

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    pargrafo 157, no qual se determinava a regratradicional de interpretao dos negcios jur-dicos segundo a boa-f95.No primeiro projetodo BGB, as disposies do atual pargrafo 242,bem como a do pargrafo 15796, incluam-se notexto de outro pargrafo, o de nmero 359, as-sim redigido: O contrato obriga os contraentes

    ao que, pela determinao da natureza do con-trato, segundo a lei e os costumes do trfego,assim com considerao pela boa-f, resultecomo contedo de sua vinculao97,justifican-do-se a disposio do seguinte modo:

    Atravs dele (o pargrafo 359) noso apenas dados certos pontos de refe-rncia para a averiguao das vinculaesque nascem de contratos concretos; ex-prime-se antes, sobretudo, o princpioprtico e importante de que o trfego ne-gocial hoje dominado pela considera-o da boa-f e de que, quando esteja emcausa a determinao do contedo de umcontrato ou das vinculaes dele resul-tantes para as partes, deve tornar-se essaconsiderao, em primeira linha, como fiocondutor98.

    Contudo, muito embora o pensamento cons-tante nosMotive, alguns juristas, como Crome,entenderam desde logo que o pargrafo 242 ten-

    deria a dominar o Direito das Obrigaes porinteiro99. O diagnstico foi acertado. Apesarde algumas vozes que de incio se ergueramcontra tal preceito dctil, logo se manifesta-ram opinies contrrias, ainda nos albores des-te sculo, que iniciaram uma gradual obra ino-vadora. Como relata Domenico Corradini, algu-mas Cortes de Justia aplicaram o pargrafo 242conferindo-lhe o sentido de boa-f objetiva, re-cusando-se, assim, a consider-lo uma frmulameramente pleonstica, norma de interpretao

    dos contratos ou simples compndio de deve-res previstos em normas diversas100. Por essavia, com uma prtica que encontra eco nos ju-risconsultos tericos e acende dvidas e pol-micas, os juzes alemes afirmaram regras queparecia difcil conceber aps o longo perodode desconfiana e reticncia no tratamento dasclusulas em branco101.

    A jurisprudncia brasileira mais recente,rompendo a tradio que conotava boa-f con-tratual to-somente o sentido de adstrio aoformalmente pactuado, vem percorrendo cami-nho de marcada substantivao, por forma afazer frutificar, da sua incidncia, a trplice fun-o antes aludida, notadamente a criao de de-veres instrumentais de conduta. Contudo, como

    entre ns, at agora, no estava a boa-f postaem clusula geral102, o desenvolvimento juris-prudencial do princpio, a par de sofrer com osmales da disperso antes apontada, era aindatmido. O preceito do art. 421 do Projeto tem omrito de atuar como a lei de conexo, para per-mitir jurisprudncia a reunio, a sistematiza-

    o e o desenvolvimento das vrias hiptesesde conduta contratual.

    Observe-se que o art. 421 impe o dever deagir com probidade e boa-f no s no momen-to da concluso do contrato, mas tambm emseu desenvolvimento, deixando assim entrevero carter dinmico da relao obrigacional103. Aconduta conforme boa-f objetiva, qualifican-do uma norma de comportamento contratual leal,assentado na confiana recproca, , por issomesmo, uma norma tambm marcada pelo dina-mismo, necessariamente nuanada, a qual, con-tudo, no se apresenta como uma espcie depanacia de cunho moral incidente da mesmaforma a um nmero indefinido de situaes. norma nuanada mais propriamente constituium modelo jurdico, na medida em que se en-contra revestida de variadas formas, de varia-das concrees, denotando e conotando, emsua formulao, uma pluridiversidade de ele-mentos entre si interligados numa unidade de

    sentido lgico104

    . No possvel, efetivamen-te, tabular ou arrolar, a priori, o significado davalorao a ser procedida mediante a boa-fobjetiva, no podendo o seu contedo ser rigi-damente fixado, eis que dependente sempre dasconcretas circunstncias do caso. Por estas ca-ractersticas, a clusula geral da boa-f objetivas pode dar frutos em um sistema aberto.

    4. Concluso

    Nas ltimas dcadas, os estudiosos ocupa-ram-se em evidenciar a ultrapassagem do Cdi-go Civil como plo de atrao do direito positi-vo. Homenageou-se o funeral do cdigo, modosuperado de legislar105. Proclamou-se a conve-nincia da adoo de uma legislao por meiode princpios, afastando-se a tcnica de regula-mentao porfattispecie106. Por fim, aventou-sea concepo segundo a qual o ordenamento ci-vil, longe de conter um sistema, seria formadopor polissistemas, em relao aos quais o cdi-go teria um papel meramente residual107.

    Todas essas hipteses, porm, esbarraramem novos, e talvez mais graves, bices e proble-mas. Constatou-se, fundamentalmente, que aidia polissistemtica do direito de todas as

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    hipteses a de mais clebre fortuna acaboutransfigurada na concepo assistemtica dosistema normativo, o qual seria unicamente cog-noscvel por meio de uma perspectiva analticae pelo uso dos instrumentos de exegese108, in-clusive a informtica109, concepo que, por sis, afronta o minimum de estabilidade e segu-

    rana que, no Direito, vem expresso na necessi-dade de uma regulamentao coordenada doscomportamentos sociais. Por isso a necessida-de de um Cdigo que, estruturado como um sis-tema aberto, alie aos modelos cerrados que ne-cessariamente h de conter as janelas represen-tadas pelas clusulas gerais.

    Se efetivamente encontrarem, na doutrina,mas principalmente na jurisprudncia, a voz queas faz viver, as frmulas genricas e flexveisaludidas por Josaphat Marinho, os conceitosintegradores da compreenso tica, no dizerde Miguel Reale em suma, as clusulas geraisreferidas por Couto e Silva e Moreira Alves ,permitiro a permanente atualizao do Cdigo,evitando um envelhecimento que, na sociedadeglobalizada e tecnolgica, avizinha-se sempre ecada vez mais rpido.Ao mesmo tempo, viabili-zaro o desenvolvimento de um direito privadopluralista como a sociedade que lhe d origem ejustificao, porm harmnico e compreens-

    vel, j que no necessariamente pulverizado emcentenas de pequenos mundos normativos tec-nicamente dspares, valorativamente autno-mos e em si mesmos fechados e conclusos.

    Notas1 Item 26 do Parecer Final do Relator ao Projeto

    do Cdigo Civil. Internet, www.senado.gov.br/.2 Ibidem. Grifei.3 Tratei deste tema, em uma primeira abordagem,no ano de 1991, ao apresentar, em congresso realiza-

    do em Valencia, Espanha, o estudo As clusulas ge-rais como fatores de mobilidade do sistema jurdico,

    publicado naRevista de Informao Legislativa, Bra-slia, v. 112, p. 13-32, 1991, e na Revista dos Tribu-nais, So Paulo, v. 680, p. 47-58, 1992. Posterior-mente, voltei o tema na tese de doutorado, Sistema eClusula Geral, USP, 1996, sob o ttuloA boa-f ob-

    jetiva : sistema e tpica no processo obrigacional. (noprelo).

    4 Utilizo a expresso modelos jurdicos no sen-

    tido que lhe atribudo por Miguel Reale, em Parauma Teoria dos Modelos Jurdicos, comunicao apre-sentada ao Congresso Internacional de Filosofia, rea-lizado em Viena, 1968 (publicada emEstudos de filo-

    sofia e Cincia do Direito. So Paulo : Saraiva, 1978.(Ensaio, 3), e, mais recentemente, emFontes e mode-

    los do Direito :para um novo paradigma hermenuti-co. So Paulo : Saraiva, 1994. Ver, adiante, a explici-tao do conceito.

    5 Em sentido contrrio, Gustavo Tepedino, emDel Rey : Revista Jurdica, dez. 1997, v.1, n. 1, p.17,segundo o qual o Projeto desconhece as clusulasgerais de que dotada a tcnica jurdica contempor-nea.

    6 Assim, Antonio Junqueira de Azevedo, GazetaMercantil, de 7 jan. 1998.

    7Nesse sentido, Tepedino, op. cit., p. 17.8 Ibidem.9 As observaes a seguir expostas constituem

    uma sntese do que escrevi em Sistema e clusulageral, j citado.

    10 O exemplo, paradigmtico, vem da Constitui-o norte-americana. Mesmo a Constituio brasilei-ra vigente possui, no entanto, variada tipologia demodelos jurdicos abertos, seja pela afirmao de sua

    principiologia, seja pela insero de clusulas geraisde reenvio a outros textos normativos, como a dopargrafo segundo do art. 5.

    11 indiscutvel a constatao, hoje, da existnciade uma crise na teoria das fontes que se reflete nametodologia da cincia do direito. Esta crise resulta,segundo Clvis do Couto e Silva, justamente da ad-misso de princpios tradicionalmente consideradosmetajurdicos no campo da Cincia do Direito, aluin-do-se, assim, o rigor lgico do sistema com funda-mento no puro raciocnio dedutivo (A obrigaocomo processo. Bushatsky, J. So Paulo : 1976. p.

    74).12 Como esclareci em Sistema e Clusula Geral,por meio do sintagma clusula geral, costuma-sedesignar tanto determinada tcnica legislativa em simesma no-homognea, quanto certas normas jurdi-cas, devendo, nessa segunda acepo, ser entendidas

    pela expresso clusula geral as normas que con-tm uma clusula geral. ainda possvel aludir, medi-ante o mesmo sintagma, s normas produzidas poruma clusula geral.

    13 Embora a mais clebre clusula geral, a da boa-f objetiva, posta no pargrafo 242 do Cdigo Civil

    Alemo, seja datada no sculo passado, esta tcnicadifundiu-se na codificao que vem sendo levada aefeito, nos vrios pases da civil law, a partir do finaldos anos 40. Esgotado o modelo oitocentista da ple-nitude ou totalidade da previso legislativa, em faceda complexidade da tessitura das relaes sociais, comtodas as inovaes de ordem tcnica e cientfica quevm mudando a face do mundo desde o aps-guerra,iniciou-se, em alguns pases da Europa, a poca dasreformas nos Cdigos Civis, exemplificativamente aItlia, em 1942, Portugal, em 1966, a Espanha, em1976 e, mais recentemente, a Grcia.

    14

    Nesse sentido, Natalino Irti,Let della deco-dificazione. Milo, A. Giuffr, 1989. p. 16.15 Para um conceito de diretivas, vide Eros

    Roberto Grau, Contribuio para a interpretao e acrtica da ordem econmica na Constituio de 1988: tese. So Paulo, 1990. p. 182.

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    16 IRTI, op. cit., p. 16.17 Podem ser lembrados o art. 1.337 do Cdigo

    Civil Italiano (norma de restrio autonomia priva-da, impondo a correo da conduta dos particularesno perodo pr-contratual), o art. 239 do Cdigo Ci-vil Portugus (norma de integrao dos negcios jur-dicos, por meio da relativa restrio autonomia ne-gocial), o art. 483 do mesmo Cdigo (norma geral de

    previso da responsabilidade civil por culpa), e, en-tre ns, o art. 7do Cdigo de Defesa do Consumidor(norma de extenso da tutela assegurada ao consumi-dor).

    18Einfhrung in das Juristische Denken. Stutt-gart, 1964.

    19 Se o conceito multissignificativo de clusulageral, que no raramente vemos confundido com umdos conceitos acima aludidos (isto , com os concei-tos indeterminados, conceitos determinados, concei-tos normativos, conceitos descritivos), h de ter uma

    significao prpria, ento faremos bem em olh-locomo conceito que se contrape a uma elaboraocasusticadas hipteses legais (Introduo ao pen-

    samento jurdico, p. 188 -189).20 ENGISH, op. cit., p. 188. No mesmo sentido,

    Luigi Mengoni,Diritto vivente.Rev. Jus, p. 14-26,1989.

    21La idea de concrecin en el Derecho y en laciencia juridica actuales. Traduccin esp. de JuanJose Gil Cremades. Pamplona : Ed. Universidad de

    Navarra, 1968. p. 180. Traduzi e grifei.22Nesse sentido, Menezes Cordeiro, Da boa-f

    no Direito Civil. Coimbra : Almendina, 1989. p. 1186-1187.23 IRTI, op. cit., p. 8. Traduzi.24 ROSSELI, Federico. Clausole generale : luso

    giudiziario. In: POLITICA del Diritto. v. 4, p. 670.25 IRTI, op. cit., p. 8.26No sentido de vagueza semntica.27 A tipicidade pode ser compreendida como a

    qualidade de uma pessoa, coisa ou conceito pela qualsuas caractersticas resultam conformes s de um tipo

    predeterminado, entendendo-se por tipo o mo-delo ideal que rene as caractersticas essenciais de

    todos os entes de igual natureza (conforme NoemiNidia Nicolau,La autonomia de la voluntad comofactor de resistencia a la tipicidad en el sistema dederecho privado argentino. Porto Alegre, 1994. Da-tilog.)

    28 A comparao, em certo setor, da tcnica delegislar mediante clusulas gerais e por meio da casu-stica pode auxiliar a esclarecer essa caracterstica.Clvis do Couto e Silva exemplifica com a diferenaentre um sistema que consagra uma clusula geral dereparao de todos os atos danosos (indicando o art.1.382 do Code Napolon, segundo o qual, em tradu-

    o: Todo e qualquer fato do homem que cause aoutrem um dano, obriga este pela culpa de quem elaocorreu, a repar-lo) e um sistema no qual todas as

    fattispecies delituais devem estar previstas na norma(aludindo aos pargrafos 823, I e II, e 825 do CdigoCivil alemo, os quais tm, respectivamente, em tradu-

    o, o seguinte teor: 823: Aquele que, intencional-mente ou por negligncia, atentou contra a integrida-de corporal, a vida, a sade, a liberdade, a proprieda-de ou qualquer outro direito de outrem, obrigado,em relao pessoa lesada, reparao do prejuzocausado. A mesma obrigao incumbe a quem contra-vm a uma lei que tem por fim a proteo de outrem.Se, conforme o teor dessa lei, pode-se contravir, mes-mo que para isso no haja necessidade de culpa, aresponsabilidade civil no existe se um culpa no se

    produza. 825: Aquele que seduziu uma mulherpor astcia, ameaa ou abuso da situao da qual eladependia, deve reparar o dano assim causado ). Com

    base no art. 1.383, a jurisprudncia francesa veio pro-gressivamente estabelecendo deveres de conduta, taiscomo o devoir de renseignementem matria pr-con-tratual, os deveres de cuidado, de diligncia, de aten-o, etc; cuja no-observncia pode conduzir inde-nizabilidade do dano, ou estabelecendo novas hip-

    teses, como a responsabilidade pelaperte d`une chan-ce, alargando, assim, o campo dos prejuzos indeni-zveis. J pela falta de uma clusula geral no h, nosistema alemo, um desenvolvimento livre dos de-veres de conduta, de forma que na sua violao possaser considerada como delitual, marcando-se o de-senvolvimento das hipteses delituais (...) nos limi-tes prefixados pela lei (SILVA, Clvis do Couto e.

    Principes fontamentaux de la responsabilit civile endroit brsilien et compar: cours fait la Facult deDroit de St. Maur, Paris XII. Paris, 1988. p. 62.Datilografado, traduz.). O mesmo exemplo assina-

    lado por H. Nipperdey, em estudo intitulado DieGeneralklausel im knftingen Recht der unerlaubtenHandlungen, segundo relata Engish: Na medida emque se trate de responsabilidade por culpa prpria,no domnio dos delitos civis so possveis dois siste-mas de regulamentao legal: ou so enumeradas umaao lado das outras as diferentes hipteses de actosdelituais que devem desencadear a conseqncia in-denizatria (como nos 823-825 do BGB), ou secria uma hiptese legal unitria de acto ilcito (Cdi-

    go Civil Francs, art. 1382). Em lugar da formulaocasustica surge, portanto, a clusula geral que visa a

    ofensa ilcita e culposa a interesse de outrem. (EN-GISH, op. cit., p. 189).29Nesse sentido a observao de Srgio Jos Por-

    to em A responsabilidade civil por difamao no Di-reito ingls. Porto Alegre : S. A. Fabris, 1995. p. 15.

    30 O alerta de Engish, segundo o qual, conformeo teor da regra formulada mediante a casustica e aregra formulada em clusula geral, haver esta relati-vizao (op. cit., p. 190).

    31A parte geral do Projeto Cdigo Civil Brasilei-ro. Saraiva, 1986. p. 24.

    32 A tipologia aludida por Cordeiro. (op. cit., v.

    2, p. 1184).33 ENGISH,op. cit., p. 193.34 Ibidem.35 LUZZATI, Claudio. La vaghezza delle nor-

    me: unanalise del linguaggio giuridico. Milo : Giu-ffr, 1990. p. 314.

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    36Nesse sentido Mengoni, op. cit., p. 9.37 Ibidem, p. 11.38 evidente que, em toda a interpretao, existe

    uma margem, mais ou menos relevante, de integraovalorativa. Contudo, o grau de integrao valorativaimplicado na concreo da clusula geral conduz a um

    poder criativo do juiz que inexiste, em medida simi-lar, nas normas postas casuisticamente.

    39 Um exemplo poder clarear este ponto. Supo-nhamos que em determinado ordenamento no hajaregra legislada similar do art.51, IV, do Cdigo deDefesa do Consumidor, que apela boa-f para nuli-ficar clusulas contratuais abusivas. Suponhamos quehaja, nesse ordenamento, uma clusula geral de corre-o e boa-f vazada nos seguintes termos: Na con-cluso e na execuo do contrato as partes devem-seater aos deveres da correo e boa-f. Suponhamosque num contrato de compra e venda de unidade ha-

    bitacional o vendedor, valendo-se de seu maior peso

    econmico, bem como da situao de necessidade vi-tal que representa para o comprador a aquisio decasa prpria, imponha quele prestao objetiva emanifestamente desproporcional ou sem relao como sinalagma contratual. Suponhamos, por fim, que,inconformada, a parte compradora pretenda a nulida-de da clusula que impe a prestao desproporcio-nal e recorra ao tribunal X. vista da mencionadaclusula geral, este tribunal dir, por exemplo, que,em matria de compra e venda, contrato sinalagmti-co por excelncia, sero nulas as clusulas que esta-

    beleam vantagens que no guardem relao com o

    sinalagma, por atentarem contra a boa-f objetiva quese impe no trfego negocial. Conforme as circuns-tncias do caso, vincular a espcie seja ao institutoda leso enorme (laesio enormis), se ocorreu despro-

    poro entre as prestaes, manifestada contempo-raneamente concluso contratual, ou tese da baseobjetiva do negcio, se a desproporo ocorreu su-

    pervenientemente concluso, j na fase de execuocontratual, vista de circunstncias externas, ou ain-da, teoria da impreviso, ou a da excessiva onerosi-dade, conforme ditarem os elementos fticos. O juizser reenviado ao padro do comportamento confor-

    me boa-f. Dever averiguar qual a concepoefetivamente vigente, mediante pesquisa jurispruden-cial e doutrinria, pois no se trata de determinar, porbvio, qual a sua prpria valorao esta apenasum elo na srie de muitas valoraes igualmente le-gtimas com as quais ele a tem de confrontar e segun-do as quais, sendo caso disso, a dever corrigir, comoafirma Engish (op. cit., p. 198). Poder, ento, sem-

    pre vista das circunstncias do caso concretamenteconsiderado, e jamais in abstracto, determinar se ocaso de nulificao da disposio contratual, ou desua reviso, ou ainda condenar a parte que agiu con-

    trariamente boa-f ao pagamento de perdas e danos,se ocorreu dano ou, se em razo de circunstncia su-perveniente a prestao for considerada impossvel,por manifesta inutilidade, inclusive declarar o direitoformativo extintivo de resoluo contratual. Pouco a

    pouco, a jurisprudncia formar espcies de catlo-

    gos de casos em que foi similar a ratio decidendi,podendo estes se expressarem inclusive por meio desmulas. Estes casos sero reconduzi dos clusulageral que veda o comportamento contrrio boa-f,adquirindo, assim, as normas decorrentes da dico

    judicial o carter de norma aplicvel a outros casosem que se verificam circunstncias idnticas ou simi-lares (norma geral). Ter-se-, pois, progressivamen-te, a regulao geral (no sentido oposto ao de particu-lar) dos casos, sem que seja necessrio traar, na lei,todas as hipteses e suas conseqncias, ocorrendo,

    por igual, a possibilidade da constante incorporaode novos casos.

    40 Segundo a j mencionada concepo de MiguelReale. Veja-se, entre outros trabalhos do mestre pau-lista, O Direito como experincia. Saraiva, 1992. (En-saio, 8); Nova fase do Direito moderno. Saraiva,1990.(Ensaio 9) eEstudos de Filosofia e Cincia do Direito.Saraiva, 1978. (Ensaio 3), e a monografia Fontes e

    modelos, j citada. Em apertadssima sntese, os mo-delos jurdicos, que derivam das quatro fontes (a le-gal, a jurisprudencial, a consuetudinria e a negocial),constituem espcies especificaes ou tipifica-es das normas, podendo um modelo coincidir,

    por vezes, com uma nica norma de direito, ou, emoutras, ser composto por vrias normas. Contudo,no se pense que os modelos so prottipos ou mo-delos ideais, abstratamente considerados. Longe dis-so, na concepo de Reale, estes se apresentam din-micos, ligados concretude da experincia norma-da, constituindo a prpria experincia social quando

    esta se torna estrutura normativa. Por isso que,para que as normas enquanto expressam modelos,ou quando a eles se reportam possam ser captadasem sua plenitude, preciso que o intrprete atenda dinamicidade que lhes inerente e totalidade dosfatores que atuam em sua aplicao e eficcia ao lon-go de todo o tempo de sua vigncia. (Para estas refe-rncias, vide Fontes e modelos, p.29-38).

    41 Ibidem, p. 2842 Discorda desse entendimento Michele Taru-

    ffo, segundo o qual a norma contida na clusula geralno reenvia a uma outra norma ou princpio do orde-namento jurdico, mas para fora do ordenamento, ouseja, a outros critrios no fixados no sistema de nor-mas jurdicas. A norma em questo deve ser, pois,heterointegrada, ou seja, preenchida com base em cri-trios metajurdicos que, segundo o lugar comumtradicional, existem na sociedade (La giustificazionedelle decisione fondade su standards. v.19, n.1, 1989.

    p. 152. Materiali per una storia della cultura giuridi-ca.). Esta , contudo, uma concepo estreita de reen-vio. A expresso abarca, como se viu, tanto a condu-o do juiz para fora do sistema quanto para dentrodo sistema. Assim, exemplificativamente, o art. 7doCdigo de Defesa do Consumidor.

    43 MENGONI, op. cit., p. 13.44 SILVA, O princpio da boa-f no Direito Civilbrasileiro e portuges. So Paulo: Revista dos Tri-

    bunais, 1986. p. 53.45 Para este exame, consulte-se Cordeiro, op. cit.,

    p. 797- 836 e 586- 602.

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    46 SILVA, O Princpio da boa-f... p.62.47 Ibidem, p. 50, nota 13.48 Tratou excelentemente dessa relao Teresa

    Paiva de Abreu Trigo de Negreiros, Fundamentospara uma interpretao constitucional do princpioda boa-f. Dissertao de (Mestrado em Direito) _Faculdade de Direito da PUC-RJ, 1997. Indita.

    49 Acerca das relaes entre Constituio e Direi-to Privado, e a efetividade, na legislao ordinria,dos princpios fundamentais, veja-se Konrad Hesse,

    Derecho Constitucional y Derecho Privado. Traduc-cin de Igncio Gutierrez Gutierrez, Madri: Civitas,1995 e GRIMM, Dieter. La Constitucin como fuentedel Derecho. In: LAS FUENTES del Derecho. Anua-rio de la Faculdad de Derecho Estudi General de

    Leida, 1983, p.13.50 Veja-se Ludwig Raiser,Il Compito del Diritto

    Privato. Traduo iltaliana de Cosimo M. Mazzoni eVincenzo Varano. Milo: A. Giuffr, 1990:Il futuro

    del Diritto Privato51 O Direito Civil brasileiro em perspectiva his-trica e viso de futuro.Ajuris, Porto Alegre, n.40, p.128, 1987.

    52 REALE. Lies Preliminares de Direito. p. 6.53 O conceito central na obra de Miguel Reale,

    que explica a dialtica da complementaridade comoa correlao permanente e progressiva entre dois oumais fatores, os quais no se podem compreenderseparados um do outro, sendo ao mesmo tempo umdeles irredutvel ao outro, de tal modo que os elemen-tos da relao s logram plenitude de significado na

    unidade concreta da relao que constituem, enquan-to se correlacionam e daquela unidade participam(Fontes e modelos, p. 7).

    54 Tambm Hesse acena relao de recprocacomplementaridade e dependncia entre o DireitoConstitucional e o Direito Privado em nossos dias,acenando mudana nessa relao, correspondente mudana das funes, das tarefas e da qualidade decada um desses setores jurdicos. VerDerecho Cons-titucional y Derecho Privado, p. 69-70.

    55Parecer Final ao Projeto do Cdigo Civil, item26.

    56

    O Projeto de Cdigo Civil: situao atual eseus problemas fundamentais. So Paulo: Saraiva,1986. p. 84: Exposio de Motivos do Projeto deCdigo Civil, 1975. Grifos meus. No mesmo traba-lho, averbou ainda conter o Cdigo projetado precei-tos que, primeira vista, podem parecer de merovalor tico, mas que, tendo como destinatrio pri-mordial o juiz, consubstanciam exigncias de eqida-de, de amparo aos economicamente mais fracos, oude preservao s foras criadoras do trabalho.

    57 O Direito Civil brasileiro... p. 128. O textoreproduzido est s pginas 148-149. Grifei.

    58

    ALVES, op. cit., p. 2759 Ibidem, p. 7.60 Veja-se em especial a regra acerca da privacida-

    de (art. 21) que confere mandato ao juiz para adotaras providncias necessrias manuteno da inte-gridade da vida privada; as normas dos artigos 112

    (interpretao dos negcios jurdicos segundo a boa-f); 137 ( standardda normal diligncia na apreci-ao do erro); 186 (traa os contornos, alargados, dailicitude por abuso de direito, a qual se caracterizainclusive pela prtica de ato desviado do seu fim eco-nmico e social, ou que ultrapassa os limites impos-tos pela boa-f ou pelos bons costumes). (Para estasreferncias, consultei o texto da Redao Final doProjeto, editado pelo Senado Federal, 1997).

    61 Ao contrrio do que, por vezes, afirma-se, omodelo do Projeto no se confunde com o do direitoitaliano ou do suo. Adotou-se a unificao apenasno Direito das Obrigaes, parte especializada emrelao Parte Geral, enquanto o modelo italiano,alm de no conter Parte Geral, estende a unificaotambm ao Direito do Trabalho.

    62 As referncias reportam-se ao texto aprovadono Senado Federal em dezembro de 1997.

    63 A propriedade obriga (art. 150 da Constitui-

    o de Weimar).64Nesse sentido, Francesco Galgano,Il DirittoPrivato fra Codice e Costituzione. 2. ed. Bolonha:Zanichelli, p.152. Traduzi.

    65 Vide COSTA, Mario Jlio de Almeida. Direitodas Obrigaes. Coimbra: Almendina, p. 60.

    66 A expresso de Vitorio Frosini, Le transfor-mazioni sociali e il diritto soggetivo. Riv. Inter. Di

    Filosofia del Diritto, Milo, v. 1, p.114, 1968.67 Ibidem.68 Ver ROPPO, Enzo. O contrato. Traduo de

    Ana Coimbra e M. Janurio Gomes. Coimbra: Al-

    mendina, 1988. p. 10.69 preciso, contudo, no confundir a funo docontrato com a funo ideolgica do contratualismo ea funo ideolgica do conceito de contrato. (Ibidem,

    p. 29), LIPARI, Nicol. Derecho Privado: un en-sayo para la enseanza. Bolonha: Ed. Real Colegio deEspaa, p.285, 1989. e ATIYAH, P. S. The rise and

    fall of Freedom of Contrac.Oxford, Clarendon Press,1979, clssico no exame da perspectiva histrica daresponsabilidade pela promessa contratual, e a vin-culao da decorrente. Escrevi sobre o tema em No-o de Contrato na Histria dos Pactos, public., em

    Uma vida dedicada ao Direito: homenagem a CarlosHenrique de Carvalho, o Editor dos Juristas. So Pau-lo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 497-513.

    70 A expresso Reale. O Projeto do Cdigo Ci-vil, p. 9.

    71 Viso geral do Projeto do Cdigo Civil. SoPaulo, 1998. Indito.

    72 A expresso poder negocial, de Miguel Rea-le, remete concepo kelseniana do poder normati-vo derivado da autonomia privada. Na concepo deReale, aqui adotada, o poder negocial, que d origems clusulas do contrato, correlato fonte negocial

    de produo de normas jurdicas. VerO Projeto doCdigo Civil, e Fontes e Modelos..., ambos citados.73 A propsito das funes do contrato na econo-

    mia socialista, ver TALLON, Denis.Lvolution desides en matire de contrat: survol comparatif. inDroits, 12, 1990, p. 81.

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    74 REALE, O Projeto... p. 10.75 O Projeto... p. 9, ao tratar da diretriz da socia-

    lidade no campo da propriedade, mas estendendo aobservao ao contrato.

    76.Grifos meus.77 Os princpios informadores do contrato de

    compra e venda internacional na Conveno de Vienade 1980,Revista de Informao LegislativaBraslia, n.126, p. 120, 1995. e Crise e Modificao da Idia deContrato no Direito Brasileiro.Direito do consumidor.So Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. v. 3, p. 141.

    78 A expresso de Ernesto Wayar, Derecho Ci-vil: Obligaciones.v. 1, p. 19.

    79 Esta conotao da boa-f objetiva tem razesno antigo direito alemo, em especial na prtica co-mercial, conotando o dever de considerao para como alter, de onde a boa-f, mormente se inserida emclusula geral, como ocorre no 242 do BGB, aloca-se como fonte de criao de deveres, v.g, os chama-

    dos deveres anexos de conduta, e como marco oulimite ao exerccio de direitos subjetivos, exemplifi-cativamente, a exceptio doli e a proibio do uso abu-sivo da posio jurdica. Acepo diversa lhe confe-rida no ambiente juscultural francs, ou de influnciafrancesa, na qual a boa-f, em matria obrigacional, vista como frmula de reforo vinculabilidade do

    pactuado. Na origem da diferena est o maior pesoda influncia do direito cannico, no direito francs,recolhendo Domat e Pothier essa tradio que con-trapunha a boa-f ao pecado, de mentira ou descum-

    primento da promessa feita. Para este exame consul-

    te-se Cordeiro, op. cit., 1984. 2 v., e CORRADINI,Domenico.Il criterio della buona fede e la scienza delDiritto Privato. Milo: A. Giuffr, 1970.

    80 Com efeito, no direito alemo, inclusive o pr-codificado, a boa-f seguiu trajetria absolutamente

    peculiar, em nada similar ao caminho seguido, porexemplo, pela concepo francesa da boa-f, na qualainda ecoam ecos da acepo cannica e do Iluminis-mo. Para esse exame, ver, por todos, Cordeiro, op.cit., p. 253-267.

    81 SILVA,A obrigao como processo, op. cit.,p. 32.

    82

    Na coibio de comportamentos abusivos, podeo juiz recorrer s mais variadas normas, tais como asque vedam o abuso do direito, o enriquecimento semcausa, a quebra do sinalagma contratual, podendo ain-da apelar eqidade. Esses caminhos, contudo, a parde dispersarem a sistematizao das decises, estoainda marcados pela perspectiva subjetivista, marca-da pela relao entre o dogma da vontade e a constru-o do direito subjetivo como a sua mais relevante

    projeo. Por isso a tendncia de sistematizar taishipteses por meio do recurso boa-f objetiva, comodemonstra Cordeiro, op. cit., p. 661-718, 837e 1294,

    reconduzindo a esta clusula geral as figuras do veni-re contrafactum proprium, exceptio doli, exceptionon adimpleti contractus e exceptio non rite adimpleticontractus, tu quoque, etc.

    83 SILVA,A obrigao como processo, p. 8, Veja-se, a propsito, o estudo de Maria Cludia Mrcio

    Cachapuz, O conceito de totalidade concreta aplica-do ao sistema jurdico aberto,Ajuris, v. 71, p. 108.

    84 So ditos, por isso, avoluntarsticos, comorefere Giovanni Maria Uda, em Integrazione del con-tratto, solidariet sociale e corrispettivit delle pres-tazione.Rivista di Diritto Commerciale, v. 4, p. 309,1990.

    85 Em cada relao contratual situam-se certosdeveres de prestao, os quais subdividem-se noschamados deveres principais, ou deveres primriosde prestao, os deveres secundrios e os deveresanexos, laterais, ou instrumentais. Como ensina MotaPinto, O dever de prestao o elemento decisivoque d o contedo mais significativo relao contra-tual e determina o seu tipo, (dirigindo-se) a proporci-onar ao credor uma determinada prestao (positivaou negativa) (definindo-se) corretamente como umdireito a uma prestao dirigido ao devedor. (Ces-

    so de contrato, p. 278). Constitui, portanto, o n-

    cleo da relao obrigacional. Contudo, os deveres pri-mrios no esgotam o contedo da relao obrigacio-nal, notadamente a contratual, na qual coexistem, ain-da, os deveres secundrios e os deveres laterais, ane-xos ou instrumentais. Os deveres secundrios, porsua vez, subdividem-se em duas grandes espcies: osdeveres secundrios meramente acessrios da obriga-o principal, que se destinam a preparar o cumpri-mento ou assegurar a prestao principal, e os deve-res secundrios com prestao autnoma, os quais

    podem revelar-se como verdadeiros sucedneos daobrigao principal, podendo, ainda, ser autnomos

    ou coexistentes com o dever principal (v.g, o dever deindenizar, por mora ou cumprimento defeituoso, queacresce prestao originria). O que aqui importadestacar, contudo, so os deveres instrumentais, oulaterais, ou deveres acessrios de conduta, deveres deconduta, deveres de proteo ou deveres de tutela,expresses todas que se reportam, direta ou indireta-mente, s denominaes alemsNebenpflichten (Es-

    ser), a qual predominante na doutrina de lnguaportuguesa, Schultzpflichten (Stoll) e weitere Verhal-tenspflichten (Larenz), uma vez ter sido a doutrinagermnica a pioneira em seu tratamento. Esses deve-

    res instrumentais, assinala Costa (op. cit., p. 57), soderivados ou de clusula contratual, ou de dispositi-vo da lei ad hoc ou da incidncia da boa-f objetiva.Podem situar-se autonomamente em relao pres-tao principal, sendo ditos avoluntarsticos noscasos de inidoneidade da regulamentao consensual

    para exaurir a disciplina da relao obrigacional entreas partes. (Assim, Uda, op. cit., p. 309). So ditos,geralmente, deveres de cooperao e proteo dosrecprocos interesses, e se dirigem a ambos os parti-cipantes do vnculo obrigacional, credor e devedor.(Utilizei a classificao dos deveres laterais proposta

    por Siebert, Knopp,Brgerliches Gesetzbuch: mitEinfhrungsgesetz und Nebengesetzen. 10. ed. Stutt-gart; Berlin, 1967. v.2, Schuldrecht, I ( 241-610),comentrio ao 242, p. 44, apud Costa, op. cit., p.58, nota 1. A mesma classificao encontra-se emPinto, op. cit., p. 278-288). Ao ensejar a criao des-

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    ses deveres, a boa-f atua, como se v, como fonte deintegrao do contedo contratual, determinando asua otimizao, independentemente da regulao vo-luntariamente estabelecida.

    86 PINTO, op. cit., p. 281. Grifei.87 Ibidem.88 Para uma sntese, veja-se o trabalho de Ubira-

    jara Mach de Oliveira, Princpios informadores dosistema de Direito Privado: a autonomia da vontade ea boa-f objetiva.Ajuris, v. 70, p. 154-215.

    89 Conforme a traduo de Menezes Cordeiro,que acentua a particularidade da discutida expressocostumes do trfego (Verkehrssitte) como constitu-indo algo mais do que meros usos, mas menos doque Direito consuetudinrio (op. cit, p. 325, nota206). No original: Der Schuldner ist verpflichtet,die Leistung so zu berwirken, wie Treu und Glaubenmit Rcksicht auf die Verkehrssitte es erfordern.

    90 Assim, Silva, O princpio da boa-f no Direito

    Civil brasileiro e Portugus. In: JORNADA LUSO-BRASILEIRA DE DIREITO CIVIL, 1, 1979, PortoAlegre.Estudos de Direito Civil brasileiro e portu-

    gus. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. p. 44,46 e 54.

    91 Ibidem, p. 54.92 So tambm tradicionalmente apontados como

    modelos de clusulas gerais no BGB os pargrafos138 e 826, assim redigidos: 138: O ato jurdicocontrrio aos bons costumes nulo; 826: Aqueleque objetivou prejudicar algum por meio de atitudescontrrias aos bons costumes obrigado a reparar o

    dano.93 Assim relata Raoul de la Grasserie, Code Civilaleman: Introduction, p. 16. Ver, por igual, FranzWieacker, Histria do Direito Privado moderno.Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1980. p. 536

    94 Conforme Carlo Castronuovo, Lavventuradelle clausole generale.Riv. Crit. Dir. Privato, v. 4, p.24, 1986, com remisso aosMotive zu dem Entwurfeeines Brgerlichen Gesetzbuches. Berlim, 1896. v. 1,

    p. 211.95 VerO princpio da boa-f...p. 46.96 Os contratos interpretam-se como o exija a

    boa-f, com considerao pelos costumes do trfe-go, conforme traduo de Cordeiro, op. cit., p. 325.97 Ibidem, p. 328.98 Motive zu dem Entwurfe eines Brgerlichen

    Gesetzbuches fr das Deutsche Reich, 2 _ Recht derSchuldverhltnisse, 1896, 194 apud Cordeiro, op. cit.,

    p. 328.

    99 Conforme Silva, O princpio da boa-f... p. 47e em especial nota 8, referindo as posies divergen-tes de Staudinger (Komentar) e Kress e Leonhard.

    100 CORRADINI, op. cit., p. 321.101 Ibidem. Traduzi.102 No Cdigo Civil, a boa-f vinha sendo consi-

    derada, conforme a doutrina de Couto e Silva, prin-cpio pr-positivo, assim sendo acolhida em alguns

    julgados, de que so exemplos os acrdos da 5C-mara Cvel do Tribunal de Justia do Rio Grande doSul que comentei em Boa-f.Ajuris, v. 50, p. 207. Aregra do art. 51, IV, do Cdigo do Consumidor noconfigura propriamente clusula geral, mas con-ceito indeterminado, porque ao juiz no dado esta-

    belecer as conseqncias da sua incidncia, que jesto pr-determinadas pelo legislador (a nulificaoda clusula abusiva). Por sua vez, o Cdigo Comerci-al contempla, no art. 130, verdadeira clusula geral, aqual, todavia, no chegou a ser assim considerada,

    remanescendo como mero cnone hermenutico, con-cretizado sob o molde da boa-f subjetiva.103 Na doutrina brasileira veja-se, por todos, Sil-

    va,A obrigao como Processo.104 Hiptese na qual, conforme Reale, um modelo

    jurdico coincide com uma nica norma, Fontes emodelos, p. 29.

    105 SACCO, Rodolfo. Codificare: modo superatodi legiferare?Riv. Dir. Civ. Parte Prima, p. 117. 1983.

    106 RODOT, Stefano. Ideologie e technica dellariforma del Diritto Civile.Riv. Dir. Comm, 1967.

    107 Segundo a conhecidssima concepo de Irti,

    op. cit., p. 33. Na doutrina brasileira, ver o estudo deFrancisco Amaral, Racionalidade e sistema no Direi-to Civil brasileiro, O Direito, v. 126, p.63, 1994.

    108 Conforme Angelo Falzea,Dogmatica giuridi-ca. p. 737.

    109 Tratou-se especificamente desse tema em con-gresso realizado em Gnova, Itlia, em 1992. Ver,nesse sentido, Mario Losano, Tecniche legislative,informatica e buon governo, e observaes no meuestudo Linformatica e lelaborazione delle leggi: a

    proposito di un recente manuale brasiliano sulla tec-nica legislativa, ambos emIl diritto dei nuovi mondi.

    Organizado por Giovanna Visintini. Pdua: Cedam,1994. p. 523-551. Atti del Convegno promossodallIstituto di Diritto Privato della Facolt di Giu-risprudenza. Sobre os reflexos da inflao legislativano princpio da segurana e da certeza, ver HervCroze, Le droit malade de son information. In:DROITS, 1986. v. 4, p. 81.