o direito do trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_direito do... · 1 o...

24
1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2. O direito do trabalho em Macau; 3. O contrato individual de trabalho; 4. Elementos do contrato de trabalho; 5. Formação do contrato de trabalho; 6. Capacidade das partes; 7. A idade mínima para o trabalho; 8. A residência; 9. Condições de forma; 10. Os sujeitos da relação laboral; 11. O salário; 12. Da prestação do trabalho; 13. O horário de trabalho; 14. O período normal de trabalho; 15. O trabalho extraordinário; 16. O período de experiência; 17. O intervalo de descanso; 18. O descanso semanal; 19. O trabalho prestado em dia de descanso semanal; 20. Os feriados; 21. O descanso anual; 22. O trabalho das mulheres; 23. Formas de cessação do contrato de trabalho; 24. A denúncia unilateral; 25. Certificado a entregar ao trabalhador; 26. Conclusões; 27. Bibliografia. O Direito do Trabalho O Direito do Trabalho é, em regra, definido como a parte do ordenamento jurídico constituído pelas normas e princípios que disciplinam as relações de trabalho 1 , isto é, que disciplinam as relações estabelecidas entre dois sujeitos que se encontram ligados por um contrato de trabalho 2 . Diz-se ainda que tais normas e príncipios podem ter origem estadual ou convencional e ocupar-se da regulamentação individual ou colectiva 3 . Da noção apresentada resulta que, para além das relações individuais de trabalho, o Direito do Trabalho regula também as chamadas relações colectivas, as relações estabelecidas entre a colectividade dos trabalhadores e o empregador e entre as associações de trabalhadores e os empregadores ou suas associações. Embora o que se disse seja a regra, em Macau, tal entendimento deve ser visto como excepção, pois o estudo do Direito do Trabalho em 1 O Regime Jurídico das Relações Laborais, aprovado pelo DL 24/89/M, de 3 de Abril, define relações de trabalho como “todo o conjunto de condutas, direitos e deveres, estabelecidos entre o empregador e o trabalhador ao seu serviço, relacionados com os serviços ou actividade laboral prestados ou que devem ser prestados e com o modo como essa prestação deve ser efectivada”. 2 Por contrato de trabalho, como adiante melhor se analisará, entende-se “aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”, nos termos do art. 1079˚ do Código Civil. 3 Em sentido próximo, vd. Jorge Leite, Direito do Trabalho, V. I, Serviço de textos da Universidade de Coimbra, 1998, pág. 62.

Upload: vuthu

Post on 09-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

1

O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2. O direito do trabalho em Macau; 3. O contrato individual de trabalho; 4. Elementos do contrato de trabalho; 5. Formação do contrato de trabalho; 6. Capacidade das partes; 7. A idade mínima para o trabalho; 8. A residência; 9. Condições de forma; 10. Os sujeitos da relação laboral; 11. O salário; 12. Da prestação do trabalho; 13. O horário de trabalho; 14. O período normal de trabalho; 15. O trabalho extraordinário; 16. O período de experiência; 17. O intervalo de descanso; 18. O descanso semanal; 19. O trabalho prestado em dia de descanso semanal; 20. Os feriados; 21. O descanso anual; 22. O trabalho das mulheres; 23. Formas de cessação do contrato de trabalho; 24. A denúncia unilateral; 25. Certificado a entregar ao trabalhador; 26. Conclusões; 27. Bibliografia.

O Direito do Trabalho O Direito do Trabalho é, em regra, definido como a parte do

ordenamento jurídico constituído pelas normas e princípios que disciplinam as relações de trabalho1, isto é, que disciplinam as relações estabelecidas entre dois sujeitos que se encontram ligados por um contrato de trabalho2. Diz-se ainda que tais normas e príncipios podem ter origem estadual ou convencional e ocupar-se da regulamentação individual ou colectiva3.

Da noção apresentada resulta que, para além das relações individuais de trabalho, o Direito do Trabalho regula também as chamadas relações colectivas, as relações estabelecidas entre a colectividade dos trabalhadores e o empregador e entre as associações de trabalhadores e os empregadores ou suas associações.

Embora o que se disse seja a regra, em Macau, tal entendimento deve ser visto como excepção, pois o estudo do Direito do Trabalho em

1 O Regime Jurídico das Relações Laborais, aprovado pelo DL 24/89/M, de 3 de Abril, define relações de trabalho como “todo o conjunto de condutas, direitos e deveres, estabelecidos entre o empregador e o trabalhador ao seu serviço, relacionados com os serviços ou actividade laboral prestados ou que devem ser prestados e com o modo como essa prestação deve ser efectivada”. 2 Por contrato de trabalho, como adiante melhor se analisará, entende-se “aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”, nos termos do art. 1079˚ do Código Civil. 3 Em sentido próximo, vd. Jorge Leite, Direito do Trabalho, V. I, Serviço de textos da Universidade de Coimbra, 1998, pág. 62.

Page 2: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

2

Macau reduz-se, tão só, àquela parte que especificamente se refere às relações individuais de trabalho, às relações estabelecidas entre empregadores e trabalhadores residentes e que são disciplinadas pelo DL nº 24/89/M, de 3 de Abril, denominado por Regime Jurídico das Relações Laborais de Macau (RJRL), visto, entre nós, a contratação colectiva ensaiar ainda os seus primeiros passos4.

Pretendemos, com este pequeno texto, proporcionar ao leitor uma visão, tão abrangente quanto possível, do regime jurídico das relações individuais de trabalho vigente em Macau, procurando, sempre que possível, apontar críticas e sugestões que possam contribuir para um melhoramento daquele regime, ficando de fora da nossa análise matérias relativas a acidentes de trabalho e doenças profissionais, reguladas pelo DL nº 40/95/M, de 14 de Agosto, higiene e segurança no emprego, formação profissional, promoção do emprego, segurança social, domínios onde a legislação de Macau tem avançado significativamente.

O Direito do Trabalho em Macau

Apenas a partir de 1984, com a aprovação e publicação do DL

101/84/M, de 25 de Agosto, é possível iniciar o estudo do direito individual do trabalho em Macau. Até essa data, as relações de trabalho predominantes na época (serviço doméstico, salariado e contrato de aprendizagem) eram disciplinadas pelo Código Civil Português, de 1867, e mais tarde pelo Código Civil de 1966, aplicável a Macau por ser uma Província Ultramarina de Portugal.

Com a publicação do DL 101/84/M, de 25 de Agosto, visou-se, sobretudo, unificar num mesmo documento a regulamentação dos diversos aspectos relacionados com as relações individuais de trabalho, definindo-se

4 No mesmo sentido, Cândida Antunes Pires, Direito do Trabalho de Macau, 1996, pág. 42. Saliente-se, no entanto, que apesar de não existir qualquer regulamentação sobre direito colectivo, o DL 24/89/M, no seu art. 6º, faz referência à possibilidade de serem “admitidos todos os acordos ou convenções estabelecidos entre os empregadores e trabalhadores ou entre os respectivos representantes associativos ainda que disponham de modo diferente do estabelecido no diploma, desde que da sua aplicação não resultem condições de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores do que as que resultariam da aplicação do mesmo”.

Page 3: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

3

assim as condições mínimas e básicas que devem ser respeitadas e observadas entre empregadores e trabalhadores5.

O mesmo espírito foi mantido no DL 24/89/M, de 3 de Abril, diploma que revogou o DL 101/84/M, e que, actualmente, rege ainda – apenas com algumas alterações – as relações individuais de trabalho em Macau. Com a aprovação do novo diploma procurou-se introduzir no diploma original “alterações julgadas oportunas para a melhor compreensão dos seus normativos, suprindo dúvidas e omissões evidenciadas pela experiência, clarificando alguns preceitos onde se detectaram dificuldades de interpretação e inovando em matérias que se encontravam desajustadas dos anseios e das expectativas dos trabalhadores”6.

O Contrato Individual de Trabalho O artº1079º do Código Civil define contrato de trabalho como

“aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”7. O contrato de trabalho assenta pois num acordo de vontades, entre duas pessoas, através do qual uma se compromete a prestar uma actividade,

5 Cfr. preâmbulo do Diploma em análise. É, todavia, importante chamar a atenção para o facto de o legislador reconhecer que a entrada em vigor deste diploma “não poder prejudicar as condições de trabalho mais favoráveis que fossem já observadas e praticadas entre qualquer empregador e os trabalhadores ao seu serviço, seja qual for a fonte dessas condições mais favoráveis”. Por esta razão, o conteúdo do DL 101/84/M não poderia ser entendido ou interpretado no sentido de implicar a redução ou eliminação de condições de trabalho estabelecidas ou observadas entre os empregadores e os trabalhadores, com origem em normas convencionais, em regulamentos de empresa ou em usos e costumes, desde que essas condições de trabalho fossem mais favoráveis do que as consagradas naquele diploma. 6 Cfr. Preâmbulo do DL 24/89/M, de 3 de Abril. 7 Embora o Regime Jurídico da Relações Laborais não apresente uma noção de contrato de trabalho, parece-nos que a noção apresentada encontra-se pressuposta na al. b) do artº 2º daquele diploma, pois ao definir-se trabalhador dá-nos, ainda que indirectamente, aquela noção. Dispõe pois a referida al. b) que trabalhador é “aquele que, usufruindo do estatuto de residente em Macau, coloque à disposição de um empregador directo, mediante contrato, a sua actividade laboral, sob a autoridade e direcção deste, independentemente da forma que o contrato revista e do critério de cálculo da remuneração (...)”.

Page 4: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

4

manual ou intelectual, a outra, sob a autoridade e direcção desta, contra o pagamento de uma retribuição. A prestação de trabalho, a retribuição e a subordinação jurídica são os três elementos essenciais do contrato de trabalho. A FORMAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

Capacidade das partes O primeiro requisito essencial para a formação de um contrato de

trabalho diz respeito à capacidade das partes, isto é, à aptidão jurídica para celebrar negócios jurídicos. Relativamente à entidade patronal, pessoa singular ou colectiva, a respectiva capacidade rege-se pelas normas do direito civil ou comercial, pelo que não lhe faremos aqui qualquer referência. Quanto ao trabalhador, a idade é uma das mais importantes circunstâncias relativas à sua capacidade para validamente se obrigar por um contrato de trabalho.

A idade mínima para o trabalho Assim, nenhum trabalhador pode validamente vincular-se a um

contrato de trabalho se não tiver atingido a idade mínima de admissão8, fixada pelo legislador em 16 anos. De outro modo, a celebração de um contrato de trabalho com um menor de 16 anos deve ser considerado nula por falta de capacidade do trabalhador-menor para validamente se obrigar a desempenhar determinada actividade9. Excepcionalmente, a lei admite que menores de dezasseis anos, mas com catorze ou quinze anos, possam celebrar contratos de trabalho, devendo, neste caso, o empregador sujeitar o menor a exames médicos para comprovação de robustez física relativamente à actividade que o menor irá desempenhar (art. 42º RJRL).

A residência

8 Nos termos do art. 39º do DL 24/89/M, que “nenhum empregador poderá ter ao seu serviço nem utilizar os serviços de trabalhadores com idade inferior a 16 anos”. 9 Como facilmente se percebe, a proibição de utilização de mão-de-obra de menores de 16 anos prende-se com razões de protecção do desenvolvimento físico, intelectual, bem como por razões ligadas com a formação e educação do menor.

Page 5: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

5

Além da idade mínima para a admissão ao trabalho, exige-se ainda, que o trabalhador seja residente de Macau. Assim, apenas os cidadãos a quem seja concedido o estatuto de residente de Macau têm capacidade jurídica para validamente se obrigar através de um contrato de trabalho; isto mesmo resulta da leitura dos arts. 2º, alª b) e 3º, nº 1, alª d) do RJRL.

Condições de forma

No domínio do contrato de trabalho vigora a regra da consensualidade ou da liberdade de forma (artº 211º, C.Civ), e, como tal, não é exigido qualquer documento escrito ou outra formalidade para a celebração de um contrato de trabalho.

Contrato de Adesão

O contrato de trabalho é hoje visto, essencialmente, como sendo um contrato de adesão, um contrato pelo qual uma das partes (o empregador) fixa o conteúdo do contrato, limitando-se o trabalhador a aceitar as condições que a contraparte lhe apresenta.

Deve, todavia, sublinhar-se que a liberdade do empregador na fixação unilateral das cláusulas do contrato, se encontra, desde logo, limitada pela lei. Isto mesmo resulta da leitura do art. 1º do RJRL, onde se afirma que “a contratação relativa a relações de trabalho entre empregadores directos e trabalhadores residentes é livre, sem prejuízo da observância dos condicionalismos mínimos que se encontram estabelecidos na lei, ou resultem de normas convencionais livremente aceites pelos respectivos representantes associativos, de regulamentos de empresa ou de usos e costumes geralmente praticados”.

Ora, deste preceito facilmente se retiram três ilações: primeira, o preceito refere-se a “empregadores directos e trabalhadores residentes”, desde logo, por serem estes os seus únicos destinatários; afasta assim o legislador a possibilidade de as relações de trabalho estabelecidas entre empregadores e trabalhadores não residentes ficarem submetidas à sua disciplina10. Segunda,

10 O DL 24/89/M, de 3 de Abril, também não é aplicável às relações de trabalho que se estabelecam no âmbito da função pública, às relações de trabalho doméstico, às relações de trabalho estabelecidas entre pessoas com vínculo familiar de direito ou de facto e que vivam em comunhão de mesa e habitação. São igulamente excluídas do seu âmbito de aplicação as relações de trabalho emergentes de um contrato celebrado para a prestação de um serviço concretamente definido, em termos de total disponibilidade e

Page 6: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

6

a contratação é livre, desde que observados os condicionalismos mínimos estabelecidos na lei, ou que resultem de normas convencionais livremente aceites (...); vemos assim que respeitados os condicionalismos mínimos fixados por lei ou por acordo, as partes gozam de um amplo espaço de liberdade na fixação do conteúdo dos seus contratos. Por último, os condicionalismos mínimos podem resultar da lei ou de normas convencionais livremente aceites pelos respectivos representantes associativos. Abre assim o legislador a possibilidade da existência de convenções colectivas de trabalho, ou seja, de acordos a celebrar entre trabalhadores ou seus representantes e empregadores no sentido de disciplinar as condições de trabalho.

Os Sujeitos da Relação Laboral O trabalhador e o empregador são as personagens principais de que

se ocupa todo o ordenamento jurídico laboral. Cabe agora analisar mais em pormenor que direitos e deveres cabem ao trabalhador e ao correspectivo empregador.

O trabalhador O art. 2º al. b) do RJRL define trabalhador como “aquele que,

usufruíndo do estatuto de residente em Macau, coloque à disposição de um empregador directo, mediante contrato, a sua actividade laboral, sob autoridade e direcção deste, independentemente da forma que o contrato revista e do critério de cálculo da remuneração, que pode ser dependência do resultado efectivamente obtido”; por outras palavras, pode definir-se trabalhador como o sujeito que, tendo o estatuto de residente de Macau, coloca à disposição de um outro sujeito (empregador) a sua disponibilidade para prestar certa e determinada actividade exercida sob a autoridade e direcção deste e mediante o pagamento de uma remuneração.

Deveres do trabalhador Em virtude da celebração de um contrato de trabalho o trabalhador

assume perante a entidade patronal a obrigação de desempenhar determinada actividade (que constitui a sua obrigação principal). Todavia, além desta obrigação principal, o trabalhador assume certos deveres acessórios ou

autonomia do autor do serviço, e mediante o pagamento de um preço global, nos termos do art. 3 º do RJRL.

Page 7: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

7

conexos, directamente relacionados com o cumprimento daquela obrigação principal.

Tais deveres encontram-se, exemplificadamente, no art. 8º do RJRL, de entre os quais se destacam os seguintes: dever de respeito, de assiduidade, de lealdade, de conservação e boa utilização dos bens relacionados com o seu trabalho, dever de colaboração com o empregador em matérias de higiene e segurança.

Garantias do trabalhador Ao lado dos deveres acima mencionados, o trabalhador beneficia de

um conjunto de garantias destinadas a protegê-lo da actuação do empregador. Fixou-se, assim, que é proibido ao empregador “obrigar o trabalhador a adquirir ou a utilizar serviços fornecidos pelo empregador ou por pessoas por ele indicadas; obrigar os trabalhadores a utilizar cantinas, refeitórios ou outros estabelecimentos directamente relacionados com o trabalho”; “opor-se, por qualquer forma, a que o trabalhador exerça os seus direitos, bem como possa pôr termo à relação laboral, ou aplicar sanções por motivo de o trabalhador haver reclamado, alegando discriminação”. Proibiu-se ainda que possa ser diminuida a retribuição dos trabalhadores durante a vigência do contrato (art. 9º do RJRL). Outro importante limite prende-se com a proibição do empregador despedir, salvo com justa causa, uma trabalhadora durante a gravidez e até três meses depois do parto (art. 37º n.8).

Além destas garantias deve ainda referir-se que o art. 4º do RJRL, sob a epígrafe “Princípio de igualdade”, consagra que “todos os trabalhadores têm direito às mesmas oportunidades de emprego e ao mesmo tratamento no emprego e na prestação de trabalho, independentemente da raça, cor, sexo, religião, filiação associativa, opinião política, estrato social ou origem social, como consequência do direito ao trabalho a todos reconhecido” 11.

O empregador O outro sujeito central da relação laboral e credor da prestação do

trabalho é o empregador, também designado por entidade patronal, patrão, etc. Para o que nos interessa, o empregador deve ser visto como a pessoa singular ou colectiva que tem ao seu serviço trabalhadores subordinados, isto

11 Nos termos do art. 35° da Lei Básica da RAEM, “os residentes de Macau gozam de liberdade de escolha de profissão”.

Page 8: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

8

é, pessoas físicas que desempenham uma actividade sob a sua direcção e autoridade e aos quais deve pagar uma certa retribuição12.

Em regra são atribuídos três poderes específicos ao empregador, enquanto credor da prestação de trabalho: o poder directivo, o poder regulamentar e o poder disciplinar13. Muito resumidamente podemos dizer que o poder directivo constitui o poder mais característico do empregador e traduz-se no poder de o empregador gerir, organizar e, especificar, dentro dos limites decorrentes da lei, as actividades e tarefas que deverão ser exercidas por cada um dos trabalhadores ao seu serviço. Inerente ao poder de direcção encontra-se o poder de fiscalização, isto é, o poder de o empregador, a todo o tempo, exercer funções de vigilância e controlo das actividades que estão ou foram exercidas pelos seus trabalhadores. O poder regulamentar traduz-se na possibilidade de elaboração pelo empregador de um conjunto de regras respeitantes ao modo de funcionamento da empresa. Por último, o poder disciplinar, como o próprio nome indica, espelha a faculdade que ao empregador é reconhecida de poder sancionar os desrespeitos ou faltas cometidas pelos seus trabalhadores durante a vigência da relação de trabalho.

Ao lado destes poderes, consagrou-se no art. 7º do RJRL, um conjunto de deveres a cargo do empregador. De entre eles, podemos encontrar a consagração do dever de respeito, o dever de pagar ao trabalhador um salário justo que dentro das exigências do bem comum seja adequado ao seu trabalho, o dever de proporcionar ao trabalhador boas condições de trabalho, o dever de indemnizar o trabalhador por todos os prejuízos resultantes de acidentes de trabalho e/ou doenças contraídas por causa da prestação de trabalho.

A retribuição

12 Isto mesmo resulta da definição de empregador constante da al. a) do art. 2° do RJRL, que define empregador como “toda e qualquer pessoa, singular ou colectiva que directamente disponha da actividade laboral de um trabalhador, conforme contrato de trabalho com ele estabelecido, independentemente da forma que o contrato revista e do critério de cálculo de remuneração, que pode ser dependência do resultado efectivamente obtido”. 13 É possível encontrar-se uma referência aos poderes do empregador no art. 13° do RJRL, quando aí se refere que “dentro dos limites decorrentes da relação de trabalho e das normas que a regem, compete ao empregador fixar os termos em que deve ser prestado o trabalho (poder directivo), podendo elaborar regulamentos internos donde constem as normas da sua organização (poder regulamentar) e disciplina (poder disciplinar)”.

Page 9: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

9

Como se disse, o contrato de trabalho é um contrato oneroso, caracterizado pela existência de uma contraprestação patrimonial a cargo do empregador.

O nº 2 do artº 25º, do RJRL, define salário como “toda e qualquer prestação, susceptível de avaliação em dinheiro, seja qual for a sua designação ou forma de cálculo, devida em função da prestação de trabalho e fixada ou por acordo entre empregador e trabalhador, ou por regulamento ou norma convencional ou por norma legal”14. Diz-se ainda que o salário pode ser constituído por uma prestação pecuniária, devendo neste caso ser fixada em moeda local, ou por uma prestação pecuniária e géneros ou prestações de outra natureza (as chamadas prestações em espécie, desde que avaliáveis em dinheiro), mas neste caso o valor da prestação pecuniária não deve ser inferior a 50% do montante total do salário (art. 25º nº. 3).

O salário pode ser ser certo, variável ou misto. Diz-se certo o salário que é fixado em função do tempo de trabalho, ou seja, aquele que corresponde a um certo período de tempo (hora, dia, semana, quinzena, mês). Diz-se variável quando for cálculado em função do resultado efectivamente produzido (ex. salário à peça, à tarefa, à comissão, etc.). O salário diz-se misto quando for constituído por uma parte certa e por uma parte variável. É o que sucede quando o trabalhador sabe que terá direito a auferir um valor certo, previamente acordado, a que acresce um valor variável.

Consagrou-se ainda que “pela prestação dos seus serviços, os trabalhadores têm direito a um salário justo” (art. 25º n°.1), sendo que “o montante do salário deve ser fixado por acordo entre o empregador e o trabalhador, com observância dos limites estabelecidos nos usos e costumes, regulamento da empresa, convenção ou disposição legal aplicáveis, devendo ainda esse montante acordado ter em atenção as necessidades e interesses do trabalhador, a evolução do custo de vida, a capacidade económica e a

14 Deste preceito pode retirar-se assim, uma definição legal de salário, sendo três os elementos constitutivos ou essenciais desta noção: em primeiro lugar, salário é toda e qualquer prestação avaliável em dinheiro, (qualquer que seja a sua designação ou forma de cálculo); segundo, o salário é uma prestação devida em função da prestação de trabalho (isto é, o salário corresponde à contrapartida da actividade prestada pelo trabalhador); terceiro, o salário é fixado por acordo entre empregador e trabalhador, ou por regulamento ou norma convencional ou por norma legal (visto ser fixado por acordo, nem à entidade patronal, nem ao trabalhador é permitida a alteração unilateral da estrutura salarial, e em caso algum se admite a diminuição do valor total do salário).

Page 10: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

10

situação económica-financeira da empresa ou do sector económico da empresa e as condições de concorrência económica” (art. 27º n°s.1 e 2).

Quanto ao lugar do pagamento do salário determinou-se que o salário “deve ser pago no lugar onde o trabalhador presta ou exerce a sua actividade, a menos que, por acordo, seja determinado outro” (art. 29º). Todavia, no intuito de protecção do salário, a lei proíbe que o pagamento deste se efectue em estabelecimentos de venda de bebidas alcoólicas ou em casas de jogo, a menos que se trate de pessoas que trabalhem nesses estabelecimentos (art. 29º n°.2).

Por fim, deve salientar-se que no acto do pagamento do salário, o empregador é obrigado a entregar ao trabalhador um documento onde conste o nome completo do trabalhador, o período ou períodos a que a retribuição corresponde, devendo ser indicados ainda todos os descontos e deduções que tenham sido efectuadas pela entidade patronal, e o valor líquido a receber (art. 30º). DA PRESTAÇÃO DO TRABALHO

O horário de trabalho Por horário de trabalho, entende-se “a determinação das horas do

início e do termo do período normal de trabalho diário, bem como do intervalo de descanso”15.

O período normal de trabalho Por período normal de trabalho entende-se o número de horas que o

trabalhador se obriga a prestar16. Assim, nos termos do artº 10º do RJRL, “nenhum trabalhador deve prestar normalmente mais do que oito horas de trabalho por dia e quarenta e oito horas por semana”; todavia, “de acordo com os usos e costumes, o modo de laboração ou o estabelecido entre o empregador e o trabalhador”, aqueles limites poderão ser ultrapassados até ao limite das dez horas e trinta minutos por dia. Assim, como facilmente se percebe, o período normal de trabalho em Macau é de oito horas de trabalho diárias, podendo no entanto o trabalhador, em determinadas circunstâncias, ser obrigado a trabalhar até dez horas e trinta minutos por dia.

O trabalho extraordinário

15 Cfr. al h) do art. 2º do DL 24/89/M, de 3 de Abril. 16 Cfr. al. g) do art. 2º do DL 24/89/M, de 3 de Abril.

Page 11: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

11

Entende-se por trabalho extraordinário “aquele que é prestado para além do período normal de trabalho”. Assim, em determinadas situações o trabalhador pode ser obrigado a exercer a sua actividade, para além dos limites temporais atrás fixados, desde que o empregador esteja na iminência de sofrer prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior ou quando o empregador tenha de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores.

Ora, nestas situações, o trabalhador terá direito a um acréscimo de salário, em montante acordado entre ele e o empregador17.

Período experimental Em regra, os três primeiros meses de vigência da relação de

trabalho, denominam-se período de experiência ou período experimental. Trata-se de um período que justamente ocorre na fase inicial do contrato destinado a permitir que as partes daquela nova relação se conheçam, e para que possam aferir se aquela relação corresponde aos seus interesses. Durante esse período é reconhecido a qualquer das partes (não estando satisfeito com o desempenho da outra parte) o poder de unilateralmente fazer cessar a relação de trabalho sem necessidade de aviso prévio nem alegação de justa causa e sem direito a qualquer indemnização rescisória18. A INTERRUPÇÃO DA PRESTAÇÃO DE TRABALHO

O intervalo de descanso

Um dos aspectos mais importantes do direito do trabalho é o da necessidade de assegurar ao trabalhador um período de descanso. Assim, dado não ser possível nem lícito fazer o trabalhador prestar a sua actividade

17 Quer-nos parecer que seria mais conveniente ser o próprio legislador a consagrar um valor a que o trabalhador teria direito em virtude da prestação de trabalho extraordinário pois, deixar a fixação do montante desse acréscimo ao critério da vontade das partes certamente permitirá abusos. No mesmo sentido, Augusto Teixeira Garcia, Lições de Direito do Trabalho, Policopiadas, 1993, pág. 80. Não distinguiu o legislador as situações de prestação de trabalho extraordinário em dia útil, do trabalho prestado em dia de descanso semanal ou do trabalho prestado em dia feriado. Trata-se de situações por si só diferenciadas e, como tal, merecedoras de tratamento autónomo. 18 Cfr. art. 16º do RJRL. É ainda de referir que a antiguidade do trabalhador conta-se desde o início do período experimental.

Page 12: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

12

durante todo o dia, consagrou o legislador, nos termos do n.º 1 do art. 10º, que o “período normal de trabalho deve ser interrompido por um intervalo de duração não inferior a trinta minutos, de modo a que os trabalhadores não prestem mais de cinco horas de trabalho consecutivo”. Este período destina- -se a conferir uma pausa situada mais ou menos a meio de cada jornada de trabalho e é normalmemente utilizado para uma refeição do trabalhador.

O descanso semanal Nos termos do n°.1 do art. 17º do RJRL, “todos os trabalhadores têm

direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição”19. O descanso semanal é, assim, um dia no qual o trabalhador se encontra dispensado por lei de prestar a sua actividade à entidade patronal.

Justificam e reclamam esse dia de descanso semanal razões que se prendem com a saúde física e psíquica do trabalhador (recuperar do desgaste provocado por uma semana de trabalho), de ordem familiar (aproveitar esse dia para conviver com a família), razões de ordem social e cultural (esse período permite o convívio com amigos, a participação em manifestações de carácter público, ou que o trabalhador possa tratar de assuntos do seu próprio interesse junto, por ex., de repartições públicas, etc.), mas também razões ligadas com o empregador, pois o cansaço e desgaste físico e psíquico do trabalhador reflectem-se, necessariamente, numa quebra progressiva do seu rendimento em quantidade e qualidade, aumentando assim os riscos de ocorrência de acidentes de trabalho.

O período de descanso semanal será fixado pelo empregador, com a devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa (art. 17º n°.2).

O trabalho prestado em dia de descanso semanal Os trabalhadores poderão, no entanto, ser chamados a prestar

trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal, nos termos do disposto no n°.3 do artº 17º. Trata-se de situações de excepcionalidade,

19 Nos termos do art. 18º, “sempre que, em função da natureza do sector de actividade em causa deverá ser concedido aos trabalhadores um descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, o qual não deverá ser inferior ao que resultaria de uma média semanal de 24 horas”. Permite-se, deste modo, que em alternativa ao descanso períodico semanal, certos trabalhadores tenham o direito a gozar em cada conjunto de quatro semanas, um período de descanso igual a quatro dias consecutivos.

Page 13: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

13

devendo o trabalho ser prestado, apenas e tão só, nas condições taxativamente aí indicadas.

Assim, os trabalhadores poderão ser chamados a prestar trabalho em dia de descanso semanal sempre que o empregador esteja na iminência de prejuízos importantes, quando se verifiquem casos de força maior, quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores, ou ainda, sempre que a prestação do trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir o funcionamento da empresa (art. 17º n°.3). Pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal, os trabalhadores que auferem um salário mensal (certo), devem ser remunerados pelo dobro da sua retribuição normal. Quer isto dizer que, se um trabalhador ganhar por hora MOP $10,00 num dia normal de trabalho, auferirá MOP $80,00 se o período normal de trabalho for de oito horas. Ora, o mesmo trabalho, prestado em dia de descanso semanal será remunerado em dobro, isto é, o trabalhador receberá, neste caso, MOP $160,00 por aquele dia de trabalho. Para os trabalhadores que auferem salário determinado em função do resultado efectivamente produzido ou do período de trabalho efectivamente prestado (remuneração variável), o montante de remuneração a pagar pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal, resulta de acordo entre o trabalhador e a entidade patronal, com observância dos limites que decorram dos usos e costumes.

Mas, para além de um aumento de retribuição, por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho.

Admite, todavia, a lei de Macau, ao arrepio do próprio fundamento do descanso semanal, que o trabalhador possa, voluntariamente, prestar a sua actividade em dia de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isto ser obrigado20.

20 Trata-se de uma disposição que não merece a nossa concordância, desde logo, por pôr em causa a possibilidade de o direito ao descanso semanal deixar de ser visto como um direito fundamental do trabalhador e como tal um direito irrenunciável ou infungível. No mesmo sentido, pronunciou-se o Ac. do Tribunal de Segunda Instância da RAEM, de 29 de Março de 2001, onde se refere que “o direito ao dia semanal de repouso é infungível, sendo compensado com um dia de lazer a gozar nos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho”. Também Augusto Teixeira Garcia, ob. cit., pág. 87, considera que “a redacção do preceito é manifestamente infeliz, permitindo que a regra do descanso semanal seja, na prática, esvaziada de conteúdo,

Page 14: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

14

Os feriados

Os dias feriados são dias que, por força da lei, não são considerados dias de trabalho e em que, por isso, os trabalhadores estão dispensados da sua obrigação de prestação de trabalho. São dias que se destinam sobretudo a permitir aos cidadãos associar-se tendo em vista a comemoração colectiva de acontecimentos importantes para a sua comunidade, quer se trate de acontecimentos de carácter político, quer religioso, cultural, histórico, etc. Assim, e para permitir a comemoração colectiva destes acontecimentos a lei dispensa os trabalhadores da sua principal obrigação, isto é, de prestar a sua actividade nessas datas.

A lei de Macau considera como feriados obrigatórios, nos termos do artº 19º, nº 1, do RJRL, os seguintes dias: 1 de Janeiro, os três dias do Ano Novo Lunar, o Dia dos Finados, o 1 de Maio, o dia seguinte ao do Bolo Lunar/Chong Chao, o dia 1 de Outubro, o dia do Culto aos Antepassados/Chong Yeong e o dia 20 de Dezembro.

Ainda que denominados “feriados obrigatórios”, apenas “os trabalhadores que tenham completado o período experimental, devem ser dispensados da prestação de trabalho” (art. 19º n°.2) 21.

À semelhança do que acontece para o descanso semanal, consagrou--se a possibilidade de os trabalhadores “serem obrigados” a prestar trabalho em dias de feriado obrigatório, ainda que, somente nas situações expressamente previstas na lei22.

permitindo abusos, deixando entrar pela janela aquilo que proibiu que entrasse pela porta”. 21 Trata-se de uma medida com a qual não estamos, mais uma vez, de acordo. Em nossa opinião, nada permite que seja feita uma discriminação entre trabalhadores em fase de experiência e trabalhadores com mais de três meses de antiguidade, para efeitos de gozo de dias feriados que a lei denomina de obrigatórios! Por outro lado, tal disposição parece não respeitar o disposto no art. 7º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, vigente em Macau, no qual se consagra que todos os trabalhadores têm direito ao “repouso, lazer e limitação razoável das horas de trabalho e férias períodicas pagas, bem como remuneração nos dias de feriados públicos” (sublinhados nossos). 22 Assim, nos termos do n°.1 do art. 20º, os trabalhadores podem ter de prestar trabalho sempre que: os empregadores estejam na iminência de sofrer prejuízos importantes ou quando se verifiquem casos de força maior; quando os empregadores tenham de fazer face a um acréscimo de trabalho não previsível; quando a prestação de trabalho seja indispensável para garantir a

Page 15: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

15

Pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório e remunerado, previstos no artº 19º, nº 3, (ou seja, para os dias, 1 de Janeiro, três dias do Ano Novo Chinês, 1 de Maio e 1 de Outubro), os trabalhadores têm direito a receber um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal.

Assim, se por exemplo, um trabalhador aufere como remuneração diária a quantia de MOP $100,00 por trabalho prestado num dia feriado obrigatório e remunerado esse trabalhador terá o direito a auferir MOP $300,00 ou seja, MOP $100,00 que corresponde ao seu dia de trabalho acrescido de MOP $200,00 correspondente ao acréscimo salarial por se tratar de trabalho prestado em dia feriado23.

O descanso anual

Nos termos do n°.1 do artº 21º “os trabalhadores têm direito a seis dias úteis24 de descanso anual, sem perda de salário25, em cada ano civil”26.

continuidade do funcionamento da empresa, nos casos em que, de acordo com os usos e costumes, esse funcionamento deva ocorrer nos dias de feriados. 23 Tratando-se de trabalho prestado em dia feriado obrigatório não remunerado, ou seja, em dia de feriado obrigatório não previsto no n°.3 do artº 19º, por um trabalhador que já tenha completado o período experimental, e desde que o trabalho seja prestado a fim de a entidade patronal fazer face a um acréscimo de trabalho não previsto (ex. por novas encomendas), o trabalhador terá, nessa situação, direito a um acréscimo salárial nunca inferior a 50% do seu salário normal, a fixar por acordo entre as partes. Assim, se por exemplo, um trabalhador naquelas condições aufere como remuneração diária a quantia de MOP $100,00 por trabalho prestado naquele dia feriado obrigatório e remunerado esse trabalhador terá o direito de auferir no mínimo MOP $150,00, ou seja, MOP $100,00 que corresponde ao seu dia de trabalho mais MOP $50,00 correspondente ao acréscimo salarial nunca inferior a 50%. Note-se que por acordo das partes sempre pode ser estabelecido um valor superior aos 50% fixados pela lei. 24 Como se sabe, nos dias úteis não se computam nem os feriados nem os dias de descanso semanal. Assim, para um trabalhador efectivo, o período de descanso anual deve ser de seis dias úteis, a que acrescerão os dias feriados e descanso semanal que ocorram no decurso do período em causa. 25 O que significa que o trabalhador tem direito a receber o seu salário na íntegra, relativamente a esse período, como se estivesse a prestar normalmente a sua actividade. O legislador de Macau não foi, contudo, sensível à necessidade de dotar o trabalhador de maiores recursos para fazer face a um período que se pretende que seja de quebra com a rotina quotidiana

Page 16: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

16

Consagrou desta forma, em termos parcos, o legislador de Macau o direito ao descanso anual ou também designado direito a férias27.

A origem do direito ao descanso anual, começou por assentar na ideia de recompensar ou premiar certos trabalhadores pelos bons e efectivos serviços prestados, sendo primeiramente consagrado apenas para empresas de grande dimensão. Mais tarde generalizou-se para todos os trabalhadores e hoje corresponde a um verdadeiro direito fundamental.

À semelhança do que se disse valer para o decanso semanal, o direito ao descanso anual justifica-se não só por razões ligadas à necessidade de recuperação física e psíquica do trabalhador, mas também à necessidade de assegurar-lhe condições mínimas para que ele durante certo período do ano se encontre disponível para exercer determinadas actividades ligadas com a sua vida familiar, social, cultural, política ou religiosa, que durante o período de actividade laboral está impossibilitado de exercer.

O período de descanso anual a gozar por cada trabalhador será fixado pelo empregador, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa, com a antecedência mínima de trinta dias (art. 22º n°.1).

É importante sublinhar que, durante o período de descanso anual, o trabalhador não poderá, em princípio, exercer qualquer outra actividade por que aufira salário, salvo se já a viesse exercendo cumulativamente ou se o empregador o autorizar a isso28. O legislador pretende assim, assegurar que o trabalhador goze um período de repouso efectivo, evitando que o substitua por um benefício pecuniário imediato.

e de satisfação de necessidades familiares importantes (ex. para quem tenha filhos pequenos, necessidade de praia ou de campo) e que, por isso, implica maiores despesas. Não se consagrou assim a atribuição ao trabalhador de qualquer quantia que acresça à sua retribuição normal, a título de subsídio de férias, como existe em muitos outros ordenamentos jurídicos estrangeiros. 26 Nos casos em que a duração da relação do trabalho for inferior a 12 meses, mas superior a 3 meses, o período de descanso anual a que o trabalhador tem direito é o proporcional, na medida de 1/2 dia por cada mês ou fracção de duração da relação de trabalho. 27 Como vimos, o direito a férias períodicas pagas também encontra consagração no art. 7º do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, vigente em Macau, no qual se consagra que todos os trabalhadores têm direito ao “repouso, lazer e limitação razoável das horas de trabalho e férias períodicas pagas, bem como remuneração nos dias de feriados públicos” (sublinhados nossos). 28 A não observância do disposto no número anterior dá ao empregador o direito de agir disciplinarmente contra o trabalhador e de reaver o salário correspondente ao período de descanso anual, nos termos do n°. 2 do art. 23º.

Page 17: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

17

E, embora a lei não o diga, resulta do que se disse, que o direito ao descanso anual, deve ser visto como um direito indisponível e irrenunciável, não sendo, por tal, válido qualquer acordo entre trabalhador e empregador com vista a uma renúncia àquele direito, nem é permitido ao trabalhador sobre ele transaccionar29.

Consagrou-se ainda que “o empregador que impedir o trabalhador de gozar o período de descanso anual pagará ao trabalhador, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao tempo de descanso que este deixou de gozar” (art. 24º).

O trabalho das mulheres Nos termos da lei vigente, é garantida às mulheres a igualdade com

os homens em oportunidade e tratamento30, no trabalho e no emprego, garantindo-se, desta forma, a proibição de qualquer discriminação baseada no sexo31, quer directa, quer indirecta, nomeadamente pela referência ao estado civil ou à situação familiar32.

Consagrou-se ainda a proibição da prestação pelas mulheres de serviços que, por si mesmos ou pelo sector em que tenham lugar, impliquem riscos efectivos ou potenciais para a função genética. Por outro lado, durante a gravidez e até três meses após o parto, as mulheres não devem desempenhar tarefas desaconselháveis para o seu estado (art. 35º n°s. 1 e 2).

Inexplicavelmente, consagrou-se que as mulheres grávidas, cuja relação de trabalho tenha uma duração superior a um ano, têm direito a trinta e cinco dias de licença por ocasião do parto, com garantia do posto de trabalho e sem perda de salário, sendo que o salário devido pelo período de licença de maternidade apenas será assegurado pelo empregador, até ao limite de três partos por cada trabalhadora (art. 37º n°s. 1 e 5) (sublinhados nossos).

29 No mesmo sentido se pronuncia Augusto Teixeira Garcia, ob. cit., pág. 90 e 91. 30 É assim assegurada a igualdade de salário entre trabalhadores e trabalhadoras por um trabalho igual ou de valor igual prestado ao mesmo empregador. 31 A única discriminação que parece existir é o facto de ao empregador ficar vedado despedir, salvo com justa causa, uma trabalhadora durante a gravidez e até três meses depois do parto, desde que aquela e este sejam conhecidos da entidade patronal. 32 Apenas de referir que não são consideradas discriminatórias as disposições de carácter temporário que estabeleçam uma preferência em razão do sexo imposta pela necessidade de corrigir uma desigualdade de facto ou proteger a maternidade enquanto valor social (art. 34º n°.3).

Page 18: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

18

Como se vê, no ordenamento de Macau, em matéria de licença de maternidade, apenas se confere o direito a trinta e cinco dias de salário acompanhados da garantia de manutenção do posto de trabalho às trabalhadoras cuja relação de trabalho seja superior a um ano, sendo excluído o direito ao salário nos casos de ausência de trabalhadoras-grávidas que tenham já três ou mais filhos. FORMAS DE CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

O regime jurídico da extinção do contrato de trabalho constitui uma

das mais importantes matérias no estudo do Direito do Trabalho, desde logo, porque muitas das questões relacionadas com a situação jurídico-laboral só são discutidas no momento da sua extinção, pois só nesta altura o trabalhador se sente em condições e com coragem de questionar os anteriores comportamentos do empregador. São as seguintes as formas de cessação do contrato de trabalho adoptadas pelo legislador de Macau no DL 24/89/M, de 3 de Abril33:

a) denúncia do contrato por qualquer das partes durante o período experimental

b) revogação por acordo das partes (mútuo acordo) c) caducidade d) rescisão do contrato com alegação de justa causa

- justa causa de rescisão por iniciativa do empregador - justa causa de rescisão por iniciativa do trabalhador

e) denúncia unilateral.

Rescisão do contrato com alegação de justa causa

Nos termos da lei, “constitui em geral justa causa qualquer facto ou circunstância grave que torne praticamente impossível a subsistência das relações de trabalho” (art. 43º n°.2). Assim, ocorrendo uma situação de justa causa, “qualquer das partes pode pôr termo à relação de trabalho, não havendo lugar ao pagamento de indemnizações”(art. 43º n°.1).

Como vemos, para que um facto ou circunstância possa determinar a rescisão do contrato é necessário que seja grave e que torne praticamente impossível a continuidade daquela relação de trabalho, sendo que, a

33 De todas estas formas, apenas vamos fazer referência à rescisão do contrato com alegação de justa causa e à denúncia unilateral. Para maiores desenvolvimentos, vd. Pinheiro Torres, Da Cessação do Contrato de

Trabalho em Face do DL 24/89/M, de 3 de Abril, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, n°.6, 1998, pág. 115 e segs.

Page 19: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

19

continuidade ou subsistência da relação de trabalho só deve considerar-se praticamente impossível quando a ruptura se apresentar como o único remédio, isto é, quando se tratar de uma situação de verdadeira “inexigibilidade de continuidade daquela relação laboral”34.

Exemplificativamente, o legislador indica como causas possíveis de justa causa “a conduta culposa do trabalhador que viole os seus deveres emergentes da lei ou do contrato; a qualidade do trabalho prestado ou a alteração das condições em que a relação de trabalho foi acordada (art. 44º n°.1).

Contudo, e ao contrário do que acontece em outros ordenamentos jurídicos, no actual regime de Macau não se exige qualquer tipo de “processo disciplinar” nem, tão pouco, que a entidade patronal comunique por escrito a sua decisão, descrevendo, ainda que de forma sumária, os factos de que o trabalhador é acusado, de modo a permitir que este se defenda das acusações que lhe são apontadas.

Por outro lado, sempre que o empregador ponha termo à relação de trabalho “com invocação de justa causa que venha a revelar-se insubsistente, torna o despedimento ilegítimo”, ficando o empregador obrigado a indemnizar o trabalhador no montante previsto na lei35. Também aqui, e diferentemente do que existe consagrado em outros ordenamentos estrangeiros, não se consagrou a possibilidade de reintegração do trabalhador na empresa, como consequência de um despedimento ilegítimo.

Denúncia unilateral

34 Cfr. Da cessação do Contrato de Trabalho em face do DL nº 24/89/M, cit., Boletim da FDUM, n°.6, 1998, pág. 125. 35 Assim, sempre que um trabalhador entenda que foi atingido por um despedimento ilícito, poderá impugná-lo junto do tribunal competente. Ao trabalhador cabe a prova de que foi despedido, competindo à entidade patronal a prova da conduta ilícita do trabalhador, isto é, a indicação dos deveres por aquele violados, bem como a prova do nexo de causalidade entre o comportamento do trabalhador e a impossibilidade de subsistência daquela relação de trabalho. Por fim, caberá ao Tribunal formular uma conclusão sobre a subsistência das razões apresentadas, decidindo pois sobre a existência ou não de uma situação de justa causa naquele caso concreto. Caso se prove que o empregador pôs termo à relação de trabalho com alegação de justa causa, que veio a verificar-se insubsistente, fica obrigado ao pagamento ao trabalhador de uma indemnização de montante igual ao dobro da prevista no n°.4 do art. 47º.

Page 20: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

20

De todas as formas de cessação do contrato de trabalho indicadas, a que verdadeiramente caracteriza a cessação da relação de trabalho em Macau, é a consagração no art. 47º do RJRL do regime da denúncia unilateral, nos termos do qual, “a todo o tempo, independentemente da razão que o fundamente, tanto o empregador como o trabalhador podem pôr termo à relação de trabalho, desde que cumpram os prazos mínimos de aviso prévio” (sublinhados nossos).

Trata-se de um regime típico do chamado sistema liberal e individualista, que informava a legislação do trabalho no século XIX e das primeiras décadas do século passado, baseando-se este no princípio de que os interesses do empregador, por ser este quem corre os riscos da actividade económica, devem prevalecer sobre os interesses do trabalhador. Em consequência, dado que só ao empregador cabe organizar a sua actividade produtiva, e em particular, escolher o pessoal com quem deseja trabalhar, deverá ser-lhe permitido que, a todo o tempo, e sem necessidade de invocação de qualquer fundamento, possa pôr termo aos contratos de trabalho, ainda que tendo de suportar o pagamento de uma indemnização e respeitar um prazo de pré-aviso36.

Implícita, pois, no ordenamento vigente está a ideia de que, quando deixar de convir a qualquer das partes o esquema contratual acordado, podem estas livremente pôr-lhe fim, desde, é claro, que obedeçam aos prazos de aviso prévio fixados e, no caso de se tratar de iniciativa do empregador, se atribua ao trabalhador uma compensação pecuniária, tendo em conta o tempo de duração da relação contratual.

Denúncia unilateral por parte do trabalhador A denúncia unilateral deve ser vista como uma exigência do

reconhecimento da liberdade do trabalhador, possibilitando-lhe libertar-se do vínculo contratual, a todo o tempo e sem necessidade de invocação de qualquer motivo justificador.

Do lado do trabalhador a possibilidade de denúncia sempre foi aceite na generalidade dos ordenamentos jurídicos, pois, como facilmente se compreende, esta possibilidade de cessação unilateral do contrato deve ser encarada como expressão da ideia de liberdade pessoal, com vista a permitir que o trabalhador possa, quando bem entender, procurar outro emprego e deste modo procurar melhorar a sua condição de vida. De contrário, a possibilidade de estipulação de uma cláusula que negasse ao trabalhador o direito de se poder desvincular, a todo o tempo, da relação de trabalho

36 Para maiores desenvolvimentos, vd. Lobo Xavier, Da justa causa de

despedimento no contrato de trabalho, Coimbra, 1969.

Page 21: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

21

reduzia-o, novamente, à condição de escravo ou servo, típico dos regimes da nossa Antiguidade.

Assim, sempre que o trabalhador pretenda pôr fim ao seu contrato de trabalho, basta que comunique a sua intenção ao empregador com sete dias de antecedência (art. 47º n°.3).

Caso o trabalhador não cumpra, total ou parcialmente, este prazo de aviso prévio, fica obrigado a pagar uma indemnização correspondente ao período do aviso em falta (art. 48º n°.2).

Deve apenas salientar-se que enquanto decorrer o prazo de aviso prévio o contrato mantém-se na sua plenitude, continuando pois o trabalhador obrigado a prestar o trabalho e o empregador a retribuí-lo.

Denúncia unilateral por parte do empregador Como anteriormente se referiu, são sobretudo interesses ligados à

mobilidade do volume de mão-de-obra, de modo a acompanhar o progresso tecnológico e as modificações do mercado, que justificam que ao empregador seja permitido o recurso à figura da denúncia unilateral.

Deste modo e não obstante se impor a obrigação de anteceder a cessação do contrato de trabalho de um aviso prévio e do pagamento de uma indemnização37, certo é que, no ordenamento vigente, o empregador pode, a

37 Sempre que a iniciativa da denúncia pertencer ao empregador será devida ao trabalhador uma indemnização rescisória estabelecida da forma seguinte: a) O equivalente a 7 dias de salário, se a relação de trabalho tiver uma duração de entre três meses a um ano; b) O equivalente a 10 dias de salário por cada ano de serviço, se a relação de trabalho tiver uma duração de entre um a três anos; c) O equivalente a 13 dias de salário por cada ano de serviço, se a relação de trabalho tiver uma duração de entre três a cinco anos; d) O equivalente a 15 dias de salário por cada ano de serviço, se a relação de trabalho tiver uma duração de entre cinco a sete anos; e) O equivalente a 16 dias de salário por cada ano de serviço, se a relação de trabalho tiver uma duração de entre sete a oito anos; f) O equivalente a 17 dias de salário por cada ano de serviço, se a relação de trabalho tiver uma duração de entre oito a nove anos; g) O equivalente a 18 dias de salário por cada ano de serviço, se a relação de trabalho tiver uma duração de entre nove a dez anos; h) O equivalente a 20 dias de salário por cada ano de serviço, se a relação de trabalho tiver uma duração superior a dez anos.

Page 22: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

22

todo o tempo, e independentemente de razão que o fundamente, fazer cessar a relação de trabalho que o liga ao trabalhador.

Certificado a entregar ao trabalhador Nos termos do art. 49º do RJRL, “sempre que seja posto termo à

relação de trabalho, o trabalhador tem o direito de exigir ao empregador que lhe passe um certificado”, de que constem, entre outras, as datas do início e do termo da prestação de trabalho, bem como a natureza do trabalho efectuado, não podendo tal documento conter qualquer indicação que seja desfavorável para o trabalhador.

Além desse certificado, a entidade patronal pode ainda ser obrigada a entregar ao trabalhador outros documentos por este solicitados e que por ela devam ser emitidos, destinados a fins sociais, tais como os documentos destinados à atribuição ao trabalhador do subsídio de desemprego, nos termos regulados pelo Regime de Segurança Social da RAEM. Conclusões

Não é de hoje que se defende que o regime jurídico das relações individuais de trabalho, basicamente contido no DL 24/89/M, de 3 de Abril, precisa de ser remodelado38.

De matriz portuguesa, o direito do trabalho em Macau é ainda bastante lacunoso podendo mesmo dizer-se que o regime contido no DL 24/89/M, de 3 de Abril, peca por falta de uma rigorosa concepção ideológica e social que propicie o estabelecimento de um regime mais harmónico, coerente e justo39 , pois, os silêncios e omissões, a forma fragmentária, incompleta e quantas vezes contraditória com que inúmeros aspectos da relação laboral são tratados pela lei vigente não propicia que se possa afirmar que as garantias nele estabelecidas o sejam efectivamente ou que os direitos previstos possam, de facto, cumprir a sua função40.

Consagra-se ainda que o valor máximo da indemnização por denúncia unilateral do contrato de trabalho por iniciativa do empregador é limitado a 12 vezes o valor do salário mensal do trabalhador à data da denúncia, sendo que, o valor do salário mensal não poderá ser superior a $14 000,00 patacas. 38 Assim, José Pinheiro Torres, Notas dispersas sobre o regime jurídico das

relações laborais, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Direito de Macau, n°.6, pág. 129 e segs. 39 É essa a opinião da Prof. Cândida Antunes Pires, ob. cit., 1996, pág. 43. 40 Neste sentido, José Pinheiro Torres, ob. cit., pág. 132.

Page 23: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

23

Exemplo do que se disse é, como se viu, o modo como se encontra disciplinado o regime da cessação do contrato, pois a possibilidade de a todo

o tempo e independentemente da razão que o fundamente, o empregador poder pôr fim ao contrato, ainda que com necessidade de aviso prévio e pagamento de uma indemnização, coloca o trabalhador numa situação irremediavelmente precária.

Por outro lado, o regime da cessação do contrato com invocação de justa causa por iniciativa do empregador, devia ser rodeado de maiores cautelas, exigindo-se, no mínimo, que o empregador comunicasse por escrito a sua decisão, descrevendo sumariamente os factos que são imputados ao trabalhador, de modo a que este pudesse apresentar a sua defesa, respeitando-se assim o princípio do contraditório. Deste modo se permitia um maior controlo, nomeadamente jurisdicional, do motivo invocado.

Apesar de tudo, podemos encontrar no regime jurídico das relações individuais de trabalho de Macau, a consagração de certos princípios fundamentais, condicionalismos mínimos, que deverão ser vistos enquanto imperativos de ordem social e que, por isso, deverão ser respeitados tanto por trabalhadores como por empregadores, de forma a que o Direito do Trabalho cumpra a sua função de proporcionar condições de igualdade entre indivíduos que são por natureza desiguais, e cujo relacionamento se deve processar de acordo com detalhada regulamentação normativa naquilo que é tido por essencial, sem se olvidar que o Direito do Trabalho “é animado por um objectivo fundamental – a protecção ao trabalho e ao trabalhador”41.

Miguel Quental

30/06/03 Biliografia Augusto Teixeira Garcia, Lições de Direito do Trabalho, lições policipiadas aos alunos do 3º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 1991-2; Bernardo Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, 2ª Ed., Verbo, 1999; Bernardo Lobo Xavier, Da justa causa de despedimento no contrato de trabalho, Separata do volume XIV do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1965; Cândida Antunes Pires, Direito do Trabalho de Macau, 1996;

41 Assim, Bernardo Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, 2º Ed., 1999, Verbo, pág. 33.

Page 24: O Direito do Trabalhoumir.umac.mo/jspui/bitstream/123456789/15322/1/4693_0_Direito do... · 1 O Direito do Trabalho em Macau: Síntese e perspectivas 1. O direito do trabalho; 2

24

Jorge Leite, Direito do Trabalho, Vol. I, Serviços de Textos da UC, Coimbra, 1998; José António Pinheiro Torres, Da cessação do contrato de trabalho em face do DL 24/89/M, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau n.º 6, 1998; José António Pinheiro Torres, Notas Dispersas sobre o regime das Relações Laborais, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Macau n.º 7, 1999.