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O DIREITO DE SEXUALIDADE [Docente: Margarida Lima Rego] Data de entrega: 27/05/09 Chloé Dindon nº 1432; Domingos Quitumbo nº 1358; Laurence Moreira nº 1334

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O DIREITO DESEXUALIDADE[Docente: Margarida Lima Rego]

Data de entrega: 27/05/09

Chloé Dindon nº 1432;Domingos Quitumbo nº 1358; Laurence Moreira nº 1334

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Índice

Introdução....................................................................................................................................3

A personalidade jurídica e os direitos de personalidade ........................................................4

Direitos de sexualidade ..............................................................................................................6

Relato dos factos....................................................................................................................................8

Fundamentação do caso .......................................................................................................................9

O dano ................................................................................................................................................. 10

A responsabilidade civil e a indemnização ........................................................................................ 12

Direito de sexualidade: direito geral ou especial?.................................................................14

O direito de sexualidade das pessoas com deficiências físicas ou mentais.................................... 15

O Direito de sexualidade da criança .................................................................................................. 18

O Direito de sexualidade dos presos ................................................................................................. 19

Bibliografia .................................................................................................................................21

Anexos ........................................................................................................................................22

Declaração dos direitos sexuais ........................................................................................................ 23

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Introdução

No presente trabalho, abordaremos o conceito de Direito de Personalidade em Geral, desenvolvendo de forma mais específica o Direito à Sexualidade.

Iremos então abordar os seguintes temas:

• A personalidade jurídica e os direitos de personalidade;

• O direito de sexualidade, o seu regime, as características e a sua tutela civil, constitucional e penal;

• A concretização do direito de sexualidade em casos reais da vida social, com base sobretudo na jurisprudência portuguesa e com o apoio específico do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de Junho de 2003.

• O direito de sexualidade de certas categorias de pessoas, como as pessoas com deficiência física ou mental; os reclusos; as crianças; com a análise comparativa da seguinte perguntas: Será o direito de sexualidade destas categorias de pessoa um direito especial?

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A personalidade jurídica e os direitos de personalidade

Toda a pessoa pode ser titular de relações jurídicas, e por isso mesmo, toda a pessoa possui personalidade, ou como se diz, é sujeito de direito. A personalidade jurídica consiste na aptidão para ser titular autónomo de relações jurídicas, e nos termos do art. 66º nº1 do CC, a personalidade jurídica adquire-se no momento do nascimento completo e com vida, e cessa com a morte, segundo o art. 68º nº1 do CC. Qualquer ser humano adquirirá assim personalidade jurídica no momento do seu nascimento, passando a possuir certos poderes jurídicos comuns a todos os seres humanos, enquanto sujeitos de direito.

Estes direitos existentes na esfera jurídica de qualquer pessoa incidem sobre os vários modos de ser físicos ou morais da personalidade. Chamamos a estes direitos “direitos de personalidade”, art. 70º e SS. do CC.

Tais direitos de personalidade protegem a vida da pessoa, a sua saúde física, a integridade moral, o bom nome, a honra da pessoa, a vida privada, a imagem, e o nome.

Como Capelo de Sousa afirma em “Direito geral da Personalidade”, a personalidade do sujeito compõe-se por:

• bens constitutivos, isto é, o corpo, a vida e o espírito;

• funções (como a inteligência) e estados (como a saúde, o prazer, a tranquilidade);

• capacidades como a força de trabalho, a vontade, o nível de educação, etc…

E é pela importância/necessidade dos bens que os direitos de personalidade protegem (o bem moral, biológico e social da pessoa), que estes são direitos necessários; “um conteúdo mínimo e imprescindível da esfera jurídica de cada pessoa” -Mota Pinto, em “Teoria geral do direito civil”.

Os direitos de personalidade partilham das mesmas características fundamentais:

• São gerais, por força do princípio da dignidade humana (pilar fundamental do nosso ordenamento jurídico) que reconhece o respeito e o valor de qualquer ser humano, que goza sempre assim dos direitos de personalidade, na qualidade de sujeito de direito;

• São absolutos, isto é, são direitos oponíveis a todos e qualquer pessoa; porque impõem-se ao respeito de todos, o titular destes direitos pode invoca-los contra

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qualquer pessoa;

• São irrenunciáveis, podendo no entanto ser objecto de limitações voluntárias não contrárias à ordem pública por força do art. 81º do CC. É, por exemplo, ilícito, o acto da eutanásia mesmo com o consentimento da pessoa, pela justa razão do direito à vida ser considerado um direito fundamental, prevalecente sobre qualquer outro direito;

• São também intransmissíveis, uma vez que o direito de personalidade respeita a uma pessoa, nasce e existe e vive intimamente ligado à pessoa titular, não podendo ser transmitido a outra pessoa (como acontece por exemplo com o direito de propriedade);

• Existem na esfera jurídica das pessoas singulares e colectivas

Alguns direitos de personalidade estão consagrados no nosso Código Civil, outros ainda na nossa Constituição nos art. 70º e SS. e art. 24º e SS. respectivamente. Não se torna necessário um elenco exaustivo de todos os direitos de personalidade existentes por força do art. 70º nº1 do Código Civil que estabelece uma cláusula de tutela geral de personalidade. Este artigo protege a personalidade como um todo (os vários modos de ser físicos e morais da pessoa), não sendo assim forçosa a consagração explícita de todos os direitos de personalidade.

A violação de qualquer um dos direitos de personalidade é um facto ilícito civil, desencadeando responsabilidade civil do infractor, segundo o art. 70 nº 2 do CC conjugado com o art. 483º do CCque dita a obrigação de indemnizar os prejuízos causados. Tal acto ilícito levaria a um possível requerimento de providências tutelares preventivas e atenuantes pela pessoa ameaçada ou ofendida, tendo tais providências o objectivo de evitar a consumação da ofensa ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.A mesma violação pode também constituir facto ilícito criminal, desencadeando uma punição estabelecida no Código Penal em correspondência com o respectivo tipo legal de crime (por exemplo: homicídio, ofensas corporais, difamação, calúnia, etc.).

Assim, um mesmo direito de personalidade pode ter tutela civil, penal e mesmo constitucional. Tal é justificado pela importância dos diferentes bens de personalidade que estes direitos protegem, bens estes que entroncam num núcleo comum: o princípio da dignidade da pessoa humana, princípio fundamental do nosso ordenamento jurídico.

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DIREITO DE SEXUALIDADE

O Direito de sexualidade é um direito de personalidade e goza por isso das mesmas características gerais dos direitos de personalidade:

• é um direito absoluto, impondo-se aos outros de forma erga omnes. É pois um direito oponível, que se impõe ao respeito de todos os terceiros;

• é um direito geral, porque pertencente a qualquer ser humano, fazendo parte daquele núcleo mínimo e imprescindível que existe na esfera jurídica de cada pessoa;

• é um direito irrenunciável;

• é intransmissível

Não se encontra nos artigos do Código Civil que elencam os vários direitos de personalidade reconhecidos à personalidade física ou moral da pessoa (como é o caso dos artigos 72º e seguintes), um regime específico que regule este mesmo direito, o que não significa, no entanto, que estamos perante um direito de conteúdo vago.

Não havendo numerus clausus quanto aos direitos de personalidade e estabelecendo o art. 70º nº1 do Código Civil, o principio geral de protecção da personalidade, daqui decorre que existem outros direitos de personalidade para além dos direitos especificamente elencados no Código Civil (ou na Constituição). É o que acontece com o direito de sexualidade.

Assim, este direito de personalidade não terá um regime regulador específico, partilhando no entanto, tal como os outros direitos de personalidade, do regime da tutela geral da personalidade, estabelecido pelo art.70º CC (que protege a personalidade como um todo), sendo também regulado pelo art. 483º CC, onde se estipula o princípio geral da responsabilidade civil (a resposta do direito à uma violação de uma situação jurídica, gerando-se assim um dever de indemnização).

O direito de sexualidade é um direito de personalidade porque incide sobre a vida da pessoa, sobre a sua saúde física e psicológica, sobre a sua liberdade e integridade física e psicológica, sobre a sua intimidade; porque é um direito que protege uma parte imprescindível da pessoa humana; e porque, finalmente, tal direito representa uma condição indispensável para a realização dos fins ou interesses da vida da pessoa humana.

Cremos tratar-se de um direito de conceito geral ou seja, de difícil delimitação porque muito abrangente, podendo revestir, em nossa opinião, variadíssimas modalidades ou componentes. Tal afirmação não quererá dizer que o direito de sexualidade aparece perante nós como um conceito jurídico vago, mas antes, que o direito de sexualidade representa um conceito jurídico cuja extensão abrange um número ilimitado de situações que podem demonstrar contornos diversos, mas que na sua essência (ou núcleo) se assemelham, podendo, enfim, tal direito revestir várias modalidades. O direito de sexualidade terá assim uma característica

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residual, nele vivendo outros direitos por ele abrangidos. Daí o seu carácter “geral”.Pouco desenvolvido pela doutrina portuguesa, é pela análise da jurisprudência do nosso

ordenamento jurídico que se retira a ideia de que estamos perante um direito que abrange vários outros direitos ou (modalidades), que nele vivem. Temos por exemplo: o direito de coabitação sexual, o direito em constituir família, o direito de casamento, o direito à igualdade sexual, o direito à livre expressão sexual etc… Importante será também de notar de que tal direito tem protecção civil, penal mas também constitucional, por ser um direito que deriva daquilo que é considerado o núcleo fundamental do ordenamento jurídico: o princípio da dignidade humana.

ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DO PORTO DE 26 DE JUNHO DE 2003

“Em acidente de viação, causado pelo segurado da ré, se o marido da autora ficou a padecer de impotência sexual, esta também se deve considerar directamente lesada com o mesmo

acidente. Com efeito, a autora deixou de poder exercer a sua sexualidade com o marido, que é um direito de personalidade protegido, não só pela lei ordinária, mas também pela lei

constitucional.”

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• Relato dos factos

“No dia 3 de Novembro de 2000, o condutor do veículo segurado na companhia de seguros Ré embateu na traseira do veículo conduzido pelo marido da A. (Maria), quando este se encontrava parado para ceder a passagem a peão que procedia àtravessia de via na passadeira para peões.”

Em virtude do embate, o marido de Maria ficou a padecer de disfunção eréctil, causando danos directos não só à vítima das lesões corporais, mas também, e segundo entendimento da Apelante (Maria), à própria Maria, esposa da vítima do embate. Afirmando a violação do seu direito de personalidade de sexualidade como consequência directa de tal acidente. AApelante exigiu uma indemnização por dano não patrimonial, fundamentando tal exigência de indemnização no princípio de responsabilidade civil do art. 483º do CC conjugado com o princípio de tutela geral da personalidade do art. 70º do CC.

Na primeira decisão, a sentença seguiu a orientação dos acórdãos de 04.04.1991 (CJ, Ano 1991, tomo II, pág. 254) e 20.11.94 (CJ, ano 1994, tomo IV, pág. 35), decidindo-se que os danos não patrimoniais sofridos por outrem que não o lesado, só são indemnizáveis no caso de morte deste último, tal como estabelece o art. 496 nº2 do nosso Código Civil.

Inconformada, a Apelante recorreu da sentença, vendo desta vez deferido o seu pedido.

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• Fundamentação do caso

Como referido supra, Maria recorreu e viu o seu pedido de indemnização deferido.

Esta decisão do tribunal da Relação do Porto vive em acordo com uma orientação que é actualmente comum nos Estados Unidos da América no que toca a este tipo de situações onde haja lesão acidental da capacidade sexual de um cônjuge: a acção por “loss of consortium”, onde se afirma que a lesão corporal de uma pessoa casada pode obrigar terceiro ao pagamento de duas indemnizações diversas: uma à própria pessoa vítima da lesão corporal e outra ao cônjuge da pessoa lesada, de forma a compensá-la da “loss of consortium”, ou seja “da perda de relações sexuais” e de outros elementos inerentes à relação conjugal. Tal indemnização não se limitaria assim à compensação de danos que resultariam da morte de um dos cônjuges, mas mais: tratar-se-ia de uma indemnização compensatória dos danos resultantes da lesão corporal de um dos cônjuges (por exemplo como é o caso dos acidentes de viação em que um dos cônjuges fica debilitado devido ao embate, ou ainda nos casos de cirurgias médicas, em que, outra vez, um dos cônjuges fica incapacitado por erro médico, etc.).

Em Itália, um acórdão da Cassação veio conceder uma indemnização ao cônjuge de uma mulher que, após intervenção cirúrgica negligente, ficou impossibilitada de ter relações sexuais. O tribunal, apoiado pela doutrina italiana, partiu do princípio de que o comportamento doloso ou negligente de terceiro que impossibilita a pessoa casada de ter relações sexuais, atingia de forma directa e imediata o direito do outro cônjuge ao “debitum conjugale”.

Finalmente, no ordenamento português, em consonância com os outros ordenamentos do sistema romanístico, é reconhecida a possibilidade do terceiro ser obrigado a indemnizar os danos sofridos pelo cônjuge da pessoa cuja morte provocou. O art. 496º nº2 do CC prevê de forma expressa que, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em primeira linha e em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos e outros descendentes.A lei no nosso ordenamento não é no entanto tão explícita quanto aos direitos que cabem aos familiares de uma pessoa vítima de lesão corporal. “Aplicar-se-ia assim a regra geral: o terceiro incorre em responsabilidade civil se tiver violado um direito que lhe era oponível” - Jorge Duarte Pinheiro em” Núcleo intangível da comunhão conjugal”.

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• O dano

O dano é “todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é causado nos bens jurídicos de carácterpatrimonial ou não.” -Vaz Serra

O dano aqui em causa é de natureza não patrimonial, de gravidade acentuada afectando profundamente os valores ou interesse da personalidade moral.

Dário Martins de Almeida faz uma distinção entre danos patrimoniais e não patrimoniais:

• Dano patrimonial é o dano susceptível de avaliação pecuniária, traduzido numa abstracta diminuição do património

• Dano não patrimonial, também conhecido na doutrina francesa por dano moral, é aquele que afecta bens não patrimoniais (bens de personalidade) insusceptível de avaliação pecuniária ou medida monetária e cuja reparação só pode ser alcançada por compensação.

Em sede de responsabilidade civil por factos ilícitos, apurada a ilicitude, culpa e nexo de causalidade, o correspondente crédito de indemnização, tanto do plano patrimonial como do dano não patrimonial, entronca no titular do direito ou do interesse imediatamente violados, só excepcionalmente se estendendo a terceiros, situação que resulta das hipóteses que são consideradas nos art. 495º nº2 e 496º nº3 do CC.

Assim poderíamos considerar a seguinte questão: Não se colocando em qualquer uma das situações de indemnização a terceiros contempladas pelos art. 495º nº2 e 496º nº 3 do CC, pode Maria, ausente na altura do acidente, exigir uma indemnização por dano não patrimonial?

Para Antunes Varela na sua obra “Das obrigações em geral volume I”, tem direito à indemnização,o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação da disposição legal e não o terceiro que só reflexa ou indirectamente seja prejudicado. Assim, segundo esta acepção, Maria não poderia requerer uma qualquer compensação monetária.No entanto, consideramos que o dano sofrido por Maria teve a natureza de um dano directo passando a existir na sua esfera jurídica como uma consequência imediata do acto ilícito praticado e que por isso mesmo merece uma outra vertente de reflexão. Por virtude do seu casamento com a apelante, ao ser violado o direito da vítima do acidente de viação, foi também directamente violado o direito da apelante em poder continuar a partilhar reciprocamente o dever de coabitação na vertente do direito à sexualidade por força do que se dispõe o art. 1672º do CC. Assim é um dano directo que afectou a apelante porque consequência directa do acidente de viação. E não é um dano indirecto uma vez que a lesão que o marido sofre afecta-a directamente, deixando esta de poder exercer a sua sexualidade com o marido, com quem, por virtude do casamento celebrou um contrato para constituir família mediante a plena comunhão de vida (art. 1577º do CC).

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Em poucas palavras, a privação do direito conjugal de coabitação sexual, de uma parte, constitui um efeito necessário da incapacidade sexual; da outra parte, ocorrendo na mesma altura em que se produz esta incapacidade.

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• A responsabilidade civil e a indemnização

O acidente de viação sofrido pelo marido provocou um dano à Maria, violando um direito absoluto seu: o direito de personalidade de sexualidade. O direito ao exercício da sexualidade conjugal, deixou, como consequência directa do acidente do marido, de poder ser exercido por Maria. Maria alega assim a violação do seu direito de personalidade protegido pelo princípio de tutela geral da personalidade, consagrado pelo art. 70º do CC, que como já vimos, protege todos os modos da personalidade, fundamentando assim o seu pedido de indemnização no princípio de responsabilidade civil do art. 483º do CC e art. 496º do CC por se tratar de um dano não patrimonial. Uma parte da doutrina tem entendido que a lei só prevê a obrigação de indemnizar os danos provocados às pessoas directamente afectadas pelo incidente, extraindo-se essa conclusão do que se dispõe no art. 496º nº2 do CC, onde só excepcionalmente se prevê o alargamento a outras pessoas aí concretizadas. No entanto, e como foi demonstrado supra, trata-se aqui de um caso de dano directo, por ser uma consequência imediata do acidente do marido da apelante.

“Há em cada personalidade humana uma organização somático-psiquica, cuja tutela encontra aliás, tradução na ideia de personalidade física do art. 70º CC, composta não só por bens constitutivos (o corpo, a vida, o espírito) mas também por funções (inteligência), por estados (a saúde, o prazer, a tranquilidade) e por forças, potencialidades e capacidades (os instintos, os sentimentos, a inteligência o nível de educação, a vontade, a fé, a força de trabalho, etc.).” Capelo de Sousa em ”Direito geral de personalidade”:

É este conceito de direito de personalidade abrangente, composto bens, funções, estados e capacidades, que tem consagração legal nas disposições citadas e também na lei constitucional.O art. 70º do CC consagra o direito geral de personalidade, protegendo assim a personalidade jurídica como um todo, amparando todo o indivíduo contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.

Como em qualquer hipótese de responsabilidade civil por facto ilícito, exige-se que tenha havido um comportamento doloso ou negligente. Relativamente à situação em análise, a responsabilidade de terceiro perante o cônjuge da uma pessoa impossibilitada de ter relações sexuais existe, ainda que ele não saiba, nem tenha que saber, qual o estado civil desta pessoa. É suficiente a prova do dolo ou negligência no plano do resultado principal. Aliás nas situações em que a lei obriga especificamente o terceiro a indemnizar a “vítima secundária” do acto ilícito (art. 495º nº3 e art. 496º nº2 e 3) a responsabilidade surge independentemente da questão do conhecimento da existência de familiares próximos ou credores de alimentos da pessoa falecida ou vitima de lesão corporal.O condutor do veículo, ao causar no marido da apelante as ditas lesões, violou de forma culposa o direito à sexualidade conjugal da apelante, (componente do direito de personalidade de sexualidade), pois que é alegado que o marido da mesma ficou numa situação de impossibilidade do cumprimento do débito conjugal, comprometendo assim a sã convivência sexual do casal.

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Como mulher do lesado em acidente de viação, que ficou assim afectado na sua capacidade de cumprir o débito conjugal, a apelante viu afectado o seu direito à sexualidade que tem o direito de exigir do seu marido, segundo o art. 1672º do CC.É perante estes factos que a apelante afirma que o condutor violou de forma ilícita e culposa o seu direito de personalidade que se consubstancia no direito à sexualidade, uma vez que lhe foi amputado de forma brutal o seu exercício. E, como titular deste direito sexualidade protegido nas suas várias vertentes tanto pela lei constitucional, art. 25º nº1, 26º, 36º, 67º e 68º nº 2 da CRPassim como pela lei ordinária, art. 70º conjugado com o art. 483º e 486º do CC, e ainda pelos art. 1577º e 1672º do CC, a apelante tem o direito a ver-se ressarcida dos danos não patrimoniais que invoca.

Como afirmado supra, a pessoa humana é protegida na sua personalidade e dignidade, tendo direito à sua plena integridade e desenvolvimento físico e moral. Tal protecção encontra expressão jurídica na lei constitucional, estando estes direitos de personalidade devidamente tutelados no ordenamento jurídico-constitucional. Quer porque os direitos de personalidade da apelante existem e foram gravemente violados, quer porque crime contra a liberdade sexual pode ter efeitos profundos no desenvolvimento futuro da relação conjugal, sendo provável que a actividade sexual entre os cônjuges venha a ser mais ou menos afectada; quer porque os direitos que se pretendem salvaguardar estão, desde logo, salvaguardados e garantidos pela Lei Fundamental e pela lei ordinária; quer porque o titular do interesse na segurança do trânsito rodoviário é todo e qualquer cidadão enquanto um titular de um direito geral à segurança; quer porque não pode valer qualquer argumento da lei ordinária que sobreleve ou contrarie a lei fundamental e a justiça, a apelante pode então pedir a indemnização por danos não patrimoniais pelos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: art. 483º e 496º nº 1 do CC.A primeira sentença, ao negar tal pedido de indemnização por dano não patrimonial, não reconhece o direito de sexualidade da apelante nas suas diferentes vertentes como o são o direito de maternidade, o direito de constituir família, de coabitação sexual e ainda o direito de liberdade sexual. Ao negar tal pedido, a sentença não reconhece o direito de sexualidade como um direito de personalidade, comum a qualquer indivíduo, essencial para o completo desenvolvimento do homem enquanto ser humano; não reconhece, uma parte fundamental do conceito de plena comunhão de vida, e não reconhece, enfim, um direito essencial à vida humana que é o de constituir família, também vivo no direito de sexualidade. Pois que ocorreu sim uma violação do direito de personalidade consubstanciado no direito de sexualidade da apelante, afectando-a directamente: violação do direito à integridade moral, art. 25º nº1 da CRP; do direito ao desenvolvimento pleno da sua personalidade, art. 26º nº1 da CRP; violação do direito em constituir família, consagrado no art. 36º da CRP; do direito à maternidade, protegido pela Constituição Portuguesa no seu art. 68º nº2; o direito à realização pessoal da sua vida no âmbito dos deveres conjugais (art.67º CRP); o seu direito à comunhão plena de vida, art. 1577º do CC; e o direito de coabitação sexual no âmbito dos deveres dos cônjuges, art. 1672º do CC.

A personalidade jurídica reconhecida à apelante; ou seja a susceptibilidade em possuir direitos e obrigações, implica uma titularidade real e concreta destes mesmos direitos, devendo tais direitos ser protegidos e defendidos perante qualquer caso de violação ou ameaça de ofensa

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Direito de sexualidade: direito geral ou especial?

Na exposição das características do direito de sexualidade realizada acima, afirmamos a característica da generalidade deste direito de personalidade: a susceptibilidade de pertencer a todo o ser humano, em qualquer momento, sem qualquer tipo de condicionamento, sem que haja a necessidade de um contexto específico. O direito de sexualidade seria assim um direito sempre vivo nas esferas jurídicas de todas pessoas, e em qualquer situação da vida do ser humano, porque protector de bens de personalidade que existem sempre e em todo o momento.

Aos direitos gerais pertencentes a todo e qualquer ser humano, contrapõem-se os direitos de personalidade especiais, que existem na esfera jurídica de alguns indivíduos perante situações pontudas, porque dependentes da existência dos bens a que se reportam. Temos o exemplo do direito à confidencialidade de cartas missivas, que só surge nas situações em que haja uma carta confidencial.

No entanto para certas categorias de pessoas, a afirmação da característica de generalidade deste direito pode ser posto em causa. Falamos, por exemplo, das pessoas com deficiências motoras, pessoas que vivem em situação de recluso, ou até as próprias crianças - grupos de pessoas cujo seu direito de sexualidade não parece existir exactamente da mesma forma que o direito de sexualidade do homem, maior de idade, livre e não portador de incapacidade física ou mental.

E por isso mesmo coloca-se a questão:

“Será o direito de sexualidade um direito geral, que nasce na esfera jurídica da pessoa logo com o nascimento da mesma, assim permanecendo para sempre? Ou será antes um direito

especial, pertencente a certos indivíduos, passando existir mediante ou consoante certas situações concretas da vida?”

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• O direito de sexualidade das pessoas com deficiências físicas ou mentais

A sexualidade das pessoas com deficiências físicas ou mentais não se encontra especificamente regulamentada. Não existe qualquer lei (sentido lato do termo) que regule especificamente a sexualidade das pessoas com deficiências. Note-se que, como já se afirmou, também o direito de sexualidade das pessoas em geral não se encontra expressamente regulado pelo Código Civil, o que não significa no entanto, que tal direito não exista enquanto direito de personalidade.Perante a falta de uma lei específica que regule esta questão, há que interpretar este silêncio do legislador como uma vontade deliberada de não atribuir a estas pessoas um estatuto especial, que resultaria numa diferenciação entre a sexualidade das pessoas com deficiência e a sexualidade das outras pessoas não sofredoras de deficiência física ou mental. O silêncio do legislador sobre a sexualidade das pessoas com deficiência não significa no entanto que as concretas situações da vida não são regulamentadas: existe sim um quadro jurídico, que regulamente, ainda que de forma geral, tal questão.

Vários princípios fundamentais foram adoptados sobre esta questão do “direito de sexualidade” por um conjunto de país incluindo Portugal, no quadro das Convenções internacionais. A “sexualidade”, que implica o direito de ter relações íntimas, baseia-se em vários princípios e direitos, como o respeito pela vida privada; a liberdade sexual e a autonomia sexual; o princípio da inviolabilidade do corpo humano, segundo o qual todo o ser humano tem direito ao respeito do seu corpo; o direito à coabitação sexual e o direito à igualdade sexual. Princípios e direitos protegidos pelo Código Civil português, mas também pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 1950, e pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.O conjunto destes princípios e direitos evocados constitui a “armadura jurídica” do direito de sexualidade de qualquer ser humano.

Não é possível no entanto ignorar as dificuldades de aplicação que tais princípios implicam quando se trata de pessoas com deficiência. Tomemos o exemplo das pessoas com deficiências mentais, cuja capacidade em defender os seus próprios direitos é limitada, o que torna a pessoa mais vulnerável às violações destes direitos. É, alias, por isso que a lei protege as pessoas incapazes de se protegerem autonomamente face às situações da vida. A protecção da pessoa com deficiência mental prevista nos art. 138º e SS. do CC, tem como objectivo o acompanhamento da pessoa no exercício dos seus direitos. A pessoa é então representada (dentro de um regime de tutela), mas sem que sejam retirados os seus direitos.Os únicos limites estabelecidos por lei no tocante ao exercício do direito da sexualidade fixados, são a idade e o consentimento: art. 173º do Código Penal.As pessoas portadoras de anomalias psíquicas no entanto encontram outra limitação: o direito ao casamento é lhes negado segundo o art. 1601º do CC (impedimentos dirimentes absolutos).

Perante isto, coloca-se a seguinte questão:

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“ Será o direito de sexualidade das pessoas com deficiências físicas ou mentais um direito

idêntico ao direito de sexualidade reconhecido à pessoa não portadora de deficiência física ou

psíquica?”

Em Portugal a Constituição da República Portuguesa consagra, desde 1976, um artigo dedicado às pessoas com deficiência. Neste é afirmado não só a igualdade dos cidadãos com deficiência perante os direitos consagrados na Lei Fundamental como a obrigação do Estado em realizar uma política de reabilitação e em apoiar as organizações representativas dos cidadãos com deficiência:

Art 71º Nº1 da CRP. “Os cidadãos portadores de deficiências físicas ou mental gozam plenamente dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais se encontrem incapacitados.

Nº 2. O Estado obriga-se a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência e de apoio às suas famílias, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles e a assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos sem prejuízo dos direitos e deveres dos pais ou tutores.”

Segundo o artigo mencionado, as pessoas portadoras de deficiências possuem exactamente os mesmos direitos reconhecidos às outras pessoas não portadores de deficiência. Assim, existe sim um direito de sexualidade na esfera jurídica da pessoa portadora de deficiência. A questão coloca-se quanto a natureza de tal direito. Será que o direito de sexualidade da pessoa com deficiência vive e existe na exacta e mesma forma que o direito de sexualidade das outras pessoas não portadoras de deficiências? Será que o direito de sexualidade destas pessoas com deficiências vive revestido da mesma “armadura jurídica”, composta por outros direitos e princípios como o princípio da integridade física e moral, o direito ao casamento, o direito àliberdade sexual; válidos para toda a pessoa não portadora de deficiência?

Ora, como já foi afirmado, o Código Civil estabelece claramente a impossibilidade da pessoa portadora de anomalia psíquica em contrair casamento. Observando a afirmação da nossa legislação e após a leitura da última parte do nº 1 do art.71º da CRP (“…gozam plenamente dos direitos (…) com a ressalva para os quais se encontrem incapacitados.”), é possível chegar-se a uma pequena conclusão: o direito de sexualidade destas pessoas existe verdadeiramente. A variante coloca-se no exercício de tal direito, que dificilmente poderá ser usufruído na sua totalidade; revestido da sua completa armadura jurídica: quer por causa das limitações que decorrem das razões óbvias de incapacidade, quer por causa dos limites estabelecidos pela própria lei. Mesmo vivendo sob um regime de tutela, verificamos que aquele que protege a pessoa com deficiência, enquanto tutor, não pode obstar à sexualidade da pessoa com deficiência mental, permanecendo este, um direito exclusivamente seu.No seu nº2 o art. 71º da CRP afirma a obrigação do Estado efectuar a realização de uma política

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que possibilite a efectivação dos direitos das pessoas portadoras de deficiência. É também neste ponto que se baseia a nossa argumentação: o direito de sexualidade existe na esfera jurídica das pessoas, já o exercício de tal direito difere do ponto de vista jurídico.

Podemos então colocar a seguinte questão: “como pode um Estado, que se compromete em defender os direitos de personalidade da pessoa humana, agir, de forma a tornar mais viável e efectivo o exercício de um direito tão complexo e tão íntimo como o direito de sexualidade? “

Alguns países como a Dinamarca, Suíça e até a Espanha estudaram aprofundadamente o direito de sexualidade das pessoas com deficiências, criando programas de inserção social. Desenvolveram por exemplo, e numa senda verdadeiramente inovadora, formações de “assistentes sexuais”, que acompanham as pessoas com deficiências, com o objectivo de oferecer a estas pessoas uma experiência erótica que nunca tiveram hipótese de conhecer. Estas assistentes sexuais inscrevem-se numa formação que se focaliza no conhecimento de deficiências, no enquadramento legal e jurídico da questão, e nas questões anatomo-sexuais . Estas assistentes sexuais desenvolvem depois sessões com a pessoa com deficiência, que se limitam a massagens, toques e abraços.

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• O direito de sexualidade da criança

Antes de tudo, um menor não pode fazer valer o seu direito à sexualidade. Ele submete-se à autoridade dos seus representantes legais, que o podem proibir. Somente as pessoas maiores dispõem plenamente deste direito de sexualidade. O Código Penal é bem claro quanto a questão da sexualidade dos menores, que, encontrando-se numa fase inicial ou de desenvolvimento, vive vinculada a uma chamada “obrigação de castidade” até o menor atingir a maioridade sexual: art. 173º do CP - “Quem, sendo maior, praticar acto sexual de relevo com menor entre 14 e 16 anos, ou levar a que ele seja por este praticado com outrem, abusando da sua inexperiência, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.”

Neste caso também aquilo, que se observa é que o direito de sexualidade existe na esfera jurídica do menor. É o seu exercício que se encontra vedado. A razão de ser da norma que limita o exercício do seu direito de sexualidade pelo menor, é a protecção da sua liberdade sexual, tutelando-se uma vontade individual ainda insuficientemente desenvolvida para ser totalmente responsável pelos seus próprios actos, e protegendo o menor contra qualquer abuso da sua imaturidade.

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• O direito de sexualidade dos presos

Uma das sanções mais graves estabelecidas pelo nosso ordenamento jurídico é a limitação de certos direitos fundamentais imposta contra a pessoa causadora do dano/da violação em causa. Um dos direitos mas afectado por estas sanções é o direito de liberdade do indivíduo, que deixa de poder de ser exercido. Mas pergunta-se agora: e o direito de sexualidade? De que forma esta privação da liberdade imposta ao preso influencia ou afecta o seu direito de sexualidade? E se existe efectivamente tal restrição ao direito de sexualidade, será que esta não constitui uma violação a um direito de personalidade protegido civil, e constitucionalmente?

Já foi por nós afirmado que o direito de sexualidade se compõe por várias modalidades ou direitos que nele vivem; tem como que uma “armadura jurídica” composta por vários princípios e direitos. O direito de sexualidade dos presos, com toda a certeza, não pode ser exercido da mesma forma que uma pessoa livre que exerce o seu próprio direito de sexualidade: aqui também, o que difere não é a existência do direito, pois o direito de sexualidade também existe na esfera jurídica dos presos. O ponto variante, pensamos nós, estabelece-se quanto o exercício de tal direito. A liberdade sexual, princípio que se inclui no conceito de “ direito de sexualidade” não pode, logicamente, ser exercida normalmente; o direito de coabitação entre os cônjuges também não poderá ser totalmente exercido.

Nasce no entanto, na esfera jurídica das pessoas presas, um novo direito; um direito especial: o direito às visitas íntimas, estabelecido com o intuito de permitir um o exercício do direito de sexualidade. Só que rapidamente verificamos que tal direito às visitas íntimas não se estende à maioria dos presos. Estes encontros privados, mensais, com uma duração média de três horas, funcionam hoje no Funchal (14 reclusos), em Vale de Judeus (77), na Carregueira (62), em Paços de Ferreira (19) e em Monsanto (cinco). Não sendo ainda instituído em várias prisões.

Numa primeira fase, restringia-se a atribuição de tal direito aos presos heterossexuais, ignorando-se os presos homossexuais.

Este direito às visitas íntimas é hoje ainda um direito restrito, tendo por base critérios de atribuição profundamente discriminatórios: As "visitas íntimas" não chegaram aos estabelecimentos prisionais femininos. Os últimos dados da Direcção--Geral dos Serviços Prisionais são de 1 de Março e indicam que a população prisional portuguesa compõe-se de 751 mulheres e de 10.434 homens. Estas mulheres vêem o seu direito à sexualidade negado todos os dias.

O direito à visita íntima é ainda condicionado por vários critérios: os presos obtêm “acesso” às visitas íntimas mediante inscrição, devendo estar obrigatoriamente condenados a penas superiores a três anos. Até pouco tempo, o pedido de um recluso que se quisesse inscrever dependia também da decisão de um conselho técnico, constituído pelo director da cadeia, por técnicos de educação e do Instituto de Reabilitação, pelo médico e pelo chefe dos guardas.Aqui também consideramos que o direito de sexualidade existe enquanto direito de personalidade na esfera jurídica da pessoa em situação de recluso. O que difere, em relação ao direito de sexualidade das outras pessoas, é o seu exercício: vive limitado, como consequência directa do

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aprisionamento. O direito especial de visitas íntimas existe para suavizar tal restrição, mas não pode ser considerado um direito que “substitua”, preenchendo totalmente, o direito de sexualidade: os vários condicionamentos na sua atribuição, a desigualdade na atribuição do direito à visita íntima, negado para a maioria das mulheres reclusas, provam que o exercício do direito de sexualidade é limitadamente possibilitado. Assim, também para as pessoas em situação de recluso o direito de sexualidade existe, mas não revestido da sua armadura jurídica completa. Faltarão dois outros princípios ou direitos fundamentais: a liberdade sexual e o direito à privacidade sexual, que protege a intimidade sexual da pessoa.

Assim, o direito de sexualidade é sim um direito geral. Acontece no entanto, que mesmo se nascendo logo com o nascimento da própria pessoa, este direito não pode ser livremente exercido até um certo momento por imposição da lei: enquanto o menor viver sob a autoridade dos pais, seus representantes legais, o menor não dispõe de um livre exercício deste direito. O direito existe na esfera jurídica da criança, ainda que com um exercício limitado, mas existe. Pense-se por exemplo no art. 132º do CC, onde se afirma a emancipação do menor pelo casamento. A incapacidade do menor cessa, mas este continua a ser um menor: menor emancipado, só que agora possui capacidade de exercício, sendo-lhe então permitido, em princípio, o exercício pleno dos direitos do cidadão comum. Ou seja, os direitos já existiam antes na sua esfera jurídica mas encontravam-se como que “adormecidos” pela situação de menoridade da pessoa. Com a emancipação, estes direitos passaram a poder ser exercidos plenamente.

O direito de sexualidade é um direito geral não obstante a sua limitação perante certas situações da vida: a deficiência que afecta a pessoa inabilitada não exclui o seu direito de personalidade de sexualidade mas obsta ao seu exercício. O aprisionamento imposto por lei ao preso também não lhe retira o direito de sexualidade que vive e existe sempre enquanto um direito de personalidade seu. É o seu exercício que se encontra limitado.

Não pode haver dúvida sobre a existência do direito de sexualidade enquanto direito de personalidade pertencente a qualquer ser humano. As decisões jurisprudenciais bem o demonstram, ao reconhecer e proteger o direito à sexualidade nas situações concretas da vida.

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BIBLIOGRAFIA

Manuais de direito:

Ä “Direito geral da personalidade” -Capelo de Sousa;

Ä “Teoria geral do direito civil”-Mota Pinto”;

Ä “O núcleo intangível dos deveres conjugais”- Jorge Duarte Pinheiro”

Ä “Tratado de direito civil português” -António Menezes Cordeiro.

Jornais/publicações:

Ä Jornal “Público” dos dias 21/01/2009 e 26/01/2009;

Ä Correio da Manhã do dia 05/08/2009;

Acórdãos:

Ä Acordão de Tribunal da Relação do Porto nº 0210592;

Ä Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra do dia 25/05/2004,processo 3480/03;

Ä Acórdao do Tribunal da Relação de Coimbra do dia 02/04/2003, processo 1044/03;

Ä Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, processo 2864/05-1;

Ä Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 4604/2005-3

Sites informáticos:

Ä http://www.jeuxvideo.com/forums/1-69-1588987-1-0-1-0-prison-faut-il-un-droit-a-la-sexualite ; htmhttp://www.jeuxvideo.com/forums/1-69-1588987-1-0-1-0-prison-faut-il-un-droit-a-la-sexualite.htm;

Ä http://www.ibiss.com.br/dsex_destaque.html;Ä http://cagareus.blogs.sapo.pt/3099.html; Ä http://sante-medecine.commentcamarche.net/contents/sexologie/11_les-

assistantes-sexuelles-prostituees-ou-assistantes.php3; Ä http://www.creai-picardie.fr/site/animations/pdfs/vais2000/VAIS-

2000_Droits_obligations.pdf;Ä http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1357531&idCanal=62>

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ANEXOS

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Declaração dos Direitos Sexuais

Durante o XV Congresso Mundial de Sexologia, ocorrido em Hong Kong, entre 23 e 27 de Agosto de 1999, a Assembleia Geral da WAS – (World Association for Sexology) aprovou as emendas para a Declaração de Direitos Sexuais, decidida em Valência, no XIII Congresso Mundial de Sexologia, em 1997.

“A Sexualidade é uma parte integral da personalidade de todo ser humano. O seudesenvolvimento total depende da satisfação de necessidades humanas básicas, como o desejo de contacto, intimidade, expressão emocional, prazer, carinho e amor. A sexualidade é construída através da interacção entre os indivíduos e as estruturas sociais. O total desenvolvimento da sexualidade é essencial para o desenvolvimento individual, interpessoal e social.

Os direitos sexuais são direitos humanos universais, baseados nos princípios da liberdade, dignidade e igualdade de todos os seres humanos. A saúde sexual é um direito fundamental, e por isso mesmo um direito humano básico. Para que seja garantida uma sexualidade saudável a todo e qualquer ser humano, os seguintes direitos sexuais deverãoser reconhecidos, promovidos, respeitados, defendidos pelas nossas sociedades. “Saúde sexual” é o resultado de um ambiente que reconhece, respeita e exercita estes direitos sexuais.

O DIREITO À LIBERDADE SEXUAL - A liberdade sexual diz respeito à possibilidade dos indivíduos em expressar-se sexualmente. No entanto, excluem-se aqui todas as formas de coerção, exploração ou abuso, seja em qualquer época ou situação da vida.

O DIREITO À AUTONOMIA SEXUAL - Qualquer pessoa tem o direito de tomar decisões autónomas sobre a própria vida sexual.

O DIREITO À PRIVACIDADE SEXUAL – Protege a decisão individual e o direito à intimidade.

O DIREITO À IGUALDADE SEXUAL – Que garante ao ser humano o direito de não sofrer qualquer tipo de discriminação, de género, orientação sexual, idade, raça, classe social, religião, deficiências mentais ou físicas.

O DIREITO AO PRAZER SEXUAL – Como fonte de bem estar físico, psicológico, intelectual e espiritual.

O DIREITO À EXPRESSÃO SEXUAL – Qualquer indivíduo tem o direito em expressar a sua sexualidade, através da comunicação, toque e expressão emociona.

O DIREITO À LIVRE ASSOCIAÇÃO SEXUAL - Significa o direito a escolher contraircasamento ou não, ao divórcio e ao estabelecimento de outros tipos de associações sexuais responsáveis.

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O DIREITO ÀS ESCOLHAS REPRODUTIVAS LIVRES E RESPONSÁVEIS - É o direito em decidir ter ou não filhos, e o direito de usar métodos de regulação de fertilidade.

O DIREITO À INFORMAÇÃO – Para a obtenção de informações sobre a sexualidade humana, esta deverá ser estudada através de um processo científico e ético e transmitida de forma apropriada, a todos os níveis sociais.

O DIREITO À EDUCAÇÃO SEXUAL

O DIREITO À SAÚDE SEXUAL - O direito ao cuidado da saúde sexual, disponível a todos os indivíduos, como forma de prevenção/tratamento dos problemas ou doenças sexuais.”