o dezoito brumário

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O 18 Brumário de Luís Bonaparte Aparência e essência em Marx I (pp. 21-32) A história se repete a primeira vez como farsa, a segunda, como tragédia: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aqueles com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar e nessa linguagem emprestada” (p. 21) → Revolução de 1848 Revolução Francesa → libertar e instaurar a moderna sociedade burguesa, em trajes romanos e com frases romanas. Napoleão criou na França as condições sem as quais não seria possível desenvolver a livre concorrência, explorar a propriedade territorial dividida e utilizar as forças produtivas industriais da nação que tinham sido libertadas. Uma vez estabelecida a nova formação social, os colossos antediluvianos desapareceram, e com eles a Roma ressurreta. (p. 22) Inteiramente absorta na produção de riqueza e na concorrência pacífica, a sociedade burguesa não mais se apercebia de que fantasmas dos tempos de Roma haviam velado seu berço... De 1848 a 1851, o fantasma da velha revolução anda em todos os cantos: Restauração (um povo que se libertara das amarras do feudalismo) Todo um povo que pensava ter comunicado a si próprio um forte impulso para diante, por meio da revolução, se encontra de repente trasladado a uma época morta, e para que não possa haver sombra de dúvida quanto ao retrocesso, surgem novamente as velhas datas, o velho calendário, os velhos nomes, os velhos éditos que já se haviam tornado assunto de erudição de antiquário, e os velhos esbirros da lei que há muito pareciam desfeitos na poeira dos tempos. (p. 23) Os franceses, enquanto estiveram empenhados em uma revolução, não

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O 18 Brumrio de Lus Bonaparte

Aparncia e essncia em MarxI (pp. 21-32)

A histria se repete a primeira vez como farsa, a segunda, como tragdia: Os homens fazem sua prpria histria, mas no a fazem como querem; no a fazem sob circunstncias de sua escolha e sim sob aqueles com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradio de todas as geraes mortas oprime como um pesadelo o crebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e s coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses perodos de crise revolucionria, os homens conjuram ansiosamente em seu auxlio os espritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar e nessa linguagem emprestada (p. 21) Revoluo de 1848

Revoluo Francesa libertar e instaurar a moderna sociedade burguesa, em trajes romanos e com frases romanas. Napoleo criou na Frana as condies sem as quais no seria possvel desenvolver a livre concorrncia, explorar a propriedade territorial dividida e utilizar as foras produtivas industriais da nao que tinham sido libertadas. Uma vez estabelecida a nova formao social, os colossos antediluvianos desapareceram, e com eles a Roma ressurreta. (p. 22)

Inteiramente absorta na produo de riqueza e na concorrncia pacfica, a sociedade burguesa no mais se apercebia de que fantasmas dos tempos de Roma haviam velado seu bero... De 1848 a 1851, o fantasma da velha revoluo anda em todos os cantos: Restaurao (um povo que se libertara das amarras do feudalismo)

Todo um povo que pensava ter comunicado a si prprio um forte impulso para diante, por meio da revoluo, se encontra de repente trasladado a uma poca morta, e para que no possa haver sombra de dvida quanto ao retrocesso, surgem novamente as velhas datas, o velho calendrio, os velhos nomes, os velhos ditos que j se haviam tornado assunto de erudio de antiqurio, e os velhos esbirros da lei que h muito pareciam desfeitos na poeira dos tempos. (p. 23)

Os franceses, enquanto estiveram empenhados em uma revoluo, no podiam livrar-se da memria de Napoleo, como provaram as eleies de 10 de dezembro. Diante dos perigos da revoluo, ansiavam por voltar abundncia do Egito.; e o 2 de Dezembro de 1851 foi a resposta.

A revoluo social do sculo XIX no pode tirar sua poesia do passado, e sim do futuro. Antes a frase ia alm do contedo, agora o contedo que vai alm da frase.

A Revoluo de Fevereiro foi um ataque de surpresa, apanhando desprevenida a velha sociedade, e o povo proclamou esse golpe inesperado como um feito de importncia mundial que introduzia uma nova poca. A 2 de dezembro, a Revoluo de Fevereiro escamoteada pelo truque de um trapaceiro, e o que parece ter sido derrubado j no a monarquia e sim as concesses liberais que lhe foram arrancadas atravs de sculos de luta. Longe de ser a prpria sociedade que conquista para si mesma um novo contedo, o Estado que parece voltar sua forma mais antiga, ao domnio desavergonhadamente simples do sabre e da sotaina. (p. 24) estado de exceo

O que se ganha facilmente se entrega facilmente mtodo abreviado por ser revolucionrio curta durao

A sociedade parece ter retrocedido para antes do seu ponto de partida; na realidade, somente hoje ela cria seu ponto de partida revolucionrio, isto , a situao, as relaes, as condies sem as quais a revoluo moderna no adquire um carter srio. assentamento das classes sociais/classes fixadas relao Estado X sociedade civil

As revolues burguesas tm vida curta, logo atingem o auge; j as revolues proletrias so de longa durao. (p. 25)

A revoluo de 1848 estava fadada a um terrvel fiasco. O 2 de Dezembro os surpreendeu como um raio em cu azul e os povos que, em perodos de depresso pusilnime, deixam de boa vontade sua apreenso anterior ser afogada pelos que gritam mais alto, tero talvez se convencido de que j se foi o tempo em que o grasnar dos gansos podia salvar o capitlio (p. 26)

A Constituio, a Assemblia Nacional, os partidos dinsticos, os republicanos azuis (burgueses) e vermelhos (pequeno-burgueses), os heris da frica (poder das baionetas), o trovo vibrado da tribuna, a cortina de relmpagos da imprensa diria, toda a literatura, os polticos de renome e os intelectuais de prestgio, o cdigo civil e o cdigo penal, a libert, galit, fraternit e o segundo domingo de maio de 1852 tudo desaparecera como uma fantasmagoria diante da magia de um homem no qual nem seus inimigos reconhecem um mgico. O sufrgio universal parece ter sobrevivido apenas por um momento, a fim de fazer, de prprio punho, o seu ltimo testamento perante os olhos do mundo inteiro e declarar em nome do prprio povo: Tudo que existe merece perecer! (pp. 26-27)

Como uma nao como a Frana, com tradio poltica, pode ser surpreendida e entregue, sem resistncia, ao cativeiro por 3 cavalheiros da indstria (Odilon Barrot, Lus Filipe e Guizot)?

Recapitulemos:1 perodo (de 24 de fevereiro data da queda de Lus Filipe at 4 de maio de 1848 data da instalao da Assemblia Constituinte) prlogo da revoluo:Governo provisrio: todos a oposio dinstica, a burguesia republicana, a pequena burguesia democrtico-republicana e os trabalhadores social-democratas tinham encontrado seu lugar nesse governo provisrio. O objetivo inicial das jornadas de fevereiro era uma reforma eleitoral para quebrar o domnio exclusivo da aristocracia financeira e alargar o crculo de poder da prpria classe possuidora, mas quando o povo levantou barricadas, a Guarda Nacional no ofereceu resistncia e a Repblica parecia a conseqncia lgica = contradio com a realidade; harmonia aparente (discordncia de entre seus elementos) (p. 28)

O proletariado se deleitava diante das oportunidades que vislumbrava e discutia seriamente os problemas sociais, as velhas foras da sociedade haviam se agrupado, reunido e encontrado apoio das massas (alianas de classe) da nao: os camponeses e a pequena burguesia.

2 perodo (de 4 de maio de 1848 at fins de maio de 1849 perodo da fundao da repblica burguesa): A Assemblia Nacional, resultado de eleies nacionais, representava a nao, e devia reduzir os resultados da revoluo escala burguesa. O proletariado, percebendo isso, tentou anul-la pela fora em 15 de maio e invadiu a Assemblia. Como conseqncia, Blanqui e seus camaradas dirigentes do partido proletrio foram expulsos da cena pblica. monarquia burguesa s podia suceder uma repblica burguesa: um pequeno setor da burguesia (aristocracia financeira) governou em nome do rei, agora, toda a burguesia governar em nome do povo! As reivindicaes do proletariado so devaneios utpicos... A essa declarao, o proletariado parisiense respondeu com a Insurreio de junho, o acontecimento de maior envergadura na histria das guerras civis da Europa. A Repblica burguesa triunfou, com a aristocracia financeira, a burguesia industrial, a classe mdia, a pequena burguesia, o exrcito, o lmpen organizado em Guarda Mvel, os intelectuais de prestgio, o clero e a populao rural. Do lado do proletariado de Paris no havia seno ele mesmo (p. 29). Mais de 3 mil insurretos foram massacrados e 15 mil deportados. Tenta sempre se reerguer aliando-se com as camadas superiores quando estas entram em efervescncia, mas participa de todas as derrotas sofridas pelos diversos partidos. Os dirigentes mais importantes do proletariado na Assemblia e na imprensa caem sucessivamente, vtima dos tribunais, e figuras cada vez mais equvocas assumem a sua direo (Primeiro teor do enfrentamento revolucionrio: proletariado contra todos os demais setores da sociedade) (...) toda a Europa treme diante do terremoto de junho (...) (30)

Limite da poltica: a derrota dos insurretos aplainara o terreno sobre o qual a repblica burguesa podia ser fundada, e demonstra que na Europa as questes em foco no eram simplesmente de repblica ou monarquia, revelava que repblica burguesa significava o despotismo ilimitado de uma classe sobre as outras, que a repblica significava apenas a forma poltica da revoluo da sociedade burguesa e no sua forma conservadora de vida. Distintamente dos EUA, por exemplo, que, embora existam classes, estas ainda no se fixaram e no teve de abolir a velha ordem das coisas... Na Frana, a luta era pela liberao das foras produtivas modernas (capitalistas). (p. 31)

Nas jornadas de junho, todas as classes haviam se conjugado no partido da ordem contra o proletariado, tinham salvo a sociedade dos inimigos da sociedade; tinham dado as palavras de ordem da velha sociedade aos seus exrcitos propriedade, famlia, religio, ordem! CONTRA-REVOLUO: A sociedade salva tantas quantas vezes se contrai o crculo de seus dominadores e um interesse mais exclusivo se impe ao mais amplo (p. 31). Toda reivindicao ainda que da mais elementar reforma financeira burguesa, do liberalismo mais corriqueiro, do republicanismo mais formal, da democracia mais superficial, simultaneamente castigada como um atentado sociedade e estigmatizada como socialismo. Finalmente, a ral da sociedade burguesa constitui a sagrada falange da ordem e o heri Crapulinski se instala nas Tulherias como o salvador da sociedade. SALVADOR DA ORDEM SOCIAL

II (pp. 32-46)A histria da Assemblia Nacional Constituinte a partir das jornadas de junho a histria do domnio e da desagregao da frao republicana da burguesia (republicanos puros). Sob a monarquia de (julho) Lus Filipe essa frao era a oposio republicana oficial, reconhecida no mundo poltico de ento. Seu rgo na imprensa, o National, era o jornal dos debates. Nacionalismo francs, esse imperialismo camuflado... Combatia a aristocracia financeira da mesma forma que todo o restante da oposio burguesa, mas isso lhe dava uma popularidade demasiado barata: a burguesia industrial lhe era agradecida por sua servil defesa do sistema protecionista francs! O partido do National exigia que a dominao burguesa adotasse uma forma republicana, e com ela sua parte do leo, no tinham um plano claro de ao. Claro era sua impopularidade entre os democratas pequeno burgueses e o proletariado. Desde o incio contavam, naturalmente, com o apoio da burguesia e com a maioria na Assemblia Nacional Constituinte. Elementos socialistas do Governo Provisrio foram imediatamente excludos da Comisso Executiva formada pela Assemblia Nacional por ocasio de sua instalao, e o partido do National aproveitou a deflagrao da insurreio de junho para dissolver tambm a Comisso Executiva, e livrar-se assim de seus rivais mais prximos, os republicanos pequeno burgueses (democratas), Ledru-Rollin, etc. Cavaignac era seu general, comandou a batalha de junho e tomou o lugar da Comisso Executiva com poderes quase ditatoriais. Marrast, ex-redator-chefe do National tornou-se o presidente perptuo da Assemblia Nacional Constituinte, e os ministrios caram nas mos dos republicanos puros. A frao republicana alcanou o poder atravs de um levante do proletariado contra o capital, levante este sufocado com tiros de canho. O fruto caiu-lhe nas mos, mas no da rvore da vida, mas da rvore do conhecimento. Seu domnio durou apenas 6 meses (de 24/06 10/12/1848): resumiu-se na elaborao da Constituio e na proclamao do estado de stio em Paris. (p. 34) INCAPAZ SOCIALMENTE

A nova Constituio era, no fundo, apenas a reedio, em forma republicana, da Carta Constitucional de 1830. A Revoluo de Fevereiro proclamou o sufrgio universal e direto, os republicanos burgueses acrescentaram, porm, uma clusula instituindo a obrigatoriedade de pelo menos 6 meses de residncia no distrito eleitoral. A velha organizao da administrao, do sistema municipal, do sistema jurdico, militar, etc, permaneceu intacta ou, onde foi modificada pela Constituio, a modificao atingia o rtulo, no o contedo, o nome, no a coisa em si. O inevitvel estado-maior das liberdades de 1848 (...) receberam um uniforme constitucional que as fez invulnerveis. (p. 35) O ESTADO AQUI NO SE ALTEROUCada uma dessas liberdades proclamada como direito absoluto do cidado francs, desde que no esteja limitada pelos direitos iguais dos outros e pela segurana pblica. CONTRADIES NA NORMA (p. 35) ab-rogaoE mais tarde essas leis orgnicas foram promulgadas pelos amigos da ordem e todas aquelas liberdades foram regulamentadas de tal maneira que a burguesia, no gozo delas, se encontra livre de interferncia por parte dos direitos iguais das outras classes. Onde so vedadas inteiramente essas liberdades aos outros ou permitido o seu gozo sob condies que no passam de armadilhas policiais, isto feito sempre apenas no interesse da segurana pblica, isto , da segurana da burguesia, como prescreve a Constituio. Como resultado, ambos os lados invocam devidamente, e com pleno direito, a Constituio: os amigos da ordem, que ab-rogam todas essas liberdades, e os democratas, que as reivindicam. Pois cada pargrafo da Constituio encerra sua prpria anttese, sua prpria Cmara Alta e Cmara Baixa, isto , liberdade na frase geral, ab-rogao da liberdade na nota margem. Assim, desde que o nome da liberdade seja respeitada e impedida apenas a sua realizao efetiva de acordo com a lei, naturalmente a existncia constitucional da liberdade permanece intacta, inviolada, por mais mortais que sejam os golpes contra sua existncia na vida real. (p. 36)Essa Constituio tinha, no entanto, um ponto fraco, no no calcanhar, mas na cabea, ou melhor, nas duas cabeas: de um lado, a Assemblia Legislativa, de outro, o presidente. Somente os pargrafos 45 a 70, onde definida a relao do presidente com a Assemblia Legislativa so absolutos, positivos, no contraditrios e sem tergiversao. Pois os republicanos burgueses trataram de garantir sua posio, a Assemblia tem poderes constitucionais para afastar o presidente, ao passo que este s inconstitucionalmente pode dissolver a Assemblia, suprimindo a prpria Constituio. De um lado, 750 representantes do povo, eleitos por sufrgio universal, constituem a Assemblia Nacional, incontrolvel, indissolvel, indivisvel, que desfruta de onipotncia legislativa; do outro, o presidente, com todos os recursos do poder executivo em suas mos, tem atrs de si todo o poder das foras armadas, etc. Enquanto a Assemblia permanece constantemente em cena exposta s crticas da opinio pblica, o presidente leva uma vida oculta nos Campos Elseos. Com o artigo 45 da Constituio diante dos olhos a gritar-lhe diariamente que o seu poder cessar no segundo domingo de maio, no quarto ano aps sua eleio! Assim, enquanto a Constituio outorga poderes efetivos ao presidente, procura garantir para a Assemblia o poder moral; parte o fato de que impossvel criar um poder moral mediante os pargrafos de uma lei, a Constituio mais uma vez se anula ao dispor que o presidente seja eleito por todos os franceses, atravs do sufrgio universal. Ele o eleito da nao e o ato de sua eleio o triunfo que o povo soberano lana uma vez em cada 4 anos. A Assemblia est em relao metafsica com a nao, ao passo que o presidente eleito est em relao pessoal com ela, a encarnao da nao. Em comparao com a Assemblia, ele possui uma espcie de direito divino; presidente pela graa do povo! (p. 38)Ttis, a deusa do mar, profetizara a Aquiles que ele morreria na flor da juventude. A Constituio que, como Aquiles, tinha um ponto fraco, tinha tambm o pressentimento de que morreria cedo. Tentaram fugir do destino por meio de um dispositivo constitucional que toda moo visando revisar a Constituio deveria ser apoiada por pelo menos 3 quartos dos votantes, em 3 debates sucessivos entre os quais devia haver sempre um ms de intervalo e exigia que pelo menos 500 membros da Assemblia participassem da votao. Era uma tentativa desesperada de exercer, como minoria que profeticamente j se viam reduzidos, um poder que, naquele momento, quando dispunham de maioria parlamentar e de todos os recursos da autoridade, escapava-lhes dia a dia das mos. Esta era a Constituio de 1848, que a 2 de dezembro de 1851 no foi derrubada por uma cabea, mas caiu por terra ao contato de um simples chapu, esse chapu, evidentemente, era tricrnio napolenico. (p. 39)Enquanto os rep. burgueses se entretinham na Assemblia, Cavaignac mantinha o estado de stio em Paris. Este foi a parteira da Constituinte. Se a Constituio foi subsequentemente liquidada por meio das baionetas, preciso no esquecer que foi tambm pelas baionetas e voltadas contra o povo que teve de ser protegida no ventre materno e trazida ao mundo. Os precursores dos respeitveis republicanos, que haviam mandado seu smbolo a bandeira tricolor em excurso pela Europa, produziram, por sua vez, um invento que percorreu todo o continente mas que retornava Frana com amor sempre renovado: o estado de stio. Um invento esplndido, empregado periodicamente em todas as crises ocorridas durante a Revoluo Francesa. O quartel e o bivaque; o sabre e o mosqueto; o bigode e o uniforme proclamados, periodicamente, como sendo a mais alta expresso da sabedoria da sociedade e como seus guardies no deviam acabar forosamente de ter a idia de salvar a sociedade de uma vez para sempre, proclamando seu prprio regime como a mais alta forma de governo e libertando completamente a sociedade civil do trabalho de governar a si mesma? No deveriam finalmente os militares jogar um dia o estado de stio em seu prprio interesse e benefcio, sitiando ao mesmo tempo as bolsas burguesas? A eleio de Lus Bonaparte como presidente em 10 de dezembro de 1848 ps fim ditadura de Cavaignac e Assemblia Constituinte. (p. 41)Sua eleio foi uma reao dos camponeses que tinham que pagar as custas da Revoluo de Fevereiro; uma reao do campo contra a cidade. Uma reao que encontrou apoio no exrcito, na alta burguesia, no proletariado e na pequena burguesia. O perodo entre 20 de dezembro de 1848 at a dissoluo da Assemblia em maio de 1849 abrange a histria do ocaso dos republicanos burgueses; apo terem fundado uma repblica burguesa, expulsado o proletariado revolucionrio do campo de luta e reduzido ao silncio a pequena burguesia democrtica, so eles mesmos postos de lado pela massa da burguesia que, com justa razo, reclama essa repblica como sua propriedade. Essa massa era monrquica, parte dela, latifundiria (legitimista), dominara durante a Restaurao. A outra, era a aristocracia financeira e os grandes industriais (orleanista), que dominara durante a monarquia de julho (Lus Filipe). Na repblica burguesa, que no ostentava nem o nome de Bourbon nem o de Orlans, e sim o nome de Capital, haviam encontrado a forma de governo na qual podiam governar conjuntamente. A insurreio de junho os unira no partido da ordem, agora era necessrio afastar os rep. burgueses que ocupavam ainda as cadeiras da Assemblia. Feito isso, seu jornal, o National, foi convertido ao socialismo no perodo seguinte.Os 2 poderes que se aniquilaram um ou outro a 2 de dezembro de 1848 at a data da dissoluo da Assemblia executivo (Lus Bonaparte) e legislativo (partido da ordem). Ao ascender presidncia, Bonaparte formou um ministrio com base no partido da ordem com Odilon Barrot, velho dirigente da frao mais liberal da burguesia parlamentar, frente, para derrotar os prprios republicanos burgueses. (pp. 42-43)Na primeira reunio do conselho comearam burlando a Assemblia e conspirando secretamente com os poderes absolutistas do estrangeiro contra a repblica romana revolucionria. Foi do mesmo modo e com a mesma manobra que Bonaparte preparou seu golpe contra o legislativo e sua repblica Constitucional. Em agosto a Assemblia decidira dissolver-se s depois de aprovar as leis orgnicas que deveriam complementar a Constituio. A 06/01/1849 o partido da ordem apresentou uma moo propondo que a Assemblia interrompesse a discusso das leis orgnicas e decidisse sobre sua prpria dissoluo, medida necessria para a restaurao do crdito, consolidao da ordem, que o pas estava farto dela, etc. Bonaparte tomou nota de todas essas invectivas contra o poder legislativo e a 2 de dezembro de 1851 demonstrou aos parlamentares que havia aprendido a lio: voltou contra eles seus prprios argumentos.O ministrio Barrot e o partido da ordem fizeram com que toda a Frana se voltasse contra a Assemblia Nacional; levaram as massas desorganizadas do povo luta contra ela, a expresso constitucionalmente organizada do povo! (p. 44) Ensinaram Bonaparte a apelar ao povo contra as assemblias parlamentares. Finalmente, a 29/01/1849 chegou o dia na qual a Assemblia Constituinte deveria decidir sua prpria dissoluo encontrou o edifcio em que se realizavam suas sesses ocupado pelos militares com Changarnier, o general do partido da ordem, frente Golpe em miniatura poder militar contra o poder parlamentarUm dos motivos que levou o partido da ordem a encurtar, pela fora, a vida da Assemblia foram as leis orgnicas (lei do ensino, do culto religioso, etc) a burguesia temia o ensino laico (p. 45) Para os monarquistas era da maior importncia que eles mesmos elaborassem essas leis, dentre elas, a regulamentao das responsabilidades do presidente. E era precisamente ocupada com a redao dessa lei que estava a Assemblia quando Bonaparte impediu esse golpe com o golpe de 2 de dezembro. Depois que a Assemblia havia ela prpria desmantelado sua ltima arma a 29/01/1849, o ministrio Barrot e os amigos da ordem perseguiram-na at a morte. Bonaparte ocupado com sua idia fixa napolenica, foi suficientemente atrevido para explorar publicamente essa degradao do poder parlamentar. Foi assim que o prprio partido da ordem, quando no constitua ainda a Assemblia Nacional, quando era ainda apenas o ministrio, estigmatizou o regime parlamentar. E brada aos cus quando o 2 de dezembro de 1851 baniu esse regime da Frana! (p. 46).

III (pp. 46-64)A Assemblia Legislativa Nacional reuniu-se a 28/05/1849, e a 02/12/1851 foi dissolvida vida efmera da repblica constitucional ou repblica parlamentar. 1 momento fase herica: a 1 Revoluo Francesa, o domnio dos constitucionalistas seguido pelo domnio dos girondinos, e este pelo dos jacobinos. Cada um se apoiando no mais avanado linha ascensional;Com a Revoluo de 1848 d-se o inverso, o partido proletrio aparece como apndice do pequeno burgus democrtico, trado e abandonado por este a 16/04, a 15/05 e nas jornadas de junho. (...) o partido da ordem ergue os ombros fazendo cair aos trambolhes os rep. burgueses e atira-se nos ombros das foras armadas. Imagina manter-se ainda sobre estes ombros militares quando um belo dia percebe que se transformaram em baionetas. Cada partido ataca por trs aquele que procura empurr-lo para a frente e apia pela frente naquele que o empurra para trs. No de admirar que nessa postura ridcula perca o equilbrio e, feitas as inevitveis caretas, caia por terra em estranhas cabriolas. A revoluo move-se, assim, em linha descendente. Mistura de contradies/acomodao de foras: constitucionalistas que conspiram abertamente contra a constituio; revolucionrios constitucionalistas; Assemblia que quer ser onipotente e sempre permanece parlamentar; realistas que so senadores romanos da repblica e forados a manter casas reais hostis de que so partidrios no estrangeiro e na Frana a repblica que odeiam; um poder executivo que encontra sua fora em sua prpria debilidade e sua respeitabilidade no desprezo que inspira; uma repblica que uma infmia combinada de duas monarquias a Restaurao e a monarquia de julho , com rtulo imperialista; alianas cuja primeira clusula a separao; lutas cuja primeira lei a indeciso; agitao desenfreada e desprovida de sentido em nome da tranqilidade; (...) o gnio coletivo oficial da Frana reduzido a zero pela estupidez astuciosa de um nico indivduo; (...). Se existe na histria do mundo um perodo sem nenhuma relevncia, este. (p. 48)O ministrio nomeado por Napoleo era do partido da ordem, da coligao legitimista e orleanista a Barrot-Falloux. Seu general, Changarnier, reunia em sua pessoa o comando geral da Primeira Diviso do Exrcito e da Guarda Nacional de Paris. As eleies garantiram ao P. O. uma ampla maioria na Assemblia Nacional. A representao bonapartista era demasiado fraca para formar um partido independente, eram um apndice ruim do PO. O PO encontrava-se de posse do poder governamental, do exrcito e do poder legislativo, em suma, todo o poder estatal; fora moralmente fortalecido pelas eleies gerais que fizeram seu domnio aparecer como sendo a expresso da vontade do povo, e pelo triunfo da contra-revoluo em todo o continente europeu. Nunca um partido iniciou sua campanha com tantos recursos ou sob auspcios to favorveis. (p. 49)Os rep. puros (azuis) estavam reduzidos a cerca de 50 homens na Assemblia Legislativa Nacional, chefiados por Cavaignac, Lamoricire e Bedeau. A Montanha (vermelhos), o partido da oposio social-democrata (adotara no Parlamento esse nome de batismo), comandava mais de 200 dos 750 votos da Assemblia, era to poderoso quanto qualquer das 3 fraes do PO tomadas isoladamente. As eleies mostraram que estes tinham conquistado um grande nmero de partidrios entre a populao rural e contava com quase todos os deputados eleitos por Paris; seu lder, Ledru-Rollin, fora elevado nobreza parlamentar por 5 departamentos. Em vista dos choques entre os monarquistas e de todo o PO com Bonaparte, a 28/05/1849 a Montanha parecia ter todos os elementos de xito, 15 dias depois, em 11 de junho, perdia tudo, at a honra. Histria parlamentar da poca: luta internaAos olhos dos democratas, o perodo da Assemblia Legislativa caracterizava-se pelo mesmo problema vivido durante a Constituinte: s simples luta entre republicanos e monarquistas; em uma palavra = reao. De fato, primeira vista, o PO aparece como um emaranhado de faces monarquistas cada qual lutando por elevar ao trono seu prprio pretendente e excluir o da faco contrria, em dio comum contra a repblica. A Montanha, em contraste, aparece como representante da repblica. O PO aparece como reao, a Montanha, por sua vez, aparece como a defensora dos eternos direitos do homem, como todos os partidos supostamente populares vm fazendo, mais ou menos, h um sculo e meio. Quando porm se examina mais de perto a situao e os partidos, desaparece essa aparncia superficial que dissimula a luta de classes e a fisionomia peculiar da poca. (pp. 50-51)Sob os Bourbons governara a grande propriedade territorial, com seus padres e lacaios; sob os Orlans, a alta finana, a grande indstria, o alto comrcio, ou seja, o capital, com seu squito de advogados, professores e oradores melfluos. A monarquia legitimista foi apenas a expresso poltica do domnio hereditrio dos senhores de terras enquanto que a monarquia de julho fora a expresso poltica do usurpado domnio dos burgueses arrivistas o que os separavam eram suas condies materiais de existncia, duas diferentes espcies de propriedade, cidade e campo, etc; que havia rivalidades pessoais, recordaes, temores e esperanas, etc, quem os nega? Sobre as diferentes formas de propriedade, sobre as condies sociais, maneiras de pensar e concepes de vida distintas e peculiarmente constitudas. A classe inteira os cria e os forma sobre a base de suas condies materiais e das relaes sociais correspondentes. O indivduo isolado, que as adquire atravs da tradio e educao, poder imaginar que constituem os motivos reais e o ponto de partida de sua conduta. (...) os atos provaram mais tarde que o que impedia a unio de ambas era a divergncia de seus interesses. E assim como na vida privada de diferencia o que um homem pensa e diz de si mesmo do que ele realmente e faz, nas lutas histricas deve-se distinguir mais ainda as frases e as fantasias dos partidos de sua formao real e de seus interesses reais, o conceito que fazem de si do que so na realidade. Dois grandes interesses em que se divide a burguesia = latifndio e o capital.Mas diante do pblico, em suas representaes de Estado, como grande partido parlamentar, iludem suas respectivas casas reais com simples mesuras e adiam in infinitum a restaurao da monarquia. Exercem suas verdadeiras atividades como PO, ou seja, sob um rtulo social, e no sob um rtulo poltico; como representantes do regime burgus, e no como paladinos de princeses errantes; como classe-burguesa contra as outras e no como monarquistas contra republicanos. E como PO exerciam um poder sobre as demais classes jamais exercido antes, sob a Restaurao, um poder que, de maneira geral, s era possvel sob a forma de repblica parlamentar, pois apenas sob esta forma podiam os dois grandes setores da burguesia francesa unir-se e, assim, por na ordem do dia o domnio de sua classe. Se insultavam a repblica era porque o instinto ensinava-lhes que ela, bem verdade, torna completo seu domnio poltico, mas o mesmo tempo solapa suas fundaes sociais, uma vez que tem agora de se defrontar com as demais classes subjugadas e lutar com elas sem qualquer mediao, sem poderem esconder-se atrs da coroa, sem poderem desviar o interesse da nao com as lutas secundrias que sustentavam entre si e contra a monarquia. Era um sentimento de fraqueza que os fazia recuar das condies puras de domnio de sua prpria classe e ansiar pelas antigas formas, mais incompletas, menos desenvolvidas e portanto menos perigosas, desse domnio. (p. 53) MEDO da luta de classesContra a burguesia coligada formara-se uma coalizo de pequeno burgueses e operrios, a social-democracia, em fevereiro de 1849; elaboraram um programa comum, organizaram comits eleitorais comuns e lanaram candidatos comuns = quebrou-se o aspecto revolucionrio das reivindicaes sociais do proletariado e deu-se a elas uma feio democrtica; despiu-se a forma puramente poltica das reivindicaes democrticas da pequena burguesia e ressaltou-se seu aspecto socialista. O carter peculiar da social-democracia resume-se no fato de exigir instituies democrtico-republicanas como meio de no acabar com dois extremos, capital e trabalho assalariado, mas de enfraquecer seu antagonismo e transform-lo em harmonia. (p. 54) O que os torna representantes da pequena burguesia o fato de que sua mentalidade no ultrapassa os limites que esta no ultrapassa na vida, de que so consequentemente impelidos, teoricamente, para os mesmos problemas e solues para os quais o interesse material e a posio social impelem, na prtica, a pequena burguesia. Esta , em geral, a relao que existe entre os representantes polticos e literrios de uma classe e a classe que representam. (p. 55)Logo que se reuniu a A.N. o PO provocou a Montanha, queria acabar com a pequena burguesia democrtica como acabou com o proletariado revolucionrio; apenas a situao do adversrio era diferente, a fora do p.r. estava nas ruas, ao passo que a fora da p.b. estava na prpria AN. Tratava-se, pois, de atra-la s ruas e fazer com que eles mesmos destroassem sua fora parlamentar antes que o tempo e as circunstncias pudessem consolid-la. A Montanha precipitou-se de corpo e alma na armadilha: o bombardeio de Roma pelas tropas francesas foi a isca. Violava o artigo 5 da Constituio que proibia declarao de guerra sem o assentimento da AN. A 11 de junho de 1849 Ledru-Rollin apresentou um processo de impeachment contra Bonaparte e seus ministros; dizia defender a Constituio de armas na mo, e fez o apelo s armas. A 12 de junho a AN rejeitou o projeto e a Montanha deixou o parlamento. A 13 de junho, uma ala da Montanha declara: Bonaparte e seus ministros, fora da Constituio! A passeata da Guarda Nacional democrtica, desarmada, dispersou-se ao defrontar as tropas de Changarnier. Uma parte dela fugiu para o estrangeiro, outra foi citada pelo Superior Tribunal de Bourges, e uma resoluo parlamentar submeteu o restante vigilncia de bedel do presidente da A.N. O estado de stio foi novamente declarado em Paris e a ala democrtica da Guarda Nacional dissolvida. Quebrou-se, assim, a influncia da Montanha no parlamento e a fora da pequena burguesia em Paris. Lyon, onde o 13 de junho dera a senha para uma sangrenta insurreio operria, foi juntamente com departamentos adjacentes, declarada igualmente sob estado de stio, at o presente momento. Finalmente, em vez de ganhar foras com o apoio do proletariado, o partido democrtico infectara o proletariado com sua prpria fraqueza e, como costuma acontecer com os grandes feitos dos democratas, os dirigentes tiveram a satisfao de poder acusar o povo de desero, e o povo a satisfao de poder acusar seus dirigentes de o terem iludido. mais do que certo que os democratas acreditam nas trombetas diante de cujos toques ruram as muralhas de Jeric. E sempre que enfrentam as muralhas do despotismo procuram imitar o milagre. Se a Montanha queria vencer no Parlamento, no devia ter apelado para as armas. Se apelando s armas, no devia ter se comportado de maneira parlamentar nas ruas (...). Mas as ameaas revolucionrias da pequena burguesia e de seus representantes democrticos no passam de tentativas de intimidar o adversrio. (...) os atores deixam de se levar a srio e a pea murcha lamentavelmente, como um balo furado. (56-57)Nenhum partido exagera mais que o p. democrtico; como uma ala do exrcito votara em seu favor, a Montanha estava convencida de que o exrcito se levantaria ao seu lado. E em que situao? (...) Para superar essas diferenas, era necessrio que grandes interesses comuns estivessem em jogo, e a violao de um pargrafo abstrato da Constituio no constitua esse interesse comum: no a tinham violado inmeras vezes?? Mas o democrata, por representar a pequena burguesia, ou seja, uma classe de transio na qual os interesses de duas classes perdem simultaneamente as arestas, imagina estar acima dos antagonismos de classes em geral: o que eles representam o direito do povo, o que lhes interessa o interesse do povo (...) indivisvel (...). Se o PO via neles os ltimos representantes oficiais da revoluo, podiam mostrar-se ainda mais inspidos e modestos. Consolaram-se, ento, com o 13 de junho, com esta sentena profunda: Mas se ousarem investir contra o sufrgio universal, bem, ento lhes mostraremos de que somos capazes! Veremos! (59)

p. 60: o Partido da Ordem subordinou a Constituio s decises majoritrias da Assemblia Nacional: isto , segundo a interpretao da burguesia francesa, garantiu sua onipotncia dentro do parlamento. Para ela, a repblica parlamentar significava o domnio da burguesia enquanto classe, sem encontrar, como na monarquia, quaisquer barreiras tais como o veto do poder executivo. Mas ao mesmo tempo tornou o parlamento fraco diante do poder executivo e do povo ao expulsar a bancada mais popular (13 de junho). O 13 de junho significou a vitria do Partido da Ordem, Lus Bonaparte tinha apenas que embols-la, e foi o que fez, identificando a causa da ordem sua pessoa. E reinstalando o pontfice Samuel no Vaticano, conquistou o apoio dos padres. Changarnier, o baluarte da sociedade.

Cada partido interpreta de acordo com seus interesses: o proletariado como repblica social; a burguesia, como repblica do capital; e assim por diante. A anatomia est na sociedade civil... no o Estado o alvo das lutas sociais, mas a prpria sociedade civil burguesa. A maioria das anlises coloca, equivocadamente, a nfase no Estado. Marx, em diversas obras, mostra como o objetivo a emancipao dos trabalhadores, e como esse Estado gigantesco no est suspenso no ar seno baseado nos interesses das classes dominantes, isto , a questo no indivduo versus sociedade e/ou Estado, mas entre dominantes e dominados. A burocracia do Estado a essncia dos interesses de classe, por meio dela que se objetiva a dominao, ela a mediao desta dominao, por meio dela que os interesses especficos da burguesia so transformados em interesses geraisEsse poder executivo, com sua imensa organizao burocrtica e militar, com sua engenhosa mquina de Estado, abrangendo amplas camadas com um exrcito de funcionrios totalizando meio milho, alm de mais meio milho de tropas regulares, esse tremendo corpo de parasitas que envolve como uma teia o corpo da sociedade francesa e sufoca todos os seus poros, surgiu ao tempo da monarquia absoluta, com o declnio do sistema feudal, que contribuiu para apressar. Os privilgios senhoriais dos senhores de terras e das cidades transformaram-se em outros tantos atributos do poder do Estado, os dignitrios feudais em funcionrios pagos e o variegado mapa dos poderes absolutos medievais em conflito entre si, no plano regular de um poder estatal cuja tarefa est dividida e centralizada como em uma fbrica. A primeira Revoluo Francesa, em sua tarefa de quebrar todos os poderes independentes locais, territoriais, urbanos e provinciais a fim de estabelecer a unificao civil da nao, tinha forosamente que desenvolver o que a monarquia absoluta comeara: a centralizao, mas ao mesmo tempo, o mbito, os atributos e os agentes do poder governamental. Napoleo aperfeioara essa mquina estatal. A monarquia legitimista e a monarquia de julho nada mais fizeram do que acrescentar maior diviso de trabalho, que crescia na mesma proporo em que a diviso do trabalho dentro da sociedade burguesa criava novos grupos de interesses e, por conseguinte, novo material para a administrao do Estado. Todo esse interesse comum (allgemeins), retirado da atividade dos prprios membros da sociedade e transformado em objeto da atividade do governo, desde a ponte, o edifcio da escola e a propriedade comunal de uma aldeia, at as estradas de ferro, a riqueza nacional e as universidades da Frana. Finalmente, em sua luta contra a revoluo, a repblica parlamentar viu-se forada a consolidar, juntamente com as medidas repressivas, os recursos e a centralizao do poder governamental. Todas as revolues aperfeioaram essa mquina, ao invs de destro-la. Os partidos que disputavam o poder encaravam a posse dessa imensa estrutura do Estado como o principal esplio do vencedor.Mas sob a monarquia absoluta, durante a primeira Revoluo, sob Napoleo, a burocracia era apenas o meio de preparar o domnio de classe da burguesia. Sob a Restaurao, sob Lus Felipe, sob a repblica parlamentar, era o instrumento da classe dominante, por muito que lutasse por estabelecer seu prprio domnio. Unicamente sob o segundo Bonaparte o Estado parece tornar-se completamente autnomo. A mquina do Estado consolidou a tal ponto a sua posio em face da sociedade civil que lhe basta ter frente o chefe da Sociedade de 10 de Dezembro, um aventureiro surgido de fora, glorificado por uma soldadesca embriagada, comprada com aguardente e salsichas e que deve ser constantemente recheada de salsichas. Da o pusilnime desalento, o sentimento de terrvel humilhao e degradao que oprime a Frana e lhe corta a respirao. A Frana se sente desonrada. E, no obstante, o poder estatal no est suspenso no ar (MARX, 1997, pp. 125-126).