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SEGUNDA-FEIRA, 4 DE MAIO DE 2009 | E1 PÁG. 1 CMYK O destino comum de Índia e Brasil Brasil eu me deparava com sor- risos irônicos. Durante a crise argentina de 2003, um dos só- cios não resistiu à piada. “Ami- gos”, ele disse, “o Rakesh está tentando construir uma ponte entre a Índia e o Brasil. Temos de falar para os argentinos irem morar debaixo dessa ponte”. Embora também tenha achado engraçado, ficou claro para mim que, na opinião dele, minha hi- pótese sobre uma ponte indo- brasileira soava tão frágil quan- RAKESH VAIDYANATHAN No Brasil, encontrei uma cul- tura ocidental com elementos similares aos da Índia, reunindo modernidade e calor humano, algo com que pude me conectar. Nem todos os meus colegas de trabalho entenderam como um país tão festeiro como o Brasil poderia ser semelhante à filosó- fica Índia. Na empresa de con- sultoria onde trabalhava, sem- pre que eu tentava fomentar ideias que conectassem Índia e to a economia argentina naque- le momento. O relatório sobre os BRICs da Goldman Sachs de 2004, que reuniu Brasil e a Índia sob uma mesma sigla, com som bonito, veio ao meu resgate, fazendo com que meu entusiasmo pare- cesse muito mais racional. A ló- gica por trás do estudo dos BRICs era simples: a demogra- fia. Ao longo da História, os paí- ses com mais recursos huma- nos e naturais sempre tiveram os maiores PIBs. Isso mudou no século XVIII com a revolução industrial, quando o acesso pri- vilegiado à tecnologia ajudou o Ocidente a melhorar rapida- mente a produtividade, desa- fiando temporariamente essa realidade então vigente. No sé- culo XXI, à medida que esse hiato de produtividade está sendo sanado pelas mais diver- sas razões — entre elas a demo- cratização da tecnologia, por meio da tecnologia da informa- ção (TI) e de uma maior conec- tividade — recursos naturais e população, novamente, se tor- nam chaves. No último século, o Ociden- te desenvolvido nunca teve um parceiro de diálogo em pé de igualdade. Foi possível, seja de forma verdadeira ou demagó- gica, caracterizar qualquer contrapeso cultural do Ociden- te como poderoso, mas não adepto à escolha individual e à diversidade: a Alemanha nazis- ta, a URSS, o Japão nos anos 80, a China na última década. Bra- sil e Índia podem ser critica- dos, mas países com enorme diversidade étnica e cultural, onde um metalúrgico é eleito presidente e 714 milhões de pessoas votam pacificamente, não podem ser caracterizados como opressivos. Seus estilos de vida podem ser atrativos. Yoga, Bollywood e o crí- quete indianos; o carnaval, o fu- tebol e as belezas naturais brasi- leiros possuem enorme apelo mundial. E esse interesse pode crescer com o sucesso econômico. Se, de fato, pudermos ter sucesso juntos, poderíamos provar que so- mos mais do que uma exceção, mas sim o começo de uma ten- dência. Índia e Brasil poderiam ser sinalizadores para outras so- ciedades no mundo emergente, dando-lhes esperança de que tam- bém podem atingir o poder eco- nômico sem abrir mão de uma so- ciedade aberta e democrática. Acredito que este seja o nosso des- tino comum. CONTINUA NA PÁG. E3 Mercado com mais de 1 bilhão de habitantes é atrativo para empresas de todo o mundo

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SEGUNDA-FEIRA, 4 DE MAIO DE 2009 | E1

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O destino comum de Índia e BrasilBrasil eu me deparava com sor-risos irônicos. Durante a criseargentina de 2003, um dos só-cios não resistiu à piada. “Ami-gos”, ele disse, “o Rakesh estátentando construir uma ponteentre a Índia e o Brasil. Temosde falar para os argentinos iremmorar debaixo dessa ponte”.Embora também tenha achadoengraçado, ficou claro para mimque, na opinião dele, minha hi-pótese sobre uma ponte indo-brasileira soava tão frágil quan-

RAKESH VAIDYANATHAN

No Brasil, encontrei uma cul-tura ocidental com elementossimilares aos da Índia, reunindomodernidade e calor humano,algo com que pude me conectar.Nem todos os meus colegas detrabalho entenderam como umpaís tão festeiro como o Brasilpoderia ser semelhante à filosó-fica Índia. Na empresa de con-sultoria onde trabalhava, sem-pre que eu tentava fomentarideias que conectassem Índia e

to a economia argentina naque-le momento.

O relatório sobre os BRICs daGoldman Sachs de 2004, quereuniu Brasil e a Índia sob umamesma sigla, com som bonito,veio ao meu resgate, fazendocom que meu entusiasmo pare-cesse muito mais racional. A ló-gica por trás do estudo dosBRICs era simples: a demogra-fia. Ao longo da História, os paí-ses com mais recursos huma-nos e naturais sempre tiveramos maiores PIBs. Isso mudou noséculo XVIII com a revoluçãoindustrial, quando o acesso pri-vilegiado à tecnologia ajudou o

Ocidente a melhorar rapida-mente a produtividade, desa-fiando temporariamente essarealidade então vigente. No sé-culo XXI, à medida que essehiato de produtividade estásendo sanado pelas mais diver-sas razões — entre elas a demo-cratização da tecnologia, pormeio da tecnologia da informa-ção (TI) e de uma maior conec-tividade — recursos naturais epopulação, novamente, se tor-nam chaves.

No último século, o Ociden-te desenvolvido nunca teve umparceiro de diálogo em pé deigualdade. Foi possível, seja de

forma verdadeira ou demagó-gica, caracterizar qualquercontrapeso cultural do Ociden-te como poderoso, mas nãoadepto à escolha individual e àdiversidade: a Alemanha nazis-ta, a URSS, o Japão nos anos 80,a China na última década. Bra-sil e Índia podem ser critica-dos, mas países com enormediversidade étnica e cultural,onde um metalúrgico é eleitopresidente e 714 milhões depessoas votam pacificamente,não podem ser caracterizadoscomo opressivos.

Seus estilos de vida podem seratrativos. Yoga, Bollywood e o crí-

quete indianos; o carnaval, o fu-tebol e as belezas naturais brasi-leiros possuem enorme apelomundial. E esse interesse podecrescer com o sucesso econômico.Se, de fato, pudermos ter sucessojuntos, poderíamos provar que so-mos mais do que uma exceção,mas sim o começo de uma ten-dência. Índia e Brasil poderiamser sinalizadores para outras so-ciedades no mundo emergente,dando-lhes esperança de que tam-bém podem atingir o poder eco-nômico sem abrir mão de uma so-ciedade aberta e democrática.Acredito que este seja o nosso des-tino comum. CONTINUA NA PÁG. E3

Mercado com mais de 1 bilhão de habitantes éatrativo para empresas de todo o mundo

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E2 | Segunda-feira, 4 de maio de 2009 | GAZETA MERCANTIL

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ENTREVISTA B.S. Prakash

A evolução da maior democracia do mundoPara o embaixador da Índia no Brasil, o eleitoradode aproximadamente 700 milhões de pessoas e oequilíbrio entre os poderes garantem a estabilidadedo regime do país asiático

LINCOLN MARTINSJORNAL DO BRASIL

Casado com Ratna — uma ex-oficial do governo indiano —,duas filhas, o embaixador da Ín-dia no Brasil, B.S. Prakash, tem in-teresses além da diplomacia, co-mo filosofia, literatura, músicaclássica e golfe. Em entrevista aeste caderno especial, Prakash su-gere que empresários brasileiroscom interesses em negócios naÍndia conheçam o país e seu gi-gantesco mercado interno, motordo notável crescimento indiano.Ele destaca, entre outros, o mer-cado de telefonia celular, que é oque mais cresce no mundo.

Gazeta Mercantil — Importantenação do BRIC, a República daÍndia representa um enormemercado interno consumidor,capaz de atrair a atenção degrandes corporações e governosinteressados em ampliar suasáreas de investimentos e derealização de negócios. Noentanto, apesar de todo o seu

potencial, por que a Índiaimporta tão pouco do Brasil?

Mas as exportações brasileiraspara a Índia estão aumentando,apesar de você ter dito que aindasão poucas, se comparadas comoutros grandes importadores doBrasil. As razões são as seguintes:primeiro, a Índia não é um grandeimportador ou consumidor de pro-dutos agrícolas, como carne, sojaetc., áreas em que o Brasil é alta-mente competitivo. Segundo, oBrasil está pronto para exploraragressivamente as oportunidadesde investimento na Índia nos seto-res de energia, infraestrutura e redevarejista, onde o país pode ter umótimo desempenho. Mas aindaprecisa conhecer o mercado india-no e estabelecer parcerias. E, tercei-ro, somente agora estamos desco-brindo um ao outro e ainda não te-mos os contatos e comunicações,incluindo integrações de transpor-te, que são necessárias para o rápi-do crescimento dos negócios.

GZM — O que os brasileiros

podem fazer para vender maisao mercado indiano?

Em poucas palavras, visitar aÍndia com mais frequência e es-tabelecer parcerias. A Índia éum grande mercado, mas os exe-cutivos brasileiros precisam ex-plorá-lo.

GZM — Como é a Índiamoderna? O retrato da sociedadeindiana que se vê nas novelas eem alguns filmes é verdadeiro eatual?

A Índia é um país de imensadiversidade e mobilidade. Ela estámudando rapidamente, e essamudança é a realidade principal.Por exemplo, tínhamos um siste-ma de telecomunicações terrível,com as pessoas esperando mesespor uma linha telefônica, mas ho-je somos o mercado de telefones

celulares que mais cresce nomundo. Como mostram as tele-novelas, somos um país com tra-dições, com muitos costumesexóticos. Tudo que é mostradoem uma novela, portanto, é realem um segmento ou outro da so-ciedade indiana. Ao mesmo tem-po, temos segmentos muito mo-dernos e ocidentalizados, e somosverdadeiramente globais. Eu diriaque a sociedade indiana aindatem muitas complexidades e con-tradições que impedem uma fácilcategorização. A sociedade india-na, sem dúvida, está arraigada emsuas tradições, mas olhando fir-memente para o futuro.

GZM — Como é a democracia naÍndia?

Somos a maior democracia domundo, com mais de 700 milhõesde pessoas indo às urnas entreabril e maio. Mas não são apenasas eleições que demonstram a de-mocracia indiana. Temos um sis-tema judicial independente, umaimprensa vibrante e crítica, umexército subordinado à autorida-de civil, uma forte sociedade civile tudo que é importante em umademocracia de sucesso. Neste as-pecto, o Brasil e a Índia têm mui-to em comum.

GZM — Como a Índia estálidando com a crise econômicamundial?

Assim como todo o mundo, aÍndia é atingida pela dificuldadede crédito, o desaparecimento docapital financeiro e, de certa for-ma, pelos mercados de exporta-ção que enfrentam a recessão. Já osetor bancário não foi afetado,pois não é totalmente vinculadoao Ocidente. O ponto mais im-portante é o grande mercado in-terno, que é o motor do cresci-mento. Esperamos crescer entre 6e 7% este ano, o que é uma re-gressão, mas não é tão ruim.

GZM — Qual será o impacto daseleições de abril/maio sobre apolítica econômica da Índia?

Em geral, há um consenso en-tre os diferentes partidos e com-petidores no que se refere às po-líticas macroeconômicas.

GZM — Como se explicamalgumas contradições da Índiamoderna, como, por exemplo, ofato de o país ser uma potêncianuclear e espacial e ao mesmotempo ter um sistema detransporte urbano e comérciode varejo mais atrasados queos do Brasil?

É difícil explicar. Talvez umanegligência da nossa infraestrutu-ra e das comodidades cívicas. Damesma forma, os desafios sãoenormes em algumas das áreasque não conseguimos acompa-nhar. A força da Índia está nos re-cursos humanos e nas habilidadesde seu povo, o que explica as con-quistas em ciência e tecnologia.

GZM — No Brasil persiste a ideiade que os países asiáticos sãoconcorrentes dos negóciosbrasileiros, enquanto os EstadosUnidos e os países europeus sãoinvestidores e representam bonsmercados. Essa percepçãocorresponde à verdade? O que osenhor tem a dizer aosbrasileiros?

No mundo globalizado, taispercepções estão ultrapassadas.Há grandes oportunidades para oBrasil e a Índia, por exemplo, emprocessamento de alimentos, ca-deias de produtos resfriados, mar-cas de moda em couro, minerais ematérias-primas. Nosso comérciobilateral já havia atingido os US$4,5 bilhões. Como eu disse ante-riormente, o Brasil precisa explo-rar mais o mercado indiano, as-sim como a Índia precisa conhe-cer melhor o Brasil.

CONSTRUINDO MARCAS

Competência e marketing paraobter destaque no mercado global

Ambas aquisições permitiram ummaior alcance para fora da Índia,aumentando também o conheci-mento da marca a nível global. AWipro adquiriu diversas empresaspara prover maior escala nas áreasde tecnologia, tal como a Enabler,com sede em Portugal e operaçõesem Portugal e Brasil, especializadano setor de varejo.

Com minha experiência no se-tor de TI indiano, tenho sugestõessobre como os países do BRIC po-dem construir marcas do mais al-to nível:

1) Pense plano: aproveite a glo-balização para tratar o mundo co-mo seu potencial mercado e basede fornecedores. Por exemplo, ho-je a Wipro possui escritórios devenda em mais de 50 países, comum centro de entrega no Brasil.As empresas indianas trabalha-ram em conjunto para mudar avisão no exterior, como no FórumEconômico Mundial, em Davos.Os consumidores associam asmarcas-países com serviços e pro-dutos oferecidos ali, e é importan-te que o país tenha reputação que

JESSIE PAUL*

Quando eu pegava táxis na Ca-lifórnia, no fim dos anos 90, in-dianos e outros motoristas asiáti-cos geralmente não aceitavamminhas gorjetas. Diziam que nãopoderiam aceitar dinheiro de al-guém que morava na Índia e queera, por definição, pobre. Depoisdo boom do “ponto.com”, quandovárias empresas indianas ficaramfamosas por meio da tecnologia,eles perguntavam: “Você é da Ín-dia? Trabalha com tecnologia?Você deve ter muito dinheiro!”.Supunham que qualquer pessoada Índia estivesse envolvida emtecnologia da informação (TI),sendo, por definição, inteligen-te. O sucesso da TI indianatransformou a marca-país Índiaem apenas dez anos.

Isso mostra, em grande parte,o desenvolvimento dos BRICs(Brasil, Rússia, Índia e China).Vistos há apenas uma década co-mo países com péssimo desempe-nho, hoje são considerados má-quinas de crescimento econômi-co, criando modelos de negócioinovadores que desafiam naçõesmais bem estabelecidas. Deixa-mos de ser um mercado para asmarcas das empresas multinacio-nais para começar a criar empre-sas mundialmente competitivas.A companhia de consultoria glo-bal BCG publica os 100 MaioresDesafiantes Globais das econo-mias de rápido desenvolvimento,e a Índia tem 20 empresas nestalista — incluindo a minha, a Wi-pro. E o Brasil conta com 14 com-panhias na lista.

Maior comunicação, digitali-zação de grande parte do trabalhoe transformações mais econômi-cas fizeram com que o mundo fi-casse mais plano, tal como des-creveu Tom Friedman no livro “Omundo é plano”. Há empresas re-lativamente pequenas com ofer-tas de altíssimo nível, que podemusar a crise econômica para se so-bressair enormemente com rela-ção à concorrência. Cada merca-do tem sua estrutura e históriapróprias, e compreender isso vaiajudá-lo a ganhar dos concorren-tes nesses novos mercados, mes-mo se você for muito menor doque eles. Foi isso que empresascomo Wipro e Infosys consegui-ram, do setor de TI indiano, naAmérica do Norte e Europa; e co-mo a Embraer, do Brasil, e a Sam-sung, em escala global.

É importante para o nosso cres-cimento que criemos marcas glo-bais. Por exemplo, o conglomera-do indiano Tata adquiriu a empre-sa de aço Corus e a empresaautomotiva Jaguar-Land Rover.

aumente o valor da marca.2) Pense com foco: defina exa-

tamente a proposta de valor damarca; e porque alguém deveriaescolher a sua oferta, e não a doconcorrente. Procure saber a ra-zão pela qual 80% dos seus clien-tes o escolhem, e divulgue isso.

3) Pense em colaboração: comu-nique-se não somente com os po-tenciais ou principais comprado-res. A mídia, por exemplo, pode terum alto nível de influência no pro-cesso de tomada de decisão. Apóster construído uma massa críticano espaço escolhido, você pode ex-pandir o círculo de compradorespotenciais e, mais adiante, quandotiver reservas suficientes, poderáentrar no mercado de massa.

4) Pense de forma comedida:as limitações podem forçá-lo a sermais esperto. Sempre buscamosnovas formas de chegar aos clien-tes. Por exemplo, queríamos che-gar aos nossos clientes, sendo quemuitos deles viajam com fre-quência. Em vez de fazer umacampanha de divulgação massi-va, colocamos mensagens em em-

presas aéreas, lounges de negó-cios e aeroportos.

5) Seja interessante: há muitascoisas que fazemos como parte donosso negócio, como contratar,treinar, cadastrar fornecedores, serecológico, vender, produzir, aten-der aos clientes. Faça com que ca-da uma dessas atividades seja in-teressante. Procure oportunidadespara conduzi-las de forma diferen-te ou única. Isso lhe trará umgrande interesse da mídia.

6) Seja visionário: graças à in-ternet, as informações estão facil-mente disponíveis. Os clientes econtatos valorizam, hoje, o fatode sermos visionários. Uma boaforma de destacar-nos entre amultidão é ter um bom ponto devista e injetar perspectivas visio-nárias no setor. Isso poderá geraruma divulgação boca-a-boca, egratuita, além de criar uma baseleal de clientes.

* Diretora de Marketing da

Wipro Technologies (NYSE: WIT),

empresa indiana líder mundial no

ramo de TI. Publica o blog

www.jessiepaul.com.

Sede da Wipro, em Bangalore: para diretora, marcas precisam ser conhecidas globalmente

Novidade: no Brasil, Nano custaria entre R$ 13 mil e R$ 16 mil

MERCADO AUTOMOBILÍSTICO

RODRIGO CUSTÓDIO *E NILS TARNOW **

No mês passado, a montadoraindiana Tata Motors começou aaceitar pedidos para seu novomodelo, o Nano, por um preço deUS$ 2,5 mil. O carro ainda precisaprovar sua solidez e, com umaprodução planejada de apenas 50mil unidades para este ano, o so-nho do transporte a quatro rodasse realizará lentamente para oconsumidor indiano. Mesmo as-sim, o bilionário Ratan Tata e suaequipe merecem respeito por te-rem desafiado a sabedoria con-vencional da indústria. A pergun-ta agora é se o Nano vai tornar-seo Fusca do século 21 e revolucio-nar o mercado automobilístico.

O fato de que a Tata Motors que-ria construir um carro que custassecerca de US$ 2 mil circulava háanos na indústria, mas muitos es-pecialistas do meio duvidaram daviabilidade técnica e financeira doprojeto. Será que, depois de décadasde otimização do produto e racio-nalização dos processos produtivos,uma redução tão radical de custosnão era uma utopia? Ou será que asmontadoras com sedes em paísesdesenvolvidos se fixaram demaisnas exigências de conforto, segu-rança e desempenho dos consumi-dores de seus mercados de origem eforam incapazes de quebrar os pa-radigmas definidos? Hoje, a respos-ta parece dada — e o fato de quemuitas empresas internacionais re-nomadas se encontram na lista defornecedores mostra que a Tata nãoera a única disposta a acreditar e ainvestir no projeto.

A Índia possui uma frota deapenas um automóvel para cada150 habitantes, contra um paracada oito habitantes no Brasil eum para cada dois na Europa.Ainda assim, com apenas 1% dafrota automobilística mundial, otrânsito indiano é responsávelpor 8% dos acidentes fatais no

mundo. Seus meios de transportemais comuns são bicicletas, mo-tocicletas e triciclos. Nesse am-biente, o Nano encontra um gran-de mercado e consumidores ávi-dos por uma nova solução detransporte que lhes ofereça umsalto em conforto e segurança.Com seus três metros de compri-mento, o veículo é capaz de trans-portar quatro adultos, possui boadirigibilidade e design atraente.Pesa apenas 600 quilos e é equi-pado com um pequeno motor tra-seiro de dois cilindros, que depoisde demorados 30 segundos é ca-paz de conduzir o veículo à velo-cidade máxima de 105 km/h,quando a injeção de combustível écortada. A limitação de velocidadepermite que o chassi e demais ele-mentos estruturais sejam dese-nhados de modo otimizado.

Projetado para percorrer 23 kmcom um litro de combustível, o car-ro possui o essencial para o trans-porte de passageiros. Limpador depára-brisas duplo, espelho retrovi-sor do carona e ajustes dos bancosdos passageiros são indisponíveisno veículo. Mesmo com essa sim-plicidade, o anúncio da chegada doNano gerou tal expectativa na Índiaque levou a Tata a criar uma loteriapara sortear quais, dentre os interes-sados, teriam acesso aos primeiros100 mil veículos. Já se fala em vo-lumes de vendas de 1 milhão deveículos por ano só na Índia, o quelevaria o Nano a ser um dos auto-móveis mais vendidos no mundo.

* Engenheiro mecânico pela

Unicamp, MBA pelo IE Business

School - Madrid e consultor para a

Management Engineers do Brasil

(rodrigo.custodio@

managementengineers.com);

** Mestre em engenharia civil por

Berkeley, doutor em engenharia

mecânica e aeronáutica por Stanford

e sócio-diretor da Management

Engineers do Brasil (nils.tarnow@

managementengineers.com)

Nano: a evoluçãoem quatro rodas

D I V U LG A Ç Ã O

B.S. PRAKASH

Embaixador da Índia no Brasil

NAMAS BHOJANI/BLOOMBERG NEWS

ÍNDIA — OPORTUNIDADES DE NEGÓCIOS

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GAZETA MERCANTIL | Segunda-feira, 4 de maio de 2009 | E3

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aumentou da mesma forma no anopassado. Há gastos de subsídios so-bre combustíveis e fertilizantes, e ou-tro fator que contribui é a concessãode empréstimo a pequenos fazendei-

POLÍTICA

Eleitorado de 714milhões escolhe 543parlamentares emprocesso de um mês

RAKESH VAIDYANATHAN*

Enquanto você está lendo esteartigo, as eleições para o próximogoverno indiano — período 2009-2014 — estão em andamento. En-tre os países do BRIC, somente noBrasil e na Índia as eleições geramuma excitação que se compara aum bom jogo de futebol. Na Rús-sia e na China, geralmente pode-se prever o resultado final antesdas “eleições”. Há outra seme-lhança entre Brasil e Índia: a suavibrante indústria de comunica-ção. Os partidos políticos india-nos ainda não são capazes deatingir os US$ 60 milhões gastosunicamente por Obama em pro-paganda, mas, em termos gerais,a Índia já ultrapassou os EUA.Pesquisa recente conduzida peloCenter for Media Studies apontao custo estimado para as elei-ções parlamentares em aproxi-madamente US$ 2 bilhões —mais do que Obama e outrosgastaram nas eleições presiden-ciais americanas.

Enquanto os EUA têm a maisantiga democracia do mundo, aÍndia é a maior democracia domundo, com um eleitorado de714 milhões de pessoas escolhen-do seus representantes para as543 cadeiras do Parlamento (LokSabha). As cinco fases das elei-ções se estendem entre 16 de abril

e 16 de maio, a última sendo a da-ta onde vamos (com sorte) saberque tipo de governo assumirá aÍndia na próxima década. A Índiaé um modelo de experimentoinacabado de democracia: aindaestá em trânsito entre o modelode governo “de cima para baixo”deixado pelos ingleses, tentandoforjar um modelo mais inclusivo,enquanto mantém suas estrutu-ras. E vale destacar que a qualida-de mais importante de um polí-tico em uma democracia não ésua sofisticação ou sua inteligên-cia superior, mas sim a sua legi-timidade. Pessoas como Lalu (queincidentalmente é um anagramade Lula) são exemplos de que oexperimento político indiano es-tá funcionando e de que a socie-dade vem elegendo líderes queela acredita serem seus.

Apesar de a Índia ser uma pi-râmide com uma grande parcelada elite no seu topo, o sucesso dademocracia indiana é que a pirâ-mide é invertida por meio daseleições, a cada cinco anos. O ins-trumento que ajuda a inverter apirâmide, pelo menos comoideia, é o voto. O valor e o sim-bolismo de um simples voto fo-ram exemplificados por uma se-ção eleitoral que está sendo cons-tituída em uma circunscriçãoeleitoral chamada Una, no distri-to de Junagadh, em uma peque-na aldeia na floresta do Gir: elavai servir a um só eleitor.

Há 43 milhões de novos eleito-res desde que as últimas eleiçõesocorreram, em 2004. O mais signi-

ficativo é que essas eleições verãouma mudança de foco da Índia ru-ral para a Índia urbana. O númerode cadeiras nos centros urbanoscresceu drasticamente após a re-cente delimitação, um processo deredefinição de fronteiras das zonaseleitorais baseado nos dados do úl-timo censo, em 2001. O outro fatorque vai se destacar é o aumento dejovens indianos. O grupo com ida-de entre 18 e 35 anos vai finalmen-te ofuscar o segmento mais velho.Isso se reflete pelo fato de a novageração da família Nehru-Gandhi eo líder do Youth Congress (Con-gresso de Jovens), Rahul Gandhi,embora relativamente novo na po-lítica, vir atraindo grandes massas.Também, o candidato a primeiro-ministro do BJP, L. K. Advani (82anos), tem visitado academias, le-vantado peso e lançou um blog pa-ra se conectar à população jovemurbana de universidades.

Os 170 milhões de jovenseleitores são uma entidade im-previsível, que pode balançar aeleição em favor de qualquerum dos lados. E vale lembrarque as eleições indianas não sãoganhas no nível nacional, masno nível regional, onde a políti-ca de identidade de centenas demilhares de castas e dezenas delínguas interage com questõeslocais. Assim, a estratégia deveser regional. Esta é a beleza dogrande jogo indiano: você se-quer sabe em que nível ele serádecidido, menos ainda quem ga-nhará. Quando um experimentode tal complexidade apresenta

um resultado, a sua legitimida-de nunca é questionada. O povoacredita que, por mais espertos eastutos que os partidos políticosou os políticos possam ser, nin-guém pode ganhar do sistema.

O resultado, ao contrário do Pa-quistão mais homogêneo (religião,língua e etnia) e que se tornou in-dependente ao mesmo tempo edos países latino-americanos (dé-cadas antes da Índia), temos umaÍndia diversificada e cacofônica,que nunca sofreu um regime mi-litar desde a sua independência,em 1947. O notório historiador in-diano Ramachandra Guha citaWinston Churchill, que considera-va a diversidade indiana como oprincipal problema para a demo-cracia e pensava que a Índia jamaisseria capaz de administrar a demo-cracia sozinha e que os ingleses de-veriam ter continuado como colo-nizadores. Se os ingleses partissem,dizia Churchill, “a Índia retrocede-rá muito rapidamente, através dosséculos, para a barbárie e as priva-ções da Idade Média”.

Quase oitenta anos após talafirmação, podemos seguramentedizer que não somente nós, masaté mesmo o grande WinstonChurchill, não pode prever o re-sultado no que se refere à demo-cracia indiana.

* MBA pelo The Wharton School,

graduado no Indian Institute of

Management, sócio-fundador do

The Jai Group e fundador e

secretário-geral da Câmara de

Comércio Brasil-Índia.

E-mail: [email protected]

Nas eleições, o carnavalindiano da democracia

Força feminina: as cinco fases das eleições se estendem de 16 de abril a 16 de maio. Em disputa, 543 cadeiras do Parlamento

ENTRE DOIS GIGANTES

CONTINUAÇÃO DA PÁGINA E1

Países de grande porte, comoos que formam o BRIC, recobra-rão uma parte muito maior doPIB mundial e, consequentemen-te, terão mais influência econô-mica e política. As crises como aatual — que cercearam a capaci-dade das nações desenvolvidas decontinuar investindo na melho-ria da produtividade — e o enve-lhecimento da população euro-peia, bem como o declínio da ba-se de tributação composta dejovens trabalhadores, apenas ace-lerariam essa tendência.

Há agrupamentos inerentesaos BRICs. Um deles tem como ba-se os recursos e as populações:Brasil e Rússia têm mais recursosnaturais do que população, aocontrário da Índia e da China. Ou-tro agrupamento importante tema ver com ethos e valores: por umlado, as sociedades abertas e de-mocráticas, com imprensa livre,têm como resultado uma aborda-gem do desenvolvimento que par-te de baixo para cima; por outro,nos países em que se parte de umaabordagem direcionada de cimapara baixo no que concerne ao de-senvolvimento, os logros referen-tes ao êxito econômico tendem aprevalecer sobre as metas de direi-tos humanos, muitas vezes adia-das para um futuro distante. Brasile Índia se encaixam na primeiracategoria, o que os torna parceirosnaturais no desenvolvimento.

Essa parceria, baseada em va-lores comuns, é fortalecida porcomplementaridades que vãoalém dos excedentes de recursos emercados populosos. A potênciado agronegócio brasileiro é umadas soluções para a Índia, comterreno cada vez mais escasso emonções voláteis. Mas, além dis-so, as estruturas do desenvolvi-mento industrial no Brasil e naÍndia se complementam. Os seto-res relacionados à urbanização e àescolha mais variada do consumi-dor estão mais desenvolvidos noBrasil do que na Índia. E a infraes-trutura é bem mais precária naÍndia do que no Brasil quando fa-lamos de aeroportos, portos, es-tradas, usinas hidrelétricas e me-trôs. Nestes casos, o conhecimen-to e as habilidades brasileiraspodem fazer a diferença. Por ou-tro lado, a Índia lidera alguns se-tores onde seu compromisso fun-damental com a alta qualidade daeducação técnica desde a Inde-pendência — em parte motivadopelo trauma da colonização — foicumprido. Um amplo mercadonacional de consumidores de bai-xo poder aquisitivo também aju-da a recompensar as empresasque inovam a preços baixos ecom enorme escala.

A Índia forma, anualmente,500 mil alunos em áreas técnicas,incluindo cerca de 200 mil enge-nheiros, enquanto o Brasil forma20 mil engenheiros. Os mercadosde capital indianos têm uma basemais ampla: 5,5 mil empresas fi-

guram ativamente em 23 bolsasno país, comparadas com aproxi-madamente 500 em apenas umabolsa no Brasil. O acesso ao capi-tal competitivo por meio do mer-cado facilita a empresas indianasde porte médio levantar fundoslocalmente, tornando-as maisambiciosas quanto aos seus pla-nos de expansão. Há, ainda, com-plementaridades de mercado. AÍndia tem forte participação nosmercados de commonwealth —ex-colônias inglesas —, especial-mente na África. Já o Brasil é fortena América Latina e nos paísesafricanos de língua portuguesa.

Outra fonte de complementa-ridades é o atendimento de mer-cados terceiros de forma conjun-ta. Com nossos países controlan-do 70% do mercado mundial decafé e chá, não é estranho que ocafé colombiano e o chá inglês te-nham marcas globalmente maisfortes? Por que não embalar, pro-mover ou distribuir conjunta-mente alguns de nossos produtoscomplementares? Outras com-plementaridades poderiam ser asalianças estratégicas para criaruma escala mundial, visando de-fender os mercados internos. Estemodelo de colaboração seletivaem atividades-chave de cadeia devalor é possível em múltiplos se-tores, para contrabalançar a forçados concorrentes globais dos paí-ses desenvolvidos, como os de ci-mento, banco de investimentos,seguros, bancos comerciais, ele-trodomésticos e eletrônicos, P&Daplicados etc.

Gerência em alto escalãoEntão, por que o comércio não

decolou na mesma velocidadeque ocorrem os agrupamentospolíticos na OMC, na ONU ouIbas? Um motivo é que para ex-plorar várias das complementari-dades mencionadas acima preci-sa-se de uma sólida presença e in-vestimento local que dependemde um grau de conforto maior dagerência de alto escalão. Mas umcorredor Índia–Brasil ainda é umtema de gerência de segundo es-calão. Se os proprietários não in-teragem e, o que é pior, se não seconhecem, pouco pode ser alcan-çado nesse corredor, que é umadas necessidades que este cadernoespecial pretende abordar.

Parceiros para odesenvolvimento

Vaidyanathan: destino comum

EM MEIO À CRISE GLOBAL

Subir Gokarn*

Economia: entre a regressão e a flexibilidadeNeste artigo vou abordar, por

meio de tópicos resumidos, a eco-nomia indiana em 2009/2010.

Desaceleração: a taxa decrescimento da Índia está em de-saceleração acentuada. O trimes-tre de outubro a dezembro regis-trou 5,3% de crescimento aoano, comparado aos 7,8% regis-trados de abril a setembro noano fiscal de 2008-2009 (abril amarço). O momento negativo de-ve persistir no trimestre de janei-ro a março, bem como no tri-mestre de abril a junho do anofiscal de 2009-2010.

Perspectivas: para prever co-mo a economia se desenvolveráem 2009-2010, precisamos en-tender como se materializou adesaceleração. Embora o tempocoincida com uma descontinuida-de financeira significante causa-

Obter fundos para

investimentos em

infraestrutura será

um desafio para o

novo governo

da pelo colapso da Lehman Bro-thers, suas raízes estão em eventosmacroeconômicos do começo de2008. A onda inflacionária, no fimde 2007, com um acentuado au-mento do preço do petróleo, foi re-forçada no início de 2008 pelaspressões nos preços de mercadoriase alimentos. As taxas de juros au-mentaram e a liquidez se restrin-giu, fatos que levaram ao impactono crescimento poucos meses de-pois. Em outubro de 2008, após ocolapso da Lehman Brothers, eva-sões massivas de capital ocorre-ram nos mercados emergentes, in-clusive na Índia. Isso, entre outrosfatores relevantes. Agora, os ban-cos centrais — inclusive o ReserveBank da Índia — têm facilitadonas taxas de juros e liquidez des-de que a ameaça de inflação foireduzida. Mas isso também funcio-

na como um atraso, indicando res-tauração na demanda interna notrimestre de outubro a dezembrode 2009-2010. As perspectivas con-tinuam ruins para as grandes eco-nomias e significam que as expor-tações serão fracas durante o ano.

Influências estabilizadoras: alémda resposta monetária, o governoindiano tem estimulado a demandainterna. A contribuição mais impor-tante foi o aumento programadodos salários dos funcionários do go-verno, oferecendo um impulso opor-tuno aos gastos de consumo. O au-mento é de aproximadamente 40%sobre os salários atuais, e os funcio-nários do setor público somam cer-ca de 20 milhões de pessoas.

O estresse: há fatores que preocu-pam em relação à capacidade daeconomia de voltar ao caminho docrescimento estável. O déficit fiscal

2009. Outra ameaça é a reversão noequilíbrio da situação dos pagamen-tos. A Índia tradicionalmente tevedéficits em conta corrente, mas em2008-2009 o excedente de contas de

capital diminuiu significativa-mente, tornando-se até mesmoum pequeno déficit no trimestreoutubro-dezembro. A Índia temreservas suficientes de câmbiopara acomodar os déficits du-plos por algum tempo, mas asituação não pode ser sustenta-da por muito tempo.

Regressão ou flexibilidade?:com base em considerações an-

teriores, há fatores que apontam pa-ra a regressão (desaceleração emlongo prazo da taxa de crescimen-to) e para a flexibilidade (retorno auma tendência de taxa mais saudá-vel). Ambos os conjuntos dependemde condições internas e mundiais.

Perspectiva: tendemos a focar naflexibilidade. Vemos um primeiro se-mestre fiscal (abril a setembro) rela-tivamente fraco, com crescimento decerca de 5% ao ano. Já no segundosemestre (de outubro a março), espe-ra-se que a taxa de crescimento subae atinja cerca de 7% ao ano. Dianteda situação financeira mundial edas pressões fiscais internas, encon-trar fundos para investimento eminfraestrutura será um desafio essen-cial para o novo governo, programa-do para assumir neste mês de maio.O resultado das próximas eleiçõesnacionais será fator crucial na habi-lidade do governo em lidar com ascompulsões da estabilização macroe-conômica e com o crescimento dasustentabilidade.

* Economista-chefe da Standard &Poor/ Ásia-Pacífico.

ros, com os quais o governo se com-prometeu a reembolsar os bancos. Adesaceleração do crescimento tam-bém causou desaceleração da arreca-dação fiscal. Todos esses fatores leva-ram a taxa de déficit fiscal do PIB aestimados 6% para o ano de 2008-

RUPAK DE CHOWDHURI/REUTERS

D I V U LG A Ç Ã O

ÍNDIA — OPORTUNIDADES DE NEGÓCIOS

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E6 | Segunda-feira, 4 de maio de 2009 | GAZETA MERCANTIL

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CORREDOR BRASIL–ÍNDIA

Especialista nosdois mercados dádicas: exportar,investir e colaborar

Três caminhos para chegar à Índia

GIANCARLO OLIVEIRA*

A Índia e o Brasil oferecemuma oportunidade mútua e únicapara empresas de ambos os paísesno processo de globalização. OsEstados Unidos e a Europa sãomercados grandes e sofisticados,amplamente pesquisados, compreços de ativos valorizados ecompetitivos, mas com poucascomplementaridades. A realidade,entretanto, é que a grande atraçãodesses mercados, até então combaixos riscos e raras incertezas, jánão é uma verdade no contextoatual. Entre os mercados emergen-tes, a África ainda não se organi-zou sócio-politicamente; os paísesdo Leste Europeu estão se inte-grando rapidamente à União Eu-ropeia e o Oriente Médio temquestões políticas a resolver. Poroutro lado, a China já está bem de-senvolvida como economia, mascom menos oportunidades paracriar posições estratégicas domi-nantes (embora até mesmo em-presas com uma pequena fatia demercado sejam grandes oportuni-dades financeiras) e o sudoeste daÁsia encontre na China uma forteconcorrente e já tenha uma enor-me penetração multinacional.

Do ponto de vista do Brasil eda América Latina, a Índia é, po-tencialmente, uma nova Chinaem ascensão. Há cerca de duas dé-cadas, quando a China começavaa abrir seu mercado para o mun-do, empresas brasileiras não esta-vam prontas para explorar aquelepaís ou outras nações da Ásia, Na-quela época, o Brasil lutava ar-duamente por sua estabilidademacroeconômica. Atualmente, aÍndia oferece uma rara oportuni-dade enquanto se abre para inves-timentos, e empresas brasileiras

disputam num campo relativa-mente virgem contra empresasmaiores da Europa e dos EstadosUnidos — quando comparados aoutros mercados emergentesmais maduros.

Da mesma maneira, do pontode vista da Índia, a América La-tina e o Brasil são boas alternati-vas ao sudeste asiático, que operasob uma forte presença chinesa.Além do mais, sozinho, o Brasil éo segundo maior mercado oci-dental em população — sendosuperado apenas pelos EstadosUnidos — para a maior parte dasmercadorias, bem como um gran-de passo no caminho para osmercados americano e europeuem grau de sofisticação. Apesarde significativas iniciativas políti-cas, o comércio entre o Brasil e aÍndia permanece pequeno, mes-mo com crescimento de 50% aoano. A teoria clássica do comérciodiria que uma vez que os dois paí-ses são economias em desenvol-vimento, de fato existem poucasoportunidades para colaboração— e as cifras do comércio refle-tem esta realidade. A teoria diriaainda que precisa-se de comple-mentaridades para o comércio.Entretanto, uma perspectiva es-tratégica revela dois caminhospara se expandir o universo detais oportunidades: 1) Por meiode entendimento de complemen-taridades potenciais em maior ní-vel de fator econômico, e não ape-nas a nível de produto; 2) a buscade ganhos com a colaboração emsituações de aparente conflito,que pode acontecer ou para aces-so aos mesmos mercados ou paraacesso ao capital e à tecnologia depaíses mais desenvolvidos.

Se analisarmos assim, quais osprincipais temas de êxito para ex-portação do Brasil para a Índia?Com a experiência de nossa em-presa, há quatro anos como cata-lisadora de negócios e investi-mentos no corredor Índia–Brasil

Estratégiasem conjuntopara lucrar

O acesso ao capital para em-presários brasileiros é limitado ehá fábricas subdimensionadas. Asempresas indianas podem minaras importações europeias/ameri-canas e/ou competir no mercadodoméstico. O Brasil é um impor-tante importador de maquinário,mas isso demanda operações lo-cais, que as empresas indianas po-dem achar difícil de executar.Mesmo em áreas e segmentos emque a Índia e o Brasil competementre si, há maneiras de se criarvalor combinando-se posiçõesestratégicas complementares,como a aquisição conjunta —por meio de um consórcio de ca-fé brasileiro e chá indiano — demarcas de bebidas em países de-senvolvidos; trabalho de equipeentre empresas brasileiras e in-dianas de TI, para penetrar emmercados europeus de línguanão inglesa; criação de call cen-ters em espanhol e português naregião, entre outros negócios.Porém, alianças globais e aquisi-ções entre empresas indianas elatinas são raras e só agora estãocomeçando a acontecer.

Empresas indianas e brasilei-ras poderiam, também, se unir(ou se fundir) para criar negó-cios globais com o intuito defortalecer sua presença no mer-cado doméstico. Muitas indús-trias estão se tornando globais,e a Índia e o Brasil têm muitasempresas-líder que ainda nãotêm escala global. O aumentoda escala por meio de alianças efusões num mundo emergentepode ser uma boa estratégia.Entre os mercados do BRIC, asdistâncias geográficas dão espa-ço para a criação de aliançascomplementares. Poderiam sebeneficiar Itaú, Bradesco, ICICIe HDFC Bank, formando umbanco do BRIC. A Votorantim ealiados, juntamente com a Gra-sim e a Ultratech, da Índia, po-deriam formar uma aliançacom empresas indianas de ci-mento, alcançando presençaglobal e competindo com forne-cedores multinacionais.

Investir num país distante e desconhecidoComparada à Índia, a América

Latina está à frente da curva dedesenvolvimento e pode alavan-car esses pontos no mercado deconsumo indiano em ascensão.Algumas oportunidades específi-cas incluem cosméticos, frigorífi-cos, móveis, varejo, energia hidre-létrica, gerenciamento de estra-das e indústria de processamentode alimentos, entre outros. Todasessas oportunidades envolveminvestimento, alguns de alto vo-lume. E vale lembrar o receio deinvestir numa Índia desconheci-da e geograficamente distante. Asempresas no Brasil que poderiamse beneficiar dessas oportunida-des são as Casas Bahia, Marabrás,Andrade Gutierrez, Odebrecht,Itautec, Cutrale, Vigor, Sadia ePerdigão, entre outras.

Outro tema é que fatores úni-cos possibilitaram o surgimentode empresas líderes de tecnologia

específicas para a América Latinae Índia. Negócios puderam sercriados em torno dessas liderançastecnológicas e são aplicáveis a umconsumidor de perfil similar.Oportunidades específicas são eta-nol, carro flex, agricultura biotec-nológica e a aviação civil (exem-plos no caso do Brasil), enquantosatélites comerciais, produtos au-tomotivos de custo baixo e pesqui-sa de indústria farmacêutica o sãopara a Índia. Como desafios, a ha-bilidade de alinhar o know-howespecífico com as necessidadesdos negócios e restrições regulató-rias. Por exemplo, enquanto a tec-nologia brasileira do etanol é su-perior, os investimentos para aprodução de etanol necessáriospara se adotar a produção em lar-ga escala necessitam de mudançasregulatórias por parte do governoe da criação de infraestrutura.

As empresas que podem se be-

neficiar desses temas de negóciosno Brasil e na Índia são Embraer,Dedini, Embrapa, Bajaj, TVS, Bio-con, ISRO e Tata Nano.

Com relação a alavancar a cur-va de escala (matéria-prima sinté-tica), a Índia/Ásia tem um grandemercado doméstico e, portanto,maiores estruturas de produção.À medida que o crescimento con-tinua e a logística se torna efi-ciente, o crescente livre mercadofará com que o material sintéticoproduzido na Ásia seja competi-tivo na América Latina. Comooportunidades específicas, a fibrasintética, fibra de viscose, noveloacrílico, medicamentos a granel eprodutos petroquímicos. Porém,taxas de importação e frete po-dem fazer com que estas oportu-nidades sejam difíceis num futu-ro próximo. E a verdadeira con-corrência será com as empresasamericanas e asiáticas.

Indústria: Brasil é importador de maquinário, mas logística de entrega pode travar empresas indianas

D I V U LG A Ç Ã O

CONFEDERAÇÃO DAINDÚSTRIA INDIANA

Chandrajit Banerjee*

Um estímuloao crescimento

O crescimento do comércio en-tre a Índia e a América Latina eo Caribe foi de 45% em 2008,chegando a US$ 16 bilhões. E oBrasil é nosso principal parceironesta região, com crescentes siner-gias em comércio bilateral e inves-timentos ao longo dos anos, for-mando uma parceria estratégicaque busca fortalecer o crescimentomútuo. O investimento indiano noBrasil cresceu muito nos últimostrês anos. A BEML investiu US$20 milhões na produção de esca-vadeiras, máquinas de mineraçãoe vagões de trens; a OVL (ONGCVidesh), empresa internacional daComissão de Petróleo e Gás Natu-ral da Índia, investiu US$ 700milhões na aquisição de um blocode petróleo e planeja a compra demais três, em parceria com a Pe-trobras; a TCS abriu centros dedesenvolvimento em softwares emportuguês em Brasília, São Paulo eCampinas, dando emprego a cercade 1,5 mil brasileiros; a VijayElectricals comprou uma usina noestado da Paraíba para fabricartransformadores; a Stride ArcoLabs e a Ranbaxy possuem inves-timentos no Brasil; e a Petrobrasassinou acordos de parceria comOVL, BPCL e GAIL da Índia pa-ra a exploração de petróleo nestepaís, no Brasil e em outras nações.

O lançamento do Fórum deDiálogo Índia-Brasil-África doSul, em 2006, em Brasília, cha-mou a atenção para as oportuni-dades de negócio entre estes paí-ses. Em seus primeiros três anoso comércio Índia-Brasil cresceu deUS$ 2,4 bilhões para mais deUS$ 4,6 bilhões. De 2006 a2008, foi um aumento de 93,8%.A parceria adquiriu maior pres-tígio quando, após assumir o car-go, a presidente da Índia, Pra-tibha Devisingh Patil, escolheu o

Brasil para sua primeira visita aoexterior. Foi a primeira vez que umaviagem assim foi feita com uma de-legação comercial (a Confederaçãoda Indústria Indiana a acompanhoupor Brasil, México e Chile).

Várias indústrias indianas já en-traram no mercado brasileiro. Agora,é preciso que o Brasil faça grandesinvestimentos na Índia, como a parce-ria Tata-Marcopolo. Um investimentoda Embraer, por exemplo, seria muitobem-vindo, além das oportunidadesem agronegócio, infraestrutura, ferro-vias, biocombustíveis, automotores,motores flex, minérios de ferro, entreoutros. Apesar do crescimento, o co-mércio permanece aquém da capaci-dade de duas potências. As deficiên-cias em transporte, conectividade eacesso ao comércio impõem desafiosao crescimento do investimento e co-mércio. Além disso, embora as gran-des empresas já participem, ainda háoportunidades que poderiam ser apro-veitadas por empresas de pequeno emédio portes. A Confederação da In-dústria Indiana recomendaria a ex-pansão de linhas de crédito pelo go-verno indiano e pelo Banco EXIM daÍndia. E as embaixadas deveriampromover o comércio bilateral e divul-gar informações comerciais relevantes,além de casos de sucesso.

A Confederação da Indústria In-diana vem trabalhando junto ao go-verno brasileiro e associações indus-triais para promover investimentos eo comércio bilateral desde os anos 90,quando o governo da Índia lançouum programa de promoção do co-mércio na região. A interação contí-nua é um elo vital para as empresase para que Brasil e Índia construamuma parceria econômica sólida e sus-tentável para o futuro.

* Diretor geral da Confederação daIndústria [email protected]

ENTREVISTA Jeitendra Tripathi

Colaboração: chave para o sucessoCônsul da Índia noBrasil estimula ocompartilhamento deconhecimentos

à participação na economia global,que eram de 10% até 2010, já ten-do registrado 15% em 2008. É pro-vável que a diversidade das econo-mias, pela qual o grupo já foi cri-ticado, termine sendo um fatorcomplementar para os membrosdo BRIC. Enquanto Índia e Chinalideram os resultados industriais,Rússia e Brasil possuem vantagensem recursos naturais e minerais.Também se estima que, mesmosob a taxa atual de crescimento de-sacelerado, os quatro países doBRIC estarão entre as seis princi-pais economias do mundo até2050 (México e EUA seriam os ou-tros dois).

GZM — No Brasil, e no mundoocidental em geral, a visão quese tem da Índia é a dosextremos: cultura milenarconvivendo com alta tecnologia;a miséria contrastando com ariqueza das grandescorporações; competentesmulheres executivascontrapondo-se às figuras dasdeusas mitológicas. Qual é,afinal, a verdadeira Índia?

Como já se indicou, os denomi-nados contrastes ou contradiçõesna Índia dependem do observadore da sua observação. Na Índia, to-dos os séculos coexistem, mas éimportantíssimo notar que vivemem harmonia em uma sociedadebem coesa. A Índia é como o fa-moso elefante que quatro cegospercebem de forma diferente, se-gundo a parte do corpo que to-cam. Como não podem ver o ani-mal, ou tocá-lo como um todo, a

percepção é sempre incompleta. AÍndia é um país tão bom ou ruimquanto qualquer outro, mas com adiferença de que é uma nação jo-vem com uma civilização antiga epreservada. A cultura milenar e aalta tecnologia vivem lado a lado eambas encontram suas raízes nosistema de valores indianos. A ver-dadeira Índia é como um granderio: quanto maior for seu trajeto,mais braços terá e maior varieda-de de água fluirá por ele.

GZM — Que chances reais temde ser eleita primeira-ministrada Índia a governadora de seuestado, Uttar Pradesh, mesmosendo Mayawati Kumari uma“intocável”?

A Índia é uma democracia naqual todos os que são legalmenteaptos e podem concorrer em umaeleição, inclusive para presidente.Esta não é a primeira vez que umlíder dalit concorre para um altocargo. No passado, membros da co-munidade dalit ocuparam altos es-calões, como ministro de Defesa,Relações Parlamentares e Nacio-nais. Um dalit já foi eleito até mes-mo para o cargo mais alto, de pre-

sidente da República. Portanto, aschances são igualmente justas paratodos. O líder de qualquer partidoque vence a maioria das cadeirasno Lok Sabha (a Casa do Povo) po-de ser eleito primeiro-ministro danação. Portanto, a Sra. Mayawati, achefe do ministério de Uttar Pra-desh, também tem uma boa chan-ce, se seu partido obtiver a maioriano Parlamento ou se ela for apoia-da pela maioria.

GZM — O que Índia e Brasil têmem comum? E o que podem vir aaprender um com o outro?

São democracias com econo-mias em desenvolvimento. Come-çaram como economias agrárias eestão tentando desenvolver umabase industrial ampla e sólida. Va-lorizam a família, são conscientesde seu potencial inerente e perce-beram sua relevância no mundo.Dessa forma, estão preparadas paracumprir um papel mais construti-vo e progressista a nível interno eglobal. Não usarei a palavra “ensi-nar” neste contexto, porque dá aideia de que uma é mais elevadaque a outra. Mas diria assistir oucompartilhar, que transmite a ideiade igualdade. O enorme talento daÍndia em TI, medicamentos, ferro-vias, ciência espacial, maquinariapesada e desenvolvimento de in-dústrias de pequena escala são al-guns setores nos quais a Índia podeassistir o Brasil. Do mesmo modo,o Brasil pode ser de grande ajudapara a Índia no campo de geraçãode energia, biocombustível, mine-ração, conservação de frutas, ali-mentos etc.

JEITENDRA TRIPATHI

Cônsul-geral da Índia no Brasil

e uma observadora informada damaioria dos negócios que ocorre-ram entre os dois países, temosdelineados temas que poderiamajudar o presidente de uma em-presa brasileira que planeje fazernegócios no mercado indiano. Asenormes vantagens de recursosnaturais do Brasil e da AméricaLatina são importantes para a Ín-dia, que poderia utilizá-las em suaeconomia crescente e de imensa

população de consumidores. Asoportunidades específicas in-cluem a polpa de madeira, assimcomo madeira para construção,minério de ferro, ferro bruto,commodities de agricultura —como açúcar e álcool —, pedraspreciosas, produções cinemato-gráficas e a exploração do setor deturismo. Os desafios específicosestariam na infraestrutura, com adeficiência de frete.

Entre as empresas que pode-riam se beneficiar, nos dois paí-ses, estariam a Cosan, Copersu-car, Bajaj Hindustan, BalrampurChini, Aracruz, Suzano, Voto-rantim, Ballarpur Industries Li-mited, Seshasayee Paper Mills,Indian Rayon, ITC, Caramuru,cadeias de varejo indianas — co-mo a Reliance Retail — e produ-tores de aço indianos.

* Sócio do The Jai Group.

JANIR HOLLANDAJORNAL DO BRASIL

Baseado em São Paulo, o côn-sul-geral da Índia no Brasil, Jei-tendra Tripathi, é um otimistaem relação às vantagens que par-cerias entre os dois países podemrender, seja no campo do comér-cio ou da diplomacia. Ele acreditaque os quatro países que formamo BRIC estarão entre as seis prin-cipais economias do mundo até2050 (México e EUA seriam osoutros dois).

Gazeta Mercantil — Índia, Brasil,Rússia e China são países emdesenvolvimento cujo destinocomum os levou a seremclassificados como BRICs. Osenhor pensa que essaclassificação se manterásustentável? E que as quatrograndes nações poderão, de fato,constituir um grupo político eeconômico de forte atuaçãomundial?

Os quatro países que formam oBRIC contam com mais de 42% dapopulação mundial e ocupam cer-ca de 26% do planeta. Possuemeconomias de rápido desenvolvi-mento e figuram entre as dez pri-meiras nações do mundo em área,população, PIB, reservas de divisas,consumo de energia e uso de ser-viços habilitados por TI. Tambémultrapassaram as previsões quanto

ÍNDIA — OPORTUNIDADES DE NEGÓCIOS

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ÍNDIA — OPORTUNIDADES DE NEGÓCIOS

TURISMO

Quem conhece a terrados marajás jamaisverá o mundo damesma forma

Você está preparado para visitar a Índia?

XAVIER BARTABURUREVISTA PRÓXIMA VIAGEM

O primeiro-ministro britânicoWinston Churchill, entre um uís-que e outro, gostava de dizer quea Índia era uma “expressão geo-gráfica”, e não um país. Bem, eleestava certo: a noção de país é pe-quena demais para explicar oinexplicável. Se você está pensan-do em fazer uma visita ao olho dofuracão, prepare-se. A Índia co-meçará atacando seus sentidos:sem pedir licença. Sensações iné-ditas e inexplicáveis invadirãoolhos, ouvidos, nariz e boca. De-pois, a cabeça: a Índia vai mexercom todos os seus conceitos so-bre velho e novo, rico e pobre, or-dem e caos. Você se verá total-mente perdido, confuso, descon-certado. Tem gente que vai para aÍndia e nunca mais volta — e éfácil entender por quê. É bemprovável que você retorne ao Bra-sil, mas tenha a certeza de quenunca mais verá o mundo damesma forma. Não há vacinacontra a Índia, mas saber de cer-tas coisas pode ajudar a suavizaros ataques. Ou não. Na dúvida,vamos aos fatos.

Se você procura paz, a únicaque encontrará é a paz interior.No caso, o interior de si mesmoou o dos hotéis. O lado de fora é

o que o economista JohnKenneth Galbraith, em-baixador americano nosanos 1960, chamou de“anarquia funcional”.Ou seja, um lugar absur-damente cheio de gentee de vacas, ruidoso e cu-jo trânsito não pareceatender a nenhuma lógi-ca conhecida. Mas que,milagrosamente, funcio-na. A ordem que rege tu-do isso é um mistérioque só os indianos ou osestudiosos da Teoria doCaos podem entender.

Afinal, como se orga-niza uma nação de 1,1 bi-lhão de habitantes (agre-gou o equivalente à me-t a d e d a p o p u l a ç ã obrasileira só na últimadécada) e que fala 16 idio-mas oficiais? A China te-ve a mão de Mao e a doPartido Comunista. Masa Índia, que felizmentenão sofreu a praga dosgovernos totalitários, precisouencontrar os próprios mecanis-mos para chegar ao século 21. Oque não é pouco, se lembrarmosque a civilização indiana existehá mais de quatro mil anos.

Um desses mecanismos é aformação de filas, evidente legadode dois séculos de domínio inglês,ao lado do chá, da língua e do crí-quete (paixão nacional de lotarestádios). Há filas — indianas, éclaro — para tomar ônibus, para

sacar dinheiro, para entrar nos ae-roportos, para visitar palácios...Enormes, todas. E você certamen-te não escapará delas, nem dos in-cansáveis vendedores de bugigan-gas que se aproveitam da situa-ção. As do célebre mausoléu TajMahal, em Agra, são assustadoras.Se puder, evite ir à tarde, a não serque você tenha uma funesta atra-ção por filas quilométricas.

Quando não estão enfileirados,os indianos parecem estar por to-da parte. Tente andar a pé pelasruas e você se verá invariavel-mente engolido por uma voragi-nosa multidão. E o mais estranhoé que ninguém parece se incomo-dar. Como pode?

As leis do destinoAsit Kumar, morador de Nova

Délhi que trabalha na área de tu-rismo, explica: “O hinduísmo nosensina a olhar para nós mesmos”.Os exercícios, ele conta, são pra-ticados todas as manhãs, na horada reza matinal (a puja), umapausa de cinco minutos consigomesmo. Disso, Asit extrai uma

valiosa lição: “O silêncio éo melhor remédio”.

Acredite: o mais incrí-vel é que, depois de umasemana inteira na Índia, abagunça das ruas começaa se tornar um bocadomais tolerável. Isso, vejabem, não significa que vo-cê esteja alcançando a pazinterior, mas é bem prová-vel que você esteja se dan-do conta de que não hánada a fazer. A Índia é tãoarrebatadora que não hásaída senão adaptar-se aela com estoica aceitação.E a resignação, já sabe-mos, é santo remédio con-tra o estresse.

As leis do destino fa-zem parte da vida dos in-dianos há milênios, aomenos desde que o siste-ma de castas foi inventa-do para dividir a socieda-de em quatro grupos: osbrâmanes (que represen-tam os sacerdotes), os xá-

trias (a casta dos guerreiros), osvaixás (os comerciantes) e os su-dras (os “intocáveis”, relegadosaos trabalhos mais baixos). Aconstituição indiana, hoje, proíbea discriminação por castas, masas diferenças ainda são visíveis,especialmente no interior dopaís, onde vive cerca de 80% dapopulação. Em certos casos, essasdiferenças são até exaltadas.

Basta abrir o Sunday Times,um dos jornais mais lidos nopaís: são oito páginas diárias deanúncios matrimoniais, dividi-dos por casta e religião. Quemos publica em geral são os pais, enão os noivos. Aliás, os pombi-nhos nem participam das nego-ciações; seus pais é que se ocu-pam de encontrar alguém quecombine em matéria de casta,religião, língua, classe econômi-ca, horóscopo e até hábitos ali-mentares. No primeiro encon-tro, é claro, a família toda vaijunto. Soa-lhe terrível? Pois sai-ba que o índice de divórcios naÍndia é um dos mais baixos doplaneta.

Tempero, pimenta e corpara ter beleza e fartura

Na Índia, as vacas são mesmosagradas. Só restaurantes e hotéisde luxo servem carne bovina. Jáos vegetarianos conhecerão o pa-raíso. Outro detalhe: indianosgostam de pimenta mais do quevocê imagina. Quando for enca-rar um prato da culinária local,não se esqueça de perguntar oquanto de pimenta ele leva. É apátria das especiarias. Por maisque você frequente restaurantesindianos em sua cidade, não hánada que se compare à abundân-cia de temperos que encontrarána Índia.

Bons lugares para sentir o po-der desses voluptuosos temperossão os mercados. O de Khari Bao-li, na velha Délhi, é o maior mer-cado de especiarias da Ásia, umlabirinto de cores e aromas paraperder-se e nunca mais se achar.Outro é o Crawford Market, emBombaim (cidade que os indianospreferem chamar de Mumbai).

O certo é que você se apaixo-nará pela Índia. Ok, tem genteque vai até lá e volta sem trazersaudade. É que a Índia não temaquela beleza clichê, arrumadi-nha, publicitária. Tirando o Riode Janeiro durante o Carnaval, di-ficilmente você encontrará umlugar com tantas cores diferentespor metro quadrado. Ainda mais

se aparecer um grupo de mulhe-res indianas. Elas realmente pare-cem aproveitar todo o espectro decores disponível, sem o mínimopudor de sair às ruas vestidas deamarelo-canário ou de rosa-cho-que. Ficam bem na foto.

Você pode viver um sonho setiver dinheiro para hospedar-senum dos muitos palácios trans-formados em hotéis de luxo. Elesestão espalhados por todo o país ecostumam ser vistos como umoásis de paz no meio do caos, umlugar onde as buzinas não entrame onde turistas americanos po-dem comer hambúrgueres (decarne de vaca) à vontade. Paraquem gosta de relaxar, é uma óti-ma pedida. Outra é ir meditar aospés do Himalaia, em Rishikesh,capital mundial da ioga. Masquem quiser conhecer a tal da“expressão geográfica” de Chur-chill terá que se expôr aos ata-ques das buzinas, das multidões,das pimentas, dos vendedores...Terá que fazer o que faz 1,1 bilhãode pessoas: deixar-se engolir porum furacão de quatro mil anos epermitir que os sentidos e os con-ceitos sejam completamentetransformados.

Mas não tenha medo: a Índiatem tudo para ser a viagem dasua vida.

Arquitetura: quatro mil anos de história

Emoção garantida notrânsito das cidades

Os indianos são os melhoresmotoristas do mundo. Caso vocêvá à Índia, nem ouse tentar dirigirum carro. Isto é coisa para profis-sionais — a não ser que você sejaum especialista em desviar de va-cas, dromedários, elefantes, ca-bras, porcos, cães, bicicletas, ca-minhões, motos e riquixás moto-rizados. E, é claro, de gente. Demuita, muita gente. Semáforos eplacas de trânsito até existem,mas eles não fazem diferença. Aforma mais eficaz de comunica-ção entre veículos, pessoas e ani-mais se faz por meio de buzina. Eo que é mais impressionante: dácerto. Desde que, é claro, os cincosentidos estejam aguçados. No ge-

ral, todos se entendem, ninguémse machuca. É a tal da “anarquiafuncional”.

Você gosta de fortes emoções?Pois suba num phat-phat, um da-queles riquixás motorizados simi-lares aos audazes tuk-tuks da Tai-lândia, e prepare-se para ver-semetido em frenéticos zigueza-gues, mergulhado numa saraiva-da de buzinas e tomado por umaestranha sensação de que, final-mente, você vai acabar usandoaquele seu seguro de viagem. Te-nha a certeza, porém, de que estaé a maneira mais prática, rápida ebarata de se ir de um lugar a ou-tro numa cidade indiana. E garan-tia certa de aventura.

OPINIÃO

Gustavo Voeroes Dénes*

Sugestões para facilitaras relações pessoais

Para fazer negócios com em-presários indianos, é preciso serprudente em variados aspectos.A seguir, destaco particularida-des que podem fazer toda a dife-rença para aqueles que buscamparcerias na Índia.1) Língua e comunicação

O inglês, juntamente com ou-tras 21 línguas, é oficial na Ín-dia. Porém, nem todos os india-nos o falam — e aqueles que sa-bem nem sempre o fazem bem,além de serem vastas as diferen-ças de pronúncia e vocabulário.Mesmo assim, o inglês britânicoprovavelmente é o melhor corres-pondente. Aprender algumas pa-lavras de outra língua indianapode garantir simpatia junto aosinterlocutores. E atenção para alinguagem corporal: ao invés deum movimento para cima e pa-ra baixo como forma de dizer“sim”, por exemplo, movimenta-se a cabeça de modo ao narizperfazer um oito.2) Nomes

É difícil lidar com nomes in-dianos, já que são bastante dife-rentes e variam conforme a lín-gua, a região e a religião dapessoa, além de confundir quan-to ao gênero. Podem, adicional-mente, ser apresentados em or-dem inversa, com sobrenome an-teposto ao nome próprio. Quandografados no alfabeto latino, as re-gras do inglês são um bom guiade pronúncia, mas isso não é ge-ral. Aproveite-se dos tratamentospara certificar-se do gênero donome. Além dos tipicamente oci-dentais, usados como no inglês,existem os honoríficos: Shri parahomens e Shrimati para senhorascasadas; -ji, ao final do nomepróprio, por respeito; sahib parahomens ou memsahib para mu-lheres, pospostos ao sobrenome deveneráveis pessoas da comunida-de. Também convém sempre per-guntar as formas escrita e faladacorretas, bem como o tratamentodesejado. E é uma boa ideiamanter um registro por escrito,para evitar confusões e auxiliarna memorização.3) Diversidade

A Índia possui muitas línguas,religiões e regionalismos. Os india-nos não só toleram essa diversida-de, mas muito se orgulham dela,a ponto de celebrá-la. As leis, in-clusive, propiciam essa postura;por exemplo, manifestações religio-sas em local de trabalho são per-feitamente aceitáveis. Assim, sejareceptivo às diferentes noções epráticas de indumentária, cosméti-ca, etiqueta, higiene e conduta emgeral. Ao organizar ou oferecer al-guma refeição de negócios, é bom

perguntar sobre alguma restrição ali-mentar. Também é importante ter fle-xibilidade em relação ao calendário,não correspondente ao ocidental, e si-nais auspiciosos, levados sempre mui-to a sério.4) Convenções

Algumas convenções são diferen-tes na Índia. Dirige-se do lado direi-to. Lakhs e Crores equivalem, res-pectivamente a 100 mil e 10 mi-lhões, também denotados por1,00,000 e 1,00,00,000. Balançosempresariais indianos ocasional-mente apresentam o passivo e ativoem posições invertidas. Filas nãosão tão respeitadas, nem tão impor-tantes, pois atendentes e vendedoresmuitas vezes estão acostumados afazer atendimentos simultâneos. Ne-nhuma dessas diferenças chega arepresentar um problema, uma vezque se esteja conscientizado e prepa-rado para lidar com elas.5) Acordos

Acordos verbais, sem correspon-dentes escritos detalhados, não im-plicam em comprometimento. Horá-rios e prazos assim estabelecidossão frequentemente atrasados ouadiantados, o que não deve ser in-terpretado como descaso; pelo con-trário, muitas vezes envolvem a oti-mização de algumas variáveis asso-ciadas, mas não previamenteabordadas. Para os acordos comer-ciais em geral, é mais decisiva aconstrução da confiança entre aspartes do que contratos longos esem lacunas. Respeitando-se isso,um contrato simples tenderá a bas-tar para o sucesso do acordo e ocomprometimento das partes.6) Castas e hierarquia

Embora o sistema de castas te-nha pouca e cada vez menor in-fluência sobre ambientes profissio-nais, os indianos não deixam de sermuito sensíveis à hierarquia. Sãoavessos ao questionamento e, fre-quentemente, idade e cargo pesammais do que mérito. Sabendo disso,deve-se tomar cuidado para que di-retivas e acordos internos sejambem comunicados, a fim de evitarabusos a partir de flexibilizações evariações de interpretação.7) Positividade

Indianos evitam dar respostas ounotícias negativas, mesmo que issosignifique transmitir informações erra-das ou incompletas, comportamentoque se explica de várias maneiras.Conforme a etiqueta indiana, esta éuma maneira de ser aprazível. Poroutro lado, pode ser uma maneira demanter-se fiel a um superior na pre-sença de terceiros ou de preservar adignidade de interlocutores persisten-tes. Incentive sempre, portanto, a fran-queza e o realismo na comunicação.

* Consultor do The Jai Group.