o desaparecimento da tia vera

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O desaparecimento da tia Vera Curitiba, 20 de Outubro de 2006 Caro Pedro, Tô mandando essa carta pra avisar que já faz uns dias que a tia Vera sumiu aqui da empresa. Antes que você comece a soltar raios e trovões, quero avisar que com certeza não foi por fadiga. Eu sei que com o passar do ano as pessoas vão se cansando, mas não fazia nem um mês que ela tinha voltado das férias. Falei com o primo Tonho, que tá agora nos Estados Unidos, onde a tia tava passeando antes. O primo, sempre cheio das alternativas, me contou umas histórias que estava ouvindo sobre o tempo que a tia passou lá. Disse que ela tava esquentada, meio máscula e que até chegou a usar um outro nome. Mas saber do paradeiro dela que é bom, nada. De certa forma é até normal, já que os dois não se dão muito bem. Parece que os dois vivem em hemisférios opostos... O primo Verne, por outro lado, tá adorando a experiência de substituir a tia. Faça chuva ou faça sol, chamou, ele tá dentro. Foi difícil falar com ele no pólo norte, principalmente porque ele fica o tempo todo mergulhando, mas assim que eu expliquei a situação, no outro dia ele já tava aqui. Algumas pessoas dizem que o primo é meio chato, especialmente quando visita Curitiba, o que não é raro. Pra mim, ele não parece nem mais legal nem mais pentelho que qualquer outra pessoa. Na verdade, até gosto quando ele conta das viagens que fez com o tio pra Islândia... A verdade é que estou com medo. Tão cada vez mais comuns esses desaparecimentos de membros da família. A empresa também tá sofrendo muito com esse troca-troca. Mesmo entre parentes, ninguém consegue imitar exatamente o papel do outro. O governo não ajuda em nada: se dependesse deles a empresa estaria falida e a tia sabe-se lá onde. Até você andava meio sumido, resolveu dar as caras só faz pouco tempo. Precisamos contornar esses problemas. Apareça o quanto antes pra gente conversar. Atenciosamente, Onsen Sapsames.

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Crônicas escolhidas

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Page 1: O Desaparecimento da Tia Vera

O desaparecimento da tia Vera

Curitiba, 20 de Outubro de 2006

Caro Pedro,

Tô mandando essa carta pra avisar que já faz uns dias que a tia Vera sumiu

aqui da empresa. Antes que você comece a soltar raios e trovões, quero avisar que

com certeza não foi por fadiga. Eu sei que com o passar do ano as pessoas vão se

cansando, mas não fazia nem um mês que ela tinha voltado das férias.

Falei com o primo Tonho, que tá agora nos Estados Unidos, onde a tia tava

passeando antes. O primo, sempre cheio das alternativas, me contou umas histórias

que estava ouvindo sobre o tempo que a tia passou lá. Disse que ela tava esquentada,

meio máscula e que até chegou a usar um outro nome. Mas saber do paradeiro dela

que é bom, nada. De certa forma é até normal, já que os dois não se dão muito bem.

Parece que os dois vivem em hemisférios opostos...

O primo Verne, por outro lado, tá adorando a experiência de substituir a tia.

Faça chuva ou faça sol, chamou, ele tá dentro. Foi difícil falar com ele no pólo norte,

principalmente porque ele fica o tempo todo mergulhando, mas assim que eu expliquei

a situação, no outro dia ele já tava aqui.

Algumas pessoas dizem que o primo é meio chato, especialmente quando

visita Curitiba, o que não é raro. Pra mim, ele não parece nem mais legal nem mais

pentelho que qualquer outra pessoa. Na verdade, até gosto quando ele conta das

viagens que fez com o tio pra Islândia...

A verdade é que estou com medo. Tão cada vez mais comuns esses

desaparecimentos de membros da família. A empresa também tá sofrendo muito com

esse troca-troca. Mesmo entre parentes, ninguém consegue imitar exatamente o papel

do outro. O governo não ajuda em nada: se dependesse deles a empresa estaria

falida e a tia sabe-se lá onde. Até você andava meio sumido, resolveu dar as caras só

faz pouco tempo. Precisamos contornar esses problemas. Apareça o quanto antes pra

gente conversar.

Atenciosamente,

Onsen Sapsames.