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UNIVERSIDADE TIRADENTES LAÍS MACIEL OLIVEIRA O DELINQUENTE PSICOPATA FRENTE A REALIDADE ATUAL BRASILEIRA: ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS Aracaju 2010

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UNIVERSIDADE TIRADENTES

LAÍS MACIEL OLIVEIRA

O DELINQUENTE PSICOPATA FRENTE A REALIDADE ATUAL BRASILEIRA: ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E

JURISPRUDENCIAIS

Aracaju

2010

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LAÍS MACIEL OLIVEIRA

O DELINQUENTE PSICOPATA FRENTE A REALIDADE ATUAL BRASILEIRA: ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E

JURISPRUDENCIAIS

Monografia apresentada à Universidade Tiradentes como um dos pré-requisitos para obtenção do grau de bacharel em direito.

PRISCILA FORMIGHERI FELDENS

Aracaju 2010

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LAÍS MACIEL OLIVEIRA

O DELINQUENTE PSICOPATA FRENTE A REALIDADE ATUAL BRASILEIRA: ASPECTOS DOUTRINÁRIOS E JURISPRUDENCIAIS

Monografia apresentada ao curso de Direito da Universidade Tiradentes - UNIT, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em direito.

Aprovada em ____/____/____.

Banca Examinadora

_______________________________________

Priscila Formigheri Feldens Universidade Tiradentes - UNIT

_______________________________________ Nome do Professor (a)

Universidade Tiradentes - UNIT

_______________________________________ Nome do Professor (a)

Universidade Tiradentes - UNIT

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Aos meus pais, Gualberto Oliveira Santos e

Maria Auxiliadora Maciel Oliveira por me

guiarem pelos melhores caminhos e aos

meus queridos irmãos, Guilherme Maciel

Oliveira e Gustavo Maciel Oliveira.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, ao qual dedico minha divina fé, sem Ele

nada seria possível em minha vida. É o maior responsável por afastar qualquer

tristeza e insegurança que possa me enfraquecer, enchendo-me de esperança e

amor no coração. Continuará sendo a minha maior fonte de luz, capaz de me tornar

um ser humano cada vez mais justo.

Aos meus pais, Gualberto e Lia, que com todo o amor e dedicação a mim,

nunca mediram esforços e me apoiaram em cada etapa da minha vida. Estiveram

sempre ao meu lado, com toda paciência necessária. São o meu porto seguro que

amo com todo o meu coração.

Aos meus irmãos, Guilherme e Gustavo, que também me ajudaram

sempre que precisei e que estiveram ao meu lado todos os dias, me lembrando o

quanto é importante e necessário o apoio da família em todos os momentos de

nossas vidas.

A toda a minha família, avós, tias, tios, primos e primas. Em especial às

minhas primas, que são também minhas irmãs e amigas, Camila, Débora e Nayana,

as quais são as melhores que eu poderia desejar. Minha vida é repleta de felicidade

porque tenho todos sempre ao meu lado. Cada um, a sua maneira, com suas

qualidades e seus defeitos, me ensina e me fortalece.

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A todos os meus amigos. Àqueles que desde a época do colégio

estiveram comigo, Rebecca, Lorena, Giselle, Luiza, Fabiana, Alice, Juliana, Tiê,

Felipe, Pedro, Paulo, Rodrigo e Aloísio; àqueles com os quais convivi e pude

compartilhar tantos anos de aprendizado, durante o período da universidade,

Douglas, Bárbara, Thamirys, Viviane, Waneska, Patrícia, Danielle, Lara, Tânia,

Luísa, Adriana e Gustavo.

Aos meus amigos Maírla, Michelle, Priscilla e Will, companheiros e futuros

psicólogos, ao lado dos quais alcancei um dos maiores sonhos que já sonhei. Aos

meus queridos amigos Herbert e Mark, os melhores que alguém poderia ter. À

minha irmã Stephanie, amiga de infância, minha maior saudade de todos os dias.

À professora Priscila Formigheri Feldens pela contribuição direta na

construção deste trabalho, por toda paciência na orientação e incentivo, tornando

possível a conclusão do mesmo.

A todos os professores da UNIT por seus ensinamentos, responsáveis

pelo amadurecimento dos meus conhecimentos e que me levaram a execução e

conclusão desta monografia; todos muito importantes, a sua maneira, durante toda a

minha jornada acadêmica.

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“Não somos apenas o que pensamos ser. Somos mais;

somos também, o que lembramos e aquilo de que nos

esquecemos; somos as palavras que trocamos, os

enganos que cometemos, os impulsos a que cedemos,

"sem querer".

Sigmund Freud

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RESUMO

O trabalho em tela visa apresentar um estudo psicopatológico e jurídico acerca dos

delinqüentes acometidos pela psicopatia. Tem por objetivo demonstrar que o

encarcerado psicopata, não apresentando condições de sociabilidade, constitui

perigo e corrompe a personalidade do encarcerado não portador de psicopatia,

dentro das penitenciarias e interfere na reabilitação do mesmo. Nesse contexto, o

presente trabalho versará sobre as principais teorias que envolvem a etiologia do

distúrbio psicológico da personalidade psicopática e suas características. Analisará a

natureza da inimputabilidade e semi-imputabilidade do delinqüente psicopata sob a

ótica do ordenamento jurídico brasileiro, demonstrando inclusive as possíveis

sanções penais, e seus respectivos fundamentos, que poderão ser adotadas em

casos de crimes cometidos pelos mesmos. Ademais, este trabalho identificará a

importância do estudo criminológico da pessoa do delinqüente, principalmente de

sua personalidade, e o papel que o exame criminológico desenvolve durante a sua

inserção no sistema criminal. Por fim, serão apontas algumas soluções para o

problema em questão, frisando-se a necessidade de uma política específica para

estes delinqüentes.

PALAVRAS-CHAVE: Delinqüente, personalidade, psicopata.

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ABSTRACT

The screen work aims to present a study about the legal and psychopathic offenders

affected by psychopathy. Aims to demonstrate that the jailed psychopath doesn‟t

have conditions of sociability that‟s why is dangerous and corrupting the personality

who isn‟t the wearer of psychopathy that is incarcerated in prisons and interferes in

their rehabilitation. In this context, this work will examine the major theories regarding

the etiology of psychological disorder and psychopathic personality characteristics.

Examine the nature of the psychopath delinqüent‟s incapacity and limited

accountability, from the perspective of Brazilian law, including demonstrating the

possible criminal penalties, and their respective foundations, which may be adopted

in cases of crimes committed by them. Moreover, this study identifies the importance

of criminological study of the delinquent person, especially of his personality, and the

role that criminological examination develops during its insertion into the criminal

system. Finally, there will be present some solutions to the problem at hand,

stressing the need for a specific policy for those criminals.

KEYWORDS: Offenders, personality, psychopath.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................12

2 ABORDAGEM SOBRE A PSICOPATIA................................................................15

2.1 Distúrbios Psicológicos.....................................................................................15

2.1.1 Evolução Histórica dos Distúrbios Psicológicos.......................................16

2.1.2 Conceito de Distúrbio Psicológico............................................................17

2.1.3 Distúrbio Psicológico da Personalidade...................................................21

2.2 Distúrbios Psicológicos da Personalidade Psicopática.....................................23

2.2.1 Evolução Histórica do Conceito de Psicopatia.........................................24

2.2.2 Etiologia do Distúrbio Psicológico da Personalidade Psicopática............26

2.2.3 Características da Psicopatia...................................................................32

3 IMPLICAÇÕES JURÍDICAS AO PSICOPATA.......................................................38

3.1 Inimputabilidade e Semi-imputabilidade do Psicopata .....................................38

3.1.1 Imputabilidade e Responsabilidade Penal...............................................39

3.1.2 Inimputabilidade e Semi-mutabilidade.....................................................41

3.2 O Psicopata como causa de Inimputabilidade e Semi-imputabilidade na

Jurisprudência............................................................................................................47

3.3 Sanções Penais aplicáveis aos Psicopatas......................................................49

3.3.1 Pena Privativa de Liberdade....................................................................50

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3.3.2 Medida de Segurança..............................................................................55

3.3.3 Castração Química...................................................................................60

3.4 Casos Concretos de Psicopatas no Brasil........................................................61

4 O PSICOPATA E O DELINQUENTE COMUM.......................................................64

4.1 O Delinqüente como Objeto de Estudo da Criminologia...................................64

4.1.1 Evolução Histórica....................................................................................65

4.1.2 O Comportamento Delitivo do Delinqüente..............................................68

4.2 A Importância do Exame Criminológico............................................................70

4.2.1 O Estudo da Personalidade do Delinqüente............................................71

4.2.2 Principais Aspectos do Exame Criminológico..........................................75

4.3 Convívio entre Encarcerados Psicopatas e Encarcerados Comuns.................82

4.3.1 Comportamento dos Psicopatas dentro dos Presídios............................83

4.3.2 O Ideário do Projeto de Lei referente aos Psicopatas..............................87

5 CONCLUSÃO.........................................................................................................91

REFERÊNCIAS..........................................................................................................96

ANEXO.....................................................................................................................104

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1 INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira é consciente de que alguns indivíduos portadores

de personalidades desajustadas, precisamente anti-sociais, denominados

psicopatas, apresentam traços criminais acentuados. A personalidade destas

pessoas, a sua maneira de ser e comportar-se no convívio social não respondem à

normalidade da natureza humana e por isso, os mesmos são capazes de provocar o

mal, praticar crimes da maior crueldade e frieza possíveis por simples vontade e

prazer.

É relevante, dessa maneira, que a sociedade brasileira atente-se para a

questão de que estes indivíduos não são prejudiciais apenas no âmbito do convívio

social, mas também inseridos no sistema criminal, dada a complexidade de sua

anomalia psicológica. Dentro das penitenciárias os indivíduos portadores de

personalidade psicopática podem proliferar sua natureza agressiva, insensível,

influenciando mentes passíveis de recuperação e reinserção à sociedade. Ademais,

casos notáveis nos últimos anos, de rebeliões podem estar relacionados com a

presença destes indivíduos no sistema prisional.

Nesse sentido é que reside a problemática do presente trabalho,

atribuindo-lhe cunho social e jurídico. O tema proposto foi escolhido por seu caráter

de urgência tendo em vista as conseqüências que a problemática gera, tanto à

sociedade brasileira, como à pessoa do delinqüente sendo ele psicopata ou não. A

metodologia utilizada teve como método de abordagem inicial o método dedutivo e

como métodos auxiliares o método histórico e observacional.

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A fonte primordial de pesquisa utilizada foi a bibliográfica, sendo feita também

análise de jurisprudências e de textos legais. A pesquisa contou ainda com o auxílio

da advogada, especialista em ciências criminais e mestre em Direitos Fundamentais,

Priscila Formigheri Feldens; do diretor do hospital de custódia do estado de Sergipe,

Thiago Rodrigues. Estes tiveram papel fundamental dirimindo as dúvidas existentes

ao longo do trabalho.

Em seu primeiro tópico é traçado a evolução histórica, conceito e

classificação dos Distúrbios Psicológicos, frisando o enquadramento dos psicopatas

na categoria de Transtorno psicológico da personalidade e não na categoria de

doença mental. Estabelecem-se as denominações populares para a psicopatia,

enfatizando o conceito de personalidade anti-social, uma vez que todo psicopata

possui a personalidade anti-social, mas nem todo portador de personalidade anti-

social é um psicopata. Por conseguinte, apresenta a etiologia responsável pelo

desenvolvimento do distúrbio psicológico da personalidade psicopática e as

características que traçam o perfil dos portadores desta anomalia.

No segundo tópico são estabelecidos os aspectos jurídicos que envolvem

o criminoso psicopata a partir do Código Penal, Processual Penal e da Lei de

Execuções Penais. Analisa-se, desta forma, a inimputabilidade e semi-

imputabilidade que estão principalmente relacionadas a parcial capacidade de

entendimento e determinação ou a ausência desta, que os psicopatas possuem e

também a agravante da sua periculosidade; e conseqüentemente analisa-se a forma

de punição, seja ela pena privativa de liberdade ou a medida de segurança,

apresentando seus respectivos fundamentos. Isto posto, apresenta alguns dos

casos de psicopatas que marcaram a história criminal do país.

Dando seguimento, o tópico posterior trata da pessoa do delinqüente e

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sua relação com a criminologia ao longo do tempo, fazendo referência ao estudo da

sua personalidade. Refere-se à importância do exame criminológico como

instrumento capaz de impedir que psicopatas possam viver em sociedade com

encarcerados comuns, projetando prejuízos a reabilitação destes. Enfim, traça

soluções e medidas que poderão evitar todas as conseqüências previstas.

Às considerações finais, foram reservadas as conclusões de todo o

estudo do tema apresentado, reafirmando a necessidade de que a sociedade fique a

par de toda a problemática que envolve o psicopata e a sua inserção no sistema

prisional; e afirmando ainda, a necessidade de uma política voltada para o

psicopata.

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2 ABORDAGEM SOBRE A PSICOPATIA

2.1 Distúrbios Psicológicos

A Psicopatia apresenta-se como um distúrbio psicológico inerente a

personalidade do indivíduo que provoca alterações em seu comportamento. É uma

anormalidade que na lição de Farias Júnior (2006, p. 290) constitui-se pelo desvio

dos padrões de comportamento socialmente aceitáveis.

Os psicopatas são portadores, portanto, de “personalidades

desarmonicamente estruturadas” (FONSECA, 1997, p. 201). Essa personalidade,

que é dinâmica, de uma forma geral, poderá ser então alterada de acordo com

funções biopsicológicas e a interação social do portador de personalidade

psicopática.

Diversos estudiosos tentaram explicar por muitos anos, primordialmente,

a natureza constitutiva dos distúrbios psicológicos. Através das perspectivas

biológica, psicológica e biopsicológica, a evolução dos conceitos enquadrou-os no

âmbito das perturbações da saúde mental e não no âmbito das doenças mentais.

Tal aspecto representa bastante relevância juridicamente quando se refere aos

delinqüentes portadores de psicopatia.

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2.1.1 Evolução Histórica dos Distúrbios Psicológicos

Na antiguidade e na idade média, os gregos e romanos presumiam que

forças estranhas, como os movimentos das estrelas ou espíritos do mal estavam

relacionadas à doença mental. Segundo Piedade Júnior (1982, p. 104), a mesma era

considerada conseqüência do pecado e do abuso de uma vida de liberdade

excessiva; sua cura podia ser se livrar da força maligna ou exorcizar os demônios.

Ás vezes, essas pessoas consideradas “loucas” eram apreendidas em jaulas como

animais ou recebiam “terapias” apropriadas para um demônio (MYERS, 1999, p.

319).

Reformadores como Philippe Pinel, Esquirol, Legrand Du Saule, na lição

de Piedade Júnior (1982, p. 106), estudando cientificamente a anormalidade

psíquica, demonstraram que a alienação mental equivale a uma doença orgânica

como qualquer outra. Esses reformadores defendiam que a loucura não era uma

possessão demoníaca, mas uma doença em resposta a intensas pressões e

condições inumana. Para Myers (1999, p. 320) os mesmos defendiam ainda, que o

tratamento deveria ser feito elevando o moral dos pacientes ao desacorrentá-los,

substituir a brutalidade pela gentileza e o isolamento pela atividade.

Surgiram, portanto, com esses reformadores a suposição de um modelo

médico, no qual, os distúrbios psicológicos seriam doenças. Dessa forma, salienta

ainda Myers, uma doença mental, também chamada de psicopatologia, precisava

ser diagnosticada com base nos sintomas e curada por meio de terapia, podendo

incluir tratamento em hospital psiquiátrico. Este tratamento, entretanto, não poderia

curar os distúrbios psicológicos da mesma forma que os médicos podiam curar uma

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doença qualquer como sarampo ou pneumonia.

Havia também a suposição de um modelo social, segundo o qual a

influência social, e não a médica, explicaria os transtornos psicológicos. Mas a

chamada perspectiva biopsicossocial foi a que melhor estabeleceu suas idéias,

englobando tanto as influências sociais como as médicas. Todo comportamento,

seja ele normal ou perturbado, deriva da interação da natureza, tanto com fatores

genéticos, fisiológicos e de criação, como com as experiências passadas e

presentes dos indivíduos. (MYERS, 1999, p. 320)

Os distúrbios psicológicos, portanto, são influenciados por predisposições

genéticas e estados fisiológicos, pela dinâmica psicológica interior e circunstâncias

sociais e culturais.

2.1.2 Conceito de Distúrbios Psicológicos

Na lição de Glassman e Hadad (2008, p. 403), a maioria das tentativas

de descrever a anormalidade baseia-se no conceito de Desvio das normas sociais,

de Inadaptação do comportamento e de Desvio de normas estatísticas. O Desvio

das normas sociais refere-se às transgressões aos padrões ou normas de

comportamento aceitáveis que toda sociedade possui. Um problema, no entanto, é

que alguns comportamentos considerados normais em uma sociedade podem ser

considerados anormais em outra sociedade. Além disso, o conceito de anormalidade

muda ao longo do tempo em uma mesma sociedade.

Já a Inadaptação do comportamento, entendem ainda Glassman e Hadad,

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se refere ao modo como o comportamento afeta o indivíduo e o grupo social. São

exemplos disto algumas formas de comportamento desviantes e sofrimento pessoal.

E por fim, o Desvio de normas estatísticas, sobre o qual é necessária a seguinte

análise:

A raridade estatística, assim como a não convencionalidade cria dificuldade enquanto o critério para os transtornos mentais. É verdade que muitos transtornos são relativamente raros, como implicaria o critério estatístico. Mas alguns são bastante comuns (como as fobias e a depressão), e há muitas formas raras de comportamento que não consideraríamos indicativas de transtornos mental – por exemplo, o gênio musical. Por isso, nenhum desses padrões é comumente usado hoje pelos psicólogos como parte da definição de comportamento anormal. (GLASSMAN; HADAD, 2008, p. 403).

Observa-se, entretanto, que os critérios utilizados para definir um

distúrbio podem ser considerados vagos e por isso, é preferível evitar termos como

“anormal”, que implicam diretrizes absolutas. Nessa linha, assinala o CID-10,

Classificação Internacional das Doenças, em sua décima revisão (1993, p. 5), que o

termo “transtorno” evita problemas porque não é um termo exato e indica a

existência de um conjunto de sintomas e comportamentos clinicamente reconhecível

associado, na maioria dos casos, ao sofrimento e funções pessoais.

Paulo Dalgalarrondo, por sua vez, afirma em linhas gerais:

Pode-se concluir que os critérios de normalidade e de doença em psicopatologia variam consideravelmente em função dos fenômenos específicos com os quais se trabalha e, também, de acordo com as opções filosóficas do profissional. Além disso, pode-se utilizar a associação de vários critérios de normalidade ou doença, de acordo com o objetivo que se tem em mente. De toda forma, essa é uma área da psicopatologia que exige postura permanentemente critica e reflexiva dos profissionais. (DALGALARRONDO, 2008, p. 34)

Os agentes de saúde mental rotulam um comportamento de

psicologicamente perturbado quando o julga atípico, conturbado, desajustado e

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injustificável. “Os comportamentos atípicos e desconcertantes têm mais

probabilidade de ser considerados distúrbios quando julgados como perniciosos.”

(MYERS, 1999, p. 319). É o entendimento desse autor que, para a identificação do

comportamento perturbado, clínicos utilizam critérios práticos observando a

deficiência no funcionamento cognitivo, no comportamento social, no autocontrole e

no sofrimento do paciente.

Dessa forma, a capacidade intelectual, como raciocinar, perceber, atentar,

comunicar são severamente afetadas. A conduta social também se desvia muito dos

padrões aceitáveis e extremos, controle rígido ou mínimo, por exemplo, serão

considerados desajustados. Além disso, sentimentos negativos como ansiedade,

raiva e tristeza não são lidadas adequadamente pelas pessoas que sofrem com

freqüência incomum, intensa ou persistentemente.

A definição de distúrbios psicológicos não inclui, no entanto, como dispõe

Myers (1999, p. 321), o termo “insanidade”, isso porque “são” e “insano” são termos

legais e não psicológicos. “Limitava a defesa por insanidade aos casos em que se

julgava que as pessoas não sabiam o que faziam ou não sabiam que a coisa era

errada.” (MYERS, 2006, p. 321).

Para os profissionais da área de saúde mental, a utilização da

denominação “insano”, ainda na lição de Myers, é utilizada para fins legais, pois as

leis criminais supõem que as pessoas atuem como agentes livres e que infratores

pratiquem intencionalmente o que é errado do ponto de vista moral. Mas, às vezes,

entretanto, parecem ser mentalmente deficientes ou incapazes de distinguir o certo e

o errado no momento em que cometeram um crime. Dessa forma, não teriam livre-

arbítrio, o qual poderia responsabilizá-los por seu comportamento.

No Canadá e em três estados americanos, a alegação de insanidade

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sobrevive restritamente, há a transferência do ônus de provar a insanidade para a

defesa, Alguns Estados instituíram o veredicto “culpado, mas mentalmente doente”

afirma Myers (1999, p. 321). A cerca do surgimento da alegação de insanidade

como defesa judicial, apresentada na Inglaterra, pode-se analisar o que se segue:

Os britânicos criaram a alegação de insanidade em 1843, depois que um escocês dominado por ilusões, tentou matar a tiros o primeiro-ministro, que ele pensava que o estava perseguindo. O escocês errou e acabou matando o secretário do primeiro ministro. Houve um clamor quando ele foi absolvido como insano e enviado para um hospital psiquiátrico, em vez de prisão. (MYERS, 1999, p. 321)

No tocante à classificação dos distúrbios psicológicos conforme o DSM-

IV-TR, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Desordens, Manual diagnóstico e

estatístico dos transtornos mentais, em sua quarta edição, há 230 distúrbios

diferentes (MYERS, 1999, p. 322). Os transtornos patológicos podem ser

Transtornos pelo uso de substâncias psicoativas, Esquizofrenia, Transtornos do

humor, Transtornos sexuais, Transtornos do sono, Transtornos de controle de

impulsos e Transtornos da personalidade.

Este sistema de classificação utiliza dois critérios importantes:

Em vez disso, O DSM-IV-TR usa dois critérios fundamentais para determinar se o comportamento de uma pessoa justifica ser descrito como um transtorno mental: o sofrimento e a má adaptação. O sofrimento implica que o comportamento causa a angustia ou ansiedade do individuo; a má adaptação implica que o funcionamento da pessoa na vida diária é significativamente prejudicado. (GLASSMAN; HADAD, 2008, p. 404)

É importante a classificação dos distúrbios de personalidade, salienta

Myers, para facilitar o seu tratamento e a sua pesquisa. “Em psiquiatria e psicologia,

a classificação diagnóstica visa idealmente a descrever um distúrbio, a prever o seu

curso futuro, a seguir o tratamento apropriado e a estimular a pesquisa de suas

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causas.” (MYERS, 1999, p. 320).

2.1.3 Distúrbio Psicológico da Personalidade

A Estrutura da personalidade na abordagem psicanalítica desenvolvida

por Freud constitui-se em três partes. Como ensina Alcott kaplan e Sadock (2007, p.

477), o Id consiste nos impulsos biológicos básicos e é a parte mais primitiva a partir

da qual as outras duas se desenvolvem posteriormente. Ele procura a satisfação

imediata dos impulsos, operando a partir do principio do prazer.

O Ego é outra parte, que obedece ao principio da realidade, ou seja, a

gratificação dos impulsos deve ser adiada até que a situação seja apropriada,

lecionam ainda Alcott kaplan e Sadock. Então será o mesmo responsável por decidir

quais impulsos do Id serão satisfeitos e de que maneira, além de mediar as

demandas do próprio Id, as realidade do mundo e as demandas do superego.

Já o Superego é a parte da estrutura da personalidade que consiste na

representação internalizada dos valores e costumes da sociedade. Se os padrões

parentais são excessivamente rígidos, o individuo poderá ficar sobrecarregado de

culpa e inibir todos os impulsos agressivos ou sexuais. Em contraste, se não

incorpora quaisquer padrões de comportamento social aceitável, sentirá poucas

restrições a seu comportamento e poderá desviar-se a um comportamento de auto-

satisfação excessivo ou criminoso, diz-se nesta situação que a pessoa tem um

superego fraco. (ALCOTT KAPLAN; SADOCK, 2007, p. 477)

O primeiro autor a dar uma linha diretiva sobre personalidade (ALLPORT,

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1937 apud PIEDADE JÚNIOR, 1982, p. 108) diz que “A personalidade é a

organização dinâmica dos sistemas psicofísicos do indivíduo que determinam a sua

particular adaptação ao meio ambiente”. Outra conceituação de personalidade é que

constitui “Padrões distintivos e característicos de pensamento, emoção e

comportamento que definem o estilo pessoal de interação da pessoa com os

ambientes físicos e sociais” (ATKINSON et al., 2002, p. 475)

A personalidade em seu desenvolvimento poderá, entretanto, sofrer

perturbações, alterações, casos de desdobramento de personalidade, idéias

delirantes de negação, transtornos da percepção, transtornos da relação do

individuo com o mundo exterior. Aduz a esse entendimento Mira y Lopez como

passa a expor a seguir.

A personalidade, sínteses funcional do organismo humano, não pode em modo algum conceber como algo rígido e estático, incapaz de revolucionar no tempo; bem antes, o individuo muda com sua idade, e do próprio modo como as pegadas deste cambio se traduzem em modificações corporais morfológicas, dão lugar também a alterações do aspecto da sua personalidade. (MIRA y LOPÉZ, 2007, p. 57)

As alterações na personalidade caracterizam-se como comportamentos

inflexíveis e duradouros ou conjuntos de traços arraigados e inadaptados que

prejudicam a capacidade de funcionamento social da pessoa. Constituem também

modos imaturos e inadequados de enfrentar o estresse ou resolver problemas. Alcott

Kaplan e Sadock (2007, p. 853) proclamam que, o DSM-IV-TR define os transtornos

da personalidade como experiências subjetivas e persistentes que se desviam dos

padrões culturais com inicio na adolescência ou na vida adulta inicial.

Para a identificação dos distúrbios de personalidade clínicos utilizam

critérios práticos observando a deficiência no funcionamento cognitivo, no

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comportamento social, no autocontrole e no sofrimento do paciente. Os sintomas, de

acordo com o CID-10 (1993, p. 197), são na maioria das vezes reconhecidos desde

o início do desenvolvimento da criança ou do adolescente, mas perpetua-se pela

fase adulta, onde a periculosidade é ainda maior.

O CID-10 (1993, p. 194) define em seu item “F60” a classificação para os

Transtornos da personalidade. Cada uma das condições neste grupo pode ser

classificada de acordo com suas manifestações comportamentais predominante,

podendo ser do tipo paranóide, esquizóide, anti-social, emocionalmente instável -

que inclui a personalidade impulsiva e boderlaine - histriônica, anacástica, ansiosa e

dependente.

Os transtornos de personalidade são agrupados em três classes no DSM-IV-TR. O grupo A cobre os transtornos de personalidade paranóide, esquizóide e esquizotípica; os indivíduos com tais condições costumam ser percebidos como estranhos e excêntricos. O grupo B é formado pelos transtornos da personalidade anti-social, borderline, histriônica e narcisista; os indivíduos incluídos nessa categoria parecem dramáticos, emocionais e erráticos. O grupo C inclui os transtornos da personalidade esquiva, dependente e obsessivo-compulsiva e uma categoria denominada transtorno da personalidade sem outra especificação (como o da personalidade passivo-agressiva e da personalidade depressiva); nesses casos, os pacientes parecem ansiosos e medrosos. (ALCOTT KAPLAN e SADOCK, 2007, p. 853)

2.2 Distúrbios Psicológicos Da Personalidade Anti-social ou Psicopatia

Genericamente define-se psicopatia ou personalidade psicopática como

“situação psicológica de desarmonia constitucional, por imaturação ou deterioração

da personalidade, com tendência para a impulsividade, ou ainda para um

comportamento amoral ou anti-social” (FONSECA, 1997, p. 270).

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Esse distúrbio atinge um em cada 25 brasileiros, número esse que não

diz respeito em sua totalidade a criminosos e delinqüentes perigosos. O transtorno

da personalidade psicopática gera tanto comportamentos em grau leve, como

pequenos delitos, mentiras recorrentes, como em grau grave, assassinatos, grandes

golpes financeiros. (Revista Istoé, 2009, p. 82)

No entanto, os casos que mais abalam a sociedade e costumam ser

hediondos, provam o grau de frieza e crueldade a que pode chegar um psicopata.

Compõem pois, os psicopatas, um grupo com características próprias, modificações

do caráter, do afeto; porém, como delineia França (2004, p. 423), caracterizam-se

pela inteligência normal ou acima do norma, não constituindo personalidades

doentes ou patológicas.

2.2.1 Evolução Histórica do conceito de psicopatia

Na lição de Fonseca (1997, p. 468), a escola Alemã foi a primeira a

precisar uma definição do conceito de psicopatia. Kock em 1891 a definiu como uma

das formas de anormalidade psíquica congênita ou adquirida e que não constitui

uma doença mental propriamente dita. Já Moebius definiu as psicopatias como

variantes mórbidas do normal.

No fim do século XIX, ainda segundo leciona Fonseca, o conceito de

psicopatia passou a ser entendido a partir da doutrina dos desequilíbrios ou da

degenerescência, do psiquiatra Morel. Aduz também este autor que, a escola anglo-

saxônica foi outra que contribuiu para a evolução do conceito de psicopatia, a partir

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de Prichard, que associou a psicopatia ao conceito de loucura moral.

Ademais, de acordo com o mesmo autor, Kraepelin foi o primeiro autor a

estabelecer a designação de personalidade psicopática, em 1921, a qual

correspondia a uma fase inicial de uma psicose autêntica. Já Kurt Schneider, um dos

que mais contribuíram para a evolução dos estudos sobre a psicopatia, defendia que

esta correspondia a uma personalidade anormal que sofre e faz sofrer, devendo

entender o conceito de anormal como um desvio do termo médio e não como um

desvio clínico-patológico.

Em 1805, Pinel havia descrito uma situação clinica denominada “Mania

sem delírio”, que correspondia aos quadros observados atualmente no tipo

psicopático. Ademais, autores anglo-saxónicos foram sem duvida os primeiros a

apresentar o conceito de psicopatia sob o âmbito da personalidade sociopática, anti-

social ou associal. O termo associal caracteriza indivíduos com tendência para a

transgressão das normas sociais, com as quais entram freqüentemente em conflito,

em virtude de uma educação e aprendizagem de características amorais

(FONSECA, 1997, p. 469).

O termo anti-social refere-se em regra (de acordo com o Manual de Diagnostico e Estatística da Associação Americana de Psiquiatria), a certos comportamentos delinqüentes crônicos que não se corrigem pela experiência nem pelo castigo. Destituídos de lealdade para com as pessoas e os grupos, os indivíduos com comportamento anti-social são emocionalmente imaturos e revelam uma marcada tendência para o hedonismo e para a irresponsabilidade (GREGORY, 1970 apud FONSECA, 1997, p. 469)

Uma confusão, dessa forma, norteia a abrangência do conceito de

psicopatia e suas designações: “personalidade anormal”, “personalidade

psicopática”, “desenvolvimento psicopático”, “neuroses de caráter”, “sociopátas”,

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“comportamento psicopático”.

De acordo com o CID-10 (1993, p. 200), o Transtorno de personalidade

anti-social inclui em sua classificação a personalidade amoral, dissocial, associal,

psicopática e sociopática. Deixando apenas excluídos os transtornos de conduta e o

transtorno de personalidade emocionalmente instável.

Como frisa D‟ANDREA (1990, p. 171), há duas ou três décadas a maioria

dos pacientes que hoje são classificados como personalidades anti-sociais, eram

enquadrados como personalidades psicopáticas. Há quem ainda hoje use este

termo, ou também personalidade sociopática; entretanto, segundo D‟Andrea (1990,

p. 171), o termo personalidades anti-sociais permite uma aplicação mais limitada.

Sustenta então, este autor, que de uma forma genérica, é preciso definir o

transtorno da personalidade anti-social como uma situação psicológica de

desarmonia constitucional, por imaturação ou deterioração da personalidade, com

tendência para a impulsividade, ou ainda para um comportamento amoral ou anti-

social.

2.2.2 Etiologia dos Transtornos da Personalidade Psicopatia

Na causalidade dos transtornos da personalidade anti-social são

observadas influências de fatores genéticos ou hereditários, biológicos ou

somáticos, psicológicos e socioculturais.

O professor Adrian Raine é um dos que investiga a ligação genética e o

comportamento anti-social. Segundo ele, “Mais de 100 estudos com gêmeos e irmão

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adotados provaram que 5% da variação em comportamento anti-social é genética”

(Revista Psique, 2007, p. 32). Um artigo, publicado pelo mesmo, confirma que

evidências sustentam uma provável relação entre o gene ligado à produção da

monoamina oxidase do tipo A (MAO-A) e a agressividade.

Estudo publicado em 1995 na revista Science realizou testes com ratos que mostraram que quando esse gene foi literalmente eliminado, os animais passaram a ser altamente agressivos, lutando entre si. E quando o mesmo foi restabelecido, eles retornaram aos seus padrões de comportamento normais. (Revista Psique, 2007, p. 32)

Atualmente, além desse gene, outros seis são associados ao

comportamento anti-social / agressivo em humanos e animais. Como disposto na

Revista Psique (2007, p. 32), são todos esses sete genes, influenciadores de

estruturas cerebrais e interferem no metabolismo de substancias como os hormônios

e no funcionamento de estruturas cerebrais.

No entanto, muito antes dessas recentes descobertas cientificas, em

1929, já havia publicações sobre tendências criminosas relacionadas à genética.

Refere-se Fonseca (1997, p. 473) a um valioso estudo publicado por Lange sobre as

tendências criminosas observadas em gêmeos monozigóticos, demonstrando que a

concordância dessas tendências podia ascender mais do que em dizigóticos.

Segundo o professor Gauer, a ocorrência do transtorno de personalidade anti-social (TPAS) “é mais comum em familiares de pessoas com TPAS e os filhos tem 16% de chance de apresentar este transtorno. A concordância entre gêmeos monozigóticos (com a mesma carga genética) é de 67% e dos dizigóticos 31%”. (Revista Psique, 2007, p. 33)

Quanto aos fatores biológicos ou somáticos, estudos recentes

identificaram nos assassinos uma redução da função do corpo caloso, formado por

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fibras nervosas brancas que permite a comunicação dos hemisférios cerebrais.

Esses estudos, apresentados pela Revista Psique (2007, p. 33), identificaram

também que em regiões como subcorticais, incluindo a amígdala, hipocampo e

tálamo, há uma tendência a diminuição da atividade quando pertencentes ao

hemisfério esquerdo e maior quando pertencentes ao hemisfério direito.

Os hormônios, segundo analisa ainda a Revista Psique, também são

importantes para o desenvolvimento de comportamentos anti-sociais. Segundo o

psiquiatra, professor da PUC-RS e pós- doutor pela University System of Maryland,

a testosterona é um exemplo, “o fato de que vários assassinatos cometidos por

atletas ocorreram quando estes estavam sob a influência de esteróides

anabolizantes” (Revista Psique, 2007, p. 33).

Adverte Fonseca (1997, p. 474), para a influência de lesões cerebrais

mínimas ocorridas ainda no período pré-natal. Estas lesões podem ser detectadas a

partir de modificações na condutibilidade elétrica no eletroencefalograma (EEG) dos

pacientes e comprometem definitivamente zonas extensas dos lobos frontais

(ALCOTT KAPLAN e SADOCK 2007, p. 854).

O pesquisador brasileiro Flavio Josef, do serviço de psiquiatria da UFRJ,

explica que os impulsos são modulados e controlados pelo córtex. Desse modo,

quando um indivíduo possuir um córtex frontal afetado por uma lesão, por exemplo,

poderão desencadear-se alterações no seu comportamento. (Revista Psique, 2007,

p. 31)

Comprovou-se também, como se proclama na Revista Istoé (2009, p. 84),

que o distúrbio da mente dos psicopatas está relacionado ao sistema límbico, uma

parte do cérebro responsável pelas emoções. Há uma dificuldade vinculada à

associação de determinados estímulos com determinadas respostas relacionada a

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esse sistema. E por isso, reconhece Fonseca (1997, p. 476), os portadores de

psicopatia são deficientes em mecanismos fundamentais que engendram a emoção,

as tendências, os sentimentos, a vontade.

Nessas pessoas, a atividade cerebral na região funciona menos do que deveria e, por isso, as emoções não afloram. Para elas, não há diferença entre uma cena de estupro ou de um pôr do sol, por exemplo, como comprovou um estudo de dois neurologistas brasileiros, Jorge Moll e Ricardo Oliveira. Voluntários foram submetidos a uma seqüência de cenas, que mesclavam guerras e crianças brincando, entre outras situações. Exames de ressonância magnética revelam que, quando a imagem era agressiva, o sistema límbico entrava em ebulição. A atividade registrada era maior devido à repulsa. Para os psicopatas, não houve diferença. A atividade cerebral não se alterava, independente da cena.” (Revista Istoé, 2009, p. 84)

Fatores psicanalíticos, por sua vez, apontados como responsáveis pela

organização de comportamentos anti-social estão relacionados à estrutura da

personalidade proposta por Freud. Esse entendimento apresentado por D„Andrea

(1990, p. 172) estabelece que portadores de personalidade anti-social não

apresentam desenvolvimento do superego que concorde com as normas sociais e

que ao mesmo tempo lhe integre a personalidade.

De acordo com a psicóloga Maria de Fátima Franco dos Santos,

professora de Psicologia Forense da Pontifícia Universidade Católica de Campinas e

especialista em segurança pública (Revista Psique, 2007, p. 26) a maioria dos

homicidas tem personalidade anti-social e esse problema tem origem comum em

ambientes familiares. Ambientes esses, em que os pais têm problemas em

estabelecer limites para os filhos, os quais, conforme passam da infância para a fase

adulta e não conseguem lidar com a necessidade de ultrapassar obstáculos, tornam-

se indivíduos revoltados socialmente.

Aduz sobre o assunto a psicóloga, psicanalista e autora do livro No traço

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da violência, Maria Breves Ramos (Revista Psique, 2007, p. 27) que “Aprender a

passar por adversidade vem de dentro de casa.”. Ela também menciona que não só

pais e mães super-protetores ou omissos podem influenciar uma personalidade

voltada para a violência, mas também o convívio com parentes violentos.

Laços familiares são dos traços afetivos, provavelmente os mais marcantes. Além de ser a primeira instituição social com a qual o ser humano tem contado; a família, no primeiro momento da educação, é a estrutura essencial para a transmissão de valores necessários à sobrevivência na coletividade. Comportamentos atípicos, de caráter anti-social – como, nesse caso, o de um homicida – possivelmente tem a ver com alguma deficiência na estrutura familiar do individuo ou na forma como ele enxerga o ambiente familiar ideal. (Revista Psique, 2007, p. 26)

Atribui-se a atuação anti-social também, como um substituto

compensador ao sentimento de vazio e solidão que decorre de um ciclo vicioso de

necessidades frustradas, agressão, rejeição e até desapego de qualquer esperança

de receber carinho e atenção, oriundas de lares desarmônicos, desfeitos, hostis,

indulgentes (D‟ANDREA, 1990, p. 173). Para o jovem, ser querido pela policia

parece ser uma alternativa melhor do que não ser querido por ninguém e muitas

vezes os atos anti-sociais escondem uma busca inconsciente de ser preso ou de ser

morto.

Do ponto de vista dinâmico, tem-se valorizado, sobretudo, a chamada “frustração precoce”, elaborada pela criança a partir de um sentimento de má identificação, mães autoritárias, que não prestam a menor atenção à personalidade do filho, provocariam neste a rejeição ulterior da sociedade. (FONSECA, 1997, p. 517)

Diz ainda a psicanalista, Maria Beatriz (Revista Psique, 2007, p. 29) que

se a família esta desestruturada, mas a escola é de boa qualidade, pode haver uma

substituição e o ambiente escolar se torna uma segunda família. Entretanto, na

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atualidade, a escola também perde parte de seu valor institucional e

coincidentemente, no momento em que aumentou a criminalidade na sociedade

brasileira. Os teóricos psicanalistas, de maneira geral, acreditam que os psicopatas

sentem conflitos inconscientes que os impedem de se identificar com o pai e

incorporar padrões morais.

Posição diferente é a dos behavioristas que, segundo Davidoff (2006, p.

583) estabelecem parâmetros como, “pais de psicopatas são freqüentemente anti-

sociais, a observação e a imitação de um pai explorador poderiam estar envolvidas”.

Atribuem também a pouca disciplina ou a disciplina inconsistente dada pelos pais,

posto que “ambas as práticas de criação teriam probabilidade de produzir crianças

sem idéias claras e sobre o certo e o errado” (DAVIDOFF, 2006, p. 583).

Embora muitos psicopatas procedam de famílias divididas e pobres e tenham sido vitimas de alguma forma de abandono e de rechaço paternos, uma das circunstancias mais determinantes das psicopatias dos adultos, parece ser a de terem tido um pai psicopata, alcoólatra ou anti-social. Vários cientistas pensam que o psicopata é patologicamente incapaz de interpretar um papel e que suas experiências infantis o levaram a adquirir uma fachada social. (BRAGHIROLLI; BISI; NICOLETTO, 2009, p. 225)

Por fim, os fatores socioculturais atuam também como causa dos

transtornos da personalidade anti-social, conforme lição de D‟Andrea (1990, p. 173),

a partir das excessivas demandas da sociedade industrial, excesso de estímulo ao

prazer e a impossibilidade de satisfação, desníveis sociais, alienação, competição.

Fonseca (1997, p. 475) adverte que há grande incidência deste tipo de

anomalia em sociedades que evoluem de regimes autoritários para democracia, por

exemplo. “O período de grande instabilidade social que se seguiu a ultima grande

guerra provocou um aumento acelerado dessas manifestações delinqüênciais.”

(FONSECA, 1997, p. 518)

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Nestes termos, ainda segundo este autor, muitos teoricos atribuem uma

associação de fatores biopsicológicos e socioculturais que seriam responsáveis pela

incapacidade do psicopata para estabelecer relações interpessoais satisfatórias e

estáveis.

Um estudo recente de tendências criminosas entre jovens dinamarqueses ilustra a utilidade da perspectiva biopsicossocial. Uma equipe de pesquisa liderada por Adrian Raine (1996) verificou os registros criminosos de quase 400 homens nas idades de 20 a 22 anos, sabendo que todos haviam experimentado fatores de risco biológicos ao nascimento, como parto prematuro, ou vinham de antecedentes familiares marcados pela pobreza e pela instabilidade familiar. Com o risco de crime dobrado, em comparação com qualquer desses dois grupos, estavam aqueles num grupo “biossocial” cujas vidas apresentavam tanto os fatores de risco biológicos quanto os sociais. (MYERS, 1999, p. 339)

2.2. 3 Características do Distúrbio da Personalidade Psicopática

França (2004, p. 424), ensina sobre a classificação que Kraepelin

estabeleceu para as psicopatias, dividindo-as em entidades psicopáticas irritáveis,

instáveis, instintivas, tocadas, mentirosas, e fraudadoras, anti-sociais, disputadoras.

E que, Myra y Lopes dividiu-as em: psicopatas astênicos, explosivos, irritáveis,

histéricos, ciclóides, sensitivo-paranóides, perversos, esquizóides, hipocondríacos e

homossexuais.

Alguns especialistas, porém, segundo (BRAGHIROLLI; BISI;

NICOLETTO, 2009, p. 224) dividem os psicopatas em apenas dois tipos, agressivos

predadores e os passivos parasitários. Os primeiros satisfazem suas conveniências

com acentuada agressividade e com uma atuação fria e insensível, apropriando-se

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de quanto desejam. Os segundos obtêm o que querem praticando sobre os demais

uma espécie de “sangria” parasitária aparentando desamparo e necessidade de

ajuda.

França (2004, p. 423) propõe que a personalidade psicopática é marcada

por estado psíquico capaz de determinar profundas modificações do caráter e do

afeto e que seu traço mais marcante é a perturbação da afetividade e do caráter. Já

a inteligência, segundo este autor, mantém-se normal ou acima do normal. No

mesmo entendimento, Rodrigues e Gonçalves (2004, p. 133) estabelecem como

características a perversão mórbida dos sentimentos, afetos, temperamento,

hábitos, disposição moral sem haver qualquer distúrbio ou defeito no intelecto ou no

conhecimento e raciocínio; não há particularmente ilusão ou alucinação.

As duas principais características da personalidade psicopática são a

incapacidade de amar e a falta de sentimento de culpabilidade. (BRAGHIROLLI;

BISI; NICOLETTO, 2009, p. 225). Segundo o professor Gauer (Revista Psique,

2007, p. 33), os portadores de personalidade anti-social são totalmente insensíveis,

indiferentes e imaturos emocionalmente, com pouca ou quase nenhuma empatia

pelas outras pessoas; além de possuírem um forte egocentrismo.

O DSM apresenta uma definição, neste sentido, segundo a qual, os

indivíduos portadores de psicopatia são incapazes de uma lealdade significativa com

outros indivíduos, grupos ou valores sociais; são bastante egoístas, insensíveis,

irresponsáveis, impulsivos e incapazes de aprender com castigo e de se sentir em

culpados. (MOLINA; GOMES, 2008, p. 273 apud DSM, 1968, p. 41)

Confirmam Glassam e Hadad (2008, p. 405), que é um padrão deste

transtorno exibir violência e desrespeito para com as outras pessoas, sem a

presença de culpa. Além disso, são manipuladores, mentem com convicção, mesmo

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sem necessidade, como ensinam Molina e Gomes (2008, p. 274).

Os psicopatas não se importam em passar por cima de tudo e de todos para alcançar seus objetivos. Mentem, manipulam e não sentem remorso, muito menos culpa. Ao mesmo tempo, são charmosos e simpáticos. Se algo ou alguém ameaça seus planos, tornam-se agressivos. São mestres em inverter o jogo, colocando-se no papel de vítimas. E estão conscientes de todos os seus atos (não entram em delírio, como em outras doenças mentais. (Revista Istoé, 2009, p. 82)

Segundo Glassman e Hadad (2008, p. 405), o portador de personalidade

psicopática “viola as normas da sociedade de maneiras muito significativas”. Aduz a

esse entendimento D‟Andrea (1990, p.860), que se refere a uma incapacidade de se

adaptar às normas sociais que regem vários aspectos do comportamento do

individuo.

O anti-social desenvolve, muitas vezes, notável habilidade para identificar

pessoas que se ajustam ao seu estilo, servindo aos seus propósitos, sendo por elas

admirado. Não se estranhe que arrebanhe apóstolos fiéis – encontra campo fértil na

política ou religião, onde se torna líder insinuante, dono de grande poder sobre os

liderados, cuja fidelidade não hesita em comprar da melhor maneira que encontra.

(FIORELLI; FIORELLI; MALHADAS JÚNIOR, 2008. p. 193)

Válido ressaltar sobre a inteligência e a capacidade de raciocinar de um

portador da personalidade anti-social, posto que, é um fator essencial para o seu

enquadramento como responsável ou não penalmente, no ordenamento brasileiro. A

racionalidade deles é tamanha que não são pegos, por exemplo, em detectores de

mentira; sabem exatamente o que fazem e mentem com naturalidade; psicoterapia e

psicanálise podem até ensiná-los a manipular com ainda mais maestria, uma vez

que aprendem detalhes sobre o comportamento humano. (Revista Istoé, 2009, p.

84)

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A perturbação é incapacitante, resultando na falência de autonomia e auto-suficiência, com muitos anos de institucionalização, geralmente do tipo penal. De referir que alguns indivíduos com formas mais atenuadas desta perturbação obtêm êxito em atividades econômicas e políticas, faltando nestes, no entanto, o início precoce na infância que interfere com aquisições educacionais. (RODRIGUES; GONÇALVES, 2004, p. 131)

Ademais, é de suma importância também para o enquadramento da

responsabilidade dos psicopatas a sua capacidade de determinação que se

encontra reduzida ou abolida em conseqüência dos distúrbios da conação. Estes

distúrbios podem resultar de anormalidade quantitativa do tono volitivo por

exageração (eversão) ou diminuição (adversão) ou, ainda, por sua alteração

(distúrbio qualitativo), a chamada perversão. (CHALUB, 1982, p. 107)

Enquadram-se nos estados de perversão aqueles quadros clínicos, na

lição de Chalub (1981, p. 109), caracterizados por desvio funcional da volição, no

sentido de alteração do caráter, anomalia de objetivo, modificação de componentes

habituais da pessoa. Tais condições mentais são encontradas em algumas formas

clinicas de neurose e mais freqüentemente nas psicopatias.

Para este autor, o estado de normalidade da determinação, que esta

presente nos psicopatas, pode ser avaliado a partir da noção de antijuridicidade, de

dano, potencial ou efetivo, e de perigo de lesão ou lesão a um bem ou interesse

juridicamente tutelado; da percepção de relação causal entre ação ou omissão e

efeito, conseqüências ou resultados; da consciência de perturbação da ordem social,

violação de norma ou dever jurídico; consciência de culpabilidade, imputabilidade e

responsabilidade; noção de imoralidade e de lesão antiética da conduta; entre outros

aspectos (CHALUB, 1981, p. 110).

Em síntese, a Revista Istoé apresenta uma relação de casos

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contemporâneos de psicopatas no cenário criminal brasileiro e suas principais

características. Suzane Von Richthofen, por exemplo, apresentou egoísmo

exacerbado para alcançar seus objetivos “em novembro de 2002, ela abriu a porta

de sua casa para que o namorado, Daniel, e o irmão dele, Cristian, matassem seus

pais, Marísia e Albert, com pancadas de barras de ferro” (REVISTA ISTOÉ, 2009, p.

82). Depois disso, ainda sem remorso ou culpa foi para um motel e também após o

enterro, fez uma reunião com amigos na piscina de casa.

Também desafiadora é a compreensão das características de personalidade de Daniel Cravinhos, líder do grupo responsável pelo assassinato a pauladas dos pais da jovem Suzane Richtoffen. “Daniel demonstra características marcantemente narcísicas, que o convidam a exibir sua superioridade perante o mundo; porém, combinadas com o absoluto desprezo pelas pessoas sobre as quais pretende demonstrar seu brilho invulgar – não hesitando em valer-se de métodos anti-sociais para atingir seus desígnios. (FIORELLI; FIORELLI; MALHADAS JÚNIOR, 2008, p. 194)

Da mesma forma, com ausência de sentimento de culpa, a empresária

Sílvia Calabrese, presa por maltratar e torturar uma menina de 12 anos com quem

morava, alegou que a estava educando e não demonstrou nenhum arrependimento.

“A garota foi encontrada em seu apartamento com os braços acorrentados em uma

escada, uma mordaça embebida em pimenta, dedos e dentes quebrados, unhas

arrancadas, marcas de ferro quente pelo corpo.” (Revista Istoé, 2009, p. 83)

O ator Guilherme de Pádua é outro exemplo citado pela Revista Istoé,

pois o mesmo não dispensou frieza ao matar a atriz Daniella Perez com golpes de

punhal, em dezembro de 1992. O mesmo foi ao velório prestar solidariedade a mãe

e marido da vítima. “Durante o interrogatório, depois de se entregar, estava calmo e

relatou o assassinato sem esboçar reação alguma.” (Revista Istoé, 2009, p. 84).

Além de frios, os psicopatas também demonstram que são sedutores e

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prestativos, adulam a vítima até que esta não se mostre contrária às suas ações.

Assim comportava-se Kelly dos Santos; “Kelly se passava por rica e cativava com

sua simpatia e desenvoltura para depois furtar jóias, dinheiro, cartões de crédito e

talões de cheque. Quando não convencia, era arrogante, fazia escândalo e

detratava as pessoas.” (Revista Istoé, 2009, p. 84). A mesma, aos 19 anos de idade,

foi presa em agosto de 2007, em São Paulo, acusada de estelionato, furto e

falsidade ideológica.

Ainda com base no artigo da Revista Istoé, para psiquiatra Ana Beatriz

há indícios que apontam Lindemberg como um psicopata pela premeditação do seu

crime, que envolveu a adolescente e sua namorada Eloá. “Ele falou para os amigos

„vocês vão ouvir falar de mim esta semana‟, lembra Ana Beatriz“ (Revista Istoé,

2009, p. 81). Ela vê também traços de egocentrismo no rapaz quando ele repetia no

cativeiro, enquanto mantinha a garota como refém, ser o “príncipe do gueto” (Revista

Istoé, 2009, p. 83).

Nestes Termos, conclui-se, segundo os ensinamentos de Molina e Gomes

(2008, p. 274), que o portador de psicopatia apresenta traços e atributos pessoais

que o desligam de seu componente humano, ou seja, tratar bondosamente e

vincular-se às outras pessoas, sentir pena ou arrependimento. Possuem um estilo

de vida anti-social e agressivo, apenas por capricho ou para alcançar seus objetivos.

Mas são assim não por eclosão de doença mental, mas sim por tratar-se de um caso

extremo de distúrbio do caráter e que corrompe sua personalidade.

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3 IMPLICAÇÕES JURÍDICAS AO PSICOPATA

3.1 Inimputabilidade e Semi-imputabilidade do Psicopata

Os crimes cometidos por psicopatas são, de maneira geral, violentos e

cruéis, nos quais também se verifica o simples desejo de humilhar e causar dor

excessiva à vítima; são na maioria das vezes crimes seriais. Grande indagação é se

as personalidades psicopáticas são ou não penalmente responsáveis e se são, se

deve ser considerado que há um grau de responsabilidade diminuído. Sabe-se,

primordialmente, que o agente deve ter condições físicas, psicológicas, morais e

mentais de saber que esta realizando um ilícito penal (CAPEZ, 2008, p. 307).

Na lição de Fiorelli e Mangini (2010, p. 113), “a imputabilidade penal

implica que a pessoa entenda a ação praticada como algo ilícito, ou seja, contrário a

ordem pública e que possa agir de acordo com esse entendimento“. Esta

compreensão, segundo estes autores, poderá, no entanto, estar prejudicada em

função das psicopatologias ou de deficiências cognitivas. Nestes termos, portanto,

para as pessoas portadoras de algum sofrimento mental, como é o caso dos

portadores de personalidade psicopática, dever-se-á aquilatar a intensidade e a

qualidade do transtorno para que se possa aferir a possibilidade ou não de

responsabilizá-la.

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3.1.1 Imputabilidade e Responsabilidade Penal

Correntes de pensamento jurídico ou escolas penais propõem-se a

explicar o homem delinqüente e a sua responsabilidade. Postula a escola Clássica

que “o crime é a infração da lei do Estado promulgada para proteger a segurança

dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo,

moralmente imputável e politicamente danoso.” (PIEDADE JÚNIOR, 1982, p. 38).

Sustentaram os seguidores desta escola, como aduz Piedade Júnior (1982, p. 39)

que a responsabilidade penal do homem baseava-se na responsabilidade moral,

segundo o seu livre-arbítrio.

Outra é a escola Positiva, a qual se fundou no determinismo da época e

entendendo “uma vontade coagida por uma cadeia de motivos” (PIEDADE JÚNIOR,

1982, p. 39), contrapondo-se ao livre arbítrio defendido pelos classicistas. Para os

positivistas, os homens não são moralmente responsáveis por suas ações, a

responsabilidade seria puramente social; então não haveria uma distinção entre

imputável ou inimputável, a ao invés de punir, deveria criar mecanismos para se

defender (PIEDADE JÚNIOR, 1982, p. 40).

A teoria finalista postulada por Hans Wiesel e adotada pelo ordenamento

jurídico brasileiro estabelece a composição da culpabilidade em três elementos

(GRECO, 2009, p. 395). A imputabilidade, baseada nas condições psíquicas de o

agente estruturar sua consciência e vontade; potencial consciência sobre a ilicitude

do fato, ou seja, se havia condições de o agente compreender a ilicitude de sua

conduta; e a exigibilidade de conduta diversa, se era possível no momento da

prática do crime, uma conduta diferente da adotada pelo agente.

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A imputabilidade penal, segundo Nucci (2008, p. 287), é o conjunto de

condições, qualidades pessoais que envolvem inteligência e vontade do agente,

capaz de permiti-lo ter entendimento ou não do caráter ilícito do fato. É, portanto, o

elemento ou pressuposto de culpabilidade, aptidão para ser culpável. Para Brandão

(2002, p. 163), sem a imputabilidade não há culpabilidade, pois a capacidade de

culpabilidade é a própria imputabilidade.

A imputabilidade, isto é, uma determinada situação mental, que permite ao agente o exato conhecimento do fato e do seu sentido contrário ao dever e a determinação da vontade de acordo com esse entendimento, dando-lhes, assim, capacidade para sofrer a imputação jurídica do fato. (ANIBAL BRUNO, 1984, p.416 apud ROTHENBERG, 1997, p. 185)

Imputar, na lição de Eça (2002, p. 89) “vem de imputare, atribuir a alguém

a responsabilidade de...”. Não se pode, entretanto, confundir imputabilidade com

responsabilidade, pois esta, como ensina Bittencourt (2009, p. 378), é o princípio

segundo o qual a pessoa dotada de capacidade de culpabilidade, ou seja, imputável,

deve responder por seus atos. Para Odilon (2008, p. 238) a imputabilidade é

atribuição pericial, através de diagnóstico ou prognóstico de uma conclusão médico-

legal, enquanto que a responsabilidade penal é um fato de competência judicial que

será analisado em conformidade com outros dados processuais.

A imputabilidade caracteriza uma capacidade de compreensão e uma vontade de agir. É a condição de quem é capaz de realizar um ato com pleno discernimento. É um fato subjetivo, psíquico e abstrato. Ao cometer uma infração, o individuo transforma essa capacidade num fato concreto. Denomina-se isso de imputação. Já a responsabilidade é conseqüência de quem tinha pleno entendimento e deverá pagar por isso. (FRANÇA, 2004, p. 408)

Há um binômio necessário para a formação das condições pessoais do

agente imputável, que segundo Nucci (2008, p. 287) são a saúde mental e a

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maturidade. Assim, o agente que não possui aptidão para entender a diferença entre

o certo e o errado, que não seja “capaz de alcançar a exata representação de sua

conduta e agir com plena liberdade de entendimento e vontade” ((BRANDÃO, 2002, p.

163), estará propício a praticar fato típico e antijurídico sem que possa por isso ser

censurado, ou seja, sofrer juízo de culpabilidade.

Dessa forma, como afirma Bittencourt (2009, p. 378), de uma forma

genérica, está presente a imputabilidade sob ótica do Direito Penal Brasileiro,

sempre que o agente apresentar condições de normalidade e maturidade psíquicas.

Odilon (2008, p. 237) fala em situação mental, ao se referir à imputabilidade e

vínculo psíquico, ao se referir a culpabilidade; este, pois, capaz de prender o agente

imputável ao fato por ele praticado.

3.1.2 Inimputabilidade e Semi-imputabilidade

Aduz Bitencourt (2009, p. 379) que o nosso Código Penal não define

imputabilidade penal, apenas estabelece as causas que a afasta, definindo, em

outros termos, as causas de inimputabilidade. Exclui-se, assim, da culpabilidade a

menoridade, estabelecida em dezoito anos, como previsto no artigo 27, ficando os

menores infratores sujeitos às normas da legislação especial. Também, a

embriaguez completa por caso fortuito ou força maior capaz de provocar

incapacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com

esse entendimento ao tempo da ação ou da omissão, como previsto no artigo 28,

parágrafo 1º.

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Ademais, exclui-se ainda a culpabilidade, do portador de doença mental

e o desenvolvimento mental incompleto ou retardado, como previsto no artigo 26.

Neste caso, quando à época do fato, o agente for totalmente incapaz de entender e,

ou determinar-se com entendimento da ilicitude da sua ação. Na lição de Nucci

(2008, p. 288), há três critérios para determinar a inimputabilidade quanto à higidez

mental, o biológico, o psicológico e o biopsicológico.

O biológico, em que se observa única e exclusivamente a saúde mental

do agente, ficando o juiz dependente do laudo pericial; o psicológico, que leva em

consideração a capacidade que o agente possui para apreciar o caráter ilícito do fato

ou de comportar-se com esse entendimento, poderá nesse caso apreciar o juiz com

arbítrio; e o biopsicológico, o qual abrange os dois critérios e é o adotado pelo

Código Penal em seu artigo 26.

Para Amorim, em seu artigo intitulado “Inimputabilidade e direitos

humanos: uma reconstrução da doença mental e sua superveniência à sentença

penal condenatória”, dentre as alterações mórbidas estão a oligrofenia,

desenvolvimento mental incompleto de natureza congênita; a idiotia, caracterizada

por um estado mórbido oriundo de um vício congênito do encéfalo e que consiste na

ausência completa de desenvolvimento intelectual e afetivo; imbecilidade, bastante

propensa à violência. Além destas, a debilidade mental, epilepsia, esquizofrenia,

neurose.

Nestes termos, apresentando uma doença mental, um desenvolvimento

mental que ainda não se concluiu ou anomalia que impede a compreensão e o

entendimento, no momento em que se pratica o fato, não será culpável o

delinqüente. Já no tocante às personalidades psicopáticas são poucos os casos,

apenas enquadrados como inimputáveis pela sua periculosidade e não por constituir

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doença mental.

No entanto, os agentes perversos, frios de ânimo, desalmados, imorais, destituídos de remorso, pena, compaixão, etc., portadores de transtornos de personalidade, o que corresponde às personalidades psicopáticas, não são doentes mentais, psicóticos, são psicopatas, sociopatas, conduto patas. Esses são desprovidos de um código interior moral e social, e são avessos ao código exterior de conduta e convivência. Correspondem aos abjetos “loucos morais”, insensíveis, com comportamento e reações primitivas e grosseiras. A eles não se aplica o artigo 26, caput, pois não são inimputáveis... A grande minoria dos casos que são levados a apreciação dos peritos, apresentam alguma chance de se encaixar nos requisitos do artigo 26. (FERREIRA, 2003)

Aduz Farah de Sousa Malcher, Advogada e Jornalista, especialista em

Direito Penal e Processual Penal, que os psicopatas, embora desprovidos de

doença mental de origem orgânica, são fruto do meio social hostil em que vivem.

Estes acabam desenvolvendo a personalidade desajustada por conta de traumas

sofridos e em decorrência de anomalias do caráter e do afeto. E embora providos de

inteligência e capacidade de entendimento, são incapazes de controlar seus

impulsos e de autogovernar-se, portanto, incapacidade de determinar-se.

(MALCHER, 2009)

São pessoas anti-sociais com elevado grau de periculosidade e que

deveriam ser inclusos ao lado dos portadores de doença mental e de

desenvolvimento mental incompleto ou retardado, os indivíduos portadores de

transtornos de personalidade anti-social. Até porque, atualmente, a distinção entre

doença e perturbação mental não é inflexível, sendo, pois o conceito jurídico de

doença mental abrangente. (MALCHER, 2009)

Já a semi-imputabilidade, segundo o entendimento de Brandão (2002, p.

170), é a chamada imputabilidade diminuída. Odilon (2008, p. 237-238) define semi-

imputabilidade como o entendimento e, ou determinação parcial de acordo com o

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caráter criminoso de sua ação à época do fato.

Leciona Capez (2008, p. 321) que pode também ser denominada de

responsabilidade diminuída e alcança os indivíduos em que as perturbações

psíquicas tornam menor o poder de autodeterminação e mais fraca a resistência

interior em relação à prática do crime. Segundo este autor, os requisitos são os

mesmos da inimputabilidade, salvo quanto a intensidade no requisito cronológico,

que no caso da semi-imputabilidade é o tempo da ação ou omissão.

Situação diversa é a do chamado semi-imputável que pratica um fato típico, ilícito e culpável. Contudo, em virtude de não ter pleno conhecimento do caráter ilícito do fato, sua pena deverá ser reduzida. Quando a lei, no parágrafo único do art. 26 do código penal, diz que “a pena pode ser reduzida de um a dois terços”, referindo-se ao semi-imputável, quer dizer que a ele será aplicada a pena relativa à infração penal por ele cometida, devendo-se, contudo, fazer incidir o percentual de redução previsto pelo mencionado parágrafo. Ou seja, condena-se o semi-imputável, mas reduz-se lhe a pena imposta, razão pela qual deverá estar consignado na peça inicial de acusação o pedido de condenação, ao contrário da situação anterior correspondente ao inimputável. (GRECO, 2009, p. 401)

Já a definição de Bittencourt (2009, p. 385) estabelece que, os semi-

imputáveis situam-se na faixa intermediária entre imputáveis e inimputáveis, são os

chamados fronteiriços e que apresentam situações atenuadas ou residuais de

psicose, de oligofrenias e, grande parte das chamadas personalidade psicopáticas

ou mesmo transtornos mentais transitórios.

O Código Penal Brasileiro tratou da semi-imputabilidade no parágrafo

único do artigo 26, prevendo que poderia reduzir-se a pena aplicada de um indivíduo

comprovadamente portador de perturbação de saúde mental ou apresentando

desenvolvimento mental incompleto ou retardado; também sendo comprovado que

não possuía capacidade de entendimento do caráter ilícito do fato e determinação

de acordo com o entendimento, no momento de praticar o crime.

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Analisa-se primeiramente que a lei prevê a perturbação da saúde mental

e não a doença mental como pressuposto para que a capacidade parcial de

entendimento e determinação dos semi-imputáveis. Alves (1998, p. 66-67)

parafraseia Roque de Brito Alves afirmando que toda doença mental implica

perturbação mental, mas que a recíproca não é verdadeira. Segundo Alves, as

personalidades psicopáticas apresentam, por exemplo, sinais de perturbação de

saúde mental, mas não atinge o grau de doença.

Deve haver bastante cautela, portanto, tanto do perito como do juiz para

averiguar essas situações consideradas limítrofes, segundo Nucci (2008, p. 291), as

quais não se constituem normalidade, mas também não se caracterizam como

anormalidade. Por isso, a lei abrange nesse caso, a perturbação da saúde mental e

não a doença mental; “a perturbação da saúde mental não deixa de ser também

uma forma de doença mental, embora não retirando do agente, completamente, a

sua inteligência ou a sua vontade.” (NUCCI, 2008, p. 292). Entende-se, portanto,

que há a perturbação, mas que não elimina a possibilidade de compreensão, motivo

pelo qual a lei também utiliza o termo “desenvolvimento mental incompleto ou

retardado”.

Em segundo lugar, a lei refere-se aos que apresentam desenvolvimento

mental incompleto, como o silvícola desde que demonstrada sua inaptidão à vida no

meio civilizado. Como descreve Brandão (2002, p. 170) trata-se esta adaptação, à

vida social de nosso nível, às normas complexas que a regulam e aos critérios de

valores de nossos julgamentos. Engloba também o desenvolvimento mental

incompleto, o oligofrênico, ainda segundo Brandão, desde que se encontrando em

nível de debilidade mental limítrofe oriunda de questões culturais ou orgânicas, e

também os surdos-mudos, dependendo da capacidade de entendimento e de

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autodeterminação.

Cabe ao magistrado avaliar a personalidade do agente e as provas

periciais reduzidas, conforme fulcro do artigo 182 do código de processo penal que

prevê que “O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no

todo ou em parte.” Há dúvidas, entretanto, justamente no sentido de enquadrar o

que é normal, o que é patológico e o que é fronteiriço. Segundo Eça (2002, p. 22)

"Para a psiquiatria forense, a alienação mental termina quando se percebe que a

razão e o livre arbítrio se fazem totalmente presentes no psiquismo do indivíduo.

Quanto às personalidades anti-sociais, frisa Nucci (2008, p. 290), que não

é fácil detectá-las com segurança e diferenciá-las quanto doenças mentais e

perturbações de saúde mental. Ainda segundo este autor, não se extingue destas a

culpabilidade, por não afetar a inteligência e a vontade. Já para Eça (2002, p. 28)

"Só será semi-imputável, se apresentar personalidade psicopática, influindo esta nas

emoções".

Antes, no advento do sistema duplo-binário, considerávamos as personalidades psicopáticas como inimputáveis, pelo equívoco de se imporem primeiro a pena e depois o tratamento em casa de custódia. Hoje sob a vigência do sistema vicariante ou unitário, defendemos que elas sejam consideradas semi-imputáveis, ficando sujeitas a medida de segurança por tempo determinado e a tratamento médico-psiquiátrico, resguardando-se, assim, os interesses da defesa social e dando oportunidade de uma readaptação de convivência com a sociedade. (FRANÇA, 2004, p. 425)

Há, entretanto, divergências a cerca da denominação utilizada.

Doutrinadores atentam para a questão literal das expressões: “semi-imputabilidade”,

“semi-responsabilidade”, “responsabilidade diminuída” ou ainda, “imputabilidade

diminuída”. No entendimento de Damásio (2009, pp. 498-499) há diminuição da

responsabilidade, pois a pena é diminuída, e não a imputabilidade. Assim, pode-se

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falar em responsabilidade diminuída e não em imputabilidade diminuída.

3.2 O psicopata como causa de inimputabilidade e semi-imputabilidade na

jurisprudência

Jurisprudências infra alencadas ilustram a presença de casos de

personalidade psicopata no sistema jurídico brasileiro. Muitas vezes as alegações de

psicopatia não são verdadeiras, há apenas o intuito de amenizar a pena do

delinqüente ou atribuí-lo alguma regalia.

Válido apresentar jurisprudência na qual o psicopata pretendia livramento

condicional, o qual, de forma correta, foi indeferido.

Ementa - LIVRAMENTO CONDICIONAL. TRACOS DE PERSONALIDADE PSICOPATICA QUE NÃO RECOMENDAM A LIBERAÇÃO ANTECIPADA DO CONDENADO. INDEFERIMENTO DO BENEFICIO PELO ACÓRDÃO IMPUGNADO. HC INDEFERIDO PELO S.T.F. (HABEAS CORPUS. HC nº 66437 / PR - PARANÁ. Relator: Min. SYDNEY SANCHES. Julgamento: 02/08/1988. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA)

Poderá também o condenado a pena privativa de liberdade, considerado

semi-imputável, pretender progressão do seu regime de cumprimento de pena.

Obtendo, entretanto, obstáculo por conta da anomalia que possui. Com o caso a

seguir exposto:

EXECUCAO PENAL. PROGRESSAO DE REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. POSSUINDO O REU PERSONALIDADE PSICOPATICA E OBTENDO PARECER DESFAVORAVEL DO CENTRO DE OBSERVACAO CRIMINOLOGICA, INCABIVEL A PROGRESSAO DE REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA, APESAR DO PARECER FAVORAVEL DA

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COMISSAO TECNICA DE CLASSIFICACAO. (RESUMO) (Recurso de Agravo nº 693028813, Câmara de Férias Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Érico Barone Pires, Julgado em 29/07/1993)

Outra decisão proferida em 2ª câmara de Direito criminal do Estado de

São Paulo indeferiu a progressão de regime por se tratar de réu portador de

personalidade anti-social, apresentando características de um psicopata, como

ausência de arrependimento e empatia. Então, segundo o exame criminológico

efetuado, ao mesmo não poderia ser concedida a progressão de regime pretendida.

Embora o cativo ostente bom comportamento carcerário, o exame criminológico indica que ele não está em condições, ainda, de vivenciar regime mais brando. Os peritos consignaram que o Agravante relatava ser sua "terceira passagem pela cadeia", onde passou a maior parte da vida adulta, relacionando tal fato ao consumo de drogas. E concluem se tratar de indivíduo prolixo, egocêntrico e articulado. E também que está: "Adaptado ao meio carcerário, sua estória pregressa sugere a existência de um transtorno de personalidade - a personalidade anti-social - onde sobressai a indisciplina, a ausência de arrependimento e empatid\ embora com agressividade pouco acentuada. Acrescentaram que "o pouco de censura que possui é banido pela ação desinibidora das drogas". Ao final, opinaram desfavoravelmente à progressão. (Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Execução Penal nº 990093182920. Relator: Francisco Orlando Comarca: Caraguatatuba. Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Criminal. Data do julgamento: 13/09/2010)

Ao réu portador de personalidade psicopática, nestes termos, poderá ser

determinada pena privativa de liberdade, tratando-se o mesmo de semi-imputável,

com diminuição da pena.

Observa-se abaixo, em sede de Apelação perante o Tribunal de Justiça

de São Paulo, entendimento sobre a desnecessidade de conversão de pena

privativa de liberdade em medida de segurança ao réu portador de personalidade

anti-social.

PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE conversão em medida de segurança, com internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico.

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INADMISSIBILIDADE, NESTE CASO. Agente considerado SEMI-IMPUTÁVEL, de acordo com a perícia específica realizada. Inexistência de qualquer evidência de doença mental; tem sim um defeito na formulação da personalidade (personalidade anti-social grave). Não era, ao tempo da ação, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (cf. laudo pericial). Convencimento judicial, portanto, em optar pela aplicação da pena reduzida ao condenado (artigo 98 do CP). (Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Execução Penal nº 990093182920. Relator: Francisco Orlando Comarca: Caraguatatuba. Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Criminal. Data do julgamento: 13/09/2010)

Por outro lado, em alguns casos, aos psicopatas será determinada

medida de segurança por conta de sua alta periculosidade. “O PACIENTE

OBRIGADO A CUMPRIR MEDIDA DE SEGURANÇA POR TER PERSONALIDADE

PSICOPATICA PERIGOSA, NÃO PODE OBTER LIBERDADE VIGIADA.” (HABEAS

CORPUS. HC nº 42063. Relator: Min. CÂNDIDO MOTTA. Julgamento: 24/03/1965.

Órgão Julgador: TRIBUNAL PLENO).

PSICOPATA. TOXICOMANOS. INTOXICADOS HABITUAIS. POSSIBILIDADE DE INTERNAMENTO EM INSTITUICAO ADEQUADA DO ESTADO EM CUMPRIMENTO DE LEGISLACAO FEDERAL. "IN CASU", RECEBIDA DENUNCIA CONTRA O PACIENTE, O OBICE INVOCADO DEIXOU DE EXISTIR. O INTERNAMENTO DO PACIENTE OBJETIVA A SUA PROTECAO E, ASSIM, RECONHECIDO O SEU ESTADO DE SAUDE, A IMPETRACAO ATE SERIA INADMISSIVEL. (Habeas Corpus nº 586033938, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Barison, Julgado em 05/11/1986).

3.3 Sanções penais aplicáveis aos psicopatas

Comprovada a inimputabilidade do agente, a este é então absolvido e

impõe-se a medida de segurança. Por outro lado, comprovada a semi-

imputabilidade, é obrigatória a imposição de uma pena reduzida; ensina Nucci

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(2008, p. 385 e 386), que se necessário, para estes fronteiriços, em um segundo

momento, substitui-se a pena privativa de liberdade pela medida de segurança.

Montaigne conceitua sanção penal como “resposta repressiva e

ressocializadora do Estado ao autor de uma conduta delituosa que desrespeitou

normas que tutelam bens ou direitos.”. Faccini apud Jesus (1995, p. 475) frisa que

“as penas e medidas de segurança constituem as duas formas de sanção penal”.

Antes, no advento do sistema duplo-binário, consideravam-se as personalidades

psicopáticas apenas como inimputáveis, impondo primeiro a pena e depois o

tratamento em casa de custódia. Esta cumulação da pena e medida de segurança,

entretanto, apresentou iniqüidade e disfuncionalidade (FRANÇA, 2002, p. 425).

Atualmente, no advento do sistema vicariante ou unitário, ou é aplicada

somente a pena ou somente a medida de segurança. Até aos semi-imputáveis não

poderão ser aplicadas sucessivamente uma pena e uma medida de segurança

(PIEDADE JÚNIOR, 1982, p. 211). O que poderá ocorrer, frisa-se, é que o juiz

deverá optar pela substituição da pena por medida de segurança para que o infrator

seja assistido em um tratamento específico em casos de alta periculosidade.

3.3.1 Penas Privativas de Liberdade

A pena é sanção penal imposta pelo estado, que atua segundo seu jus

puniendi, quando alguém comete um fato típico, ilícito e culpável. (GRECO, 2009, p.

485). Existem diversas teorias que se propõem a justificar o fim para que a pena se

presta, uma delas é a teoria absoluta ou da retribuição, a qual entende que a

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finalidade da pena é simplesmente o castigo pelo mal praticado, com isso havendo a

reparação moral.

Outra teoria é a relativa que vê na pena cunho exclusivamente preventivo,

valendo a segregação como forma de proteção da sociedade, além de oportunidade

para ressocializar o criminoso; ela não tem alicerce na justiça e na culpabilidade. Já

para a teoria mista ou unificadora, a sanção penal por sua própria natureza é

castigar o infrator pelo mal praticado, porém, tem a finalidade também de prevenir

educando e corrigindo-o (KARAM, 1993, pp. 173-174).

Esta teoria unificadora foi adotada no Código Penal de 1940 e perpetuou-

se na reforma de 1984, a partir do artigo 59 do Código Penal, que prevê aplicação

da pena estabelecendo-a com o fim de reprovação e prevenção do crime. E também

a partir do artigo 1º da Lei de execuções penais, o qual prevê o objetivo da execução

penal baseado em “efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e

proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do

internado.”

Portanto, a execução penal, como bem ensina Marcão (2009, p. 1), deve

objetivar a integração social do condenado ou do internado, já que se adota a teoria

mista, pois a natureza retributiva da pena não busca apenas a prevenção, mas

também a humanização. Objetiva-se, por meio da execução, punir e também

humanizar o delinqüente. A concepção de pena em sentido punitivo, desta forma, vai

sendo aos poucos substituída pela concepção de tratamento, readaptação ou

reforma do delinqüente, de acordo com o entendimento de Rauter (2003, p. 70).

A criminologia entende que sua legitimidade não mais consiste em

considerações estritamente jurídicas, mas sim cientificas (RAUTER, 2003, p. 28). Na

lição de Piedade Júnior (1982, p. 55), a pena privativa de liberdade tem realmente

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como finalidade a punição retributiva do mal causado pelo delinqüente; prevenção

de novas infrações; e a regeneração do preso, no sentido de transformá-lo.

O fim da pena, pois, é apenas o de impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e demover os outros a agir desse modo. È, pois, necessário selecionar quais penas e quais os modos de aplicá-las, de tal modo que, conservadas as proporções, causem impressão mais eficaz e mais duradoura no espírito dos homens, e a menos tormentosa no corpo do réu. (BECCARIA, 1997, p. 52)

Em contrapartida, afirma também Piedade Júnior (1982, p. 71) que, o

sistema tradicional da pena privativa de liberdade tem sido um fracasso, numa visão

de emenda, de ressocialização do delinqüente, de reajustamento social às normas

de comportamento. Seus métodos não possuem caráter cientifico e constitui um

castigo ao mal causado, em contradição aos objetivos a que se propõem.

Rauter (2003, p. 29), quanto aos efeitos que as penas deveriam produzir

com relação aos portadores de personalidade psicopática, demonstra que a prisão é

incapaz de recuperar esse criminoso, em razão de sua anormalidade. Isto, devido ao

fato de que estes não sejam intimidáveis ou capaz de recuperação por meio de

punição. Entretanto, segundo Rauter (2003, p. 73), criminólogos reconhecem que

mesmo as prisões não sendo reformadoras, ou sendo em alguns pontos, são

preferíveis aos hospitais como remédio para tal anomalia.

A psiquiatria... estabeleceu a existência de pessoas cujas reações emotivas são discordantes ou desproporcionais, fazendo com que sofram ou faça sofrer a sociedade. Junto as neuroses, constituem os casos de responsabilidade restrita... A efetividade modificada dos psicopatas não permite... reconhecer a justiça da pena... julgam-se vítimas... nestes casos, seria preciso uma pena mais severa que as normais. (I conferencia Brasileira de criminologia, in revista de direito penal. Vol. XV, 1936, p.58 apud RAUTER, 2003, p. 48)

Outro ponto alerta para o fato de que não poderia a prisão cumprir a

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função de reeducação, de recuperação e devolver o psicopata à sociedade com a

certeza de que ele não cometesse outro crime, posto ser o mesmo portador de um

distúrbio por muitos estudiosos considerado incurável. Ou seja, seria inadequado à

recuperação e ressocialização do semi-imputável portador de personalidade anormal

através da pena privativa de liberdade.

Inquestionável, por outro lado, é o pensamento no sentido de considerar a

prisão como fator criminógeno, como bem leciona Piedade Júnior (1982, p. 57). Isto

ocorre porque contribui o cárcere para a formação do tipo perigoso e a conseqüente

reincidência. Evidencia-se, segundo este autor, que há a deformação psicológica,

pois sente o encarcerado a falta de liberdade na forma e na extensão de como a

pena é aplicada e despertando neles reações indevidas.

Se ao individuo normal, a pena privativa de liberdade, já se reconheceu nociva e contra prudente e até considerada “fator criminógeno por excelência”, como considerá-la admissível àquele indivíduo, cuja perícia psiquiátrica reconhece, por vezes, não possuir “a necessária capacidade de inibição ou autodeterminação” ou que volta a “repetir os mesmos delitos, as mesmas faltas, porque a isso o conduz a sua natureza?” (PIEDADE JÚNIOR, 1982, p. 73)

Parafraseando Ney Fayet de Souza, entende Piedade Júnior (1982, p. 67)

que “A melhor prisão é causa de doenças e vícios; representa sistemas de fraudes e

violências; é fabrica de criminosos passionais e sexuais”. Já Lins e Silva (1991, p.

40) apud Karam (1993, pp.185-186), também entende no mesmo sentido que “Para

recuperar, para ressocializar, como sonharam os nossos antepassados?

Positivamente, jamais se viu alguém sair de um cárcere melhor do que quando

entrou.”

A pena privativa ou restritiva de liberdade é medida coagente, espécie de

pena, que segundo Farias Júnior (2006, p. 366) é reclamada pelo interesse social. A

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lei prevê dois tipos, a reclusão e a detenção e é aplicada aos delinqüentes

imputáveis e também aos semi-imputáveis.

Referente à imposição de pena privativa de liberdade aos semi-

imputáveis previstos no artigo 26, tem-se uma divergência jurisprudencial importante

a ser analisada. Entendimentos atribuem ser a redução da pena facultada ao Juiz,

“É facultativa e não obrigatória a redução da pena autorizada pelo art. 22, parágrafo

único do CP (atual art. 26, parágrafo único)” (TJRJ – Apelação Criminal – Relator

Raphael Cirigliano Filho – EJTRJ 7/312).

Ementa PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE INSANIDADE. INDEFERIMENTO FUNDAMENTADO NO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO PRODUZIDO NA FASE INSTRUTÓRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. REDUÇÃO FACULTATIVA DA PENA DECORRENTE DE SEMI-IMPUTABILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. A existência de laudo pericial produzido em outro processo atestando a semi-imputabilidade do agente não vincula o Juízo processante. 2. Não caracteriza constrangimento ilegal o indeferimento do pedido de instauração de incidente de insanidade fundamentado no conjunto fático-probatório produzido na fase instrutória, indicando não ter a suposta dependência química atingido a profundidade necessária para a redução da capacidade mental do agente. 3. Ademais, conforme está expresso no parágrafo único do art. 26 do Código Penal, a redução da pena decorrente da semi-imputabilidade do agente é faculdade do Juízo sentenciante. Precedente do STJ. 4. Ordem denegada. (STJ - HABEAS CORPUS: HC nº 44831, SP 2005/0096695-8)

Outros, entretanto, atribuem a sua obrigatoriedade. “Forte corrente

jurisprudencial inclina-se no sentido de que, uma vez comprovada a semi-

imputabilidade, a redução da pena se torna indeclinável. Uma faculdade-dever,

como é de vezo expressar-se” (TJSP – Apelação Criminal – Relator Camargo

Sampaio – RT 514/313).

Observa-se também em uma decisão de Habeas Corpus do tribunal de

justiça de São Paulo que a diminuição da pena é obrigatória uma vez reconhecida a

semi-imputabilidade do réu. “Ementa: PENA - SEMI-IMPUTABILIDADE - CAUSA DE

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DIMINUIÇÃO OBRIGATÓRIA -INOBSERVÂNCIA PELA R. SENTENÇA DE

PRIMEIRO GRAU -ART. 26, PARÁGRAFO ÚNICO DO CP” (STJ - HABEAS

CORPUS: HC nº 19916 SP 2001/0194893-7).

3.3.2 Medida de Segurança

Aos portadores de sofrimento psíquico que praticam ilícitos penais sem

discernimento sobre o ato praticado caberá em lugar de pena, medida de segurança

na modalidade de internação ou tratamento (FIORELLI E MANGINI, 2010, p.113).

Analisa Bruno de Morais Ribeiro, sobre a evolução histórica da situação dos

delinqüentes mentalmente doentes no Código Criminal brasileiro:

No Brasil, o código criminal do Império dispunha que os loucos que houvessem “cometido crimes” haveriam de ser recolhidos às casas a eles destinadas, ou então entregues às respectivas famílias; já no código de 1940, anteriormente à reforma de 1984, estipulava um sistema muito semelhante ao do código italiano de 1930 prevendo a possibilidade de verificação pessoal da periculosidade do réu pelo juiz. (RIBEIRO, 1998, p. 12)

Esta opção por medida de segurança só poderá ser feita, se o laudo de

insanidade mental indicá-la como recomendável. Tem a medida de segurança

natureza preventiva e baseia-se na periculosidade do sujeito (FIORELLI E MANGINI,

2010, p. 114). Ou seja, uma medida que impede a pessoa perigosa de prejudicar ou

prejudicar mais e que cessa apenas quando desaparece o juízo de periculosidade.

O Código Penal brasileiro prevê duas espécies de medida de segurança,

ambas com prazo de duração indeterminado, perdurando enquanto não cessar a

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periculosidade, a Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e a

sujeição a tratamento ambulatorial.

A Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, medida

preventiva, é o primeiro caso, previsto Código Penal em seu artigo 97, caput, em

caso de o agente ser inimputável e o juiz determinar sua internação; e em seu artigo

98 aplicada aos semi-imputáveis, cuja pena é for de reclusão. Já a sujeição a

tratamento ambulatorial, medida restritiva, esta prevista no artigo 97, caput, aplicada

aos inimputáveis cuja pena for de detenção e seguindo as regras do parágrafo 1º do

mesmo artigo.

A substituição da pena diminuída imposta pelo artigo 26 do Código Penal

pela Medida de segurança tem fulcro no artigo 98 supracitado do Código Penal e

conforme o entendimento de Nucci (2008, p. 293) “caso a perturbação da saúde

mental seja intensa o suficiente, de modo a justificar um especial tratamento

curativo.”

É importante observar que a medida de segurança substitutiva da pena

privativa de liberdade não pode ultrapassar o lapso temporal determinado para

cumprimento da sanção corporal, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal.

Publicada no Informativo nº. 441 do STJ, esta decisão determina que “Com o início

do cumprimento da medida de segurança, há a interrupção do prazo prescricional. E

o tempo de duração dela, conforme precedente, não deve ultrapassar o limite

máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.” (HC 143.315-RS, Rel.

Min. Og. Fernandes, julgado em 5/8/2010).

Sabe-se que o tempo da pena privativa de liberdade esta prevista no

artigo 75 Código Penal que estabelece “O tempo de cumprimento das penas

privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos”. Com fundamento

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no principio da humanização das sanções e da dignidade da pessoa humana, o STF

também se posiciona não tolerando que a medida de segurança ultrapasse esse

tempo da pena. (SILVA, 2008).

DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E PENAL. MEDIDA DE SEGURANÇA. NATUREZA PUNITIVA. DURAÇÃO MÁXIMA DE 30 ANOS. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL ÀS PENAS PERPÉTUAS. JULGADO RECORRIDO EM DESARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO PROVIDO. (Supremo Tribunal Federal, RE / 628646 - RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator Min. Cármen Lúcia)

No entanto, nem mesmo o STJ é pacífico nesse entendimento, havendo

decisões favoráveis a indeterminação do prazo de cumprimento da medida de

segurança. O parágrafo 1º do artigo 97 do Código Penal prevê que o tempo para a

internação ou tratamento ambulatorial é indeterminado, devendo ser mantida a

medida de segurança enquanto não for constatado o desaparecimento da

periculosidade. “Esta Corte Superior firmou entendimento de que a medida de

segurança é aplicável ao inimputável e tem prazo indeterminado, perdurando

enquanto não for averiguada a cessação da periculosidade (Precedentes STJ).”

(Superior Tribunal de Justiça. HABEAS CORPUS nº 2008/0168087-3, Relator

Ministro JORGE MUSSI, Data do Julgamento 17/06/2010).

Segundo o artigo 682 do Código de Processo Penal, o sentenciado que

ainda apresentar doença mental, diagnosticada através de perícia médica, deverá

ser internado em manicômio judiciário; em caso de urgência, em face também da

perícia médica, o juiz ratificará ou revogará a medida. Poderá ainda, ser

determinada a internação pelo juízo cível, com fulcro no parágrafo 2º deste artigo, o

qual estabelece que o indivíduo poderá ter um destino aconselhado pela sua

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enfermidade, feita a devida comunicação ao juiz de incapazes.

Nesse caso ou ele volta à sociedade sob a responsabilidade da família,

ou continua em Hospital Psiquiátrico para continuar o tratamento cabível. Mesmo

saindo e ficando sob responsabilidade da família, os indivíduos necessitarão de

ajuda e acompanhamento, por isso atualmente já existe o Programa de Prestação

Continuada e uma bolsa assistencial de R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais),

segundo afirmou, em palestra, o diretor do Hospital de Custódia do estado de

Sergipe, Thiago Rodrigues.

Segundo Rauter (2003, p. 71), a medida de segurança incorpora ao

direito penal um critério de julgamento relativo à personalidade do criminoso e ao

seu tipo de anormalidade, a sua periculosidade, e não mais o julgamento do delito

praticado. A periculosidade trata-se de um estado subjetivo, mais ou menos

duradouro, de anti-sociabilidade ou, se funda no perigo da reincidência para a

prática de um crime.

A periculosidade, no entanto, é característica bastante controvérsia nos

meios jurídicos, médicos e psicológicos. Esta deverá ser interpretada não só com

relação ao sujeito, mas também o contexto em que vive (FIORELLI; MANGINI, 2010,

p. 114). Há a periculosidade presumida, nas condições do artigo 26 e 97 do Código

Penal e nesse caso, a medida de segurança é obrigatória; e a periculosidade real,

também dita judicial, quando se tratar de agente semi-imputável, previsto no

parágrafo único do artigo 26.

Segundo Damásio (2009, p. 543), “Cuida-se de periculosidade presumida

nos casos em que a lei a presume, independentemente de periculosidade real do

sujeito” e “Fala-se em periculosidade real quando ela deve ser verificada pelo juiz.”

Esta, não presumida por lei, baseia-se na personalidade e antecedentes que

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supostamente levarão o indivíduo a delinqüir.

A periculosidade constituía assim, nessa nova concepção, o critério básico para a adaptação legal, judicial e executiva da sanção penal à pessoa do delinqüente. Cabe frisar ainda que, ao lado do conceito de periculosidade, idéia de “responsabilidade social”, por meio da qual se contestava o livre-arbítrio como fundamento da imputabilidade, também representava um marco dentro da concepção de Direito Penal defendida pelos adeptos do positivismo criminológico. (RIBEIRO, 1998, p. 16-17)

Ao não considerar a personalidade psicopática como um “fenômeno

mórbido”, Kurt Schneider, como preceitua Fiorelli e Mangini (2010, p. 115), remeteu

este individuo ao campo não-psiquiátrico; ele seria considerado anormal, mas não-

doente. Além disso, mudam dificilmente seu comportamento por influências externas

e segundo Schneider é considerado transtorno incurável em sua maioria (FIORELLI;

MANGINI, 2010, p. 118).

Seguindo este raciocínio, também não seria justificável a aplicação da

medida de segurança para os portadores de personalidade psicopática, embora

psiquiatras entendam ser necessário o tratamento destes indivíduos em hospitais.

Não há tratamento para tal anomalia, posto ser incurável e, além disso, não constitui

uma doença. No entanto, muitos são submetidos a este tipo de sanção por tratar-se

de delinqüentes de altíssima periculosidade.

3.3.3 Castração Química

Em países como Estados Unidos, Dinamarca Suécia, Alemanha,

República Tcheca, a Castração Química é um tratamento utilizado como modalidade

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de pena aplicável aos crimes sexuais, muitas vezes os cometidos em série.

Segundo BANHA (2008), em seu artigo publicado na revista Âmbito Jurídico em

artigo intitulado como “A resposta do Estado aos crimes cometidos por psicopatas” a

castração química consiste na aplicação de hormônios femininos com a finalidade

de diminuir o nível de testosterona nos testículos, o que resultará na diminuição

drástica da libido sexual, da ereção masculina e também da agressividade.

Uma nova linha de realização da Castração Química surgiu na França, pensada por seu atual presidente, onde para a realização desta, haveria um centro de acompanhamento médico-psicológico para os apenados, local este em que receberiam todo apoio necessário, e passariam por avaliações constantes. Outro ponto fundamental trazido pelo projeto do presidente Nicholas Sarkozy advém do fato de que esse método seria utilizado apenas para os reincidentes em crimes sexuais graves, que cumprissem uma parte de sua pena, e que posteriormente optassem por ser submetidos voluntariamente ao tratamento. (BANHA, 2008)

Conforme consta ainda no artigo, o Brasil não é adepto a este tratamento,

porém, vale salientar que há dois projetos de lei em trâmite, sendo um da Câmara

dos Deputados, sob o número 7.021/02 e outro do Senado, sob o número 552/07

para que o país possa aderir a esta forma de punição. Há críticas, no entanto, a

estes projetos de lei com fulcro nos direitos e garantias fundamentais, como no caso

do art. 5º incisos III, XLVII e LVIII; além de fundamentar-se na violação dos

princípios da Dignidade da Pessoa Humana, Direito a Saúde, Incapacitação do

Ofensor, Primazia da Constituição. (BANHA, 2008)

Segundo o psiquiatra Lúcio Malagoni em entrevista ao jornal O popular

(2010), a Castração química involuntária poderá ser realizada no Brasil somente se

por ato de vontade do indivíduo portador da anomalia que pretende evitar-se. É

difícil o portador de transtorno de personalidade anti-social, por sua própria vontade,

aderir a este tratamento, posto que, o mesmo nunca pretende mudar o seu

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comportamento.

3.4 Casos Concretos de Psicopatas no Brasil

Dentre os maiores criminosos da história do país estão dois indivíduos

portadores de psicopatia popularmente conhecidos como Chico Picadinho e

Maníaco do Parque. Estes assombraram durante anos a população brasileira com

seus crimes cruéis, perversos e que atingiram vítimas inocentes das quais eles se

aproximavam com a melhor das intenções.

Francisco da Costa Rocha, conhecido como “Chico Picadinho” foi

condenado pela primeira vez a trinta anos de prisão preventiva por assassinato e

esquartejamento de uma mulher, em 1966. Após dez anos, tendo cumprido um terço

de sua pena foi solto e retornou a delinqüir; o mesmo assassinou e esquartejou

outra mulher da mesma forma que a primeira. (WAGNER, 2007)

Chico Picadinho foi condenado e preso mais uma vez, mas ao contrário

da primeira não foi solto quando finda sua pena, e sim internado na Casa de

Custódia e Tratamento de Taubaté em São Paulo. Isto porque foi detectado que ele

possuía um desvio de personalidade ou psicopatia e não mais poderia retornar ao

convívio social sem que voltasse a delinqüir. (WAGNER, 2007).

O psicopata em questão trata-se de um homem educado, inteligente, QI

acima da média, conhecedor de grandes filósofos e bons livros e não consegue

controlar seu instinto assassino. A escritora do primeiro livro sobre Serial Killers

brasileiros, Ilana Casoy, realizou uma entrevista com o mesmo e concluiu que “Chico

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Picadinho é extremamente culto, sedutor. Ele discutiu comigo Crime e Castigo, do

Dostoievski, fala de Hermann Hesse e termina a entrevista citando Sartre”. Durante

esta mesma entrevista, ele confessou ter tentado estrangular outras várias mulheres

e que comete os crimes pelas suas vítimas, pois é o melhor que pode fazer por elas.

(CARDOSO, 2004).

Francisco de Assis Pereira, o “Maníaco do Parque” é outro grande

criminoso portador de psicopatia. Conforme afirma Wagner (2007), ele foi

condenado pelo assassinato de cerca de onze mulheres de forma fria e cruel. Ele

atraía suas vítimas pela vaidade, as quais ele enganava com uma proposta de

realizar sessão fotográfica em um Parque na zona sul da capital de São Paulo; no

parque ele tentava estuprá-las e as matava.

O Maníaco do parque preso em 04 de agosto de 1998 confessou seus

crimes e sempre alegava que estaria sob possessão demoníaca quando na prática

dos crimes. Mas, mesmo tendo sido internado por algum tempo na Casa de

Tratamento e Custódia de Taubaté em São Paulo, o Ministério Publico nunca

duvidou da sua sanidade mental. O mesmo passou por Instauração de Incidente de

Insanidade Mental e foi condenado por júri popular a 271 anos por nove homicídios.

A pena deste psicopata esta sendo cumprida em penitenciária comum o

que representa uma questão preocupante. Isto devido a sua personalidade

perturbada, sua conturbada história pregressa desde criança quando fora seduzido

por uma tia e a mesma o obrigou a morder seus seios, por exemplo. (WAGNER,

2007).

Isto posto, conclui-se que o portador de personalidade psicopática poderá

ser considerado semi-imputável ou inimputável, cumprirá sua pena reduzida em

prisão preventiva ou medida de segurança, a depender das circunstancias que

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envolvem o crime, sua anomalia, o nível da capacidade de entendimento e a sua

periculosidade.

Entretanto, válido salientar que a proporção de psicopatas criminosos é

muito pequena. Segundo o psiquiatra forense Talvane de Moraes, "No Rio de

Janeiro, o sistema penitenciário tem cerca de treze mil presos. Nos hospitais de

custódia ou manicômios judiciários, os criminosos não chegam a 600. A mesma

proporção vale para o resto do Brasil" (Revista Psique, 2007).

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4 O PSICOPATA E O DELINQUENTE COMUM

4.1 O Delinqüente como objeto de Estudo da criminologia

A criminologia é uma ciência que se originou em meados da segunda

metade do século XIX, tendo como marco principal a publicação da obra, em 1871,

L„Uomo delinqüente (RAUTER, 2003, p. 30). Na lição de Fernandes e Fernandes

(1995, p.25) estuda, pois, a Criminologia, o fenômeno criminal, a pessoa da vítima, a

pessoa e a conduta do delinqüente, os fatores endógenos e exógenos, que isolada

ou cumulativamente o influenciaram e os meios responsáveis pela sua reintegração

a sociedade.

Os elementos da criminologia são desta forma, a pessoa do infrator, a

vítima e as instituições de exclusão que atuam no processo de controle social do

comportamento delitivo (FIORELLI; MANGINI, 2010, p. 323). O crime é um

fenômeno social dito inerente a própria história do homem e por isso não há que se

analisá-lo ou analisar a pena se não levar-se em consideração o criminoso, em seu

aspecto biosociopsicológico.

Por este motivo, como aduz Molina e Gomes (2008, p. 251), a

criminologia se ocupa da pessoa do infrator, seja ela portadora de uma anomalia

psíquica ou não. E para que este seja devidamente estudado é importante auferir a

natureza de sua personalidade e os fatores criminógenos que a modificam. Carvalho

(1973, p. 12) entende que o homem é o agente do ato anti-social, mas várias

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causas, muitas ainda desconhecidas, modificarão seu caráter essencialmente

humano ou antropológico.

4.1.1 Evolução Histórica

Seguindo os pressupostos da Escola Clássica o delinqüente era

entendido como um componente indistinto na sociedade, na lição de Farias Júnior

(2006, p. 31), igual a qualquer ser humano, não havendo que se falar em diferença

de caráter. Conforme as concepções mágicas e primitivas, o delinqüente era

considerado um sujeito “endemoniado”, um ser anormal e maldito. Seria, pois,

dotado de livre arbítrio e não havia que se cogitar das causas ou fatores

criminógenos ou de influxos exógenos ou endógenos influenciadores do seu

comportamento criminoso.

Procurou Carrara encontrar a fórmula de uma verdade fundamental, mas a personalidade do delinqüente não foi objeto direto de suas preocupações e de seus seguidores. Julgam o delito como um simples episódio na vida de seu autor, não havendo razão para o estudo de sua personalidade. (COSTA, 1982, p. 208)

A criminologia apresentou quatro períodos durante a sua evolução. No

primeiro, o período da Antiguidade aos precursores da Antropologia Criminal,

possuindo como suporte a Escola Clássica, destacou-se o estudo de Aristóteles

referente ao caráter dos delinqüentes; o mesmo observou as atenuantes para

reincidência criminal concluindo que “as paixões humanas eram mais importantes

que as razões econômicas na etiologia delinquencial” (FERNANDES; FERNANDES,

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1995, p. 57).

O segundo período, Antropológico-criminal, foi fundado pelo italiano

Cesare Lombroso, que conferiu caracteres morfológicos ao homem delinqüente,

conforme aduzem Fernandes e Fernandes (1995, p. 73). Ainda segundo estes

autores, Lombroso entendia que o verdadeiro criminoso é nato, ou seja, nasce como

tal; e somente a partir de motivos e oportunidades sociais que este criminoso era

capaz de manifestar sua disposição criminosa.

Ao identificar estigmas particulares em autores de atos anti-sociais, Lombroso teria de ser levado a admitir que, em um dado individuo, esses estigmas se poderiam caracterizar de tal forma que o delinqüente já teria nascido com eles e seria, então, o criminoso nato. (CARVALHO, p. 68)

Segundo Rauter (2003, p. 32), Lombroso estabelecia características

físicas como a cor negra dos cabelos, insensibilidade a dor, entre outras, para

determinar a anormalidade do criminoso. Entretanto, a tendência lombrosiana de

considerar a criminologia uma ciência fundamentalmente antropológica era

defeituosa. Defende Carvalho (1973, p. 12) que “não será a criminologia uma ciência

exclusivamente da pessoa humana”; segundo este doutrinador fatores que

ultrapassam os limites da antropologia influenciam o homem a praticar ações

criminosas.

O terceiro período da criminologia, sociológico-criminal, combate a teoria

Lombrosiana sustentando que os fatores exógenos e não os endógenos eram os

causadores da criminalidade. Como ensinam Fernandes e Fernandes (1995, p. 49),

“Desta ou daquela maneira, é incontestável que o crime emana, primordialmente, de

fatores sociais e, como tal, adquire a imagem de uma fenomenologia individual e

coletiva”. No quarto período, da política criminal, ainda segundo estes autores, é que

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se buscou estabelecer um consenso entre as correntes anteriores que eram

divergentes, atribuindo importância tanto dos fatores endógenos, como dos

exógenos na formação do caráter criminoso.

Estes três últimos períodos, no entanto, foram influenciados pela Escola

Positiva que entendia que há variedades de tipologias de delinqüentes e que estes

são diversificados por seus estados psíquicos e biológicos e considerados anormais.

O homem para esta escola é voltado ao crime, impelido por fatores geradores do

comportamento criminoso, não tem vontade e a inteligência livres ou autônomas

para escolher entre o bem e o mal. São influenciados por fatores internos ou

externos que determinam o crime. (FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 31)

O positivismo criminológico foi o responsável pela substituição da teoria

da “loucura mental” pela da “personalidade criminal”. O êxito desta teoria reside na

coerência de dois de seus postulados: o princípio da diversidade do delinqüente,

posto ser este distinto, sob o ponto de vista qualitativo, do homem normal que

cumpre as leis; e a necessidade de isolar, mensurar e quantificar os fatores

patológicos que incidem no indivíduo e que determinam o delito (MOLINA; GOMES,

2008, p. 252).

Válido ressaltar sobre a fase de Pinel que abordou a mente humana e os

conhecimentos da índole psicológica e psiquiátrica, muito diferente do determinismo

biológico estabelecido pela Escola Lombrosiana (CARVALHO, 1973, pp. 73-75).

Sabe-se que os psicanalistas, por exemplo, incluíram no estudo sobre o homem

delinqüente, seguindo este entendimento, a incapacidade para a formação do

superego ou o defeito neste, além do reconhecimento de uma constituição perversa.

Seguindo o entendimento da Escola positiva, observam-se duas ordens

de fatores criminógenos, os externos ou exógenos como os sócio-econômicos,

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sócio-ambientais e os internos ou endógenos. A partir do século XVIII, passou-se a

desenvolver estudos sobre estes fatores internos, através da Frenelogia,

relacionando sintomas da personalidade. Destes estudos, segundo Farias Júnior

(2006, p.29) que surgiram as noções de criminosos por ímpeto, loucura moral, entre

outras.

Já vimos que Ferri apresenta os fatores criminógenos em três categorias: Antropológicos, Físicos e Sociais. Os Antropológicos são biológicos ou inerentes à personalidade da pessoa do criminoso, e dividem-se em três subclasses: A Constituição Orgânica do Criminoso; Sua Constituição Psíquica e seus Caracteres Pessoais. (FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 57)

Do ponto de vista biológico, salienta também este autor, os fatores de

ordem interna ou endógenos, chamados de mesoendógenos, os quais geram

anomalias como psicopatias ou neuroses, em que seus portadores estão incidentes

no crime.

4.1.2 O Comportamento delitivo do delinqüente

Há uma classificação proposta pelo professor Hilário Veiga de Carvalho,

que segundo Fiorelli e Mangini (2010, p. 324) associa-se a origem do

comportamento criminoso às forças do meio e intrapsíquicas. Desta forma, tem-se o

mesocriminoso, o mesocriminoso preponderante, o mesobiocriminoso, o

biocriminoso preponderante e o biocriminoso puro.

O mesocriminoso possui atuação anti-social oriunda de forças do meio

exterior como se o individuo fosse mero agente passivo, falta-lhe o animus

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delinquendi. O mesocriminoso preponderante possui predominância de influências

ambientais, sua correção é esperada e sua reincidência é excepcional. O

mesobiocriminoso possui influências tanto ambientais como biológicas, sua correção

é dita possível e sua reincidência dita ocasional. (FIORELLI; MANGINI, 2010, pp.

324-325).

Já o biocriminoso preponderante, ainda segundo estes autores, é

considerado como portador de alguma anomalia biológica insuficiente para

influenciá-lo à prática do crime, mas que o torna vulnerável a uma situação exterior;

este possui difícil correção e sua reincidência é potencial. O biocriminoso puro

possui influencia de incitações endógenas, como ocorre em algumas perturbações

mentais; este, portanto, possui ausência de imputação penal.

Com relação aos elementos sociais que influenciam o comportamento

delitivo, os mais comuns podem ser a identificação com modelos ou pessoas

significativas, influencia de um grupo condicionamento que reflete um

comportamento estereotipado inadequado. Além de emoções extremas que geram

descontrole e foge do seu domínio inconsciente ou a influência de valores, crenças,

como leciona Fiorelli e Mangini (2010, p. 325).

Atribui-se a prática criminosa também a um transtorno mental ou a uma

doença mental, a delinqüência psicótica ou a delinqüência neurótica, por exemplo.

Diversas psicopatologias poderão, portanto, conduzir um indivíduo a um

comportamento delitivo; aquelas deverão ser diagnosticadas por especialistas e

deverão estar inerentes ao delinqüente a época da prática delituosa (FIORELLI;

MANGINI, 2010, pp. 338-339)

Ademais, segundo Carvalho, há outras formas de classificar o delinqüente

portador do comportamento delitivo. Parmelee, por exemplo, dividiu os criminosos

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em dementes ou débeis mentais, psicopáticos, profissionais, ocasionais, evolutivos

(CARVALHO, 1996, p. 111). Outra classificação proposta por Ottolenghi separa os

criminosos em normais ocasionais e anormais; estes podendo ser permanentes

congênitos, permanentes adquiridos, ocasionais habituados ao delito ou

temporários.

Conclui-se, por fim, que há uma diversidade de tipos de delinqüentes,

mas que principalmente, existem aqueles portadores de alguma doença mental ou

transtorno mental e neste insere-se o portador de psicopatia; como também, existem

aqueles delinqüentes comuns, que não possuem nenhuma anomalia inerente a

função psíquica.

4.2 A Importância do Exame Criminológico

O Exame criminológico compreende um estudo multidisciplinar da

personalidade do delinqüente com base em disciplinas da criminologia clínica,

conforme alude Albergaria (1996, p. 273). Além disto, aufere a capacidade do

indivíduo para o delito, a medida de sua periculosidade, sua sensibilidade à pena e

respectiva probabilidade de correção. Fernandes e Fernandes (1995, p. 22) refere-

se a necessidade de realização de um exame morfológico, funcional, psicológico,

psiquiátrico, moral, social e histórico para o conhecimento da personalidade.

A natureza médica do Exame pericial tem por finalidade avaliar as

condições de imputabilidade do agente, já para o de natureza psicólogica, apurar as

condições das capacidades psicológicas de entendimento e de autodeterminação.

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Caberá ainda a psicologia forense determinar as condições de periculosidade,

através do exame de cessão de periculosidade. (CAIRES, 2003, pp. 122-123)

O diagnostico tanto das constituições psicopáticas como dos não

psicopatas, desta maneira, dar-se-á através de um estudo completo do paciente, o

qual poderá ser classificado. Do ponto de vista criminológico, saber-se-á, então, por

exemplo, se existe ou não a possibilidade de existir convívio entre eles, quais as

implicações que isto implicará se ocorrer ou se necessitam de tratamentos diferentes

segundo suas características individuais.

4.2.1 O Estudo da Personalidade do Delinqüente

Em princípio, considera-se que todos os atos são regidos pela vontade do

indivíduo integrados à sua personalidade (EÇA, 2002, p. 89). Desde longínquos

tempos os teóricos e os práticos do direito começaram a levar em consideração não

apenas o crime em si, o dano ou perigo, mas também a personalidade do criminoso,

segundo afirma Oliveira (1987, p. 40).

No fim do período republicano de Roma, por exemplo, passa-se a

distinguir a culpa objetiva, resultante de mera imputação física do fato ao agente, da

culpa subjetiva, que exigia uma imputação física psíquica e que levavam em conta

as causas pessoais de exclusão da culpa. É importante, portanto, o estudo da

personalidade, pois sem o conhecimento da personalidade do delinqüente, o direito

penal jamais determinará com justa coerência o grau de imputabilidade. (OLIVEIRA,

1987, p. 143).

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O autor do crime é o protagonista na justiça penal prática e é também a ele que de modo indireto e genérico se dirige a ameaça legal e, de modo direto e concreto, a sua aplicação com a sentença, torna-se evidente que a avaliação jurídica do crime e dos motivos determinantes se desenvolve se completa e se caracteriza na personalidade do delinqüente. (FERRI, 1931, p. 313 apud COSTA, 1997, p. 59).

Ademais, o estudo da personalidade da pessoa do infrator também é

importante para que a ele possa ser dado o suporte necessário para sua reabilitação

e principalmente, impedir que esta personalidade seja corrompida ou deteriorada ao

invés de melhorada de acordo com o senso comum. Na lição de Molina e Gomes

(2008, p. 253), o direito penal, entretanto, apresenta uma imagem bastante escassa

da psique humana e desta forma, pouco poderá contribuir.

Do ponto de vista psicopatológico não se devem esquecer algumas

funções psíquicas e dimensões bastante complexas do íntimo psíquico humano e

que são de complexo entendimento, mas que merecem atenção redobrada.

Segundo Molina e Gomes (2008, p. 254), os Oligofrênicos e os Psicopatas são, por

exemplo, grupos que se enquadram neste contexto e com freqüência estão em

conflito com o ordenamento penal.

O estudo da personalidade é importante também, como bem ensina

Costa (1997, pp. 27-29), tanto para o estudo dos fatores que determinam a

periculosidade social do réu como para a aplicação e individualização da pena.

Costa (1997, p. 62) salienta ainda, que a personalidade humana também é fator

preponderante para a fixação do regime prisional.

A periculosidade do autor do fato típico fica ao arbítrio do juiz, mas a

investigação consiste em um exame da sua personalidade, sem esquecer todos os

fatores, principalmente os exógenos. Deste mesmo modo, a aplicação e

individualização da pena não mais supõem apenas a averiguação da culpa do autor.

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Leciona Costa (1997, p. 52) que no tocante a individualização da pena e do regime

prisional é necessária estar presente, essencialmente, a investigação sobre o tipo

criminológico do autor do fato punível.

No tocante à análise de fatores psicológicos do ato delitivo, observa-se

que o ato exige duas situações, as condições solicitadoras e a condição de

personalidade do agente. Já com relação a dinâmica psicológica do criminoso

identificam-se fatores individuais e sociais que juntos passam por uma “triagem

psíquica”, a qual será responsável ou não pela prática do ato. (FERNANDES;

FERNANDES, 1995, p. 290)

A personalidade cujo processo de formação se inicia desde a mais tenra infância, tem a estruturá-la, fatores constitucionais e evolutivos de natureza, indubitavelmente polimorfa: uns são biológicos, outros psicológicos, e alguns sociais; fatores esses, que por participarem numa primeira fase da estruturação da personalidade são chamados de primários. (FERNANDES E FERNANDES, 1995, p. 291)

Salienta Fernandes e Fernandes (1995, p. 292) que a personalidade

influencia quando for mórbida na prática de um ato delituoso, o qual será

denominado sintomático, fruto da perturbação. Também influenciará quando a

personalidade for defeituosa, fruto da má formação, como é o caso das

personalidades psicopáticas, o que poderá originar um ato delituoso como

expressão do caráter.

Relevante o que frisa Costa (1982, p. 404) sobre o delito do ponto de

vista psicanalítico, o qual supõe que a parte ancestral da personalidade anímica

passou por um fenômeno de inadaptação social. Desta forma, observa este autor

que, assim como as circunstancias do crime e a sua gravidade, os motivos

determinantes da conduta do autor, ao lado das condições pessoais e sociais devem

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ser analisados. (COSTA, 1997, p. 314).

O Exame de personalidade é gênero da espécie Exame criminológico e

representa um exame médico-psicológico-social com a finalidade de auferir a maior

quantidade de dados possíveis sobre a pessoa do delinqüente (MIRABETE, 2008, p.

51). Ademais, na lição de Mirabete, segundo as diretrizes traçadas pelo ciclo de

estudos europeus sobre este exame organizado pela ONU, em Bruxelas, em 1951, o

mesmo deverá conter um exame biológico, um psicológico, um psiquiátrico e um

social.

O exame biológico será físico em geral, como o exame físico

complementar feito por um neurologista, o de patologia, o eletroencefalográfico. O

exame psicológico permitirá medir as faculdades, as aptidões e realizações mentais

e descrever as características da personalidade do individuo. Já o exame

psiquiátrico tem por fim aclarar os matizes da personalidade e do comportamento do

mesmo. E por fim, o exame social, realizado por um assistente social, que buscará

informações sobre a vida social do individuo, participar de sua integração e contribuir

para o seu tratamento (MIRABETE, 2008, p. 52).

Importante salientar que o exame de personalidade e o exame de

antecedentes deverão ser obrigatórios para todos condenados a pena privativa de

liberdade. E destinar-se-á a classificação, necessária para manter o controle dos

diferentes tipos de personalidade inseridos nos estabelecimentos penitenciários;

além de determinar do tratamento penitenciário a ser seguido. Poderão ocorrer

novas avaliações no decorrer da execução da pena posto não ser a personalidade

um instituto permanente e constante.

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4.2.2 Principais Aspectos do Exame Criminológico

Historicamente a necessidade da organização de um exame médico-

psicológico-social dos delinqüentes foi delineada pela primeira vez por Lombroso em

1890, como afirma Costa (1997, p. 87). O exame criminológico, segundo este autor,

constitui o princípio básico da criminologia clínica e os métodos utilizados para

constituição do mesmo variam não somente segundo a sua natureza médica,

psiquiátrica, psicológica ou social, mas também pelo grau de profundidade que

consigam prever (COSTA, 1997, p. 89).

O juiz penal da cognição passará a ter por obrigação, na função judicante, a investigação da constituição biológica do autor do fato típico, suas reações psicológicas e seu condicionamento social, os quais só poderão abortar através do exame criminológico, que proporcionará a aplicação de medidas concernentes à sua personalidade, resguardando-se o princípio da legalidade e da dignidade da pessoa humana. (COSTA, 1997, p. 9)

Na lição de Albergaria (1996, p. 273), o Exame criminológico, portanto,

compreende um estudo multidisciplinar da personalidade do delinqüente, com base

em várias disciplinas criminológicas, de que se vale a criminologia clínica. O homem

a partir do exame criminológico é estudado em todos os aspectos a fim de se

explorar sua personalidade. Salienta ainda Albergaria (1996, p.33-34), que o

resultado do diagnóstico da personalidade do criminoso determinará as conclusões

quanto à probabilidade de reincidência do indivíduo e à possibilidade de sua

reeducação.

Como leciona Farias Júnior (2006, p. 136) o exame criminológico permite

a aplicação da justiça conhecendo o homem. Sua finalidade é, portanto, resguardar

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a defesa social além de aferir o estado de temibilidade do delinqüente, questões

referentes à sua conduta antijurídica, anti-social e seu possível retorno à sociedade.

O exame criminológico constitui a base do tratamento reeducativo e ensina

Albergaria (1996, p. 273) que o Código Penal, o prevê com a denominação de

“exame criminológico de classificação”.

O objetivo do exame criminológico é coligir junto à personalidade do delinqüente e seu mundo circundante tudo o que for necessário à programação de sua reeducação e reinserção social. Em outros termos, o diagnóstico da personalidade do delinqüente e a prognose de sua conduta futura destinam-se à planificação de sua ressocialização. (ALBERGARIA, 1996, p. 273)

Aduz Mirabete (2008, p. 52) que a LEP prevê o exame criminológico

obrigatoriamente para os condenados que cumprem pena privativa de liberdade em

regime fechado e, facultativamente para os que cumprem em regime semi-aberto.

“As regras mínimas prevêem o exame criminológico para o regime aberto.

Igualmente, pode o regime em meio livre ser precedido do exame da personalidade

do delinqüente.” (ALBERGARIA, 1996, p. 273)

No tocante a este momento da realização do exame criminológico, há

certa divergência posto que a lei apenas prevê sua realização para os indivíduos já

condenados. E contrário a este entendimento da legislação pátria o doutrinador

Everardo da Cunha Luna, citado por Mirabete (2008, p. 53) entende haver

necessidade de um exame antecedente a aplicação da pena ou da medida de

segurança, com o fim de verificação da personalidade e periculosidade do individuo.

O exame criminológico tem por objetivo, ainda segundo Mirabete a

adequada classificação do condenado e a individualização da execução. A avaliação

criminológica é elemento instituído pela Lei de Execução Penal, LEP, para

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individualização administrativa da pena após a individualização judicial que se dá

com a aplicação da sanção pelo juiz. (GONÇALVES; BRANDÃO, 2005, p. 141). O

artigo 5º da LEP, portanto, prevê que os condenados serão classificados, segundo

os seus antecedentes e levando em consideração a sua personalidade, para a

individualização da execução penal.

Pode ser ela determinada no plano legislativo, quando se estabelecem e disciplinam-se as sanções cabíveis nas várias espécies delituosas (individualização in abstracto), no plano judicial, consagrado no emprego do prudente arbítrio e discrição do juiz, e no momento executório, processada no período de cumprimento da pena e que abrange medidas judiciais e administrativas, ligadas ao regime penitenciário, à suspensão da pena, ao livramento condicional etc. (FERREIRA, pp. 13-17 apud MIRABETE, 2008, p. 48)

Como leciona Mirabete (2008, p. 48), a individualização constitui, pois, um

postulado básico da justiça. Isto porque a execução penal não pode ser igual para

todos uma vez que nem todos os indivíduos são iguais; como nem todo encarcerado

é igual, posto que as penitenciárias abrigam todo tipo de individuo, com

personalidades diferentes. Torna-se indispensável, desta maneira, a classificação

dos condenados para que os mesmos sejam destinados aos tratamentos mais

adequados, segundo a sua situação pessoal.

O exame criminológico também se destinava a aferição de mérito, ou

seja, aptidão psicológica, para a progressão de regime. Os diferentes tipos de

regimes são responsáveis pela “valorização do processo do tratamento reeducativo

do condenado até a fase final da reinserção social. As diferentes fases do

desenvolvimento da execução penal correspondem às mobilidades do tratamento

criminológico“ (ALBERGARIA, 1996, p. 275). Estas mobilidades a que se referia o

doutrinador Albergaria são a observação, a classificação, o tratamento em meio

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fechado, semi-aberto e em meio livre.

O dispositivo revogado da LEP, em seu artigo 112, parágrafo único,

dispunha que para a transferência progressiva do apenado para um regime menos

rigoroso fazia-se necessário por determinação do juiz, além do cumprimento de no

mínimo 1/6 da pena no regime anterior, a motivação com embasamento de um

parecer auferido por Comissão Técnica de Classificação e do exame criminológico,

se necessário.

Para a progressão de regime, salienta Eça (2002, p. 113), havia a

possibilidade de ser solicitado um laudo criminológico. O mesmo subscrito por vários

peritos, dois psiquiatras, um psicólogo, um assistente social, um responsável do

presídio em que se encontra e um parecer final do diretor do estabelecimento;

diferindo, pois de um laudo criminal, realizado normalmente por dois peritos, e de um

laudo civil, por apenas um.

O regime fechado é o cumprido em estabelecimento de segurança

máxima ou média se caracteriza pela vida em comum dos três grupos de

condenados, os dificilmente recuperáveis, os duvidosos e os recuperáveis. Estes, na

própria instituição serão submetidos às atividades de reeducação. Já no regime

semi-aberto a vida dos grupos e as atividades do processo de ressocialização se

desenvolvem na instituição havendo contato com o mundo exterior.

A nova letra do artigo 112 da Lei de Execução Penal não dispõe mais

sobre a atuação da CTC ou da possível necessidade de utilização do exame

criminológico para a progressão de regime seja concedida. Basta como novo

requisito a ostentação de bom comportamento carcerário do apenado.

O exame criminológico, portanto, tornou-se requisito não exigido com as

mudanças ocorridas na lei de execução penal, a partir da lei nº 10.792/2003. Esta foi

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fundamentada em vários argumentos dentre os quais o mais importante relaciona-se

a incapacidade de desvendar mínima e rigorosamente a subjetividade do

sentenciado através dos saberes psicológicos (NETTO; FRASSETO, 2010, pp. 07-

08); além disso, de prever do comportamento futuro dos mesmos.

Outro argumento é que a culpabilidade tem como objeto o fato delitivo e

não o sujeito delinqüente. Por isso, no processo de execução criminal na lição de

Netto e Frasseto (2010, pp. 07-08), o que interessa não são os fatores que

contribuíram para a formação da personalidade e sua característica que integrante

ao autor, mas como o condenado cumprirá sua pena. O que é um erro absoluto.

Com efeito, estamos definitivamente convencidos de que, embora até possa determinar a realização de exame criminológico, não é lícito ao juiz da execução negar progressão de regime com base em informações ou interpretações que possa extrair do laudo respectivo. É que em razão das mudanças impostas com a lei n. 10.792/2003, o art. 112 da Lei de Execução Penal exige apenas o cumprimento de um sexto da pena, como requisito objetivo para progressão, e a apresentação de atestado de boa conduta carcerária firmado pelo diretor do estabelecimento prisional, como requisito subjetivo. É o que basta para a progressão. (MARCÃO, 2009, p. 14)

A individualização sempre privilegiou um aspecto subjetivo baseado no

exame criminológico, em que o juiz seguindo sua convicção, determinava a

elaboração de laudo criminológico, quando acreditar ser necessário, ou exigia da

Comissão Técnica de classificação um parecer específico. A aptidão subjetiva, então

é auferida agora apenas com base na comprovação do bom comportamento

carcerário, o que se constitui uma falha.

A 1ª turma do STF, conforme decisão supra, já decidiu pelo entendimento

no sentido de considerar necessária a aplicação do exame criminológico:

STF, HC 86.631/PR, 1ª T., rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 5-9-2006,

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m.v., informativo do STF, n 439 (Brasília, 4 a 8 de setembro de 2006). No mesmo sentido: “É certo que a novel redação do art. 112 da Lei de Execuções Penais (LEP), dada pela Lei n. 10.792/2003, não mais determina a submissão do apenado ao exame criminológico para fins de progressão prisional. Porém, isso não é empeço para que o juízo da execução, em decisão fundamentada, determine sua realização se entender necessário à formação de seu convencimento” (STJ, HC 94.426-RS, rela. Mina. Jane Silva, Desembargadora convocada do TJMG, j. em 19-2-2008, informativo do STJ, n. 345).

A comissão técnica de Classificação (CTC), conforme leciona Albergaria

(1996, p.269) provém historicamente dos laboratórios de antropologia criminal e

constituiu-se em uma primeira tentativa de expandir a contribuição da criminologia

penitenciária. A mesma poderá entrevistar pessoas, realizar diligências necessárias,

para obter as informações sobre a personalidade do indivíduo. (GONÇALVES;

BRANDÃO, 2005, p. 141).

A CTC ainda possui fulcro no artigo 6º da LEP que prevê para a

classificação elaboração de um programa individualizador da pena privativa de

liberdade adequada ao condenado ou preso provisório por uma Comissão Técnica

de Classificação. É previsto, nestes termos, que a CTC além da classificação

também será responsável pela elaboração do programa individualizador da

execução da pena do preso “com vistas a sua reinserção terapêutica” (MIRABETE,

2008, p. 55)

O Código Penal ainda prevê no parágrafo único do seu artigo 83 um

Corpo Criminológico (COC) que realizará prognósticos de não-delinqüência. Como

afirma Gonçalves e Brandão (2005, p. 142), este é um dos requisitos subjetivos para

concessão do livramento condicional, a etapa na qual o condenado readquire sua

liberdade submetendo-se a um controle por parte das agências judiciais e

penitenciárias.

Para Eça (2002, p. 113), o exame de sanidade mental, ao qual são

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submetidos todos os pacientes, deverá ter elaborada uma observação psiquiátrica,

que pode ser uma observação clinica, no caso de internados em hospitais de

custódia e tratamento. Também deverá conter o exame de sanidade mental, um

laudo de sanidade mental do indivíduo, que instrui o processo; além de um parecer

de verificações de condições mentais.

Este último, o parecer que determinará em que grau de condição mental

esta o indivíduo, é necessário apenas no caso do mesmo ser réu que eclodiu uma

doença mental enquanto cumpria pena, no caso de portadores de patologia mental

que estejam sob medida de segurança a fim de verificar a cessação de sua

periculosidade, ou ainda, no caso de réus em cumprimento de pena que pretendem

se beneficiar com a progressão de regime.

É de bastante importância, na área criminal da psiquiatria forense, além

disso, a elaboração de pareceres de verificação da cessação da periculosidade. O

parecer determinará se há a possibilidade de soltar ou não um autor de crime que

“seja possuidor de doença mental ou anormalidades que, em função delas mesmas,

poderá novamente apresentar quadro psiquiátrico que o torne perigoso para o

convívio social.” (EÇA, 2002, p. 140). Entende ainda este autor que o parecer

poderá ser criminológico ou de verificação de periculosidade propriamente dito.

Há a necessidade nestes exames, tanto de sanidade mental como no de

cessação de periculosidade de uma penetração na história prévia, no ciclo de vida,

no mapa pessoal, nas etapas de desenvolvimento do indivíduo. Isto porque o

homem “é uma resultante multifatorial” segundo Caíres (2003, p. 139) e os fatores

endógenos, exógenos, dinâmicos, os quais lhe compõe, permitem estabelecer suas

atitudes e seu desenvolvimento psicológico.

Ademais, a história prévia é composta por elementos relacionados às

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condições de gestação, parto e desenvolvimento neuropsicomotor; à vida escolar,

suas fraquezas na aprendizagem, seu comportamento na sala de aula e no pátio,

por exemplo. Deve-se também abranger o desenvolvimento sócio-afetivo, com

relação à família e outras pessoas; o desenvolvimento afetivo-sexual. Além de

verificar como o mesmo e as outras pessoas o viam e pensavam sobre ele;

pesquisar sua vida labor ativa e também a vida médica. (Caíres, 2003, p. 138)

O exame criminológico é considerado, pois, após analisadas todas as

suas áreas de atuação, um instrumento fundamental que determina não só as

minúcias da vida anterior e as causas que originou a prática delituosa, inerente a

personalidade, a fatores externos, mas também determina seus passos e

expectativas futuras, após inserção no sistema penal.

4.3 Convívio entre Encarcerados Psicopatas e Encarcerados Comuns

Embora o Exame Criminológico possa oferecer um estudo da

personalidade do delinqüente, determinar a sua classificação e instituição penal

adequada para cada caso, assim como as medidas terapêuticas para sua

reeducação, o ineficaz sistema penal brasileiro permite o convívio dentro dos

presídios entre encarcerados portadores de personalidade psicopática e

encarcerados com ausência de personalidade patológica.

Não há a preocupação, segundo Morana (2010), como ocorre em países

que possuem um sistema jurídico e penal mais evoluído e efetivo que o Brasil, em

estabelecer medidas de separação dos presos de acordo com a diferenciação dos

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perfis psicológicos. No Brasil, as penitenciárias abrigam tanto presos de menor

potencial de periculosidade como de alta periculosidade juntos, convivendo uns com

os outros.

A questão é observar que, os psicopatas influenciam os presos comuns

de forma negativa, comprometendo a sua reabilitação e dominam o ambiente

penitenciário com sua forte liderança e manipulação, podendo originar rebeliões e

facções criminosas dentro dos presídios.

4.3.1 O Comportamento do Psicopata dentro dos Presídios

É importante perceber que existem diferenças significativas entre os

presos considerados psicopatas e os presos comuns. Conforme estudos da maior

especialista brasileira em psicopatia, a doutora em psiquiatria forense Hilda Morana,

não há diferenças apenas com relação a personalidade patológica, mas

principalmente com relação a sua periculosidade, a ausência de sentimentos, a falta

de juízo de culpabilidade, características inerentes aos psicopatas e que muitas

vezes não estão presentes na índole de um encarcerado comum.

A manifestação comportamental teatral de sentimentos que os psicopatas

exibem, por exemplo, é uma das características comportamentais, que faz com eles

sejam os melhores presos, pois os permite dissimular perfeitamente um charme e

bom comportamento, manipular e intimidar as pessoas a seu favor. Afirma Ana

Beatriz Barbosa, "Normalmente, eles têm as penas atenuadas por bom

comportamento". (MORANA, 2010).

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Isto se deve, sobretudo, como já mencionado, quando tratado das

características dos psicopatas, ao fato de que os mesmos não medem esforços para

alcançar aquilo que se quer. Como afirma novamente Ana Beatriz Barbosa, "Eles

são tão dissimulados que se comportam como cordeiros na prisão. Virou moda

forjarem uma conversão ao protestantismo." (MORANA, 2010)

A presença de um psicopata na prisão não se passa

despercebida. Segundo afirma França (2002), os psicopatas apresentam

um perfil e um comportamento adequado para se transformarem em

chefões da penitenciária, assim como também líderes de rebeliões. A

entrada de psicopatas no sistema prisional cumulada ao convívio destes com outros

presos comuns é, portanto, uma das causas de rebeliões em presídios.

Pode-se responsabilizar o espírito de liderança, característica bastante

acentuada nos psicopatas, no tocante a transformação de presos comuns em

fantoches. Sobre um líder afirma Fiorelli e Mangini (2010, p.213), que o mesmo

obtém cooperação entre as pessoas ao criar, manter e desenvolver uma idéia aceita

por todos, promovendo a união de interesses e objetivos. "A liderança é a

capacidade de exercer influencia sobre pessoas" (VERGARA, p. 173 apud

FIORELLI; MANGINI, 2010, p. 213).

Só que até depois de presos psicopatas causam mais dores de cabeça que a média dos criminosos. Na cadeia, tendem a se transformar em líderes e agir no comando de rebeliões, por exemplo. “Mas nunca aparecem. Eles sabem como manter suas fichas limpas e acabam saindo da prisão mais cedo”, diz Antônio de Pádua Serafim. (NARLOCH, Revista Super Interessante, 2006)

Válido apresentar dois casos de encarcerados que se encaixam nestas

definições de liderança.

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Iaías do Borel liderou ao lado de outros criminosos o Comando Vermelho,

era considerado o "presidente da facção" quando já se encontrava preso no presídio

Bangu 1; Isaías foi o responsável por atentados em fevereiro de 2003 no Rio de

Janeiro, quando 34 veículos foram incendiados e 16 pessoas ficaram feridas e

também pelo assassinato da uma ex-diretora da penitenciária. (Revista Mundo

Estranho, 2006)

Já Marcola é um condenado a 44 anos de prisão preventiva por assaltos

a bancos e que se tornou líder do PCC, facção criminosa que atuava em São Paulo.

Em maio de 2006 comandou rebeliões em 82 presídios e impôs terror nas cidades

paulistas, com o assassinato de policiais e ataques a ônibus, estações de metrô e

agências bancárias; todas estas terríveis ações, vale frisa, de dentro do próprio

presídio. (Revista Mundo Estranho, 2006)

Outra característica do psicopata, que conduz a problemática em relação

ao seu convívio com presos comuns, é a periculosidade. Aduz Farias Júnior (2006,

p. 295), que a periculosidade apresenta como pressupostos a habitualidade ou

reincidência, personalidade corrompida e personalidade perversa. Estão todos estes

claramente presentes na pessoa do portador de psicopatia, demonstrando, portanto,

o quanto perigoso um psicopata pode ser.

A personalidade corrompida é reconhecida, por exemplo, ainda segundo

Farias Júnior, através dos antecedentes, da história da vida pregressa, do convívio

familiar, do local onde nasceu e onde cresceu as pessoas com as quais conviveu, a

sua insensibilidade moral, até chegar ao motivo determinante do crime ou crimes

que tenham sido praticados. Já a personalidade perversa, é revelada pela índole

torpe, malvada, impiedosa, cruel, ou desumana e inferida pelos motivos, meios ou

modos de execução do crime ou dos crimes.

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O impreciso termo periculosidade, presente na legislação, é fonte de controvérsias nos meios jurídicos, médicos, psicológicos. Oriundo do século XIX, sofre mutação com o tempo e, atualmente, deve ser interpretado tendo como ícone não apenas o sujeito, mas também o contexto em que vive, contempladas a diversidade e a desigualdade social. (FIORELLI; MANGINI, 2010, p. 114)

Nestes termos, a periculosidade dos portadores de personalidade

psicopática é um ameaça dentro das penitenciárias, pois o mesmo poderá fazer uso

da violência tanto com um preso comum como qualquer outro funcionário do

estabelecimento. “A razão é que devido a alteração grave do caráter o sujeito

psicopata vai, através do medo, da coação e da violência dominar o ambiente

levando os outros de menor potencial agressivo a agir segundo seus ditames cruéis”

(MORANA, 2010).

As penitenciárias brasileiras, portanto, acolhem dois tipos de presos,

segundo pesquisas, sobre as quais retratou Morana (2010), os presos que são

bandidos comuns e presos psicopatas. Nestes bandidos comuns evidencia-se um

propósito para prática do crime, seja o de ambição, vingança, poder, ganho fácil; já

nos psicopatas constata-se um comportamento cruel e fortuito, uma violência

gratuita e desnecessária.

Nesse sentido, o psicopata apresenta uma característica de alto grau de

periculosidade que poderá afetar, não apenas a vida dos presos comuns, mas

também suas chances de reabilitação. Isto se deve ao fato de que o preso comum

transforma seu comportamento sob a influência do comportamento do psicopata,

podendo até ter corrompida sua personalidade.

Como ressalta ainda Morana, o preso comum perde ou diminui sua

razoável possibilidade de recuperação social, que existia antes de seu convívio com

presos psicopatas. Ao contrário, ele adquire uma habilidade maior para a prática

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criminal, passa a trabalhar as características que os psicopatas apresentam

empatia, falta de sentimento pelos outros, crueldade, falta de sentimento de culpa,

entre outras.

Nesta linha de raciocínio afirma a psiquiatra forense Hilda Morana sobre o

comportamento prejudicial dos psicopatas dentro das penitenciárias, "Além de

recriarem o inferno na cadeia, atrapalham a ressocialização dos detentos que

podem ser recuperáveis". Hilda encarregou-se, em seu doutorado no Instituto de

Psiquiatria da Universidade de São Paulo, de traduzir e validar o método de Hare no

Brasil, que consiste em uma escala denominada PCL. R (Psychopathy Checklist

Revised), cuja autoria é de Robert D. Hare. (FRANÇA, 2002)

A etapa final deste seu trabalho inclui a aplicação do teste de Hare em

dez unidades penitenciárias do Estado. O resultado desta avaliação, segundo a

psiquiatra, será de suma importância por possibilitar que cuidados sejam

direcionados aos 80% de detentos que ficam expostos destes estabelecimentos à

perversidade e influência dos presos psicopatas. (FRANÇA, 2002)

4.3.2 O Ideário do Projeto de Lei referente aos Psicopatas

Como instrumento capaz de solucionar a problemática apresentada, há

em tramite no Congresso Nacional um Projeto de Lei de autoria do deputado Federal

Marcelo Itagiba. Mas no que diz respeito ao delinqüente portador de psicopatia,

válido afirmar que existem no Brasil dois importantes dispositivos, o Decreto nº

24.559 de 3 de julho de 1934 e a Lei nº 10.216 de 6 de abril de 2001.

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O primeiro dispositivo dispõe sobre a assistência e proteção à pessoa e

aos bens dos psicopatas e também atribui a figura do psicopata uma questão de

ordem pública, em razão do seu potencial de periculosidade. O artigo 1º, por

exemplo, diz respeito a proporcionar aos psicopatas um tratamento e proteção legal,

dando-lhe amparo médico e social e realizando a higiene psíquica em geral e

profilaxia das psicopatias; o artigo 10, por outro lado, refere-se a internação dos

psicopatas em hospital psiquiátrico para observação, caso venha a atentar contra a

própria vida ou a de outrem, atentar contra ordem ou ofender a moral pública.

Já o segundo dispositivo dispõe sobre a proteção e os direitos das

pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em

saúde mental. Este acrescentou à política voltada ao portador de transtornos

mentais um processo de desinstitucionalização, uma política anti-manicomial, a qual

também abrange os psicopatas, aqueles que por algum motivo estão internados em

um manicômio judicial.

Tem-se em Minas Gerais, o Programa de Atenção Integral ao paciente judiciário (PAIPJ) e em Goiás, o Programa de Atenção Integral ao louco Infrator (PAILI), programas de atenção que prescindem de instituições manicomiais. Eles envolvem os sujeitos em programas de atenção integral à saúde, em que a execução da medida de segurança é condicionada a critérios clinicos e psicossociais, em detrimento do conceito de periculosidade. (FIORELLI; MANGINI, 2010, p. 114)

De acordo com o Diretor do Hospital de Custódia do estado de Sergipe,

Tiago Rodrigues, já ocorreram Conferências em Belo Horizonte, em 95, Porto

Alegre, em 97, Alagoas, em 99, todas em prol da luta anti-manicomial. Há um

interesse em desmistificar a idéia de que os portadores de doença mental são

mantidos em depósitos para que apenas sejam afastados do convívio social. Neste

estado, por exemplo, o projeto de ressocialização dos internos engloba parcerias

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com a EMURB, Secretaria da Cultura, para que sejam realizados trabalhos com os

internos; há organização de gincanas dentro do estabelecimento e até de passeios

fora dele.

No entanto, foi apenas em 2004, que a psiquiatra Hilda Morana

apresentou aos deputados em Brasília a idéia capaz de solucionar um dos

problemas de maior gravidade e urgência relacionado aos psicopatas, ao qual não

se tem dado tanta atenção nos últimos anos. Esta idéia consistia em criar prisões

especiais para psicopatas, pois sempre houve a necessidade de separação dos

detentos em presídios diferenciados. (NARLOCH, Revista Super Interessante, 2006)

A idéia resultou em um Projeto de Lei - 6858/ 2010 apresentado em 24 de

fevereiro do corrente ano, por Marcelo Itagiba, deputado federal, PSDB do Rio de

Janeiro (em anexo), que prevê para o condenado ou preso provisório classificado

como psicopata o cumprimento de sua pena em seção distinta daquela reservada

aos demais presos.

Além disso, o Projeto de Lei prevê a alteração da Lei de Execuções

Penais para que seja obrigatório o exame criminológico ao condenado, quando este

entrar na prisão, para qualquer melhoria de sua pena, quando pretender passar para

um regime menos rigoroso, ou livramento condicional, indulto ou ainda comutação

de penas. Visa-se com isso, um programa de invidualização da pena privativa de

liberdade do condenado ou preso provisório classificado como psicopata, para o seu

devido restabelecimento, sem descuidar da recuperação dos demais presos.

O Exame deverá ser feito por uma comissão técnica independente da

administração prisional, uma Comissão Técnica de Classificação composta por

especialistas da saúde mental e da psicologia criminal. Este exame criminológico

será o alicerce que definirá como a pena será dirigida para cada condenado preso.

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Ademais, o deputado justifica o projeto dizendo que não há no sistema penal

brasileiro um tratamento diferenciado para os psicopatas, o que leva muitas vezes

de maneira errada, a soltar estas pessoas ou levá-las a um regime melhor sem um

exame prévio sobre suas qualidades psicológicas e psiquiátricas.

Observa-se, nestes termos, a necessidade suprema do estabelecimento

não só de políticas de proteção aos direitos dos psicopatas, mas também de

restabelecimento dos mesmos dentro dos estabelecimentos de cumprimento de sua

pena. Com a ressalva de não se descuidar da recuperação dos outros criminosos,

os quais se apresentam como indivíduos vulneráveis a presença de psicopatas em

seu ambiente social.

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5 CONCLUSÃO

A partir dos aspectos ora examinados, conclui-se que não se tem dado a

atenção necessária à tão complexa personalidade psicopática. Não se trata apenas

de melhor organizar o sistema prisional, estabelecer políticas que disciplinem o

espaço das prisões; ou também, ser capaz de tornar possível a reeducação dos

encarcerados, seja ele psicopata ou não, promovendo um aprendizado de

obediência e moralidade, evitando dar vazão as potencialidades criminais e

possíveis alianças entre os encarcerados, que poderão culminar em rebeliões.

Mas trata-se também de voltar-se ao estudo da personalidade

psicopática, tanto com relação às formas que originam o distúrbio, como às

características que traçam seu perfil, aprimoramento a aplicação no âmbito jurídico

da psiquiatria e da psicologia. Estas disciplinas podem contribuir significativamente

no que diz respeito ao estudo do comportamento do criminoso e a análise de todo

seu percurso de vida que originou a criminalidade.

Dessa maneira, poder-se-á então identificar a base do problema,

descobrindo desordens mentais que possam existir, com o intuito de chegar a uma

solução e aplicar uma pena justa. É neste sentido que também reside a importância

do exame criminológico, pois sem ele, ora não é possível o diagnóstico sobre a

personalidade de um delinqüente, ora não se poderá classificá-lo corretamente e

ditar os seus passos dentro do sistema prisional.

Através dos estudos e teorias da psiquiatria e psicologia é possível ter-se

conhecimento acerca dos motivos que geram o distúrbio psicológico da

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personalidade, sejam os fatores genéticos, biológicos, psicológicos, socioculturais.

Fatores estes relacionados desde as lesões cerebrais, como a problemas de origem

familiar que contribuíram na infância, negativamente a formação do indivíduo

moralmente. Os mesmos provocam alterações na personalidade e no caráter dos

psicopatas, que apresentarão um comportamento caracterizado pela insensibilidade,

frieza, perversão, ausência de sentimento de culpa, dissimulação, manipulação.

Frisa-se, a partir da análise psiquiátrica e psicológica destes indivíduos,

que os mesmos não se constituem como doentes mentais, mas sim como

portadores de uma perturbação psicológica. Diferente de um enfermo mental, os

psicopatas possuem consciência dos atos delituosos que cometem e apresentam

condição parcial, na maioria das vezes, para determinar-se segundo essa

consciência. Muitos, é verdade, estão incapacitados de determinar-se, pois a

anomalia limita o seu superego impossibilitando que o indivíduo atue de maneira

considerada correta.

É nesse sentido que um psicopata tanto poderá ser considerado

inimputável como semi-imputável pelo direito penal brasileiro. A imputabilidade

caracteriza-se pela capacidade de compreensão e vontade de agir, ou seja, a

capacidade de realizar o fato atípico com pleno discernimento. Os portadores de

sofrimento psíquico, por exemplo, cujo distúrbio lhe impeça de ter discernimento de

um ato ilícito praticado, será isento de pena e deverá cumprir medida de segurança.

A medida de segurança é uma espécie de sanção penal, cujo fundamento

é a periculosidade do delinqüente, sua finalidade é a prevenção e tratamento; há a

periculosidade presumida, prevista no Código Penal e a periculosidade real ou

judicial, baseada na personalidade e antecedentes do agente. É questionável, no

entanto, a eficácia que esta sanção penal proporcionaria aos psicopatas, posto que

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não há tratamento para a psicopatia, a medida de segurança não seria capaz de

ressocializar o psicopata, torná-lo não mais perigoso à sociedade.

A medida de segurança deve ser aplicada, conforme a lei, por tempo

indeterminado até que se comprove a cessação da periculosidade do agente,

embora divergências jurisprudenciais apontem para a ilicitude deste prazo ilimitado.

Defende-se a duração da medida de segurança até o tempo máximo da pena que o

condenado teria se a cumprisse em estabelecimento penitenciário, sendo, portanto

possível um máximo de 30 anos.

Outra opção de sanção penal para os psicopatas é a pena privativa de

liberdade com a sua redução em até dois terços, enquadrando-se assim o psicopata

como um agente semi-imputável. Só será, porém, considerado semi-responsável ou

limítrofe caso a psicopatia influencie nas suas emoções, influenciando parcialmente

na sua capacidade de entendimento no momento da prática do ilícito penal.

Há divergência, no que tange a possibilidade ou obrigatoriedade do juiz

em determinar esta redução da pena. Caberá ao magistrado avaliar a personalidade

do agente e as provas periciais, podendo o mesmo aceitar o diagnostico ou rejeitá-

lo. Muito embora, acredite-se também que a prisão preventiva não é uma opção

eficaz para o psicopata, pois o mesmo não se sensibiliza com a punição, voltaria a

delinqüir no primeiro momento em que saísse da prisão.

Ademais, como tratado, o caráter repressivo e punitivo penal mediante

pena privativa de liberdade aplicada aos psicopatas revelar-se-á maléfico a

ressocialização dos presos não portadores desta perturbação, dando vazão às suas

potencialidades criminais, podendo alterar sua personalidade e o seu

comportamento.

O fim da pena, pois, é apenas o de impedir que o réu cause novos danos

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aos seus semelhantes, além de ressocializá-lo, reeducá-lo para que retorne ao

convívio com as outras pessoas e não cometa mais transgressões. É, pois,

necessário selecionar quais penas devem ser direcionadas àquele determinado

delinqüente e quais os modos de aplicá-las, a fim de que proporcione impressão

mais eficaz e mais duradoura no espírito dos homens, seja menos tormentosa no

corpo do réu e o recupere devidamente.

O autor do crime é o verdadeiro protagonista na justiça penal; é evidente

sem dúvidas, que a avaliação jurídica do crime e dos seus motivos determinantes se

entrelaça com as características de sua personalidade. Portanto, há extrema

necessidade, que o exame criminológico ocorra para que a personalidade do

delinqüente seja então delineada e proporcione a classificação eficaz dos mesmos.

Determine, nestes termos a instituição penal adequada para cada caso, assim como

as medidas terapêuticas para sua reeducação.

Somente a partir de perícia e exames pode ser diagnosticado o desvio

psíquico na personalidade de um delinqüente. No que se refere aos distúrbios

psicológicos da personalidade psicopática torna-se mais complexo este diagnóstico,

uma vez que a anomalia interfere na afetividade, sentimentos, instintos, caráter e

até, em alguns casos, em sua autodeterminação.

A Constituição Federal Brasileira de 1988 é taxativa ao determinar a

individualização da pena, a classificação é requisito fundamental, posto que

demarca o início da execução das penas privativas de liberdade e também da

medida de segurança e visa assegurar os princípios da personalidade e da

proporcionalidade da pena, que são direitos e garantias constitucionais. Adequada a

classificação, cada sentenciado terá conhecida sua personalidade recebendo o

tratamento penitenciário adequado.

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A não efetuação de exame prévio de sanidade mental, entretanto,

comprometerá a classificação do criminoso podendo então acarretar problemas no

sistema prisional, para onde criminosos de alta periculosidade são encaminhados de

modo incorreto, sendo misturados a criminosos considerados não perigosos ou

pouco perigosos.

Por fim, conclui-se que a melhor forma de solucionar a questão do

encarceramento incorreto de psicopatas e presos comuns em um mesmo

estabelecimento prisional seja a alteração na Lei de Execuções Penais, conforme

apresentado no projeto de Lei 6858/ 2010. Este, além de prever em seu artigo 84,

parágrafo 3º a separação por seções, onde presos psicopatas cumprirão sua pena

privativa de liberdade fora do convívio com presos comuns, ainda atribui importância

significativa a atuação do exame criminológico, instrumento básico que também

evitará tal problema.

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ANEXO

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PROJETO DE LEI Nº 6858, de 2010. (Do Sr. Dr. Marcelo Itagiba)

Altera a Lei nº 7.210, de 1984, Lei de Execução Penal, para criar comissão técnica independente da administração prisional e a execução da pena do condenado psicopata, estabelecendo a realização de exame criminológico do condenado à pena privativa de liberdade, nas hipóteses que especifica.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Esta Lei tem por finalidade alterar a Lei nº 7.210, de 1984, para

estabelecer que a realização de exame criminológico do condenado à pena privativa

de liberdade, no momento em que entrar no estabelecimento prisional e em cada

progressão de regime a que tiver direito, seja feita por comissão técnica

independente da administração prisional.

Art. 2º A Lei nº 7.210, de 1984, Lei de Execução Penal, passa a vigorar

acrescida das seguintes disposições:

“Art. 6º A classificação será feita por Comissão Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso provisório, levando em consideração o resultado de exame criminológico.” (NR) .....................................................................................................

“Art. 8º A Sem prejuízo do disposto nos artigos 6º, 7º e 8º, para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da execução, o condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico realizado também por comissão técnica independente. §1º A comissão técnica de que trata este artigo deverá identificar os presos portadores de psicopatia para orientar a individualização da execução penal de que trata o art. 5º. §2º A comissão será composta de profissionais da área de saúde mental e de psicologia criminal especialmente designados para a função, presidida por especialista de notório saber, com mandato de dois anos, permitida recondução.”

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“Art. 84................................................................................................... §3º. O condenado ou preso provisório classificado como psicopata cumprirá pena em seção distinta daquela reservada aos demais presos.” (NR) Art. 112.................................................................................................. § 3º A transferência para regime menos rigoroso, a concessão de livramento condicional, o indulto e a comutação de penas do condenado classificado como psicopata depende de laudo permissivo emitido pela comissão técnica de que trata o art. 8º-A. Art. 3º Esta lei entrará em vigor 60 dias após a sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

Já apresentei nesta Casa, o Projeto de Lei nº 6.285, de 2009, que “Altera

a Lei nº 7.210, de 1984, Lei de Execução Penal, para exigir exame criminológico do

condenado no cumprimento da pena privativa de liberdade em regime semi-aberto e

aberto”.

Agora, em complementação àquela medida, apresento proposta

legislativa com o fim de garantir a realização obrigatória de exame criminológico do

agente condenado à pena restritiva de liberdade, quando de sua entrada no

estabelecimento prisional em que cumprirá a pena, e quando das progressões de

regime a que tiver direito, por uma comissão técnica independente.

Importa a complementação legislativa, na medida em que promoverá a

manifestação obrigatória de uma comissão técnica de fora da estrutura formal das

penitenciárias, com a capacitação profissional indispensável à avaliação das

condições psico-sociais do preso quando este, por decisão da Justiça, puder estar

em contato com a sociedade.

Vale dizer, o projeto vem sanar aquilo que tem sido objeto de muitas

críticas, mormente a de que o exame é um ponto frágil do sistema por promover

falhas importantes no que concerne a segurança de decisões judiciais que autorizam

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a saída do condenado do sistema prisional. Com a determinação legal de que a

Comissão Técnica que realizará o exame criminológico não estará ligada ou

subordinada aos diretores ou responsáveis pelos presídios, a isenção da

qualificação adotada para o preso estará, a nosso ver, garantida. Com este

propósito o projeto modifica o artigo 6º e cria o 8º-A, na LEP.

Além disso, outra alteração se faz necessária, no mesmo diapasão das

primeiras, a fim de prever a execução da pena do psicopata separadamente da dos

presos comuns.

A questão da psicopatia ainda é um tanto controversa, já que há tempos

existe a discussão se tal patologia, enquanto perturbação da personalidade deve ser

considerada como uma categoria diagnóstica nas classificações internacionais ou se

os transtornos de personalidade já catalogados dão conta de identificar os sujeitos

que apresentam tais distúrbios de conduta (Psico-USF, v. 11, n. 2, p. 265-266, jul./dez.

2006).

Atualmente, é usada a denominação transtorno antissocial da

personalidade, mas estudos recentes mostram a necessidade de se diferenciar dois

subtipos dentro dessa classificação, a saber, transtorno parcial da personalidade,

menos grave e que geralmente caracteriza os ditos criminosos comuns, e transtorno

global da personalidade, que se aproxima do conceito de psicopatia de Hare (op.

cit.):

“Nesse sentido, a escala PCL. R (Psychopathy Checklist Revised), de autoria de Robert D. Hare, foi tema da tese de doutorado da psiquiatra Hilda Morana, defendido na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. No trabalho, a autora buscou identificar o ponto de corte da versão brasileira, ou seja, a partir de que pontuação um sujeito pode ser considerado psicopata, tornando a escala apta para utilização em contexto nacional, sendo sua venda recentemente permitida pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP). O PCL. R, que é o primeiro exame padronizado exclusivo para o uso no sistema penal do Brasil, pretende avaliar a

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personalidade do preso e prever a reincidência criminal, buscando separar os bandidos comuns dos psicopatas. A autora defende em sua tese que não é o tipo de crime que define a probabilidade de reincidência, e sim a personalidade de quem o comete. Assim, os estudos visando à adaptação e validação desse instrumento para a população forense brasileira, bem como sua comercialização para os profissionais da área, há muito urgiam ser viabilizados no Brasil. (...) A psicopatia é entendida atualmente no meio forense como um grupo de traços ou alterações de conduta em sujeitos com tendência ativa do comportamento, tais como avidez por estímulos, delinqüência juvenil, descontroles comportamentais, reincidência criminal, entre outros. É considerada como a mais grave alteração de personalidade, uma vez que os indivíduos caracterizados por essa patologia são responsáveis pela maioria dos crimes violentos, cometem vários tipos de crime com maior freqüência do que os não-psicopatas e, ainda, têm os maiores índices de reincidência apresentados. Assim, o que o PCL. R pretende diferenciar são os psicopatas dos nãopsicopatas, segundo a proposta de Hare. Um dos principais objetivos da escala é identificar os sujeitos com maior probabilidade de reincidência criminal, sendo assim, além de um instrumento diagnóstico importante para tomada de decisão acerca do trâmite do condenado no sistema penal, uma ferramenta para separar os que apresentam tal condição daqueles que não a apresentam, com vistas a não prejudicar a reabilitação dos chamados criminosos comuns.” (op. cit).

No sistema carcerário brasileiro não existe um procedimento de

diagnóstico para a psicopatia quando há solicitação de benefícios, redução de penas

ou para julgar se o preso está apto a cumprir sua pena em um regime semi-aberto

(Ana Beatriz Barbosa Silva in “Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado”,

Fontana, 2008):

“Se tais procedimentos fossem utilizados dentro dos presídios brasileiros, certamente os psicopatas ficariam presos por muito mais tempo e as taxas de reincidência de crimes violentos diminuiriam significativamente. Nos países onde a escala Hare (PCL) foi aplicada com essa finalidade, constatou-se uma redução de dois terços das taxas de reincidência nos crimes mais graves e violentos. Atitudes como essas acabam por reduzir a violência na sociedade como um todo.” (op. cit.).

Assim é que, acredito, a LEP deve ser alterada para que o programa

individualizador da pena privativa de liberdade do condenado ou preso provisório

classificado como psicopata vise ao restabelecimento do portador da psicopatia,

sem descurar da recuperação dos demais presos. Para isso é preciso

instrumentalizar o Estado com este fim, razão pela qual proponho a inclusão de §3º

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ao art. 84, para que o condenado ou preso provisório classificado como psicopata

cumpra sua pena em seção distinta daquela reservada aos demais presos.

De outro lado, é preciso também que a concessão de livramento

condicional, o indulto e a comutação de penas do preso classificado como psicopata,

bem como a sua transferência para regime menos rigoroso, dependa de laudo

permissivo emitido por quem tenha condição técnica de fazê-lo, com a devida

segurança, para que não aconteça fatos como o relatado por Ana Beatriz Barbosa

Silva (op. cit):

“Um caso que exemplifica a importância de medidas com as descritas acima é o de Francisco Costa Rocha, mais conhecido como “Chico Picadinho”, autor de dois dos crimes de maior repercussão da história policial brasileira. Em 1966, Francisco, que até então parecia ser uma pessoa normal, matou e esquartejou a bailarina Margareth Suida em seu apartamento no centro de São Paulo. Chico foi condenado a 18 anos de reclusão por homicídio qualificado e mais dois anos e seis meses de prisão por destruição de cadáver. Em junho de 1974, oito anos depois de ter cometido o primeiro crime, Francisco foi libertado por bom comportamento. No parecer para concessão de liberdade condicional feito pelo então Instituto de Biotipologia Criminal constava que Francisco tinha “personalidade com distúrbio profundamente neurótico”, excluindo o diagnóstico de personalidade psicopática. No dia 15 de outubro de 1976, Francisco matou Ângela de Souza da Silva com os mesmos requintes de crueldade e sadismo do seu crime anterior. Chico foi condenado a trinta anos de reclusão e permanece preso até hoje.”

Isto posto, conto com o apoio dos Pares para a aprovação de mais este

projeto de lei que, certamente, consistirá em avanço da execução penal brasileira,

na medida em que redundará em muito menos reincidência criminal, em relação aos

índices da atualidade.

Sala das Sessões, de 24 de fevereiro de 2010.

MARCELO ITAGIBA

Deputado Federal/PSDB-RJ