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8/18/2019 O Défice Estratégico Da Ordenação Constitucional Das Autonomias Regionais - Blanco Morais http://slidepdf.com/reader/full/o-defice-estrategico-da-ordenacao-constitucional-das-autonomias-regionais 1/24 O défice estratégico da ordenação constitucional das autonomias regionais Pelo Prof. Doutor Carlos Blanco de Morais(*) 1. Subsídios para uma ideia de pensamento estratégico nas revisões constitucionais  A ideia de “estratégia constitucional” implica uma visão, minimamente estável, sobre os grandes objectivos que se pretende que uma Constituição cumpra ao longo do tempo. Ela exige, por consequência que sejam pesadas as vicissitudes históricas, políticas, económicas e sociais de cada acto de alteração da Lei Fundamental de um Estado e que se oriente as revisões constitucionais para os referidos objectivos fundamentais, mediante a avaliação prévia da repercussão das normas que se pretende aditar. Uma visão global sobre as revisões que têm marcado a Constituição de 1976 (CRP)  permite-nos concluir que a fixação de uma estratégia político-constitucional consequente para Lei Fundamental acabou por se esgotar nas reformas de 1982 (com a transição de uma democracia vigiada por um órgão político-militar para um Estado de direito democrático pleno, com reforço da componente parlamentar do sistema de governo) e de 1989 (com a transição de uma economia mista de pendor colectivista para uma economia social de mercado). Já outras revisões subsequentes, como a de 1997, não obedeceram a qualquer estratégia de fundo e outras ainda, como a de 2004, no tocante à vertente europeia, puseram a “carroça à frente dos bois”, invocando implicitamente uma nova ordem constitucional europeia que não entrou em vigor, ficando parcialmente o n.° 4 do art.° 8.° sem objecto aplicativo durante um apreciável interregno que ainda não terminou(1). Importaria destacar que a ideia de estratégia constitucional não significa uma qualquer crença ingénua no devir evolutivo de uma determinada Constituição, em tomo de modelos e princípios imutáveis que vão sendo gradualmente objecto de um mero “aggiornamento” pontual. As Constituições dos sistemas codicistas europeus caracterizam-se, não poucas vezes, por reformas profundas a meio do percurso, por revisões emblemáticas e até por rupturas que geram a feitura de novas constituições, mesmo em cenários de normalidade democrática. O que parece verdadeiramente incompatível com uma estratégia verosímil no  pensamento constitucional, é o “fernesim” da revisão permanente(2), associado à febre do improviso e do tacticismo; da renumeração atrabiliária de artigos; da adopção de modelos institucionais que avançam e recuam moldando-se à espuma da conjuntura; dos ganhos partidários de ocasião; e, finalmente, da incapacidade de avaliação do impacto dos regimes jurídicos que se criam “ex novo”, remetendo -se a descodificação de compromissos deliberadamente embastecidos para a Justiça Constitucional. É certo que a Constituição de 1976 sempre manifestou um reduzido grau de aptidão integradora da sensibilidade nacional, contribuindo o seu preâmbulo panfletário, o seu  programatismo estatista, os seus princípios sociais quiméricos e a sua desnecessária extensão normativa, para a criação de resistências e “alergias” quanto à sua fácil

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O défice estratégico da ordenação constitucional das

autonomias regionais

Pelo Prof. Doutor Carlos Blanco de Morais(*)1. Subsídios para uma ideia de pensamento estratégico nas revisões constitucionais  

A ideia de “estratégia constitucional” implica uma visão, minimamente estável, sobre os

grandes objectivos que se pretende que uma Constituição cumpra ao longo do tempo.Ela exige, por consequência que sejam pesadas as vicissitudes históricas, políticas,económicas e sociais de cada acto de alteração da Lei Fundamental de um Estado e quese oriente as revisões constitucionais para os referidos objectivos fundamentais,mediante a avaliação prévia da repercussão das normas que se pretende aditar.

Uma visão global sobre as revisões que têm marcado a Constituição de 1976 (CRP) permite-nos concluir que a fixação de uma estratégia político-constitucionalconsequente para Lei Fundamental acabou por se esgotar nas reformas de 1982 (com atransição de uma democracia vigiada por um órgão político-militar para um Estado dedireito democrático pleno, com reforço da componente parlamentar do sistema degoverno) e de 1989 (com a transição de uma economia mista de pendor colectivista parauma economia social de mercado).

Já outras revisões subsequentes, como a de 1997, não obedeceram a qualquer estratégiade fundo e outras ainda, como a de 2004, no tocante à vertente europeia, puseram a“carroça à frente dos bois”, invocando implicitamente uma nova ordem constitucional

europeia que não entrou em vigor, ficando parcialmente o n.° 4 do art.° 8.° sem objectoaplicativo durante um apreciável interregno que ainda não terminou(1).

Importaria destacar que a ideia de estratégia constitucional não significa uma qualquercrença ingénua no devir evolutivo de uma determinada Constituição, em tomo demodelos e princípios imutáveis que vão sendo gradualmente objecto de um mero“aggiornamento” pontual. As Constituições dos sistemas codicistas europeus

caracterizam-se, não poucas vezes, por reformas profundas a meio do percurso, porrevisões emblemáticas e até por rupturas que geram a feitura de novas constituições,mesmo em cenários de normalidade democrática.

O que parece verdadeiramente incompatível com uma estratégia verosímil no pensamento constitucional, é o “fernesim” da revisão permanente(2), associado à febre

do improviso e do tacticismo; da renumeração atrabiliária de artigos; da adopção demodelos institucionais que avançam e recuam moldando-se à espuma da conjuntura; dosganhos partidários de ocasião; e, finalmente, da incapacidade de avaliação do impactodos regimes jurídicos que se criam “ex novo”, remetendo-se a descodificação decompromissos deliberadamente embastecidos para a Justiça Constitucional.

É certo que a Constituição de 1976 sempre manifestou um reduzido grau de aptidãointegradora da sensibilidade nacional, contribuindo o seu preâmbulo panfletário, o seu

 programatismo estatista, os seus princípios sociais quiméricos e a sua desnecessáriaextensão normativa, para a criação de resistências e “alergias” quanto à sua fácil

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aceitação psicológica em muitos sectores da Comunidade. Contudo, pese o facto de oautor destas linhas ser um constitucionalista afectivamente pouco afeiçoado ao textooriginário de 1976, ele não deixa de considerar como juridicamente nociva a política do“remendo constitucional permanente” que, desde a revisão constitucional de 1997, vai

desfigurando a Lei Fundamental da República, ameaçando convertê-la, a subsistir a

mesma linha de evolução, numa manta de retalhos problemática, criadora de litígiosespúrios e insusceptível de interiorização pelos cidadãos.

O domínio que se escolheu para esta breve análise relativa ao défice estratégico dodecisor constitucional, consiste no modelo de ordenação das autonomias poítico-administrativas dos Açores e da Madeira, na sua vertente legislativa.

Trata-se de uma área que parece reflectir o modo como sucessivos exercício tácticos passaram a possuir o “animus” das revisões constitucionais, procedendo-se a alterações,uma vezes desnecessárias, outras extemporâneas e outras ainda, pautadas por simplesexercícios contraditórios com os regimes anteriores que desfiguraram a unidade e a

coerência do pensamento constitucional sobre a matéria.

Em Estados com uma autonomia territorial avançada e amadurecida, como é o caso dosfederalismos norte-americano e alemão, a evolução das relações entre o centro e a

 periferia não tem sido marcada por avanços e recuos erráticos traduzidos em sucessivasrevisões constitucionais. As normas da Lei Fundamental têm mantido uma muitoapreciável estabilidade e as novidades acabam, frequentemente por resultar da

 jurisprudência e da legislação infra-constitucional.

Mesmo nos regimes unitários regionais espanhol e italiano, mais incertos, e instáveisnas relações entre categorias normativas, a linha de rumo de uma autonomia evolutiva

 parece caminhar, tanto no sentido de uma maior aproximação entre regiões deautonomia comum e autonomia privilegiada, como também no sendeiro de uma difusameta federal ou pós-federal, procurando revisões constitucionais como a italiana de2001(3), preparar esse processo que, todavia, não foi aceite em 2006, mediante votonegativo expresso em referendo.

Ao invés, em Portugal, a história dos últimos trinta anos demonstrou que nunca existiuum objectivo estável no modelo de organização territorial, para além de uma ideiadifusa de “autonomia progressiva”, expressão que reflecte tanto uma fuga à definição de

qualquer estratégia aplicada em permanência, como o abandono do processo de

regionalização a todas as vicissitudes de ordem conjuntural.A autonomia progressiva para o poder político regional parece ter, apenas, o “céu como

limite” e quiçá, algo envergonhadamente, para os demais actores, a preservação da

integridade do Estado e do núcleo das suas funções de soberania.

De entre as vicissitudes que mais contaram para a evolução “ziguezaguiante” do modelo

constitucional português de autonomia legislativa regional e da sua implosão parcial em2004, destacou-se a força de pressão dos ramos autonómicos dos partidos do blococentral, exibida nas diversas revisões ordinárias do texto fundamental.

Essa pressão tomou-se mais intensa no decurso de períodos onde se encontram ausentesmaiorias absolutas monopartidárias sólidas, situação que tornou as lideranças dos

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 principais partidos do Governo e da oposição mais dependentes desses ramosregionais(4). Foi o que ocorreu em 1997, com um protagonismo do ramo social-democrata da RA da Madeira no processo de revisão econstitucional e em 2004, onde ainfluência do referido ramo foi paralelamente reforçada pelo ramo socialista da RA dosAçores, tendo o centralismo clássico do PS sofrido uma alteração, a partir do momento

em que adquiriu um reduto regional no arquipélago açoreano(5).

Importa acrescentar que a falta de uma estratégia constitucional para as regiões comautonomia político-administrativa é acompanhada, paralelamente, por uma situaçãodeficitária análoga, em matéria de regionalização administrativa do Continente, o quetraduz a ideia-força de que os decisores constitucionais têm ou uma dificuldade ou umarelutância crónica, em perspectivarem a organização constitucional do espaçoterritorial(6).

2. Efeitos de um défice de pensamento estratégico nas revisões constitucionais em

matéria de repartição de competências legislativas entre o Estado e as Regiões

Autónomas 

A história da regionalização político-administrativa não é propriamente uma história deinsucesso num Estado de pequena dimensão territorial e com forte coesão nacional,como Portugal em que não são as especificidades das populações insulares ou nas suas“históricas aspirações autonomistas” (como algo retoricamente proclama o n.° 1 do art.°

225.° da CRP) que justificaram a regionalização periférica mas, fundamentalmente, aforte descontinuidade territorial dos arquipélagos atlânticos.

 Não estará pois em causa, nesta a análise, a avaliação do sucesso do modelo regional para as populações insulares, o qual parece ser evidente. Estará, sim, em debate, a faltade coerência e o défice estratégico dos decisores constitucionais quanto ao modeloorganizativo das mesmas autonomias bem como os elevados custos deste último, para otodo nacional, não apenas no plano da igualdade financeira e prestacional, massobretudo, na perturbação que as vacilações da moldura jurídica das autonomias temimportado para o sistema de fontes legislativas uni-tárias.

Em suma, o percurso constitucional das autonomias insulares tem constituído umaverdadeira saga, caracterizada por um fenómeno de revisão constitucional permanente.Fenómeno, caracerizado pela emissão de regimes jurídicos instáveis e contraditórios,como se procurará demonstrar de seguida, numa análise aos quatro estádios evolutivos

que marcaram o sistema das relações inter-legislativas entre o Estado e as regiõesautónomas dos Açores e da Madeira.

2.1. Primeiro período (1976/1989): um modelo embrionário de vinco centralista 

O sistema assentou, a partir do texto originário da Constituição, num estranho modelode repartição horizontal de competências em lista plural, com algumas semelhanças como que foi consagrado na Constituição da II República espanhola: na Constituição daRepública Portuguesa figurava a discriminação de competências legislativas dos órgãosde soberania (primitivos arts. 164.° 164.°, 167.°, 168.° e 200.°); constava igualmente,um acervo de competências mínimas atribuídas às regiões (primitivo art.° 229.°); e

remetia-se para os estatutos de autonomia(7) um elenco de matérias da esferaconcorrencial atribuído à competência legislativa regional (8).

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 Os decretos legislativos regionais podiam ser apenas emitidos no domínio das matériassituadas fora da reserva expressa de competência dos órgãos de soberania (e que sefirmou como área de concorrência paralela e, depois, também, complementar entre oEstado e as duas regiões). Contudo, tal regra não significava que os mesmos decretos

 pudessem regular livremente qualquer matéria situada, em abstracto, nesse universoconcorrencial. Na verdade, os actos legislativos regionais, encontravam-se limitados,em termos positivos, por uma cláusula competencial de carácter móvel, designada porinteresse específico regional (alínea a) do n. ° 1 do primitivo art. ° 229.°) e,simultaneamente, no plano positivo e negativo, pelas leis gerais da República. Estaseram leis estaduais emitidas na esfera concorrencial paralela com as regiões dotadas derelevo imediato para todos os cidadãos. As suas normas podiam descer ao pormenor,sendo vedado aos actos regionais contraditá-las, sob pena de invalidade.

A Revisão Constitucional de 1982 logrou aperfeiçoar o texto originário. Assim o n.º 4do art.° 115.° procedeu à definição do conceito de leis gerais da República [que, na base

de um critério formal, espacial e material, eram caracterizadas como todas as leis edecretos-leis que, pela sua razão de ser (unitária), se aplicavam sem reservas a todo oterritório nacional]. E o n.º 3 do mesmo preceito confirmou a proibição de os decretoslegislativos regionais contrariarem as leis gerais da República.

O modelo criado pautava-se por algum centralismo mitigado, compreensível nummomento de arranque e experimentação do regime autonómico, mas simultaneamente,também de equilíbrio entre os interesses envolvidos.

Em todo o caso, desde cedo, as primeiras divergências doutrinárias puseram a nuinsuficiências várias do texto constitucional, tais como:

i) Falta de precisão sobre se a enumeração das matérias de interesse específico regionalnos estatutos era ou não taxativa, ficando no ar a dúvida sobre se as regiões poderiamreger exploratoriamente matérias de potencial interesse específico, fora do marcoestatutário;

ii) Falta de caracterização da noção de interrese específico regional na Constituição,tendo a definição sido “delegada” no Tri bunal Constitucional, cuja jurisprudência

 procedeu a essa tarefa mediante um enunciado que aplicou de forma constante e estável(tendo constituído o parâmetro dominante da declaração de inconstitucionalidade de leis

regionais), se bem que, a partir de 1989, o mesmo se tenha mostrado desadequado emrelação a novos tipos de competências legislativas regionais que foram introduzidas(sobretudo as complementares);

iii) Falta de precisão, no n.º 3 do antigo art.° 115.°, de critérios relativos à relação de prevalência entre as leis gerais da República e os decretos legislativos regionais,conduzindo a uma total falta de critério uniforme que permitisse, com segurança, indicarao operador jurídico administrativo qual o direito aplicável em caso de antinomia;

iv) Insuficiência da componente material do critério de identificação das leis gerais daRepública no n.º 4 do antigo art.° 115.°, o que levou alguns a entenderem que a sua

identificação se sustentaria, caso a caso, na base de critérios materiais; e outros a“presumirem” como leis dessa natureza todas as que não excluíssem uma parcela do

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território do seu âmbito de aplicação (sem prejuízo de essa presunção poder ser ilidida,no caso de não ostentarem uma verdadeira razão de ser unitária justificativa da suaaplicação a todo o território).

A situação descrita em iii) conduziu a uma radical falta de consenso doutrinário e

 jurisprudencial: por um lado a jurisprudência admitiu uma compressão quase total dosdecretos legislativos regionais pela normação de pormenor das leis gerais daRepública(9); por outro, certos Autores buscaram, sem grande êxito, encontrar, nasvagas enumerações das matérias de interesse específico presentes nos estatutos, umlimite ao excesso de densidade reguladora às leis gerais da República(10); e por últimoainda, certos expoentes da doutrina ignoraram a proibição de contrariedade expressa non.° 3 do art.° 115.° e defenderam que os decretos legislativos regionais (como leiespecial) poderiam derrogar as leis gerais da República (na qualidade de lei geral(11).

2.2. Segundo período (1989/1997): a ficção das novas competências legislativas 

A Revisão de 1989 não logrou pôr fim a nenhuma das dúvidas geradas pelo preceituadoconstitucional a que se fez menção no parágrafo precedente. Ainda assim, foramaditadas (através, respectivamente, das alíneas b) e c) do n.º 1 do antigo art.° 229.°)novas competências legislativas à “lista regional” dos poderes autonómicos enunciada

na Constituição. Traduziram-se, as mesmas, na faculdade de as regiões legislaremmediante autorização legislativa, sobre áreas indeterminadas do universo das matériasnão enumeradas na CRP, bem como procederem ao desenvolvimento de leis estaduaisde bases, relativamente a matérias da área concorrencial e a certos domínios da reservarelativa de competência da Assembleia da República(12).

Enquanto as competências delegadas nunca foram utilizadas até à sua reformaverificada em 2004, as competências complementares foram-no, embora de uma formaescassa.

Com efeito, as autorizações legislativas às regiões autónomas sempre careceram de umobjecto inteligível. Elas constituíram, emblematicamente, o exemplo de um institutoque, até 2004, nunca foi racionalmente pensado quanto à sua finalidade econsequencialidade jurídica.

2.3. Terceiro período (1997/2004): uma pseudo-devolução de poderes convertida

em espada de dois gumes 

A revisão constitucional de 1997 pautou-se por duas características fundamentais:

i) Enquanto transferiu, com a “mão direita”, mais poderes para as regiões os quais foramassociados a ganhos semânticos (como o relativo ao “downgrading” do estatuto do

Ministro da República, em domínios laterais) ela retirou dissimuladamente outros poderes, com a sua mão esquerda;

ii) Procurou dar resposta a algumas das dúvidas equacionadas supra em 2.1. a propósitodo regime de autonomia legislativa regional, criando, todavia, ainda uma maiorincerteza jurídica traduzida em práticas legislativas de perfeição duvidosa.

Examinemos os traços dominantes da revisão considerada(13).

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 A. Nova arrumação na listagem das competências 

 No que ao sistema de repartição horizontal de competências diz respeito, o sistema delistagens sofreu algumas alterações.

O quadro de repartição de competências legislativas em lista plural manteve-se, mas foiobjecto de uma alteração.

Assim, uma nova redacção dada ao art.° 228.° procedeu explicitamente a umaenumeração de matérias de interesse específico regional, para além das constantes doart.° 227.° da CRP (renumeração dada ao primitivo artigo 229.°), muitas das quaisconstavam, anteriormente, dos estatutos de autonomia.

Procurou-se, deste modo, constitucionalizar uma nova lista regional de matérias deinteresse específico, oriundas dos estatutos, sem que se tenha entendido o alcance real

desta opção. Em suma, dentro do modelo de lista plural, manteve-se na Constituiçãouma lista de competências estaduais, conservou-se outra lista relativa a competênciasregionais (desagregada em dois artigos distintos) e conservou-se a listagem estatutária,embora esvaziada de significado, atenta a transfusão de matérias operada, da sua esfera,

 para o art.° 228.° da C.R.P..

A listagem elaborada primou pela sua radical incompletude, ao ponto de ser legítimoquestionar a respectiva razão de ser.

É que, o carácter incompleto da enumeração manifestou-se através da faculdade de asregiões poderem legislar na esfera do interesse específico, fora do âmbito das listagensconstitucionais e estatutárias, mormente através de autorizações legislativas (alí-nea b)do n.° 1 do novo art.° 227.°; do desenvolvimento de bases em áreas concorrenciaisindeterminadas (primeira parte da alínea c) do n.° 1 do mesmo artigo); e da faculdade deas regiões legislarem sobre matérias de interesse específico não enumeradas (alínea o)do art.° 228.°).

A redacção então conferida ao art.° 228.° procurou, aliás, resolver, através de umasingela redacção, dois problemas doutrinários pendentes: determinar que a enumeraçãoestatutária (e também constitucional) seria exemplificativa e não taxativa e definir,finalmente, a noção de interesse específico.

O resultado ficou além dos eventuais propósitos clarificadores. Isto porque, ao optar pela não taxatividade das enumerações, o legislador deixou pendente a razão de ser dasmesmas. Teria, na realidade, bastado para atingir o mesmo efeito que o legisladoroptasse por uma enumeração de lista estadual e permitisse às regiões legislar, em sedede competência concorrencial paralela, nas matérias remanescentes (as quais escusariamde figurar na Constituição ou nos estatutos).

Preceitos com a dignidade jurídica de normas constitucionais e de normas estatutáriasacabaram, assim, por serem reduzidos ao “status” de “normas exemplificativas” de

competências regionais o que, em termos dogmáticos, suscita, desde logo, um problema

de caracterização.

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Por outro lado, a tardia definição de interesse específico nada acrescentou em termos de“mais valia jurídica”, sobretudo em tempos em que a rigidez e a axiologia centralistadessa medida de valor se encontrava a ser contestada. A alínea o) do art.° 228.° limitou-se, a bem da verdade, a proceder a um decalque da caracterização operada há muito pela

 jurisprudência constitucional, a qual já exibia alguma obsolescência.

Finalmente, toda a débil construção arquitectónica das enumerações de competênciassofreu uma subtil e nova excepção, mas esta em detrimento das regiões, através dacriação de uma “cláusula móvel” de redistribuição de poderes a favor do Estado,

mediante a inclusão, no primitivo n.° 9 do art.° 112.° da CRP, de uma reserva de actolegislativo dos órgãos de soberania no respeitante à transposição de directivascomunitárias.

Assim, se uma directiva fosse emitida sobre uma matéria previamente disciplinada porleis estaduais e regionais, regulando estas últimas domínios de interesse específicoreconhecidos por expressa previsão constitucional ou estatutária, caberia à lei ou

decreto-lei que transpusesse a directiva, fazê-lo para todo o território, revogando alegislação regional precedente.

Deste modo, por negligência ou por uma subtil intenção maligna (situação que asregiões, demasiado ocupadas em desmantelar os então Ministros da República,deixaram passar ao lado) foi criado um instrumento encoberto, selectivo e mortífero deesvaziamento das competências legislativas regionais.

Esta cláusula móvel demonstrou, cabalmente que a valorização das autonomias,constituiu em 1997, uma espada de dois gumes.

B. O novo regime das leis gerais da República 

Abordando, agora, outras alterações com forte impacto nas relações inter-legislativas,importará assinalar o novo regime das leis gerais da República, consideradascronicamente pelo poder político da RA da Madeira como um instrumento de clarovinco centralista.

O propósito da revisão terá sido identificá-las formalmente e “encolher” a extensão do

seu poder vinculativo sobre o conteúdo dos actos legislativos regionais. Cumpreantecipar, contudo, que nenhum dos objectivos foi alcançado.

Em primeiro lugar, no n.o 5 do art.° 112.° da CRP (renumeração do antigo 115.°), oconceito de lei geral da República foi objecto de um aditamento formal, determinando-se a necessidade de as mesmas leis decretarem expressamente essa sua natureza esuprimindo-se a fórmula que determinava a sua aplicação “sem reservas” a todo o

território nacional.

À primeira vista, esta exigência destinou-se a pôr termo à querela da identificação destacategoria de leis paramétricas. Passou a ser fundamental que o legislador declarasse queo mesmo acto se destinaria a valer como lei geral da República, para que ele passasse aaplicar-se, nas regiões, como tal.

A inovação seria bem vinda em termos de segurança jurídica, se não tivesse criado nos

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deputados uma enorme confusão a propósito das matérias susceptíveis de seremreguladas pelas mesmas leis gerais da República. Com efeito, um sector da doutrinaencabeçada por JORGE MIRANDA(14) considerou que após a revisão de 1997, as leisgerais da República passariam não só a disciplinar matérias concorrenciais, mas tambémreger matérias da reserva de competência dos órgãos de soberania.

Tivemos a oportunidade de formular algumas objecções a essa construção(15), já quenada na revisão efectuada permita sustentar semelhante conclusão. E reafirmámos que aalínea a) do n.° 1 do novo art.° 227.° continuou a separar nitidamente as matérias dareserva expressa de competência dos órgãos de soberania (onde as regiões não poderiamlegislar) da área concorrencial onde operariam, em binários distintos, as leis gerais daRepública e os actos legislativos regionais, sem prejuízo de estes deverem respeitar os“princípios fundamentais” das leis gerais da República. Estas, leis unitárias na verdade,

continuaram a operar, através desses princípios fundamentais, como um limite móvelaos decretos legislativos regionais, limite que só se justificaria se pudessem travarrelações com estes, no espaço concorrencial.

De todo o modo, a ilustre opinião doutrinária aqui apreciada criticamente passou aentender que, ao poder reger tanto matérias concorrenciais como matérias reservadas, alei geral da República decompor-se-ia em duas modalidades: a das leis geraisrespeitantes à reserva soberana (que estariam dispensadas de declarar expressamente asua natureza) e as leis gerais do domínio concorrencial que deveriam proceder à sua

 própria identificação nos termos do n.° 5 do art. o 112.°.

 Não tendo colhido na prática legislativa parlamentar a tese da dispensa acabada dereferir, mas gerando-se nos deputados o temor de que as regiões recusassem reconhecercomo leis gerais da República, actos emitidos no âmbito da competência reservada aosórgãos de soberania, a Assembleia da República passou a carimbar como leis gerais daRepública toda a espécie de leis, quer reservadas, quer incidentes no universoconcorrencial.

O carácter inadequado desta qualificação acabou por ser objecto de reparos por parte doGoverno.

Uma informação do Gabinete do Secretário de Estado da Presidência do Conselho deMinistros propôs que se retomasse a anterior prática de se qualificar apenas como leisgerais da República os diplomas legais da competência concorrencial do Governo com a

Assembleia da República, pois nada na Revisão de 1997 autorizava uma alteração nessedomínio de incidência.

O referido ofício mereceu concordância do então Secretário de Estado (Despacho de 4-10-2000), bem como parecer favorável do CEJUR, tendo o Governo, a partir de entãoensaiado flutuantemente uma prática diversa da Assembleia da República no processode decretação das leis gerais da República, criando-se uma disparidade problemática emtermos de unidade normativa e de certeza na produção do direito.

Em segundo lugar, as leis gerais da República passaram a vincular os decretoslegislativos regionais comuns apenas quanto aos seus “princípios fundamentais” e não

quanto à totalidade do seu preceituado (n.° 4 do art.° 112.°).

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 Não definiu o novo preceito constitucional em que consistiria esse novo conceito jurídico indeterminado de “princípios fundamentais,” tendo remetido a suadescodificação para o Tribunal Constitucional.

A opção do decisor constitucional constituiu um tremendo factor de insegurança

 jurídica que terá constituído, a nosso ver, o dobre de finados pelas leis gerais daRepública.

A circunstância de as leis gerais da República constituírem a grande massa da legislaçãoconcorrencial entre o Estado e as regiões e o facto de essa legislação se apresentar comouma normação de detalhe ou de pormenor converteu a selecção desses “princípios

fundamentais” numa tarefa interpretativa ingrata.

Como decantar os “princípios fundamentais” de uma lei sobre comercialização de

hortofrutículas? Quais os princípios fundamentais e a parte supletiva de uma lei de prevenção rodoviária ou da parte dominante do Código de Processo Civil?

Como o próprio legislador renunciou à tarefa de identificar esses princípios, os mesmosficaram à mercê do intérprete, com os seguintes efeitos negativos:

i) o legislador regional ficou sem saber, com clareza, o que deveria ou não respeitarnuma lei geral da República;

ii) Quando, ao legislar, contrariasse os princípios fundamentais da mesma lei geral, odecreto legislativo regional, no plano da execução administrativa, aplicar-se-ia

 preferentemente sobre a mesma lei (posição que recolheu a unanimidade da doutrinaapós a revisão de 1997), podendo a disciplina legal soberana ficar durante anos semeficácia na região, até que o Tribunal Constitucional declarasse a ilegalidade do diplomaregional;

iii) Dada a prática do legislador autonómico em incorporar em decreto legislativoregional leis gerais da República e introduzir-lhe adaptações (o que era proibido até1997), gerou-se a maior insegurança sobre a validade e eficácia da legislação regionalque realizasse essa incorporação, nos casos de caducidade, suspensão ou revogação dareferida lei geral da República, ou ainda de alteração aos seus potenciais princípiosfundamentais;

iv) A expressão “princípios fundamentais” revelou-se equívoca e conflitual, não só porque desadequada a leis de detalhe, mas também porque propiciadora de leiturasminimalistas nas regiões.

A doutrina procurou ensaiar diversas definições desse conceito(16), convergindo naideia de que os mesmos princípios não se reduziriam a directrizes ou bases (o que seriaredundante já que as regiões dispunham do poder de desenvolver bases legais) e que sereconduziriam, como limites externos, aos fins da lei geral da República, podendo osmesmos ser recolhidos a partir de regras detalhadas.

Contudo, nenhuma caracterização foi tomada firme, nem sequer pelo Tribunal

Constitucional.

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Este, volvidos cinco anos sobre a última revisão constitucional, renunciou a umadefinição, preferindo, evitar o conceito e decantar os referidos princípios “ad casum”, o

que não deixou de constituir um factor de insegurança para o legislador e uma forma deinvestir o Tribunal em legislador “de facto”. O Tribunal passou a actuar

casuisticamente, sem se reportar a um critério normativo devidamente densificado que

 parametrizasse os seus juízos de legalidade (cfr. Acórdãos n.os 631/99 e 532/2000).

Em terceiro lugar, passou a registar-se um “volte face” na relação de tensão imediata, no

 plano da eficácia, entre leis gerais da República e decretos legislativos regionais.

As leis gerais da República deixaram como se disse, de ter força suspensiva ou“preemptiva” sobre legislação regional antitética, passando os decretos legislativos

regionais a prevalecer sobre as primeiras, na lógica do princípio da especialidade, sem prejuízo de poderem ser impugnados junto do Tribunal Constitucional em caso deviolação dos “princípios fundamentais” da lei geral. 

Esta alteração, contudo, por não resultar expressamente da Constituição, mercê de umaconvergência doutrinária, acabou por criar dúvidas e perplexidades no operadoradministrativo.

Em quarto lugar, passou a entender-se, por via interpretativa, que as autorizaçõeslegislativas concedidas às regiões passariam a servir para desaplicar, no todo ou em

 parte, os “princípios fundamentais” das leis gerais da República, dividindo-se deimediato a doutrina entre os partidários da faculdade de os órgãos de soberania poderemrevogar e alterar a autorização e revogar o diploma autorizado e os que negaram essaeventualidade, equiparando as autorizações a transferências definitivas decompetências.

Em quinto lugar, a Constituição não deu resposta, em face da nova regra quedeterminou que as leis gerais da República decretassem expressamente essa suanatureza, à questão de se saber se as leis estaduais que dispusessem sobre domínios daárea concorrencial e que não procedessem a essa decretação vigorariam, ou não, nasregiões como Direito supletivo.

2.4. Quarto período (2004): desabamento parcial do modelo anterior e opção por

uma devolução de poderes legislativos com separação de âmbitos materiais 

Os efeitos perturbadores da Revisão de 1997 em termos de falta de coerência do sistemade repartição de competências e de incerteza na identificação e operatividade paramétrica dos “princípios fundamentais” das leis gerais da República acabaram por

determinar, em 2004, (por via de nova pressão dos ramos regionais dos dois maiores partidos políticos), uma alteração mais profunda do sistema ordenador das relaçõesinter-legislativas entre o poder central e o periférico.

A Revisão de 2004 caracterizou-se, nos seu traços gerais, pela:

i) Opção clara por um modelo centrado na redução dos eixos de comunicação entre leisestaduais e regionais e pela tentativa (não inteiramente conseguida) de criação de

domínios de competência regional “exclusiva”; 

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ii) Eliminação dos vínculos unitários do “interesse específico” e das “leis gerais da

República” que condicionavam a autonomia legislativa regional; 

iii) Redução dos eixos de prevalência das leis estaduais sobre as regionais, ao domíniodos estatutos, das leis de bases, das leis de enquadramento e das leis de autorização

legislativa ( as quais foram profundamente alteradas no seu regime);

iv) Maciça transferência de matérias de virtual competência legislativa do Estado paraas regiões, particularmente evidenciada nas faculdades de transposição de directivas ede legislar, mediante autorização legislativa, sobre matérias da reserva relativa decompetência da Assembleia da República.

Detenhamo-nos, um pouco, na observação de algumas destas características.

A. Modelo de repartição de competências: retorno ao quadro primitivo de listagem

de poderes legislativos dos órgãos estaduais e regionais 

Em termos de modelo de repartição de competências, o paradigma da lista pluralconservou-se, mas com um retorno a arquitectura primitiva.

 Na Constituição, foi conservada uma listagem de matérias de competência estadual,uma listagem de matérias de competências (políticas, legislativas, administrativas,financeiras) regionais e uma remissão importante das restantes matérias de virtualcompetência autonómica, respeitantes ao universo concorrencial paralelo, para umalistagem sub-constitucional inscrita nos estatutos.

Tratou-se de uma opção simplificadora que desfez, com vantagem, os efeitosdisfuncionais da Revisão de 1997, na parte em que esta propiciara a desvalorização dosestatutos em benefício de uma transfusão inconsequente das matérias constantes das leisestatutárias para uma segunda lista regional de enumeração Constitucional (art.° 228.° aqual foi, agora, suprimida).

Outra vantagem, em termos de simplificação, acabou por ser, salvo melhor opinião, aimposição de taxatividade da enumeração constitucional e estatutária dos podereslegislativos regionais.

Essa taxatividade parece decorrer:

i) Da fórmula prevista no n.° 1 do art.° 228.° segundo a qual “A autonomia legislativa

das regiões autónomas incide sobre as matérias enunciadas no respectivo estatuto político-administrativo que não estejam reservadas aos órgãos de soberania”, a qual não

consente uma margem de exercício de poderes legislativos de tipo comum fora doestatuto (acrescendo-lhes ainda assim, os poderes legislativos de tipo mínimo (17);complementar(18) e autorizado(19), previstos na própria Constituição);

ii) Da supressão da antiga alínea o) do art.° 228.° que permitia expressamente as regiõeslegislarem fora das listagens constitucional e estatutária.

De acordo com o corpo do n.° 1 do art.° 227.° da CRP, as competênciascomplementares, delegadas e mínimas devem ser definidas nos estatutos. Considera-se,

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contudo, que a sua caracterização na Constituição é suficientemente precisa para seremimediatamente exequíveis, independentemente de figurarem, ou não, nas normasestatutárias, as quais pouco mais devem dispor sobre esta matéria do que a reproduçãoda Constituição.

Por conseguinte, estima-se que a regra do corpo do n.° 1 do art.° 228.°, deverá serconjugada, sistematicamente, com as primeiras três alíneas do n.° 1 do art.° 227.° daCRP, e valerá essencialmente para as competências comuns não enumeradas naConstituição. E que, se as competências complementares e delegadas previstas na CRPnão forem reproduzidas nos estatutos, tal não obstará a que sejam exercidas a partir dasnormas constitucionais que as consagram, decorrendo aliás, esta asserção, da parte finaldo n.° 4 do art.° 112.° da Constituição.

Uma outra questão que permanece envolta numa nebulosa tem a ver com a delimitaçãoda esfera da competência reservada aos órgãos de soberania (a qual configura emsentido amplo aquilo que definimos como “lista de competências do Estado”). 

A alínea a) do n.° 1 do art.° 227.° da CRP veda às regiões legislarem sobre matériasreservadas aos órgãos de soberania, tendo sido alterada pela Revisão de 2004, a

 primitiva fórmula, “reserva própria” dos órgãos de soberania.

Ora, tal como é sabido, o Tribunal Constitucional através de uma jurisprudênciacontrovertida, integrava na referida reserva, quer matérias expressamente reservadas aosórgãos de soberania (mormente as previstas nos arts. 164.° e 165.°, da CRP de entreoutras), quer matérias e domínios materiais não enumerados na CRP, sempre que emnome dos princípios da unidade e solidariedade nacional aqueles detivessem um relevoimediato para todos os cidadãos (Ac. 348/93).

Tratou-se, no segundo caso, de um domínio móvel da reserva estadual, a qual permitiacasuisticamente, ao Tribunal, integrar no binário soberano da concorrência paralelaentre o Estado e as regiões, áreas que ia entendendo serem de relevo unitário e, comotal, subtraídas à competência regional.

Dir-se-ia que, com a revisão de 2004 e a consequente eliminação da expressão“competência própria” dos órgãos de soberania, a reserva de competência soberana teria

 passado a coincidir com as matérias expressamente reservadas na CRP. Verificou-se,contudo, que a escassa jurisprudência emitida pelo Tribunal Constitucional depois dessa

data (cfr., por exemplo, o Ac. n.° 415/2005) continua a chamar difusamente à colaçãoem obiter dictum, a sua antiga construção ampla da reserva de competência dos órgãosde soberania alargada a matérias não enumeradas na Lei Fundamental, criando umaforte ambiguidade sobre a respectiva subsistência.

Pese o facto de semelhante construção de recorte centralista não ter arrimo no texto daCRP, mesmo antes da 6.a revisão, ela terá ainda menos procedência depois dessarevisão podendo, se não for abandonada, vir a criar focos desnecessários de crispaçãocom os entes regionais, assim como conflitos desnecessários, de competências num

 processo de repartição de poderes que a revisão constitucional de 2004 pretendeu(embora sem total êxito) tomar clara.

B. Remoção de limites ao poder legislativo regional: a supressão das leis gerais da

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República e do instituto do interesse específico das regiões  

a) O fim das leis gerais da República e o pretenso nascimento das competências

“exclusivas” 

Como elemento verdadeiramente fundamental quanto à dimensão vertical do novomodelo de distribuição dos domínios materiais de competências estaduais e regionais ede relacionamento entre os respectivos actos legislativos emerge a eliminação da figuradas leis gerais da República e do limite positivo do interesse específico regional,

 pulverizando-se um dos pilares originários do modelo de autonomia legislativa.

Em termos de qualidade legislativa e certeza do Direito, a eliminação das leis gerais daRepública afigura-se como positiva, dado que cessam todas as controvérsias edisfunções já aqui referidas, sobre:

 —  o seu âmbito material de regulação (ou seja, se incidiam sobre a esfera concorrencial

como sempre defendemos ou se também incorporavam matérias reservadas aos órgãosde soberania);

 —  o carácter errático da sua identificação formal pela Assembleia da República e acontradição desse “método carimbante” com aquele que começou a ser utilizado, a

 partir de certa data, pelo Governo;

 —  a dificuldade experimentada pelo legislador e pelo Tribunal Constitucional naidentificação dos seus princípios fundamentais e a insegurança jurídica derivada daausência de um critério geral de identificação desses princípios;

 —  a querela relativa à virtual inconstitucionalidade da derrogação desses princípios porlegislação regional delegada;

 —  a controversa vigência do conteúdo de leis gerais da República nas regiões, quandoincorporado em diplomas regionais constelados de adaptações;

 —  e as incertezas e resistências ao novo regime de prevalência resultante da antinomiaentre os princípios fundamentais destas leis e o disposto em decretos legislativosregionais de conteúdo contrário.

Com a supressão das leis gerais da República, as matérias do domínio concorrencial paralelo que incidam sobre domínios enumerados na Constituição ou nos estatutos,como de âmbito regional, continuam a ser disciplinadas por decretos legislativosregionais emitidos ao abrigo de competências legislativas comuns. Só que, no planoqualitativo, o exercício dessas competências comuns, alterou-se no sentido do reforçoda liberdade conformadora do legislador regional.

Isto porque os poderes legislativos das regiões que se exercem sobre a grande massa dematérias de âmbito regional enunciadas nos estatutos, deixaram de se encontrar sujeitasao parâmetro legal conformado pelos princípios fundamentais das leis gerais daRepública.

Será que a eliminação deste limite criou, tal como em Itália e em Espanha, um tipo de

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competências legislativas regionais tendencialmente “exclusivas” e “primárias”?  

A intenção dos deputados e das forças insulares que condicionaram à distância o processo de revisão poderá ter sido essa, atento o carácter apressado com que certadoutrina se prontificou a celebrar o nascimento desse novo tipo de poderes.

A realidade acabou, porém, por não ser exactamente essa.

Se é um facto que um decreto legislativo regional comum que incida numa matéria deâmbito regional enumerada num Estatuto passa a assumir um carácter tendencialmente

 primário ou inovatório (deixando de respeitar as normas interpostas conformadas pelos princípios fundamentais das leis gerais da República e limitando-se a observar aConstituição e os vagos critérios estatutários) o facto é que essa primariedade pode vir aser posta em causa por uma lei de bases editada pelo Governo ou pela Assembleia daRepública.

É que, constitui competência das assembleias legislativas das regiões, nos termos daalínea c) do n.° 1 do art.° 227.°, “Desenvolver para o âmbito regional os princípios e as

 bases gerais dois regimes jurídicos contidos em lei que a eles se circunscrevam.

Daqui resulta que se o Governo ou a Assembleia da República aprovarem um actolegislativo de bases, com eficácia geral para todo o território ou de eficácia limitada àsregiões, em matéria concorrencial entre o Estado e as colectividades insulares, os actoslegislativos regionais deverão observar essa legislação de bases sob pena de ilegalidade(por efeito da aplicação extensiva do n.° 2 do art.° 112.° bem como do n.° 3 do mesmo

 preceito, conjugado com a alínea b) do n.° 1 do art.° 281 ° da CRP).

Pelo que, a haver um decreto legislativo regional que colida com uma lei de basesestadual superveniente, o legislador autonómico deve alterá-lo de forma a harmonizar oseu conteúdo com essa lei subordinante, desaparecendo nessa coexistência material dedisciplinas normativas estadual e regional, o carácter primário ou exclusivo da leiautonómica.

Em suma, os órgãos estaduais conservaram a faculdade de fixar parâmetros materiais àsregiões, embora com carácter mais geral e menos denso do que os parâmetrosconstantes das leis gerais da República. E se é um facto que as competências regionaiscomuns, poderão ser, “ab origine”, tendencialmente primárias, elas ficarão sujeitas, a

todo o tempo, a uma sub-primarização superveniente, no caso de os órgãos de soberaniaaprovarem uma lei de bases ou uma lei mista contendo bases gerais dos regimes jurídicos, sobre matérias onde as mesmas possam incidir.

A emissão de legislação de bases pode transformar o exercício de competênciasregionais comuns (centradas numa primitiva concorrência paralela com a legislaçãoestadual) no exercício de competências qualitativamente diversas, ou seja, decompetências complementares.

Em conclusão, obtiveram as regiões, um ganho em termos de aumento do diâmetro dasua discricionariedade legislativa, mas esse ganho não se transformou na vitória

efemeramente reclamada por alguns, quanto à criação efectiva de competênciasregionais “exclusivas”, as quais não foram efectivamente consagradas. 

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 b) A substituição do “interesse específico” pelo limite inerente ao “âmbito

regional” 

Paralelamente, foi extinto o limite positivo do interesse específico, cessando “ex

abrupto” um conceito indeterminado que permitia à Justiça Constitucional invalidardiplomas regionais que não dispusessem sobre matérias que apenas ocorriam na regiãoou que aí tivessem uma especial configuração.

Doravante, as regiões passam a legislar, relativamente às matérias do universoconcorrencial paralelo, no “âmbito regional, uma medida de valor constitucional algo

indeterminada que configura um novo critério de delimitação competencial. De acordocom o n.° 4 do art.° 112.° da CRP, os decretos legislativos, independentemente do tipode competência ao abrigo do qual são aprovados, “têm âmbito regional”. 

Ocorre, deste modo, como que uma “decapitação” relativa dos eixos de comunicação

entre leis estaduais e regionais na esfera concorrencial paralela, através de um regime demuragem entre distintos âmbitos territoriais relativos à mesma matéria, contribuindo onovo limite do “âmbito regional” para essa operação disjuntiva. 

Trata-se de um critério de separação que dispensa, nesse universo concorrencial, aintrodução de cláusulas de prevalência e que, salvo no caso da sempre possível emissãode leis de bases ou de enquadramento, lateraliza a presença de outras leis estaduaisinterpostas de escopo unitarista, tendo constituído uma inovação que fortalece asautonomias e reduz a incerteza da eleição do Direito a aplicar no caso concreto. Entreuma lei geral do Estado e uma lei especial da região que, concorram na dis-ciplina damatéria, a administração autonómica deve dar preferência aplicativa, em nome do

 princípio da especialidade, à lei regional.

A expressão “âmbito regional” constitui, ainda assim, um novo conceito indeterminadoque se encontra sujeito ao teste da descodificação jurisprudencial.

Trata-se de um limite mais linear do que a noção de “interesse específico” dado aludir,

fundamentalmente, à projecção de uma dada matéria na esfera geográfica ou espacial deuma região. Assim, uma política pública que ocorra num domínio como o turismo, devedecompor-se legislativamente numa esfera geral e numa esfera especial de carácterregional, sendo regulada por leis distintas. Apenas se a lei regional for revogada sem

substituição ou se ostentar lacunas é que a lei geral aprovada pelo Estado poderáaplicar-se na região, já que aí vigora supletivamente (n.° 2 do art.° 228.° da CRP).

O facto é que o conceito pode sofrer um alargamento no plano substancial, ditado porexigências de especialidade. Na verdade, certos bens jurídicos de alcance unitário erelevo imediato para todos os cidadãos, mas com repercussão no âmbito geográfico dasregiões, podem carecer de um denominador comum à luz do princípio da unidade esolidariedade nacionais (n.° 2 do art.° 225.° da CRP). Trata-se de um denominador que

 poderá ser negativamente afectado por legislação regional antitética passível de prejudicar os próprios objectivos da lei do Estado e os interesses da restante parte da população residente em Portugal.

 Nessas circunstâncias, não será improvável que o Tribunal Constitucional venha a

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enxertar na noção de “âmbito regional” um limite negativo e positivo soldado à ideia de

especialidade regional dos bens e interesses tutelados. E que julgue ainconstitucionalidade de decretos legislativos regionais que projectem indirectamente osseus efeitos para fora desse âmbito, em prejuízo dos princípios da unidade esolidariedade nacionais, comprometendo nomeadamente, o gozo ou fruição desses

mesmos bens pelos cidadãos residentes noutras partes do território.

Deverá, contudo, o mesmo órgão, resistir à tentação de inocular o seu anterior conceitode interesse específico (de manifesto recorte centralista) na nova noção de âmbitoregional. Isto, não só porque os dois conceitos constituem realidades não coincidentes ecom lógicas distintas (a noção de âmbito regional alude a uma ideia de relativaseparação de políticas de regulação na base de um critério predominantementegeográfico) mas também porque se criaria uma desnecessária crispação com as regiões e

 porque ficaria a ideia de que a Justiça Constitucional faria tábua rasa do texto da revisãode 2004, impondo pretorianamente os seus cânones normativos intemporais fora doamparo da Constituição positiva e ao arrepio das suas alterações.

C. Novos tipos de relações entre as leis-parâmetro do Estado e os decretos

legislativos regionais: áreas de imprecisão no domínio da legislação de bases e da

legislação delegante 

A redução da comunicabilidade directa entre leis estaduais e regionais à esfera dalegislação de bases (e de enquadramento) e ao campo das autorizações legislativas

 parece, em tese, ser um elemento positivo em termos de linearidade e certeza dasrelações inter-legislativas entre o Estado e as regiões. Isto, porque, numa primeiraleitura, o quadro constitucional que disciplina directa ou directamente o regime dessalegislação paramétrica (n.° 2 do art.° 112.°, n.os 2 a 5 do art.° 167.°, alíneas a) e c) don.° 1 e n.° 3 do art.° 198.°, alíneas b) e c) do n.° 1 e n.os 3 e 4 do art.° 227.° da CRP) ésatisfatório em termos de clareza, precisão e aptidão para a prevenção de antinomiasimpróprias. Paralelamente, ele permite ao Estado que, em matérias essenciais onde deve

 pontificar um denominador comum unitário, o mesmo possa fixar parâmetros àlegislação regional, com maior ou menor densidade.

Isto não significa que não se tenham quedado domínios de imprecisão no textoconstitucional, no respeitante ao exercício das referidas competências legislativascomplementares e delegadas.

Como se verá infra, a estabilidade desejável do anterior regime relacional entre normaslegais de princípios e normas complementares terminou. Doravante haverá a considerarleis de bases dos órgãos de soberania de alcance geral e aplicáveis a todo o territórionacional; leis de bases dos mesmos órgãos de soberania que tenham como destinatáriosexclusivos, as duas regiões ou apenas uma delas; e leis de bases regionais habilitadas

 por uma lei de autorização legislativa dos órgãos de sobe-rania.

a) Competências legislativas complementares 

 No tocante à competência complementar, o enunciado da alínea c) do n.° 1 do art.°227.° da CRP não foi bem pensado. Enquanto a versão antecedente derivada da Revisão

de 1997 limitava o desenvolvimento de bases ao domínio concorrencial e a um conjuntode matérias da reserva relativa de competência da Assembleia da República, o presente

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enunciado permite, em tese, o desenvolvimento de bases em todas as matériasrelativamente às quais estas sejam passíveis de edição, nomeadamente, às própriasmatérias da reserva absoluta.

 Não se exclui literalmente, por exemplo que, no âmbito regional, os entes autonómicos

desenvolvam as bases gerais da reserva absoluta de competência da Assembleia daRepública, tais como, as “bases gerais da organização, do funcionamento, do

reequipamento e da disciplina das Forças Armadas” e as bases do Sistema de Ensino. 

Embora no primeiro caso, razões lógicas de ordem unitária (fundadas na excedência do“âmbito regional”) mandem que se tenha como proibido esse desenvolvimento, omesmo já se não passa no segundo caso, situação que constitui um factor disfuncionalnuma política pública de forte recorte unitário. O desenvolvimento das bases do art.°164.° deveria, na verdade, encontrar-se vedado às regiões.

b) A delegação legislativa para a aprovação de leis de bases regionais

 No que concerne à competência delegada, é um facto que a revisão de 2004 procurouconferir um sentido útil a esse poder legislativo (o qual fora um nado morto em 1989quando confrontado com os seus pressupostos originários). E esse sentido é dado porforça do acesso das regiões às matérias da reserva relativa de competência daAssembleia da República previstas no art.° 165.° da CRP, mediante delegaçãolegislativa da Assembleia da República, com exclusão de algumas matérias de vincounitarista(20). Estamos perante uma opção que, na generalidade, deve ser saudada, namedida em que representa um acréscimo útil de competências regionais.

Sem embargo, acabou por se registar uma má avaliação do decisor sobre os efeitosdisfuncionais resultantes da inclusão indevida de outras matérias de função unitária eservidas por leis de escopo soberanista no campo dos domínios que são passíveis dedelegação legislativa nas regiões. Este é, manifestamente, o caso das bases sobre a

 protecção da natureza (alínea g) do n.° 1 do art.° 165.°)s, regime geral do arrendamentorural e urbano (alínea h) do mesmo artigo), bases da política agrícola (alínea n)), basesgerais do estatuto das empresas públicas e das fundações públicas (alínea u) e bases doordenamento do território e do urbanismo (alínea z)).

Se as assembleias legislativas das regiões, ao abrigo da alínea c) do n.° 1 do art.° 227.°,dispõem da competência para o desenvolvimento dessas bases e regimes gerais,

contidos em leis dos órgãos de soberania, qual o sentido de elas próprias poderemaprovar as bases regionais sobre essas matérias, mediante “decretos legislativos

regionais de princípios” autorizados e circunscritos ao âmbito regional? Qual o sentidode os parlamentos das regiões aprovarem leis regionais de bases que elas próprias irãodesenvolver?

Sob um ponto de vista de racionalidade e coerência inter-legislativa dos efeitos dasnormas sobre a normação, a inclusão das referidas matérias no universo das delegaçõesrevela ser juridicamente defeituosa e propiciadora de incertezas e antinomias.

Se, por exemplo, estiver em vigor uma lei de bases estadual da política agrícola

desenvolvida por decretos legislativos regionais, qual o efeito que sobre ela terá umdecreto legislativo regional de bases, autorizado pela Assembleia da República?

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Derroga a primeira? Desaplica-a no todo ou em parte no espaço regional? Assim parece,à luz de um critério de maior especialidade e de tutela do âmbito regional o que nãodeixa de ser chocante, dado que as bases constituem um denominador comum unitáriode uma política pública.

E sendo editada uma lei estadual de bases superveniente e com alcance geral, sobre amesma matéria, será que a mesma também revoga, para além da antiga lei de basesestadual, o decreto legislativo de bases regional? A questão é duvidosa e permiteinterpretações divergentes, sendo defensável, no nosso entendimento, que à luz do

 princípio da especialidade, a lei de bases de alcance geral apenas possa revogar lei de bases regional mediante uma revogação expressa, valendo simultaneamente como actodo poder delegante que avoca competências e assim faz cessar a eficácia do acto que foiobjecto da delegação.

E será, finalmente, que os decretos legislativos regionais autorizados que editem bases podem ser sujeitos a alterações e emendas nos termos do art.° 169.° da CRP, por

remissão do n. ° 4 do art.° 227.° e ser revogados por legislação estadual comum? Ouserá antes que se devem equiparar a normas beneficiárias de verdadeiras transferências

 perpétuas de competências, das quais resultaria a impossibilidade futura de o Estado poder impor denominadores normativos unitários nas regiões? Trata-se de uma questãoque não é nova e em que a doutrina se divide, devendo ter sido clarificada na últimarevisão ordinária. Pela nossa parte aderimos à primeira solução com os fundamentos jáexpressos noutra obra(21).

Situações de insegurança jurídica crítica podem ocorrer no caso de os decretoslegislativos regionais de bases regularem, de acordo com o objecto da lei deautorização, apenas algumas das matérias regidas por uma lei estadual que aprove as

 bases gerais dos regimes jurídicos. Teremos, assim, um mesmo decreto legislativoregional de desenvolvimento a concretizar leis de bases estaduais e leis de basesregionais partilhando domínios distintos da mesma matéria. O exercício de semelhante

 poder legislativo adivinha-se incerto.

Sob um ponto de vista de política constitucional, parece muito pouco inteligível que,nas importantes matérias passíveis de serem objecto de autorização legislativa, o Estadose despoje de um instrumento importante de realização positiva do princípio da unidadee solidariedade nacionais, “amigo das autonomias”, como é o caso da lei de bases,

 permitindo a sua substituição nas regiões por decretos legislativos regionais de bases.

Dir-se-á, talvez, em abono da solução consagrada que o Estado logra conservar a sua proeminência através das leis de autorização legislativas cujos limites podem ser, emtese, ainda mais detalhados e precisos do que as directrizes das leis de bases.

Seremos, contudo, confrontados com cadeias normativas esdrúxulas, em que as leis deautorização legislativa às regiões passam a operar materialmente como genuínas leis de

 bases que vinculam outras leis de bases (regionais) e estas os diplomas regionais deconcretização. A existência supérflua de dois níveis de parametricidade na cadeiaexposta complica, em vez de agilizar, o sistema normativo e aumenta as hipóteses deantinomias e vícios no plano da invalidade normativa.

Por outro lado, é de questionar a razão de ser da existência de decretos legislativos

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regionais de bases em territórios de reduzida dimensão como os arquipélagos insulares,em que é o próprio órgão que aprova as bases (a Assembleia Legislativa Regional)aquele que procede, necessariamente, ao seu desenvolvimento.

Em suma, a escolha de uma boa parte das matérias sujeitas a delegação legislativa nas

regiões careceu de uma avaliação prévia do seu impacto assumindo-se como um defeitotípico de concepção nas normas constitucionais sobre a normação, passível de projectarconsequências nefastas sobre a produção do Direito ordi-nário.

Fica, pois, depositado na inteligência e bom senso do legislador parlamentar a decisãode restringir drasticamente a concessão de autorizações legislativas às regiões, norespeitante à edição de diplomas regionais de bases.

D. A nova competência regional para a transposição de directivas: correcção de

uma injustiça através de um cheque em branco 

Com a revisão de 2004 corrigiu-se o excesso da Revisão Constitucional de 1997 quevedava a transposição de directivas por acto legislativo regional, depreciando a esferade competências legislativas regionais. A nova redacção do n.° 8 do art.° 112.° da CRP

 permite às regiões transpor directivas em matérias situadas fora da reserva decompetência dos órgãos de soberania que sejam reconhecidas, através das listagensconstitucional e estatutária, como fazendo parte do âmbito regional.

Trata-se de uma conquista justa, na medida em que esse poder era há muito reconhecidoàs regiões autónomas italianas e espanholas.

Todavia, em relação ao regime que impera nos ordenamentos espanhol e italiano, o n.°8 do art.° 112.° é portador de uma insuficiência grave.

 Na realidade, “quid juris” se a região autónoma se abstiver de transpor a directiva? 

Quanto a este aspecto, a solução será fazer aplicar supletivamente no espaço regional oDireito estadual que transpõe a directiva, cumprindo a este respeito saudar, também noque concerne à Revisão de 2004, o reconhecimento expresso da aplicação do Direitoestadual da esfera concorrencial nas regiões sempre que inexistir legislação regional

 própria sobre a matéria (n.° 2 do art.° 228.°)(22).

Todavia, no caso de a transposição regional ser insuficiente, imperfeita,qualitativamente omissiva ou deficiente, o instituto da aplicação supletiva da legislaçãodo Estado não resolve o problema.

 No caso da a transposição respeitar a matérias cobertas pela legislação delegada, é possível a Assembleia da República revogar o diploma autorizado. Fora do campo dadelegação a única solução será fixar para a região, leis de bases relativas à transposiçãoque imponham ao mesmo Ente, a modificação e correcção do diploma de transposiçãodefeituoso, previamente emitido.

Faltou, quanto a este ponto que fosse previsto, nos mesmos termos dos ordenamentos

espanhol e italiano, um poder substitutivo dos órgãos de soberania, dado que são estes enão as regiões quem, em nome do Estado, respondem perante a União Europeia pelo

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incumprimento da incorporação adequada e tempestiva das directivas no ordenamentointerno.

3. Epílogo

Com a Revisão de 2004 parece ter-se intentado atingir um modelo de repartição decompetências legislativas entre o centro e a periferia pautado:

a) Por uma maior simplificação arquitectónica em termos de arrumação dos domínioscometidos à competência do Estado e das regiões;

ii) Pela redução de categorias legais do Estado dotadas de poder vinculanterelativamente ao conteúdo da legislação regional;

iii) Por uma mais significativa liberdade de conformação do legislador regional e pelamaior certeza nos efeitos das relações de tensão entre as leis paramétricas do Estado

(leis de bases, de enquadramento e de autorização), sobre os diplomas autonómicos;

iv) Pelo maior acervo material de competências atribuídas às regiões, nomeadamente nodomínio da transposição de directivas e na esfera das autorizações legislativas.

Continuou-se, contudo, a não se avaliar com o rigor desejável as opções normativasconsagradas, daqui resultando: - a possibilidade de o Tribunal Constitucional poderconservar cânones hermenêuticos de recorte mais centralista, nomeadamente, através deuma interpretação extensiva do conceito de matérias reservadas aos órgãos de soberaniae de uma definição restritiva da medida de valor configurada pela noção de “âmbito

regional”; relativização da inovação inerente à criação de competências regionaistendencialmente primárias, por parte da força expansiva horizontal das leis de basesestaduais; a faculdade de as regiões não estarem, em abstracto, inibidas de proceder aodesenvolvimento de leis de bases em domínios de virtual interesse soberano (como as

 bases relativas à educação às Forças Armadas); a possibilidade de as assembleiasregionais, mediante autorização legislativa poderem aprovar decretos legislativosregionais de bases, desconstruindo-se um importante instrumento legal com carácterunitário; e da impossibilidade de os órgãos de soberania disporem de um podersubstitutivo relativamente a transposições regionais defeituosas de directivascomunitárias.

 Não deixa de ser surpreendente em termos do pensamento estratégico da políticaconstitucional que, para se chegar a este ponto de equilíbrio, tenha sido necessárioelaborar “ab origine” um sistema complicado, assistemático e gerador das maiores

incertezas no plano das relações inter-legislativas, que foi acumulando enxertos inúteis econtraditórios de revisão para revisão, tendo finalmente implodido quando, em 2004 se

 pôs termo ao amontoado incoerente e ineficiente de normas sobre a normação gerado pela revisão de 1997. Não deixa de ser, também, paradoxal verificar que o maior factorde crise em termos de certeza na aplicabilidade das leis em Portugal, a qual chegou ao

 ponto de inquinar a qualificação expressa das próprias leis da República, tenharesultado, afinal, de deformidades conceptivas evitáveis, nas normas de repartição decompetências entre o Estado e duas pequenas colectividades periféricas.

Considera-se, ainda assim, que pese as suas insuficiências relativas, se deverá optar pela

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estabilização e exploração das virtualidades do modelo instituído em 2004, o qualapresenta potenciais aptidões para reduzir a incerteza nas relações entre os actoslegislativos do Estado e das regiões, utilizando limites mais redondos sobre a normaçãolegal, de forma a alargar a discricionariedade do seu poder normativo, permitindo a esterespirar. E admite-se, ainda, que não deixa de ser positivo que as normas dos órgãos de

soberania deixem de ser condicionadas permanentemente na sua qualificação eoperatividade própria, pelas vicissitudes regionais.

Julga-se que, passado o tempo de resolução de algumas dúvidas interpretativas sobre ofuncionamento do novo modelo, a conflitualidade no relacionamento normativo entre oEstado e as regiões se irá deslocar lentamente para o domínio financeiro, mais

 propriamente, para a capacidade de as regiões custearem, sem ultrapassagem dos limitesorçamentais de endividamento fixados em cada ano, no Orçamento do Estado oexercício de competências sobre novos âmbitos materiais que lhes foram atribuídos.

Será no âmbito desta questão que poderá vir a emergir, não uma autonomia

“progressiva” de contornos erráticos, mas uma autonomia madura e cooperativa. 

 Notas:

(*) Professor da Faculdade de Direito de Lisboa.

O presente artigo desenvolve a intervenção feita num colóquio realizado em Dezembrode 2006, na Faculdade de Direito de Lisboa, no âmbito das comemorações relativas aonascimento do Professor Marcello Caetano.

(1) CARLOS BLANCO DE MORAIS “Justiça Constitucional”– II – Coimbra-2005 —  p.606 e seg.O n.° 4 do art.° 8.° remete para os tratados institucionais em vigor, mormente

 para o Tratado de Nice que, como os anteriores tratados, não determina no seu art.°249.°, o primado das normas comunitárias sobre a Constituição, sendo distinto do teordo art.° I-6 do Tratado Constatitucional em processo de ratificação, o qual tenta imporesse primado absoluto. Assim sendo, a primeira parte do n.° 4 do art.° 8.° comporta,redundantemente, um sentido idêntico ao do n.° 3 do mesmo artigo e a segunda parte(respeito das normas comunitárias pelos princípios do Estado de direito democrático)enferma igualmente de redundância pois de acordo com as presentes relações jurídicasentre a CRP e o Tratado de Nice, as normas comunitárias devem observar não apenas os

referidos princípios mas, também, a restante parte da Constituição material. A situaçãosó se alterará se o Tratado Constitucional europeu renegociado entrar em vigor comuma norma igual à do seu actual art.° I-6.

(2) Cfr. JORGE MIRANDA “Acabar com o Fernesim Constitucional” in AAVV

“Evolução Constitucional e Perspectivas Futuras”– Lisboa-2001-p. 651 e seg.

(3) Sobre a revisão constitucional de 2001, vide GIUSEPPE DE VERGOTTINI “Diritto

Costituzionale” Padova-2006-p. 668 e seg.

(4) Pressão exercida sobre partidos de oposição com lideranças incertas ou frágeis ou

em partidos de apoio ao Governo desprovidos de maioria absoluta ou com maioriasabsolutas assentes em coligações relativamente dependentes dos deputados eleitos pelas

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regiões.

(5) Haverá, contudo, que reconhecer que as propostas directas e, sobretudo, as indirectasoriundas da maioria governante nos Açores se revelaram mais apuradas do que as daMadeira, na revisão constitucional de 2004 (como atesta a problemática inerente à

reserva de iniciativa regional relativa à lei orgânica em matéria eleitoral).

(6) Observemos a evolução do quadro constitucional de programação da regionalizaçãoadministrativa do território continental.

1.° O texto originário da Lei Fundamental parecia distinguir, algo difusamente, o acto jurídico público de “instituição simultânea” das regiões, relativamente aos actos de

“instituição concreta”, que dependeriam do voto favorável da maioria das assembleias

municipais da área concernente às regiões em formação, as quais corresponderiam àsregiões-plano.

2.° Na revisão de 1982 deixou de se falar, no texto da CRP, na distinção entreinstituição simultânea e instituição concreta (todas as regiões seriam criadassimultaneamente); a ideia de estatuto passou a ser substituído pelo de lei; e a vontadeconstitutiva dos municípios para a criação de cada região foi eliminada, passando asassembleias municipais a terem um papel puramente consultivo na criação simultâneados entes regionais.

3.° A revisão de 1989, mantendo o modelo anterior de criação simultânea por força delei acabou, não só, com a garantia constitucional de audição dos municípios mas com acorrespondência entre as novas regiões e as regiões-plano.

4.° Com a lei de revisão constitucional de 1997 atribuiu-se à lei-quadro da organizaçãoregional o valor de lei orgânica; a instituição das regiões ao resultado de um referendonacional; e a instituição de cada uma delas, a uma decisão favorável, expressa emconsulta específica “relativa a cada área regional”(o que significaria que, em caso de um

voto favorável ao referendo e desfavorável nalguns casos específicos, o País ficariatransformado num “queijo gruyere”, com regiões em certas parcelas e um estrutura

municipalizada noutras, o que implicaria uma pura anomia administrativa).

O resultado final foi uma recusa ao processo regional, através de uma maioriaexpressiva, tendo o processo sido cancelado até à data. Ao que parece será o mesmo de

novo relançado em próxima legislatura, após uma política legislativa de “factosconsumados”, que criará, por lei ordinária, uma espécie de colectividades com podereseleitos, sem que se lhes chame regiões, utilizando-se, posteriormente, num ambienteanestesiado, o referendo para ratificar o que a presente maioria parlamentar tentadesignar por “regionalização sem dramas”, mas que não é mais do que umaregionalização sub-reptícia feita de pequenos passos.

Eis, em balanço, o resultado de uma acumulação de tácticas constitucionaisdesencontradas e contraditórias que redundaram, em 1998, num voto de desconfiança

 popular.

(7) Através da alínea a) do n.° 1 do art.° 229.°).

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(8) CARLOS BLANCO DE MORAIS, “A Autonomia Legislativa Regional”– Lisboa1993-p. 423 e seg.

(9) Cfr. Ac. n.° 91/84 de 6-10.

(10) CARLOS BLANCO DE MORAIS, ult. loc. cit., p. 635.

(11) JORGE MIRANDA, “A Autonomia Legislativa e o Interesse Específico das

Regiões Autónomas” in AAVV, “Estudos Sobre a Constituição”, I, Lisboa, p. 314 e

seg.

(12) CARLOS BLANCO DE MORAIS, ult. loc. cit., p. 443 e seg.

(13) Mais desenvolvidamente, CARLOS BLANCO DE MORAIS, “As Competências

Legislativas das Regiões Autónomas — no contexto da Revisão Constitucional de1997 — ROA —1998”, op. cit. p. 7 e seg.; JORGE MIRANDA, “Manual (...)”– Vol. V,

1997, p. 381 e seg.; MÁRIO JOÃO BRITO FERNANDES-ALEXANDRE SOUSAPI NHEIRO,” Comentário à IV Revisão Constitucional”, Lisboa, 1999, p. 265 e seg. e p.

493 e seg.; e o número monográfico da revista “Legislação”, “A Revisão Constitucional

de 1997”, 19/20, 1997 [CARLOS BLANCO DE MORAIS (p. 9 e seg.), GOMES

CANOTlLHO (p. 41 e seg.), JORGE MIRANDA. (p. 63 e seg.), MARIA LÚCIAAMARAL (p. 105 e seg.) e PAULO OTERO (p. 123 e seg.].

(14) JORGE MIRANDA “Manual de Direito Constitucional”– V – Coimbra-1997 —  p.391.

(15) CARLOS BLANCO DE MORAIS “As Competências Legislativas (op. cit.) p. 20 eseg.

(16) Cfr. CARLOS BLANCO DE MORAIS, “As Competências Legislativas das

Regiões Autónomas ( ... )”. No sentido de os princípios não poderem ser captados

aprioristicamente, GOMES CANOTILHO (“A Revisão Constitucional (…)”, op. cit.,

 p., 42).

(17) Referimo-nos às escassas matérias de competência legislativa regional que seencontram dispersas no n.° 1 do art.° 227.° e que se designam, por vezes, de“competências mínimas”. 

(18) No que respeita ao desenvolvimento e leis de bases (alínea c) do n.° 1 do art.°227.°), existe um campo de indeterminação, dado que as regiões podem desenvolver leisde bases estaduais editadas no domínio concorrencial. De todo o modo, são as leisestaduais a fixar a matéria sujeita a esse desenvolvimento.

(19) Cfr. alínea b) do n.° 1 do art.° 227.°.

(20) De acordo com a alínea b) do n.° 1 do art.° 227.°, ficam excluídas das autorizações,as matérias das alíneas a) a c), primeira parte da alínea d), alíneas f) e i), segunda parteda alínea m) e alíneas o), p), q), s), t), v), x9, e aa) do n.° 1 do art.° 165.° da CRP.

(21) CARLOS BLANCO DE MORAIS “As Competências (…)” op. cit, p. 63. 

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 (22) Solução que defenderamos em “As Competências (…)” op. cit, p. 64.