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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO NO BRASIL: DIMENSÕES MATERIAIS E PROCESSUAIS
MAYARA LOPES OLBERG DIETRICH
DECLARAÇÃO
“DECLARO QUE A MONOGRAFIA ESTÁ APTA PARA DEFESA EM BANCA PUBLICA EXAMINADORA”.
ITAJAÍ (sc), 08 de novembro de 2010.
___________________________________________ Professor Orientador: Zenildo Bodnar
UNIVALI – Campus Itajaí-SC
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO NO BRASIL: DIMENSÕES MATERIAIS E PROCESSUAIS
MAYARA LOPES OLBERG DIETRICH
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor Doutor Zenildo Bodnar
Itajaí (SC), novembro de 2010
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AGRADECIMENTO
A Deus, por Seu amor e força concedidos incondicionalmente.
Ao meu marido, Ulisses Silva Dietrich, pelo amor, apoio e incentivo em todos os momentos.
Aos meus pais, Enéas Olberg e Edimar Martins Lopes Olberg, pelos sábios conselhos e
imensurável dedicação à minha formação pessoal e acadêmica.
A minha irmã, Mayrane Lopes Olberg, pelo carinho, companheirismo e cumplicidade.
As minhas amigas, Iara Bonotto, Naiara Castro, Liliane Vieira e Deise Kosmann pela amizade e
por compartilhar esta conquista.
Ao meu orientador, Professor Doutor Zenildo Bodnar, pelo grande auxílio prestado para a
elaboração deste trabalho.
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus pais pelo grande amor a mim dedicado, por serem meus modelos
de vida com princípios e integridade e, por manterem nossa família sempre unida.
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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo
aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí (SC), novembro de 2010
Mayara Lopes Olberg Dietrich Graduanda
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PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale
do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Mayara Lopes Olberg Dietrich, sob
o título O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO NO BRASIL: DIMENSÕES
MATERIAIS E PROCESSUAIS, foi submetida em 25 de novembro de 2010 à
banca examinadora composta pelos seguintes professores: Dr. Zenildo Bodnar
(Orientador e Presidente da banca), Eduardo Erivelton Campos, MSc.
(examinador), e aprovada com a nota
Itajaí (SC), novembro de 2010
Professor Doutor Zenildo Bodnar Orientador e Presidente da Banca
Professor MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia
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ROL DE CATEGORIAS
Crime do colarinho branco
Crime cometido por uma pessoa respeitável, e de alta posição (status) social, no
exercício de suas ocupações.1
Crime de lavagem de dinheiro
A operação se caracteriza pela transformação do dinheiro sujo em limpo –
simulação de licitude dos ativos originados de um crime – geralmente se utilizam
na definição vocábulos que denotam limpeza.2
Macrocriminalidade
É a delinquência em bloco conexo e compacto, incluída no contexto social de
modo pouco transparente (crime organizado) ou sob a rotulagem econômica lícita
(crimes do colarinho branco).3
Microcriminalidade
A microcriminalidade é aquela resultante do clima de adversidade e mesmo
violência que impregna a desvairada sociedade de consumo, suscitando injustiças
sociais e desigualdades econômicas, sendo sempre mais visível e diz respeito
aos delitos corretivos, violentos ou não, que, isoladamente, em todas as camadas
sociais, acontecem de dia e de noite, durante todas as horas (latrocínio,
homicídio, lesões corporais, roubo, furto, estupro, ameaça, estelionato, calúnia,
injúria, etc.). 4
1 SUTHERLAND, Edwin Hardin. White Collar Crime. New York: Dryden Press, 1949. p. 738. 2 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Atlas, 2006. p. 08. 33 FERNANDES, Newton. FERNANDES, Walter. Criminologia integrada. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002. p. 430. 4 FERNANDES, Newton; FERNANDES Walter. Criminologia integrada. p. 430.
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vii
SUMÁRIO
RESUMO ........................................................................................... X
INTRODUÇÃO .................................................................................. 11
CAPÍTULO 1 ..................................................................................... 14
A LAVAGEM DE DINHEIRO NO CONTEXTO DA MACROCRIMINALIDADE ................................................................ 14
1.1 CRIMES DO COLARINHO BRANCO COMO NOVO DESAFIO DA TUTELA PENAL ................................................................................................................. 14 1.2 MACROCRIMINALIDADE E MICROCRIMINALIDADE ................................ 21
1.3 ASPECTOS CONCEITUAIS E CARACTERÍSTICAS DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO ................................................................................... 26 1.3.1 Considerações gerais sobre o crime de lavagem de dinheiro .............. 26 1.3.2 Fases do crime de lavagem de dinheiro .................................................. 30 1.3.2.1 Primeira fase: Conversão ................................................................................. 30 1.3.2.2 Segunda fase: camuflagem .............................................................................. 32 1.3.2.3 Terceira fase: integração ou reinversão .......................................................... 34
CAPÍTULO 2 ..................................................................................... 36
DIMENSÕES MATERIAIS DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO .......................................................................................................... 36
2.1 SUJEITOS DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO .................................. 36
2.2 TIPO PENAL OBJETIVO DA LAVAGEM DE DINHEIRO.............................. 37 2.2.1 Crimes antecedentes ................................................................................ 40 2.2.2 Pena aplicada ao crime de lavagem de dinheiro .................................... 52
2.3 PRINCIPAIS ATIVIDADES VISADAS PELOS CRIMINOSOS ...................... 53
CAPÍTULO 3 ..................................................................................... 58
ASPECTOS PROCESSUAIS DESTACADOS DA LAVAGEM DE DINHEIRO ................................................................................... 58
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viii
3.1 INSTRUMENTOS DE FACILITAÇÃO DA APURAÇÃO DO DELITO ........... 58 3.1.1 A denúncia anônima ................................................................................. 58 3.1.2 Ação controlada ........................................................................................ 61 3.1.3 Quebra do sigilo ........................................................................................ 61 3.1.4 Interceptação telefônica............................................................................ 63 3.1.5 Delação premiada ...................................................................................... 64
3.2 COMPETÊNCIA NOS CRIMES DE LAVAGEM ............................................. 67
3.3 APREENSÃO E SEQUESTRO DE BENS ..................................................... 71 3.3.1 Inversão do ônus da prova na apreensão e no sequestro de bens ...... 72 3.3.2 Fiança, liberdade provisória e suspensão do processo ........................ 74 3.3.2.1 Fiança e liberdade provisória ........................................................................... 74 3.3.2.2 Suspensão do Processo ................................................................................... 77
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 80
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................... 83
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RESUMO
Este trabalho teve como objeto de estudo as características importantes dos crimes de lavagem de dinheiro, tratados pela Lei 9.613/98, bem como análise dos pontos essenciais à caracterização do delito em questão. Foram feitas considerações a respeito da inserção desses crimes na denominada macrocriminalidade e a forma sob a qual eles são comumente praticados. Foi abordado na presente pesquisa uma breve conceituação dos chamados crimes do colarinho branco, assim como as peculiaridades presentes no crime em si e nos criminosos agentes destes delitos. O trabalho trouxe à baila os elementos necessários para que se configure crime de lavagem de dinheiro, tratando especialmente dos aspectos materiais da Lei 9.613/98. Também foram alvo desta pesquisa os institutos processuais presentes na Lei 9.613/98, sendo que, por fim, a pesquisa trouxe à tona especificamente o que a referida Lei estabelece sobre o processo no crime de lavagem de dinheiro, bem como o entendimento jurisprudencial acerca do tema. Os danos gerados com a prática do crime de lavagem de dinheiro, apesar de terem pouca visibilidade, ocorrem principalmente em relação aos direitos da coletividade e afetam gravemente à sociedade, justificando os esforços e estratégias para seu combate. O método utilizado foi o indutivo.
Palavras-chave: Macrocriminalidade. Lavagem de dinheiro. Crime do colarinho branco.
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INTRODUÇÃO
Em se tratando de crime de lavagem de dinheiro, tem-se que
este se faz presente de forma ativa na sociedade, sendo, entretanto, pouco
divulgado e muitas vezes desconhecido pela maioria dos indivíduos. O crime tratado
na Lei 9.613/98 integra a chamada criminalidade econômica ou macrocriminalidade
e gera consequências extremamente negativas para a ordem econômica nacional.
A presente Monografia tem como objeto identificar e analisar os
aspectos materiais e processuais mais importantes da Lei 9.613/98.
O seu objetivo geral é apresentar um panorama do crime de
lavagem de dinheiro no Brasil, destacando suas principais características.
Este trabalho tem como objetivos específicos abordar de forma
sintetizada os crimes do colarinho branco, pontuando os elementos necessários à
caracterização dos referidos crimes, verificar as dimensões materiais do crime de
lavagem de dinheiro e, por fim, analisar os principais institutos processuais aplicados
ao crime de lavagem de dinheiro.
O estudo e constante evolução do direito penal em relação a
esse crime fazem-se necessários, tendo em vista o alto grau de lesividade que o
crime de lavagem de dinheiro, objeto desta monografia de conclusão de curso, traz à
sociedade.
Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando dos crimes do
colarinho branco e suas características. Faz-se também uma síntese da
macrocriminalidade e da microcriminalidade, bem como suas distinções, e, ainda,
apresentam-se as fases do crime de lavagem de dinheiro.
No Capítulo 2, tratando dos elementos materiais do crime de
lavagem de dinheiro, assim como o tipo penal objetivo presente na Lei 9.613/98.
Abordam-se também os crimes antecedentes ao delito de lavagem de dinheiro e as
principais atividades visadas pelos criminosos para ocultar e dissimular os bens e
valores obtidos ilicitamente.
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No Capítulo 3, tratando dos aspectos processuais da Lei
9.613/98, destacam-se os principais institutos presentes no processo do crime de
lavagem de dinheiro. Trata-se dos instrumentos de facilitação da apuração do delito
de lavagem e da competência para julgamento do referido ilícito. Salienta-se, ainda,
a existência da inversão do ônus da prova nas medidas de apreensão e sequestro
de bens envolvidos no delito e, por fim, comenta-se como a Lei 9.613/98 trata a
fiança, a liberdade provisória e a suspensão do processo nos crimes de lavagem de
dinheiro.
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
a) O crime de lavagem de dinheiro, por pertencer à
macrocriminalidade, tem seus danos pouco visíveis, entretanto a existência dos
mesmos é evidente. O delito não afeta apenas os interesses individuais, mas
também e principalmente os interesses da coletividade, apresentando enorme
potencial lesivo para a sociedade.
b) Ao considerar como produtos do crime de lavagem os
elementos genéricos bens, direitos ou valores mencionados no artigo 1º, quis a Lei
9.613/98 impedir possível alegação de ausência de previsão legal quanto aos
produtos auferidos com a prática do crime e abranger qualquer vantagem obtida
ilicitamente, a fim de evitar a impunidade.
c) A necessidade de comprovação do cometimento dos crimes
antecedentes taxativamente enumerados pela Lei 9.613/98 dificulta e restringe a
efetiva punibilidade do crime de lavagem de dinheiro. Em contraposição, a
possibilidade de utilização de institutos processuais facilitadores da apuração do
crime de lavagem e a não concessão de benefícios como a fiança, a liberdade
provisória e a suspensão do processo corroboram significativamente para eficaz
conclusão e eventual condenação do réu no crime de lavagem de dinheiro.
O presente trabalho se encerra com as Considerações Finais,
nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da
estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre os crimes de lavagem
de dinheiro.
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Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de
Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados o
Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia
é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas
do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.
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CAPÍTULO 1
A LAVAGEM DE DINHEIRO NO CONTEXTO DA MACROCRIMINALIDADE
1.1 CRIMES DO COLARINHO BRANCO COMO NOVO DESAFIO DA TUTELA PENAL
Inicialmente o crime do colarinho branco foi definido no
âmbito da criminologia pelo criminalista norte-americano Edwin Sutherland como
sendo "um crime cometido por uma pessoa respeitável, e de alta posição (status)
social, no exercício de suas ocupações” 5.
Para Edwin Sutherland6, o conceito de “colarinho branco”
abrange cinco elementos: a) ser um crime; b) ser cometido por uma pessoa
respeitável; c) esta pessoa deve pertencer a uma camada social alta; d) estar no
exercício de seu trabalho, e, por último, e) constituir uma violação de confiança.
De modo geral, o termo “colarinho branco” abrange crimes
em que não há uso de violência e que são cometidos, na maioria das vezes, no
mundo comercial, visando o ganho financeiro. São crimes praticados por
indivíduos da alta sociedade que lançam mão de seu “status” social para obter
vantagens ilícitas, como suborno, fraudes, peculato, lavagem de dinheiro, entre
outros.
Os referidos crimes, muitas vezes, são de difícil percepção,
pois seus autores são criminosos aprimorados que utilizam inúmeros artifícios
para ocultarem suas práticas com uma série de transações complexas.
5 SUTHERLAND, Edwin Hardin. White Collar Crime. New York: Dryden Press, 1949. p. 738. 6 SUTHERLAND, Edwin Hardin. White Collar Crime. p. 738
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15
No Brasil a Lei nº 7.492/86 que se refere aos crimes contra o
sistema financeiro restou qualificada como a do colarinho branco.
Sobre os crimes previstos na Lei 7.492/86 o autor Francisco
de Assis Betti7 assim escreve:
Os crimes da Lei 7.492/86 são crimes próprios porque exigem capacidade especial de seu autor, consubstanciada no poder da decisão ao determinar a realização de ato ilícito. Simples gerentes, que exercem atividades subalternas em agências ou filiais, assalariados modestos, que parcelas mínimas do conjunto empresarial, não participando das decisões relevantes e de magnitude na vida empresarial, poderão ser sujeitos ativos de outros crimes, previstos no âmbito de sua competência exclusiva, questão de ser examinada em cada caso.
Para ser considerado autor dos crimes tratados pela Lei
7.492/86 é necessário que o indivíduo tenha poder de decisão e comando para
ordenar a realização do delito. Já indivíduos com cargos mais baixos, simples
funcionários que não tem competência para tomada de decisões podem figurar
como sujeito ativo de outros crimes previstos na legislação penal. Portanto, esses
indivíduos não se enquadram como sujeitos ativos dos crimes previstos pela Lei
7.492/86.
A Lei 7.492/86 abrange os crimes contra o sistema
financeiro, entretanto, Nestor Courakis8 afirma que os crimes do colarinho branco
devem ser entendidos de uma forma mais ampla:
Os tipos delitivos previstos na referida lei apesar de denominados crimes contra o sistema financeiro, devem ser entendidos no sentido amplo de mercado financeiro, mercado de capitais, abrangendo os seguros, o câmbio, os consórcios, a capitalização ou qualquer outro tipo de poupança, situados na área do Direito Econômico.
7 BETTI, Francisco de Assis. Aspectos dos crimes contra o sistema financeiro no Brasil: leis
7.492/86 e 9.613/98. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 72. 8 Nestor Courakis apud GULLO, Roberto Santiago Ferreira. Direito Penal Econômico. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 2001. p. 187.
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Os crimes do colarinho branco, previstos na Lei 7.492/86
devem ser interpretados em sentido amplo, a fim de abranger atividades
econômicas em geral. Por isso, deve ser entendido que os crimes do colarinho
branco englobam desde simples seguros até a atuação no mercado financeiro e
de capitais.
A fim de reduzir problemas com a identificação, Hekelson
Bitencourt Viana da Costa9 elenca como crimes do colarinho branco:
[...] formação de cartéis, abuso do poder econômico das empresas multinacionais, obtenção fraudulenta de fundos do Estado, criação de sociedades fictícias, falsificação de balanços, fraude contra o capital de sociedades, concorrência desleal, publicidade enganosa, infrações alfandegárias, infrações cambiárias, infrações da bolsa de valores, dumping de produtos farmacêuticos, manipulação de sorteios de consórcios e de loterias, indústrias de insolvência, defraudação do consumidor, espoliação abusiva por instituição financeira e lavagem de dinheiro.
E ainda, sobre os referidos crimes:
Esse rol foi elaborado pelo Conselho da Europa, órgão que colabora e assessora o Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas – ONU e que tem como função principal formular recomendações de políticas para os sócios e para o Sistema da Organização das Nações Unidas, bem como promover estudos ou elaborar relatórios de interesse econômico e social, de onde se depreende a preocupação global com essa espécie criminosa.
Diversos crimes se enquadram no conceito de crimes de
colarinho branco, sendo o rol desses crimes muito abrangente. O referido rol,
criado pelo Conselho da Europa tem como finalidade subsidiária efetuar estudos e
relatórios de cunho econômico, a fim de prevenir e promover o combate dos
crimes em questão.
9 COSTA, Hekelson Bitencourt Viana da. A macrocriminalidade e o juizado de instrução. Revista
CEJ, Brasília, a. XII, n. 40, p. 81-90, jan./mar. 2008. Disponível em: http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/viewArticle/966. Acesso em: 27 out. 2010.
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O autor Luciano Feldens10, em uma abordagem sobre os
crimes citados assim se manifestou:
[...] os crimes assim chamados do ‘colarinho branco’, de que são exemplos eloqüentes a sonegação fiscal, a evasão de divisas,a lavagem de dinheiro, etc., são aqueles que, ao lado dos delitos (que atentam diretamente) contra a vida e também daqueles outros que de forma ou outra tolham (também diretamente) a liberdade e a dignidade do individuo, merecem uma especial reprovação, por lesarem de forma real – e não apenas potencial - a sociedade brasileira, atentando, inclusive, contra os mais caros objetivos e fundamentos do Estado Democrático de direito, dentre os quais sobressai-se a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB.
Com isso, nota-se que os crimes do colarinho branco,
apesar de não afetarem diretamente a vida, que é o bem jurídico tutelado
considerado por alguns como o mais valioso, estes atentam contra os princípios e
fundamentos constitucionais e necessitam de punição pelo Estado, sem que haja
distinção de tratamento pelo Direito Penal pelo fato de os autores normalmente
pertencerem a uma classe social alta, serem abastados ou de elevado status
social.
Sobre a evidente necessidade de punição dos crimes do
colarinho branco, Christiano Leonardo Gonzaga Gomes11 afirma:
Tais crimes têm como bem jurídico tutelado penalmente a ordem econômica, sendo que esta tem repouso constitucional em seu artigo 170, caput, da Constituição da República. O Estado deve proteção à ordem econômica não apenas por estar prevista na Lei Fundamental, mas também por tratar-se de um interesse difuso pertencente a toda a sociedade, uma vez que esta só prospera quando for economicamente forte [...].
10 FELDENS, Luciano. Tutela Penal de Interesses Difusos e Crimes do Colarinho Branco. Livraria
do Advogado, 2000, p. 88. 11 GOMES, Christiano Leonardo Gonzaga. Os crimes de colarinho branco e as teorias da pena. De
jure: revista jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 10, jan./jun. 2008. Disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/27221/crimes_colarinho_branco_teorias.pdf?sequence=1. Acesso em: 28 out. 2010. p. 510.
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E ainda:
[...] o direito penal deverá envidar todos os seus esforços para coibir essa macrocriminalidade que assola milhões de vidas, de forma imperceptível. Por ser a ordem jurídica de caráter difuso, não são as suas conseqüências perceptíveis de forma direta, como um crime de roubo, em que o patrimônio da vítima é solapado de imediato.
Os crimes do colarinho branco ferem a ordem econômica,
que é um bem jurídico tutelado pelo Estado. A proteção da ordem econômica é
necessária, pois é um interesse de toda a coletividade, pelo fato de só ser
possível que a sociedade se desenvolva se a economia for devidamente
estruturada.
É preciso que o Direito Penal não meça esforços para
combater a macrocriminalidade que atinge muitas pessoas de uma maneira
indireta. A macrocriminalidade gera consequências que não são facilmente
percebidas como nos crimes de furto, roubo, homicídio, etc., em que a vítima é
lesada e seu prejuízo é notado imediatamente.
Algumas características marcantes são inerentes ao
criminoso econômico. Ele utiliza sua posição social para praticar os crimes sem
que seja visto como delinquente e sem que isto afete sua honra; aproveita sua
inteligência e o conhecimento das lacunas das leis para burlá-las e age buscando
realização de seus interesses com a finalidade de satisfazer seu egoísmo.
Assim entende o autor Pedro Dorado Montero12
a) sabe satisfazer seu egoísmo à custa de seus semelhantes, mas sem deixar de ser um homem oficialmente honrado; b) não conhece escrúpulos de nenhuma classe, nenhum freio moral interior, e como homem sem escrúpulos se conduz; c) sempre consegue escapar às redes do direito penal; d) conhece os defeitos das leis, aproveitando-se desse conhecimento para delas
12 DORADO MONTERO, Pedro. Bases para um nuevo derecho penal. Barcelona: Anacleta, 2003.
p. 49-50. In GOMES, Christiano Leonardo Gonzaga. Os crimes de colarinho branco e as teorias da pena. p. 512.
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abusar, sem que sofra o risco de ser considerado delinqüente; e) sua inteligência, sua astúcia, sua atividade ou sua posição social impedem que se converta num delinqüente no sentido ordinário da palavra.
Os crimes do colarinho branco afetam diretamente a ordem
econômico-financeira e violam a confiança na estrutura socioeconômica, embora
não seja possível constatar de imediato os prejuízos causados por essas
condutas.
Sobre o assunto, Daniel da Silveira Menegaz13 leciona:
Diante dessa ótica, a qualificação do criminoso do colarinho-branco consiste nas características de respeitabilidade e status elevado que ostenta na sociedade, uma vez que produz crimes que dão origem a prejuízos sociais e econômicos distintos dos crimes comuns, com o auxílio de um véu que esconde difusamente a identidade e, num primeiro momento, não se percebe a danosidade social.
O criminoso do colarinho branco é marcado pelas
características de respeito social e posição elevada na sociedade, vez que pratica
crimes que originam danos econômicos e sociais diferentes dos crimes comuns,
tendo sua identidade facilmente ocultada.
Além de serem crimes de difícil percepção, verifica-se
também a impunidade, Ela Wiecko Volkmer de Castilho14 acerca do tema:
A impunidade da criminalidade econômica decorre do funcionamento estruturalmente seletivo do sistema penal, que por sua vez guarda relação funcional com a desigualdade socioeconômica. Determinadas classes ou grupos ficam excluídos enquanto outros são incluídos.
13 MENEGAZ, Daniel da Silveira. Os mecanismos de controle penal em processos de lavagem de
dinheiro na Justiça Criminal Federal da 4ª Região e as garantias constitucionais: colarinho branco e organizações criminosas na sociedade contemporânea. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, a. VII, n. 27, p. 172, 2007.
14 CASTILHOS, Ela Wiecko Volkmer de. O Controle Penal dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1998. p. 57.
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É possível verificar que o Direito Penal é seletivo e faz claras
distinções entre os indivíduos menos favorecidos e os mais abastados
economicamente.
Neste diapasão, leciona Rodrigo Strini Franco15:
Pode-se dizer que na formação social capitalista, o direito (em especial, o direito penal) é a expressão legal do modo de produção capitalista e, assim, a institucionalização normativa dos interesses e necessidades das classes dominantes, impondo e reproduzindo as relações de opressão e desigualdade em que se fundamenta o seu poder de classe. O que se verifica atualmente é que as classes menos favorecidas sócio-economicamente é que acabam sendo atingidas pelas malhas do sistema penal e os chamados criminosos do colarinho branco apenas aplaudem e assistem de camarote o massacre dos excluídos socialmente, posto que não são atingidos pelo sistema.
O sistema penal volta sua atuação para pessoas oriundas de
classes socialmente desfavorecidas, demonstrando claramente que certos
indivíduos possuem, de alguma forma, uma imunidade diante do sistema penal.
É o entendimento de Francisco de Assis Betti16
O combate aos crimes do colarinho branco está intimamente ligado à educação de um povo, de seus governantes, das autoridades públicas, para a conscientização de que o Estado existe para garantir o bem-estar social, sob peã de as normas programáticas insertas nas Constituições dos países livres se consagrarem como simples propostas de intenção. É necessário que se tornem realidade. A significação e o valor do Direito são aferidos nas suas implicações práticas, analisando-se a função do sistema normativo no modelo social em que se encontra. [...] O que nelas importa é o modo de funcionamento, pelo qual se realiza, transforma a realidade e o fim esperado.
15 FRANCO, Rodrigo Strini. Criminalidade do colarinho branco como fonte de desigualdade no
controle penal. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4042. Acesso em: 4 abr. 2010.
16 BETTI, Francisco de Assis. Aspectos dos crimes contra o sistema financeiro no Brasil: Comentários às Leis 7.792/86 e 9.613/98. p. 21.
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21
Para a criminalidade que ataca os bens jurídicos individuais
há formas de atuação relativamente apropriadas para sua repressão prevista no
ordenamento jurídico. Por outro lado, a criminalidade que atua de maneira
organizada se vale de operações complexas, de difícil percepção e de um sistema
penal deficiente para garantir sua impunidade.
1.2 MACROCRIMINALIDADE E MICROCRIMINALIDADE
Com a evolução do Direito Penal, passou-se a resguardar a
ordem econômica enquadrando-a como bem jurídico tutelado. A intervenção feita
pelo Estado na economia passou a tomar novas formas jurídicas visando regulá-
la. Assim, surgiu o direito econômico que entrou em choque com o direito clássico
e passou a afetar a autonomia contratual, redimensionando a ordem pública.
Para Gilberto José Pinheiro Junior17:
Os bens jurídicos consagrados constitucionalmente e que são objeto da proteção do Direito Penal nos dias atuais, já não são mais aqueles denominados “naturais”, nem os relacionados ao patrimônio individual. Hoje, a inserção social do homem é muito mais ampla, sendo que a Ordem Econômica foi erigida à condição de bem jurídico da sociedade, devendo também ser objeto da tutela penal.
Como consequência da evolução dos bens juridicamente
tutelados, surgiram distinções entre a criminalidade tradicional ou clássica e a
chamada macrocriminalidade, que será analisado a seguir.
A macrocriminalidade diferencia-se da criminalidade comum
por ser praticada por pessoas pertencentes à alta classe social, de padrão
econômico elevado, por meio de fraudes, simulações e astúcia.
Para Newton Fernandes e Walter Fernandes18, a
macrocriminalidade “é a delinquência em bloco conexo e compacto, incluída no
17 PINHEIRO JUNIOR, Gilberto José. Crimes econômicos: as limitações do direito penal.
Campinas: Edicamp, 2003. p. 66.
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contexto social de modo pouco transparente (crime organizado) ou sob a
rotulagem econômica lícita (crimes do colarinho branco)”.
Sobre a macrocriminalidade, Juary C.Silva19 entende:
O que chamamos de macrocriminalidade é primacialmente crime organizado, à semelhança de empresas que, combina pessoas, capitais e tecnologia para a consecução de determinados fins, sob a direção de um chefe, que se equipara a um empresário em sentido próprio. Aí, não se trata mais de crime episódico, cometido por agentes isolados – ou eventualmente ligados -, porém de verdadeiras sociedades deliquenciais, tendo por base essencialmente a divisão de trabalho entre seus integrantes, exatamente como se passa nas empresas econômicas legítimas.
A macrocriminalidade se dá de maneira organizada e
envolve vários agentes com tarefas distintas. Os criminosos contam com técnicas
apuradas e mecanismos astutos que facilitam o cometimento do crime.
Sobre as consequências da criminalidade econômica,
Francisco de Assis Betti20, leciona que:
Os danos materiais mais característicos são os financeiros e, pode-se afirmar que são muito maiores do que os da delinquência violenta, superando a totalidade dos causados pelas outras formas de delito. Com relação aos danos imateriais, pode-se aferir a perda de confiança nas relações comerciais, a deformação do equilíbrio de mercado e o descrédito nas políticas econômicas, financeiras e sociais do governo.
E ainda:
Pelo fato de o sistema penal vigente sofrer forte influência da teoria da teoria pura do Direito, que leciona que crime é aquele que se encontra tipificado, nos dias atuais muitos vêem a criminalidade clássica como a única maneira de delinquência
18 FERNANDES, Newton; FERNANDES Walter. Criminologia integrada. p. 430. 19 SILVA, Juary C. A macrocriminalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. p. 45. 20 BETTI, Francisco de Assis. Aspectos dos crimes contra o sistema financeiro no Brasil:
Comentários às Leis 7.792/86 e 9.613/98. p. 18.
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23
existente, pois muitos crimes pertencentes à macrocriminalidade não são tipificados e alguns nem mesmo conhecidos, fazendo com que a ela se prolifere e garanta a impunidade de seus agentes.
Frequentemente é possível constatar nos crimes
econômicos, em especial, os do colarinho branco que não há uma valoração
negativa pela sociedade, que advém de fatores como o apego em excesso aos
bens materiais, lucro, egoísmo por parte daqueles que possuem o capital que
agem com total descaso para com as classes menos favorecidas e garantem sua
impunidade.
Os crimes do colarinho branco são complexos e, muitas
vezes, são ocultados pelas autoridades coniventes e, se porventura, chegam ao
conhecimento público, têm as provas mal averiguadas, quase sempre exigindo
assessoria especializada para sua apuração, acarretando, em sua maioria na falta
de punição.
O autor Hekelson Bitencourt Viana da Costa21, acerca da
sistemática da macrocriminalidade comenta:
A macrocriminalidade – criminalidade dourada – é de natureza sistemática e estrutural. Sistemática porque se insere no sistema jurídico penal, possuindo dois fatores: o lucro e a impunidade. É, pois, uma delinqüência em bloco, conexa e compacta dentro do sistema social como um todo, de modo pouco transparente (como no caso do crime organizado), ou sob o rótulo de atividade econômica lícita (crime do “colarinho branco”).
A macrocriminalidade praticamente não se utiliza de
violência efetiva, mas possui uma violência disfarçada, indireta que afeta
gravemente os direitos humanos.
E ainda, preceitua Hekelson Bitencourt Viana da Costa22
que:
21 COSTA, Hekelson Bitencourt Viana da. A macrocriminalidade e o juizado de instrução. p. 82. 22 COSTA, Hekelson Bitencourt Viana da. A macrocriminalidade e o juizado de instrução. p. 83.
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24
É a criminalidade dourada uma característica da sociedade industrial ou, mesmo, da pós-industrial, isto é, na proporção em que cresce a oferta de produtos e serviços econômicos, aumenta, em igual termo, a suscetibilidade de bens jurídicos a ataques. É, portanto, algo marcante na sociedade capitalista, tornando-a assim um ente criminógeno em sua essência, como sociedade de classes. Em outras palavras: é uma sociedade que oferece ensanchas ao cometimento do crime, pois o desenvolvimento econômico feroz desperta o desenvolvimento, pela cobiça, da criminalidade de escol, de ardil.
A criminalidade clássica, também denominada criminalidade
tradicional é aquela visível, não organizada, que diz respeito aos crimes comuns
que ocorrem em todas as classes sociais.
Acerca da criminalidade clássica, os autores Wilson
Lavorenti e José Geraldo da Silva23 preceituam que:
A criminalidade clássica se caracteriza por se consubstanciar, diariamente, em inúmeras infrações, e praticada por pessoas que via de regra, não guardam nenhum vínculo, ou no máximo, estão ligadas por uma associação criminosa consistente em uma quadrilha ou bando, ou, então, atreladas por um concurso de pessoas.
É possível constatar que a microcriminalidade se distingue
da macrocriminalidade por, de modo geral, os crimes serem praticados por
pessoas que não possuem ligação entre si.
No entendimento de Newton Fernandes e Walter
Fernandes24:
A microcriminalidade é aquela resultante do clima de adversidade e mesmo violência que impregna a desvairada sociedade de consumo, suscitando injustiças sociais e desigualdades econômicas, sendo sempre mais visível e diz respeito aos delitos corretivos, violentos ou não, que, isoladamente, em todas as
23 LAVORENTI, Wilson; SILVA, José Geraldo da. Crime organizado na atualidade. Campinas:
Bookseller, 2000. p. 44. 24 FERNANDES, Newton; FERNANDES Walter. Criminologia integrada. p. 430.
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25
camadas sociais, acontecem de dia e de noite, durante todas as horas (latrocínio, homicídio, lesões corporais, roubo, furto, estupro, ameaça, estelionato, calúnia, injúria, etc.)
Na microcriminalidade se enquadram os homicídios, furtos,
pequenos assaltos, acidentes de trânsito, entre outros. Os referidos crimes
constantemente são abordados pela mídia e debatidos pela sociedade como um
todo, o que não ocorre com a macrocriminalidade.
Neste sentido, é o entendimento de Hekelson Bitencourt
Viana da Costa25:
[...] a microcriminalidade (tradicional), como os pequenos assaltos, homicídios entre pessoas pobres, furtos de pouca monta, aciden-tes de trânsito, ocupa largos espaços e tempo nos meios de comunicação. Isso entretanto não ocorre com a macrocrimi-nalidade (criminalidade dourada), pois sua veiculação nos meios de comunicação vem em tiragens parciais e isoladas, o que pode levar à interpretação de que é impossível apurá-la em toda a sua extensão.
Os crimes praticados por indivíduos da alta sociedade são
muitas vezes abafados pelas autoridades e quando vem à tona acontece de
forma parcial pelos meios de comunicação que trazem informações isoladas
levando a pensar que seria impossível apurá-los na sua totalidade
Diante do exposto, nota-se que grande parte dos crimes
continua sendo praticados de maneira tradicional, mas também é evidente a
presença da macrocriminalidade na sociedade que se dá de maneira complexa e
organizada, dificultando sua apuração.
25 COSTA, Hekelson Bitencourt Viana da. A macrocriminalidade e o juizado de instrução. p. 82.
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26
1.3 ASPECTOS CONCEITUAIS E CARACTERÍSTICAS DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO
1.3.1 Considerações gerais sobre o crime de lavagem de dinheiro
O termo “lavagem de dinheiro” significa o ato de lavar. É
usado de forma figurada para fazer referência ao dinheiro “sujo” que se torna
“limpo” através do branqueamento do mesmo. É a reciclagem do dinheiro ilegal
que, após todo o processo de lavagem, passa a ser utilizado com aparência de
legal.
Para Eduardo Angel Fabian Caparrós26, a lavagem de
dinheiro é:
[...] um processo tendente a obter a aplicação em atividades econômicas lícitas, de uma massa patrimonial derivada de qualquer gênero de condutas ilícitas, com independência de qualquer seja a forma que essa massa adote, mediante a progressiva concessão à mesma de uma aparência de legalidade.
Com o processo de lavagem se objetiva dar ao dinheiro
obtido ilicitamente uma aparência de licitude para que o mesmo possa ser
utilizado normalmente nas transações financeiras sem que haja desconfiança de
sua origem.
No entendimento de Amílcar Fagundes Freitas Macedo27:
A lavagem de dinheiro pode ser considerada como um conjunto de processos, operações e atividades cuja finalidade é dar aspecto de licitude a dinheiro, bens ou valores de origem ilícita, e, portanto, de difícil aproveitamento econômico-financeiro, em dinheiro, bens e valores de origem aparentemente lícita, de fácil aproveitamento, por conseguinte, também no sentido econômico-financeiro.
26 FÁBIAN CAPARRÓS, Eduardo Angel. El Delito de Blanqueo de Capitales. In: PEREIRA, Flávio
Cardoso. Lavagem de dinheiro e o tratamento penal do “pitufeo” ou smurfing”. Boletim IBCCRIM. São Paulo, a. 12. n. 144, Nov. 2004, p. 10.
27 MACEDO, Amílcar Fagundes Freitas. O crime de lavagem de dinheiro – algumas reflexões. Porto Alegre. Revista da AJURIS, a. XXV, n. 109, mar. 2008, p. 11.
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27
As operações, atividades e processos que compõem a
lavagem dinheiro transformam os bens e valores de difícil aproveitamento
financeiro em bens e valores aproveitáveis devido ao seu aspecto de licitude.
Neste mesmo sentido, leciona Luiz Flávio Gomes28:
A conduta de lavagem de dinheiro está composta por um complexo de atos, uma pluralidade de comportamentos geralmente intricados e fracionados, direcionados à conversão de valores e bens ilícitos em capitais lícitos e plenamente disponíveis por seus titulares.
Sobre a repercussão do crime de lavagem de dinheiro na
sociedade, Ana Beatriz Rodrigues de Barcelos29 considera:
O crime de lavagens de capitais insere-se em um novo contexto do Direito Penal, que se costuma chamar de macrocriminalidade e que afeta não somente os interesses individualmente considerados, como naquele tradicional, mas também e principalmente interesses difusos, de toda a coletividade, com enorme potencial lesivo para a sociedade, além de geralmente tomar contornos internacionais.
O crime de lavagem de dinheiro faz parte de um novo
contexto do Direito Penal e integra a macrocriminalidade, tendo sua repercussão
estendida aos direitos da coletividade.
Para Mário Pimentel Albuquerque30:
O crime organizado, em geral, e o de lavagem de dinheiro, em particular, não se submetem aos rígidos esquemas da lógica jurídico-formal. Sua fenomenologia não comporta, como nos delitos convencionais, a existência de vítima disposta a denunciar,
28 GOMES, Luiz Flávio. apud VILARDI, Celso Antônio. O crime de lavagem de dinheiro e o início
de sua execução. Revista Brasileira de Ciência Criminais. São Paulo, a. 12, n. 47, mar./abr. 2004. p. 12.
29 BARCELOS, Ana Beatriz Rodrigues de. Recuperação de ativos provenientes de lavagem de capitais. Boletim Científico. Brasília, a. 5, n. 18/19. jan./jun. 2006. p. 121.
30 ALBUQUERQUE, Mário Pimentel. Lavagem de dinheiro e remessa ilegal de divisas: o papel do Poder Judiciário na repatriação de ativos. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Brasília, abr. 2006, p. 123.
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28
nem se centra, como nestes, na pessoa do delinquente individual, mas pressupõe uma estrutura relacional, na qual tanto os termos como as respectivas funções podem livremente variar dentro dos limites compatíveis com a natureza e o fim do empreendimento criminoso. Se no homicídio, o agente é o elemento primário e logicamente anterior ao entramado de relações, por ele concebido, para tirar a vida da vítima, na lavagem de dinheiro a situação se inverte. Aqui, a trama de relações constitui o dado primário, à vista do qual e em razão das funções a cumprir no interior daquela, serão designados os respectivos termos ou órgãos pessoais, que por isso são acidentais ou secundários.
A lógica jurídico-formal não é seguida nos crimes de
lavagem de dinheiro, tais crimes se diferenciam dos crimes mais comuns.
Normalmente, não existem vítimas para comunicar o sofrimento de lesão às
autoridades, bem como o foco do crime de lavagem não está em um único
delinquente, mas em uma rede estruturada e organizada com divisões de funções
entre os agentes a fim de que o crime seja praticado com perfeição.
Observa Paulo Henrique Wendt31 que:
Inobstante seja devidamente regulada pela Lei 9.613/98, tal prática delitiva ainda tem encontrado terreno fértil nas intrincadas e cada vez mais dinâmicas relações econômicas que hoje produzimos, facilitadas, também, pela premência de agilidade e desburocratização, bem como pela transnacionalização de operações e recursos. A lavagem de dinheiro, expressão simplista para a gama de operações que traduz, trata-se, na verdade, de engenhosas operações financeiras e econômicas que, no mais das vezes, escapam à compreensão e percepção do cidadão comum, exigindo, realmente, especialização cada vez maior dos agentes de repressão.
Apesar da existência da Lei 9.613/98, que tem como objetivo
combater o crime de lavagem de dinheiro, este crime tem seu cometimento
facilitado pelas dinâmicas relações econômicas atuais que são caracterizadas
pela agilidade e simplicidade nas operações. A lavagem de dinheiro envolve
31 WENDT, Paulo Henrique. O crime e lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e
valores. Justilex. a. II, n. 23. nov. 2003, p. 26.
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29
habilidosas operações financeiras que, muitas vezes, não são compreendidas
pelos indivíduos, necessitando cada vez mais de aprimoramento das autoridades
de repressão.
Acerca do combate e repressão aos referidos crimes, Ana
Beatriz Rodrigues de Barcelos32 assim leciona:
O crime de lavagem de capitais não é controlável apenas mediante repressão individual, com pena privativa de liberdade, necessária, mas insuficiente, uma vez que os agentes de uma empresa criminosa geralmente podem ser substituídos. A repressão econômica, por meio de sanções com efeitos patrimoniais, é mais eficaz, no sentido de enfraquecer o poder financeiro dessas organizações criminosas, impedindo seu autofinanciamento, desestruturando-a efetivamente.
Em se tratando de crimes econômicos, a pena privativa de
liberdade, apesar de necessária, é insuficiente, pois os agentes de uma
organização criminosa podem ser substituídos. A sanção com efeitos patrimoniais
constitui meio mais eficaz de repressão para desestruturar as organizações
criminosas, reduzindo sua capacidade financeira e enfraquecendo seu poder de
atuação.
Como se vê, o crime de lavagem de dinheiro possui uma
estruturação complexa, pois vários são os crimes que antecedem e compõem
essa prática. A sociedade, muitas vezes, não compreende tal definição e não dá a
importância devida a esses crimes, mesmo se tratando de ações de criminosos
com extrema lesividade aos direitos sociais.
Os crimes de lavagem de dinheiro não repercutem com a
mesma intensidade que os crimes que ferem os direitos individuais. Os cidadãos
comuns dão muito mais valor aos crimes como homicídios, estupros, furtos e
roubos.
32 BARCELOS, Ana Beatriz Rodrigues de. Recuperação de ativos provenientes de lavagem de
capitais. p. 129.
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30
Pela falta de compreensão, os crimes do colarinho branco,
especialmente a espécie de lavagem de dinheiro, não são tratados com
indignação e clamor social, o próprio Direito Penal parece valorar de forma mais
intensa os crimes pertencentes à microcriminalidade. Todos esses aspectos
apenas colaboram com a impunidade dos “criminosos de elite”.
1.3.2 Fases do crime de lavagem de dinheiro
Como perfunctoriamente visto, o crime de lavagem de
dinheiro pressupõe a existência de três etapas: a conversão, a ocultação e a
integração.
Sobre o processo da lavagem de dinheiro trata Celso
Sanchez Vilardi33:
Lavagem de dinheiro é um processo através do qual o criminoso busca introduzir um bem, direito ou valor provindo de um dos crimes antecedentes na atividade econômica legal, com aparência de lícito (reciclagem). Este processo, em regra, é formado por três etapas distintas: a da ocultação, em que o criminoso distancia o bem, direito ou valor da origem criminosa; a etapa da dissimulação, através da qual o objeto da lavagem assume a aparência de lícito, mediante algum tipo de fraude; e a etapa da reintegração: feita a dissimulação, o bem, direito ou valor reúne condições de ser reciclado, ou seja, reintegrado no sistema, como se lícito fosse.
Para melhor compreensão e a fim de observar suas
peculiaridades, é necessário analisar cada fase do crime de lavagem
separadamente.
1.3.2.1 Primeira fase: Conversão
33 VILARDI, Celso Sanchez. O crime de lavagem de dinheiro e o início de sua execução. p. 12.
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31
Sobre a primeira fase do crime, a conversão, Marcelo
Batlouni Mendroni34 dispõe que:
Nesta etapa, utilizam-se as atividades comerciais e as instituições financeiras, tanto bancárias, como não bancárias, para introduzir montantes em espécie, geralmente divididos em pequenas somas, no circuito financeiro legal.
Na maioria das vezes, o criminoso se utiliza de países com
regras mais permissivas e com sistema financeiro liberal, os paraísos fiscais, para
movimentar o dinheiro obtido ilicitamente.
De acordo com Gerson Godinho Costa35, a conversão:
[...] consiste basicamente na separação física do produto direto do delito que precede a posse dos infratores. A título de exemplo, é possível citar o depósito em contas-correntes tituladas por terceiros ou a remessa de divisas ao exterior. Nessas circunstâncias, embora constatável que o depositante é o próprio sujeito ativo do crime precedente, há significativa dificuldade na sua identificação em virtude das singularidades jurídicas internacionais.
Na conversão há a separação do produto oriundo do crime.
Para isso, os criminosos frequentemente depositam quantias em nome de
terceiros e remetem os valores a outros países. E, tendo em vista as
particularidades de cada país, é difícil constatar efetivamente a movimentação
financeira com o intuito de dissimular o dinheiro advindo de práticas não
permitidas pela lei.
Observa Amílcar Fagundes Freitas Macedo36 que:
A colocação ou ocultação é o primeiro passo do processo de lavagem de dinheiro, haja vista ser uma atividade que, no mais
34 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. São Paulo: Atlas, 2006. p. 58. 35 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. et al. Lavagem de dinheiro: Comentários à lei pelos juízes das
varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 32.
36 MACEDO, Amílcar Fagundes Freitas. O crime de lavagem de dinheiro – algumas reflexões. p. 13.
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32
das vezes, lida com muito dinheiro em espécie, oriundo de atividades ilícitas como a venda de drogas no varejo, por exemplo, necessitando, por vezes, remover o dinheiro de seu local de aquisição, colocando-o no sistema financeiro ou na economia de varejo, a fim de impedir que as autoridades detectem as atividades que o gerou. O objetivo fim desta etapa ou fase é fazer com que o dinheiro seja transformado em outra forma de valor, com depósito em contas bancárias ou outro ativo financeiro líquido, ou ainda em outros estabelecimentos não-tradicionais (casa de câmbio, hotéis, motéis, bares, etc.), passando-se à fase sucessiva do processo de lavagem
Nesta etapa, a intenção dos criminosos é se desfazer do
dinheiro obtido por meio das atividades ilícitas, com a finalidade de não chamar a
atenção para o grande montante, e, principalmente, para evitar roubos e furtos
das grandes quantias por eles adquiridas.
A ocultação acontece por meio de fracionamentos de
elevadas quantias em dinheiro que são separadas em pequenas partes e
depositadas por um período de tempo, a fim de ludibriar os controles financeiros e
administrativos do Estado.
1.3.2.2 Segunda fase: camuflagem
A segunda fase do crime de lavagem de dinheiro é chamada
mascaramento, escurecimento, difusão ou camuflagem. A nomenclatura atribuída
varia de acordo com cada autor.
Segundo Amílcar Fagundes Freitas Macedo37:
Nesta fase, ou etapa, inicia-se a tentativa de ocultamento ou disfarce (por isso também chamada de camuflagem) da fonte, de origem ilícita do dinheiro, bens ou valores, através da realização de complexas transações financeiras e/ou comerciais no intuito de mascarar o rastro do dinheiro, promovendo o anonimato, dificultando a identificação por parte do Estado e dando um aspecto de licitude para a origem ilícita do dinheiro
37 MACEDO, Amílcar Fagundes Freitas. O crime de lavagem de dinheiro – algumas reflexões. p.
13.
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33
O autor Carlos Rodolfo Fonseca Tigre Maia38, sobre a
segunda etapa da lavagem ensina:
Os grandes volumes de dinheiro inseridos no mercado financeiro na etapa anterior, para disfarçar sua origem ilícita e para dificultar a reconstrução pelas agências estatais de controle e repressão da trilha do papel, [...] devem ser diluídos em incontáveis estratos, disseminados através de operações e transações financeiras variadas e sucessivas, no país e no exterior, envolvendo multiplicidades de contas bancárias de diversas empresas nacionais e internacionais, com estruturas societárias diferenciadas e sujeitas a regimes jurídicos variados.
Essa etapa é extremamente complexa e dinâmica, muitos
são os meios que possibilitam a movimentação de ativos financeiros no mundo. A
grande quantidade de transações realizadas com alto grau de anonimato faz com
que as chances de descoberta dessas ações sejam remotas.
Marcelo Batlouni Mendroni39 leciona:
Nesta segunda etapa, o agente desassocia o dinheiro de sua origem passando-o por uma série de transações, conversões e movimentações diversas. Tanto mais eficiente a lavagem quanto mais o agente afastar o dinheiro de sua origem. Quanto mais operações, tanto mais difícil a sua conexão com a ilegalidade e tanto mais difícil a sua prova.
Muitas são as ações e operações presentes na segunda
fase da lavagem de dinheiro. Os criminosos se utilizam principalmente de
paraísos fiscais para efetuarem transferências de difícil apuração pelo Estado.
A intenção do agente do crime é distanciar o dinheiro de sua
origem ilícita, afastando-o o máximo possível para que tome aparência de origem
legal. Além da intenção de afastar o dinheiro da origem, esta fase prepara o
objeto da lavagem para a fase seguinte, que é a integração.
38 MAIA, Carlos Rodolfo Fonseca Tigre. Lavagem de dinheiro: lavagem de ativos provenientes de
crime. Anotação às disposições criminais da Lei 9.613/98. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 39. 39 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 60.
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34
1.3.2.3 Terceira fase: integração ou reinversão
A última fase do processo de lavagem se destina à utilização
do dinheiro obtido ilicitamente. O autor Gerson Godinho Costa40 leciona:
Após a simulação de negócios jurídicos, ou pela dificuldade de rastreamento da origem de negócios jurídicos, ou pela dificuldade de rastreamento da origem ilícita, o sujeito ativo passa a usar os benefícios financeiros como se lícitos fossem, com a criação de pessoa jurídica ou a apresentação de contratos de financiamento materialmente inautênticos, celebrados no exterior.
Marcelo Batlouni Medroni41, acerca do tema:
Nesta última etapa, o dinheiro é incorporado formalmente aos setores regulares da economia. Esta integração permite criar organizações de fachada que prestam serviços entre si. As organizações criminosas buscam investir em negócios que facilitem suas atividades e, uma vez formada a cadeia, torna-se cada vez mais fácil legitimar o dinheiro ilegal.
O processo para a lavagem de dinheiro é minucioso, os
criminosos se utilizam de diversas estratégias para atingirem o fim desejado. Na
fase final da lavagem, o dinheiro adquire a característica de legalidade, sendo
integrado à economia nacional para ser usufruído pelos criminosos sem que haja
qualquer indício de que foi obtido ilicitamente. Sobre este aspecto, Amílcar
Fagundes Freitas Macedo42 entende:
[...] o dinheiro obtido de forma ilícita já conta com o aspecto de legalidade que se pretendia que tivesse, como se tivesse sido ganho licitamente, e pode ser utilizado no sistema econômico-financeiro de maneira a proporcionar legitimidade para a aparente riqueza do investidor, aparecendo como o produto normal de uma atividade empresarial, comercial, lícita.
40 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. et al. Lavagem de dinheiro: Comentários à lei pelos juízes das
varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. p. 32. 41 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 61. 42 MACEDO, Amílcar Fagundes Freitas. O crime de lavagem de dinheiro – algumas reflexões. p.
14.
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35
Na última etapa da lavagem se torna muito difícil distinguir o
dinheiro ilegal do legal. Sobre o produto obtido com o cometimento do crime,
André Luís Callegari43 leciona:
Com os avanços tecnológicos, o aparecimento de novas instituições mercantis, as transações eletrônicas, etc., modificaram-se os intercâmbios econômicos, e a moeda tem sido relegada a um segundo plano. Assim, em muitas ocasiões não será o dinheiro em espécie o produto obtido com a comissão do delito, mas qualquer outra vantagem patrimonial, sendo importante apenas datá-la de um disfarce de legalidade.
O produto oriundo da prática do crime de lavagem de
dinheiro pode ser variado, não necessitando ser dinheiro em espécie, podendo
também ser outros bens.
A partir do estudo e caracterização do crime de lavagem de
dinheiro no contexto da macrocriminalidade, serão analisados nos próximos
capítulos os aspectos mais relevantes de natureza material e processual.
43 CALLEGARI, André Luís. Lavagem de dinheiro. Barueri: Manole, 2004. p. 139.
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CAPÍTULO 2
DIMENSÕES MATERIAIS DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO
2.1 SUJEITOS DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO
Para a caracterização do crime de lavagem de dinheiro é
necessário a existência de sujeitos ativos e passivos. De acordo com o autor
Fausto Martin de Sanctis44, o sujeito ativo do crime de lavagem de dinheiro é:
Qualquer pessoa, podendo ser um terceiro ou o próprio agente (autor ou partícipe) da infração prévia, pois quando o agente da infração antecedente introduz ativo no mercado, afeta o correto funcionamento deste e o seu acesso regular, além da Administração da Justiça, bens jurídicos não necessariamente coincidentes com os delitos antecedentes.
Nos crimes de lavagem de dinheiro qualquer indivíduo pode
figurar como sujeito ativo, podendo ser o próprio autor do crime, seu comparsa ou
até mesmo um terceiro. Quando o autor do crime antecedente introduz o dinheiro
ilícito na economia, o funcionamento normal e correto deste é alterado.
Ainda coloca Fausto Martin de Sanctis45 como sendo o único
sujeito passivo o próprio Estado. Já o autor Marcelo Batlouni Mendroni46 leciona
que o sujeito passivo do crime de lavagem de dinheiro “é a sociedade ou a
comunidade local, pelo abalo das estruturas econômicas e sociais, além da
segurança e da soberania dos Estados.”
44 DE SANCTIS, Fausto Martin. Combate à lavagem de dinheiro: teoria e prática. Campinas:
Millennium, 2008. p. 34. 45 DE SANCTIS, Fausto Martin. Combate à lavagem de dinheiro: teoria e prática. p. 34. 46 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 33.
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37
2.2 TIPO PENAL OBJETIVO DA LAVAGEM DE DINHEIRO
O art. 1º da Lei 9.613/98 descreve como conduta ilícita
“ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação
ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente,
de crime.” 47
Para melhor entendimento necessário se faz analisar
separadamente as partes principais do contido no caput do artigo acima
mencionado.
Sobre as condutas narradas no art. 1º da Lei 9.613/98,
Carlos Rodolfo Fonseca Tigre Maia48 leciona:
Ocultar é o ato de esconder, de tornar algo inacessível às outras pessoas. Esta ação pode ser efetuada diretamente, sem a utilização de qualquer ardil ou artifício; por exemplo, com relação a localização, levando determinado bem que se quer ocultar [...] para um esconderijo.
Dissimular é encobrir, disfarçar, mascarar, fraudar, escamotear ou alterar a verdade. Assim, é possível dissimular a localização de um bem modificando sua aparência exterior para que não seja reconhecido ou simplesmente mentindo acerca de onde este se encontra.
A conduta “ocultar” mencionada na Lei 9.613/98 pode ser
entendida como o ato de esconder, indisponibilizando algo a outros indivíduos.
Esta conduta não requer uma prática astuta, pois pode o agente levar o bem que
deseja esconder a algum lugar desconhecido por outras pessoas.
O ato de “dissimular”, também colocado pela Lei 9.613/98
como conduta do crime de lavagem de dinheiro, significa disfarçar, aparentar algo
que não é, alterando a verdade. Desta forma, o agente do crime de lavagem pode
47 BRASIL. Lei 9.613, de 3 de março de 1998. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9613.htm. Acesso em: 26 out. 2010. 48 MAIA, Carlos Rodolfo Fonseca Tigre. Lavagem de dinheiro: lavagem de ativos provenientes de
crime. Anotação às disposições criminais da Lei 9.613/98. p. 66.
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38
dissimular o local onde se encontra determinado bem, alterando sua aparência
evitando, assim, que o mesmo seja encontrado.
Como visto, há uma clara distinção entre as condutas
“ocultar” e “dissimular”. Acerca dessa diferenciação, é a doutrina:
[...] É possível aceitar uma estreita vinculação da conduta ocultar com a primeira fase da lavagem de dinheiro, a placement ou conversão, enquanto o verbo dissimular estaria associado à segunda fase, não por outro motivo denominada layering ou dissimulação. Essa discriminação, entretanto, não tem exatidão científica, mesmo porque, [...] tal qualidade não pode ser atribuída ao próprio estudo das fases da lavagem. Nesse aspecto, está a norma penal brasileira a evidenciar que é inexigível operação de alta complexidade para caracterizar lavagem de dinheiro.49
A lei que aborda os crimes de lavagem não estabelece como
requisito para a configuração do crime em comento operações extremamente
complexas.
O tipo penal abordado contém os elementos normativos
bens, direitos e valores. De acordo com Gerson Godinho Costa50:
[...] é possível definir bem como o objeto móvel ou imóvel, infungível, fungível ou consumível, divisível ou indivisível, singular ou coletivos, acessório ou principal, corpóreo ou incorpóreo, que se presta à satisfação de alguma necessidade ou interesse humano.
Marcelo Batlouni Mendroni51 assim conceitua os elementos
previstos no tipo penal:
Bens: os ativos de qualquer tipo, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, e os documentos ou
49 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. et al. Lavagem de dinheiro: Comentários à lei pelos juízes das
varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. p. 34. 50 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. et al. Lavagem de dinheiro: Comentários à lei pelos juízes das
varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. p. 34. 51 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 38-39.
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39
instrumentos jurídicos que atestem a propriedade ou outros direitos sobre os referidos ativos.
Direitos: equivalente a créditos, desde que possível a sua instrumentalização, a partir de uma conduta, para a sua “ocultação” ou “dissimulação”. Podem-se citar, como exemplos, o cheque (ordem de pagamento a vista), os títulos de crédito tradicionais (letra de câmbio, nota promissória, duplicata), debêntures, ações, etc.
Valores: para os termos da lei, a terminologia tanto significa dinheiro (cash, no termo usual inglês), de qualquer moeda, seja em reais, em US$ dólares, euros, etc., como papel moeda ou em traveler cheque, que possui o mesmo valor nominal e potencial de troca por mercadorias que o dinheiro; como também uma “quantidade abstratamente atribuída” a um bem, como, por exemplo, a “dissimulação” do real valor de uma propriedade imobiliária.
Sobre os elementos normativos presentes no art. 1º da Lei
9.613/98, Carlos Rodolfo Fonseca Tigre Maia52 leciona:
[...] a Convenção de Viena (1988) fornece uma espécie de “interpretação autêntica” destes elementos normativos: “por bens se entendem os ativos de qualquer tipo, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, e os documentos ou instrumentos legais que confirmam a propriedade ou outros direitos sobre os ativos em questão (art. 1º, “c”). Assim, bastava a utilização deste elemento (“bens”), que, por sua generalidade, açambarcaria os outros dois objetos enunciados (“direitos e valores”).
É possível concluir que a lei pretendeu abranger todo e
qualquer produto, direta ou indiretamente resultante do crime de lavagem de
dinheiro para que não houvesse alegação de ausência de previsão legal em
relação ao que foi auferido com a prática desse crime.
52 MAIA, Carlos Rodolfo Fonseca Tigre. Lavagem de dinheiro: lavagem de ativos provenientes de
crime. Anotação às disposições criminais da Lei 9.613/98. p. 61.
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40
Sobre a caracterização do crime de lavagem de dinheiro, é o
entendimento doutrinário:
Tendo o agente ocultado ou dissimulado ou estando a ocultar ou a dissimular a natureza (que diz respeito às características próprias do produto, sejam elas essenciais sejam circunstanciais), a origem (concernente à sua licitude ou ilicitude), a localização (onde se encontra o produto), a disposição (em que estado se encontra o produto), a movimentação (relacionada à circulação do produto) ou propriedade (referente à legitimidade ou ilegitimidade do domínio) de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente (neste caso se está a pressupor a circulação anterior do produto, sem que se possa vinculá-lo de forma imediata à prática do ilícito) de crime, terá esse agente incorrido ou estará incorrendo nas sanções previstas no art. 1º da Lei 9.613/98.53
Ponderada a definição legal do crime em apreço, necessário
se faz abordar os crimes antecedentes.
2.2.1 Crimes antecedentes
O crime de lavagem de dinheiro pressupõe a existência de
outro crime autônomo, não subsistindo sem que se tenha realizado crime anterior.
Acerca dos crimes que antecedem a lavagem de dinheiro
propriamente dita, leciona Gerson Godinho Costa54:
Há profunda dissensão acerca da natureza jurídica dos crimes antecedentes. Contudo, [...] os crimes antecedentes constituem elementos normativos do tipo penal de lavagem de dinheiro. Não decorrente a ocultação ou dissimulação de bens, direitos ou valores obtidos pela prática de algum ou alguns dos delitos taxativamente descritos, é atípica a conduta.
Não se configura crime de lavagem de dinheiro se não restar
evidenciado a existência de um dos crimes antecedentes estipulados pela Lei. 53 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. et al. Lavagem de dinheiro: Comentários à lei pelos juízes das
varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. p. 37. 54 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. et al. Lavagem de dinheiro: Comentários à lei pelos juízes das
varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. p. 36.
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41
No mesmo sentido entende Mário Pimentel Albuquerque55:
Os bens, direitos e valores, referidos no caput do art. 1º da Lei 9.613/98, para constituírem o objeto material do crime de lavagem de dinheiro, não bastam que tenham procedência criminosa, ainda que de natureza grave. Cumpre, ademais, que satisfaçam um requisito inarredável, qual seja, o de derivarem da prática de qualquer dos delitos taxativamente previstos nos incisos do aludido dispositivo da lei de regência.
Para configurar objeto material do crime de lavagem não
basta que os bens, direitos e valores mencionados no artigo 1º, da Lei 9.613/98
sejam oriundos de atividade criminosa, é preciso que seja preenchido um
requisito essencial, qual seja, de advirem dos crimes expressamente dispostos na
Lei como antecedentes.
Existem críticas doutrinárias acerca dos crimes mencionados
pela Lei 9.613/98 que antecedem a lavagem de dinheiro. Gerson Godinho Costa56
nesse sentido:
[...] a Lei 9.613/98 tem suscitado críticas. Ao pretender laborar com delitos supostamente de especial gravidade, esbarrou na ilogicidade sistêmica. [...] atento o intérprete ao princípio da reserva legal (art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal), não é possível considerar qualquer outro delito como antecedente da lavagem, senão somente aqueles previamente descritos como tais, por mais gravosa ou socialmente repulsiva que seja a conduta ou seus efeitos.
O rol taxativo da Lei 9.613/98 limita os crimes antecedentes
da lavagem de dinheiro, portanto, mesmo que outro crime seja utilizado para lavar
valores, não estando ele no rol legal, não poderá caracterizar o crime posterior, ou
seja, a lavagem do dinheiro.
55 ALBUQUERQUE, Mário Pimentel. Lavagem de dinheiro e remessa ilegal de divisas: o papel do
Poder Judiciário na repatriação de ativos. p. 133. 56 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. et al. Lavagem de dinheiro: Comentários à lei pelos juízes das
varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. p. 37.
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42
O autor César Antônio da Silva57 assim se manifesta sobre o
tema:
[...] se o produto de outro crime for objeto da conduta da “lavagem de dinheiro”, a ação não será punível, porque o crime antecedente é que vai determinar se a conduta do agente é ou não proibida pela lei penal especial. Fosse diferente, estaria sendo violado o princípio da legalidade ou da reserva legal, porque, sendo taxativa a lei, como é, exclui outros delitos como crimes antecedentes que nela não estejam definidos.
Caso o rol dos crimes antecedentes estabelecido na Lei
9.613/98 fosse ignorado estariam sendo violados os princípios da reserva legal e
o princípio da legalidade, pois a lei exclui outros crimes antecedentes para a
caracterização do crime de lavagem de dinheiro.
No mesmo sentido, dispõe Amílcar Fagundes Freitas
Macedo58:
[...] muito se tem criticado a respeito do rol taxativo de crimes antecedentes ao crime de lavagem, uns dizendo que alguns crimes antecedentes ficaram de fora e outros afirmando que algumas condutas típicas não necessitariam estar previstas. Isso se dá, fundamentalmente, em razão do bem jurídico protegido pelo crime de lavagem de dinheiro que é a ordem socioeconômica (segurança econômica e do sistema financeiro), uma vez que toda a ação típica está voltada para a causação de uma situação de perigo ou lesão a bens jurídicos protegidos penalmente. O limite material da intervenção estatal, no direito de punir, só nos parece possível e necessária quando se tratar de proteger determinados bens jurídicos.
Sobre os crimes definidos na Lei como antecedentes à
lavagem, necessário se faz abordar cada um, ainda que de forma superficial. A
57 SILVA, Cesar Antônio da. Lavagem de dinheiro: uma nova perspectiva penal. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2001. p. 62. 58 MACEDO, Amílcar Fagundes Freitas. O crime de lavagem de dinheiro – algumas reflexões. p.
18.
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43
Lei 9.613/98, em seu art. 1º dispõe taxativamente os crimes que antecedem a
lavagem de dinheiro, senão vejamos:
Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime:
I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; II – de terrorismo e seu financiamento; III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; IV - de extorsão mediante seqüestro; V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; VI - contra o sistema financeiro nacional; VII - praticado por organização criminosa; VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira. Pena: reclusão de três a dez anos e multa.59
O primeiro crime antecedente da lavagem de dinheiro
elencado pela Lei 9.613/98 é o de tráfico ilícito de entorpecentes e sobre o
assunto leciona Marcelo Batlouni Mendroni60:
Não por acaso foi a primeira forma criminosa a ser catalogada no dispositivo legal. Isto porque toda a discussão a respeito da necessidade de regramento legal de crimes de lavagem de dinheiro surgiu da preocupação da comunidade internacional com os efeitos lesivos à sociedade causados pela prática de tráfico e consumo de entorpecentes em todo o mundo.
O crime de tráfico de entorpecentes traz males imensuráveis
à sociedade mundial e por isso a Lei 9.613/98 o elenca como crime antecedente
da lavagem de dinheiro. O crime acima mencionado é um dos principais meios de
inserção de dinheiro obtido ilicitamente no sistema financeiro nacional.
O segundo crime citado no inciso II é o de terrorismo que,
segundo a doutrina é um dispositivo não funcional, pois não há no ordenamento
59 BRASIL. Lei 9.613, de 3 de março de 1998. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9613.htm. Acesso em: 26 out. 2010. 60 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 40.
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44
jurídico brasileiro um tipo penal com essa definição, a menos que o ilícito seja
praticado somente em território nacional.
A esse respeito é o entendimento de Carlos Rodolfo
Fonseca Tigre Maia61
Diante do princípio da reserva legal (inexistência do tipo penal de terrorismo em nosso ordenamento) e da estrutura típica adotada pelo legislador brasileiro (em que para existir a “lavagem” é mister que exista o crime primário), [...] se o agente o recicla em território brasileiro bens originários da prática em outro país de crime ali definido como terrorismo , tal conduta será atípica diante de nosso Direito Penal, salvo se a definição legal de terrorismo no Direito alienígena corresponder – sob outro nomen juris – a conduta considerada criminosa no Brasil e enquadrável nos crimes antecedentes da reciclagem.
A limitação decorrente de falta de definição legal para o
crime de terrorismo dificulta a efetiva aplicação do dispositivo legal em relação
aos referidos crimes quando praticados no exterior com a finalidade de inserir no
sistema financeiro nacional valores obtidos ilicitamente.
Apesar de não haver definição legal para terrorismo, o
dispositivo não pode deixar de ser aplicado, devendo ser utilizadas definições
doutrinárias para o crime.
Segundo Marcelo Batlouni Mendroni62:
Com esse dispositivo, quis o legislador abranger toda e qualquer espécie de terrorismo, desde atentados a bomba (carros-bomba, homens-bomba), como seqüestros e atentados realizados a bordo de aviões, ações violentas em aeroportos, shoppings centers, estádios, ginásios e quaisquer locais de muita concentração de pessoas, seqüestros de diplomatas estrangeiros, utilização de materiais nucleares, radioativos, armas químicas, biológicas etc.; tudo pode ser enquadrado em prática de terrorismo.
61 MAIA, Carlos Rodolfo Fonseca Tigre. Lavagem de dinheiro: lavagem de ativos provenientes de
crime. Anotação às disposições criminais da Lei 9.613/98. p. 73. 62 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 41.
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45
A intenção da Lei é evitar que o dinheiro obtido ilicitamente
por meio de ações feitas por grupos terroristas seja reutilizado para financiar as
mesmas ações, para que a segurança nacional não seja colocada em risco.
O inciso III, do art. 1º da Lei 9.613/98 trata do crime de
contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção.
Sobre esse crime, César Antônio da Silva63 escreve:
Também é de duvidosa tipificação esse aludido “crime de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado a sua produção”, como crime antecedente. Ainda que implicitamente esteja subentendido na descrição do art. 334 do Código Penal, consistente em “importar ou exportar mercadoria proibida...”, com o nomen juris “contrabando ou descaminho”, este dispositivo não especifica em seu contexto, o real tipo por meio do qual se possa identificar com clareza o crime antecedente, exigido para a configuração do crime diferido, uma vez que não especifica qual o tipo de arma que deva ser considerada para esse fim, e nem define também se “arma” se insere no contexto de “produtos proibidos”, à exportação e importação.
Devido à falta de especificação legal no inciso
supramencionado, é cabível interpretação doutrinária para a aplicação do
dispositivo aos casos concretos. Acerca do tema, Gerson Godinho Costa64
preceitua:
[...] em leitura apressada, o tráfico ilícito de armas de uso permitido estaria excluído do conceito de crime antecedente, para fins de configuração de lavagem de dinheiro. Registre-se que foram estabelecidas como crimes antecedentes duas condutas típicas: contrabando e tráfico de armas. Certamente que, pela própria natureza do primeiro, ele somente ocorrerá quando seu objeto material for constituído de armas de uso proibido. Porém, não é o que sucede com o segundo. [...] traficar deve ser equiparado a comercializar, e a norma não distingue a espécie de arma a ser comercializada, se de uso permitido se proibido. Portanto, é possível afirmar que tráfico de arma de uso permitido
63 SILVA, Cesar Antônio da. Lavagem de dinheiro: uma nova perspectiva penal. p. 116. 64 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. et al. Lavagem de dinheiro: Comentários à lei pelos juízes das
varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. p. 44-45.
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46
está incluso no conceito de crime antecedente descrito no inciso III do art. 1º da Lei 9.613/98.
Em relação ao crime de contrabando, disposto no artigo 1º,
III, da Lei 9.613/98, tem-se que este só se caracterizará como crime antecedente
à lavagem quando seu objeto material foi formado por armas de uso proibido, por
sua própria natureza. Já referente ao crime de tráfico de armas, também
mencionado no artigo 1º, III, da Lei 9.613/98, a Lei não especifica se para a
configuração do crime as armas devem ser de uso proibido ou permitido. Sendo
assim, entende-se que o tráfico de armas de uso permitido está compreendido no
conceito de crime antecedente exposto pela Lei.
Não obstante a Lei 9.613/98 aparentemente apresente
dificuldades na aplicação, é possível lançar mão do entendimento doutrinário, a
fim de alcançar o objetivo do legislador quando da confecção da norma legal.
Feitas as ponderações sobre o inciso III, passa-se a
comentar o inciso seguinte que coloca como crime antecedente a extorsão
mediante sequestro, também prevista no art. 159 do Código Penal.
O autor César Antônio da Silva65, sobre o referido crime:
O crime de extorsão mediante sequestro está tipificado no art. 159 do Código Penal. A descrição típica revela em si a obtenção de vantagem proveniente do sequestro de qualquer pessoa, “como condição ou preço do resgate”. Obviamente que o produto obtido em função do seqüestro é ilícito e, por conseguinte, ilicitamente o agente terá aumento em seu patrimônio. Assim, se houver ocultação ou dissimulação quanto à natureza, origem, localização, disposição ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes de crime de seqüestro, nas condições exigidas pelo art. 159 do Código Penal, caracteriza a figura delituosa a que alude o inciso IV do art. 1º da Lei 9.613/98.
Assim como os demais crimes antecedentes, é necessário
que reste comprovado o crime de extorsão mediante sequestro para que se
65 SILVA, Cesar Antônio da. Lavagem de dinheiro: uma nova perspectiva penal. p. 117.
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47
configure o crime de lavagem de dinheiro, mediante a ocultação ou dissimulação
pelo sequestrador ou outra pessoa do produto oriundo do sequestro. Sobre o
referido crime, Carlos Rodolfo Fonseca Tigre Maia66 leciona:
Trata-se do crime contra o patrimônio e a liberdade individual previsto no art. 159 do Código Penal. A inclusão deste delito dentre os crimes-base é plenamente justificável, quer por sua gravidade objetiva, quer por seu caráter instrumental, eis consubstanciar, ao lado do assalto a bancos (crime de roubo – art. 157 do Código Penal), uma das formas clássicas de captação de recursos para utilização em outros ilícitos, especialmente a narcotraficância.
Pode-se concluir que o crime acima mencionado se encontra
no rol taxativo da Lei 9.613/98 devido à sua importância e por ser também
comumente utilizado para obtenção de recursos para financiar a prática de outros
crimes.
No inciso V encontra-se previsto o crime cometido contra a
Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou
omissão de atos administrativos.
Sobre esse crime antecedente da lavagem de dinheiro,
Marcelo Batlouni Mendroni67, assim escreve:
Sendo os crimes de maior proporção numérica de obtenção de ganhos destinados à lavagem, não poderiam deixar de ser previstos. O dinheiro perdido às custas da prática dos crimes contra a administração pública abala as estruturas públicas do Estado, provocando o direcionamento de erros nas questões da administração de justiça, provocando inconsertáveis injustiças e causando descrédito da população na justiça. Decorre o sentimento de revolta do cidadão que acaba procurando a justiça pelas próprias mãos ou, quando menos, a omissão da informação
66 MAIA, Carlos Rodolfo Fonseca Tigre. Lavagem de dinheiro: lavagem de ativos provenientes de
crime. Anotação às disposições criminais da Lei 9.613/98. p. 73. 67 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 45.
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48
ao poder público – e gerando, finalmente, a sensação geral da impunidade e desconsolo.
Os referidos crimes podem ser considerados como os que
mais afetam o desenvolvimento do país, envolvendo grande parte do dinheiro
lavado no Brasil, conforme leciona Marcelo Batlouni Mendroni68:
Tais crimes envolvem metade de todo o dinheiro lavado no Brasil. Como visto, é situação visivelmente prejudicial à pretensão de um páis em desenvolvimento, de galgar posição mais elevada no ranking dos países desenvolvidos no mundo.
E ainda:
São crimes que, em nosso entender, mais afetam o desenvolvimento socioeconômico do país, e que ocorrem, de fato, e visivelmente em maior escala, requerendo a maior urgência no seu combate e atenção especial e redobrada das autoridades.
O dinheiro tirado dos cofres públicos deixa de ser utilizado
em prol da sociedade para a melhoria dos problemas sociais, impedindo o
desenvolvimento do Estado.
No inciso seguinte, os crimes contra o sistema financeiro
nacional são colocados como antecedentes à lavagem. Carlos Rodolfo Fonseca
Tigre Maia69, sobre esses crimes dispõe:
São os crimes elencados na Lei Federal n. 7.492/86, entre os quais a gestão fraudulenta de instituição financeira (art. 4º), a emissão de títulos falsos (art. 7º), a manutenção de contabilidade paralela ou “caixa 2” (art. 11), a remessa ilegal de divisas (art. 22) etc. Atente-se, também neste passo, a que nem todos os tipos penais constantes da Lei 7.492/86 podem ser pressupostos da “lavagem” de dinheiro, por não resultarem direta ou indiretamente na aquisição de bens, direitos ou valores. [...] são os comumente praticados por “colarinhos brancos” e sua inclusão neste rol
68 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 45. 69 MAIA, Carlos Rodolfo Fonseca Tigre. Lavagem de dinheiro: lavagem de ativos provenientes de
crime. Anotação às disposições criminais da Lei 9.613/98. p. 78.
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49
corresponde à crescente aproximação da criminalidade organizada com este tipo de ilícito.
Para que os crimes previstos na Lei 7.492/86 sejam
considerados antecedentes à lavagem de dinheiro é necessário que resultem
diretamente na aquisição de bens, direitos ou valores.
O autor César Antônio da Silva70 critica a redação do inciso
VI, do art. 1º, da Lei 9.613/98:
Apesar de relevante a seleção feita pelo legislador dos crimes contra o sistema financeiro nacional, que constituem os crimes antecedentes como elemento essencial ou elementar do crime de “lavagem de dinheiro”, previstos na Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, não é satisfatória; não deveria ter omitido “outras ordens de delitos afins, como o abusado do poder econômico ou aqueles que atingem a economia popular ou a livre concorrência”, [...] por também se tratar de crimes capazes de gerar riqueza ilícita com grandes probabilidades de lesão à ordem econômico-financeira, que deva ser preservada dos constantes ataques de especuladores inescrupulosos que geram a chamada economia subterrânea, produzindo efeitos negativos.
Outros crimes de natureza semelhante também poderiam ter
sido elencados no rol de crimes antecedentes à lavagem de dinheiro. Por não
abranger diversas práticas ilícitas contra as finanças em geral do Estado, muitos
crimes não são punidos pela lavagem de dinheiro pelo não enquadramento legal.
O inciso VII do artigo em apreço trata dos crimes praticados
por organização criminosa. A doutrina critica a falta de definição na legislação
pátria do que seja organização criminosa.
Sobre o assunto, César Antônio da Silva71 assim se
manifesta:
Incluiu a Lei, como antecedente, o crime praticado por “organização criminosa”, sem, contudo, existir uma legislação
70 SILVA, Cesar Antônio da. Lavagem de dinheiro: uma nova perspectiva penal. p. 119. 71 SILVA, Cesar Antônio da. Lavagem de dinheiro: uma nova perspectiva penal. p. 68.
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50
definindo o que seja organização dessa natureza. Existe a Lei nº 9.034, de 3.5.1995, que pretendeu definir a “ação de organização criminosa” no Capítulo I, porém assim não o fez. Trata-se de mera alusão à organização criminosa sem, no entanto, trazer em seu contexto um tipo penal definidor e delimitador dessa “organização”.
A Lei 9.613/98 incluiu como crime antecedente aquele
praticado por organização criminosa, entretanto, não há uma legislação que a
conceitue. Com isso, percebe-se que há apenas uma menção à organização
criminosa sem, contudo, ter algum dispositivo que defina e delimite essa
organização.
No mesmo sentido, Amílcar Fagundes Freitas Macedo72
escreve:
Assim, para que se possa responsabilizar, penalmente, os integrantes de uma organização criminosa, se terá de saber, de antemão, a qual organização pertencem e quem a compõe, não sendo essa uma tarefa nada fácil. Parece-nos que para a definição de organização criminosa, de lege ferenda, aspectos econômicos e institucionais devem ser levados em consideração. É necessário que se identifiquem, inicialmente, quais são as características que um determinado grupo de indivíduos que pratica atos ilícitos possa ser considerado como “organização criminosa”.
Fica claro que para uma organização ser considerada
criminosa é preciso que se análise cuidadosamente suas características e formas
de atuação para então concluir se ela se encaixa ou não como crime antecedente
à lavagem de dinheiro.
O autor Guaracy Mingardi73 apresenta a seguinte definição
para organização criminosa:
72 MACEDO, Amílcar Fagundes Freitas. O crime de lavagem de dinheiro – algumas reflexões. p.
20. 73 MINGARDI, Guaracy. O Estado e o crime organizado. In MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime
de lavagem de dinheiro. p. 49.
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51
Grupo de pessoas voltadas para atividades ilícitas e clandestinas que possui uma hierarquia própria capaz de planejamento empresarial, que compreende a divisão do trabalho e o planejamento de lucros. Suas atividades se baseiam no uso da violência e da intimidação, tendo como fonte de lucros a venda de mercadorias ou serviços ilícitos, no que é protegido por setores do Estado. Tem como características distintas de qualquer outro grupo criminoso um sistema de clientela, a imposição da Lei do silêncio aos membros ou pessoas próximas e o controle pela força de determinada porção de território.
Organização criminosa pode ser entendida como grupo de
indivíduos com a finalidade de praticar atividades proibidas por lei que possui uma
hierarquia, com delegação de tarefas cuidadosamente planejadas. As práticas da
organização criminosa são alicerçadas na violência e sua fonte de lucro é a venda
de serviços e mercadorias ilícitas. Suas peculiaridades consistem numa rede de
clientela, no controle baseado na força de determinada porção de território e na
imposição do silêncio a todos os integrantes da organização e pessoas próximas
a eles.
Apesar de não existir definição legal de organização
criminosa, o dispositivo legal em questão pode ser aplicado, conforme é o
entendimento de Marcelo Batlouni Mendroni74:
Demonstra-se [...] ser absolutamente possível aplicar o presente dispositivo, simplesmente, e também principalmente, através dos próprios conceitos de “organização criminosa”, independentemente de definição legal.
E ainda:
Considerando-se que não seria possível distinguir determinadas espécies de infrações penais para efeito de estabelecimento da organização criminosa, segue-se que, uma vez configurada a sua existência, com intuito de prática de qualquer tipo de infração penal, desde que obtenha, dessa atividade, bens, direitos e valores, a partir de indícios das condutas, será possível processar
74 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 51.
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52
os seus integrantes – que de qualquer modo concorrerem, por crime de lavagem de dinheiro, tendo como situação antecedente “pertencer”, por se tratar “crime praticado por organização criminosa”.
Desde que a organização criminosa tenha como finalidade
obter bens, direitos ou valores por meio de sua atividade, poderá ser
caracterizado o crime de lavagem de dinheiro por restar evidenciado a ocorrência
do crime antecedente elencado no inciso VI, do art. 1º da Lei 9.613/98.
O crime praticado por particular contra a Administração
Pública estrangeira também configura crime antecedente à lavagem de dinheiro.
Sobre o tema, leciona Marcelo Batlouni Mendroni75:
É dispositivo recentemente inserido no texto da lei, que visa coibir, especialmente, a prática de processamento de lavagem de fundos contrariamente aos dispositivos legais e regulamentares das administrações públicas estrangeiras, buscando fechar ainda mais as possibilidades de sua operacionalização a partir de critérios proibidos de outro país.
A intenção clara do inciso acima mencionado é rechaçar
práticas de lavagem de capitais em detrimento da Administração Pública
estrangeira.
2.2.2 Pena aplicada ao crime de lavagem de dinheiro
Após enumerar os crimes antecedentes vistos, a Lei
determina que a pena aplicada seja de reclusão de três a dez anos e multa. A
pena privativa de liberdade pode ser considerada relativamente baixa.
De acordo com Marcelo Batlouni Mendroni76, não é ela que
efetivamente inibe a prática da lavagem de dinheiro:
75 75 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 51. 76 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 51.
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53
[...] não é esta pena que efetivamente estabelece o verdadeiro caráter punitivo, sendo de muito maior eficiência o seqüestro e o seu conseqüente confisco de bens, valores ou direitos obtidos ilicitamente. Penas privativas de liberdade, mesmo que com início em regime fechado, são cumpridas, muitas delas em apenas parte para posterior progressão de regime e livramento condicional. Mas sem o dinheiro obtido criminosamente o agente fica impedido de promover o “giro” de sua atividade criminosa, não consegue mais contar com os comparsas ou subalternos, perde poder e a capacidade de mando.
A pena privativa de liberdade não pode ser considerada em
vão, com certeza não o é. Apenas pode-se verificar que, como se trata de crimes
financeiros em que o dinheiro é de imensurável valor aos criminosos, tirar-lhe o
produto obtido com suas práticas ilícitas possuem alta capacidade de correção.
O criminoso que lava o dinheiro normalmente se encontra
integrado na sociedade, não agindo por necessidade ou ingenuamente, deve,
portanto, receber uma punição rigorosa, pois ao contrário dos menos favorecidos,
utiliza sua posição social para delinquir.
2.3 PRINCIPAIS ATIVIDADES VISADAS PELOS CRIMINOSOS
Para dissimular o dinheiro obtido de maneira ilícita, os
agentes da lavagem de dinheiro utilizam algumas atividades econômicas, as
quais serão mencionadas abaixo, não se tratando, entretanto, de rol taxativo, mas
sim meramente exemplificativo. São elas:
a) Bancos: trata-se de uma das principais atividades visadas
pelos lavadores de dinheiro, pois por meio dos bancos é possível realizar diversas
operações que facilitam o desvio dos valores auferidos ilicitamente. Sobre o
assunto Marcelo Batlouni Mendroni77 escreve:
Os bancos são, por assim dizer, por excelência, os veículos mais comuns para viabilizar a prática de crimes de lavagem de dinheiro.
77 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 83.
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54
Isto porque através dos bancos o agente pode realizar depósitos, transferências, saques, tanto pessoalmente como por procurador, por ordens, mas especialmente através da utilização da Internet (Internet Banking). Com utilização “eletrônica” dos comandos, podem-se realizar incontáveis transações em apenas um único dia.
No mesmo sentido, Amílcar Fagundes Freitas Macedo78
leciona:
Embora a atividade inerente aos bancos seja sabidamente controlada pelo Estado, o controle de um banco é a atividade preferida dos lavadores, pois uma vez adquirida a cumplicidade dos integrantes (funcionários) ou até mesmo o controle do banco pelos criminosos, apesar das regras de detecção das movimentações financeiras, se torna muito difícil coibir a lavagem de capitais.
Pelos motivos acima mencionados, os bancos são
extremamente visados pelos lavadores de dinheiro.
b) Casas de câmbio: por meio das casas de câmbio, o
criminoso tem a possibilidade de trocar moedas a fim de dissimular a origem do
dinheiro. O agente pode trocar o dinheiro obtido ilicitamente por dólares, euros,
libras, passagens aéreas, etc., podendo, então, utilizar o fruto da troca para
compra de bens, como também para realizar viagens.
Marcelo Batlouni Mendroni79 assim escreve sobre as casas
de câmbio:
Como a maioria das casas de câmbio não registra as operações, o agente tem o papel-moeda em mãos, e não presta contas à Receita Federal, impedindo ou dificultando qualquer mecanismo de controle por parte das autoridades.
78 MACEDO, Amílcar Fagundes Freitas. O crime de lavagem de dinheiro – algumas reflexões. p.
17. 79 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 85.
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55
Ao não registrar suas operações e proporcionar trocas fáceis
de valores aos lavadores do dinheiro, as casas de câmbio tornam-se uma das
principais atividades pelos criminosos para lavar o dinheiro.
c) Companhias de transportes: essa atividade é visada pelos
criminosos, pois envolve um grande número de passageiros e valores
significativos oriundos da venda dos bilhetes e não possuem meios de controle
razoavelmente confiáveis em relação ao fluxo desses passageiros.
Sobre essa atividade, leciona Amílcar Fagundes Freitas
Macedo80:
Esse tipo de empresa também se presta muito ao delito de lavagem, pois envolvem um grande número de passageiros e valores razoáveis pelo preço dos bilhetes, restando difícil se verificar, na prática, o verdadeiro número de passageiros transportados [...] tornando-se quase inviável o monitoramento dos fluxos financeiros de tais empresas.
A dificuldade na verificação e controle da movimentação
financeira das empresas de transportes favorece para que sejam utilizadas pelos
criminosos na lavagem do dinheiro.
d) Bingos e caça-níqueis: essas atividades figuram como
principais na lavagem de dinheiro em razão de usualmente ser utilizado “dinheiro
vivo” nos jogos, não sendo possível contabilizar exatamente quanto foi realmente
jogado ou quantas pessoas frequentaram o estabelecimento.
A respeito do assunto, trata Amílcar Fagundes Freitas
Macedo81:
Frequentemente utilizadas pelos lavadores, tais atividades com o jogo em geral são muito atraentes para a criminalidade, pois é usual a utilização de dinheiro vivo para colocação nas máquinas
80 MACEDO, Amílcar Fagundes Freitas. O crime de lavagem de dinheiro – algumas reflexões. p.
16. 81 MACEDO, Amílcar Fagundes Freitas. O crime de lavagem de dinheiro – algumas reflexões. p.
17.
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56
sem se poder precisar a quantia exata que foi jogada, ou quantas pessoas freqüentou a casa de jogo num determinado dia, assim como para a compra de fichas para a jogatina nos bingos.
Pelos motivos mencionados acima, os bingos e caça-níqueis
favorecem os criminosos no processo de lavagem.
e) Imobiliárias: são atrativas aos lavadores de dinheiro, pois
eles aplicam os valores advindos das atividades ilícitas nos imóveis, muitas
vezes, com diferença entre o valor de compra declarado, lançando mão da
diferença para efetuar a lavagem.
Acerca desta atividade, ensina Marcelo Batlouni Mendroni82:
Torna-se fácil manipular os valores de compra, venda e reforma, e também a utilização de testas-de-ferro, em nome de quem os imóveis são registrados. Evidente que o verdadeiro proprietário sempre deverá guardar alguma garantia de reaver o imóvel e neste aspecto utiliza “contratos de gaveta” ou procurações.
O falso preço atribuído aos imóveis e a possibilidade de
utilização de terceiros em nome dos quais os imóveis são registrados colaboram
para que o setor imobiliário seja visado pelos agentes da lavagem de dinheiro.
f) Joalherias e galerias de obras de arte: as jóias e obras de
artes são facilmente transportadas e possuem preço variado. É possível que as
peças sejam adquiridas por um falso valor baixo, mas que podem ser vendidas
por alto preço proporcionando a lavagem dos valores.
Escreve Amílcar Fagundes Freitas Macedo83 sobre o tema:
Esta é uma área de negócios atrativa aos lavadores de dinheiro, pois se trabalha com bens de alto valor, os quais normalmente são pagos em dinheiro e são de fácil transporte, podendo ser revendidos em outro país, inclusive, gerando uma origem lícita do
82 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 87-88. 83 MACEDO, Amílcar Fagundes Freitas. O crime de lavagem de dinheiro – algumas reflexões. p.
16.
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57
dinheiro empregado na compra de tais objetos, com localização idônea do capital proveniente da venda.
Qualquer área que seja marcada por bens de alto valor que
possam ser, ou que normalmente são pagos em dinheiro é uma área chamativa
para os lavadores de dinheiro.
Neste capítulo foram estudadas as dimensões materiais do
crime de lavagem dinheiro, adentrando-se nas principais características do crime
de lavagem constantes na Lei 9.613/98. Feito isso, passa-se ao estudo dos
aspectos processuais destacados dos referidos crimes.
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CAPÍTULO 3
ASPECTOS PROCESSUAIS DESTACADOS DA LAVAGEM DE DINHEIRO
3.1 INSTRUMENTOS DE FACILITAÇÃO DA APURAÇÃO DO DELITO
O crime de lavagem de dinheiro pode ser considerado um
crime complexo que necessita da comprovação da prática de delitos
antecedentes e da configuração de suas fases para sua real caracterização. Em
decorrência disso, alguns instrumentos são essenciais para facilitar as
investigações e obter êxito na solução do crime.
É possível citar alguns dos principais instrumentos de
facilitação, sendo eles: a denúncia anônima, ação controlada, quebras de sigilo,
interceptação telefônica e delação premiada.
3.1.1 A denúncia anônima
A denúncia anônima é, sem dúvida, um instrumento
facilitador da apuração, pois estimula indivíduos receosos em relação à Justiça ou
com medo dos envolvidos no crime narrado a relatarem anonimamente a prática
do delito, colaborando sensivelmente para a depuração do mesmo. Sobre o tema,
leciona Fausto Martin De Sanctis84:
Não se apresenta incomum o fato de os delatores revelarem detalhes da situação fática criminosa de forma descontinuada e por largo período de tempo. Preferem agir de molde a acompanhar as ações dos órgãos encarregados no combate à criminalidade organizada, chegando a revelar o melhor caminho para a apuração.
84 DE SANCTIS, Fausto Martin. Combate à lavagem de dinheiro: teoria e prática. p. 123.
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59
Para que algum efeito seja produzido pela denúncia
anônima é necessário que a revelação contenha elementos detalhados sobre os
fatos e afirmações concretas, a fim de se evitar fraudes em face da Justiça.
É possível a utilização de denúncia anônima para a
averiguação do delito, conforme se verifica na jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES, ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO, LAVAGEM DE DINHEIRO E SONEGAÇÃO FISCAL. NULIDADES. DENÚNCIA ANÔNIMA. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA MATERIALIDADE DO DELITO. AUSÊNCIA DE LAUDO TOXICOLÓGICO. PRESCINDIBILIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO A COMPROVAR A MATERIALIDADE DO DELITO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO NAS DECISÕES PROFERIDAS NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. NÃO-OCORRÊNCIA. APELAÇÃO. AMPLA DEVOLUTIVIDADE. IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DOS CRIMES PREVISTOS NOS ARTS. 12, CAPUT E § 2º, II, DA LEI 6.368/76 EM UM MESMO CONTEXTO FÁTICO. OCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. SUPERVENIÊNCIA DO INCISO I DO ART. 40 DA LEI 11.343/06. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA PARA A MAJORAÇÃO ACIMA DA FRAÇÃO MÍNIMA APLICÁVEL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Inviável se mostra a análise da pretensão referente à inexistência de prova da materialidade do delito, visto que o habeas corpus, remédio jurídico-processual, de índole constitucional, que tem como escopo resguardar a liberdade de locomoção contra ilegalidade ou abuso de poder, é marcado por cognição sumária e rito célere, motivo pelo qual não comporta o exame de questões que, para seu deslinde, demandem aprofundado exame do conjunto fático-probatório dos autos, peculiar ao processo de conhecimento. 2. "Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguação, como o inquérito policial, conforme contenham ou não elementos informativos idôneos suficientes, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado" (HC 44.649/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ 8/10/07). Precedente do STF (AgRg na MC em MS 24.369-4/DF). 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
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é no sentido de que a materialidade do crime de tráfico de entorpecentes deve ser comprovada mediante a juntada aos autos do laudo toxicológico definitivo. Entretanto, tal entendimento deve ser aplicado na hipótese em que há a apreensão da substância entorpecente, justamente para se aferirem as características da substância apreendida, trazendo subsídios e segurança ao magistrado para o seu juízo de convencimento acerca da materialidade do delito. 4. Na hipótese, o laudo de exame toxicológico definitivo da substância entorpecente não é condição única para basear a condenação se outros dados suficientes, incluindo a vasta prova testemunhal e documental produzidas na instrução criminal, militam no sentido da materialidade do delito. 5. Não há falar em falta de fundamentação da sentença condenatória e do acórdão impugnado, uma vez que em ambas as decisões a matéria posta foi exaustivamente examinada, tanto pelo Juízo singular como pelo colegiado, devendo subsistir pelos seus próprios fundamentos. 6. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que "contra decisões proferidas em recurso de devolução integral da causa – a exemplo do que sucede na apelação –, o cabimento do habeas corpus para a instância superposta independe de que o seu fundamento tenha sido expressamente suscitado ou repelido" (HC 71.818/BA, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ de 23/4/07), em razão da ampla devolutividade do recurso de apelação. 7. O crime previsto no art. 12 da lei 6.368/76 é de ação múltipla, sendo que a realização de mais de um núcleo dentre os diversos ali previstos, em um mesmo contexto, configura a prática de crime único. 8. No caso dos autos, não deve subsistir o entendimento firmado no acórdão impugnado pela ausência de motivação idônea a justificar o aumento de pena, em relação à transnacionalidade delitiva, acima do patamar mínimo de 1/6 previsto no inciso I do art. 40 da Lei 11.343/06. 9. Ordem parcialmente concedida para excluir da condenação do paciente a sanção imposta pela incidência do crime previsto no art. 12, § 2º, inciso II, da Lei 6.368/76 e reduzir as penas relativas aos crimes previstos nos arts. 12, caput, e 14, ambos da Lei 6.368/76, respectivamente, para 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de reclusão e 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses, também de reclusão.85
85 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo penal. Habeas Corpus nº 200702339545.
Brasília, Quinta Turma. Diário da Justiça. 19. dez. 2008.
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61
3.1.2 Ação controlada
Outro instituto utilizado na apuração do delito é a ação
controlada que pode ser denominada também de infiltração policial ou agente
encoberto e também facilita a apuração do delito. Caracteriza-se pela infiltração
de agentes no meio dos criminosos e de estratégias utilizadas pela autoridade
policial a fim de descobrir as ações ilícitas e práticas comuns para a consumação
do crime, conforme comentam os autores Getúlio Bezerra Santos e Rodrigo
Carneiro Gomes86:
Ação controlada é o procedimento mediante o qual se permite que o envio, presumível ou confirmado, de mercadorias ou drogas ilícitas, descoberto pela atividade de inteligência policial, saia, transite ou ingresse no território de um ou mais países, com o conhecimento e a supervisão das autoridades competentes, a fim de possibilitar o descobrimento e a identificação de pessoas envolvidas com a organização criminosa. [...] A técnica especial de investigação policial chamada ação controlada comporta aplicações múltiplas, o que lhe garante alto grau de eficácia. Pode ser utilizada, por exemplo, na entrega de cargas, de mercadorias ou de drogas ilegais.
3.1.3 Quebra do sigilo
Visto a relevância da ação controlada, tem-se também como
outro mecanismo colaborador para a apuração do delito a quebra de sigilo. Em
que pese a existência do direito fundamental que garante a incolumidade à
intimidade e à vida privada previsto no art. 5º, inciso X da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, essa garantia não é absoluta, uma vez
que o direito de o Estado exercer seu poder punitivo também deve ser
preservado. É preciso frisar que a quebra de sigilo, autorizada por decisão
judicial, deve ser feita quando realmente haja necessidade e desde que sejam
86 GOMES, Rodrigo Carneiro. SANTOS, Getúlio Bezerra. Ação controlada é instrumento eficaz
contra crime organizado. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2006-ago-27/acao_controlada_eficaz_crime_organizado. Acesso em: 15 set. 2010.
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62
observados os requisitos legais exigidos. Neste sentido, é a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE MOTIVO HÁBIL. PROTEÇÃO E GARANTIA CONSTITUCIONAL. A proteção da privacidade do cidadão, na qual se inserem os sigilos bancário e fiscal, envolve uma garantia constitucional relativa, somente afastada pelo critério da proporcionalidade e da efetiva necessidade da medida de constrição. No caso, não foram eficientemente comprovados os motivos pelos quais os recorrentes poderiam sofrer a invasão ao seu direito de privacidade, sendo de bom senso nesta situação resguardar a regra geral e protetora do sistema de garantias fundamentais. Recurso provido.87
Desde que respeitado o critério da proporcionalidade e a real
necessidade da quebra de sigilo, este instituto colabora de forma significativa para
comprovar a existência do crime de lavagem de dinheiro, conforme comenta o
autor Daniel da Silveira Menegaz88:
A eficiência desse mecanismo de controle penal tem enorme importância para comprovar a lavagem de dinheiro, na medida em que se tem acesso a documentos que contêm informações sobre as rendas e situação econômico-financeira do indiciado ou réu, podendo-se avaliar a coerência e compatibilidade dos dados com sua vida real.
A quebra de sigilo permite obter informações, consultar
documentos sobre as operações, patrimônio e movimentação financeira das
contas do investigado que não poderiam ser conhecidas de outra forma. Portanto,
nota-se a grande contribuição que a quebra de sigilo dá ao combate ao crime de
lavagem de dinheiro.
87 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Penal. Recurso ordinário em mandado de segurança nº
200702181972. Brasília, Sexta Turma. Diário da Justiça. 14. abr. 2008. 88 MENEGAZ, Daniel da Silveira. Os mecanismos de controle penal em processos de lavagem de
dinheiro na Justiça Criminal Federal da 4ª Região e as garantias constitucionais: colarinho branco e as organizações criminosas na sociedade contemporânea. p. 187.
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63
3.1.4 Interceptação telefônica
Pode-se pontuar ainda a interceptação telefônica, a qual
configura outro mecanismo de controle penal. Segundo o autor Daniel da Silveira
Menegaz89:
A interceptação telefônica mostrou-se meio de prova utilizado com freqüência para processar e julgar os crimes de lavagem de dinheiro [...] em casos complexos ou difíceis de serem detectados formalmente como meio de prova, porque apresenta eficiência na realidade em que se promovem os delitos de lavagem de dinheiro. [...]
É comumente utilizada a interceptação telefônica dada sua
real eficácia na apuração do crime. Nos crimes de lavagem de dinheiro ela se
torna, muitas vezes, essencial ante a complexidade das operações dos
criminosos e a sofisticação das organizações criminosas. Colhe-se da
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, CONTRABANDO, FALSIFICAÇÃO DE PAPÉIS PÚBLICOS E LAVAGEM DE DINHEIRO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. MEDIDA INDISPENSÁVEL DIANTE DA EXTENSÃO, INTENSIDADE E COMPLEXIDADE DAS CONDUTAS DELITIVAS INVESTIGADAS E DO NÍVEL DE SOFISTICAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. DEFERIMENTO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA PELO PRAZO DE 30 DIAS CONSECUTIVOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STF. PRORROGAÇÕES INDISPENSÁVEIS À CONTINUIDADE DAS INVESTIGAÇÕES. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. Ao que se tem dos autos, o paciente é acusado de fazer parte de extensa quadrilha voltada para a prática de crimes, entre eles contrabando, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. 2. Estando devidamente fundamentada a decisão que deferiu a escuta telefônica, bem como a que determinou a sua prorrogação, por
89 MENEGAZ, Daniel da Silveira. Os mecanismos de controle penal em processos de lavagem de
dinheiro na Justiça Criminal Federal da 4ª Região e as garantias constitucionais: colarinho branco e as organizações criminosas na sociedade contemporânea. p. 187.
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64
absoluta necessidade da investigação, dada a quantidade de envolvidos e a complexidade das suas atividades, não há qualquer nulidade a ser sanada em Habeas Corpus. 3. Nos termos da Lei 9.296/96, que regulamentou a escuta telefônica autorizada judicialmente, o prazo definido para a interceptação é de 15 dias, permitida a renovação por igual período; todavia, não há qualquer restrição legal ao número de vezes em que pode ocorrer essa renovação, desde que comprovada a sua necessidade, bem como admite-se, diante das especificidades do caso, a autorização desde o começo pelo prazo de 30 dias. Precedente do STF. 4. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial. 90
A aplicação da interceptação telefônica, apesar de em
alguns casos gerar polêmicas, contribui na investigação criminal e é eficaz na
apuração do delito.
Feitas as considerações acerca dos principais mecanismos
facilitadores da apuração do crime de lavagem de dinheiro, necessário se faz
analisar separadamente o instituto da delação premiada devido a seu alto grau de
importância em crimes como esse, em que estão envolvidos diversos agentes.
3.1.5 Delação premiada
A delação premiada é um instituto que colabora no combate
à lavagem. Sua finalidade é viabilizar a identificação dos principais agenciadores
da lavagem do dinheiro, os principais responsáveis pela criminalidade. Há uma
redução de 1/3 a 2/3 da pena e seu início em regime aberto, podendo o juiz deixar
de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos para aquele que
colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que
conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos
bens, direitos ou valores objeto do crime.
O autor Marcelo Batlouni Mendroni91 leciona sobre o tema:
90 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Penal. Habeas Corpus nº 200901121201. Brasília, Quinta
Turma. Diário da Justiça, 30 nov. 2009. 91 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 115.
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65
Evidentemente que somente aqueles esclarecimentos indicadores de fatos concretos é que podem ser merecedores do benefício previsto. Em outras palavras, o co-autor ou partícipe que indicar nomes, condutas, datas, locais, ou que apresentar documentos comprobatórios etc., e isto levar à apuração de infrações penais por si praticadas e coligadas àqueles que lhe são imputados, estes sim poderão receber o benefício, cuja análise, todavia, será levada ao crivo do Judiciário.
Aqueles que fizerem apenas vagas afirmações não devem
ser merecedores do benefício. Como não há mencionado na Lei 9.613/98 o
momento processual em que deva ocorrer a delação, a doutrina entende que
deva ser feita até, no máximo, o interrogatório para que não sirva como
instrumento de salvação ao acusado prestes a ser sentenciado e condenado.
O dispositivo legal não diz claramente quando devem ser
concedidos os benefícios instituídos pela Lei e sobre isso o autor Cassio M. M.
Granzinoli92 escreve:
E quando é cabível algum dos benefícios enumerados? O dispositivo inteligentemente não o diz, deixando-o a cargo do juiz que, no caso concreto, deverá sopesar vários fatores, como a gravidade do crime, o número de autores, a magnitude da lesão, os valores recuperados, o grau e a efetividade da colaboração, dentre os principais, e aplicar um dos benefícios legais, de forma proporcional. [...] uma colaboração que, embora eficaz e corroborada por outros meios de prova, permita apenas que se chegue a alguns dos co-autores, mas que não alcance os “grandes” co-autores nem permita recuperar qualquer bem ou valor, pode ser premiada com um regime de pena mais brando.
Ao magistrado cabe analisar o caso concreto e ponderar o
real valor das informações prestadas pelo co-autor do crime de lavagem de
dinheiro. O grande benefício da não aplicação de pena deve ser concedido
apenas em casos em que as informações advindas do acusado permitam
alcançar os principais co-autores do crime e a recuperação total ou em grande
92 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. et al. Lavagem de dinheiro: Comentários à lei pelos juízes das
varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. p. 151.
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66
parte do objeto do crime de lavagem, conforme escreve Cassio M. M.
Granzinoli93:
[...] uma colaboração efetiva, corroborada pelo réu colaborador com provas documentais por ele trazidas, que permita alcançar um grande número de co-autores, inclusive os chefes, e que possibilite a recuperação de toda ou boa parte dos bens ou valores objeto do crime, pode ser premiada pelo juiz com a não-aplicação da pena.
A delação, desde o início das investigações pode ser um
eficiente instrumento para o combate do crime organizado, entretanto, deve ser
utilizada com precaução para que não se torne uma forma de jogo entre os
criminosos em prejuízo da Justiça.
Sobre o assunto, Fausto Martin De Sanctis94 leciona:
[...] importa frisar que o prêmio punitivo que se concede ao suspeito/acusado visa a uma eficaz busca da verdade, não importando a motivação real do colaborador. Atitude eticamente condenável (traz a idéia de traição), mas estimulada pelo Estado, em face das vantagens que possam advir com a cessação da atividade criminosa, ou com a captura de outros delinqüentes, numa equação “custo-benefício”. Em verdade, permite-se que o suspeito/acusado possa de alguma forma contribuir para o esclarecimento integral dos fatos, baseada na ética utilitarista, apesar de apenas buscar a redução ou extinção de sua pena.
A delação premiada é incentivada pelo Estado que visa
solucionar os crimes e alcançar os principais delinquentes que coordenam a
organização criminosa. Para o Estado não importa se a delação é considerada
uma traição entre comparsas, ele se utiliza do interesse em se beneficiar de cada
integrante ou envolvido com a organização para atingir seus objetivos e fazer
cessar, ou ao menos reduzir a criminalidade que é tão prejudicial à sociedade.
93 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. et al. Lavagem de dinheiro: Comentários à lei pelos juízes das
varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. p. 152. 94 DE SANCTIS, Fausto Martin. Combate à lavagem de dinheiro: teoria e prática. p. 126.
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67
Conclui-se, portanto, que este instituto processual colabora de maneira
significativa para a apuração da verdade real dos fatos.
3.2 COMPETÊNCIA NOS CRIMES DE LAVAGEM
A competência para julgar os crimes de lavagem de dinheiro,
de forma geral, é da Justiça Estadual, excetuando os casos previstos no art. 2º,
III, da Lei 9.613/98, que são da Justiça Federal. Quando o crime for praticado
contra o sistema financeiro e a ordem econômica e financeira ou em detrimento
de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou
empresas públicas a Justiça Federal é competente para julgá-lo.
O autor Marcelo Bautlouni Mendroni95, sobre o assunto
leciona:
O simples fato de ocorrer situação de constatação de existência de quantias depositadas no exterior, suspeitas de que sejam provenientes de crimes elencados nos incisos do art. 1º da Lei 9.613/18, não desloca competência para a justiça federal. Torna-se necessário, antes de mais nada, averiguar a competência do crime praticado que gerou obtenção ilícita daquelas quantias.
Quando apenas se constata a remessa e depósito de
quantias que podem ser oriundas dos crimes enumerados no artigo 1º da Lei
9.613/13, deve-se verificar a competência do crime antecedente para então
determinar o juízo competente para julgar o crime de lavagem de dinheiro.
No caso de remessa de valores ao exterior, será
caracterizada a lavagem de dinheiro quando os recursos que se pretende evadir
sejam obtidos ilicitamente. Acerca do tema, comenta Fausto Martin de Sanctis96:
Aquele que tentar levar, pois, divisas para o exterior, pessoalmente ou por interposta pessoa ou meio, responde, tão-somente, pelo delito de evasão de divisas, desde que fruto de
95 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 129. 96 DE SANCTIS, Fausto Martin. Combate à lavagem de dinheiro: teoria e prática. p. 68.
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68
atividade lícita. Contudo, se os valores forem objetos de ilicitude prevista como antecedente do delito de Lavagem, é claro que o crime não mais será de evasão.
A evasão caracteriza ofensa exclusiva ao Sistema
Financeiro Nacional, portanto, o indivíduo que tenta sair do território nacional com
valores obtidos ilicitamente com a intenção de ocultar a origem não responderá
por evasão de divisas, mas somente pelo crime de lavagem de dinheiro.
Nos casos em que existem contas no exterior para depósitos
de fundos, é possível que os valores ali depositados provenham de origem ilícita
quanto lícita. Em situações assim, é necessário que as investigações sejam
aprofundadas para que se tenha certeza da origem dos valores, para então ser
determinada a competência para julgar o crime existente. Neste sentido, Marcelo
Bautlouni Mendroni97 ressalta:
[...] devem as autoridades providenciar a abertura de investigações pertinentes, tantas quantas forem as origens suspeitas, até que, com suficiente grau de convicção, sejam deslocadas para aquela justiça, federal ou estadual, onde se constatar a competência, ou mesmo culminando na abertura de processos, tanto na esfera estadual como na esfera federal, cada qual para a origem do montante criminoso.
A observância da origem dos valores é essencial para a
determinação da competência do crime de lavagem de dinheiro e devem ser
abertas quantas investigações forem necessárias para apurar a origem dos bens,
pois em quase todos os casos os autores dos crimes antecedentes também são
agentes da lavagem e é necessário estabelecer essa ligação entre os delitos para
que o julgamento seja feito com a maior convicção possível.
O autor Carlos Rodolfo Fonseca Tigre Maia98 pontua sobre a
relação da lavagem de dinheiro com os crimes antecedentes:
97 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 129. 98 MAIA, Carlos Rodolfo Fonseca Tigre. Lavagem de dinheiro: lavagem de ativos provenientes de
crime. Anotação às disposições criminais da Lei 9.613/98. p. 115.
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69
Consignamos [...] que os autores da “lavagem” de dinheiro, via de regra, serão também sujeitos ativos dos crimes antecedentes e, aduza-se, o material probatório acerca destes é relevante para o reconhecimento daquela, por força da acessoriedade material do crime estudado. Em conseqüência, seja pelo aspecto de que poderá existir o concurso dos mesmos agentes na prática do crime anterior e na reciclagem, para assegurar através da prática desta modalidade criminosa vantagens daqueles crimes que a antecedem [...], seja também pela ótica da inevitável imbricação probatória entre ambos [...], o fato é que, diante de possível prejudicialidade, decorrente da eventual ocorrência de julgamentos contraditórios, recomenda-se a reunião dos respectivos processos criminais e seu julgamento simultâneo [...].
A fim de evitar julgamentos incompletos e contraditórios, é
importante a reunião dos processos dos crimes antecedentes e da lavagem de
dinheiro. Com a existência de varas especializadas para julgamento dos crimes
de lavagem, a análise e decisão tornam-se muito mais aprimoradas e precisas.
Acerca da competência para julgamento do crime de
lavagem, colhe-se da jurisprudência:
HABEAS CORPUS. PENAL, PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS E LAVAGEM DE DINHEIRO PROVENIENTE DO TRÁFICO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ESPECIALIZAÇÃO DE VARA POR RESOLUÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE: AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS: CONTROVÉRSIA. EXCESSO DE PRAZO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. MATÉRIAS NÃO SUSCITADAS NAS INSTÂNCIAS PRECEDENTES. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 1. A atuação do Juiz Federal no procedimento investigatório o torna prevento para julgar a ação penal pelo crime de tráfico internacional de drogas. Precedente. Além disso, a investigação também abrange o crime de lavagem de dinheiro proveniente do tráfico, atraindo a competência da Justiça Federal. 2. Especialização de Vara Federal por Resolução emanada do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Constitucionalidade afirmada pelo Pleno desta Corte. Ausência de ofensa ao princípio do juiz natural. 3. Alegação de competência da Justiça Estadual, não da Justiça Federal, e excesso de Prazo da instrução criminal: matérias não submetidas a exame das
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70
instâncias precedentes. Supressão de instância. Habeas corpus conhecido em parte e, nessa extensão, denegada a ordem. 99
A competência, conforme visto acima, é da justiça federal
quando o crime antecedente também o for. Além do mais, sempre que houver
varas especializadas para julgamento dos crimes de lavagem de dinheiro, o
processo será para elas remetido.
Em decorrência do crime de lavagem de dinheiro ser
complexo e, muitas vezes, envolver diversas cidades e Estados, pode ocorrer
conflito de competência entre duas ou mais jurisdições. Nesses casos, de acordo
com a jurisprudência abaixo, o Superior Tribunal de Justiça entende:
PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIMES DE EVASÃO DE DIVISAS E LAVAGEM DE DINHEIRO. DOLEIROS ATUANTES EM SÃO PAULO E BELO HORIZONTE. CONEXÃO. CONFIGURAÇÃO. JURISDIÇÕES DA MESMA CATEGORIA. FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA PELA PREVENÇÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PAULISTA. 1. Encontrando-se as infrações entrelaçadas, bem como apresentando liame lógico, tem-se presente a conexão, nos termos do art. 76 do CPP. 2. No concurso entre jurisdições da mesma categoria, não ocorrendo as hipóteses previstas nas alíneas a e b do inciso II do art. 78 do CPP, a competência firma-se pela prevenção. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, o suscitado. 100
Para solucionar conflitos de competência, o entendimento é
no sentido de que o juízo marcado pela prevenção deve ser o competente para
julgar o processo objeto da discussão.
99 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Penal. Habeas Corpus nº 94188. Brasília, Segunda Turma.
Diário da Justiça, 26 ago. 2008. 100 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Penal. Conflito de Competência nº 102324. Brasília,
Terceira Seção. Diário da Justiça, 29 mar. 2010.
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71
3.3 APREENSÃO E SEQUESTRO DE BENS
Devido à grande complexidade do crime de lavagem de
dinheiro, em que há ocultação de bens, direitos ou valores oriundos de fonte
ilícita, a aplicação de medidas cautelares se torna necessário. Nesse sentido,
Danilo Fontenele Sampaio Cunha leciona101:
[...] a magnitude dos crimes de ocultação de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de atividade ilícita, tornou necessário garantir mais que a aplicação da lei penal em seu aspecto meramente encarceratório, primando as medidas cautelares apresentadas por possibilitar que a sentença penal definitiva tenha resultados práticos, com mecanismos úteis à recomposição da pacificação social em todos os seus termos, inclusive econômicos, mesmo quando indeterminado ou indetermináveis o círculo dos eventuais envolvidos.
A apreensão e o sequestro de bens são mecanismos de
controle penal também previstos na Lei 9.613/98 e assim são comentados pelo
autor Danilo Fontele Sampaio Cunha102:
[...] pode o juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial, decretar, no curso da investigação ou da ação penal, a apreensão ou sequestro de bens, direitos ou valores do acusado, ou existentes em seu nome, de objetos dos crimes ali previstos, quis a lei, na verdade, impor um dever ao magistrado de assim agir visando a proteção da sociedade contra a criminalidade organizada, materializando-a em atividade nitidamente vinculada.
Havendo indícios suficientes de infração penal, o magistrado
pode decretar a apreensão e o sequestro de bens oriundos do crime para garantir
o efetivo controle penal e a proteção da sociedade contra a criminalidade
econômica.
101 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. et al. Lavagem de dinheiro: Comentários à lei pelos juízes
das varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. p 170. 102 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. et al. Lavagem de dinheiro: Comentários à lei pelos juízes
das varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. p 176.
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72
3.3.1 Inversão do ônus da prova na apreensão e no sequestro de bens
Nos delitos de lavagem de dinheiro é possível que seja
decretada a inversão do ônus da prova nas medidas de apreensão e sequestro de
bens. Tal possibilidade tem como objetivo que o acusado prove que os bens,
direitos ou valores são oriundos de fonte lícita. A este respeito, Marcelo Batlouni
Mendroni103 escreve:
Não seria possível ao Poder Público comprovar a origem ilícita daqueles valores assemelhados ao longo da rotineira atividade ilícita do agente. Os valores e bens obviamente podem estar misturados com outros de origem lícita. [...] Aquilo cuja origem honesta for demonstrada receberá de volta, ao passo que o que não comprovar deverá ser apreendido para futuro perdimento.
O referido autor ainda pontua que a decretação de inversão
do ônus da prova, mais que legal, é medida de Justiça, sendo necessário frisar
que esta inversão da Lei 9.613/98 diz respeito à comprovação da licitude dos
bens e não em relação à prova do crime de lavagem tipificado na lei, quanto a
este, o ônus permanece com a acusação104.
Sobre a necessidade de o acusado comprovar a origem
lícita dos bens, assim se manifestou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. LAVAGEM DE DINHEIRO. RESTITUIÇÃO DE BENS E VALORES. ARTIGO 4º DA LEI Nº 9.613/98. ORIGEM LÍCITA. AUSÊNCIA DE PROVAS. - De acordo com o artigo 4º da Lei nº 9.613/98, é facultada a apreensão ou seqüestro de bens que sejam objetos dos crimes nela previstos. - Não havendo qualquer prova para demonstrar possível licitude da origem dos bens ou valores apreendidos ou seqüestrados ou que os mesmos não servem mais ao processo, seja como meio de prova ou para assegurar a eficácia de futura decisão judicial, não há como ser concedida a restituição ou liberação pretendida. 105
103 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 123. 104 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 123. 105 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Penal. Apelação Criminal nº
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73
Inexistindo provas da licitude dos bens apreendidos, não é
possível que os mesmos sejam liberados. Tal entendimento é pacífico no Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, conforme se vê abaixo:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE EVASÃO DE DIVISAS E LAVAGEM DE DINHEIRO. LIBERAÇÃO DE CONTA BLOQUEADA. DEMONSTRAÇÃO DA ORIGEM LÍCITA. NÃO OCORRÊNCIA. MEDIDAS PREVISTAS NO ART. 4º, CAPUT, DA LEI Nº 9.613/98. PRAZO PARA INGRESSO DA AÇÃO PENAL. DESCRIÇÃO E VINCULAÇÃO DOS BENS OU VALORES APREENDIDOS OU SEQÜESTRADOS COM AS CONDUTAS ILÍCITAS MENCIONADAS NA DENÚNCIA. DESNECESSIDADE. 1. A busca e apreensão é medida cautelar destinada a evitar que se perca elementos de prova que possam interessar ao processo, sendo que as medidas assecuratórias, onde se compreende o seqüestro, são providências cautelares de natureza processual, decretadas com o intuito de assegurar a eficácia de futura decisão judicial, tanto quanto à reparação do dano decorrente do delito, quanto à efetiva execução da pena a ser imposta e seus efeitos, como por exemplo, as hipóteses previstas no art. 91, inciso II, do CP. 2. Não havendo qualquer prova para demonstrar possível licitude da origem dos bens ou valores apreendidos ou seqüestrados, muito menos que não sirvam mais ao processo, seja como meio de prova ou para assegurar a eficácia de futura decisão judicial, ônus do requerente, conforme inteligência do art. 156 do Código de Processo Penal, não há como ser concedida a restituição ou liberação pretendida. 3. O prazo determinado no § 1º do art. 4º da Lei nº 9.613/98 é de 120 dias, contados a partir da efetiva realização das medidas previstas no art. 4º, caput, da Lei nº 9.613/98. 4. Não é exigido que na peça acusatória conste os bens que tenham sido objeto de alguma medida assecuratória, não se configurando, muito menos, em hipótese compreendida nos requisitos da denúncia, que se encontram previstos no art. 41 do Código de Processo Penal. 106
A apreensão e o sequestro dos bens tem como finalidade
assegurar que não seja perdida nenhuma prova do processo e garantir sua
eficácia. Quando não houver prova da origem lícita dos bens e de que os mesmos
200571000214270. Porto Alegre, Oitava Turma. Diário da Justiça, 30 nov. 2005. p.1015. 106 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Penal. Apelação Criminal nº
200372050037981. Porto Alegre, Oitava Turma. Diário da Justiça, 29 jun. 2005. p. 832.
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74
não tem mais serventia ao processo, não há a possibilidade de que sejam
restituídos ou liberados.
Como visto, o ônus de provar a licitude dos bens é do
acusado, entretanto, em relação à existência do crime de lavagem, o encargo é
da acusação. Sobre o tema, Carlos Rodolfo Fonseca Tigre Maia107 comenta:
Ao Parquet cabe o ônus de apresentar os indícios suficientes da proveniência ilícita dos bens para tornar factível a constrição provisória e cautelar dos mesmos, e ao interessado (indiciado, réu ou terceiro) na liberação imediata destes, antes da sentença de mérito, caberá desconstituir a presunção estabelecida e evidenciar a licitude da aquisição daqueles bens, direitos ou valores através da prova cabível em cada caso.
A acusação deve apresentar os indícios de que a origem dos
bens é ilícita, a partir deste momento o acusado tem a faculdade de comprovar a
licitude dos bens, direitos ou valores para que estes sejam liberados.
3.3.2 Fiança, liberdade provisória e suspensão do processo
Nos crimes de lavagem de dinheiro, em regra, não são
aplicados a fiança, a liberdade provisória e a suspensão do processo. A
inaplicabilidade destes institutos permite que o processo criminal tenha mais
sucesso.
3.3.2.1 Fiança e liberdade provisória Para a garantia da instrução criminal, não se admite a
liberdade provisória, com ou sem fiança, por, em quase todos os casos, tratar-se
de crime praticado por criminosos milionários que utilizam o dinheiro como forma
de se esquivar da lei.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com fulcro no
dispositivo que veda a liberdade provisória, assim tem entendido:
107 MAIA, Carlos Rodolfo Fonseca Tigre. Lavagem de dinheiro: lavagem de ativos provenientes de
crime. Anotação às disposições criminais da Lei 9.613/98. p. 131.
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75
HABEAS CORPUS. 'LAVAGEM DE DINHEIRO'. REMESSA FRAUDULENTA DE NUMERÁRIO AO EXTERIOR. CONTAS CC5. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. PRESSUPOSTOS. ARTIGO 312 DO CPP. INDÍCIOS DE AUTORIA. ORDEM PÚBLICA. OFENSA CARACTERIZADA. LIBERDADE PROVISÓRIA. CONCESSÃO INVIÁVEL. ARTIGOS 7º DA LEI Nº 9.034/95, 30 DA LEI Nº 7.492/86 E 3º DA LEI Nº 9.613/98. ORDEM DENEGADA. 1. As circunstâncias de primariedade, bons antecedentes, emprego e residência fixa, por si sós, não são suficientes para elidir o decreto prisional, se devidamente fundamentado nas hipóteses elencadas no artigo 312 do CPP. 2. A garantia da ordem pública consubstancia-se não somente em evitar novos crimes. Leva em consideração, também, o grande impacto social causado. Assim, a gravidade do ilícito cometido, a par de outros fatores, é elemento hábil a fundamentar custódia ante tempus. 3. Nos termos do artigo 312, in fine, da Lei Adjetiva Penal, basta a existência de um mínimo de elementos indicativos do autor do delito, sendo desnecessária a mesma certeza exigida para a prolação do decreto condenatório. 3. O art. 30 da Lei nº 7.492/86, por sua vez, autoriza a decretação de prisão preventiva face à magnitude da lesão causada ao Sistema Financeiro Nacional. 4. Relatando a exordial intensa e efetiva participação do Paciente na quadrilha, incabível a concessão do benefício da liberdade provisória (art. 7º da Lei nº 9.034/95). 5. A Lei nº 9.613/98 (que dispõe sobre "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores) preceitua, em seu artigo 3º, primeira parte, que "os crimes disciplinados nesta lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória", de modo que havendo sido o agente acusado da prática de tal espécie delituosa (art. 1º, incisos VI e VII c/c § 4º) resta inviável a pretensão veiculada por meio deste remédio heróico. 6. Ademais, impõe-se, na espécie, a manutenção do encarceramento provisório eis que há possibilidade de eventual fuga do denunciado, porquanto detém significativo patrimônio no exterior. 7. Em face do decreto prisional, o ilustre juízo a quo, valendo-se da faculdade estatuída no art. 80 da Lei Adjetiva Penal e buscando conferir maior celeridade, cindiu o feito no que tange ao ora acusado (já estando na fase de oitiva das testemunhas arroladas na denúncia) o que denota preocupação quanto ao status libertatis do agente. 8. Ordem denegada. 108
108 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Penal. Habeas Corpus nº 200304010337077.
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76
Conforme se observa no julgado acima, a liberdade
provisória não é concedida nos casos de crimes de lavagem de dinheiro, pois
esta, além de colaborar com a garantia da ordem pública, evita que criminosos
abastados frustrem o poder punitivo do Estado. O dispositivo legal que veda a
possibilidade de concessão da liberdade provisória nos crimes de lavagem de
dinheiro preocupa-se, principalmente, com a possível fuga do acusado, visto que
o mesmo normalmente possui diversos bens e recursos no exterior. Sua fuga
frustraria o ideal andamento do processo, fazendo com que a justiça ficasse a
mercê dos réus sempre que se tratasse de crimes que envolvem altos valores e
patrimônio.
É importante salientar que o dispositivo legal que veda a
liberdade provisória não é absoluto, pois o direito de liberdade é consagrado de
forma expressa na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A
liberdade provisória pode ser concedida em casos excepcionais analisados
concretamente e, se eventualmente concedida, deve ser estipulada a fiança em
valor alto, correspondente à gravidade do delito.
O doutrinador Marcelo Batlouni Mendroni109 faz a seguinte
ponderação sobre o assunto:
[...] não se pode deixar de consignar que quem se envolve com crimes da natureza daqueles previstos na lei não costuma ter escrúpulos e, abonado que seja ou esteja, faz com que o dinheiro compre pessoas e destrua provas. Embora estando preso, tais artifícios não são impedidos, mas são, ao menos, dificultados pelo esvaziamento da sua voz de comando, principalmente se tratando de crime organizado.
Como é sabido, os criminosos envolvidos no crime
organizado se utilizam principalmente de sua condição financeira e do dinheiro
para fraudar a justiça, portanto a insuscetibilidade de fiança e liberdade provisória
corroboram para garantir a eficácia da aplicação da lei.
Porto Alegre, Oitava Turma. Diário da Justiça, 24 set. 2003. p. 614.
109 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 120.
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77
3.3.2.2 Suspensão do Processo O artigo 366 do Código de Processo Penal prevê que se o
acusado citado por edital não for encontrado, ficam suspensos o processo e o
prazo prescricional, entretanto, em se tratando de crime de lavagem de dinheiro,
conforme o artigo 2º, § 2º, da Lei 9.613/98, a aplicação daquele dispositivo é
vedada.
A não aplicação do artigo 366 do Código de Processo Penal
tem seu fundamento nas características próprias da lavagem de dinheiro. Os
criminosos são pessoas abastadas, com muitos bens e posses, podendo
facilmente enviar o dinheiro para o exterior e lá fixar residência, fazendo com que
a justiça dependa de demorados cumprimentos de cartas rogatórias, o que
dificulta todo o andamento do processo.
O julgado abaixo demonstra a preocupação do judiciário em
não prejudicar o processo quando o réu é foragido e se utiliza de seus bens e
contatos no exterior para se evadir da possível punição estatal. Nesses casos, a
aplicação do artigo 2º, § 2º, da Lei 9.613/98 se mostra útil, Conforme se observa
na jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. RÉU FORAGIDO. PRISÃO NO EXTERIOR. SUSPENSÃO DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. CITAÇÃO POR EDITAL. VALIDADE. ART. 2º, § 2º, DA LEI Nº 9.613/98. APLICABILIDADE. 1. Tendo provocado o foragido a continuação do processo sem sua presença, não há ilegalidade na antecipação de audiência de réu agora preso, não cabendo a suspensão por prazo indefinido até comparecimento pessoal do processado. 2. Não há suporte legal para que - após válida citação por edital - seja renovada a citação, agora de forma pessoal, pela decorrente prisão do processado. 3. Tratando-se de modalidade criminal de especialmente grave potencial ofensivo, cabível a aplicação do disposto no § 2º do art. 2º da Lei nº 9.613/98. 4. Embora deva o réu ser transportado no Estado brasileiro para a audiência - ou ao menos ter assegurado equivalente direito de autodefesa com procedimentos de videoconferência -, não se pode exigir que o Estado estrangeiro seja forçado a igual obrigação ou a
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78
desrespeitar os regulares trâmites para a extradição, já solicitada. 110
Os crimes de lavagem de dinheiro são considerados de
grave potencial ofensivo, justificando a existência do artigo 2º, § 2º, da Lei
9.613/98. A citação por edital válida permite que o feito tenha seguimento
independentemente da presença do réu a todos os atos do processo, sendo a
suspensão por prazo indefinido até o comparecimento pessoal do acusado uma
determinação contrária à própria lei.
É sabido que o acusado tem plena consciência da
necessidade de ser encontrado para a apuração dos fatos no decorrer da
investigação e para isso informa nos autos seu(s) endereço(s). O doutrinador
Marcelo Batlouni Mendroni111 comenta sobre o assunto:
Durante a fase da investigação a pessoa investigada deixa consignado (s) nos autos o (s) seu (s) endereço (s), onde possa ser encontrada. Evidentemente que ela já conhece a possibilidade de que a investigação converta-se em processo criminal. Imaginar o contrário seria excesso de ingenuidade e zelo em razão de uma clara situação jurídica.
Possibilitar a suspensão do processo nos casos em que o
acusado não é encontrado mesmo depois de várias diligências com essa
finalidade seria uma forma de beneficiar o réu em detrimento da efetiva aplicação
da lei. Nos crimes de lavagem de dinheiro há um alto grau de dificuldade em
apurar e provar a existência dos crimes antecedentes e fazer a ligação com o
crime de lavagem. A grande complexidade das operações das organizações
criminosas faz como que medidas controversas como a inaplicabilidade da
suspensão do processo sejam necessárias.
110 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Penal. Habeas Corpus nº 200504010480880.
Porto Alegre, Oitava Turma. Diário da Justiça, 01 fev. 2006. p.520. 111 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 116-117.
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79
Contrariamente ao entendimento mencionado acima, o autor
Cesar Antonio da Silva112 é expressamente contra a inaplicabilidade do artigo 366
do Código de Processo Penal:
A vedação expressa à aplicação do art. 366 do Código de Processo Penal é inaceitável por afrontar o direito de defesa do réu, permitindo sua condenação mesmo desconhecendo a existência do processo contra si instaurado. [...] Com o ato citatório do réu por edital, há apenas presunção e nunca certeza de que tenha ele tomado conhecimento efetivo do processo; situação incompatível com o princípio imperativo do devido processo legal insculpido no art. 5º, LIV, da Constituição Federal.
Permanecem as discussões acerca da constitucionalidade
do artigo 2º, § 2º, da Lei 9.613/98, entretanto tal dispositivo está em vigor e tem
sua aplicação garantida. Como é possível verificar, a intenção do legislador ao
redigir esse texto legal era evitar a impunidade dos criminosos agentes da
lavagem de dinheiro por se tratar de crime mais grave que seus antecedentes e
para garantir a persecução penal. Neste mesmo diapasão, refere Gilmar
Mendes113:
Uma questão polêmica é a cláusula constante da lei que determina a não-aplicação do disposto no artigo 366 do Código de Processo Penal, relativa à suspensão do processo na hipótese de citação por edital. É claro que dentro de uma visão ortodoxa é razoável que se faça crítica. Quem considerar a gravidade do crime, certamente com interesse na persecução, não terá também dificuldade para justificar a opção legislativa que aqui se fez.
Apesar da polêmica existente sobre o artigo 2º, § 2º, da Lei
9.613/98, tem-se que este dispositivo corrobora para a garantia da investigação
criminal e eventual condenação do réu, possibilitando a efetividade do processo.
112 SILVA, Cesar Antônio da. Lavagem de dinheiro: uma nova perspectiva penal. p. 139. 113 MENDES, Gilmar. Aspectos penais da Lei de Lavagem de Dinheiro. In MENDRONI, Marcelo
Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. p. 117-118.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa apresentou os principais aspectos do
crime de lavagem de dinheiro, demonstrando estar esse crime inserto no contexto
da macrocriminalidade. Pontuaram-se, ainda, as dimensões materiais do crime de
lavagem de dinheiro, destacando, posteriormente, as características processuais
presentes na Lei 9.613/98.
O crime de lavagem de dinheiro está inserido na
criminalidade econômica e notadamente não é valorado negativamente pela
sociedade como os crimes pertencentes à microcriminalidade, principalmente
aqueles que atentam contra a vida.
O primeiro capítulo tratou dos crimes do colarinho branco e
das características presentes nos criminosos deste tipo de crime. Foi feita uma
análise da macrocriminalidade e da microcriminalidade, diferenciando as mesmas
e demonstrando o tratamento do Direito Penal em relação a cada uma.
Estudaram-se ainda as fases do crime de lavagem dinheiro.
Verificou-se, portanto, que os crimes do colarinho branco
possuem peculiaridades específicas e que fazem parte da macrocriminalidade,
atuando de forma sutil, porém não menos negativa, na sociedade e trazendo
grandes prejuízos ao sistema financeiro e à economia do país.
O segundo capítulo foi destinado a tratar dos elementos
materiais do crime de lavagem de dinheiro, bem como o tipo penal objetivo
constante na Lei 9.613/98. Foram abordados também os crimes antecedentes
colocados pela Lei 9.613/98 como necessários à caracterização do crime de
lavagem e, ainda, as atividades econômicas mais visadas pelos criminosos para
dissimular o dinheiro obtido de forma ilícita, dando-o a aparência de licitude.
Constatou-se que o crime de lavagem de dinheiro é
caracterizado por sua complexidade, seja pelas fases que ele envolve, seja pela
necessidade de comprovação da prática dos crimes antecedentes elencados pela
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81
Lei 9.613/98. A Lei 9.613/98, apesar de receber críticas de alguns doutrinadores
conforme visto na pesquisa, se preocupou em combater efetivamente o crime de
lavagem de dinheiro sendo bastante abrangente em relação aos produtos
oriundos de atividades ilícitas que possam ser utilizados na lavagem de dinheiro.
No terceiro capítulo foram estudados os aspectos
processuais da Lei 9.613/98, destacando-se os mais salientes institutos
processuais presentes nos processos que tratam de crimes de lavagem de
dinheiro. Foram apresentados, ainda, os instrumentos que corroboram
significativamente na apuração do crime e no seu combate. Demonstrou-se
também que nos crimes de lavagem há a inversão do ônus da prova em relação
aos bens apreendidos ou sequestrados e, ainda, verificou-se qual é a
determinação dada pela Lei 9.613/98 em relação à fiança, à liberdade provisória e
à suspensão do processo.
Foi possível notar que os instrumentos processuais de
facilitação da apuração do crime de lavagem de dinheiro dão grande contribuição
à investigação e averiguação do crime. A utilização desses institutos se faz
presente nos casos concretos, conforme se demonstrou pelas jurisprudências dos
tribunais e sua aplicação traz resultados benéficos significativos ao combate à
lavagem de dinheiro.
Finalizando, ao considerar as hipóteses apresentadas,
conclui-se:
Pelo desenvolvimento da pesquisa em seu primeiro capítulo,
restou comprovada a hipótese de que o crime de lavagem de dinheiro, por
pertencer à macrocriminalidade, tem seus danos pouco visíveis, entretanto a
existência dos mesmos é evidente. O delito não afeta apenas os interesses
individuais, mas também e principalmente os interesses da coletividade,
apresentando enorme potencial lesivo para a sociedade.
Comprovou-se, igualmente, a segunda hipótese aventada de
que ao considerar como produtos do crime de lavagem os elementos genéricos
bens, direitos ou valores mencionados no artigo 1º, quis a Lei 9.613/98 impedir
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possível alegação de ausência de previsão legal quanto aos produtos auferidos
com a prática do crime e abranger qualquer vantagem obtida ilicitamente, a fim de
evitar a impunidade.
Por fim, a hipótese de que a necessidade de comprovação
do cometimento dos crimes antecedentes taxativamente enumerados pela Lei
9.613/98 dificulta e restringe a efetiva punibilidade do crime de lavagem de
dinheiro. Em contraposição, a possibilidade de utilização de institutos processuais
facilitadores da apuração do crime de lavagem e a não concessão de benefícios
como a fiança, a liberdade provisória e a suspensão do processo corroboram
significativamente para eficaz conclusão e eventual condenação do réu no crime
de lavagem de dinheiro, também ficou comprovada.
Concluída a pesquisa, verificou-se a grande complexidade
do crime de lavagem de dinheiro e a necessidade de constante evolução do
direito penal em relação a esse crime, tendo em vista o alto grau de lesividade
que o crime de lavagem de dinheiro traz à sociedade.
Por fim, necessário se faz salientar que a presente pesquisa
não tem a intenção de esgotar o assunto, mas se constitui numa reflexão sobre o
tema, estimulando a realização de novos estudos que possam contribuir para o
desenvolvimento do Direito.
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REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS
ALBUQUERQUE, Mário Pimentel. Lavagem de dinheiro e remessa ilegal de divisas: o papel do Poder Judiciário na repatriação de ativos. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Brasília, abr. 2006. BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. et al. Lavagem de dinheiro: Comentários à lei pelos juízes das varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. BARCELOS, Ana Beatriz Rodrigues de. Recuperação de ativos provenientes de lavagem de capitais. Boletim Científico. Brasília, a. 5, n. 18/19. jan./jun. 2006. BETTI, Francisco de Assis. Aspectos dos crimes contra o sistema financeiro no Brasil: leis 7.492/86 e 9.613/98. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. BRASIL. Lei 9.613, de 3 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9613.htm. Acesso em: 26 out. 2010. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Penal. Conflito de Competência nº 102324. Brasília, Terceira Seção. Diário da Justiça, 29 mar. 2010. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Penal. Habeas Corpus nº 200901121201. Brasília, Quinta Turma. Diário da Justiça, 30 nov. 2009. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Penal. Recurso ordinário em mandado de segurança nº 200702181972. Brasília, Sexta Turma. Diário da Justiça. 14. abr. 2008. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Penal. Habeas Corpus nº 94188. Brasília, Segunda Turma. Diário da Justiça, 26 ago. 2008. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Penal. Apelação Criminal nº 200571000214270. Porto Alegre, Oitava Turma. Diário da Justiça, 30 nov. 2005. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Penal. Apelação Criminal nº 200372050037981. Porto Alegre, Oitava Turma. Diário da Justiça, 29 jun. 2005. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Penal. Habeas Corpus nº 200304010337077. Porto Alegre, Oitava Turma. Diário da Justiça, 24 set. 2003. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Penal. Habeas Corpus nº 200504010480880. Porto Alegre, Oitava Turma. Diário da Justiça, 01 fev. 2006.
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