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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ GUSTAVO ADRIANO RIBEIRO DA SILVA SANTOS O COTIDIANO CONSTRUÍDO NA FOTOGRAFIA DE JEFF WALL: ENTRE FICÇÃO E REALIDADE CURITIBA 2014

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

GUSTAVO ADRIANO RIBEIRO DA SILVA SANTOS

O COTIDIANO CONSTRUÍDO NA FOTOGRAFIA DE JEFF WALL:

ENTRE FICÇÃO E REALIDADE

CURITIBA

2014

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GUSTAVO ADRIANO RIBEIRO DA SILVA SANTOS

O COTIDIANO CONSTRUÍDO NA FOTOGRAFIA DE JEFF WALL:

ENTRE FICÇÃO E REALIDADE

Monografia apresentada ao curso de Fotografia:

Processos de Produção de Imagem para obtenção do

título de Especialista em Processos de Produção de

Imagem.

Orientador: Prof.Ms. Felipe Cardoso de Mello Prando

CURITIBA

2014

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TERMO DE APROVAÇÃO

GUSTAVO ADRIANO RIBEIRO DA SILVA SANTOS

O COTIDIANO CONSTRUÍDO NA FOTOGRAFIA DE JEFF WALL:

ENTRE FICÇÃO E REALIDADE

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Especialista

no Curso de Pós-graduação Lato Sensu Fotografia - Processos de Produção de

Imagens da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ....... de ................................ de 2014.

______________________________________

Fotografia - Processos de Produção de Imagens

Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: Prof. Ms. Felipe Cardoso de Mello Prando

Convidado: Prof. Ms. Fernando Arthur de Souza

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 4

2 CAPÍTULO I: ESTUDOS SOBRA A OBRA DE JEFF WALL ......................... 5

2.1 O fotógrafo ............................................................................................................ 5

2.2 A influência da arte ............................................................................................... 8

2.3 O cotidiano possível ............................................................................................ 10

3 CAPÍTULO II: O DISCURSO FOTOGRÁFICO ............................................... 13

3.1 O exercício da construção ................................................................................... 13

3.2 A fotografia e o espelho do autor ....................................................................... 16

3.3 Relacionando-se com a imagem ......................................................................... 18

4 CAPÍTULO III: DIALOGANDO COM O ESPECTADOR ............................... 21

4.1 O diálogo com o espaço ....................................................................................... 21

4.2 O diálogo com a imagem .................................................................................... 24

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 28

6 REFERÊNCIAS .................................................................................................. 29

7 POSFÁCIO ......................................................................................................... 31

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1 INTRODUÇÃO

Desde o surgimento da fotografia, o relacionamento do homem com a

imagem técnica tem ocorrido através de diversas abordagens. Essas distintas relações

nos levam a questionar como é possível, em uma sociedade de cultura visual, estabelecer

uma comunicação sensível, seja por meio de artifícios representativos da realidade, seja

pela construção de ficções fantásticas ou, até mesmo, pela sedução do olhar que desperta

o imaginário do espectador.

Por meio de uma breve análise da obra do fotógrafo Jeff Wall, esta pesquisa

pretende estabelecer uma reflexão sobre a influência da arte em seu trabalho e a forma

como o artista utiliza das especificidades da linguagem fotográfica para desenvolver

uma obra que o torna um dos mais intrigantes fotógrafos contemporâneos em atividade.

O principal motivo que me levou à escolha deste tema foi a necessidade de

entender como a imagem fotográfica pode ser utilizada para estabelecer relações

representativas da realidade e/ou construir discursos poéticos que transitam entre a

ficção e o imaginário. Para isso, realizo uma investigação sobre a maneira como Wall

desenvolve a prática e a forma como constrói o discurso fotográfico. Outras questões

que serão analisadas neste trabalho, são os possíveis motivos que o levam a optar pela

utilização do aparato fotográfico como meio de comunicação junto ao espectador, seja

com fins de documentação ou como livre forma de expressão.

Por fim, também se faz necessário abordar a compreensão do espectador

frente à fotografia contemporânea, uma vez que, os possíveis diálogos aqui

estabelecidos, distinguem-se das formas de recepção em relação, por exemplo, à pintura

clássica. Curiosamente, a pintura clássica é o ponto de partida do pensar fotográfico

determinado por Jeff Wall.

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2 CAPÍTULO I: ESTUDOS SOBRE A OBRA DE JEFF WALL

2.1 O fotógrafo

Canadense, nascido em 29 de setembro de 1946, Jeff Wall é conhecido

mundialmente por suas imagens em grande escala, expostas em caixas de luz, que

apresentam, de forma bastante singular, o cotidiano e o modo de vida do homem

contemporâneo. Com grande influência do campo das artes visuais, a fotografia de Wall

pode ser classificada como fotografia conceitual, encenada ou até mesmo como

“cinefotografia” (WALL, 2006) – de acordo com sua própria classificação. Esta

classificação advém do fato dele trabalhar com a colaboração de diversas pessoas, todas

coordenadas na preparação da cena que virá a acontecer para, em seguida, realize-se o

registro da imagem.

Parte de seu processo gira em torno da concepção prévia da imagem, na qual

ele “começa por não fotografar” (WALL, 2006), guardando uma cena qualquer em sua

memória, e retornando àquela cena quando ela se torna uma fotografia em potencial.

Nesse momento, ele parte para o processo de construção da imagem, fixando algo que

se formou inicialmente em seu pensamento e reorganizando os elementos originais a

fim de formar uma imagem supostamente melhorada, como a idealização de uma cena

perfeita que só poderia existir através de sua interferência.

Em suas reconstituições, essas cenas banais transformam-se em registros nos

quais é possível observar a naturalidade de algo completamente comum mas que de

alguma forma possui uma tensão, um estado de suspensão na imagem como se esta

estivesse acontecendo no exato momento em que o espectador a observa, um instante

paralisado mas que a qualquer momento continuará a acontecer. Essa sensação nos leva

a investigar suas fotografias com a finalidade de desvendar o que virá em seguida,

criando uma “expectativa pelo próximo acontecimento” (BIONDI, 2010, p.24).

Alguns aspectos da fotografia de Jeff Wall destacam-se mais quando

observarmos sua obra. Primeiro, a forma como ele conduz as cenas, tendo a clara

intenção de que elas se pareçam com um flagrante, como algo que foi registrado sem

que as pessoas fotografadas tenham tido conhecimento da presença do fotógrafo, seria

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algo completamente improvável, haja visto Wall fazer uso de câmera de grande formato1

e que, para sua preparação, muitas vezes é necessário o envolvimento de diversas

pessoas coordenadas e muito bem sincronizadas antes da execução da captura da

imagem. Então, sabendo que o aparato fotográfico que Wall utiliza possibilita a

reprodução de imagens incrivelmente grandes e com enorme riqueza de detalhes,

deparamo-nos com um segundo aspecto: devido à dimensão das fotografias

apresentadas em suas exposições, muitas vezes reproduzindo imagens em tamanho real,

somos levados a observar todos os seus detalhes como se estivéssemos de fato, diante

da cena. Tudo é extremamente pensado e construído, como é possível observar na

primeira imagem (The Destroyed Room) que Jeff Wall realizou inspirado na obra do

pintor do século XIX, Eugene Delacroix (The dead of sardanapalus).

The dead of sardanapalus. Óleo sobre tela 3920 x

4960 mm. Eugène Delacroix. 1827.

The Destroyed Room. Transparência sobre caixa de luz

1590 x 2340 mm. Jeff Wall. 1978.

A imagem mostra um quarto completamente destruído, com diversos objetos

espalhados pelo chão, com parede quebrada, as portas arrancadas e um colchão cortado

de ponta a ponta diagonalmente. E em meio a esse caos, uma pequena bailarina de

1 São câmeras grandes e pesadas, compostas por um painel dianteiro onde se encaixa a objetiva, por um painel

traseiro onde é fixado uma chapa sensível à luz, e por um fole vedado, que fica entre o plano da objetiva e a chapa.

O foco é realizado através do movimento para traz e para frente do plano da objetiva. Também é possível realizar

o efeito de foco seletivo, movimentando verticalmente e horizontalmente os planos. Outras características dessas

câmeras são a grande profundidade de campo alcançada e o incrível nível de detalhes dado os tamanhos das chapas

que podem variar entre 4x5cm, 6x7cm e 8x10cm, entre outros.

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porcelana está depositada sobre um gaveteiro que também está totalmente desarrumado,

chamando a atenção o fato de aparentar ser o único objeto que não fora mexido. Não

apenas o tamanho da imagem mas a violência imposta por quem esteve neste quarto

também impressiona. Sabemos que se trata de uma imagem construída, encenada, na

qual o fotógrafo foi responsável pela colocação e destruição de cada objeto naquele

quarto. Porém, a forma como fotografa transforma a imagem, potencializa sua verdade

e permite que possamos elaborar nossa própria estória a partir desse flagrante

construído.

Já em Young man wet with rain, saímos de uma imagem bastante complexa

em sua construção para outra aparentemente simples, uma imagem na qual um rapaz

repousa em uma espécie de galpão. Notamos que suas vestes estão molhadas e ele

mantém-se com um olhar inexpressivo.

Young man wet with rain. Impressão em gelatina de prata. 2841 x 1587 mm. Jeff Wall. 2011.

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Podemos entãi, imaginar que a imagem acaba aí. No entanto, ao nos

aproximarmos da imagem, é possível ver as gotas de água em sua jaqueta, os poucos

pingos caídos no chão, suas calças que aparentam estar molhadas apenas na parte frontal,

e suas mãos relaxadas, como que tocando o tecido molhado. A luz gera uma sombra

intensa projetada na parede, onde há uma grade para saída de ar, tudo aparentando

completa normalidade, não fosse pela inexpressividade do personagem, que não está

posando e que parece estar compenetrado em seus pensamentos, sem consciência do que

acontece ao seu redor.

A forma como Wall constrói suas fotografias, dada sua forma de

apresentação, revela o quão estranhas podem ser as cenas do nosso cotidiano, ao menos,

quando somos colocados como espectadores diante delas. Porém, esse estranhamento

também se dá a partir do formato e do suporte escolhidos pelo fotógrafo para apresentar

seu trabalho, como os painéis de luz de grandes dimensões que, para Wall, tem a

intenção de se aproximar da experiência de se observar os antigos quadros pintados em

tamanhos naturais, quebrando o paradigma de que as fotografias geralmente são vistas

em álbuns ou livros, e apenas uma por vez.

2.2 A influência da arte

A partir da experiência de visitação à exposições de pinturas em grandes

museus, Wall estabelece uma analogia com a fotografia, uma vez que, tanto pintura

quanto fotografia, “ambos são imagens” (WALL, 2007). Hoje é bastante recorrente a

discussão sobre a produção de imagem, e não apenas a produção de fotografia. Porém,

nossa relação com a fotografia sempre será distinta da relação estabelecida com a

pintura, que antes mesmo do surgimento da imagem técnica, desempenhou um papel

importante de representação da realidade, dando conta de responder às questões e às

inquietações dos artistas da época. Hoje a fotografia levanta outras discussões2, apesar

2 De forma similar a pintura, a fotografia passou por diversos períodos históricos em que fora utilizada como

registro, documento, expressão da realidade, entre outras abordagens. Na contemporaneidade é bastante recorrente

justamente o questionamento sobre os limites da fotografia como técnica e/ou linguagem, levantando infinitas

discussões mas que não trataremos aqui por se tratar de um assunto que merece ser tratamento separadamente.

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do permanente diálogo estabelecido com a pintura, como na fotografia Picture for

Woman, de Jeff Wall.

Picture for Women. Transparência sobre caixa de

luz. 1425 x 2045 mm. Jeff Wall. 1979

A Bar at the Folies-Bergere. Óleo sobre tela. 960 x

1300 mm. Edouard Manet. 1882

Muitas questões são colocadas em evidência na pintura de Manet. Helena

Miranda, por exemplo, destaca o jogo com a realidade e sua duplicação, ocasionada pela

possível representação de um espelho nesta pintura, sobre a qual ela diz que:

Não é claro que o reflexo corresponda à personagem, porque não parece ter a

mesma configuração física e postura que ela. Nem é claro que o homem que

se vê no espelho fosse possível de representar pelo pintor, porque parece

roubar o ponto de vista exacto em que este se encontra. O espelho duplica os

objectos da realidade, mas a imagem que nos fornece é perturbada pelos

reflexos do homem e da empregada. (MIRANDA, 2011, p.50)

Na fotografia de Wall, porém, o fotógrafo reforça a participação do

espectador centralizando a câmera e registrando também o ato de se fazer a imagem

(MIRANDA, 2011, p.51), o que é classificado por Dubois como “imagem-ato”, pois

“esse ‘ato’ não se limita trivialmente apenas ao gesto da produção propriamente dita da

imagem (o gesto da ‘tomada’), mas inclui também o ato de sua recepção e de sua

contemplação. ” (DUBOIS, 2006, p.1).

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Como atualmente os equipamentos de reprodução de imagens existentes não

possibilitam impressões tão grandes, nas dimensões idealizadas por Wall, para a

reprodução de cada imagem o fotógrafo recorre a impressão de vários pedaços de uma

única foto e realiza a montagem dessas partes. No fim, até mesmo a emenda é

incorporada ao trabalho, ressaltando o fato de se tratar de uma imagem técnica

(MIRANDA, 2011, p.35).

Mesmo nos casos em que é explícita a interpretação de uma pintura ao

observarmos as fotografias de Jeff Wall, fica evidente que ele não procura evocar as

mesmas questões que teria se trabalhasse com pintura. Podemos indagar o porquê dele

fotografar ao invés de utilizar a pintura, mas isso fica claro quando observamos que hoje,

por mais realista que uma pintura possa ser, sempre será fruto de uma abstração do artista

e que de alguma forma ela necessita de uma ação manual para ser produzida,

diferentemente da fotografia, que possui especificidades que jogam com a realidade de

uma forma que a pintura não é capaz, pois “as pessoas acreditam na realidade da

fotografia, mas não na realidade das pinturas” (MICHALS, in:CAETANO, 2012,

p.200).

Wall deixa claro acreditar que a fotografia pode ser muito mais, e afirma que

“como meio, a fotografia tem a capacidade de ser mais semelhante à pintura do que tem

sido”3 (WALL, 2007). Não há uma intensão aparente de ser como a pintura ou de ser

comparada com ela, o que o artista faz é adaptar alguns aspectos da pintura clássica para

outros suportes artísticos, utilizando os meios que possibilitam esse diálogo. E por mais

que o seu resultado seja parecido com o de um pintor, o produto, o objeto e as questões

das obras são separadas por um abismo entre a busca dos artistas clássicos (que dada

sua complexidade e o foco desta pesquisa, não seria possível exemplificar aqui) e as

questões dos artistas do mundo atual.

2.3 O cotidiano possível

Imaginemos qual seria a resposta de um jovem fotógrafo, profissional ou

entusiasta da técnica, para o seguinte questionamento: "qual tema gostaria de explorar?".

3 Tradução do autor: To me, it just seemed that photography as a medium had the capacity to be more akin to

painting than it had been.

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Uma grande parte certamente diria que o tema que lhe instigaria seria o cotidiano. Dada

a popularização do aparato fotográfico e ao crescente volume de imagens que são

produzidas desde sua criação, o cotidiano é um tema que sempre esteve presente. “Você

aperta o botão, nós fazemos o resto”: foi assim que a Kodak pôs nas mãos de milhares

de pessoas as primeiras câmeras portáteis, tendo vencido o desafio da diminuição do

tempo de fixação da imagem, que tornou-se possível em uma pequena fração de

segundo. Dessa forma, levou-se as pessoas a criar a necessidade de registrar tudo a sua

volta, algo que até então só era praticado por quem possuía uma grande habilidade

técnica de pintura ou desenho.

Agora, olhares curiosos que buscavam desvendar o mundo, pessoas, lugares

e situações que passavam despercebidas, começaram a registrar tudo e todos,

transformando o documento fotográfico em memórias resgatáveis. Mas,

independentemente do quando e do porquê, as pessoas tinham a necessidade de observar

e registrar o que acontecia ao seu redor. De fato, aquilo que vivenciavam diariamente

ganhou uma grande importância e muitos fotógrafos como Cartier Bresson, Walker

Evans e Robert Frank, só para citar alguns, dedicaram a vida a esse tema.

Fotografar o cotidiano era como sair em busca de instantâneos do mundo, de

cenas corriqueiras, do banal. Talvez, com o intuito de mostrar como as coisas eram,

como as pessoas viviam e se relacionavam, e “na ânsia de fotografarem o instante da

vida moderna, os fotógrafos criaram uma tradição que visava a captação da

espontaneidade literal do instante” (MIRANDA, 2011, p.64). Entretanto, tudo se dá

através de um pequeno recorte do mundo no qual as pessoas, as situações e os elementos

coexistem. Esse recorte ignora todo o resto, tudo que está fora do seu campo de visão.

Ora, se isso não caracteriza uma visão totalmente particular do mundo, que outra

definição poderia ser atribuída se não a de um olhar sobre o cotidiano? Um cotidiano

que talvez só exista para o fotógrafo, através da sua forma de observar e falar sobre o

que vivenciou.

Em um dado momento que não cabe aqui ser analisado ou discutido - mas

que serve como um referencial, um divisor de águas, essas imagens produzidas através

do conceito de flagrante ou representação explícita de algo que aconteceu e existiu,

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passaram por um processo de dissipação do significado. Se de um lado havia a

necessidade de conhecer o mundo, do outro, a fotografia tratava de mostrá-lo,

juntamente com seus habitantes e suas formas e razões de lá estarem. Tomamos isso

como verdade e estabeleceu-se um gênero que ainda hoje é assunto bastante tratado.

A fotografia do cotidiano tratou de abordar questões do mundo na forma

como eram, mas só recentemente outras surgiram e passaram a ser observadas. É neste

ponto que a fotografia de Jeff Wall se estabelece. Primeiro, pelo simples fato de que

tudo o que vemos é devidamente controlado e construído com tamanho nível de apuro,

que duvidamos da não veracidade do fato; segundo, que já não existe mais uma

preocupação ou compromisso com a verdade daquilo que se mostra dentro desse

contexto de produção crítica e artística.

A diferença entre estas imagens e um snapshot é que ao serem encenadas,

permitem a construção de momentos ligeiramente mais espontâneos, mais

assertivos, mais detalhados e mais reais do que aqueles que parecem existir

nos instantâneos fotográficos. Digo mais reais, porque, a mera casualidade do

snapshot do dia-a-dia não tem o poder de focar o olhar humano na qualidade

e quantidade de detalhes relacionáveis nas composições criadas por Wall.

(MIRANDA, 2011, p.55)

Embora a fotografia de Wall se assemelhe a um flagrante no qual os

personagens estão totalmente desatentos à presença do fotógrafo, há uma clara intensão

de falar sobre a realidade, sobre a experiência e a confrontação com essa realidade.

Helena A. Miranda afirma que “se a fotografia é essencialmente instante, acidente e

transparência, a resposta de Jeff Wall será sempre a de encenar soluções formais ligadas

à sua experiência do real que evoquem essas características” (MIRANDA, 2011, p.73).

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3 CAPÍTULO II: O DISCURSO FOTOGRÁFICO

3.1 O exercício da construção

Semelhante a outros processos de produção de imagem, a fotografia possui

especificidades que determinam o resultado do trabalho, não apenas por motivos

relacionados ao processo, técnica ou estética mas, principalmente, por motivo

conceitual. A opção do artista por utilizar a fotografia está diretamente ligada à questão

que deseja tratar e a sua forma de abordagem. Para isso, um meio que o fotógrafo pode

utilizar para alcançar o resultado desejado, se dá através da manipulação de elementos,

símbolos e códigos que constituem a imagem fotográfica.

Pode-se pensar que o entendimento destes parâmetros basta para que

qualquer pessoa munida de uma câmera seja capaz de realizar um registro e apresentá-

lo como um trabalho de arte. No entanto, o nascimento dessas imagens ocorre em um

cenário em que até mesmo a palavra banalização já está gasta. A fotografia, por si só,

não passa de um objeto perdido em alguma gaveta ou códigos binários gravados no

computador, ou ainda, como afirma Dubois, “fotografias propriamente ditas quase não

tem significação nelas mesmas: seu sentido lhes é exterior, é essencialmente

determinado por sua relação efetiva com o seu objeto e com sua situação de enunciação”

(DUBOIS, 2006, p.52).

Qualquer pessoa pode fotografar, mas nem todas são capazes de produzir

imagens. Podemos pensar dessa forma se levarmos em conta o fato de que a câmera

captura o que está diante dela sem nenhuma distinção. A decisão do fotógrafo de incluir,

excluir, ressaltar, ocultar, interferir e até mesmo manipular, pode transformar a

fotografia em algo mais, impregnando nela a mensagem desejada.

Para termos um referencial de comparação, compreendendo os motivos que

tornam a fotografia de Wall diferente de fotos registradas por uma pessoa qualquer

como, por exemplo, uma foto durante um almoço em família com o objetivo de ser um

simples registro familiar e nada além disso, precisamos observar justamente a intenção

do autor. Sandra Rey vai além no que se refere não apenas à produção fotográfica, mas

também, no que se refere a qualquer produção artística contemporânea e afirma que “na

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arte contemporânea, se não conhecemos a proposta e o modo de trabalhar do artista,

dificilmente conseguiremos apreender a obra” (REY, 2002, p.134).

Assim como o pintor, o fotógrafo também deve desenvolver sua capacidade

técnica para manusear seu equipamento de trabalho, cada qual com sua particularidade.

No início, fotografar exigia um grande conhecimento técnico para operar a câmera,

sensibilizar as placas originalmente de cobre, manipular os químicos e tudo mais,

limitando este ofício a uma pequena parcela de pessoas. Com o passar dos anos a

fotografia se popularizou, mas somente muito tempo após sua invenção, passamos a

observar essas imagens técnicas com outros olhos. Desde então, a mera operação do

aparelho não deu mais conta de resolver as questões e anseios emergentes.

Boxing. Fotografia colorida. 2150 x 2950 mm. Jeff Wall. 2011.

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Voltando à Dubois, quando ele afirma que a fotografia por si só não tem

significação e que seu sentido lhe é externo, podemos observar em Boxing os aspectos

tratados por Angie Biondi em análise à obra de Wall, e que falam sobre a proposição de

suas imagens, quando ela questiona a leitura sobre o cotidiano tratado pelo fotógrafo:

a) o tratamento do cotidiano como um motivo visual se coaduna com um tipo

de discurso sobre o contemporâneo e seus modos de ser ...; b) o tipo peculiar

de leitura que suas imagens propõem ao espectador alude ao cotidiano sob a

ideia do inusitado, do incerto, mas também do estável, do ordinário e do

familiar...; c) personagens e ambientes pertencem a um mesmo espaço, numa

espécie de dinâmica, que conduz a narrativa a um processo de leitura das

situações do indivíduo ordinário... (BIONDI, 2010, p.18).

O cotidiano compõe grande parte do trabalho de Jeff Wall, mas o que

realmente torna o seu trabalho relevante é a forma como ele o desenvolve e a discussão

que é trazida à tona sobre nossa experiência de ser contemporâneo. Vemos mais

observando suas imagens do que poderíamos ver vivenciando aquele momento.

Facilmente nos relacionamos com suas imagens, mas a tensão que ele cria induz o

espectador a buscar mais informações, não que essas estejam ocultas ou camufladas,

pelo contrário, tudo está disponível, bastando apenas nos colocar diante da fotografia

para que tudo nos salte aos olhos.

A autora Victa de Carvalho fala sobre o “efeito de verdade”4 (CARVALHO,

p.200), presente no trabalho de Wall, quando somos levados a crer que se trata de um

flagrante. Se identificamos aquilo como flagrante foi por termos acumulado uma

determinada bagagem imagética que reafirma suas imagens. A organização dos

elementos, o ponto de vista, tudo se trata de “um instante fabricado que remete a todo

um histórico de captura de flagrantes do cotidiano” (CARVALHO, 2011, p.200).

4 O que faz o trabalho de Jeff Wall ser tão potente, é precisamente a forma como ele constrói cada cena tomando

o cuidado para que esta tenha o aspecto de uma imagem não construída, um possível flagrante. Diferentemente de

outros fotógrafos que trabalham com fotografia construída, suas imagens possuem uma normalidade que nos faz

questionar se aquilo de fato foi construído, chegando a ser incrivelmente real justamente por possuir este efeito de

verdade.

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Por outro lado, podemos pensar também em um possível “efeito de

distanciamento”, comentado por Alberto Martin Expósito que diz que “as ‘imagens

construídas’ nos mostram como é o imediato quando se produz um efeito de

distanciamento, uma operação de estranhamento que nos permite ‘ver’ de fora”

(EXPÓSITO, 2001, p.1). Não há como desconsiderar que o fotógrafo se vale desses

parâmetros para nos forçar a questionar nossa concepção de cotidiano, seja ele flagrado

ou construído. E sobre o cotidiano na fotografia, Victa de Carvalho afirma que:

...o cotidiano pode se tornar, na fotografia contemporânea, um lugar de

resistência em relação aos clichês produzidos pelas imagens do dia-a-dia. O

cotidiano e toda a sua banalidade apresentam-se como lugar potencial para a

experiência, tendo em vista uma noção de experiência fundamentada na

invenção e na ampliação do que cremos ser a nossa realidade. (CARVALHO,

p.203)

3.2 A fotografia e o espelho do autor

Apreender por completo a obra de um fotógrafo pode ser uma tarefa tão

complexa quanto a do próprio fotógrafo em desenvolver seu trabalho e, dentre as

possíveis questões que podemos levantar, é curioso pensar sobre as inspirações que

levam o artista a criar uma imagem. Embora muitos fotógrafos busquem referências na

pintura, na literatura ou na música, no caso dos fotógrafos contemporâneos (e mais

especificamente de Wall), essa inspiração parece originar-se principalmente da sua

experiência de relação com o mundo.

Em uma entrevista realizada para o The San Francisco Museum of Modern

Art (SFMOMA) Jeff Wall fala sobre seu processo e diz que ao observar uma cena que

lhe interesse, “começa por não fotografar” (WALL, 2006). Passado aquele momento, se

por algum motivo a cena persistir em sua memória, ele a retoma e a reconstrói, porém,

encenando-a, buscando o que seria uma cena melhorada, como se somente através desse

processo com total controle fosse possível alcançar algo mais real que a própria

realidade.

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Versão 1988 Detalhe

Versão 2003 Detalhe

Trân Dúc Ván. Transparência sobre caixa de luz.

2900 x 2290 mm. Jeff Wall. 1988.

Trân Dúc Ván. Transparência sobre caixa de luz.

2900 x 2290 mm. Jeff Wall. 2003.

Em 2003 Wall recriou digitalmente a foto Trân Dúc Ván que havia

fotografado em outra ocasião no ano de 1988, removendo dois transeuntes e

substituindo-os por uma única pessoa. Talvez lhe parecesse que a cena estava

demasiadamente cheia com três pessoas e que, apesar da impossibilidade de refazer a

fotografia, isso não o impediu de dar continuidade ao trabalho. Optou então por remover

essas pessoas chegando em princípio, um resultado esteticamente irrelevante, mas que

coloca em questão seu desprendimento sobre o confronto de sua própria realidade. Não

importa se a cena de fato existiu, importa que a partir da sua concepção ela exista. Helena

A. Miranda comenta que “se a fotografia é essencialmente instante, acidente e

transparência, a reposta de Jeff Wall será sempre a de encenar soluções formais ligadas

à sua experiência do real que evoquem essas características” (MIRANDA, 2011, p.73).

Obviamente a leitura muda completamente de uma imagem para outra no

caso das duas versões da foto Trân Dúc Ván, tornando-se mais evidente uma tensão

entre os personagens. Originalmente, toda a atenção se volta para o primeiro

personagem encostado à árvore, o que não ocorre na segunda versão, na qual queremos

descobrir o que se passa com ambos personagens. A narrativa construída a partir dessas

imagens não serve apenas à intenção do autor de resolver uma certa inquietação,

demonstra também como ele se relaciona com suas imagens de forma atemporal, quando

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a fotografia não é uma simples representação de um instante mas algo que está em

constante transformação, como uma pintura que poderia ser retocada e alterada a

qualquer momento, até que se chegue a um resultado final ou mesmo a um resultado

eternamente intermediário.

Em seus trabalhos, Jeff Wall parece buscar uma perfeição que talvez nunca

seja alcançada, que o leva ao fazer e ao refazer, resultando em um ciclo que não tem

necessariamente um fim e que pode acompanhá-lo por anos, transformando-se com ele.

3.3 Relacionando-se com a imagem

Durante o fórum Pensamento e Reflexão na Fotografia, ocorrido no MIS

(Museu da Imagem e do Som) em São Paulo no ano de 2012, o curador Juan Antônio

Molina comentou em sua palestra sobre a relação do autor e do espectador com a obra

e como o discurso fotográfico se estabelece indagando que “o discurso se revela a partir

da nossa relação com a obra” (MOLINA, 2012). É possível perceber na obra de Wall

um envolvimento que vai além da simples observação e registro do mundo. As imagens

impreterivelmente acontecem primeiro em sua cabeça, só depois ele trabalha para

concebê-las e, mesmo assim, estão sujeitas a qualquer momento a novas intervenções,

reproduções ou reinterpretações.

Já a relação estabelecida entre espectador e imagem pode ocorrer em uma

fração de segundo, mas também pode levar muito tempo para se concretizar, uma vez

que “as imagens visuais sempre propiciam diferentes leituras para os diferentes

receptores que as apreciam...” (KOSSOY, 2002, p.45). Entretanto, apesar dos diversos

elementos que contribuem para o tipo de leitura que o espectador pode realizar sobre

uma determinada imagem, Wall trabalha outros que comumente não consideramos

quando sua manipulação ultrapassa limites tecnológicos ou de configuração de

elementos e objetos de uma determinada cena.

Helena A. Miranda realizou uma análise sobre a foto A View from an

Apartment (2004-2005) que cabe aqui como uma referência para reflexão. Ela descreve

que Wall alugou um apartamento durante um ano e colocou duas atrizes para morar no

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local, durante aquele período. Então ele aguardou até que o ambiente “alcançasse uma

dimensão de quotidiano” (MIRANDA, 2011, p.60) e passou a fotografá-las até chegar

no resultado final. A construção descrita aqui, não partiu apenas da composição da cena,

mas da ideia de criar uma realidade originária de uma ficção. Ela ainda cita que Wall

manipula a vista da janela para que se pareça com um quadro, criando uma ilusão de

ótica onde o que representaria o falso (um quadro da vista de um porto), na verdade é o

real. O fotógrafo cria um jogo de ambiguidades que levariam a infinitas interpretações.

A View from an Apartment. Transparência sobre caixa de luz. 1670 x 2440 mm. Jeff Wall. 2004-2005

Jeff Wall deixa claro no seu trabalho que tudo é devidamente controlado,

eliminando assim algumas possíveis perguntas que poderiam surgir como Quem são

essas pessoas? O que elas estão fazendo? ou Que lugar é esse?, Assim, forçando o

espectador a levar suas questões a outro nível, o próprio autor comenta sobre o fato de

normalmente as fotografias serem vistas em álbuns ou livros, uma de cada vez (WALL,

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2011), numa dimensão íntima com o espectador que pode manusear e definir o tempo e

como quer observar a imagem.

Quando Wall opta por apresentar seu trabalho utilizando os recursos e

suportes já comentados anteriormente, ele quer que os espectadores coloquem-se diante

da imagem para investigá-la. Não há como virar a página ou simplesmente passar os

olhos pela imagem, esse simples ato já nos toma um bom tempo dada sua dimensão

física. Wall deixa pistas, cria histórias e constrói narrativas em que a realidade, a ficção,

a verdade e a ilusão disputam espaço e provocam constantemente o espectador.

Sabemos que por mais que um fotógrafo coloque em suas imagens toda

intenção de direcionar a leitura ou guiar o espectador, não terá o controle sobre tudo,

pois não é possível impedir que o espectador ignore todas as regras postas e se deixe

guiar pelo imaginário. Compreendendo a forma como comumente nos relacionamos

com as imagens fotográficas ou, ao menos, com as variáveis que são consideradas,

temos a possibilidade de dar à imagem mais do que um ângulo ou um enquadramento

diferente. Ela pode deixar de ser o que essencialmente foi por décadas e passar a dizer

mais do que simplesmente mostrar.

Podemos considerar que em seu trabalho, Wall elimina ou até mesmo

ressignifica alguns parâmetros que estão enraizados em nosso conceito sobre a

fotografia (desde a sua criação) libertando-nos para novas possibilidades de olhar. Suas

fotografias são construções mentais que dialogam muito mais com a pintura nos dias de

hoje, do que durante o período em que os artistas tinham objetivamente essa intenção,

como, por exemplo, no pictorialismo. Suas obras não se limitam a questões estéticas

construídas a partir de recursos técnicos ou intervenções, mas surgem a partir das

questões do artista com o mundo em que vive.

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4 CAPÍTULO III: DIALOGANDO COM O ESPECTADOR

4.1 O diálogo com o espaço

Como já citado anteriormente, um dos aspectos que caracterizam a obra de

Jeff Wall é a forma como o fotógrafo opta pela apresentação de seu trabalho, utilizando

grandes dimensões, proporcionando ao espectador uma experiência similar à observação

de uma pintura clássica (geralmente compostas por cenas diversas do cotidiano quase

que em tamanho natural), permitindo assim o agrupamento de um grande número de

espectadores em torno da obra em exposição.

Wall parte do princípio de que normalmente as fotografias são vistas em

formato de livros ou álbuns impressos em pequenas dimensões. Isso permite ao

espectador que esteja vendo as imagens em sua exposição, ter uma relação

completamente diferente. Manipular um livro ou um álbum, olhar imagem por imagem

dando a cada uma mais ou menos atenção, dependendo do quanto essa desperte o

interesse do espectador, leva a visualização para uma esfera mais íntima, permitindo

àquele que vê, o controle e a posse exclusiva daquele momento.

Por outro lado, quando levamos a fotografia para a parede, esse controle se

perde, apesar de que ainda há a possiblidade de tomar esse momento para si diante da

imagem. Não há como passar a página, é necessário deixar esse pequeno espaço para

seguir ao próximo. Agora, estando diante de uma fotografia nas dimensões apresentadas

por Wall, nós não temos nem mesmo o controle desse espaço de visualização. Esse

momento se torna público e diversas pessoas tomam posse desse espaço compartilhado.

Tendo conhecimento dessas questões e acreditando que a fotografia pode ir

além, Wall adota as grandes dimensões justamente para subverter o modo tradicional de

visualização de fotografias, seja em pequenas impressões, álbuns, livros ou até mesmo

através de fotografias emolduraras dispostas na parede. É claro que diversas questões

devem ser consideradas antes de se pensar nas motivações que levam o fotógrafo a optar

por impressões grandes ou pequenas, mas especificamente no caso de Wall, o artista

leva em conta a forma como o espectador se relacionará com o seu trabalho.

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A construção do espaço e a disposição das fotos com a finalidade de

possibilitar a visualização individualizada de cada imagem e, principalmente, permitir

que várias pessoas postem-se diante da fotografia, tudo isso acaba se incorporando ao

trabalho do fotógrafo.

Vista da exposição de Eugène Delacroix, Musée du Louvre. Por Cecil Lee, 2010.

O ambiente expositivo criado por Jeff Wall é similar ao das grandes

exposições clássicas como, por exemplo, a exposição de Eugène Delacroix exibida no

Musée du Louvre, realizada em amplas salas com imensas imagens dispostas lado a lado

onde diversas pessoas aglomeram-se para observar os quadros. Atualmente, mesmo

familiarizados com o conceito de “cubo-branco”, conceito no qual todas as paredes são

pintadas com tinta branca para que não haja nenhuma interferência visual concorrendo

com as imagens, e apresentando fotografias ampliadas em dimensões medianas (sendo

aqui uma consideração particular) variando entre 20x30 cm a 60x90 cm, é comum

vermos composições mesclando imagens de tamanhos variados com o objetivo de criar

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um certo dinamismo para exposição, fugindo da linearidade rotineira. Agora, dada as

dimensões das fotografias de Wall, essa linearidade se torna irrelevante. Não há como

passar por um quadro sem pararmos para analisar os detalhes que se multiplicam a cada

instante. Isso também justifica o fato do fotógrafo fazer uso de câmeras de grandes

formatos para produzir suas imagens, haja visto o nível de detalhes apresentados em

seus trabalhos. Por mais que o espectador se aproxime da foto, ainda terá resolução

proporcional à qualidade presente nas fotografias, que só podem ser alcançadas por esse

tipo de negativo.

Vista da exposição Jeff Wall 1978 - 2004, Tate Modern, 2005.

Em 2005, na exposição apresentada no Tate Modern, o museu fez uma

retrospectiva da obra do artista com trabalhos realizados entre 1978 e 2004. Com mais

de cinquenta fotografias expostas, a mostra foi composta por imagens de diversas

dimensões em que se destacam principalmente as imensas fotografias em caixas de luz.

Diferente das pequenas galerias de arte, o Tate Modern possui salas que comportam

centenas de visitantes. A exposição foi distribuída em doze salas, que traçam a trajetória

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do artista, passando pela fotografia encenada, documental, cinematografia e até as obras

mais recentes nas quais Wall passou a utilizar a manipulação para compor imagens que

não seriam possíveis de se realizarem sem esse recurso.

Obviamente Jeff Wall não tem a intenção de copiar o formato das exposições

de pinturas e suas dimensões, mas sim de levantar a seguinte questão: qual o espaço da

fotografia e a que suportes ela pode ser submetida? Mesmo que hoje outros fotógrafos

adotem essa mesma estrutura expositiva, como por exemplo, nas grandes ampliações

presentes na exposição da fotógrafa Sofia Borges, apresentada na 30° Bienal

Internacional de Arte em São Paulo em 2012, seus aspectos ainda diferem entre si.

Enquanto Sofia Borges estabelece um diálogo com o referente realizando

grandes ampliações de fotografias de ilustrações contidas em livros, Wall direciona o

seu pensamento para a anulação das limitações em relação à fotografia, pois esta pode

proporcionar ao espectador uma experiência tão rica e um impacto tão grande quanto

qualquer outra plataforma visual em exposição.

Por outro lado, o fotógrafo, de forma bastante intrigante, adota um suporte

que comumente vemos pelas ruas e áreas de grande circulação de pessoas. Essas caixas

luminosas absorvidas dos letreiros publicitários trazem para o museu algo que a cultura

de massa já consome a tanto tempo que, possivelmente, esses objetos já tenham se

tornado apenas mais um elemento da paisagem urbana. Entretanto, dentro do museu seu

sentido também é subvertido, ganhando enorme destaque e atraindo a atenção do

espectador que, unido ao contexto do trabalho desenvolvido por Wall, apresenta-se

como um grande recorte da vida cotidiana. Claro que as questões deste trabalho

realizado pelo fotógrafo, denotam um rompimento com a simples ideia de retratar o

cotidiano, mas isso iremos abordar em seguida.

4.2 O diálogo com a imagem

Durante a 30ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo, na qual estive

presente, percebi algo que considerei bastante intrigante: a forma como os espectadores,

ali formados pelos mais variados tipos de pessoas - desde artistas, estudantes de arte e

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até pessoas comuns, que simplesmente tinham o olhar curioso para ver o que se passava

no lugar - paravam para ver, assistir ou interagir com os trabalhos. Entre os comentários

feitos por espectadores sobre arte, destaco um que dizia que “a arte precisa ser bonita, a

imagem tem que ser esteticamente agradável”, isso, logicamente, dentro de uma

concepção de belo a qual a pessoa se referia.

Em muitas situações, dependendo da imagem, era possível notar um sorriso,

um sinal de negação ou afirmação com a cabeça, uma sobrancelha erguida ou um canto

de boca puxado. A reação de um espectador frente à obra refletia claramente sua

impressão sobre a imagem que, consequentemente, resultava em um gesto qualquer.

Agora, em muitos casos, algumas imagens não apenas prendiam a atenção como

também traziam várias pessoas para disputarem espaço para vê-la. Quem estava ali

diante da obra, não pretendia sair ou tentava insistentemente desvendar tudo aquilo que

a obra tinha a dizer.

Contudo, mesmo levando-se em conta os aspectos estéticos, técnicos ou

conceituais de uma obra, podemos encontrar pessoas que creditam o sucesso de uma

imagem à pequena história que ela carrega, seja esta sustentada pelo artista ou por si

próprias imaginada. Mas, verdadeiramente, algumas imagens são capazes de nos trazer

para dentro de um vínculo de admiração na qual, independente do suporte ou artista,

sempre sentiremos prazer em consumi-la.

Voltando à exposição do artista Eugène Delacroix, não apenas a beleza

estética mas também o fator histórico atribui a essa pintura um valor inestimável. Todos

que passaram por essa exposição obviamente paravam para contemplar o quadro. É claro

que não podemos creditar essa situação somente ao fato de ser uma exposição do

Delacroix e também às dimensões do quadro, mas sempre que uma pintura como essa é

posta em exposição, diversos olhares são atraídos, algo que não estamos habituados a

ver em exposições fotográficas.

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La Liberté guidant le peuple. Óleo sobre tela. 4544 x 3440 mm. Eugène Delacroix. 1830.

Por Jean-Pol Grandmont. Galerie du Temps, 2013.

Por outro lado, o que pode ser visto na exposição de Jeff Wall no Tate

Modern, é justamente uma cena em que os espectadores disputavam espaço para

visualizar os quadros do fotógrafo. Nesse ponto, como Wall deixa claro, o fotógrafo

busca proporcionar aos visitantes a mesma experiência: quer que a fotografia seja vista

como uma pintura – não que ela deva parecer uma pintura – mas que seja vista da mesma

maneira.

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Invisible Man. Transparência sobre caixa de luz. 1470 x 2505 mm. Jeff Wall. 1999-2000.

Jeff Wall 1978 - 2004, Tate Modern, 2005.

Há muitos anos as barreiras entre fotografia e arte deixaram de existir, mas

mesmo assim, esse tempo é curto se considerarmos toda a história da pintura.

Culturalmente, ainda estamos condicionados a separar claramente essas linguagens e,

em muitos casos, atribuir um valor maior às artes plásticas. Há muito tempo também, é

compreendido que tanto pintura quanto fotografia podem ser constituídas muito mais

por uma concepção intelectual do que apenas por um gesto manual ou de operação de

um equipamento, como sugere o filósofo Vilém Flusser em seu livro A filosofia da caixa

preta.

Por mais espaço que a fotografia tenha conquistado nos últimos anos (vou

considerar aqui apenas a fotografia brasileira), existe ainda um longo caminho a ser

trilhado. Graças ao crescente número de fotógrafos, artistas e principalmente teóricos

que têm a fotografia como objeto de estudo ou ferramenta de produção, hoje é possível

transitar por esse caminho sem as intempéries de um terreno acidentado ou, no mínimo,

transitar com um pouco mais de conforto.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A imagem bonita, muitas vezes tida como a boa fotografia, em um primeiro

momento pode satisfazer, agradar e até mesmo levantar algum tipo de discussão. Por

vezes pode-se perceber o uso desses artifícios para se alcançar o gosto de espectadores

aficionados por aprovações e compartilhamentos sociais. Não que esse nicho por onde

as imagens mais transitam atualmente seja inválido, mas ter esse objetivo como fim é

descartar toda a potencialidade da prática e da própria fotografia, uma vez que com a

mesma velocidade em que as imagens chegam, elas se vão e no instante seguinte outra

assume os holofotes temporariamente.

Logo, qual é o lugar da fotografia? E o que é considerado uma “boa

fotografia”? Ainda será necessário bastante tempo para responder a essas e outras

perguntas que surgirão. Entretanto, algo que é possível afirmar, é que o trabalho

fotográfico contemporâneo pretende estabelecer uma relação com o espectador e não

meramente buscar um entendimento claro e objetivo. A prática fotográfica que objetiva

o desenvolvimento artístico, impõe a necessidade de pensar não apenas as possíveis

técnicas, linguagens ou abordagens, mas também o suporte, o espaço expositivo e,

principalmente, que tipo de relação pretende-se que o espectador estabeleça com a obra.

Vê-se diariamente como diversos fotógrafos apoiam-se em referências

estéticas, baseadas na simples análise de trabalhos realizados por outros artistas que

utilizam a fotografia como meio ou como fim. No entanto, um número bastante reduzido

procura realmente conhecer o trabalho desses artistas. Não que seja uma obrigação

entendê-los completamente, mas, sem nenhuma dúvida, conhecer o trabalho, a intenção

e principalmente as questões abordadas pelo artista é primordial para que se compreenda

a obra.

A realização desta pesquisa, além de proporcionar um melhor entendimento

sobre o trabalho do artista Jeff Wall, também possibilita entender que a fotografia de

fato pode ser muito mais.

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CAETANO, Kati E.; LEMOS, Anuschka R. À margem do olhar à margem da

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CARVALHO, Victa de. Cotidiano e Experiência na Fotografia Contemporânea. Em

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EXPÓSITO, Alberto Martín. El tiempo suspendido. Fotografia y narración. Fotografia

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FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. Editora Hucitec, São Paulo, 1985.

KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na Trama Fotográfica. 3ª ed. São Paulo, Ateliê

Editorial, 2002.

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REY, Sandra. Por uma abordagem metodológica da pesquisa em artes visuais. O

meio como ponto zero. Metodologia da pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre: Ed.

Universidade / UFRGS, 2002 (Coleção Visualidade).

VENTAPANE, Leonardo. Jeff Wall e a imagem quase transparente na fotografia

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Graduação em Artes Visuais - EBA - UFRJ, julho de 2009, pp. 42 – 51.

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WALL, Jeff. Fotografia e inteligência liquida. GG mínima. 2007.

WALL, Jeff. Jeff Wall on staged photography. SFMOMA, 2006. Disponível em:

http://www.sfmoma.org/explore/multimedia/videos/242.

WALL, Jeff. I begin by not photographing. SFMOMA, 2006. Disponível em:

http://www.sfmoma.org/explore/multimedia/videos/243.

WALL, Jeff. Jeff Wall on the influence of painting. SFMOMA, 2006. Disponível em:

http://www.sfmoma.org/explore/multimedia/videos/244.

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7 POSFÁCIO

Pensar os possíveis meios, suportes e formas para apresentar um trabalho

fotográfico, permeia o pensamento e muitas vezes até importuna o fotógrafo. Tenho

relutado em deixar essa prática de lado e me voltar ao simples gesto, ação ou ato, se

assim preferir. Não posso deixar de considerar que fotografar compulsivamente deixou

de fazer parte de minha rotina no momento em que senti a necessidade de parar e olhar

para a fotografia. Mas olhar mesmo, não apenas correr os olhos sobre uma superfície

pigmentada, emoldurada e pendurada em uma parede qualquer. É preciso dar tempo a

imagem fotográfica para que se ultrapasse a camada constituída de elementos estéticos

que podem nos agradar e por aí se acomodar.

Refletindo sobre as infinitas possibilidades e nas motivações que levaram ao

fotógrafo Jeff Wall estabelecer uma metodologia de produção e difusão do seu trabalho,

voltei-me para o modo como receptamos a fotografia. Impossibilitado de realizar uma

visita a uma exposição de Wall, eu me propus a buscar uma forma de possibilitar ou

simular essa experiência.

Como tratado anteriormente, fica clara a intensão do artista quando escolhe

impressões em grandes dimensões. E de forma similar ao fotógrafo, iniciei uma série de

testes de impressão buscando um formato adequado para reproduzir uma de suas

imagens. Após avaliar os materiais e refletir sobre o meu objetivo aqui definido, optei

pela impressão “lambe-lambe”, utilizada para confecção de outdoors publicitários e que

alcançam tamanhos superiores aos utilizados por Wall. Considerei também o fato da

perda de definição que esse tipo de impressão provoca e principalmente a resolução da

imagem que dispunha, tirada do site do Tate Modern Museun.

Obviamente, o objetivo não era realizar uma reprodução fiel ou mesmo com

qualidade equiparada, mas sim ter em mãos uma foto com as dimensões idênticas ao

original, que procurei respeitar para ter ao menos os mesmos parâmetros métricos. Após

a preparação do material, surgiu um problema equivalente a sua imposição: onde colocar

uma fotografia tão grande? A instalação externa foi descartada, pois levava a ação para

outras esferas, desviando-se da questão principal. Eu queria a imagem em um ambiente

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no qual fosse possível visualizá-la sem maiores problemas, e também que pudesse

analisar o ambiente em que fora disposta, o que me levou à parede de uma garagem.

Wall 1. Pigmento sobre papel de alfa celulose 90x120cm. Gustavo Adriano Ribeiro. Cuiabá-MT. 2014.

Realizei então a colagem da foto nesse local e pude assim observar a

fotografia. As condições não são as mesmas presentes em uma exposição real, mas posso

afirmar com convicção que, estar diante de uma fotografia tão grande, apresentada

dentro do contexto em que Jeff Wall trabalha, fez-me passar bastante tempo a observá-

la. Não se tratava de um painel publicitário ou de uma colagem que encontramos

comumente cobrindo uma parede de um banco ou uma empresa qualquer, mas sim de

uma fotografia do artista, que é apresentada dessa forma em museus.

Tive a oportunidade de folhear diversas publicações do artista e vi muitas

imagens e até mesmo o processo de desenvolvimento de algumas em vídeos, como, por

exemplo, o vídeo da produção da própria foto que utilizei: Boxing, encontrada no site

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www.whitecube.com. Até então, jamais tive um resultado que se equiparasse a este.

Apesar da precariedade evidente na instalação, isso se tornou irrelevante, mesmo com a

definição limitada, a iluminação inadequada - tanta pela ausência da luz traseira quanto

a luz pontual. Nada afetou de maneira considerável, a essência do trabalho, o que me

despertou o desejo de buscar uma oportunidade de experienciar uma de suas exposições.

Wall 2. Pigmento sobre papel de alfa celulose 90x120cm. Gustavo Adriano Ribeiro. Cuiabá-MT. 2014.

A realização desse trabalho, não apenas proporcionou a experiência – mesmo

que simulada – de ver uma foto nas proporções e dentro de um contexto criado por Wall,

mas também fez surgir diversas questões e possíveis desdobramentos. Dentre eles quero

destacar um ponto bastante latente: a forma como o cotidiano é abordado por Wall e,

em contra partida, a maneira que pude confrontar esse cotidiano, inserindo-o dentro de

outro e vivenciando assim a própria construção.