o corpo e espacialidade: um estudo sobre o … · 2009-10-16 · 6824 pesquisa sobre a corporeidade...

12
O CORPO E ESPACIALIDADE: UM ESTUDO SOBRE O COMPORTAMENTO ETOLÓGICO CAMPOS, Flavia Karolina - UFMT [email protected] GOMES, Cleomar Ferreira - UFMT [email protected] Eixo Temático: Cultura, Currículo e Saberes Agência Financiadora: CAPES (Bolsista) Resumo Este trabalho é fruto de uma pesquisa que tem por objetivo verificar, no cotidiano de pessoas comuns, ocupando os espaços públicos cuiabanos, as marcas deixadas pelos diferentes tipos de comportamento em que a corporeidade apresenta e que está diretamente ligado ao ambiente em que os circunscreve. Utiliza-se de uma metodologia que privilegia a imagem de movimentos gestuais e de posturas dos sujeitos observados que fazem com que essas marcas nos mostram que há uma comunicação não verbal que fala o tempo todo. Seja no ato extravagante de vestir, na expressão de rostos pintados, furados escarificados, na “insatisfação” esférica do corpo, no desconforto auditivo devido a poluição sonora, na fadiga renitente de imagens visuais, no isolamento individual em meio a multidão de pessoas que superlotam os espaços... Essa corporeidade vai “gritando”, “se ajeitando no jeito que pode”, para ser fiel a uma expressão de Le Breton. A cibercultura nos obriga a ser e estar em um novo espaço e em um novo tempo que implica uma mudança conceptual da cultura. Para desenvolvimento deste trabalho utilizamo-nos de uma mini-pesquisa, nos moldes etnográficos, seguida de observações sistemáticas e assistemáticas, além de um roteiro de entrevistas, quando em campo foi possível utilizar uma câmera digital para registro de imagens. Apesar de algumas pessoas apresentarem diferenças visíveis quanto à situação financeira, no modo de ir e vir, no modo de ser, vestir, falar, ler, se divertirem e ocupar esses lugares, eles se assemelham em seu comportamento etológico nos espaços que ocupam. O trabalho pôde ver que somos todos parecidos nesses espaços para produzir uma acomodação necessária no trato de pertencer a um determinado grupo social ou a uma “tribo”, como prefere o sociólogo francês, Michel Maffesoli. Palavras-chave: Comportamento Humano. Etologia. Cultura. Introdução

Upload: others

Post on 17-Jul-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: O CORPO E ESPACIALIDADE: UM ESTUDO SOBRE O … · 2009-10-16 · 6824 Pesquisa sobre a Corporeidade e a Ludicidade) com o intento de verificar o comportamento de pessoas em locais

O CORPO E ESPACIALIDADE: UM ESTUDO SOBRE O

COMPORTAMENTO ETOLÓGICO

CAMPOS, Flavia Karolina - UFMT [email protected]

GOMES, Cleomar Ferreira - UFMT

[email protected]

Eixo Temático: Cultura, Currículo e Saberes Agência Financiadora: CAPES (Bolsista)

Resumo Este trabalho é fruto de uma pesquisa que tem por objetivo verificar, no cotidiano de pessoas comuns, ocupando os espaços públicos cuiabanos, as marcas deixadas pelos diferentes tipos de comportamento em que a corporeidade apresenta e que está diretamente ligado ao ambiente em que os circunscreve. Utiliza-se de uma metodologia que privilegia a imagem de movimentos gestuais e de posturas dos sujeitos observados que fazem com que essas marcas nos mostram que há uma comunicação não verbal que fala o tempo todo. Seja no ato extravagante de vestir, na expressão de rostos pintados, furados escarificados, na “insatisfação” esférica do corpo, no desconforto auditivo devido a poluição sonora, na fadiga renitente de imagens visuais, no isolamento individual em meio a multidão de pessoas que superlotam os espaços... Essa corporeidade vai “gritando”, “se ajeitando no jeito que pode”, para ser fiel a uma expressão de Le Breton. A cibercultura nos obriga a ser e estar em um novo espaço e em um novo tempo que implica uma mudança conceptual da cultura. Para desenvolvimento deste trabalho utilizamo-nos de uma mini-pesquisa, nos moldes etnográficos, seguida de observações sistemáticas e assistemáticas, além de um roteiro de entrevistas, quando em campo foi possível utilizar uma câmera digital para registro de imagens. Apesar de algumas pessoas apresentarem diferenças visíveis quanto à situação financeira, no modo de ir e vir, no modo de ser, vestir, falar, ler, se divertirem e ocupar esses lugares, eles se assemelham em seu comportamento etológico nos espaços que ocupam. O trabalho pôde ver que somos todos parecidos nesses espaços para produzir uma acomodação necessária no trato de pertencer a um determinado grupo social ou a uma “tribo”, como prefere o sociólogo francês, Michel Maffesoli. Palavras-chave: Comportamento Humano. Etologia. Cultura.

Introdução

Page 2: O CORPO E ESPACIALIDADE: UM ESTUDO SOBRE O … · 2009-10-16 · 6824 Pesquisa sobre a Corporeidade e a Ludicidade) com o intento de verificar o comportamento de pessoas em locais

6823

O comportamento humano está diretamente ligado ao ambiente em que nos

circunscreve, isto é, a forma com que nos relacionamos com outras pessoas, nos vestimos,

divertimos, alimentamos, exercitamos, entre outras modalidades de se comportar, sofre uma

influência significativa das condições em que estamos incorporados. Etologia é a disciplina

que estuda o comportamento animal. Está ligada aos nomes de Konrad Lorenz e Niko

Tinbergen, sob a influência da teoria darwiniana, tendo como uma de suas preocupações

básicas a evolução do comportamento através do processo de seleção natural.

É relevante aqui para esse ensaio os estudos antropológicos de Edward Hall (1986)

que buscam o “princípios” para esquadrinhar as subestruturas biológicas de onde nascem

muitos aspectos do comportamento humano. Para esse autor “o homem é, primeiro, depois e

sempre, como os demais membros do reino animal, prisioneiro de seu organismo biológico”,

não havendo, portanto, um abismo entre homens e bichos.

Com Hall ficamos à vontade, então, de posse de um referencial teórico-metodológico

para lançar olhar para homens, mulheres, jovens e crianças em seus ajuntamentos em micros

espaços urbanos e percebê-los como animais em busca de um melhor assento, de uma posição

segura na lide de ir e vir, de freqüentar esses espaços para garantir a sua territorialidade. No

dizer de Hall (1986), a territorialidade pode ser entendida como “o comportamento mediante

o qual um ser vivo declara caracteristicamente suas pretensões a uma extensão de espaço, que

defende contra os membros de sua própria espécie”.

A etologia constitui-se, portanto, como uma disciplina da biologia que visa estudar o

comportamento, tanto intra-específico, ou seja, o comportamento de uma espécie no seu meio

ambiente, a partir da observação e análise das diversas facetas da vida dos indivíduos da

espécie (sobrevivência, reprodução, comportamento territorial...), quanto ao comportamento

interespecífico: a relação entre as espécies no meio ambiente comum.

Cabe a essa disciplina a tarefa peculiar de ver em qualquer lugar as pessoas

desenvolverem uma maneira de ser, tão próxima daquilo que Marcel Mauss (2008, p. 401)

define como “técnica corporal”. Para esse autor “as maneiras como os homens, sociedade por

sociedade e de maneira tradicional, sabem servir-se de seus corpos” e ainda que sejam

transmitidas através da educação e que são atos tradicionais, diferenciando-se assim dos

animais provavelmente pela sua transmissão oral.

Este trabalho é um relato de investigação a partir dos dados coletados pelo grupo de

pesquisa sob a liderança do Professor Dr. Cleomar Ferreira Gomes (Grupo de Estudos e

Page 3: O CORPO E ESPACIALIDADE: UM ESTUDO SOBRE O … · 2009-10-16 · 6824 Pesquisa sobre a Corporeidade e a Ludicidade) com o intento de verificar o comportamento de pessoas em locais

6824

Pesquisa sobre a Corporeidade e a Ludicidade) com o intento de verificar o comportamento

de pessoas em locais públicos da cidade de Cuiabá, tais como: restaurantes, terminais de

ônibus, aeroporto, feiras de rua, igrejas, bares, shopping center, penitenciária, faculdades,

escolas, demais locais onde há uma grande circulação de pessoas.

Com a pesquisa feita foi possível notar os diferentes tipos de comportamento que essa

corporeidade apresenta: em agrupamentos, duplas ou individual essas pessoas estão sempre

em circulação vivendo e con/vivendo nesses espaços. A pesquisa se orientou por um roteiro

de observação que privilegiou suas posturas nos locais investigados: assentar, andar, agrupar-

se, comer, falar sobre que assuntos, sua vestimenta, seus adornos, suas expressões de rosto,

como se exercitam, sobre o que sonham, suas formas de acasalamento, como se namoram.

O olhar dos pesquisadores se direcionou para ver nesses micros-espaços-tempo,

através de uma linguagem corporal dos sujeitos, acrescida de informações com pequenas

entrevistas o que esses corpos tinham num comportamento etológico muito mais animal do

que cultural quis nos mostrar.

Temos tentado a partir de uma investigação antropológica observar como os corpos

têm se comportado nessa geografia que cada dia faz aquilo que a proxêmica de Edward Hall

cunhou de “apinhamento”, noutras palavras esta expressão diz de ajuntamentos cada vez mais

abarrotados nos espaços urbanos. As regras de convívio têm que sofrer alterações para fazer

as pessoas se adaptarem a esse ajuntamento que é cada vez mais freqüente nas sociedades

modernas. Se espremendo em barracos, se acotovelando em filas de terminais de transportes

coletivos se esbarrando em meneios nas festas, em bares, em shows, saracoteando em locais

públicos como nas praças, as pessoas nos dizem com uma linguagem não verbal, isto é,

puramente corporal, que é possível com/viver se as regras de convívio permitirem ser o que

elas podem ser. Como nos lembra Montagu (1988, p. 19) “as comunicações que transmitimos

por meio do toque constituem o mais poderoso meio de criar relacionamentos humanos, como

fundamento da experiência’.

Algumas pessoas segundo a observação e a fala dos sujeitos nos dizem de um corpo

extenuado “escravizado” pelas duras horas de trabalho que se complementa com horas de

escola que se apertam no ir e vir nos transportes coletivos. Algumas nos falam de pisoteios, de

engarrafamentos, desse estresse que as cidades grandes costumam produzir.

Há um corre-corre habitual que rotiniza a vida dessas pessoas. Elas estão sempre com

pressa e com a sensação de que perderam tempo. É comum, pelas falas dos sujeitos, um

Page 4: O CORPO E ESPACIALIDADE: UM ESTUDO SOBRE O … · 2009-10-16 · 6824 Pesquisa sobre a Corporeidade e a Ludicidade) com o intento de verificar o comportamento de pessoas em locais

6825

desagrado com o corpo. Quando perguntados sobre o que comem, por exemplo, há uma voz

corrente sobre uma má alimentação: comidas rápidas e engorduradas que acabam desenhando

as silhuetas que mostram “as banhas que saltam fora da roupa” como nos dizem alguns

entrevistados. Estas imagens fazem parte do acervo do grupo:

A busca do corpo perfeito nos ritos de um corpo insatisfeito nos faz apelar para

técnicas de relaxamento, a medicamentos para dormir, a dietas que envolvem o alimentar, o

emagrecer, o engordar, entre outros. Não paramos para pensar em nosso corpo, preocupamos

somente com a estética: o silicone, o botox, as plásticas, a lipoaspiração constituem assumem

essa função. Estamos sempre anexados a uma prótese, num mundo que celebra essas

mudanças, fazendo perder a forma corporal. Estamos mais obesos, infelizes, hipertensos e não

pensamos no corpo coletivo, mas no corpo individual. Assim cada “eu” vai se arrastando

como pode.

As coisas não naturalizam por si só, mas é o olhar para/de nossa cultura que nos obriga

a ver este mundo, a representá-lo com as assinaturas de nossa existência, isto é, ao olhar do

Homo ludens-sapiens-faber-demens, que somos.

Lembrando Marcel Mauss (2008, p. 420) “em toda sociedade, todos sabem e devem

saber ou aprender aquilo que devem fazer em todas as condições. Naturalmente, a vida social

não é isenta de estupidez e de anormalidades.” Essa “estupidez” que fala Mauss pode ser

notada nas falas e na própria expressão de ser de cada sujeito investigado. Empurrões nas

filas, xingamentos no transito, abarrotamento nas festas, lugares que se supõem pontos de

divertimento corporal, acabam por produzir um aborrecimento naquele que lá esteve para se

distrair.

Page 5: O CORPO E ESPACIALIDADE: UM ESTUDO SOBRE O … · 2009-10-16 · 6824 Pesquisa sobre a Corporeidade e a Ludicidade) com o intento de verificar o comportamento de pessoas em locais

6826

O homem é um animal natural que se torna cultural. Essa é uma regra do

comportamento etológico humano, esse comportamento sofre influências de fatores externos

como, por exemplo, o clima quente-úmido da cidade de Cuiabá que obriga empurrar as

pessoas para fora da casa. Parece contraditório dizer, mas é justamente este comportamento

que produz uma socialização quase que compulsória com as pessoas desse local. Outros

fatores são afetos a qualquer sociedade: ambiente físico, luta pela sobrevivência, as condições

financeiras, a fluidez desses tempos pós-modernos, como nos diz Zygmunt Bauman (2007, p.

97), a flutuação dos valores morais, a fragilidade das relações interpessoais entre outros.

Toda sociedade possui características que são exteriorizadas principalmente através do

comportamento de seus integrantes. Verificar as diferenças comportamentais dos grupos e não

de um indivíduo isoladamente, foi para Mauss (2008, p. 404) uma constatação, uma

idiossincrasia social que cada ambiente produz.

Do Roteiro de Investigação

Para desenvolvimento deste trabalho utilizamo-nos de uma mini-pesquisa para checar

aquilo que Hall (1981) escreveu a mais de quarenta anos atrás. O autor dizia que as

populações mundiais estão se amontoando nas cidades e nesses amontoamentos as

necessidades de espaço das pessoas são concebidas “simplesmente em função dos limites de

seus corpos”. Daí que essa leitura de Hall inspirou a nós pesquisadores em que envolvemos os

alunos do segundo semestre do curso de Educação Física da Universidade Federal de Mato

Grosso. Em campo eles utilizaram de câmera digital para registrar através de imagens os

aglomerados de pessoas:

Page 6: O CORPO E ESPACIALIDADE: UM ESTUDO SOBRE O … · 2009-10-16 · 6824 Pesquisa sobre a Corporeidade e a Ludicidade) com o intento de verificar o comportamento de pessoas em locais

6827

Seguida de observações sistemáticas e assistemáticas, além de um roteiro de

entrevistas com aqueles sujeitos que se mostraram com boa vontade para lhes dar informações

a respeito das questões categorizadas, conforme quadro abaixo, fazemos um resumo do que se

pôde retirar de suas falas e das observações:

Sobre o que Falam

Família/ Esportes/ Religião/ Clima/ Escola/ Emprego/ Homens/ Mulheres/ Sexo/ Experiências vividas/ Festas/ Comidas/ Encontros/ Negócios/ Finais de Semana/ Políticas/ Desabafos/ Fofocas/ Brigas/ Congressos/ Palestras/ Seminários/ Esportes/ Novelas/ Cinema/ Cidade Natal/ Cidade onde trabalham/ Faculdade/ Futebol/ Internet/ MSN/ Orkut/ Formatura/ Relacionamentos anteriores/ Pretensões futuras/ Rock/ Cerveja/ Moda/ Gírias/ Músicas/ Shows/ Namorados/ Professores/ Filmes Pornô/ Lutas/ Beleza feminina/ Comportamento/ Processos/ Notícias do dia-a-dia/ Promoções de Shopping/ Meninas/ Jogos eletrônicos/ Abordagens sofridas por policiais/ Drogas/ Brigas/ Armas/ Filmes de Guerra/ Roupas/ Assuntos diversos.

Como se Vestem (calçam)

Uniformes escolares/ Uniformes de empresas/ Roupas básicas/ Blusas/ Roupas adequadas ao clima/ Calças/ Short/ Saias/ Vestidos/ Tênis/ Sandálias/ Sapatos/ Chinelos/ Sapatilhas/ Rasteiras/ Sapatos baixos/ Moule/ Sandálias rasteirinhas/ Salto alto/ Tênis/ Sapatos/ Vestidos longos/ Tamancos/ Calça jeans/ Calça social/ Camisa social/ Camisetas/ Chinelo/ Camiseta de manga/ Regata/ Terno/ Gravata/ Meias/ Botas/ Sempre bem confortáveis/ Bonés/ Chapéus/ Fivelas/ Scarpan/ Forma simples/ Calça lycra.

Como e o que se comem (como se alimentam)

Porções de batata frita/ Salaminho/ Espetinho/ Arroz/ Farofa/ Vinagrete/ Cerveja/ Suco/ Refrigerante/ Água/ Pizza/ Espaguete/ Lasanha/ Chopp/ Whisky/ Caipirinha/ Caipirosca/ Cachorro quente/ Sorvete/ Salgados/ Frituras/ Balas/ Chicletes/ Chocolates/ Picolé/ Merenda oferecida pela escola/ Bolos/ Fastfood/ A lá carte/ Pirulitos/ Bolachinhas “Pit stop”/ Café/ Banana frita/ Algodão doce/ Melzinho/ Sorvete/ Pipoca/ Bolo de arroz/ Saladas/ Porções de carne/ Feijão/ Pão/ Alimento Espiritual hóstia.

Como se namoram (copulam)

Trocam carícias/ Abraços/ Beijos/ Apertos/ mãos dadas sendo acariciadas às vezes/ recados mandados pelos amigos/ Abordam diretamente através de conversas amigáveis/ Trocam números de celulares/ Marcam um encontro/ Carinhos mais quentes/ Carinhos mais discretos/ Mãos dadas com um clima de romance/ Não namoram/ Ficam/ Em casa/ Na rua/ À distância/ com preservativo/ Sem extrapolar/ Dentro das celas/ No banco do shopping/ No cinema/ Saem com a garota para passear/ Pai e mãe não sabem/ Namoro sério/ Pai e mãe sabem/ Mantendo relação sexual

Como se adornam (enfeitam)

Bonés/ Brincos grandes e pequenos/ Correntes/ Colares/ Relógios/ Anéis/ Pulseiras/ Maquiagens/ Bolsas/ Óculos de sol/ Óculos de grau/ Prendedores de cabelo/ Anéis/ Gel/ Celulares/ Perfumes/ Gel/ Smartsphones/ Chapéus/ Tatuagens/ Cintos/ Chapinha/ Piercing/ Não possuem adornos/ Tintura no cabelo/ Cortes de cabelo/ Tornozeleiras.

Como se locomovem

A pé/ Correm/ Andam/ Transporte coletivo / Carro/ Moto/ Carona/ Táxi/ Moto-táxi/ Bicicleta.

Como se sentam

À vontade/ Cruzam as pernas/ Com os pés no banco ou no chão/ Crianças no colo/ inclinação do tronco para frente/ postura ereta/ Voltados para a TV/ braços apoiado na mesa/ não se preocupa com a postura.

Como se socializam (troca de

Cumprimentos Gírias/ Bom dia/ Beleza/ Sentam-se frente a frente/ Receptivos/ Educados/ Sorridentes/ Conversando/ Abraçando/ Conversas/ Cumprimentos rápidos/ Gesticulando para chamar a

Page 7: O CORPO E ESPACIALIDADE: UM ESTUDO SOBRE O … · 2009-10-16 · 6824 Pesquisa sobre a Corporeidade e a Ludicidade) com o intento de verificar o comportamento de pessoas em locais

6828

informações)

atenção/ Socializam em grupos/ Telefonemas/ Internet/ Festas/ Shows/ Escola/ Socializam entre pequenos grupos/ Socializam através dos estudos.

Sobre o que lêem

Alguns são analfabetos/ Não tem tempo para leitura/ Livros didáticos (Obrigação)/ Fofocas dos artistas na mídia/ Catálogos de produtos/ Jornais/ Produtos em promoção/ Literatura Brasileira e internacional/ Livros populares/ Notícias Internet/ Revistas/ Jornais periódicos/ A Gazeta/ Folha do Estado/ Caderno de Esportes/ Bíblia/ Receitas/ Livros infantis/ Romances/ Folhetos da missa/ Revistas de bordados/ Livros específicos para a formação acadêmica / Gibis/ Revistas de mulheres peladas/ Atualidades/ Cartilhas de eventos empresarial/ Congresso/ palestra/ Seminários/ Novelas/ Cardápio/ Não costumo ler/ Revista veja / Revista Caras / Livros da biblioteca/ Livro de alto ajuda/ relações humanas/ Livro preparatório para concurso.

Como se divertem

Briguinhas/ Brincadeira do “AI”/ Rodas/ Conversando/ Gastando no shopping/ Planet park/ Cinema/ Lan houses/ Músicas ao vivo em barzinhos/ Bebendo/ Jogar truco/ Festas/ Baladas/ Fofocas/ Disputas/ Queda de braço/ Piadas/ Jogando baralho/ Lanchonete/ Computador/ Sair com os amigos/ Família/ Futebol/ Teatro/ Churrasco/ Viagens/ Reuniões em casa/ Namorando/ Louvando/ Fatos do dia-a-dia/ Bafões.

Se e como se Exercitam

Correndo para não perder o ônibus/ Carregando peso/ Compras/ Crianças/ Espreguiçando/ Sedentários/ Academia/ Caminhada/ Não exerce nenhuma atividade física/ Futebol/ Corridas trilha UFMT/ Levantamento de “copo/talheres/ Caminhadas em parque e ruas/ Aulas de Educação Física/ Abdominal/ Musculação/ Dançando/ Trabalhando em pé o dia todo/ Esticando os braços/ Alongamento.

Considerações Finais

Com o trabalho feito foi possível chegar a algumas constatações que pudessem

descrever o comportamento humano nos locais que serviram de observação. As pessoas de

um modo em geral se comportam, assumindo movimentos com gestos estereotipados muito

específicos de cada situação que acabam orientando as suas atitudes tão próximo daquilo que

pontuou Montagu (1988, p. 19): “em razão de nossa progressiva sofisticação e falta de

envolvimento recíproco passamos a utilizar exageradamente a comunicação verbal, chegando

inclusive a excluir de nossa experiência o universo da comunicação não verbal, para o nosso

acentuado empobrecimento”.

Para esse autor há na “ocidentalização do corpo” (grifo nosso), uma inexistência de

toque. Essa falta de pele a que ele se refere pode ser visto em nossos dias dentro de apertados

elevadores em condomínios das grandes cidades, em filas de bancos, em casas de show e em

terminais de ônibus. Abarrotados de pessoas esses lugares ditam uma corporeidade e afinam

uma “técnica corporal” para ser caro a Mauss, que elimina qualquer possibilidade de toque,

qualquer experiência de pele.

Page 8: O CORPO E ESPACIALIDADE: UM ESTUDO SOBRE O … · 2009-10-16 · 6824 Pesquisa sobre a Corporeidade e a Ludicidade) com o intento de verificar o comportamento de pessoas em locais

6829

O espaço cibernético afasta o indivíduo do tempo e do espaço, o corpo se apaga

restando assim apenas a comunicação, mas sem o corpo, sem o rosto, a mente se libera do

corpo, de seus limites e dá força aos pensamentos. A única forma de toque de pele são as

mãos que podem tocar o teclado e a única imagem é a tela do computador, o corpo é

transportado do mundo físico para um mundo metafísico, um mundo simbólico, onde

deficientes e doentes se movem, magros e obesos se transformam, negros e brancos se

misturam em suas cores, crianças e adultos se confundem, os mais velhos se tornam jovens,

tornando um momento de igualdade, pondo o corpo entre parênteses, e se entrega a essa vida

virtual, com emoções, paixões, medos que reproduzem os valores da sua existência. Mas o

mundo fictício é um mundo sem “carne”, nos dá proteção e nos tira do mundo real: talvez

esteja aí o clichê de viver “o mito do indivíduo perfeito”.

Os dados da pesquisa puderam registrar com sua coleta de informações, a partir das

imagens e conversas com transeuntes, que apesar de algumas pessoas apresentarem diferenças

visíveis quanto à situação financeira, no modo de ir e vir, no modo de ser, vestir, falar, ler, se

divertirem e ocupar esses lugares, eles se assemelham em quase tudo. Há um “corpo social”

tangível no modo de eles se comportarem em público. Eles se parecem em seus assuntos

cotidianos: futebol, mulheres, sexo, dinheiro são os temas que monopolizam a conversa para

os “machos”; moda, namorado, shopping center, filhos, são a predileção das “fêmeas”,

conforme assinala o quadro (retro).

No Restaurante, o corpo mostra que a cultura molda um êthos nas pessoas desde o

modo de se vestir até a maneira de se comportar diante de uma determinada situação, que é

normalmente influenciado pelo ambiente que se ocupa, pela classe social ou pela “tribo”, para

lembrar um termo usado pelo sociólogo Michel Mafessoli. Em tempos passados, quando as

pessoas eram diferenciadas pelas classes sociais que pertenciam, o que podia ser visto em

suas vestimentas e tons de pele, hoje nas grandes cidades essa diferenciação se faz no êthos de

cada tribo. Assim temos a tribo dos fanqueiros, dos country, dos esportes radicais, dos

notívagos. Cada grupo, a partir de hábitos intra-específicos, vai compondo aquilo que a

sociologia compreensiva chama de “tecido social”.

Para Montagu (1988, p. 19) “a linguagem dos sentidos, na qual podemos ser todos

socializados é capaz de ampliar a nossa valorização do outro ou do mundo em que vivemos, e

de aprofundar nossa compreensão em relação a eles”. Daí que somos todos parecidos nesses

Page 9: O CORPO E ESPACIALIDADE: UM ESTUDO SOBRE O … · 2009-10-16 · 6824 Pesquisa sobre a Corporeidade e a Ludicidade) com o intento de verificar o comportamento de pessoas em locais

6830

espaços para produzir uma acomodação necessária no trato de pertencer a um determinado

grupo social...

As pessoas que utilizam os terminais de ônibus geralmente possuem a vida muito

corrida e seus usuários em sua maioria pertencem às classes desfavorecidas, que pelas

imagens estão sempre em situação de descontentamento. Esses locais estão sempre

“apinhados” e seus ônibus carregam passageiros que parecem transbordar seus ocupantes.

Existe um apego à territorialidade, no uso que o “animal” faz do espaço. Há padrões

de espaçamento e distância que a maioria emprega entre uns e outros. Em determinados

horários do dia, acontece muito engarrafamento.

Quanto aos locais de festas, o estudo pôde mostrar que indivíduos de vários estilos

(tribos) procuram os bares como forma de divertimento. Há nesses ambientes um

entrosamento entre amigos que faz “quebrar” aquela vida rotineira, aliviando o estresse do

cotidiano, num lugar agradável e bem receptível. As repostas dalguns entrevistados

corroboram aquilo que os tempos atuais têm cunhado de Qualidade de Vida. Essa vida só

pode ser vivida se completada com essa vazão do tempo do labor, e nunca é demais repetir o

poeta Schiller: “o homem só se completa quando se diverte”.

Duas universidades fizeram parte dos loci estudados e algumas diferenças são

gritantes, embora não sendo esse o interesse da pesquisa, não podemos nos furtar de fazê-lo,

no tratamento antropológico do dado. Uma leitura sociológica já fez essa observação de que a

sociedade brasileira há muito tempo tem como opção o aluno das classes abastadas é que deve

freqüentar o ensino superior de qualidade, estudando nas universidades públicas. Sobram para

alunos das classes trabalhadoras as universidades particulares com vocação de ensino apenas

Page 10: O CORPO E ESPACIALIDADE: UM ESTUDO SOBRE O … · 2009-10-16 · 6824 Pesquisa sobre a Corporeidade e a Ludicidade) com o intento de verificar o comportamento de pessoas em locais

6831

sem investimentos em pesquisas, o que acaba prejudicando a sua formação. Dados do último

censo, do Ministério da Educação, confirmam essas discrepâncias.

Outras diferenças entre o comportamento desses alunos observados estão no sentido

de que os alunos da universidade pública (UFMT) ficam mais à vontade no seu modo de ser e

de estar no campus. Há uma aura de contentamento e um despojamento no modo de vestir e

de falar dos mais variados assuntos. Mesmo nos cursos noturnos, quando cobram um

“padrão” mais elitizado em se vestir, essa diferença parece apontar para um corpo mais solto,

menos tenso que os alunos da universidade particular (UNIC). Nesta universidade as salas de

aula são abarrotadas, o que faz aumentar a distância de interlocução entre professores e

alunos. Os bares pertos dessa universidade, às vezes parecem ter mais alunos contentes que

cabulam a aula para se divertirem. Os assuntos ali tratados passam ao largo das disciplinas

escolares...

Outro lugar bem pós-moderno, elegido pela pesquisa foi o shopping center. Durante a

pesquisa foi possível observar que o shopping não é um local apenas de pessoas de classe

social elevada, mas também de pessoas de todas as classes sociais. Diferenciando-se muito

nos gostos e costumes das pessoas esse local faz conviver todas as tribos. Os shoppings

centers são, nem medo de errar, as nossas praças atuais. Lá esse ajuntamento reserva o direito

seguro de ir e vir, de perambular, de consumo também, mas nem tanto. As pessoas que a ele

freqüentam se dedicam muito mais a uma “conversação”, termo caro a Maturana (2004), do

que apenas ao consumismo. A fala de um entrevistado pode conferir essa análise:

“― O shopping é um local onde todos podem freqüentar, e a diferença só se vê no bolso de cada um na hora de ir às compras, porque no geral elas se vestem, calçam, comem e se divertem de forma igual, o diferencial está nas marcas das grifes e na qualidade da comida que comem” (Entrevistado/M. – 30anos).

Muito foram os dados, conforme o quadro pôde mostrar e muitas são as análises que

outros olhares com outras lentes podem fazer, mas para esse fórum nos damos por satisfeito.

A fala de outro entrevistado pode conferir os objetivos da pesquisa:

“― Estamos tão acostumados com o que vemos que não percebemos a gravidade do que estamos olhando, participar desta pesquisa, foi algo extremamente importante para o meu desenvolvimento pessoal, analisar as pessoas sobre um ponto de vista diferente do qual estamos acostumados não é fácil, infelizmente somos unilaterais, temos dificuldade em ver o outro lado (...) o dia-a-dia nos consomem que nem damos conta de pensar no que estamos vivendo...”. (Entrevistada/F – 25anos)

Page 11: O CORPO E ESPACIALIDADE: UM ESTUDO SOBRE O … · 2009-10-16 · 6824 Pesquisa sobre a Corporeidade e a Ludicidade) com o intento de verificar o comportamento de pessoas em locais

6832

Outros aspectos sobre os materiais analisados como se vestem, se alimentam, se

comportam, se namoram, se deslocam... neste meio, servem de diapasão não apenas como

detalhes, mas podem nos servir para perceber que nosso corpo é regido por regras sociais que

são obrigadas a cumprir. No entanto, os aspectos emocionais que pudemos analisar olhando

para essas pessoas é algo realmente relevante. Fazer um relato da história particular de cada

participante é entendê-lo como pertencente a um todo tecido social. Os sofrimentos vividos

por cada um se mostram em sua corporeidade. Há uma comunicação não verbal que fala o

tempo todo. Seja no ato de vestir, na expressão dura do rosto, na insatisfação durante os

transportes coletivos, no desconforto da poluição sonora, no isolamento individual em meio a

multidão de pessoas que superlotam os espaços públicos, essa corporeidade vai gritando, se

ajeitando no jeito que pode.

É verdade que muitos não se importam com o que acontece em seu entorno, mas basta

ver e escutar uma mãe chorando ao ouvir o barulho da sela batendo para perceber que existem

pessoas que sonham com a reabilitação de seus entes queridos ou parentes que por algum

motivo ingressaram na vida do crime, da transgressão dessas regras sociais.

Com base na teoria de Marcel Mauss (1974, p. 320), o comportamento humano não se

faz somente por uma consciência individual, se não também pela mentalidade coletiva. O

homem tende a agir de forma similar ao seu grupo seja qual ele for, para ser aceito. Ser aceito

por algum grupo traz ao indivíduo um bem-estar, de maneira que o exterior reflete no interior.

Cada ambiente forma uma idiossincrasia social, com as técnicas corporais. E através destas

técnicas corporais pode-se identificar de qual ambiente o indivíduo pertence. Os fatores

econômicos, culturais, sociais entre outros têm um papel decisivo no comportamento de ser

de cada grupo. Antes de serem culturais, os homens como os animais são mais naturais do que

possam imaginar.

REFERÊNCIAS

BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2007.

HALL, Edward T. Proxémique In WINKIN, Yves. La nouvelle communication. Paris: Seuil, 1981.

Page 12: O CORPO E ESPACIALIDADE: UM ESTUDO SOBRE O … · 2009-10-16 · 6824 Pesquisa sobre a Corporeidade e a Ludicidade) com o intento de verificar o comportamento de pessoas em locais

6833

HALL, Edward T. La dimensión oculta. México: Siglo Veintiuno, 1986.

HUXLEY, Julien (ed.) Le comportement rituel chez l’homme et l’animal. Paris: Gallimard, 1971.

LE BRETON, David. Adeus ao corpo: antropologia e sociedade. Campinas Papirus, 2003.

LE BRETON, David. A sociologia do corpo. Petrópolis: Editora Vozes, 2007.

LE BRETON, David. As paixões ordinárias: antropologia das emoções. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2009.

LORENZ, Konrad. A agressão: uma história natural do mal. Lisboa: Moraes, 1974.

LORENZ, Konrad. A demolição do homem — Crítica à falsa religião do progresso. São Paulo: Brasiliense, 1986.

MATURANA, H.; VERDEN-ZÖLLER, G. Amar e brincar: fundamentos esquecidos do humano. São Paulo: Palas Athena, 2004.

MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro: Forense-universitária, 2006.

MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2008.

MONTAGU, Ashley. Tocar o significado humano da pele. São Paulo: Summus, 1988.